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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIAIS E POLÍTICOS

DISCIPLINA DE ESTUDOS EXEMPLARES – 2017/01

Coordenadores: Professores Adalberto Cardoso e Pedro Villas Boas

Responsável pela aula: Professor Fabiano Santos

Obra: ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as


origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Elsevier Brasil, 2015

Aluno: Felipe Brito Macedo (doutorando em Sociologia)

O livro “Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da


pobreza” (título em português), de Daron Acemoglu e James Robinson, propõem uma
análise histórica e institucional comparada da pergunta que intitula a obra. Fundamental
para os autores é a constatação de que, até a revolução industrial, não haveriam
diferenças significativas de riqueza entre os países, mas as que se estruturaram no
século XIX se mantiveram razoavelmente iguais (os mesmos ricos e pobres) até hoje em
dia, salvo raras exceções. É claro que, para avaliar o fracasso, é necessário estabelecer
um parâmetro de sucesso, que aparece explícito para os autores nos termos de
instituições inclusivas (definidas adiante). Basicamente, tal parâmetro incorpora o ideal
de sociedade estabelecido pelas potências ocidentais e amplamente conhecido como o
Estado de Bem-Estar Social, em que há uma economia de mercado geradora de
crescimento econômico e um Estado provedor de serviços públicos e de garantias
institucionais e contratuais para o funcionamento do mercado. Esta formação social tida
como parâmetro é entendida como provedora de um bem-estar material derivado
sobretudo de inovações tecnológicas que permitem o aumento da produtividade
econômica e de eficiência de serviços como saúde e educação. O que separa a
prosperidade da pobreza, portanto, é a capacidade das sociedades de organizarem tais
instituições, que contribuem para a promoção de uma permanente inovação tecnológica.

O desenvolvimento de seu repertório conceitual ocorre paralelamente a


apresentação de exemplos históricos que o embasam. Não há, portanto, uma histórica
cronológica ou mesmo uma história integrada da emergência de um mundo globalizado.
Há, sim, uma comparação da emergência histórica de instituições localizadas espacial e
temporalmente. Apesar de nem sempre explícito, há claramente um recorte empírico
“estatal”, isto é, os limites das instituições são os Estados, muito embora os autores
utilizem o mesmo repertório conceitual para analisar sociedades que não
necessariamente tinham uma organização estatal. Quando afirmam que algum nível de
centralização política e diferenciação econômica é necessário para que seja possível
falar em termos de instituições que se mantém ao longo do tempo, estão de alguma
forma traçando um corte fundamental que incorpora a sedentarização, a formação de
autoridades políticas e de técnicas produtivas mais "avançadas".

Os autores distinguem instituições – seu conceito fundamental – por dois eixos:


(1) econômicas e políticas e (2) inclusivas e extrativistas (principalmente Cap. 3). O
primeiro eixo diferencia instituições que são específicas da produção material e da
organização política. As econômicas, nos termos dos autores, que “dão forma aos
incentivos econômicos” (p.39), pensados sobretudo a partir de uma perspectiva
individualista, isto é, no sentido que induzem as ações econômicas individuais. As
políticas “compreendem o poder e a capacidade do Estado de regular e governar a
sociedade” (p.40), pressupondo algum nível de monopólio da violência legítima e da
promoção de ações efetivas de organização dos cidadãos. Vale frisar que, na visão dos
autores, embora instituições políticas e econômicas influenciem mutuamente umas às
outras, as políticas têm prevalência, isto é, são a base estrutural das instituições
econômicas. A organização política de uma sociedade é que, em última instância,
condiciona os arranjos econômicos correspondentes.

O segundo eixo compreende de fato a distinção entre o sucesso e o fracasso


conforme os parâmetros normativos do autor. As definições deste eixo deixam claro a
normatividade dos parâmetros da análise do autor. Instituições econômicas inclusivas
devem necessariamente garantir a propriedade privada individual, para que os
produtores individuais tenham a garantia de que os produtos de seus trabalhos não
sejam expropriados arbitrariamente e, assim, incentivando tais produtores a inovar
tecnologicamente e aumentar a produção. Instituições econômicas extrativistas são
definidas sobretudo em contraposição as primeiras, sendo aquelas em que uma pequena
elite expropria a produção material de uma grande massa explorada. As instituições
políticas também estão sujeitas ao mesmo corte, sendo as inclusivas aquelas em que está
garantida a participação e as garantias legais de uma ampla gama de cidadãos (e não
apenas de uma reduzida elite), em contraposição às extrativistas, em que uma pequena
elite detém os meios de controle e governo da sociedade, isto é, são basicamente
autarquias que impedem a organização política pluralista.

