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Relatório Especial do Setor Energético

Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024


Contextualização

2023 foi o ano dos combustíveis fósseis. A explicação é que depois da crise sanitária do
Covid-19, seguida pelas tensões geopolíticas e por uma crise da economia, veio para a mesa
a preocupação com a confiabilidade da oferta de energia. Se até a chegada da pandemia
a questão da sustentabilidade reinava sozinha na discussão da transição energética, a
confiabilidade do sistema energético, que ainda é dada, basicamente, pelos fósseis, tornou-
se a preocupação principal no curto e médio prazo.

No Brasil, o ano de 2023 foi agitado. Início de novo governo é sempre marcado por novos planos
e promessas. E, em 2023, não foi diferente. Margem Equatorial, Renovação de Concessões das
distribuidoras de energia elétrica, Apagão, Programa Gás para Empregar, o papel da PPSA,
PL do Combustível do Futuro, Preço dos Combustíveis, o papel das energias renováveis, a
geração térmica, entre outros, são apenas alguns exemplos de temas que permearam as
discussões no setor energético ao longo do ano.

No entanto, a discussão de todos esses assuntos ficou mais nas intenções do que nas
realizações. 2024 será um ano difícil, já que no calendário político teremos as eleições para
prefeituras em todo o Brasil. É provável que todos os assuntos discutidos em 2023 voltem
à mesa do Executivo e do Congresso em 2024. Esperamos que comecem a ganhar soluções
consistentes e coerentes.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Setor Elétrico

No setor elétrico, o impacto das adversidades climáticas e das mudanças tecnológicas sobre
as atividades do setor foi o principal assunto. Além dos desafios do clima, 2023 herdou uma
grande discussão de 2022 sobre a renovação das concessões de distribuição de energia
elétrica. A definição dos termos da renovação das concessões, cujo prazo inicial era 2022,
foi prorrogado para 2023 e acabou ficando para 2024, deixando muitas incertezas para as 21
distribuidoras de energia cujos contratos de concessão expiram entre 2025 e 2031.

Objetivando direcionar a questão, em setembro, o Ministério de Minas e Energia (MME)


encaminhou a Nota Técnica nº 19/2023/SAER/SE ao Tribunal de Contas da União (TCU). O
documento continha as diretrizes para a renovação das concessões de distribuição resultantes
dos processos de audiência e consulta pública promovidos para a discussão do assunto.

As diretrizes, trazidas pela Nota Técnica do MME ao TCU, precisam ser discutidas no
Congresso. Essa é a forma de garantir ao segmento de distribuição e, por consequência, ao
setor elétrico, o fundamento jurídico e a base regulatória capazes de trazer segurança às
próprias resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), trazendo benefícios
tanto para concessionárias quanto para consumidores.

No início de novembro, a elevação da temperatura em níveis históricos resultou em dois


recordes consecutivos de demanda instantânea no Sistema Interligado Nacional (SIN). O
indicador superou o patamar dos 100 mil megawatts (MW), em razão do maior uso de ar-
condicionado e afins. Foi em meio à alta temperatura e consumo que a Enel teve sérios
problemas de fornecimento em suas áreas de concessão, situadas nos estados de São Paulo
e do Rio de Janeiro. As tempestades e a onda de calor mostraram a importância das usinas
térmicas para o atendimento da ponta do sistema elétrico, evitando apagões, e a necessidade
de se rever os contratos de concessão das distribuidoras, em função das mudanças climáticas
e tecnológicas. As distribuidoras perderam muito mercado para o mercado livre e para a
geração distribuída solar.

Em 15 de agosto, ocorreu outro evento marcante para o setor, o corte de 18.900 MW do SIN, que
impactou 25 estados e o Distrito Federal. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS), a ocorrência foi causada pela atuação de mecanismos de proteção sistêmicos do SIN.
A ferramenta de defesa do sistema teria sido acionada após a abertura, sem explicação, da
Linha de Transmissão de 500 quilovolts (kV) Quixadá-Fortaleza II, localizada no Ceará, e de
propriedade de Chesf, subsidiária da Eletrobras. Esse evento ilustrou o problema da expansão
da participação das fontes renováveis, como a eólica e a solar, na matriz elétrica, sem a
contrapartida da geração térmica, que garante a segurança do sistema.

O leilão de linhas de transmissão da ANEEL, realizado em junho de 2023, é outro exemplo


do impacto da expansão das renováveis sobre o planejamento do setor. Com o objetivo de
viabilizar o escoamento da energia renovável gerada na região Nordeste para os centros de
consumo no Sudeste, o certame foi o maior do seu tipo já realizado pela ANEEL, atraindo
volume recorde de investimentos previstos para o setor elétrico, R$ 15,7 bilhões. Os trechos
arrematados compõem a construção, operação e manutenção de 33 empreendimentos que
totalizam 6.184 quilômetros (km) de linhas de transmissão e subestações com capacidade de
transformação de 400 megavolt-ampéres (MVA).

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Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Em dezembro de 2023, outro Leilão de Transmissão foi realizado com o mesmo objetivo:
contratar corrente contínua para coletar energia de centenas de usinas eólicas e solares
localizadas no norte de Minas e no nordeste do país. No segundo certame do ano, foram
negociados três lotes, totalizando 4.471 km de linhas de transmissão e subestações com
capacidade de transformação de 9.840 MVA, localizados nos estados de Goiás, Maranhão,
Minas Gerais, São Paulo e Tocantins.

