Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
de Pós-Graduandos em História
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
Organizadores: Kaori Kodama, Gisele Sanglard, Rômulo de Paula Andrade, Thiago de
Souza dos Reis, Camilla Leal, Giulia Accorsi e Renilson Beraldo.
Editora: Anpuh-Rio
Ano: 2018
Ficha catalográfica
Conselho Consultivo:
Presidente
Márcia Maria Menendes Motta
(UFF)
Secretário
Rodrigo dos Santos Rainha
(UERJ/UNESA)
Relator
Andréa Casa Nova Maia
(UFRJ)
Conselho Fiscal
Presidente
Beatriz Kushnir
(AGCRJ)
Secretário
Gelson Rozentino de Almeida
(UERJ)
Relator
Norma Côrtes Gouveia de Melo
(UFRJ)
Secretaria Administrativa
Juceli Silva
Thiago Reis
5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
COMISSÃO ORGANIZADORA
Discentes
Aden Assunção Lamounier (UFF)
André Alboretti (PROFHISTÓRIA/PUC-RJ)
Andreia Tamanini (PPGHIS/UFRJ)
Beatrice Rossotti (UNIRIO)
Daniel de Souza Sales Borges (UNIRIO)
Diego da Silva Ramos (FFP/UERJ)
Docentes Diego Santos Barbosa (UNIRIO)
Kaori Kodama (COC-Fiocruz) Elion de Souza Campos (PPGHIS/UFRJ)
Gisele Sanglard (COC-Fiocruz) Fernanda Pissurno (PPGHIS/UFRJ)
Romulo Andrade (COC-Fiocruz) Iohana Freitas (PUC-RJ)
Alexandre Luis M. Rocha (CPDOC/FGV) Isabella Furtado (PUC-RJ)
Márcia Chuva (UNIRIO) Jamile da Silva Neto (UNIRIO)
Marcos Bretas (PPGHIS/UFRJ) João Guilherme Ramos (CPDOC-FGV)
Líva Magalhães (UFF) Júlio Dória (PPGHIS/UFRJ)
Helenice Rocha (FFP/UERJ-São Gonçalo) Karina Ramos (PUC-RJ)
Fernando Rodrigues (UNIVERSO) Laíne Soares Mendes (UFRRJ)
Marta de Almeida (MAST) Laís Marcoje (PPGHIS/UFRJ)
Rebeca Gontijo (UFRRJ) Leda Agnes Simões (FFP/UERJ)
Regiane Mattos (PUC-Rio) Marcos André dos Ramos (PPGHC/UFRJ)
Thiago Reis (ANPUH-Rio) Max Oliveira (UFRRJ)
Natália Batista Peçanha (UFRRJ)
Peter Sana (FFP/UERJ)
Regiane Matos (CPDOC-FGV)
Tatiane Santos (UFRRJ)
Camilla Leal
Gisele Sanglard
Giulia Accorsi
Kaori Kodama
Renilson Beraldo
Romulo Andrade
Kaori Kodama
Gisele Sanglard
Rômulo de Paula Andrade
Thiago de Souza dos Reis
Camilla Leal
Giulia Accorsi
Renilson Beraldo
(Orgs)
Anpuh-Rio
Rio de Janeiro
2018
PROGRAMAÇÃO OFICIAL DO 5º SEMINÁRIO FLUMINENSE DE PÓS-
GRADUANDOS EM HISTÓRIA
Dia e
Mesas Título das mesas Títulos individuais resumidos Debatedores Sala
Hora
1. Ubirajara Sampaio
Bragança - "Messianismo
no Brasil: governo, Igreja
e latifundiários contra o
sítio Caldeirão do beato
José Lourenço"
2. Jessica Maria Marques
Rabello - "Nossa Senhora
01 da Aparecida: A Rainha do 17/10
Brasil - o processo de Jefferson Eduardo
Religiosidades
Cristãs e Ateísmo construção de uma dos Santos 10° andar
no Brasil identidade para o Brasil
(UFRJ) 13h-15h
para a Igreja Católica,
1904"
3. Danilo Monteiro Firmino
– “O ateísmo da
Associação Brasileira de
Ateus e Agnósticos
(ATEA): influências do
iluminismo e ‘neoateísmo’
na busca pela identidade
ateísta brasileira”
1. Maria Gabriela de
Almeida Bernardino -
"Muito além da floresta: a
'aventura' de Francisco
Jaguaribe em pertencer ao
Escritório Central da
Comissão Rondon (1910-
1952)"
2. Renato da Silva Vicentini
- "René Ribeiro: a
05 trajetória do médico ao
antropólogo" Maria da Glória de
3. Sérgio Ribeiro de Almeida 17/10
Trajetórias e Oliveira (UFRRJ)
Marcondes - "Emílio
narrativas Rodrigué: um 402
biográficas psicoargonauta em 9h-11h
Salvador (1973-2000)"
4. Thaís Marcello de
Almeida - "Gênero e
História das Mulheres: a
trajetória acadêmica de
Ermelinda Lopes de
Vasconcellos na
Medicina"
5. Vanessa de Almeida
Moura - "Marialzira
Perestrello: relação entre
trajetória, Psicanálise e os
estudos de gêneros"
1. Ronaldo Rodrigues
Coelho - "O Exército e o
Nacional
Desenvolvimentismo"
2. Antonio Modesto - "O fim
da aviação naval? tensões
político-militares nas
forças armadas no Estado
Novo"
3. Daniela Marques da Silva
- "A lei de promoções no 19/10
História Militar: Exército brasileiro de Vitor Izeckson
13 perspectivas 1850: o palco do debate 402
políticas parlamentar" (UFRJ)
4. Ricardo George Muller - 9h-11h
"A formação do Corpo de
Saúde da Armada segundo
a perspectiva comparada à
do Exército na Corte (1833
– 1890)"
5. Andressa Cristina de
Miranda do Carmo - "O
Golpe Civil-Militar de
1964 e o Impeachment do
governador Badger da
Silveira"
1. Pedro Henrique
Cavalcante de Medeiros -
"O discurso abolicionista
do presbiterianismo no
Brasil imperial"
2. Matheus Monteiro 19/10
Abolicionismos e Pedrosa - "O desmonte do Jonis Freire
18 antiescravismo no escravismo: Projetos 10º andar
Brasil oitocentista (UFF)
antiescravistas da década 15h-17h
de 1850 e o ambiente
internacional no início dos
anos de 1860"
3. Gabriel Santos Paixão -
“Protestantismo, Abolição
e imprensa evangélica”
1. Aden Assunção
Lamounier - "Vozes
Dissonantes na Grande
Imprensa Carioca: José
Oiticica como colunista do
Correio da Manhã (1921-
1927)"
2. Bruno de Lino Mendes -
"Visões do jornal O Paiz
sobre a greve geral e a
insurreição anarquista de
1918"
3. Maria de Fátima de Morais 19/10
Imprensa e Pinho - “'Vem à cena o
Militância Felipe Ribeiro
25 célebre Padre Cícero': 600
Anarquista no Brasil Publicações do jornal (UFRRJ)
República anarquista e anticlerical A 11h-13h
Lanterna (SP)"
4. Bruno Corrêa de Sá e
Benevides - "O
anarquismo sem adjetivo:
a trajetória libertária de
Angelo Bandoni entre
propaganda e educação"
5. Carlos Rafael Dias -
"Liberdade, irreverência,
resistência e contestação: a
poesia libertária de Zé de
Matos e Patativa do
Assaré"
1. Adriana de Souza
Carvalho - “Macau e a
ação jesuítica nos séculos
XVI e XVII: Identidade
territorial e práticas
culturais na China”
2. Rozely Menezes Vigas
Oliveira - “As ‘Aves
Ilustradas’ do Oriente: as
estruturas hierárquicas no
Convento de Santa
Mônica de Goa” 20/10
3. Daniela Rabelo Costa Silvia Patuzzi
28 600
Igreja, Mulheres e Ribeiro Paiva - “As (UFF)
Sociedade na Época procissões na Lisboa dos 11h-13h
Moderna séculos XVI e XVII:
Poder, Sociedade e
Cultura”
4. Luciana Nogueira da Silva
- “'Flores' para o Reino.
Relações de Vida e
Exemplaridade Feminina
em Agostinho de Santa
Maria (Portugal do século
XVIII)"
1. Carolina da Costa de
Carvalho - "Psicanalistas,
católicos e os manuais de
educação sexual (Brasil,
década de 1950)"
2. Ede Conceição Bispo 16/10
Cerqueira - "Em busca de Juliana Manzoni
Saberes Psi em uma 'Psiquiatria Latino-
33 401
Perspectiva Americana': Projetos e (FIOCRUZ)
propostas (1939-1970)" 15h-17h
3. Giulia Engel Accorsi -
"Unindo o físico e o
mental: a história da
paralisia geral progressiva
no Hospício Nacional de
Alienados (1883-1960)"
1. Renata da Conceição
Aquino da Silva - "Ensino
de história e publicização
do mundo"
2. Renan Rubim Caldas - "O 19/10
antimovimento social Maria Aparecida
37 Ensino de História I 'Escola Sem Partido' e a Cabral 402
negação da produção de
(FFP-UERJ) 15h-17h
subjetividades nos espaços
públicos"
3. Diogo da Costa Salles - "O
Movimento 'Escola Sem
Partido' e as disputas pela
neutralidade da educação"
1. Valdenora de Oliveira
Rufino Owerney -
"Família Gonçalves Ricardo Cabral de
Martins: política, riqueza, 16/10
Famílias e Freitas
redes de sociabilidades e
38 sociabilidades no escravidão no vale do 600
(FIOCRUZ)
Brasil Oitocentista paraíba fluminense na 13h-15h
resende do século XIX"
2. Tiago de Castro Braga -
"Família e sociabilidades:
os Garcia de Mattos em
São Paulo do Muriahé na
segunda metade do século
XIX"
3. Vladimir Honorato de
Paula - "(...) 'para
principiarem suas vidas
(...)': um estudo das fontes
de pesquisa sobre a prática
do dote numa antiga vila
da província do Rio de
Janeiro (1835-1850)"
1. Regiane Matos - “O
20/10
Americanismo e as
Intelectuais no Robert Wegner
42 dificuldades dos homens 402
Brasil das letras na (FIOCRUZ)
correspondência entre 11h-13h
Mário de Andrade (1893-
1945) e Francisco Curt
Lange (1903-1997)”
2. Antonio Maureni Vaz
Verçosa de Melo -
"Mapeando território:
atuação dos intelectuais na
Era Vargas no Piauí, 1930-
1945"
3. Ana Carolina Borges -
"Notas para um estudo de
controvérsias intelectuais:
o debate entre Caetano
Veloso e Roberto
Schwarz"
4. Antonio Helonis Borges
Brandão - "De movimento
cultural a cânone
brasileiro. As entidades
representativas dos poetas
e a institucionalização do
'popular' na literatura de
cordel"
5. Fabiana Rodrigues Dias -
“Literatura, pátria e nação:
Apontamentos acerca de
Gonçalves de Magalhães e
seu Ensaio sobre a História
da Literatura do Brasil”
1. Dermeval Marins de
Freitas - “Estrutura de
Posse de Cativos no
distrito da Vila de Santo
Antônio de Sá (1797)”
2. Rubens da Mota Machado
- “A formação do vínculo
de Morgadio nos bens da
família Azeredo Coutinho
e as suas redes políticas”
3. Felipe Tito Cesar Neto -
Sociabilidades “Práticas de Bem Morrer e 20/10
Carlos Eduardo
negras e relações de Relações de Poder - Coutinho da Costa
52 Mariana, Minas Gerais (C. 901
poder no mundo
escravo 1742 - C. 1751)” (UFRRJ) 9h-11h
4. Carlos Jarenkow - “As
fugas de escravos no Rio
Grande do Sul - uma
análise a partir dos
inventários post-mortem
(séc. XIX)”
5. Amanda Bastos da Silva -
“As diversas faces de São
Domingos: conflitos,
possibilidades e
contradições (1789-
1815)”
1. Pedro Henrique
Guimarães Teixeira Alves
- “O crescimento dos
batistas brasileiros pela via
institucional (1882-1926)”
2. Idauro de Oliveira
20/10
Campos Júnior - “A Fé
Protestantismo no Paulo Cesar Gomes
53 Protestante no Brasil: 901
Brasil tipologias e inserção do (UFRJ)
Protestantismo no Brasil” 13h-15h
3. Érika Maria de Araújo
Pessanha - “Somos mais
de um milhão: as
estratégias de
evangelização de jovens
no youtube”
1. Leonardo Dallacqua de
Carvalho - “‘Bons intuitos
não bastam’: críticas de
Belisário Penna ao
republicanismo brasileiro”
2. Elion de Souza Campos -
Ideias republicanas “Discursos Federalistas no 20/10
no Brasil Brasil: os Paulo Terra
57 desenvolvimentos 600
oitocentista e (UFF)
Primeira República intelectuais de uma ideia 13h-15h
(1860-1914)”
3. Mariana Nunes de
Carvalho - “As diversas
repúblicas: discursos
republicanos circulantes
na imprensa de oposição
entre os anos 1875 e 1877”
1. Christiane de Roode
Torres - “Sistemas e redes
de atenção à saúde no
Brasil: seu processo de 19/10
construção e heranças
Políticas Públicas de Rômulo Andrade
58 político-institucionais 402
Saúde (1950-1990)” (FIOCRUZ) 13h-15h
2. Denis Guedes Jogas Junior
- “Construindo a
cartografia sul-americana
das leishmanioses:
circulação de saberes e
clivagens em perspectiva
transnacional”
3. Clarice Oliveira
Nepomuceno -
“Diplomacia Brasileira e
Saúde Global”
4. Fernando Moreira de Sá
Brito - “Um olhar sobre a
história da saúde
internacional no Brasil: as
ações do Ministério da
Saúde na segunda metade
do século XX”
1. Harumi Matsumoto - “A
institucionalização da
Policlínica de Botafogo
(1900-1935): a difusão do
modelo de dispensário
europeu na cidade do Rio
de Janeiro”
2. Lucas Lolli Vieira - “A
Corporação dos Médicos
Católicos e a assistência
aos trabalhadores pobres
16/10
em Belo Horizonte (1936-
História da Renato Franco 10º andar
64 1964)”
Assistência 3. Daiane Silveira Rossi - (UFF)
“Reflexões sobre os 13h-15h
pobres e os trabalhadores
do Hospital de Caridade de
Santa Maria/RS no início
do século XX”
4. Elizabete Vianna
Delamarque - “A
assistência à saúde na
capital da Província do Rio
de Janeiro: a Casa de
Saúde Niteroiense (1858-
1969)”
1. Maicon Maurício
Vasconcelos Ferreira -
“Contra a Ditadura e pelo
Socialismo: A luta armada
em Pernambuco (1968-
1973)”
2. José Aírton de Farias - 19/10
“Pavilhão Sete:
experiências dos
militantes de esquerda
Militância e Dulce Pandolfi 11h-13h
66 armada nos cárceres 401
Democracia cearenses (1971-79)” (CPDOC-FGV)
3. Welton de Abreu Oliveira
- “As manifestações
estudantis e a questão da
democracia durante o ano
de 1977”
4. Adriana Maria Ribeiro -
“‘Pela revolução ele foi ao
Éden!’: a trajetória
militante de João Pedro de
Souza Neto”
1. Denilson Muniz de
Relatos de viagem e 20/10
Oliveira - “Miguel João Renata Moraes
vida cotidiana na Meyer: uma viagem entre (UERJ)
68 401
cidade no período dois mundos”
joanino 13h-15h
2. Domingas Caetana da
Silva Pantoja - “A cidade
do Rio de Janeiro e
Debret”
3. Denise Maria Couto
Gomes Porto - “O Brasil e
o Chile de Maria Graham:
entre rebeliões e
revoluções, paisagens,
representações e
cotidiano, os registros e
narrativas de uma viajante
inglesa na América do Sul,
1821-1822”
4. Maria de Fátima Cardoso
Gomes - “Gazeta do Rio
de Janeiro (1808-1822): a
importância da sessão de
Anúncios e Avisos para os
estudos contemporâneos
do dia a dia da Corte de D.
João VI”
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SUMÁRIO
Apresentação..................................................................................................................57
Vozes Dissonantes na Grande Imprensa Carioca: José Oiticica como colunista do Correio
da Manhã (1921-1927)
ADEN ASSUNÇÃO LAMOUNIER...............................................................................59
Macau e a ação jesuítica nos séculos XVI e XVII: Identidade territorial e práticas culturais
na China
ADRIANA DE SOUZA CARVALHO............................................................................82
Pela revolução ele foi ao Éden! A trajetória militante de João Pedro de Souza Neto
ADRIANA MARIA RIBEIRO........................................................................................95
Colonização africana sim, tráfico de escravos não: o debate sobre a colonização africana
na província do Rio de Janeiro, 1854 a 1860.
ALESSANDRO MENDONÇA DOS REIS...................................................................119
36
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“E se tudo que eu puder ser for um cadáver numa estrada iraquiana?”: uma análise sobre
Guerra ao Terror (2008)
ANDREY AUGUSTO RIBEIRO DOS SANTOS.........................................................267
O fim da aviação naval? Tensões político-militares nas forças armadas no estado novo
ANTONIO MODESTO DOS SANTOS JUNIOR.........................................................321
37
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Povo e Raça: a questão racial por trás do discurso sobre alemães étnicos na obra de Adolf
Hitler
BRUNA BALIZA DOS S. DOIMO...............................................................................395
Fugas de escravos no Rio Grande de São Pedro: uma análise a partir dos inventários post-
mortem (século XIX)
CARLOS JARENKOW.................................................................................................495
38
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Combatendo nas páginas dos jornais: a propaganda durante a Guerra Civil Paulista de
1932
CARLOS ROBERTO CARVALHO DARÓZ...............................................................525
Uma nova cidade e velhas práticas – A difusão de amas de leite na capital republicana
(1900-1910)
CAROLINE AMORIM GIL..........................................................................................559
Manuais auto instrutivos: Aspectos gerais, circulação e práticas de leitura nos séculos
XVIII e XIX
CÁSSIA REGINA DA S. RODRIGUES DE SOUZA...................................................583
39
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para além da Marcha da Vitória: Estudo de caso sobre a “Marcha da Família” realizada
no município de Niterói em maio de 1964
CRISTIANO DA SILVA MOREIRA............................................................................673
40
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Uma breve análise sobre irmandades religiosas no Rio de Janeiro do século XVIII: entre
identidades e devoções
DIEGO SANTOS BARBOSA.......................................................................................854
O meu samba está de luto: a narrativa da imprensa carioca sobre a morte dos compositores
populares Sinhô e Noel Rosa
EDUARDO EMILIO MAURELL MÜLLER NETO....................................................911
41
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Práticas de Bem Morrer e Relações de Poder – Mariana, Minas Gerais (C. 1742 - C. 1751)
FELIPE TITO CESAR NETO.....................................................................................1093
Candaces: o lugar social da mulher no reino Kush entre os séculos II A.C e IV D.C
FERNANDA CHAMARELLI DE OLIVEIRA...........................................................1106
42
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O bom vassalo nasce no coração do rei: Juan de Palafox e sua visão de Monarquia
FLAVIA SILVA BARROS XIMENES.......................................................................1182
Em plena Guerra Fria, Médicos Brasileiros na URSS: o relato de viagem de Milton Lobato
e sua trajetória na militância comunista
GABRIELA ALVES MIRANDA................................................................................1208
Para o bom acolher, reformas! A Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores entre os
anos 1942-1952.
GUILHERME DOS S. C. MARQUES........................................................................1297
43
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
44
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Dos números aos nomes: as testemunhas recorrentes nos casamentos escravos e forros da
Freguesia da Candelária (c.1750 c. 1850)
JANAINA CHRISTINA PERRAYON LOPES...........................................................1495
Para além de uma instituição: a polícia do Antigo Regime e sua [re]criação no Rio de
Janeiro oitocentista
JOICE DE SOUZA SOARES......................................................................................1577
45
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Charles Perrault e a questão da esfera pública durante a Querela dos Antigos e dos
Modernos
JULIANA TIMBÓ MARTINS....................................................................................1715
46
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
47
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Entre o ecletismo de matriz francesa e uma arte brasileira: Ernesto da Cunha de Araújo
Viana e a valorização da arquitetura colonial (1852-1920)
LORHAN LASCOLLA DE SOUZA...........................................................................1984
Palavras impressas: notícias sobre D. Leopoldina nos jornais brasileiros, início do século
XIX, momentos anteriores à sua vinda para o Brasil
LOURDES DE ALMEIDA BARRETO BELCHIOR.................................................1997
48
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“O bairro que era nobre, hoje é um bairro pobre, não passa de um plebeu”. O impacto da
presença e da ausência da Presidência da República no bairro do Catete (RJ): uma
discussão sobre capitalidade e divertimento na região
MARCUS VINÍCIUS MACRI RODRIGUES.............................................................2206
49
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Uma dança de significados: os maxixes da Casa Edison e a construção social dos gêneros
musicais
MATHEUS PIMENTEL DA SILVA TOPINE...........................................................2328
Criação da Freguesia de Nossa Senhora Imaculada Conceição do Porto das Caixas (1844-
1856)
MIRIAN CRISTINA SIQUEIRA DE CRISTO...........................................................2340
História e divina providência nos escritos de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (1859-
1876)
MÔNICA MENESES CARNEIRO CORRÊA............................................................2363
50
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Diplomacia do café e pragmatismo: a política externa brasileira nas mãos das forças
políticas domésticas (1894-1905)
OLIVIER BODART....................................................................................................2476
Falar sobre a mulher: uma análise a partir de teses de alunos da Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro no final do século XIX
PALOMA GABRIELE FERNANDES LOBATO.......................................................2496
Nas redes da antropologia de Anthony Leeds: sua construção a partir de diferentes vozes
RACHEL DE ALMEIDA VIANA..............................................................................2580
51
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
52
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Antes da febre amarela: os estudos sobre as febres do Rio de Janeiro na primeira metade
do Oitocentos
RICARDO CABRAL DE FREITAS...........................................................................2811
Casa de Correção da Corte entre o congregate e separate system: os escravos nos debates
médicos sobre a disciplina prisional
RITA DE KASIA ANDRADE AMARAL....................................................................2847
53
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“Não existe sequer um simulacro”: A saúde pública no estado do Piauí entre as décadas
de 1910 e 1920
ROMÃO MOURA DE ARAÚJO................................................................................2923
A política das guerras justas e a conquista dos territórios indígenas no Vale do Rio Mucuri
na primeira metade do século XIX
TAMIRES SANTOS PEREIRA..................................................................................2997
54
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Uma joia encravada na mais vasta e bela baía do Hemisfério Sul: a Ilha das Enxadas sob
domínio da família Lage (1823-1882)
THIAGO VINÍCIUS MANTUANO DA FONSECA…………………………..……3077
Artes de curar em Iguassú: José Manoel e Joaquim Nery e o exercício da farmácia (1885
– 1937)
TICIANA SANTA RITA.............................................................................................3111
Percepções da prisão: análise sobre como é percebida a convivência entre presos políticos
e presos comuns enquadrados na Lei de Segurança Nacional no Instituto Penal Cândido
Mendes entre 1969 e 1975
VANESSA OLIVEIRA BENEDITO..........................................................................3181
55
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
56
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Apresentação
A quinta edição teve como mote a “Marcha pela Ciência” e isso não foi por acaso.
Em abril daquele ano, iniciava-se a 1ª Marcha pela Ciência, que envolveu cerca de 610
cidades pelo mundo em prol da valorização da ciência. Manifestações ocorreram no Brasil
em diferentes cidades e no Rio de Janeiro defendendo a garantia de verbas para a
sobrevivência das atividades científicas no país, quando era anunciada a restrição dos
gastos com saúde e educação. A escolha da Marcha como tema para o cartaz do Seminário
se deu assim não apenas pela pertinência do momento e pela identificação com a
instituição que este ano acolheu o evento, mas também pela situação vivida internamente
pela própria área, em que se verificava de um lado o avanço das pesquisas históricas e de
outro, o cenário de ameaças a tais atividades. Neste cenário de cortes orçamentários para
as pesquisas no país, os historiadores participantes do evento, no entanto, vieram expor
em perspectivas as mais variadas e em diferentes estágios da pesquisa o rol de temas e
abordagens historiográficas que vêm sendo desenvolvidas no ambiente dos programas de
pós-graduação no estado.
57
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fernando Penna (UFF), com o título "A formação do professor de história em contexto
de crise na educação", que ocorreu no dia 16 de outubro no Auditório do Museu da Vida,
na Fiocruz.
Kaori Kodama
Gisele Sanglard
Rômulo Andrade
58
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
59
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Operário versus patrão sob o olhar da classe dominante: um novo paradigma para
a solução do conflito.
1
Entre os militantes das classes operárias, os periódicos proletários, desde o final do século XIX, eram
tidos como um dos principais veículos de denúncia e divulgação de ideias pró trabalhadores. Assim, entre
os sindicatos, era comum o incentivo à produção de jornais para mobilização da classe. Para saber mais
sobre a história da imprensa operária, ver: Cadernos da Comunição. Breve História da Imprensa Sindical
no Brasil. Secretaria Especial de Comunicação Social-PMRJ, 2005.