Antes de esmiuçar esta proposta de interpretar as disparidades entre países ricos


e pobres pela via institucional, o autor rechaça três vertentes (ou hipóteses, em seus
termos) que seriam amplamente utilizadas para responder a mesma questão (Cap. 2).
Primeiro, a hipótese geográfica, com origens antigas que remontam a teorias hoje
desacreditadas sobre povos dos trópicos serem mais preguiçosos, ou as terras mais
quentes serem menos férteis entre outros. Hoje em dia, repaginadas, tais vertentes
apontam para diferenças na disponibilidade de recursos que teriam incentivado algumas
sociedades a desenvolver mais inovações tecnológicas. Segundo, a hipótese cultural,
que identificaria elementos éticos, religiosos e atitudinais de cada sociedade como
entraves para a promoção do desenvolvimento tecnológico e de instituições inclusivas,
como uma falta de predisposição para o trabalho duro, por exemplo, ou a ausência de
uma “ética protestante” que induza uma prosperidade individual. Terceiro, a hipótese da
ignorância, isto é, de que os governantes de sociedades pobres não saberiam que
medidas tomar para enriquecer suas sociedades.

Cada uma das três hipóteses, que tem ampla aceitação popular e certa influência
em interpretações acadêmicas (em diferentes épocas e diferentes graus) é contraposta
por exemplos empíricos em que se comparam duas sociedades com geografia ou cultura
semelhantes (como Coréia do Sul e Coréia do Norte, ou as duas Nogales – mexicana e
estadunidense – separadas pelas fronteiras nacionais), mas cujo desenvolvimento
institucional levou a situações sociais distintas. A última – da ignorância – é contraposta
por um dos argumentos centrais do autor: em sociedades pobres, ou melhor, em que
imperam instituições políticas e econômicas extrativistas, é do interesse da elite
governante a manutenção da pobreza, para que não se rompa com a extração material e
o domínio político.

Se as diferenças fundamentais entre prosperidade e pobreza são fruto das


diferenças institucionais da organização de cada sociedade, como surgiriam tais
instituições? Evidentemente, um passo fundamental para o qual eles alertam é a
diferenciação econômica, as divergências políticas derivadas e, em última instância, a
centralização política necessária para governar tais diferenças. No entanto, embora
algumas formações sociais apresentem traços pluralistas e inclusivos desde sua
formação (como é o caso dos EUA, Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, segundo a
interpretação do autor que trata como secundária para a formação institucional dessas
sociedades a dizimação dos povos nativos), a esmagadora maioria das sociedades
historicamente registradas seriam fundamentalmente extrativistas, sendo as instituições
plenamente inclusivas um fenômeno recente, essencialmente moderno e posterior a
revolução industrial.

Para de explicar como ocorrem diferenciações que levam umas sociedades a


tornarem-se inclusivas e outras não, os autores tomam como perspectiva a contingência
do desenvolvimento histórico das sociedades (Cap. 4, principalmente). Procurando se
afastar das chamadas "Teorias da Modernização" (Cap. 15), de cunho teleológico, com
ampla disseminação no período pós guerra para explicar as mesmas diferenças entre
pobres e ricos que os autores pretendem analisar, afirmam não haver nenhuma
necessidade histórica predeterminada que oriente o curso da organização institucional
das sociedades. Tais contingências pressupõem tanto a ocorrência de eventos que
independem de ação humana direta, como a peste negra na Europa, bem como as
respostas que cada sociedade apresenta em relação a tais momentos críticos em que suas
instituições são moldadas. Obviamente, a formação institucional anterior a tais
momentos críticos é fundamental para avaliar quais e como as modificações são
implementadas.

No entanto, apesar das contingências históricas, as formações institucionais


apresentam uma tendência a manutenção de suas formas específicas (extrativistas ou
inclusivas), que é analisado pelo autor pelos conceitos de círculo vicioso (Cap. 12) e
círculo virtuoso (Cap. 11). O círculo vicioso corresponde às extrativistas e é explicado
basicamente em termos de pressões da elite política e econômica de manter a
regularidade institucional que os permite extrair riquezas da massa de trabalhadores
explorados. Como detentores do poder econômico e uma determinada sociedade,
estabelecido através de uma superioridade política fundamental, uma elite extrativista
angaria cada vez mais recursos para manter tal superioridade política e seguir extraindo
a riqueza material do trabalho das massas. Não é vantajoso para tal elite que haja
inovações tecnológicas que não possa controlar, pois estas geram, segundo os autores
citando Schumpeter, uma “destruição criativa”, isto é, um processo em que a descoberta
de novas técnicas põe em risco aquelas utilizadas pelas antigas formas de produção,
sobre as quais se apoia a dominação elitizada. Porém, também não é vantajoso que não
haja crescimento algum, pois o crescimento econômico agregado, mesmo que
permitindo avanços no bem-estar individual, garante também uma possibilidade de
aumento da extração de riquezas. Este círculo vicioso, portanto, é uma estagnação
econômica e uma concentração de poder político articulada pela própria elite (Cap. 5 e
8).

