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https://www.brasildefato.com.br/2023/06/09/entenda-qual-e-a-relacao-entre-a-privatizacao-da-
eletrobras-e-o-futuro-do-saneamento-no-brasil
Lucas Tonaco
Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
09 de Junho de 2023 às 08:50
Com base nas tecnologias atuais, o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto
requerem energia elétrica para funcionar adequadamente - ©Evaristo Sa / AFP
Muito têm se falado sobre o processo de privatização da Eletrobras. E as críticas são muitas,
vindas desde de Armínio Fraga até Lula, passando por Alexandre da Silveira, Ministro de Minas
e Energia, que explicitamente diz que o modelo é criminoso.
Ocorre que assim como no saneamento, no setor energético - ambos definidos pelo mercado
como Utilities ou simplesmente (Entidade de utilidade pública) - os processos de privatizações
são pautados em modelos. Na teoria econômica a “modelagem” seria o artifício metodológico
usado numa equação cujo o resultado seria a mudança de controle do capital e seus impactos.
Há diversos modelos de participação de empresas públicas e sua relação com capital privado,
alguns mais keynesianos - mais ligados à preocupação social - e outros mais neoliberais -
defendendo a menor participação possível do Estado em absolutamente tudo. Reagan,
Pinochet e Thatcher são deste modelo neoliberal.
:: Ação judicial do governo sobre Eletrobras pode inviabilizar privatização de outras
estatais ::
Um modelo econômico de privatização, como o de capitalização usado na Eletrobras, envolve
a transferência do controle e da propriedade de uma empresa estatal para o setor privado. A
empresa emite novas ações que são vendidas aos investidores, resultando em uma diluição da
participação do governo e uma maior entrada de recursos financeiros na empresa.
Esse modelo está na contramão do mundo. Para citar dois exemplos, o setor elétrico francês e
de gás alemão foram reestatizados em 2022. Na Alemanha, a iniciativa veio em decorrência
dos cortes de gás oriundos da Rússia. O governo alemão comprou a gigante de energia
Uniper, maior importadora de gás do país.
Caso Eletrobras
Com essa redução da participação governamental, abriu-se espaço para que acionistas
privados adquirissem uma parcela maior do controle da Eletrobras. A lei que permitiu a
privatização da Eletrobras limita o poder de voto do governo a apenas 10% das ações, mesmo
que ele detenha uma participação maior.
::Contas terão aumento de até 36% por "rombo" deixado por Bolsonaro::
A relação entre energia e saneamento
Existe uma estreita relação entre energia e saneamento, e o custo e o controle da energia
podem ter um impacto significativo no setor de saneamento.
Com base nas tecnologias atuais, o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto
requerem energia elétrica para funcionar adequadamente - seja para o tratamento,
monitoramento da qualidade da água e vazão. No tratamento de esgoto, o uso de bombas e
turbinas é base para diversas tecnologias.
Além, claro, de que os trabalhadores do setor de saneamento, podem ter seus aumentos
ameaçados. Afinal os sindicatos têm negociações coletivas atuais muito duras contra as
políticas de arrocho salarial. Um aumento no custo global seria um prato cheio para os
defensores do lucro máximo.
Sustentabilidade
Uma luta puxa a outra. O combate às ideias nocivas de um determinado setor é, portanto, o
combate a ideias nocivas a toda a sociedade.
Por que estabilidade no serviço público foi considerada fundamental em caso de joias
para Michelle Bolsonaro
Para especialistas, trata-se de medida fundamental na administração pública. Mas ao longo
das décadas, a estabilidade de servidores já foi alvo de inúmeras discussões.
A estabilidade dos servidores públicos voltou a ser alvo de discussão nos últimos dias, após o
caso das joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões que foram enviadas da Arábia Saudita
ao Brasil e teriam como destinatária a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
De acordo com reportagem da TV Globo, aliados do então presidente Jair Bolsonaro chegaram
a tentar liberar as peças, mas foram impedidos por auditores da Receita Federal, que
apontaram a falta de uma série de requisitos formais no pedido de liberação.
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Essas joias (um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes)
foram apreendidas em outubro passado, após serem confiscadas ao chegar ao país com um
integrante da comitiva do Ministério de Minas e Energia que desembarcou no Aeroporto de
Guarulhos.
Elas foram apreendidas, conforme revelado primeiramente pelo jornal O Estado de S.Paulo,
porque não foram declaradas nem como itens pessoais, sujeitos a pagamento de impostos,
nem como presente oficial para o Estado brasileiro.
