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PROFEPT – MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

TECNOLÓGICA EM REDE NACIONAL


Componente Curricular: Bases Conceituais para a Educação Profissional e
Tecnológica
Mestrando(a): Otavio Patrício Netto

Referência:
OLIVEIRA, J. F. de; RIZEK, C. (Orgs.). A era da indeterminação. São Paulo:
Boitempo, 2007, p. 15-45.

DAS INVENÇÕES À INDETERMINAÇÃO

Os autores iniciam apresentando o sentido de Política segundo Jacques


Rancière, sendo a “reclamação da parte dos que não têm parte, e por isso se
constituem em dissenso” (OLIVEIRA; RIZEK, 2007, p.15). Explicam que os que
fazem política distinguem-se por impor ao adversário minimamente uma agenda de
questões, e sobre essas questões é que o conflito se desenvolve. Destacam,
entretanto, que impor a agenda não significa obter êxito, mas criar um campo
específico “dentro do qual o adversário é obrigado a se mover” (ibidem). Segundo os
autores, “a força de uma invenção se expressa na capacidade de manter o
adversário nos limites do campo criado pela proposta/resposta, e isso confere
estabilidade ao campo político, mantendo a pauta e a agenda das questões”
(ibidem). Apontam que esta capacidade poderia ser chamada de hegemonia, no
pensamento de Gramsci, enquanto imposição de uma cultura dominante. Oliveira e
Rizek seguem colocando que a “polícia1”, no sentido dado por Rancière, ou seja a
operação dos atores dentro do campo inventado, torna-se previsível, sendo que o
que mudaria seriam as operações policiais no campo demarcado.

Uma era de invenções

Os autores destacam o período de 1964 a 1990 no Brasil como uma época de


forte invenção política. Colocam que a ditadura promoveu uma aceleração na
transformação das forças produtivas, resultando em um grande crescimento
econômico que ficou conhecido como “milagre brasileiro”. Este crescimento levou a
um desenvolvimento capitalista dominado pela burguesia nacional e a um “consenso
brutalizado”, mas resultando em uma “afirmação do espaço nacional como centro do
conflito e das decisões” (ibidem p.17). Os autores apontam que esse espaço
nacional também se mostra na cultura, com a bossa nova e o cinema novo
buscando conhecer o país e suas novas classes sociais. Na área da cultura
acadêmica, Oliveira e Rizek apontam a produção isebiana2 e a de Celso Furtado
1
“Chamamos geralmente pelo nome de política o conjunto dos processos pelos quais se operam a agregação e
o consentimento das coletividades, a organização dos poderes, a distribuição dos lugares e funções e os
sistemas de legitimação dessa distribuição. Proponho dar outro nome a essa distribuição e ao sistema dessas
legitimações. Proponho chamá-la de polícia” (RANCIÈRE, 1996).
2
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) foi um centro permanente de altos estudos políticos e sociais
de nível pós-universitário que “tem por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais
notadamente da Sociologia, da História, da Economia e da Política, especialmente para o fim de aplicar as
1
como expoentes da centralidade do espaço nacional, com pesquisas sobre o papel
da burguesia nacional no subdesenvolvimento. Também apontam o Rio de Janeiro
como centro da elaboração ideológica burguesa, destacando a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) como promotora do desenvolvimentismo.
Os autores argumentam que “a forma ‘passiva’ [...] do desenvolvimento
capitalista [...] produziu e requereu uma formidável coerção estatal, que se mostrava
de um lado nas fortíssimas empresas estatais e de outro no controle da nova classe
trabalhadora” (FURTADO apud OLIVEIRA; RIZEK, 2007, p.19). Apontam que o
golpe de 1964, apesar de abalar o sistema político, não significou uma mudança de
“modelo”, “senão que as exigências do processo de acumulação da industrialização
substitutiva requeriam radicalização do controle do novo ator fundamental - o
operário - e uma acumulação primitiva ainda mais profunda” (OLIVEIRA; RIZEK,
2007, p.19). A ditadura estatizou os setores mais importantes da produção e operou
sobre o operariado mantendo a tutela estatal e indo além no controle salarial.
Os autores apontam que a nova forma de desenvolvimento capitalista
reforçou o centro de decisões interno, mas favoreceu sua abertura ao se apoiar em
capitais estrangeiros e em uma “pesada dívida externa”. Destacam a formação do
tripé desenvolvimentista empresas estatais–empresas privadas nacionais–empresas
multinacionais nesse período, e a posterior subordinação da “acumulação interna de
capital ao movimento internacional do capital, retirando a centralidade das decisões
internas” (ibidem, p.20).
Oliveira e Rizek ressaltam que nesse período uma nova sociabilidade e uma
nova política foram construídas, com uma base social que podia ser reconhecida e
de onde linhas de força se destacavam. Os autores assinalam que “as mais
importantes operações de construção da agenda estiveram calcadas no permanente
esforço [...] das classes dominadas, expressas em primeiro lugar no renascimento
do sindicalismo” e “no deslocamento do campo das políticas sociais operado pelos
novos movimentos sociais, que obrigaram o Estado militar autoritário ao desenho de
um conjunto de políticas” (ibidem). Os autores consideram que
as ciências sociais conheceram uma floração com raízes na oposição à
ditadura militar e adubada pela proliferação e pelo crescimento das
pós-graduações e da sistematização/ampliação do financiamento para
pesquisas, desviando-se da linha ‘nacionalista’ do ISEB e aprofundando o
conhecimento dos processos da nova estrutura econômica e social (idem,
p.21).

