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FICHAMENTO Direito Processual Penal

Provas (teoria geral das provas e provas em espécie)


Bibliografia utilizada: Aury Jr.

1. O processo penal é um instrumento de retrospecção aproximativa de um


determinado fato histórico. Os principais meios para realizar essa retrospecção
são as provas. Isso se faz por meio da chamada instrução: o recolhimento de
provas em juízo para esclarecer determinado fato e nortear a formação de um
julgamento.
2. O modo de gestão da prova é, segundo Aury, a espinha dorsal do processo penal
e está no fundamento dos diferentes sistemas penais, o acusatório e o inquisitivo.
O princípio dispositivo funda o sistema acusatório: nele a gestão das provas está
nas mãos das partes (o juiz, em relação a esse sistema de gestão, é um espectador).
O princípio inquisitivo funda o sistema inquisitório: nele a gestão das provas está
nas mãos do juiz. O sistema inquisitório é problemático porque cria o primado da
hipótese sobre o fato (o juiz estabelece uma hipótese e depois vai atrás das provas
para confirmar aquela hipótese), quando um julgamento justo deveria ter como
primado os fatos revelados pelas provas que as partes produzem em juízo diante
de um juiz-espectador. No sistema inquisitório tampouco há distinção clara entre
o agente que produz a prova e o agente que admite a prova no processo. Essa
confusão do agente que produz a prova e do que admite a prova, admitida por
dispositivos da legislação brasileira, ajuda a tornar o nosso sistema, segundo Aury,
neoinquisitorial. Tratar-se-ia, segundo esse autor, de um sistema inquisitorial
reformado com elementos acusatórios. “No sistema inquisitório, o instrutor
trabalha solitário: elabora hipóteses e as cultiva, buscando as provas; quando as
descobre, as colhe. É um sistema que exclui os diálogos e, quando muito,
monologam juiz e Ministério Público.”
3. O princípio da presunção da inocência deve funcionar em relação ao julgador
como uma barreira que precisa ser superada por um conjunto probatório formado
pela acusação para que só então seja firmada a culpa de um réu.
4. O tema das provas, inclusive seu tratamento pelo CPP, deve ser lido a partir da
principiologia garantista estabelecida pela CF/88. Antes de tratar desses
princípios cumpre fazer a distinção entre meios de prova (prova testemunhal,
documentos, etc.) e meios de obtenção de provas (quebra de sigilo fiscal, busca e
apreensão, delação premiada, etc.)
5. A jurisdição é uma garantia constitucional do processo penal e as provas que
servirão para fundamentar uma condenação ou absolvição devem ser produzidas
no bojo da atividade jurisdicional. Disso é possível distinguir os atos de prova
(aqueles produzidos no bojo da atividade jurisdicional, sujeitos à ampla defesa e
ao contraditório, praticados ante o juiz que sentenciará e com a finalidade de
fundamentar essa sentença futura) dos atos de investigação (produzidos
previamente ao início da atividade jurisdicional, não sujeitos, em regra, à ampla
defesa e ao contraditório, não produzidos ante o juiz que sentenciará e não
visando formar a convicção desse relativamente ao cometimento ou não do delito,
mas formar a opinio delicti do acusador, fornecendo, quando for o caso, elementos
para constituição do fumus commissi delicti).
6. O princípio da presunção da inocência teve previsão expressa na CF/88 (art. 5º,
LVII). A doutrina ensina que o princípio em questão é um dever de tratamento e
uma regra de julgamento. O dever de tratamento opera dois efeitos, um interno e
outro externo. No efeito interno, o juiz e o julgador devem partir do fato da
inocência do réu: esse fato implica que o juiz não pode abusar das medidas
cautelares e que o acusador deve estar ciente de que cabe a ele derrubar, com a
atividade probatória, a barreira de inocência do réu. O efeito externo impede a
publicidade abusiva e a estigmatização do réu. A regra de julgamento impõe que
a presunção da inocência seja o critério pragmático da solução da dúvida judicial:
pairando dúvida sobre sua culpa, o réu deve ser inocentado. A partir do momento
em que o réu é presumido inocente, ele não tem a obrigação de provar
absolutamente nada. Assim, a produção de uma carga probatória bastante para
derrubar a barreira da inocência é única e exclusivamente um ônus da acusação.
Não existe, no processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil,
distribuição de cargas probatórias. Evidentemente, se o réu não produz provas
para contraditar a acusação ele pode estar perdendo uma chance de impedir que a
acusação derrube, ao final, a barreira da inocência, mas isso não significa que a
defesa tenha, no processo penal, uma carga probatória da qual tenha que se
desincumbir. Disso tudo resulta, segundo Aury, que inclusive a prova de
