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Digestão e absorção dos glicídeos; Rui Fontes

Estrutura, digestão e absorção dos hidratos de carbono

1. Os monossacarídeos naturais são moléculas quirais e, na maior parte dos casos, o único
enantiómero existente nos seres vivos é o enantiómero D .................................................................... 1
2. A maior parte dos monossacarídeos só existem no ser humano como resíduos componentes de
moléculas mais complexas ..................................................................................................................... 2
3. A glicose, a galactose e a frutose são os monómeros constituintes dos mais importantes
carbohidratos da dieta ............................................................................................................................ 3
4. O amido, a sacarose e a lactose são hidratos de carbono importantes na dieta dos seres humanos
3
5. Durante a digestão dos glicídeos as hidrólases digestivas catalisam a hidrólise do amido e dos
dissacarídeos da dieta. ............................................................................................................................ 4
6. A atividade catalítica das amílases salivar e pancreática ............................................................... 4
7. A maltase-glicoamílase e a isomaltase-sacarase são ectohidrólases e a sua atividade de α-1,4-
exo-glicosídases completa a ação das amílases libertando glicose ........................................................ 4
8. A lactase e a trealase são dissacarídases e também são ecto-hidrólases da membrana apical dos
enterócitos. ............................................................................................................................................. 5
9. As fibras da dieta não são digeridas ............................................................................................... 5
10. A intolerância à lactose ............................................................................................................... 5
11. O transporte transmembranar de monossacarídeos é mediado por transportadores ................... 6
12. O transporte ativo de glicose no polo apical dos enterócitos ...................................................... 6
13. O transporte transmembranar de monossacarídeos no polo basal dos enterócitos ..................... 7
14. O transporte transmembranar da frutose ..................................................................................... 7
15. A regulação da atividade dos transportadores SGLT1 e GLUT5 ............................................... 7
16. A absorção de água é concomitante com a absorção de Na+ e glicose ....................................... 7

1. Os monossacarídeos naturais são moléculas quirais e, na maior parte dos casos, o único
enantiómero existente nos seres vivos é o enantiómero D
Os hidratos de carbono (ou glicídeos) costumam ser definidos como derivados aldeídicos ou cetónicos
de poliálcoois. Os mais simples são os monossacarídeos de que são exemplos a glicose, a galactose, a
frutose, a manose, a ribose, a desoxiribose, a xilulose, a ribulose, a eritrose, a sedoheptulose, o ácido
glicurónico, o ácido L-idurónico, o ácido N-acetil-neuramínico, a L-fucose, a xilose, a glicosamina, a N-
acetilglicosamina, etc. Nos seres vivos, excetuando os casos do ácido L-idurónico e da L-fucose, todos os
outros monossacarídeos só existem na forma D. Com raríssimas exceções só um dos enantiómeros das
moléculas quirais é sintetizado pelos seres vivos. Assim, nos seres vivos todo o ácido idurónico é o
enantiómero L e toda a fucose é fucose L; em todos os outros monossacarídeos acima referidos, o
enantiómero existente nos seres vivos é o enantiómero D. Por isso quando, em biologia, nos referimos, por
exemplo, à glicose (ou a outros monossacarídeos) omite-se que se trata do enantiómero D; toda a glicose
existente nos seres vivos é glicose D, toda a galactose é galactose D, etc. Um determinado enantiómero de um
monossacarídeo é o enantiómero D, quando se observa que, na molécula orientada de acordo com a
convenção de Fischer, o grupo hidroxilo do último carbono assimétrico fica voltado para a direita. A estrutura
molecular dos monossacarídeos, assim como a de todas as substâncias, está na base da sua capacidade para se
ligar e interagir com as enzimas e os transportadores presentes nas células dos seres vivos. As enzimas e os

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transportadores membranares dos seres vivos são de natureza proteica e são incapazes de se ligar à glicose L e
a outros monossacarídeos de tipo L que, de facto, só existem porque podem ser sintetizadas laboratorialmente.

