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Responsabilidade do Estado por dano tributário

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO TRIBUTÁRIO


State civil liability
Revista de Direito Tributário Contemporâneo | vol. 6/2017 | p. 17 - 45 | Maio - Jun /
2017
DTR\2017\1607

Andreia Scapin
Doutora em Direito Tributário pela USP. Mestre em Direito Penal pela USP. Especialista
em Direito Tributário pela USP. Professora convidada da pós-graduação em Direito
Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora do Núcleo de Estudos
em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (CONSTINTER) e Centro
Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais (CEDEUAM) da Università del
Salento, Lecce, Itália/FURB, Blumenau, Brasil. Advogada. andreiascapin@vslaw.com.br

Área do Direito: Tributário


Resumo: Com este trabalho, pretende-se investigar a responsabilidade do Estado no
âmbito das relações tributárias a partir da interpretação do conjunto de enunciados
prescritivos do Direito brasileiro que versam sobre o exercício da função fiscal e o dever
de reparar danos estabelecidos na CF/88, no CTN e no CC. O objetivo é responder à
pergunta: com base na interpretação das normas do Direito brasileiro, é possível
imputar ao Estado o dever de reparar os danos causados ao sujeito passivo da obrigação
tributária em decorrência da conduta do agente público no exercício da função fiscal?
Exclui-se da pesquisa os danos que resultam de obrigações originárias de outras fontes
que não se refiram ao dever de pagar tributo, bem como a responsabilidade penal e suas
respectivas sanções.

Palavras-chave: Norma jurídica - Sanção - Responsabilidade do Estado - Dano - Função


fiscal.
Abstract: This paper aims to verify State civil liability regarding law relationship in the
context of tax matters. Such liability raises from taxpayer obligation of paying taxes
based upon understanding of some Brazilian Law prescriptive statements related to tax
administrative activity and also to the duty to pay damages stated in CF/88, CTN and
CC. The target is to answer the following question: concerning government tax activity
and based upon Brazilian Law may the State be liable for the duty to pay moral and
material damages to taxpayers? This paper covers only the civil liability due to damage
linked to tax activities and it is not taking into account the damage raising from any
other source of primary liabilities which are not related to the duty of paying taxes.
Criminal liabilities and its related penalties are not being assessed in this study.

Keywords: Rule of law - Sanction - Government liability - Damage - Tax power.


Sumário:

1Introdução - 2Corte de Cassação, Seções Unidas, acórdão 722, de 15 de outubro de


1999. - 3A positivação da norma neminem laedere no Direito brasileiro e sua aplicação
ao Estado - 4Responsabilidade civil objetiva do Estado - 5Hipóteses de aplicação da
responsabilidade do Estado por dano tributário - 6Conclusões - 7Bibliografia

1 Introdução

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O propósito deste trabalho é trazer à luz as problemáticas inerentes ao ressarcimento
dos danos suportados pelo sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou
responsável) como consequência das condutas comissivas ou omissivas praticadas pelo
agente público no exercício da função fiscal, que se refere à prática de atos de
fiscalização, constituição, inscrição e cobrança do crédito tributário.

Para maior clareza expositiva e sem a pretensão de esgotar o tema numa única vez, o
núcleo da investigação consiste em responder à pergunta: o Direito brasileiro vigente
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permite ao intérprete desse sistema normativo, a partir do entrelaçamento dos


enunciados prescritivos gerais e abstratos postos na Constituição Federal de 1988, no
Código Tributário Nacional e no Código Civil (LGL\2002\400), imputar ao Estado o dever
jurídico de ressarcir os danos sofridos pelo contribuinte (ou responsável) em decorrência
da relação tributária no exercício da função fiscal? Em caso positivo, em quais situações
isso pode acontecer e quais são os critérios que conduzem a essa responsabilidade?

Desempenhada por meio da prática de atos administrativos que constituem normas


individuais e concretas dirigidas à cobrança de tributos – tais como: ato de lançamento
de ofício e “autolançamento tributário”, ato de lançamento e imposição de multa, ato de
inscrição do débito em dívida ativa e ato de ajuizamento da execução fiscal –, a função
fiscal pode provocar inúmeros danos ao contribuinte, já que a ação estatal, em tal caso,
toca diretamente os direitos fundamentais do cidadão, não apenas como consequência
da eleição dos fatos que o legislador constituinte apreende nas regras-matrizes de
incidência tributária, mas principalmente em razão do modo como a atividade tributante
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é exercida.

Esses danos podem ser graves e até irreversíveis em virtude da indisponibilidade de


recursos financeiros devido à realização de depósitos destinados a suspender a
exigibilidade do crédito tributário; do bloqueio de bens e penhora sobre o faturamento
da empresa; da inscrição no Cadastro Informativo de créditos não quitados (CADIN); do
indeferimento da certidão negativa de débito fiscal (CND) ou da certidão positiva com
efeitos negativos (CPD-EN), da limitação da alienação de bens etc.

Na Itália, há um entendimento jurisprudencial consolidado, que foi manifestado no


acórdão 722 proferido pelas Seções Unidas da Corte de Cassação em 15.10.1999, cujo
teor é compatível com o modelo jurídico brasileiro, sobretudo com os princípios e valores
albergados na CF/88 (LGL\1988\3), o que permitiu adotá-lo como paradigma para a
construção normativa doméstica sobre o mesmo tema.

A afinidade do Direito brasileiro com o Direito italiano resulta da existência de uma sólida
base romanística comum e da profunda difusão do modelo científico italiano na América
Latina, mormente no Brasil, dado os problemas que surgiram a partir das duas guerras
mundiais que ensejaram a emigração de muitos italianos em países latino-americanos,
inclusive de juristas que passaram a ensinar em Universidades, tal como Tullio Ascarelli,
que atuou como professor da Faculdade de Direito da USP na década de 1940,
contribuindo para a consolidação do Direito brasileiro, inclusive no setor tributário.
Dentre seus alunos é possível mencionar: Ruy Barbosa Nogueira e Rubens Gomes de
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Sousa.
2 Corte de Cassação, Seções Unidas, acórdão 722, de 15 de outubro de 1999.

O contribuinte ajuizou ação de ressarcimento de danos em face do Estado alegando que


a inscrição do débito em dívida ativa e a inclusão de seu nome no rol de devedores eram
ilegítimas, já que as informações contidas na declaração e nos documentos entregues ao
Fisco comprovavam que era titular de crédito e não débito de imposto de renda pessoa
física (IRPEF); e, que a penhora de bens em seu escritório por agentes da Administração
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Tributária configurava a lesão de direitos subjetivos.

Nesse processo, a Corte de Cassação declarou que as atividades da Administração


Pública, inclusive em âmbito tributário, devem ser desenvolvidas dentro dos limites não
apenas da lei, mas da norma primária neminem laedere (não causar dano a outrem),
sendo consentido à jurisdição ordinária verificar se houve qualquer conduta da
Administração Tributária que, em violação de tal norma, determinou a lesão de direitos
subjetivos do contribuinte.

A Suprema Corte afirmou que, devido aos princípios de legalidade, imparcialidade e boa
administração estabelecidos no art. 97 da Constituição italiana, a Administração
Tributária submete-se às consequências do art. 2.043 do CC, sendo a jurisdição
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ordinária competente para julgar a ação de ressarcimento de danos do contribuinte em


face do Estado.

Com o acórdão 722/99, a Corte de Cassação italiana afirmou expressamente que o


Estado, e não apenas o particular, se submete à norma geral neminem laedere, isto é,
ao dever de não causar dano a outrem, pois, ao estabelecer um parâmetro para atuação
da Administração Pública, inclusive em matéria fiscal, por meio de princípios como de
legalidade, imparcialidade e boa administração, conforme os arts. 23 e 97 da
Constituição italiana; de boa-fé, transparência, colaboração, razoabilidade,
proporcionalidade, adequação etc., segundo a Lei de Procedimentos Administrativos (Lei
241, de 07 de agosto de 1990) e o Estatuto dos Direitos do Contribuinte (Lei 212, de 27
de julho de 2000), o legislador pretendeu regular toda a atividade do Estado a fim de
evitar lesão à esfera jurídica do cidadão, de modo que a presença destes princípios no
ordenamento jurídico confirmam não apenas a positivação da norma geral neminem
laedere no Direito italiano, mas sobretudo a sua aplicação ao Estado no exercício de suas
atividades.

