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A Evolução Normativa da Conta de Desenvolvimento Energético

Enrico Cesari Costa | Bacharel em Direito pela USP

A Conta de Desenvolvimento Energético (“CDE”) é um encargo setorial criado no


início dos anos 2000 com o objetivo principal de promover a universalização dos
serviços de energia elétrica do país. Durante sua durante sua vigência, o encargo foi
adquirindo outras finalidades relacionadas à garantia de modicidade tarifária e à
subvenção de atividades então tidas como estratégicas para o Governo Federal.

Hoje, a multiplicidade de seus objetivos e o volume de seu orçamento – que em 2021


poderá totalizar o montante de impressionantes R$ 24 bilhões - fazem com que a CDE
se consolide como o mais importante instrumento de financiamento de políticas
energéticas no país.1

Dentre seus diversos objetivos, perpassaram subsídios ao carvão mineral nacional,


desenvolvimento de fontes energéticas renováveis, financiamento programas sociais
como e até mesmo investimentos para infraestrutura para os Jogos Olímpicos Rio 2016
- muitos deles acompanhados de sérios questionamentos quanto a sua racionalidade,
eficiência e constitucionalidade2 - evidenciando que o encargo foi utilizado como uma
carta “coringa” pelo Governo Federal para angariar investimentos no setor elétrico.

Ainda paira grande incerteza sobre qual será o futuro da CDE. A despeito de um
significativo empenho para garantir uma redução estrutural dos objetivos e orçamento
do encargo, as ações dúbias do Governo Federal, pressões de agentes políticos e players
do mercado de energia pleiteiam não só sua manutenção, como inclusão de novos
subsídios à conta.

O presente artigo busca apresentar um panorama histórico desse encargo enfatizando as


características e contornos jurídicos que adquiriu em seu desenvolvimento. Para a
realização dessa análise, propõe-se que a CDE seja analisada tendo em vista três
marcos: (i) um primeiro momento entre a criação da conta pela Lei n°10.438/2002 e a
1
Não se negligência outras importantes fontes de recursos para o desenvolvimento do setor elétrico
nacional, como: o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfra), a
Compensação Financeira Pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH), e a Reserva Global de
Reversão (RGR). Entretanto, nenhum desses instrumentos compara-se à CDE na amplitude de objetivos e
em volume de recursos.
2
Alguns dos quais encontram-se atualmente em discussão no âmbito do Processo TCU nº 032.981/2017-
1.
Medida Provisória 579/2012, em que os objetivos da conta mantiveram uma constância
com seu propósito original; (ii) um segundo momento entre a Medida Provisória
579/2012 e a Lei nº 13.299/2016, em que se verifica uma expansão da CDE para
políticas econômicas e sociais do Poder Executivo relacionadas ou não com o setor
elétrico, e (iii) um terceiro momento entre a Lei nº 13.299/2016 e o momento entre o e
atualidade.

Evidentemente, tratando-se de um instrumento com uma vigência de quase 20 anos,


impossível esgotar o conteúdo de todas as mudanças legislativas realizadas nesse
encargo. Por esse motivo, o foco do presente trabalho será expor as principais mudanças
que modificaram as fontes de financiamento e objetivos desse instrumento.

1. A Primeira Fase – A Instituição da CDE

A CDE foi primeiramente instituída pelo Projeto de Lei de Conversão nº 3/2002, de


relatoria do Deputado José Carlos Aleluia, para conversão em lei da Medida Provisória
n° 14/2001, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para expandir a
oferta de energia no país tendo em vista os problemas de abastecimento gerado pela
Crise do Apagão. O Congresso, para além de referendar os atos do executivo, também
incluiu diversas alterações na Medida Provisória, fazendo com que o ato executivo que
então continha 14 artigos culminasse na atual Lei n°10.438/2002.

Segundo a lei, a CDE seria um encargo setorial com os objetivos de: promover o
desenvolvimento energético dos Estados; desenvolver a competitividade da energia
produzida a partir de fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas, biomassa, gás
natural e carvão mineral nacional, nas áreas atendidas pelo Sistema Interligado Nacional
(“SIN”); e garantir a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território
nacional.

O encargo almejava sofisticar as políticas de fomento e universalização do setor elétrico


– até então difusas, ligadas a atuação das próprias concessionárias de energia elétrica, e
incipientes em atingir objetivos significativos – para criar um ambiente mais adequado
para o desenvolvimento setorial sustentável em um momento pós-crise.

Esse projeto de sofisticação das políticas energéticas para o setor já encontrava ecos em
deputados e senadores de diferentes partidos no Congresso Nacional. Quanto a isso,
cabe apontar que a Comissão Mista Destinada a Estudar as Causas da Crise de
Abastecimento de Abastecimento de Energia no País já indicava em seu relatório final a
necessidade de a criação de um arcabouço normativo específico parar promoção da
universalização de energia elétrica em locais pouco rentáveis, bem como a necessidade
de estimular o desenvolvimento de fontes energéticas renováveis e termelétricas
movidas a gás natural e biomassa como uma forma de diminuir a dependência
hidrelétrica do país.3

O primeiro dos objetivos da CDE foi a garantia da universalização do serviço de


energia. Esse objetivo teve o maior protagonismo no primeiro momento da conta, uma
vez que o Decreto 4.541/2002, que veio regulamentar parte da Lei n°10.438/2002,
dispôs que os recursos do encargo deveriam ser utilizados prioritariamente para
políticas de universalização e a aplicação em outros objetivos somente se daria se
houvesse saldo não utilizado.

