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ISAAC FERREIRA

1895 – 1967

ISAAC GOMES FERREIRA nasceu em 14 de setembro de 1895, no povoado


Papagaio, nas proximidades de Barra do Corda. Ainda menino, muda-se com a família
para a vizinha Grajaú, onde conhece Souza Bispo e Orestes Mourão, que, segundo
Galeno Brandes, “o introduzira no mundo das letras”.
Compunha, com Gastão Oliveira, Aderson Lopes e Orestes Mourão, a plêiade
que, entre 1914 e 1918, agitou aquela “terra queimada pelo sol do sertão, e sem
escolas”, promovendo serões literários, treino oratório e publicação de diversos
hebdomadários manuscritos, entre os quais o “Vê-Tudo” e o “Telescópio”. Parte para a
capital maranhense em 1919, matriculando-se na Faculdade de Direito e integrando a
redação da “Revista Maranhense”, do “Diário de S. Luís” e, posteriormente, de “O
Imparcial”, desde seu primeiro número, em 1920.
Com o amigo Souza Bispo, funda a revista mensal “O Sertão”, que visava trazer
à atenção do governo o potencial e as necessidades do povo sertanejo. Bacharelando-se
em Ciências Jurídicas e Sociais, vai assumir, no dia 1º de julho de 1927, a promotoria
pública da comarca de Barra do Corda, sua terra natal, onde também atuou como
redator-chefe de “O Norte”, nosso mais prestigioso órgão de imprensa. Além de Barra
do Corda, exerceu a judicatura em Caxias, Buriti, Turiaçu e também na capital do
Estado, onde galga o patamar de desembargador da Suprema Corte. O périplo judicativo
o impedirá, possivelmente, de reunir sua poesia esparsa a fim de dar-lhes a merecida
publicação. Foi autor ainda da letra do “Hino do Grêmio Maranhão Sobrinho”. Faleceu
em São Luís, no dia 4 de abril de 1967.
Foi membro da Academia Maranhense de Letras, onde ocupou a Cadeira nº 21,
patroneada por Maranhão Sobrinho. É também patrono da cadeira nº 11, da Academia
Barra-Cordense de Letras, atualmente ocupada pela atriz Juraíza Rocha Bílio.
Consta de sua bibliografia os seguintes trabalhos:

“Através do Sertão”, notas de viagem – publicado em capítulos no “O


Imparcial”, durante o ano de 1927;
“Terra Caluniada”, trabalho sobre a terra berço que ficou no ineditismo.

EM TORNO DA OBRA POÉTICA DE ISAAC FERREIRA

A despeito de ter-se congregado, em abril de 1926,com Amaral Mattos, Antonio


Vasconcelos, Erasmo Castro, Clarindo Santiago e Eyder Pestana, para a realização da
“Semana Modernista”, em prol das novas ideias que agitavam as camadas intelectuais
do Brasil, desde 1922, Isaac Ferreira não conseguiu libertar-se dos velhos cânones,
sendo contado por Clóvis Ramos entre os chamados “parnasianos retardatários”. “Poeta
de raras qualidades e dos melhores da geração”, na adequada observação de Mário
Meireles, Isaac Ferreira impregna seus sonetos e poemas, exuberantes e por vezes
advertentes, com um discurso veemente, de sabor irônico, a despeito da temática
telúrica de alguns, lutando com o dia-a-dia e suas exigências niveladoras, em
seguimento, talvez, aos postulados de Hesse, para quem “a poesia tem de justificar sua
existência pelo fato de não apenas nos proporcionar prazer, mas agir também
diretamente em nossa vida, como conforto, como ensinamento, como advertência”1.

1
HESSE, Hermann. Para Ler e Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1975; 4ª ed., p. 120.
BEATITUDE

Se o sofrimento só por si redime,


Cheguei à perfeição – sou um perfeito!
Meu pecado maior, meu grande crime
É de certo não ter nenhum defeito.

No entanto, pensa o vulgo contrafeito


Que o sarcasmo estreitíssimo me oprime,
Ou que o açoite do insulto e do despeito
Me perturba em meu êxtase sublime!

