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SIGNIFICADO E BASES DO RÓJA-YOGA

(uma introdução ao YOGA-SÚTRA de PATAÑJALI,


baseada em textos clássicos)
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 2

CAPÍTULO 1

Introdução Geral

O RÓJA-YOGA ou “Yoga Real” é um sistema desenvolvido há mais de dois mil


anos, na Índia, destinado a levar o ser humano à sua libertação espiritual, através de
técnicas principalmente internas, como a meditação. Este livro se destina a esclarecer a
natureza dessa técnica.
Atualmente, utiliza-se no Brasil a palavra “Yoga” para representar muitas coisas
diferentes. O seu significado mais comum é de um sistema de condicionamento físico,
caracterizado por certas posturas e exercícios de respiração. Costuma-se chamar esse
tipo de sistema de HAÈHA-YOGA. Duas ou três décadas atrás, foi introduzida no
Brasil uma corrente religiosa, conhecida geralmente pela expressão “Hare Krishna” e
que representa um outro tipo de YOGA, que é denominado BHATKI-YOGA. Há livros
e cursos ministrados no Brasil que falam sobre outros tipos de YOGA. O próprio termo
RÓJA-YOGA tem sido utilizado por diferentes pessoas, nem sempre com sentido
idêntico ao significado tradicional dessa expressão na Índia.
O objetivo deste texto é esclarecer o significado de um ramo tradicional do
YOGA indiano – o RÓJA-YOGA – sob o ponto de vista da tradição clássica contida nos
textos originais indianos. Não se trata nem de uma exposição de uma opinião particular
do presente autor, nem de uma novidade ou adaptação à realidade atual. Se há alguma
novidade no presente texto, essa novidade é apenas a tentativa de ser fiel à tradição.
O mais importante texto clássico sobre RÓJA-YOGA é o chamado YOGA-
SÚTRA de PATAÑJALI. Esse é um texto curto, mas de enorme dificuldade de
compreensão. Ele será o fio condutor do presente livro, mas, durante todo o tempo,
serão utilizadas outras fontes originais, para comparação e esclarecimento do texto de
Patañjali.
A visão do YOGA que será aqui apresentada não é a única e não é
necessariamente a melhor. Existem diferentes ramos do YOGA e cada um é adequado
para diferentes tipos de pessoas. São diferentes caminhos que procuram conduzir ao
mesmo ponto. Assim, não deve haver nada de chocante em notar a diferença entre o
RÓJA-YOGA aqui exposto e o HAÈHA-YOGA ou BHAKTI-YOGA. Por outro lado,
pode ocorrer que a exposição do RÓJA-YOGA aqui apresentada seja diferente daquilo
que se possa encontrar em outros livros, cursos ou práticas existentes atualmente. Este é
um problema um pouco mais delicado. Infelizmente, há pessoas que utilizam
indevidamente o nome do RÓJA-YOGA para coisas que são muito diferentes do RÓJA-
YOGA tradicional. Isso não quer dizer que façam coisas erradas ou maléficas: podem
até estar desenvolvendo algo de excelente; mas utilizam um nome indevido e podem
produzir grande confusão. Vamos dar um exemplo para explicar isso.
Existem muitos tipos de abordagens no tratamento psicológico das pessoas – por
exemplo, a psicanálise Freudiana, a psicoterapia Rogeriana, a psicanálise Junguiana, e
outras mais. Se uma pessoa estudou cuidadosamente a obra de Jung e segue as idéias de
Jung, ela pode dizer que pratica a psicoterapia Junguiana; mas se uma pessoa diz ser um
terapeura Junguiano mas nunca estudou as obras originais de Jung, há alguma coisa de
errado nisso. Ela está utilizando um título indevido.
Da mesma forma, uma pessoa que utilize o nome “Raja-Yoga” sem conhecer os
textos tradicionais e sem seguir a linha indiana que tem esse nome, está se valendo
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 3

indevidamente do nome e pode estar enganando pessoas que confiam nela e que pensam
estar seguindo uma tradição indiana milenar.
Pessoas com excelentes intenções têm escrito sobre RÓJA-YOGA sem muita
fundamentação. Há, por exemplo, em português, vários livros do “Yogue Ramacháraka”
sobre YOGA – e um deles trata especificamente sobre RÓJA-YOGA. O verdadeira
autor desse livro é um inglês, chamado William Atkinson, que se escondia sob o
pseudônimo de “Yogue Ramacháraka” para aparentar uma autoridade que não tinha, de
fato. Por melhor que tenha sido a intenção desse autor, ele não conseguiu exibir o
verdadeiro RÓJA-YOGA. Não basta um nome indiano para garantir a autoridade de um
texto. Aliás, também não basta ter nascido na Índia ou ter morado lá. Quem quer
conhecer, por exemplo, a antiga filosofia grega, não vai para a Grécia. O que ele faz ?
Procura estudar os textos gregos clássicos de Platão, Aristóteles, Epicuro, etc. Para a
maioria dos gregos atuais, o pensamento de Aristóteles é totalmente desconhecido; e
não se pode garantir que um professor de filosofia atual, nascido na Grécia, conheça o
pensamento de Platão melhor do que um professor inglês. É preciso tomar cuidado com
os critérios utilizados para selecionar um especialista. A sua nacionalidade pode ser
irrelevante.
Há vários autores estrangeiros que estudaram cuidadosamente os textos indianos
clássicos e que produziram obras que trazem, de forma fiel, a tradição do YOGA. Dois
bons exemplos são Mircea Eliade e Jean Varenne1. Seguindo exemplos como estes, o
presente livro procura recorrer aos textos clássicos, respeitados na Índia há muitos
séculos, para esclarecer o que significava o RÓJA-YOGA originalmente.
Pode-se considerar o trabalho aqui apresentado como uma pesquisa de um
historiador, que aplica ao estudo da tradição indiana as mesmas técnicas que se utiliza
para o estudo de qualquer outra tradição cultural. Quando investiga o passado remoto,
um historiador precisa se basear em documentos. No nosso caso, esses documentos são
os textos indianos antigos relativos ao YOGA. Alguns desses textos foram escritos três
mil anos atrás, em uma língua “morta”2, em um contexto social e cultural muito
diferente do atual. É extremamente difícil compreender esses documentos. Diferentes
tradutores compreendem de formas diferentes esses mesmos textos. Há conflitos até
entre comentários indianos dos documentos mais antigos.
De certa forma, é impossível traduzir os textos clássicos do YOGA, pois eles
descrevem coisas para as quais não dispomos de palavras adequadas. O vocabulário dos
idiomas ocidentais não permite a tradução correta do sânscrito, pois não temos aqui as
mesmas vivências que foram descritas pelos antigos “yogues”. Por isso, a compreensão
do significado de um texto clássico indiano só é possível gradualmente, por sucessivas
aproximações. E nesse trabalho de interpretação é importante sempre evitar
interpretações apressadas e evitar identificar aquilo que está sendo estudado com aquilo
que já conhecemos. É preciso sempre admitir que aquilo que o texto está dizendo talvez
seja muito diferente do que estamos pensando – e que, talvez, nem sejamos capazes de

1
ELIADE, Mircea. Le yoga, immortalité et liberté. Paris: Payot, 1975. VARENNE, Jean. Le yoga et la
tradition hindoue. Paris: Culture, Art, Loisirs, 1973.
2
Os textos tradicionais indianos mais antigos são escritos em “vêdico” – um idioma que era falado entre
os séculos 20 e 10 antes da era cristã; esse idioma foi se transformando e gerou o “sânscrito”, que também
foi utilizado para a composição de textos antigos; mas nenhum deles é o idioma falado pelos indianos
atuais. O idioma oficial da Índia, o “hindi”, é o “neto” do védico. Um indiano culto, atual, que conheça
muito bem o hindi, é tão incapaz de compreender o sânscrito quanto um italiano atual de compreender o
latim falado em Roma no tempo de Cristo. Nesse sentido, pode-se dizer que o sânscrito é um idioma
“morto”, como o latim, apesar de haver pessoas que os aprendem.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 4

compreender o que o texto diz, porque nos falta exatamente a vivência daquilo que o
texto está indicando.
É possível esclarecer essa dificuldade por algumas comparações. Suponhamos
que um esquimó nunca tenha visto (nem em filmes) um papagaio, uma galinha ou um
cachorro e que um brasileiro que soubesse falar esquimó tentasse lhe dizer o que são
esses animais. Em primeiro lugar, seria tolice procurar simplesmente uma palavra que
traduzisse os nomes “papagaio”, “galinha”, “cachorro” – pois, mesmo se a palavra
existisse, em esquimó, ela não significaria nada para o próprio esquimó, que não
conhece os animais. Seria preciso ir gradualmente falando, através de comparações,
sobre como esses animais se parecem, como se comportam, etc. Algumas coisas, no
entanto, seriam muito difíceis de transmitir: como explicar o sabor de uma fruta
desconhecida? Como explicar um perfume? Ou – pior ainda – como explicar uma cor a
um cego?
Uma palavra desligada da vivência que representa não significa nada. É por isso
que a compreensão de um texto clássico do YOGA exige também uma gradual
familiarização com as próprias vivências do YOGA. Nesse sentido, é muito mais difícil
traduzir um texto indiano do que um filósofo grego, como Platão. Pois as vivências de
Platão devem ter sido muito mais semelhantes às nossas do que as vivências dos yogues.
Assim, nossas palavras são muito mais adequadas para a tradução de Platão do que de
um texto indiano.
Em muitos casos, é melhor utilizar um termo sânscrito do que tentar traduzir
certos conceitos. Por exemplo: a palavra “meditação” é comumente utilizada para
traduzir o termo sânscrito DHYÓÔA3. Ocorre, no entanto, que cada um de nós tem um
conceito sobre o que é “meditar” e esse conceito já existente vai interferir com qualquer
explicação nova que se tente dar para o que é a “meditação” do RÓJA-YOGA. Pode ser
mais útil, por isso, utilizar a própria palavra DHYÓÔA, porque ela nos fará lembrar
sempre que se trata de algo novo e diferente, que não corresponde a nada que seja
previamente conhecido. Especialmente no caso de termos-chave como este, o uso do
vocabulário sânscrito não é um “esnobismo” nem uma sofisticação inútil. É o único
modo de se prevenir interpretações falsas.
Isso que foi dito deve ter deixado claro quão difícil é a tarefa aqui proposta. E
isso não é dito apenas para dizer que este trabalho é difícil. É dito também para alertar o
leitor: embora eu próprio tenha certa competência, posso me enganar ao interpretar os
antigos textos indianos – como qualquer outro ser humano. Como seria possível testar
aquilo que vai ser exposto aqui, para verificar se está correto ou não? Repetindo o
mesmo caminho que trilhei: procurando, como fiz, as fontes mais antigas, mais
respeitadas, da tradição indiana; examinando esses textos, diversas de suas traduções e
comentários – antigos e recentes; utilizando a experiência pessoal, adquirida em uma
prática bastante longa de RÓJA-YOGA, para interpretar alguns pontos obscuros; e – por
que não? – invocando a proteção de ÍIVA4 para conseguir realizar adequadamente este
trabalho e colocar à disposição de todos o antigo conhecimento indiano sobre o ser
humano.
Mesmo se este livro conseguir atingir aquilo que se propõe, ele não poderá dar a
ninguém uma experiência prática do YOGA. Isso não pode ser dado por nenhum livro.
O ensinamento do YOGA é, essencialmente, um treinamento envolvendo exercícios e o
3
Todos os termos sânscritos serão representados aqui em letras maiúsculas pequenas e com os sinais
especiais, estabelecidos no final do século XIX, que permitem representar todos os sons do sânscrito com
o alfabeto romano modificado. Ver, ao final do livro, um apêndice sobre a pronúncia do sânscrito.
4
ÍIVA (ou “Shiva”) é a forma divina ou DEVA que pode ser considerado o “patrono” dos yogues.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 5

desenvolvimento de atitudes que vão, aos poucos, transformando o praticante. A leitura


de livros pode acompanhar e auxiliar esse treinamento, mas não pode substituí-lo.
O desenvolvimento no caminho do YOGA é gradual e, a não ser em casos
excepcionais, exige auxílio externo, dado por outras pessoas mais experientes. Na
tradição indiana, esse auxílio é proporcionado pelo mestre ou GURU qualificado. Mas
como encontrar um mestre experimentado e saber se ele é realmente qualificado ou se é
um farsante? Este é outro problema difícil de se resolver. Não é possível indicar nenhum
tipo de “teste” infalível para reconhecer qual o verdadeiro GURU; mas, de um modo
geral, a pessoa que está ansiosa por mostrar que é um GURU e obter discípulos, não é
um mestre autêntico. Este livro pode também auxiliar, em certo sentido, a perceber se
uma pessoa que se diz um mestre em RÓJA-YOGA é autêntico ou não: se aquilo que
essa pessoa ensina for muito diferente do que está aqui descrito, cuidado! Essa pessoa
pode ter ótimas intenções, mas está usurpando um título que não tem o direito de portar.
O objetivo central deste estudo, como foi explicado acima, é esclarecer as bases
do RÓJA-YOGA, através da comparação do YOGA-SÚTRA com outros textos
clássicos. Essa análise vai exigir a citação de várias obras de diferentes épocas. Por isso,
antes de entrar no tema central desta obra, será apresentada no segundo capítulo uma
rápida visão dos principais período do pensamento indiano e dos tipos de textos que
serão utilizados a seguir. Quem preferir, poderá passar diretamente à leitura do capítulo
3, deixando de lado esse esboço histórico.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 6

CAPÍTULO 2

Períodos e Textos do Pensamento Indiano

Os textos mais antigos da Índia são os VEDAS. Embora não tenham sido
compostos de uma só vez e sim gradualmente, pode-se dizer que suas partes mais
antigas foram elaboradas há mais de três mil anos – no mínimo 12 séculos antes da era
cristã – talvez remontando ao século 20 antes de Cristo5. Uma parte dos VEDAS é
considerada como revelação sagrada ou mística (ÍRUTI) e outra parte é considerada
como tradição humana (SMÙTI). O conjunto de todos os textos vêdicos6 forma a base
na qual se fundamentam todas as correntes tradicionais, ortodoxas, da Índia7.
Dos textos vêdicos, os mais antigos são as coletâneas (SA»HITÓ8) de hinos e
de textos rituais. Existem quatro coletâneas, associadas a quatro escolas vêdicas
diferentes. Essas coletâneas são o ÙGVEDA, o SÓMAVEDA, o YAJURVEDA e o
ATHARVAVEDA. A maior parte desses textos compreende fórmulas (MANTRAM)
que eram utilizadas em rituais solenes ou domésticos. Essas coletâneas não possuem
uma estrutura lógica e ordenada. Só fazem sentido para quem já conhece, por alguma
outra fonte, o pensamento vêdico. A dificuldade em entendê-los é agravada por terem
sido compostos em um idioma arcaico, o vêdico, que foi depois substituído pelo
sânscrito. Embora o sânscrito tenha saído do vêdico, a passagem dos séculos acabou por
trazer grandes diferenças de ortografia, fonética, gramática, vocabulário, etc. – do
mesmo tipo das que ocorreram quando o latim gerou as línguas neo-latinas.
Em cada escola vêdica, além das coletâneas, desenvolveram-se outros tipos de
textos vêdicos mais recentes: BRÓHMAÔA, ÓRAÔYAKA, UPAÔI›AD, SÚTRA.
Os textos classificados como BRÓHMAÔA são, basicamente, os manuais dos
sacerdotes (os próprios sacerdotes se chamam também BRÓHMAÔA). Ensinam
principalmente a estrutura e o significado dos rituais solenes. Descrevem também
muitos mitos sobre as formas divinas (DEVA) e, às vezes, contêm discussões

5
É muito difícil determinar a data de qualquer texto indiano antigo. Muitas vezes é também difícil
descobrir seu autor. Os antigos indianos não davam importância a datas e autores, já que consideravam
que os textos sagrados eram, na verdade, provenientes de inspiração divina (não tendo um “autor”
humano, propriamente) e, em certo sentido, eternos. Por isso não tinha muito sentido registrar sua “data” e
“autor”. Como nos faltam indicações diretas, na maior parte dos casos só é possível proporcionar
conjeturas de pesquisadores recentes sobre as datas e autores dos textos.
6
A palavra “veda” se pronuncia como “vêda” e não como “véda”. Por isso, embora se costume falar nos
textos “védicos”, é mais correto dizer “vêdico”.
7
A história da literatura indiana foi estudada por diversos autores; Max Müller escreveu uma importante
obra sobre a literatura do período vêdico: Müller, Max. History of ancient sanskrit literature. Uma obra
que cobre tanto o período vêdico quanto posterior é: MACDONELL, Arthur A. A history of sanskrit
literature. Delhi, Motilal Banarsidass, 1971. Uma obra que se concentra principalmente no período mais
recente é: AGGARWAL, Hans Raj. A short history of sanskrit literature. 2. ed. Delhi, Munshi Ram
Manohar Lal, 1963.
8
O plural, em sânscrito, não se faz colocando um “s” no final da palavra, como em português. As palavras
recebem diferentes terminações, conforme sejam masculinas, femininas e neutras, conforme o seu papel
na frase e conforme o plural se refira a um número igual a dois (dual) ou superior a dois. Seria muito
complicado, para o leitor, indicar corretamente a terminação de cada palavra sânscrita que apareça neste
livro; por isso, optou-se por utilizar a palavra no singular, mesmo quando, pelo seu uso na frase,
represente um plural ou dual.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 7

filosóficas. Mas sua ênfase central é a discussão das regras exatas de como realizar os
grandes rituais – alguns dos quais duram até um ano inteiro.
Vinculados aos BRÓHMAÔA e, em muitos casos, fazendo parte deles (como
sua parte final), há outros textos chamados ÓRAÔYAKA que são, basicamente, os
textos para serem estudados pelos eremitas (VÓNAPRA›ÈHA) que viviam na floresta
(ÓRAÔYA). Em parte, seu estilo é semelhante ao dos BRÓHMAÔA, descrevendo a
estrutura e significado de rituais. Em parte, desenvolvem discussões filosóficas a
respeito do processo de evolução espiritual e sobre o Absoluto.
Esses dois tipos de texto parecem ter sido elaborados entre os séculos 10 e 7
antes da era cristã.
As UPANI›AD vão um passo além dos ÓRAÔYAKA. Exceto no caso das mais
antigas, falam pouquíssimo sobre rituais, sendo seu conteúdo predominantemente
filosófico. No entanto, não representam uma ruptura ou reação contra os rituais, como às
vezes se diz. As UPANI›AD mais antigas constituem anexos de cada BRÓHMAÔA e
de ÓRAÔYAKA, estando portanto claramente vinculadas à tradição e a cada uma das
quatro escolas vêdicas.
Os ÓRAÔYAKA e UPAÔI›AD são, em seu conjunto, denominados como
VEDÓNTA (o final dos Vedas); este nome é dado talvez por serem os textos vêdicos
mais recentes, por estarem localizados no final dos BRÓHMANA e – principalmente –
por representarem a essência ou culminação do pensamento vêdico.
As UPAÔI›AD mais antigas (como a famosa BÙHADÓRAÔYAKA
UPAÔI›AD) foram escritas provavelmente no período dos BRÓHMANA, ou seja,
entre os séculos 10 e 7 antes da era cristã. Outras UPAÔI›AD são posteriores a esse
período e algumas são certamente recentes (posterior ao século 10 depois do início da
era cristã).
De um modo geral, cada UPAÔI›AD é um texto curto. Algumas ocupam poucas
páginas, como a importante Á›Ó UPAÔI›AD. Há, no entanto, algumas que são grandes
livros, como a CHANDOGYA UPAÔI›AD e a BÙHADÓRAÔYAKA UPAÔI›AD.
O tema central das UPAÔI›AD é a natureza mais íntima (ÓTMAN) do ser
humano, a natureza do Absoluto (BRÓHMAN) e o processo de evolução espiritual.
Algumas UPAÔI›AD tratam de temas pertencentes ao YOGA. Algumas destas são
antigas, anteriores à era cristã, como a SVETÓSVATARA UPAÔI›AD. Há outras que
são posteriores ao início de nossa era e que são chamadas coletivamente de YOGA-
UPAÔI›AD.
Os SÚTRA vêdicos são textos que parecem ser todos eles mais recentes do que
os BRÓHMANA. São textos bem estruturados e de estilo bem direto. Alguns deles são
códigos éticos e legislativos (são os chamados coletivamente de DHARMA-SÚTRA);
outros são códigos que descrevem sistematicamente os rituais solenes ou domésticos;
outros descrevem conhecimentos auxiliares da prática religiosa. Embora respeitados,
não são textos sagrados: representam a tradição humana (SMÙTI) e não a revelação
divina (ÍRUTI). Devem ter sido compostos no período entre o século 5 antes da era
cristã e os primeiros séculos da era cristã. No entanto, seu conteúdo é, muitas vezes,
mais antigo, vindo de uma longa tradição oral. Um dos SÚTRA mais famosos é o
chamado “Código de Manu” (MANAVADHARMAÍASTRA).
Aproximadamente no século 5 antes da era cristã apareceram correntes de
pensamento contrárias à tradição, na Índia. Entre essas correntes heterodoxas estão o
Budismo, o Jainismo e algumas correntes materialistas. Embora combatessem muitos
pontos da tradição – e, em particular, as práticas religiosas dos rituais – essas correntes
heterodoxas conservaram muitas das idéias tradicionais.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 8

Os historiadores acreditam que, como reação a essas correntes heterodoxas,


surgiram, logo em seguida, os “seis grandes sistemas” filosóficos ortodoxos da Índia,
que negam as correntes novas (Budismo, etc.) e reafirmam a tradição. Esses sistemas
são descritos pelos indianos como sendo seis diferentes “visões” (DÓR›ANA) do
pensamento vêdico. Seus nomes são:
PURVÓ MÁMÓ»SÓ
UTTARÓ MÁMÓ»SÓ (também chamado VEDÓNTA)
VAI›E›IKA
NYÓYA
SÓ»KHYA
YOGA
Não se deve confundir o sistema VEDÓNTA com os textos VEDÓNTA (os
ÓRAÔYAKA e UPAÔI›AD).
Os seis sistemas acima indicados não são conflitantes entre si, a não ser em
detalhes. Partilham, em geral, da mesma visão e aceitam a autoridade dos textos
vêdicos, nos quais se baseiam. Diferem mais pelo ponto de vista do qual olham para
esses textos.
Costuma-se considerar que esses sistemas se agrupam e complementam dois a
dois, na ordem em que estão. SÓ»KHYA e YOGA estão, portanto, interrelacionados.
Em certo sentido, o SÓ»KHYA fornece a base teórica do YOGA, o qual, por sua vez, é
mais prático.
Os textos mais antigos que se conhece dessas escolas parecem ter sido
compostos entre os séculos 4 e 2 antes da era cristã. Embora “recentes”, eles se baseiam
em concepções mais antigas. Os textos básicos dos seis sistemas são extremamente
curtos e obscuros. Eram, provavelmente, apenas esquemas utilizados para guiar uma
exposição oral. O texto clássico da escola YOGA é o YOGA-SÚTRA, atribuído a
PATAÑJALI. No caso do SÓ»KHYA, o texto mais antigo se perdeu; o texto mais
utilizado como base de estudo dessa escola é o SÓ»KHYA-KÓRIKÓ, de
Á›VARAKÙ›ÔA. Foi escrito, provavelmente, no século 4 depois do início da era cristã.
O YOGA-SÚTRA de PATAÑJALI gerou posteriormente uma série de
comentários. O mais antigo que se conhece é o YOGA-BHÓ›YA, atribuído a VYASA.
Costuma-se datá-lo do século 7 da era cristã. Esse comentário, por sua vez, recebeu um
comentário: TATTVA-VÓI›ÓRADÁ, por VÓCASPATI-MI›RA (século 9). Outros
comentários “clássicos” são: RÓJAMÓRTANDA, escrito pelo rei BHOJA (século 11);
YOGA-VÓRTTIKA, de VIJJANA BHIK›U (século 16); e MAÔIPRABHÓ, de
RÓMÓNANDA SARASVATÁ (século 17). Nem sempre esses comentários são
interessantes e instrutivos. Procuram explicar, frase por frase, o YOGA-SÚTRA; mas,
muitas vezes, não esclarecem nada. Parecem algumas vezes ter sido escritos por pessoas
que não entenderam ou não vivenciaram tudo o que estão comentando. De qualquer
modo, essa seqüência de textos atesta uma tradição contínua de estudos teóricos sobre o
RÓJA-YOGA.
Alguns séculos antes da era cristã, começaram também a ser compostos os
épicos indianos: MAHÓBHÓRATA e RAMÓYANA. Assim como nos outros casos, as
idéias e lendas desses épicos (ITIHASA) são mais antigos; só é possível datar,
aproximadamente, a época em que esses textos adquiriram sua forma atual, mas devem
ter existido sob a forma de uma tradição oral durante muito tempo, antes.
Embora esses épicos sejam, essencialmente, textos literários que descrevem
lendas (semelhantes, nesse sentido, à Odisséia e à Ilíada), trazem dentro de si muitos
conhecimentos sobre a tradição filosófica e religiosa. No MAHÓBHÓRATA,
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 9

principalmente, encontra-se uma grande fonte de informações. O famoso BHAGAVAD-


GÁTÓ é uma parte do MAHÓBHÓRATA de grande importância filosófica e que fala
especificamente sobre vários tipos de YOGA. Da mesma forma, o MOK›ADHARMA é
outra parte, na qual se encontram muitas informações sobre SÓ»KHYA e YOGA.
Esses textos afirmam, claramente, que as duas escolas SÓ»KHYA e YOGA se
complementam.
No primeiros séculos da era cristã (e talvez um pouco antes) são compilados
outros tipos de textos de grande tamanho: os PURÓÔA. Se conteúdo principal é
mitológico: contam histórias referentes aos seres divinos (DEVA). Mas contêm,
também, muitas informações sobre rituais e sobre filosofia. São considerados
compilações de uma tradição oral antiga. De certa maneira, pode-se dizer que os
conteúdos da maioria desses textos coexistiram durante muito tempo, já que os próprios
textos BRÓHMANA citam os PURÓÔA e ITIHASA.
Durante os dez primeiros séculos da era cristã foram também escritos os
principais textos tântricos. Pela sua natureza predominantemente ritual, estão associados
à tradição vêdica antiga dos BRÓHMANA, assim como dos SÚTRA vêdicos rituais
(GÙHYA-SÚTRA, etc.). Porém, não aceitam o código ético e as distinções tradicionais
entre as castas. Sob esses aspectos, assemelham-se a algumas UPAÔI›AD que tratam
dos ascetas itinerantes – aqueles que renunciaram a tudo (SA»NYASA-UPAÔI›AD).
Durante esse período e também posteriormente ao século 10, foram escritos
muitos comentários aos textos mais antigos, assim como comentários aos comentários
mais famosos. Também se prosseguiu a redação das UPAÔI›AD. No primeiro milênio
foram também escritos os textos sectários (ÓGAMA) das três principais correntes,
dedicadas a VI›ÔU, ÍIVA e ÍAKTI. Por fim, a partir dos século 10 foram compostos os
primeiros textos do HAÈHA-YOGA. Vamos comentar rapidamente cada uma dessas
linhas.
Os ÓGAMA são textos que defendem a superioridade de uma ou outra
divindade indiana em relação às outras, colocando-a no papel de divindade suprema,
representante do Absoluto e origem de todas as outras manifestações divinas. As três
correntes mais importantes são a que se centralizaram nas figuras de ÍIVA, VI›ÔU e Í
AKTI. O culto a VI›ÔU gerou uma manifestação religiosa principalmente devocional e
que pode ser considerada moderada. O culto a ÍIVA e à divindade feminina ÍAKTI está
vindulado ao tantrismo e teve grande influência sobre o desenvolvimento da forma de
Yoga que pode ser denominada tântrica e que tem por principal manifestação o
HAÈHA-YOGA. Essa corrente ganhou grande desenvolvimento9 a partir do século 10
da era cristã, com um grupo liderado por GORAK›ANÓTHA, autor de um texto hoje
perdido (GORAK›A-›ATAKA). Os principais textos atualmente existentes do
HAÈHA-YOGA são o HAÈHAYOGA-PRADÁPIKÓ de SVÓTMÓRÓMA (talvez do
século 16), seu comentário JYOTSNÓ de BRAHMÓNANDA e duas obras posteriores
(século 17 ou 18): ›IVA-SA»HITÓ e GHERAÔflA-SAMHITÓ.
As UPAÔI›AD recentes, diretamente vinculadas ao Yoga (YOGA-UPAÔI›AD)
são textos curtos, de caráter semelhante aos textos de yoga tântrico. Não é possível datá-
las. Talvez sejam anteriores ao século 10, mas algumas podem ser posteriores a esse
período.
Por fim, é preciso indicar rapidamente o desenvolvimento do VEDÓNTA. No
final do primeiro milênio, o VEDÓNTA teve forte expansão, surgindo dentro dele