2
Inspirados na Confederação Geral do Trabalho francesa tinham como forma de luta, entre outros ditames,
a rejeição de intermediadores no conflito entre patrão e operário, condenavam a associação partidária.
(BATALHA, 2000, p.29)
60
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
o início do século XX. Esta corrente, denominada por Batalha (2002, p.28) de
sindicalismo reformista, tinha na mediação, a partir de representantes do Estado e demais
autoridades, o principal meio de expressão de suas reinvindicações.3
Portanto o mesmo projeto liberal que amplia os mecanismos de divulgação das
ideias anarquistas, contribui para o crescimento da vertente reformista no movimento
operário. A qual, a partir de negociatas com um Estado que iniciava os anos de 1920 com
a lei de criminalização do movimento operário (BATALHA, 2000, p.56), vai galgando
sua aceitação como forma de luta em meio aos trabalhadores.
Nesta conjuntura de batalha ideológica dentro dos sindicatos as correntes
anarquista e sindicalista revolucionária vão perdendo o protagonismo para a solução
reformista. Ainda no início dos anos 1920, com a formação do Partido Comunista do
Brasil, em 1922, os libertários encontraram mais um opositor de ideias. Gestado no rastro
da Revolução Russa, ao menos no Rio de Janeiro, já nos primeiros anos, o PCB “se torna
uma ameaça aos seus concorrentes no meio operário”. (BATALHA, p.58)
3
Segundo Batalha, apesar de não serem as únicas, as correntes do sindicalismo revolucionário e do
sindicalismo reformista, até o início dos anos de 1920, eram as mais representativas dentro do Movimento
Operário Brasileiro. Para saber mais, ver, BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira
República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2000.
4
No artigo “A trajetória anarquista no Brasil na Primeira República”, de Edilene Toledo, encontra-se que
em 1921, foi promulgada no Brasil uma de lei de repressão e controle da imprensa que visando restringir a
ação da propaganda subversiva escrita ou verbal.
61
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
José Oiticica nas páginas de um jornal liberal: Um novo campo de luta anarquista?
62
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
as classes não eram homogêneas. Para os militantes dessa ideologia “a luta contra o
Estado e o capitalismo deveria ser movida pela concepção que se tem de justiça, de
igualdade e de liberdade, e não pela posição ocupada em uma classe econômica”
(TOLEDO, 2007, p.64).
Dessa forma, as páginas de periódicos liberais serviriam a José Oiticica como mais
um campo de atuação. Era necessário atuar além dos muros das fábricas influenciando
todos os oprimidos. Com suas concepções de justiça social buscava conscientizar a
população de que os males do sistema capitalista atingiam mesmo os que não estavam
diretamente ligados ao processo de produção. Então, beneficiado pelo seu
reconhecimento no meio intelectual carioca, Oiticica levou às páginas do Correio da
Manhã, que também se beneficiava com a presença de intelectuais, suas críticas em
relação ao sistema político-econômico vigente.
A partir de 1921, na página 2 do matutino carioca, dissertando basicamente sobre
temas pertencentes às áreas da saúde, política nacional e internacional, economia
mundial, religião e educação, José Oiticica, unindo todo seu conhecimento erudito com
as demais experiências de vida, formula suas críticas em relação ao Estado, a Igreja e o
Capital.
Em seus artigos pregou a necessidade da ruptura sistêmica como meio de
transformação social. A sociedade livre surgiria da destruição total do regime vigente. Na
defesa desta máxima, se opôs a toda forma de teoria que se baseasse em uma organização
social centralista. Consequentemente, criticou os defensores do sindicalismo reformista e
do comunismo. Os primeiros, eram acusados de utilizar intermediadores, tanto os
representantes do Estado quanto outras autoridades, para conciliar os anseios patronais e
operário, e, também, de não condenarem a participação política. Já os comunistas, embora
compartilhassem de muitas das críticas apontadas pelos anarquistas, como a exploração
da sociedade capitalista, o militarismo e a religião, e a necessidade da defesa da educação
fora dos moldes estabelecidos pela burguesia, defendiam a participação política e não
visavam a destruição imediata do Estado.
A educação era tema comum entre militantes das causas sociais, devendo ser
realizada a partir dos interesses dos povos subjugados. Pois as intuições educacionais
governamentais eram utilizadas como mais “uma forma de domínio do Estado e da
63
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
José Oiticica afirma que este ensino viciado, voltado para a defesa dos benefícios
da classe dominante, resultaria não só na manutenção da exploração do proletariado, mas
na carestia de vida de todos os que de forma indireta ou direta sofriam com as
arbitrariedades de um sistema burguês.
Em um artigo sobre a falta de saneamento básico na região nordeste do Brasil,
amparado nas conclusões do engenheiro Ralph H. Sopper, e na estratégia para solução de
tal problema elaborada pelo Dr. A. Vasconcelos, que via a solução a partir da instrução e
educação do povo, Oiticica afirma que o problema da falta de saneamento continuaria a
ser um martírio aos habitantes daquela região já que, “não se resolve o problema da
educação nacional quem vive atascado na politiquice soez, mais cuidando de intervenções
e briguinhas eleitoraes dos misteres à seu cargo” (OITICICA, Correio da Manhã,
05/04/1924, p.4). O receio dos estadistas em ver seu poder deslegitimado a partir da
instrução da população submeteria os últimos a uma qualidade de vida extremamente
precária.
Oiticica amplia as questões discutidas no âmbito sindical a um nível social. Se
existia necessidade de um ensino para além dos moldes oficiais devido à intencionalidade
do Estado em manter submissa a população, a ideia da instituição educacional
independente é reforçada com questão do saneamento básico. Certamente, a gradativa
perda de espaço dentro do movimento operário fez com que este militante e outros
anarquistas buscassem na organização de todos os oprimidos a saída para manutenção ou
resgate do protagonismo libertário perante a luta revolucionária.
Continuando sua cruzada contra o Estado a partir da questão educacional, em
artigo intitulado A Escola Primária, Oiticica aconselha Frota Pessoa, então secretário
geral da instrução pública, acabar com os Conselhos Municipais de Educação, já que estes
eram compostos por homens que não estavam preocupados com educação popular, mas,
apenas, com seus conchavos políticos. “Se os homens do Conselho são políticos,
politiqueiros e políticões, não seria o melhor começo da reforma educacional acabar com
tal Conselho?” (OITICICA, Correio da Manhã, 21/06/1924, p.4). Uma vez que, inserido
64
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
no jogo político nacional, seria impossível esperar deles medidas que visassem a melhoria
da instrução do povo.
Nota-se aqui, mais uma vez, a influência do pensamento libertário em seus artigos
publicados no Correio da Manhã, nos quais tentava conscientizar a população que “a
construção de uma nova ordem não se daria pela conquista e transformação das
instituições existentes, mas pela sua destruição” (COUTINHO, 2006, p.15). Desse modo,
a “reforma da educação” deveria iniciar pela “destruição dos Conselhos”.
Para tanto, conscientizar a população dos males do Estado e seu regime era de
suma importância. José Oiticica acreditava na influência que ele e outros militantes
exerciam sobre a população oprimida. Por consequência, pensava que o preparo e a
organização dos homens dependeriam da sistematização de ideias trazidas em seus textos.
A tarefa do militante das causas sociais deveria ser a conscientização sobre as
falácias de um sistema falido que iludia o povo trabalhador. Pois,
65
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
66
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que traz em artigo, publicado na Voz do Trabalhador, a defesa dos ideais ácratas como
teoria aplicável aos problemas nacionais. Pois, se os defensores do capitalismo afirmavam
o anarquismo ser uma ideia pertinente às questões europeias, deveriam aceitar, também,
a anarquia como solucionadora dos nossos males sociais nacionais, visto que,
67
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
68
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Amparado nos ideais anarquistas, procura condenar esta organização por auxiliar na
submissão do homem incentivando-o a não contradizer as regras imposta. Dessa forma,
José Oiticica, pretende desautorizar a autoridade papal afirmando que servir ao Papa não
era servir a Deus. A representação divina deveria ser buscada a partir da “especulação
intelectual”, do conhecimento. Certamente, acreditava que o exercício mental gerado pela
indagação levaria a sociedade a encontrar as melhores formas de servirem às próprias
causas. Visto que passariam a indagar sobre toda e qualquer ordem exterior lhes imposta.
A polêmica com o padre Franca causou grande repercussão, podendo ter sido um
dos motivos que levaram o fim da colaboração permanente de José Oiticica ao periódico.
Possivelmente a política estatal repressiva levou a direção deste periódico a afastar de
suas páginas, ao menos por um tempo, as ideias daquele libertário. Assim, no ano de
1927, escreve seus derradeiros artigos como colunista permanente do Correio da Manhã.
Um dos últimos títulos a ser publicado é em denuncia a condenação à morte, nos E.U.A,
dos militantes ácratas italianos Sacco e Vanzetti. De forma mais direta que as
apresentadas em publicações anteriores, condenando as injustiças impingidas aos
“defensores da liberdade”, prega a necessidade de uma revolta popular visando a queda
do sistema, a qual, caso não ocorresse de forma imediata, deixaria às claras as “infâmias
de dos governos plutocratas” (OITICICA, Correio da Manhã, 23/04/1927, p.4).
Considerações Finais
69
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
70
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibilografia
SAMIS, Alexandre. “Lima Barreto e a estratégia engajada”. In: Libertários, São Paulo,
Ed. Imaginário, nº 2, 2º semestre de 2003.
71
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No final do século XIX e início do XX, após longo período de exploração, com
cansaço das terras, a expulsão dos jesuítas, a diminuição do fluxo de mão de obra escrava,
a construção de ferrovias, dentre outros fatores, o cenário na região era de degradação
ambiental. O poder público identificava estas condições como insalubridade e descrevia
5
Coivara é basicamente um método rudimentar de rotação de áreas cultivadas, através de ciclos de queima,
abertura, plantio e do ‘repouso’ de sucessivos lotes de terras originalmente cobertas por florestas primárias
ou secundárias.
72
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Foi nesta intencionalidade que em 1883 foi concedida, ainda no Império, uma
concessão de estudos ao Major Rangel de Vasconcelos. O objetivo era investigar as
causas de “pirexias palustres com aspecto endêmico” nas zonas banhadas pelos rios
Meriti, Irajá, Pilar e Iguassu. Rangel de Vasconcelos conclui que “[...]seriam obras que o
Estado não dispunha de recursos suficientes para executar. ” (GÓES, 1934, p. 264), o
“laudo” emitido fez o projeto de “saneamento” das áreas alagadas no entorno da cidade
do Rio de Janeiro ser adiando. No entanto neste momento já podemos identificar o
interesse que a região despertava na administração pública.
6
A Segunda Comissão Federal legitimou esta espacialização em 1933 como 4 baixadas, onde a 1ª seção
(1896) foi transmutada em Baixada da Guanabara (que em 1933 seria tida como a mais importante); a 2ª
seção (1896) é a Baixada dos Goitacazes (1933); 3ª seção (1896), a Baixada de Araruama (1933) e a 4ª
seção (1896) a Baixada de Sepetiba (1933).
7
O movimento sanitarista entendia que a doença caracterizava a sociedade brasileira, desafiava suas elites
e as instituições políticas (especialmente, o federalismo e a autonomia dos estados), exigindo um aumento
da responsabilidade do poder público ao nível federal uma vez que a maioria dos estados não tinha
condições técnicas e financeiras para implementar políticas de saneamento e saúde pública. (HOCHMAN,
1998, p.3).
73
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
8
Identificada no século XVIII como “mal aire”, impaludismo ou paludismo (do latim palus, pântano),
febres palustres ou paludosas, febres intermitentes, intoxicação telurica (do latim, tellus, a terra), febres
marématicas (do italiano maréma, terreno alagadiço á beira mar), febres perniciosas, febres de quina,
maleitas, etc, hoje sabemos se tratar de doença endêmica, resultado de uma ação do protozoário do gênero
Plasmodium, transmitida de uma pessoa para outra usando como transmissor a fêmea do mosquito
Anopheles de hábitos noturnos e que se desenvolve tanto na água doce (Anopheles darlingi), quanto na
água salobra (Anopheles aquasalis) (DORO, 2011, p. 1).
74
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O capítulo dez deste documento foi dedicado a Malária e revela as concepções para
o combate a doença na região no início do século XX. A luta, segundo o relatório, deveria
se concentrar na extinção do mosquito transmissor durante o período larvário e uma das
medidas para tal, era aumentar a velocidade de escoamento das águas dos rios. “ É sabido
que para uma velocidade de 0,20 cm/s, as larvas não proliferam. [...] E onde não há
superfícies inundadas não há mosquito que transmita a malária” (GÓES, 1934, p. 515).
Esse trabalho continuo estaria a cargo da engenharia sanitária.
9
“ Só a Baixada pôde produzir arroz em quantidade tanta quanta seja necessária para abastecer todo o Brazil.
” (RIO DE JANEIRO, 1902, p. 108). Fala do governador Quintino Bocayuva em Mensagem à Assembleia
Legislativa em 20 de setembro de 1902.
75
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
76
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
77
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
Bibliografia
DORO, Mariana Ratti. Uma visão geral da Malária: ocorrência, manifestação, prevenção
e principais tratamentos. São Paulo: IQ-UNICAMP, 2011. Disponível em:
<http://gpquae.iqm.unicamp.br/textos/T6.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2016.
FARIA, Lina Rodrigues de. Os primeiros anos da reforma sanitária no Brasil e a atuação
da Fundação Rockefeller (1915-1920). Revista de Saúde Coletiva (PHYSIS), Rio de
Janeiro, vol.5, nº 1, 1995. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/physis/v5n1/06.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2016.
78
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
___________; LIMA, Nísia Trindade. Pouca saúde, muita saúva os males do Brasil são:
discurso higienista e interpretação do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,
v. 5, n. 2, p. 313-332, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7098.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.
_____________; LIMA, Nísia Trindade. Condenado pela raça, absolvido pela medicina:
o Brasil descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos
Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ/CCBB, 1996.
_____________; MELLO, Maria Tereza de; SANTOS, Paulo Roberto Elian dos. A
malária em foto: imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade do século
XX. Revista História, Ciências, Rio de Janeiro, Saúde, vol. 9 (suplemento):233-73, 2002.
Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9s0/10.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2016.
79
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
KROPF, Simone Petraglia. O saber para prever, a fim de prover – A engenharia de uma
Brasil moderno. In: HERSCHMANN, M. M.; PEREIRA, C. A. M. (Org.) (1994). A
invenção do Brasil moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
SILVA, Lúcia. Sugestões de uso na sala de aula. In GARCIA, Graciela, SALES, Jean e
SILVA, Lúcia (orgs). Capítulos da História da Baixada Fluminense: ensino e pesquisa na
licenciatura de História do campus de Nova Iguaçu. Seropédica: EDUR, 2013.
______, Lúcia Helena Pereira da. Saneamento e política na Baixada Fluminense: Nova
Iguaçu no início do século XX. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 48, n. 2,
2014. ISSN 2178-4582. Disponível em:
80
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-
4582.2014v48n2p263>. Acesso em: 10 set. 2016.
SOUZA, Celina. A Introdução Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Porto Alegre,
Sociologias, ano 8, nº 16, 2006. Disponível
em:<http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16>. Acesso em: 12 ago. 2016.
81
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
10
Não só em seu trabalho sobre A passagem do século, mas também quando discute o conceito de
mestiçagem cultural, na leitura de O pensamento mestiço (2001).
11
Para essa dinâmica das trocas culturais, ler Máquina de Gêneros de Alcir Pécora que discorre sobre o
pluralismo de valores, sem o predomínio do –eu- ou do –outro-.
82
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
12
Sobre a Europa das reformas religiosas, ler Bossy (1990) A Cristandade no Ocidente.
13
A ideia de Globalização nos “quatro cantos do mundo” em Gruzinsk (2005).
14
Sobre estes aspectos teóricos, ver “territorialidade, multiterritorialidade: um debate” em
Haesbaert(1999).
83
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como a contribuição de Said (2007, p.29) que apresentou o oriente como uma
invenção do ocidente desde a antiguidade onde “o termo já remetia a ideia de episódios
romanescos, seres exóticos e experiências extraordinárias”. Um universo simbólico foi
erguido entorno de vocabulários que construíram uma tradição de pensamento e uma
materialidade que se firmou majoritariamente no ocidente. Entretanto – ocidente e oriente
– são duas categorias geográficas que se sustentam e se espelham.
15
Para a discussão dos diferentes usos conceituais de – território- ler FERREIRA (2014) Território,
territorialidade e seus múltiplos enfoques na ciência geográfica .
84
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
exemplo16. A chegada destes missionários na China17 deu-se por Macau, por sem
considerado um ponto estratégico de três rotas comerciais que ligavam o Oeste ao Leste,
a saber: uma delas via Goa, que ligava Macau a Lisboa; a segunda, ligando Macau a
Nagazaki e, ainda, Macau via Manila até o México (Nova Espanha).18
Nos dez primeiros anos de atuação em que as constantes iniciativas dos jesuítas,
para adquirir a concessão imperial de fixação definitiva de uma missão do ocidente em
uma cidade no Império do Meio não foram suficientes para acabar com a tática dos
chineses em desarticular os padres quanto aos esforços iniciais que eram feitos em cada
cidade. Assim, cada expulsão ou suspensão de permanência, dentre outras possibilidades
de interpretação, pode ser tida como desterritorialização.19 Isso explica as muitas
mudanças de residência ao longo desta década, sempre em função do que a autoridade
chinesa determinava. Obviamente que essa instabilidade geográfica refletiu também na
ação de catequese propriamente dita, já que a cada nova fixação era necessário a
readequação aos hábitos daquela nova região, como também reconduzir os ritos de
hospitalidade na visitação à autoridade local, incluindo a importância de presenteá-los.
16
Ler Todorov (1999) o capítulo “ Tipologia das relações com outrem”.
17
Outras Ordens religiosas estiveram nesta região, em período anterior, mas nenhuma delas conseguiu
permissão imperial para fixarem-se em solo chinês, por isso os jesuítas são considerados a 1ª Ordem a
conseguir esta concessão, em 1582, para atuação em Zhaoqing.
18
A Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, de janeiro de 1576, do Papa Gregório XIII, criou a Diocese
de Macau, com jurisdição sobre a China, Japão, Coréia e ilhas adjacentes, mas ficando sob a subordinação
do Bispo de Goa.
19
O conceito de desterritorialização é apresentado em Chelotti (2010) a partir de outra chave que não está
nas discussões mais comuns, no campo da Geografia: des-re-territorialização. O prefixo “re” cunhando a
ideia de que desterritorializar não é necessiariamente abandonar um espaço, mas construir “inúmeras
formas de territórios”.
85
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
territoriais de fixação ficava aparente a dimensão política que pode ser cotejada também
no conceito de território. Territorialidade, sob o olhar das estratégias dos jesuítas, era um
componente de poder necessário para que as demais ações de missionação pudessem dar
frutos. A priori, o projeto de catequese na China dependeu inexoravelmente da conquista
de uma identidade territorial, como um espaço de pertencimento dos missionários que
passaram mais de dez anos, a margem dos espaços urbanos mais influentes do Império
Chinês.
86
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
alicerçada no ideal econômico de manter Macau como a ponte de ligação entre ocidente
e oriente, através do lucrativo comércio.
O Império do Meio, no século XVI, fez de Macau uma via de mão dupla: como
porta de saída da seda para diferentes rotas comerciais no ocidente e oriente e, em razão
da prosperidade econômica da Dinastia Ming, como porta de entrada para diferentes
produtos na China, oriundos de diversas regiões. A função de Macau, assim, foi
redimensionada como canal de distribuição de mercadorias para a Europa, Ásia, África e
América.
A missão, nestes tempos, foi marcada por menos avanços e mais recuos em
decorrência das inúmeras contestações de renovação da permanência dos jesuítas em solo
chinês. Isso variava tanto quanto a troca de autoridades dos altos funcionários do Império
que arbitravam de forma diferenciada sobre a temática, sempre polêmica, de estrangeiros
missionários. Isso explica as muitas mudanças de residência ao longo destes dez anos,
sempre em função do que a autoridade chinesa determinava.
20
Esta concessão foi possível, porque Ruggiere já era conhecido em Cantão, por alguns comerciantes
chineses que o viam acompanhar comerciantes portugueses nas feiras de Cantão, como um intérprete para
as práticas comerciais.
87
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
21
Aqui, aproximando às discussões também sobre O poder simbólico no trabalho de Bourdieu (1998).
88
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Pensar os espaços de atuação, nas múltiplas discussões sobre território é, de certa forma
compreender, segundo Haesbaert (1990, p.23) que ele “é, ao mesmo tempo, (...) funcional
e simbólico, pois as relações de poder têm no espaço um componente indissociável tanto
na realização de funções quanto na produção de significados”.
89
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ricci procurou usar estes espaços como meio de difundir seus conhecimentos do
ocidente e, por relação de aproximação, com os ensinamentos da religião do “Senhor do
Céu”, como seria intitulada a religião ocidental, entre os letrados chineses. Nestas práticas
de convívio com os chineses, a missão cometeu um equívoco, ao produzir, por mais de
dez anos, referenciais de vestimenta e aspectos físicos que assemelhavam os jesuítas aos
bonzos22.
Outras adequações foram feitas, ao longo do tempo em que Ricci divulgou a sua
técnica mnemônica, conseguindo alargar o campo interpretativo de suas discussões,
primeiro sobre temas relacionados aos exames que os chineses iriam prestar23 e, por
associação, numa segunda etapa, conversando sobre algumas passagens bíblicas e
explicando sobre temas centrais do Cristianismo aos letrados da sociedade chinesa.
22
Bonzos eram considerados aqueles que praticavam rituais de pagode, como também adivinhadores. Os
missionários eram considerados “bruxos feiticeiros do ocidente”. Em dicionários contemporâneos já é um
verbete para designar “dissimulado, hipócrita”.
23
Ricci consegue aproximar-se dos letrados chineses, através dos filhos destes funcionários, para os quais
lecionava sobre a sua técnica Mnemônica como método para recordar os conteúdos exigidos ao exame para
altos cargos burocráticos no Império chinês. Ler SPENCE (1986).
90
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sob o olhar das trocas culturais, pensando o espaço de vivência entre os chineses
e os jesuítas, se por um lado os conhecimentos de Ricci sobre o funcionamento dos
relógios mecânicos suscitou interesse do Imperador Wanli, por outro, a base filosófica
chinesa presente nas três práticas religiosas (budismo, taoísmo e confucionismo) foi
motivo de readequação do modelo religioso pensado no Projeto de catequese e
alargamento da fé cristã.
24
Sobre a discussão dos modelos ocidentais serem aplicados aos “outros”, ler Goody (2013) que discute a
dicotomia ocidente e oriente pela chave do “roubo da história”, em referência a apropriação de alguns
saberes do Oriente.
25
Não cabe aqui uma discussão historiográfica sobre os usos da história cultural. Aqui, sob uma visão
panorâmica, bastaria pensar a escola Francesa há quatro gerações dos Annales que apresentou termos que
contribuíram aos esforços de uma discussão atual sobre cultura histórica, como história das mentalidades
(Marc Block e Lucien Febvre), História da cultura material (Fernand Braudel) e com novas concepções a
história das mentalidades de Jacques Le Goff e Emmanuel Ladurie. Ler Burke (2008).
91
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas:
92
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BOXER, Charles R.. O império marítimo português 1415 -1825. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.
_____. Passeurs y elites “católicas” en las Cuatro Partes del Mundo. Los inicios
ibéricos de la mundialización (1580-1640). In: Passeurs, mediadores culturales y agentes
de la primera globalización en el Mundo Ibérico, siglos XVI-XIX. Scarlett O’Phelan &
Carmen Salazar-Soler (editoras). Lima: IFEA, 2005.
PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2001
93
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
RUSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de
abordar la historia.Traducción de F. Sánchez Costa e Ib Schumacher. [Versión castellana
inédita del texto original alemán en K. Füssmann, H.T. Grütter y J. Rüsen, eds.:
Historische Faszination. Geschichtskultur heute, 1994
SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma abordagem territorial. In: SPOSITO, Eliseu
Savério. (Org.) Território e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. 1ª ed. São
Paulo: Expressão Popular, 2009.
SEABRA, Leonor. Macau e os jesuítas na China (séculos XVI e XVII). Disponível em:
file:///C:/Users/Adriana/Downloads/Macau%20e%20os%20jesu%C3%ADtas%20na%2
0China%20(s%C3%A9culos%20XVI%20e%20XVII)%20(1).pdf
SPENCE, Jonathan. O palácio da memória de Matteo Ricci. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986.
