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SETOR ENERGÉTICO E A CRISE DURANTE O GOVERNO FHC

1 INTRODUÇÃO

O sistema elétrico brasileiro em 1960 era de responsabilidade do setor público, por meio
da atuação da Eletrobrás, órgão competente por todo seu funcionamento. Inicialmente o setor
público por meio de toda uma estratégia precisa de planejamento, conferiu a esse setor uma
expansão gigantesca e importância significativa para a economia do país.
Com o passar do tempo o setor elétrico ganhava cada vez mais visibilidade e
confiabilidade do mercado, construção de centros de operação, investimentos em expansão e
as tecnologias de ponta para uma produção limpa, eram apenas uns dos exemplos que
destacaram o Brasil no mercado internacional e que obviamente fortalecera cada vez mais a
competência do Poder Público pelo setor.
Não obstante esse cenário promissor começou a declinar nos anos 80 e o planejamento
público dava seus últimos passos. Não é possível apontar apenas um fator determinante para
a precariedade em que o sistema elétrico estava iniciando, porém conforme será detalhado
posteriormente fatores como crise do petróleo, taxas de juros, alterações legislativas, dentre
outros, contribuíram para arruinar o setor elétrico de um modo geral.
Nessa toada, tornou-se necessário encontrar alternativas para amenizar de alguma forma
a situação. O presente trabalho discute sobre as novas medidas adotadas para o setor elétrico
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que segundo especialistas, geraram
consequências não muito boas para o país.