9
No Brasil e em outros países ocidentais, o nome HAÈHA-YOGA tornou-se sinônimo de um processo de
condicionamento físico suave, anódino, e poucos sabem que sua origem histórica é o Yoga tântrico.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 10

várias correntes. Um dos mais conhecidos expoentes foi ›ANKARÓCARYA (séculos


8-9 da era cristã). Defendeu a forma não dualista (ADVAITA) do VEDÓNTA. Outros
filósofos importantes, que criaram outras correntes, foram MADHVA e RAMANUJA.
Todos eles se dedicaram não só à discussão e interpretação de textos clássicos mas
também a práticas espirituais que possuem semelhança com a linha do RÓJA-YOGA,
embora nenhum deles se filie a PATAÑJALI. Na verdade, eles se baseiam nas
UPANI›AD clássicas e no BHAGAVAD-GÁTÓ, que já contêm a base do RÓJA-
YOGA. No entanto, para distingui-los do corrente de PATAÑJALI, costuma-se
denominar de JÑANA-YOGA o tipo de prática originada no VEDÓNTA.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 11

CAPÍTULO 3

Estrutura e Idéias Básicas do YOGA-SÚ


ÚTRA

O texto fundamental do RÓJA-YOGA, como foi dito, é o YOGA-SÚTRA de


PATAÑJALI10. O nome “RÓJA-YOGA”, no entanto, não aparece nesse texto, que fala
apenas sobre “YOGA”, em geral, como se não existissem diferentes correntes.
O YOGA-SÚTRA é dividido em quatro partes (PÓDA):
SAMÓDHI-PÓDA (sobre a união)
SÓDHANA-PÓDA (sobre os meios preparatórios)
VIBHÚTI-PÓDA (sobre as manifestações ou poderes)
KÓIVALYA-PÓDA (sobre a libertação)
A primeira parte (SAMÓDHI-PÓDA) fala principalmente sobre os diferentes
estados mentais, sobre o modo de controlá-los, sobre os tipos de união (SAMÓDHI), os
obstáculos e modos de atingir o SAMÓDHI, e sobre a divindade (Á›VARA).
A segunda parte (SÓDHANA-PÓDA) fala sobre os modos de superar vários
obstáculos, sobre os resíduos provenientes dos desejos e das ações (KARMA), sobre o
sofrimento humano e os modos de escapar dele, depois descreve os oito membros do
YOGA clássico e explica principalmente os primeiros. Fala sobre as proibições
(YAMA), sobre as obrigações (NIYAMA) e sobre seus resultados; fala sobre as
posturas físicas (ÓSANA) e sobre o controle da respiração (PRAÔAYAMA); e refere-se
à concentração (DHÓRAÔA) e à inversão dos sentidos (PRATYAHÓRA).
A terceira parte (VIBHÚTI-PÓDA) fala sobre os membros internos ou “mentais”
do YOGA: concentração (DHÓRAÔA), meditação (DHYÓNA) e união (SAMÓDHI); e
descreve seus resultados – principalmente poderes que podem ser obtidos e experiências
extraordinárias.
A quarta parte (KÓIVALYA-PÓDA) fala principalmente sobre o modo de se
libertar do KARMA e fugir ao ciclo de renascimentos; descreve o caminho que leva a
isso e o seu resultado final (a libertação).
De um modo esquemático, pode-se dizer que o objetivo final buscado pelo
YOGA descrito no YOGA-SÚTRA é a libertação dos ciclos de renascimento. Esse ciclo
é causado pelo acúmulo incessante de KARMA, através de desejos e aversões. O
caminho para essa libertação envolve uma mudança de estilo de vida e práticas que
levam, basicamente, ao controle de todas as atividades mentais (inclusive tipos que não
são experimentados normalmente pelas pessoas – estados alterados de consciência,
como os diversos tipos de união ou SAMÓDHI). Toda essa prática está associada a uma
concepção determinada da natureza do mundo, do ser humano e da divindade – ou seja,
há uma ontologia que permite entender a prática e o resultado pretendido. Tudo isso
forma um todo sistemático: uma parte desse todo, sozinha, não faz muito sentido.
Por isso, é absurdo destacar do YOGA apenas algumas de suas práticas e isolá-
las do restante. Também não faz sentido seguir o conjunto de práticas do YOGA
mantendo uma visão ocidental sobre a natureza do ser humano e da realidade. Essas
coisas só fazem sentido em conjunto. É muito difícil, também, misturar o YOGA com o
cristianismo ou outras correntes religiosas. Misturar YOGA com cristianismo é como
10
Em apêndice, ao final deste livro, encontra-se uma tradução completa do texto do YOGA-SÚTRA. O
texto em si, sem comentários detalhados, é praticamente incompreensível e não vale a pena tentar lê-lo
antes de estudar o restante deste livro.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 12

misturar duas receitas culinárias diferentes: o resultado costuma ser pior do que cada
receita isoladamente.
Como o resumo acima colocado mostra, é preciso esclarecer muitas idéias
diferentes, para se começar a compreender o que é o RÓJA-YOGA. Vamos inicialmente
discutir o próprio significado da palavra “YOGA” e os diferentes tipos de YOGA.
No YOGA-SÚTRA, a palavra “YOGA” e seus derivados aparecem em poucos
lugares. Logo no início do texto, vemos:

YS I.1 Eis aqui a exposição do YOGA.11


2 YOGA é o controle das atividades da mente.
3 Então o Observador se estabelece em sua própria natureza.
4 Em caso contrário ele adquire a aparência das atividades.

Este trecho fornece, até certo ponto, uma definição de YOGA, segundo PATAÑ
JALI. Ele afirma claramente que o YOGA está associado à mente e não ao corpo; e que
leva a uma mudança de ponto de vista do “Observador”. Este “Observador” é a
consciência, a parte do ser humano que percebe ou contempla as sensações, as idéias, os
sentimentos, etc. O texto afirma que, quando as atividades mentais estão sob controle, o
“Observador” deixa de se identificar com as atividades mentais e percebe sua própria
natureza. Poderíamos dizer portanto que YOGA é uma prática de controle mental que
leva a consciência a contemplar a si própria, quebrando sua identificação com os
pensamentos, as sensações, etc.
Essa mesma idéia aparece em um trecho posterior do texto:

YS II.41 A capacidade do YOGA leva à visão do seu próprio Eu (ÓTMAN).

Este Observador e este Eu são completamente diferentes daquilo que


costumamos identificar, de acordo com a tradição ocidental, como nossa alma ou nosso
espírito ou nossa mente. Como ficará claro mais adiante, a estrutura do ser humano, de
acordo com o YOGA, é completamente diferente da concepção ocidental.
Já indicamos anteriormente que o objetivo final do YOGA é a libertação do ciclo
de renascimentos. Qual a relação entre esse objetivo e a definição que foi apresentada
acima? O texto fala sobre a causa do renascimento e indica que essa causa, que precisa
ser superada, é a união do Observador àquilo que ele vê (YS II.17) e que essa ligação
pode ser rompida pela discriminação (entre o que é e o que não é o Observador). É esse
rompimento que permite a libertação ou independência (YS II.26). Como se faz isso ?

YS II.28 Pela prática dos membros do YOGA (YOGA-Ó‹GA), elimina-se a


impureza e obtém-se o brilho do conhecimento discriminativo.

Portanto, é este voltar-se da consciência para dentro de si mesma e a


discriminação entre o Eu e o não-Eu que são produzidos pelos oito “membros” do
YOGA e que podem levar à libertação dos ciclos de renascimento produzidos pelo
KARMA.
Mas além desse significado técnico, a palavra “YOGA” aparece no próprio texto
de PATAÑJALI em outro sentido, mais geral, que é considerado o sentido etimológico

11
Cada frase do YOGA-SÚTRA é numerada, da seguinte forma: o algarismo romano indica a parte
(PÓDA) e o número arábico depois do ponto indica a frase ou aforismo (SÚTRA).
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 13

ou original da palavra. De acordo com os dicionários, “YOGA” se origina do verbo YUJ


que significa “unir, prender, juntar, etc.”. A palavra latina “jugum” e a inglesa “yoke”
são análogas (e possuem a mesma raiz indo-européia). Em português, temos “jugo”,
“conjunção”, “junção”, “juntar”, etc., que também provêm da mesma raiz.
Nesse sentido geral de união, a palavra YOGA aparece em vários aforismos (YS
II.17, II.23, II.25, II.44). Pode-se dizer que o YOGA é uma prática que leva o
Observador a unir-se a si próprio (e a separar-se daquilo que não é ele próprio).
É importante assinalar aqui que “unir-se a si próprio” pode parecer uma
atividade tola; e que é impossível alguém se separar de si próprio, portanto, não é
possível não estar unido a si próprio. Mas uma comparação com a psicologia ocidental
permite mostrar que não se trata de algo simples. A psicologia ocidental estabeleceu que
não somos conscientes de tudo o que orienta nossas ações; que existe um insconsciente,
real, que atua dentro de nós. Esse inconsciente, como parte essencial de nós mesmos, é
no entanto desconhecido. O Eu do YOGA não é igual a esse inconsciente da psicologia
ocidental, mas é, também, algo que se supõe ser real e do qual as pessoas, normalmente,
não estão conscientes.
A tradição indiana fala sobre diferentes tipos de YOGA. O texto de
PATAÑJALI, no entanto, menciona um único tipo especial, o “Yoga purificador”
(KRIYÓ-YOGA), constituído por atitudes gerais de vida:

YS II.1 O YOGA purificador é constituído por ascetismo (TAPAfi), estudo


próprio (SVADHYÓYA) e devoção à divindade (Á›VARA- PRANIDHÓÔA).
2 Ajuda a reduzir as perturbações e a atingir o SAMÓDHI.

Esse KRIYÓ-YOGA, portanto, não é um tipo de YOGA completamente


diferente e independente, segundo PATAÑJALI. É apenas um tipo de preparação, já que
está contido totalmente dentro da concepção das obrigações (NIYAMA) do YOGA de
PATAÑJALI.
Em outras obras, encontra-se a diferenciação entre RÓJA-YOGA e outros tipos.
Por exemplo, no GHERAÔflA-SA»HITÓ lê-se, na saudação inicial: “Inclino-me
diante do Ser Primordial que no início ensinou a doutrina do HAÈHA-YOGA como
sendo o melhor degrau para subir até as alturas do RÓJA-YOGA”. Mais adiante, o
mesmo texto indica que RÓJA-YOGA é o processo de obtenção do SAMÓDHI (GS
VII.5-6). A palavra “RÓJA” significa real, assim como o temo “MAHÓ-RÓJA” (de
onde saiu “marajá”) significa “grande rei”. Portanto, o RÓJA-YOGA é descrito em um
importante texto de HAÈHA-YOGA como sendo o cume ou nível mais elevado do
YOGA.
No ÍIVA-SA»HITÓ são diferenciados quatro tipos de YOGA:

ÍS V.16 Existem quatro tipos de YOGA: MANTRA-YOGA, HAÈHA-YOGA,


LAYA-YOGA e RÓJA-YOGA. Este último elimina a ilusão da dualidade.

Mais adiante, o mesmo texto descreve o processo de libertação do ciclo de


renascimentos e indica que este é o RÓJA-YOGA:

ÍS V.209 Deve-se praticar com dedicação este caminho auto-determinado.


Seguindo-o, não se retorna a este mundo dominado pela morte.
212 Assim descrevi o RÓJA-YOGA, que é mantido secreto em todos os
TANTRA.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 14

Em um outro texto, o HAÈHA-YOGA-PRADÁPIKÓ, o RÓJA-YOGA é descrito


como a culminação do HAÈHA-YOGA:

HYP I.2 Tendo saudado o Senhor através de seu GURU, o yogue


SVÓTMÓRÓMA ensina o conhecimento do HAÈHA unicamente para atingir o
RÓJA-YOGA.
HYP IV.79 Existem os que praticam apenas HAÈHA-YOGA, sem conhecer o
RÓJA-YOGA. Penso que eles se esforçam muito sem obter o fruto.
HYP IV.103 Todos os processos de HAÈHA e LAYA são apenas meios para
atingir o RÓJA-YOGA. Aquele que atingiu RÓJA-YOGA triunfou sobre a
morte.

Uma descrição mais detalhada dos tipos de YOGA, que permite identificar com
clareza a natureza do RÓJA-YOGA, encontra-se na YOGATATTVA-UPAÔI›AD:

YTU 18 Vou agora expor o YOGA. Embora único, ele é, de fato, múltiplo,
quanto às formas de praticar.
19 As formas do YOGA são MANTRA-YOGA, LAYA-YOGA, HAÈHA-
YOGA e RÓJA-YOGA, que podem ser assim descritos:
20 O MANTRA-YOGA consiste em repetir incessantemente durante 12 anos as
fórmulas (MANTRAN) e os sons primordiais.
21 Adquire-se assim progressivamente os conhecimentos e os poderes tais como
o de tornar-se tão pequeno quanto um átomo (AÔU).
22 Um tal YOGA, portanto, só se aplica ao yogue pouco dotado
intelectualmente.
23 O LAYA-YOGA, embora descrito de forma diferente, consiste apenas em
destruir a atividade mental...

Nesse texto, o HAÈHA-YOGA é, em seguida, descrito como prossuindo oito


membros – os mesmos que são descritos por PATAÑJALI (YTU 24) e não se descreve,
neste ponto do texto, o RÓJA-YOGA. Provavelmente isso se deve a uma falha do texto.
No entanto, mais adiante, depois de descrever os oito membros (e também algumas
práticas tântricas), o texto afirma:

YTU 129 Quando o yogue venceu todas essas etapas, sem exceção, pode dizer
que dominou completamente o RÓJA-YOGA.
130 Ele está enfim livre de suas paixões e sabe discriminar o espectador
(“observador”) do espetáculo...

Um dos textos que mais claramente expõe a natureza do RÓJA-YOGA e do


HAÈHA-YOGA é o comentário escrito por BRAHMÓNANDA ao HAÈHA-YOGA-
PRADÁPIKÓ. No seu comentário aos dois primeiros parágrafos do primeiro capítulo,
BRAHMÓNANDA diz:

SVÓTMÓRÓMA YOGINDRA, em sua extrema compaixão, compôs para o bem


dos aspirantes à libertação este “HAÈHA-YOGA-PRADÁPIKÓ”, cujo fruto é o
isolamento libertador (KAIVALYA) por intermédio do RÓJA-YOGA...
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 15

O HAÈHA-YOGA é a união (YOGA) de HA e ÈHA, do Sol e da Lua. Assim, o


HAÈHA-YOGA é o próprio PRÓÔÓYÓMA, caracterizado pela união do
PRAÔA e do APÓNA, aos quais se dá os nomes de Sol e Lua e que são
expressos na palavra “HAÈHA”. Assim se estabelece a definição de HAÈHA-
YOGA. Isso é confirmado por GORAK›ANÓTHA na sua obra “SIDDHA-
SIDDHÓNTAPADDHATI”: “A sílaba HA é conhecida por Sol, a sílaba ÈHA
denota a Lua. A união do Sol e da Lua é chamada HAÈHA-YOGA”.
... O objetivo do HAÈHA-YOGA é de preparar o discípulo para o RÓJA-YOGA.
SVÓTMÓRÓMA utiliza a palavra “unicamente” excluindo desde o início
qualquer outra finalidade às técnicas de YOGA que vai expor e em particular
aquelas que visam a obtenção de poderes extraordinários (SIDDHI). Esses
poderes são apenas um resultado accessório, um efeito secundário da prática do
HAÈHA-YOGA e não devem ser procurados por eles mesmos. O HAÈHA-
YOGA tem por resultado principal o RÓJA-YOGA, o qual, por sua vez, tem por
fruto o isolamento (KAIVALYA) e a libertação (MOK›A).

Em linguagem comum, a palavra HAÈHA, segundo os dicionários, representa


força, violência ou esforço. Essa tentativa de explicação do significado da palavra,
separando-a em duas sílabas, pode no entanto ser correta. De fato, a sílaba HA
isoladamente é uma palavra que pode significar, segundo os dicionários, o céu, o Sol,
sangue, cavalo, VI›ÔU, o algarismo zero. A sílaba ÈHA é desenhada em no alfabeto
devanagari como um círculo sobre o qual há um pequeno T; ela pode representar,
isoladamente, de acordo com os dicionários, um prato ou disco; a Lua; pode representar
também ÍIVA (que está associado à Lua crescente). É, no entanto, impossível saber se o
significado original e mais antigo da palavra é o de união de opostos ou de esforço.
Antes de passar aos textos mais antigos, vamos mostrar mais um texto de
HAÈHA-YOGA onde se coloca claramente o objetivo final que deve ser atingido. O
texto é a K›URIKÓ-UPAÔI›AD:

K›U 1 Eis aqui a navalha (K›URIKÓ) que é a fixação da mente, praticada para
realizar o YOGA (união). O yogue que o atingir certamente não renascerá
novamente.
2 Essa é a razão de ser e o fim de todos os escritos vêdicos, como disse o próprio
Senhor auto-existente (SVAYA»BHU).

Depois de explicar os procedimentos de concentração, a mesma UPANI›AD


diz:

K›U 21 Tendo dominado sua mente graças ao ardor do seu YOGA, tendo
rejeitado toda atração, conhecendo a fundo o YOGA, o praticante obtém o
isolamento (KAIVALYA) e se torna livre de desejos.
22 Como um pássaro, prisioneiro de uma rede, voaria para o céu após haver
cortado os cordões, o espírito do yogue, liberto dos cordões do desejo pela
navalha do YOGA, escapa para sempre da prisão do SA»SÓRA...
25 Livre de todo desejo, ele se torna imortal. Livre das atrações, tendo cortado a
rede do mundo, ele não está mais preso à transmigração.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 16

Aqui estão, portanto, os elementos básicos do RÓJA-YOGA de PATAÑJALI:


controle da mente, eliminação dos desejos, libertação dos ciclos de renascimento.
Vejamos como esse conceito de YOGA se apresenta em textos mais antigos.
Uma das importantes UPANI›AD clássicas, pertencente ao período vêdico, é a
KÓÈHA-UPANI›AD. Ela é construída em torno da história de um menino, chamado
NACIKETAS. Seu pai se irrita com ele e o envia ao reino dos mortos, que era
controlado por um DEVA chamado YAMA. NACIKETAS vai para o reino dos mortos,
mas YAMA está ausente, voltando apenas depois de três dias e três noites. Assim,
YAMA deixou de cumprir as obrigações de anfitrião prescritas pelas leis vêdicas, que
exigem todo respeito e cuidados por hóspedes. Para se penitenciar, YAMA oferece a
NACIKETAS a satisfação de três pedidos. O primeiro pedido de NACIKETAS é o de
poder retornar vivo a seu pai e que ele o perdoe. O segundo é o de aprender a realizar
sacrifícios (rituais) que não desapareçam. YAMA concede os dois primeiros pedidos.
Mas o terceiro pedido de NACIKETAS é conhecer os segredos da morte e superar o
renascimento. YAMA lhe pede que escolha outra coisa, oferece-lhe riquezas e prazeres,
mas NACIKETAS não volta atrás e exige que YAMA cumpra sua promessa. Por fim,
YAMA lhe dá uma longa explicação, que é a parte central da UPANI›AD e onde se
encontram ensinamentos sobre YOGA (no sentido de PATAÑJALI), utilizando-se a
palavra “YOGA” em seu sentido técnico. Em um trecho, a UPANI›AD afirma que a
pessoa se liberta do prazer e da dor pela contemplação, em YOGA, de seu eu mais
interno (KU I.2.12). O texto utiliza a expressão “ADHYÓTMA-YOGA”. A libertação
do ciclo dos renascimentos vem de um processo no qual é preciso controlar a mente: “...
aquele que não concentrou e acalmou sua mente não pode atingi-lo pela sabedoria”.
Essa idéia do controle da mente e de seu resultado é colocada de forma ainda mais clara
por uma famosa comparação da carruagem, em outro trecho da mesma UPANI›AD:

KU I.3.3 Pense no Eu (ÓTMAN) como o senhor da carruagem, o corpo como a


própria carruagem, a inteligência (BUDDHI) como o condutor da carruagem e a
mente (MANAS) como as rédeas.
4 Os sentidos são os cavalos; os objetos dos sentidos são os caminhos. O
contemplador está preso (YUKTA) ao corpo, aos sentidos e à mente.
5 Naquele que não tem sabedoria (VIJÑANA), cuja mente está sempre sem
controle, nele os sentidos e os órgãos estão descontrolados, como cavalos que
não obedecem ao condutor.
6 Naquele, no entanto, que tem sabedoria, cuja mente está sempre controlada,
seus sentidos e órgãos estão dominados, como cavalos obedientes ao condutor.
7 Aquele que não possui sabedoria, que não controla a mente sempre impura,
não atinge aquele objetivo, mas retorna à vida mundana.
8 Aquele, no entanto, que tem sabedoria, que controla sua mente sempre pura,
atinge aquele objetivo, do qual não renasce novamente.

Nesse trecho da KAÈHA-UPANI›AD não aparece a palavra “YOGA”, mas ela


surge mais adiante:

KU II.3.10 Quando, pela sabedoria, os cinco órgãos e a mente se estabilizam e a


inteligência não se agita, este é dito o estado mais elevado.
11 Isto é considerado o YOGA, o estabelecimento da concentração dos órgãos
(dos sentidos e da ação). Então cessa a distração, pois YOGA é o princípio e o
fim.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 17

...
18 Então NACIKETAS, tendo adquirido esse conhecimento declarado por
YAMA e todo o domínio do YOGA, tornou-se livre das paixões e da morte.

Há outra UPANI›AD vêdica, chamada MAITRÁ-UPANI›AD, que contém


muitos detalhes técnicos sobre as práticas de YOGA – assemelhando-se às UPANI›AD
do YOGA, em vários pontos. Nela encontramos uma definição clara do YOGA:

MU VI.25 A unificação (estabilização) da respiração, da mente e dos órgãos,


assim como o abandono de todas as formas de existência – isso é chamado de
YOGA.

Mais adiante, a mesma UPANI›AD indica que o controle da mente leva à


libertação dos renascimentos:

MU VI.34 ... Assim como o fogo se extingue sem combustível, da mesma forma
a mente se extingue pela cessação das atividades (VÙTTI). Mesmo em uma
mente que busca a realidade e que se acalmou, surgem falsas idéias, pela ilusão
dos sentidos, devidas ao KARMA renascente. O pensamento, de fato, é o
processo de renascimento (SA»SÓRA). Ele deve ser purificado pelo esforço.
Tornamo-nos aquilo que pensamos, pelo poder do pensamento. Este é o segredo
eterno.
... A mente tem dois estados, pura e impura. É pura quando livre de desejos e
impura pelo contacto com o desejo.
... A mente deve ser controlada dentro do coração, até atingir seu fim, que é a
sabedoria, que é a libertação; todo o restante é apenas uma continuação dos nós
que nos prendem a esta vida.

Neste trecho, é utilizada uma terminologia muito semelhante à de PATAÑJALI.


Fala sobre cessação das atividades mentais, utilizando o termo “VÙTTI” que também é
usado por PATAÑJALI (YS I.2); ao dizer que a mente deve ser controlada dentro do
coração, utiliza o termo “NIRODDHA”, também usado por PATAÑJALI na frase acima
mencionada.
Essas citações mostram que a concepção básica do YOGA de PATAÑJALI já se
encontrava nas UPANI›AD vêdicas, ou seja, as raízes do RÓJA-YOGA não foram
criadas por PATAÑJALI mas encontram-se nos textos sagrados antigos. Da mesma
forma, veremos que muitas outras idéias do YOGA se encontravam já nas UPANI›AD.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 18

CAPÍTULO 4

O Renascimento, o KARMA e a Libertação

Tendo em vista que o objetivo final do RÓJA-YOGA é a libertação do ciclo de


renascimentos, vamos estudar primeiramente o que PATAÑJALI diz nos YOGA-
SÚTRA a respeito disso. Depois, pelo estudo de outros textos, vamos esclarecer essas
idéias.
O YOGA-SÚTRA afirma:

YS II.12 Deve-se saber que a raiz do KARMA são as perturbações (KLE›A) e


ele produz nascimentos visíveis e invisíveis.
13 Enquanto houver essa raiz, haverá nascimentos, vidas, experiências.
14 Ele (o KARMA) resulta em alegria ou dor, conforme causado por virtude ou
vício.
15 Para aquele que discerne, tudo é apenas dor (DUfiKHAM), pois pela
oposição das atividades dos GUÔA (poderes), surgem sofrimentos, mudanças e
formas residuais (SA»SKARA).
16 O sofrimento que ainda não surgiu pode ser evitado.

Aqui aparecem, de forma extremamente concisa, as idéias principais. As


perturbações (KLE›A) produzem o KARMA; este, por sua vez, produz efeitos: alegria
ou dor, renascimentos. Mas mesmo a alegria não tem valor, pois resulta em mudanças,
sofrimento, resíduos (SA»SKARA); e deve-se evitar a continuação de tudo isso. Pelo
menos, essa é a posição exposta por PATAÑJALI.
Há muitas coisas, aqui, que devem ser esclarecidas: O que são essas
perturbações? O que é o KARMA? O que é o renascimento? Como uma coisa produz a
outra? O que são os resíduos (SA»SKARA)? Como se pode evitar o ciclo de
renascimentos? Por que evitá-lo?
Comecemos explicando as perturbações, que são a causa de todos os problemas.
O YOGA-SÚTRA afirma:

YS II.3 As perturbações (KLE›A) são cinco: ignorância (AVIDYÓ),


individualismo (ASMITÓ), paixão (RÓGA), aversão (DVE›A) e apego
(ABHINIVE›A).
4 A ignorância (AVIDYÓ) é o campo de onde brotam todas as outras, sejam elas
vivas ou latentes, vigorosas ou bloqueadas.
5 A ignorância é a confusão entre o eterno e o impermanente, entre o puro e o
impuro, o agradável e o desagradável, o eu (ÓTMAN) e o outro.
6 O individualismo (ASMITÓ) é a confusão entre aquele que observa, a visão e
o poder da visão.
7 A paixão (RÓGA) é produzida pelo prazer.
8 A aversão (DVE›A) é produzida pela dor (DUfiKHA).
9 O apego (ABHINIVE›A) é o desejo de viver e está enraizado mesmo nas
pessoas instruídas.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 19

Para nossa mentalidade ocidental, é um pouco difícil entender ou aceitar tudo


isso: Será ruim ter desejos e aversões, já que essas são reações naturais? Será ruim
desejar viver? Se essas são as causas de todos os problemas, que devem ser eliminados,
isso não significaria produzir uma pessoa apática – sem desejos, sem aversões, sem
vontade de viver?
Pode-se dizer que os desejos, aversões e vontade de viver são naturais em
qualquer animal – são úteis à vida. Mas o YOGA quer exatamente fugir dos processo
naturais. Quer escapar às forças que dirigem as ações dos animais. E isso, de acordo
com o texto que foi exposto acima, pode ser conseguido eliminando-se a ignorância.
Aqui, é importante deixar claro que o caminho indicado pelo YOGA não é algo
que possa atrair a todos os tipos de pessoas. Há pessoas que acham ótimo estarem vivas
e envolvidas na sucessão de alegrias e sofrimentos que existem na vida de todos. Essas
pessoas gostariam de viver para sempre, do mesmo modo que vivem agora. Pois bem:
elas podem viver quanto tempo quiserem, renascendo sempre. É claro que elas não
verão sentido em buscar a libertação. O YOGA não é algo útil para elas.
No entanto, para as pessoas que sentiram o vazio dessa sucessão de prazeres e
sofrimentos, pode surgir o impulso de escapar desse ciclo. E para isso é necessário
escapar do desejo, da aversão e da vontade de viver, pois essas coisas levam a ações
intencionais e ao acúmulo de KARMA. E o modo de romper esse ciclo, segundo
PATAÑJALI, é obter a sabedoria para distinguir a verdadeira natureza de cada coisa.
Pois, como será depois discutido em detalhe, o desejo, a aversão, a vontade de viver
surgem de uma falsa concepção sobre a natureza mais interna da própria pessoa.
Quando a pessoa sabe realmente quem ela é, desaparece a ilusão da individualidade e as
outras perturbações (KLE›A). Mas a superação da ignorância é obtida de forma
completa apenas pela experiência direta do SAMÓDHI. Por isso, o SAMÓDHI é uma
etapa para a libertação e não o resultado final do processo. Há um trecho do YOGA-
SÚTRA que esclarece isso:

YS I.15 A ausência de paixão é estar livre do desejo por qualquer objeto, visto
ou ouvido.
16 Ela é mais elevada quando se atinge a indiferença em relação aos poderes
(GUÔA) através do conhecimento do ser humano (PURU›A).

Aqui surgem dois novos conceitos que ainda não foram esclarecidos: GUÔA e
PURU›A. Mas o sentido geral é claro: conhecendo-se a verdadeira natureza da própria
pessoa, ela se liberta do desejo.
Outros trechos dos YOGA-SÚTRA mostram que a confusão entre o verdadeiro
eu (a consciência, o “observador”) e aquilo que ele vê ou com o próprio poder da visão
(os sentidos e as sensações) é o que precisa ser rompido:

YS II.16 O sofrimento que ainda não surgiu pode ser evitado.