94
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Pela revolução ele foi ao Éden! A trajetória militante de João Pedro de Souza
Neto26
À primeira vista, o título do texto pode sugerir a ideia de que otermo “Éden”é uma
alusão ao “paraíso”. Não é isso! O Éden em questãonada tem a ver com o cenário bucólico
e harmonioso citado em Gênesis. Trata-se, na realidade, donome do bairro pobre,
desprovido de serviços básicos (saúde, saneamento, segurança e lazer), localizado no
município de São João de Meriti, na Baixada Fluminense27.Foi para lá que João Pedro de
Souza Neto mudou-se em 1977, pela causa revolucionária.Oriundo de um núcleo
familiar pecebista, desde cedo Souza Neto engajou-se na resistência à ditadura militar e
na defesa dos ideais socialistas. Inicialmente, aproximou-se do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) no Mato Grosso do Sul, depois, no Rio de Janeiro, ingressou no
Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) nos anos 1960, e no Partido
Comunista do Brasil-Ala Vermelha (PCdoB-AV) nos anos 1970.
26
O tema debatido no Seminário é um desdobramento da pesquisa sobre a trajetória social e política do
Partido Comunista do Brasil-Ala Vermelha (PCdoB-AV), a qual vimos desenvolvendo desde 2011 junto
ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Inicialmente,
pesquisamos as experiências de inserção política do partido na Baixada Fluminense em meados dos anos
1970,as quais foram interpretadas na dissertaçãodefendida em 2013.(RIBEIRO, 2013). Desde 2014,
passamos a estudar a história nacional da organização em suas diferentes fases (“luta armada” e
“autocrítica”).
27
Região metropolitana do Rio de Janeiro, que engloba as cidades de Belford Roxo, Duque de Caxias,
Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti. Cabe destacar que, no decorrer
da década de 1970, se constituíam como municípios apenas Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu e
São João de Meriti. As demais cidades integravam distritos de Nova Iguaçu.
28
Ala é o nome pelo qual o PCdoB-AV ficou conhecido.
29
Optamos por destacar o termo “luta armada” porque embora as organizações tenham feito significativo
uso de armas em ações de resistência à ditadura, na maioria das vezes, não ocorreu combates armados entre
esquerdistas e militares, como a denominação sugere.
30
Linha de massas – teoria que defende o pressuposto de quea deflagração e a vitória do processo
revolucionário dependem do apoio permanente dos operários e dos camponeses, cujas aspirações devem
ser identificadas e encampadas pelo partido.
95
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
31
O termo refere-se a uma fase de transição do capitalismo para o socialismo.
32
Ações de expropriação eram em sua maioria assaltos efetuados para financiar a guerrilha e sustentar o
funcionamento das organizações. As ações são assim denominadas por seu caráter político.
96
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
33
Movimentos relacionados às mobilizações de trabalhadores e de cidadãos pobres para a reivindicação de
aspectos ligados às condições de vida, ao acesso aos serviços públicos e aos direitos sociais.
34
De acordo com a nossa pesquisa, após a autocrítica, a Ala passou a ter dois núcleos: a Ala paulista, a qual
tinha membros inseridos em sindicatos na região do ABCD Paulista e em Guarulhos, e a Ala fluminense,
relativa aos militantes da organização no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, identificamos a presença de
militantes na zona norte e na zona oeste carioca e em municípios da Baixada Fluminense.
97
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
35
O incentivodo setor progressista da Igreja católica ao associativismo nos bairros foi essencial para o
fortalecimento desse tipo de ação coletiva, a exemplo das experiências verificadas na diocese de Nova
Iguaçu, sob a liderança de Dom Adriano Hypólito (SÓTENOS, 2013, p. 80).
36
A noção de cobertura legal passa por dois aspectos: o de escapar aos olhos da repressão e o de ter
legitimidade social e moral a partir da Igreja.
37
Ademais, durante a ditadura, dioceses e paróquias lideradas por padres e missionários adeptos ao
Cristianismo de Libertação funcionaram como uma espécie de “guarda-chuva” para a proteção e a atuação
política das esquerdas e de outros grupos perseguidos pelo regime militar.
98
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No início dos anos 1970, voltou à cidade do Rio de Janeiro, onde continuou sua
atividade profissional. Decepcionado com as lutas implementadas pela esquerda armada,
viveu uma breve fase de refluxo nas práticas políticas. Em1974, retomou a militância ao
ingressar na Ala.
Logo após seu ingresso na Ala, Souza Netopassou a discutir com a direção do
partido a possibilidade de deslocar-se para a Baixada Fluminense, onde assumiria a tarefa
99
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
38
Censo Demográfico de 1980. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
39
Idem.
100
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No Éden, Souza Neto residiu em uma casa sem água encanada, situada numa rua
sem pavimentação e rede de esgoto. A iluminação do local era precária. O bairro não
contava com unidade de saúde e nas escolas públicas não havia vagas suficientes para
atender as demandas da localidade. No bairro, procurou agir como simples morador, a
fim de fazer amizades e aproximar-se daquela comunidade. Sua principal ação política
no bairro foi o incentivo à criação da associação de moradores.Também em Meriti, ajudou
a fundar associações nos bairros Vila Norma e São Mateus, nos quais as condições de
vida se assemelhavam aquelas encontradas no Éden.
40
Além da Ala, o MR-8, o PCdoB e o Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP) deslocaram
quadros para a Baixada em meados dos anos 1970.
41
O JOB foi idealizado por militantes da Ala fluminense, como parte da tática de inserção do partido entre
os trabalhadores. O periódico circulou entre maio de 1979 e fevereiro de 1980, nos municípios da Baixada
Fluminense. Seus principais locais de circulação foram associações de moradores, sindicatos e paróquias
onde havia militantes da Ala inseridos. Para aprofundamento sobre a história do jornal, ver RIBEIRO, 2013.
101
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Engajado na luta em torno dos direitos democráticos, que então mobilizava o país,
criou vínculos de identidade com a população local, a partir dos quais passou a sentir-se
parte da comunidade na qual estava inserido.No decorrer das décadas de 1980 e 1990,
integrou as direções municipais do PT de Nova Iguaçu, deSão João de Meriti e do então
recém-criado município de Belford Roxo42. Nesse último, chegou a concorrer pelo
partidoao cargo de prefeito na primeira eleição municipal, ocorrida em 1992, mas foi
derrotado.
42
O município surgiu em 1990, com o desmembramento de distritos de Nova Iguaçu.
102
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
Referências
Fontes
COSTA, Warley da. Entrevista concedida à autora. Belford Roxo, RJ, 12 de outubro de
2012.
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL-ALA VERMELHA, Concepção e organização
sobre o trabalho de Bairro. Darf, AV, DDI-IV, documento 20, Aperj, novembro de 1979.
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL-ALA VERMELHA, Relatório do Ativo. Darf,
AV, DDI-IV, documento 28, Aperj, 1978.
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL-ALA VERMELHA, Boletim Interno, número 8.
Darf, AV, DDI-II, documento 08, Aperj, setembro de 1971.
SOUZA NETO, João Pedro de. Entrevista concedida à autora em 15 de julho de 2011.
103
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
104
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
I. Introdução
Uma nova perspectiva de se pensar a História Social trouxe consigo questionamentos
a essencialismos associados ao conceito de cultura que vigoravam na maneira como esta
Ciência Social era pensada e escrita, muitas vezes marcada por um caráter estático,
homogêneo e com fortes influências coloniais que culminava com uma hierarquização
das culturas. Neste contexto, nota-se uma avalanche de intelectuais que se preocupam em
abordar o que Peter Linebaugh e Marcus Rediker (LINEBAUGH & REDIKER, 2008,
p.15) na sua obra A hidra de muitas cabeças, consideram uma “história vista de baixo”,
em que dialogando com a antropologia valorizam os chamados “sujeitos subalternos” e
enfatizam o dinamismo e fluidez da cultura.
105
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Alguns desses bairros, como Litine e Esteu, encontram-se em uma área rebaixada da
cidade – oferecendo à vista um mar de telhados de macuti44. Antes de descer as escadas
que dão acesso ao bairro, é possível ter uma visão “de cima”, na qual vemos alimentos
como: mangas, piri-piri (pimenta), peixe, mandioca, de entre outros secando ao sol sobre
os telhados, placas de zinco que já substituem o macuti, e os labirínticos caminhos de
areia que ligam as casas e quintais umas às outras. Muitas pessoas circulam e fazem
atividades nesses espaços “fora da casa” – os quintais – que é o local de cozinhar, comer,
brincar, receber visitas, e até mesmo de dormir (varandas ou quintais) quando está muito
quente. Entrando nos bairros praticamente só se ouve conversas em emakhuwa (macua)45,
e as pessoas se saudando com o característico “salamaleico” (Saalam Aleikun) denotando
uma das maiores heranças daquele lugar: O islamismo – religião professada por quase a
totalidade dos.
Tendo em vista esta breve descrição do que seria uma paisagem da Ilha de
Moçambique46, e impulsionado pelas reflexões de Sanjay Subrahmanyan nas suas
abordagens das histórias conectadas e transnacionais que pressupõem um mundo com
fronteiras indenitárias flexíveis, no qual a circulação de pessoas, de ideias e de artefatos
é muito intensa e profundamente conectada, e por esta estar muito próxima dos eventos
por mim vividos ao longo das atividades desenvolvidas por uma pequena equipa de
pesquisadores do Centro de Estudos e Documentação da Ilha de Moçambique (CEDIM),
a qual faço parte, pretendo com este trabalho propor uma breve reflexão sobre os
43
Casas com cobertura vegetal de palha de coqueiro, segundo Report 1982-85, p.150:´´o modo de
construção mais corrente é pau-a-pique, com cobertura de quatro águas assente em bambu. Os tetos são
feitos em mangal ou bambu e rebocados. As paredes exteriores são rebocadas em argamassa de cal e caiadas
com cal pigmentada. As vedações dos quintais são feitas geralmente em bambu.
44
Nome dado a uma palha vegetal extraída do coqueiro usada na cobertura das casas na Ilha de Moçambique
usando técnicas tradicionais baseadas em saberes populares.
45
Macua é a língua com mais falantes em Moçambique, sobretudo na região norte. É a língua que se ouve
nas ruas, mercados, e estradas, no dia-a-dia. A língua oficial do país é o português.
46
Uma perspectiva da “cidade caminhada”, vivida – contrapondo a uma perspectiva “de cima” onde a
cidade é planejada, analisada, desenhada - como propõe Michel de Certeau em A Invenção do Cotidiano.
106
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Assim, para a empreitada que proponho, começarei por fazer uma alusão a ocupação
histórica e a organização social desse espaço e na sequência apresentarei de forma
sintética alguns pontos levantados por alguns intelectuais, nas sua abordagens sobre
análise da cultura e identidade cultural, que acho importantes para o que se pretende
debater e finalmente analisar as influências swahilis, europeias, asiáticas e suas conexões
culturais com as populações locais africanas na circulação de saberes, dos aspetos
arquitetônicos e dos materiais que formaram historicamente a construção em Macuti.
107
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A presença europeia teve lugar a partir do século XV, iniciada com a passagem
do navegador português Vasco da Gama em 1498, tendo atingido a costa moçambicana
na qual encontrou um território com um complexo sistema político, económico e social,
estruturado por povos que, não só habitavam aquela zona desde o século III d. C., assim
como também tinham contatos comerciais com árabes e outros povos asiáticos, como é o
caso dos indianos desde os finais do primeiro milénio, contatos esses que eram baseados
primeiramente na exploração do ouro, ferro e cobre da região, e mais tarde
desembocariam no que chamou de “tráfico negreiro”.
108
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Janeiro estabelecendo ali casas de negócio, e delas expedindo navios para as ilhas
francesas com carga de escravatura e para os portos da Índia com marfim, ouro e búzio”.
De acordo com (GEERTZ: 2008, p.4), os fatos inovadores nascem e evoluem numa
reprodução espontânea e despercebida dos agentes culturais, e na maioria das vezes só
percebidos na análise extrínseca de um agente de fora da sociedade. Para ele, a cultura
não é nunca particular, mas sempre pública. Assim, entendo que os elementos que
constituem as teias propostas por Weber, não têm criadores identificáveis. A cultura
nunca é igual, é sempre uma recriação.
Geertz recupera o conceito de Max Weber, que afirma que o Homem é um ser
amarrado em teias de significados que ele mesmo teceu. A cultura é, portanto, uma ciência
interpretativa, em busca do significado. O comportamento é uma ação simbólica. O fluxo
do comportamento (ação social) faz com que as formas culturais se articulem. Para
(BARTH: 2000, p.129) “as diferenças de posição constituem o principal ímpeto da longa
conversação dentro das comunidades, através da qual as pessoas interpretam e
compartilham suas experiências e conseguem entender melhor suas próprias vidas e a de
outras pessoas”.
Na Ilha de Moçambique não terá sido diferente, pois como já me referi anteriormente,
esta pequena parcela de terra localizada no índico, há muito tempo que se tornou num
palco de troca de experiências. Importa salientar que neste processo de interação de
pessoas oriundas de vários quadrantes do mudo permite que haja um fluxo e partilha de
109
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
saberes, um processo em que se baseia em ensinar e aprender uns com os outros através
da convivência ao longo do tempo.
Essa transformação atinge as mais variadas formas de ser e estar de uma pessoa
enquanto membro de uma determinada sociedade, desde os valores morais, os códigos de
conduta, as regras da vida social, até mesmo as línguas, a educação e outras formas
culturais que orientam a existência de cada um no mundo. Poderia apontar aqui várias
110
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
evidências para elucidar o meu argumento, mas vou cingir-me, por exemplo, à língua
macua (que é mais falada na Ilha, e já é bastante influenciada pelo árabe) na qual hoje,
algumas palavras são pronunciadas na língua portuguesa (língua oficial de Moçambique).
E não raras vezes, o tal fluxo verifica-se também no sentido contrário, palavras do
vocabulário macua são usadas quando se fala a língua portuguesa. Este “processo”, é
designado localmente por “aportuguezação” do macua e “macualização” do português.
Em uma situação de mudança social acelerada, como a que se vive em quase todas as
partes do mundo ao longo das últimas décadas mercê do acesso maciço aos transportes e
às comunicações que fazem com que haja uma circulação rápida das pessoas,
informações, das ideologias e das imagens acessíveis um pouco por toda parte, mesmo
se, obviamente, com graus de penetração diversos, os estatutos sociais se recompõem e
os indivíduos devem redefinir rapidamente sua posição. Nesse momento, a questão
indenitária torna-se uma questão de “ajuste”, simultaneamente social na sua definição e
individual em sua experiência. A relação do indivíduo consigo próprio ao mesmo tempo
em que com sua cultura e sua linhagem se torna então “problemática”.
Nesse contexto, em que várias escalas se misturam a própria criação cultural é tomada
por uma tensão do mesmo tipo: ela consiste em colocar em relação, por um lado,
imaginários locais que devem sempre acomodar a densidade dos lugares, de suas
sociabilidades, de suas memórias, e, por outro, as técnicas, os conjuntos de imagens e os
discursos da rede global que, por sua vez, circulam praticamente sem obstáculo,
despojados de todo enraizamento histórico.
111
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sendo assim, importa recuperar que em 1991 a Ilha de Moçambique foi declarada
pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade, tendo para esta distinção sido
considerada dois critérios, IV e VI. O critério (IV) elucida:
A parte norte, Cidade de Pedra e Cal, de raíz Swahili, mas com fortes influências
Árabes e Portuguesa possui uma estrutura e um desenho do edificado relativamente
homogéneo e ali vive uma parte relativamente pequena da população da Ilha, estando
uma parte dos edifícios em situação de abandono e/ou em ruínas e outra parte em
recuperação.
47
Sigla em língua inglesa que em português significa: Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios,
órgão da UNESCO.
112
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
113
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Atualmente, estas cidades (de Pedra e Cal e Macuti) refletem não só uma mistura
de saberes populares, como também um desenvolvimento urbano dentro de um continuum
cultural onde o desenho arquitetônico e as técnicas construtivas locais e exógenas foram
ajustados ao contexto social e do meio ambiente local.
48
Uma dança tradicional de origens árabes, ligada a religião muçulmana, que pode ser praticada em
cerimónias, festas e datas específicas do calendário islâmico e incorporou-se no litoral oriental de
Moçambique, maioritariamente na província nortenha de Nampula. É uma dança essencialmente feminina,
na qual os homens apenas participam como instrumentistas. Todavia, há casos em que os grupos são
compostos só por mulheres.
49
É uma demonstração da fé apresentada só por homens que cantam e dançam, e com uma espécie de
alfinete, navalhas, pregos grandes de aço ou ferro, espetos de ferro ou outros instrumentos afiados que se
dá o nome de “tupachi”, que penetram no corpo, perfurando a carne e que tem como admiração do público
esses dançarinos não sangram nem os corpos ficam com marcas das perfurações. Esta dança era
antigamente muito praticada nos casamentos islâmicos.
114
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ao indagar estas pessoas sobre a origem do coqueiro, para depois chegar ao Macuti,
fui informado que teria vindo “provavelmente” da Ásia, através dos indianos ou dos
árabes, numa outra conversa, o meu interlocutor disse que era mesmo uma planta local –
afirmando que faz parte da “nossa cultura”. Na verdade, parecia-me que não importava
tanto a proveniência exata do coqueiro, o certo é que o seu plantio na Ilha e um pouco por
todo país foi fomentado durante o período colonial. Para além de Macuti, o coqueiro
115
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
também produz madeira, coco (indispensável na gastronomia local), copra (polpa seca do
coco) que é usada no fabrico de sabão e óleo.
A meu ver estas considerações refletem bastante o contexto histórico e social da Ilha
de Moçambique, entreposto comercial, primeira capital do país, e ponto de confluência
de diversas culturas; gerando assim conexões, misturas, hibridismos, sendo a própria
“cultura swahili” um exemplo forte. Este dentro-e-fora constitutivo de qualquer formação
cultural, mas particularmente neste local, tem uma valorização acentuada no que vem de
fora como o “civilizado”. Este fator também pode ser percebido nas dimensões
arquitetônicas, sendo as “casas de macuti” parte desses elementos “endêmicos”.
Portanto, acredito que o Macuti passou a fazer parte da vida dos ilhéus pela facilidade
na aquisição e principalmente na sua composição para que seja usado no teto das casas
(arte que é de domínio de homens, mulheres e crianças). Importa referir que sua
relevância social não se restringe apenas a essa de “cobrir casas”, mas também é usado
para construção dos quintais, produção de cestos (usados na pesca), e mais importante
ainda associado à religião islâmica revela-se fundamental nos ritos funerários.
Considerações finais
Penso que esta reflexão pode ajudar-nos a descontruir alguns medos, pois revela,
de certa forma, que a miscelânea social pela convivência das várias pessoas através
“ligações históricas” ou, antes, para ser mais exato, as connected histories adotando a
expressão proposta por Subrahmanyam, corrobora para o enriquecimento das culturas.
Nesse quadro fica evidente a grande dúvida de como se pode conciliar a preservação
daquele património cultural e o desenvolvimento sustentável, questão esta na qual me
proponho a aprofundar na minha tese.
Perante o exposto e com vista a um estudo e aprofundamento do assunto, penso
que a presente reflexão poderá contribuir para o debate em torno das seguintes questões:
Que aspetos da identidade do macuti podem ainda ser preservados no contexto atual de
crescente tendência de uso de novas técnicas e materiais de construção modernos? Que
116
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ações emergenciais podem ser tomadas com vista a impedir o desaparecimento das casas
de macuti como identidade sociocultural na Ilha de Moçambique?
Certamente não esgotou a complexidade do estudo de caso apresentado, mas
quero acreditar que deu talvez a oportunidade de partilhar algumas das questões que esta
reflexão acarreta.
Referências Bibliográficas
ADAMOWICZ, L., 1987. Projecto CIPRIANA 1981-1985 - Contribuição para o
conhecimento arqueológico entre-os-rios Lúrio e Ligonha, província de Nampula.
Trabalhos de Arqueologia e Antropologia 5:47-144.
BARTH, Frederik 1989. "A analise da culturas nas sociedades complexas". 54(3-4): 120-
142.
GEERTZ, Clifford. Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura.
In:_____. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Cap. 1, p.
3-21.
HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Varia História, Belo Horizonte, vol. 22, nº
36: p.261-273, Jul/Dez 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/vh/v22n36/v22n36a02.pdf acesso 19 de Outubro de 2016.
117
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
118
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
119
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(...) Sei que, sobretudo, pesou para isso a conveniência que se tinha em
vistas de encher o país de trabalhadores adaptados ao seu clima. Sei que
se alegava como uma inépcia reexportar braços que já se possuíam, e
de cuja criminosa introdução não era o governo culpado. Eis aí a
linguagem do egoísmo! Não, direi eu sempre, devera-se ter cumprido a
lei por ser lei, e ainda porque a sua disposição era a melhor. Em primeiro
lugar, tratava-se do desempenho de um dever sagrado. Em segundo, não
era tão urgente a carência de braços, que os devêssemos obter por
estratagemas pérfidos. Em terceiro, era esse o meio de alimentar a
procura de braços africanos, e, portanto, o mesmo tráfico, pois que se
acostumava o país a ver no africano o criado, o servus, o trabalhador
para os ínfimos misteres. Em quarto lugar, essa tendência para o
trabalhador africano, ou a procura de seu serviço, aumentava na
proporção em que extinguia as primeiras tentativas de colonização
europeia, estabelecendo demais contra esta uma concorrência terrível.
E os fatos demonstraram e demonstram ainda que a emigração forçada
africana deteve e embaraçou a corrente espontânea, que começava a
romper, da emigração europeia. A sombra do braço do negro seria
sempre uma imagem repulsiva do trabalho livre. (...) (BASTOS, 1938,
p. 127)
120
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
mentalidade escravista se exercia todo empecilho para garantir o uso da mão de obra
africana, até mesmo se fosse preciso ignorar a legislação vigente, algo repugnante para
Tavares Bastos.
A possível ideia de uma colonização africana como projeto pode ser visto nas
formas como enxergamos os desdobramentos da escravidão. Uma dessas formas é o risco
de transformar o africano livre em escravro. Em “Cousas desta nossa boa terra”
publicada no dia 2 de abril de 1862 no jornal Diario do Rio de Janeiro e assinado apenas
como M.S., o autor num determinado trecho o autor relata que:
121
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
50
O Artigo 21 da Lei de Terras previa a criação da Repartição Geral de Terras Públicas em 1854 com a
finalidade destacada.
Em nosso entendimento, a Repartição promoveu um abalo na estrutura fundiária vigente, pois mexeu
justamente com um processo de longa duração de herança da terra. O poder atribuído à posse de terra
proporcionou ao fazendeiro uma força política que em sua visão, este não estava disposto em ceder de
acordo com as necessidades do país. Quando percebemos o discurso nos jornais a favor da colonização
africana, esta evidencia fica cada vez mais clara.
122
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
procurar uma nova opção para o trabalho nas lavouras que, inclusive estava prevista em
lei através da colonização, denominou novas facetas utilizadas pelos fazendeiros com a
finalidade da produção agrícola através da mão de obra escrava ou livre. Em 18 de maio
de 1855, O deputado Sayão Lobato chamou a atenção para a crise vivida por causa da
escassez de braços afirmando o seguinte:
O deputado demonstrava sua preocupação com a lavoura e a crise por braços, fala
recorrente entre os políticos e nos jornais. O foco da sua explanação demonstrava que se
nada fosse feito certamente as finanças do país sofreria um baque. A discussão estava
colocada quanto a urgência de se promover o projeto de colonização europeia que o
governo havia prometido, inclusive era algo garantido pela Lei de Terras no Artigo 18. O
passo de suprir a mão de obra não poderia ser transformado em frustação para os
proprietários de terras.
Emancipação e imigração estão intríssicamente relacionadas quando abordamos
este assunto. Outro quesito que está atrelado a este processo envolve as pressões inglesas
para o fim do tráfico. A partir do advento do Bill Aberdeen51 a pressão aumentou estando
constantemente presente na relação entre Brasil e Inglaterra, sendo encarado inclusive
como uma ameaça bastante factível, que segundo Tâmis Parron (PARRON, 2011, p. 219-
220), provocou efeitos internos e externos quanto à política da escravidão no país.
O debate sobre o fim do tráfico de escravos, necessariamente ocoreu com maior
intensidade e amplitude a partir de 1831 depois da aprovação da lei de 7 de novembro.
51
Lei decretada em 8 de agosto de 1845 pelo Parlamento britânico que autorizava à Real Marinha em
abordar navios suspeitos de tráfico de escravos tendo o poder de julgar e apreender, podendo inclusive
utiliza-los para uso da marinha britânica ou até mesmo afundá-los.
123
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Isso ocorreu, conforme explica Alan Manchester (MANCHESTER, 1973, p. 2012), pelos
seguintes motivos: o governo foi impedido pela opinião popular que favorecia a
importação de negros e a Grã-Bretanha por sua natureza arbitrária nos métodos aplicados
para suprir o comércio de escravos promoveu o fracasso da intenção em facilitar a
situação na qual se encontrava o governo central que não podia demonstrar cooperação
com os ingleses, pois isto significaria submissão. Ele esclarece também que entre as
discussões parlamentares e diplomáticas, “eram feitos esforços para cessar o tráfico pela
propaganda e jornais do governo, e pela manutenção de navios de guerra ao longo da
costa.” Richard Graham (GRAHAM, 1973, p. 170) por sua vez afirma que por
reconhecimento da independência brasileira, em troca foi assinado o tratado de 1826 que
previa o término do tráfico em três anos após sua ratificação em 1827. Brasil e Inglaterra
continuariam imbricados mesmo depois do processo de independência.