2. A maior parte dos monossacarídeos só existem no ser humano como resíduos componentes
de moléculas mais complexas
No ser humano saudável, exceto a seguir a refeições que contenham frutose ou galactose (ou
dissacarídeos que lhe possam dar origem), o único monossacarídeo que existe (em concentrações detetáveis)
no plasma sanguíneo é a glicose. O outro monossacarídeo que também existe na forma livre nos seres
humanos é a frutose que está presente no esperma.
Os outros monossacarídeos referidos no ponto anterior só existem no ser humano como resíduos
componentes de moléculas mais complexas. Estas moléculas mais complexas podem ser intermediários do
metabolismo onde são frequentes as formas fosforiladas (como, por exemplo, a glicose-6-fosfato, a glicose-1-
fosfato, a ribulose-5-fosfato ou a xilulose-5-fosfato) ou ligadas de forma covalente a nucleotídeos (como, por
exemplo, a UDP-galactose ou a GDP-manose; respetivamente, o uridino-difosfato de galactose e a
guanosino-difosfato de manose). Noutros casos, estas moléculas mais complexas são substâncias de reserva
energética ou componentes estruturais e funcionais das células, da matriz extracelular ou de secreções
presentes no lúmen do tubo digestivo ou no sistema respiratório. O glicogénio, os ácidos nucleicos, os
glicolipídeos, as glicoproteínas e os glicosaminoglicanos contêm resíduos de monossacarídeos incorporados
nas suas estruturas moleculares.
O glicogénio é um polímero ramificado em que as unidades estruturais são resíduos de glicose ligados
entre si por ligações glicosídicas de tipo O. Estas ligações são na sua maioria α-1,4 mas, nos locais das
ramificações, são α-1,6. O papel biológico do glicogénio é funcionar como substância de reserva energética:
acumula-se nas células após refeições que contenham glicose (ou substâncias que possam originar glicose) e,
durante o jejum, acaba por libertar os monómeros constituintes que serão oxidados a CO2.
Os glicolipídeos são lipídeos complexos que estão presentes na face exterior das membranas
citoplasmáticas; contêm um resíduo glicídico ou uma cadeia (geralmente ramificada) de resíduos glicídicos
que se ligam diretamente a um álcool que se designa por esfingol (=esfingosina); o esfingol é um dos resíduos
constituintes dos glicolipídeos. Nas glicoproteínas, um ou mais dos resíduos aminoacídicos da cadeia
polipeptídica estão ligados a um resíduo glicídico ou a uma cadeia (geralmente ramificada) de resíduos
glicídicos. As glicoproteínas são, frequentemente, componentes das membranas citoplasmáticas (situando-se
na face exterior), mas também existem glicoproteínas na matriz extracelular, no plasma sanguíneo, na face
luminal de organelos intracelulares e no citoplasma das células. As mucinas são glicoproteínas que são
segregadas para o lúmen do tubo digestivo e do sistema respiratório. Os glicolipídeos e as glicoproteínas
podem conter resíduos de manose, de ácido N-acetil-neuramínico, de L-fucose, de galactose, de N-acetil-
galactosamina, de glicose e de N-acetil-glicosamina. A frutose não faz parte deste tipo de compostos. Quando
existem cadeias glicídicas, os resíduos dos monossacarídeos constituintes destas cadeias ligam-se uns aos
outros por ligações glicosídicas de tipo O. Nos glicolipídeos, o resíduo glicídico que se liga diretamente ao
esfingol (porque é único ou porque se situa na extremidade proximal de uma cadeia) estabelece com este
álcool uma ligação glicosídica que também é de tipo O. No caso das glicoproteínas, quando o resíduo
aminoacídico envolvido na ligação ao resíduo glicídico ou à cadeia glicídica é a serina ou a treonina
(aminoácidos com um grupo hidroxilo) a ligação também é glicosídica de tipo O, mas quando é a asparagina
(aminoácido com um grupo amida) a ligação é glicosídica de tipo N. (Nas ligações glicosídicas está sempre
envolvido o carbono anomérico de um resíduo glicídico.)
Os glicosaminoglicanos são longos polímeros lineares existentes na matriz extracelular em que, com
uma exceção (o ácido hialurónico), o monómero de uma extremidade da cadeia se liga, através de uma ligação
glicosídica, a um resíduo aminoacídico de uma proteína: assim, com a exceção referida, os
glicosaminoglicanos são se facto proteoglicanos. Nos glicosaminoglicanos há uma unidade estrutural que se
repete formando cadeias lineares (não ramificadas); essa unidade é um dissacarídeo que é diferente nos
diferentes tipos de glicosaminoglicanos. Com uma exceção (sulfato de queratano) todos os
glicosaminoglicanos contêm resíduos de ácido glicurónico que se ligam a resíduos de um aminoaçúcar
acetilado no grupo amina. Ou seja, na maioria dos glicosaminoglicanos, a unidade estrutural dissacarídica que
se repete contém ácido glicurónico ligado (por uma ligação glicosídica de tipo O) a N-acetil-glicosamina ou a
N-acetil-galactosamina. Alguns glicosaminoglicanos também contêm outro ácido urónico, o ácido L-
idurónico que (nos casos da heparina, do sulfato de heparano e do sulfato de dermatano) substitui o ácido