17 A causa do que deve ser evitado é a fusão (SA»YOGA) do observador com a
visão.
...
20 Embora puro, o observador é tingido por aquilo que observa.
...
23 O próprio eu e o seu poder estão fundidos para que se manifeste a natureza
própria de cada um.
24 O motivo disso é a ignorância (AVIDYÓ).
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 20

25 Sem isso não há fusão e o observador atinge a independência (KÓIVALYA).


26 O discernimento rompe a ligação e o observador se torna independente.

Todas essas frases do YOGA-SÚTRA mostram a idéia de que o problema


central a ser atacado é a ignorância, que leva a pessoa a confundir-se com algo que não é
realmente ela. Logo depois, o texto indica (YS II.28) que o discernimento necessário
para romper essa ligação é obtido pela prática dos membros do YOGA. Outro trecho
fala sobre a importância desse discernimento e explica um ponto que, para nós
ocidentais, é difícil de entender: além de nossa mente, existe uma outra parte de nós que
é aquela que é capaz de observar a mente e todas as suas modificações.

YS IV.18 As atividades da mente (CITTA-VÙTTI) são conhecidas por


PURU›A, que é imutável.
19 A mente, sendo observável, não brilha por si própria.
20 Além disso, ambos (a mente – MANAS – e seu objeto) não podem ser
conhecidos simultaneamente.
21 Se uma mente fosse observada por outra, haveria uma sucessão infinita [de
mentes] e uma confusão de memórias.
...
24 Ela [a mente], com suas inúmeras impressões latentes, existe para o proveito
de um outro [PURU›A] ao qual está unida.
25 Aquele que atingiu a visão discriminativa já vê a natureza de seu próprio eu
nas transformações (da mente).
26 A mente se dispõe então ao conhecimento discriminativo e toma o caminho
em direção à independência (KAIVALYA).

O eu-próprio (ÓTMAN) ou essência do ser humano (PURU›A) não é a própria


mente, nem é uma parte dela. É algo imutável que pode observar a própria mente. A
mente serve a PURU›A e a pessoa encontra o seu próprio eu quando percebe isso.
Então, a pessoa deixa de se identificar com a mente ou de dar importância a ela, assim
como às suas atividades (pensamentos, desejos, aversões, idéia de individualidade, etc.)
e começa o processo de independência.
Ora, no mundo ocidental a parte central, a essência do homem, é considerada
como sendo sua mente: sua inteligência, suas emoções, lembranças, conhecimentos, etc.
Não existe, nos idiomas ocidentais, uma palavra equivalente a ÓTMAN ou PURU›A.
Trata-se de uma visão do ser humano que é completamente diferente da nossa.
Para terminar essa primeira visão sobre a doutrina do KARMA e da libertação
no YOGA-SÚTRA, é preciso esclarecer um pouco três conceitos: KARMA, GUÔA e
SA»SKARA.
A palavra “KARMA” significa ação. A ação do ser humano produz resíduos,
semelhantes às lembranças que são o modo como a memória se deposita em nós. Esses
resíduos das ações são os SA»SKARA. Ficam latentes durante algum tempo, depois se
manifestam e produzem seus efeitos: sofrimento ou alegria. Vamos ver os trechos dos
YOGA-SÚTRA onde aparecem essas idéias.

YS IV.7 O KARMA de um yogue não é branco nem negro. O dos outros é de


três tipos.
8 Deles são produzidas as impressões latentes que correspondem a seus frutos.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 21

9 As impressões latentes se assemelham à memória. Elas surgem na ocasião


adequada, mesmo se separadas pelo espaço, pelo tempo e pelo nascimento.
10 Elas não têm início, pois o desejo de viver é eterno.

O significado dessas frases é dado pelos comentadores. Há quatro tipos de ações.


As ações “brancas” ou puras são as realizadas com boa intenção. Correspondem, por
exemplo, a cumprir aquilo que a pessoa deve fazer (o seu dever). As ações “negras” são
as realizadas com uma má intenção (prejudicar a uma outra pessoa ou ser). As ações
brancas-e-negras ou mistas são aquelas que levam a consequências boas para algumas
pessoas e más para outras, ou que possuem alguns aspectos positivos e outros negativos.
No caso das ações dos verdadeiros yogues, o texto afirma que suas ações não são nem
brancas nem negras: eles agem sem intenções boas nem más. Eles não possuem desejos
nem aversões. Há um exemplo do próprio texto do YOGA-SÚTRA que mostra essa
idéia:

YS IV-5 A mente [do yogue] dirige muitas outras em suas várias ações.
6 A mente obtida pela meditação (DHYANA) não produz impressões latentes.

Ou seja: o yogue não planeja racionalmente suas ações. Ele age, baseado naquilo
que percebe por sua meditação, porém sem desejo nem intenção – o que faz com que ele
não acumule resíduos ou impressões latentes (SA»SKÓRA, VÓSANÓ).
As “impressões latentes” são os efeitos do KARMA que, por sua vez, produzem
os frutos das ações. Os frutos das ações “brancas” são agradáveis e os das ações
“negras” são desagradáveis. Essas impressões latentes não se apagam com o tempo, nem
com a morte e o renascimento. Não é possível fugir delas indo para outro lugar ou para
outra vida. Vamos recordar um texto dos YOGA-SÚTRA que já foi citado:

YS II.12 Deve-se saber que a raiz do KARMA (das ações) são as perturbações
(KLE›A) e ele produz nascimentos visíveis e invisíveis.
13 Ele (o KARMA) resulta em alegria ou dor, conforme causado por virtude ou
vício.

Vamos agora abordar um último ponto. O conceito de GUÔA apareceu algumas


vezes. Ele é esclarecido no seguinte trecho:

YS II.17 A união (fusão) do observador com aquilo que ele vê é a causa daquilo
que deve ser evitado.
18 Aquilo que pode ser visto (sentido) possui a natureza de SATTVA (luz),
RAJAS (atividade) ou TAMAS (inércia) e existe nos seres e nos órgãos, para
experiência e libertação do ÓTMAN.
19 Esses GUÔA se apresentam determinados e não-determinados, possuidores
de característica ou sem característica.

Existem três tipos de “poderes” ou GUÔA que pertencem à natureza e que


atuam, adquirindo diferentes características, nos objetos e nos nossos órgãos. São eles
que atuam e produzem aquilo que sentimos e observamos. O observador, em si mesmo,
não é ativo. Mas esses poderes existem apenas para ele – para que ele possa ter
vivências e se emancipar. Continuando:
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 22

YS II.20 O observador, que é apenas aquele que conhece, embora puro, é tingido
por aquilo que observa.
21 O objetivo daquilo que é observado é o benefício do eu (ÓTMAN).
22 Embora isso tenha cessado para aquele que realizou o objetivo, ele
permanece, pois é comum aos outros.23 O conhecedor e o conhecido estão
unidos para que se manifeste a natureza de cada um deles.
24 O motivo disso [dessa união] é a ignorância (AVIDYÓ).
25 Sem isso, não há fusão, e o observador atinge a independência
(KÓIVALYA).
26 O discernimento rompe a ligação e o observador se torna independente.

Ou seja: de certa forma, o observador pode ser visto como puramente passivo.
Ele apenas recebe aquilo que se passa nos órgãos, os quais são movidos pelos GUÔA.
Quando o observador (o eu, o ÓTMAN, o PURU›A) percebe que ele não é aquilo que
ele vê (o produto dos GUÔA), então há a libertação.
Vejamos outros trechos do YOGA-SÚTRA que completam essa visão.

YS I.15 A ausência de paixão é estar livre do desejo por qualquer objeto visto ou
ouvido.
16 Ela é mais elevada quando a visão do PURU›A elimina o desejo pelos
GUÔA.

Ou seja: percebendo a essência do ser humano, já não há atração pelos produtos


dos poderes (GUÔA).

YS II.15 Para aquele que tem discernimento, tudo é apenas dor, pois pela
oposição das atividades dos poderes (GUÔA) surgem sofrimentos, mudanças e
impressões residuais.

Ou seja: o observador não é a causa das mudanças – são os GUÔA que


produzem tudo. E não há controle sobre eles. Essa compreensão leva ao impulso de
libertação.

YS IV.32 E assim termina a sucessão do jogo dos poderes (GUÔA) da natureza,


que realizaram o que era seu objetivo.
...
34 Na libertação, os GUÔA deixam de gerar, pois não há mais um propósito do
espírito para ser realizado.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 23

CAPÍTULO 5

A Estrutura Cósmica e a Libertação, no SÓ»KHYA

Como se pode observar, é muito difícil captar a concepção que está por trás do
RÓJA-YOGA utilizando apenas o YOGA-SÚTRA. Para esclarecer as idéias básicas da
visão sobre o ser humano e sobre o mundo que são utilizadas por PATAÑJALI, é
necessário recorrer ao SÓ»KHYA. Ele irá complementar essas concepções e, como se
verá, encaixa-se muito bem com tudo o que PATAÑJALI afirma. Como já foi dito, a
diferença básica entre SÓ»KHYA e YOGA é que o primeiro é mais teórico enquanto o
segundo é mais prático. Há também vários detalhes em que eles diferem, embora a
concordância seja bastante forte.
Vamos então ver como o SÓ»KHYA descreve a estrutura do ser humano e da
natureza. Vamos utilizar o texto clássico denominado SÓ»KHYA-KÓRIKÓ, escrito
por ÁÍVARAKÙ›ÔA.
Os dois conceitos básicos do SÓ»KHYA são a natureza (PRAKÙTI) e a
essência do ser humano (PURU›A). A PRAKÙTI é considerada como um princípio
feminino ativo e PURU›A como um princípio masculino passivo (ao contrário do que
estamos acostumados a pensar, na tradição ocidental). Da Natureza se originam todos os
outros princípios ativos. PURU›A, por sua vez, é o “conhecedor” (JÑA) e não atua.
Na Natureza, há um princípio básico, inobservável (não manifesto) que é, às
vezes, chamado de PRADHÓNA. Dele se originam outros 23 princípios que constituem
o universo e as camadas externas do ser humano.
O texto do SÓ»KHYA-KÓRIKÓ começa falando sobre o problema básico a ser
resolvido, que é o mesmo já visto acima: o sofrimento.

SK 1 Pelo tormento do triplo sofrimento nasce a procura de um meio para


destrui-lo. Srá essa procura inútil, será [o meio] evidente? Não, pois [o resultado
obtido pelos meios comuns] não traz segurança e não é definitivo.
2 O meio baseado na tradição é como o evidente: está unido a impureza,
instabilidade, conflito. O conhecimento discriminativo do manifesto
(VYAKTA), do não-manifesto (AVYAKTA) e do conhecedor (JÑA) é diferente
e superior.

Os comentadores esclarecem que o “sofrimento triplo” é aquele que é produzido


pela própria pessoa, pelos outros e pelos seres espirituais. Segundo o texto, não é
impossível escapar a esses sofrimentos, mas isso não se faz pelo “bom senso” nem
seguindo as regras religiosas habituais (preces, rituais, etc.), pois nada disso produz um
resultado definitivo. A solução apontada é a mesma de PATAÑJALI: o conhecimento
discriminativo (VIJÑANA) que é capaz de distinguir o “conhecedor” (a consciência)
dos princípios da natureza (os que são observáveis e o inobservável). O texto vai
descrever então a estrutura geral desses princípios e suas relações.
O conhecedor, que é a essência do ser humano (PURU›A), não produz nada. É
um princípio passivo. Ele também não é produzido por nada: é eterno. A Natureza
(PRAKÙTI) tem uma parte primordial, que é inobservável ou não-manifesta
(MÚLAPRAKÙTI) a qual é ativa e produz o “grande princípio” (MAHAT) que é
também o centro da vontade e da sabedoria (BUDDHI). O “grande princípio” gera o
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 24

princípio da individualidade (AHÓ»KARA) ou princípio do ego, o qual gera toda a


diversidade de seres do universo. A partir de AHÓ»KARA surgem, de um lado, os
órgãos dos sentidos e da ação (e a mente) que vão constituir os seres humanos e outros
seres sensíveis; por outro lado, surgem os elementos, que são de dois tipos: elementos
sutis (as qualidades sensíveis – TANMÓTRA) e elementos grosseiros (os tipos de
matéria – BHÚTA).
Após essa visão geral, vamos seguir o texto:

SK 3 A natureza primordial (MULÓPRAKÙTI) não é um produto. Os sete que


começam com o grande princípio (MAHAT) são produzidos e produzem.
PURU›A não é produzido nem produz. Os dezesseis são apenas produtos.

O comentário esclarece que “os sete” correspondem a MAHAT, AHA»KÓRA e


os 5 TANMÓTRA. Os “dezesseis” são os 5 órgãos dos sentidos, a mente, os 5 órgãos de
ação e os 5 elementos grosseiros, os quais não produzem outros princípios. Mais
adiante, eles serão explicados.

SK 8 A impossibilidade de observar [a Natureza] provém de sua sutileza


(SAUK›MYÓT) e não significa que ela não exista, pois ela é conhecida por seus
efeitos. Eles são ao mesmo tempo semelhantes e diferentes da Natureza
(PRAKÙTI).
...
10 Aquilo que é observável (o manifesto = VYAKTA) tem uma causa lógica
(HETU), é impermanente (mutável), limitado (no espaço), móvel, múltiplo,
contingente, é dotado de características (LI‹GA) que brotam e se dissolvem, é
composto, obedece a leis externas. O não-observável (não manifesto =
AVYAKTA) é o contrário.
11 Aquilo que é observável (VYAKTA) tem três poderes (GUÔA), é desprovido
de discriminação (AVIVEKA), é objeto, é comum, é inconsciente (ACETANA)
e produtivo. Aquilo que não é observável (a Natureza primordial) também o é. O
princípio masculino (PU»ÓN) é o contrário [nesses aspectos acima indicados] e
é semelhante [ao não observável, nos aspectos do parágrafo anterior].

A idéia mais importantes, aqui, é a de que há várias categorias de seres no


universo, com diferentes propriedades indicadas em detalhe no texto. PURU›A é um
princípio eterno, ilimitado (infinito), único, que não se transforma, não sendo submetido
àquilo que lhe é externo. A Natureza primordial também tem todas essas propriedades,
que os produtos da Natureza não possuem. Por outro lado, PURU›A não possui GUÔA,
é dotado de consciência e discriminação, é o sujeito (e não objeto) e não é produtivo. A
Natureza e seus produtos são o contrário.
Note-se que a mente, a inteligência e todos os órgãos são coisas mutáveis, mas
PURU›A não se altera. É a única coisa permenente no ser humano. Todas as
transformações e atividades surgem das alterações dos três poderes (GUÔA), os quais
são forças da Natureza e estão ausentes de PURU›A.
O texto descreve os três poderes:

SK 12 Os poderes (GUÔA) possuem natureza: agradável, desagradável, de


confusão. Suas funções são, respectivamente: iluminar (PRAKÓÍA), atuar
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 25

(PRAVÙTTI) e restringir (NIYAMA). Eles (os GUÔA) se combatem, cooperam,


geram-se, unem-se e se movem uns aos outros.
13 SATTVA é leve e luminoso. RAJAS é estimulante e móvel. TAMAS é
pesado e obscuro. Eles atuam em conjunto, como uma lamparina, com um só
fim.

A comparação com a lamparina é para indicar que as três partes da natureza


atuam em conjunto, como o recipiente, o óleo e o pavio de uma lamparina, cujo objetivo
é proporcionar a iluminação. As características acima descritas podem ser assim
esquematizadas:

SATTVA RAJAS TAMAS


(luz) (atividade) (inércia)
agradável desagradável confuso
iluminar atuar restringir
leve estimulante pesado
luminoso móvel obscuro

Esses poderes criam todas as modificações. Essas modificações dos seres


possuem uma finalidade: a libertação.

SK 17 PURU›A existe, pois os agregados (as coisas da natureza) não são auto-
suficientes [não possuem sentido em si mesmos] e devem servir a algo inverso
aos três poderes. Assim, deve haver um sentido e um que desfrute da
experiência, havendo atividade dirigida para a libertação (KAIVALYA).
...
21 O propósito da união entre PURU›A e o pré-formado (PRADHÓNA) é levar
à visão (DARÍANA) e à libertação (KAIVALYA). Ela é comparável à união
entre um cego e um aleijado e ela produz a criação.

A imagem de um cego e um aleijado se ajudando é muito instrutiva. O cego pode


se mover (é ativo) mas não sabe para onde ir – representa a Natureza, que é ativa mas
inconsciente. O aleijado não pode se mover mas é capaz de ver e observar – corresponde
ao PURU›A, consciente mas passivo. Mas se o cego montar sobre os ombros do
aleijado, ambos, em conjunto, podem se mover e ver. Esse tipo de união entre PURU›A
e PRAKÙTI existe, normalmente; ele cria a ilusão de que a consciência se move e de
que a Natureza é consciente. Mas isso é um engano:

SK 19 PURU›A tem o papel de testemunha. É liberto, é indiferente, percebe


mas não age.
20 Por sua união conjunta (SA»YOGA), o corpo característico (LI‹GAM)
inconsciente aparece como se fosse consciente; e, pela atividade dos poderes
(GUÔA), aquele que está isolado (PURU›A) aparece como se agisse.

Vamos agora ver, de acordo com o SÓ»KHYA, alguns detalhes sobre os


princípios da Natureza e sobre a constituição dos seres humanos.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 26

SK 22 Da Natureza (PRAKÙTI) provém o grande princípio (MAHAT), dele o


ego (AHÓ»KARA), deste o grupo de dezesseis e de cinco deles [os elementos
sutis], os cinco elementos grosseiros (BHÚTA).
23 A Inteligência (ou sabedoria: BUDDHI = MAHAT) é dotada de decisão
(ADHYAVASA). Sua forma luminosa (dominada por SATTVA) é constituída
por virtudes (DHARMA), conhecimento (JÑANA), desprendimento (VIRÓGA),
poder (AIÍVARYA). Sua forma obscura (dominada por TAMAS) é o inverso.
24 O Ego (AHÓ»KARA) é o princípio da individualidade. Dele procedem dois
tipos de criações: o grupo dos onze (órgãos) e os cinco elementos sutis
(TANMÓTRA).
...
26 Os órgãos do conhecimento (BUDDHÁNDRIYA) são: visão (CAK›U),
audição (ÍROTRA), olfato (GHRÓÔA), paladar (RASANA) e tato
(SPARÍANA). Os órgãos de ação (KARMENDRIYA) são a fala (VÓK), as
mãos (PÓÔI), os pés (PÓDA), os órgãos de excreção (PÓYU) e os órgãos
genitais (UPASTHA).
27 A mente (MANAS) está entre eles e participa da natureza de ambos [é um
órgão de ação e de conhecimento, ao mesmo tempo]. Ela é coordenadora e é ao
mesmo tempo um órgão, por sua semelhança.
...
31 [Os órgãos] preenchem suas atividades por impulsos mútuos. A única causa
(HETU) é o benefício de PURU›A. Nenhum instrumento atua por outro motivo.
...
33 Os órgãos internos (BUDDHI, AHÓ»KARA, MANAS) são de três tipos. Os
externos, que são objetos dos três, são de dez tipos. Os órgãos externos
funcionam no presente, os internos nos três tempos.
...
35 Como os órgãos internos, incluindo a Inteligência (BUDDHI), apreendem
todos os objetos, eles são os principais, enquanto os restantes são as portas.
36 Eles são modificações específicas distintas dos GUÔA. Comparáveis a uma
lamparina, apresentam à Inteligência (BUDDHI) tudo o que é apreciado por
PURU›A.
37 BUDDHI traz todas as coisas para o desfrute de PURU›A. É ela própria
quem revela a sutil diferença entre a natureza primal ou pré-formada
(PRADHÓNA) e PURU›A.

Como se percebe pelo texto, BUDDHI é a intermediária entre PURU›A e todos


os órgãos e atividades do ser humano. Quando BUDDHI está dominada pelo poder
luminoso (SATTVA), leva ao desenvolvimento da perfeição humana e à libertação, pois
proporciona o conhecimento discriminativo que mostra ao PURU›A quem ele
realmente é. No entanto, BUDDHI pode estar tomada pelo poder da inércia e
obscuridade (TAMAS) e manter PURU›A preso e ignorante.
Vejamos agora outros aspectos do ser humano e os mecanismos de
transmigração. A estrutura corpórea do homem é descrita assim:

SK 39 Os três tipos de objetos específicos (VIÍE›A) são o [corpo] sutil


(SÚK›MA), aquilo que vem dos pais e os elementos grosseiros. Dentre eles, o
sutil permanece, enquanto que aquilo que vem dos pais é perecível.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 27

40 O corpo sutil, formado anteriormente, desligado, constante, composto pela


BUDDHI e todos os outros princípios até os elementos sutis, incapaz de
experiência, transmigra (SA»SARATI), investido com suas disposições
(BHÓVA), com forma característica (LI‹GAM).

De certa forma, pode-se dizer que há uma parte “material” do homem que
transmigra, de acordo com o SÓ»KHYA. Apenas a matéria grosseira é deixada para
trás (aquilo que foi recebido dos pais e, depois, cresceu pela alimentação). Os órgãos
internos guardam neles as disposições, os resíduos das ações e das sensações e
pensamentos do passado, levando-os para a vida seguinte. Durante a transmigração, o
texto afirma ser impossível a experiência, ou seja, a pessoa não pode agir nem receber
informações do mundo material, pois está desligada da matéria grosseira. Assim, os
órgãos externos (as “portas”) não podem agir.
Na parte do homem que transmigra há uma estrutura (os órgãos) que é
permanente e que é igual em todos os seres humanos; e uma parte característica que vai
ser diferente não só de uma pessoa para outra como também em diferentes etapas de
vida de um mesmo indivíduo – ao longo de sua vida e ao longo das transmigrações.

SK 41 Assim como uma pintura não existe sem um suporte, nem uma sombra
existe sem uma parede ou algo semelhante, da mesma forma o corpo
característico (LI‹GAM) não subsiste sem o suporte de algo não-específico.
42 Tendo em vista a finalidade do PURU›A e graças à conexão entre causas e
efeitos, o corpo característico age como um ator, vestindo diferentes formas
(VIBHUTI) pelo poder da Natureza (PRAKÙTI).
43 As perfeições (ou poderes = SIDDHI), as disposições (BHÓVA) e outros
[resíduos] são originais, adquiridos ou gerados pela virtude (DHARMA). Estão
ligados à causa. O embrião e o restante são efeitos.
44 Pela ação da virtude (DHARMA) se produz um impulso para o alto; pela
disposição ao vício (ADHARMA), produz-se um impulso para baixo. A
sabedoria (ou conhecimento = JÑANA) liberta e seu contrário prende.

Nas transmigrações, aquilo que permanece de uma vida para outra é a causa da
nova forma de vida (da nova roupagem). O embrião é o efeito do corpo sutil
característico. O acúmulo de ações virtuosas (as que são prescritas pelos textos
sagrados) leva a uma evolução a formas cada vez mais puras; porém, a ação contrária à
virtude leva à decadência. A pessoa pode, assim, atravessar vários tipos diferentes de
vidas, para cima e para baixo, até encontrar a libertação.

SK 53 Existem oito espécies de seres divinos (DEVA); cinco tipos de seres


terrestres e uma de seres humanos. Tal é, em resumo, a tríplice criação.

De acordo com o comentário, os oito tipos de seres divinos são BRAHMÓ,


PRAJÓPATI, SOMA, INDRA, GANDHARVA, YAK›A, RÓK›ASA e PIÍACA. Os
cinco tipos de seres terrestres são: gado doméstico, feras selvagens, pássaros, répteis e
vegetais.

SK 54 Acima (no mundo celeste) predomina SATTVA; abaixo, TAMAS


predomina; no meio, predomina RAJAS. Assim é de BRAHMÓ até uma folha
de grama.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 28

55 Neles o PURU›A consciente experimenta o sofrimento (DUfiKHA) devido à


velhice e à morte, até o término da atividade do corpo característico. Portanto, o
sofrimento vem das disposições dele próprio (SVABHÓVA)

Como se vê, a transmigração pode ocorrer tanto de uma vida humana para outra
como passando a uma vida animal ou vegetal (pelo vício) ou, pelo contrário, adotando
uma vida de um ser espiritual (que também nasce e morre, de acordo com a tradição
indiana). O homem está no meio (dominado por RAJAS). Por fim, depois de muitas
transmigrações, pode surgir a libertação. É interessante notar que quem é libertado é
PURU›A, mas quem produz a libertação é a própria atividade da natureza (PRAKÙTI),
que existe apenas para isso.

SK 56 Essa é a ação da Natureza. Desde o grande princípio (MAHAT) até os


elementos grosseiros determinados, ela se destina à libertação (MOK›A) de
todas as formas de PURU›A. Sua atividade se produz para o benefício de um
outro, embora pareça para ela própria.
57 Assim como o leite, inconsciente, atua para o crescimento do bezerro, da
mesma forma a natureza primordial (PRADHÓNA) atua para a libertação de
PURU›A.
58 Assim como as pessoas agem até atingir seus desejos [e, depois, param], da
mesma forma o não-manifesto (AVYAKTA) age até libertar PURU›A.
59 Como uma dançarina cessa de dançar, após se exibir ao público, assim
também a Natureza cessa de evoluir após exibir-se a PURU›A.
60 Ela, que não recebe coisa alguma em troca, beneficia de várias formas a
PURU›A. Ela, que é dotada de poderes (GUÔA), auxilia sem qualquer benefício
próprio àquele que não tem poderes.
61 Nada me parece mais modesto do que PRAKÙITI, a qual, dizendo “Eu fui
vista”, desaparece da visão de PURU›A.
62 Por isso, ninguém está preso, nem transmigra, nem se liberta. É a Natureza
que, vestida de diferentes formas, é presa, transmigra e é libertada.
63 A Natureza se prende a ela mesma de sete formas e ela se liberta de uma só
forma, para o benefício de PURU›A.
64 Assim, pelo estudo dos princípios (TATTVA), aprende-se: “Eu não existo,
nada é meu, não há um eu” (NÓSMI, NA ME, NÓHAM). Esta sabedoria
(JÑÓNA) é absoluta, pura e sem dualidade.
65 Assim o PURU›A, em repouso como um espectador, observa a Natureza, que
cessou de produzir e que se retirou das sete formas por ter atingido seu objetivo.
66 Ele se desinteressa como um espectador [que já viu o espetáculo] e ela se
retira pois já foi vista. Apesar de seu contato, não há mais motivo para a criação.
67 As ações virtuosas e as outras (disposições) deixam de ser produtivas graças à
obtenção da sabedoria perfeita (SAMYAGJÑÓNA); mas ele permanece provido
de um corpo (ÍARÁRA), por causa dos resíduos do passado (SA»SKÓRA),
como uma roda em movimento [que não para imediatamente de girar, mesmo se
ninguém mais a está empurrando].
68 Após a cessação das atividades da natureza primal (PRADHÓNA) que
atingiu seu fim, ele se separa do corpo e obtém a libertação (KAIVALYA)
certeira e definitiva.

Assim ocorre, segundo o SÓ»KHYA, o processo de libertação.


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 29

CAPÍTULO 6

O Ser Supremo, no RÓJA-YOGA

O capítulo anterior mostrou a visão do SÓ»KHYA sobre o ser humano, as


forças e princípios naturais, o processo de transmigração e a libertação. No
SÓ»KHYA-KÓRIKÓ não se encontra menção aos procedimentos do YOGA; mas o
texto fornece uma visão de mundo sem a qual o texto de PATAÑJALI se torna de difícil
compreensão.
Nos pontos tratados tanto pelo RÓJA-YOGA quanto pelo SÓ»KHYA há, em
geral, uma grande concordância. Porém, há diferenças. O YOGA-SÚTRA não fala sobre
o ego ou AHÓ»KARA, nem sobre MAHAT; não possuem uma descrição detalhada da
Natureza, dos poderes e de outros conceitos, que permitam saber se as concepções das
duas escolas filosóficas eram idênticas ou não. Há, além disso, uma diferença
importante: o SÓ»KHYA é, de certa forma, ateu: fala dos deuses, porém apenas no
sentido de certos seres espirituais mortais. O RÓJA-YOGA, pelo contrário, fala sobre
ÁÍVARA, que é um nome que pode ser traduzido por Senhor, ou Ser Supremo.:

YS I.24 ÁÍVARA é um PURU›A distinto, que está livre das fontes de


perturbação (KLEÍA), das ações (KARMA) ou de suas conseqüências (os frutos
das ações).
25 Nele está a semente da sabedoria infinita.
26 Ele foi também o mestre (GURU) dos antigos, pois o tempo não o limita.
27 Seu nome é o PRAÔAVA (a sílaba sagrada: ).

Esta é a caracterização que PATAÑJALI dá a ÁÍVARA: uma consciência liberta,


repleta de sabedoria – sabedoria à qual as pessoas podem ter acesso – e que pode ser
invocado pelo ( ).

A sílaba sagrada é representada pelos símbolos abaixo (em dois desenhos


DEVANAGARI e em caracteres romanos com sinais diacríticos).