Em síntese, a previsão constitucional e infraconstitucional desses princípios criados para


regular o modus operandi da Administração Pública, os quais funcionam como limite
para a sua atuação, inclusive em âmbito tributário, revela que não é permitido ao Estado
lesar a esfera jurídica de outrem, pois se submete à norma neminem laedere,
aplicando-se as consequências estabelecidas no art. 2.043 do CC italiano em caso de
violação, o qual impõe o dever jurídico de ressarcimento do dano causado ao prescrever:
qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui
che ha commesso il fatto a risarcire il danno.

A norma neminem laedere consta do Digesto (Pandectas), que é uma das partes do
Corpus Juris Civilis, Código Justinianeu, do Imperador Justiniano, de 526 d.C. Trata-se
de uma das três normas descritas por Ulpiano: viver honestamente, não lesar ninguém e
dar a cada um o que lhe é devido – iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, neminem
laedere e suum cuique tribuere. Por seu conteúdo, é considerada atual e importante até
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os dias de hoje.

Na maior parte dos ordenamentos jurídicos, há sempre um preceito inspirado nessas


três normas de Direito descritas por Ulpiano, as quais fundamentam o dever de não
causar dano a outrem sob pena de por ele responder, dando a exata dimensão do
sentido da responsabilidade civil, que significa: a ninguém é permitido lesar outrem sem
a consequência da imposição de uma sanção correspondente ao ressarcimento dos
danos causados.

Tal como na Itália, também no Brasil foi positivada uma norma primária dispositiva que
prescreve “deve ser não causar dano a outrem” – neminem laedere –; e, tal norma se
aplica ao Estado no exercício da função pública, inclusive no setor fiscal, o que possibilita
utilizar um raciocínio semelhante ao da Corte de Cassação italiana para determinar a
responsabilidade do Estado por dano tributário no Brasil.
3 A positivação da norma neminem laedere no Direito brasileiro e sua aplicação ao
Estado

Para demonstrar que a norma neminem laedere (deve ser não causar dano a outrem)
exerce função normativa no ordenamento jurídico brasileiro, será efetuada uma breve
incursão no estudo da estrutura da norma jurídica e no raciocínio lógico proposto por
Hans Kelsen, que se baseia na noção de sanção, da qual decorrem o ilícito e o dever
jurídico.
3.1 Norma jurídica completa: norma primária e secundária

Conforme Paulo de Barros Carvalho, em sentido estrito, entende-se por norma jurídica a
composição articulada das significações que produz mensagens com sentido
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deôntico-jurídico completo, o que pressupõe uma proposição-antecedente (hipótese) –


descritiva de possível evento do mundo social na condição de suposto normativo – que
implica uma proposição-tese (consequente), de caráter relacional, que assume uma
feição dual, pois as proposições implicante e implicada são unidas por ato de vontade da
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autoridade que legisla.

Eurico Marcos Diniz de Santi propõe um modelo cognoscitivo, segundo o qual a norma
jurídica completa é composta por: norma primária dispositiva, norma primária
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sancionadora e norma secundária.

A norma primária dispositiva estabelece um dever a ser cumprido (não causar dano a
outrem) e a norma primária sancionadora descreve em seu antecedente um ilícito por
conectar a ele, em seu consequente, uma sanção, referindo-se ao descumprimento de
tal dever (se causar dano a outrem, deve ser o ressarcimento do dano causado).

A norma secundária prescreve a relação de direito formal (adjetivo ou processual)


permitindo a atuação do Estado-Juiz para a aplicação da providência sancionatória por
meio da prática de atos de coação, já que a norma primária é desprovida de eficácia
coercitiva.

Ao aplicar esse modelo cognoscitivo a este estudo, nota-se que a norma neminem
laedere (não causar dano a outrem) foi positivada no Direito brasileiro,
caracterizando-se como norma primária dispositiva.

Para chegar a tal conclusão, faz-se uma breve incursão nos ensinamentos de Hans
Kelsen, em Teoria Pura do Direito, em que considera juridicamente prescrita uma
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conduta pelo fato da ordem jurídica conectar à conduta oposta uma sanção.

Para o jurista e filósofo, o ilícito é ação ou omissão determinada pela ordem jurídica que
forma a condição ou o pressuposto dum ato de coerção imposto pela mesma ordem
jurídica, sendo a sanção o ato de coação estatuído como sua consequência, isto é, o
resultado do ilícito.

Afirma que não há outro critério de ilícito que não o fato de que um comportamento
específico é condição de uma sanção, por isso: o dever jurídico é a conduta que evita a
aplicação da sanção, isto é, a conduta inversa àquela prevista como antecedente da
regra sancionadora.

Logo, uma das formas de identificar que a ordem jurídica prescreveu uma conduta ou
que o sujeito está juridicamente obrigado a determinada conduta, é verificar se foi
estipulada uma sanção para a conduta oposta. Isso porque, ao impor uma sanção a
certa conduta, a conduta condicionante da sanção é a “conduta proibida” e a conduta
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oposta a “conduta prescrita”.

Parte-se da estrutura deôntica: “se o fato F (H), então deve ser que Sa está obrigado,
proibido ou permitido a praticar a conduta C (C) ante o sujeito Sp” . Preenchendo-a da
seguinte forma: “se Sa causar um dano a Sp (fato F), então deve ser o fato de Sa estar
obrigado a ressarcir o dano causado a Sp (C)”. Nesse caso, F é um ilícito por estar
conectado à sanção C que equivale à obrigação de ressarcir o dano causado; e, a
conduta oposta à F é automaticamente considerada um dever jurídico, o qual se
praticado evita a aplicação da sanção, podendo ser assim redigido: “deve ser não causar
dano a outrem”, isto é: neminem laedere.

Embora a interpretação realizada a partir do entrelaçamento de diversos artigos da


CF/88 (LGL\1988\3) permitisse imputar ao Estado a responsabilidade pelos danos
decorrentes da conduta de seus agentes no exercício das atividades administrativas, o
legislador optou por estampa-la no art. 37, § 6º que dispõe: “as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
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Responsabilidade do Estado por dano tributário

A partir do raciocínio de Kelsen, constata-se que o § 6º do art. 37 da CF (LGL\1988\3)


classifica-se como norma primária sancionadora por conectar o dever do Estado de
ressarcir danos, que é uma sanção, à hipótese do agente que atua em nome do Estado
causar danos ao administrado.

Se é dever jurídico prescrito pelo Direito a conduta oposta à prevista no antecedente da


norma primária sancionadora, então está subjacente no próprio § 6º do art. 37 da CF
(LGL\1988\3) a norma primária dispositiva “deve ser a obrigação do agente público de
não causar danos a outrem no exercício da função administrativa”, confirmando a
positivação da norma neminem laedere e a sua aplicação ao Estado no ordenamento
jurídico brasileiro.

Além do § 6º do art. 37 da CF (LGL\1988\3) conectar a conduta oposta (causar dano) a


uma sanção (ressarcimento do dano), que é suficiente para demonstrar que foi
reconhecido expressamente que não apenas o particular, mas também o Estado se
submete à norma neminem laedere, sendo-lhe vedado lesar a esfera jurídica de outrem,
no caput do artigo, o legislador estipulou princípios para regular o modus operandi da
Administração Pública que confirmam sua vontade de fixar um parâmetro para a atuação
administrativa exatamente para impedir a ocorrência de danos.

É possível afirmar que: no caput do art. 37, ao vincular a atuação administrativa aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,
prescreveu-se a norma primária dispositiva: “se o exercício da função administrativa,
então deve ser a proibição do agente, nessa qualidade, causar danos ao administrado”;
ao passo que, no § 6º do art. 37, está previsto a norma primária sancionadora, a qual
conecta o descumprimento de tal dever jurídico a uma sanção: “se no exercício da
função administrativa o agente, nessa qualidade, causar dano a outrem, então deve ser
que o Estado deve ressarcir o dano causado”.

Unidas à norma jurídica secundária que determina a atuação coativa do Estado-Juiz,


conforme disposto no art. 5º, inciso XXXV da CF (LGL\1988\3), formam a norma jurídica
completa.

