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CULTURA, ESCOLA E PESQUISAS EDUCACIONAIS

Victor Antonio Melo Silva1

1. INTRODUÇÃO

O presente texto parte das discussões realizadas sobre os conceitos de cultura e


escola na disciplina do curso de Especialização em Ensino de História e América Latina2
e busca relaciona-las ao projeto de TCC que será desenvolvido ao final desse curso,
intitulado: Modelos Curriculares e concepções de Ensino de História no Brasil.
Ambos os autores, Vieira Pinto (1979) e Rockewell e Ezpeleta (1989), abordam
conceitos muito amplos e complexos que são cotidianamente apropriados pelo senso
comum e ressignificados a partir dos contextos sociais e econômicos de cada região. Por
exemplo, aquilo que é definido como cultura e não-cultura – ou negação da cultura – na
sociedade brasileira pode mudar de acordo com o lugar do país e a classe social dos
sujeitos. Dentro de uma mesma cidade as referências do que é aceito como cultura para
as populações centrais e periféricas podem ser opostas e conflitantes, uma arte de grafite
é cultura para os jovens periféricos, mas é vandalismo e sujeira para as classes médias.
O mesmo acontece com o conceito de escola, esse espaço é enxergado por muitos
setores da sociedade como um lugar de “formação para o mercado de trabalho”, seja pela
ótica das empresas privadas, imprensa, institutos liberais ou organizações religiosas,
todos esses setores da sociedade buscam reduzir a função da escola a simples tarefa de
“profissionalizar” os jovens estudantes. Essa posição, de modo geral, reflete a perspectiva
de classe dos sujeitos que fazem parte desses setores, funcionários e administradores de
classes médias e seus donos que fazem parte das classes altas.
Essa mesma escola não é vista dessa maneira por aqueles que fazem parte dela no
seu dia a dia, para muitos dos alunos e docentes que a compõem a escola tem a função
primordial de “formar cidadãos” e “preparar para a vida” de um modo mais amplo.
Sendo assim, os conflitos que existem entre as concepções de escola na sociedade
e o próprio conceito de cultura indicam a necessidade de aprofundar os debates sobre
esses fenômenos e ir além das percepções do senso comum. Considerando os objetivos
do curso de Especialização, a compreensão correta desses conceitos pode ajudar a
desenvolver novas pesquisas dentro da área da Educação e do Ensino de História.

2. DESENVOLVIMENTO

Para entender e relacionar os conceitos de cultura e escola será necessário


discorrer sobre cada um separadamente. Começando pelo primeiro que possui um caráter
mais amplo.
A partir do olhar de Vieira Pinto a cultura engloba todas as ações e produções
humanas. Aquilo que ele chama de realidade geral da cultura é a própria hominização da