Em rede social, Michelle Bolsonaro afirmou que não tinha conhecimento das joias.
À rede CNN Brasil, o ex-presidente disse que incorporou ao acervo privado um outro estojo
presenteado pelos sauditas com caneta, anel, relógio, um par de abotoaduras e um terço, mas
negou irregularidades. Ele negou conhecimento dos objetos que teriam sido destinados a
Michelle.
Em meio à repercussão do caso, um dos fatos que chamou a atenção foi a importância da
estabilidade dos servidores da Receita Federal para impedir a liberação da entrada do material
valioso no país.
Essa estabilidade costuma ser alvo de discussões frequentes. Enquanto há quem a defenda
como medida fundamental para a administração pública, outros afirmam que é uma forma de
desmotivar esses trabalhadores ou até mesmo tornar o serviço público ineficiente.
Joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões foram enviadas pelo governo da Arábia Saudita
quando Michelle ainda era primeira-dama(foto: Reuters)
As críticas à estabilidade
Presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva defende estabilidade de servidores como
fundamental para o país(foto: Divulgação/Unafisco)
Nas últimas décadas, houve diversas tentativas de reduzir ao máximo a estabilidade concedida
no serviço público brasileiro.
Há quem defenda o fim dessa estabilidade, sob o argumento de que essa medida é prejudicial
e afeta funções importantes porque faz com que os trabalhadores se sintam desmotivados a
prestar um bom serviço.
Essa ideia de que servidores com estabilidade têm um desempenho inferior, pois muitos
podem se sentir acomodados, é criticada por Gabriela Lotta.
“Essa lógica não se comprova assim. O que os estudos mostram é que vários fatores impactam
no desempenho (inclusive o acesso a recursos, a possibilidade de crescimento na carreira, o
ambiente de trabalho etc). E sem considerar estes vários fatores, não dá para fazer uma
associação direta entre desempenho e estabilidade”, diz.
Lotta ressalta que a estabilidade no funcionalismo público brasileiro “não é irrestrita” e que há
situações em que é possível haver demissões em alguns casos.
“Por exemplo, quando há abandono de cargo, falta injustificada, crime de corrupção ativa e
passiva, prevaricação e outros. Centenas de servidores públicos são exonerados por ano. Mas
esse processo não é uma decisão hierárquica unilateral, ela pressupõe um processo e várias
instâncias recursivas justamente para garantir ampla defesa para o servidor e protegê-lo de
perseguições, por exemplo”, afirma.
O governo Bolsonaro, crítico ferrenho da estabilidade no funcionalismo público, chegou a
apresentar uma proposta por meio da reforma administrativa para alterar a estabilidade e
deixá-la na forma atual somente a algumas carreiras, como aquelas que são consideradas
estratégicas para a administração pública.
Mas a proposta não seguiu como o governo Bolsonaro esperava no Congresso. Especialistas
ouvidos pela reportagem acreditam que as chances de haver qualquer medida de retirada da
estabilidade de servidores públicos, como já discutido em décadas passadas, é quase nula.
“Não vejo com bons olhos o fim da estabilidade, pois a máquina pública, mais especificamente
a brasileira, não está preparada para isso. A perda da estabilidade geraria uma série de
demissões com caráter político e a finalidade pública estaria comprometida. A estabilidade tem
previsão constitucional e o seu desmonte é uma ruptura caótica”, afirma o advogado Felipe
Carvalho, especialista em Direito Público, Eleitoral e Administrativo.
Carvalho acredita que a estabilidade do serviço traz “um comodismo ao servidor (não todos)”,
que, segundo ele, “poderia ser enfrentado se os entes públicos tivessem sistemas de
avaliações realmente bons, delimitados e amplamente divulgados”.
Para o presidente da Unafisco, Mauro Silva, tentar colocar um fim na estabilidade é uma
ameaça ao país por parte “daqueles políticos que querem se aproveitar do Estado brasileiro”.
“Quem impede esse político que quer trazer o patrimônio público para o privado é o servidor
público com estabilidade. E o mau político que quer se aproveitar tem todo o interesse de
retirar a estabilidade do servidor para eliminar aquele que está na frente para impedir”, declara
Silva.
Grupo 3 Bens Públicos – Apresentar conceito e diferenças entre bens públicos de uso
especial, comum ou dominial. Apresentar principais pontos da reportagem.