Portanto, é possível aplicar, no Brasil, uma interpretação semelhante à efetuada pela


Corte de Cassação italiana em relação à responsabilidade do Estado, pois o dever de
ressarcir o dano decorrente do exercício da função administrativa também resulta da
existência de normas jurídicas que regulam o modus operandi da Administração Pública,
em âmbito constitucional e infraconstitucional, além do disposto expressamente no § 6º
do art. 37 da CF (LGL\1988\3).

Especificamente em relação à matéria tributária, tais conclusões se aplicam, já que a


Administração Tributária, que atua diretamente na execução de atividades de
arrecadação e fiscalização de tributos, isto é, no exercício da função fiscal, é parte
integrante da Administração Pública, caracterizando-se como um setor especializado,
conforme dispõem os incisos XVIII e XXII do art. 37 da CF (LGL\1988\3).

Ainda sobre a positivação da norma neminem laedere no Direito brasileiro, verifica-se


que a mesma pode ser deduzida a partir do entrelaçamento das normas constantes nos
arts. 1º, 5º e 170 da CF/88 (LGL\1988\3), nos objetivos fixados no art. 3º da CF/88
(LGL\1988\3) e nos valores perseguidos prescritos no Preâmbulo da Constituição, além
dos artigos 186, 187 e 927 do CC e do art. 37, § 6º da CF (LGL\1988\3).

Ao transportar a ideia para o cenário das relações tributárias, o agente que causou o
dano é um credenciado da Administração Tributária federal, estadual ou municipal; e, o
lesado é o contribuinte ou o responsável, nos termos do art. 121 do CTN (LGL\1966\26).

Contudo, há normas tributárias específicas que comprovam que também na relação


estabelecida entre Fisco e contribuinte (ou responsável) paira o dever de não causar
danos e, na sua ocorrência, o dever de ressarcimento.
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Responsabilidade do Estado por dano tributário

Isso porque, ao introduzir na Constituição Federal de 1988 uma seção para tratar das
“Limitações ao Poder de Tributar” (art. 150 a 152 da CF (LGL\1988\3)), o legislador
brasileiro demonstrou ter reconhecido o alto potencial destrutivo da imposição tributária
e a necessidade de estipular garantias constitucionais para a proteção do contribuinte, já
que os fatos tributáveis se atrelam a comportamentos que se conectam às liberdades
fundamentais, atingindo obrigatoriamente a propriedade e a liberdade, de modo que são
suscetíveis de causar lesão a direitos subjetivos do sujeito passivo da obrigação
tributária se exercidos fora dos parâmetros legais estabelecidos por meio de princípios e
regras que constituem o limite para o exercício da atividade fiscal.

Tais limitações abrangem o conjunto de princípios, como legalidade, anterioridade,


irretroatividade, igualdade, capacidade contributiva, não cumulatividade, proibição do
tributo com efeito confiscatório, que exprimem vedações constitucionais às entidades
tributantes com base na ideia de que “o poder de tributar implica o poder de destruir”.

Logo, além dos princípios do caput do art. 37 da CF (LGL\1988\3), que já seriam


suficientes para submeter a Administração Tributária aos efeitos da norma geral
neminem laedere, os princípios e regras específicos do setor tributário confirmam a
vontade do legislador de proteger o sujeito passivo da relação tributária dos possíveis
danos resultantes do exercício da função fiscal.

A conjugação desses princípios conduz logicamente à conclusão de que, no Direito


brasileiro, está presente a norma primária dispositiva: “se é o poder-dever do Estado de
tributar o cidadão, então deve ser a proibição do Estado de causar-lhe danos”; e,
consequentemente, da norma primária sancionadora: “se o Estado causar dano ao
cidadão no exercício do poder-dever de tributar, então deve ser a obrigação do Estado
de ressarcir o dano causado”; além da norma secundária que determina a ação coativa
do Estado-Juiz impondo a execução forçada de bens.

A atuação da Administração Tributária em conformidade com tais normas é direito


subjetivo do sujeito passivo da relação tributária. Por isso, se o contribuinte sofrer danos
devido ao exercício da função fiscal, é possível que se verifique a lesão de duas
categorias de direitos subjetivos: i) regras e princípios tributários de cumprimento
obrigatório pelo Fisco para realizar atos voltados à imposição do tributo; e, ii) dos
direitos à propriedade e à liberdade.
4 Responsabilidade civil objetiva do Estado

Algum tempo atrás, o sistema brasileiro de responsabilidade civil era mais simples do
que é atualmente, já que se resumia na cláusula geral do art. 159 do CC/16
(LGL\1916\1) que prescrevia a responsabilidade civil subjetiva, que exigia a
comprovação da culpa (lato sensu) do sujeito que praticou a conduta causadora do
dano, sendo raros os casos de responsabilidade objetiva.

Para a teoria subjetiva, são pressupostos da responsabilidade civil: i) dano, ii) culpa lato
sensu e contrariedade ao Direito e iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Chega-se a essa conclusão por meio da interpretação dos arts. 186, 187 e 927 do CC.

Entretanto, pouco a pouco, a culpa (lato sensu) deixou de ter a mesma importância, pois
tornou-se insuficiente, perdendo cada vez mais espaço na responsabilidade civil,
sobretudo porque a responsabilidade objetiva passou a ser considerada uma exigência
social e de justiça.

A teoria objetiva da responsabilidade civil, cujos pressupostos essenciais são o dano e o


nexo de causalidade, passou a ser aplicada no Direito brasileiro em relação ao Estado
com a Constituição de 1946, sendo preservada pela Constituição de 1988, que dispôs no
art. 37, § 6º: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos
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Responsabilidade do Estado por dano tributário

de dolo ou culpa”.

Dois fundamentos costumam ser apontados como justificativa para a aplicação da


responsabilidade objetiva ao Estado: i) o risco de a Administração Pública causar danos
com as atividades em favor do interesse público, que impõe o dever de repará-los caso
se concretizem; e, ii) a necessidade de repartir os encargos públicos de modo igual, pois
além dos benefícios da atuação estatal, os danos sofridos por uns ou alguns membros da
sociedade devem ser repartidos por todos. Trata-se do princípio da justiça distributiva,
segundo o qual os ônus da produção de uma utilidade coletiva devem ser
proporcionalmente distribuídos, não podendo gravar apenas um ou alguns dos membros
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da sociedade.

Dessa forma, o dano tornou-se o pressuposto fundamental elegido pelo Direito para
deflagrar a responsabilidade civil em grande parte das situações, conforme dispõe o
parágrafo único do art. 927 do CC que impõe a responsabilidade objetiva nas hipóteses
estipuladas em lei, como se dá com a responsabilidade do Estado disciplinada no art. 37,
§ 6º da CF (LGL\1988\3), e se a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar
riscos para os direitos de outrem.

Em tais casos, dispensa-se a averiguação da subjetividade do sujeito que praticou a


conduta causadora do dano, isto é, se agiu com culpa lato sensu, elevando-se o risco à
condição de fato gerador da obrigação de indenizar. Logo, retira-se o foco da
responsabilidade da conduta ilícita para transferi-la à reparação dos sofrimentos da
vítima dada a preocupação sempre maior com a preservação da essência da dignidade
da pessoa humana e dos demais princípios e valores correlatos em detrimento das
variadas práticas que expõem os cidadãos ao risco de dano.
4.1 Dano

O pressuposto essencial da responsabilidade do Estado é a existência de dano como


resultado da conduta de um terceiro, isto é, de pessoa diversa da lesada, de modo que o
substrato mínimo da relação de responsabilidade é a presença da ação causadora
(conduta lícita ou ilícita) e do resultado danoso (ilícito) vinculados por um nexo de
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causalidade.

Retomando o estudo da estrutura da norma jurídica, o resultado danoso corresponde à


hipótese (H) da norma primária sancionadora – “se causar dano a outrem” – que, por si
só, é considerada um ilícito devido ao fato de estar conectada a uma sanção como
consequência (C) – “então deve ser a obrigação do agente causador de ressarcir o
dano”.

Logo, para fins de responsabilidade civil, dano é o resultado ilícito estabelecido na


hipótese da norma primária sancionadora por violar o dever jurídico “não causar dano a
outrem” disposto na norma primária dispositiva, vale dizer, a norma neminem laedere.