Há uma certa variabilidade no desenho das letras indianas, como de qualquer outra
letra. No DEVANAGARI, as partes mais finas e mais grossas do traço das letras são
produzidas porque se utiliza um tipo de caneta com ponta larga e se escreve com essa
ponta em posição inclinada, de tal forma que os traços se tornam mais finos na direção \ e
mais grossos na direção /.

Por outro lado, o YOGA-SÚTRA afirma que a devoção a ÁÍVARA (que é


chamada ÁÍVARAPRANIDHÓNA) é uma obrigação (NIYAMA – ver YS II.32) e que a
perfeição do SAMÓDHI vem dessa devoção a ÁÍVARA (YS II.45).
O texto do SÓ»KHYA-KÓRIKÓ não fala sobre ÁÍVARA; mas também não
nega sua existência.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 30

Note-se que ÁÍVARA não corresponde à idéia de um deus criador. Na mitologia


indiana, o criador é BRAHMÓ, que não é o ser supremo. Note-se, também, que
ÁÍVARA está livre de ações e que, portanto, não interfere no universo.
Na verdade, não há diferença essencial entre ÁÍVARA e uma pessoa que se
libertou. Pois o YOGA-SÚTRA afirma que a pessoa, ao se libertar, atinge um
conhecimento infinito. No entanto, esse conhecimento infinito não é um conhecimento
sobre as coisas do mundo e sim um conhecimento de outra natureza.

YS III.49 Pela discriminação entre PURU›A e SATTVA, surge o domínio sobre


tudo e um conhecimento de tudo.
50 Renunciando a isso, a semente da escravidão é destruída e vem a libertação
(KAIVALYA).

YS IV.29 Quando os obstáculos foram exauridos, e a discriminação é constante,


surge o SAMÓDHI chamado DHARMA-MEGHA (nuvem de virtude).
30 Assim cessam o KARMA e as perturbações (KLEÍA).
31 Então, tendo sido removido o véu das impurezas, tudo o que pode ser
conhecido se torna insignificante diante do conhecimento infinito.

Existe um tipo de conhecimento amplo (sabedoria) que se dá quando a BUDDHI


está repleta de SATTVA (luz, pureza). Mas isso ainda é algo impermanente, pois faz
parte da Natureza. É preciso renunciar mesmo a isso, para atingir a libertação. Mas, na
libertação, há um outro tipo de sabedoria infinita. PATAÑJALI não esclarece o que é
isso e o SÓ»KHYA também não fala sobre isso. Vamos procurar esclarecer esse ponto
recorrendo às UPANI›AD.
Nas UPANI›AD aparecem muitas vezes referências ao Senhor, utilizando-se os
nomes ÁÍ, ÁÍA, ÁÍÓNA, ÁÍVARA e PARAMEÍVARA (esta última palavra composta
significa “Senhor supremo”). Vejamos um trecho da ÍVETÓÍVATARA-UPANI›AD,
que irá esclarecer alguns pontos.

ÍU IV.5 Existe aquela que não nasceu (AJÓ), vermelha, branca e negra, que
produz múltiplos produtos semelhantes a ela. Junto está um não-nascido se
deliciando. Outro não-nascido a abandonou, já havendo desfrutado dela.
6 Dois pássaros, sempre unidos, estão sobre a mesma árvore. Dos dois, um come
o doce fruto. O outro olha, sem comer.
7 Na mesma árvore, um homem (PURU›A), preso, se ilude e sofre, incapaz.
Quando ele vê o outro, o Senhor (ÁÍA) que é cultuado e sua grandeza, ele se
liberta do sofrimento.

Esse trecho fala, simbolicamente, sobre PRAKÙTI, PURU›A e ÁÍVARA.


PRAKÙTI é aquela que não nasceu mas produz múltiplos resultados. Ela é vermelha,
branca e negra (o que representa os três poderes ou GUÔA: RAJAS é o vermelho,
representando a força, a violência, a atividade; SATTVA é branco, representando a luz,
o brilho; TAMAS é negro, representando a inércia e a ignorância). A Natureza é
também a árvore onde estão os pássaros (e da qual um come o fruto). O PURUSA que
ainda não se libertou é o que está se deliciando com PRAKÙTI e que come o doce fruto.
No entanto, ele está preso e sofre. ÁÍVARA ou ÁÍA é o não-nascido que já não desfruta
de PRAKÙTI (não come o fruto, apenas olha) e que é o Senhor grandioso e cultuado.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 31

Contemplando-o, o PURU›A que estava preso se liberta. Algumas estrofes depois, a


mesma UPANI›AD fala claramente sobre PRAKÙTI:

ÍU IV.10 Saiba portanto que a Natureza (PRAKÙTI) é o poder (MÓYÓ) e que


aquele que usa o poder (MÓYÓ) é o Grande Senhor (MAHEÍVARA). Todo este
mundo é permeado por seres que são parte dele.

A continuação da ÍVETÓÍVATARA-UPANI›AD vai estabelecer a relação


entre ÁÍVARA, o universo e o homem:

ÍU IV.11 Ele é o Uno que domina todas as fontes dos seres (YONI = útero), no
qual tudo se dissolve e se reune. Ele é o Senhor (ÁÍÓNA), aquele que concede as
bençãos, o deus (DEVA); contemplando-o, atinge-se essa paz eterna.
...
15 Ele é realmente o protetor do mundo temporal, o Senhor de tudo, oculto
dentro de todas as coisas, no qual estão unidos os DEVA e os que contemplam
BRAHMAN. Conhecendo-o, corta-se as amarras da morte.
...
17 Esse deus (DEVA), o que produz todas as ações (VIÍVA-KARMA), o grande
eu (MAHÓTMA), sempre sentado no coração das criaturas, está envolto pelo
coração, pelo pensamento, pela mente. Quem sabe isso, torna-se imortal.

ÁÍVARA é o Senhor do universo, a origem e fim de tudo e está oculto dentro de


tudo. Está dentro do coração e da mente das pessoas. Não pode ser encontrado fora, mas
pode ser encontrado por aquele que se volta para dentro de si próprio:

ÍU IV.20 Sua aparência (RÚPA) não pode ser vista: ninguém o contempla com
os olhos. Aqueles que pela mente e pelo coração o encontram dentro do coração,
esses se tornam imortais.

A UPANI›AD repete várias vezes que quem conhece ÁÍVARA, dentro de si


próprio, vence a morte e se torna imortal (não no sentido de não morrer, mas no sentido
de não renascer mais). Quando analisamos o YOGA-SÚTRA e o SÓ»KHYA-
KÓRIKÓ, a libertação era apresentada como o resultado do conhecimento de PURU›A.
Não haverá aí uma contradição? Vamos citar outro trecho da UPANI›AD:

ÍU III.7 O supremo é BRAHMAN, o grandioso que está oculto no corpo dos


seres, aquele que envolve o universo. Aquele que o conhece, ao Senhor (ÁÍA),
torna-se imortal.
8 Eu conheço o grandioso PURU›A da cor do Sol, que ultrapassou a
obscuridade (TAMAS). Somente conhecendo-o se ultrapassa a morte. Não existe
outro caminho para isso.
9 Não existe nada mais elevado do que ele, nada é menor nem maior doq ue ele;
todo este universo é preenchido por PURU›A.
...
11 Ele está nas faces, cabeças e pescoços de todos, ele está oculto em todos os
seres, ele penetra tudo. Ele é o Senhor (BHAGAVATA) e por isso é o ÍIVA
onipresente.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 32

12 O grande mandatário (PRABHUR) é realmente PURU›A, aquele que impele


o mais elevado ser. Ele atinge a máxima pureza, ele é o Senhor (ÁÍA), é a luz
imperecível.
13 O eu mais interno (ANTARÓTMA) é o PURU›A do tamanho de um polegar,
residindo sempre no coração humano. Ele é o senhor do conhecimento, envolto
pelo coração e pela mente (MANAS). Aqueles que o conhecem se tornam
imortais.

Este trecho esclarece a aparente contradição. PURU›A, o eu mais interno, é ao


mesmo tempo o próprio ÁÍVARA, é o Senhor, é BRAHMAN, é a origem e o fim de
tudo. É exatamente por isso que, ao se libertar de PRAKÙTI, o ser humano atinge uma
sabedoria infinita: PURU›A é BRAHMAN, é o absoluto, é o ilimitado.
Embora no YOGA-SÚTRA não apareça a afirmação de que PURU›A e
BRAHMAN (ou ÁÍVARA) são um só, essa identidade não é negada lá. Pode-se supor
que, se PATAÑJALI não concordasse com essa identidade (que já era afirmada em
muitos textos anteriores que ele devia conhecer muito bem), ele deveria negá-la. Como
não nega, devemos supor que a aceitasse. Por outro lado, o YOGA-SÚTRA é
compatível com essa idéia. Pode-se ver, ainda mais, que essa idéia está claramente
descrita em textos de YOGA posteriores ao YOGA-SÚTRA. Vamos analisar alguns
trechos do AMÙTABINDU-UPANI›AD.

AU 1 Diz-se que a mente (MANAS) humana pode ter dois aspectos: pura ou
impura. Impura, se é escrava do desejo. Pura, se está livre do desejo. Ora, é a
própria mente que é a única causa tanto da prisão quanto da libertação humana.
Quando está ligada aos bens deste mundo, conduz à prisão; mas, se rompe essas
amarras, conduz à libertação.
...
3 É apenas quando a mente, livre de toda ligação, conquista o domínio interno,
destruindo assim a si própria, que se atingirá o estado supremo.
4 Quanto mais a instabilidade tiver se instalado no coração, tanto mais longos
serão os esforços necessários para libertar a mente. Esses esforços são o
conhecimento e a meditação. Todo o resto não passa de discussões vãs e de mera
argúcia.
5 Mas isso não significa que seja necessário se recusar a pensar, assim como não
se deve dedicar-se apenas ao prazer de pensar. De fato, deve-se refletir, mas não
se prender ao pensamento, pois BRAHMAN só será reconhecido quando a
mente estiver livre de todas as concepções preconcebidas.
6 Deve-se combinar a prática do YOGA com a repetição da sílaba , embora o
silêncio possa produzir um benefício maior. Pois quando se está em silêncio, não
é a aniquilação que se busca, procura-se o ÓTMAN (o eu interno).
7 É isso, isso apenas, o BRAHMAN sem divisão, sem distinções nem atributos.
E quando o yogue conhece que ele próprio é BRAHMAN, ele se torna
BRAHMAN para sempre.
8 Sim, ele se libertou, o yogue que soube reconhecer o que é o BRAHMAN sem
distinções, sem limite, o BRAHMAN que não se pode provar, nem explicar, nem
demonstrar, o BRAHMAN sem começo nem fim.
...
22 Esse mistério, indiviso, imóvel, é o fim supremo para o qual o yogue se
dirige. Ele o atingiu quando pode dizer: “Eu sou esse BRAHMAN”.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 33

Esta UPANI›AD, mais recente do que o YOGA-SÚTRA, mostra que a


identidade entre ÓTMAN (ou PURU›A) e BRAHMAN foi incorporada aos textos de
YOGA. Podem ser encontrados muitos outros exemplos semelhantes nos textos
clássicos de HATHA-YOGA.
A identidade entre PURU›A e BRAHMAN torna compreensível o objetivo
positivo do RÓJA-YOGA. Não se trata apenas de eliminar os renascimentos e de se
afastar definitivamente de PRAKÙTI. Isso seria um resultado puramente negativo. Esses
resultados levariam a um nada, se PURU›A nada fosse. Mas ele é o absoluto, o
ilimitado; trata-se, portanto, de trocar o finito pelo infinito, o mutável pelo eterno, o
relativo pelo absoluto.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 34

CAPÍTULO 7

Os Membros do YOGA – Membros Externos

Vamos agora passar à questão da prática do RÓJA-YOGA. Como já vimos,


PATAÑJALI afirma que o YOGA é o controle das atividades da mente (CITTA) ou da
consciência. Que atividades são essas? O texto do YOGA-SÚTRA diz claramente que
as atividades (VÙTTI) são formas de pensamento:

YS I.5 Há cinco tipos de atividades mentais, agradáveis ou desagradáveis.


6 Conhecimento correto (PRAMÓNA), erro ou engano (VIPARYAYA),
imaginação (VIKALPA), sono (NIDRÓ), recordação (SMÙTI).
...
12 A restrição (NIRODHA) das mesmas vem pela prática e ausência de paixão.

É interessante notar que a ausência de paixão é um dos objetivos das práticas de


YOGA mas é, ao mesmo tempo, um pré-requisito. A pessoa que ainda não esteja se
libertando da paixão não consegue o controle da mente. Mas nos momentos em que a
pessoa não esteja dominada pelas paixões (da mesma natureza que RAJAS) e que não
seja apática (dominada por TAMAS) pode começar a controlar sua mente e esse
controle, por sua vez, irá reduzir o apego e a paixão.
Quanto à prática necessária para desenvolver o controle das atividades mentais, o
texto de PATAÑJALI afirma, em outro ponto:

YS II.28 Pela prática dos membros do YOGA (YOGA-A‹GA) elimina-se a


impureza e obtém-se o brilho da sabedoria (JÑANA) discriminativa.
29 Esses oito membros são: as abstenções, as observâncias, as posturas, o
controle da respiração, a inversão dos sentidos, a concentração, a meditação e a
união.

Note-se que essa divisão em oito membros ou braços não se refere a práticas que
tenham que ser realizadas uma depois da outra. Não é preciso dominar um desses
membros para passar ao seguinte. Por isso é inadequado falar em “etapas” ou “degraus”
do YOGA. A palavra “A‹GA” significa apenas membro, sem a conotação de uma
sucessão obrigatória. Uma pessoa pode, realmente, iniciar o seu caminho no YOGA
através de um SAMÓDHI espontâneo ou produzido pela graça do seu GURU (mestre).
Desses oito membros, os dois primeiros são de caráter ético ou moral: referem-se
ao comportamento prático da pessoa no seu dia-a-dia, em todos os instantes. Os dois
seguintes referem-se a atividades ligadas ao corpo físico: controle da atitude corporal e
da respiração. Os outros quatro utilizam os órgãos internos.

O texto do YOGA-SÚTRA explica o significado dos vários membros do


YOGA:

YS II.30 As abstenções (YAMA) são: não ferir (AHI»SÓ), ser autêntico


(SATYA = não mentir), não roubar (ASTEYA), não ser sensual
(BRAHMACARYA), não ter cobiça (APARIGRAHA = só ter o necessário).
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 35

31 Este é o grande voto, que se aplica a todos os seres, sem distinção de


nascimento, lugar, tempo ou circunstância.

Vê-se que a intenção de PATAÑJALI é estender essas abstenções a todos os


instantes da vida do yogue, sem exceção, independentemente de qualquer circunstância
atenuante. Por exemplo: não ferir nem homens nem animais, nem mesmo para se
defender ou alimentar, etc.
Todas as abstenções têm por finalidade reprimir os impulsos violentos, oriundos
de RAJAS. É RAJAS que leva à violência, a enganar outras pessoas propositalmente, a
retirar o que pertence a outros, a procurar prazeres dos sentidos (incluindo-se, aí, a gula,
o uso de perfumes, etc.) e a desejar poder e posses.
No entanto, reprimir RAJAS pode ter um efeito indesejável: pode abrir caminho
para TAMAS ao invés de aumentar SATTVA. A eliminação da violência pode resultar
simplesmente em apatia, inércia, confusão, tristeza, isolamento, trevas (TAMAS). Para
evitar isso, há “observâncias” (NIYAMA) ou obrigações a serem cumpridas e que são
de natureza de SATTVA, sendo ativas e positivas:

YS II.32 As observâncias (NIYAMA) são: a purificação (ÍAUCA), o


contentamento (SA»TO›A), o ascetismo (TAPAfi), o estudo próprio
(SVADHYÓYA) e a devoção a ÁÍVARA (ÁÍVARAPRANIDHÓNA).

Todas essas são atividades positivas e não simplesmente eliminação de coisas


negativas, como no caso das proibições (YAMA). São mais difíceis de entender do que
as abstenções e estão relacionadas a ações tradicionais indianas.
Vamos explicar as abstenções (YAMA) e as observâncias (NIYAMA), segundo
os comentadores clássicos do YOGA-SÚTRA.

AHI»SÓ
Não ferir = AHI»SÓ – é não ferir ou não praticar violência em relação a nenhum ser,
seja por pensamentos, palavra ou ação externa. Se for praticado sempre, levará os outros
seres a não serem violentos contra o yogue, igualmente (YS II.35). Não se deve, no
entanto, pensar que o objetivo dessa abstenção seja ter segurança física; isso não é
importante, para o yogue.

SATYA
Não mentir = SATYA – é a correspondência entre os fatos, o pensamento, a palavra e a
ação. Pode ser traduzido por autenticidade. Significa não só não mentir, mas também
não ocultar a verdade, não fingir (por ações), não fugir à verdade. Não se deve, por
respeito (ou usando como desculpa) a SATYA agredir as pessoas por palavras. A
verdade deve ser dita sem violência, para o benefício dos outros seres. Quando a
autenticidade está plenamente estabelecida, há completa correspondência entre a fala e a
realidade; e aquilo que o yogue disser se transformará em realidade (YS II.36).
Novamente, é preciso notar que o objetivo de SATYA não é a obtenção desse poder.

ASTEYA
Não roubar = ASTEYA – é o controle do desejo, do pensamento e da ação de retirar
algo que pertence a outrem ou de privar alguém de algo, mesmo sem tomá-lo para si.
Quando “não roubar” está estabelecido, nada de importante falta à pessoa (YS II.37),
pois ela tem tudo o que cabe a ela.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 36

BRAHMACARYA
Não ser sensual = BRAHMACARYA – este termo representa uma fase da vida dos
homens, no período vêdico, na qual a pessoa se tornava um estudante religioso e devia
restringir todo tipo de sensualidade – não só a sexualidade mas também sendo proibido
de utilizar perfumes e enfeites, de comer mel, carne, usar temperos, dormir em leitos
macios, de buscar diversões, de falar sem necessidade, etc. Posteriormente, o termo
“BRAHMACARYA” passou a refletir principalmente o aspecto de continência sexual,
mas é muito mais amplo. Descreve a idéia de uma vida simples e rigorosa, dormindo
pouco, alimentando-se apenas do necessário, sem beber bebidas alcoólicas ou sucos de
frutas, etc. Quando BRAHMACARYA se estabelece, o yogue atinge poderes (YS II.38).
Esses poderes não são, como alguns autores indicam, um “aumento de virilidade” (para
que o yogue usaria isso?) e sim força, resistência e, às vezes, alguns poderes
supranormais (de acordo com o comentário de VYÓSA).

APARIGRAHA
Não cobiçar = APARIGRAHA – significa, além de não procurar obter mais do que se
precisa, também recusar presentes e favores de outras pessoas (de acordo com o
comentário de BHOJA-VÙTTI). É a eliminação total da cobiça e da avareza. A sua
perfeição leva ao conhecimento das vidas passadas e futuras (YS II.39).

Essas são as cinco proibições ou restrições. Agora, as obrigações (NIYAMA):

ÍAUCA
Purificações = ÍAUCA – são purificações internas e externas, do corpo e da mente. As
purificações do corpo incluem os rituais de banhar-se e de transferir as impurezas à água
pelo toque (um ritual védico), assim como os processos de purificação do interior do
corpo através de suas aberturas (práticas que são descritas em detalhe nos tratados de
HAÈHA-YOGA). A purificação da mente consiste em contrapor os pensamentos
negativos pelos seus opostos (YS II.33-34). Em todas essas práticas, o yogue deve se
concentrar na percepção dos aspectos sujos ou impuros, externos e internos, físicos ou
mentais, o que leva a um desgosto em relação a suas camadas mais externas. Deve
surgir um tipo de aversão pelo contato com o próprio corpo e também em relação ao
corpo dos outros (YS II.40 – ver especialmente o comentário de VYÓSA). Deve-se
também desenvolver um desgosto pela constante impureza da mente (da própria
pessoa). No entanto, isso não deve levar à falta de cuidados com o corpo. Purificar o
próprio corpo torna-se uma tarefa como lavar um doente ou um cadáver. A purificação
do corpo e a da mente levam à concentração, controle dos sentidos e contribuem para a
capacidade de contemplar o seu eu interior, o ÓTMAN (YS II.41).

SAMTO›A
Contentamento = SAMTO›A – refere-se ao estado mental de satisfação por aquilo que
existe no presente, sem reclamações (nem internas, nem externas), sem saudades do
passado, sem concentrar no futuro sua vida, atenção e energia. Quando se consegue isso,
surge a mais elevada forma de felicidade (YS II.42).

TAPAS
Ascetismo = TAPAS – as austeridades ou ascetimos, juntamente com os dois NIYAMA
seguintes, constitui o KRIYA-YOGA, ou prática purificadora (YS II.1). O ascetismo é o
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 37

desenvolvimento de práticas que exigem muito esforço do ser humano, levando-o a


superar a dor e o sofrimento. É algo adicional à renúncia de confortos, que já faz parte
de BRAHMACARYA. O ascetismo inclui práticas como jejuns, dormir no solo, expor o
corpo aos rigores do clima (frio, calor, chuva, etc.), banhar-se em água gelada, expor-se
ao calor do fogo e do Sol, ficar parado em uma posição incômoda12 , falar só por gestos,
etc. No entanto, não é preciso chegar a extremos. As austeridades mais dolorosas devem
ser realizadas apenas como penitência, quando se viola algum dos votos que foram
feitos. As austeridades libertam de impurezas e levam ao domínio e perfeição do corpo e
dos sentidos (YS II.43). A palavra TAPAS significa “ardor”. Vem da raiz sânscrita
TAP, que significa desprender calor, estar quente, brilhar (como o Sol), queimar,
consumir. As práticas ascéticas produzem uma forte sensação de calor interno, além de
“queimar” as impurezas. No período védico, considerava-se também como TAPAS o
cumprimento exato e inflexível do dever (DHARMA) – um dever que podia depender
da classe social e da fase de vida da pessoa.

SVÓDHYÓYA
Estudo próprio = SVÓDHYÓYA – este termo, que significa literalmente “estudo
próprio”, é o nome de uma obrigação védica que exigia que o BRÓHMANA, ants do
nascer do Sol, todos os dias, se dedicasse ao estudo dos textos sagrados e à repetição de
MANTRA. Exigia-se também o estudo e prática dos rituais descritos nos textos
sagrados, sem nenhum objetivo prático (apenas como estudo obrigatório). As preces e
os rituais eram, em parte, invocações a divindades (DEVA). O praticante escolhia
especialmente textos e cerimônias relacionados a uma divindade de sua predileção
(I›ÈA-DEVATÓ). De acordo com PATAÑJALI, o SVÓDHYÓYA bem praticado (de
forma não mecânica) leva a um contato direto com o DEVA escolhido (YS II.44).

ÁÍVARAPRAÔIDHÓNA
Devoção a ÁÍVARA = ÁÍVARAPRAÔIDHÓNA – é uma obrigação às vezes traduzida
como “devoção ao Senhor”. A palavra PRAÔIDHÓNA representa concentração,
fixação da atenção e não propriamente homenagem – que é o que se costuma entender
por devoção. Por isso, os comentadores variam muito na interpretação deste NIYAMA:
meditação sobre ÁÍVARA, ou oferecimento (DHÓNA) a ÁÍVARA de todas as ações da
pessoa, ou pensar constantemente em ÁÍVARA e procurar vê-lo em tudo, etc. De
qualquer forma, trata-se de uma atividade de tipo devocional (BHAKTI-YOGA),
meditativa ou prática (KARMA-YOGA) relacionada a ÁÍVARA. Mas como em outro
ponto dos YOGA-SÚTRA se fala que a invocação a ÁÍVARA é a sílaba sagrada OO
(PRAÔAVA) e que ele deve ser repetido refletindo-se sobre o seu significado (YS I.27-
28), pode ser que ÁÍVARAPRAÔIDHÓNA, que é essencialmente uma preparação e
purificação (KRIYA-YOGA), seja a própria repetição do OO, refletindo-se sobre seu
significado. O efeito de ÁÍVARAPRAÔIDHÓNA, segundo PATAÑJALI (YS II.45), é o
poder da perfeição do SAMÓDHI e não a visão de ÁÍVARA (como no caso anterior).

Este é o quinto e último dos NIYAMA. Vejamos, agora, os outros membros do


YOGA.

YS II.46 A postura (ÓSANA) deve ser firme e fácil.


47 Pela renúncia a todo esforço e a mente unida ao infinito.

12
Por exemplo: ficar de pé, sem se mover, durante muitas horas.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 38

48 Assim a dualidade não cria dificuldades.

O objetivo dos ÓSANA, no RÓJA-YOGA, não é nem fazer uma exibição de


destreza física, nem obter resultados médicos, nem poderes. É apenas dar condições para
a prática dos membros internos do YOGA (concentração, etc.) sem perturbações, ou
seja, eliminando as dificuldades das dualidades. PATAÑJALI nem se dá ao trabalho de
enumerar e explicar as posturas. Basta, segundo ele, que a postura seja firme (que o
corpo fique parado) e sem esforço (para que a pessoa possa concentrar a atenção em
outra coisa). VYÓSA indica o nome de algumas posturas importantes: PADMÓSANA,
VÁRÓSANA, BHADRÓSANA, SVASTIKÓSANA, DAÔflÓSANA, SOPÓÍRAYA,
PARYA‹KA, KRAUÑCHA-NI›ADANA, HASTI-NI›ADANA, U›TRA-
NI›ADANA e SAMA-SA»STHÓNA. Os cinco primeiros ( PADMÓSANA,
VÁRÓSANA, BHADRÓSANA, SVASTIKÓSANA, DAÔflÓSANA) e o sétimo
(PARYA‹KA, mais conhecido por ÍAVÓSANA) são explicados em qualquer manual
moderno. SOPÓÍRAYA é uma prática representada em muitas antigas estátuas
indianas, na qual uma pessoa se assenta sobre as nádegas, com os joelhos erguidos, e
amarra com um pano (chamado YOGA-PAÈÈAKA) as costas e as pernas, o que
permite manter as costas eretas sem esforço. Os outros são posturas baseadas em
animais sentados – elefante, camelo, etc.
Os textos clássicos de HAÈHA-YOGA enumeram muitas outras posturas. Mas,
no HAÈHA-YOGA-PRADÁPIKÓ, por exemplo, já aparece outro tipo de preocupação e
elas já não são vistas mais apenas como elementos que ajudam a meditação:

HYP I.17 As posturas (ÓSANA) que constituem o primeiro elemento do


HAÈHA-YOGA, são descritas inicialmente. Elas possuem como resultado a
firmeza de posição, desaparecimento de toda doença e a leveza corporal.

Esse tipo de objetivo não aparece no RÓJA-YOGA.


Depois de falar rapidamente sobre os ÓSANA, PATAÑJALI se refere ao quarto
membro do YOGA: o controle da respiração.

YS II.49 Após isso [após haver adotado uma postura firme e confortável], deve-
se cortar a inspiração e a expiração pelo PRÓÔÓYÓMA.

Os comentadores clássicos dos YOGA-SÚTRA explicam o PRÓÔÓYÓMA de


um modo bem diferente de textos modernos. O PRÓÔÓYÓMA seria, no sistema
RÓJA-YOGA, um corte e suspensão brusca da respiração, em três situações: ou após
inspirar, ou após expirar, ou no meio de uma respiração normal. De fato, em um
SÚTRA anterior, PATAÑJALI afirma (YS I.34) que é possível estabilizar a mente
expirando e retendo a respiração interrompida.
As outras frases em que PATAÑJALI fala sobre PRÓÔÓYÓMA não ajudam
muito a entender o que é esse processo:

YS II.50 Sutil e lenta, a atividade [de respiração] é controlada [ou cortada]


dentro, fora e no meio, determinada em relação a lugar, tempo e número.
51 O quarto processo transcende o interno e o externo.
52 Como resultado, o véu que oculta a luz se desfaz.
53 A mente (MANAS) se torna apta à concentração (DHÓRANA).
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 39

O texto parece indicar (de acordo com o comentário de VYÓSA) que a


respiração deve se tornar sutil (leve) e lenta; e que as interrupções da respiração devem
ser feitas ou mantendo o ar fora (na expiração), ou dentro (na inspiração) ou no meio. A
retenção deve ser regulada em relação à sua duração (tempo), força da expiração ou
inspiração (até onde o ar atinge) e freqüência (número): depois de quantas respirações
ela é interrompida. O texto poderia estar indicando que tanto o tempo da inspiração
quanto o da expiração e da retenção devem ser contados (ou medidos); mas os
comentadores clássicos não falam sobre isso. É interessante notar que as palavras
RECHAKA (expiração), PÚRAKA (inspiração) e KUMBHAKA (retenção) não são
utilizadas por PATAÑJALI em lugar nenhum. Note-se que a palavra PRÓÔÓYÓMA
significa, literalmente, abstenção ou proibição (YÓMA) de PRÓÔA (respiração).
Os comentadores indicam que se deve praticar o corte do PRÓÔA dentro, fora
ou no meio, durante um longo tempo, até estabilizar a mente juntamente com a parada
da respiração. Depois, então, pode-se atingir um quarto tipo de PRÓÔÓYÓMA, no qual
se consegue o mesmo estado mental mas, simultaneamente, a respiração continua a
existir (muito levemente), embora o yogue sinta como se ela estivesse totalmente
paralizada. Esse quarto tipo de PRÓÔÓYÓMA facilita a concentração (DHÓRANA).
Isso completa a descrição dos quatro primeiros membros do YOGA, que fazem
uso dos órgãos externos (embora também tenham aspectos internos, ou mentais). A
seguir, vamos estudar os membros internos.
Antes de prosseguir, é importante no entanto assinalar que em vários outros
textos clássicos relativos ao YOGA há diferenças importantes. Em alguns, o número de
membros do YOGA é diferente, havendo algumas vezes exclusão de YAMA e
NIYAMA; outras vezes, há a inclusão de outros tipos de prática (como TARKA, que é
um processo intelectual de análise e pensamento, e MUDRÓ, que é um tipo de postura
adequada para despertar efeitos especiais, no HAÈHA-YOGA). Também há diferenças a
respeito do número dos YAMA e NIYAMA – que podem ser até 10, em alguns textos.
Na MAITRÁ-UPANI›AD, encontra-se a seguinte descrição dos membros do
YOGA:

MU VI.18 Esta é a regra para atingir a unificação (PRAYOGA): controle da


respiração (PRÓÔÓYÓMA), inversão dos sentidos (PRAYÓHÓRA), meditação
(DHYÓNA), concentração (DHÓRAÔÓ), reflexão (TARKA), SAMÓDHI.
Esses são chamados os seis membros do YOGA (YOGAÑGA). Quando, através
disso, ele contempla o agente da cor de ouro, o Senhor (ÁÍA), o PURU›A, a
fonte de onde nasceu BRAHMÓ, então o sábio, abandonando o bem e o mal,
transforma tudo em um, no supremo indestrutível. Pois assim foi dito: “Assim
como as feras e os pássaros não procuram uma montanha em chamas, da mesma
forma os pecados não encontram abrigo naquele que conhece BRAHMAN”.