Ainda em 2023, o setor elétrico brasileiro foi fortemente impactado por uma crise hídrica
histórica na Região Norte, a detentora do maior potencial hidroelétrico do país. O primeiro
sinal de alerta veio com a interrupção excepcional da operação na Usina Hidroelétrica (UHE)
Santo Antônio, em razão dos baixos níveis de vazão registrados no rio Madeira, em Rondônia.
A UHE opera a fio d’água, ou seja, sem reservatório. Diante da situação, o ONS foi obrigado
a despachar Usinas Termoelétricas (UTEs), inclusive a óleo diesel, mais caras e poluentes, de
forma a garantir o fornecimento de eletricidade.

Outra mudança significativa para o setor elétrico, nesse primeiro ano de governo, está
relacionada à aprovação da reforma tributária. No setor elétrico, a principal demanda é a
manutenção do status de essencialidade da eletricidade, um enquadramento conquistado
recentemente, em 2022, que limita a incidência de tributos sobre o bem ou serviço.

Para 2024...

Um novo ano se inicia e velhos problemas continuam assombrando o setor elétrico. Um dos mais
relevantes é a vulnerabilidade da matriz elétrica às condições climáticas. Agora, após um 2023 de
conforto, no que se refere ao nível dos reservatórios, os efeitos do fenômeno El Niño já começam
a deixar o setor elétrico em alerta. O país já passou por crises hídricas graves nos últimos anos,
as quais sempre ameaçaram a segurança do fornecimento. Contudo, todas as ações e medidas
realizadas pelo setor foram paliativas, onerando o consumidor – em particular, o cativo.

Outro tema importante para 2024 no setor elétrico é a definição dos termos para renovação
das concessões de distribuição de energia elétrica. No fim de janeiro, o TCU deu o sinal verde
para que o MME prossiga com os processos de renovação com base nas diretrizes propostas
pelo ministério em 2023. O pedido de suspensão da concessão da Enel, pela prefeitura de
São Paulo, a dificuldade da transferência do controle societário da Amazonas Energia e a
entrada da Light em recuperação judicial mostram a urgência de uma discussão sobre as
renovações diante do cenário de mudanças tecnológicas e climáticas.

Ao todo, são 21 distribuidoras com contrato a expirar entre 2025 e 2031. A necessidade de
definir as diretrizes para as renovações e o atraso do processo refletem um problema muito
maior do setor elétrico, a defasagem regulatória. A modernização de normas e regras do
setor é uma pauta imprescindível e não pode ser negligenciada por mais um ano. Vamos
aguardar as discussões no Congresso.

Além disso, uma série de mudanças, que seriam propostas por novos Projetos de Lei (PLs)
ou Medidas Provisórias (MPs), ainda não foram enviadas ao Congresso. As principais seriam
a extensão por 36 meses do desconto na tarifa de transmissão para a energia eólica e solar,
o que a nosso ver não faz mais nenhum sentido. A discussão sobre a mudança na Lei da
Eletrobras, por sua vez, já se encontra no Senado. Por fim, se falou muito ainda em uma
possível MP tratando da modicidade das tarifas de energia elétrica.

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Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Setor de Petróleo & Gás

Petróleo e Derivados
No setor de Óleo e Gás (O&G), as mudanças estão muito ligadas ao papel da Petrobras no novo
governo. Enquanto nas gestões Temer e Bolsonaro a Petrobras foi tratada como uma empresa
mais independente e preocupada com os acionistas, o governo do PT volta com uma política
mais intervencionista.
A nova diretoria da Petrobras, atendendo ao prometido pelo presidente Lula durante a campanha
presidencial, abandonou a Política de Preços baseada na Paridade de Importação (PPI), adotando
uma nova estratégia comercial para os preços da gasolina e do diesel produzidos nas refinarias da
petroleira. Segundo a empresa, a nova estratégia segue duas referências: (a) o custo alternativo
do cliente, como valor a ser priorizado na precificação; e (b) o valor marginal para a Petrobras.
O valor exato e as variáveis envolvidas não foram explicitadas pela companhia, o que torna cada
vez mais difícil prever reajustes futuros.
Outra decisão importante para o setor foi a revogação da Resolução CNPE nº 9/2019, que
estabelecia as diretrizes do processo de venda dos ativos de refino no país. Em linha com a nova
diretriz do governo, em novembro, a Petrobras solicitou ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) a revisão do Termo de Compromisso de Cessação (TCC), assinado em 2019. O
acordo previa a privatização de oito refinarias e objetivava a quebra do monopólio da Petrobras
no mercado nacional de refino. O acordo viabilizou, inclusive, a alienação de ativos importantes,
como Mataripe (BA)1. No entanto, com a decisão de suspensão da abertura do parque de refino, a
Petrobras interrompeu a venda da Lubnor (CE), que estava praticamente finalizada, e as demais
plantas de refino2 não deverão mais ser concedidas à iniciativa privada. Ressalta-se, ainda, a
intenção de recompra de Mataripe (antiga Rlam).
É importante destacar que o fim do programa de desinvestimento da Petrobras não se aplica
somente às refinarias, estando suspensas também todas as vendas de ativos de upstream –
em particular, aos campos em terra. Em comunicado, a companhia disse que, considerando sua
aderência estratégica ao portfólio, bem como o perfil de rentabilidade, encerraria os processos de
desinvestimento do Polo Urucu, Polo Bahia Terra, Campo de Manati e da Petrobras Operaciones
S.A. (subsidiária da Petrobras na Argentina).
Em novembro de 2023, a Petrobras apresentou o seu novo plano estratégico para o período
2024/2028, que trouxe um volume de investimentos de US$ 102 bilhões. O segmento de
Exploração e Produção (E&P) segue representando o maior percentual de investimento da
empresa. A novidade é a volta de investimentos significativos em refino, fertilizantes e energias
renováveis, além de redução no pagamento de dividendos.
Outro destaque do plano foi o anúncio do incremento de 25% dos investimentos em atividades
de exploração na Margem Equatorial. As bacias do Sudeste, onde estão localizados os principais
poços da empresa, receberão o mesmo investimento que a Margem Equatorial, reforçando as
pretensões da petroleira de expandir a produção na região.
O debate acerca da exploração da Margem Equatorial ampliou-se quando o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou o pedido de exploração da área pela

1
Os outros ativos alienados foram a Refinaria Isaac Sabbá (Reman) e a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX).
2
Regap (MG), Repar (PR), Refap (RS) e Rnest (PE).

