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A EXTENSÃO TECNOLÓGICA COMO ESPAÇO PEDAGÓGICO PARA A

POLITECNIA

André Luis da Silva Santos*

RESUMO: Este trabalho busca discutir a extensão tecnológica como forma efetiva de
educação politécnica. Pensamos a necessidade dessa discussão a partir da observação das
dificuldades do ensino médio integrado no sentido de efetivar a politecnia. Para este estudo
analisamos o conteúdo de alguns documentos oficiais que versam sobre a rede federal de
ensino profissionalisante e mais especificamente sobre a extensão tecnológica e suas
finalidades. Foram analisados também trabalhos bibliográficos que discutem a Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, questões conceituais sobre politecnia e extensão
tecnológica. Como arcabouço teórico nos orientamos pelas concepções do materialismo
histórico dialético por entendermos que essa base teórica, além de já ser a base dessas
temáticas, pode facilitar o entendimento da problemática em questão. Esperamos demonstrar a
extensão tecnológica como um caminho metodológico viável para a educação politécnica.

Palavras-chave: Politecnia, extensão tecnológica, ensino médio integrado

Abstract - This paper seeks to discuss technological extension as an effective form of


polytechnic education. We think the need for this discussion is based on the observation of the
difficulties of integrated secondary education in the sense of making polytechnic effective.
For this study we analyze the content of some official documents that talk about the federal
network of vocational education and more specifically about the technological extension and
its purposes. We also analyzed bibliographic works that discuss professional and technical
education (EPT) in Brazil, conceptual questions about polytechnics and technological
extension. With the theoretical framework we are guided by the conceptions of dialectical
historical materialism because we understand that this theoretical basis, besides already being
the basis of these themes, can facilitate the understanding of the problematic in question. We
hope to demonstrate technological extension as a feasible methodological path for polytechnic
education.

Keywords - politecnia, technological extension, integrated secondary education

INTRODUÇÃO

* Discente PROFEPT – Email: andreluis@ifba.edu.br


A politecnia é um conceito de educação que vem da tradição marxista a partir de
alguns textos de Marx e também de Lênin. Tal concepção foi apropriada por vários
pensadores marxistas como Gramsci e Manacorda. Em linhas gerais a educação
politécnica proposta por Marx parte do trabalho como princípio educativo e tem como
objetivo a emancipação intelectual e material do trabalhador.

Na rede federal de EPT no Brasil, a discussão sobre a possibilidade de uma


educação politécnica é encabeçada principalmente pelo ensino médio integrado
(considerado a etapa mais adequada no processo formativo) . A criação da rede de
Institutos Federais em 2008 pelo decreto 11.892 aqueceu essa discussão e gerou muita
expectativa. Todavia, é consenso a idéia de que o ensino médio integrado é apenas uma
iniciativa embrionária para a discussão de politecnia inclusive por conta de seu estado
de construção e de todas as dificuldades impostas pelo sistema hegemônico capitalista.

Este trabalho tem como objetivo demonstrar a extensão tecnológica como uma
outra via possível de uma pedagogia de viabilização da discussão sobre Politecnia. Esta
discussão faz-se necessária em função das difucldades enfrentadas pelo ensino médio
integrado como caminho de viabilização para uma educação politécnica. Para tanto
analisamos documentos oficiais que versam sobre a rede federal de Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) bem como trabalhos produzidos sobre o tema. Como
arcabouço teórico-metodológico nos guiamos pelo olhar do materialismo histórico
dialético para conseguirmos compreender toda a dimensão desta problemática bem
como as contradições que se apresentam na discussão sobre EPT no Brasil.

Na primeira parte deste texto discutiremos o conceito de Politecnia associado à


EPT, suas possibilidades e limites. Em seguida, falaremos um pouco sobre o ensino
médio integrado no Brasil, as expectativas e possibilidades de efetivação de uma
educação politécnica e por último tentaremos demonstrar a extensão tecnológica como
espaço pedagógico para a educação politécnica através de descrição bibliográfica
analítica.

Esperamos demonstrar que a extensão tecnológica pode ser um espaço


pedagógico para a discussão de politecnia não somente para os estudantes mas também
para a comunidade.