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glicurónico na maioria das unidades dissacarídicas que formam a cadeia linear. A maioria dos
glicosaminoglicanos também contêm grupos sulfato esterificados com os grupos hidroxilo dos resíduos
glicídicos.

3. A glicose, a galactose e a frutose são os monómeros constituintes dos mais importantes


carbohidratos da dieta
A glicose, a galactose e a frutose são hexoses, ou seja, contêm 6 carbonos; um desses carbonos
contém um grupo carbonilo e os outros carbonos grupos hidroxilo. Na forma cíclica (a mais abundante, mas
em equilíbrio com a forma linear), o grupo carbonilo e um grupo hidroxilo estão “escondidos”: na forma
cíclica há um rearranjo molecular designado por ligação semiacetal (ou semicetal) e o carbono que continha o
grupo carbonilo passa a designar-se de anomérico.
A glicose e a galactose são aldoses porque o grupo carbonilo é um aldeído. Na forma cíclica destes
açucares, o semiacetal envolve o carbono anomérico e, maioritariamente, o hidroxilo do carbono 5; por isso o
anel formado maioritariamente tem uma estrutura semelhante ao pirano: 5 átomos de carbono e um de
oxigénio. O carbono 6 fica fora do anel.
A frutose é uma cetose porque o grupo carbonilo (presente em C2) é uma cetona. Na forma cíclica da
frutose, o semicetal envolve o carbono anomérico e, maioritariamente, o hidroxilo do carbono 6 e, por isso, o
anel formado maioritariamente também é semelhante ao pirano. Neste caso, é o carbono 1 que se fica fora do
anel.

4. O amido, a sacarose e a lactose são hidratos de carbono importantes na dieta dos seres
humanos
O amido, a sacarose e a lactose são hidratos de carbono importantes na dieta dos seres humanos. O
amido e a sacarose são de origem vegetal enquanto a lactose é o açúcar do leite. Todos os outros hidratos de
carbono podem estar presentes nos alimentos, mas não têm, em geral, relevância do ponto de vista nutricional.

O amido é um polímero formado exclusivamente por resíduos de glicose ligados entre si por
ligações glicosídicas de tipo O (ou acetal). O amido natural é formado por dois tipos de estruturas distintas: a
amilose e a amilopectina. Na amilose as ligações são exclusivamente de tipo α-1,4, enquanto na amilopectina
também existem ligações do tipo α-1,6. Por isso a molécula de amilose é uma cadeia linear de resíduos de
glicose e a amilopectina uma cadeia ramificada com uma estrutura que lembra uma árvore. Quer na amilose,
quer na amilopectina, o número de resíduos de glicose por molécula, sendo variável, é de vários milhares. Nos
dois tipos de ligações (α-1,4 ou α-1,6) um dos carbonos envolvidos é sempre o carbono anomérico de um
resíduo de glicose que está na forma α (ou seja, é sempre o anómero α da glicose); o outro carbono envolvido
pode ser o carbono 4 ou o 6 de outro resíduo de glicose. (O glicogénio só existe nas células animais e a sua
estrutura é muito semelhante à da amilopectina: a diferença é que o intervalo entre ramificações é de 5-7
unidades de glicose no glicogénio e esse intervalo é muito maior (cerca de vinte ou mais) no caso da
amilopectina.)
A lactose é um dissacarídeo formado por um resíduo de galactose ligado por uma ligação glicosídica
β-1,4 a um resíduo de glicose. A ligação é também glicosídica de tipo O envolvendo o carbono anomérico de
um resíduo de galactose (sempre o anómero β) e o carbono 4 de um resíduo de glicose. O carbono anomérico
do resíduo de glicose está livre. Para expressar a ideia de que apenas um dos carbonos anoméricos dos
resíduos do dissacarídeo está envolvido na ligação glicosídica usa-se, às vezes, a expressão “ligação osídeo-
ose”.
A sacarose é um dissacarídeo formado por um resíduo de glicose ligado por uma ligação glicosídica
α-1,2 a um resíduo de frutose. Os carbonos 1 na glicose e o carbono 2 na frutose são os carbonos anoméricos
em cada um dos açúcares. Ou seja, ambos os carbonos anoméricos estão envolvidos na ligação e a ligação é
glicosídica de tipo O quer “quando se olha do lado” da glicose quer “quando se olha do lado” da frutose. Às
vezes usa-se a expressão “ligação osídeo-osídeo” para expressar esta ideia.
A trealose é um dissacarídeo que está presente em alguns cogumelos e onde também existe uma
ligação osídeo-osídeo. A trealose contém dois resíduos de glicose ligados por uma ligação α-1,1.