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Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Petrobras. A partir de então, iniciou-se uma queda de braços para que a petroleira consiga o aval
para pesquisar a existência de petróleo na região. Essa discussão, contudo, não deve ser unilateral
por não ser restrita unicamente à questão ambiental ou exploratória. É preciso racionalidade
econômica. A exploração da área pode render recursos capazes de apoiar uma política ambiental
e ainda colaborar para o desenvolvimento socioeconômico da região.
Segundo estimativas preliminares, a reserva da Margem Equatorial brasileira pode chegar a
30 bilhões de barris de petróleo, sendo 10 bilhões recuperáveis, volume próximo às reservas
provadas do pré-sal, de 14 bilhões. Em um cenário conservador, o CBIE Advisory estima uma
produção potencial de 1,1 milhão de barris por dia (b/d) no pico de produção da área, em razão
do risco ambiental atribuído. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, declarou que a resposta
para a Petrobras sobre o tema virá no início de 2024.
Para além dos desenvolvimentos relacionado a Petrobras, agentes da indústria de O&G olharam
com atenção para a elaboração da proposta do novo sistema tributário nacional. A perspectiva
do setor sobre a reforma tributária tem como prioridade a reformulação do REPETRO, o regime
aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa
e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural, estabelecido originalmente nos termos do Artigo
458, do Decreto nº 6.759/2009.
O REPETRO, do segmento de O&G, passa por uma lógica similar ao do REIDI, no setor elétrico.
O regime, embora não seja uma desoneração, desempenha um papel crucial no avanço da
exploração e produção de petróleo e gás no Brasil. De acordo com projeção apresentada pelo
Instituo Brasileiro de Petróleo (IBP), durante os próximos 10 anos, o REPETRO deve garantir
investimentos, empregos e arrecadação de tributos no setor, totalizando projetos no valor de
USD$ 180 bilhões e gerando mais de 445 mil postos de trabalho diretos e indiretos anualmente.
Ademais, a manutenção do regime está alinhada com uma pauta que está no cerne da reforma
tributária, que é a desoneração dos investimentos.
Além do REPETRO, também, existe uma preocupação associada à possibilidade de estados e o
Distrito Federal determinarem uma contribuição sobre produtos primários produzidos em seus
territórios. Isso poderia afetar a competitividade e a atratividade de investimentos na indústria
de O&G, que já enfrenta uma alta carga tributária, de cerca de 70%, segundo o IBP. Nesse
sentido, é importante ressaltar que o segmento é um grande arrecadador para o Estado, tendo
pagado aproximadamente R$ 690 bilhões somente em participações governamentais para a
União, Estados, Municípios e Fundo Especial, entre 2010 e 2022. Ou seja, ainda sem considerar
a cobrança de tributos sobre o consumo, o segmento já apresenta uma contribuição expressiva
para a receita de diversas competências governamentais.
Outra ressalva feita por alguns membros do setor de energia como um todo é a falta de
esclarecimento quanto à aplicação do Imposto Seletivo (IS). A princípio, o objetivo do tributo
é onerar bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. No entanto, essa definição
“aberta” abre espaço para diferentes interpretações e aplicações. Apesar do setor de energia não
apresentar um volume de emissões expressivo quando comparado ao uso de terra e agropecuária
no Brasil, há de se considerar o possível impacto de se sobretaxar os combustíveis fósseis, seja
qual for sua finalidade.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Para 2024...

O ano mal começou e já circulam notícias preocupantes para o setor de óleo e gás. Em janeiro, o presidente
Lula anunciou a retomada dos investimentos da Petrobras na refinaria de Abreu e Lima (Rnest), projeto
polêmico que já demandou mais de US$ 20 bilhões desde o início das obras, frente a um orçamento inicial
de US$ 2,3 bilhões em 2005. Essa decisão é um grande equívoco e ignora aspectos centrais no histórico de
construção desse ativo, que culminou em caso de corrupção, com o próprio TCU alegando superfaturamento
nos contratos referentes à obra. Além disso, a retomada de investimentos na Rnest, tal como nos ativos de
refino no geral, decreta a retomada do monopólio da Petrobras no segmento. A reviravolta no segmento de
refino traz limitação, vetando a entrada de novos players, e insegurança regulatória e jurídica.

No setor de petróleo, o assunto mais aguardado será a resposta do Ibama em relação à Margem
Equatorial. Dada a complexidade do assunto, é provável que essa decisão não seja resolvida de
imediato. Portanto, no segmento de exploração, a atenção está voltada para os avanços da campanha
de perfuração na Bacia Potiguar, envolvendo o primeiro dos 16 poços que a Petrobras pretende perfurar
na promissora Margem Equatorial até 2028.

De acordo com o Plano Estratégico da Petrobras, para 2024 são previstos investimentos de US$ 18,5
bilhões, sendo US$ 15,5 bilhões destinados a E&P, US$ 1,9 bilhão para refino, transporte e comercialização,
US$ 600 mil para a área corporativa e US$ 500 mil para gás e energias de baixo carbono.