Esse resultado danoso decorre de uma conduta que, na maioria das vezes, é ilícita dado
o descumprimento de um dever jurídico preexistente, mas não necessariamente, pois
pode resultar também da conduta lícita, caso em que a ilicitude que enseja a
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responsabilidade está no próprio dano e não na conduta.

Desse modo, a ilicitude do resultado danoso independe da ilicitude da conduta, pois


decorre do descumprimento da norma primária dispositiva que prescreve o dever
jurídico “não causar dano a outrem”, cuja consequência, estabelecida na norma primária
sancionadora, é o ressarcimento do dano; e, a ilicitude da ação causadora do dano, isto
é, da conduta, resulta do descumprimento de outra norma jurídica qualquer, ou seja, de
um dever jurídico preexistente.

A esse respeito, Fernando Dias Menezes de Almeida afirma: “o dano já traz implícito o
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significado de resultado ilícito”.

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Responsabilidade do Estado por dano tributário

No âmbito do Direito, o termo dano não possui a mesma extensão utilizada no senso
comum. Na vida cotidiana, várias situações são experimentadas pelos indivíduos como
danosas, contudo, nem todas se amoldam na noção jurídica de dano.

A noção jurídica de dano possui um sentido mais restrito que abarca exclusivamente o
prejuízo relevante e tutelável pelo Direito, ou seja, o dano qualificado pela
antijuridicidade – o dano ilícito – denominado “dano injusto” pelo legislador italiano por
considerar que nem todo prejuízo em sentido econômico pode ser considerado um
prejuízo em sentido jurídico.

Embora seja um fenômeno unitário, o dano possui dois aspectos que se referem aos dois
momentos de sua ocorrência: i) dano-evento: que corresponde à lesão de direitos
subjetivos ou interesses jurídicos relevantes, a exemplo da lesão de direitos invioláveis
da pessoa humana, tais como honra, imagem, propriedade e liberdade em razão da
penhora de bens e equipamentos de trabalho no escritório do contribuinte na presença
de clientes e funcionários por cobrança de tributo declarado indevido; e, ii)
dano-consequência: que corresponde ao prejuízo econômico efetivamente suportado,
que servirá como referência para a quantificação do ressarcimento.

Portanto, o dano passível de ressarcimento, isto é, objeto de responsabilidade civil, é o


dano em sentido jurídico, especificamente o “dano-evento” que se traduz na lesão de
direitos subjetivos, qualificados pela contrariedade ao Direito, que é o aspecto objetivo
da ilicitude, mas suficiente para determiná-la, já que a voluntariedade (dolo ou culpa),
que se refere ao aspecto subjetivo, se relaciona à conduta que levou ao resultado e não
ao próprio resultado.

Noutros termos, segundo o art. 186 do CC, a contrariedade ao Direito, isoladamente,


não é suficiente para qualificar a conduta como ilícita, sendo apenas seu elemento
objetivo, pois é necessário o elemento subjetivo, ou seja, a culpa lato sensu; mas, é o
bastante para determinar a ilicitude do dano, pois não há dolo ou culpa no resultado
senão na conduta que o produziu.
4.2 Conduta (ilícita ou lícita)

Conduta é o comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo) que


produz dano por uma relação de causalidade. Para o Direito, trata-se duma ação ou
omissão impulsionada pela psique ou, como se convencionou dizer, da ação ou omissão
voluntária, que se refere à participação decisiva do ser humano na ocorrência do evento.
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Os atos comissivos revelam-se por uma ação, ou seja, por um movimento corpóreo ou
comportamento positivo, constituindo a forma mais comum de exteriorização da
conduta, já que todos estão obrigados a deixar de praticar atos que possam causar lesão
à esfera jurídica de terceiros, segundo prescreve o princípio neminem laedere.

No exercício da função fiscal, o agente público realiza diversas condutas comissivas


capazes de produzir danos ao contribuinte por uma relação de causalidade. A primeira
delas diz respeito à constituição do crédito tributário pelo ato de lançamento, cuja
realização é obrigatória e vinculada sempre que for praticado o fato gerador que se
enquadra na previsão legal.

O lançamento tributário pode ensejar a prática de outros atos que caracterizam uma
ameaça concreta ao patrimônio do contribuinte, como: a inscrição do débito em dívida
ativa, o indeferimento de certidões negativas de débito fiscal, a inscrição de seu nome
no CADIN, a indisponibilidade de bens e direitos, o ajuizamento da execução fiscal, a
penhora de bens etc. Esses atos impedem a participação do contribuinte em
procedimentos licitatórios, o acesso ao crédito junto às instituições financeiras e a
prática de atos importantes para o desenvolvimento da atividade empresarial, podendo
gerar gastos, danos à imagem e o encerramento da empresa.
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Responsabilidade do Estado por dano tributário

Os atos omissivos constituem um non facere relevante para o Direito por atingir um bem
juridicamente tutelado. Ensejará a responsabilidade do Estado se houver violação do
dever do agente público de intervir em determinada situação para evitar o dano. Sua
essência está em não se ter agido num determinado modo quando a ação era
necessária. Portanto, requer a efetiva potencialidade de agir associada ao dever jurídico
de fazê-lo, tal como deixar de anular um ato visivelmente contrário à lei, restaurando a
16
legalidade violada e impedindo que o contribuinte sofra prejuízos.

A dificuldade refere-se à possibilidade de agir do agente público, razão pela qual a


responsabilidade do Estado por condutas omissivas somente pode ser analisada diante
do caso concreto. Tem que se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração
Pública e que seja possível. Constitui uma forma de aplicação do princípio da
17
razoabilidade.
4.3 Nexo de causalidade

Como regra geral, na responsabilidade objetiva, é suficiente a presença do nexo de


causalidade entre o dano e a conduta, eliminando a perquirição do elemento psíquico e
volitivo do agente causador do dano, visto que basta a identificação do vínculo etiológico
que se constata na atividade do Estado como causa e no dano sofrido pelo particular
18
como consequência.

Apenas haverá responsabilidade estatal quando o autor da ação de ressarcimento de


danos (sujeito passivo da relação tributária) provar que a conduta do agente público foi
a causa eficiente do dano, pois, necessariamente, o prejuízo de que se queixa deve ser
consequência da ação ou omissão administrativa.

Há várias teorias que buscam explicar o nexo causal, sendo as mais utilizadas pela
jurisprudência brasileira a teoria da causalidade adequada bem como a teoria dos danos
diretos e imediatos, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.

A primeira teoria parte de juízos hipotéticos para determinar qual a causa adequada para
a produção do dano. Diante da pluralidade de causas que podem concorrer para o
resultado danoso, será considerada causa efetiva aquela que, por um juízo abstrato de
probabilidade, se mostrar hábil a produzi-lo segundo os dados de experiência e o curso
normal de acontecimentos, sendo esse o critério aplicado para a aferição da adequação
da causa.

Trata-se da teoria adotada, na Itália, pela Corte de Cassação, que aplica um critério de
probabilidade científica baseado na regra “mais provável que não” – più probabile che
non, de acordo com a qual não é a certeza dos efeitos da conduta, mas a sua
19
probabilidade, ou seja, a idoneidade da conduta a produzir determinado prejuízo.

Tem assumido maior relevância no Brasil, a teoria dos danos diretos e imediatos, que
possibilita pleitear o ressarcimento apenas em face dos prejuízos efetivos e lucros
cessantes por efeito direto e imediato da inexecução do devedor por se defender que
nem todo fator que desemboca no evento danoso é necessariamente causa do dano, de
modo que deve ser traçado um liame lógico-jurídico para tal verificação. Noutros termos,
uma condição próxima ou remota será considerada causa do dano se estiver diretamente
ligada a ele. É causa necessária desse dano, já que a ele se filia, inevitavelmente; é
2021
causa exclusiva, porque opera por si, dispensadas outras causas.

É importante ressaltar que, no Brasil, a doutrina reconheceu que a solução dada pela
jurisprudência ao estabelecimento do nexo causal é tópica, varia não só de tribunal para
tribunal, mas de caso a caso, o que serve como estímulo para aqueles que buscam uma
solução única.
5 Hipóteses de aplicação da responsabilidade do Estado por dano tributário

Nos próximos parágrafos, serão analisadas três hipóteses padrão, que se relacionam à
Página 9
Responsabilidade do Estado por dano tributário

responsabilidade do Estado por dano tributário no que se refere ao exercício da função


fiscal, que trata da fiscalização, constituição, inscrição e cobrança do crédito tributário,
verificando se há, ou não, em cada uma delas o dever jurídico do Estado de ressarcir o
dano sofrido pelo sujeito passivo da relação tributária: i) conduta lícita com resultado
danoso lícito; ii) conduta lícita com resultado danoso ilícito; e, iii) conduta ilícita com
22
resultado danoso ilícito.