1
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), campus de Marechal Cândido Rondon. Desenvolve pesquisa no âmbito do Ensino de
História, com enfoque em Currículos e Projetos Pedagógicos de História. E-mail:
victorantoniomelosilva@hotmail.com.
2
Devido impossibilidade de discussão do conceito de autonomia que seria realizado a partir do texto de
Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia (1996), o mesmo não foi incorporado a discussão do presente texto.
natureza e as modificações do ser humano resultantes do processo de transformação do
seu meio. Ou seja, a cultura é um processo produtivo que cria (1) produtos a partir da
transformação da natureza (bens de consumo) e recria o próprio ser humano (bem de
produção) através dos conhecimentos que ele adquire e acumula nesse processo (PINTO,
1979, p.124).
Nessa direção, a cultura passa por um problema histórico durante seu processo de
evolução. Ela deixa de ser um bem geral consumível por todos e passa a ser um privilégio
de alguns.
Tanto a cultura material (os bens de consumo) quanto a intelectual (os bens de
produção) são apropriadas por grupos minoritários que passam a monopolizar o consumo
dos bens culturais. Isso que resulta na divisão de classes no interior da sociedade e a
transformação do ser humano em bem produção para outros (ibid., p.127-128).
Na visão de Vieira, a classe dominante que se apropria da cultura cria uma cisão
entre grupos antagônicos na sociedade, aqueles que produzem os bens de consumo
transformando diretamente a natureza, os trabalhadores manuais, e aqueles que criam os
bens de produção ideias, técnicas e instrumentos através das quais os trabalhadores
manuais irão exercer as suas funções, os trabalhadores intelectuais (p.128).
Isso impõe na sociedade de classes a noção de sujeitos cultos detentores das
capacidades intelectuais de criação bens e aqueles incultos, relegados somente a operar
os instrumentos e as técnicas produzidas idealmente pela classe dominante (p.129);
A partir dessa concepção geral de cultura, seria possível enxergar o fenômeno da
escola como um dos instrumentos criados idealmente para dominar e doutrinar as classes
inferiores a mantê-las restritas ao processo de produção de bens de consumo.
Nessa lógica, a escola seria o local de introjeção das ideias, instrumentos e
técnicas elaboradas pelas classes dominantes nas mentes dos dominados. O momento de
alienação da capacidade dos trabalhadores de refletir sobre o processo produtivo e a
negação das suas habilidades para criar bens de produção, impedindo-os de se
reconhecerem como produtores de cultura e atingirem objetivo final de toda produção
cultural que é a produção de si mesmo.
Contudo, a escola, segundo Rockwell e Ezpeleta (1989, p.134), não pode ser
enxergada somente como um instrumento de transmissão de conhecimentos ou
dominação ideológica das classes dominantes. Ela é um espaço mais complexo do que
isso e só pode ser compreendida a partir da sua realidade não documentada. A escola só
faz sentido quando analisada sua existência cotidiana enquanto história acumulada,
observando os “elementos civis e estatais” que constituem o seu espaço (ibid.).
Através do olhar dessas autoras é possível afirmar que o cotidiano da escola revela
elementos dominantes (estatais) e dominados (civis) em constante contradição e conflito,
onde um se mistura com o outro. Ela é, ao mesmo tempo, a tentativa de apropriação da
cultura dos trabalhadores por parte das classes dominantes e o esforço de resistência dos
mesmos em criar bens de produção de cultura; é a tentativa de introjeção das ideias
dominantes que busca aliena-los e a reafirmação da capacidade dos dominados de
produzirem a si mesmos.
Em suma, a escola é um espaço de contradições. As grandes categorias não são
suficientes para explicar a complexidade de relações entre os sujeitos que a constituem,
ela não pode ser enxergada apenas pela ótica de dominação e submissão. A escola é, antes
de tudo, um processo inacabado de construção, ou, algo a vir a ser. É um fenômeno que
está em transformação constante e se insere no problema histórico do processo de
evolução da cultura humana. A escola é um espaço de disputa entre as classes antagônicos
na sociedade, mas, também pode ser um lugar para a resolução desse conflito.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desse modo, as discussões realizadas por ambos os autores apontam a necessidade


de realizar pesquisas educacionais pautadas na realidade concreta.
Apropriando-se das ideias de Vieira Pinto, é possível afirmar que uma pesquisa
na área da educação, assim como na área da cultura, deve-se basear em uma filosofia da
existência (ibid., p.124) analisando a realidade da produção cultural no espaço
educacional. Ou seja, não se pode somente comparar ideias, componentes e técnicas para
obter resultados significativos, é necessário ir além.
Para cumprir essa função é deve-se observar a realidade cotidiana da escola,
aquela que não é documentada, captando os aspectos heterogêneos dos espaços
educacionais e conseguindo manejar e classificar o cotidiano a partir de grandes
categorias como classes, Estado e sociedade civil. Mas, sem se perder no cotidiano como
situação que se esgota em si mesma (op cit. p.134);
Nessa direção, a metodologia de pesquisa empregada por todos os autores
contribuí em muito para a concretização do futuro projeto de TCC: Modelos curriculares
e concepções de Ensino de História no Brasil.
O projeto tem por objetivo apresentar um panorama geral das concepções de
Ensino de História (EH) predominantes na Educação Superior do Brasil a partir da
investigação e análise dos seus currículos, os Projetos Pedagógicos dos Cursos de História
(PPCH). Contudo, apenas comparar os componentes e ideias – nesse caso, os currículos
de Ensino de História – não será o bastante para compreender a complexidade cultural do
espaço no qual eles são produzidos – a universidade.
Será necessário mergulhar no cotidiano histórico dos currículos de EH e
contextualiza-los a partir dos sujeitos que os elaboraram, analisando os aspectos
conotados dos documentos e manejando as grandes categorias com o mesmo cuidado com
o qual deve-se analisar o espaço escolar.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e Existência: problemas filosóficos da pesquisa


científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

ROCKWELL, E.; EZPELETA, J. A escola: relato de um processo inacabado de


construção. 2. ed., São Paulo: Cortez, 1989.

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