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PROFEPT – MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

TECNOLÓGICA EM REDE NACIONAL


Componente Curricular: Bases Conceituais para a Educação Profissional e Tecnológica
Mestrando(a): Otavio Patrício Netto

Referência:
RAMOS, M. N. Reforma da Educação Profissional: contradições na disputa por hegemonia
no regime de acumulação flexível. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 5, n. 3, p.
545-556, nov. 2007. /fev. 2008.

Formação do trabalhador flexível: o objetivo da reforma pós-LDB


Ramos baseia sua discussão em ideias apresentadas por Kuenzer (2007) sobre o
caráter da educação profissional no regime de acumulação flexível, em que o capital passa a
demandar do trabalhador determinadas competências. A autora também aponta que nos anos
1990 países da América Latina eram orientados por organismos internacionais para a
realização de reformas em seus sistemas de ensino. Essas orientações indicavam que o ensino
técnico tinha alto custo e não atendia de forma satisfatória a classe trabalhadora, pois eram
acessados por jovens de classe média que aproveitavam a boa qualidade de ensino para
favorecer seu ingresso em uma graduação. Esse discurso contribuiu para que, em 1997, a
formação técnica de nível médio fosse desvinculada da educação secundária. Nesse período
intensifica-se a adoção do modelo de competências pela educação profissional (RAMOS,
2008, p. 546-547).
A autora discorre sobre o apoio do Banco Internacional de Desenvolvimento para a
“expansão e melhoria” da educação profissional e do ensino médio. O Decreto nº 2.208/97
segmentou a formação dos trabalhadores em níveis básico e médio, e criou a educação
profissional de nível superior com os cursos tecnológicos. Ramos identifica estas medidas
como “meios de adequação da formação de trabalhadores ao regime de acumulação flexível”
(RAMOS, 2008, p. 547), cujos objetivos seriam a capacitação em massa, o barateamento dos
cursos profissionalizantes, a criação de caminhos alternativos à universidade e a manutenção
da “necessária camada de técnicos adequados ao processo de reestruturação produtiva” (ibid.,
p. 547). Sobre a formação dos trabalhadores, a autora recorre à discussão de Kuenzer para
destacar que, nesse modelo, a capacidade de adaptação do trabalhador é mais relevante que a
qualificação prévia ou conhecimentos técnicos.

A contra-reforma no governo Lula: contradições de uma política de (não) Estado

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Ramos relembra que um dos compromissos da campanha do candidato à presidência
Lula era a revogação do Decreto nº 2.208/97, mas que esta medida não foi tomada de
imediato. Isso porque houve uma união entre representantes de setores públicos e setores
privados defendendo a manutenção do decreto, apontando entre as razões para isso a
flexibilidade da oferta de educação profissional. Não obstante, foi promulgado em 2004 o
Decreto nº 5.154, que incorpora os níveis de formação profissional criados pelo decreto
anterior, mas viabiliza a integração da formação profissional ao ensino médio (RAMOS,
2008, p. 549). A autora destaca que esta proposta de integração da educação profissional ao
ensino médio não se confunde com o projeto de escola unitária e educação politécnica, mas
contém elementos destas e pode ser uma condição social necessária para sua construção (ibid.
550).
A autora aponta que a forma integrada da oferta do ensino médio com a educação
profissional segue algumas diretrizes: “integração de conhecimentos gerais e específicos;
construção do conhecimento pela mediação do trabalho, da ciência e da cultura; utopia de
superar a dominação dos trabalhadores e construir a emancipação – formação de dirigentes”
(ibid. p. 551). Destaca ainda que no ensino médio “a relação entre ciência e práticas
produtivas se evidencia”, sendo “a etapa biopsicológica e social de seus estudantes em que
ocorrem o planejamento e a necessidade de inserção no mundo do trabalho” (ibid., p. 551).
Sobre a graduação tecnológica, Ramos entende que o tema não foi debatido
adequadamente e critica a expansão “brutal” e “vertiginosa” de cursos superiores de
tecnologia nas esferas pública e privada, estendendo ao nível superior a dualidade educacional
verificada em outros níveis de educação. Sobre isso, a autora chama atenção para o risco de
“dar respaldo à tendência de se consolidar a educação profissional como uma modalidade
educacional própria, específica e paralela à educação regular, em todos os níveis da educação
nacional” (ibid. p. 551). Ramos destaca que, diferentemente da educação superior das
universidades, nos institutos federais há um peso histórico do comprometimento destes
projetos ao capital e ao mercado de trabalho. Destaca uma concepção utilitarista da ciência e
tecnologia, em que a formação é vinculada às demandas econômicas e em que se negligencia
a formação omnilateral e politécnica, “rejeitando-se, em termos relativos, a oferta do ensino
médio integrado, em nome da oferta de cursos superiores de tecnologia e de licenciaturas,
numa perspectiva expansionista” (ibid. p. 552).
A autora encerra a seção destacando como tema central a mediação estratégica dessas
instituições na publicização da ciência, da tecnologia e da produção social de bens para
atender as necessidades humanas, sendo que isso “exige superar a histórica subsunção do
Estado à dinâmica do capital (ibid., p. 552).