O propósito da análise dessas hipóteses é justamente definir um critério jurídico que seja
determinante da responsabilidade do Estado por dano tributário, o qual servirá como
padrão a ser aplicado em cada caso concreto, já que é impossível analisar todas as
situações que podem ser experimentadas pelo contribuinte (ou responsável) em seu dia
a dia.
5.1 Primeira hipótese: conduta lícita com resultado danoso lícito

Considerando as normas do Direito brasileiro, particularmente o parágrafo único do art.


927 do CC e o § 6º do art. 37 da CF (LGL\1988\3), é incorreto afirmar que a “conduta
lícita danosa” não é passível de ressarcimento porque o agente público atuou em
conformidade com a lei, ou seja, porque os atos praticados são legítimos, não existe o
dever de ressarcir o prejuízo.

Isso porque, para que não haja dever do Estado de ressarcir o dano, não basta que a
conduta causadora do dano seja reputada lícita, é necessário que o dano seja
igualmente lícito, isto é, que se justifique pelas normas da ordem jurídica, de modo que
não caracterize a lesão de direitos subjetivos. Dessa forma, admite-se a existência de
condutas lícitas danosas que impõem o ressarcimento do dano causado nos casos em
que o referido dano é considerado ilícito.

Há casos em que a conduta lícita do agente público não determina o dever jurídico de
ressarcimento. Isso acontece em duas situações: i) a conduta não gerou consequência
danosa, ou seja, não houve dano; ou, ii) o dano não pode ser incluído no âmbito da
antijuridicidade, que é o aspecto objetivo do ilícito, justificando-se por se tratar do
cumprimento de um dever jurídico imposto ao sujeito.

Portanto, em relação às condutas lícitas, há três possibilidades: i) conduta lícita sem


resultado danoso, a qual não enseja a responsabilidade do Estado em razão da ausência
de dano; ii) conduta lícita danosa que não gera ressarcimento, isto é, responsabilidade
do Estado, pois o dano se justifica, é lícito, devido à necessidade do cumprimento de um
dever jurídico que a lei impõe ao lesado; e, iii) conduta lícita danosa, em relação a qual
há responsabilidade do Estado, já que o dano consiste na lesão de direitos subjetivos do
sujeito passivo da obrigação tributária, sem que exista uma norma jurídica capaz de
justificá-lo. Em outras palavras, devido à presença do ilícito no dano.

A primeira hipótese relacionada à responsabilidade do Estado por dano tributário é:


“conduta lícita com resultado danoso lícito”. Apesar do não existir responsabilidade
estatal, a hipótese será examinada por questões metodológicas, por facilitar a
compreensão dos casos em que o dano é ilícito, ensejando a responsabilidade estatal.

É lícito ao Fisco constituir o crédito tributário por meio do lançamento sempre que o
contribuinte praticar o fato gerador do tributo. É igualmente lícito perseguir o pagamento
não efetuado no prazo legal, aplicando medidas autorizadas em lei dadas as
prerrogativas conferidas à Administração Pública voltadas a atender o interesse público,
tais como: emissão de certidão de dívida ativa, indeferimento da certidão negativa de
débito fiscal ou da certidão positiva com efeitos de negativa, ajuizamento da execução
fiscal, penhora de bens e faturamento da empresa, penhora on-line, restrição à
alienação de bens, inscrição no CADIN etc.

Trata-se duma consequência lógica por força da imputação deôntica, de modo que: “se o
sujeito passivo da relação tributária (Sp) deixar de pagar o tributo devido no prazo legal,
Página 10
Responsabilidade do Estado por dano tributário

então deve ser a obrigação do Estado (Sa) de aplicar a penalidade a (Sp), impondo
deveres de fazer ou não-fazer sob o mesmo pretexto”, o que se refere à norma primária
sancionadora, além da norma secundária, que prescreve a atuação do Poder Judiciário,
mediante o ajuizamento de ação de execução fiscal, para que, por meio de atos
coativos, atue sobre o patrimônio do devedor com a execução forçada de bens.

Os danos que resultam de tais práticas são igualmente lícitos e se justificam nessa
situação, já que cada membro da sociedade está obrigado por lei a contribuir para o
custeio das despesas públicas e para a melhor distribuição da riqueza.

O primeiro critério de aferição da responsabilidade do Estado por dano tributário é: não


há responsabilidade do Estado quando a conduta é praticada pelo agente público, em
nome da Administração Tributária, conforme os parâmetros da lei – sendo, portanto,
lícita – e o dano suportado pelo contribuinte, dela resultante, justificar-se pela
necessidade do cumprimento dum dever jurídico, igualmente imposto pela lei, o qual não
foi efetuado espontaneamente dentro do prazo legal, bem como se não foram adotadas
as medidas destinadas a suspender a exigibilidade do crédito tributário, segundo o art.
151 do CTN (LGL\1966\26). Logo, aplica-se a norma primária sancionadora e a norma
secundária dado o descumprimento do dever descrito na norma primária dispositiva, de
modo que o dano não revela a lesão de direitos subjetivos do contribuinte.
5.2 Segunda hipótese: conduta lícita com resultado danoso ilícito

Para que haja o dever de ressarcir o dano que é consequência de uma conduta lícita, o
elemento “ilícito” deve forçosamente estar presente no resultado danoso. Aliás,
conforme já afirmado, não se trata do dano a partir da ótica do sujeito, mas do Direito,
em sentido jurídico, que corresponde à lesão de direitos subjetivos do sujeito passivo da
relação tributária.

A análise desta hipótese torna-se interessante devido à existência de um conflito de


interesses entre a licitude do agir administrativo, ou seja, o interesse público em adotar
medidas previstas em lei destinadas ao cumprimento da obrigação tributária, que
constitui um dever do agente público se ocorrer o fato gerador, de um lado –; e, o
exercício de direitos fundamentais à propriedade e à liberdade, inclusive à livre iniciativa,
por parte do contribuinte, no sentido de que tais direitos não podem ser sacrificados
além da ação legítima do Fisco, de outro lado.

Conforme dispõe o art. 186 do CC, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a
conduta ilícita é formada por um elemento objetivo que se revela pela contrariedade ao
Direito (antijuridicidade) e por um elemento subjetivo que é identificado na culpa lato
sensu. Portanto, será lícita a conduta praticada em consonância com o Direito e sem o
descumprimento do dever de diligência característico das condutas culposas, vale dizer,
sem dolo ou culpa.

Ressalte-se a existência de uma presunção (iuris tantum) posta pelo Direito de que todo
o processo de realização do ato administrativo se deu nos moldes das normas jurídicas
que o regulam até que se prove e se constitua o contrário, pois se trabalha com o
controle de validade dos atos a posteriori, o que contribui para o caráter lícito da
conduta do agente, já que permite a adoção das medidas de constrição do patrimônio do
contribuinte para a satisfação do crédito tributário, o que pode gerar consequências
23
extremamente gravosas e até irreversíveis.

A título de exemplo: diante da inexistência de interpretação consolidada do STF ou do


STJ (em repercussão geral e recursos repetitivos que seja favorável ao contribuinte)
sobre a aplicação da lei tributária para um caso específico ou na presença de conflito
jurisprudencial a respeito do tema (que é inerente à complexidade da legislação
tributária), não pode ser reputada ilícita a conduta do agente público de realizar o
lançamento tributário ou o auto de infração por entender que, por exemplo, determinada
situação configura prestação de serviço, em que incide o imposto sobre serviço (ISS) e
Página 11
Responsabilidade do Estado por dano tributário

não mera locação de bens móveis, deixando de aplicar a Súmula Vinculante 31, tal como
no caso em que há locação de escavadeira com o respectivo operador.

Devido à complexidade das normas tributárias e à imprecisão sobre a interpretação


adequada para aplicá-la no caso concreto, não é possível afirmar a culpa lato sensu do
agente público na prática dos referidos atos tributários, o que exclui o caráter ilícito da
conduta.

