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O Dilema do Rito Escocês Antigo e Aceito

Por: Kennyo Ismail

Breve Introdução Histórica

Havia poucos anos que o Rito de Heredom havia desembarcado nos EUA, com seus 22
Altos Graus, e conquistado algumas centenas de maçons. Com a iniciativa dos chamados 11
cavalheiros de Charleston, na Carolina do Sul, esse Rito ganhou mais 07 graus filosóficos e 01 grau
honorífico. Surge então, em maio de 1801, o Supremo Conselho “Mãe do Mundo”, administrando
um sistema de 30 Altos Graus, denominado “Rito Escocês Antigo e Aceito”. Rapidamente essa
iniciativa foi copiada em outros países, dando origem a outros Supremos Conselhos.1

Por mais de 50 anos, o hoje conhecido como Supremo Conselho do Rito Escocês da
Jurisdição Sul dos EUA batalhou para consolidar o Rito Escocês nos Estados sob sua jurisdição,
sem alcançar muito sucesso. Em Março de 1853, Albert Mackey conseguiu convencer um já
célebre maçom na época, Albert Pike, a viajar do Arkansas até Charleston para receber do 4º ao 32º
grau. Pike, então com um pouco mais de 10 anos de Maçonaria, um Maçom do Real Arco e um
Cavaleiro Templário no Rito de York, já se destacava no meio maçônico por sua inteligência e
cultura geral, e poderia ajudar o Supremo Conselho a consolidar o Rito Escocês em Arkansas e
região.2

A estratégia teve êxito e Pike abraçou o desafio de colaborar para com o desenvolvimento
do Rito Escocês, ainda visto por muitos maçons da época como um sistema recente e estrangeiro,
em contraste como o Rito de York, tido como antigo e norte-americano. Não demorou para que
Pike fosse incumbido de organizar os rituais do Rito Escocês, em 1855, trabalho esse que ele
realizou em tempo considerado recorde: um pouco mais de 2 anos, tendo concluído em 1857.3 Seu
trabalho foi considerado excelente, porém polêmico demais para ser aprovado. Foi a ele solicitado
que refizesse o estudo, adotando uma postura mais moderada. Mesmo não aprovado, esse trabalho
inicial garantiu a Pike sua investidura no 33º grau, em 1858, e, no ano seguinte, o mesmo foi eleito
Soberano Grande Comendador, em 1859.

A guerra civil norte-americana interrompeu a evolução de seu trabalho de revisão, assim


como a mudança do Supremo Conselho para Washington, DC, em 1870. No ano seguinte, em
1871, Albert Pike publica seu livro “Moral e Dogma”, com suas lectures, resultantes de seus
estudos sobre cada grau do Rito Escocês.4 Mas apenas em 1884 a revisão foi oficialmente
concluída e aprovada. A implementação foi imediata e os rituais também foram concedidos a
outros Supremos Conselhos, que sofriam do mesmo problema inicial de rituais incoerentes e
inconsistentes.

O Problema e a Solução

Liturgicamente, os novos rituais foram um sucesso, solucionando a questão da


desorganização ritualística. Porém, administrativamente o resultado não foi o esperado. A liderança
e renome de Albert Pike, assim como a mudança do Supremo Conselho para a Capital do país,
havia colaborado para o crescimento do Rito Escocês, mas ainda assim apresentando um
crescimento tímido, distante da dimensão da maçonaria simbólica.

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Consultas foram feitas à base e a resposta veio, literalmente, a galope. Os rituais eram
considerados muito complexos e os praticantes acabavam demasiadamente presos na ritualística,
em detrimento do conteúdo alegórico e de seus ensinamentos morais e espirituais. A reação do
Supremo Conselho veio sob medida: a transformação dos graus em “peças de teatro”, abrindo mão
da ritualística em prol da apresentação dramática de seus conteúdos alegóricos. Os templos foram
substituídos por teatros e auditórios e os oficiais se transformaram em atores amadores.5

É evidente que as críticas foram muitas, alegando o abandono dos costumes maçônicos, a
profanação do conteúdo, a comercialização vazia dos graus, e o fim da meritocracia pela
assiduidade e dedicação. Porém, surgiu uma multidão de Mestres Maçons interessados pelo
“entretenimento maçônico”. Se em 1850, um pouco antes do ingresso de Albert Pike, o Supremo
Conselho contava apenas com um pouco mais de 1.000 adeptos, e em 1890, após a publicação dos
rituais revisados por Albert Pike, esse número ultrapassou a marca de 10.000 adeptos, em 1930
esse número já era superior a 500.000 membros.6 As encenações do Rito Escocês eram um
verdadeiro sucesso. Mas o preço do sucesso era claro: enquanto a escalada dos 29 graus, do 4º ao
32º, costumava demorar alguns anos para grupos de algumas poucas dezenas de membros, passou a
ser realizado em 3 a 4 dias para grupos de várias centenas, algumas vezes superior a 1.000
membros7.

