Tópico: Limitações ao poder de tributar: competência tributária, imunidades e princípios.
Bibliografia utilizada: Luciano Amaro
1. Os tributos são criados conforme os poderes (competências) atribuídos pela CF
aos entes federados. Além de gizar as fronteiras de cada ente no mecanismo de distribuição de competências, a CF estabelece limites para o exercício do poder de tributar. O conjunto de princípios e normas que estabelecem esses balizamentos é chamado de limitações do poder de tributar. 2. As principais limitações do poder de tributar são: a) princípios tributários; b) imunidades tributárias. Essas limitações estão previstas nos artigos 150-152 CF/88, mas elas não se restringem ao ali disposto. A própria CF atribui à lei complementar a regulação de situações que se enquadrem no campo das limitações do poder de tributar e, em vários dispositivos, o CTN também opera limitando o poder de tributar. Segundo Amaro, os limites do poder de tributar não atuam negativamente vedando o exercício do poder de tributar pelos entes, eles atuam positivamente demarcando os limites em que esse poder pode ser exercido. Elas fixam um campo de competência como uma cerca fixa os limites de uma propriedade. 3. Os princípios tributários (que incluem ainda princípios constitucionais não estritamente tributários, como o da segurança jurídica, e princípios implícitos) apresentam limitações do poder de tributar, e, assim, devem ser estudados, no direito tributário, sob esse prisma. 4. Princípio da legalidade tributária e tipicidade: expresso pelo brocardo nullum tributum sine lege, encabeça a lista de princípios tributários (art. 150, I, CF/88). Tem suas raízes na Magna Carta inglesa de 1215. Mais do que a exigência de que o Legislativo autorize a cobrança de um tributo, a lei deve determinar, em abstrato, todos os aspectos relevantes em vista dos quais, em concreto, a administração estará autorizada a cobrar os tributos. Esses dados incluem o fato gerador e a quantificação do tributo. Se A deve ou não pagar tributo e quanto deve ser pago é avaliação que não deve ficar a critério do administrador, devendo constar da lei. O princípio da legalidade exige, assim, mais do que a previsão legal de um tributo, a reserva absoluta de lei, ou seja, o administrador responsável pela cobrança do tributo deve encontrar na lei autorização para tal, e se balizar totalmente nela no exercício de sua função. O poder do administrador na cobrança de tributos não é discricionário. O conceito de fato gerador vai nessa linha: a obrigação tributária nasce de uma situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O princípio da legalidade assim exposto se articula com um outro: o da tipicidade. O legislador deve definir de modo taxativo (numerus clausus) as situações tributáveis, bem como os critérios objetivos de quantificação do tributo. Ao aplicador, por seu lado, está vedado o uso da interpretação extensiva e da analogia como veículos de criação e majoração de tributos. A lei exigida para criação de tributos é, como regra, a lei ordinária, ressalvadas as exceções que reclamam lei complementar. O art. 150, § 6º, estabelece que a definição de subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, devem ser objeto de lei específica, isto é, de lei que regule apenas esses assuntos ou que regule exclusivamente o tributo alvo de modificação legal. O princípio da legalidade inclui, além da existência de lei material prevendo o tributo e suas circunstâncias, a reserva de lei formal, isto é, a lei deve surgir de órgão legislativo competente. Existem poucas exceções à exigência de reserva de lei formal e elas dizem respeito à possibilidade de alteração, pelo Poder Executivo e sem lei formal, de certas alíquotas (a alíquota pode ser alterada nos casos de imposto de importação, exportação, IPI, imposto sobre operação de crédito, câmbio e seguros, ou relativa a títulos e valores mobiliários; e, quanto à CIDE sobre importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combustível, a alíquota pode ser reduzida ou reestabelecida por ato do Poder Executivo). 