Além disso, dada a presunção de legitimidade, que torna o ato válido e eficaz, não é
possível falar em contrariedade ao Direito até que se prove o contrário, de modo que o
Fisco poderá buscar a satisfação do crédito tributário com a inscrição do débito em dívida
ativa e o ajuizamento da execução fiscal, isto é, com a prática de atos voltados à
constrição do patrimônio do devedor, como penhoras e bloqueios de bens, inscrição do
nome no CADIN e indeferimento de certidões negativas de débito.

Entretanto, se o lançamento tributário ou o auto de infração forem declarados nulos ao


final do processo administrativo ou judicial, reconhecendo-se que o fato jurídico
praticado pelo contribuinte não condiz com a hipótese de incidência do ISS, pois se trata
de mera locação de bem móvel, verificar-se-á que o ato, originalmente, era ilegítimo,
isto é, contrário ao Direito, embora a conduta pudesse ser considerada lícita pelas razões
anteriormente expostas.

Na medida em que o crédito tributário é desconstituído pela Administração Pública ou


pelo Poder Judiciário com a declaração da existência de vício no ato de lançamento que
gera sua anulação, é possível afirmar a inexistência de causa suficiente e relevante
capaz de justificar o peso de suportar danos resultantes da prática de atos que incidem
de modo tão autoritário na esfera jurídica de seu destinatário, implicando a privação do
direito de gozar de seus bens.

Isso porque a aplicação do consequente da norma primária sancionadora que impõe


deveres ao sujeito passivo da obrigação tributária como sanção em virtude do
descumprimento da obrigação (penalidades pecuniárias ou multas fiscais), além da
norma secundária com atos de execução forçada, isto é, a ativação dos instrumentos
legais destinados à satisfação do crédito tributário, apenas pode ocorrer legitimamente
se houver o efetivo descumprimento do disposto na norma primária dispositiva, ou seja:
se a dívida em relação à qual o contribuinte figura como inadimplente realmente existir.
Caso contrário, há o dever do Estado de ressarcir o dano causado dado o seu caráter
ilícito, visto que caracteriza a lesão de direitos subjetivos do contribuinte.

Existe o dever jurídico do Estado de ressarcir o dano suportado pelo contribuinte


recompondo sua situação ao status quo ante se for aplicada a sanção estipulada no
consequente da norma primária sancionadora sem a ocorrência de seu pressuposto, sem
o descumprimento do dever jurídico prescrito na norma primária dispositiva.

Se inexiste dever jurídico de pagar tributo, o dano é ilícito, ou seja, lesivo a direitos
subjetivos, pois a ablação do patrimônio do cidadão e a execução forçada de bens, que
resulta da relativização de direitos fundamentais imposta pela lei, é permitida apenas se
houver o dever jurídico de pagar o tributo e o respectivo descumprimento, caso contrário
há nítida violação de direitos. Logo, a ausência da dívida caracteriza a ilicitude do dano,
ensejando a responsabilidade do Estado, apesar da conduta do agente público ser
considerada lícita.

Haverá resultado danoso “ilícito” como consequência da conduta lícita sempre que as
medidas estabelecidas em lei que se dirigem à satisfação do crédito tributário forem
aplicadas pelo Fisco em acordo com as normas jurídicas e sem culpa lato sensu do
agente público, porém sem a presença do dever jurídico de pagar o tributo (ou
penalidade)

Há outro aspecto a destacar: a presença de um vício no lançamento tributário enseja a


Página 12
Responsabilidade do Estado por dano tributário

sua anulação, que produz efeitos retroativos à data em que o ato foi emitido, ou seja, ex
tunc. Significa dizer, utilizando as palavras de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:
“anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado em que se achavam, e, não sendo
possível restituí-las, serão indenizadas pelo equivalente”, que corresponde à redação do
24
art. 182 do CC com a substituição da palavra ato por negócio jurídico.

Não é diversa a posição de Hely Lopes Meirelles, para quem os efeitos da anulação dos
atos administrativos retroagem à sua origem, invalidando as consequências passadas,
presentes e futuras do ato anulado, de modo que o pronunciamento de invalidade opera
ex tunc, desfazendo todos os vínculos entre as partes e obrigando-as à reposição das
coisas ao status quo ante, como uma consequência natural e lógica da decisão
25
anulatória.

Portanto, além das considerações acima efetuadas, diante da anulação do ato ilegal, não
basta a repetição do indébito, é necessário recompor a situação tal como era antes,
como se o ato não tivesse sido praticado, já que a responsabilidade do Estado é um
desdobramento da legalidade que atesta a postura de proteção do legislador no que se
refere às previsões contidas na lei e à segurança nas relações jurídicas, tendo em vista a
sua capacidade de reverter a situação e de recompô-la ao estado em que as coisas se
encontravam antes da ocorrência da violação.

Tal situação identifica perfeitamente um dos fundamentos que levou o legislador


brasileiro a aplicar a teoria objetiva à responsabilidade do Estado, qual seja, o risco
inerente às atividades administrativas, no que também inclui a função fiscal, já que,
exercidas em proveito de todos, podem causar danos somente a alguns, os quais devem
ser repartidos entre todos os membros da sociedade, de modo igual, por meio do
ressarcimento pelo Estado.

É possível imaginar outra situação em que a hipótese “conduta lícita com resultado
danoso ilícito” pode ocorrer, mas, nesse caso, o tributo é efetivamente devido pelo
contribuinte, tendo inclusive transcorrido in albis o prazo para o adimplemento. Em
outros termos: a conduta é legítima e não é possível afirmar a culpa lato sensu do
agente público, já que os atos praticados estão sob o amparo da lei e o contribuinte
motivou a ativação dos instrumentos para a satisfação do crédito tributário, pois figura
verdadeiramente como inadimplente.

Entretanto, o dano pode ser ilícito e, portanto, passível de ressarcimento pelo Estado em
virtude da lesão à proporcionalidade devido aos efeitos excessivamente gravosos
resultantes das medidas adotadas pelo agente público destinadas à satisfação do crédito
tributário.

Danos que resultam de conduta praticada sob a escora de uma norma jurídica, mas que
poderiam ser evitados, por isso caracterizam a lesão de direitos subjetivos à
propriedade, à liberdade e à livre iniciativa; bem como, ao direito à eficiência (boa
administração) no exercício da função pública, que é um dever da Administração Pública
de caráter vinculante.

A título de exemplo: vigora o preceito de que a execução fiscal é feita no interesse do


credor, sendo-lhe lícito recusar os bens oferecidos à penhora em desacordo com a ordem
do art. 11 da Lei 6.830/90 e art. 835 do CPC/15 (LGL\2015\1656), quando considerados
de difícil alienação.

No entanto, defende-se neste artigo que esse preceito deve ser sopesado com outro
igualmente presente no ordenamento jurídico brasileiro, o qual estabelece que a
execução deve ser procedida da forma menos gravosa para o devedor a fim de alcançar
a finalidade do processo de execução, qual seja: a satisfação do crédito com o menor
sacrifício do devedor, o que atende, inclusive, ao princípio da eficiência expressamente
previsto na Constituição Federal de 1988.

Página 13
Responsabilidade do Estado por dano tributário

Se existe, no Direito brasileiro, uma disciplina de preservação da esfera jurídica do


contribuinte que prescreve a realização do fenômeno tributário em acordo com os
princípios jurídicos que disciplinam Limitações ao Poder de Tributar, além daqueles que
regulam a ação administrativa como eficiência (boa administração), boa-fé,
razoabilidade, proporcionalidade etc., é porque há uma preocupação com a possibilidade
de que a potencialidade lesiva inerente a tais atos cause lesão à direitos e interesses do
contribuinte (ou responsável), sacrificando-os além do limite aceitável pelo próprio
ordenamento jurídico.

Logo, foge da lógica pensar que, ao chegar na fase executiva, apenas a perseguição “a
qualquer custo” dos interesses do credor será relevante, deixando de ser necessário
preservar os direitos do devedor com a escolha dum caminho que lhe oferece menor
sacrifício, o qual, ao mesmo tempo, é capaz de satisfazer os interesses do Estado.