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SOBRE POLITECNIA

O conceito de Politecnia aparece nos escritos de Karl Marx e Lênin para discutir
a educação como mecanismo de emancipação do indivíduo a partir da idéia do trabalho
como princípio educativo. Tal concepção aparece no Manifesto Comunista e em O
Capital como ‘educação tecnológica’ e ‘educação politécnica” onde o pensador alemão
enfatiza as dimensões intelectuais e físicas de uma proposta de pedagogia que,
associando a educação ao trabalho e processo produtivo, propicia aos trabalhadores uma
formação integral e, com isso garante sua emancipação não somente econômica mas
social e intelectual.1
Vários pensadores marxistas utilizam a idéia de politecnia para discutir uma
educação para os trabalhadores. Outros termos aparecem nestas discussões como sendo
sinônimo de uma educação tecnológica ou politécnica. Gramsci utiliza a expressão
‘educação unitária’ para se referir à politecnia. 2 Manacorda fala em uma ‘educação
omnilateral’ para a emancipação do trabalhador. 3 Viktor Shulgin utiliza o termo
politecnismo quando se refere à educação tendo o trabalho como princípio formativo 4.
Todas essas expressões são referências à pratica de uma educação politécnica.
Existe uma certa polêmica em relação ao termo politecnia ou educação
politécnica em função do seu significado mais comum que pressupõe a formação de um
trabalhador dotado de várias técnicas ou várias habilidades. Certamente não foi esse o
sentido que Marx atribuiu ao termo e isso fica claro nas críticas que ele faz à formação
para o trabalho na indústria burguesa.5 Essa polêmica semântica é levanta da por Paolo
Nosella que busca discutir os sentidos atribuídos por Marx e pelos marxistas ao termo
Politecnia.6 Manacorda traz uma discussão filológica importante sobre o tema fazendo
uma diferenciação entre os termos politécnico e tecnológico:
O primeiro termo, ao propor uma preparação pluriprofissional, contrapõe-se
à divisão do trabalho específica da fábrica moderna; o segundo, ao prever
uma formação unificadamente teórica e prática, opõe-se à divisão originária
entre trabalho intelectual e trabalho manual, que a fábrica moderna exacerba.

1
FILHO, Domingos Leite Lima; CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Educação tecnológica.
2
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 2 edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. - 2a ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
3
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna [tradução Newton Ramos-de-Oliveira].
Campinas, SP: Editora Alínea, 2007.
4
SHULGIN, Victor Nikolaevich. Rumo ao politecnismo. São Paulo. Expressão Popular. 2013
5
FILHO, Domingos Leite Lima; CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Educação tecnológica
6
NOSELLA, Paolo. Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores: para além da Formação Politécnica,
Revista Brasileira de Educação V. 12 N. 34 Jan./Abr. 2007
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O primeiro destaca a idéia da multiplicidade da atividade (a respeito da qual
Marx havia fala do de uma sociedade comunista na qual, por exemplo, os
pintores seriam “homens que também pintam”); o segundo, a possibilidade
de uma plena e total manifestação de si mesmo, independentemente das
ocupações específicas da pessoa.7

A formação Politécnica, no sentido que os educadores marxistas atribuem, busca


uma educação tendo o trabalho como princípio educativo a fim de promover uma
formação completa omnilateral no sentido de formar o ser humano na sua integralidade
física, mental, cultural, política, e científico tecnológica.
Marise Ramos nos dá um conceito de politecnia no sentido que queremos propor
aqui:
“É importante destacar que politecnia não significa o que se poderia sugerir
a sua etimologia, a saber, o ensino de muitas técnicas. Politecnia
significa uma educação que possibilita a compreensão dos princípios
científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a
orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas.” 8