5. Princípio da irretroatividade da lei tributária: em regra, a lei projeta sua eficácia para o futuro, mas existem situações excepcionais em que ela regula situações passadas. A regra é a irretroatividade da lei. Em matéria tributária a Constituição reforça essa regra ao vedar a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado (art. 150, III, a). É natural que, se o tributo não existia antes da lei que o instituiu, não existia também fato gerador. A terminologia da CF é imprecisa. O princípio não atua, no entanto, no sentido de impedir que uma lei nova reduza ou dispense o pagamento de um tributo exigido sob a vigência de uma lei anterior. Trata-se, assim, de um princípio cuja função é limitar o poder de tributar. 6. Princípio da anterioridade da lei tributária: a lei que cobra ou majora um tributo não apenas deve ser anterior a situação descrita como fato gerador, como só pode começar a ser aplicada no exercício financeiro posterior à sua entrada em vigor. Esse é o conteúdo do princípio da anterioridade (art. 150, III, b), que se aplica a praticamente todos os tributos. Adiciona-se a esse conteúdo geral do princípio da anterioridade uma outra exigência, prevista na alínea c do mesmo inciso, a de que seja respeitado o período de 90 dias contados da publicação da lei que criou ou majorou o tributo para que comece a se efetivar sua cobrança. É o chamado princípio da anterioridade nonagesimal. O exercício financeiro, no Brasil, coincide com o ano civil. O princípio busca evitar surpresas para o contribuinte. Para bem de seu planejamento, no final de um exercício financeiro o contribuinte tem a segurança de quais tributos, com quais alíquotas, se aplicarão no ano seguinte. Alguns princípios escapam ao princípio da anterioridade, tanto na sua forma ordinária, quanto na sua forma nonagesimal. Essas exceções estão previstas no art. 150, §1º. Alguns tributos escapam às duas formas do princípio da anterioridade, outros apenas à primeira, e ainda outras apenas à segunda. Tributos que atendem a objetivos extrafiscais (política monetária, política de comércio exterior) e necessitam de maior flexibilidade são aqueles excepcionados das duas formas do princípio da anterioridade: são eles, imposto de importação, exportação, imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e operações com títulos e valores mobiliários. Quanto ao IPI, aplica-se a ele apenas o princípio da anterioridade nonagesimal, não o da anterioridade ordinária ou clássica. Ao IR, ao revés, aplica-se o princípio da anterioridade ordinária ou clássica, mas não aplica- se o princípio da anterioridade nonagesimal. O IPVA e o IPTU devem observar os dois princípios, com exceção da fixação de sua base de cálculo cuja alteração não reclama a observância do princípio da anterioridade nonagesimal. Existem outras exceções totais (empréstimos compulsórios no caso de guerra ou calamidade pública, por exemplo) ou parciais (situações específicas relativas ao ICMS de certos produtos, por exemplo) aos princípios em discussão. 7. Princípio da isonomia ou igualdade tributária: o princípio da isonomia é particularizado, no campo dos tributos, pelo art. 150, II. Os contribuintes em mesma situação ou situação equivalente não podem ser tratados de forma desigual e fica proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida. O princípio se dirige ao aplicador ao impedir que diferenciação entre pessoas na aplicação da lei tributária; dirige-se, de outro lado, ao legislador, proibindo-lhe dar tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes. O aplicador, diante da lei, não pode discriminar. O legislador, ao ditar a lei, não pode fazer discriminações. A ideia de capacidade contributiva introduz uma complicação ao princípio em tela: é a necessidade da aplicação do princípio da igualdade tendo em vista o fato material de que nem todos são materialmente iguais. É preciso, assim, conforme a fórmula clássica, tratar desigualmente os desiguais na medida em que esses se desigualam. A noção de capacidade contributiva ajuda a estabelecer essa medida e facultar aplicação adequada ao princípio da igualdade. O operador (seja legislador ou aplicador) não pode discriminar onde isso lhe seja vedado e não pode deixar de dessemelhar onde isso lhe seja obrigatório. Uma extração do princípio da igualdade é o chamado princípio da uniformidade. Significa que, em matéria tributária, os entes federativos devem ser tratados de forma igual. Os impostos federais, por exemplo, não podem ser instituídos de forma desigual no território nacional, com a ressalva dos mecanismos de incentivos regionais. Outra aplicação é a impossibilidade de a União tributar renda e obrigações da dívida pública dos Estados, DF e municípios e de seus servidores em níveis superiores aos que fixa para suas obrigações e a de seus agentes. 