Pode não existir um direito subjetivo do contribuinte à aceitação do bem nomeado à


penhora pela Fazenda Pública em Execução Fiscal em desacordo com a ordem do art. 11
da Lei 6.830/90 e art. 835 do CPC/15 (LGL\2015\1656), mas há direito subjetivo no que
se refere à atuação eficiente da Administração Pública. O dever de eficiência corresponde
ao dever de boa administração do Direito italiano, que foi consagrado no Direito
brasileiro pela Reforma Administrativa Federal do Dec-lei 200/1967 e posteriormente
inserido no caput do art. 37 da CF (LGL\1988\3) pela EC 19/1998 com o nome
“eficiência”.

No Direito italiano, conforme as lições de Guido Falzone, boa administração significa


desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais
adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de
2627
utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto”.

Segundo a tradução ofertada por Celso Antonio Bandeira de Mello: “a norma só quer a
solução excelente”, que certamente não é a satisfação do crédito tributário com a ruína
do devedor, mas com o menor sacrifício. Desse modo, se houver meios que sejam
menos gravosos ao devedor e, ao mesmo tempo, eficazes para a satisfação do crédito
da Administração Pública, é essa a solução excelente, em acordo com a eficiência, isto é,
28
a boa administração.

O princípio da eficiência (boa administração) deve ser aplicado pela Administração


Pública em todos os níveis de atuação. Remete à ideia de proporcionalidade das técnicas
definidas, como também do exercício das competências, isto é, da adequação dos meios
aos fins e a proibição do excesso, contrapondo-se ao descaso, à negligência e à omissão.

Nesse sentido, a Fazenda Pública não está obrigada a aceitar o bem oferecido pelo
contribuinte em substituição, sendo essa conduta lícita, mas essa decisão não pode ser
arbitrária, isto é, desprovida de uma justificativa plausível. É necessário adotá-la com
prudência e atenção aos princípios de razoabilidade, de proporcionalidade e aos demais
princípios que regulam o modus operandi da ação administrativa sob pena da atuação
ineficiente caracterizar a ilicitude do dano, tornando-o passível de ressarcimento.

Transgride a proporcionalidade e, de consequência, a eficiência, a pratica de atos como


penhoras sobre o maquinário da empresa (necessário para o desempenho de atividades
empresariais) e do imóvel em que estão instaladas as atividades industriais, se houver
outros meios eficazes para a garantia do juízo que não impedem o exercício da atividade
econômica do devedor, a qual lhe possibilita auferir recursos para o pagamento da
própria dívida tributária. Isso porque o poder de tributar, cujas limitações se encontram
no texto constitucional, não pode chegar à desmedida do poder de destruir, inclusive no
que tange à execução fiscal, arruinando o devedor para satisfazer os interesses do
credor quando existiam soluções mais moderadas e igualmente eficazes para ambas as
partes.

Logo, em tal caso, o dano suportado pelo devedor é ilícito, sobretudo em razão da lesão
Página 14
Responsabilidade do Estado por dano tributário

do direito à eficiência (boa administração) nas atividades administrativas, pois a Fazenda


Pública poderia ter evitado o prejuízo, mas não o fez, gerando a lesão ao direito à
propriedade, à liberdade e, em certos casos, à livre iniciativa, que se manifesta por meio
de danos emergentes e lucros cessantes.

Para que seja possível considerar ilícito o dano em virtude da falta de eficiência na
realização de atos voltados à satisfação do crédito tributário, é necessário que haja
outros meios eficazes para garantir a dívida e que isso seja de conhecimento da Fazenda
Pública, de maneira que a escolha de um determinado bem, embora legítima, pois
amparada por uma norma jurídica, pode ser desproporcional devido aos efeitos gravosos
que poderiam ser evitados com a adoção de uma solução mais moderada.

É necessário que a Fazenda Pública, ao selecionar os bens penhoráveis, não pense só


nos interesses do próprio credor, mas analise com cuidado o grau de incisão da decisão
sobre a esfera jurídica do contribuinte, respeitando também os interesses do último, ou
seja, dando o justo peso aos interesses de ambas as partes.

No conceito de eficiência (boa administração), se inclui a obrigação de sacrificar o


mínimo possível para preservar ao máximo os direitos do administrado, de maneira que
o Estado deve ser responsabilizado por toda e qualquer quebra nuclear de
proporcionalidade.
5.3 Terceira hipótese: conduta ilícita com resultado danoso ilícito

Ilícita é a conduta contrária ao Direito, isto é, resultante dum ato ilegítimo praticado pelo
agente público no exercício da função fiscal, ao qual se acresce a culpa lato sensu, que
se caracteriza pela ação voluntária (dolo) ou pelo descumprimento do dever de
diligência, que se vislumbra na negligência, imprudência ou imperícia, e na violação dos
princípios que regulam o modus operandi da Administração Tributária, cujo papel
também é conferir os delineamentos do que se deve considerar como atuação correta e
diligente sob a ótica do legislador.

Já a ilicitude do resultado danoso verifica-se apenas com a contrariedade ao Direito que


se traduz na lesão de um direito subjetivo ou de um interesse juridicamente relevante,
pois a culpa lato sensu não está no resultado senão na conduta que o produziu.

Na hipótese resultado danoso ilícito como consequência de conduta ilícita, há dois ilícitos
a serem analisados: o primeiro se encontra na conduta e o segundo, no dano. A ilicitude
da conduta refere-se ao descumprimento dum dever preexistente, tal como a violação
da norma jurídica que impõe a suspensão da exigibilidade do crédito tributário se
efetuado o depósito do valor do montante integral, nos termos do inciso II do art. 151
do CTN (LGL\1966\26), ao promover a execução fiscal para cobrar crédito tributário cuja
exigibilidade estava suspensa. Ou seja: a ilicitude da conduta não se refere à produção
do dano propriamente dita, o qual surgirá somente como uma eventual consequência.

A conduta ilícita poderá ser fato gerador do dano que irá ensejar a responsabilidade, pois
a ilicitude da conduta macula o dano, tornando-o automaticamente ilícito. Noutros
termos, não é possível que um dano resultante de uma conduta ilícita seja um dano
lícito. Pelo contrário, configurará sempre uma lesão a direitos subjetivos, sendo,
portanto, igualmente ilícito.

Nesse caso, o critério de aferição da responsabilidade do Estado é: há infração dum


dever preexistente pelo agente público de forma intencional (dolo) ou mediante
negligência ou imprudência (culpa), ou seja, descumprindo o dever de diligência que
viola uma norma jurídica produzindo dano que decorre da lesão de outra norma jurídica,
isto é, a norma neminem laedere.

A título de exemplo: a inscrição do nome no CADIN apesar do regular pagamento das


parcelas do débito incluído no REFIS, restringindo o acesso ao crédito junto às
instituições financeiras e o suprimento de matéria prima pelos fornecedores que impede
Página 15
Responsabilidade do Estado por dano tributário

o cumprimento dos contratos firmados com os clientes, visto que o contribuinte passa a
ser considerado insolvente, desprovido de recursos necessários para satisfazer os
compromissos assumidos.

O resultado danoso revela a lesão de direitos subjetivos do contribuinte, ou seja, do


direito de não ter seu nome inscrito no CADIN dado o regular cumprimento das regras
inerentes ao parcelamento, além da lesão ao direito de propriedade, de liberdade ao
exercício da atividade de comércio e do direito de, obtido o parcelamento e cumprindo-o
regularmente, quitar a dívida de forma parcelada.

Além do dano-evento, há o dano-consequência que se traduz no prejuízo econômico


dado o descumprimento dos contratos firmados com os clientes em virtude do não
fornecimento de mercadorias e da impossibilidade de obtenção do crédito para o
exercício das atividades de empresa, de modo que há danos emergentes e lucros
cessantes. É possível que também existam danos não patrimoniais, já que a inscrição no
CADIN pode macular a imagem do contribuinte perante fornecedores, clientes e
funcionários.

