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Lucas Vilela
Maggie se foi.
Perdi minha estrutura, meu alicerce, parte da minha vida e do meu fôlego. Meu
refúgio, minhas melhores conversas, os abraços mais quentes; os sorrisos
mais suaves; milhões de beijos apaixonados. Foi-se de mim o meu maior caos,
a minha bagunça de todo domingo, a minha maior felicidade; a minha entrega
total. A minha razão de ser eu. Me espera tá?
Ela não se foi numa noite qualquer. Era nosso primeiro e único aniversário de
casamento. Uma noite quente, especial e agradável, sobre o crepúsculo lunar,
ainda no início da noite, após um dia inteiro juntos revivendo coisas que nos
dois amávamos e julgávamos parte da nossa estória. Nós tínhamos vividos o
melhor ano das nossas vidas, desde o dia em que nos casamos, diante da nos-
sa maior certeza da nossa vida.
A mesa estava posta como eu havia solicitado. Escolhi o restaurante que mais
gostávamos. Era um momento único e deveria ser bem planejado. Um castiçal
triplo, prateado, ladeado por desenhos, estava posicionado sobre a mesa, no
centro. Ele servia de base para sustentar as velas rosas e perfumadas que eu
havia comprado especialmente para aquela ocasião. Para compor o restante da
mesa, optei por rosas brancas por serem as preferidas de Maggie e elas foram
espalhadas pela mesa. O aroma quase imperceptível delas contextualizava
com o perfume das velas e o som harmônico do ambiente, à nossa própria es-
colha.
Nós nos sentamos pertinho um do outro para minimizar qualquer distância físi-
ca entre ambos. Beijei o seu ombro descoberto, delicadamente, expressando
meu amor através de um simples toque. Senti seu perfume me irradiar. Em si-
lêncio agradeci a Deus várias vezes por ter uma mulher tão perfeita do meu
lado. Aquela presença viva que me preenchia de uma forma indescritível e
imutável desde o dia que havíamos nos conhecido, aos treze anos de idade na
escola.
Desde então não nos separamos mais. Da nossa bela amizade surgiu o amor.
Um sentimento impossível de ser controlado e completamente recíproco, que
nos levou à vários anos de namoro, um noivado e finalmente ao altar, diante
das pessoas que mais amávamos. Tudo da forma como vínhamos sonhando
desde o momento em que tivemos a plena certeza que estávamos perfeita-
mente destinados a caminhar juntos.
Esta noite em especial Maggie estava radiante, como sempre. Suas madeixas
naturais, ruivas, dançavam ao corrimento do vento entre as janelas, trazendo
sintonia aos seus lábios que sorriam copiosamente ao falar e olhar para mim;
que devolvia na mesma sensação. Seu olhar discreto e sincero me consumia
enquanto eu me dedicava prontamente a lhe ouvir e relembrar da nossa estó-
ria, na escola. Sua voz soava como música aos meus ouvidos atentos. Seu ros-
to emitia luz, uma transparência irredutível, serenidade e bons sentimentos
dos quais eu vivia a compartilhar.
Beijei suas mãos diversas vezes, permitindo-me sentir o frescor da sua pele
macia e serena, imaginando como seria viver o resto da minha vida ao lado
dela. Aconcheguei-me a ela, várias e várias vezes, demonstrando todo o amor
que eu sentia.
O veiculo foi se aproximando em disparada, cada vez mais perto. Minha Mag-
gie estava encurralada perto da parede, nada seria possível?. Me perguntei
quando senti minhas pernas estremecerem. Alguém que eu não fui capaz de
enxergar me arremessou para longe. Me senti sendo jogado feito uma pedra
leve. Meu corpo colidiu contra o chão, bati a cabeça com força, não restava
mais ar em meus pulmões. As pessoas gritavam, a fumaça de poeira encobria
minha visão parcialmente mas eu ainda conseguia ver Maggie estática no
mesmo lugar, com o rosto assustado.
O carro atingiu Maggie com força. Pressionando seu corpo indefeso contra a
parede na altura do abdômen, comprimindo-a com força.
A última cena que eu vi, foi o sorriso dela se desfalecendo, os olhos fechando
enquanto a boca dela sangrava, a vida ia se esvaindo dela lentamente. Tive a
sensação de ouvir o coração dela parar de bater quando seu corpo estava sen-
do exprimido contra a parede a poucos metros de distância. De longe eu a vi
caída.