Espera-se que a exploração e produção de óleo e gás permaneça em uma crescente. A Petrobras divulgou
que avançará com a contratação de seis Unidades Flutuantes de Produção, Armazenamento e Transferência
(FPSO, na sigla em inglês) para os projetos Sépia 2, Atapu 2, Barracuda-Caratinga, Albacora e Sergipe-
Alagoas. Também está prevista a inauguração do FPSO Marechal Duque de Caxias em 2024, que será a
terceira unidade de produção no campo de Mero.

No setor privado, a Enauta iniciará as operações do FPSO do Campo de Atlanta e a Equinor trabalhará em
seus projetos Bacalhau e Raia (antigo Pão de Açúcar), na Bacia de Santos. Além disso, Karoon, PRIO, 3R
Petroleum, Trident Energy e BW Energy possuem compromissos de investimentos relacionados a projetos
offshore. E, a respeito de produtores onshore, empresas como 3R Petroleum, Petrorecôncavo, Origem
Energia, Seacrest, Imetame e Petrosynergy continuarão investindo na revitalização de ativos maduros.
Além disso, a Eneva avançará com campanhas de perfuração nas bacias do Parnaíba e Amazonas.

Para 2024, também, é esperado o início da operação do gasoduto Rota 3 e da unidade de processamento
de gás, que trará 18 milhões de metros cúbicos por dia (m3/d) de gás natural do pré-sal, e o início de
operação de três novos terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL), pela New Fortress Energy (NFE) no
Pará e em Santa Catarina, e Compass Gás e Energia, do grupo Cosan, em São Paulo.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a última rodada de
licitação de áreas de exploração de petróleo e gás, realizada em 13 de dezembro. No 4º Ciclo da Oferta
Permanente de Concessão (OPC) foram arrematados 192 blocos exploratórios, em todas as nove
bacias que tinham áreas em oferta. No entanto, apenas uma das cinco áreas de partilha de produção,
Tupinambá, na Bacia de Santos, foi vendida para a BP Energy.

O Brasil conta com o Programa de Oferta Permanente como modelo de licitação de blocos exploratórios e
áreas com acumulações marginais de petróleo e gás natural. Nesse programa, as licitações são realizadas
após as empresas manifestarem interesse em um ou mais blocos exploratórios em oferta permanente.
Entre esses ativos estão concessões e áreas de partilha de produção. A menos que a ANP apresente áreas
de partilha de produção mais atraentes, o modelo de concessão, especialmente nas bacias de Santos,
Pelotas e Margem Equatorial, deve concentrar a atenção de grandes petroleiras.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Gás Natural
Enquanto nas principais economias do mundo cresce a participação do gás como energético
de transição para uma matriz mais limpa, a evolução do setor no Brasil continua lenta. Tanto na
produção quanto no consumo, o Brasil é responsável por menos de 1,0% do mercado global e
internamente o market share do gás natural é de apenas 12%.

Apesar das oportunidades de crescimento, o setor de gás ainda não possui mecanismos legais e
regulatórios apropriados para se desenvolver no Brasil. A verticalização da cadeia e o monopólio
da Petrobras são determinantes para a falta de competição e a baixa diversificação de atores.

Sem resolver os gargalos existentes, o mercado brasileiro vai continuar desperdiçando a


oportunidade de acompanhar a tendência mundial do setor. Falta aos agentes um entendimento
completo do funcionamento da cadeia e do papel de cada um para garantir o crescimento do
setor, bem como a participação de todos na maximização dos resultados. Do contrário, não
será possível dar vazão ao aumento da produção e a alternativa continuará sendo a reinjeção,
principalmente, nos campos do pré-sal.

O novo governo lançou, em 2023, o Programa Gás para Empregar. Nas palavras do ministro de
Minas e Energia, “é um programa que visa o processo de reindustrialização nacional através do
gás, não só o gás do pré-sal, mas de todas as petroleiras.”. O presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, também apontou para a necessidade da promoção de medidas que estimulem o
gás natural, considerado por ele como insumo essencial para a garantia de segurança energética
e desenvolvimento industrial nacional.

Dentre os objetivos do programa estão listados: (i) o aumento da oferta de gás natural da União
ao mercado doméstico; (ii) o melhor aproveitamento e retorno, tanto social quanto econômico,
da produção de gás natural, priorizando a redução dos volumes de reinjeção; (iii) a maior
disponibilidade do hidrocarboneto para a produção nacional de fertilizantes hidrogenados,
produtos petroquímicos e outros setores produtivos; e (iv) a incorporação do gás natural à
estratégia nacional de transição energética.

O CNPE também destacou quatro medidas que poderão ser implementadas a fim de se alcançar
os objetivos elencados. Dentre as medidas, o maior destaque foi dado à implementação do
reconhecimento como custo em óleo, pela Empresa Brasileira de Administração de Petróleo
e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), do desenvolvimento de infraestrutura
essencial. A medida englobaria o acesso, construção, operação e manutenção de unidades
de escoamento e processamento do gás natural dos contratos de partilha de produção.
Programas como o Gás para Empregar, que promovem a redução dos obstáculos físicos
e regulatórios, são um ponto chave para que o combustível se torne um dos alicerces
da indústria nacional.

Indo além do planejamento e de questões regulatórias, 2023 também marcou a chegada dos
novos modelos de contrato da Petrobras. A partir de maio do último ano, a petroleira passou a
oferecer dois indexadores diferentes, o petróleo tipo Brent e o gás natural no Henry Hub, junto a
cinco opções de prazos de suprimento: quatro, cinco, sete, nove e onze anos.