Lu Sudré
18 de agosto de 2023 • Leitura de 3 minutos • 1 Comentários
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A proposta, em tramitação no Senado, possibilita que áreas públicas nas costas e nos litorais
possam ser destinadas para uso privado
Projeto de emenda constitucional pode fomentar privatização de praias e áreas costeiras (Foto:
Diego Grandi)
Os terrenos de marinha são áreas próximas à costa marítima que incluem praias, ilhas,
mangues, assim como margens de rios e lagoas que sofrem influência da maré. Segundo a
Constituição Federal de 1988, os terrenos de marinha são bens da União, ou seja, bens
públicos de uso coletivo com finalidade socioambiental.
No entanto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022, que pode ser votada em
breve no Senado, quer mudar essa realidade.
A proposta transfere o domínio das áreas para estados e municípios, mas também para
“foreiros, cessionários e ocupantes”, o que abre margem para a expansão de propriedades
particulares.
Em nota técnica, o Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar), ligado à
Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, se posicionou contra a aprovação da
PEC e alerta que o que aparentemente pode ser uma simples mudança de titularidade,
esconde uma grande ameaça.
Além de ressaltar o uso público e coletivo das áreas como uma garantia constitucional, o
documento destaca que os terrenos marinhos são aliados estratégicos para adaptação à
crise climática. A gestão e preservação das áreas também é importante para a redução da
vulnerabilidade da zona costeira frente a eventos extremos e ao aumento do nível do mar.
Isabelle de Silveira, assessora do GT-Mar, detalha que, à primeira vista, a PEC 03/2022 parece
tratar da transferência de títulos imobiliários, contemplando uma demanda de ocupantes das
áreas de terreno de marinha que se sentem insatisfeitos em pagar taxas para a União.
Contudo, há muito mais a ser considerado.
“A PEC coloca em risco áreas relevantes para o enfrentamento das mudanças climáticas e
abre caminho para graves impactos socioambientais relacionados à privatização de
praias, degradação ambiental, especulação imobiliária, vulnerabilização e expulsão de povos
tradicionais de seus territórios”, reitera.
Comunidades pesqueiras podem ser impactadas caso o PEC 03/2022 seja aprovada (Foto:
Rodrigo Paiva/Greenpeace)
De acordo com a nota técnica do GT-Mar, uma possível aprovação da PEC significaria o
crescimento exponencial de conflitos diante do “grande incentivo à invasão de terras públicas –
urbanas e rurais – apenas pela sugestão de possibilidade de privatização dessas áreas”.
“A aprovação da PEC poderá facilitar a aprovação de Projetos de Lei que visam privatizar
uma porcentagem de nossas praias e facilitar a construção de grande resorts e
cassinos. Seria perigoso olhar para o cenário de maneira simplista”, complementa.
Para o GT-Mar, o processo de fiscalização das áreas também pode ser fragilizado com a PEC,
o que ameaçaria ainda mais a biodiversidade costeira – sem os devidos cuidados, as funções
ecológicas originais desses terrenos podem ser alteradas e o processo de contenção do
aumento do nível do mar, por exemplo, pode ser enfraquecido.
Tramitação
Nos últimos dias, a mobilização em defesa do livre acesso às praias e áreas marinhas tem
crescido. Foi aberta uma consulta pública no site do Senado, onde você pode se manifestar
contra a proposta. Clique aqui e saiba mais.
Grupo 4- Apresentar fundamentos da intervenção do Estado na propriedade para fins
de titulação quilombola. Apresentar principais pontos da reportagem.
https://www.terradedireitos.org.br/noticias/noticias/no-atual-ritmo-brasil-levara-2188-anos-para-
titular-todos-os-territorios-quilombolas-com-processos-no-incra/23871?
_gl=1*6z1hr3*_ga*OTMzNzM4NzA1LjE2OTE4MDE5NjU.*_ga_NYML3MK0NN*MTY5MzU5OD
Q5OC40LjEuMTY5MzU5ODcwNi42MC4wLjA.
No atual ritmo, Brasil levará 2.188 anos para titular todos os territórios quilombolas com
processos no Incra
12/05/2023
Morosidade, orçamento insuficiente e frágil política fundiária marcam o lento avanço do Estado
brasileiro em assegurar o direito aos territórios tradicionais.
