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Lucas Eduardo Prais de Castro Resende - 12011CCS023

Resenha crítica do texto ‘Trabalho e educação: fundamentos históricos e ontológicos”


de Dermeval Saviani, para a matéria de Metodologia de Ensino em Ciências Sociais da
professora Fabiane Santana Previtali

Nessa resenha primeiro irei delinear as ideias que o professor Saviani apresenta em seu
texto, e em seguida tecerei comentários críticos a respeito das noções colocadas pelo filósofo
e pedagogo brasileiro em seu artigo.
Saviani divide sua publicação em quatro segmentos, no primeiro ele apresenta os
pilares históricos e ontológicos da relação entre trabalho e educação. Para fazê-lo,
inicialmente o autor passeia pelas ideias de Aristóteles e Bergson a respeito da ontologia do
homem, ou seja, dos fundamentos que constituem a natureza, a essência do homem. Quer
dizer, as características que fazem deste ser biológico particular – o homo sapiens – um
humano. Após algumas considerações, o autor acaba por aceitar em seu texto a definição
ontológica do homem de Marx e Engels, esse é o ponto de partida de sua reflexão.
Marx e Engels entendem que o homem se destaca dos demais animais por “produzir
seus meios de vida” (como descrito em “A ideologia alemã”). Nesse sentido, ao oposto de
todos os outros animais, que se conformam de acordo com os desígnios da natureza, os
homens conformam a natureza a si. A essa ação de transformar a natureza segundo suas
necessidades, nomeamos de trabalho. Dessa forma, conclui Saviani, a essência do homem é o
trabalho. Sendo assim, a essência humana não é natural ou um presente de Deus, mas um
processo histórico, dado que o trabalho (a modificação da natureza pelo homem) se
desenvolve e se sofistica com o tempo. Então, conclui-se que não se nasce homem, faz-se
homem, e para fazer-se homem é necessário aprender a produzir sua própria realidade
material através do trabalho, de tal maneira que a formação do homem é, dessa maneira, um
processo educativo.
Elucidado isso, Saviani argumenta que nas comunidades primitivas os homens
aprendiam a trabalhar durante o próprio processo do trabalho, ao se relacionarem com a
natureza e outros homens, educavam-se e produziam-se enquanto homens no ato de trabalhar.
Assim acontecia, segundo o autor, nas sociedades tribais, em que dava-se a propriedade
coletiva da terra, na qual os homens produziam e reproduziam sua existência. Nesse contexto,
o pedagogo afirma “a educação identificava-se com a vida” (página 155), dado que o fazer
educação-trabalho estava associado à formação do Ser homem.
Na segunda parte do texto, o filósofo explicita que o desenvolvimento da produção
levou à divisão social do trabalho, que teve como desfecho a propriedade privada da terra, e,
por fim, a sociedade de classes. A sociedade de classes, argumenta Saviani, introduz uma
cisão na educação. Passa a existir, no interior das sociedades marcadas pela divisão de
classes, uma educação para a classe dos detentores dos meios de produção (que no
escravismo antigo eram os homens livres), e uma para os não proprietários dos meios de
produção (escravos e serviçais). Esse processo se dá, concomitantemente, ao processo de
institucionalização da educação, que tem, neste momento histórico, o Estado como seu
principal organizador. Nessa lógica, a educação dos homens livres é norteada pelas atividades
intelectuais, pela arte da oratória e pelas práticas militares, com o objetivo de desenvolver as
lideranças que conduzirão a sociedade de classes, enquanto a educação dos não proprietários
permanece ligada à atividade laboral. A partir do rompimento com o modo de produção
escravista de sociedades como a ateniense, espartana e romana, e com o estabelecimento do
feudalismo, a educação deixa de ter uma influência grande do Estado, e passa a ser
fortemente condicionada pela Igreja Católica. Porém, com a Revolução Industrial e Francesa,
e a ascensão da forma social capitalista, o Estado retorna a ter centralidade no processo
educacional da população, através da institucionalização da escola pública, universal, gratuita
e obrigatória. Curiosamente, nota-se que, apesar desses três modelos de sociedade possuírem
grandes rupturas uns em relação aos outros, uma constante se apresenta: na sociedade de
classes educação e produção estão apartadas.
Na terceira parte do texto, Saviani faz considerações a respeito dessa cisão – entre
educação e trabalho – no seio da sociedade moderna. No capitalismo, através do
estabelecimento da escola pública universal, que alfabetiza e ensina operações matemáticas
básicas aos alunos, para então integrá-los ao processo produtivo industrial, temos a impressão
de que essa separação desaparece. Porém, esclarece Saviani, a Revolução Industrial
significou também uma Revolução da Educação, onde as máquinas (que são trabalho
intelectual condensado e concretizado), e não os homens, estão no centro do processo
educacional. Nesse sentido, a educação que recebe o sujeito moderno através do sistema
educacional escolar é substancialmente superficial e generalista, posto que ela objetiva
formar, essencialmente, operadores de máquinas fabris. Isso se evidencia a partir do currículo
escolar elementar, o qual a finalidade é ensinar o estudante a ler suficientemente bem para