2 O SETOR PÚBLICO E O SISTEMA DE ENERGIA BRASILEIRO


O setor público brasileiro assumiu o controle do sistema elétrico no ano de 1960, dessa
maneira as empresas públicas foram essenciais em toda a cadeia desse sistema: implantação,
geração, transmissão, e mesmo a distribuição de energia. A centralização de todo o trabalho
nesse setor permitiu a construção de grandes obras, sistemas de transmissão e interconexão,
que contribuíram com um serviço de qualidade e com a redução de custos de fornecimento
(GOLDENBERG; PRADO, 2003).
A Eletrobrás, estatal encarregada desse sistema, tinha como função não apenas a operação
e o gerenciamento das usinas, mas também o planejamento pela sua expansão. O processo de
elaboração de todo esse planejamento era participativo, de modo que as empresas brasileiras,
geradoras e distribuidoras tinha lugares cativos nas discussões e acesso a todos os
documentos, dados e metodologias de trabalho (GALVÃO et al., 2008; GOLDENBERG;
PRADO, 2003).
Visando essa expansão, todo ano, a comissão da Eletrobrás encarregada pelo assunto,
revia todas as operações e dados do ano anterior, e realizada as correções e adequações
necessárias nos projetos de geração e transmissão para o mercado previsto, o resultado de
cada ciclo anual era registrado no Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico. Todo esse
planejamento de expansão, preliminarmente impecável, levava em consideração
características geográficas de cada local dentre outras peculiaridades relevantes, e assim
tornou o sistema elétrico brasileiro um dos mais baratos, confiável, limpo, e flexível dentre
todos os outros países do mundo (GALVÃO et al., 2008; GOLDENBERG; PRADO, 2003).
O setor elétrico durante muitos anos adquiriu muitos aperfeiçoamentos na legislação
tarifária, investimentos e se consolidou de forma impecável no mercado brasileiro, nos anos
70 esse mercado conseguia autofinanciar sua expansão. Assim, pode-se considerar uma fase
em que o setor elétrico se estabeleceu em bases financeiras sólidas que se expandia em
condições econômico-financeiras saudáveis (GOMES et al., 2002).
Porém, o sistema elétrico começa a dar indícios de problemas, a trajetória de crescimento
sustentado e equilibrado passa a ficar comprometida. Com a segunda crise do petróleo,
diversos planos de investimento dos anos 70, explosão da taxa de juros norte-americana,
dentre outros fatores incisivos, o Brasil começa a ter problemas com a balança de
pagamentos, explode uma grande crise na dívida externa que afetou diretamente o setor
elétrico brasileiro (GOLDENBERG; PRADO, 2003).
Com o advento da Constituição de 1988 o autofinanciamento do setor foi vetado o que
contribuiu ainda mais para a utilização de recursos de terceiros, e de financiamentos externos,
gerando um elevado serviço de dívida o que levou o setor a inadimplência juntamente com
todos os participantes da cadeia. Diante o cenário precário em que o setor elétrico
encontrava-se começou a especular-se uma maneira de então aliviar toda a crise que
assombrava situação (GOLDENBERG; PRADO, 2003).
A recomposição tarifária foi uma opção constatada para retomada do equilíbrio
econômico financeiro das concessionárias, porém diante das dívidas que o setor acumulara
nos últimos anos a geração das receitas tarifárias era totalmente insuficiente para financiar
novas expansões (GOMES et al., 2002).
Nessa situação crítica que se consolidara diante o setor elétrico foi palco para o
surgimento de duas correntes (i) a primeira que se apoiava em reformas elétricas liberais; e a
(ii) segunda propunha grandes modificações de rumo no sistema elétrico já existente no país.
Deste modo, no governo de FHC é que a estrutura elétrica brasileira até então torneada por
um modelo que inicialmente foi promissor, é que ganha as primeiras grandes alterações
(GOLDENBERG; PRADO, 2003).
3 A REFORMA PROPOSTA POR FHC E SUAS IMPLICAÇÕES
A reforma realizada no Governo de FHC foi uma tentativa do Estado de redefinir seu
papel na indústria de energia elétrica.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, fez-se a concorrência da indústria
elétrica mediante a transferência das seguintes funções que à época eram exercidas pela
administração pública:
● Regulamentação da operação do monopólio;
● Definição e encaminhamento das políticas de interesse geral;
● Funcionar como proprietária quando se tratavam de empresas públicas.
Essas funções eram exercidas pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
(DNAEE), Ministério de Minas e Energia (MME), e empresas estatais elétricas.
O principal objetivo da reforma era estabelecer um mercado livre, gerando mais
eficiência no setor ao mesmo tempo em que estaria sujeito às intervenções governamentais e
seus objetivos.
Todo o projeto de reforma proposto no governo FHC tinha como principal objetivo a
desverticalização, de forma a separar as atividades de geração, transmissão, distribuição e
comercialização da indústria elétrica. Com essa iniciativa do governo, a privatização
transferiu ao setor privado a responsabilidade pela realização dos investimentos mas também
pelos lucros provenientes do setor, gerando portanto competição nos segmentos de geração e
de comercialização, o que acabou por provocar a melhoria dos serviços prestados, bem como
a redução dos preços e o livre acesso às redes de transmissão e distribuição. O processo de
descentralização fez nascer a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão
regulatório e fiscalizador para disciplinar as tarefas do setor elétrico por intermédio de
resoluções. Além da Aneel, compunham a estrutura regulatória o operador Nacional do
Sistema (ONS) e o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE).
As medidas apresentadas pelo governo FHC foram realizadas de maneira a
implementar um novo modelo para o setor elétrico do país, tornando assim a privatização
como etapa do processo de transição econômica e fazendo com que o modelo de crescimento
do Brasil não fosse impulsionado apenas pelo Estado, mas sim com grande participação do
mercado. Não há como não reconhecer que a privatização ajudou na redução da dívida do
setor público, contribuindo para a sustentação do crescimento a longo prazo do Brasil.
Por outro lado, dificuldades significativas surgiram ao longo do processo de mudança
proposto. Os técnicos mais experientes da Eletrobrás perceberam contradições nas medidas
apresentadas para reforma do setor elétrico, apontando várias que não deveriam ser adotadas
uma vez que continham diversos riscos envolvidos. Entre eles:
1. a extinção de determinados órgãos de trabalho levariam a necessidade de constituição
de novos com as mesmas funções e competências técnicas;
2. a proposta de sistema tarifário com base em custos marginais de curto prazo pois
embora eles sejam a referência em 80% do tempo, são extremamente elevados
durante períodos hidrológicos críticos. Ou seja: a tarifação baseada em custos
marginais de curto prazo levaria a um problema de caixa nas empresas ou induziria as
empresas a degradar a confiabilidade do atendimento ao mercado;
3. Confundir o “despacho econômico” de sistemas termelétricos com a “operação ótima
integrada” de sistemas hidrelétricos ou hidrotermelétricos com preponderância
hidrelétrica;
4. quebrar a grande malha de transmissão regionais e inter regionais, estas responsáveis
pela complementação entre usinas bacias hidrográficas e regiões;
5. entregar os estudos e propostas de privatização nas mãos de consultores cujo interesse
era agradar seu financiador para continuar obtendo novos contratos de trabalho.
As propostas dos técnicos do setor elétrico orientavam a necessidade de formação de
uma entidade coordenadora de planejamento e operação do sistema. Essa entidade proposta
foi chamada de "condomínio" e os proprietários que dele participassem seriam os "produtores
associados". O condomínio atuaria como um pool, pagando aos produtores associados e
revendendo aos clientes, que seriam as companhias de distribuição e os grandes
consumidores.
Para implantar sua reforma e também por não concordar com a implantação de um
"condomínio"que seria regido pelo quadro jurídico da Lei 8.631, FHC rejeitou esses estudos
apresentados e criou uma estrutura de trabalho que não foi aceita pela maioria dos técnicos do
setor elétrico.
Destaca-se que desde o início da gestão FHC, os níveis das represas vinham
apresentando sinais evidentes de esgotamento de sua capacidade de regular as vazões
necessárias para geração elétrica na época seca do ano. Assim, em abril de 2001, o
armazenamento estava com pouco mais de 30% de sua capacidade, o que indicava uma
grande chance de secagem dos reservatórios antes da nova estação de chuvas.
Níveis dos Reservatórios da Região Sudeste (1991-2002)