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5. Durante a digestão dos glicídeos as hidrólases digestivas catalisam a hidrólise do amido e


dos dissacarídeos da dieta.
Durante a digestão dos glicídeos as hidrólases digestivas catalisam a hidrólise do amido e dos
dissacarídeos da dieta. No processo catalítico rompem-se as ligações glicosídicas e libertam-se os
monómeros constituintes. As reações catalisadas por enzimas da classe das hidrólases podem ser entendidas
como processos em que a água é um dos reagentes que, ao reagir com o substrato da enzima em questão,
rompe uma ligação levando à libertação dos resíduos (ou grupos de resíduos) que faziam parte desse substrato
(ver Equação 1).

Equação 1 AB + H2O → A + B

As hidrólases que, no tubo digestivo, catalisam a hidrólise dos glicídeos têm pHs ótimos próximos de
7 o que coincide com o pH existente na boca e no lúmen do intestino (mas não com o pH do lúmen gástrico
que é ácido).
As hidrólases que catalisam a rotura de ligações glicosídicas, como são as que ligam os monómeros
constituintes dos glicídeos da dieta, podem ser designadas por glicosídases.

6. A atividade catalítica das amílases salivar e pancreática


Na hidrólise do amido participam duas isoenzimas1 (as amílases salivar e pancreática) que catalisam a
rotura de ligações glicosídicas α-1,4, mas poupam as ligações α-1,6 assim como as α-1,4 das extremidades
das cadeias ou as que se situam na vizinhança das ligações α-1,6. Porque as amílases atuam em ligações que
se situam no interior da estrutura molecular do amido são, vezes designadas como endo-glicosídases ou, tendo
também em conta a natureza das ligações envolvidas, α-1,4-endo-glicosídases. Assim, da ação das amílases
digestivas sobre o amido, resulta a formação de maltose (α-D-glicopiranosil-(1→4)-D-glicose), maltotriose
(trímero com 3 resíduos glicose ligados por ligações glicosídicas α-1,4), dextrinas limite (oligossacarídeo
formado por vários resíduos glicose sendo que dois deles estão ligados por uma ligação α-1,6) e, dependendo,
do tempo de atuação da amílase sobre o amido, outros oligossarídeos com um número variável de resíduos de
glicose.

7. A maltase-glicoamílase e a isomaltase-sacarase são ectohidrólases e a sua atividade de α-


1,4-exo-glicosídases completa a ação das amílases libertando glicose
A hidrólise da maltose, da maltotriose e dos diversos oligossacarídeos (incluindo as dextrinas limite)
resulta na formação de glicose e é catalisada por enzimas que estão ancoradas no polo apical da membrana
citoplasmática dos enterócitos, mas têm o centro ativo mergulhado no lúmen do intestino delgado. Porque são
enzimas da membrana citoplasmática que atuam em substratos que se situam fora da célula são denominadas
por ecto-enzimas. No caso concreto são ecto-hidrólases ou, se formos ainda mais específicos, ecto-
glicosídases.
No processo de digestão que leva à formação de glicose a partir dos produtos libertados na ação das
amílases participam duas proteínas, cada uma das quais com dois centros ativos distintos. Uma das proteínas
designa-se de maltase-glicoamílase e a outra isomaltase-sacarase. Cada um dos centros ativos é capaz de
catalisar a hidrólise da ligação glicosídica α-1,4 da extremidade de cadeias oligossacarídicas onde se situa o
resíduo de glicose que contém o hidroxilo do carbono 4 livre [1]. Assim, da ação destes centros ativos resulta
a formação de glicose livre e de um oligossacarídeos que vai sendo encurtado num resíduo de glicose em cada
ciclo catalítico. Classicamente cada um dos centros ativos é designado como uma enzima distinta: assim, é
frequente usarem-se as expressões maltase, glicoamílase, isomaltase e sacarase para designar cada um dos
centros ativos e, dada a natureza desta atividade catalítica, pode dizer-se que estas quatro enzimas são α-1,4-
exo-glicosídases [1]. A velocidade com que atuam e a afinidade para os diferentes tamanhos dos substratos
oligossacarídicos é diferente de enzima para enzima. A expressão maltase refere-se à atividade de hidrólise