SOBRE O ENSINO INTEGRADO E A POLITECNIA

A história da educação no Brasil é pautada em uma dualidade que, de certa


forma, é o reflexo de nossa composição social e histórica cheia de heranças e
permanências de nosso passado escravista e mesmo pela maneira como seu deu a nossa
formação social e econômica. Essa dualidade desde os seus primórdios tem um sentido
perverso. Tal sentido está ligado a questões econômicas e sociais profundas que
remetem à propria história da luta de classes e que deve ser compreendida através desse
viés. O que percebemos ao longo da história da educação no Brasil é uma escola para o
trabalho para os filhos das camadas subalternas e uma escola de artes e ciências para os
filhos das camadas dominantes. Tal modelo de educação é eficaz para a promoção e
manutenção dos privilégios das elites bem como para manutenção das condições sociais
ao mesmo tempo que alija os trabalhadores de possibilidades de emancipação.
Ao longo de todo o processo a dualidade entre a educação para a produção para
os filhos dos trabalhadores e uma educação científica para os filhos das elites marcou a
nossa história enfatizando as desigualdades sociais e manutenção dos privilégios da

7
Manacorda apud Saviani in:SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos.
Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2000
8
RAMOS, Marise. Concepção de ensino médio integrado. pág. 2
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elite . Uma preocupação do Estado com políticas públicas para a educação das massas
só se torna efetiva a partir da segunda metade do século XX 9 mas o dualismo não foi
superado. Ao contrário disso as reformas que seguiram a partir daí pareceram torná-lo
institucional dentro das conjunturas político-econômicas que ocorreram associadas à
divisão internacional do trabalho e da condição subalterna do Brasil frente ao capital
internacioanal.
Uma idéia viável para a superação da dualidade histórica da educação no Brasil
seria a integração do ensino básico ao ensino profissional, recuperando assim a
condição do trabalho em suas dimensões histórica e ontológica 10 e unindo novamente a
educação ao trabalho. Trata-se de uma educação profissional que recupera o sentido do
trabalho enquanto elemento de formação humana, onde, à medida em que trabalhamos e
transformamos a natureza, produzimos a nossa existência e formamos a nós mesmos
nos distanciando dos outros animais. Esse sentido do trabalho difere-se em muito do
sentido atribuído pelo capital. Difere-se do sentido burguês de exploração e de geração
de mais-valia.
A proposta do ensino integrado busca educar a partir da noção do conhecimento
para todos e não só para as elites. Busca uma educação que propicie conhecimento para
uma formação completa não somente para desempanhar uma profissão mas para a
aquisição do instrumental técnico-filosófico que permitirá ao trabalhador a autonomia
crítica para o conhecimento não só da produção mas para a compresão política do
mundo apreendendo não somente a técnica mas todos os conceitos de ciência,
tecnologia e cultura que permitirão sua emancipação.
O ensino integrado traria o fim da dualidade na educação integrando trabalho e
educação a partir de uma escola unitária onde o trabalho como princípio educativo traria
uma formação politécnica e elevaria o potencial da classe trabalhadora em direção à sua
plenitude.
No Brasil as discussões e idéias geradoras de uma proposta de ensino integrado
que buscam superar a dualidade histórica na educação aparecem com força no primeiro
projeto de LDB junto com os princípios educacionais que estão postos na Constituição

9
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e identidade. In:
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São
Paulo: Editora Cortez, 2005. pág 87
10
SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de
Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2000

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de 1988, fruto de intensos debates ambientados pelo passado repressor bem recente,
com suas forças conservadoras lutando para preservar o máximo as suas prerrogativas e
vantagens contra os setores mais progressistas que buscavam garantir a democracia e a
defesa da escola pública a partir de uma educação para todos e não só para alguns.
O decreto 5.154/04 (que buscou regulamentar a educação profissional) foi um
pequeno passo rumo a efetivação de uma educação integrada. Como nos dizem Frigotto,
Ciavatta e Ramos:
“O conteúdo do decreto 5.154/04, por outro lado, sinaliza a persistência de
forças conservadoras no manejo do poder de manutenção dos seus interesses.
Mas também pode revelar a timidez política do governo na direção de um
projeto nacional de desenvolvimento popular e de massa, cujo corte exige
reformas estrturais concomitantes, (...).11”