Esses gastos estiveram relacionados em sua grande maioria, ao Programa Luz Para
Todos (“PLPT”), criado pelo Governo Lula com o Decreto nº 4.873/2003 em
substituição ao antigo Programa Luz no Campo. O programa tinha como principal
objetivo para propiciar atendimento à parcela da população do meio rural que não
possuísse acesso aos serviços de energia elétrica. Para isso, ao Governo Federal, através
do Ministério de Minas e Energia (“MME”), foi atribuída a função de coordenar e
financiaria a atuação das distribuidoras de energia elétrica para garantirem a conexão de
unidades consumidoras que até então não estivessem ligadas aos serviços de energia
elétrica.4

É fácil entender a importância dada à universalização diante da repercussão política do


censo de 2000, no qual o IBGE pode constatar que quase 2,5 milhões de domicílios não
possuíam acesso à energia elétrica no país, o que totalizava pouco mais de 10 milhões
de brasileiros vivendo no escuro.5

3
BRASIL. Congresso Nacional. Comissão Mista Especial Destinada a Estudar as Causas da Crise de
Abastecimento de Energia no País, Bem Como Propor Alternativas a Seu Equacionamento.
Requerimento nº 73/2001-CN. Brasília, 2001.
4
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da
Energia Elétrica: Manual de Operação para o período de 2015-2018 Rev.1. Brasília, 2017.
5
Questão essa que consta da própria exposição de motivos do referido decreto.
O segundo objetivo da CDE foi criar instrumentos de fomento para as chamadas “fontes
alternativas” de energia elétrica. Assim, foram garantidos descontos tarifários de
distribuição e transmissão não inferiores a 50%, a serem determinadas pela ANEEL,
para energia provenientes de fontes eólicas, gás natural, biomassa e cogeração
qualificada. Com isso, essas fontes passavam a ter os mesmos benefícios tarifários que
já eram concedidos às Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no âmbito da Lei n°
9.648/1998 sob a justificativa de garantir o desenvolvimento de novas tecnologias e
expandir capacidade instalada de fontes de energia limpa para diminuir a pegada de
carbono e a dependência hidrelétrica do sistema.

Um terceiro objetivo da CDE foi a concessão de subsídios para geradores que se


utilizassem de carvão mineral nacional6. Esses subsídios estariam garantidos ao gerador
que estivesse em operação até 6 de fevereiro de 1998 – ou que tivessem autorização
especial do Poder Executivo nos termos do artigo 11, §2, da Lei nº 9.648/1998 – e
seriam concedidos com o ressarcimento do preço gasto pelo gerador com o combustível,
naquele período, limitados à 75% do valor gasto com o carvão pela geradora. 7 Nos anos
seguintes esses subsídios foram expandidos, fazendo com que a CDE passasse a
reembolsar até 100% do valor do carvão mineral, como do combustível secundário
utilizado para garantir a operação da geradora8.

A despeito da redação da lei ser clara no sentido de que o percentual de reembolso para
as usinas à carvão mineral deve ser feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica com
a observância de “critérios que considerem sua rentabilidade competitiva e preservem
o atual nível de produção da indústria produtora do combustível”, em fiscalização
realizada pelo Tribunal de Contas da União (“TCU”) verificou-se que esses valores
nunca foram reajustados pela agência9.

6
Nesse caso, a CDE somente incorporou uma política que já se encontrava presente no país desde a
promulgação da Lei nº 5.899/1973.
7
Segundo relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União, essas políticas visaram garantir o
funcionamento de nove usinas termelétricas da região Sul: Charqueadas, Complexo Jorge Lacerda,
Presidente Médici, São Jerônimo, e Figueira, que representavam 100% das centrais geradoras de carvão
mineral até então. Cabe apontar que outro ponto relevante da política de subsídios ao carvão mineral
adotada neste primeiro momento da CDE foi que usinas termelétricas de carvão nacional que
adotassem tecnologias de geração limpa que estivessem em operação a partir de 2003, também
poderiam receber subsídios para garantia de sua competitividade. Esse benefício, porém, foi revogado
em 2013 pela Lei nº 12.783/2013.
8
O A Lei nº 10.762/2003 alterou a redação do art.13 da Lei nº 10.438/2002 para dispor: “[os recursos da
CDE devem] garantir até cem por cento do valor do combustível ao seu correspondente produtor,
incluído o valor do combustível secundário necessário para assegurar a operação da usina (...)”.
Esse objetivo merece um comentário especial, pois, mostra-se curioso que a CDE
enquanto buscava incentivar fontes de energia limpa também subsidiasse fontes de
energias poluentes movidas a carvão.

Em análise às contribuições da Audiência Pública ANEEL nº 43/2011, que teve o


objetivo de estabelecer procedimentos para reembolso de combustíveis para geradores
que se utilizassem de carvão mineral nacional, é possível verificar que algumas das
usinas termelétricas justificam o subsídio como uma forma de garantir a cadeia
produtiva do carvão mineral e a competitividade dessas usinas que poderiam trazer
externalidades positivas tendo em vista sazonalidade na geração das hidrelétricas.