Caso o Estado brasileiro mantenha o atual ritmo de regularização fundiária dos territórios
quilombolas serão necessários 2.188 anos para titular integralmente os 1.802 processos
abertos no momento no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Caso
sejam consideradas também as titulações parciais dos territórios quilombolas com processos
na autarquia federal, o tempo necessário é de 1.156 anos. É o que aponta levantamento
realizado pela Terra de Direitos.
Dos 54 territórios titulados pelo Incra, 30 são titulações parciais, ou seja, o título compreende
apenas parte da área do território a que uma comunidade quilombola tem direito reconhecido
pelo Estado brasileiro. Em 11 destes 30 territórios com titulação parcial o título refere-se a
menos de 15% da área total de direito. É o caso do território tradicional Brejo dos Negros,
localizado em Brejo Grande (SE), que detém o título de apenas 0,24% do território apontado no
processo administrativo.
Com uma desigual estrutura fundiária marcada pela racialização do acesso à terra, a violação
do direito ao território tradicional para as comunidades negras rurais e urbanas com identidade
própria que lutam há séculos pela terra têm sido uma constante pelo Estado brasileiro. Ainda
que assegurado na Constituição Federal, regulamentado pelo Decreto 4.887/2003 e com
atribuições definidas aos diferentes órgãos de governo, a conclusão de um processo de
titulação quilombola dos territórios tradicionais pelo Incra costuma levar muitos anos, mesmo
décadas.
Ao observar o avanço na conclusão das seis etapas necessárias para um território quilombola
ter o título emitido, é possível identificar como poucos processos abertos no Incra chegam à
etapa final. De acordo com dados do Incra 2.849 comunidades foram certificadas pela
Fundação Cultural Palmares - etapa inicial, de autoreconhecimento pela comunidade. As
etapas seguintes, de atribuição da autarquia federal, apresentam números bem menores.
Apenas 307 territórios quilombolas foram identificados e delimitados (publicação do RTID), 164
foram reconhecidos por decreto, 89 declarados de interesse social (publicação de portaria) e
apenas 47 foram titulados (pós publicação Decreto 4.887/2003). Somado os 06 territórios
titulados entre o período anterior à publicação do Decreto (período de 1988 a 2003), o país
contabiliza apenas 53 territórios com título integral ou parcial. (Veja infográfico abaixo)
“Não dá é a gente continuar sofrendo várias violações por conta da morosidade do processo,
que coloca as comunidades quilombolas numa situação de insegurança. Esta morosidade está
acarretando, inclusive, no assassinato de lideranças e conflitos nos nossos territórios. Está
mais do que na hora do estado brasileiro reconhecer o que está na Constituição Federal, que é
titular os territórios quilombolas e levar todas as políticas públicas para esses territórios”,
destaca o coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Biko Rodrigues.
A organização ainda destaca que muitas comunidades quilombolas ainda nem solicitaram
certificação na Fundação Palmares – documento necessário apara abertura no Incra de
processo administrativo de titulação quilombola. Ou seja, são invisíveis ao Estado no processo
de regularização fundiária. A Conaq estima que o país contabilize 6 mil comunidades
quilombolas.
Logo no início da gestão o Incra foi realocado da Casa Civil da Presidência da República para
o Ministério da Agricultura, por meio da Medida Provisória n° 870/2019. Tanto o mais alto cargo
da pasta quanto a secretaria responsável pela titulação ficaram sob comandos de
representantes vinculados ao agronegócio e opositores à política de titulação quilombola: a
ministra de Tereza Cristina (PSL) e o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR)
Nabhan Garcia, respectivamente.
As ações adotadas pelo governo tiveram reflexo direto nos números totais das etapas de
titulação quilombola, com forte queda do número em cada etapa. No último quadriênio 161
comunidades foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares, número distante do auge de
812 certificações pela primeira gestão de Lula. O número referente ao primeiro governo de Lula
contabiliza apenas os anos de 2004-2006 (não inclui dados de 2003), já que as atuais regras e
etapas para titulação passam a contar a partir da publicação do Decreto 4.887, em novembro
de 2003.
O governo sob comando de Bolsonaro também responde pela emissão de apenas 6 títulos
(todos parciais), em oposição ao maior número de títulos emitidos durante uma gestão - 14 no
primeiro governo de Dilma Rousseff.