Segundo o gerente-executivo de Gás e Energia da Petrobras, Álvaro Tupiassu, 20% do volume


de gás natural contratado por concessionárias estaduais na nova safra de acordos está indexado
ao Henry Hub. A aposta de especialistas é de que a indexação ao Henry Hub proporcione maior
estabilidade aos preços da molécula no mercado doméstico.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Outra mudança organizacional interessante do setor também está associada às mudanças nas
modalidades de contrato da Petrobras. Enquanto anteriormente os acordos ofertados previam a
entrega de gás no city-gate, onde a fornecedora é responsável pela contratação tanto da entrada
quanto da saída do combustível do sistema de transporte, no último ano a petroleira também
passou a oferecer a modalidade de entrega no hub. No novo modelo, a Petrobras se responsabiliza
apenas pela contratação da entrada da molécula no sistema de transporte, enquanto o cliente
fica a cargo da contratação da saída.

Ao todo, a companhia estimou que 10% do volume recém-contratado adere à nova modalidade.
A participação ainda tímida da entrega em hub deriva da percepção de risco das distribuidoras,
que é alimentada por fatores como a alta exposição às penalidades de transportadores pela
retirada de uso de menos da capacidade contratada nos gasodutos.

Seguindo o tema de transporte e distribuição de gás natural, também é importante olhar


para os contratos firmados diretamente entre transportadoras e distribuidoras ao longo
de 2023, assim como para a evolução do TCC da Petrobras no segmento de gás. Ao todo,
oito companhias estaduais de gás natural canalizado assinaram acordos para 2024 com a
Transportadora Associada de Gás (TAG) e com a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-
Brasil (TBG), um crescimento expressivo comparado ao número de contratantes no período
de 2023, de apenas três concessionárias.

Quanto ao TCC, a companhia protocolou junto ao Cade um pedido de revisão do termo referente
aos ativos de gás, tal como fez no refino. O argumento é de que seu Plano Estratégico 2024 –
2028 prevê a ampliação de atividades nestes mercados. Portanto o processo de desinvestimento
seria contrário aos seus interesses econômicos. O TCC firmado com o Cade para o mercado de
gás previa a venda das participações da Petrobras nas transportadoras NTS, TAG e TBG, além
da transferência da Gaspetro. A petroleira também deveria conceder acesso às suas unidades
de processamento de gás natural. Pelo cumprimento dos compromissos pela Petrobras, o Cade
arquivaria processos administrativos sobre condutas abusivas da Petrobras no mercado de gás
natural. No âmbito do acordo foram concluídas as vendas da Gaspetro, TAG e NTS. Já a liquidação
do controle (51% das ações) da Petrobras na TBG não foi realizada.

Vale notar, ainda, os novos capítulos do caso “Gasoduto Subida da Serra: Transporte ou
Distribuição”. Mais um ano se passou e a classificação do empreendido continua sendo motivo
de contenda no segmento de gás natural. O Subida da Serra foi um projeto aprovado em 2019,
pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), nos limites de
sua competência e dentro dos termos da legislação aplicável naquele momento, como parte
inerente da 4ª Revisão Tarifária Ordinária da Comgás. A partir da publicação da Nova Lei do Gás,
a Lei nº 14.134/2021, transportadores de gás vêm pleiteando junto à ANP a requalificação do
Subida da Serra como um gasoduto de transporte.

Diante dos questionamentos, em julho de 2023, a ANP abriu a Consulta Pública nº 10/2023. O
objetivo do processo foi obter subsídios ao teor da minuta de acordo entre a ANP e a Arsesp.
Idealmente, a partir das contribuições seria possível criar as condições possíveis e necessárias
para que o gasoduto possa operar de acordo com as legislações federal e estadual. O caso,
apesar de impactar diretamente apenas o estado de São Paulo, deve criar um precedente
para futuras deliberações da ANP sobre questões similares, reforçando o arcabouço
regulatório do segmento.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Assim, como evidenciado, enquanto houve avanços no campo teórico, outras decisões
práticas vão contra o desenvolvimento de um mercado saudável e competitivo. Pode-se dizer
que, em uma corrida entre a lebre e a tartaruga, o mercado de gás nacional vai no ritmo da
segunda... devagar e sempre.

Para 2024...

Nas palavras de Madam Li, atual presidente da International Gas Union (IGU), “a crise
energética lembrou ao mundo que só quando a energia é acessível e segura é que pode
tornar-se verdadeiramente sustentável. Muitos países em desenvolvimento na Ásia, África e
América do Sul continuarão a precisar de mais gás para alimentar a economia, para reduzir
a poluição do ar e as emissões. É evidente que, para a construção de sistemas de energia
sustentáveis e acessíveis para todos, são urgentemente necessários investimentos em gás, a
par de mais energias renováveis”.

A ótica da executiva corrobora com a visão de especialistas do setor em todo o mundo,


ressaltando a importância do gás como uma peça essencial de uma transição segura. Para
o futuro do planejamento nacional, é importante olhar com atenção para essa problemática,
buscando referências em experiências internacionais bem-sucedidas a fim de se permitir que
o potencial nacional se realize.