Os autores colocam que a Nova República institucionalizou a


redemocratização sob a forma de uma transição, sob controle dividido entre o
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de oposição à ditadura, e o
Partido da Frente Liberal (PFL), de ex-apoiadores do regime, mas “temperado” pelo
surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), cujas “bases sociais e [...] simbólicas
se assentavam justamente no ‘novo sindicalismo’” (ibidem, p.22). Os autores
classificam a criação do PT como “a maior invenção política da história brasileira do

categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira visando a
elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional”
(apud TOLEDO, 1975).
2
século XX depois do Partido Comunista do Brasil, em 1922” (OLIVEIRA; RIZEK,
2007, p.22), e também destacam a constituição da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e a constituição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
como grandes invenções desse período. Os autores avaliam que, com o surgimento
do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) em 1988, representando as
novas classes médias, “as linhas entre classe e representação, interesses e
representação, pareciam tão claras como nunca estiveram na política brasileira”
(ibidem, p.23).
Oliveira e Rizek colocam que a Nova República já foi entendida como uma
ruptura, mas avaliam que ela seria na verdade uma consequência da sociabilidade e
do campo de forças desenvolvidas desde o golpe de 1964. Apontam que o governo
Sarney buscou retomar o dispositivo desenvolvimentista baseado no tripé empresas
estatais–empresas privadas nacionais–empresas multinacionais, porém agora já
seria necessário considerar o elemento do “sindicalismo cutista” na equação.

Uma era de indeterminação

Os autores apontam que a “financeirização” do capitalismo, segundo eles,


equivocadamente chamada de “globalização”, “abriu as comportas dos sistemas
monetários e financeiros de cada capitalismo nacional” (ibidem, p.25). Trazem que

A acumulação de capital nas economias líderes do desenvolvimento


capitalista havia gestado um progresso técnico que elevou a produtividade
do trabalho a níveis tão elevados que, de fato, parecia que o consumo de
trabalho vivo de uma parte ponderável da força de trabalho começava a ser
irrelevante: uma “massa marginal”, não-funcional para a acumulação de
capital (idem).