Como já dito, o momento seguinte ao fim do regime militar foi de debates


acalorados que representavam as disputa de propostas de modelo societários bem
distintos. Podemos dizer que a Constituição de 1988, a LDB e mesmo o decreto
5.154/04 são frutos desse debate. Nesse sentido podemos comprender que a proposta de
um ensino integrado com uma educação polítécnica, no seu sentido omnilateral, já nasce
com algumas limitações.
Não é do interesse das elites o fim da dualidade na educação. Essa condição é
necessária para a manutenção do status quo atual mantendo os filhos dos trabalhadores
estudando para tomar o lugar dos seus pais na produção e educando os filhos das
camadas dirigentes para tornarem-se futuros dirigentes. Além disso, o ensino médio
integrado traz outros problemas no tocante a uma efetiva educação politécnica que tem
aspectos políticos e estruturais. Tais aspectos passam por discussões que vão desde o
currículo verdadeiramente integrado12 até a vontade política de uma educação
verdadeiramente unitária e politécnica.
O ensino médio integrado na rede federal de ensino tem alcançado notas muito
boas nas provas e exames públicos como o ENEM, por exemplo. A questão é que os
Institutos Federais não tem conseguido se organizar pedagogicamente para uma
educação que tenha o trabalho como elemento formador. O que está acontecendo é que
temos excelente escolas técnicas federais que não conseguem integrar de fato o trabalho
e a educação dentro de uma proposta contra-hegemônica de escola unitária de promoção

11
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São
Paulo: Editora Cortez, 2005 pág. 57
12
Ao invés de um currículo que integre as disciplinas propedêuticas às disciplinas técnicas o que se tem,
geralmente, são discipllinas sobrepostas ministradas sem conseguirem dialogar entre si.
PROFEPT 2018 6
da omnilateralidade como foi pensado nos debates desde a década de 80 que
culminaram no decreto 5.154/04.
Para além de tudo isso existem outras questões a serem pensadas para a
efetivação da integração entre trabalho e educação no ensino médio. Como nos diz
Frigotto “é preciso que tenhamos condições objetivas e subjetivas para viabilizar em
termos econômicos e políticos esse projeto.”13
É importante pensar as dificuldades em inserir o trabalho como princípio
educativo no ensino médio onde, em sua maioria, os estudantes não estão inseridos no
mundo do trabalho. Entendemos que essa é uma questão muito importante a ser pensada
metodologicamente no ensino médio integrado. Como, por exemplo, colocar
pedagogicamente o trabalho como princípio educativo para uma parte dos nossos jovens
alunos que, em boa parte das vezes, não estão trabalhando (e em alguns casos, não
pensam em trabalhar antes do término do curso superior)? A dura realidade brasileira
marcada pela desigualdade social obriga os filhos da classe trabalhadora a buscar
inserção no mundo do trabalho cada vez mais cedo para complementar a renda
doméstica. Dessa forma, o que o ensino médio integrado tem feito é tentar garantir a
educação básica integrada ao trabalho e isso não é necessariamente politecnia.
Como nos diz MOURA, o ensino médio integrado é “uma solução transitória e
viável é um tipo de ensino médio que garanta a integralidade de uma educação básica,
ou seja, que inclua os conhecimentos científicos produzidos e acumulados
historicamente pela sociedade, como também objetivos adicionais de formação
profissional numa perspectiva da integração dessas dimensões.14
Existem as oficinas e visitas técnicas que trariam uma proximidade entre o
estudante e o trabalho mas essa abstração é bem diferente de se estar de fato trabalhando
e produzindo. Certamente a valorização do trabalho e o entendimento deste como
princípio fundante do ser humano seria muito mais bem compreendido por
trabalhadores do que por estudantes adolescentes que ainda não trabalham.
Não queremos aqui desmerecer a iniciativa que o decreto 5.154/04 traz no
sentido de integrar o ensino. Não pretendemos também desdenhar do esforço de vários
pensadores, professores e gestores que tem lutado pelo ensino médio integrado na rede