1
Duas enzimas são isoenzimas quando catalisam a mesma reação mas são, na mesma espécie (o homem, por exemplo),
estruturalmente diferentes. São frequentemente codificadas por genes distintos, mas também podem resultar de diferentes
processamentos do “transcrito primário” que originam, a partir de um mesmo gene diferentes RNA mensageiros ou de
diferentes modificações pós-tradução nas proteínas sintetizadas.

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sobre a maltose (ver Equação 2), mas todas as quatro α-1,4-exo-glicosídases acima referidas são capazes de
atuar sobre a maltose.

Equação 2 maltose + H2O → 2 glicose

Para além da atividade sobre as ligações α-1,4, a isomaltase também é capaz de atuar sobre ligações α-
1,6, quer da isomaltose (dissacarídeo com dois resíduos de glicose ligados por uma ligação glicosídica α-1,6;
ver Equação 3), quer de oligossacarídeos em que o resíduo que vai ser libertado participa da ligação através do
seu carbono anomérico e tem o hidroxilo do carbono 4 livre. Por isso, a isomaltase é simultaneamente uma α-
1,4-exo-glicosídase e uma α-1,6-exo-glicosídase.

Equação 3 isomaltose + H2O → 2 glicose

A sacarase (ver Equação 4), para além de da atividade já referida também catalisa a ligação α-1,2
existente na sacarose.

Equação 4 sacarose + H2O → frutose + glicose

Estas enzimas também são classicamente designadas de dissacarídases porque os substratos mais
simples sobre que atuam são dissacarídeos (a maltose, a isomaltose e a sacarose).

8. A lactase e a trealase são dissacarídases e também são ecto-hidrólases da membrana apical


dos enterócitos.
Existem mais duas dissacarídases que também são ectohidrólases da membrana dos enterócitos do
intestino delgado: a lactase (ver Equação 5) e a trealase (ver Equação 6). A lactase é uma β-1,4 galactosídase
porque catalisa a hidrólise da ligação β-1,4 que liga carbono anomérico do resíduo de galactose ao resíduo de
glicose na lactose. A trealase catalisa a hidrólise da ligação α-1,1 da trealose. Obviamente, nenhuma desta
duas dissacarídases tem qualquer papel na digestão dos produtos que resultam da ação das amílases.

Equação 5 lactose + H2O → galactose + glicose


Equação 6 trealose + H2O → 2 glicose

9. As fibras da dieta não são digeridas


Alguns glicídeos complexos que são componentes de plantas não são digeridos pelas enzimas
presentes na saliva, no estômago ou no intestino delgado e não são absorvidos. Passam para o intestino grosso
(cólon) onde podem ser parcialmente digeridos pelas bactérias aí presentes e são importantes componentes das
fezes. Estes glicídeos são coletivamente designados por fibras.

10. A intolerância à lactose


A síntese de lactase e a quantidade de lactase no polo apical da membrana dos enterócitos decresce ao
longo da vida. Em algumas pessoas essa diminuição da síntese da lactase começa a manifestar-se ainda na
infância (pelos 4-10 anos de idade). A consequente incapacidade para digerir a lactose designa-se de
“intolerância à lactose” e é muito frequente sobretudo em determinados grupos étnicos2. Os indivíduos com
“intolerância à lactose” têm, após a ingestão de substâncias que contenham lactose, mal-estar abdominal,
aumento da produção de gases e, eventualmente, diarreia. Os gases são produzidos aquando da fermentação
da lactose que é levada a cabo pelas bactérias do intestino grosso. A diarreia é uma consequência do efeito
osmótico da lactose e de produtos resultantes da fermentação bacteriana3.

