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Alex Primo
1. Introdução
Muitas das utopias que caracterizam o imaginário da ciber-
cultura ganham a todo momento novos exemplos que parecem as
confirmar. Nesse cenário, cada vez mais circulam livros e textos
que buscam explicar tudo aquilo que passa a ser adjetivado de
“novo”, lançando uma quantidade de neologismos, citados des-
preocupadamente e à exaustão em palestras sobre social media
(sem mesmo definir-se porque – e se – uma mídia poderia ser
considerada social em sua essência). Os argumentos carregam um
tom radicalmente revolucionário, fazendo crer que tudo aquilo
que antes era passa agora a ser de forma diferente, antagonizando
e contradizendo o que passou.
Este ensaio tem como objetivo questionar os slogans genera-
listas que permeiam as discussões sobre mídias digitais. Em meio
a tantos argumentos “tudo ou nada” e de posturas determinísticas
travestidas de mantras libertários, é preciso colocar em dúvida
tudo aquilo que se repete sobre os relacionamentos e o merca-
do em tempos de Convergência. A grande indústria midiática de
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2. Convergência de interesses
Em meio a tantos novos e passageiros conceitos (como wi-
kinomics1, socialnomics2, ponto de desequilíbro3 etc.), destaca-
se a reflexão de Henry Jenkins sobre o que chama de Cultura
da Convergência. O autor acerta ao reagir ao enfoque tecnicista
nos debates sobre convergência tecnológica (o smartphone, a TV
interativa etc.). O que lhe importa são os aspectos culturais que
decorrem da aproximação entre audiências e as grandes institui-
ções midiáticas e a circulação de tais produções entre diferentes
meios de comunicação. O livro de Jenkins (2009) demonstrou
sua relevância e fôlego ao circular tanto na academia quanto no
mercado. Por outro lado, o interesse da indústria em seus textos
pode ser compreendido pela ênfase que o autor confere ao estudo
de como as audiências de produtos massivos, principalmente os
fãs, podem dar força nova à lucratividade das grandes instituições
midiáticas. Com base nesse olhar, poder-se-ia apontar que sua
proposta teórica aproxima-se mais da linguagem do empresário
do que do cidadão (Primo, 2010a).
É claro que nessa polêmica pode-se responder que a partici-
pação colaborativa dos fãs converte-se também em um movimen-
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TAPSCOTT, Don; WILLIAMS, Don., 2007.
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QUALMAN, Erik, 2009.
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GLADWELL, Malcolm, 2002.
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4. Resistência e capitalismo
Ainda que os exemplos da seção anterior tenham adotado a
estratégia do contraste entre dois polos, não se pode caracterizar
o crowdsourcing (Howe, 2008), por exemplo, como uma prática
de exploração perversa do trabalho alheio gratuito. Mesmo que
empresas da Web 2.0 lucrem com a produção daqueles que inte-
ragem em seus sites, trata-se de um processo de troca muito mais
complexo. O público deliberadamente oferece seus dados pesso-
ais (um bem de grande valor para a indústria) e sua criatividade
em troca de melhores serviços na web. Quanto mais se oferece,
mais pode ser recebido em retorno. A economia nesses casos pode
configurar-se como um simples escambo digital. Mas a etiqueta
“free” não significa que nenhum pagamento esteja sendo efetiva-
do. Conforme lista Anderson (2009), diversas são as formas de
lucratividade com serviços gratuitos na web (modelo freemium,
propaganda, subsídios cruzados, permuta de trabalho etc.).
Enquanto para alguns esses novos modelos de negócios ex-
ploram consumidores ludibriados e vendem a produção gratuita
dos interagentes, para outros é essa justamente a forma justa de
circulação de riquezas. Apesar de recorrer-se aqui a essa polari-
zação meramente “didática”, vê-se que de uma forma ou de outra
o conhecimento e a colaboração tomaram o palco central, antes
ocupado pela fábrica.
A democratização dos meios de comunicação, a conquista da
liberdade de expressão e a colaboração produtiva não se concre-
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Disponível em: http://techcrunch.com/2009/10/29/with-not-without-u2-youtube-saw-10-
-million-streams-sunday-night/ (acesso em 07/03/2013).
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Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/technology-19947159 (acesso em 07/03/2013).
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8. Conclusão
As interações mediadas por computador (tanto aquelas em
desktops e notebooks quanto aquelas em smartphones e tablets)
vieram demonstrar que pensar a produção e a recepção como po-
los que se negam prejudica a compreensão do processo midiáti-
co enquanto complexidade não redutível ou particionável. Como
defendi em outro livro (Primo, 2007b), além de abandonar-se o
foco nos interagentes individuais, é preciso observar-se com aten-
ção o que acontece entre todos os atores envolvidos na situação:
“o que se passa entre os sujeitos, entre o interagente humano e o
computador, entre duas ou mais máquinas” (p. 14), e entre tantos
outros actantes presentes o desafio de investigar o “entre” – e não
este ou aquele, o polo da emissão ou o polo da recepção – pode
ampliar o olhar, facultando o reconhecimento de uma complexi-
dade que extrapola em muito as perspectivas transmissionistas e/
ou atomizadas.
Surpreendentemente, mesmo que nenhum pesquisador hoje
assumisse seguir tais encaminhamentos, aqueles enfoques deter-
minísticos ainda sublinham muito do que se diz sobre redes sociais
na Internet. Veja-se, por exemplo, o livro Ponto de Desequilíbrio,
que encanta e seduz profissionais de Marketing e pesquisadores
de Comunicação9. É como se a quantificação de meras conexões
garantisse a identificação de quem pode influenciar a rede sobre
qualquer tema que escolher (ou para o qual foi pago!). Gladwell
9
Para uma crítica a Gladwell e aos mitos que permeiam os estudos de redes sociais, ver Watts
(2011).
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9. Referências
ANDERSON, Chris. Free: Grátis, O Futuro Dos Preços. Rio de Janeiro: Cam-
pus, 2009.
BOLTER, Jay David; GRUSIN, R. Remediation: understanding new media.
Cambridge, MA: MIT Press, 1999.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.
DOWNING, John D. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos
sociais. São Paulo: Senac, 2004.
GLADWELL, Malcolm. The tipping point: how little things can make a big diffe-
rence. Boston: Back Bay Books, 2002.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do
império. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HOWE, Jeff. O poder das multidões: por que a força da coletividade está remo-
delando o futuro dos negócios. Rio de Janeiro: Campus, 2008.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São
Paulo: Loyola, 1998.
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