As discussões sobre a grande consequência da extinção do tráfico de escravos, a
falta de braços para a lavoura, conforme preconizavam políticos e grandes fazendeiros,
prosseguia na Câmara dos Deputados e sendo intensificado nas décadas de 1840 e 1850.
Em nossa compreensão, a causa para isto está relacionada entre quatro fatores: as pressões
inglesas, a lei antitráfico Euzébio de Queiroz, a Lei de Terras e o comércio de escravos
interprovincial. As pressões inglesas não se afastavam dos olhos dos políticos. Tanto que
o Partido Liberal tinha como um dos seus objetivos o fim do tráfico de escravos em
virtude da “situação vexatória para a soberania nacional” como assegura Paula
Beiguelman (BEIGUELMAN, 1976, p. 92). A Inglaterra estava sempre por perto
incomodando.
Leslie Bethell (BETHELL, 2002) em seu livro A Abolição do Comércio Brasileiro
de Escravos: A Grã-Bretanha, o Brasil e a Questão do comércio de escravos, 1807-1869,
aborda as questões diplomáticas em face das pressões inglesas para o fim do tráfico. O
autor esclarece diversos pontos sobre as questões que envolveram a diplomacia entre
Brasil e Inglaterra para a supressão do comércio de escravos, principalmente no que diz
respeitos as pressões britânicas. A esse respeito, Tâmis Parron (PARRON, 2011, p. 230)
diz que para a entrada de africanos como colonos livres no Brasil, o ministro dos
Estrangeiros Limpo de Abreu, sugeriu a Grã-Bretanha um acordo que regulasse este tipo
de imigração. Contudo, a ideia foi rechaçada pelo representante inglês na corte. Este tipo
124
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
125
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
126
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
127
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação:
128
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas:
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena História da Formação Social
Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
ALVES, Andréia Firmino. O Parlamento Brasileiro: 1823-1850. Debates sobre o
tráfico de escravos e a escravidão. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Ciências
Humanas – Departamento de História da Universidade de Brasília. Brasília, 2008.
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Cartas do Solitário. São Paulo:
Companhia Editorial Nacional, 1938.
BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2010.
BEIGUELMAN, Paula. A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro: Aspectos
Políticos. São Paulo: Edusp.
BETHELL, Leslie. A Abolição do Comércio Brasileiro de Escravos: A Grã-
Bretanha, o Brasil e a Questão do comércio de escravos, 1807-1869. Brasília: Editora do
Senado, 2002.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política – Volume 1 – 11º Edição. Brasília:
Editora UNB, 1998, p. 934.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. A imagem do imigrante indesejável. Revista
Seminários, São Paulo, v. 3, n. 3, p. , dezembro/2003.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem. Teatro das sombras. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão: Ilegalidade e costume no Brasil
oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
CALMON, Pedro. História Social do Brasil: Espírito da Sociedade Imperial –
Volume II. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
129
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
130
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
131
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pessimistas que fossem; ninguém acreditava que São Domingos triunfaria. Em finais de
1791, poucos imaginavam que a revolta escrava se tornaria o que hoje conhecemos como
a história do Haiti (FICK, 2004, p. 39.).
De qualquer forma, a revolução produziu efeitos. Em abril de 1792, a França
decretou igualdade entre homens livres de todas as cores. Em agosto de 1793, comissários
coloniais estabeleceram o fim da escravidão em São Domingos. Pouco depois a metrópole
fez o mesmo e afirmou que todos os homens que viviam nas colônias, independente da
cor, eram cidadãos franceses. De início a lei se aplicava a São Domingos, mas em 1795
a Convenção estendeu o decreto a todo o território francês (BLACKBURN, 2007, p.
161.). A França acreditava que conseguiria atrair os negros e afastá-los de invasores. As
medidas eram um avanço, mas também uma tentativa de subjugar os rebeldes e mantê-
los contidos até que a revolução se esvaísse.
Desde Boukman, o movimento conheceu outros líderes e provavelmente
Toussaint Bréda, ou Louverture, foi o mais famoso. Ao longo dos dez anos e meio em
que esteve no poder, Toussaint estabeleceu o controle sobre toda a ilha, negociou tratados
com a Grã Bretanha e os Estados Unidos e estruturou um grande e bem disciplinado
exército. Mostrou-se particularmente interessado em Napoleão Bonaparte. Escrevia
cartas a ele. Tratava-o como igual. Dizia-se inspirado em seus ideais (JAMES, 2000, p.
232.). Pelo menos até o imperador retomar a escravidão nas colônias francesas e
recrudescer a ofensiva contra São Domingos. Louverture caiu. Bonaparte tentou. Mas em
01 de janeiro de 1804 São Domingos se converteu no independente Haiti.
O novo país caribenho estava rodeado de colônias europeias intensamente
atreladas à escravidão. São Domingos deixou um espaço econômico em aberto e algumas
regiões emergiram como substitutas. Em paralelo, novas discussões cresciam e ganhavam
profundidade. O abolicionismo anglo-americano adquiria força e a segunda escravidão se
estruturava. A seguir, o texto analisará dois grupos de fontes que contribuíram a essas
questões e trouxeram à tona as suas complexidades.
132
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
transactions that took place in St. Domingo, in the spring, sem ilustrações, de 1802 e An
historical account of the Black empire of Hayti: comprehending a view of the principal
transactions in the revolution of Saint Domingo, e as suas nove imagens, de 1805.
O primeiro deles é extremamente pessoal. Constitui-se de um relato de 31 páginas
sobre a estadia de Marcus Rainsford em São Domingos. Rainsford se descreve como um
simples soldado e afirma que os leitores não devem esperar muito dos escritos vindos de
sua pena. No entanto, acrescenta possuir uma preocupação genuína. Está disposto a
desmistificar São Domingos e combater preconceitos (RAINSFORD, 1802, p. 8.). Ao
menos em teoria. De acordo com Rainsford, falava-se sobre São Domingos: muitos
alarmes, conjecturas e crises de ansiedade. O autor se sentia no dever moral de negar essas
questões. O movimento era legítimo e não existiam razões para a Grã Bretanha se sentir
temerosa.
Nesse contexto, o principal responsável pelas benesses foi Toussaint. Rainsford
descreve-o como um indivíduo humilde, inteligente e capaz. Em meio à destruição da
guerra, Toussaint brilhava e conduzia negros e estrangeiros com perspicácia. Durante três
semanas a estadia do soldado britânico foi estável. Conversou e divertiu-se com
Toussaint, constatou que o povo de São Domingos era precioso e mesmo em meio à
revolução, se sentiu seguro (RAINSFORD, 1802, p. 14.).
No entanto, em 1798 a Grã Bretanha fora expulsa da ilha e Rainsford, por mais
pacífico e interessado que estivesse, era persona non grata. Recomendaram que ele
fingisse ser americano e por um tempo funcionou, mas acabou descoberto. Faltavam
passaportes e outros documentos que comprovassem a sua nacionalidade. Após rápido
julgamento, o britânico foi condenado à morte; acusaram-no de ser espião. Contudo, em
uma virada na história, Toussaint em pessoa decidiu dar uma segunda chance à Rainsford.
Anulou a pena de morte e determinou que o soldado não voltasse à ilha sem os papeis
necessários. (RAINSFORD, 1802, p. 30.). Rainsford estava salvo e Toussaint mostrara a
sua grandiosidade: havia a necessidade de um segundo livro.
Para o autor, a segunda obra, agora em 544 páginas e 09 litografias, era
indispensável. Reafirmando o seu primeiro texto, Rainsford destaca que os eventos em
São Domingos eram grandiosos e provavelmente alterariam a história da humanidade. No
entanto, as falhas da sociedade iluminista, os preconceitos frequentes e medos infundados
133
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nublavam a compreensão geral. Daí a importância de seus relatos; por mais falhos e
parciais que fossem, eram genuínos (RAINSFORD, 1805, p. 40.).
Negros foram capazes de repelir os seus inimigos com vigor, em seu próprio país.
Rainsford afirmava compreender a questão, dizia-se cônscio das consequências e apto a
tratar do assunto. O soldado comenta que outros textos antes do seu foram produzidos,
mas faltava cautela e embasamento (RAINSFORD, 1805, p. 44.). Para suprir essa falta e
evitar que o movimento fosse creditado em outra época, por pessoas não contemporâneas
aos fatos, o britânico apressou-se a escrever o relato de 1802. Três anos depois, com mais
tempo e discernimento “encontrar-se-á uma versão sucinta e confiável, na qual a
impolidez da crueldade e os erros da injustiça são expostos, preferencialmente que
qualquer preconceito ou hábito nacional” (RAINSFORD, 1805, p. 48.).
Sobre as ilustrações, Rainsford é enfático: "A mera descrição não transmite com
a mesma força do que quando acompanhada por ilustrações gráficas dos horrores que
impressionarão a mente do público” (RAINSFORD, 1805, p. 48.). O britânico estava
determinado a difundir a revolução e as experiências que vivenciara e é compreensível o
uso de imagens em um contexto com altos índices de analfabetismo e desinteresse pelo
tema. A quem não pudesse ou quisesse enfrentar as 544 páginas, havia as litografias. Ao
todo Rainsford utilizou nove, esse artigo enfocará duas. Naturalmente, nenhuma delas
significa o retrato fiel da realidade. Trata-se de representações e apropriações feitas pelo
autor com porções da verdade. Nem por isso menos válidas à análise. (PLAZA, 1987, p.
48.).
134
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 01.
135
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 02.
Na imagem intitulada “O autor quando sob sentença de morte aliviada por uma
mulher de cor benevolente” Marcus Rainsford, atrás das grades, recebe comida de uma
mulher negra carregando uma cesta. Nos detalhes temos um forte em uma colina, um
campanário, palmeiras e grilhões (RAINSFORD, 1802, p. 27.). O evento foi destacado
por Rainsford nos dois livros. Sentia-se extremamente grato pela mulher que lhe deu um
pouco de conforto em momento tão difícil. Nunca soube o seu nome, mas jamais se
esqueceu dela.
Rainsford desejava elencar os pontos positivos da população de São Domingos.
Ao seu modo. A começar, hospedou-se no Hotel da República, edifício elegante e bem
organizado. Exceto pela pele predominantemente negra, não notou grandes diferenças de
uma hospedagem europeia. No local em que fez as suas refeições, foi tratado com
cordialidade e educação e sentiu-se como em um café londrino. No campo das artes,
assistiu a uma encenação de Molière com precisão idêntica aos franceses. (RAINSFORD,
1805, p. 280.). Quando disse que combateria preconceitos, Rainsford o fez de forma
136
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
137
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que o escravismo era altamente lucrativo. Rainsford afirma que em termos estritamente
econômicos, não havia motivos para abolir o tráfico ou emancipar escravos
(RAINSFORD, 1805, p. 160.).
De acordo com o historiador Christopher Brown, a campanha antiescravista
britânica precisava de alguns elementos para se desenvolver. A começar, a escravidão
deveria ser considerada um erro moral. Em seguida, esse erro precisava receber cunho
político, atrair interesse sustentado e se tornar fonte de preocupação. Nesse contexto, os
interessados (políticos, grupos religiosos, filantropos) deveriam estruturar as novas
inquietações. Finalmente, o confronto com o sistema escravista tinha de ser problema
pessoal e coletivo, prioridade para além dos protestos iniciais, sustentada em uma
organização coerente e institucional (BROWN, 2007, p. 36.).
A conjuntura estava diretamente atrelada à Revolução Americana. O conflito não
causou o abolicionismo britânico, mas influenciou significativamente o caráter moral das
instituições coloniais e práticas imperiais. O escravismo foi repensado, transformou-se
em símbolo e fonte de auto-exame. Ambos os abolicionismos foram organizados em
bases reformistas, com participação de comunidades religiosas e direcionados à ação
legislativa, além de promoverem debates públicos e participação popular (BROWN,
2007, p. 27.).
A Grã Bretanha era uma grande potência, provavelmente a maior, mas não era a
única nação do mundo. Não havia poder dentro ou fora da lei que fizesse com que a Grã
Bretanha pudesse abolir o tráfico em todo o globo. Aliás, até o último momento havia
dúvidas se o tráfico se tornaria ilegal na Grã Bretanha. Em concomitância aos projetos
abolicionistas, desenvolveu-se a chamada segunda escravidão.
138
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
139
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
140
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
141
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
142
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 03.
143
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 04.
Essa imagem denomina-se “Foi morta e destroçada no campo essa infeliz por
haver resistido aos desejos dos brutais negros e o filho azulado de fome buscando o peito
de sua mãe”. (DESSALINES, 1806, p. 72.). O corpo em primeiro plano está aos pedaços.
Os olhos, na cabeça decapitada, direcionam-se para o céu. A saia e a blusa estão fora do
lugar, revelando partes descobertas do corpo. A mulher teria sido violentada? Dessalines
pouco antes foi descrito como estuprador. Um bebê morto tenta se alimentar no torso de
sua mãe.
Segundo Dubroca, os colonos foram descuidados, mas os únicos responsáveis
pelo caos de São Domingos eram os negros. Incivilizados, violentos e rebeldes. A solução
não estava em melhorar as condições de vida dos escravos. Muito menos no fim do tráfico
ou da escravidão. Os homens brancos deveriam intensificar a repressão, extinguir as
possibilidades de organização negra e divulgar as atrocidades que ocorreram em São
Domingos. É sabido que a França não recuperou São Domingos, mas os textos de
Dubroca mantiveram-se úteis a outros cenários, como o cubano. Os livros e
144
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão:
É difícil precisar se Marcus Rainsford e Jean Louis Dubroca possuíam consciência
do lugar de suas obras. Alguma noção é provável. Rainsford relacionava-se ao
abolicionismo e Dubroca foi contratado por Napoleão Bonaparte. Além disso, ambos
escreveram textos de fôlego e mostraram-se determinados a disseminar suas respectivas
mensagens. Em certa medida opostas, de vez em quando complementares.
Ao mesmo tempo, se hoje é relativamente possível estruturar o abolicionismo
anglo-americano, os conceitos de primeira e segunda escravidão e a ascensão de Cuba
enquanto colônia, Rainsford e Dubroca foram contemporâneos a essas questões. Por mais
engajados que estivessem ao período de seus livros, não havia como saber que o tráfico
britânico findaria pouco depois, que a segunda escravidão se consolidaria ao longo do
século XIX e Cuba se tornaria a “pérola” que fora São Domingos.
À indiscutível parcialidade desses autores, somam-se uma série de dúvidas e
imprecisões. Não por isso Rainsford e Dubroca são menos válidos como fonte de
pesquisa. Cabe ao historiador assimilar e ordenar esses processos em pesquisas
acadêmicas e seminários temáticos, em que adições de qualidade são sempre bem-vindas
e necessárias.
Documentação:
DUBROCA, Jean Louis. La vie de Toussaint Louverture. Londres: John Carter Brown
Library, 1802.
DUBROCA, Jean Louis. La vie de Jean Jacques Dessalines. London: John Carter Brown
Library, 1806.
RAINSFORD, Marcus. A memoir of transactions that took place in St. Domingo, in the
spring. London: John Carter Brown Library, 1802.
145
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia:
BLACKBURN, Robin. The American Crucible: Slavery, Emancipation And Human
Rights. New York: Verso, 2007.
BLACKBURN, Robin. Por que a segunda escravidão? In: MARQUESE, Rafael.
SALLES, Ricardo. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX. Cuba Brasil e
Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 13-55.
BROWN, Christopher. Moral Capital. North Carolina: The University of North Carolina
Press, 2006.
BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e imagem. São Paulo: Edusc, 2004.
DRESCHER, Seymour. Le “déclin” du système esclavagiste britannique et l’abolition
de la traite. Annales. Histoire, Sciences Sociales, Paris, v. 31, n. 2, mar.-abr., 1976, pp.
414-435.
FERRER, Ada. Freedom’s mirror: Cuba and Haiti in the Age of Revolution. New York:
Cambridge University Prress, 2014.
FICK, Carolyn. Para uma (re)definição de liberdade: a Revolução no Haiti e os
paradigmas da Liberdade e Igualdade. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2,
2004, pp. 209-445.
JAMES, C.L.R. Os jacobinos Negros. São Paulo: Editora Boitempo, 2010.
MORA, Arturo Soberón. Felipe de Zuñiga y Ontiveros, un impresor ilustrado de la
Nueva España. TEMPUS: Revista de História de la Facultad de Filosofia y Letras,
Ciudad de Mexico, v. 10, n. 1, 1993, pp. 52-74.
MINTZ, Sidney. Caribbean transformations. New York: Columbia University Press,
1989.
PARRON, Tâmis. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil
e Cuba, 1787-1846. São Paulo: USP, 2015.
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.
146
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
TEMPERLEY, Howard. Eric Williams and Abolition: The Birth of a New Orthodoxy.
In: SOLOW, Barbara L.; ENGERMAN, Stanley L. British Capitalism and Caribbean
Slavery. The legacy of Eric Williams. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, pp.
229-257.
TOMICH, Dale. Pelo o prisma da escravidão. São Paulo: Edusp, 2011.
147
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Palavra e revolução
A produção literária de gioconda belli na nicarágua sandinista (1970-1990)
AMANDA VANNUCCI53
PPGH–Programa de Pós-Graduação em História
UFF- Universidade Federal Fluminense
Introdução
Foi elencado para este artigo, uma breve análise do livro de memórias El país bajo mi
piel: memorias de amor y de guerra. Na primeira parte, abordarei o contexto político da
Nicarágua e criação da Frente Sandinista de Libertação Nacional- FSLN. Já na segunda será
apresentada a experiência e trajetória política de Belli e por fim, sublinharemos a importância
da visão crítica da escritora que militou no projeto sandinista.
53
Mestranda do Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Sob orientação da
Professora Doutora Elisa de Campos Borges. Email: amandavannucci@id.uff.br
148
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
limites às aspirações estadunidenses. Como reação, os Estados Unidos realizam uma intervenção
militar, através dos marines54. Essa medida acarretou em uma guerra civil que se estendeu por
todo o país. (ZIMMERMANN,2005, p.28)
É nesse contexto que surge a figura do “General de hombres libres”, Augusto César
Sandino, primeira liderança do movimento de resistência à ocupação e ingerência estadunidense
na Nicarágua. Sandino atuou ativamente durante a guerra civil, usava táticas clássicas de guerrilha
e conseguiu considerável apoio da população. Portanto, devido à intensa mobilização desse líder
e seu exército guerrilheiro, o governo nicaraguense criou sua Guarda Nacional, com o intuito de
estabelecer a ordem interna utilizando a repressão. Durante a guerra civil, entre a década de 1910
a 1930, marcado por uma profunda instabilidade política, diversos presidentes exerceram por
pouco tempo seus respectivos mandatos. Devido aos conflitos políticos com então presidente
Sacasa, os Estados Unidos apoiam a candidatura de Anastasio Somoza García como liderança da
Guarda Nacional, e o então candidato vence com ampla vantagem. Após o golpe, as investidas
repressoras prosseguiram. Em 24 de fevereiro de 1934, Sandino foi assassinado pela Guarda
Nacional, momento este que coincide com a ascensão de Somoza ao poder. A Nicarágua se
converteu assim em um protetorado da política externa estadunidense e inaugurando uma das
mais longas e repressivas ditaduras latino-americanas.
(ZIMMERMANN,2005, p.75)
Nos anos 1960 e 1970, os universitários da FSLN começam a ler livros recém-publicados
que resgatam a história de vida e luta de Sandino. Assim essa politização por parte dos estudantes,
somado ao sentimento de indignação produzidos pela repressão da ditadura Somoza, fortalecem
a luta do grupo revolucionário. Dessa forma, evocar o símbolo representante da luta anti-
intervencionista de décadas e séculos passados corroborava para estabelecer uma coesão entre a
FSLN e um histórico de lutas identificado com a libertação nacional. (MACIEL,2013,p.48)
54
O termo refere-se ao Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (United States Marine Corps –
USMC). Tal aparato militar possui um extenso histórico de intervenções na América Latina.
149
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Gioconda Belli nasceu em Manágua, capital de seu país em 1948, no seio de uma
família da elite nicaraguense. Longa parte de sua formação esteve restrita a uma educação
católica em colégios da Espanha e dos Estados Unidos. No final dos anos 1960, após graduar-
se em publicidade e jornalismo na Espanha, retorna para o seu país de origem. (BELLI,2010,
p.15). Belli inicia sua produção literária através das publicações no jornal La Prensa Literária
na qual se destaca sua grande sensibilidade poética feminina. Concomitante à isso, ingressa nas
fileiras da FSLN e, por conseguinte, a literatura e a revolução tornaram-se partes constituintes
da sua relação com o mundo. As obras de Belli ganharam projeção no âmbito internacional em
1978, quando venceu o prêmio Casa de las Americas, no ramo da poesia com a obra Línea de
fuego.(BELLI,2010,p.213) Seus livros foram traduzidos e publicados sobretudo nos Estados
Unidos e na Europa.
150
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Através dele a escritora também conheceu obras que influenciaram sua formação política, como
Marx, Giap, Sartre, Camus e Chomsky.(BELLI,2010,p.107-108) Em decorrência desses laços
sociais, Belli conhece o integrante da FSLN, Camilo Ortega, que a convida para participar
das atividades clandestinas da organização. Como já mencionamos, Belli entra em contato com
uma geração de intelectuais que discutem a função política da literatura e do intelectual. Assim,
nesse contexto de intensos debates e efervescência cultural, Belli integra o Grupo Gradas55
(1973-1975), que teve um papel importante na denúncia do regime somozista. Além desses
artistas, durante o período do exílio (1974-1979) devido a perseguição política da ditadura, Belli
amplia seus contatos através da Rede de Solidariedade para Nicarágua. Assim, estabelece
relações com intelectuais de enorme prestígio no México e na Costa Rica, como Efraín Huerta,
José Luis Cuevas e Elena Poniatowska.(BELLI,2010,p.167) Essa experiência marcou
profundamente as suas interpretações sobre os posicionamentos políticos da FSLN, bem como
do papel do intelectual. Belli viveu intensamente o engajamento intelectual e tomou posição nos
combates, participando significativamente das discussões em torno da Revolução Sandinista.
Dirigiu e coordenou tarefas políticas através do movimento de solidariedade à causa sandinista,
no México e na Costa Rica. A trajetória política de Gioconda Belli é de suma importância para
a compreensão do processo revolucionário sandinista, visto que sua militância e engajamento
intelectual se estenderam para além do âmbito da luta armada, também se manifestou na direção
do novo governo sandinista, denominada Junta de Gobierno de Reconstrucción Nacional
(JGRN), ocupou cargos no setor de comunicação da Junta de Governo de Reconstrução Nacional
(JGRN), e na Comissão Executiva da campanha eleitoral, como correspondente
internacional.(BELLI,2010,p.50)
55
O Grupo Gradas (1973-1975) foi uma organização de diversos artistas vinculados com a arte e que
haviam desenvolvido iniciativas de renovação estética e compromisso político, como a Frente Ventana
e Generación Traicionada. Pintores, escritores, poetas e músicos como Gioconda Belli, Rosario Murillo e
Carlos Mejía Godoy, integraram esse grupo que tinham por objetivo promover a literatura engajada, a
difusão do teatro de rua e a nova canção latino-americana. Dessa forma, a FSLN combinava suas ações
militares na montanha com as atividades culturais de resistência no espaço público e urbano em Manágua,
capital da Nicarágua.