Note-se que, nesse enumeração dos seis membros do YOGA (ao invés de oito,
como no YOGA-SÚTRA), estão excluídos YAMA, NIYAMA e ÓSANA. A falta de
menção de YAMA e NIYAMA em várias UPANI›AD parece indicar apenas que a parte
moral do YOGA era tão evidente e natural que não precisava ser colocada
explicitamente como parte especial do YOGA. No caso desta UPANI›AD, em
particular, isso é bastante claro. Ela começa se referindo à história do rei
BÙHADRATHA, o qual, colocando seu filho no trono e tendo refletido que seu corpo
era mortal, e atingindo o desprendimento das coisas do mundo, foi para a floresta
praticar ascetismo (TAPAS). Então, surge diante dele um ser iluminado que pergunta o
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 40

que ele quer. O rei responde que quer conhecer o ÓTMAN, sendo então instruído. Esse
início mostra que a purificação moral já havia sido atingida, em grande parte, pelo rei.
Não era necessário falar sobre isso, na UPANI›AD.
A ausência de menção de ÓSANA, na MAITRÁ-UPANI›AD, tem outro motivo:
de forma geral, as UPANI›AD dão tão pouca importância a ÓSANA quanto o próprio
YOGA-SÚTRA. Por exemplo, em uma das UPANI›AD clássicas, a
ÍVETÓÍVATARA (da qual já falamos), encontra-se a seguinte descrição:

ÍU II.8 Mantendo o corpo parado com as três partes [peito, pescoço, cabeça]
eretos, fazendo entrar no coração os sentidos e a mente, o sábio deve atravessar
no barco de BRAHMAN todas as correntezas atemorizantes.
9 Reprimindo o alento (PRÓÔA), tendo controlado todos os movimentos, que
ele respire levemente pelas narinas. O sábio deve restringir sua mente de modo
vigilante, como se fosse uma carruagem atada (YUKTA) a cavalos rebeldes.
10 Em um local limpo e plano, livre de pedras, fogo e buracos, favorável ao
pensamento pelo som da água e outros aspectos, sem nada ofensivo à visão, em
um local oculto protegido do vento, ele deve praticar YOGA.

Como se vê por essa citação, fala-se apenas em manter o corpo parado e ereto,
tendo controlado os movimentos. ÓSANA e PRÓÔÓYÓMA são vistos simplesmente
como auxiliares dos membros mais internos; e o controle da respiração serve para
controlar a mente.
Muitas UPANI›AD e textos de HAÈHA-YOGA descrevem como deve ser o
local para a prática do YOGA e também a alimentação adequada para uma prática
intensa (destinada à libertação); mas nenhum desses textos considera a preparação do
local e o controle da alimentação como membros do YOGA. São simples condições
auxiliares. Tal parece também ser a visão de ÓSANA, em vários textos.
Vamos citar uma UPANI›AD do YOGA, posterior a PATAÑJALI, que também
não fala em 8 membros do YOGA, concordando bastante com a MAITRÁ-UPANI›AD.
É a AMÙTA-NÓDA-UPANI›AD.

ANU 6 A inversão dos sentidos (PRATYÓHARA) é o primeiro dos seis


membros que conduzem à perfeição do YOGA. Os cinco outros são a meditação
(DHYÓNA), o controle da respiração (PRÓÔÓYÓMA), a concentração
(DHÓRANA), a reflexão (TARKA) e a união (SAMÓDHI).

Mais adiante, a mesma UPANI›AD fala sobre as posturas, as quais, no entanto,


não foram incluídas na lista acima:

ANU 17 Para a prática do YOGA, deve-se escolher um local agradável e


cômodo, colocando-se no solo uma camada de grama DARBHA. Cercando-se
com uma proteção mental e recitanto os MANTRA do carro e do círculo, ele se
assenta, voltado para o Norte, na postura de lótus (PADMÓSANA), na
auspiciosa (SVASTIKÓSANA) ou na da prosperidade (BHADRÓSANA).

Como se vê, a AMÙTANÓDA-UPANI›AD não ignora a existência de postura


especiais. Apenas não lhes dá muito valor e por isso não as inclui entre os membros do
YOGA.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 41

Note-se que a ordem em que os membros do YOGA são mencionados varia


bastante. Isso é mais uma indicação daquilo que já foi dito: não se trata de passos que
devem ser dominados um após o outro, mas de um conjunto de práticas ou técnicas que
são aperfeiçoadas harmoniosamente e em conjunto.
Note-se também que aqui reaparece a reflexão (TARKA) como sendo um dos
membros do YOGA. A UPANI›AD explica que TARKA é raciocinar sobre o conteúdo
dos textos sagrados, sem se opor a eles (ANU 16). Ou seja: é um processo mental,
racional, que utiliza a leitura e a memória. É, por isso, bem diferente da meditação. Já
citamos um trecho de outra UPANI›AD (AMÙTABINDU) que alerta: não devemos nos
recusar a pensar (refletir), nem devemos nos consagrar apenas ao prazer do raciocínio.
De fato, deve-se refletir (TARKA), mas não se deve ficar limitado à reflexão, pois
BRAHMAN só será conhecido quando a mente estiver livre de todos os sistemas
preconcebidos (ABU 5).
Quanto ao PRÓÔÓYÓMA, propriamente dito (no sentido de PATAÑJALI),
vários textos o descrevem como um processo para atingir um estado mental em que a
consciência se diferencia do corpo e dos sentidos. Vejamos o que diz a AMÙTANÓDA-
UPANI›AD:

ANU 9 O controle da respiração (PRÓÔÓYÓMA) tem três elementos: a


inspiração (PÚRAKA), a expiração (RECAKA) e o mais importante: o radiante
(RUCIRA) que consiste em reter o PRÓÔA inspirado. É acompanhado pela
recitação mental da sílaba OO, das três GÓYATRÁ, do MANTRA da cabeça e
das exclamações rituais. Esse é o verdadeiro YOGA.
10 A expiração é esvaziar os pulmões emitindo o ar inspirado, até obter um
vazio total.
11 A inspiração, pelo contrário, consiste em absorver o ar como se bebêssemos
água por um canudo.
12 Enfim, reter o ar, sem expirá-lo nem inspirá-lo, na imobilidade total: é o que
se chama de retenção (KUMBHAKA). Através dela se obtém a calma.
13 São vistas a formas vistas pelos cegos, são ouvidos os sons ouvidos pelos
surdos e o próprio corpo é sentido como um pedaço de madeira.

Aqui, como no YOGA-SÚTRA, o PRÓÔÓYÓMA é algo bastante simples: não


se fala sobre vários tipos diferentes, e seu objetivo parece ser apenas acalmar a mente e
levar a um alheiamento dos sentidos externos, levando ao início da inversão dos
sentidos. Mesmo em textos posteriores, de HAÈHA-YOGA, nos quais se fala sobre
diferentes exercícios de PRÓÔÓYÓMA, encontra-se esse aspecto geral. Vejamos um
trecho do HAÈHA-YOGA-PRADÁPIKÓ:

HYP II.2 Quando o PRÓÔA está agitado, a mente se agita. Quando o PRÓÔA
está imóvel, a mente se imobiliza e o yogue atinge a estabilidade. É por isso que
se deve paralizar a respiração.
...
71 O PRÓÔÓYÓMA se divide em três partes: RECAKA (expiração), PÚRAKA
(inspiração) e KUMBHAKA (retenção). Considera-se que há dois tipos de
retenção: acompanhada (SAHITA) ou isolada (KEVALA).
72 Deve-se praticar a retenção acompanhada até se obter sucesso na retenção
isolada, que é a retenção fácil do PRÓÔA, sem inspiração nem expiração.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 42

73 Essa retenção isolada, pura, é o verdadeiro PRÓÔÓYÓMA. Quando [o


yogue] consegue realizar a retenção isolada, sem estar acompanhada de
inspiração nem expiração,
74 nada mais existe nos três mundos que lhe seja difícil de obter. Aquele que
controla o PRÓÔA completamente pela retenção isolada,
75 atingiu o nível de RÓJA-YOGA. Não há dúvidas sobre isso.

Há outros aspectos totalmente diferentes do PRÓÔÓYÓMA que são descritos


nesse e em outros textos de HAÈHA-YOGA, ou de TANTRA. Descrevem o controle do
PRÓÔA, dentro do corpo sutil, para produzir certos fenômenos associados aos canais
(NÓflÁ) e aos centros ou rodas (CAKRA), assim como ao despertar de KUÔflALINÁ.
Nada indica que essas práticas fizessem parte do RÓJA-YOGA. Há nos YOGA-SÚTRA
algumas rápidas referências às NÓflÁ e aos CAKRA, porém apenas em atividades de
meditação – nunca ao se referir ao PRÓÔÓYÓMA. Note-se também que o SÓ»KHYA
não fala sobre uma estrutura constituída por NÓflÁ e CAKRA, no interior do ser
humano.
Não se pode afirmar que tudo o que se refere a essas estruturas seja posterior a
PATAÑJALI – pelo contrário, ele certamente conhecia algo sobre as NÓflÁ e os
CAKRA. Mas certamente foi depois de PATAÑJALI que esses aspectos do
PRÓÔÓYÓMA se tornaram mais importantes, chegando a se tornar as principais
práticas do HAÈHA-YOGA.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 43

CAPÍTULO 8

Os Membros Internos do RAJA-YOGA

Vamos agora discutir PRATYÓHÓRA, DHÓRANA, DHYÓNA, e SAMÓDHI


– os quatro membros mais internos do RÓJA-YOGA.
Há apenas duas frases nos YOGA-SÚTRA que se referem a PRATYÓHÓRA:

YS II.54 Quando os órgãos são desligados de seus objetos e se tornam


semelhantes à mente, isso é PRATYÓHARA (inversão dos sentidos).
55 Disso resulta um controle total sobre os órgãos.

O texto não esclarece muita coisa. Será PRATYÓHARA apenas deixar de


perceber os objetos externos? Será parar de prestar atenção ao mundo? O comentário
clássico de VYÓSA indica que já na antigüidade existiam várias opiniões sobre o que
significava isso. Através desse comentário, parece que o sentido principal de
PRAYÓHÓRA era destacar-se emocionalmente dos sentidos, não se deixando prender
pelas sensações (mas sem deixar de senti-las). Essa é também a interpretação dada pela
YOGATATTVA-UPANI›AD:

YTU 68 Quanto ao quinto membro do YOGA, que consiste em uma retração dos
órgãos de sensação e de ação, com a finalidade de abolir todos os desejos, o
adepto do HAÈHA-YOGA o realiza quando pratica o controle da respiração.

É interessante que PRATYÓHÓRA é apresentado aqui como uma conseqüência


do controle da respiração. A mesma idéia aparece no comentário de BRAHMÓNANDA
ao HAÈHA-YOGA-PRADÁPIKÓ (HYP II.12), citando como autoridadesGORAK›A,
YOGACINTÓMAÔI e o SKANDA-PURÓÔA. Também no ÍIVA-SA»HITÓ
encontramos:

ÍS III.65 Quando é possível manter a retenção (KUMBHAKA) pelo menos


durante um oitavo do dia, então ocorre o PRAYÓHÓRA. Isso é certo.

Em outro texto (GHERAÔflA-SAMHITÓ), existe uma descrição mais extensa


de PRATYÓHÓRA. Lá, o processo é descrito essencialmente como parar de pensar
sobre aquilo que é proporcionado pelas sensações. O controle da respiração não é citado,
nesse texto, como necessário para se atingir PRATYÓHÓRA.

GHS IV.1 GHERANDA disse: Agora eu lhe direi o melhor modo de controle
dos sentidos (PRATYÓHÓRA), cujo conhecimento ajuda a superar todas as
paixões como o desejo e os outros.
2 Quando a mente (CITTA) vaguear pelos objetos de visão, retire-a e controle-a.
3 Censura ou elogio, palavras doces ou amargas – retire o pensamento de tudo
isso e mantenha a mente controlada.
4 Odores agradáveis ou desagradáveis, se a mente for atraída por eles, retire
deles o pensamento e mantenha a mente controlada.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 44

5 Sabores doces, ácidos ou amargos, se a mente for atraída por eles, retire deles o
pensamento e mantenha a mente controlada.
6 Um yogue que se dedica sistematicamente a PRATYÓHÓRA controla todos
os seus sentidos de visão, audição, etc., e os obriga a seguirem a mente.
7 Pelo domínio completo dos sentidos ativos, o yogue controla e não é
controlado por esses sentidos.

Note-se que o texto não fala sobre a necessidade de interromper as atividades


dos sentidos e sim em controlar os sentidos ativos, deixando de pensar sobre o que os
sentidos externos trazem de fora. Trata-se de um distanciamento, observando as
sensações como se fossem de um outro (como se o corpo fosse um pedaço de madeira,
como afirma a UPANI›AD citada antes).
O texto do GHERAÔflA-SAMHITÓ indica, depois, uma prática de
PRATYÓHÓRA:

GHS IV.10 Assente-se sobre uma superfície plana, com as pernas unidas sob as
coxas e com os pés envolvendo os órgãos genitais.
11 Erga levemente a face e, sem deixar os dois conjuntos de dentes se tocarem,
fixe o olhar na ponta do nariz, não observando nada em volta.
12 Então, domine TAMAS na mente, através de RAJAS; e depois domine
[RAJAS] com SATTVA.
13 Assim, coberta de brancura e tornada indiferente, separando os sentidos de
seus objetos, a mente se unirá ao PRÓÔA.
14 Aquele que assim recolhe todos os seus desejos pelo PRATYÓHÓRA, como
a tartaruga recolhe seus membros dentro de sua casca,
15 torna-se equilibrado, vê o seu ÓTMAN interno, tendo se tornado puro interna
e externamente pelo PRATYÓHÓRA.
16 Assim, não necessitando mais de outras práticas de YOGA, ele se torna seu
próprio ÓTMAN imortal.

De acordo com esse texto, a prática de PRATYÓHÓRA poderia levar à visão do


ÓTMAN interno. O texto do ÍIVA-SAMHITÓ afirma que, ao atingir o controle dos
sentidos, o yogue vê todos os objetos como sendo seu próprio ÓTMAN (ou seja, a visão
do ÓTMAN externo).
Em PRATYÓHÓRA, a mente se une ao PRÓÔA, desligando-se dos objetos
externos. Um dos efeitos disso é que a pessoa se torna capaz de perceber seu próprio
corpo ativo (de PRÓÔA), as NÓflÁ e os CAKRA. De fato, como já foi dito, o controle
do PRÓÔÓYÓMA (que leva a PRATYÓHÓRA) permite ver o que os cegos vêem e
ouvir o que os surdos ouvem – ou seja, perceber coisas análogas às sensações, porém
provenientes do interior. Aquilo que se ouve nesse estado são os chamados NÓDA,
produzidos pelo PRÓÔA nas NÓflÁ. Surgem também visões e outras sensações.
Vamos citar um último texto associado a PRATYÓHÓRA, extraído da MAITRÁ-
UPANI›AD:

MU VI.19 Assim foi dito: “Realmente, quando um conhecedor recolheu sua


mente do exterior, quando seu PRÓÔA colocou em repouso os objetos dos
sentidos, ele deve permanecer vazio de concepções. O ser vivo que respira
brotou daquilo que não respira; assim, aquele que respira deve dissolver seu
PRÓÔA no quarto estado (TURYA)”
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 45

Esse “quarto estado” é um estado de consciência peculiar, em que a consciência


apenas observa, sem se envolver com as sensações e produtos da mente.
Vejamos, agora, os membros restantes do YOGA:

YS IV.1 A concentração (DHÓRANA) é a fixação da mente a um ponto.


2 Quando ela se mantém de forma contínua, chega-se à meditação (DHYÓNA).
3 Quando ele [aquele que medita] se esvazia e só resta o puro brilho do objeto,
isso é a união (SAMÓDHI).
4 A reunião dos três é o domínio (SA»YAMA).
5 De seu controle resulta a sabedoria (PRAJÑA) transcendente.

Esses três membros estão intimamente relacionados entre si. Devem ser
exercitados juntos, já que se pode dizer que a concentração, quando dominada e
prolongada, leva a DHYÓNA; e a meditação, quando controlada, prolongada e dirigida,
leva ao SAMÓDHI. No entanto, pode ocorrer que a pessoa entre em DHYÓNA sem
haver se esforçado para obter concentração, ou até que ela entre diretamente em
SAMÓDHI.
A mente, em seu estado normal, passa de uma sensação para outra ou de um
pensamento para outro com grande rapidez. Ela é instável, sem controle. A concentração
(DHÓRANA) consiste em parar a mente em um estado determinado (um objeto externo,
ou uma idéia, ou algo determinado), sem deixar que a mente se distraia ou se desvie. É
diferente de pensar sobre uma só coisa, pois o pensamento é um processo contínuo de
sucessão de idéias diferentes.
Exemplos simples de concentração são os de trazer à mente uma imagem (um
rosto, uma figura, uma cor, etc.) e mantê-la na mente, sem se deixar desviar e distrair,
durante um longo tempo. Se, no entanto, ao mesmo tempo em que a pessoa mantem
algo “mecanicamente” na mente, ela está pensando sobre isso ou sobre outra coisa, a
concentração está sendo falha. A mesma coisa ocorre se alguem repete mecanicamente
um MANTRA mas deixa sua mente livre. É preciso trazer o pensamento continuamente
de volta ao objeto de concentração.
Os comentadores do YOGA-SÚTRA afirmam que a concentração pode ter por
objeto tanto coisas externas à pessoa, quanto coisas internas de vários níveis (sensações
físicas, sensações associadas ao PRÓÔA, às NÓflÁ, aos CAKRA, ao NÓDA;
lembranças, imagens mentais ou mesmo pensamentos abstratos).
Quando a concentração (DHÓRANA) leva a um fluxo ininterrupto de
estabilidade da mente sobre o mesmo ponto, chega-se a DHYÓNA. Já não é necessário
ficar controlando a mente, pois ela está totalmente envolvida e estabilizada por seu
objeto. Esse estado não tem semelhança com a atividade racional de pensar sobre um
objeto: isso seria apenas TARKA – reflexão.
Durante a meditação, ainda há a sensação de se estar fazendo alguma coisa, de
modo ativo; e há uma diferença entre o ego (AHÓ‹KARA) e aquilo que é objeto da
meditação. Ainda há atividade mental, embora surjam pequenos e rápidos vislumbres
simbólicos e intuitivos que indicam que o funcionamento da razão está sendo
ultrapassado. Por exemplo: está sendo feita uma meditação sobre uma figura de uma
divindade e, de repente, vê-se que a figura sorri ou pisca um olho. Esses são sinais
positivos de que a meditação está se aprofundando, porém podem levar a pessoa a
pensar sobre o que ocorreu, e isso destrói a meditação. No entanto, se a pessoa souber
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 46

manter a meditação e aceitar esses vislumbres como positivos, eles podem se abrir como
portas, ampliando-se; então, pode-se chegar aos vários tipos de SAMÓDHI.
Os SAMÓDHI que resultam de DHYÓNA surgem quando o objeto passa a ser
percebido diretamente, em sua realidade, sem a intervenção da reflexão mental. O
conhecedor se funde e penetra naquilo que está sendo conhecido. Por causa dessa fusão,
pode-se chamar o SAMÓDHI de “união”. Surge, então, um tipo de conhecimento
especial, ou sabedoria (PRAJÑA) que é diferente do conhecimento obtido pelos
sentidos, ou pelo ensino, pela leitura ou pela reflexão. Diante da sabedoria que pode ser
obtida assim, os livros se tornam desnecessários.
Podem também ser obtidos muitos poderes extraordinários através da aplicação
do “controle” (SA»YAMA) sobre diferentes objetos, idéias, etc. A terceira parte do
YOGA-SÚTRA está repleta de exemplos. Além disso, há diferentes tipos ou níveis de
SAMÓDHI. Eles são explicados na primeira parte do livro de PATAÑJALI.
Pelo objetivo central do RÓJA-YOGA, o tipo mais importante de SAMÓDHI é
o que leva ao conhecimento de PURU›A (ÓTMAN-BRAHMAN) e a diferenciá-lo da
Natureza e de seus produtos. É, também, o mais difícil de se obter. Em vários níveis de
SAMÓDHI, restam conteúdos psíquicos conhecidos: conceitos, formas, luzes, emoções,
etc. Mas, ao se chegar ao centro do ÓTMAN, tudo é diferente. Nossa linguagem foi feita
para descrever aquilo que é observável por todos nós. Não é adequada para descrever o
ÓTMAN. O yogue pode ser conduzido até perto desse SAMÓDHI com o auxílio de
imagens ou por um MANTRA (como o OO); mas mesmo isso deve ser abandonado no
passo final.
Uma UPANI›AD do YOGA (AMÙTABINDU) afirma:

ABU 17 O sábio tem razão de assimilar profundamente o conteúdo dos livros


sagrados, desde que depois ultrapasse esse estágio e rejeite todos os livros, como
se joga fora a casca para encontrar o grão.
...
20 A sabedoria está oculta em cada indivíduo, como a nata que não pode ser
vista está dentro do leite. Por isso, o sábio deve fazer surgir a nata de seu
interior, batendo-o por meio de sua própria mente.
21 Tendo aguçado sua visão interna, o sábio extrairá de si mesmo o
BRAHMAN, como se extrai o fogo pelo atrito de dois bastões.

E a AMÙTANÓDA-UPANI›AD completa essa idéia:

ANU 1 Tendo lido todos os livros, estudando-os repetidas vezes, o sábio os


deixa de lado quando discerne claramente o que é o BRAHMAN supremo, como
se abandona uma tocha quando chega o dia.
2 Subindo então sobre essa carruagem que é a sílaba OO, tendo VI›ÔU por
cocheiro, o sábio devoto de RUDRA avança pela estrada que leva ao céu de
BRAHMAN.
3 Mas quando chega ao fim da estrada, ele abandona o carro e segue seu
caminho.
4 Abandonando a palavra determinada pelo gênero, número, etc., ele avança em
direção ao mistério do som inarticulado.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 47

No caminho do SAMÓDHI mais elevado, podem ocorrer sucessões de estados


cada vez mais puros e distantes da experiência ordinária, até se chegar ao final. Veja-se
essa descrição da MAITRÁ-UPANI›AD:

MU VI.38 ... Tendo vencido a confusão, ele não aceita a violência. Meditando
sobre o desejo, ele atravessa as quatro camadas de BRAHMÓ. Então ele atinge o
espaço mais elevado. Tendo atravessado as esferas do Sol, da Lua, do fogo e de
SATTVA, ele, então, estando purificado, vê a consciência que reside em
SATTVA, imóvel, imortal, indestrutível... onisciente, livre, que se sustenta em
sua própria grandeza. Sobre isso, está escrito: “No meio do Sol está a Lua; no
meio da Lua está o fogo; no meio do fogo está SATTVA; e no meio de
SATTVA está o indestrutível”. Tendo meditado sobre aquele que é do tamanho
de um polegar dentro do coração, que é menor do que a menor coisa, atinge-se a
condição suprema.

Nesse trecho, a UPANI›AD descreve uma seqüência de SAMÓDHI que


conduziu ao ÓTMAN-BRAHMAN. As primeiras etapas são acompanhadas de visões. A
pessoa vê um Sol (fora dela); quer uir-se a ele, e tem uma experiência de penetrar dentro
dele. Mas não se fundiu, ainda. Vê a Lua. Penetra nela, mas ainda não atingiu a unidade.
Vê o fogo. Penetra em sua essência e encontra a natureza luminosa (SATTVA). Então,
penetra em SATTVA. Não há um princípio visível dentro de SATTVA. Ele não vê mais
nada. Encontra sua própria consciência interna, que reflete PURU›A, ÓTMAN,
BRAHMAN. Mas não existe mais distinção entre aquele que vê e aquilo que é visto. Só
se pode falar por comparações, ou de forma abstrata, sobre o que ocorre então.
As UPANI›AD repetem sempre que BRAHMAN é indescritível,
incompreensível, está além dos sentidos e do pensamento. Às vezes, BRAHMAN é
caracterizado por três qualidades: SAT, CIT, ÓNANDA: realidade, consciência e não-
dualidade (unidade). Outras vezes, é apenas caracterizado negativamente: NETI, NETI –
ele não é isso, não é isso.
O hino transcrito a seguir, de autoria de ÍANKARÓCÓRYA, e que se denomina
NIRVÓÔA›AÈKAM, tenta descrever a visão dquele que atingiu a libertação e que se
identificou a BRAHMAN. Nesse hino, ÍANKARA fala sobre ÍIVA, ao invés de
BRAHMAN. Na verdade, ÍIVA é uma das formas divinas emanadas de BRAHMAN e
está aqui sendo utilizado como sinônimo ou símbolo de BRAHMAN, como é usual na
literatura indiana.

NS 1 .
Não sou a mente, nem o pensamento, nem a memória, nem o ego,
nem os ouvidos, nem a língua, nem os sentidos da visão e olfato.
Nem éter, nem ar, nem fogo, água ou terra.
Eu sou consciência e unidade eterna. (CIDÓNANDARÚPA)
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA ! (ÍIVOHAM)

2 Não sou o PRÓÔA nem os cinco ventos vitais,


nem os sete elementos ou as cinco camadas do corpo,
nem mãos ou pés ou língua, nem outros órgãos da ação.
Eu sou consciência e unidade eterna.
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA !
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 48

3 Não tenho temor ou ilusão, desejo ou anseio.


Nem orgulho, nem apego, nem virtude, nem libertação.
Não há desejos na mente, nem objetos que possam ser desejados.
Eu sou consciência e unidade eterna.
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA !

4 Não conheço prazer e dor, virtude ou vício,


nem MANTRA, nem VEDA, nem ascetismo, nem lugar sagrado.
Não sou o alimento, nem o que come nem a ação de comer.
Eu sou consciência e unidade eterna.
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA !

5 Não possuo morte ou medo,


Não pertenço a nenhuma casta,
Não tenho pai, nem mãe – eu jamais nasci.
Não tenho amigo nem companheiro, nem discípulo, nem GURU.
Eu sou consciência e unidade eterna.
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA !

6 Não tenho forma ou semelhança.


Eu sou aquele que permeia tudo.
Estou em tudo e estou além dos sentidos.
Não sou o salvador e não sou aquilo que deve ser conhecido.
Eu sou consciência e unidade eterna.
Eu sou ÍIVA ! Eu sou ÍIVA !
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 49

Obras Citadas

1 AGGARWAL, Hans Raj. A short history of sanskrit literature. 2. ed. Delhi: Munshi
Ram Manohar Lal, 1963.
2 ÓRAÔYA, SVÓMI HARIHARÓNANDA. YOGA philosophy of PATAÑJALI.
Calcutta: University of Calcutta, 1977.
3 DEUSSEN, Paul. The philosophy of the UPANI›ADs. New York: Dover,1966.
4 ELIADE, Mircea. Le yoga, immortalité et liberté. Paris, Payot, 1975.
5 GHERAÔflA-SA»HITÓ. Delhi: Oriental Books, 1980.
6 GHOSH, Shyam. The original yoga. Delhi: Munshiram Manoharlal,1980.
7 ÁÍVARAKÙ›NA. Les strophes de SÓ‹KHYA (SÓ‹KHIA-KÓRIKÓ) avec le
commentaire de GAUflAPÓDA. Paris: Belles Lettres, 1964.
8 MACDONELL, Arthur A. A history of Sanskrit literature. Delhi: Motilal
Banarsidass, 1971.
9 MONIER-WILLIAMS, Monier. A Sanskrit-English dictionary. Oxford: Clarendon
Press, 1979.
10 RADHAKRISHAN, S. The principal upanisads. London: Allen & Unwin,1953.
11 ÍA‹KARÓCÓRYA. ÓTMABODHAfi. Madras: Sri Ramakrishna Math, 1987.
12 ÍIVA-SA»HITÓ. Delhi: Oriental Books, 1979.
13 SVÓTMÓRÓMA. HAÈHAYOGAPRADÁPIKÓ. Madras: Adyar, 1972.
14 SVÓTMÓRÓMA. HAÈHAYOGAPRADÁPIKÓ. Paris: Fayard, 1974.
15 VARENNE, Jean. Le yoga et la tradition hindoue. Paris, Culture, Art, Loisirs, 1973.
16 VARENNE, Jean. Upanishads du yoga. Paris: Gallimard, 1971.
17 WOODS, James Haughton. The yoga system of PATAÑJALI. Delhi: Motilal
Banarsidass, 1977.
18 WOODS, James Haughton. The YOGA-SÚTRAs of PATAÑJALI as illustrated by
the comment entitled “The jewel’s lustre” or MAÔIPRABHA. Journal of the
American Oriental Society 34: 1-114, 1914.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 50

APÊNDICE 1

Este apêndice apresenta o texto do YOGA-SÚTRA de PATAÑJALI, com uma


tradução literal, sem comentários. A compreensão do texto é muito difícil, e geralmente
se exige a ajuda de um mestre experiente para compreender o significado do mesmo.

PATAÑJALI
YOGA-SÚTRA
[O FIO DA CONJUNÇÃO]

I – A UNIÃO
PRATAMAfi SAMÓDHI-PÓDAfi
1. Agora, a instrução da conjunção [YOGA].
ATHA YOGA-ANUÍÓSANAM

2. YOGA é a restrição [NIRODHA] das atividades [VÙTTI] da mente [CITTA].


YOGAÍ-CITTA-VÙTTI-NIRODHAfi

3. Então o observador se estabelece em sua forma própria [SVA-RUPA].


TADÓ DRA›ÈUfi SVA-RÚPE-AVASTHÓNAM

4. Em caso contrário, ele considera as atividades como sua forma.


VÙTTI SÓRÚPYAM ITARATRA

5. Há cinco tipos de atividades [VÙTTI], agradáveis ou desagradáveis:


VÙTTAYAfi PAÑCATAYYAfi KLI›TÓ-AKLI›TÓfi

6. Conhecimento, engano, imaginação, sono, recordação.


PRAMÓNA-VIPARYAYA-VIKALPA-NIDRÓ-SMÙTAYAfi

7. O conhecimento inclui: percepções, inferências, testemunho [ou: tradição].


PRATYAK›A-ANUMÓNA-ÓGAMÓfi PRAMÓÔÓNI

8. O engano é uma concepção falsa que se estabelece contrariamente à natureza [do seu
objeto].
VIPARYAYO MITHYÓ-JÑÓNAM ATADRÚPA-PRATI›ÈHAM

9. A imaginação é uma concepção trazida por palavras mas vazia de substância.


ÍABDA-JÑÓNA-ANUPÓTÁ VASTU-ÍÚNYO VIKALPÓfi

10. O sono [NIDRÓ] é uma atividade [VÙTTI] na qual não há conteúdo.


ABHÓVA-PRATYAYA-ÓLABANÓ VÙTTIR NIDRÓ

11. Recordação é a manutenção da experiência passada.


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 51

ANUBHÚTA-VI›AYA-ASAMPRAMO›Afi SMÙTIfi

12. A restrição [NIRODHA] delas vem pelo esforço [ABHYÓSA] e pela ausência de
paixão [VAIRÓGYAM].
ABHYÓSA-VAIRÓGYÓBHYÓ» TAN-NIRODHAfi

13. O esforço é a dedicação no sentido da estabilidade.


TATRA STHITÓU YATNO-ABHYÓSAH

14. Ela se torna segura através da dedicação intensa, duradoura e contínua.


SA TU DÁRGHA-KÓLA-NAIRANTARYA-SATKÓRA-ÓSEVITAfi DÙflHA-
BHÚMÁfi

15. A ausência de paixão [VAIRÓGYAM] é a certeza de estar livre do desejo de


qualquer objeto, visto ou ouvido.
DÙ›TA-ÓNUÍRAVIKA VI›AYA-VITÙ›ÔASYA VAÍÁKÓRA SA»JÑA
VÓIRÓGYAM

16. Seu nível mais elevado é quando a visão da Pessoa [PURU›A] elimina o desejo dos
poderes [GUÔA].
TAT PARA» PURU›A-KHYÓTER GUÔA-VÓITÙ›ÔYAM

17. Naquele que é cognitivo [SA»PRAJÑÓTA] ele adquire a natureza [RÚPA] do


raciocínio [VITARKA], da dúvida [VICÓRA], da felicidade [ÓNANDA], do sentido do
“eu” [ÓSMITÓ].
VITARKA-VICÓRA-ÓNANDA-ÓSMITÓ-RÚPA-ANUGAMÓT SA»PRAJÑÓTAfi

18. No outro caso, ocorrem apenas os resíduos do passado [SA»SKÓRA]; surge pelo
esforço de interrupção.
VIRÓMA-PRATYAYA-ABHYÓSA-PÚRVAfi SA»SKÓRA-ÍE›O'NYAfi

19. Isso é atingido pelos sem corpo [VIDEHA] ou que se dissolveram na natureza
[PRAKÙTI-LAY A].
BHAVA-PRATYAYO VIDEHA-PRAKÙTI-LAYÓNÓM

20. Isso também é obtido pela fé, pela força, pela recordação [ou tradição], pela União
[SAMÓDHI] e pela sabedoria [PRAJÑÓ].
ÍRADDHÓ-VIRYÓ-SMÙTI-SAMÓDHI-PRAJÑA-PÚRVAKA ITARE›ÓM

21. Está próximo para aquele que tem um impulso intenso.


TÁVRA-SA»VEGÓNÓM ÓSANNAfi

22. Seu tipo é determinado por ele [o impulso] ser fraco, médio ou forte.
MÙDHU-MADHYA-ADHIMÓTRATVÓT TATO'PI VIÍE›Afi

23. E também pela introjeção [PRANIDHÓNA] de ÁÍVÓRA.


ÁÍVÓRA-PRANIDHÓNAD VÓ
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 52

24. ÁÍVÓRA é uma Pessoa [PURU›A] individual que não é atingido pelas fontes de
perturbação [KLEÍA], pelas ações [KARMA] e suas conseqüências e pelos depósitos
[ÓÍAYA].
KLEÍA-KARMA-VIPÓKA-ÓÍAYÓIfi APARÓMÙ›TAfi PURU›A-VIÍE›A
ÁÍVARAfi

25. Nele está a perfeição da semente [BÁJA] de toda a sabedoria.


TATRA NIRATIÍAYA» SARVAJÑA-BÁJAM

26. Foi também o mestre [GURU] dos antigos, pois o tempo não o limita.
SA PÚRVE›ÓM API GURUfi KÓLENA-ANAVACCHEDÓT

27. Ele é chamado pela sílaba sagrada [PRAÔAVA].


TASYA VÓCAKAfi PRAÔAVAfi

28. Ela deve ser repetida com a compreensão do seu significado.


TAJ-JAPAS TAD-ARTHA-BHÓVANAM

29. Daí vem a iluminação do conhecimento individual, e a remoção dos obstáculos


[ANTÓRÓYA].
TATAfi PRATYAK-CETANÓ-ADHIGAMO'PI ANTÓRÓYÓ-BHÓVAÍ CA

30. Os obstáculos são essas distrações da mente: doenças, desânimo, indecisão,


irregularidade, interesse pelo mundo, visão errônea, desvio da meta e instabilidade.
VYÓDHI-STYÓNA-SA»ÍAYA-PRAMÓDA-ÓLASYA-AVIRATI-BHRÓNTI-
DARÍANA ALABDHA-BHÚMIKATVA ANAVASTHI TATVANI CITTA-
VIK›EPÓ TE'-NTARÓYÓfi

31. São acompanhados por sofrimento, nervosismo, tremor dos membros, irregularidade
da inspiração e da expiração.
DUfiKHA-DÓURMANASYA ANGA MEJAYATVA ÍVÓSA-PRAÍVÓSA
VIK›EPA- SAHABHUVAfi

32. Para removê-los, é preciso dedicar-se ao princípio único [EKA-TATTVA].


TAT-PRATI›EDHA-ARTHAM EKA-TATTVA ABHYÓSAfi

33. A mente [CITTA] se estabiliza pela disposição a ser amigo dos alegres, piedoso para
com os sofredores, alegre com os virtuosos [PUNYA] e indiferente em relação aos maus
[APUNYA].
MÓITRÁ-KARUNÓ-MUDITÓ-UPEK›ÓNÓM SUKHA-DUfiKHA-PUNYA-
APUNYA VI›AYÓNÓM BHÓVANÓTÓÍ CITTA-PRASÓDANAM

34. Ou pela expulsão e retenção do alento vital [PRÓÔA].


PRACCHARDANA-VIDHÓRAÔÓBHYÓM VÓ PRÓÔASYA

35. Ou quando uma atividade [VÙTTI] se concentra em um objeto e estabiliza a mente


[MAÔAS].
VI›AYAVATÁ VÓ PRAVÙTTIR UTPANNÓ MAÔASAfi STHITI-NIBANDHANÁ
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 53

36. Ou pelo estado da luz que ultrapassa o sofrimento.


VIÍOKÓ VÓ JYOTI›MATÁ

37. Ou pensando [CITTAM] nos que estão libertos da paixão [RÓGA].


VÁTA-RÓGA-VI›AYA» VÓ CITTAM

38. Ou pelo conhecimento obtido dos sonos e dos sonhos.


SVAPNA-NIDRÓ-JÑANA-ÓLAMBANA»-VÓ

39. Ou meditando [DHYÓNA] sobre algo que o interesse.


JATHÓ ABHIMATA-DHYÓNÓD VÓ

40. Assim ele domina desde a menor partícula até o maior princípio.
PARAMÓNU-PARAMA-MAHATTVA-ANTAfi ASYA VAÍÁKÓRAH

41. Quando as atividades [VÙTTI] foram controladas, resulta o encontro


[SAMÓPATTI]: a mente [MAÔAS] transmite como um cristal puro a natureza daquele
que percebe [GRAHÁTÙ], do ato de perceber [GRAHAÔA] e daquilo que é percebido
[GRÓHYA].
K›ÁÔA-VÙTTEfi ABHIJÓTASYA-IVA-MAÔEfi GRAHÁTÙ-GRAHAÔA-
GRÓHYE›U TATSTHA-TADÓÑJANATÓ SAMÓPATTIfi

42. O encontro [SAMÓPATTI] é acompanhado pelo raciocínio [SAVITARKÓ] quando


ele se baseia nas palavras, nos significados, nos conhecimentos e suas relações.
TATRA ÍABDA-ARTHA-JÑÓNA-VIKALPAIfi SAMKÁRNÓ SAVITARKÓ
SAMÓPATTIfi

43. Ele está além do raciocínio [NIRVITARKÓ] quando a memória se purificou e [a


mente] brilha como a própria natureza vazia do objeto.
SMÙTI-PARIÍUDDHÓU SVARÚPA-ÍÚNYÓ-IVA-ARTHAMÓTRA-
NIRBHÓSÓ-NIRVITARKÓ

44. Existem ainda os [encontros] reflexivo [SAVICÓRA] e não-reflexivo


[NIRVICÓRA], refletindo a matéria sutil [SÚK›MA].
ETAYÓIVA SAVICÓRÓ NIRVICÓRÓ CA SÚK›MA-VI›AYÓ VYÓKHYÓTÓ

45. Quando o sutil é ultrapassado, atinge-se aquilo que não tem sinais distintivos [A-
LÁ‹GA].
SÚK›MA-VI›AYATVAM CA ALÁ‹GA-PARYAVASÓNAM

46. Estes são as Uniões [SAMÓDHI] com semente [SABÁJA].


TÓ EVA SABÁJAfi SAMÓDHIfi

47. Pelo não-reflexivo [NIRVICÓRA] atinge-se o Eu Supremo [ADHYÓTMA].


NIRVICÓRA-VAIÍÓRADYE-ADHYÓTMA-PRASÓDAfi

48. Nesse estado, o conhecimento traz a verdade.


ÙTA»BHARÓ TATRA PRAJÑÓ
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 54

49. Obtêm-se conhecimentos determinados, diferentes daquilo que foi recebido


[ÍRUTA] ou inferido.
ÍRUTA-ANUMÓNA-PRAJÑÓBHYÓM ANYA-VI›AYÓ VIÍE›A-ARTHATVÓT

50. Os resíduos desse estado dominam os resíduos do passado [SA»SKÓRA].


TAJ-JAfi SA»SKÓRO'NYA-SA»SKÓRA-PRATIBANDHÁ

51. Quando mesmo isso foi restringido, resulta a restrição total [SARVA-NIRODHA], e
a União sem semente [NÁRBÁJA SAMÓDHI].
TASYA-API NIRODHE SARVA-NIRODHÓN NÁRBÁJAfi SAMÓDHIfi

ITI PATAÑJALI-VIRACITE YOGA-SÚTRE PRATHAMAfi SAMÓDHI-PÓDAfi


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 55

II – A PROCURA
DVITÁYAfi SÓDHANA-PÓDAfi
1. O YOGA ativo [KRIYÓ-YOGA] inclui o ascetismo [TAPAS], o estudo próprio
[SVADHYÓYA] e a introjeção de ÁÍVARA [ÁÍVARA-PRANIDHÓNA].
TAPAfi-SVADHYÓYA-ÁÍVARA-PRANIDHÓNÓNI KRIYÓ-YOGAfi

2. Tem a finalidade de reduzir as fontes de perturbações [KLEÍA] e de facilitar a União


[SAMÓDHI].
SAMÓDHI-BHÓVANÓ-ARTHAÍ KLEÍA-TANÚKARAÔA-ARTHA CA

3. As perturbações [KLEÍA] são cinco: ignorância [AVIDYÓ], individualismo


[ASMITÓ], paixão [RÓGA], aversão [DVE›A], apego [ABHINIVEÍA].
AVIDYÓ-ASMITÓ-RÓGA-DVE›A-ABHINIVEÍÓfi PAÑCA KLEÍAfi

4. A ignorância é o campo de onde brotam todas as outras, sejam elas latentes ou vivas,
bloqueadas ou vigorosas.
AVIDYÓ K›ETRAM UTTARE›A» PRASUPTA-TANU-VICCHINA-UDÓRÓÔÓM

5. A ignorância é confundir o eterno e o impermanente, o puro e o impuro, o agradável e


o desagradável, o Eu e o não-Eu.
ANITYA-AÍUCI-DUfiKHA-ANATMASU NITYA-ÍUCI-SUKHA-ÓTMA-
KHYÓTIR AVIDYÓ

6. O individualismo [ASMITÓ] é a identificação entre aquele que observa [DÙK] e o


poder da visão [DARÍANA].
DÙG-DARÍANA-ÍAKTYOR EKA-ÓTMATÓ-EVA-ASMITÓ

7. A paixão [RÓGA] se baseia no aprisionamento ao prazer.


SUKHA-ANUÍAYÁ RÓGAfi

8. A aversão [DVE›A] se baseia na fuga à dor.


DUfiKHA-ANUÍAYÁ DVE›Afi

9. O apego [ABHINIVEÍA] se baseia no desejo de viver, que flui por si mesmo e que
está enraizado mesmo nas pessoas instruídas.
SVARASAVÓHÁ VIDU›O'PI TATHÓ RÚDHO'BHINIVEÍAfi

10. Quando sutis [SÚK›MÓ], [as perturbações] podem ser superadas pelo movimento
oposto [PRATIPRASAVA].
TE PRATIPRASAVA-HEYÓfi SÚK›MÓfi

11. As ativas podem ser superadas pela meditação.


DHYÓNA-HEYÓS TAD-VÙTTAYAfi

12. A raiz do KARMA está nessas perturbações [KLEÍA] e produz nascimentos


visíveis e invisíveis.
KLEÍA-MÚLAfi KARMA-ÓÍAYO DÙ›ÈA-ADÙ›ÈA-JANMA VEDANÁYAfi
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 56

13. Enquanto existir essa raiz, haverá desfrute de nascimentos, vidas, experiências.
SATI MÚLE TAD VIPÓKO JÓTY-ÓYUR-BHOGÓfi

14. Isso resulta em alegria ou dor, conforme causado por virtude [PUÔYA] ou demérito
[APUÔYA].
TE HLÓDA-PARITÓPA PHALÓH PUÔYA-APUÔYA-HETUTVÓT

15. Para aquele que distingue, tudo é apenas sofrimento [DUfiKHAM EVA
SARVA»], pois as transformações dos GUÔAs produzem sofrimentos, resíduos e
mudanças.
PARIÔÓMA-TÓPA-SA»SKÓRA-DUfiKHAIH GUÔA-VÙTTI-VIRODHÓC CA
DUfiKHAM EVA SARVA» VIVEKINAfi

16. O sofrimento futuro pode ser superado.


HEYA» DUfiKHAM ANÓGATAM

17. A causa do que deve ser evitado é a fusão [SA»YOGA] entre o observador
[DRA›ÈÙ] e a visão [DÙÍYA].
DRA›ÈÙ-DÙÍYAYOfi SA»YOGO HEYA-HETUfi

18. A visão [DRA›ÈÙ] existe para ter vivência da luz [PRAKÓÍA], da atividade
[KRIYÓ], da inércia [STHITI], dos objetos, dos órgãos, do Eu [ÓTMÓ].
PRAKÓÍA-KRIYÓ-STHITI-ÍÁLAM BHÚTA-INDRIYA-ÓTMAKA BHOGA-
APAVARGA ARTHA» DÙÍYAM

19. Os GUÔAs apresentam-se determinados ou indeterminados, dotados de


características e sem características.
VIÍE›A-AVIÍE›A LI‹GA-MÓTRA-ALINGÓNI GUÔA-PARVÓÔI

20. Embora puro, o observador é tingido por aquilo que ele observa.
DRA›ÈA DÙÍIMÓTRAfi ÍUDHO'PI PRATYAYA-ANUPAÍYAfi

21. O objetivo daquilo que é observado é apenas o benefício do Eu [ÓTMÓ].


TAD ARTHA EVA DÙÍYASYA-ÓTMÓ

22. Embora isso tenha cessado para aquele que atingiu a meta, não desaparece, pois é
comum aos outros.
KÙTA-ARTHA» PRATI NA›ÈAM APY-ANA›ÈA» TAD-ANYA-
SÓDHÓRAÔATVÓT

23. Ele próprio e o seu poder estão fundidos [SA»YOGA] para que se manifeste a
natureza própria de cada um.
SVA-SVÓMI-ÍAKTYOfi SVARÚPA-UPALABDHI-HETUfi-SA»YOGAfi

24. A causa disso é a ignorância.


TASYA HETUR AVIDYÓ
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 57

25. Sem isso, não há fusão [SA»YOGA], e o observador atinge a independência


[KAIVALYA].
TAD ABHÓVÓT SA»YOGÓBHÓVO HÓNA» TAD-DÙÍEfi KAIVALYAM

26. A distinção incessante rompe a ligação, e ele se separa.


VIVEKA-KHYÓTIR AVIPLAVÓ HÓNA-UPÓYAfi

27. Então surge, no último estágio, o conhecimento de sete faces.


TASYA SAPTADHÓ PRÓNTA-BHÚMIfi PRAJÑÓ

[1 – sabe-se do que fugir, ou seja, do sofrimento futuro; 2 – as causas do sofrimento e do


aprisionamento foram cortadas; 3 – percebeu-se diretamente, por SAMÓDHI, esse
rompimento; 4 – o conhecimento discriminativo foi cultivado; 5 – caiu a autoridade da
mente inferior e estabeleceu-se o predomínio da mente superior, BUDDHI; 6 – os
GUÔAs se equilibram; 7 – o Eu se isolou e ilumina-se a si próprio.]

28. Pela prática dos membros do YOGA [YOGÓNGA] elimina-se a impureza e obtém-
se o brilho do conhecimento discriminativo.
YOGA-ÓNGA ANU›ÈHÓNÓD AÍUDDHI-K›AYA JÑÓNA-DÁPTIR ÓVIVEKA-
KHYÓTEfi

29. Esses oito membros são: as abstenções [YAMA], as obrigações [NIYAMA], as


posturas [ÓSANA], o controle da respiração [PRÓÔÓYÓMA], a inversão dos sentidos
[PRATYÓHÓRA], a concentração [DHÓRAÔÓ], a meditação [DHYÓNA] e a União
[SAMÓDHI].
YAMA-NIYAMA-ÓSANA-PRÓÔÓYÓMA-PRATYÓHÓRA-DHÓRAÔÓ-
DHYÓNA-SAMÓDHAYO A›ÈÓV-A‹GÓNI

30. As abstenções [YAMA] são: não ferir [AHI»SÓ], ser verdadeiro [SATYA], não
roubar [ASTEYA], não ser sensual [BRAHMACARYA], só ter o necessário
[APARIGRAHA].
AHI»SÓ-SATYA-ASTEYA-BRAHMACARYA-APARIGRAHÓ YAMÓfi

31. Este é o grande voto [MAHÓVRATA], que se aplica a todos os seres, sem
distinções de nascimento, lugar, tempo ou circunstâncias.
ETE JATI-DEÍA-KÓLA-SAMAYA-ANAVACCHINNÓfi SÓRVA-BHAUMÓ
MAHÓVRATAM

32. As obrigações [NIYAMA] são: a pureza [ÍÓUCA], o contentamento [SA»TO›A],


o ascetismo [TAPAfi], o estudo próprio [SVÓDHYÓYA] e a introjeção
[PRANIDHÓNA] de ÁÍVARA.
ÍÓUCA-SA»TO›A-TAPAfi-SVÓDHYÓYA-ÁÍVARA-PRANIDHÓNÓNI
NIYAMÓfi

33. Para repelir considerações erradas, reflita sobre os opostos.


VITARKÓ-BÓDHANE PRATIPAK›A-BHÓVANAM
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 58

34. Considerar uma violência [HI»SÓ], seja ela realizada, estimulada, concebida ou
aprovada, seja proveniente da cobiça, cólera ou desejo, seja ela fraca, média ou forte,
leva a sofrimento, ignorância e traz erros sem fim. Isso é refletir sobre os opostos.
VITARKA HI»SÓDAYAfi KÙTA-KÓRITA-ANUMODITÓfi LOBHA-KRODHA-
MOHA- PÚRVAKÓfi MÙDU-MADHYA-ADHIMÓTRA DUfiKHA-AJÑÓNA-
ANANTA-PHALÓfi ITI PRATIPAK›A-BHÓVANAM

35. Aquele que se estabeleceu na não-violência afasta toda a animosidade por sua
presença.
AHI»SÓ-PRATÁ›ÈHÓYAM TAT-SA»NIDHÓU VAIRA-TYÓGAfi

36. Quando a veracidade se estabelece, ele controla as ações e conseqüências.


SATYA-PRATI›ÈHÓYÓM KRIYÓ-PHALA-ÓÍRAYATVAM

37. Quando o não-roubar está estabelecido, todas as riquezas se tornam acessíveis.


ASTEYA-PRATÁ›ÈHÓYAM SARVA-RATNA-UPASTHÓNAM

38. Quando se estabelece a não-sensualidade, obtém-se a energia.


BRAHMA-CARYA-PRATÁ›ÈHÓYÓM VÁRYA-LÓBHAfi

39. Quando se estabelece só ter o necessário, surge a percepção das fontes de


nascimento.
APARIGRAHA-STHAIRYE JANMA-KATHA»TÓ-SA»BODHAfi

40. Pela pureza vem a proteção de seus próprios membros e o afastamento dos outros.
ÍÓUCÓT SVA-ÓNGA-JUGUPSÓ PARÓIR ASA»SARGAfi

41. Por esta prática obtém-se também a pureza de SATTVA, contentamento da mente,
atenção concentrada, domínio dos órgãos e a faculdade de observar o Eu [ÓTMA-
DARÍANA].
SATTVA-ÍUDDHI-SÓUMANASYA-EKÓGRYA-INDRIYA-JAYA-ÓTMA-
DARÍANA YOGYATVÓNI CA

42. Pelo contentamento [SA»TO›A] obtém-se a forma mais elevada de felicidade.


SA»TO›ÓD ANUTTAMAfi-SUKHA-LÓBHAfi

43. Pelo ascetismo [TAPAS] obtém-se a eliminação da impureza e a perfeição


[SIDDHI] do corpo e dos órgãos.
KÓYA-INDRIYA SIDDHIfi AÍUDDHI-K›AYÓT TAPASAfi

44. Pelo estudo próprio [SVÓDHYÓYA] surge a fusão [SA»PRAYOGA] com a


divindade escolhida [I›ÈA-DEVATÓ].
SVÓDHYÓYÓD I›ÈA-DEVATÓ SA»PRAYOGAfi

45. A perfeição da União resulta da introjeção [PRANIDHÓNA] de ÁÍVARA.


SAMÓDHI-SIDDHIfi ÁÍVARA-PRANIDHÓNÓT

46. A postura [ÓSANA] deve ser estável e confortável.


STHIRA-SUKHAM ÓSANAM
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 59

47. Pela renúncia a todo esforço e pelo encontro [SAMÓPATTI] com o infinito
[ANANTA].
PRAYATNA-ÍAITHILYA ANANTA-SAMÓPATTIBHYÓM

48. Assim a dualidade [DVANDVA] não produz dificuldades.


TATO DVANDVA-ANABHIGHÓTAfi

49. Depois, deve-se cortar a inspiração da expiração pelo controle do PRÓÔA.


TASMIN SATI ÍVÓSA-PRAÍVÓSAYOR GATI VICCHEDAfi PRÓÔÓYÓMAfi

50. A atividade [VÙTTI] é controlada dentro e fora, determinada em relação ao lugar, ao


tempo e ao número, alongada e sutil.
BÓHYA-ABHYANTARA STAMBHA-VÙTTIfi DEÍA-KÓLA-SA»KHYÓBHIfi
PARIDÙ›ÈO DÁRGHA-SÚK›MAfi

51. O quarto processo transcende o interior e o exterior.


BÓHYA-ABHYANTARA VI›AYA-ÓK›EPÁ CATURTHAfi

52. Daí vem o desaparecimento daquilo que recobre a luz.


TATAfi K›ÁYATE PRAKÓÍA-ÓVARAÔAM

53. A mente [MANAS] se unifica pela concentração [DHÓRAÔA].


DHÓRAÔÓSU CA YOGYATÓ MANASAfi

54. A inversão dos sentidos [PRATYÓHÓRA] é a separação da mente [CITTA] de seus


objetos externos e a simulação dos órgãos pelo seu próprio poder.
SVAVI›AYA-ASA»PRAYOGE CITTASYA SVARÚPA-ANUKÓRA IVA-
INDRIYÓNAM PRATYÓHÓRAfi

55. Disso resulta o controle total dos órgãos.


TATAfi PARAMÓ VAÍYATÓ-INDRIYÓÔÓM

ITI PATAÑJALI-VIRACITE YOGA-SÚTRE DVITÁYAfi SÓDHANA-PÓDAfi


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 60

III – AS MANIFESTAÇÕES
TÙTÁYAfi VIBHÚTI-PÓDAfi
1. A concentração [DHÓRAÔA] é prender a consciência [CITTA] em um lugar.
DEÍA-BANDHAÍ-CITTASYA DHÓRAÔÓ

2. Quando ela se mantém em uma única direção [EKA-TÓNATÓ], chega-se à


meditação [DHYÓNA].
TATRA PRATYAYA-EKA-TÓNATÓ DHYÓNAM

3. A União [SAMÓDHI] é quando subsiste apenas o significado, e o vazio de sua


natureza própria brilha por si.
TAD EVA ARTHA-MÓTRA NIRBHÓSAM SVARÚPA-ÍÚNYAM IVA SAMÓDHIfi

4. Os três unidos constituem o domínio [SA»YAMA]


TRAYAM EKATRA SA»YAMAfi

5. Disso brota a sabedoria [PRAJÑÓ] que transcende o mundo.


TAJ-JAYÓT PRAJÑÓ-ÓLOKAfi

6. Ela se estabelece gradativamente.


TASYA BHÚMI›Ú VINIYOGAfi

7. Esses são três membros internos [ANTARA‹GA»] do que os anteriores.


TRAYAM ANTARA‹GA» PÚRVEBHYAfi

8. Mesmo esses são membros externos [BAHIRA‹GA] em relação ao sem semente.


TAD API BAHIRA‹GA» NIRBÁJASYA

9. A restrição [NIRODHA] se torna mais elevada quando há um gradativo


desaparecimento dos resíduos do passado [SA»SKÓRA] e o surgimento de um hábito
de restrição da mente.
VYUTTHÓMA-NIRODHA-SA»SKÓRAYOR ABHIBHAVA-PRÓDUR-BHAVÓU
NIRODHA- K›AÔA CITTA-ANVAYO NIRODHA-PARIÔÓMAfi

10. Então os resíduos do passado [SA»SKÓRA] não impedem um fluxo harmonioso.


TASYA PRAÍÓNTA-VÓHITÓ-SA»SKÓRÓT

11. A União [SAMÓDHI] se estabelece quando a dispersão diminui e a atenção


[CITTA] se concentra em um ponto [EKÓGRATA] no significado total
[SARVÓRTHA].
SARVÓRTHATÓ-EKÓGRATAYOfi K›AYA-UDAYÓU CITTASYA SAMÓDHI-
PARIÔÓMAfi

12. A fixação da atenção em um ponto se estabelece quando a atitude é indiferente e


imutável.
TATAfi PUNAfi ÍANTODITÓU TULYA-PRATYAYÓU CITTASYA-EKÓGRATÓ-
PARINÓMAfi
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 61

13. As substâncias, as transformações, as propriedades dos objetos e dos órgãos podem


ser experimentados de forma semelhante.
ETENA BHÚTA-INDRIYE›U DHARMA-LAK›ANA-AVASTHÓ PARIÔÓMÓ-
VYÓKHYÓTÓfi

14. E a substância da lei [DHARMA] latente, manifesta ou futura.


ÍÓNTA-UDITA-AVYAPA-DEÍYA DHARMA-ANUPÓTÁ-DHARMÁ

15. A causa das transformações e diferenciações é a mudança por sucessão.


KRAMA-ANYATVA» PARIÔÓMA-ANYATVE HETUfi

16. Pelo domínio [SA»YAMA] sobre a tripla transformação obtém-=se o


conhecimento do passado e do futuro.
PARIÔÓMA-TRAYA-SA»YAMÓT ATÁTA-ANÓGATA-JÑÓNAM

17. Há uma confusão de palavras, de objetivos e de significados pela sua superposição.


Pelo domínio [SA»YAMA] sobre suas distinções, pode-se conhecer os sons de todas as
criaturas.
ÍABDA-ARTHA-PRATYAYÓNÓM ITARETARA-ADHYÓSÓT SA»SKARAfi
TAT- PRAVIBHÓGA-SA»YAMÓT SARVA-BHÚTA-RUTA-JÑÓNAM

18. Pela percepção direta dos resíduos [SA»SKÓRA] obtém-se o conhecimento de


vidas anteriores.
SA»SKÓRA-SÓK›ÓT-KARAÔÓT PÚRVA-JÓTI-JÑÓNAM

19. Pelo interior, obtém-se o conhecimento da mente alheia.


PRATYAYASYA PARA-CITTA-JÑÓNAM

20. Obtém-se um conhecimento direto, pelo interior dos objetos.


NA CA TAT SÓLAMBANAM TASYA AVI›AYÁBHÚTATVÓT

21. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre a forma do corpo, separa-se a luz dos
olhos, e há suspensão de sua visibilidade para os outros.
KÓYA-RÚPA-SA»YAMÓT TAD-GRÓHYA-ÍAKTI-STAMBHE CAK›Ufi-
PRAKÓÍA- ASA»PRAYOGE ANTARDHÓNAM

22. Pode-se também fazer desaparecer os sons.


ETENA ÍABDÓDHYANTARDHÓNA MUKTAM ***

23. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre o KARMA ativo ou latente, vem o


conhecimento da morte ou de seus presságios.
SOPAKRAMA» NIRUPAKRAMA» CA KARMA TAT SA»YAMAT
APARÓNTA-JÑÓNÓM ARI›ÈEBHYO VÓ

24. Sobre a amizade e das outras, obtém-se forças.


MÓITRÁ-ÓDI›U BALÓNI

25. Sobre os fortes, a força de um elefante e outras.


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 62

BALE›U HASTI-BALA-ÓDÁNI

26. Sobre a luz interna, o conhecimento do sutil, do oculto e do distante.


PRAVÙTTY-ÓLOKA-NYÓSÓT SÚK›MA-VYAVAHITA-VIPRAKÙ›ÈA-JÑÓNAM

27. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre o Sol, o conhecimento dos mundos.