Para evitar a perspectiva de uma crise elétrica ainda pior, foi implementado, entre 1º
de junho de 2001 a 1º de março de 2002, o racionamento de energia, com a meta de
economizar 20% de energia elétrica. FHC teve que dar explicações a sociedade em razão das
perdas e danos causados a todos os setores, inclusive, usuários do sistema, os quais foram os
mais prejudicados. Assim, as medidas que foram adotadas pelo governo não foram
satisfatórias.
Para o setor elétrico, o governo deixou uma situação comprometedora e caótica, com
a grande maioria das empresas bastante endividadas e dependentes do dinheiro público para
não irem à bancarrota. As privatizações levaram muitas empresas internacionais a
financiarem o projeto em curto prazo, fazendo com que o setor tivesse não somente a
preocupação na remessa de lucros como também no pagamento dos juros do dinheiro
emprestado para a privatização. Consequentemente, os investimentos diminuíram tendo em
vista todas as inúmeras dificuldades enfrentadas pelo setor elétrico.
O estoque líquido da dívida pública federal, passou de R$ 153,4 bilhões, em janeiro
de 1995, para R$ 881,1 bilhões, em dezembro de 2002. Essa dívida correspondia a 30% do
PIB, em janeiro de 1995, e 57,4%, em dezembro de 2002. O racionamento de energia acabou
sendo adotado pelo governo como forma de evitar um "apagão".
Ao final, os consumidores de energia elétrica foram os que acabaram sofrendo as
consequências do racionamento, além de terem as tarifas elevadas durante o governo de FHC,
cujo aumento chegou a 64,1% para a classe residencial.

Tarifa de Eletricidade Industrial, Residencial e Média (em reais de julho/1999 por Mwh)

Por fim, pode-se depreender que as políticas adotadas no governo FHC para o setor
elétrico tiveram insucesso em razão das resistências políticas e da falta de recursos externos.
Ressalta-se, entretanto, que isso não foi o grande fator gerador de tão grave situação. O que
mais aponta o fracasso do governo são as falhas no planejamento estratégico, na coordenação
e na gestão do sistema elétrico, demonstrando que tanto no plano tático quanto no plano
operacional, falhou-se, uma vez que as estratégias adotadas basearam-se em experiências de
outros países cujas características do setor elétrico não eram compatíveis com às
características do Brasil.