É importante mencionar, porém, que esse subsídio atinge tão somente nove usinas
termelétricas localizadas na região Sul10. Além disso, algumas dessas regiões
apresentam índices de mortalidades muito superior ao do Estado em que se localizava,
motivado, principalmente, pela emissão de gases poluentes conforme indica
representação feita pelo Ministério Público Federal em Tubarão/SC perante o Tribunal
de Contas da União:

“índice médio de mortalidade por neoplasias (câncer) e doenças respiratórias


(bronquites, sinusites e alergias) é superior ao do Estado de Santa Catarina e do Brasil.
Da mesma forma, apresenta os maiores índices de mortalidade de crianças menores de
um ano por doenças respiratórias e anomalias congênitas, incluindo anencefalia (fetos
sem cérebro). (Acórdão nº1382/2011 -TCU – Plenário. Rel. Min. José Múcio Monteiro.
Sessão de 25.05.2011)

No mesmo sentido, a ANEEL realizou apurações em cada uma dessas usinas e


constatou que o atraso tecnológico dessas centrais geradoras traz grandes prejuízos aos
financiado CDE pelo alto consumo de carvão, e prejuízos ao meio ambiente, por conta
das grandes emissões aéreas das usinas.11

Todos esses elementos fazem questionar a pertinência da instituição de uma subvenção


estatal para o desenvolvimento dessa atividade12.

9
Conforme exposto no Acórdão 1382/2011 do Tribunal de Contas da União“(...) a legislação prevê o
pagamento de até 100% do carvão utilizado, sendo o percentual máximo justificável apenas em caso de
plena utilização da usina; entretanto, nunca houve controle desse subsídio, custeado sempre pelo valor
integral” (Acórdão TCU 1382/2011 – Plenário. Rel. Min. José Mucio Monteiro. Sessão de 27.11.2011.).
10
Segundo disposto na Nota Técnica ANEEL nº 034/2011-SRG/ANEEL, são elas: Presidente Médici A e B,
São Jerônimo, Figueira, Charqueadas e Jorge Lacerda I , II, III e IV.
11
Nota Técnica ANEEL nº 034/2011-SRG/ANEEL
12
Sem afastar a crítica apresentada nesse artigo, é válido mencionar que por força da Lei nº 1.783/2013,
a subvenção de carvão mineral nacional deverá se encerrar em 2027.
O último dos objetivos da CDE foi o desenvolvimento do gás natural no país, uma vez
que os valores da conta também poderiam ser utilizados para a instalação de canalização
de gás natural para aqueles estados que até 2002 não tivessem essa infraestrutura
instalada. Segundo Rutelly Marques, seriam doze unidades federativas que não teriam
essa infraestrutura até então: Goiás, Distrito Federal, Tocantins, Piauí, Maranhão, Pará,
Amapá, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, e Mato Grosso e que, consequentemente,
estariam em descumprimento com o art. 25, § 2º, da Constituição Federal.13

Inicialmente a CDE teria um prazo de vigência de no máximo de 25 anos, e seria


financiada pelo: pagamentos de quotas anuais pagas pelas concessionárias de Uso de
Bem Público (UBP) – valor pago por hidrelétrica pagas pelos empreendimentos de
geração de energia hidrelétrica que adquiriram seus contratos por meio de concessão –,
multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica, e quotas anuais a serem
pagas por todos os agentes que comercializam energia com o consumidor final e que
seriam então repassadas ao consumidor.

As quotas pagas pelos consumidores seriam reajustadas anualmente a partir do


crescimento do mercado e seguiriam o sistema de rateio de ônus e vantagens
decorrentes da utilização de termelétricas no SIN, previsto no § 2º do art. 13 da Lei nº
10.438, de 2002. Tal previsão culminou na criação de um modelo em que os
consumidores dos submercados de energia do Sudeste/Centro-Oeste e Sul pagassem
valores de quotas 4.5 vezes maior do que o submercados da região Norte e Nordeste 14.
Em consequência, as regiões dos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul acabaram
por financiar o desenvolvimento elétrico das regiões Norte e Nordeste na forma de um
subsídio cruzado15.

Ao MME foi incumbido à responsabilidade de elaborar anualmente um programa para a


utilização dos recursos da CDE, sendo que: nenhum projeto poderia utilizar recursos da
conta sem que existisse a disponibilidade de recursos naquele exercício financeiro e,
13
SILVA, Rutelly Marques. Impactos dos Subsídios Custeados pela Conta de Desenvolvimento
Energético. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, fevereiro de 2015 (Texto para
Discussão nº 167). p. 6.
14
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Relatório Preliminar do Plano de Redução Estrutural das
Despesas da Conta de Desenvolvimento Energético. Disponível em:
<http://antigo.mme.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0330efff-eda4-c0d2-9b11-
1115d58561f1&groupId=36148>. Acesso em 16 de abril de 2021. p.4
15
Isso pois, receitas advindas das cotas de uma classe de consumidores (consumidores dos submercados
Sudeste/Centro-Oeste e Sul) passariam a compensar o desenvolvimento energético de outra classe de
consumidores (consumidores dos submercados Norte e Nordeste).
caso houvesse insuficiência de recursos, o déficit seria compensado em exercícios
posteriores. A gestão e movimentação da conta, entretanto, seria realizada pela
Eletrobras.

Logo após a criação da conta, algumas importantes modificações foram instituídas


relacionadas à inclusão e alteração de objetivos, bem como a organização da estrutura
de financiamento da conta.

A primeira delas adveio com a Lei nº 10.762/2003 que incluiu um programa para a
subvenção econômica destinada à modicidade tarifária para os consumidores
classificados como Subclasse Residencial Baixa Renda pela ANEEL 16, nomeada de
Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE). O novo encargo sofisticava o projeto de
subvenção iniciada em 1993 pelo antigo Departamento Nacional de Águas e Energia
Elétrica que colocava à cargo das próprias concessionárias de distribuição de energia
elétrica a função de elaborar estudos e apresentar projetos de para a redução tarifária de
consumidores residenciais de baixa renda.17

Com a TSEE passou a ser atribuído um percentual de desconto que variaria de 100% a
10%, a depender do tipo e da faixa de consumo do usuário, com o objetivo de se
garantir maior acessibilidade aos serviços de energia elétrica.