BHUVANA-JÑÓNAM SÚRYE SA»YAMÓT

28. Sobre a Lua, o conhecimento das multidões de estrelas.


CANDRE TÓRÓ-VYÚHA-JÑÓNAM

29. Sobre a estrela polar, o conhecimento de todos os seus movimentos.


DHRUVE TAD-GATI-JÑÓNAM

30. Sobre a roda do umbigo [NÓBHI-CAKRA], o conhecimento do corpo.


NÓBHI-CAKRE KÓYA-VYÚHA-JÑÓNAM

31. Sobre a garganta, a cessação da fome e da sede.


KAÔÈHA-KÚPE K›UT-PIPÓSÓ-NIVÙTTIfi

32. Sobre o tubo da tartaruga [KÚRMA-NÓDI], a firmeza.


KÚRMA-NÓDYÓ» STHÓIRYAM

33. Sobre a luz da cabeça, a visão dos perfeitos [SIDDHA].


MÚRDHA-JYOTI›I SIDDHA-DARÍANAM

34. Sobre a inteligência, tudo.


PRÓTIBHÓD VÓ SARVAM

35. Sobre o coração [HÙDAYA], a compreensão da mente [CITTA].


HÙDAYE CITTA-SA»VIT

36. Embora a Pessoa [PURU›A] e a luz [SATTVA] não se misturem, a experiência é o


resultado de sua reunião, pois existe para o seu benefício. Do domínio [SA»YAMA]
sobre si próprio vem o conhecimento de PURU›A.
SATTVA-PURU›AYOR ATYANTA-ASA»KÁRÔAYOfi PRATYAYA-AVIÍE›O
BHOGAfi PARA-ARTHAT SVA-ARTHA-SA»YAMÓT PURU›A-JÑÓNAM

37. Disso vêm uma inteligência, uma audição, um tato, uma visão, um olfato e um
paladar superiores.
TATAfi PRÓTIBHA-ÍRÓVAÔA VEDANÓ-ÓDARÍA-ÓSVÓDA-VÓRTÓ
JÓYANTE

38. Esses poderes [SIDDHI] são prejudiciais à União [SAMÓDHI] em uma pessoa
difusa.
TE SAMÓDHÓV UPASARGÓfi VYUTTHÓNE SIDDHAYAfi

39. Pode-se entrar no corpo de um outro quando há um afrouxamento das ligações e


também o conhecimento da estrutura da mente [CITTA].
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 63

BANDHA-KÓRAÔA-ÍÓITHILYÓT PRACÓRA-SA»VEDANÓC CA CITTÓSYA


PARA- ÍARÁRA-ÓVEÍAfi

40. Pelo alento ascendente [UDÓNA] vem a libertação do contato com a água, da lama,
dos espinhos e outros, e também o poder de levitação.
UDÓNA-JAYÓT JALA-PA‹KA-KAÔÈAKA-ÓDI›U ASA‹GA UTKRÓNTIÍ CA

41. Pelo alento unificador [SAMÓNA], vem a proteção.


SAMÓNA JAYÓT JVALANAM

42. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre as ligações entre a audição e o éter


[ÓKÓÍA] vem a audição divina.
ÍROTRA-ÓKÓÍAYOfi SA»BANDHA SA»YAMÓT DIVYA» ÍROTRAM

43. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre as ligações entre o corpo e o espaço


[ÓKÓÍA], e pela identificação com a leveza do algodão, vem o poder de se mover pelo
espaço.
KÓYA-ÓKÓÍAYOfi SA»BANDHA-SA»YAMÓT LAGHU-TÚLA-SAMÓPATTEÍ
CA ÓKÓÍA-GAMANAM

44. A atividade [VÙTTI] externa sem pensamento é a grande saída do corpo [MAHÓ-
VIDEHÓ]. Por ela, afasta-se aquilo que recobre a luz.
BAHIR-AKALPITÓ VÙTTIfi MAHÓ-VIDEHÓ TATTAfi PRAKÓÍA-ÓVARAÔA-
K›AYAfi

45. Praticando o domínio [SA»YAMA] sobre os estados [da matéria], suas


características, suas formas mais sutis, suas conexões e suas funções, vem o poder sobre
os elementos.
STHÚLA-SVARÚPA-SÚK›MA-ANVAYA-ARTHAVATTVA SA»YAMÓT
BHÚTA-JAYAfi

46. Daí vem o poder de adquirir qualquer forma, grande ou pequena, e uma estrutura
indestrutível.
TATO'ÔIMÓDI PRÓDUR-BHÓVAfi KÓYA-SA»PAT TAD DHARMA-
ANABHIGHÓTAÍ CA

47. A perfeição do corpo é: beleza, graciosidade, força e resistência como a de um


diamante.
RÚPA-LÓVAÔYA-BALA-VAJRA-SA»HANA-NATVÓNI KÓYA-SA»PAT

48. O controle dos órgãos vem pelo domínio [SA»YAMA] sobre suas funções, suas
características, sua individualidade, suas conexões e finalidades.
GRAHAÔA-SVARUPA-ASMITÓ-ANVAYA-ARTHAVATTVA SA»YAMÓT
INDRIYA- JAYAfi

49. Daí vêm a rapidez da mente, a faculdade de sentir sem órgãos, e o controle das
substâncias.
TATO MANO-JAVITVAM VIKARAÔA-BHÓVAfi PRADHÓNA-JAYAÍ CA
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 64

50. Aquele que captou a diferença entre SATTVA e PURU›A, possui poder sobre
todos os campos de existência, e um conhecimento de tudo.
SATTVA-PURU›A ANYATÓ-KHYÓTI-MÓTRASYA SARVA-BHÓVA-AflHI-
›ÈHÓTÙTVAM SARVA-JÑATÙTVA» CA

51. Renunciando mesmo a isso, a semente da escravidão é destruída e vem a libertação


[KAIVALYA].
TAD-VAIRÓGYÓD API DO›A-BÁJA-K›AYE KAIVALYAM

52. Se surgir um convite de seres espirituais, evite o orgulhe e o apego, pois isso é uma
conexão com o indesejável.
STHÓNI-UPANIMANTRAÔE SA‹GA-SMAYA-AKARAÔAM PUNAR ANI›ÈA-
PRASA‹GÓT

53. Do domínio [SA»YAMA] sobre os momentos e sua seqüência vem o


conhecimento discriminativo.
K›AÔA-TAT-KRAMAYOfi SA»YAMÓT VIVEKA-JA» JÑÓNAM

54. Daí provém a capacidade de distinguir entre duas coisas semelhantes, que não
oferecem diferença de categoria, posição e características.
JÓTI-LAK›AÔA-DEÍAIR ANYATÓ-ANAVACCHEDÓT TULYAYOS TATAfi
PRATI- PATTIfi

55. Esse conhecimento discriminativo liberta do tempo, do espaço, da sucessão.


TÓRAKA» SARVA VI›AYAM SARVATHÓ-VI›AYAM AKRAMA» CETI
VIVEKA-JA» JÑÓNAM

56. Quando há igualdade de pureza entre SATTVA e PURU›A, há libertação.


SATTVA-PURU›AYOfi ÍUDDHI-SÓMYE KAIVALYAM ITI

ITI PATAÑJALI-VIRACITE YOGA-SÚTRE TÙTÁYO VIBHÚTI-PÓDAfi


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 65

IV – A LIBERTAÇÃO
CATURTHAfi KAIVALYA-PÓDAfi
1. As perfeições [SIDDHI] são obtidas pelo nascimento, por plantas [O›ADHI], por
MANTRA, pelo ascetismo [TAPAS] e pelo SAMÓDHI.
JANMA-O›ADHI-MANTRA-TAPAfi-SAMÓDHI-JÓfi SIDDHAYAfi

2. A transformação em uma nova forma de vida é efetuada por um afluxo da natureza


[PRAKÙTI].
JÓTY-ANTARA-PARIÔÓMAfi PRAKÙTY-ÓPÚRÓT

3. A causa instrumental [NIMITTA] não dirige a natureza, mas dela provém a seleção
de possibilidades, como faz o cultivador no campo.
NIMITTAM APRAYOJAKAM PRAKÙTÁNÓ» VARAÔA-BHEDAS TU TATAfi
K›ETRIKA-VAT

4. A produção da mente [CITTA] vem de sua individualidade [ASMITÓ].


NIRMÓÔA-CITTÓNY ASMITÓ-MÓTRÓT

5. Uma mente única [CITTA-EKA] produz a variedade de atividades.


PRAVÙTTI-BHEDE PRAYOJAKA» CITTAM-EKAM ANEKE›ÓM

6. Aquilo que se origina da meditação [DHYÓNA] não deixa traços.


TATRA-DHYÓNA-JAM ANÓÍAYAM

7. O KARMA de um yogue não é nem branco nem negro [AÍUKLA-AKÙ›ÔA]. O dos


outros é de três tipos.
KARMA-AÍUKLA-AKÙ›ÔA» YOGINAS TRIVIDHAM ITARE›ÓM

8. Daí surgem as manifestações produzidas pelas tendências [VÓSANÓ] acumulados no


passado.
TATAS TAD-VIPÓKA-ANUGUÔÓNÓM EVA ABHIVYAKTIR VÓSANÓNÓM

9. Os resíduos [SA»SKÓRA], como a memória, não se apagam, mesmo quando


bloqueados pelo nascimento, pelo lugar e pelo tempo.
JÓTI-DEÍA-KÓLA-VYAVAHITÓNÓM APY ÓNANTARYAM SMÙTI-
SA»SKÓRAYOR EKA-RÚPATVÓT

10. Eles não possuem início, pois o desejo de viver é primordial.


TÓSÓM ANÓDITVA» CA ÓÍI›O NITYATVÓT

11. Eles desaparecem quando se eliminam as relações entre causa e efeito, substância e
fenômeno.
HETU-PHALA-ÓÍRAYA-ÓLAMBANAIfi SA»GÙHÁTATVÓT E›ÓM ABHÓVE
TADÓBHÓ- VAfi

12. O passado e o futuro existem em suas formas próprias, pela distinção entre os
caminhos dos deveres [DHARMA].
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 66

ATÁTA-ANÓGATÓNA» SVARÚPATO'STY ADHVA-BHEDÓT DHARMÓÔÓM

13. São manifestos ou sutis, e possuem a essência dos GUÔAs.


TE VYAKTA-SÚK›MÓfi GUÔA-ÓTMÓNAfi

14. Embora os princípios [TATTVA] sejam vários, há uma unidade na transformação.


PARIÔÓMA-EKATVÓD VASTU-TATTVAM

15. Embora o objeto seja único, diferentes mentes o percebem de modos diversos.
VASTU-SÓMYE CITTA-BHEDÓT TAYOR VIBHAKTAfi PANTHÓfi

16. Se um objeto dependesse apenas de uma mente e não fosse conhecido por ela, como
ele poderia existir?
NA CA EKA-CITTA-TANTRA» VASTU TAD APRAMÓÔAKAM TADÓ KIM
SYÓT

17. Um objeto pode ser conhecido ou desconhecido pela mente [CITTA], dependendo
de ser colorida por ele.
TAD-UPARÓGA-APEK›ATVÓT CITTASYA VASTU JÑÓTA-AJÑÓTAM

18. As atividades da mente [CITTA-VÙTTI] são conhecidas pelo seu senhor, o


PURU›A, que é imutável.
SADÓ JÑÓTÓÍ CITTA-VÙTTAYAS TAD-PRABHOfi PURU›ASYA-APARIÔÓMI-
TVÓT

19. Ela não brilha por si mesma, porque tem a natureza do que é visto.
NA TAT SVA-ÓBHÓSA» DÙÍYATVÓT

20. Ela não pode conhecer ao mesmo tempo a si mesma e a um outro.


EKA-SAMAYE CA UBHAYA ANAVADHÓRAÔA»

21. Se a mente [CITTA] pudesse se contemplar, haveria uma consciência [BUDDHI] da


consciência, e haveria uma confusão das lembranças.
CITTA-ANTARA DÙÍYE BUDDHI BUDDHER ATIPRASA‹GAfi SMÙTI-
SA»KARAÍ CA

22. Há uma consciência de si [SVA-BUDDHI] quando a mente [CITTA] não passa de


um lugar para outro.
CITER APRATISA»KRA-MÓYÓfi TAD ÓKÓRA-ÓPATTAU-SVA-BUDDHI-
SA»VEDANAM

23. A mente [CITTA] reflete aquele que vê e aquilo que é visto, e atinge tudo.
DRA›ÈÙ-DÙÍYOfi UPARAKTA» CITTAM SARVÓRTHAM

24. Embora a mente [CITTA] tenha inúmeras tendências [VÓSANÓ], ela existe para o
proveito de um outro ao qual está unida.
TAD ASA»KHYEYA-VÓSANÓBHIÍ CITTAM API PARÓRTHAM SA»HATYA-
KÓRITVÓT
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 67

25. Aquele que percebe a diferença cessa o desenvolvimento de suas transformações.


VIÍE›A-DARÍINA ÓTMA-BHÓVA-BHÓVANÓ VINIVÙTTIfi

26. Conhecendo a discriminação, a mente [CITTA] se orienta em direção à sua


independência [KAIVALYA].
TADÓ VIVEKA-NIMNA» KAIVALYA-PRAG-BHÓRAM CITTAM

27. Nos seus intervalos, ainda aparecem outros conteúdos, devido aos resíduos
[SA»SKÓRA].
TAC-CHIDRE›U PRATYAYA-ANTARÓÔI SA»SKÓREBHYAfi

28. A sua eliminação foi descrita com a das outras perturbações [KLEÍA].
HÓNAM E›ÓM KLEÍA-VAD UKTAM

29. Para aquele que discerne tudo e não é mais perturbado por nenhum interesse, resta o
SAMÓDHI da nuvem do dever [DHARMA-MEGHA].
PRASA»KHYÓNE'PI AKUSÁDASYA SARVATHÓ VIVEKA-KHYÓTER
DHARMA-MEGHAfi SAMÓDHIfi

30. Para ele, as fontes de perturbação [KLEÍA] e o KARMA não agem mais.
TATAfi KLEÍA-KARMA-NIVÙTTIfi

31. Para aquele que se libertou de todas as impurezas e obstáculos, aquilo que pode ser
conhecido se torna insignificante diante do conhecimento infinito.
TADÓ SARVA-ÓVARANA-MALA-APETASYA JÑÓNASYA-ÓNANTYÓT
JÑEYAM ALPAM

32. E assim terminam as transformações dos GUÔAs, que realizaram seu propósito.
TATAfi KÙTA-ARTHA-NÓM PARIÔÓMA-KRAMA-SAMÓPTIR GUÔÓNÓM

33. Por fim, percebe-se as mudanças e a sucessão dos instantes em um momento.


K›AÔA-PRATIYOGÁ PARIÔÓMA-APARÓNTA-NIRGRÓHYAfi KRAMAfi

34. Na libertação [KAIVALYA], os GUÔAs retornam à sua origem, já não tendo mais
utilidade para PURU›A. O poder da consciência [CITI-ÍAKTI] se estabelece na sua
forma própria.
PURU›A-ARTHA ÍÚNYÓNÓ» GUÔÓNÓM PRATIPRASAVAfi-KAIVALYA»
SVARÚPA-PRATI›ÈHÓ VÓ CITI-ÍAKTIfi ITI

ITI PATAÑJALI-VIRACITE YOGA-SÚTRE CATURTHAfi KAIVALYA-PÓDAfi

ITI PÓTAÑJALA YOGA-SÚTRÓÔI


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 68

APÊNDICE 2

Este segundo apêndice apresenta o texto do SÓMKHYA-KÓRIKÓ, de


ÁÍVARAKÙ›ÔA, com uma tradução literal, sem comentários. O SÓMKHYA-
KÓRIKÓ apresenta a base filosófica necessária para a compreensão do YOGA de
PATAÑJALI. É um texto curto, mas denso, que geralmente é estudado com o auxílio de
comentários.

SÓMKHYA-KÓRIKÓ / ÁÍVARAKÙ›ÔA
1. Do tormento pelo sofrimento trípilice [DUfiKHA-TRAYÓ] vem a procura do meio
de destruí-lo. Será essa procura inútil, será [o meio] evidente? Não, pois [o resultado
obtido pelos meios comuns] não traz segurança e não é definitivo.
Observação: sofrimento tríplice = o que vem de si próprio, o que vem dos outros seres
terrestres e o que vem dos DEVAS.

DUfiKHA-TRAYÓ’BHIGHÓTÓJ JIJÑÓSÓ TAD-APAGHÓTAKE HETAU


DÙ›ÈE SÓ’PÓ’RTHÓ CEN N’AIKÓ’NTÓ’TY-ANTATO .A-BHÓVÓT.

2. O meio baseado na revelação é como o evidente: está unido a impureza, instabilidade


e conflito. O conhecimento discriminativo do manifesto [VYAKTA], do não-manifesto
[AVYAKTA] e do conhecedor [JÑA] é diferente e superior.

DÙ›ÈAVAD ÓNUÍRAVIKAfi SA HY A-VIÍUDDHI K›AYÓ’TIÍAYA-YUKTAfi


TAD-VIPARÁTAfi ÍREYÓN VYAKTÓ’-VYAKTA-JÑA-VIJÑÓNÓT.

3. A natureza primordial [MULÓPRAKÙTI] não foi produzida. Os sete que começam


com o grande princípio [MAHAT] são produzidos e produzem. Os dezesseis são apenas
produtos. O espírito [PURU›A] não é produzido nem produz. [7 = MAHAT,
AHAMKÓRA, 5 TANMATRAS; 16 = 5 JÑÓNENDRIYAS, 5 KARMENDRIYAS,
MANAS, 5 MAHÓBHÚTAS]

MÚLA-PRAKÙTIR A-VIKÙTIR MAHAD-ÓDYÓfi PRAKÙTI-VIKÙTAYAfi


SAPTA
›OflAÍAKAS TU VIKÓRO NA PRAKÙTIR NA VIKÙTIfi PURU›Afi.

4. Há apenas três formas de conhecimento perfeito [PRAMÓÔA]: observação


[DÙ›ÈA], inferência [ANUMÓNA], testemunho válido [ÓPTAVACANA]. Esses três
modos constituem o conhecimento. É graças ao modo de conhecer que se estabelece o
que deve ser conhecido.

DÙ›ÈAM ANUMÓNAM ÓPTA-VACANAM CA SARVA-PRAMÓÔA-


SIDDHATVÓT
TRI-VIDHAM PRAMÓÔAM I›ÈAM PRAMEYA-SIDDHIfi PRAMÓÔÓD DHI.

5. Observação é a determinação dos objetos pela aplicação dos sentidos. A inferência é


de três tipos e segue-se do sinal característico [LI‹GA] e daquilo que tem o sinal
[LI‹GI]. O testemunho válido é o que é ouvido corretamente.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 69

Observação: 3 tipos de inferência: PÚRVAVAT = a partir do antecedente; ÍE›AVAT =


a partir do conseqüente; SÓMÓNYATO-DÙ›ÈA = por analogia

PRATI-VI›AYÓ’DHYAVASÓYO DÙ›ÈAM TRI-VIDHAM ANUMÓNAM


ÓKHYÓTAM
TAL LI‹GA-LI‹GI-PÚRVAKAM ÓPTA-ÍRUTIR ÓPTA-VACANAM TU.

6. O conhecimento dos objetos que escapam aos sentidos é atingido por inferência
analógica. O que não é perceptível e não pode ser atingido assim, é obtido pelo
testemunho válido.

SÓMÓNYATAS TU DÙ›ÈÓD ATÁ’NDRIYÓÔÓM PRATÁTIR ANUMÓNÓT


TASMÓD API CÓ’-SIDDHAM PARO.AK›AM ÓPTÓ`GAMÓT SIDDHAM.

7. [A incapacidade de observar vem de:] distância excessiva, proximidade excessiva,


falha dos órgãos, falta de atenção, sutileza, ocultação, superação ou mistura com
semelhantes.

ATI-DÚRÓT SÓMÁPYÓD INDRIYA-GHÓTÓN MANO.AN-AVASTHÓNÓT


SAUK›MYÓD VYAVADHÓNÓD ABHIBHAVÓT SAMÓNÓ’BHIHÓRÓC CA.

8. A não perceptibilidade [da natureza] provém de sua sutiliza [SAUK›MYÓT] e não


da inexistência, pois ela é conhecida por seus efeitos. O grande princípio [MAHAT] e os
outros [princípios] são seus efeitos. Eles são ao mesmo tempo semelhantes e diferentes
da natureza [PRAKÙTI].

SAUK›MYÓT TAD-AN-UPALABDHIR NÓ’-BHÓVÓT KÓRYATAS TAD-


UPALABDHIfi
MAHAD-ÓDI TAC CA KÓRYAM PRAKÙTI-VI-RÚPAM SA-RÚPAM CA.

9. O não-ser [ASAT] não é uma causa material [KARAÔA]. Pode-se apreender a causa
[UPÓDÓNA]. Nem tudo pode ser produzido. Cada poder [ÍAKTI] só produz os efeitos
de que é capaz; o efeito é como a causa.

A-SAD-A-KARAÔÓD UPÓDÓNA-GRAHAÔÓT SARVA-SAMBHAVÓ’-BHÓVÓT


ÍAKTASYA ÍAKYA-KARAÔÓT KÓRAÔA-BHÓVÓC CA SAT-KÓRYAM.

10. O manifesto [VYAKTA] tem uma causa lógica [HETU], é impermanente, limitado
[espacialmente], móvel, múltiplo, contingente; é formado por características [LI‹GA]
que brotam e se dissolvem; é composto, obedece a leis externas. O não-manifesto
[AVYAKTA] é o contrário.

HETUMAD A-NITYAM A-VYÓPI SA-KRIYAM AN-EKAM ÓÍRITAM LI‹GAM


SÓ’VAYAVAM PARA-TANTRAM VYAKTAM VIPARÁTAM A-VYAKTAM.

11. O manifesto [VYAKTA] tem três poderes [GUÔA], é não-discriminante


[AVIVEKA], é objeto, comum, incosciente [ACETANA], produtivo; o não-manifesto
também é assim. O princípio masculino [PUMÓN] é o contrário e é semelhante [ao
imanifesto].
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 70

TRI-GUÔAM A-VIVEKI VI›AYAfi SÓMÓNYAM A-CETANAM PRASAVA-


DHARMI
VYAKTAM TATHÓ PRADHÓNAM TAD-VIPARÁTAS TATHÓ CA PUMÓN.

12. Os poderes [GUÔA – respectivamente, SATTVA, RAJAS, TAMAS] possuem


naturezas agradável, desagradável, de estupor. Sua função é [respectivamente] iluminar
[PRAKÓÍA], atuar [PRAVRITTI] e restringir [NIYAMA]. Eles se combatem,
cooperam, geram-se, unem-se e se movem reciprocamente.

PRÁTY-A-PRÁTI-VI›ÓDÓ`TMAKÓfi PRAKÓÍA-PRAVÙTTI-NIYAMÓ’RTHÓfi
ANYO.ANYÓ’BHIBHAVÓ`ÍRAYA- JANANA-MITHUNA-VÙTTAYAÍ CA
GUÔÓfi.

13. SATTVA é leve e luminoso; RAJAS é estimulante e móvel; TAMAS é pesado e


obscuro. Eles atuam com um só fim, como uma lâmpada.

SATTVAM LAGHU PRAKÓÍAKAM I›ÈAM UPA›ÈAMBHAKAM CALAM CA


RAJAfi
GURU VARAÔAKAM EVA TAMAfi PRADÁPAVAC CÓ’RTHATO VÙTTIfi.

14. A indiscriminação e os outros resultam dos três GUÔA e da não-oposição. O não-


manifesto também, pois o efeito é da mesma natureza que a causa.

A-VIVEKY-ÓDI HI SIDDHAM TRAIGUÔYÓT TAD-VIPARYAYÓ’-BHÓVÓT


KÓRAÔA-GUÔÓ`TMAKATVÓT KÓRYASYÓ’-VYAKTAM API SIDDHAM.

15. O não-manifesto existe, pela limitação dos objetos particulares, por sua união,
porque cada produto vem de um poder específico e porque neste mundo múltiplo
existem o surgimento e a dissolução dos efeitos por suas causas.

BHEDÓNÓM PARIMÓÔÓT SAMANVAYÓC CHAKTITAfi PRAVÙTTEÍ CA


KÓRAÔA-KÓRYA-VIBHÓGÓD A-VIBHÓGÓD VAIÍVA-RÚPASYA

16. O não-manifesto é esta causa. Ele age pela combinação dos três GUÔA e por
modificações, como a água – pela diversidade de características de cada GUÔA.

KÓRAÔAM ASTY AVYAKTAM PRAVARTATE TRI-GUÔATAfi SAMUDAYÓC


CA
PARIÔÓMATAfi SALILAVAT PRATI-PRATI-GUÔÓ`ÍRAYA-VIÍE›ÓT.

