Você está na página 1de 5

PROFEPT – MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

TECNOLÓGICA EM REDE NACIONAL


Componente Curricular: Bases Conceituais para a Educação Profissional e
Tecnológica
Mestrando(a): Otavio Patrício Netto

Referência:
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro. v. 12, n. 34, p. 152-180, jan./abr. 2007.

Fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho-educação


O autor inicia a discussão destacando que “o trabalho e a educação são
atividades especificamente humanas”, pois "rigorosamente falando, apenas o ser
humano trabalha e educa” (SAVIANI, 2007, p.152). Avaliando o processo de
surgimento do homem, considera seu início no momento em que este se destaca da
natureza e passa a precisar produzir sua própria vida, pois “diferentemente dos
animais, que se adaptam à natureza, os homens têm de adaptar a natureza a si”
(SAVIANI, 2007, p.154). O autor cita Marx e Engels para trazer que

Podemos distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou


por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia
propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir
seus meios de vida [...]. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz
indiretamente sua própria vida material (MARX; ENGELS, 1974 apud
SAVIANI, 2007, p.154).

Assim, considera que a essência do homem é o trabalho, e que essa


essência não é natural e não precede a existência do homem, mas é produzida pelo
próprio homem. O autor aponta que “a produção da existência implica o
desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela
experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem” (SAVIANI,
2007, p.154). Destaca que, em comunidades primitivas, os homens produziam sua
existência em comum e se educavam nesse mesmo processo. Dessa forma,
estabelece-se uma relação entre vida, trabalho e educação.

A emergência histórica da separação entre trabalho e educação


O autor prossegue explicando que o desenvolvimento da produção conduziu
à apropriação privada da terra, o que resultou na divisão dos homens em classes,

1
fundamentalmente os proprietários e os não-proprietários. Sobre essa mudança na
forma de organização, coloca que

sendo a essência humana definida pelo trabalho, continua sendo verdade


que sem trabalho o homem não pode viver. Mas o controle privado da terra
onde os homens vivem coletivamente tornou possível aos proprietários viver
do trabalho alheio (SAVIANI, 2007, p.154).

O autor destaca que, mesmo na Antiguidade, esse fenômeno era observado,


contrapondo a aristocracia, detentora da terra, e os escravos. Aponta que essa
divisão dos homens em classes provocou uma divisão também na educação, sendo
uma direcionada aos proprietários, centrada em atividades intelectuais, na arte da
palavra e em exercícios físicos; a outra associada ao processo de trabalho. Explica
que a primeira modalidade deu origem à escola, sendo que a origem da palavra
remete a lugar do ócio e de quem possui tempo livre, em contraposição àquela
modalidade relacionada ao processo produtivo. Coloca que “essa nova forma de
educação passou a ser identificada com a educação propriamente dita,
perpetrando-se a separação entre educação e trabalho” (ibid., p.155). O autor
aponta que essa divisão está presente nos diferentes períodos da história humana,
havendo em alguns momentos o protagonismo da Igreja, em outros do Estado. Com
o surgimento do capitalismo, destaca o papel da escola na responsabilidade pela
reprodução deste modo de produção (ibid. p.157). O autor conclui que “nas
sociedades de classes a relação entre trabalho e educação tende a manifestar-se na
forma da separação entre escola e produção” e que “ a escola, desde suas origens,
foi posta do lado do trabalho intelectual”, preparando os futuros dirigentes (ibid.,
p.157). Já as funções manuais “não exigiam preparo escolar. A formação dos
trabalhadores dava-se com o concomitante exercício das respectivas funções”
(SAVIANI, 2007, p.158).

Questionamento da separação e tentativas de restabelecimento do vínculo


entre trabalho e educação
Saviani inicia relembrando que a sociedade capitalista, aos constituir a
economia de mercado, inverteu a lógica da sociedade feudal, que era principalmente
de subsistência, e em que apenas o excedente era destinado è troca; na sociedade
capitalista, por outro lado, a troca é que determina o consumo. Acrescenta que “a

2
estrutura da sociedade deixa de fundar-se em laços naturais para pautar-se por
laços propriamente sociais” (SAVIANI, 2007, p.158), o que chama de sociedade
contratual. Explica que, dessa forma, o domínio da cultura intelectual passa a ser
uma exigência aos membros da sociedade. O autor prossegue trazendo que a
indústria moderna levou à simplificação dos ofícios, viabilizada pela introdução da
maquinaria, “que não é outra coisa senão trabalho intelectual materializado”, o que
deu “visibilidade ao processo de conversão da ciência, potência espiritual, em
potência material” (ibid. p.158). Ocorre nesse período a mecanização do trabalho,
seja pela execução das máquinas ou pelos próprios homens, que passam a operar
de forma automatizada.

Saviani destaca que a generalização das funções intelectuais passou a se dar


na escola, sendo que nos principais países passaram a ser implantados sistemas
nacionais de ensino buscando generalizar a escola básica (ibid. p.159). Isso porque
“a introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas
impôs um patamar mínimo de qualificação geral” (ibid. p.159). Porém passou a ser
necessário também a qualificação específica de trabalhadores para tarefas como
manutenção e desenvolvimento para novas circunstâncias, o que foi suprido pelos
cursos profissionais que tinham como referência o padrão escolar, mas que eram
“determinados diretamente pelas necessidades do processo produtivo” (ibid. p. 159).
Dessa forma, originaram-se as escolas de formação geral – das profissões
intelectuais para as quais se requeria amplo domínio teórico – e as escolas
profissionais – para as quais se requeria uma formação prática limitada à execução
das tarefas (ibid. p. 159). O autor conclui trazendo que essa separação se
manifestou de duas formas:

a proposta dualista de escolas profissionais para os trabalhadores e


“escolas de ciências e humanidades” para os futuros dirigentes; e a
proposta de escola única diferenciada, que efetuava internamente a
distribuição dos educandos segundo as funções sociais para as quais se os
destinavam (ibid. p. 159).