Importante pontuar que a definição da Subclasse Residencial Baixa Renda é feita de


maneira infra legal e dá discricionaridade para que a ANEEL defina seus beneficiários.
Inicialmente, o benefício era dado a qualquer unidade consumidora: (i) na qual o
responsável estivesse inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal – Cadastro Único ou fosse beneficiário dos programas Bolsa Escola ou Bolsa
Alimentação; e (ii) na qual a família responsável pela unidade consumidora tivesse
renda mensal per capta de no máximo meio salário-mínimo vigente no período.

Atualmente, porém, o benefício também foi expandido para idosos ou pessoas com
deficiência que recebem Benefício de Prestação Continuada, famílias inscritas no
Cadastro Único com renda mensal de até 3 (três) salários-mínimos que tenha portador
de doença ou deficiência que exija equipamentos eletrônicos, como também famílias
indígenas e quilombolas.
16
Classificação dada então pela Resolução Nº 485, de 29 de agosto de 2002 da ANEEL, posteriormente
substituída pela Resolução Normativa Nº 414, de 9 de setembro de 2010.
17
Portaria DNAEE nº 922 de 28 de julho de 1993.
A segunda delas foi a Lei nº 10.848/2004 que explicitou que as quotas anuais pagas por
todos os agentes que comercializam energia com o consumidor final da CDE seriam
recolhidas mediante encargo tarifário. A modificação tinha o condão de garantir que os
agentes que optassem por integrar o Ambiente de Contratação Livre (ACR) não
deixassem de contribuir com a conta através do pagamento das tarifas setoriais. A
contribuição EM nº 95/MME de 11 de dezembro de 2003, feita pelo Ministério de
Minas e Energia, já deixava expresso tal objetivo:

A opção pela condição de consumidor livre não desobrigará o consumidor dos encargos
referentes à CCC do sistema isolado e de outros encargos de caráter sistêmico, tais quais
a RGR, a CDE, a taxa de fiscalização da ANEEL, a contratação da reserva de energia,
devendo ele contratar cem por cento de sua carga.

Tais modificações encerram a primeira fase da CDE, na qual verifica-se uma


predominância dos projetos de universalização dos serviços de energia elétrica e uma
delimitação dos objetivos da conta àqueles indicados pelo legislador. Essa situação se
manteve até 2012, ano em que a Medida Provisória 579/2012 passou a atribuir objetivos
mais abrangentes e volumes de recursos robusto para a CDE.

Para Mario Schapiro18, neste primeiro momento, a despeito de discussões sobre as


fontes de financiamento da conta, os objetivos da CDE eram consistentes com o
desenvolvimento do sistema elétrico nas diretrizes que o ordenamento jurídico classifica
como serviço público adequado.

A definição de serviço púbico adequado, segundo o autor, poderia ser retirada da Lei nº
8.987/1995 quando descreve os padrões a serem observados pelas concessionárias no
exercício de serviços delegados. Assim, o serviço adequado seria aquele que atende,
cumulativamente, as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade e modicidade tarifária.

A CDE, com o financiamento de programas de universalização e tarifa social, estaria


ajudando a expandir os serviços nos termos de generalidade e modicidade tarifária
trazido pela lei. Além disso, o financiamento de novas tecnologia de geração limpa
(e.g., eólica, solar, cogeração qualificada) auxiliava com a modernização do setor em
relação aos princípios de eficiência.

18
SCHAPIRO, Mário G. Desajustes regulatórios no financiamento do setor elétrico: uma análise da conta
de desenvolvimento energético. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.272, ago. 2016. p-
145-173.
2. A Segunda Fase –O Agigantamento da CDE

Tida como um divisor de águas no setor elétrico, a Medida Provisória 579/2012,


posteriormente convertida na Lei nº 12.783/2013, foi editada pela então presidente
Dilma Rousseff para fazer cumprir as promessas de campanha de redução do preço da
energia, mesmo diante de um cenário de escassez hídrica a despacho de termelétricas
fora da ordem de mérito. O objetivo foi atingido – não sem graves consequências – uma
vez que a redução média da energia para residências foi de 18% e para as indústrias,
32%, valores maiores do que se havia prometido em cadeia nacional.19

Para concretizar tal objetivo, o Executivo visou alterar a remuneração dos ativos
sujeitos à concessão do setor elétrico para que passasse a cobrir tão somente as taxas de
operação e manutenção dos ativos e, assim, reduzir as tarifas pagas pelos usuários. Com
isso, a referida medida provisória deu margem para que o governo promovesse uma
ampla renovação dos contratos com as concessionárias dos sistemas de geração,
transmissão e distribuição para renegociação de seus termos.

Nesse contexto, como forma de garantir a redução almejada pelo Executivo, a Lei nº
12.783/2013 incluiu uma nova finalidade para CDE, indicando que os recursos da conta
poderiam ser utilizados para garantia da modicidade tarifária, bem como para
compensação de ativos não amortizados em casos de reversão de concessões – objetivo
semelhante daquele já previsto pela Reserva Global de Reversão (“RGR”). Além disso, a
lei também passou a incorporar os dispêndios da então Conta de Consumo de
Combustíveis (“CCC”) sob a justificativa de simplificar a organização dos subsídios do
setor e garantir recursos do Tesouro Nacional para esse subsídio20.

Em relação à garantia da modicidade tarifária, é importante pontuar que a previsão legal


aberta deu margem para que o Executivo passasse a ter a prerrogativa de incluir novos
objetivos à CDE via decreto, o que foi explorado pelo governo nos anos subsequentes21.