2
Em Portugal afetará cerca de 1/3 da população adulta; na China mais de 95%.
3
A fermentação bacteriana de glicídeos também produz ácidos carboxílicos de cadeia curta, sobretudo acetato (2
carbonos; C2), propionato (C3) e butirato (C4). Alguns (como o acetato e o propionato) são, em grande parte, absorvidos
pelos colonócitos e, depois de passarem para o sangue, são metabolizados noutras células do organismo. O butirato é um
nutriente dos colonócitos, as células epiteliais que forram o intestino grosso.

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11. O transporte transmembranar de monossacarídeos é mediado por transportadores


Da digestão completa do amido, da lactose e da sacarose resulta a formação das oses ou
monossacarídeos (glicose, galactose e frutose) que são absorvidos pelos enterócitos.
No entanto, as moléculas dos monossacarídeos são demasiado hidrofílicas e demasiado grandes para
se poderem dissolver no duplo folheto lipídico das membranas biológicas; assim, a sua capacidade para
atravessar membranas biológicas por mecanismos que não envolvam transportadores (transporte não mediado
ou simples) é praticamente nula. Tal como acontece em todas as células, nos enterócitos, o transporte
transmembranar dos monossacarídeos é catalisado por moléculas proteicas da membrana que se designam por
transportadores. Quando uma substância atravessa uma membrana e esse transporte é catalisado por
transportadores, o transporte diz-se mediado (mediado por transportadores de natureza proteica, subentende-
se). O transporte de uma substância pode ocorrer a favor do gradiente (passagem do lado onde está mais
concentrada para o lado onde está menos concentrada – transporte passivo), mas a glicose e a galactose
também podem, no polo apical dos enterócitos (o que está voltado para o lúmen), ser absorvidas contra
gradiente (transporte ativo).

12. O transporte ativo de glicose no polo apical dos enterócitos


No polo apical dos enterócitos, a absorção da glicose e da galactose pode ocorrer contra gradiente de
concentrações e, neste caso, o transporte é indiretamente dependente da hidrólise de ATP (ATP + H2O →
ADP + Pi) e diretamente dependente da existência de um gradiente de concentração de Na+ (maior
concentração de ião Na+ no lúmen intestinal que no citoplasma).
A bomba de sódio-potássio (ou ATPase do Na+-K+) é uma proteína da membrana citoplasmática de
todas as células do organismo que, usando a energia libertada na hidrólise do ATP, promove a entrada de
iões K+ do meio extracelular para o citoplasma e a saída de iões Na+ do citoplasma para o meio extracelular
(ver Equação 7). A bomba de sódio-potássio é uma máquina biológica que faz a acoplagem de um processo
exergónico (a hidrólise do ATP) com processos endergónicos (o transporte de iões Na+ e K+ contra
gradiente). Porque a energia usada no processo de transporte destes iões provém diretamente de uma reação
química (no caso, a hidrólise do ATP) diz-se que este transporte ativo é de tipo primário. A existência da
bomba de sódio-potássio em todas as células do organismo permite compreender que a concentração de Na+
seja muito mais baixa dentro das células que nos líquidos extracelulares (e que o contrário aconteça no caso
do K+). A ação da bomba de sódio-potássio cria gradientes de concentração que explicam a tendência para a
entrada do Na+ para dentro das células4.

Equação 7 ATP + H2O + 3 Na+ (citoplasma) + 2 K+ (extracelular)


→ ADP + Pi + 3 Na+ (extracelular) + 2 K+ (citoplasma)

Alguns transportadores das membranas (designados por simportes) só funcionam se transportarem


duas substâncias diferentes na mesma direção, mas o transporte só é possível se, pelo menos, no caso duma
das substâncias transportadas o processo for exergónico (ou seja, ocorrer a favor de gradiente). No polo apical
dos enterócitos do duodeno e do jejuno existe um simporte que transporta conjuntamente Na+ e glicose (ou
Na+ e galactose) na mesma direção; porque só transporta glicose se também transportar Na+, designa-se de
SGLT1 (da expressão inglesa “Sodium dependent GLucose Transporter 1”). O SGLT1 faz a acoplagem entre
um processo exergónico (o transporte de Na+ a favor do gradiente) e outro endergónico (o transporte de
glicose contra gradiente); ver Equação 8. A existência do gradiente de Na+ que tende a mover este ião para
dentro da célula fornece a energia que permite o transporte de glicose contra gradiente. Este tipo de
transporte ativo (contra gradiente no caso da glicose) diz-se secundário porque o gradiente do Na+ (que
diretamente fornece a energia necessária para o transporte) foi criado pela ação da bomba de sódio-potássio,
esta sim, diretamente dependente de uma reação química exergónica, no caso a hidrólise do ATP.