Nunca! Na paz em que hoje vivo, do alto


Desta mansão quietíssima e tão boa,
Livre o meu nome de qualquer assalto.

Só o pendão me arrebata na peleja:


– Salve a boca que em vão me amaldiçoa!
Glória à mão que debalde me apedreja!

(Da “Pacotilha”, S. Luís, 25/12/1924)

A ÁRVORE

Contempla a árvore protetora: abrindo


Os verdes braços para o azul, parece
Viver absorta, concentrada em prece,
A paz da altura para nós pedindo.

E ao feliz, como ao triste que padece,


À imunda lesma e ao pássaro mais lindo,
No mesmo seio maternal reunindo,
Sombra e frutos a todos oferece.
Tu, que vives no fausto e na fartura,
Homem! bem podes, no fervor de um crente,
Socorrer o infeliz que te procura,

– Como a árvore que aos próprios seres brutos,


Aos seres todos, indistintamente,
Dá o abrigo, dá sombra e o pão dos frutos!

(Do livro: “Antologia da Academia


Maranhense de Letras 1908-1958”, S. Luís,1958)

BOI DE CARRO

Sempre teve na vida uma sorte madrasta:


Ontem, via roubando o leite bom, precioso;
E agora, – boi de carro – o carro ao léu arrasta,
Sem que tenha, jamais, um momento de gozo.

Amanhã, no labor, que a existência lhe gasta,


Não mais suportará seu mister afanoso.
Embora! A vida toda a trabalhar, não basta!
E o pobre só no talho encontrará repouso...

O gemido do carro e o seu cavo mugido


São notas de dor no ar, por onde quer que ele ande.
Preso à carga pesada o pescoço dorido...

E chora em seu olhar compassivo e dolente,


Sempre a mesma expressão de tristeza tão grande
Que até chega a lembrar a tristeza da gente!
(Do livro: “Onde Canta o Sabiá”, Rio,
1972)

EXCELSA

Silhueta de Tanagra sorridente,


de alvas faces de rosas retoucadas,
seu sorriso recorda claramente
a doçura e o esplendor das alvoradas!

Quando a virdes passar, bela, imponente,


com as hosanas das almas deslumbradas,
passarinhos, cantai festivamente!
Tapetai-vos de pétalas, estradas!

E vós, ó corações humanos, quando


a encontrardes, na pompa de uma Deusa,
os tristes sonhadores despertando,

curvai-vos todos com veneração:


– É a rainha da Graça e da Beleza!
– A padroeira risonha do Sertão!

(De “O Norte”, B. do Corda, 12/4/1930)

CORVOS

Quando falta a carniça e se avizinha a fome,


O corvo, pressentindo as podridões da terra,
Bate as asas de luto e pelos ares erra,
Procurando, voraz, o que o verme já come.
E se do alto azulado, onde quase se some,
A um cadáver não desxalça a peste e a guerra,
Ou pragueja, agoirento, o nédio anho que berra,
Com injúrias aos céus, com blasfêmias sem nome...

Mais torvos que o dessa ave, e de ideias mais rasas,


Há muitos corações neste mundo nefando,
– Os das aves do Mal, dos abutres sem asas...

Como o corvo infeliz, que às alturas ascende,


Também querem subir e gozar... – desejando
O infortúnio de alguém cuja sorte os ofende.

(De “O Imparcial”, S. Luís, 22/6/1933)

PECADO MORTAL

Vi-te, na igreja, tímida, rezando...


Tua voz dulçosa e terna enchia
O templo de tão límpida harmonia
Como se fossem querubins cantando.

Rezavas... E eu, estático, te ouvia...


Pecavas, Beatriz! Era pecando
Que erguias o teu canto suave e brando,
Que, entre o incenso, nos ares, se perdia!

E o teu pecado, pecadora linda,


Era tão grande, foi tamanho que há de
Nossa Senhora castigar-te ainda!
Pois na igreja, ante o altar da Mãe Celeste,
Só falavas no amor e na piedade,
O que tu, Beatriz, nunca tiveste!

(Do livro: “Sonetos Maranhenses”, São Luís, 1923)

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