Já quanto a inclusão das outras duas despesas, Rutelly Marques expõe que a
incorporação da CCC pela CDE teve o objetivo de simplificar a cobrança dos encargos
setoriais, bem como permitir que a CCC pudesse acessar as fontes de recurso da CDE.
19
MENDES, Priscilla. Dilma confirma redução na conta de luz e critica ‘pessimistas’. G1 Economia.
Brasília, 23 de janeiro de 2013. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/dilma-
confirma-reducao-na-conta-de-luz-e-critica-pessimistas.html>. Acesso em 16 de abril de 2021.
20
SILVA, Rutelly Marques. Op. cit. p. 11.
21
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Op cit. p.4
A inclusão da compensação de ativos não amortizados em casos de reversão de
concessões, por sua vez, teve objetivo de onerar menos o consumidor, uma vez que o
Congresso reconheceu na tramitação da lei que caso a CDE tivesse margem para
contratar operações de crédito para a indenização das parcelas não amortização dos
ativos, o consumidor seria menos onerado do que a inclusão desses valores nas tarifas.22

No que tange as fontes de recursos, a Lei nº 12.783/2013 trouxe três principais


alterações. Inicialmente, permitiu que os recursos da RGR e da CDE pudessem a ser
transferidas entre si, uma vez que ambos passaram a partilhar de objetivos bastante
semelhantes após a edição da lei.

Em segundo lugar, a lei passou a incluir os créditos que a União e a Eletrobras detinham
contra a Itaipú Binacional como uma das fontes de recursos para o financiamento da
CDE. Cabe apontar que a despeito de ainda subsistir previsão legal para utilização
desses recursos, o Tribunal de Contas da União verificou que esses créditos somente
valores foram transferidos pelo Orçamento Geral da União à CDE no período de 2013 e
201523.

Por fim, foi realizada uma mudança no regime de quotas pagas pelos consumidores, que
passaram a ser fixadas a partir da diferença entre a necessidade total de recursos para o
ano e a expectativa de arrecadação com as outras fontes (i.e., multas aplicadas pela
ANEEL, quotas pagas por UBP e créditos da União contra Itaipu Binacional).

A alteração no regime das quotas pagas pelos consumidores exige um comentário a


parte. Tal mudança fez com que os valores anuais das quotas deixassem de ser
atualizados por um parâmetro fixo e previsível – o crescimento do mercado de energia –
e passassem a corresponder a necessidade de recursos para as políticas do governo, que
agora poderiam ser definidas via decreto. Com isso, sempre haverá recursos para os
objetivos da CDE, pois a limitação passa a ser tão somente a resistência política dos
consumidores pela oneração nas contas de luz.

No mesmo ano também foi promulgada a Lei nº 12.839/2013, que passou a incluir duas
novas despesas para a CDE. A primeira delas foi a atribuição ao Poder Executivo de

22
SILVA, Rutelly Marques. Op. cit. p. 9-11.
23
Acórdão TCU nº 1215/2019-Plenário. Processo TC 032.981/2017-1. Rel. Min Arnoldo Cedraz. Sessão
29.05.2019
poder atribuir, mediante decreto, a subvenção de tarifas nos sistemas de transmissão e
distribuição de energia elétrica para consumidores específicos.

Com essa nova frente de atuação, o Poder Executivo editou o Decreto nº 7.891/2013
que passou a atribuir descontos tarifários para diversas atividades econômicas: (i)
geração de energia por fontes de energia limpa, sendo elas, nos termos do decreto,
Pequenas Centrais Hidrelétricas (“PCHs”) com potência igual ou inferior a 1 MW e
unidades geradoras movidas a energia solar, eólica, biomassa e cogeração qualificada
com potência de até 30 MW; (ii) irrigação e aquicultura realizada em horário especial
(entre 21h30 e 6h); (iii) concessionárias ou permissionárias de distribuição de energia
com mercados de até 5000 GW/ano; (iv) serviço público de água, esgoto e
saneamento24; (v) unidade consumidora rural; (vi) cooperativas de eletrificação rural; e
(vii) serviços público de irrigação.25

O referido decreto acabou por organizar e expandir benefícios tarifários que já eram
pelas concessionárias de energia elétrica. Nesse sentido, temos que o Decreto
67.724/1968 já regulamentava o desconto para as atividades rurais, agrícolas e serviços
públicos e a Lei 9.427/1996 já garantia descontos para as fontes incentivadas. [será que
eu desenvolvo isso aqui? Sinto que está ficando muito longo] [Em caso positivo expor
as normativas da ANEEL que regulamenta esses benefícios: 414/2010 e 77/2004]

A segunda delas foi a possibilidade de que a conta pudesse prover recursos para
compensar o efeito da não adesão à prorrogação de concessões de geração de energia
elétrica trazida pela Medida Provisória 579/2012, uma vez que diversas operadoras de
ativos do setor elétrico não aceitaram a redução de sua remuneração para manter seus
contratos de concessão.

A referida norma foi alterada pelo Decreto nº 7.945 /2013 para dispor, expressamente,
que as concessionárias de distribuição poderiam receber diretamente os recursos da
CDE como forma de neutralizar suas exposições ao mercado de curto prazo advindo da

24
Esse subsídio traz um interessante exemplo de subsídio cruzado, pois, sob a justificativa de garantia de
modicidade tarifária, o Poder Executivo passou a onerar os consumidores de energia elétrica para
amenizar a carga tarifária de outros serviços públicos essenciais.
25
Nesse primeiro momento, por força do §3 do art.1º do decreto, os descontos não poderiam ser
concedidos de maneira cumulativa, devendo ser aplicado tão somente aquele que garantisse a maior
vantagem ao beneficiário. Essa previsão mostra-se importante primordialmente para atividades rurais,
uma vez que atividades agrícolas ou de aquicultura podem facilmente acumular os benefícios atribuídos
às unidades rurais e para o horário especial.
prorrogação dos contratos de concessão, bem como do despacho de usinas termelétricas
acionadas fora da ordem de mérito, por meio de decisão do Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico, em razão de segurança energética.