Nesse sentido, que o ano de 2024 fomente as discussões sobre o licenciamento ambiental
para a exploração do shale gas, uma forma de tornar o preço do energético mais competitivo
no Brasil. O novo ano é a oportunidade de dar ao setor uma política efetiva para reduzir
a reinjeção do gás natural que já ultrapassa os 70 milhões de m3/d. Não é possível o país
continuar a ser importador de gás e reinjetar esse volume gigantesco. E, por fim, não se
deve ignorar a importância do aumento da infraestrutura essencial do gás natural no país,
pois sem ela não haverá esse mercado no país. O Brasil é um dos países que tem a menor
quilometragem de gasodutos do mundo. Uma malha dutoviária robusta é essencial para
interiorizar o energético e fomentar a reindustrialização do país.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Renováveis

O destaque das energias renováveis em 2023 foi a significativa expansão da energia solar na
matriz elétrica brasileira, batendo recordes em função da geração distribuída. Em outubro de
2023, a capacidade instalada total de geração de energia elétrica do Brasil atingiu 221.025 MW,
incluindo geração distribuída (GD), dos quais 34.878 MW corresponderam à geração de fonte
solar, o equivalente a 15,8% da matriz, e a terceira maior fonte atrás apenas da hidráulica (49,7%)
e da térmica (22,1%), como mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1 – Matriz de Capacidade Instalada de Geração de Energia Elétrica, sem Importação


Contratada – Outubro/2023

Solar Eólica
15,8% 12,4%
Biomassa
7,6% Petróleo
3,9%
Térmica
22,1% Carvão
1,5%

Hidráulica Gás Natural Nuclear


49,7% 8,0% 0,9%
Térmica GD
0,1%

Outros fósseis
0,1%

Fonte: Boletim Mensal de Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro (Ministério de Minas e


Energia - MME) – Outubro/2023.

Segundo a ANEEL, 2023 terminou com um crescimento de 10.324,2 MW na matriz elétrica,


ultrapassando o recorde anterior de 9.527,8 MW, alcançado em 2016. Entre as 291 usinas
que entraram em operação no ano, os parques eólicos contribuíram com 140 unidades que
passaram a operar ao longo do ano e somaram 4,9 GW, respondendo por 47,7% da expansão
da matriz no ano. Ainda houve o acréscimo de 104 centrais solares fotovoltaicas (4.070,9
MW), 33 termoelétricas (1.214,9 MW), 11 pequenas centrais hidroelétricas (158,0 MW) e três
centrais geradoras hidroelétricas (11,4 MW).

Adicionalmente, os dados da ANEEL referentes aos empreendimentos com potência


outorgada ainda em construção ressaltam a tendência de continuidade da expansão acelerada
da participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira nos próximos anos. De
um total de 18,1 GW de capacidade que será acrescida ao parque gerador nacional, 41,6%
correspondem a usinas solares fotovoltaicas, enquanto a geração eólica responde por 25%
desses projetos, como mostra o Gráfico 2. As usinas termoelétricas, por sua vez, representam
23,7% desse total. Já a geração nuclear, representada especificamente pelas obras de Angra
III, responde por 7,4% dessa capacidade ainda fora de operação. Ao se analisar a matriz de
empreendimentos com potência outorgada e construção não iniciada (Gráfico 3), os dados
chamam ainda mais atenção: 82,3% correspondem a projetos de geração solar e 14,1% à
geração eólica, com ambas respondendo por mais de 96% do total.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Gráfico 2 – Potência outorgada por Gráfico 3 – Potência outorgada por fonte
fonte – Empreendimentos em construção – Empreendimentos com construção não
(Jan/2024) iniciada (Jan/2024)
UHE UHE
0,3% 0,2%
UTE
2,7%
PCH
Solar FV
0,7%
41,6% UTE
23,7% Solar FV
82,3% Eólica
14,1%

Nuclear
7,5%
Eólica
PCH 25,0% CGH
1,9% 0,1%

Fonte: Sistema de Informações de Geração da ANEEL – Fonte: Sistema de Informações de Geração da ANEEL –
SIGA – Janeiro/2024. SIGA – Janeiro/2024.

Com os novos empreendimentos em energia eólica e solar geralmente instalados em áreas


fisicamente distantes dos centros de consumo, a capacidade de transmissão vem se tornando
um risco recorrente. Se mantido o ritmo de expansão atual, a capacidade da rede existente
pode ser insuficiente para atender ao aumento da oferta, sobretudo nos horários de pico.
O apagão de 15 de agosto foi um exemplo. O afundamento de tensão no SIN foi detectado
pela primeira vez por volta de 8h26. O restabelecimento das cargas se iniciou na região
Sul seguindo para o Sudeste/Centro-Oeste em cerca de uma hora. Já os subsistemas Norte
e Nordeste, a origem da falha, só foram reestabelecidos cerca de 6 horas depois da
identificação do corte de carga.

Ainda em agosto de 2023, visando contribuir para a agenda de descarbonização, o governo


publicou o Decreto nº 11.628, que relança o programa Luz para Todos, além do objeto de reduzir
as desigualdades, também será incentivada a descarbonização energética da Amazônia
Legal, pela utilização de fontes limpas e renováveis. Além disso, o Decreto nº 11.648/2023
cria o programa Energias da Amazônia, com o objetivo de promover investimentos em ações
e projetos nos Sistemas Isolados localizados na região da Amazônia Legal destinados a: i)
reduzir a geração de energia elétrica por meio de combustíveis fósseis e, consequentemente,
as emissões de gases de efeito estufa; ii) contribuir para a qualidade e a segurança do
suprimento de energia elétrica; e iii) reduzir estruturalmente os dispêndios da Conta de
Consumo de Combustíveis (CCC).

Para 2024...

Com o avanço contínuo das fontes renováveis alternativas e a disseminação da micro e


minigeração distribuída, a demanda por investimentos em infraestrutura de rede adequada
e moderna é cada vez mais latente entre agentes do setor. O apagão enfrentado pelo setor
elétrico em 2023 é um ótimo exemplo dos possíveis prejuízos de um desequilíbrio na expansão
da matriz. Enquanto é importante que a renovabilidade da matriz continue avançando, ela
não pode ocorrer em detrimento da confiabilidade do sistema.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Um sistema de transmissão expansivo e robusto é essencial para o escoamento da energia
gerada pelas fontes renováveis. Visto que o local de instalação dessas unidades produtoras,
em sua maioria, é altamente dependente de fatores exógenos, elas ficam por muitas vezes
distantes de centros consumidores. O custo de construção de linhas de transmissão, no
entanto, é elevado, o que pode dificultar a atração de investimentos para esse segmento.