Do contrário, nas instituições inclusivas, há um círculo virtuoso que faz com que
a prosperidade advinda da distribuição de poder econômico e político tenda também a
se manter e mesmo a aumentar. Garantidas a propriedade privada e a regularidade
contratual, sobretudo a partir de uma representação política efetiva que permita
controla-las, os indivíduos têm os incentivos necessários para seguir investindo no
aperfeiçoamento da produção. Os autores dão bastante destaque para a propriedade
intelectual, expressa por meio de patentes, que também garantiria essa segurança em
investir na inovação tecnológica. Nas instituições inclusivas, ficaria garantida a
“destruição criadora”, pois na medida em que uma técnica produtiva se mostra
econômica e materialmente mais eficiente, não há uma elite econômica suficientemente
poderosa para proibir sua implementação efetiva, ao passo que as técnicas antigas
perderão espaço pela deficiência em relação às novas. Dessa forma, há um crescimento
econômico sustentado, justamente por não ser centralizado ou não estar sujeito as
arbitrariedades de um sistema político autárquico.

No entanto, se o surgimento dessas instituições inclusivas plenas é um fenômeno


relativamente recente, este se deu sobre as bases de instituições extrativistas. Segundo
os autores, esta passagem está longe de ser linear, gradual e/ou pacífica. A formação de
instituições inclusivas se dá no conflito entre as elites e os dominados, por pressões
destes sobre aqueles para a pluralização das instituições, o que ocorre de forma
paulatina. Se a Inglaterra despontou como primeiro país a realizar uma Revolução
Industrial é porque, por séculos antecedentes, formaram-se instituições inclusivas
embrionárias, que limitavam o papel restritivo do absolutismo monárquico e seus
monopólios. Por sua vez, ao passo que avançavam tecnologicamente, angariando cada
vez mais poder econômico, tais grupos emergentes garantiam também a permanente
representação política, sendo este o principal círculo virtuoso deste período incipiente
da modernidade (Cap. 6 e 7, principalmente).

Por que a Inglaterra e não outras monarquias europeias como a França, também
centralizada politicamente, ou a Espanha, com seu vasto domínio colonial? A resposta
dos autores está nas “pequenas diferenças históricas” (Cap. 4) que permitiram tais
instituições inclusivas incipientes emergirem, sem que houvesse uma contra investida
forte no sentido da centralização, como houve, por exemplo, em Veneza, no fim da
idade média, ou em Roma, que deixou de ser uma república para tornar-se um império.
Na Espanha, prevaleceu o temor das elites acerca da inovação. Na França, um
absolutismo que tentou se manter a todo custo até que o conflito fosse deflagrado na
revolução e, então, pudesse iniciar um ciclo inclusivo, que se estabeleceria plenamente
apenas décadas depois. A partir da propagação de tal revolução industrial, os autores
inferem que prosperaram aqueles países que conseguiram incorporar as técnicas
produtivas mais avançadas de maneira mais efetiva, o que depende, obviamente, da
criação de instituições inclusivas.

Cabe apontar, por fim, algumas duas limitações identificadas no decorrer da


obra. Em primeiro lugar, o recorte conceitual baseado no Estado como espaço e
resultado fundamental do desenvolvimento institucional deixa em segundo plano
algumas formações institucionais da modernidade, como a colonização. Muitos dos
“países” abordados pelos autores são entendidos como tais muito antes de serem
propriamente “países”, pois eram dominados por nações europeias. Há pouco espaço na
obra para o caráter fundamental dessas formações que ultrapassam os limites dos
Estados nacionais. Desta forma, fica invizibilizado o fato de diversas instituições
inclusivas serem estruturadas pela exploração de instituições extrativistas alheias. A
colonização é interpretada, muitas vezes, apenas como a organização de uma instituição
extrativista por uma potência estrangeira e não como uma mantenedora da prosperidade
das instituições inclusivas.

Em segundo lugar, cabe destacar que, apesar de procurar distanciar-se dos erros
das Teorias da Modernização, os autores incorrem, de certa forma, na naturalização de
um determinado padrão normativo de sociedade como universalmente desejável.
Carregando esta marca normativa na definição de prosperidade, ocorre um certo
anacronismo na aproximação conceitual de sociedades muito distintas. Por exemplo, as
sociedades coloniais americanas dos séculos XVI-XVIII são conceitualmente próximas
às sociedades socialistas do século XX, por serem ambas caracterizadas como
extrativistas e, consequentemente, distanciadas de outras sociedades contemporâneas a
estas últimas, com as quais, certamente, guardam muitas similaridades institucionais
que não são expressas na categorização do autor. Outra consequência são comparações
de renda entre sociedades muito distantes temporalmente, como a Inglaterra no século
XVI e os Estados africanos contemporâneos, o que também é problemático quanto ao
anacronismo de tal relação.

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