O número de títulos emitidos durante o governo de Bolsonaro não foi menor apenas porque
todas as comunidades que tiveram seus territórios parcialmente titulados acionaram a justiça
em razão da lentidão do Estado brasileiro em titular os territórios tradicionais. Foi o que
aconteceu com a comunidade Paiol de Telha (PR). Única titulada das 38 comunidades
quilombolas do Paraná, a Comunidade Paiol de Telha segue na reivindicação para titulação da
totalidade do território. A ação movida pela Associação da Comunidade ainda inclui o pedido
de danos morais à comunidade pela morosidade do Estado em finalizar a titulação do território
tradicional.
Engessamento orçamentário
Na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2023 o orçamento previsto para o reconhecimento e
indenização dos territórios quilombolas é da ordem de apenas R$ 749 mil. O valor é distante do
recurso previsto para mesma rubrica no orçamento executado em 2014, ano de maior valor
registrado para a execução desta política pública.
De acordo com Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), 2014 totalizou R$75,8 milhões
de reais para aquisição de áreas privadas para fins de titulação quilombola. De acordo com
levantamento realizado pela organização, o orçamento para titulação quilombola vem sofrendo
uma queda acentuada desde 2015, com pior ano em 2022, com R$769,1 mil reais executados
para a política.
Na avaliação da Conaq, o orçamento previsto para 2023, proposto ainda na gestão anterior, é
forte obstáculo para avanço da política de regularização fundiária quilombola. Uma
possibilidade para engordar a rubrica e manter-se dentro dos limites da regra do teto de gastos
é o remanejamento de orçamento de outras pastas e conforme a necessidade de órgãos, como
determina o Ministério do Orçamento e Planejamento. De acordo com o Ministério os recursos
podem ser liberados por portarias, projetos de lei ou medidas provisórias. Emendas
parlamentares podem ser também uma alternativa.
Deste modo, a disputa do orçamento público 2023 segue ativa no governo. Um exemplo é o
assédio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) - entidade vinculada aos
interesses do agronegócio - ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para aumento do
recurso público para o Plano Safra 2022/2023 e 2023/2024. No início de maio o Ministério
anunciou injeção de mais R$ 200 milhões para complementação do Plano Safra 2022/2023.
A pauta da titulação também figura com destaque no Programa Aquilomba Brasil, lançado em
21 de março. Como aperfeiçoamento do Programa Brasil Quilombola (2007), o novo Programa
tem como um dos eixos estruturantes o acesso à terra e ao território pelas comunidades. Na
ocasião a Presidência entregou os títulos parciais de três territórios quilombolas: Brejo dos
Crioulos (MG), Serra da Guia e Lagoa dos Campinhos, ambas de Sergipe. Ou seja, em 120
dias de gestão o governo Lula titulou a metade dos títulos emitidos por Bolsonaro durante toda
sua gestão.
Ainda que as ações sejam compreendidas como importantes acenos de compromisso federal
com a política de regularização fundiária, a Conaq destaca a necessidade de aceleração dos
processos. “Sabemos que viemos de um governo que pregava ódio contra comunidades
quilombolas. Disse que não iria demarcar nenhum centímetro para quilombolas e indígenas e
agora estamos em momento de reconstrução, mas esse momento de reconstrução precisa ser
trabalhado na velocidade das nossas demandas porque não dá para novamente sermos
marcados pela morosidade”, destaca Biko.
Enquanto esperam a demorada resposta sobre a titulação dos territórios pelo estado do Pará,
as comunidades do Vale do Acará vivem um intenso conflito com duas grandes empresas do
setor de monocultura do dendê - a Agropalma S.A e a Brasil BioFuels (BBF) - que têm violado
há anos os direitos territoriais dos povos tradicionais no nordeste paraense.
De acordo com a assessora um dos muitos exemplos de demora na titulação Quilombola pelo
Estado do Pará é o caso do território Quilombola de Umarizal (Município de Baião) que
aguarda titulação desde 2000, ou seja, mais de 23 anos de espera. “Tanto a morosidade na
titulação quanto a dificuldade de acesso à informação são formas de violação dos direitos
quilombolas que impedem o avanço da regularização fundiária”, destaca. A organização
assessora as comunidades nos processos.
OPINIÃO
Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar
https://www.conjur.com.br/2020-mai-03/nomeacao-ramagem-stf-acerto-juridico-liminar
3 de maio de 2020, 15h31 Imprimir Enviar
Não é de hoje que manifestamos nosso inconformismo contra o ativismo judicial que tem
marcado a atuação de parte do Poder Judiciário. Direitos e garantias constitucionais têm sido
constantemente violados, sob pretextos retóricos e messiânicos, abalando o nosso Estado
Democrático de Direito.