151
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
constrói seu próprio destino através do florescer das lembranças. Apesar disso o livro é
dividido em 4 partes intituladas 1) Habitante de un pequeño país, 2) En el exilio, 3) El
regreso a Nicaragua, e por último, 4) Otra vida. Sendo assim, a autora destaca que sua
necessidade em escrever suas memórias vincula-se justamente por ter sido participante
de uma luta armada do seu país para libertá-lo de uma das ditaduras mais longas e
repressivas da América Latina. (BELLI,2010,p.11)
A obra alcança uma temporalidade bastante extensa, entre a Nicarágua sob a
ditadura Somoza e a pós revolucionária. Nessa longa duração suas memórias são
profundamente marcadas por uma performance estética e emocional, onde a autora
analisa através de uma retrospectiva suas experiências e busca construir um sentido para
suas recordações. Nesse sentido:
Podemos delimitar as lembranças de Belli em três etapas diferentes: antes dos anos
1970, suas memórias de infância, os anos da revolução de 1970-1979 e por fim os anos
depois da Revolução Sandinista de 1980 a 1990. Através da narrativa Belli expressa seu
passado e suas recordações pessoais que mais impactaram e formaram parte da sua
identidade. Segundo Belli, a atmosfera da revolução permeou sua vida ainda em tenra
idade. Apesar da sua família ser formada por setores da elite não aliada aos Somoza, isso
152
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
não significava que eram próximos aos movimentos revolucionários. Segundo a autora,
em sua classe social não se falavam sobre os sandinistas, estes eram respeitados, porém
temidos. Considerados perigosos, subversivos, comunistas, que operavam na
clandestinidade. (BELLI,2010,p.47)
Logo na introdução da obra, dois aspectos fundamentais são abordados na
construção identitária de Belli: sua relação com a Nicarágua e seu sexo. “Dos cosas que
yo no decidí, dicieron mi vida: el país donde nací y el sexo con que el que vine al mundo”
(BELLI,2010,p.11). Dessa forma, a trajetória da vida é construída a partir desses dois
elementos. Gioconda Belli atribui sua militância aos questionamentos de valores e papéis
desempenhados pelo sexo feminino na sociedade. Ela pertence a uma geração de
mulheres que assumiram uma postura desafiadora e subverteram aos papéis tradicionais de
gênero e romperam as barreiras de uma sociedade patriarcal. Ao analisar a construção de
Belli enquanto mulher e militante, percebe-se que a adesão à militância política
representou uma transformação radical em sua vida. Além disso, deixa transparecer essas
inquietações entre ser mulher e revolucionária e questiona atitudes machistas arraigadas,
que por vezes tentavam impedi-la de participar em atividades de lideranças, impondo um
trabalho de retaguarda. Também busca se libertar de um casamento sufocante, já como
guerrilheira libertar seu país de uma ditadura “no sé en qué orden sucedieron las cosas,
si fue primero la poesía o la conspiración,” (BELLI,2010,p.56) já que sua poesia era
inspirada no mundo da guerrilha. Na obra, a autora também retrata a ruptura com a família,
o sofrimento emocional em viver longe das filhas e dos pais para seguir a luta
revolucionária, a experiência do exílio e ser perseguida pela Guarda Nacional.
153
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No entanto, argumenta que após o triunfo da revolução nem tudo foram flores,
“en vez de maná del cielo, llovieron balas; en vez de cantar en coro, los nicaragüenses
nos dividimos; en vez de abundancia, hubo escasez” (BELLI,2010,p.12). Por
conseguinte, os sonhos gerados pela Revolução Sandinista deram lugar a muitas
incertezas, visto a realidade difícil provocada pelos danos da guerra. A luta pelo poder
dentro da FSLN, a guerra contra revolucionária financiada pelo presidente estadunidense
Ronald Reagan, foram alguns dos fatores que corroboraram para deteriorar ainda mais a
situação sócio econômica vivida pelo país, cessando assim os sonhos revolucionários.
Entretanto a autora avalia que todas as suas alegrias e tristeza vividas durante o processo
revolucionário foram importantes, já que escreve essas memórias em defesa dessa
felicidade pela qual a vida e até a morte valem a pena. (BELLI,2010, p.13)
Considerações finais
Gioconda Belli narra sua vida como mulher, sandinista e ao mesmo tempo como
integrante de uma família da elite nicaraguense. Essas identidades refletem o novo
modelo de vida onde muitas situações se entrelaçam dentro de espaço público como
154
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
privado, onde uma pluralidade de vozes integra o texto autobiográfico. Dessa forma, se
caracteriza pela sua intertextualidade por um lado há o relato de uma trajetória individual,
singular e por outro, o relato de uma história revolucionária, coletiva.
155
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
e para a história do seu país. Como ela mesma afirma “No podría vivir si no creyera que
la imaginación puede crear nuevas realidades.”
Fontes
BELLI, Gioconda. El país bajo mi piel. Buenos Aires: Seix Barral, 2010
Bibliografia
BELLI, Gioconda. El país bajo mi piel. Buenos Aires: Seix Barral, 2010.
156
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
157
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
56
Refiro-me ao grupo do seminário de estudo de O Capital, segundo o próprio Schwarz, em entrevista à
FAPESP: “No núcleo inicial estavam Ruth e Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Fernando Novais,
Paul Singer e Giannotti. Os alunos mais assíduos eram Leôncio Martins Rodrigues, Francisco Weffort,
Gabriel Bollaffi, Michael Löwy, Bento Prado e eu.”
Entrevista disponível em:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2004/04/01/um-critico-na-periferia-do-capitalismo/
Acessado em 10/08/2017.
158
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Assim, Alegria, Alegria apresenta uma das marcas que iriam definir a
atividade dos tropicalistas: uma relação entre fruição estética e crítica
social, em que esta se desloca do tema para os processos construtivos.
Na linha da modernidade, esta tendência cool das canções tropicalistas
trata o social sem o pathos então vigente. Nesta primeira música
tropicalista, surpreende-se – no procedimento de enumeração caótica e
de colagem, tanto na letra quanto no arranjo – indicações certeiras do
processo de desconstrução a que o tropicalismo vai submeter a tradição
musical, a ideologia do desenvolvimento e o nacionalismo populista.
(FAVARETTO, 2007, p. 21)
159
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em pleno século XXI, talvez seja difícil entender o tom pejorativo dado a
característica “comercial” da tropicália, no entanto, nos anos 1960/70, esse debate estava
em plena ebulição. Vivia-se a Guerra Fria e a ideia de uma revolução socialista era
debatida como possibilidade real. Vale lembrar o local de origem da formação de
Schwarz: Universidade de São Paulo (USP), uma das primeiras universidades a debater
O Capital e berço de um dos movimentos estudantis mais combativos da ditadura militar.
Em outras palavras, apenas a possibilidade de uma arte que estivesse à serviço do capital
e não da revolução soava quase como uma ofensa para o público de “jovens,
universitários, de esquerda” e seus teóricos marxistas como Schwarz.
No entanto, a perspectiva de Napolitano é interessante porque, a longo prazo, os
criticados tropicalistas tornaram-se mesmo símbolos de resistência contra o modelo
160
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Toda a dureza das palavras dos anos 1960 é quebrada com essa nota. Schwarz não
explicita nenhuma passagem específica, porém, relativiza sua própria análise feita no
calor do momento. É importante registrar que essa nota existe para lembrarmos que
nenhuma análise é eterna, intelectuais estão constantemente revisitando suas produções a
fim de darem mais precisão ao trabalho. As controvérsias de Caetano e Schwarz, em
realidade, podem fazer parte de um processo de produção e revisão contínuo que emerge
a partir de determinados contextos: ditadura, exílio, retorno, democracia, Comissão da
Verdade.
161
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para uma melhor fluidez das ideias, seguirei nessa linha do tempo imaginária,
agora pulando para o ano de 1997 e o lançamento de Verdade Tropical, a autobiografia
de Caetano Veloso. Ainda não foi possível localizar toda a repercussão do livro na época,
porém, foi fácil mapear que os principais suplementos culturais57 deram destaque para a
publicação. O cantor faz um apanhado geral de sua vida e carreira dando destaque aos
anos da ditadura, explicando de forma mais pormenorizada o movimento tropicalista e,
principalmente, fazendo análises da produção cultural brasileira do período. Passados 15
anos, em 2012, foi publicado o ensaio Verdade Tropical: um percurso de nosso tempo, e
todo o debate sobre a responsabilidade e comprometimento do artista em relação ao seu
tempo histórico foi trazido à tona novamente.
Schwarz elogia a prosa de Caetano e toda sua habilidade artística como escritor,
ele chega a declarar ter gostado muito do livro como literatura e que as duas primeiras
partes da obra são um romance de ideias excelente (SCHWARZ, 2012, p. 52), no entanto,
não poupa críticas ao conteúdo analítico daquilo que é “além de uma biografia de artista,
[...] uma história do tropicalismo e uma crônica da geração à volta de 1964” (SCHWARZ,
2012, p. 52). Em outras palavras, para Schwarz, Caetano escreve muito bem quando fala
de arte ou se utiliza de recursos literários, entretanto, quando faz uma análise social ou
histórica erra perigosamente chegando ao extremo de apaziguar os danos causados pela
ditadura. Segue um trecho da crítica:
57
Suplementos dos jornais O Globo, Folha de São Paulo e Estado de S. Paulo
162
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
163
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Mas o que fazer com um futuro quando ele decepciona? E a quem ele
decepciona? [...] Ou então, no embate entre duas visões de mundo tão
diversas, talvez possamos ver o desdobramento de uma velha tensão no
interior das esquerdas, para as quais as ideias de revolução,
transformação, povo e intelectual são ainda centrais. [...] Provocativo,
o texto [de Schwarz] funciona também como um acerto de contas
geracional, como se perguntasse: o que você fazia e dizia enquanto
outros sofriam sob a ditadura? [...] Para compreender o confronto entre
Schwarz e Caetano, é preciso entender que o crítico espera de alguém
que se alinhe à esquerda mais que uma simples fidelidade partidária ou
de princípios. Com suas marcas de exclusão, o mercado desfazia os nós
de uma utopia costurada na imaginação da esquerda, e Schwarz se
incomoda especialmente com o momento em que Caetano,
supostamente cego “ao jogo dos conflitos e das alianças de classe”, teria
se deixado encantar pelo Brasil em plena ditadura, numa indesculpável
“conversão ao mito”. Onde o crítico espera um artista alerta, encontra
alguém que teria desertado, deixando de lado a promessa de um futuro
sonhado desde antes do golpe – numa referência ao esquentamento da
agenda de esquerda no início dos anos 1960, em especial no período
João Goulart. (MONTEIRO, 2012, p. 7-9)
58
Especialmente a análise de Milton Ohata para a Revista Piauí e a do professor João Cezar de Castro
Rocha para o jornal O Estado de São Paulo. Ambas disponíveis online:
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-69/questoes-politico-culturais/progresso-a-moda-brasileira
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,memorias-obliquas-de-um-intelectual-imp-,866463
Acessado em 10/08/2017.
59
A primeira entrevista é de Caetano Veloso para Paulo Werneck e a segunda, concedida por Roberto
Schwarz a Flávio Moura. Ambas disponíveis online:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/37126-caetano-veloso-e-os-elegantes-uspianos.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/38446-cortina-de-fumaca.shtml
Acessado em 10/08/2017.
164
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
ALAMBERT. Francisco. A realidade tropical. Revista IEB, São Paulo, n° 54,
2012 set./mar. p. 139-150.
CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo:
Editora 34, 2010.
CEVASCO, Maria Elisa e OHATA, Milton. Um crítico na periferia do
capitalismo: reflexões sobre a obra de Roberto Schwarz. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
DUNN, Christopher. Brutalidade jardim: a Tropicália e o surgimento da
contracultura brasileira. Tradução de Cristina Yamagami. São Paulo: Editora UNESP,
2009.
FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial,
2007.
FISCHER, Luís Augusto. Reféns da modernistolatria. Disponível em:
<http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-80/questoes-de-literatura-cultura/refens-da-
modernistolatria> Acessado em 10/08/2017.
165
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referência audiovisual
MACHADO, Marcelo. Tropicália. Documentário, Imagem Filmes: 2012, 89 min.
166
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Virginia Woolf (1882 – 1941) é uma das autoras inglesas do século XX de maior
vulto, tendo sido retomada nas discussões em torno do feminismo. Destaca-se assim sua
capacidade de mobilizar recursos discursivos na criação de um texto que envolvesse
leitores e autores a manterem seu interesse na obra.
167
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Isto posto, apresenta-se aqui uma proposta de definição do que seria essa imageria
presente nas obras de Virginia Woolf. São os conjuntos de metáforas apresentados de
forma recorrente a fim de criar uma representação mimética do período que a escritora
viveu. Pondo como mímesis, o conceito revisto por Luiz Costa Lima em que a mesma
não seria imitação e sim uma representação que suporia semelhança (reconhecimento) e
diferença (estranhamento). No caso de Woolf, a imageria da água é a que se mostra como
saída escolhida, mas aqui toma a forma de um projeto de escrita estabelecido a partir de
seus ensaios.
O projeto literário que aqui se propõe parte da escrita de Jacobs Room (1922),
livro de caráter assumidamente experimental. Podemos afirmar que existe uma
categorização dos livros de Virginia Woolf, entre antes e depois de Mrs. Dalloway,
quanto à abordagem da escrita e um aperfeiçoamento da técnica do fluxo de consciência60.
Nas obras anteriores ao Mrs. Dalloway, a forma ainda jogava com aspectos já
experimentados na literatura inglesa, com alterações sutis sendo Night and Day sua obra61
mais “tradicional”, efeito buscado pela autora.
60
Fluxo de consciência como sendo uma técnica na qual se entremeiam os pensamentos da personagem e
põe em segundo plano os acontecimentos do romance.
61
Evito utilizar o termo “romance” para as obras de Woolf, por não conseguir adequar suas obras a nenhum
dos gêneros propostos anteriormente.
168
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
signos que permitiriam chegar a uma forma similar ao imaginado. Neste sentido, o jogo
do texto seria responsável pela representação mimética, pela performance.
Paul Ricoeur propõe a mímesis como lúdica, como um processo que se dividiria
em três fases: mímesis 1 (o ato de leitura, onde ocorre a pré-figuração), mímesis 2 (onde
o leitor procede com a configuração do que foi lido) e mímesis 3 (onde após a mediado e
compreendido, a narrativa se reconfigura). Na perspectiva de Ricoeur, o leitor conduz
todas as fases do processo de leitura, não reproduzindo a imitação, mas produzindo uma
ressignificação para o que foi proposto no ato de leitura.
169
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
170
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que “realmente aconteceu” não chega à narrativa, sendo repleto com representações sobre
o mesmo.
A mímesis referida ao longo deste texto é a trabalhada por Luiz Costa Lima por
ser a que mais se aproxima da proposta de Virginia Woolf em sua escrita. Compreendo a
mímesis como uma pré-identificação do desejo ao se tornar representação, onde o agente
ao realizar a representação de outro, no que se refere à representação-efeito, busca
alteridade na recepção junto a uma tonalidade que pode ser mais ou menos intensa e que
influirá diretamente no seu reconhecimento.
Tomando a mímesis não como imitatio, mas como uma correlação entre
semelhança e diferença como dito anteriormente, ela é capaz de lançar o sujeito para fora
de si. A complexidade dos estudos em torno da mímesis é um dos pontos de dificuldade
na definição do conceito, mas tomando por premissa os escritos de Luiz Costa Lima em
“Mímesis: desafio ao pensamento”, o mímema pode se apresentar como mímesis de
produção e mímesis de representação.
Ambas partem da mesma conjunção, mas diferem quanto ao seu caráter receptivo,
no qual na segunda existe uma plurivocidade de sentidos que se desenvolvem em
território comum e capaz de criar reconhecimento imediato. Na mímesis de produção, o
enunciado precisa ser posto em movimento, no qual o enredo se desenvolve ao longo do
desenrolar da narrativa, e onde o leitor tem sua capacidade de percepção desafiada a
compreender a dinâmica desenvolvida no texto. Logo,
Mas não; com poucas exceções a literatura faz tudo o que pode para
sustentar que sua preocupação é com a mente; que o corpo é uma placa
de vidro liso, pela qual passa o olhar direto e claro da alma, e que o
corpo, exceto no que toca a uma ou duas paixões, como o desejo e a
171
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Se relembrarmos o que foi dito sobre o projeto woolfiano, o alcance do real aqui
proposto é feito através de metáforas. A dificuldade de apreensão de um acontecimento
como a morte de Septimus e a necessidade de Clarissa Dalloway em atribuir sentido ao
acontecimento a faz recorrer, de forma imediata, à linguagem metafórica:
172
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Então, de modo objetivo, a imageria seria um efeito poético, por conta de sua
relação com rela baseada no lastro necessário para a produção de sentido, mas irrealizado
já que a mímesis, como compreendida por Luiz Costa Lima, é um fenômeno criador de
um novo real irrealizado. A imageria, para além do conjunto de metáforas, seria o
catalizador da estrutura de escrita de Woolf, onde há, a partir de uma metáfora, o
deslocamento de vários elementos miméticos.
173
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Woolf de forma a obter a maior proximidade possível com o “real”, que se tornaria a base
da construção de metáforas sobre o mesmo, como contornos definidores no caminho de
atribuição de sentido. Como conjunto de metáforas possibilitam a compreensão das obras
como construtoras de sentido, para além de uma mera cópia do passado. Atribuem assim
formas de compreensão de passado e presente, apostando na captação do leitor de atribuir
significado ao que está sendo narrado.
62
O material que pude obter na língua original foi mantida a fim de garantir a integridade do texto, que
sofreria alterações na tradução no qual se perderia parte do que foi narrado. Além disso, esta entrada não
foi contemplada na única tradução para o português feita de enxertos do diário de Virginia Woolf por José
Antonio Antunes, publicado em 1989.
174
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
We saw rays coming through the bottom of the clouds. Then, for a
moment we saw the sun, sweeping – it seemed to be sailing at a great
pace & clear in a gap; we had out our smoked glasses; we saw it
crescent, burning red; next moment it had sailed fast into the cloud
again; only the red streamers came from it; then only a golden haze,
such as one has often seen. The moments were passing. I thought how
we were like very old people, in the birth of the world – druids on
Stonehenge: (this idea came more vividly in the first pale light
though).(WOOLF, 2015, p. 765)
É um acontecimento que reverberará na obra de Woolf em diferentes formas,
inclusive no romance que estava sendo elaborado naquele momento, Orlando. No
capítulo II, Orlando assiste uma encenação de Otelo, sendo tocado pela descrição da
morte por estrangulamento de Desdêmona pela mão do protagonista, enredado nas
mentiras contados por Iago. Orlando se imagina no lugar de Otelo, com suas mãos em
torno do pescoço de Sasha, a princesa moscovita com a qual deseja fugir.
The frenzy of the Moor seemed to him his own frenzy, and when the
Moor suffocated the woman in her bed it was Sasha he killed with his
own hands. At last the play was ended. All had grown dark. The tears
streamed down his face. Looking up into the sky there was nothing but
darkness there too. Ruin and death, he thought, cover all. The life of
man ends in the grave. Worms devour us. (WOOLF, 2007, p. 426)
O eclipse em Virginia Woolf, então, se multiplica em diferentes pontos de criação
ficcional, fazendo com que a mesma busque em outros autores uma experiência similar
ou um modo de narrar o acontecimento astronômico. A necessidade de plasmar a
experiência vivida durante o eclipse a faz registrar o ocorrido e, tempos depois, escrever
um conto sob o título “O sol e o peixe”, publicado em 03 de Fevereiro de 1928. Woolf
cria uma série de metáforas que estabeleceriam pontes entre o acontecimento e o leitor,
abrindo assim uma nova visão sobre o evento.
175
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
forma de narrar o evento que se difere do campo do res ficte, que são os registros
científicos feitos pelos astrônomos.
Retornando à questão que iniciou essa reflexão: como caracterizar o hiato entre
evento e linguagem? Existe um hiato entre palavra e evento como necessidade e a sua
sobreposição cairia no idealismo. É um problema sem solução. Se nenhuma experiência
pode ser verbalizada, ela busca na narrativa poética e na narrativa cientifica saídas, por
isso, as duas narrativas sobre o eclipse são válidas. As duas nos abrem caminhos de
reconhecimento sobre o ocorrido, mas nenhuma sintetiza em si o ocorrido.
Podemos daí derivar que nenhuma articulação verbal, seja qual for seu
modo e seu nível, nunca alcança o que realmente se consuma na
história. A história, com efeito, nunca se consuma sem a linguagem,
mas, ao mesmo tempo, ela é sempre, para mais ou para menos, diversa
na linguagem. (KOSELLECK, 2015, p.10)
176
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sabemos que este fenômeno ocorreu e que foi visto apenas uma vez por aqueles
indivíduos criando uma atmosfera de deslumbramento e inédito, de não saber se o Sol
retornaria. Estamos conscientes também que as nuvens encobriram parte do eclipse
diminuindo o tempo em que foi visível aos seus observadores. Esses componentes estão
presente nos relatos astronômicos. Mas o conto, classificado pelos tradutores no Brasil
como prosa poética, nos revela o ponto de vista da mulher que se vê diante da terra fria
abandonada pelo Sol e pela vida, e que por não compreender totalmente o ocorrido, busca
nas experiências do cotidiano uma forma de absorver e traduzir o ocorrido. O olho cria
uma nova imagem que registra na mente o efeito do visto, “após a destruição, calma; após
a ruína, firmeza – essa talvez seja a lógica do olho” (WOOLF, 2015, p. 107).
177
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas:
KOSELLECK, Reinhart. Ficção e Realidade histórica. (Tradução disponibilizada por
Luiz Costa Lima) P. 10
SEELY, S. Total eclipse of June 29, 1927. Journal of the Royal Astronomical Society.
Volume 21, P. 328.
178
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
WOOLF, Virginia. Virginia Woolf: Complete Works. Versão de Janeiro de 2015. Ebook
Kindle.
179
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
63
Sobre o Cinema Novo Brasileiro, ver os livros, indicados na seção “Referências bibliográficas”, de José
Carlos Avellar, A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García Espinosa, Sanjínes, Alea –
teorias de cinema na América Latina, de Jean-Claude Bernardet, Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre
o cinema brasileiro de 1958 a 1966 e Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e
pedagogia, de Jean-Claude Bernardet e Maria Rita Galvão, O nacional e o popular na cultura brasileira:
Cinema, de Marcelo Ridenti, Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV, de
Ismail Xavier, Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal, Cinema
brasileiro moderno e Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome, e de Mariana Villaça, Cinema
cubano: revolução e política cultural.
180
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
181
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
professor para a realização, por Geraldo Sarno, de seus documentários se dedica este
artigo. Para tanto, analisarei aspectos do livro Literatura popular em verso, composto por
Cavalcanti Proença, para, em um momento posterior, identificar a releitura feita desses
aspectos na obra cinematográfica de Sarno.
A convite de Castello, Cavalcanti Proença, esteve no IEB, por ocasião de um
seminário sobre sertão e Nordeste. Neste momento, Sarno já havia proposto a viagem
pelo interior do Nordeste a Thomaz Farkas e a Paulo Rufino. O contato com professores
como Antonio Candido, Maria Isaura Pereira de Queiroz e, em especial, Cavalcanti
Proença, todos presentes no seminário, foi fundamental para os rumos do projeto sobre
cultura popular no Nordeste que Sarno já desenvolvia. Na entrevista já mencionada, o
cineasta baiano conta que, após assistir a toda fala de Proença no seminário, o
acompanhou, caminhando ao lado dele, até o hotel a que se dirigia. Ao contar-lhe sobre
a viagem que pretendia fazer, o professor começou a lhe fornecer informações sobre
locais que ele deveria visitar e cantadores ainda vivos que deveria ouvir por conta da sua
fundamental importância para a região (SARNO, 2015, p. 20). O apreço de Sarno por
Cavalcanti Proença foi frisado em diversos escritos do cineasta (SARNO, 2006, p. 28),
inclusive o filme A cantoria, filmado durante a segunda viagem feita por Sarno e pelos
outros integrantes da Caravana Farkas, foi dedicado a Proença.
Nascido na cidade de Cuiabá, em 1905, Manoel Cavalcanti Proença foi biólogo,
militar, crítico literário, professor de Língua Portuguesa e escritor. Até o ano de 1945,
percorreu, como sargento de cavalaria, várias cidades do interior do Brasil. A sua
transferência para o Nordeste, em 1924, com o objetivo de integrar corpos destacados
responsáveis pela perseguição da Coluna Prestes, teria sido, como ele mesmo a definiu,
o seu “primeiro grande banho de brasilidade (PROENÇA, 1982, p. XI)”. Em 1945, foi
nomeado professor interino de Português do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Seguindo
esta trilha, algum tempo depois veio a fundar e a dirigir o Departamento de Língua
Portuguesa da Academia Militar das Agulhas Negras. A partir de então, de 1945 em
diante, sua carreira como docente e estudioso das letras se consolidou e adquiriu
ramificações.
Antônio Houaiss, em seu prefácio ao livro Estudos Literários, composto por
ensaios e artigos esparsos escritos por Cavalcanti Proença e organizados por Houaiss,
182
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
divide a obra do literato cuiabano em seis vertentes: estudos zoológicos; trabalhos com
finalidades estritamente didáticas, compostos a partir da sua larga experiência como
professor de Língua Portuguesa; estudos de crítica literária, estilística, artística, de autores
e suas obras, publicados em periódicos, ou na forma de prefácios, introduções,
apresentações, em que o grau de aprofundamento foi diverso, de acordo com a finalidade
do escrito, mas em que a qualidade foi uniformemente mantida; obra de ficção,
subdividida em romanesca, novelística e contística; edições críticas de autores brasileiros,
como colaborador ou como editor-crítico único, nas quais se sobressaem as produzidas
no interior da Comissão Machado de Assis e da Casa de Rui Barbosa; ensaística de
circunstância, jornalística, conferencística, identificada com os aspectos já apontados ou
com estudos filológicos (PROENÇA, 1982, p. XIII-XIV).