Os autores consideram que a combinação de trabalho barato com a


financeirização do capital resultou na sobredeterminação do capital financeiro em
relação ao capital produtivo. Apontam que a sociedade constituída na época do
trabalho como categoria central, previsível, já não era mais viável.
Avaliam que o impacto sobre a periferia latino-americana foi devastador. No
Brasil, na virada dos anos 1990 a inflação altíssima comprometeu toda a
acumulação do período anterior e a sociedade queria uma mudança radical. Os
autores apontam que duas propostas para candidatura à presidência se
destacavam: o representante do “sindicalismo autêntico”, com a promessa de
mudança para uma sociedade socialista; e o “caçador de marajás”, com a proposta
de combater o sistema político apodrecido e promessas de solução rápida para os
principais problemas enfrentados pela população. Os autores destacam os eixos
centrais da “nova conjuntura, que desfizeram a sociabilidade anterior” e que,
conforme avaliam, “tornaram caduco o campo de invenções do longo período
1964-1990” (ibidem). Segundo apontam, houve um trabalho de desmanche da
sociabilidade desenvolvida no período, com a “desregulamentação do mercado,
abertura indiscriminada às importações, perda do controle cambial, financeirização
total da dívida interna e da dívida externa” (ibidem). Sinalizam que o governo de
Fernando Henrique Cardoso aprofundou o desmanche iniciado, com a privatização
total de empresas estatais e ações que resultaram na predominância das empresas
multinacionais como acumuladoras de capital. Conforme contextualizam os autores,
3
“a relação Estado-burguesia se altera radicalmente, tornando o Estado uma espécie
de refém do novo poder econômico” (OLIVEIRA; RIZEK, 2007, p.31). Chamam
atenção para ações como a “modificação no estatuto do trabalho, que buscava
desregulamentá-lo e deixar ao 'mercado' a resolução de litígios e contratos” (ibidem).
Oliveira e Rizek avaliam que teria chegado o momento da hegemonia
burguesa no Brasil, com uma sociabilidade marcada por forte individualismo.
Conforme Biondi (1999 apud OLIVEIRA; RIZEK, 2007, p.32), entre 20% a 25% do
Produto Interno Bruto brasileiro mudou de mãos durante o governo FHC como
resultado das privatizações e fusões e a dívida interna pública cresceu dez vezes no
período. Os autores esclarecem que a nova natureza do capitalismo global
financeirizado tende a comprometer uma parte cada vez maior do PIB dos países
periféricos com essas dívidas, que muitas vezes nascem da renegociação de dívidas
anteriores (ibidem, p.33). Entendem que o “aumento da produtividade do trabalho,
combinado com a privatização e a desnacionalização” resulta em uma situação de
extrema pobreza por grande parte da população. “Nas periferias das grandes
cidades o narcotráfico e o crime organizado nos padrões do capital são o
escoadouro para o desemprego” e desta forma, “em lugar de uma hegemonia
burguesa que se alimentasse das ‘virtudes’ cívicas do mercado, requer-se
permanentemente coerção estatal” (ibidem, p.35). Destacam que a arquitetura da
privatização requer injeções de recursos públicos em larga escala para sustentar a
reprodução do capital.
Os autores destacam uma crise na relação entre classe, interesses e
representação, apontando que na eleição presidencial de 2002 as três principais
candidaturas sintetizavam “na área da política institucional o estado de
indeterminação” (idem, p.38), sendo que “nenhuma linha de força pode ser
estabelecida a partir de nenhuma das três coalizões que disputam o poder” (idem
p.40). Avaliam que os três programas eram semelhantes por estarem pautados pela
herança do governo neoliberal de FHC, buscando representar ao mesmo tempo a
burguesia nacional, o capital financeiro e a classe trabalhadora. Consideram que “o
partido político da era da indeterminação não conduz, é conduzido pelas pesquisas
de opinião e de intenção de voto e pela imagem” (idem, p.41).

A indeterminação ainda inconclusa

Os autores argumentam que “a indeterminação não significa o estancamento


das experimentações inventivas; quer dizer apenas que elas ainda não cristalizaram
o campo de conflitos dentro do qual os atores devem se movimentar doravante”
(OLIVEIRA; RIZEK, 2007, p.43). Trazem exemplos de movimentos sociais
antiglobalização e mesmo anticapitalistas que praticam a visibilidade como
estratégia política e de ações como o orçamento participativo, existente em
diferentes cidades e em um estado brasileiro, pelo qual a população organizada
“interfere ativamente no orçamento, que é exatamente o coração do Estado
capitalista moderno" (ibidem, p.44). Destacam que há consenso sobre o fracasso da
experiência neolibral no Brasil, mas que as críticas acentuam os aspectos
econômicos. Chamam atenção para o fato de não haver “na crítica mais frequente,
mesmo no programa dos partidos de oposição, nenhuma proposição alternativa ao
capitalismo” e argumentam que “a relação externa-interna, sobretudo na forma

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financeirizada, é pensada como externalidade e não como componente estrutural
das novas relações e do novo lugar do Estado-nação” (ibidem, p.45).
Concluem marcando que
a metamorfose do capital produtivo em capital financeiro retira o conflito da
agenda entre os atores, sobretudo entre os trabalhadores e o empresariado,
para deslocá-lo para a Nação [...] Os trabalhadores não conseguem
enfrentar-se com o capital financeiro, pois não têm relações diretas com ele,
a não ser sobre a forma “nacional” ou como consumidores (OLIVEIRA;
RIZEK, 2007, p.45).

Dessa forma, finalizam indicando que as perspectivas de curto e médio prazo


visam a resolver gargalos da política econômica, numa volta ao determinismo
economicista, “segundo o qual, em se mudando a política econômica – não a
economia –, a desigualdade fundadora da sociedade encontrará solução” (ibidem).

REFERÊNCIAS
RANCIÈRE, Jacques. O dano: política e polícia. Territórios de Filosofia. [online].
Disponível em:
<https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2015/04/30/o-dano-politica-e-policia-jacq
ues-ranciere/> Acesso em 24 abril 2022.

TOLEDO, Caio Navarro de. A ideologia pre/clara: a produção isebiana.


Trans/Form/Ação [online]. 1975, v. 2, pp. 125-137. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0101-31731975000100005>. Acesso em 24 Abril 2022

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