entender os manuais de instruções das máquinas, e aprender matemática básica para operá-
las. Portanto, há, na sociedade industrial, uma simplificação do trabalho manual (em
comparação às complexas técnicas artesanais utilizadas para se produzir na sociedade feudal),
que resulta em uma simplificação do conjunto de habilidades transmitidas pelo sistema
educacional burguês. Essa dinâmica acaba por reforçar e dar continuidade à separação entre
educação e trabalho, também na sociedade capitalista.
No último segmento de seu texto, o autor propõe o desenho de um sistema de ensino
“com base no princípio educativo do trabalho”. Para Saviani, inspirado em Gramsci, o
ensino fundamental deveria fornecer um conjunto elementar de conhecimentos
sistematizados, na ausência dos quais o estudante não poderia ter uma atuação ativa na vida
coletiva. Dentre esses conhecimentos estão a linguagem, a matemática, as ciência naturais
(através das quais o estudante compreende as leis que regem a natureza, e, portanto, a
interação do homem com o meio), e as ciências sociais (onde os alunos estudam as relações
entre os homens, e como elas se organizam). Esse conjunto de aprendizados irá propiciar uma
inserção real dos estudantes na vida comunitária, e fornecer as bases para uma interpretação
histórico-dialética da existência.
Já o ensino médio, o filósofo elabora que deve ter como propósito a aprendizagem,
pelos alunos, dos fundamentos de múltiplas habilidades e técnicas contidas no processo
produtivo, no intuito de, ao contrário de transformar estudantes em técnicos especializados,
formar politécnicos. Politécnicos que conheceriam os fundamentos teórico-científicos das
técnicas que dominam, articulando-as com a totalidade da cadeia produtiva.
A partir dessas duas etapas de ensino, se constituiria uma escola de formação geral, de
tipo “dessinteressado”, como Saviani aponta que Gramsci defendia. Essa seria uma escola
ativa, criativa, em que os alunos ingressariam na anomia, e, pelo arbítrio de heteronomia (ou
seja, do ensino politécnico), atingiriam a autonomia.
Completando, o ensino superior estaria encarregado de elaborar os conhecimentos mais
sofisticados de uma maneira tal que todos os compartimentos da sociedade, não importando
qual profissão exerçam, poderiam acessar e atuar nesse campo de discussões. Dessa maneira,
o debate de mais alto nível acerca das questões, materiais ou espirituais do sujeito
contemporâneo, estariam vinculadas às necessidades reais da sociedade. Portanto, esse novo
sistema de ensino universitário, acolheria os trabalhadores aos debates intelectuais, e
combateria o academicismo.
Por fim, na última subseção do artigo, o escritor brasileiro comenta uma certa
divergência teórica que teve com o intelectual italiano Paolo Nosella, na qual Nosella defende
que o termo correto para uma educação de caráter marxista seria “ensino tecnológico”, e não
“ensino politécnico”, como defende Saviani. O autor diz que, embora entenda as razões de
Nosella para defender tal perspectiva, ele, Saviani, se ancora no desenvolvimento histórico da
semântica da palavra politecnia dentro da tradição socialista para fundamentar sua escolha, e
então reitera sua posição de que esse seria o termo mais adequado para um sistema de
aprendizagem de cunho marxista.
A respeito do texto de Saviani, embora suas elaborações sejam ricas e interessantes,
considero algumas considerações pertinentes a serem feitas. O escritor tropeça aos meus
olhos, em um certo pecado recorrente de autores da tradição marxista de simplificar e
generalizar a multiplicidade e diversidade histórica das experiências humanas. Assim como
Engels, em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, influenciado pelo
antropólogo evolucionista Lewis Morgan, arbitra equivocadamente que toda sociedade de
classes é regulada por um Estado (sabemos que essa é uma generalização errônea a partir das
mais variadas etnografias produzidas no decorrer do século XX), Saviani incorre no desacerto
de descrever a história da educação da Europa como se fosse a própria história da educação
do homem, em absoluto. O pedagogo não se presta a apontar que o processo histórico de
desenvolvimento das formas de educação que ele tão habilmente descreve não é, se não,
apenas a história educacional da Europa.
Outro ponto que me parece que deveria ter sido melhor delineado pelo filósofo
brasileiro é: em quais termos, ou seja, sob a égide de qual forma social o autor faz a proposta
de seu modelo educacional politécnico? Pela minha leitura do texto não está claro se o
sistema de ensino que Saviani propõe seria nos marcos de uma sociedade capitalista (como
parece ser o caso, já que em nenhum momento ele aponta a condicionante da revolução),
numa sociedade socialista, ou num modelo outro. Sobre esse assunto, penso ser ingênuo
pensar que um sistema educacional como o descrito pelo autor – desinteressado, ativo,
criativo e que forma sujeitos autônomos – possa se dar, de forma generalizada, numa
sociedade capitalista tal qual a brasileira, em que a aguda divisão social do trabalho, e a
alienação do homem do todo do processo produtivo, assim como do fruto do seu trabalho, são
fundamentos indissociáveis.

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