Resultante da sua atuação como pesquisador da Casa de Rui Barbosa, ocupado,
nesta ocasião, com o estabelecimento de textos da literatura de cordel produzida por
artistas populares do Nordeste, foi publicado, em 1964, o livro Literatura popular em
verso: antologia. No seu prefácio à reedição desta obra, publicada em 1986, Thiers
Martins Moreira, então diretor de pesquisas da Casa de Rui Barbosa, anuncia ser a
antologia composta não por obras-primas, mas por estórias representativas de várias
constantes ou de agrupamentos a partir dos quais o fato literário adquiriu corpo e se fez
expressão de uma sensibilidade coletiva. Denuncia a falta de preocupação das pesquisas
eruditas e acadêmicas com esta literatura, que apenas em casos raros, como nas obras de
Luís da Câmara Cascudo, Leonardo Mota e Gustavo Barroso, teria rompido seu
isolamento nas camadas socialmente consideradas inferiores e conseguido atingir o
campo de observação ou de estudos críticos de preocupação documental (PROENÇA,
1986, p. 23).
Afirma, ademais, ter sido o temor de que, por força de tal isolamento, se
perdessem os documentos desta criação, muitas vezes anônima, o responsável pela
catalogação e pela aquisição de uma coleção própria por parte do Centro de Pesquisas da
Casa de Rui Barbosa. Justifica, deste modo, o seu chamado aos estudiosos da literatura e
da sociedade brasileira para que se ocupassem deste conjunto documental. Por esta
literatura ser uma rica fonte para a História e para a Sociologia e por ela manifestar a
fixação do aspecto brasileiro na língua portuguesa, constituindo-se como território
183
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
frutífero para os estudos da linguagem, as pesquisas eruditas deveriam atentar para a sua
importância. O tratamento poético e narrativo deveria ser dado a esta literatura, uma vez
que seus trovadores, conscientes de sua arte, das regras e da ética da criação artística que
impregna a “atmosfera literária de seu mundo”, revelariam nas suas estrofes guardadas
pela memória popular a sua agudeza e a sua maestria nas artes do verso, o virtuosismo
nas técnicas poéticas, que remeteriam às sutilezas formais da lírica provençal ou galego-
portuguesa (PROENÇA, 1986, p. 23-24).
Estas reflexões de Thiers Martins Moreira são linhas de pensamento que foram
desenvolvidas por Manoel Cavalcanti Proença na sua introdução à antologia. Nesta seção
do livro, o crítico literário define a partir da ideia de catacrese o conceito de antologia que
teria guiado a elaboração da obra, ou seja, a sua finalidade seria a de exprimir uma
apresentação geral dos poemas populares, buscando relacioná-la aos variados tipos e
gêneros já conhecidos. Por seu turno, a literatura oral em verso poderia ser distinguida
por duas linhas: a folclórica, transmitida oralmente, não sujeita à voga, já tornada anônima
pelo esquecimento dos seus autores e transformada em patrimônio coletivo; a popular,
transmitida por meios técnicos, como a impressão, sujeita à moda, que não é anônima,
porém possui as características da poesia folclórica.
Após a definição dos limites do material que compõe o livro, Cavalcanti Proença
tece considerações sobre os autores dos poemas. Então denominados “trovadores”, graças
à elasticidade do nome, eles seriam um estágio evolutivo dos cantadores, que as condições
do país viriam tornando obsoletos. Ainda segundo ele, o autor de folhetos de poesia
popular estaria vinculado à tradição portuguesa, remetendo-se o poema narrativo de hoje
aos romances-velhos, cantados a princípio monorrimicamente, mas que, ao longo do
tempo, se foram libertando da música (PROENÇA, 1986, p. 27-28).
Sobre a linguagem destes poemas, Proença define três possibilidades para a
criação destas estórias narradas: elas poderiam ser invenção do autor, folclóricas, ou
poderiam originar-se da leitura feita pelo poeta que a põe em versos. Deste modo, o poema
seria composto primeiro oralmente para depois ser escrito pelo autor, ou ditado para outra
pessoa que o escreveria. A análise dos desajustes entre os vocábulos e o metro, dos
problemas de métrica que surgem e das soluções apresentadas pelos autores permitiria
documentar aspectos próprios da prosódia nordestina, sendo assim de grande valia o
184
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
estudo desta variação regional da língua (PROENÇA, 1986, p. 28). De modo a examinar
as aproximações já mencionadas entre a poética dos cantadores e a linha tradicional dos
antigos textos portugueses, bem como as suas diferenças, o professor coteja poemas
representativos destes dois casos literários (PROENÇA, 1986, p. 33).
Apesar de os assuntos tratados nos poemas serem imensamente variados, Proença
sinaliza para o tratamento em comum que ofereceriam os poetas à temática de suas
composições. Seguiriam a lição da transplantação de atividades culturais: “devem
adaptar-se ao nosso modo de ser, sob a pena de se perderem (PROENÇA, 1986, p. 29)”.
Duas características gerais desta literatura popular em verso também são sublinhadas. O
primeiro dos aspectos seria a organização da estória a partir da repetição de motivos
combinados. O segundo seria o traço social de equilíbrio, que recompensa todo ato justo,
faz triunfar a bondade e vinga o que foi feito de cruel com o heroi. Este traço
compensatório seria capaz de tornar populares até mesmo as narrativas de escritores
cultos versadas por estes trovadores (PROENÇA, 1986, p. 29-30).
Ao tratar da relação existente entre o poeta e seu público, Cavalcanti Proença
afirma ser o poeta popular tanto mais importante para seus leitores e ouvintes, quanto
menos original se mostrasse, quanto menos se contrapusesse às fórmulas tradicionais, e
quanto maior fosse o seu acúmulo de materiais e técnicas provenientes da tradição. Além
disso, este trovador não poderia viver exclusivamente de sua produção poética.
Trabalharia em qualquer atividade, mas viveria é para a sua poesia. Sobre o tema, cita um
artigo de Renato Almeida escrito por ocasião da morte do mestre Vitalino, no qual
defende ser o artista folclórico sempre um continuador. Movido pela corrente de seu meio
e localizando-se sua obra no interior da temática de sua gente, o artista folk, ainda de
acordo com Almeida, nunca representaria uma individualidade, sua imaginação não se
elevaria acima do nível da do copista. Somente folclorizar-se-ia aquilo que o povo
aceitasse e tornasse seu, uma vez que as mãos seriam do artista, mas a arte seria do povo
(PROENÇA, 1986, p. 30-31).
Esta concepção de arte popular ressoa em filmes realizados por Geraldo Sarno
durante as viagens feitas com os integrantes da Caravana Farkas. O filme Jornal do sertão
já se incia com dois cantadores, Lourival Batista e Severino Pinto, cantando versos de um
poema em dez pés a quadrão que sintetiza essa concepção de arte: “quem pra isso não
185
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nasceu/ não pode cantar repente.” O narrador do filme, então, ganha a deixa que precisava
para tratar do ofício do repentista e inicia sua definição da literatura popular em verso.
Como pode ser percebido, no filme é empregado o termo formulado por Cavalcanti
Proença para se referir aos poemas populares e para denominar sua antologia. Esse
compartilhamento de um determinado vocabulário entre o professor cuiabano e o
narrador do filme concorre para a aproximação das próprias definições de arte popular
estabelecidas no filme.
Do mesmo modo que no livro de Cavalcanti Proença, no filme é frisada a
obediência do artista às normas tradicionais. Seguir o modelo é sempre o imperativo que
regeria as composições, restringindo o espaço da criação puramente individual e apartada
das preferências do público. Concordam com a ideia de que seriam as estórias organizadas
a partir da repetição de motivos combinados. Para além disso, no filme é oferecida uma
lista de temas sobre os quais o poema poderia versar: gestas medievais da tradição ibérica;
gestas do cangaço; romances moralizantes; aventuras de herois pícaros; comentário e
crítica de acontecimentos atuais.
Dois desses temas já haviam sido frisados por Cavalcanti Proença no prefácio
escrito para o seu livro. A herança ibérica da poesia popular nordestina é destacada com
constância pelo professor e fundamenta suas concepções sobre a literatura popular. A
importância deste aspecto é tão grande na economia do livro que leva o crítico literário a
realizar um rigoroso e extenso exame comparativo entre os poemas dos cantadores
sertanejos e os dos portugueses antigos. Além desse tema, o traço moralizante dessa
poesia também já havia sido sublinhado por Proença como aspecto social compensatório
para a aspereza da vida no sertão.
Relacionada à compreensão de arte popular expressa no livro de Cavalcanti
Proença e no filme de Geraldo Sarno, se faz notar nos dois a preocupação quanto às
condições de vida dos cantadores. A modernização das regiões interioranas nordestinas,
de acordo com o narrador de Jornal do sertão, estaria obrigando a literatura popular em
verso a refluir para antigos redutos ou a adaptar-se aos novos valores urbanos de modo a
disputar o mercado existente. São exemplos de redutos, oferecidos pela estrutura narrativa
do filme, a cantoria nas feiras, as emboladas realizadas pelos cantadores de côco, os
desafios entre dois mestres organizados em fazendas.
186
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
187
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
do litoral, das exigências de uma cultura importada (CUNHA, 2016, p. 113). Também
dessa argumentação Euclides faria brotar sua tese de que no sertão residiria o “cerne da
uma nacionalidade”, a “rocha viva da nossa raça” (CUNHA, 2016, p. 536).
Geraldo Sarno se apropria das teses de Euclides da Cunha para a construção da
estrutura narrativa de seu filme. A voz over anuncia não resistir o folheto de cordel à
desintegração do mundo ao qual pertence. Os novos meios de comunicação, cujo objetivo
seria a formação de um mercado nacional único, estariam rompendo o isolamento do
Nordeste. Essa penetração do rádio, da televisão e das estradas seria preocupante, uma
vez que impediria o cumprimento das funções sociais de expressar a tradição e de divulgar
valores éticos e sociais de uma sociedade fechada, características do folheto de cordel.
Ao passo que isso é dito, a câmera passeia por vários folhetos de cordel expostos na feira
de Caruaru, e termina por exibir um conjunto de folhetos com capas coloridas e modernas,
impressos no Sudeste.
O documentário finaliza tratando novamente dessa questão da adaptação. O
narrador reitera a ideia já lançada de que novos padrões de comportamento estariam sendo
incorporados por conta do consumo dos produtos industrializados do Sul e da penetração
dos meios de comunicação mais modernos. Como recurso para não desaparecer a
literatura oral acaba por se ajustar às “novas necessidades de seu meio social”. Quando
isso não ocorresse, ela refluiria para as regiões mais distantes do interior nordestino. Sobre
esses redutos, diz:
188
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação:
JORNAL do sertão. Direção: Geraldo Sarno, Produção: Thomaz Farkas e Saruê Filmes
Ltda. Brasil: Videofilmes, 2009, 1 dvd.
PROENÇA, Manoel Cavalcanti. Estudos literários. Prefácio de Antônio Houaiss
Houaiss; nota de Ivan Cavalcanti Proença. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.
__________(org.). Literatura popular em verso: antologia. Seleção, introdução e
comentários de Manoel Cavalcanti Proença. 2. ed., Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1986.
SARNO, Geraldo. Cadernos do sertão. Salvador: Núcleo de Cinema e Audiovisual,
2006.
__________. “Cinema Direto”. Revista IEB, São Paulo, n. 1, 1966, p. 171-173.
__________. Geraldo Sarno (depoimento, 2015). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2015.
36 pp.
__________.“Quatro notas (e um depoimento) sobre o documentário”. Revista Filme
Cultura, Rio de Janeiro, n. 44, abr.-ago, 1984, p. 61-64.
Referências bibliográficas:
AVELLAR, José Carlos. A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, Getino, García
Espinosa, Sanjínes, Alea – teorias de cinema na América Latina. Rio de Janeiro/ São
Paulo: Editora 34, Edusp, 1995.
BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema
brasileiro de 1958 a 1966. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
__________; GALVÃO, Maria Rita. O nacional e o popular na cultura brasileira:
Cinema. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
__________. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia.
São Paulo: ANNABLUME, 1995.
CALDEIRA, João Ricardo de Castro. IEB: origens e significados: uma análise do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. São Paulo: Oficina do
189
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
190
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
64
Desde a 1ª Conferência Nacional GLBT realizada em Brasília de 5 a 8 de junho de 2008, a sigla
oficialmente usada no Brasil é LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, transexuais e transgêneros).
Ela representa não apenas os grupos que a compõe, mas todos os indivíduos de sexualidades minoritárias e
os que manifestam identidade de gênero divergente da designada no nascimento. Como destaca James
Green em "Ditadura e Homossexualidade: repressão, resistência e a busca da verdade", a sigla LGBT é
mais contemporânea e representa um avanço na formulação do movimento. Por isso, em um trabalho, cujo
recorte temporal está delimitado na última décadas do século XX, seria anacrônico reportar-se a esses
grupos utilizando-a, pois são percepções identitárias que ainda estavam sendo construídas. Via de regra, o
termo "gay/homossexual" acoplava esses indivíduos de sexualidades e identidades de gênero minoritárias;
e é dessa forma que ele será utilizado nesse trabalho, ou seja, em seu sentido mais amplo.
191
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
192
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
65
DALLAS Buyers Clubs. Direção: Jean-Marc Vallée. Produção: Robbie Brenner e Rachel Winter. EUA:
Focus Features, 2013, 1 DVD.
66
O roteiro da obra cinematográfica é baseado na vida de Ronald Dickson "Ron" Woodroof (1950-1992).
193
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
brancos que não usavam drogas injetáveis e nem mantinham relações sexuais com
pessoas que o faziam” (SONTAG, 2007, p. 99).
Nos anos 80, as representações associadas a AIDS por Ron são as que
prevaleceram nos EUA e foram exportadas para muitos países. Como ressalta Sontag, a
doença é concebida como algo de “pessoas ‘diferentes’” (SONTAG, 2007, p. 99). Sempre
o outro, o “estranho”, o indivíduo com práticas sexuais “anormais”, o viciado em drogas
injetáveis.
Muitas dessas são essas as identidades sociais que representavam o indivíduo que
tinha a probabilidade de ingressar no reino dos portadores de HIV e dos doentes de AIDS.
Elas eram um tipo de passaporte para o reino da AIDS, o carimbo para uma viagem apenas
de ida, sem regresso. Uma vez que ao adentrar nesse reino, a nova cidadania tornava-se
definitiva posto que a contaminação configurava um estado permanente.
No Brasil, os primeiros casos da doença foram detectados na cidade de São Paulo,
em 1983. Dois homossexuais masculinos; um deles esteve por diversas vezes nos EUA,
o outro jamais havia saído do país. Assim como nos EUA, as primeiras ocorrências
acometeram homens homossexuais (NASCIMENTO, 2005, p. 90). Em sua tese de
doutorado, um estudo comparado entre duas pestes do século XX no Brasil, a tuberculose
e a AIDS, Dilene Raimundo do Nascimento ressalta que:
Com o advento da AIDS no Brasil, no início dos anos 80, os acometidos pela
doença enfrentaram diversos problemas como, por exemplo, a discriminação. Ademais,
o descaso do próprio governo federal que no primeiro momento não reconheceu a
gravidade da situação e sequer ofereceu o devido tratamento médico aos doentes.
Segundo a autora, no Brasil, a AIDS tornou-se cada vez mais uma expressão de
194
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
195
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
qualquer forma de manifestação pública desses sujeitos como, por exemplo, as Paradas
do Orgulho Gay que já aconteciam em alguns países ocidentais.
Conforme Júlio Assis Simões e Regina Facchini ressaltam em “Na trilha do arco-
íris: do movimento homossexual ao LGBT”, no Brasil, a partir dos anos 1980, a AIDS e
as primeiras epidemias da doença foram grandes desafios para o ativismo pela
homossexualidade. Mas, ao mesmo tempo, ela também exigiu uma resposta desse grupo
de indivíduos à sociedade e dessa forma contribuiu para a organização do próprio
movimento gay (FACCHINI e SIMOES, 2009, p. 129).
A AIDS, ou o Câncer Gay/Peste Gay, colocou esses sujeitos em evidência mais
do que nunca e serviu como um grande aprendizado político. De fato, só a partir do início
dos anos 90, o movimento passou a se organizar institucionalmente e como um grupo de
pressão. Além da criação e do estabelecimento do Grupo Arco-Íris, foram organizadas as
primeiras Paradas do Orgulho Gay, atualmente chamadas de Paradas do Orgulho LGBT,
as maiores manifestações públicas da comunidade.
No presente trabalho, a doença e a experiência de estar doente são apreendidas
como fenômenos socioculturais que possuem significados e representações. Como frisa
Claudine Herzlich, essas representações sociais da doença não são e nem dizem respeito
a reflexos do real, mas, com efeito, são construções, uma forma de entendimento e de
compreensão. Elas são formas e tentativas de tornar tal experiência inteligível
(HERZLICH, 2005).
Por isso, nesse trabalho, a doença e a experiência de estar doente são apreendidas
como fenômenos socioculturais que possuem significados, representações e metáforas. A
experiência da AIDS fomentou uma série de representações, significados e efeitos sobre
a vida em sociedade de gays, tanto como foi um aprendizado político para esse grupo. Ela
exigiu uma resposta desse grupo ao significados, representações e metáforas que lhes
foram conferidos.
Os jornais evidenciam muitas das representações sociais da AIDS. No dia 12 de
junho de 1983, o Jornal do Brasil destacou: “Brasil já regista dois casos de ‘Câncer-Gay’”
(Jornal do Brasil 12/06/1983 p. 1). No artigo, a médica Valéria Petri que cuidou dos dois
primeiros casos (dois homossexuais masculinos) afirma que é necessário tomar cuidado
196
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
com a implicação moral que essas duas primeiras experiências podiam causar. Ela
discorda que a doença seja uma punição aos gays e lembra que:
não são apenas os homossexuais que podem contrair esse vírus, mas
qualquer pessoa que tenha uma resistência de imunologia diminuída,
independente da opção sexual. É lógico que os que tenham uma
atividade sexual promíscua estão mais sujeitos a contraí-la. (Jornal
do Brasil 12/06/1983 p. 26 ‘grifos meus’).
197
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
198
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nos dois últimos anos do século, 1999 e 2000, a Parada do Rio começou a aparecer
timidamente em reportagens dos jornais, inclusive, em notas que anunciaram o evento
com um tom convidativo. O Jornal do Brasil chama de “Onda Rosa” ao informar que a
“Avenida Atlântica será coberta hoje à tarde por purpurina” (Jornal do Brasil 04/07/1999
p. 6). Em 2000, o mesmo jornal novamente comunica em tonalidade cativante e
convidativa: “Anime-se: amanhã é o dia da Parada Gay carioca” (Jornal do Brasil
01/07/2000 p. 3).
É interessante observar a consolidação do papel político da Parada LGBT do Rio
de Janeiro ao longo dos anos 90 e, principalmente, a partir dos anos 2000. Entretanto, as
Paradas ou eventos similares com pautas em comum e o mesmo cunho de reivindicações
também se espalharam por todo o país, o auge aconteceu no ano de 2014. De acordo com
o calendário anual da ABGLT, nesse ano, foram realizados, em 19 estados e no Distrito
199
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Federal, 104 eventos, tais como Caminhadas, Marchas e Paradas. Algumas, inclusive, em
parceria com outras minorias (Calendário da ABGLT, 2014).
Os objetivos principais foram: evidenciar a diversidade sexual e de identidades de
gênero; denunciar a descriminação; reivindicar respeito, igualdade, cidadania, inclusão e
Políticas Públicas eficazes no combate à homofobia, à lesbifobia, à transfobia e na
prevenção da AIDS e demais DST’s (Calendário da ABGLT, 2014). No Rio de Janeiro,
o Grupo Arco Íris ainda organiza a principal Parada da cidade, a de Copacabana, e o
combate a AIDS e a muitos de seus estigmas ainda figuram como uma pauta
imprescindível.
A relação da experiência da AIDS para o gays, a constituição do Grupo Arco-Íris
e a organização das primeiras Paradas Gays do Rio evidenciam que a doença também
mobiliza indivíduos para atuar em causa própria e agir diante de determinada realidade
social. Mas não apenas isso, evidencia também o protagonismo político e social de um
grupo que por muito tempo foi, e ainda é, marginalizado. Esse deslocamento em direção
ao que antes era considerado periférico, deve-se, especialmente, ao movimento que
Beatriz Sarlo chamou de guinada subjetiva:
Referências Bibliográficas:
Anais:
Cartas de apresentação:
200
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Jornais:
Bibliografia:
CAMARGO JUNIOR, K. R. De. "As Ciências da AIDS e a AIDS das ciências: o discurso
médico e a construção da AIDS". In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de
Janeiro: 1(1):35-60, Jul.-Out., 1994.
CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1990.
FACCHINI, Regina. SIMÕES, Júlio Assim. Na trilha do arco-íris: Do movimento
homossexual ao LGBT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.
201
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MOTT, Luiz. ABC das Paradas Gays: Cartilha com informações úteis
de como potencializar as Paradas GLTBS (2004).
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do. “As Pestes do Século XX: tuberculose e AIDS no
Brasil, uma história comparada”. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.
SONTAG, Susan. Doença como metáfora/A AIDS e suas metáforas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
SARLO, Beatriz. Tempo Passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:
Companhia das Letras; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
______________.Tempo Presente: notas sobre a mudança de uma cultura. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2005.
TRONCA, Italo A. As máscaras do medo: Lepra e AIDS. Campinas: Editora da Unicamp,
2000.
202
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Este artigo é parte de uma pesquisa sobre o papel desempenhado pela imprensa
carioca67 no período da transição política brasileira que encerrou o regime de governos
militares. Não sob um ponto de vista retrospectivo – que significaria avaliar a influência
da imprensa no processo de democratização do país –, mas perguntando sobre os sentidos
que os veículos constroem a respeito do processo político e seus atores, com atenção
especial para a construção da representação da própria imprensa como ator.
67
Ao tratar a imprensa como unidade, não estou me referindo ao conjunto dos veículos de comunicação
que divulgam notícias, mas a uma instituição que configura o campo do jornalismo, isto é o campo de
conhecimento definido pelo trabalho de produção da notícia. Neste sentido, não há um papel a ser
desempenhado pelo campo, mas papéis desempenhados dentro do campo da imprensa.
68
O conceito de gatekepper se refere à distribuição do poder e responsabilidade internos às redações, no
processo de seleção das informações que serão transformadas em notícias. (TRAQUINA, 2004 e WOLF,
1994)
69
O conceito de “cultura profissional”, aqui, pretende se aproximar do habitus, como definido por Pierre
Bourdieu: “indica a disposição incorporada, quase postural” de um “agente em ação” (1989, p61). O
jornalista pensado como o agente do campo da imprensa.
203
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1. Colaboradores ou resistentes
Já Alzira Alves de Abreu avalia que “as análises, quando se ocupam da mídia, em
geral só dão conta da autocensura e da subordinação da mídia às determinações dos
204
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
militares.” (2005, p.75). A autora defende que os jornais não tiveram comportamento
homogêneo e que uns cederam à censura, enquanto outros “usaram fórmulas criativas
para denunciar a repressão e a falta de liberdade”.
Marialva Barbosa (2010), ao contrário, critica o que ela considera ser uma
“idealização na forma de perceber a atuação da imprensa durante períodos de exceção”
(p.187), que torna predominante “o discurso de que a imprensa luta bravamente – de
maneira indiscriminada e genérica – contra a ação da censura”. Mas Barbosa concorda
com Abreu sobre a heterogeneidade da atuação da imprensa em relação à censura.
205
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
206
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
2.1. Metodologia
As explosões das bombas ocorreram entre 21h e 22h, horário em que os jornais já
estão fechados. Para publicar alguma informação ainda no dia 1 de maio, os dois veículos
precisaram produzir outros clichês71, tarde da noite, o último de cada um fechado no meio
da madrugada, com textos produzidos por redatores ou editores na redação, com
informações passadas pelos repórteres por rádio ou telefone. O resultado completo da
apuração daquela madrugada foi publicado no dia 2 de maio, repetindo e aprofundando o
que já havia sido publicado na edição de 1/5.
70
A apuração realizada na madrugada de 30 de abril para 1º de maio termina após o fechamento do jornal
do dia 1º. A cobertura completa só será publicada no dia 2 de maio e repetirá tudo o que se disse no dia 1º.
71
Reimpressões da mesma edição, com acréscimos. O prazo do primeiro clichê é restrito em função dos
malotes que precisam sair para outras cidades e para assinantes.
72
Após encerrado o IPM, O Globo teve acesso privilegiado ao relatório final, por exemplo. Luarlindo
Ernesto cobria a madrugada no JB, no dia 17 de julho, quando o motorista chegou na sede do JB com a
edição do Globo com o “Relatório final do IPM sobre as explosões do Riocentro”, “exclusivo”. Luarlindo
conseguiu incluir, no segundo clichê do JB, a informação. “A gente copiou até os erros de português do O
Globo”, conta rindo.
207
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não classificadas: (5 fontes) – a fonte não falou e o texto não informa o que se
esperava dela.