17. O espírito [PURU›A] existe, pois os agregados não são auto-suficientes e devem
[servir para] algo inverso aos três poderes; assim, deve haver um direcionamento e
aquele que desfrute da experiência, já que há atividade dirigida para a libertação
[KAIVALYA].

SAMGHÓTA-PARÓ’RTHATVÓT TRI-GUÔÓ`DI-VIPARYAYÓD ADHI›ÈHÓNÓT


PURU›O .ASTI BHOKTÙ-BHÓVÓT KAIVALYÓ’RTHAM PRAVÙTTEÍ CA.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 71

18. O nascimento, a morte e os órgãos causais são individualmente determinados;


existem atividades não simultâneas; e existem variações [de proporção] dos três
poderes.

JANANA-MARAÔA-KARAÔÓNÓM PRATI-NIYAMÓD A-YUGAPAT


PRAVÙTTEÍ CA
PURU›A-BAHUTVAM SIDDHAM TRAI-GUÔYA-VIPARYAYÓC C’AIVA.

19. Em contraste com isso, o PURU›A tem o papel de testemunha; é liberto, é


indiferente, percebe mas não age.

TASMÓC CA VIPARYÓSÓT SIDDHAM SÓK›ITVAM ASYA PURU›ASYA


KAIVALYAM MÓDHYA-STHYAM DRA›ÈÙTVAM A-KARTÙ-BHÓVAÍ CA.

20. Por sua união [SAMYOGA] o corpo característico [LI‹GAM] inconsciente aparece
como consciente; e pela atividade dos GUÔAS, aquele que está afastado [o espírito]
parece agir.

TASMÓT TAT-SAMYOGÓD A-CETANAM CETANÓVAD IVA LI‹GAM


GUÔA-KARTÙTVE CA TATHÓ KART’EVA BHAVATY UDÓSÁNAfi.

21. O propósito da união entre o espírito [PURU›A] e o pré-formado [PRADHÓNA] é


levar à visão [DARÍANA] e à libertação [KAIVALYA]. Ela é comparável à união entre
um cego e um aleijado; e ela produz a criação.

PURU›ASYA DARÍANÓ’RTHAM KAIVALYÓ’RTHAM TATHÓ


PRADHÓNASYA
PA‹GV-ANDHAVAD UBHAYOR API SAMYOGAS TAT-KÙTAfi SARGAfi.

22. Da natureza [PRAKÙTI] provém o grande princípio [MAHAT]; dele vem o ego
[AHÓMKARA], deste o grupo de dezesseis e de cinco desses [os cinco elementos
sutis], os cinco elementos grosseiros [BHÚTA].

PRAKÙTER MAHÓMS, TATO .AHAM- KÓRAS, TASMÓD GAÔAÍ CA


›OflAÍAKAfi
TASMÓD API ›OflAÍAKÓT PAÑCABHYAfi PAÑCA BHÚTÓNI.

23. A sabedoria [BUDDHI] é dotada de decisão [ADHYAVASA]. Sua forma luminosa


[SATTVA] é constituída por virtude [DHARMA], conhecimento [JÑÓNA],
desprendimento [VIRÓGA] e poder [AIÍVARYA]. Sua forma obscura [TAMAS] é o
inverso.

ADHYAVASÓYO BUDDHIR DHARMO JÑÓNAM VI-RÓGA AIÍVARYAM


SÓTTVIKAM ETAD-RÚPAM TÓMASAM ASMÓD VIPARYASTAM.

24. O ego [AHAMKÓRA] é o princípio da individualidade. Dele procedem dois tipos


de criação: o grupo dos onze [órgãos] e os cinco elementos sutis [TANMÓTRA].

ABHIMÓNO .AHAM-KÓRAS TASMÓD DVI-VIDHAfi PRAVARTATE SARGAfi


“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 72

EKÓDAÍAKAÍ CA GAÔAS TANMÓTRAfi PAÑCAKAÍ C’AIVA.

25. O grupo dos onze, da natureza de SATTVA, nasce do ego criador [VAIKÙTA]. Do
ego elemental [BHÚTÓDI] procedem os elementos sutis, da natureza de TAMAS.
Ambos procedem da forma ardente [TAIJASA] do Ego.

SÓTTVIKA EKÓDAÍAKAfi PRAVARTATE VAIKÙTÓD AHAM-KÓRÓT


BHÚTÓ`DES TAN-MÓTRAfi SA TÓMASAS TAIJASÓD UBHAYAM.

26. Os órgãos do conhecimento [BUDDHÁNDRIYA] são: visão [CAK›U], audição


[ÍROTRA], olfato [GHRÓÔA], paladar [RASANA], tato [SPARÍANA]. Os órgãos de
ação [KARMENDRIYA] são a fala [VÓK], as mãos [PÓÔI], os pés [PÓDA], os órgãos
de excreção [PÓYU] e os órgãos genitais [UPASTHA].

BUDDHÁ’NDRIYÓÔI CAK›Ufi- ÍROTRA-GHRÓÔA-RASANA-TVAG-ÓKHYÓNI


VÓK-PÓÔI-PÓDA-PÓYÚ’PASTHÓN KARM’ENDRIYÓNY ÓHUfi.

27. A mente [MANAS] está entre eles e participa da natureza de ambos [os grupos]. Ela
é coordenadora e é ao mesmo tempo um órgão, por sua semelhança. A diversidade [dos
órgãos] e as diferenças de seus objetos nascem da variação dos GUÔAS.

UBHAYÓ`TMAKAM ATRA MANAfi SAMKALPAKAM INDRIYAM CA SÓ-


DHARMYÓT
GUÔA-PARIÔÓMA-VIÍE›ÓN NÓNÓTVAM BÓHYA-BHEDÓC CA.

28. A função dos cinco [órgãos do conhecimento] é apenas perceber o som, etc. A dos
outros cinco é: a fala, a apreensão, a locomoção, a excreção e o prazer [ÓNANDA].

ÍABDÓ`DI›U PAÑCÓNÓM ÓLOCANA-MÓTRAM I›YATE VÙTTIfi


VACANÓ`DÓNA-VIHARAÔ’OTSARGÓ`NANDÓÍ CA PAÑCÓNÓM.

29. A função de cada um dos três [BUDDHI, AHAMKÓRA, MANAS] é específica e


não é comum. A causa comum da atividade dos órgãos internos é o conjunto dos cinco
ventos [VÓYU]: PRÓÔA, etc. [PRÓÔA, APÓNA, SAMÓNA, UDÓNA, VYÓNA]

SVÓ-LAK›AÔYAM VÙTTIS TRAYASYA S’AI›Ó BHAVATY A-SÓMÓNYÓ


SÓMÓNYA-KAÙAÔA-VÙTTIfi PRÓÔÓ`DYÓ VÓYAVAfi PAÑCA.

30. A função dos quatro agrupados [três órgãos internos e um dos sentidos externos]
é descrita como simultânea ou sucessiva. Da mesma forma, no que se refere ao que não
é perceptível, a função do grupo dos três [órgãos internos] é precedida por aquela
atividade [de percepção].

YUGAPAC CATU›ÈAYASYA TU VÙTTIfi KRAMAÍAÍ CA TASYA NIRDI›ÈÓ


DÙ›ÈE TATHÓ’PY A-DÙ›ÈE TRAYASYA TAT-PÚRVIKÓ VÙTTIfi.

31. [Os órgãos] preenchem suas atividades por impulsos mútuos. A única causa [HETU]
é o benefício do espírito [PURU›A]; nenhum instrumento atua por outro motivo.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 73

SVÓM SVÓM PRATIPADYANTE PARAS-PARÓ`KÚTA-HETUKÓM VÙTTIM


PURU›Ó’RTHA EVA HETUR NA KENA CIT KÓRYATE KARAÔAM.

32. Os instrumentos são de treze tipos. Eles atuam captando, retendo e manifestando.
Seus efeitos, aquilo que é captado, retido e manifesto, são de dez tipos.

KARAÔAM TRAYODAÍA-VIDHAM TAD ÓHARAÔA-DHÓRAÔA-PRAKÓÍA-


KARAM
KÓRYAM CA TASYA DAÍADHÓ HÓRYAM, DHÓRYAM PRAKÓÍYAM CA.

33. Os órgãos internos são de três tipos; os externos, que são objetos dos três, são de dez
tipos. Os órgãos externos funcionam no presente, os internos nos três tempos.

ANTAfi-KARAÔAM TRI-VIDHAM DAÍADHÓ BÓHYAM TRAYASYA


VI›AYÓ`KHYAM
SÓMPRATA-KÓLAM BÓHYAM TRI-KÓLAM ÓBHY-ANTARAM KARAÔAM.

34. Desses, os cinco órgãos de conhecimento possuem cinco objetos específicos


[VIÍE›A] e não-específicos [AVIÍE›A]. A fala tem o som por objeto, os outros
[órgãos de ação] possuem cinco objetos.

BUDDHÁ’NDRIYÓÔI TE›ÓM PAÑCA VIÍE›Ó’-VIÍE›A-VI›AYÓÔI


VÓG BHAVATI ÍABDA-VI›AYÓ ÍE›ÓÔI TU PAÑCA-VI›AYÓÔI.

35. Como os órgãos internos, incluindo a sabedoria [BUDDHI] apreendem todos os


objetos, eles são os instrumentos principais, enquanto que os restantes [dos órgãos] são
as portas.

SÓ’NTAfi-KARAÔÓ BUDDHIfi SARVAM VI›AYAM AVAGÓHATE YASMÓT


TASMÓT TRI-VIDHAM KARAÔAM DVÓRI DVÓRÓÔI ÍE›ÓÔI.

36. Estes são modificações específicas distintas dos GUÔAS. Comparáveis a uma
lâmpada, eles apresentam à sabedoria tudo o que é apreciado pelo espírito [PURU›A].

ETE PRADÁPA-KALPÓfi PARAS-PARA-VI-LAK›AÔÓ GUÔA-VIÍE›Ófi


KÙTSNAM PURU›ASYÓ’RTHAM PRAKÓÍYA BUDDHAU PRAYACCHANTI.

37. A sabedoria traz todas as coisas para o desfrute do espírito. É ela mesma quem
revela a sutil diferença entre a natureza primal ou pré-formada [PRADHÓNA] e o
espírito.

SARVAM PRATYUPABHOGAM YASMÓT PURU›ASYA SÓDHAYATI


BUDDHIfi
S’AIVA CA VIÍINA›ÈI PUNAfi PRADHÓNA-PURU›Ó’NTARAM SÚK›MAM.

38. Os elementos sutis [TANMÓTRA] são não-específicos [AVIÍE›A]. Desses cinco


procedem os cinco elementos grosseiros [BHÚTA]. Diz-se que eles são específicos
[VIÍE›A]. São serenos, violentos ou apáticos.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 74

TAN-MÓTRÓÔY A-VIÍE›ÓS TEBHYO BHÚTÓNI PAÑCA PAÑCABHYAfi


ETE SMÙTÓ VIÍE›Ófi ÍÓNTÓ GHORÓÍ CA MÚflHÓÍ CA.

39. Os três tipos de objetos específicos [VIÍE›A] são o sutil [SÚK›MA], aquilo que
nasce dos progenitores [MÓTÓPITÙJÓ], e o corpo grosseiro [PRABHÚTA]. Dentre
eles, o sutil é permanente, enquanto que aquilo que vem dos pais é perecível.

SÚK›MÓ MÓTÓ-PITÙ-JÓfi SAHA PRABHÚTAIS TRIDHÓ VIÍE›Ófi SYUfi


SÚK›MÓS TE›ÓM NIYATÓ MÓTÓ-PITÙ-JÓ NIVARTANTE.

40. O corpo sutil característico [LI‹GAM], formado primordialmente, desligado,


constante, composto pela sabedoria e pelos outros princípios até os elementos sutis, cuja
forma não pode ser percebida, este transmigra [SAMSARATI], investido com suas
disposições [BHÓVA].

PÚRV’OTPANNAM A-SAKTAM NIYATAM MAHAD-ÓDI SÚK›MA-PARY-


ANTAM
SAMSARATI NIR-UPABHOGAM BHÓVAIR ADHIVÓSITAM LI‹GAM.

41. Assim como uma pintura não existe sem um suporte, ou uma sombra sem um muro
ou algo semelhante, da mesma forma, sem o suporte de algo não-específico, o corpo
característico [LI‹GAM] não subsiste.

CITRAM YATHÓ ÍRAYAM ÙTE STHÓÔV-ÓDIBHYO VINÓ YATHÓ CHÓYÓ


TADVAD VINÓ’VIÍE›AIR NA TI›ÈHATI NIR-ÓÍRAYAM LI‹GAM.

42. Tendo em vista a finalidade do espírito, e graças à conexão de causas e efeitos, o


corpo característico [LI‹GAM] age como um ator, unido ao poder manifesto
[VIBHUTI] da natureza [PRAKÙTI].

PURU›Ó’RTHA-HETUKAM IDAM NIMITTA-NAIMITTIKA-PRASA‹GENA


PRAKÙTER VIBHUTVA-YOGÓN NAÈAVAD VYAVATI›ÈHATE LI‹GAM.

43. A virtude [DHARMA] e as outras disposições [BRHÓVA] são originais, naturais ou


adquiridas. Elas dependem do instrumento ou causa. O embrião e o restante ligam-se ao
efeito.

SÓMSIDDHIKÓÍ CA BHÓVÓfi PRÓKÙTIKÓ VAIKÙTÓÍ CA DHARMÓ`DYÓfi


DÙ›ÈÓfi KARAÔÓ`ÍRAYIÔAfi KÓRYÓ`ÍRAYIÔAÍ CA KALALÓ`DYÓfi.

44. Pela ação da virtude [DHARMA] produz-se um impulso para o alto; pela disposição
ao vício [ADHARMA] produz-se um impulso para baixo. A sabedoria [JÑÓNA] liberta
e seu inverso prende.

DHARMEÔA GAMANAM ÚRDHVAM GAMANAM ADHASTÓD BHAVATY A-


DHARMEÔA
JÑÓNENA CÓ’PAVARGO VIPARYAYÓD I›YATE BANDHAfi.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 75

45. Do desligamento [VAIRÓGYA] vem a dissolução [LAYA] na natureza


[PRAKÙTI]; da ligação rajásica vem a transmigração [SAMSÓRA]; do poder
[AIÍVARYA] vem a não-obstrução e de seu inverso vem o contrário.

VAI-RÓGYÓT PRAKÙTI-LAYAfi SAMSÓRO BHAVATI RÓJASÓD RÓGÓT


AIÍVARYÓD A-VIGHÓTO VIPARYAYÓT TAD-VIPARYÓSAfi.

46. As criações do intelecto se distinguem como ignorância, incapacidade, complacência


e perfeição. Pelos conflitos e desigualdades de GUÔAS surgem 50 variedades.

E›A PRATYAYA-SARGO VIPARYAYÓ’-ÍAKTI-TU›ÈI-SIDDHY-ÓKHYAfi


GUÔA-VAI›AMYA-VIMARDÓT TASYA CA BHEDÓS TU PAÑCÓÍAT.

47. Há cinco tipos de ignorância [VIPARYAYA]. Há 28 tipos de incapacidades


[AÍAKTI] pela imperfeição dos órgãos. A complacência [TU›TI] é de 9 tipos e a
perfeição [SIDDHI] é de 8 tipos. [5 tipos de ignorância: obscuridade, engano, engano
extremo, trevas, cegueira completa]

PAÑCA VIPARYAYA-BHEDÓ BHAVANTY A-ÍAKTEÍ CA KARAÔA-


VAIKALYÓT
A›ÈÓVIMÍATI-BHEDÓS TU›ÈIR NAVADHÓ’›ÈADHÓ SIDDHIfi.

48. Há oito tipos de obscuridade e [8] de engano; dez tipos de engano extremo; as trevas
são de 18 tipos e também a cegueira completa.

BHEDAS TAMASO .A›ÈA-VIDHO MOHASYA CA DAÍA-VIDHO MAHÓ-


MOHAfi
TÓMISRO .A›ÈÓ-DAÍADHÓ TATHÓ BHAVATY ANDHA-TÓMISRAfi.

49. As falhas dos 11 órgãos mais as falhas da sabedoria são chamadas de incapacidades.
Há 17 falhas da sabedoria [BUDDHI], resultando do inverso [dos 9 tipos de]
complacência e [dos 8 tipos de] perfeição.

EKÓDAÍ’ENDRIYA-VADHÓfi SAHA BUDDHI-VADHAIR A-ÍAKTIR UDDI›ÈÓ


SAPTADAÍA VADHÓ BUDDHER VIPARYAYÓT TU›ÈI-SIDDHÁNÓM.

50. As nove formas de compacência são: quatro internas, provenientes da natureza,


meios, tempo e acaso; e cinco externas, retiradas dos objetos dos sentidos.

ÓDHY-ÓTMIKÓÍ CATASRAfi PRAKÙTY-UPÓDÓNA-KÓLA-BHÓGYÓ`KHYÓfi


BÓHYÓ VI›AY’OPARAMÓC CA PAÑCA NAVA TU›ÈAYO .ABHIMATÓfi .

51. As cinco perfeições são: o raciocínio [correto], a instrução oral, o estudo, a


destruição da miséria tripla, o intercâmbio entre amigos e a falta de interesse próprio. Os
mencionados antes [ignorância, incapacidade e complacência] são os três obstáculos à
perfeição.

ÚHAfi ÍABDO .ADHYAYANAM DUfiKHA-VIGHÓTÓS TRAYAfi SU-HÙT-


PRÓPTIfi
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 76

DÓNAM CA SIDDHAYO .A›ÈAU SIDDHEfi PÚRVO .A‹KUÍAS TRI-VIDHAfi

52. Sem disposições [BHÓVA] não há corpo característico [LI‹GAM] e sem corpo
característico as disposições não podem atuar. Portanto, há uma dupla criação: de
disposições e de um corpo característico.

NA VINÓ BHÓVAIR LI‹GAM NA VINÓ LI‹GENA BHÓVA-NIRVÙTTIfi


LI‹GÓ`KHYO BHÓVÓ`KHYAS (TASMÓD DVI-VIDHAfi PRAVARTATE
SARGAfi.)

53. Existem 8 espécies divinas [DAIVA], cinco tipos de seres terrestres e um de seres
humanos. Tal é, em resumo, a tríplice criação. [8 tipos divinos: BRAHMAN,
PRÓJÓPATI, SOMA, INDRA, GANDHARVA, YAK›A, RÓK›ASA, PIÍACA. 5
tipos de seres terrestres: gado, feras, pássaros, répteis, seres imóveis – vegetais e pedras]

A›ÈA-VIKALPO DAIVAS TAIRYAG-YONAÍ CA PAÑCADHÓ BHAVATI


MÓNU›YAÍ C’AIKA-VIDHAfi SAMÓSATO BHAUTIKAfi SARGAfi.

54. Acima predomina SATTVA; abaixo TAMAS predomina na criação; no meio


predomina RAJAS. Assim é de BRAHMÓ até uma folha de grama.

ÚRDHVAM SATTVA-VIÍÓLAS TAMO-VIÍÓLAÍ CA MÚLATAfi SARGAfi


MADHYE RAJO-VIÍÓLO BRAHMÓ`DI STAMBA-PARY-ANTAfi.

55. Lá [em um corpo] o espírito consciente experimenta o sofrimento [DUfiKHA]


devido à velhice e à morte, até o término da atividade do corpo característico. O
sofrimento vem das disposições próprias [SVABHÓVA].

TATRA JARÓ-MARAÔA-KÙTAM DUfiKHAM PRÓPNOTI CETANAfi PURU›Afi


LI‹GASYÓ ` VINIVÙTTES TASMÓD DUfiKHAM SVA-BHÓVENA.

56. Essa é a ação da natureza [PRAKÙTI]. Desde o grande princípio [MAHAT] até os
elementos grosseiros determinados, ela se destina à libertação [MOK›A] de todos os
espíritos [PURU›A]. Sua atividade se produz para o benefício de um outro, embora
pareça para ela própria.

ITY E›A PRAKÙTI-KÙTO MAHAD-ÓDI-VIÍE›A-BHÚTA-PARY-ANTAfi


PRATI-PURU›A-VIMOK›Ó’RTHAM SVÓ’RTHA IVA PARÓ’RTHA
ÓRAMBHAfi.

57. Assim como o leite inconsciente atua para o crescimento do bezerro, assim atua a
natureza primordial [PRADHÓNA] para a libertação do espírito.

VATSA-VIVÙDDHI-NIMITTAM K›ÁRASYA YATHÓ PRAVÙTTIR A-JÑASYA


PURU›A-VIMOK›A-NIMITTAM TATHÓ PRAVÙTTIfi PRADHÓNASYA.

58. Assim como as pessoas agem para libertar-se dos desejos, da mesma forma o não-
manifesto [AVYAKTA] age para libertar o espírito.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 77

AUTSUKYA-NIVÙTTY-ARTHAM YATHÓ KRIYÓSU PRAVARTATE LOKAfi


PURU›ASYA VIMOK›Ó’RTHAM PRAVARTATE TADVAD A-VYAKTAM.

59. Como uma dançarina cessa de dançar, após se exibir ao público, assim a natureza
[PRAKÙTI] cessa de evoluir, após exibir-se ao espírito [PURU›A].

RA‹GASYA DARÍAYITVÓ NIVARTATE NARTAKÁ YATHÓ NÙTYÓT


PURU›ASYA TATHÓ’TMÓNAM PRAKÓÍYA VINIVARTATE PRAKÙTIfi.

60. Ela, que não recebe nada em troca, beneficia de vários modos o princípio masculino.
Ela, que é dotada de poderes [GUÔA], auxilia sem qualquer benefício próprio aquele
que não tem poderes.

NÓNÓ-VIDHAIR UPÓYAIR UPAKÓRIÔY AN-UPAKÓRIÔAfi PUMSAfi


GUÔAVATY A-GUÔASYA SATAS TASYÓ’RTHAM APÓ’RTHAKAM CARATI.

61. Ninguém é mais modesto do que a natureza que, dizendo “Eu fui vista”, desaparece
da visão do espírito.

PRAKÙTEfi SU-KUMÓRATARAM NA KIM-CID ASTÁ’TI ME MATIR BHAVATI


YÓ DÙ›ÈÓ’SMÁ’TI PUNAR NA DARÍANAM UPAITI PURU›ASYA.

62. Por isso ninguém está preso, nem se liberta, nem transmigra. É a natureza que,
vestida de formas variadas, é presa, liberta e transmigra.

TASMÓN NA BADHYATE .ADDHÓ NA MUCYATE NÓ’PI SAMSARATI KAÍ-


CIT
SAMSARATI BADHYATE MUCYATE CA NÓNÓ’ÍRAYÓ PRAKÙTIfi

63. A natureza se prende a si própria de sete formas e ela se liberta de uma só forma
para o benefício do espírito.

RÚPAIfi SAPTABHIR EVA TU BADHNÓTY ÓTMÓNAM ÓTMANÓ PRAKÙTIfi


S’AIVA CA PURU›Ó’RTHAM PRATI VIMOCAYATY EKARÚPEÔA.

64. Assim, pelo estudo dos princípios [TATTVA], resulta que “eu não existo, nada é
meu, não há um eu”. Esta sabedoria [JÑÓNA] é absoluta, pura e sem dualidade.

EVAM TATTVÓ’BHYÓSÓN NÓ’SMI NA ME NÓ’HAM ITY A-PARIÍE›AM


A-VIPARYAYÓD VI-ÍUDDHAM KEVALAM UTPADYATE JÑÓNAM.

65. Assim o espírito, em repouso como um espectador em seu lugar, observa a natureza,
que cessou de produzir e que se retirou das sete formas por ter atingido o objetivo.

TENA NIVÙTTA-PRASAVÓM ARTHA-VAÍÓT SAPTA-RÚPA-VINIVÙTTÓM


PRAKÙTIM PAÍYATI PURU›Afi PREK›AKAVAD AVASTHITAfi SU-STHAfi.

66. O indiferente diz: “Eu vi a magia”. A outra se retira: “Eu fui vista”. Apesar de seu
contato, não há mais motivo para a criação.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 78

DÙ›ÈÓ MAY’ETY UPEK›AKA EKO DÙ›ÈÓ’HAM ITY UPARATÓ’NYÓ


SATI SAMYOGE .API TAYOfi PRAYOJANAM ÔÓ’STI SARGASYA.

67. A virtude e as outras [disposições] deixam de ser produtivas graças à obtenção da


sabedoria perfeita [SAMYAGJÑÓNA]; mas ele permanece provido de um corpo
[ÍARÁRA] por causa dos resíduos do passado [SAMSKÓRA], como uma roda em
movimento.

SAMYAG-JÑÓNÓ’DHIGAMÓD DHARMÓ`DÁNÓM A-KÓRAÔA-PRÓPTAU


TI›ÈHATI SAMSKÓRA-VAÍÓC CAKRA-BHRAMAVAD DHÙTA-ÍARÁRAfi.

68. Após a cessação das atividades da natureza primordial [PRADHÓNA] que atingiu
seu fim, [o espírito] separando-se do corpo, obtém a libertação [KAIVALYA] certeira e
definitiva.

PRÓPTE ÍARÁRA-BHEDE CARITÓ’RTHATVÓT PRADHÓNA-VINIVÙTTAU


AIKÓ’NTIKAM ÓTY-ANTIKAM UBHAYAM KAIVALYAM ÓPNOTI.

69. Este conhecimento [JÑÓNAM] secreto [GUHYA] do objetivo do espírito, onde se


considera a existência, origem e dissolução dos seres, foi exposto pelo grande sábio
[PARAMAR›IÔA].

PURU›Ó’RTHA-JÑÓNAM IDAM GUHYAM PARAMA-R›IÔÓ SAMÓKHYÓTAM


STHITY-UTPATTI-PRALAYÓÍ CINTYANTE YATRA BHÚTÓNÓM.

70. Esta sabedoria secreta e purificadora foi comunicada pelo sábio [MUNI]
inicialmente a ÓSURI; e ÓSURI a PAÑCAÍIKHA, que desenvolveu a doutrina
[TANTRA].

ETAT PAVITRAM AGRYAM MUNIR AASURAYE .ANUKAMPAYÓ


PRADADAU
AASURIR API PAÑCA-ÍIKHÓYA TENA BAHUDHÓ-KÙTAM TANTRAM.

71. Transmitida por tradição pelos discípulos [ÍI›YA], esta [doutrina] foi resumida em
versos nobres [ÓRYÓ] por ÁÍVARAKÙ›ÔA, cujo nobre espírito havia compreendido
plenamente a verdade perfeita.

ÍI›YA-PARAM-PARAYÓ’GATAM ÁÍVARA-KÙ›ÔENA C’AITAD ÓRYÓBHIfi


SAMK›IPTAM ÓRYA-MATINÓ SAMYAG VIJÑÓYA SIDDHÓ’NTAM.

72. O conteúdo desses setenta versos é o do ›A›ÈITANTRA [tratado dos 60 tópicos],


excluindo-se as histórias e a discussão das opiniões rivais.

SAPTATYÓM KILA YE .ARTHÓS TE .ARTHÓfi KÙTSNASYA .SA›ÈI-


TANTRASYA
ÓKHYÓYIKÓ-VIRAHITÓfi PARA-VÓDA-VIVARJITÓÍ CÓ’PI.
“Significado e bases do RÓJA-YOGA” 79

73. Este breve tratado não apresenta falhas de conteúdo. É como uma imagem, refletida
no espelho, do TANTRA de grande extensão.

TASMÓT SAMÓSA-DÙ›ÈAM ÍÓSTRAM IDAM NÓ’RTHATAÍ CA PARIHÁÔAM


TANTRASYA BÙHANMÚRTER DARPAÔA-SA‹KRÓNTAM IVA BIMBAM.

==================================================

Anexo:
Os 25 princípios do SÓ‹KHYA

1. O espírito: PURU›A
2. A natureza primordial: PRADHÓNA ou PRAKÙTI
3. O poder intelectual: BUDDHI ou MAHAT
4. O ego: AHAMKÓRA
Os 5 elementos sutis [TANMÓTRAS]:
5. Som: ÍABDA
6. Toque: SPARÍA
7. Cor ou forma: RÚPA
8. Sabor: RASA
9. Odor: GANDHA
Os 5 órgãos dos sentidos [JÑÓNENDRIYAS] e o órgão interno central
10. Audição: ÍROTRA
11. Tato: SPARÍANA
12. Visão: CAK›US
13. Paladar: RASANA
14. Olfato: GHRÓÔA
15. A mente: MANAS
Os 5 órgãos da ação [KARMENDRIYAS]
16. Voz: VÓK
17. Mãos: PÓNI
18. Pés: PÓDA
19. Órgão de excreção: PÓYU
20. Órgão de reprodução: UPASTHA
Os 5 elementos grosseiros [MAHÓBHÚTAS]
21. Éter: ÓKÓÍA
22. Ar: VÓYU
23. Fogo ou luz: TEJAS
24. Água: ÓPAfi
25. Terra: PÙTHIVI

Texto e traduções: Roberto de A. Martins

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