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O caráter sacrificial do rito
O Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), em seus graus superiores, tem início com o
grau quatro, no qual se desenvolve o simbolismo da reconstrução do psiquismo
dilacerado do homem, através da alegoria dos ritos vinculados ao funeral do Mestre
Hiram e a punição de seus assassinos. Nesse grau, o Mestre Maçom, tendo,
simbolicamente, atravessado a primeira câmara, que é a da Maçonaria azul, dedicada
aos “Pequenos Mistérios”, iniciará uma escalada em busca dos verdadeiros
conhecimentos esotéricos, que nas antigas disciplinas iniciáticas correspondia aos
“Grandes Mistérios”. Por isso, ao ingressar nos graus superiores, o iniciado recebe o
título de Mestre Secreto, pois é a partir desse degrau da Escada de Jacó que ele
começará a desvendar o conteúdo esotérico, propriamente dito, da Maçonaria, na forma
como a coloca o Rito Escocês.
Os ensinamentos dos graus quatro a seis repousam na alegoria do aperfeiçoamento
do túmulo do Mestre Hiram, simbologia que significa que o iniciado deve cumprir as
cerimônias devidas ao corpo do Mestre, para que, mediante esse processo ritual, o seu
próprio psiquismo seja convenientemente preparado para os ensinamentos que receberá
nos graus seguintes. É um processo que se fundamenta nos antigos ensinamentos
iniciáticos egípcios, mediante o qual Isis e seus seguidores prestam aos restos mortais de
Osíris o culto devido, próprio para atrair os influxos mágicos da energia cósmica
presente nos céus e na terra, e com isso proporcionar a ressurreição do deus num outra
esfera de existência.
O fundamento iniciático da lenda do Mestre Hiram é uma
tradição bastante antiga. Ela diz que, para que uma instituição
tenha condições de sobreviver através dos tempos, é preciso que
seu personagem central desapareça de uma forma notável. Morto
violentamente como Hiram Abif, Jesus Cristo, Thomas A! Beckett,
William Wallace ou Joana D!Arc por exemplo, ou
misteriosamente como Enoque, Moisés, Robin Hood ou o Rei
Arthur. Esse tipo de desaparecimento faz parte da mística geral
das lendas e é o principal responsável pela aura de romantismo
que as cerca. Nas lendas da construção dos grandes edifícios
sempre se integrou um componente de sacrifício ritual, que pode
ser entendido como o “sacrifício da fundação, ou sacrifício da
completação”. A Bíblia (Reis III, 62) informa que na consagração
do Templo, Salomão imolou vinte e dois mil bois e 120 mil
ovelhas. Descontando o exagero dessa informação, pois talvez
nem em toda Israel da época houvesse um contingente de
animais desse porte, ela nos dá bem uma idéia da importância
ritual dessa tradição.
Esse ritual tinha a finalidade mística de dar estabilidade ao edifício e era
realizado sempre que se iniciava um grande empreendimento, fosse ele
de caráter arquitetônico ou político-social. Assim, as grandes
edificações antigas, de uma maneira geral, tiveram suas lendas
sacrificiais, da mesma forma que as realizações políticas que marcaram
o estabelecimento das primeiras civilizações. É nesse sentido, por
exemplo, que James Frazer nos mostra que os mitos da criação, em todas as
lendas antigas que versam sobre esse tema, têm uma mesma estrutura
arquetípica. Destarte, a noção do deus morto e regenerado, que é arquetípico
em várias religiões, é uma estrutura psíquica que tem a ver com o simbolismo da
natureza em seus ciclos regenerativos. Ele também se liga aos ciclos de poder,
observáveis na estrutura das sociedades antigas, no sentido de que é somente
pela morte do rei anterior que o novo rei pode assumir. Daí o ciclo morte-
regeneração-ressurreição assumir essa compostura arquetípica no Inconsciente
Coletivo da humanidade e ser reproduzido em todos os
chamados Mistérios celebrados pelos povos antigos. [1]
Nesse sentido, também, são as lendas sobre as pirâmides egípcias
acerca do seu arquiteto, Amenhutep, e os faraós que as patrocinaram; a
Torre de Babel com a lenda de Ninrode, o rei babilônico que a mandou
construir, o Partenon com seus arquitetos, a Castelo da Bastilha, o
Louvre, o Teatro da Ópera de Paris com seu fantasma, etc. É verdade
que nos grandes edifícios mortuários do antigo Egito esse costume
tinha um objetivo bem prático. Imolava-se o arquiteto e seus
construtores para que o segredo da câmara principal, onde o defunto e
seus tesouros eram depositados, não fosse violada. Cumpria-se,
entretanto, com essa medida de cautela, o sacrifício da completação.
A disposição da Loja
Não é improvável, portanto, que os maçons especulativos, ao adotarem a alegoria do
Templo de Salomão para fundamentar o simbolismo da sua idéia de construção de um
edifício espiritual, quisessem fazer do seu Mestre Arquiteto o “sacrificado da
fundação”, para fins de que sua “edificação” ganhasse estabilidade. Essa disposição está
inserta, inclusive, na alegoria que chama aos dois Vigilantes de Booz e Jakin, as duas
colunas mestras do Templo de Salomão, que em termos estruturais, tinham a função de
proporcionar firmeza e estabilidade para aquele sagrado edifício.
Para o maçom que se inicia nos graus superiores do REAA, as alegorias relativas ao
encontro, sepultamento e homenagens prestadas ao Mestre Arquiteto do Templo de
Salomão, significam que ele iniciará uma viagem intima, interna, dentro de si mesmo e
de um grupo, em busca de ensinamentos que não estão escritos em lugar algum, mas
que foram conservados através de alegorias e símbolos, que lhe serão passados por
tradição oral. Esses segredos estão ligados, como se disse, á construção do Templo de
Salomão, e ao mito da morte e renascimento simbólico do espírito do Mestre Hiram,
que doravante será incorporado ao novo Mestre elevado.
Por isso é que o iniciado encontrará na Loja do quarto grau um “Salomão”,
personificado na figura do presidente da loja, chamado de Poderosíssimo. Ali estarão
também o Rei de Tiro, que também se chama Hiram, e dois Adonhirans, simbolizados
pelos Vigilantes.