Quinta-feira, 30 abril, 1981 – Entre 21h e 22h, duas bombas explodem nas
instalações do Riocentro, Zona Oeste do Rio de Janeiro, enquanto ocorria um show em
comemoração ao dia do trabalhador, promovido pelo Cebrad (Centro Brasil
Democrático). A primeira, dentro de um Puma no estacionamento, mata o sargento
Guilherme Pereira do Rosário e fere gravemente o capitão Wilson Luiz Chaves Machado,
ambos lotados no DOI-CODI. A segunda bomba explode próxima à casa de força.
208
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1º maio, 1981 - O Globo e Jornal do Brasil dão chamada de primeira página para
o episódio. JB, na cabeça da página, com foto do Puma com o corpo do sargento
estraçalhado dentro. Globo, apenas duas pequenas colunas no pé, à direita. Na matéria
interna, a foto do Globo é da parte do carro que foi preservada, com a legenda: “A frente
e a traseira do Puma ficaram intactas após a explosão”. A solução um pouco estranha (a
legenda reforça a sensação de que a foto não diz nada de importante), ficou ainda mais
patética diante da capa do concorrente. Qual o objetivo de mostrar ou esconder o corpo
do sargento? Luis Mário Gazzaneo, subeditor de geral do JB, na época, explica:
A diferença entre O Globo e Jornal do Brasil, neste episódio, pode ter sido menos
uma questão de linha editorial, mais uma questão de procedimento. Segundo Luarlindo
Ernesto, “O Globo é meio colégio interno, né? Cheio de normas, portarias e decretos. JB
é muito mais liberal.”76
73
Paulo Henrique Amorim, editor-chefe do Jornal do Brasil, na época.
74
No início dos anos 1980, os três jornais mais vendidos no Rio de Janeiro eram Jornal do Brasil, O Globo
e O Dia. O Dia era conhecido por seu perfil sanguinolento e sensacionalista. A política editorial de “não
dar presunto na capa” era um cuidado para diferenciar-se dos jornais considerados sensacionalistas, que, se
dizia, “se espremer sai sangue”.
75
Entrevista em vídeo, realizada por José Sérgio Cunha em 2010.
76
Repórter policial que trabalhou no Jornal do Brasil e no O Globo nos anos 80. Entrevista concedida à
autora em 26/05/2017
77
Redatores do JB em 1980, que também trabalharam no O Globo nesta década. Entrevista concedida à
autora em 21/07/2017
78
Imagem que serve como identificadora de um tema que merece destaque e que se espera tenha muitas
suítes (continuação, nos dias seguintes). Deliberadamente ou não, a escolha é estratégica, pois a longo
prazo, a imagem ficará associada, na memória do leitor, a O Globo, muito mais que ao Jornal do Brasil.
209
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
informou sobre a segunda bomba dentro do Puma, O Globo publicou a foto ampliada do
“presunto” na página 2079.
Entre as análises políticas oferecidas pelas fontes, uma das afirmações mais
repetidas é a de que o episódio não ameaça a abertura política (13 de 43). Outras (3 de
43) afirmam que ameaça. Há, ainda dez fontes que apontam o governo ou o presidente
como alvo, mas afirmam, em algum momento, o compromisso do governo ou do
presidente com a abertura ou com a democracia. Pode-se avaliar que, indiretamente, vêm
a abertura como alvo. Podemos deduzir que o acontecimento envolve o processo de
abertura em 26 das 43 declarações colhidas.
79
O perito está diante do cadáver.
80
O termo “fonte”, nesta pesquisa, está sendo utilizada no sentido dado no campo do jornalista. Ou seja, a
pessoa ou documento de onde foi retirada a informação.
81
Exceção para CNBB, OAB e ABI, que cumprem papel de representantes da sociedade civil.
210
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Grande parte das informações publicadas diariamente pelos jornais não têm suas
fontes mencionadas. A informação tende a ser recebida pelo leitor como relato do repórter
que testemunhou ou apurou e conferiu a informação.
No dia 1 de maio, O Globo informa que “uma segunda bomba foi desativada por
peritos da Polícia dentro do Puma.” (p.9 da publicação) e o Jornal do Brasil afirma: “O
Puma estava cheio de bombas” (p.2), todos os dois sem citar fontes. A frase faz parte do
texto que descreve a cena pós-explosão, levando o leitor a tomar o fato como
testemunhado pelo repórter.
82
A tabulação anexa apresenta deficiências de sistematização dos dados, mas permite um primeiro olhar
sobre o universo discursivo. Um terço das fontes são comuns aos dois veículos (32) e suas declarações,
com diferentes ênfases, se repetem. A maior parte das variações diz respeito a representantes das mesmas
instituições. Ou seja, cerca de metade das fontes são iguais ou semelhantes.
83
“Fora da gravação”, ao pé da letra – ou simplesmente “em off”, no jargão jornalístico – quer dizer: fonte
protegida pelo sigilo profissional.
84
“Eu ainda não sabia, mas tinha feito uma foto importante: aquela em que aparece claramente o detetive
inspetor Humberto Guimarães, que tinha falado aos repórteres sobre a outra bomba. Nos dias seguintes,
211
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
quando todas as informações oficiais contestavam a existência dessa segunda bomba dentro do Puma, nós
nos lembramos das fotos. Pegamos todos os contatos daquela madrugada e reconhecemos o perito.”
Depoimento do fotógrafo do JB Vidal Trindade, publicado por Belisa Ribeiro (1999: 95).
85
O Globo também colhe declaração do Ministro do Trabalho, Murilo Macedo (linha 8)
212
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
informação aparece na página 2, numa coluna não assinada, intitulada “Política hoje
amanhã”86, sem que o texto explicite que se trata de fonte off the record. Ele informa que
“o presidente João Figueiredo reafirmou que os atentados terroristas não impedirão o
prosseguimento da abertura política nem afetarão a realização de eleições no próximo
ano”. O fato do texto estar sem aspas é suficiente para saber que não foi uma fala
diretamente ouvida pelo repórter.
No Jornal do Brasil, matéria de duas colunas circundadas por uma linha, no centro
da página 9, com o título “No Comando, constrangida surpresa”, descreve o clima entre
os comandantes militares do governo, com declarações entre aspas de uma fonte “em
off”, “que por deveres da função, manteve contato com diversas pessoas durante todo o
dia” (linha 8).
Chama a atenção o fato de que esta fonte diz tudo aquilo que todas as demais
fontes se recusam a dizer aos repórteres: que as bombas estavam sendo colocadas por
militares e que isso pode significar o fio da meada para desmascarar o sistema de terror,
além de “arrebentar com a credibilidades dos serviços secretos” e acelerar o desmonte do
CODI.
O uso de fonte off the record sem nenhuma qualificação específica87, para
informações de caráter avaliativo, é incomum no texto jornalístico. Trata-se de
informação difícil de ser contestada pelos envolvidos. E a fonte pode ser escolhida a dedo,
para dizer o que o repórter quer ouvir. Ou inventada. Segundo Antero Martins88,
86
Nesta análise, textos de opinião, como editoriais e colunas assinadas foram desprezadas. A coluna
“Política hoje e manhã” foi considerada porque não é assinada e seu formato é de narrativa factual.
87
Diferente de um perito, policial, um vizinho etc.
88
Repórter da sucursal carioca do Estado de São Paulo na época das bombas. Ganhou o Prêmio Esso e
Vladmir Herzog por reportagens sobre o caso do Riocentro, em 1981.
89
Entrevista à autora em 09/05/2017
213
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O repórter busca fontes que não atendem, faz perguntas que ficam sem resposta,
busca informações que não encontra. O silêncio revelado oferece – deliberadamente ou
não – uma imagem unidirecional da atividade jornalística. O jornalista é o que avança em
busca da informação, enfrentando os sistemas de poder que impõem limites à circulação
da informação. Característica da narrativa jornalística, enfatizada em períodos de
repressão, essa exposição reforça a associação da instituição imprensa à noção de
liberdade, no polo oposto ao da censura.
Considerações finais
214
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes historiográficas
Entrevistas
Luarlindo Ernesto – 26 de maio de 2017
José Sérgio Rocha e Osvaldo Maneschi – 21 de julho de 2017
Belisa Ribeiro – 27 de julho de 2017
Antero Luiz Martins – 9 de agosto de 2017
Vídeos
Entrevista com Luis Mario Gazzaneo realizada por José Sérgio Rocha, em 2010.
Dispoível em://www.youtube.com/watch?v=BS6lDx62O6I - Capturado em 13/7/17
Documentário Rede Globo Memória sobre Atentado no Riocentro em:
http://memoriaglobo.globo.com Capturado em 10/8/2017
Documentos
Inquérito Policial Militar 28/81. Disponível em: www.dhnet.org.br/ - Capturado em:
27/12/16
215
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Jornais
Jornal do Brasil, de 1 a 4 de maio de 1981
O Globo, de 1 a 4 de maio de 1981
Bibliografia
ABRAMO, Cláudio. A Regra do Jogo: O jornalismo e a ética do marceneiro. São
Paulo: Schwarcz, 1988.
ABREU, Alzira, LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Uma instituição ausente nos
estudos de transição: a mídia brasileira. p.67-101, em: ABREU, Alzira (org). A
democratização no Brasil: atores e contextos. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
ARBEX, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela,
2002.
RIBEIRO, Belisa. Bomba no Riocentro: o fim de uma farsa. Rio de Janeiro: Sisal,
1999.
TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. Florianópolis: Insular, 2004
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1994
216
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
217
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A boa ordem que se observa, & as leis que a prudência estabeleceu para
a sociedade humana nas Cidades, Repúblicas, & c. Divide-se em Polícia
civil, & militar. Com a primeira se governam os Cidadãos, & com a
segunda os soldados. Nem uma, nem outra polícia se acha nos povos, a
que chamamos Bárbaros, como v.g. o Gentio do Brasil, do qual diz o P.
Simão de Vasconcellos nas noticias, que deu daquele Estado.
(BLUTEAU, Padre Raphael. Vocabulário Portuguez & Latino, 1720)
218
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
90
O Panóptico consistiria de um edifício circular com uma torre no centro, no anel maior estariam às celas,
onde no caso de uma prisão estariam os prisioneiros, mas seu projeto serviria a diversas instituições como
escolas e hospitais. No centro desta torre haveria um vigia que através da luz que atravessava as celas podia
observar todos os internos rapidamente e que graças a um esquema de venezianas não poderia ser visto
pelos presos, assim como canos que saiam das celas para a torre permitiam ao guarda se comunicar e corrigir
infrações assim que as mesmas fossem cometidas, contudo os demais presos não conseguiriam ouviriam o
que o vigia falava se não fosse diretamente com eles. (Bentham, 2008, p. 20)
219
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
220
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
91
O Alvará de 1780 não especifica o que seja uma pena de tempo mais dilatado, tendo duas possibilidades
a partir da nossa interpretação, uma de que fossem as penas para os crimes mais graves e que portanto
deveriam ser aplicadas pelos magistrados da respectiva jurisdição ou poderiam ser penas para os crimes
com agravantes e que a situação exigia uma análise mais detida sobre qual penalidade deveria ser aplicada.
221
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Por meio da legislação podemos analisar como o intendente nestes anos foi
expandindo sua esfera de atuação na administração régia para além da questão jurídica.
Algumas destas legislações são bem representativas deste quadro, por exemplo, dois
editais, um de maio de 1780 e outro de novembro de 1785, em que ambos tratam sobre a
ordem para saírem da Corte todos os mendigos que não fossem naturais da cidade, de
forma a não sobrecarregar os serviço de caridade e a concessão de esmolas, o edital de
1785 vai um pouco além e interfere em ações individuais proibindo que homens, em
decorrência de seu estado de pobreza, exerçam atividades femininas para ganhar seu
sustento.
Outra norma legal e de relevância foi o poder dado pelo Decreto de maio de 1781
de suspender as devassas depois que uma confusão com os ministros criminais do Bairro
permitiu a saída de pessoas presas por conta da devassa.
Além do que foi possível encontrar nas legislações a bibliografia nos mostra
outras mudanças decorrentes da atuação de Pina Manique. Ficou a cargo do intendente a
obrigatoriedade da inspeção sanitária das prostitutas, a regulamentação da oferta de
trabalho para os indigentes, a organização das estatísticas das mortes violentas e o estudo
da criminalidade e o plano de construção de cemitérios públicos (GRAÇA. 2000, p. 33).
Sendo assim, a Intendência vai deixando cada vez mais de ser “um órgão de vigilância
complementar do aparelho de justiça.” (LOUSADA, 1998, p. 227) para se tornar
responsável por diversas questões como a iluminação pública, abastecimento da cidade,
segurança, Justiça, entre outras coisas.
222
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
223
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
224
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Dentre as mudanças que observamos na Guarda Real de Polícia a última delas que
vale destaque é o aviso dentro do Repertório de ordens-do-dia do Exército no qual a
Guarda Real de Polícia passava a ser parte do Exército, deixando de ser uma força policial
organizada militarmente para se tornarem tropas de primeira linha. (COTTA, 2012, p. 64)
Não sabemos definir a razão desta alteração, contudo, acreditamos que uma
possível resposta para esse caso seja o clima de instabilidade político militar vivenciado
na Europa com a expansão napoleônica, pois, se ocorresse uma invasão ao reino e um
risco real do avanço das tropas inimigas na Corte, a cidade teria um contingente
militarmente treinado para auxiliar na defesa e se necessário ganhar tempo para uma
evacuação da família real.
Em 1807 com a invasão francesa a Portugal o processo de lapidação desta
organização policial lusitana termina, fazendo com que no ano seguinte ao estabelecer a
Corte no Rio de Janeiro o príncipe regente, Dom João VI, copiasse esta estrutura na
América Portuguesa e aqui ela passou a se desenvolver de acordo com as características
contextuais respectivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Portugal. Alvará de 1760. Cria o Lugar de Intendente Geral de Polícia da Corte de Reino
e estabelece suas responsabilidades. Coleção da Legislação Portuguesa 1750 a 1762,
Lisboa. Disponível em: < http://purl.pt/17387/4/1754614_PDF/1754614_PDF_24-C-
R0150/1754614_0000_1-b_t24-C-R0150.pdf > Acesso em: 10/08/2015.
Portugal. Edital de 17 de maio de 1780. Trata sobre a saída dos mendigos portugueses e
estrangeiros da Corte e manda que retornem para seus locais de origem. Coleção da
Legislação Portuguesa Suplemento à Legislação de 1763 a 1790, Lisboa. Disponível
225
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
em: <
http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/index.php?menu=consulta&id_partes=108&id_n
ormas=33321&accao=ver > Acesso em: 25/06/2017.
226
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ZANDEN, Jan Luiten van (org.). How Was Life?: Global well-being since 1820. OECD
Publishing, 2014. Disponível em: < https://www.keepeek.com//Digital-Asset-
Management/oecd/economics/how-was-life_9789264214262-en#page4 > Acesso em:
10/07/2017.
227
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
228
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
229
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
230
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
teve sua trajetória acadêmica e profissional influenciada por diversas teorias, dentre elas,
o materialismo, o positivismo e o evolucionismo e, nessa conjuntura, através de seus
trabalhos, pretendia elaborar um sistema de controle científico da criminalidade. De
acordo com Marcos César Alvarez, em suas análises criminológicas, Lombroso
manifestava-se como defensor da ideia de que o comportamento humano seria
determinado biologicamente e, desse modo, com base em grande volume de dados
antropométricos, acabou construindo uma teoria de natureza organicista e evolucionista,
em que criminosos e contraventores apareciam como tipos atávicos, ou seja, indivíduos
que obrigatoriamente reproduziriam suas propensões à atividade antissocial através de
características físicas e psicológicas. Dessa maneira, segundo Lombroso, somente por
meio do estudo acerca dessas características peculiares inscritas na mente e no corpo dos
indivíduos – valendo-se principalmente de estigmas anatômicos – seria possível a
médicos, juristas e à polícia a possibilidade de identificação daquelas pessoas que
hereditariamente estariam destinadas à prática de atividades delituosas e desviantes
(ALVAREZ, 2002, pp. 678-679).
A teoria de convergência biológica defendida pela antropologia criminal de
Lombroso nas últimas décadas do século XIX foi capaz de reunir grande quantidade de
adeptos na Itália, fazendo com que seus conceitos se tornassem conhecidos sob a
denominação de Escola Italiana. Entretanto, o objetivo de se constituir um sistema
científico de controle criminal não se desenvolvia de modo unilateral e, dessa forma,
outros pensadores, através de diferentes métodos e procedimentos, buscavam elaborar
novas maneiras de se compreender a natureza criminosa do indivíduo. Na Europa, embora
os intelectuais do crime apresentassem, de modo geral, preocupações bastante similares,
alguns embates teóricos acabaram surgindo e as ideias formuladas pela Escola Italiana
tornaram-se alvo de intensas críticas por meio de publicações em periódicos
especializados e debates em congressos temáticos. De acordo com Ruth Harris, o
desenvolvimento de novas correntes criminológicas no continente europeu representava
a possibilidade de elaboração de teorias alternativas às ideias biológicas de Lombroso,
que, já a partir da década de 1880, começavam a ser criticadas por alguns intelectuais do
crime, que as compreendiam como ideias deterministas e reducionistas (HARRIS, 1993,
pp. 94-96).
231
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
232
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
233
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
234
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
publicados no Boletim Policial ou até mesmo em livros, divulgava suas ideias e buscava
frequentemente se comunicar com pensadores e especialistas estrangeiros. De acordo
com Carvalho, as informações oriundas da criminologia, sendo debatidas entre
integrantes da polícia, juristas e médicos, seriam capazes de elevar a análise dos delitos e
das penas de um patamar de mera especulação ao estabelecimento de noções
verdadeiramente científicas, positivas e práticas. Diante desse quadro, o estudo científico
da transgressão e da delinquência não permitiria considerar o crime uma entidade jurídica
abstrata e, por isso, as expressões infringentes e violadoras de criminosos e contraventores
deveriam ser encaradas de maneira conjugada, como efeitos de patologia individual em
suas formas atávicas e de patologia social em suas formas evolutivas (CARVALHO,
1912, pp. 6-7).
Uma das principais referências utilizadas por Elysio de Carvalho – a fim de
delimitar metodologicamente suas ideias e doutrinas – é a obra Sociologia Criminal, do
jurista italiano Enrico Ferri, a qual considerava admirável devido à sua capacidade em
apresentar concepções modernas da criminologia e também pelo emprego de
fundamentos estatísticos na caracterização de elementos da etiologia criminal.
Representante da chamada Escola Italiana, Enrico Ferri tornou-se conhecido por
defender os preceitos biológicos de Cesare Lombroso, considerando, todavia, que o
processo de origem da atividade delituosa seria, com efeito, resultado de uma lógica
bastante complexa, tornando-se evidente apenas junto às condições do meio e da vida
social. Ao longo de suas publicações, Elysio de Carvalho revelava-se profundamente
atento às discussões empreendidas por intelectuais brasileiros e estrangeiros e, partir de
então, procurava conciliar em suas análises diferentes correntes do pensamento
criminológico, argumentando que o caráter unilateral de determinados pensadores
poderia prejudicar o desenvolvimento de algumas reflexões mais amplas acerca da
evolução da criminalidade (CARVALHO, 1912, pp. 7-9).
Em seu trabalho intitulado A fisionomia da criminalidade carioca, de 1913, Elysio
de Carvalho concluía que a atividade criminosa no Rio de Janeiro crescia
vertiginosamente em suas mais variadas formas e aparências. Ademais, o diretor da
Escola de Polícia procurava contextualizar as especificidades da criminalidade carioca e,
para isso, lançava mão de argumentos referentes às transformações econômico-sociais
235
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pelas quais atravessava a capital do país naquele período. Desse modo, afirmava, por
exemplo, que o Rio de Janeiro, como qualquer outra grande cidade aberta à concorrência
universal de negócios e pessoas, costumava receber, através de suas correntes
imigratórias, grande quantidade de delinquentes egressos de prisões de outras localidades
e reincidentes. Assim, considerava a delinquência estrangeira um dos aspectos
fundamentais para o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro, considerando a
imigração com destino ao Brasil fenômeno de “péssima qualidade”, pois, em sua maioria,
os estrangeiros que desembarcavam no porto da cidade seriam provenientes de países cuja
criminalidade seria essencialmente violenta, bárbara e atávica, como, por exemplo,
Portugal, Itália e Espanha. Além disso, atribuía, sem maiores explicações, às condições
sociológicas da capital e à influência do alcoolismo as amplas condições de desequilíbrio
nos coeficientes criminais da cidade do Rio de Janeiro (CARVALHO, 1913, p. 109).
Para Elysio de Carvalho, a compreensão do mundo dos malfeitores estaria
intimamente relacionada às transformações responsáveis por modificar radicalmente o
modo de vida da humanidade, o que acabaria levando o mundo aos mais novos limiares
da modernidade. Em seus apontamentos referentes à História natural dos malfeitores –
uma das disciplinas do currículo da Escola de Polícia –, Elysio de Carvalho considerava
que as sucessivas descobertas científicas, a rápida difusão de ideias e conhecimentos, a
dinâmica do progresso industrial e as facilidades alcançadas por meio de avanços nos
âmbitos da comunicação e do transporte talvez pudessem representar ao mundo as mais
importantes obras do progresso humano e institucional daquela conjuntura específica.
Entretanto, de acordo com suas ideias, as obras da modernidade poderiam
indiferentemente favorecer o bem e também o mal, uma vez que a ciência, apesar de suas
frequentes conquistas e inúmeras aplicações visando melhorar as condições de vida das
pessoas, poderia também disponibilizar suas ferramentas e recursos para que indivíduos
transgressores as utilizassem a fim de aperfeiçoarem suas técnicas e procedimentos
criminosos. Sendo assim, em razão desse contexto marcado pela ampla possibilidade de
recursos, seria fundamental à instituição policial carioca a capacidade de aparelhar-se, da
mesma forma, com mecanismos de atuação modernos e científicos, constituindo-se
igualmente sábia, precisa e perspicaz (CARVALHO, 1913, pp. 142-143).
236
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
237
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
armas de defesa por associação, visando principalmente não serem compreendidos pelas
autoridades quando fossem detidos. Sendo assim, seguem-se alguns exemplos de gírias
utilizadas por criminosos no Rio de Janeiro no início do século XX: afanar, que queria
dizer roubar ou furtar, berrante significava revólver, chafra seria nome dado ao policial
de rua e majorengo quando se referiam ao delegado de polícia. Outro aspecto relevante
para os estudos realizados pelo diretor da Escola de Polícia era o uso da tatuagem por
criminosos, vagabundos e prostitutas, o que, segundo ele, não se tratava de uma prática
com relação direta à criminalidade, seria, porém algo resultante de um determinado meio
que, segundo sua exposição, poderia representar autênticos sinais degenerativos
(CARVALHO, 1913, pp. 152-155).
Para fins de conclusão, é importante destacar que o fluxo de ideias e teorias que
se desenvolviam no Brasil na passagem do século XIX para o século XX pôde
proporcionar aos intelectuais brasileiros o estabelecimento de novas reflexões, como, por
exemplo, as discussões acerca da natureza antissocial e criminosa do indivíduo. Esses
debates, que podiam ocorrer em ambientes profissionais distintos – entre médicos, juristas
e integrantes da instituição policial –, tomavam como pano de fundo os conceitos
provenientes da criminologia europeia. Elysio de Carvalho, durante seu período como
funcionário da polícia carioca, procurou articular essas discussões, tendo como campo a
realidade social da capital do país e, em vista disso, foi responsável pela produção de
inúmeros artigos e livros sobre a temática criminal. Nessas circunstâncias, em seu curso
de criminalística pela Escola de Polícia, Elysio de Carvalho, entre outras matérias,
considerava a História natural dos malfeitores uma das disciplinas mais importantes do
currículo de formação dos agentes de segurança pública da polícia do Rio de Janeiro
devido à possibilidade de reflexão sobre argumentos e teorias criminológicas
heterogêneas, permitindo a associação de elementos individuais e sociais à gênese do
crime, aspecto este que marcou decisivamente sua atuação como intelectual.
Documentação
238
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 19
CANCELLI, Elizabeth. A cultura do crime e da lei (1889-1930). Brasília:
Humanidades, 2001.
HARRIS, Ruth. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin de siècle. Rio
de Janeiro: Rocco, 1993.
NYE, Robert. Crime, madness and politics in modern France: the medical concept
of national decline. Princeton: Princeton University Press, 1984.
239
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como afirma Maria Helena Rouanet, os versos “Nosso céu tem mais estrelas,/
Nossas várzeas têm mais flores,/ Nossos bosques têm mais vida,/ Nossas vidas mais
amores” foram tão eficazes em proclamar a diferença entre o eu e o outro, o nacional e o
estrangeiro – a polaridade norteadora da construção de identidade (nacionalidade) no
romantismo – que além de serem reproduzidos por vários outros poetas românticos,
acabaram se institucionalizando de vez na letra do Hino Nacional (ROUANET in JOBIM,
1999, 22-23).