Segundo Rutelly Marques, a redação deste decreto possibilitou a interpretação de que os


consumidores do Ambiente de Contatação Livre (“ACL”) também deveriam contribuir
com o pagamento das cotas da CDE para esta finalidade. Com isso, a autora interpreta
que foi criado um tipo de subsídio cruzado, uma vez que os consumidores livres
deveriam arcar com custos que, a priori, somente beneficiariam os consumidores
regulados, obrigados a contratar energia da distribuidora.26

As concessionárias de distribuição também forma beneficiadas pela Decreto nº


8.203/2014 que, em uma nova alteração à redação do Decreto nº 7.891/2013, também
requereu que os recursos da CDE fossem utilizados para neutralizar a exposição
“decorrente da compra frustrada no leilão de energia proveniente de empreendimentos
existentes realizado em dezembro de 2013”.

Segundo a exposição de motivos do referido decreto, a medida teve o objetivo de


garantir a continuidade das externalidades positivas trazidas com a redução do preço de
energia garantida pela Lei nº 12.783/2013 e deveria arcar com a exposição involuntária
das concessionárias ao Preço de Liquidação de Diferenças (“PLD”) que se encontrava
elevado no período muito por conta da escassez de chuvas.

No mês seguinte, para viabilizar a neutralização do impacto das distribuidoras expostas


ao mercado de curto prazo, o Decreto nº 8.221/2014 permitiu que a Câmara de
comercialização de Energia Elétrica (“CCEE”) passasse gerenciar a denominada de
Conta no Ambiente Regulado (“Conta-ACR”).

A Conta -ACR seria utilizada em operações de crédito para cobrir as despesas


incorridas pelas concessionárias em casos de exposição involuntária no mercado de
curto prazo, como também pelo despacho fora da ordem de mérito de usinas térmicas
contratadas pelas distribuidoras na modalidade de disponibilidade de energia no ano de
2014. Essas concessionárias teriam recursos advindos da CCEE que centralizaria, com
recursos CDE, operações financeiras de crédito.27
26
SILVA, Rutelly Marques. Op. cit. p. 13.
27
Segundo o disposto na exposição de motivos do despacho, a ideia do governo era centralizar recursos
na CCEE para otimizar operações de crédito e trazer menor ônus a consumidores. Isso pois, segundo o
Em seguida, foi editado o Decreto nº 8.274/2014, que alterando o Decreto nº
7.891/2013, atribuiu nova despesa temporária à CDE para permitir que seus recursos
fossem utilizados para cobrir os custos com a realização de obras no setor elétrico
definidas pela Autoridade Pública Olímpica para realização dos Jogos Olímpicos do Rio
de Janeiro de 2016.

Para isso, se utilizou como fundamento a Lei nº 12.035/2009, que dispôs que o Governo
Federal deveria fornecer recursos, sem qualquer custo ao Comitê Organizador dos
jogos, serviços relacionados à segurança, saúde e serviços médicos, vigilância sanitária
e alfândega e imigração.

A seguir, ocorreu também a edição do Decreto nº 8.370/2014, aprovado em dezembro


de 2014, em que se permitiu que a Eletrobras, como gestora da CDE, estivesse
autorizada a celebrar contratos de repactuação de dívidas com os credores da CCC, bem
como permitiu que o MME pudesse incluir os valores da repactuação no programa de
pagamento da conta.

O motivo da alteração, segundo Rutelly Marques, foi a redução significativa dos


recursos aplicados pelo Tesouro no CDE a partir de 2014, que acabou prejudicando,
principalmente, as obrigações assumidas com a CCC.28

Quanto a esse ponto, cabe mencionar em fiscalização do TCU foram realizadas análises
em relação à evolução do orçamento estimado para a CDE durante os anos de 2012 e
2018. Nelas, é possível identificar que, enquanto os orçamentos de 2013 e 2014
apresentaram previsões de recursos de Itaipú Binacional nas ordens de 8 e 12 bilhões de
reais, respectivamente, o orçamento de 2015 não previu qualquer valor oriundo dessa
fonte. Na prática, a retirada dessa fonte de recurso foi compensada pelas quotas anuais
pagas pelos agentes do sistema elétrico, uma vez que a contribuição dessa fonte que era
da ordem 2 bilhões em 2014 passou a totalizar mais de 18 bilhões em 2015.29
governo, se cada uma das concessionárias ficasse responsável por firmar sua própria operação de
crédito se vislumbraria um alto custo financeiro que seria repassado ao consumidor.
28
SILVA, Rutelly Marques. Op. cit. p. 17.
29
Nesse sentido, cabe apontar a fala da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica
(Seinfra) do Tribunal: “Coincidência, ou não, verificou-se que a partir de 2015 o OGU passou a não mais
prever a transferência de créditos que a União dispunha em Itaipu Binacional para a CDE. As quotas
anuais passaram a ser a principal fonte de recursos. O aumento do total de despesas da CDE nos anos
seguintes, somado à queda da participação da União na composição do orçamento, elevou
sensivelmente o custo para os consumidores, que passaram a arcar quase que completamente com as
despesas.” (Acórdão TCU nº 1215/2019-Plenário. Processo TC 032.981/2017-1. Rel. Min Arnoldo Cedraz.
Sessão 29.05.2019).
Essa transferência da fonte de custeio somente foi possível com a alteração da
metodologia de cálculo das quotas anuais, que passaram a ser calculadas com base na
previsão de gastos com a conta pelo Executivo.