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Uma educação que recupere o conhecimento científico como mediação da formação
omnilateral e politécnica

Ramos inicia esta seção avaliando que, embora as mudanças no mundo do trabalho
exijam a ampliação da educação básica com qualidade, “fundada no domínio
técnico-intelectual enquanto relação entre conhecimentos e competências cognitivas
complexas”, o que tem sido oferecido à classe trabalhadora “se resume à reprodução do
conhecimento tácito” (RAMOS, 2008, p. 552). A autora discorre sobre a forma como os
processos educativos estão direcionados ao desenvolvimento de competências ligadas à
flexibilidade do trabalho e da produção. Nesse sentido, a autora discute o vínculo entre
educação e controle simbólico, que estaria a serviço de uma conformação da personalidade e
da consciência dos trabalhadores.

“Ação comunitária”, “domínio das linguagens”, “capacidade de intervenção social”


são competências importantes no campo do controle simbólico, pois desenvolvem
no trabalhador um sentimento de responsabilidade para consigo e sua comunidade,
ao ponto de que eles próprios devem buscar as soluções para o desemprego, para a
miséria, para a exclusão (ibid., p. 553).

A autora segue registrando que no Brasil a política de ciência e tecnologia é mais de


adaptação ou inovação tecnológica que de geração de novos conhecimentos. Assim, há maior
risco de haver uma “tecnologização da ciência”, contribuindo para sua “mercantilização”
(ibid., p. 554). Defende que um projeto de educação profissional contra-hegemônico deve
“unificar organicamente a formação de trabalhadores de nível médio e superior nos campos da
ciência, tendo como base uma formação omnilateral e politécnica. Esta, no nível médio, se
fundamentaria na integração entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura” (ibid., p. 553). No
ensino superior, corresponderia “ao aprofundamento da formação científico-tecnológica nas
diversas áreas do conhecimento, com o propósito de formar intelectuais [...] em coerência
com os princípios que definem uma formação universalizante” (ibid., p. 553).

Lutar por outra hegemonia na educação: desafio da sociedade civil


Na última seção, Ramos discorre sobre as discussões ocorridas principalmente no
início do governo Lula acerca da política de ensino médio e educação profissional. Coloca
que apesar de grandes expectativas para essa integração, a influência de forças conservadoras
ainda mantém alguns princípios que orientaram as reformas neoliberais do governo Fernando
Henrique Cardoso (ibid.).
A autora encerra o texto apontando a politecnia como uma “utopia sempre em
construção”, compreendendo o “trabalhador como sujeito de realizações, de conhecimentos e
de cultura, capaz de transformar a realidade dada em realidade para si” (ibid., p. 555). Destaca
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que essa construção pressupõe o rompimento com as antigas vertentes tecnicistas de
educação, mas também com aquelas mais novas em que predomina o controle simbólico
sobre os trabalhadores.

Considerações
As discussões apresentadas têm profunda relação com o texto O Moderno Príncipe
Industrial: o pensamento pedagógico da Confederação Nacional da Indústria, de José
Rodrigues (1998), que retrata a forma como a Confederação Nacional da Indústria, por meio
entidades por ela controladas, contribui para a formação profissional dos trabalhadores e pela
conformação social dos mesmos, numa busca pela conciliação de classes.

REFERÊNCIAS

KUENZER, A. Z. Reforma da educação profissional ou ajuste ao regime de acumulação


flexível? Trabalho, Educação e Saúde, v. 5, n. 3, p. 491–508, nov. 2007.

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