13
FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. In: FRIGOTTO, G.;
CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Editora
Cortez, 2005 pág.78
14
MOURA, Dante Henrique.Educação báica e educação profissional e tecnológica: dualidade histórica e
perspectivas de integração. Holos, Ano 23, Vol. 2, 2007.pág, 19
PROFEPT 2018 7
federal. O que afirmamos aqui é que o ensino médio integrado ainda é um passo inicial
rumo a uma educação verdadeiramente politécnica. É ncessário pensar os projetos
políticos pedagógicos dos cursos técnicos do ensino médio integrado bem como
capacitar os professores e gestores dentro de uma pedagogia contra-hegemônica que
integre trabalho e educação tendo como foco o trabalhador e não a técnica ou a
produção.
Por todas as questões citadas aqui entendemos que o ensino médio integrado é
uma iniciativa importante e talvez a maior no sentido de buscar o fim da dualidade
histórica e cultural da educação brasileira bem como caminho rumo a uma educação
omnilateral e libertadora das camadas proletárias. Caminho a ser percorrido ainda por
um bom tempo devido aos diversos entraves limitadores.
Para a realidade brasileira a preparação profissional é uma necessidade.
Entretanto, preprar o profissional simplesmente não é o que propõe a concepção de
politecnia. Nesse sentido, como nos lembra Frigotto, Ciavatta e Ramos, o ensino médio
integtrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição
necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade.15

A EXTENSÃO TECNOLÓGICA COMO UMA VIA POSSÍVEL DE DISCUSSÃO


POLITÉCNICA.

Nas linhas acima procuramos discutir o ensino médio integrado e as dificuldades


de uma educação politécnica. Entre essas dificuldades apontamos o distanciamento do
trabalho da maioria dos estudantes nessa etapa dos estudos embora estes estejam
buscando qualificação para se inserirem na produção.
Pensando nesta questão especificamente, acreditamos que a extensão
tecnológica, por seu aspecto aplicado associado à pesquisa pode ser uma outra via para
uma educação politécnica. É importante reforçar a idéia de que não se pretende
questionar a importancia do ensino médio integrado ou mesmo sobrepor um ao outro
em grau de importância ou hierarquia mas sim apresentar a extensão tecnológica como
mais uma possibilidade de estratégia pedagógica para pensar a formação omnilateral.
A atividade de extensão passou por algumas modificações quanto ao seu fim ao
longo dos tempos. Podemos afirmar que em um dado momento a atividade extensionista

15
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São
Paulo: Editora Cortez, 2005pág. 43, grifo dos autores.
PROFEPT 2018 8
tinha como objetivo a difusão do conhecimento produzido na academia para a
comunidade. Tratava-se de literalmente estender (no sentido de transmitir) o
conhecimento produzido.
Em um outro momento, a extensão começa a prestar serviços à comunidade
extra-muros, o que parece evidenciar uma necessidade de aproximar a universidade das
pessoas no sentido de tornar o conhecimento produzido nas unversidades algo útil ao
bem estar coletivo.
Um pouco mais recentemente, a atividade extensionista passa a ser encarada
como uma atividade de interação entre a universidade e a sociedade, um caminho de
mão dupla onde a universidade também é, de certa forma impactada por essa forma
dialógica de interação. Segundo Geraldo Ceni Coelho, é a partir daí que a extensão
universitária ganha um aspecto pedagógico.16 Ainda segundo o mesmo autor essa
concepção dialógica tornou-se o paradigma pedagógico da extensão na década de 80 na
américa Latina e no Brasil, em especial.
Estudos feitos comparando estudantes extensionistas com estudantes não
extensionistas mostram que os primeiros desenolveram, além de habilidades
profissionais, maior crescimento cognitivo, maior auto-estima, maior capacidade de
rosolução de problemas, mais engajamento em questões sociais, aumento de
capacidades relacionadas à cidadania, maior preocupaçãocom questões políticas,
responsabilidade social e consciência dos problemas da comunidade.17
Na rede de Institutos Federais existe uma atenção especial para a extensão. Essa
atenção aparece em alguns documentos desde Leis a documentos internos da própria
rede. A vocação tecnológica dos Institutos Federais dá uma configuração específica à
extensão por conta dos seus objetivos e missão institucional. No artigo 7º., inciso IV,
que dispõe sobre os objetivos dos Institutos Federais a Lei 11.892/2008 diz o seguinte:
IV - desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e
finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do
trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão
de conhecimentos científicos e tecnológicos;18.