Ainda em um movimento de expandir as finalidades da CDE, temos a promulgação da


Lei nº 13.299/2016. A referida lei é fruto de um projeto de conversão da Medida
Provisória nº 706/2016 que tinha como objetivo a extensão do prazo para que
concessionárias de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica assinassem os
novos contratos de concessão nos termos da Lei nº 12.783/2013.

Segundo a exposição de motivos da Medida Provisória, o MME requereu que fosse


concedido prazo maior para que as concessionárias obtivessem mais tempo para
finalizar os estudos de viabilidade econômico operacional para tomar uma decisão
empresarial de manter ou não seus contratos de concessão sob os novos termos 30, o que
foi garantido pela então presidenta Dilma Rulsseff com a concessão de mais 210 dias de
prazo para a assinatura do contrato.

Entretanto, a referida Medida Provisória, foi objeto de diversas alterações por parte da
Comissão Mista criada para analisar a Proposta de Lei de Conversão. No caso, a
comissão apresentou diversas sugestões para alteração do texto para aperfeiçoar o
ambiente regulatório dos novos contratos de concessão tendo em vista a interligação de
novas capitais ao SIN.31 Dentre essas modificações estariam a utilização de encargos
tarifários, principalmente da CDE, para reduzir alguns riscos das concessões de energia
elétrica nas regiões Norte que afastariam investidores da região.

Dentre as alterações estariam a criação de um período de carência de dois ciclos


tarifários (10 anos) para que as concessionárias das regiões que não estavam conectadas
ao SIN pudessem se adaptar as exigências regulatórias para as concessões. Assim, seria
permitido o repasse à tarifa, pelas distribuidoras, das perdas técnicas e não técnicas
efetivas em 2016.
30
Menciona-se em especial a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) que se manifestou no sentido
de não poder concluir a avaliação do novo modelo de contratação no prazo de 30 dias estabelecida pela
Lei nº 12.783/2013.
31
O Parecer nº 16/2016 da Comissão Mista da Medida Provisória nº 706/2015 de relatoria do Senador
Edison Lobão indicava que com a inclusão de estados da região norte do SIN exigia uma readequação do
modelo de concessão, pois a dependência estrutural de combustíveis fósseis dessa região e os custos
elevados de operação e manutenção demandaria um tratamento reguladoramente diferenciado para
que investidores se interessassem com a operação do local. Dessa forma, não seria suficiente somente
expandir o prazo dos estudos, mas criar alterações mais substâncias aos modelos de concessão.
Para que esse período de carência não gerasse mais pressão tarifária – que, segundo os
deputados, não conseguiria ser absorvida pela população e atividade empresarial da
região – seriam excluídos os encargos setoriais, como a CDE, para o cálculo do ACR
med utilizado no reembolso dos valores da energia dos Sistemas Isolados contratados
pelas concessionárias de energia da região32. Os encargos seriam reincorporados ao
ACR med gradativamente até 2035. Como consequência esses custos adicionais seriam
partilhados por todos os consumidores em um valor maior pago via CDE.

Diante das modificações estabelecidas nessa segunda fase, é possível vislumbrar que a
CDE passa a adquirir várias finalidades distintas, não vinculadas necessariamente a um
objetivo específico ou mesmo ao desenvolvimento do setor elétrico setor elétrico. Cita-
se por exemplo, que a conta passou a financiar atividades rurais, serviços públicos de
água, saneamento e esgoto, redução das exposições causadas pela Medida Provisória
579/2012 e mesmo o financiamento de obras para os Jogos Olímpicos de 2016.

Esse desenvolvimento da conta traz questionamentos quanto a sua própria legitimidade


e legalidade tributária-orçamentária. Isso pois, parte significativa dos objetivos da CDE
foram incluídos de maneira infralegal a partir da justificativa de garantia de modicidade
tarifária pelos poderes estabelecidos pela Lei nº 12.839/2013, sem qualquer
representação popular, mas que acabam onerando todos os consumidores a partir da
lógica estabelecida pelo sistema de cotas. Além disso, é altamente questionado que um
instrumento jurídico33 criado com a finalidade de desenvolver e universalizar sistema
elétrico passe a adquirir uma função que em nada se relaciona com esse objetivo.

A principal consequência desse novo período da CDE advém da própria natureza


intrínseca dos subsídios estatais: a dificuldade de sua extinção ou alteração 34. Enquanto
temos grupos definidos com capacidade de mobilização no Congresso e na
Administração para criar e expandir benefícios estatais na área de seu interesse, os
32
A Lei 12.111/2009 criou um mecanismo em que a CCC – hoje incorporada à CDE - deve reembolsar o
custo das concessionárias de distribuição de energia dos Sistemas Isolados pelo valor adicional que essa
energia tem em relação ao valor médio pago pelos consumidores do Ambiente de Contratação Regulada
(“ACR med”). Assim um valor maior do ACR med impactaria mais as concessionárias da região, pois
representaria um menor reembolso dos encargos setoriais, e levaria a um aumento nas tarifas de luz da
região.
33
Por mais que a CDE seja aproximada de um preço público, Mario G. Schapiro indica que essa
aproximação advém de uma interpretação errônea da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº9. Em
verdade, a CDE adquire contornos bastante semelhantes ao de um tributo quando analisamos [-].
34
Quanto a dificuldade de viabilização política da extinção ou alteração de subsídios menciona-se, a
título único de exemplificação LOWI, Theodore J. American Business, Public Policy Case-Studies, and
Political Theory. World Politics v. 16, n. 4, p. 677-715, 1967.
interesses dos consumidores de energia (i.e., pagar tarifas mais brandas) encontram-se
dissipadas entre um grande número de indivíduos, o que dificulta a mobilização do
grupo e a defesa dos interesses.