Como exemplo de condutas ilícitas que produzem dano ilícito é possível mencionar as
exigências flagrantemente ilegais: i) agente público que não regulariza os cadastros do
Fisco deixando de alterar o CPF/MF do proprietário do veículo automotor nos cadastros
do DETRAN após a transferência do veículo e a regular comunicação efetuada na época
da venda, ensejando a cobrança de IPVA ao antigo proprietário, o protesto da CDA e a
inserção de nome no CADIN; ii) ajuizamento de execução fiscal para cobrança de IPTU
em face de pessoa física referente a imóvel cuja propriedade era do próprio Município
exequente e IPTU de imóvel que foi objeto de desapropriação pelo Município há mais de
10 anos; iii) execução fiscal promovida em face de um homônimo do contribuinte sem
conferência do CPF/MF ou CNPJ etc.

Considera-se culposa, portanto, ilícita, a conduta do agente público de efetuar o ato de


lançamento tributário, lavrar o auto de infração e inscrever o débito em dívida ativa nos
casos em que os atos versem sobre a mesma questão jurídica discutida, mas são
praticados em sentido contrário, em desconformidade com os entendimentos
consolidados favoráveis ao contribuinte proferidos pelo STF em controle concentrado de
constitucionalidade, em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida,
súmulas vinculantes; e, em decisões proferidas pelo STJ em Recursos Especiais,
obedecendo à sistemática dos arts. 543-B e 543-C do CPC/73 (LGL\1973\5), os quais
correspondem aos arts. 1.036 e 1.041 do NCPC.

Segundo James Marins, a Receita Federal do Brasil e seus órgãos vinculados não podem
divergir do posicionamento das Cortes em tais casos, por isso, devem: i) deixar de
promover o lançamento de créditos tributários que apresentem discussão judicial
favorável aos contribuintes; ii) anular cobranças formalizadas; e, iii) promover a
restituição ou a compensação por cobranças reconhecidas como indevidas pelo Poder
29
Judiciário.

Se o agente público não se abster de constituir o crédito tributário, inscrevê-lo em dívida


ativa e prosseguir com o ajuizamento da execução fiscal em desacordo com os referidos
posicionamentos, os danos suportados pelo sujeito passivo da obrigação tributária que
resultem de tais condutas serão passíveis de ressarcimento, até porque, como se
conhece de antemão o posicionamento das Cortes Supremas e o deslinde da causa no
Poder Judiciário, a insistência do Fisco, além de ser inútil, produzirá gastos
desnecessários, violando a certeza do direito, a segurança jurídica, a boa-fé e a
colaboração recíprocas nas relações jurídicas.
6 Conclusões

Direito brasileiro permite ao intérprete desse sistema normativo, por meio da


interpretação dos enunciados prescritivos estabelecidos na Constituição Federal de 1988
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(art. 5º, inciso XXXV, art. 37, caput e § 6º, e art. 150), no Código Tributário Nacional
(art. 97) e no Código Civil (LGL\2002\400) (art. 927), imputar a responsabilidade ao
Estado pelos danos suportados pelo sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou
responsável) em virtude dos atos praticados pelo agente público no exercício da função
fiscal, que compreende a fiscalização, a constituição, a inscrição e a cobrança do crédito
tributário.

A responsabilidade do Estado por dano tributário é resultado da existência de princípios


administrativos e tributários na ordem jurídica que regulam o modus operandi da
Administração Tributária limitando o poder de tributar e da previsão expressa contida no
§ 6º do art. 37 e no inciso XXXV do art. 5º da CF (LGL\1988\3) que prescrevem à
Administração Pública o dever de ressarcir os danos causados pelos agentes públicos e a
possibilidade do lesado de provocar o Poder Judiciário para, mediante a coatividade
estatal, impor seu cumprimento. Caracteriza-se como a contrapartida da legalidade.

São pressupostos da responsabilidade do Estado: i) conduta (lícita ou ilícita); ii) dano


ilícito (lesão de direitos subjetivos); e, iii) nexo de causalidade entre os dois primeiros.

Para que seja imputada a responsabilidade ao Estado, o elemento “ilícito” deve estar
presente tanto na conduta quando no resultado danoso, sendo ambos ilícitos, ou
somente no resultado danoso; caso contrário, não há dever de ressarcimento do dano
causado pelo agente público. Logo, apenas haverá responsabilidade do Estado nas
hipóteses: conduta ilícita com resultado danoso ilícito e conduta lícita com resultado
danoso ilícito.

A ilicitude do dano corresponde à contrariedade ao Direito que se revela na lesão de


direitos subjetivos, tais como: propriedade, liberdade, personalidade e exercício de
profissão, dispostos no art. 5º da CF (LGL\1988\3); livre iniciativa econômica, segundo o
art. 170 da CF (LGL\1988\3); e, no leque de direitos que resultam da relação normal
entre a Administração Pública e o cidadão num Estado de Direito, por exemplo:
legalidade, igualdade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, boa-fé, colaboração,
visto que é direito subjetivo do administrado a atuação da Administração Pública em
conformidade com os princípios do ordenamento jurídico brasileiro.

Há três situações em relação à responsabilidade do Estado por dano tributário com as


quais o contribuinte (ou responsável) poderá se deparar, que identificam, de um lado, as
características da conduta praticada pelo agente público e, de outro, as do dano,
norteando a conclusão sobre a existência do dever jurídico do Estado de ressarcir os
danos causados no caso concreto: i) conduta ilícita com resultado danoso ilícito; ii)
conduta lícita com resultado danoso lícito; iii) conduta lícita com resultado danoso ilícito.
7 Bibliografia

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1 O artigo foi redigido com base na tese de doutorado defendida pela autora na
Faculdade de Direito da USP em março de 2017 sob orientação do Professor Associado
Paulo Ayres Barreto com pesquisa realizada na Università degli Studi di Roma La
Sapienza no ano de 2015 pelo programa CAPES.

2 BORIA, Pietro. Diritto Tributario. Torino: G.Gianppichelli, 2016, p. 02.

3 COSTA, Alcides Jorge. A Doutrina Tributária italiana e a sua influência no Direito


Tributário brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Princípios Tributários
no Direito Brasileiro, Estudos em Homenagem a Gilberto de Ullhôa Canto. Rio de Janeiro,
1988, p. 27.

4 ITÁLIA. Corte de Cassação, acórdão 722. Pres. Antonio Iannota, 15 de outubro de


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1999.

5 PETIT, Eugène. Tratado elementar de Direito Romano. Trad. Jorge Luís Custódio Porto.
Campinas: Russel, 2003, p. 87-88;

6 DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In


: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. (Coord.) Responsabilidade Civil:
estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009, p. 483.

7 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 138.

8 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. São Paulo: Max Limonad,
2001, p. 43.

9 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 26.

10 Idem.

11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas,
2012, p. 398.

12 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Controle
da Administração Pública e Responsabilidade do Estado. In: DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella (Coord.) Tratado de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014, p. 243.

13 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Responsabilidade extracontratual do Estado


por atos lícitos: ensaio em homenagem a Guido Soares. In: CASELLA, Paulo Borba [et al
.] (orgs.). Direito internacional, humanismo e globalidade: Guido Fernando Silva Soares.
São Paulo: Atlas, 2008, p. 16.

14 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; CARVALHO FILHO, José dos Santos. op.cit., p.
397.

15 MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1955, v. 2,
p. 40-41.

16 CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense,


1970, v. 8, p. 210;

17 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op.cit., p. 716.

18 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 30.

19 STANZIONE, Pasquale. Manuale di Diritto Privato. 3. ed. Torino: G.Giappichelli, 2013,


p. 839.

20 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo:


Saraiva, 1955, p. 82.

21 Esse foi a posição do Supremo Tribunal Federal manifestada no RE 130.764, pela


Primeira Turma, tendo como Relator o Ministro Moreira Alves, julgado em 12.05.1992,
DJ 07.08.1992, a qual foi reproduzida no RE 136.247-RJ, pela Segunda Turma, em
07.03.2006, DJ 20.04.2007, de Relator Min. Carlos Velloso.

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22 A combinação conduta ilícita com resultado danoso lícito não será tratada, pois
entende-se que não é possível em matéria de responsabilidade civil um resultado danoso
lícito como consequência de uma conduta ilícita.

23 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2010, p. 712.

24 Apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 200.

25 Idem.

26 FALZONE, Guido. Il Dovere di Buona Amministrazione. Milão: Giuffrè, 1953, p. 64.

27 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa


Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 42.

28 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 32 ed. São


Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 126.

29 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: administrativo e judicial. 8.


ed. São Paulo: Dialética, 2015, p. 244.

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