16
COELHO, o papel pedagógico da extensão universitária. Em Extensão, Uberlândia, v. 13, n. 2, p. 11-24, jul. /
dez. 2014
17
Idem. Pág. 17

18
BRASIL. Lei n. 11.892 de 29 de dezembro de 2008 Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.
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No mesmo texto, aparecem como objetivos da rede produzir pesquisa aplicada e
estimulação de processos educativos que promovam a emancipação do cidadão. A
extensão tecnológica, por suas peculiaridades, é diferente de outras formas de extensão
praticada nas universidades. Não deve haver um padrão de ação extensionista mas no
caso da extensão tecnológica o formato é eminentemente prático. É nesse sentido que
entendemos a possibilidade de politecnia uma vez que a extensão tecnológica tem um
aspecto prático aplicável tanto para o ambiente da fábrica quanto para o trabalho rural.
Como a extensão tecnológica pode ser aplicada diretamente nos ambientes cotidianos de
trabalho ela pode ser usada para uma formação com base no próprio trabalho. A
concepção de extensão da rede feral de educação profissionalisante abre essa
possibilidade.
Entre os objetivos dos Institutos Federais está a promoção do desenvolvimento
socioeconômico local e regional. Neste sentido, a extensão tecnológica ganha
importância como instrumento capaz de ser um vetor de desenvolvimento. Em outro
documento oficial, o documento Extensão Tecnológica na Rede EPCT ( Ensino
Profissional, Científico e Tecnológico) Trata-se específicamente da extensão na rede
federal de ensino profissionalisante. Nele discute-se a extensão como forma de estímulo
ao desenvolvimento local e regional, promovendo empreendedorismo, o associativismo,
o cooperativismo e a incubação de empreendimentos. O documento trata ainda das
políticas de Extensão e a integração com o mundo do trabalho, inclusão social e
produtiva.19 Novamente enfatiza-se a importância do trabalho na extensão tecnológica.
Um exemplo interessante de atuação pedagógica da extensão tecnológica no
sentido politécnico foi a experiência do Projeto Licuri, na cidade de Caldeirão Grande,
Bahia. O IFBA desenvolveu uma parceria junto a agricultores na cidade de Caldeirão
Grande, semiárido baiano. Projeto Licuri mais o GPPQ (Grupo de Pesquisa e Produção
em Química)e a ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativa Populares) montaram
uma equipe com uma “forte característica de interdisciplinaridade, compondo-se a partir
de pessoas vinculadas a áreas profissionais abarcadas pelo IFBA. São estudantes de
graduação, pós-graduação, docentes/pesquisadores e recém graduados das áreas de

19
Extensão Tecnológica - Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica/ Conselho Nacional
das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. --Cuiabá (MT): CONIF/IFMT, 2013

PROFEPT 2018 10
Administração, Química, nutrição, engenharia de alimentos, nutrição, engenharia
elétrica, engenharia química, engenharia mecânica e Educação.”20
Em linhas gerais, além de todo suporte técnico e tecnológico os agricultores e
agricultoras extrativistas de licuri participaram de um processo de incubação junto à
ITCP que culminou na criação da COOPERLIC (Cooperativa de Colhedores e
Beneficiadores de Licuri) no Município de Caldeirão Grande Com uma prática de
incubação direcionada à construção coletiva do conhecimento, na discussão de questões
psicossociais e de gestão, tendo a autogestão como um dos maiores princípios da
incubação popular.
O resultado dessa experiência foi o de que, partir da articulação dos diversos
saberes, fundamentadas na autogestão e na dialogicidade, o projeto elevou em muito a
renda dos agricultores fortalecendo a cadeia produtiva local com um fruto típico,
construiu tecnologias sociais e para além disso, gerou empoderamento, auto-estima,
autonomia, politização, solidariedade, etc. Todo esse processo ocorreu a partir da
extensão tecnológica atuando junto aos agricultores em atividades laborais que eles já
desempenhavam.
É um bom exemplo de uma pedagogia que tem o trabalho como ponto de partida
sendo potencializado como estratégia pedagógica pela extensão tecnológica. A
COOPERLIC funciona formalmente desde 2009 e até hj mantém vínculo com o IFBA e
com a ITCP que até hj mantém atividades de extensão junto à cooperativa.
De certa forma, no exemplo citado acima, a extensão tecnológica promoveu uma
educação de aspecto politécnico a partir da ressignificação do conceito de trabalho que a
comunidade tinha acerca da extração do licuri. Entendemos que tais resultados só foram
conseguidos em função da atividade pedagógica diretamente ligada ao trabalho
cotidiano das pessoas.