Tais dificuldades ligadas à alteração ou extinção de subsídios pode ser observado nos
movimentos atuais ligados a regulamentação da CDE. A despeito de se verificar o
crescimento e estruturação de um discurso sólido e organizado para amenizar o impacto
da CDE aos consumidores, esses eventos se intercalam com ações dúbias do Governo
Federal, pressão de grupos econômicos para expansão do subsídio e falta de articulação
política para defesa dos interesses dos consumidores.

Com isso, indicamos uma terceira fase da CDE, em que verificamos um movimento
normativo que caminha tortuosamente em direção a uma redução das despesas da conta.

A Terceira Fase – Tentativa de Redução

Utilizamos como marco para uma terceira fase da CDE a edição da Lei nº 13.360/2016,
momento em que podemos identificar um movimento por parte do Governo Federal no
sentido de desonerar a CDE dos consumidores de energia.

A Lei foi promulgada poucos meses após o impeachment da presidenta Dilma Rulsseff
pela conversão em Lei da Medida Provisória nº 735/2016 de Michel Temer. Segundo a
exposição de motivos dessa norma, o governo buscava encontrar um modelo mais
equitativo da CDE, que não onerasse substancialmente a atividade econômica do Norte
e Nordeste (regiões mais privilegiadas pelo financiamento da conta), mas que pudesse
acabar com a judicialização existente em torno do sistema de quotas da CDE.

Uma primeira alteração significativa trazida pela lei foi a mudança do ente gestor da
CDE, que deixou de ser a Eletrobras para passar a ser a CCEE. A justificativa
apresentada para essa modificação apresentada pela Comissão Mista que foi de que a
modificação traria melhorias na governança desse encargo, uma vez que se verificava
um conflito de interesses pelo fato de a Eletrobras ser, ao mesmo tempo, a maior
beneficiária da CDE e a gestora da conta.35

35
A despeito dessa justificativa, os debates legislativos mostram um evidente interesse da base
governista de preparar a Eletrobras para uma eventual privatização.
Em segundo lugar, foram retirados como objetivo da conta o fornecimento de recursos
para a amortização de operações ligadas as reversões de concessões, bem como para
compensação dos efeitos da não prorrogação das concessões de geração de energia
advindas com a Medida Provisória 579/2012. Essa retirada, porém, não deveria afetar as
obrigações que já haviam sido atribuídas a conta antes da promulgação da lei.

Em terceiro lugar, foram incluídos novos objetivos a conta: (i) a compensação de


descontos aplicados nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição (um
objetivo que já constava na TUSD e foi transferido à CDE), (ii) a compensação dos
custos relacionados a administração e movimentação de contas da CDE, CCC e RGR
pela CCEE após a alteração da gestão da conta; e (iii) a disponibilização de recursos
para compensar o impacto tarifário da atuação de cooperativas, concessionárias e
permissionárias de distribuição em regiões de carga reduzida.

Em quarto lugar, foi prevista uma importante alteração na forma de rateio dos curstos da
CDE, fazendo com que as quotas anuais passassem a ser calculadas de maneira
proporcional ao seu mercado consumidor. Tal modificação teve o objetivo de reduzir o
subsídio cruzado entre submercados. [desenvolver o porquê]

Por fim, talvez como o maior exemplo de um movimento em direção a uma tentativa
de redução da CDE, a lei previu a criação de um projeto de redução estrutural da CDE
que deveria abordar, obrigatoriamente: (i) uma proposta de rito orçamentário anual; (ii)
instrumentos de despesas anuais; (iii) critérios para priorização e redução de despesas; e
(iv) instrumentos aplicáveis para que as despesas não superem o orçamento previsto
para cada exercício.

Em atenção a essa previsão legal, o Grupo de Trabalho do MME criado pela Portaria nº
484/2016 apresentou duas publicações relacionadas ao Plano de Redução Estrutural das
Despesas da Conta de Energia Elétrica: (i) o relatório preliminar ao plano, datado de 10
de abril de 201836; e o (ii) relatório final ao plano, datado de 2 de outubro de 201837.

36
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Relatório Preliminar do Plano de Redução Estrutural das
Despesas da Conta de Desenvolvimento Energético. Disponível em:
<http://antigo.mme.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0330efff-eda4-c0d2-9b11-
1115d58561f1&groupId=36148>. Acesso em 16 de abril de 2021.
37
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Relatório Final do Plano de Redução Estrutural das Despesas da
Conta de Desenvolvimento Energético. Disponível em:
<http://antigo.mme.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=55cce51d-9b51-2719-022b-
d74b51ccd628&groupId=36148>. Acesso em 16 de abril de 2021.
As publicações indicaram que e recomendaram que:

Nesse contexto há também o processo do Tribunal de Contas da União TC


032.981/2017-1

Medida Provisória nº 879, de 2019 (ver do que se trata)

Vai e volta da acumulação de benefícios :, Decreto nº 9.642, de 2018, Decreto nº 9.744,


de 2019.

Redução de benefícios: Decreto 9.642, de 2018

Decreto nº 9.022, de 2017

Atualmente – COVID.

Medida Provisória nº 950, de 2020

Lei nº 14.120, de 2021 – COVID

Medida Provisória nº 1.010, de 2020

Medida Provisória nº 1.031, de 2021

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