É importante que se desenvolva um arcabouço relatório que preveja condições justas para
novos entrantes no sistema ao mesmo tempo que garante uma remuneração adequada
para investidores em infraestrutura. Para além, também é importante se atentar à possíveis
armadilhas de um segmento que ainda está em desenvolvimento, como comportamentos
oportunistas. O último caso dessa natureza foi o Consórcio Gênesis, que apresentou os dois
maiores deságios do Leilão de Transmissão nº 01/2023. O grupo foi desqualificado pela Aneel
por não apresentar as garantias financeiras necessárias para a execução dos projetos.

A desqualificação do Consórcio Gênesis é um episódio importante para o setor de energia


brasileiro, pois levanta dúvidas sobre a capacidade de algumas empresas de cumprirem
seus compromissos. Há ainda o risco de que a ocorrência possa afetar o cronograma de
expansão da infraestrutura de transmissão no Brasil, o que consequentemente impactaria o
desenvolvimento do segmento de energia renovável.

Outro grande obstáculo em termos de fontes renováveis no Brasil é a expansão em alta


velocidade de painéis solares em zonas urbanas. Por mais que a facilidade de transição para
a micro e minigeração distribuída e os atrativos econômicos associados sejam ótimos para
a popularização desse modelo, também é necessário que se acompanhe o impacto dessa
migração sobre o mercado cativo. As normas e regulamentos do segmento de distribuição
ainda não estão totalmente preparados para essa mudança. Se não for realizada de uma
forma equilibrada, a transição entre modalidades pode acabar incorrendo em assimetrias
de informação em termos de base consumidora e injeção de energia na rede, prejudicando
concessionárias com contratos desatualizados.

O problema do desenvolvimento das fontes renováveis no Brasil é complexo e multifacetado.


No entanto, é essencial que o governo brasileiro atenda às necessidades básicas do setor,
para que o Brasil possa alcançar seu potencial de geração de energia a partir de fontes
renováveis. O Brasil tem todas as condições para se tornar um líder mundial na geração de
energia a partir de fontes renováveis.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Biocombustíveis

No setor dos bicombustíveis, o destaque do ano foi a apresentação, em setembro, do PL do


“Combustível do Futuro”. O Projeto de Lei reúne uma série de medidas que têm como objetivo
comum a descarbonização da matriz de transportes, a reindustrialização do país e o incremento da
eficiência energética da frota nacional de veículos. A norma agrega seis iniciativas que devem mudar
o terreno do setor energético no Brasil, sendo cada uma delas referente a um eixo temático, que são:

I O Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação – PROBIOQAV; que


propõe o estabelecimento de um percentual mínimo de mistura de BioQAV ao QAV
tradicional, começando com 1% em 2027 e alcançando 10% em 2037;

II O aumento de 27% para 30% do percentual máximo de etanol na gasolina C;

III A reunião de iniciativas de políticas de mobilidade e biocombustíveis, integrando as


medidas adotadas no âmbito do RenovaBio, do Programa Rota 2030 e do Programa
Brasileira de Etiquetagem – PBE Veicular, utilizando a metodologia do ciclo de vida
do poço à roda;

IV O Programa Nacional do Diesel Verde – PNDV, que objetiva a redução da dependência


do diesel importado e a viabilização do biocombustível como uma alternativa de
adição na mistura obrigatória do diesel comercial;

V A regulamentação da atividade de Captura e Estocagem de Carbono em território nacional;

VI A regulamentação e fiscalização da atividade de produção e comercialização de


combustíveis sintéticos.

Outros avanços foram alcançados em termos de pesquisa e desenvolvimento no segmento,


especialmente no que diz respeito à comercialização e produção de biometano, que deveria
estar no texto original do “Combustível do Futuro”. O biometano, por ser uma alternativa
renovável e limpa, vem ganhando destaque nos últimos anos e o interesse em seu uso nas
redes de gás canalizado do país teve destaque em 2023.

No fim de 2023, o governo federal lançou o Programa MOVER – Programa Mobilidade Verde e
Inovação, que pode beneficiar o segmento de biocombustíveis. Idealizado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o programa consiste em um pacote
de incentivos para a indústria automotiva produzir veículos que poluam menos, melhorando
a sustentabilidade da frota brasileira. Para tanto, amplia-se as exigências de sustentabilidade
da frota automotiva e estimula a produção de novas tecnologias nas áreas de mobilidade e
logística, expandindo o antigo Rota 2030.

Quando se fala de mudanças concretas, a mais importante seria, sem sombra de dúvidas, a
retomada da evolução dos mandatos de mistura do biodiesel. Em 2021 e 2022, quando os
preços dos combustíveis estavam pressionados pela alta no mercado internacional, o Governo
Federal havia decidido pela manutenção da mistura obrigatória em 10%, interrompendo as
alterações previstas para o período. Em abril deste ano, o percentual foi ajustado para 12%
e o calendário para futuras alterações também foi acertado. A previsão é de que a mistura
chegue à 15% em abril de 2026, com aumento de 1 ponto percentual por ano.

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Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Para 2024...

Para começar o ano, o Governo Federal lançou o programa Nova Indústria Brasileira, uma política
industrial destinada ao desenvolvimento nacional até 2033. O amplo programa apresenta –
entre suas metas aspiracionais – um aumento de 50% na participação dos biocombustíveis
na matriz de transportes, participação esta que atualmente corresponde a 21,5%. Além disso,
o programa torna os investimentos na produção de biocombustíveis elegíveis à prioridade de
financiamento, incentivando o desenvolvimento de produtos financeiros e linhas de créditos
(por exemplo, do BNDES) mais favoráveis à viabilização desses projetos – com juros mais
baixos e prazos de amortização mais longos.