Funções estas que eram relacionadas com características que decorriam da origem
social desses educandos.

Esboço de organização do sistema de ensino com base no princípio educativo


do trabalho
Saviani baseia-se nos pensamentos de Gramsci sobre o trabalho como
princípio educativo da escola unitária. Explica que a base da estrutura do ensino
3
fundamental é o princípio educativo do trabalho, esclarecendo que o estudo sobre a
linguagem escrita e a matemática, além das ciências naturais e sociais visam a
possibilitar a inserção efetiva da pessoa na própria sociedade. Coloca que, no
ensino fundamental, a relação da educação com o trabalho é percebida de forma
indireta. Já no ensino médio, a relação entre educação e trabalho se dá de forma
direta e explícita, devendo “propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das
técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em
técnicas produtivas” (SAVIANI, 2007, p.161), devendo ser buscada uma formação
politécnica. O autor entende que essa concepção é radicalmente diferente da que
propõe um ensino médio profissionalizante, em que não haveria o conhecimento dos
fundamentos e a articulação das habilidades com o conjunto do processo produtivo.

Aqui cabe uma ressalva com relação ao modelo de educação que se propõe
nos Institutos Federais, em que se pretende oferecer uma educação integral em
conjunto com a formação profissional, visando justamente à formação de
trabalhadores que possuam tanto o conhecimento específico da profissão escolhida
quanto o conhecimento geral que lhe permita avançar para qualquer outra área do
conhecimento que lhe aprouver. Assim, não haveria uma separação entre formação
especializada e educação politécnica, mas sim uma educação politécnica com
especialização em determinada área.

O autor prossegue trazendo como objetivo da educação superior a


organização da cultura como forma de possibilitar que tenham pleno acesso a ela
todos os membros da sociedade, bem como “possibilitar a toda a população a
difusão e discussão dos grandes problemas que afetam o homem” (ibid. p.161).
Assim, Saviani traz que

Terminada a formação comum propiciada pela educação básica, os jovens


têm diante de si dois caminhos: a vinculação permanente ao processo
produtivo, por meio da ocupação profissional, ou a especialização
universitária (Saviani, 2007, p.161).

Porém, defende que o desenvolvimento cultural dos trabalhadores não seja


abandonado, mas organizado:

Em lugar de abandonar o desenvolvimento cultural dos trabalhadores a um


processo difuso, trata-se de organizá-lo. É necessário, pois, que eles
disponham de organizações culturais por meio das quais possam participar,
em igualdade de condições com os estudantes universitários, da discussão,
em nível superior, dos problemas que afetam toda a sociedade (ibid. p.161).

4
O autor conclui a seção destacando que essa proposta diverge da atual
função da extensão universitária, mas que é importante “evitar que os trabalhadores
caiam na passividade intelectual, evitando-se ao mesmo tempo que os universitários
caiam no academicismo” (SAVIANI, 2007, p.161)

Conclusão: a controvérsia relativa à politecnia


Para concluir o artigo, Saviani discorre sobre o conceito de politecnia e
apresenta discussões de outros autores a este respeito. Coloca que, segundo a
abordagem marxista, o conceito de politecnia “implica a união entre escola e
trabalho ou, mais especificamente, entre instrução intelectual e trabalho produtivo”
(SAVIANI, 2007, p.162). Porém, traz que, para Manarcorda, o termo “educação
tecnológica” representaria melhor a concepção marxista. Após extensa análise
conclui que, baseado na etimologia das expressões, politecnia “significa múltiplas
técnicas, multiplicidade de técnicas; daí o risco de entender esse conceito como a
totalidade das diferentes técnicas fragmentada”; já tecnologia “significa estudo da
técnica, ciência da técnica ou técnica fundada cientificamente” (ibid. p.163), e que
daí vem o entendimento de Manacorda de tecnologia como a unidade entre teoria e
prática que caracteriza o homem. Porém entende que os dois termos são
equivalentes devido ao valor semântico que adquiriram com o passar do tempo.

Saviani finaliza mencionando Manacorda, que assinala que o caminho da


humanidade

passa pela formação de uma capacidade produtiva específica provocada


pela divisão natural do trabalho; e chega à conquista de uma capacidade
omnilateral, baseada, agora, numa divisão do trabalho voluntária e
consciente [...] em que ciência e trabalho coincidem (SAVIANI, 2007, p.164).

Verifica-se que trabalho e educação são características especificamente


humanas e que em sua origem estavam diretamente relacionadas entre si e ambas
com a própria produção e reprodução da vida. A divisão dos homens em classes
resultou numa nova forma de relação com o trabalho, que por sua vez determinou
diferentes concepções de educação, que passou a também reproduzir a divisão de
classes. Daí a relevância da busca por garantir uma educação politécnica ou
tecnológica para todos, visando à emancipação dos sujeitos.

Você também pode gostar