4 DESAFIOS AINDA PERSISTENTES NO SISTEMA ELÉTRICO


BRASILEIRO
Segundo Goldemberg (2015, p. 39), o que se observa no sistema de energia brasileiro
é a predominância da geração hidrelétrica na produção de eletricidade, contudo, ainda que
majoritária, a sua contribuição tem reduzido rapidamente a partir de 2011, em decorrência do
esgotamento dos aproveitamentos à disposição na região Sudeste do Brasil, área que possui a
maior concentração de grandes usinas hidrelétricas com grandes reservatórios.
Assim, aponta-se que à medida que os novos aproveitamentos passaram a se deslocar
à região amazônica, que possui um relevo muito mais plano, a construção de grandes
reservatórios se tornou inviável, tendo em vista dos danos ambientais e sociais acarretados
por estes, não despertando interesse das empresas em injetar recursos para reduzi-los
(GOLDEMBERG, 2015, p. 39).
Ademais, em 1985, entre as usinas hidrelétricas, ainda fonte de maior produção de
energia elétrica no Brasil, observa-se como tendência a instalação de usinas classificadas
como fio d’água, tornando a produção de eletricidade dependente do regime de chuvas e do
fluxo de águas dos rios. Dessa forma, tendo em vista o cenário em que o sistema elétrico
brasileiro se encontra, de um declínio sistemático do volume de água armazenado entre os
anos de 2001 e 2014, Goldemberg (2015, p. 39) aponta que o Brasil não enfrenta ainda uma
falta generalizada de eletricidade por conta da geração térmica, bem como a biomassa e
energia nuclear, que no ano de 2013, correspondeu a 29,5% do total da produção de energia
elétrica.
Dessa maneira, Goldemberg (2015, p. 39-40) destaca que a ampliação de alternativas
além da hidreletricidade tem ocorrido substancialmente, por meio da utilização de gás natural
derivado de petróleo e carvão, o que tem ocasionado a elevação da poluição regional e a
“carbonização” da matriz hidrelétrica do Brasil. Além disso, o autor destaca que o
procedimento adotado em leilões de energia não considera as peculiaridades de cada uma das
fontes de energia, que possuem gastos diferentes na sua produção, o que chega a desfavorecer
uma expansão mais acelerada da produção de energia por meio de fontes renováveis,
indicando a necessidade de se adotar regras claras e duradouras para o setor elétrico, a fim de
que o setor público e privado passem a aumentar seus investimentos nesse setor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse trabalho foi analisar de forma panorâmica, o sistema elétrico
brasileiro a partir da década de 1960, com enfoque na substancial reforma protagonizada pelo
governo Fernando Henrique Cardoso, trazendo um cenário que levou à realização da reforma
no sistema elétrico brasileiro, os termos da reforma proposta pelo governo e os atuais
desafios que se apontam na produção de energia elétrica do país.
No segundo capítulo, a partir de uma pesquisa bibliográfica, apresentou-se o cenário
do sistema elétrico brasileiro na década de 1960, que estava sob o controle do setor público,
apontando como este havia se consolidado e as crises que começaram a culminar no setor
elétrico antes do governo FHC. No terceiro capítulo, trabalhou-se a reforma do setor elétrico
realizada pelo governo FHC, os termos em que ela se deu, sem desconsiderar o contexto de
crise do setor energético que o país enfrentava, bem como apontando o cenário caótico que
acompanhou a gestão de Fernando Henrique. Por fim, no quarto capítulo, apontou-se os
problemas ainda vigentes no sistema elétrico brasileiro.
Dessa forma, percebeu-se que o Brasil passou a adotar diferentes modelos ao decorrer
do tempo, em que havia maior controle do setor público e, posteriormente, dando maior
participação ao setor privado, visando conter os gargalos do setor. Contudo, ainda estão
presentes substanciais problemas no setor energético do país, sendo imprescindível a solução
destas questões para que o Brasil não retome uma crise generalizada no setor.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOLDENBERG, José; PRADO, Luiz Tadeu Siqueira. Reforma e crise do setor elétrico no
período FHC. Tempo Social, São Paulo, Vol. 15, nº 2, nov. 2003.

______. O estado atual do setor elétrico brasileiro. Revista USP, n. 104, p. 37-44, 5 mar.
2015.

GALVÃO, Gustavo Antônio et al. Por que as tarifas foram para os céus? Propostas para o
setor elétrico brasileiro. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, Vol. 14, nº 29, p. 435-474, jun.
2008.
GOMES, Antônio Claret S. et al. O setor elétrico. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, 2002.

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