Com uma corrida para a transição ocorrendo simultaneamente à ascensão da pauta de


segurança energética, poucos países têm a expertise e a vantagem comparativa em relação à
disponibilidade de recursos que o Brasil possui para se posicionar na vanguarda do mercado
internacional de biocombustíveis.

Para 2024, é importante que os planos saiam do papel. A aprovação do Combustível do Futuro
é imprescindível. Com incentivos efetivos os biocombustíveis podem ser o diferencial da
transição energética brasileira, oferecendo uma solução “tupiniquim” para a descarbonização
de diversos setores de nossa economia.

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Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Transição Energética

Os discursos de especialistas do setor energético no Brasil e no mundo apontam, cada


vez mais, para uma ressignificação do papel das fontes fósseis no processo de transição
energética. A reorientação dos objetivos da transição veio no plano de fundo do início do
terceiro mandato de Lula, que trouxe a bandeira da sustentabilidade como uma de suas
principais promessas eleitorais em 2022.
Diante da grande abrangência do tema, o governo federal lançou o Plano de Transformação
Ecológica, do Governo Federal, durante a 28ª sessão da Conferência das Partes (COP28),
sediada pelos Emirados Árabes Unidos. O plano é estruturado em seis eixos: i) financiamento
sustentável; ii) desenvolvimento tecnológico; iii) bioeconomia; iv) transição energética; v)
economia circular; e vi) nova infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas. Apesar
de ter sido anunciado oficialmente somente no fim de 2023, o escopo do projeto abrange
diversos programas e medidas anunciadas pelo governo ao longo do ano.
Enquanto a transição energética tem um eixo dedicado na estrutura do plano, a realidade
é que diversas ações de outros eixos representam, também, esforços para impulsionar a
transição. Abaixo, a Tabela 1 traz exemplos de algumas medidas que estão, direta ou
indiretamente, associadas ao processo de transição energética, com seus respectivos eixos e
status atualizados até o fim de 2023.
Tabela 1 – Exemplos de ações promovidas no âmbito do Plano de Transformação Ecológica
Medida Eixo Status
Emissão de títulos soberanos
Financiamento Títulos verdes emitidos no mercado
sustentáveis para financiar
Sustentável internacional no total de US$ 2 bilhões.
projetos de transição.
Criação do Mercado Regulado
Aprovada no Senado proposta
de Carbono no Brasil, com a Financiamento
do governo está em fase final de
instituição do Sistema Brasileiro Sustentável
tramitação na Câmara.
de Comércio de Emissões (SBCE).
Nova política industrial para Novas regras em discussão na
fabricação de veículos elétricos Adensamento Comissão Interministerial de Inovações
no Brasil, iniciando com retomada Tecnológico e Aquisições do Programa de
de medidas tarifárias Aceleração do Crescimento (CIIA-PAC).
Lançado por decreto, programa pretende:
integrar sistemas isolados; promover
Transição energia solar em locais afastados; reduzir
Programa Energias da Amazônia.
Energética o uso de óleo diesel em termelétricas
da região; e conectar comunidades sem
acesso ao sistema elétrico.
Transição Projeto de Lei aprovado na Câmara dos
Legislação para eólica offshore.
Energética Deputados em 29 de novembro.
Aprovação de linha de crédito de R$
99,8 milhões do Fundo Clima para
Produção de biometano construção de usina de biometano em
Economia
e fertilizantes a partir do aterro sanitário de Porto Alegre, e de R$
Circular
lixo urbano. 93,8 milhões do BNDES para construção
de usina de biometano em aterro
sanitário em Caieiras (SP).
Fonte: Agência Brasil.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024
Os mais recentes esforços relacionados à transição energética foram materializados no programa
Nova Indústria Brasileira, lançado pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços (MDIC), em janeiro de 2024. Tendo como objetivo central o fomento a um novo ciclo
de industrialização no país, incentivando setores que abrangem desde o agronegócio até a
produção de semicondutores, o programa tem como uma de suas frentes a bioeconomia, a
descarbonização e o binômio transição e segurança energética.

Umas das principais metas do programa é “promover a indústria verde, reduzindo em 30% a
emissão de CO2 por valor adicionado na indústria”. A ideia é alcançar esse objetivo através de
medidas como a concessão de benefícios fiscais para a produção nacional de equipamentos
relacionados à geração de energia renovável. Outros desafios incluem a ampliação de parcerias
envolvendo o setor privado, a academia e a indústria, bem como a concessão de novos incentivos
para o desenvolvimento de novas tecnologias associadas à agenda de descarbonização.

O tamanho e a complexidade da transição estão muito além das expectativas iniciais. Desmantelar
um sistema energético construído ao longo de mais de 150 anos demanda um esforço hercúleo
e a cooperação de todos os agentes envolvidos, e isso agora está mais claro do que nunca.
O imediatismo que poderia ser notado em discursos de cinco anos atrás, hoje dá lugar à
racionalidade. Não se pode mais falar de transição sem falar de segurança energética.

O açodamento de grupos ambientalistas em demonizar os fósseis, trouxe de volta o poder de


países na sua maioria autocratas, trouxe inflação, juros altos e baixas taxas de crescimento da
economia. Ao mesmo tempo, a radicalização do discurso também mostrou que não dá para fazer
transição reduzindo a oferta de energia.

Relatório Especial do Setor Energético


Retrospectiva 2023 e as Perspectivas para 2024

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