8. Princípio da capacidade contributiva: a capacidade contributiva é determinada especialmente pelo patrimônio e pelo rendimento do contribuinte. Para apurar a capacidade contributiva de cada um, a CF faculta à administração tributária identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (art. 145, §1º). A ideia básica do princípio é de que se deve exigir de cada contribuinte o tributo adequado à sua capacidade econômica. A tributação não deve comprometer os meios de subsistência e o livre exercício de empresa e atividade profissional pelo contribuinte. É dizer, a tributação não pode ser de tal ordem que comprometa a atividade econômica, e para tanto é necessário apurar e levar em conta a capacidade contributiva de cada um. Existem alguns princípios que são decorrências diretas do princípio da capacidade contributiva. O princípio da personalização é um deles, e significa que o legislador deve buscar, sempre que possível, adequar o gravame fiscal às condições pessoais (não apenas relacionadas à renda e ao patrimônio) do contribuinte. Essas condições especiais inclui número de dependentes, volume de despesas médicas, etc. Outros princípios são o da seletividade, a significar que gravame fiscal deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem e da proporcionalidade, a significar que o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação impositiva. O princípio da progressividade, por sua feita, também uma decorrência da capacidade contributiva, significa que as alíquotas para as fatias mais altas de riqueza devem ser maiores. No campo dos impostos indiretos, que possuem uma natureza regressiva, o uso do princípio da seletividade (pinçando os bens essenciais) é um recurso para estabelecer justiça fiscal. 9. Princípio da vedação de tributo confiscatório: o Estado não pode, a pretexto de cobrar tributo, confiscar os bens do contribuinte (art. 150, IV). É claro que o tributo pode ser classificado como transferência não voluntária de recursos, e, assim, claro, o que se pretende com a vedação ao confisco não é impedir toda e qualquer tributação, mas sim aquela tributação absoluta e sem regras, que anula a riqueza privada. A tributação, como vimos, deve ser razoável e, como tal, preservar a capacidade econômica do contribuinte. Não é questão simples saber até onde a tributação pode avançar sobre o patrimônio do contribuinte sem que isso implique confisco. A razoabilidade ajuda a determinar esse limite, uma vez que a lei se cala. 10. Princípio da liberdade de tráfego: o princípio (art. 150, V) visa impedir a oneração, via gravame tributário, do tráfego intermunicipal e interestadual de pessoas e bens, ressalvando apenas a possibilidade de cobrança de pedágios pelo uso das vias conservadas pelo poder público. 11. Princípio da transparência dos impostos: visa dar clareza ao contribuinte sobre o gravame fiscal de cada operação, inclusive aquele dos impostos indiretos embutidos nos preços de mercadorias e serviços (art. 150, §5º). 12. Princípios e regras específicos de certos impostos: alguns princípios são específicos de determinadas categorias de impostos. É o caso do princípio da não- cumulatividade, que obriga que o tributo plurifásico, incidente em sucessivas operações (é o caso do IPI e do ICMS), seja apurado sobre o valor agregado em cada uma delas ou seja compensado com aquilo que incidiu na operação anterior. O imposto de renda (IR) também é informado por princípios constitucionais que lhe são específicos: generalidade, universalidade e progressividade (art. 153, §2º, I). O tributo deve atingir todas as pessoas (universalidade) e todas as manifestações de renda (generalidade) e capacidades econômicas maiores devem possuir alíquotas maiores (progressividade). Rendas de pouca monta são isentas, o que é uma exceção a universalidade a bem do mínimo vital. 