Temos consciência plena do quanto fazem mal para a nossa jovem Democracia os processos
acentuados de politização do Judiciário e de judicialização da política. Contra eles, inclusive,
temos nos pronunciado frequentemente.
Não defendemos, com isso, o amesquinhamento do Poder Judiciário ou que ele abdique do
seu dever de aplicar as leis ou de fiscalizar e fazer aplicar a nossa Carta Constitucional de
1988.
Por isso, no momento em que se discute a correção jurídica da decisão do Ministro Alexandre
de Moraes, que concedeu liminar impedindo a posse de Alexandre Ramagem como Diretor-
Geral da Polícia Federal, convém firmarmos nossa posição.
Entendemos que a decisão foi correta e adequada aos princípios constitucionais e às regras
legais em vigor.
De acordo com a nossa Constituição, o Poder Judiciário pode e deve controlar a validade de
atos administrativos, a partir de seus requisitos eminentemente jurídicos, mesmo reconhecida a
liberdade de opção discricionária do administrador ao praticá-los.
Uma das razões pelas quais juízes podem anular atos administrativos se dá quando estes são
praticados em desacordo com a sua finalidade legal. Quer dizer: um ato administrativo deverá
ser anulado sempre que o poder do administrador de praticá-lo tiver sido desviado da finalidade
para a qual a lei admitia a sua prática. É o vício denominado de “desvio de poder”.
Essa intenção presidencial de retirar a atuação da PF dos trilhos legais foi confirmada por
mensagens escritas divulgadas pelo próprio ex-ministro Sérgio Moro, ainda não contestadas, e,
também, pela notória relação de amizade que o nomeado mantém com o núcleo da família
Bolsonaro.
Não queremos dizer, com isso, que qualquer nomeação de um amigo para um cargo de
confiança seja ilícita. Cargos de confiança existem para serem ocupados por pessoas que
mantém uma relação de confiança com quem escolhe seus ocupantes. E é bom que seja
assim.
O que se afirma é que é ilegal nomear-se alguém para cumprir uma missão ilícita, qual seja, a
de fazer com que a Polícia Federal deixe de investigar parentes ou aliados do presidente da
República , ou ainda, que esse órgão rompa com o dever legal de sigilo, prestando
informações sobre investigações que, por lei, não podem ser prestadas.
Justamente por tal razão, não se afigura pertinente a pecha de incoerência da decisão liminar,
por ter vedado a nomeação de Alexandre Ramagem para a Direção Geral da Polícia Federal,
ao tempo em que o manteve no cargo de Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin). À Polícia Federal, que detém atribuições de polícia judiciária, cabe resguardar o
segredo quanto ao andamento de investigações em curso, mesmo ao presidente da República,
e sobretudo quando se tratar de apurações que envolvam seus familiares. Isso diferencia a
natureza do órgão em comparação com a Abin, cuja competência, aí sim, destina-se a suprir a
cúpula governamental com elementos informativos necessários à tomada de decisões de
gestão.
Uma liminar não é uma decisão definitiva e deve ser concedida sempre que a aparência do
direito é boa e a demora de uma decisão definitiva seja prejudicial.
Foi o que ocorreu, no caso, em face das próprias palavras do presidente e da urgência de se
evitar a posse daquele que, declaradamente, receberia do presidente da República a missão
de desviar a PF do seu dever de atuar de acordo com o princípio republicano.
Ou seja: embora no plano do direito possam parecer situações análogas, a nomeação feita por
Dilma envolvia prova ilícita, contestada veementemente e, na soma, implicava , também,
versões fáticas discrepantes e ocultação intencional de fatos relevantes, manipulados com um
objetivo conhecido e inconfessável. A nomeação feita por Bolsonaro, por sua vez, diz respeito
à prova lícita e à narrativa do próprio Presidente, confirmando o desvio de finalidade em que
incorreu.
Entendemos, pois, que rejeitar nefastos ativismos ou abusos judiciais não significa defender
que o Poder Judiciário deva deixar de cumprir, dentro da lei e da Constituição, a sua importante
função de controlar atos administrativos abusivos praticados por um Chefe de Estado arbitrário
e que ignora a lei, as instituições e os interesses públicos.
Este é o desafio.
[1]
Fabiano Silva dos Santos, advogado, mestre e doutorando em direito pela PUC/SP.
Mauro de Azevedo Menezes, advogado, mestre em Direito Público pela UFPE, ex-presidente
da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.