inexistência de uma excludente de ilicitude eventualmente alegada pela defesa
cabe a acusação. Na carga probatória da acusação, portanto, se inclui a prova da
presença de todos os elementos que integram a tipicidade, ilicitude e culpabilidade
e, por razões lógicas, a prova da inexistência das causas de justificação.
7. O contraditório, outra garantia constitucional, é, em relação as provas, um método
de confrontação. Ele mantêm vivo o princípio dialético que sustenta o processo
democrático. O contraditório é garantido quando o juiz, que é seu principal
guardião, diante da manifestação de uma parte cria as condições de fala e oitiva
para a outra parte. A criação dessas condições, ainda que não aproveitadas pela
outra parte, já presentificam a garantia do contraditório. O contraditório, embora
não se confunda com o direito de defesa (que tem um sentido mais amplo) é uma
das suas mais importantes manifestações. O contraditório inclui o direito à
informação do que se passa no processo e o direito a reagir às pretensões jurídicos
da parte contrária deduzidas no processo. Por óbvio, para reagir é preciso antes se
informar, e por isso as duas dimensões referidas andam juntas. Em relação às
provas o contraditório inclui a possibilidade de postular sua produção, de discutir
sua admissão no processo pelo juiz, de participar da produção da prova e de
participar da valoração da mesma.
8. A ampla defesa, que é expressa, entre outras coisas, pelo próprio exercício do
contraditório, inclui a defesa técnica e a autodefesa. A primeira garante a presença
do advogado em todos os atos processuais, sobretudo aqueles que dizem respeito
à matéria probatória. O peso e a extensão que se deve conferir à defesa técnica,
bastante amplos, tem relação com a hipossuficiência do acusado em relação ao
poder persecutório do Estado. A efetiva defesa técnica, além de um interesse do
acusado, que vê sua liberdade ameaçada, é também um interesse da sociedade,
que espera uma apuração e condução correta do fato. A doutrina divide a
autodefesa em duas frentes: uma ativa (o direito do acusado de praticar atos,
participar de acareações, reconhecimentos, etc.) e outra passiva (o direito do
imputado de não fazer prova contra si mesmo).
9. O princípio do livre convencimento motivado é a regra no processo penal
brasileiro quando se trata da valoração das provas (no Tribunal do Júri aplica-se,
como exceção, o chamado princípio da íntima convicção). O livre convecimento
motivado, previsto no art. 155, CPP, sustenta a necessidade de fundamentação das
decisões judiciais. Não existe, nesse sistema, uma sistema tabelado do valor das
provas (como no superado sistema legal de provas), mas tampouco vige o outro
extremo, o da íntima convicção do juiz. A decisão do juiz não se funda num
ranqueamento estático das provas, mas num convencimento motivado e livre a
partir do conjunto probatório formado. A liberdade do juiz, claro, não o permite
concluir qualquer coisa sobre qualquer coisa (daí a necessidade do livre
convencimento ser motivado e essa motivação deve encontrar escoro no conjunto
probatório formado).
10. O princípio da identidade física do juiz significa basicamente o seguinte: o juiz
que preside a instrução deve proferir a sentença (art. 399, §2º, CPP). São
subprincípios decorrentes desse: oralidade, concentração dos atos e imediatidade.
O princípio se fundamenta no fato de que o juiz que coletou a prova e teve contato
direto com testemunhas, peritos, vítimas, acusado tem, ao menos teoricamente,
uma visão mais ampla do processo e estaria, assim, mais qualificado para proferir
sentença.
11. A chamada cultura da verdade real está intimamente relacionada com o sistema
inquisitório. Essa busca pela verdade real autoriza os mais variados meios de
obtenção de prova – o fim, o alcance da suposta verdade real, tolera todos os
meios, incluindo práticas como a tortura. Ao contrário desse cultura da verdade
real, nos sistemas acusatórios modernos apenas de admite a verdade formal,
aquela reconstruída no processo, com o estrito respeito aos procedimentos e às
garantias da defesa.
12. A atividade probatória possui alguns limites. Um deles está previsto no art. 155,
parágrafo único do CPP que estabelece os limites extrapenais da prova quanto ao
estado das pessoas. A prova relativamente ao estado das pessoas (estado civil,
nascimento, morte, etc.) deve obedecer as regras que o direito civil estabelece.
Como regra, as provas admitidas no processo penal estão taxativamente previstas
no CPP e esse é um outro limite da atividade probatória. Apenas
excepcionalmente podem ser admitidas no processo as chamadas provas
inominadas, ou seja, aquelas não arroladas pelo CPP, mas a admissão delas
depende de que elas guardam conformidade com as regras constitucionais e
processuais vigentes.
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