13. Princípios tributários decorrentes da ordem econômica: o título da CF relativo a ordem econômica traz alguns princípios que se espraiam pro campo tributário. Assim, o art. 170, IX, ordena conceder tratamento (tributário) favorecido para empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. O art. 172 propõe tratamento diferenciado ao capital estrangeiro quando se trata de reinvestimento de lucro no país. Existem, enfim, várias formas de incentivo à atividade econômica que podem utilizar-se de política fiscal, e é disso que se extraem esses princípios a que aludimos e outros. 14. Imunidades tributárias. A tributação se dá baseada em determinadas situações materiais (o IR, por exemplo, está baseado na situação material de obtenção de renda). A CF afasta, no entanto, certas situações materiais, pessoas, bens e serviços da possibilidade de tributação. Essas situações, pessoas, bens e serviços são imunes. Estamos no campo das imunidades tributárias. Imunidade tributária é, assim, a qualidade de uma situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, tomando em consideração certa especificidade dessa situação, deixou-a de fora do campo em que é autorizada a instituição e cobrança de tributo. A imunidade tributária existe para preservação de certos valores reputados relevantes pela CF. É, claramente, uma técnica legislativa de limitação do poder de tributar. A imunidade tributária se aproxima da ideia de isenção tributária, mas elas não se confundem. A primeira opera no campo da definição de competência (a CF, ao definir a competência excepciona situações que, não fosse a imunidade, estariam no campo de competência), a segunda no campo do exercício da competência ou do exercício do poder de tributar (quando a pessoa política competente cria um tributo, por meio da lei instituidora pode excluir certas situações específicas do campo da obrigação tributária, usando para tanto a técnica da isenção). A maior parte das imunidades (mas existem exceções) estão previstas na seção da CF que versa sobre as limitações do poder de tributar. 15. As imunidades previstas na seção que trata das limitações do poder de tributar estão no art. 150, VI. São seis hipóteses. 1) imunidade recíproca: fica excluída a possibilidade de tributação mútua do patrimônio, renda e serviços das pessoas políticas, o que é extensível às autarquias e fundações quando a atividade em questão está vinculada a finalidade destas entidades; 2) templos de qualquer culto; 3) imunidade do patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos; 4) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 5) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias óticas de leitura a laser. 16. Outras imunidades estão previstas dentro do capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional, mas fora da seção das limitações do poder de tributar. O art. 149, §2º, I, estabelece imunidade das receitas de exportação quanto às contribuições sociais e a contribuição de intervenção no domínio econômico. O art. 153, §3º, III, define imunidade do IPI de produtos industrializados destinados ao exterior. O art. 153, §4º, II, define imunidade quanto ao ITR sobre pequenas glebas rurais quando exploradas por proprietário que não possui outro imóvel. Esses são apenas alguns exemplos. 17. Existem, ainda, outras imunidades previstas fora do capítulo que versa sobre o STN. O art. 195, II, por exemplo, define que as aposentadorias e pensões concedidas no regime geral estão imunes no tocante ao tributo previdenciário, a contribuição dos trabalhadores e segurados à previdência. Certidões concedidas pelo poder público são isentas (leia-se imunes) de taxas (art. 5º, XXXIV). São apenas exemplos. 18. Limitações de alíquotas. A cada tributo corresponde uma alíquota, e essa alíquota, como regra, aparece prevista na lei que institui o tributo. Para certos tributos, porém, a CF (ou LC, por determinação constitucional) cria balizamentos para o estabelecimento de alíquotas. Um exemplo disso aparece no art. 153, §5º, no qual a CF fixa alíquota mínima de 1% para o imposto sobre o ouro, quando este seja definido como ativo financeiro ou instrumento cambial. As alíquotas máximas do imposto estadual sobre transmissão causa mortis e doação de bens e direitos são determinadas pelo Senado Federal (art. 155, §1º, IV). O mesmo Senado estabelece alíquotas do ICMS em várias situações. No tocante ao ISS, imposto municipal, a CF previu LC para fixar as alíquotas mínimas e máximas do tributo em questão, o que foi estabelecido pela LC 116/2003, que determinou teto de 5%. São apenas alguns exemplos.