Além do número de membros e, logicamente, das cifras, o novo modelo do Rito Escocês
havia trazido uma única melhoria: as fantasias. Antes simples e artesanais, a revolução do Rito
Escocês nos EUA fez surgir vários catálogos de peças exuberantes e cheias de requinte e riqueza de
detalhes. Tanto dinheiro precisava ser empregado de alguma forma, e os “Vales” trataram de
investir em benefício de seus membros, construindo edifícios com salões de festa, bibliotecas, salas
de jogos e teatros ainda mais suntuosos.8 Na primeira metade do século XX, os Vales do Supremo
Conselho Jurisdição Sul dos EUA trataram de construir e equipar teatros que se destacaram, e
alguns ainda se destacam, entre os melhores daquele país.

Porém, todo esse desenvolvimento não mudou o fato, até hoje alvo de críticas, de que os
iniciados, de protagonistas que participavam ativamente das provas dos rituais e eram investidos
com toques, sinais, palavras e com as joias dos graus, passaram a ser simples espectadores,
passivos perante o processo dramático e podados do processo iniciático. Tal aspecto explicita a
razão pela qual o Rito Escocês nos EUA passou a ser chamado por muitos intelectuais maçons de
“entretenimento maçônico”, e seu formato teatral foi inicialmente acusado de ser uma ameaça à
moral e filosofia maçônicas.9 10

Por outro lado, não faltaram defensores do modelo de encenação maçônica no Rito
Escocês, argumentando que a dramatização, quando bem feita, colabora para uma melhor
compreensão e relação emocional com as lições ensinadas.11 Cientes disso, os Grandes Inspetores
dos Vales criaram estruturas de teatros profissionais, com diretores, auxiliares de palco, técnicos de
som e iluminação e dezenas de atores, todos maçons. Eles ensaiam exaustivamente e, em muitos
dos Vales, os atores principais recebem cuidados especiais, como se estivessem na Broadway.

Conclusão

O modelo teatral adotado pelo Supremo Conselho do Rito Escocês da Jurisdição Sul dos
EUA tem sido praticado há mais de 100 anos. Sua redução no prazo de concessão dos graus acabou
por influenciar as Grandes Lojas norte-americanas, que também passaram a conceder os três graus

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simbólicos em períodos de poucos dias. Sem entrar na discussão de seus aspectos morais, fato é
que tal formato colaborou para a concentração de quase 2/3 dos maçons do mundo em solo norte-
americano.

Apesar desse desenvolvimento excepcional, outros Supremos Conselhos espalhados pelo


mundo não optaram por adotar tal estratégia, provavelmente pelas questões morais e filosóficas em
discussão. Para se ter uma melhor compreensão da diferença entre essas duas realidades distintas,
enquanto nos EUA um Mestre Maçom alcança o 32º grau em menos de um mês e pagando uma
taxa inferior a US$300,00; no Brasil, por exemplo, um Mestre Maçom alcança o 32º grau após
mais de quatro anos de dedicação e um investimento superior a R$3.000,00.

Porém, é importante realçar que aqueles que optaram pelo modelo ritualístico tradicional
continuam convivendo com o problema original: rituais complexos, algumas vezes incoerentes, e
que tiram o foco do conteúdo em nome da forma. Talvez a solução norte-americana não seja ideal
como uma solução substituta, mas sim como uma solução complementar. As peças de teatro
poderiam reforçar nos maçons os conteúdos alegóricos de cunho moral e espiritual que costumam
ficar em segundo plano no modelo convencional. Seria algo logicamente mais trabalhoso, porém,
também mais eficiente no que tange a formação do maçom adepto do Rito Escocês Antigo e
Aceito.

Notas
1
COIL, Henry Wilson; BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. Ed. Macoy, New York,
1961.
2
HODAPP, Christopher. Freemasons for Dummies. Hoboken, NJ: Wiley Publishing Inc., 2005.
3
HOYOS, Arturo. Scottish Rite Ritual, Monitor and Guide 2d ed. Washington, D.C.: Supreme Council, 33°,
S.J., 2009.
4
COIL, Henry Wilson; BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. Ed. Macoy, New York,
1961.
5
DUMENIL, Lynn. Freemasonry and American Culture, 1880–1930. Princeton, NJ: Princeton University
Press, 1984.
6
BULLOCK, Steven C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the Transformation of the American
Social Order, 1730–1840. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996, pp. 239–273.
7
CLAWSON, Mary Ann. Masculinity, Consumption and the Transformation of Scottish Rite Freemasonry in
the Turn-of-the-Century United States. Gender & History, Vol.19 No.1, 2007, pp. 101–121.
8
FOX, William L. Lodge of the Double-Headed Eagle: Two Centuries of Scottish Rite Freemasonry in
America’s Southern Jurisdiction. Fayetteville: University of Arkansas Press, 1997, pp. 146–1477.
9
O’DONNELL, Francis H. E. Philosophy and the Drama in Freemasonry. The New Age Magazine, 1906.
10
KNOX, William. What Excuse? The New Age Magazine, 1907.
11
SARGENT, Epes W. Detail and the Drama of the Degree. The New Age Magazine, 1907, pp. 175–177.

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