Me levantei e corri em sua direção com dificuldade para respirar. Gritei o seu
nome desesperadamente até minha garganta queimar, não obtive nenhuma
resposta. Ela tinha partido para sempre. Segurei uma de suas mão e levantei
seu rosto já pálido, supliquei em vão pela sua vida.
- Maggieeee. Maggie, não, meu amor não - solucei involuntariamente - meu
amor não. Não me deixa Maggie por favor.
Tudo ficou em câmera lenta. As vozes ao meu redor, pessoas chorando, meu
coração embargado. O motorista aparentemente confuso. Tudo fugindo do meu
controle.
Minhas pernas perderam a força novamente, fui lançado ao chão. O choro ir-
rompia forte, meu coração queimava como fogo. Meu peito ardia e uma torren-
te de lágrimas desciam pelo meu rosto copiosamente.
***
Meu coração foi destrinchado. Mensurar a dor que eu estava sentindo parecida
impossível. A dor me invadiu de uma forma nada tímida e inédita. Não havia
uma razão para eu merecer isso. Me recolhi para a vida e para o mundo, me
entreguei a dor que me consumia, não havia mais opções, era como não con-
seguir respirar ou me mover. Em dois meses eu perdi quase 20 quilos e não
tive força sequer para me barbear. Não sai da cama para quase nada. A dor
me pertencia, esgotando-me por inteiro, resumindo as minhas energias em
quase nada. Por dias e horas eu chorei pela perda de Maggie.
A casa ficou vazia, sem vida, em qualquer emoção. Eu era capaz de a ver em
tudo. O cheiro dela permanecia no guarda roupa e na cama, nos cosméticos
que eu não fui capaz de desfazer. A presença dela continua viva nas fotos es-
palhadas pela casa, tomadas de poeira pela falta de limpeza; ela vivia nas
plantas que agora começaram a morrer; nos objetos pessoais que eu jamais
iria me desfazer. Eles me traziam para mais perto dela.
Pouco tempo depois por intervenção dos meus pais fui internado com uma
anemia severa e um grau elevado de desidratação além da depressão profunda
constatada por um dos médicos. Em uma das noites, ainda no leito hospitalar,
sonhei com Maggie.
Ela não me respondeu. Repousou seus lábios sobre minha testa, aproximou-se
mim extinguindo o pequeno vácuo que havia entre nossos corpos.
- Viva, viva por mim, viva por nós - ela sorriu.
Acordei assustado, com o choro insistindo em cair. A garganta quase fechada e
uma torrente de emoções me tragando. Chorei copiosamente, meus olhos ar-
diam enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto. Repassei aquela cena va-
rias vezes na minha cabeça até me constatar que aquilo tinha de ser real. Mi-
nha Maggie ainda vivia dentro de mim.
A dor nunca passou por completo, mas, eu aprendi a conviver com ela. Passei
a viver enxergando Maggie através das simples coisas do dia à dia, da comida
que eu comia, da forma como cuidava da nossa casa, das coisas dela. Em al-
guns momentos eu podia jurar que ela estava ali, de prontidão acompanhando
cada passo meu como um verdadeiro anjo da guarda. O amor dela me perten-
cia, me protegia.
Um ano se passou, na mesma data que faríamos dois anos de casados. Meu
coração doeu e por um momento eu desejei profundamente e de todo coração
em tê-la comigo, nem que fosse por mais uma única vez apenas. Senti uma
brisa me percorrer. Ela estava ali. Realizando meu desejo.
Aprendi a lidar com a perda. A conviver com ela, a voltar a sorrir, a sair de
casa, reencontrar meus velhos amigos, a passar mais tempo com minha famí-
lia. Só não sentia a necessidade de ter outra mulher na minha vida. Sempre
havia sido Maggie, nos meus planos continuaria sendo.
Em um dos sonhos Maggie me disse que todas as vezes que eu olhasse para o
céu veria uma estrela brilhando, diferente das outras - que eu saberia diferen-
ciar - e através desta estrela ela estaria sorrindo para mim, me protegendo e
me guiando até o dia que pudéssemos estar juntos novamente, como se a
nossa separação fosse algo momentâneo.
F.I.M