CONCLUSÃO

20
SANTOS, Carla Renata Santos dos. Conceituando saberes e práticas plurais: um olhar sobre a ótica da
tecnologia social e o licuri. Tese (Doutorado Multi-institucional e Multi-disciplinar em difusão do
conhecimento). Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Salvador, 2017. Pág. 146
PROFEPT 2018 11
A trajetória da educação brasileira é dual e é o resultado de nossa trajetória
polítca e conômica marcada por escravidão, latifúndio e concentração de renda. O
surgimento da educação profissionalisante no Brasil veio sob essa méma édige com uma
escola do trabalho para os filhos dos trabalhadores e uma escola das ciências e cultura
para os filhos das camadas dirigentes do país.
A partir da década de 80 as discussões sobre uma educação democrática e em
defesa da escola pública geraram debates profundos. Esses debates ecoaram na
constituição de 1988 e no projeto de LDB. Um pouco mais à frente, em 2004 o decreto
5.154/04 criava a o ensino médio integrado com ele uma grande expectativa sobre a
superação da dualidade na nossa educação a partir de uma proposta de educação
politécnica que propiciasse aos educandos das camadas proletárias uma educaçao
integral que lhes permitisse não somente conhecer as técnicas mas os fundamentos
tecnológicos e científicos que os ajudariam no caminho à sua emancipação
Porém, questões e problemas diversos ligados a questões políticas e estruturais
funcionaram como fatores limitadores. Questões ligadas à permanências de forças
conservadoras e a problemas que vão desde a própria realidade socioeconômica
brasileira, fatores ideologizantes como conceitos deturpados ou tendenciosos de
tecnologia, ciência e inovação e mesmo problemas como o currículo acabaram fazendo
do ensino médio integrado um caminho não ideal rumo à politecnia mas uma alternativa
possível dentro dessa conjuntura.
Nessa condição, e sabendo dos fatores limitadores do ensino médio integrado,
inclusive pela dificuldade de lidar diretamente com o trabalho cotidiano com alunos
jovens, entendemos e procuramos demonstrar neste artigo a possibilidade da extensão
tecnológica como uma outra alternativa a ser somada no sentido de uma educação
politécnica.
Partimos do conceito de uma extensão não mais apenas difusora de
conhecimento acadêmico mas de uma atribuição pedagógica ao papel da extensão no
sentido de aprendizado mútuo (sociedade e academia) e de transformação social. É o
conceito de extensão que nos traz Gutierres (1992) quando nos diz que a extensão é “a
interação entre Universidade e os demais componentes do corpo social, por meio do
qual esta assume e cumpre seu compromisso de participação no processo social de
criação da cultura e de libertação e transformação radical da comunidade nacional”. 21

21
GUTIÉRREZ, 1992, apudCOELHO, pág. 14
PROFEPT 2018 12
Entendemos que o caráter aplicado da extensão tecnológica e sua associação à
tecologia, à produção e principalmente ao trabalho são um caminho possível a uma
educação politécnica não somente para os extensionistas, sejam eles discente ou
docentes a sociedade mas também as comunidades.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n.5.154 de 23 de julho de 2004 Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a


41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 11.892 de 29 de dezembro de 2008 Institui a Rede Federal de Educação


Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências.

CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e


identidade. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio
integrado: concepção e contradições. São Paulo: Editora Cortez, 2005
COELHO, O papel pedagógico da extensão universitária. Em Extensão, Uberlândia, v. 13, n.
2, p. 11-24, jul. / dez. 2014
Extensão Tecnológica - Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica/
Conselho Nacional das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica. --Cuiabá (MT): CONIF/IFMT, 2013
FILHO, Domingos Leite Lima; CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Educação
tecnológica. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edutec.html.
Acesso em 12/11/2017 às 23:10.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado:
concepção e contradições. São Paulo: Editora Cortez, 2005
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N.A gênese do decreton. 5.154/04: um
debate no contexto controverso da democracia restrita. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.;
e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo:
Editora Cortez, 2005
FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. In:
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; e RAMOS, M. N. (Orgs.) Ensino médio integrado:
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