4
Nos enterócitos a ATPase do Na+-K+ está presente na membrana basolateral e, por isso, os iões Na+ saem diretamente
para o espaço intercelular e para o espaço extracelular que está na base destas células. No entanto, os iões Na+ são
suficientemente pequenos para atravessarem as junções impermeáveis e podem passar para o lúmen intestinal.

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Equação 8 glicose (lúmen) + 2 Na+ (lúmen) → glicose (citoplasma) + 2 Na+ (citoplasma)

13. O transporte transmembranar de monossacarídeos no polo basal dos enterócitos


No polo basal dos enterócitos o transportador da glicose é um uniporte (designado por GLUT2; da
expressão inglesa “GLUcose Transporter 2”) e a energia envolvida no transporte da glicose é a corresponde ao
seu gradiente de concentrações. O transporte catalisado pelo GLUT2 diz-se passivo (ou, significando o
mesmo, ocorre por difusão), isto é, dá-se sempre a favor do gradiente: dos enterócitos para o sangue durante o
período absortivo e em sentido inverso quando a glicose escasseia nos enterócitos. (Embora a glicose não seja
o principal combustível dos enterócitos, estas células também podem oxidar glicose.) O GLUT2 também
catalisa o transporte de galactose e frutose (das células para o sangue) no polo basal dos enterócitos durante a
absorção intestinal destes monossacarídeos. Embora o sentido líquido do movimento das moléculas dos
monossacarídeos através do GLUT2 seja determinado pelo gradiente de concentrações, em indivíduos
saudáveis e fora do período absortivo, as concentrações de galactose e frutose no sangue são praticamente
nulas. Por isso, não existe transporte de frutose ou de galactose no sentido sangue → enterócito.

14. O transporte transmembranar da frutose


O transporte da frutose ocorre sempre a favor do gradiente. No polo apical dos enterócitos existe um
uniporte que catalisa a entrada de frutose e se designa por GLUT5. Como já referido, no polo basal o
transportador da frutose é o GLUT2.

15. A regulação da atividade dos transportadores SGLT1 e GLUT5


A transcrição do gene que codifica o SGLT1 aumenta quando a concentração de glicose é elevada no
lúmen intestinal. Ou seja, a síntese de SGLT1 aumenta após uma refeição que contenha glicose ou glicídeos
que a possam gerar, mas não é afetada pela concentração de glicose no sangue. O mesmo acontece no caso do
GLUT5 quando, neste caso, a refeição inclui frutose [2].

16. A absorção de água é concomitante com a absorção de Na+ e glicose


A existência do SGLT1 tem importantes consequências na terapêutica de diarreias agudas. Nos países
pobres, as diarreias agudas são uma importante causa de mortalidade infantil e a morte pode ser prevenida
mantendo as crianças hidratadas e alimentadas. A atividade da SGLT1 ao permitir a absorção de Na+ e glicose
para os enterócitos (e, em última análise para o sangue) diminui a osmolaridade do conteúdo do lúmen
intestinal aumentando-a no citoplasma dos enterócitos. No transporte transmembranar da água intervêm canais
específicos situados na membrana denominados aquaporinas. A atividade da SGLT1 ao permitir a entrada de
substâncias osmoticamente ativas para dentro dos enterócitos resulta também na absorção de água [2]. Um
processo semelhante, neste caso no sentido enterócitos → sangue e envolvendo o GLUT2 e as aquaporinas,
ocorre no polo basal dos enterócitos. A introdução do uso de soluções contendo simultaneamente glicose e
sais contendo iões sódio para reidratação oral permitiu baixar a mortalidade infantil causada por diarreias [3].

1. Sim, L., Willemsma, C., Mohan, S., Naim, H. Y., Pinto, B. M. & Rose, D. R. (2010) Structural basis for substrate
selectivity in human maltase-glucoamylase and sucrase-isomaltase N-terminal domains, J Biol Chem. 285, 17763-70.
2. Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto.
3. Drozdowski, L. A. & Thomson, A. B. (2006) Intestinal sugar transport, World J Gastroenterol. 12, 1657-70.

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