92
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Bolsista CAPES/DS. Pesquisadora no Núcleo de Estudos Sobre Biografia, História, Ensino e
Subjetividades NUBHES-UERJ.
93
Os Primeiros Cantos são publicados originalmente em 1846 pela editora Laemmert.
94
Segundo a datação publicada nos Primeiros Cantos.
240
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ao partir para Coimbra em 1838 o jovem Gonçalves Dias não conhecia mais do
que Caxias, o sítio de Boa Vista, onde nascera, e a capital da província, São Luiz (cf
PEREIRA, 1943). Uma parte do Maranhão era o máximo de “Brasil” que ele conhecia.
Aliás, o próprio poeta ao publicar sua Canção fez questão de ressaltar: “Quando eu
compuz esta canção, ou como melhor se chame, tinha apenas visto algumas das
Províncias do Norte do Brasil” (DIAS, 1846). Esta simples nota nos faz pensar que talvez
aquele que é o poema nacional por excelência, conhecido nos quatro cantos do país,
incessantemente reproduzido nos manuais didáticos, não seja exatamente nacional, mas
antes, regional, ou como nos interessa investigar, fruto de inquietações outras, não
necessariamente pensadas e produzidas, naqueles idos da década de 1830, para
representar o Brasil e os brasileiros.
Não devemos com isso, contudo, retirar Gonçalves Dias de sua posição no
pantheon nacional. O que importa é problematizar essa figuração, entendê-la como uma
construção, como mais uma das muitas construções de memória que são responsáveis por
criar uma identidade comum. Nesse caso, nos parece que a propagação e ressignificação
de Canção do Exílio como poema nacional por excelência se deu sem que se levasse em
conta enraizamentos e pertencimentos locais que o informaram, ou talvez,
desconsiderando-se propositalmente essa característica a fim de torná-lo um símbolo que
bem representasse o sentimento nativista que se queria construir, nosso nacionalismo.
Nesse caso, talvez sem que Gonçalves Dias planejasse, seu poema foi alçado ao posto de
canção nacional e seu autor, por conseguinte, ao de cantor da pátria, de iniciador da
literatura brasileira, numa construção de memória e de referências para a história literária
que merecem ser problematizadas.
241
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
242
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Rio de Janeiro, em agosto de 1823. Certamente, para o menino que nascia a 10 de agosto
daquele ano, o fato de que se instaurava um país, a partir do rompimento da condição
colonial, e de que sua província natal havia resistido a essa mudança, não era questão
significativa, aliás, muito provavelmente nenhuma questão que não dissesse respeito aos
cuidados maternos requisitados por um bebê recém-nascido o era.
243
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não nos cabe discutir o talento de Gonçalves Dias. Mas será que o poeta receberia
o mesmo reconhecimento se seus amigos não tivessem se empenhado em divulgar seu
trabalho? Será que ele seria tão aclamado se seus Primeiros Cantos não tivessem chegado
às mãos do letrado português Alexandre Herculano, impressionando-o a tal ponto de
escrever um artigo exaltando a poesia de Gonçalves Dias e estabelecendo o fim da história
literária portuguesa e o nascimento da brasileira? Parece-nos que não.
95
Artigo intitulado “Futuro Literário de Portugal e do Brasil”, publicado no tomo 7 da Revista Universal
Lisboense (1847-1848)
244
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Brasileiro não era mais apenas independente politicamente, ganhara o aval para ser
autônomo em sua literatura e história. E não seriam justamente essas duas esferas entre
as principais responsáveis pela construção da nação, nos termo de instituir e significar
uma autêntica cultura nacional?
Assim o poeta foi firmando sua imagem de literato, mas mais do que isso, firmou
também sua imagem de poeta nacional, criando e recriando sua memória a cada novo
escrito ou publicação, fixando seu nome na memória da nação.
Ainda segundo Joël Candau, “‘fazer o nome’ é agir para a posteridade, ter a
esperança estéril de não desaparecer no esquecimento” (CANDAU, 2011, 69), e essa
busca requer o esforço de fazer escolhas, de jogar luz sobre os aspectos que se quer
exaltados e jogar na penumbra aqueles que podem dificultar seu “sucesso”. Nesse sentido
é curioso pensar que nessa mesma edição dos Cantos, onde procurou dar destaque às
palavras de Herculano sobre sua obra e sobre futuro da literatura brasileira, Gonçalves
Dias tenha deixado de republicar a nota que pontuava a famosa Canção do Exílio como
fruto da inspiração de um jovem que quase nada conhecia de Brasil, o que, como já
dissemos, acabava insinuando para o poema outras marcas de pertencimento – local,
regional – e não a que viabilizasse diretamente a exaltação nacional.
Importante ter em mente, como ressalta Joël Candau, que o trabalho da memória
nunca é um ato individual. Em suas palavras,
245
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nesse sentido, é interessante notar que sua imagem foi sendo criada e recriada nas
tramas que configuraram aquilo que veio a ser entendido como identidade brasileira. Se
em um momento inicial ele mesmo lançou as bases dessa apropriação, dizendo que
nascera junto com a pátria, o movimento que se seguiu foi muito maior que ele, e seus
biógrafos se encarregaram de fixá-lo no pantheon nacional e a “memória social e cultural”
acabou por eternizá-lo.
As biografias do poeta proliferaram desde sua morte em 1864, sem que possamos
identificar nos inúmeros textos, dos mais diferentes autores, grandes diferenças na
apresentação do biografado. Gonçalves Dias, em todas as obras publicadas e
246
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
referenciadas à sua memória, teve uma vida sob medida para explicar sua obra, como
aponta Lajolo. Nesse sentido, esses textos devem ser lidos como resultados de estratégias
de fixação da memória do poeta e assim, devem ser problematizados.
247
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Elias Palti, de quem recuperamos as ponderações de Skinner, afirma que para esse
autor o contexto é um conjunto de convenções que condicionam as categorias de
afirmações disponíveis a um determinado autor, não significando que um autor seja
necessariamente prisioneiro destas convenções (PALTI, 2012,30). Nesse sentido, vale
dizer que não entendemos que Gonçalves Dias estivesse preso às convenções de seu
tempo, mas sim que, sem dúvida, suas ações foram indubitavelmente marcadas por elas,
seja na recusa, seja na aceitação destas convenções.
E se, nas palavras de Palti, “El objetivo último de la história intelectual sería, pues,
entender no qué dijo cada autor, sino cómo fue possible para este decir lo que dijo em um
contexto determinado” (PALTI, 2007, 300), cabe ressaltar que nosso interesse é pensar a
produção literária de Gonçalves Dias nos contextos em que se instituíram os usos e re-
significações dessa produção para a construção de sua memória e de suas identidades
autorais.
Uma vez que o poeta já está estabelecido em um lugar canônico, nos importa
pensar mais nas estratégias e práticas que estabeleceram este cânone, do que na recepção
de suas obras no momento das respectivas publicações, a não ser nos casos em que essa
recepção veio a ser mobilizada como referência para os processos de reificação de suas
identidades autorais.
248
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Também não será possível para nós problematizar o projeto pessoal de Gonçalves
Dias sem, ao mesmo tempo, pensar sobre os projetos de criação da nação que estavam
sendo debatidos e postos em prática no momento mesmo de sua institucionalização
enquanto autor canônico de nossa literatura.
Tendo isso em mente, vale ressaltar que a “canonização” de um autor também faz
parte do complexo sistema de eleição de símbolos nacionais desenvolvidos pelos mais
diferentes projetos de criação nacional. Como aponta Armelle Enders,
96
Vale pontuar que ao escolhermos o título “A fabricação do imortal” temos em mente problematizar as
estratégias de criação de memória que envolveram a fixação do poeta maranhense no imaginário nacional.
Nesse sentido, o trabalho de Regina Abreu – “A Fabricação do Imortal”– sobre a construção da memória
de Miguel Calmon e o trabalho de Peter Burke – “A Fabricação do Rei” – sobre Luís XIV, foram
referenciais não só para a escolha do título do projeto mas, principalmente para a construção do próprio
249
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
do poeta maranhense Gonçalves Dias, ou uma mera recuperação de suas obras, mas,
sobretudo, uma recuperação dos contextos políticos e sociais que permitiram que ele se
tornasse esse nome de destaque em nosso cenário letrado, dos projetos de identidade que
o cercaram e abraçaram permitindo sua adoção como ícone referencial, das estratégias de
construção de si empreendidas por ele e que serviram de base para as biografias que se
seguiram e, de maneira geral, uma tentativa de mapear e reconstruir uma parte dos
processos de construção daquilo que se convencionou chamar identidade brasileira.
Referências:
Fontes:
DIAS, A. Gonçalves. Poesia e prosa completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
MACEDO, Joaquim Manuel de. Gonçalves Dias. In: ______. Rio de Janeiro:
Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artistico, 1876.
PEREIRA, Lúcia Miguel. A vida de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943.
objeto. Aqui, como nesses trabalhos, a opção pelo termo “fabricação” não visa o desmonte ou a
desinstitucionalização da figura ilustre, no caso, Gonçalves Dias, mas sim a compreensão de que houve um
processo multifacetado de construção de memória e imagem.
250
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia:
BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luis XIV. Trad.
Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.
ENDERS, Armelle. Os vultos da nação: fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2014.
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In:
GOMES, A. de C. (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
251
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GONTIJO, Rebeca. Paulo amigo: amizade, mecenato e ofício do historiador nas cartas de
Capistrano de Abreu. In: GOMES, A. de C. (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio
de Janeiro: FGV, 2004.
HAHN, Fábio André. História Intelectual: Uma nova perspectiva (Parte 1). In: História
e-história.
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=37#_edn1, p. 7.
Acesso em 21 out 2016.
HAHN, Fábio André. História Intelectual: Uma nova perspectiva (Parte 2). In: História
e-história. http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=36, p. 3.
Acesso 21 out 2016.
JOBIM, José Luís (org.). Introdução ao romantismo. Rio de Janeiro: UERJ, 1999.
LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (Org). Jogos de
escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
PALTI, Elías José. Giro lingüístico e história intelectual. 1ª Ed. 1ª reimp. Bernal:
Universidad Nacional de Quilmes, 2012, 30.
PALTI, Elías José. La nueva historia intelectual y sus repercusiones em América Latina.
In: História Unisinos. http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/5908, p.
300. Acesso 21 out 2016.
252
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SILVA, Ricardo. História intelectual e teoria política. In: Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v.
17 , n. 34 , p. 301-318, out. 2009.
SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história
política. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
253
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
97
Segundo os historiadores Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, Brizola reeditou a Rede da
Legalidade, formando novamente uma cadeia de rádios defendendo o governo de Goulart e a democracia,
durante o golpe de 1964. (FERREIRA; GOMES, 2014, p. 357)
254
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
255
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
256
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
257
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Foi nessa conjuntura que a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi
realizada em Niterói, no dia 23/04/64, a mesma foi organizada pela Igreja da Divina
Providência, com a participação do Arcebispo D. Antônio de Almeida Morais Júnior
(Jornal do Brasil, “Vinte mil pessoas vão à Marcha da Família realizada em Niterói”,
24/04/64), primeiro arcebispo de Niterói (Correio da manhã, “Gôverno e povo nas
manifestações ao primeiro arcebispo de Niterói”, 23/08/1960). Anteriormente, D.
Antônio tinha feito parte da comitiva que acompanhou Badger na posse de Castelo
Branco, em Brasília (Última Hora, “Badger hoje em Brasília: Muda secretariado na
volta”, 15/04/1964).
No dia seguinte à marcha, foi realizada a reunião de fundação oficial da CAMDE-
Niterói, a qual também contou com a presença do arcebispo. A presidente do núcleo
niteroiense da CAMDE era a senhora Maria José de Souza Cid, professora da rede pública
de ensino do estado do Rio. (Jornal do Brasil, “Vinte mil pessoas vão à Marcha da Família
realizada em Niterói”, 24/04/64)
As associações femininas aparecem no cenário ideologicamente polarizado
brasileiro, no início da década de 1960, como agentes de radicalização política
identificadas com os valores e as ideias das direitas no Brasil. Tendo em vista isso,
compartilhavam uma cultura política baseada no cristianismo, em defesa do que elas
entendiam ser uma “democracia-cristã”; e de uma cultura política autoritária e
anticomunista que defendia a propriedade privada e a manutenção do liberalismo político
e econômico.
As mulheres que formaram essas organizações femininas agiram a partir de uma
relação paradoxal, pois ao passo que no âmbito público atuaram como agentes políticas
258
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
259
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
260
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
261
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
262
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Jornal do Brasil, Ato Institucional acabou com lutas políticas fluminenses, 12/04/64.
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB00354.0072. Edição 00086 (1).
Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&PagFis=51922>
Acesso em: 20/06/2016
Jornal do Brasil, Badger afirma que sua luta continua a mesma, 05/04/64. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00080 (4). Disponível em:
< http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=51666>
Acesso 20/06/16
Jornal do Brasil, Cansaço de Badger não o deixa sair à janela, 03/05/64. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00103 (5). Disponível em:
< http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=52716>
Acesso em: 20/06/2016
Jornal do Brasil, Cinco militares cotados para o Palácio do Ingá, 04/05/64. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00103 (5). Disponível em:
< http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=52712>
Acesso em: 20/06/2016
263
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Jornal do Brasil, Estado do Rio nega que o levante da PM fosse para depor Paulo Torres,
29/12/64. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB00354.0072. Edição
00306 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=62720>
Acesso em: 15/06/2016
Jornal do Brasil, Marcha com Deus é também por Torres, 10/05/64. Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00109 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&PagFis=53011>
Acesso em: 20/06/16
Jornal do Brasil, UDN do Est. do Rio dá seu apoio à revolução, 21/04/64. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00093 (5). Disponível em:
< http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=52288>
Acesso em: 20/06/16
Jornal do Brasil, Vice impedido vem ao rio informar o PSD, 03/05/64. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição 00103 (5). Disponível em:
< http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=52716>
Acesso em: 20/06/2016
Jornal do Brasil, Vinte mil pessoas vão à Marcha da Família realizada em Niterói,
24/04/64. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição
00096 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_08&PagFis=52400>
Acesso em: 20/06/16
Jornal do Brasil, Vinte mil pessoas vão à Marcha da Família realizada em Niterói,
24/04/64. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02437.0172. Edição
264
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tribuna da Imprensa, Costa e Silva: Voltei mais Candidato, 18/02/66. Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional. Cód.: TRB02484.0172. Edição 04890 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=154083_02&PagFis=23655>
Acesso em: 22/06/16
Última Hora, Badger hoje em Brasília: Muda secretariado na volta, 15/04/1964. Cód.:
TRB00334.0072. Edição 01277. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/386030/99032> Acesso em: 12/08/17
Última hora, Badger vai a posse de Castelo Branco, 14/04/1964. Cód.: TRB00334.0072.
Edição 01276. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=386030&pagfis=98981> Acesso
em: 13/04/17
Última hora, Estado do Rio: Badger, 23/04/1964. Cód.: TRB00334.0072. Edição 01282.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=386030&pagfis=99258> Acesso
em: 13/04/17
265
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
<http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=386030&pagfis=98931> Acesso
em: 13/04/17
Referências bibliográficas
FERREIRA, Marieta de Moraes. Niterói Poder: a cidade como centro político. IN:
MARTINS, Ismênia; KNAUSS, P. (Org). Cidade Múltipla: temas de História de Niterói.
Niterói, RJ: Niterói Livros, 1997. P. 73-100.
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro:
Zahar, 2000.
266
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“E se tudo que eu puder ser for um cadáver numa estrada iraquiana?”: uma
análise sobre Guerra ao Terror (2008)
Introdução
Neste trabalho pretendemos fazer uma análise de como a Guerra do Iraque (2003-
2011) aparece no filme Guerra ao Terror, ou The Hurt Locker no original em inglês. Este
é uma produção que busca mostrar, em muitos momentos adotando o formato de
documentário, o cotidiano da unidade Bravo, um esquadrão anti-bombas norte-americano
em ação na ocupação do Iraque. JT Sanborn (Anthony Mackie), Owen Eldridge (Brian
Geraghty) e Matt Thompson (Guy Pearce) integram o esquadrão inicialmente, entretanto,
um erro faz com que Thompson morra devido a uma explosão. Em seu lugar é enviado o
sargento William James (Jeremy Renner), que possui um imenso sangue frio em ação, o
que acaba gerando atritos entre ele e a equipe, que o considera irresponsável.
Dirigido por Kathryn Bigelow e com um roteiro baseado nas experiências do
roteirista Mark Boal ao lado de um esquadrão anti-bombas, este filme teve um custo
estimado em 15 milhões de dólares, com um retorno de 14 milhões aos seus produtores.
Apesar destas cifras, Guerra ao Terror foi indicado e venceu várias premiações
importantes no meio cinematográfico. Ele concorreu a nove categorias do Oscar,
vencendo seis: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original, melhor edição,
melhor mixagem de som e melhor edição de som. Com isto se tornou o vencedor em
entrega de prêmios desta edição, batendo fortes candidatos como Avatar (2009), de James
Cameron. Além disto, também foi indicado a três categorias no Globo de Ouro, duas no
SAG Awards e a oito no BAFTA, das quais levou seis.
Algumas de suas premiações chamam a atenção, como a primeira vez que uma
mulher levou a estatueta de melhor diretor no Oscar e primeiro filme de guerra pós-Vietnã
a ganhar a categoria de melhor fotografia. Porém, graças ao seu baixo lucro é a produção
vencedora do título de melhor filme com a menor bilheteria desde que estes números
267
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
começaram a ser registrados. No Brasil foi lançado diretamente em DVD em 2009, mas
após as várias premiações foi relançado nos cinemas em 2010.
Além disto, recebeu críticas negativas de setores militares. Para estes o filme
mostrou uma representação irrealística da guerra, possuindo erros relacionados a
uniformes e equipamentos fora do padrão utilizado na época, além de mostrar um retrato
desrespeitoso dos soldados, principalmente do pessoal de dispositivos de armas
explosivas.
Levando em conta que esta produção surge num momento no qual a invasão do
Iraque; assim como a imagem do governo que a empreendeu, liderado por George W.
Bush; está com a popularidade baixa frente à população do país cremos que ele pode nos
mostrar algumas percepções sobre a forma como esta ação militar estava sendo enxergada
por esta sociedade neste momento. Assim, através desta análise buscaremos enxergar tais
aspectos presentes na película.
Podemos dizer que para entender como se deu a Guerra do Iraque é necessário
voltar aos atentados de 11 de setembro de 2001. Apesar deste acontecimento ter sido
inegavelmente uma grande atrocidade, ele se tornou um evento histórico em maior parte
graças a direção para onde as armas estavam apontadas do que devido as dimensões da
catástrofe, nada incomuns se comparadas a alguns atentados passados. No entanto, o
último ataque ocorrido no território nacional dos EUA havia ocorrido em 1814, por mãos
britânicas, isto aumentou a importância do ocorrido (CHOMSKY, 2002).
A resposta aos atentados mostrou uma primeira reação estatal contra o terrorismo,
a chamada Guerra ao Terror. Porém, esta foi planejada às pressas, buscando mostrar para
a opinião pública norte-americana que o governo não estava ocioso frente aos autores do
ataque, o resultado disto foi uma ação equivocada. As guerras no Afeganistão e no Iraque
nos mostraram dois momentos de uma guerra clássica entre Estados, a qual não seria a
maneira correta para combater uma organização terrorista.
No Afeganistão o ataque teve amplo apoio internacional e resultados dúbios. O
regime Talibã, acusado de hospedar a Al-Qaeda foi derrubado; a Al-Qaeda desorganizada
268
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
269
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
produção ter sido a primeira a ganhar a categoria de melhor fotografia após o término
desta guerra. Isto se deve ao grande receio em torno da chamada Síndrome do Vietnã nos
EUA, relacionada ao grande número de baixas num confronto militar, e ao fato de que a
Guerra do Iraque deveria ter sido o modelo de nova guerra a ser seguido por este país no
século XXI, alicerçado numa poderosa ação terrestre baseada em alta tecnologia e na ação
de tropas de elite, que buscava justamente superar tal síndrome (SILVA, 2014, p. 270-
272).
Esta nova doutrina militar acreditava que, devido aos seus imensos recursos
técnicos, os EUA não precisariam de um grande contingente humano no Iraque como o
necessário em conflitos anteriores. Assim, a chamada Doutrina Rumsfeld, ignorando os
comandos militares, foi posta em ação, exigindo uma guerra rápida, barata e com
nenhuma baixa norte-americana. Esta doutrina buscava superar a MAD98, que limitava a
capacidade dos EUA de assegurar seus interesses devido aos altos custos de uma guerra
nos moldes tradicionais, mesmo sendo a nação mais poderosa do mundo.
Tentando superar esta limitação e reaver sua ação de liberdade política e militar
em qualquer parte do planeta os objetivos dos EUA na Guerra do Iraque, fazendo uso da
Doutrina Rumsfeld eram: exercer sua capacidade readquirida de agir sem necessidade de
consentimento prévio em fóruns internacionais; superar a Síndrome do Vietnã; ganhar
acesso a fontes de energia fóssil presentes na região; abrir caminho para uma
reconfiguração estratégica do Oriente Médio; propor uma potencialização da Revolução
Tecnológica em assuntos militares que desse a ele ao menos 25 anos a frente de
adversários e concorrentes e por fim implantar uma nova doutrina militar baseada no
“Espanto e Pavor”, uma maneira de infligir um dano maciço sobre o adversário através
do uso de alta tecnologia, fazendo com que este se rendesse imediatamente. (SILVA,
2014, p 270-272).
Porém, o uso intensivo de tecnologia não conseguiu assegurar o sucesso desta
empreitada militar, dando aos EUA uma grande derrota política ao fim do conflito. No
filme podemos ver uma referência a isto na cena da morte de Thompson. Logo no inicio
98
Abreviação de Mutual Assured Destruction, ou Destruição Mútua Assegurada em português. Termo
criado durante a Guerra Fria e que se refere a condição criada pela hostilidade entre dois Estados que
possuem arsenal nuclear, na qual tais países tem que levar em conta que o uso deste tipo de arma por um
dos beligerantes acabaria por destruir ambos, atacante e defensor.
270
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
da história podemos ver a unidade Bravo sendo chamada para desarmar uma suposta
bomba num bairro iraquiano. O plano inicialmente era utilizar um robô para que a carga
fosse desabilitada sem riscos para as vidas dos soldados, que não precisariam se
aproximar do explosivo e correr o perigo de morrer, graças a constante possibilidade do
resistente que plantou a carga estar próximo, esperando o momento para acioná-la e
assassinar os soldados.
Porém, a máquina, aparentemente muito frágil, não chega nem perto de cumprir
seu objetivo. Assim, é necessário que Thompson tente desarmar a bomba na forma
tradicional. Na sequência, um resistente iraquiano acaba detonando a bomba e o soldado
morre devido aos ferimentos causados pela explosão. O recado que esta cena deixa é o de
como o imenso arsenal altamente tecnológico norte-americano acabou sendo de muito
pouca serventia neste conflito, um diálogo entre os personagens Sanborn e Thompson
deixa um pouco mais claro:
271
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
na população local, assim, imaginaram que haveria uma adesão simples aos valores
considerados supremos pela administração Bush. No entanto, isto não ocorreu e na
verdade deu-se início a um movimento de resistência, que ofereceu grandes problemas às
forças de ocupação.
Como em qualquer guerra assimétrica a resistência iraquiana tentou produzir
insegurança, fazendo com que a violência no país tornasse sua reconstrução impossível.
Assim, reconhecendo sua inferioridade militar frente às tropas norte-americanas tentou
atacar o centro de gravidade do seu sistema político-militar. Para isto executaram um
grande número de ações pontuais, com retiradas rápidas, evitando o combate aberto, onde
a superioridade tecnológica norte-americana seria esmagadora (SILVA, 2009, p. 23).
Seus objetivos eram causar o maior número possível de baixas, evitar a
reconstrução econômica do país e causar um grande gasto financeiro para os americanos,
fazendo assim com que a população nos EUA exigisse uma retirada, mesmo sem derrota
militar. Esta estratégia deu certo, como fica aparente na queda dos níveis de popularidade
do Governo Bush com o decorrer do conflito.
A violência atingia principalmente estrangeiros, mas os iraquianos também
sofriam com ela e houve uma piora após as eleições em 2005, quando a estratégia evoluiu
para uma total inviabilização do sistema. Como resultado os americanos se viram
obrigados a manter a ocupação e se expor a perdas pesadas, tendo como únicas saídas
uma retirada humilhante ou a negociação com a insurgência (SILVA, 2009, p. 23).
Guerra ao Terror acerta em mostrar como era esta situação para os soldados
presentes na ocupação, tensão e desconfiança estão sempre presentes quando se trata dos
civis iraquianos. Uma cena em especial mostra o quanto esta desconfiança contribui para
a sobrevivência dos soldados. Numa das sequências na qual a unidade Bravo é chamada
para inspecionar um possível depósito utilizado por resistentes para a produção de
explosivos o Coronel Cambridge (Christian Camargo), um soldado com pouca
experiência em campo e que atuava mais como psicólogo do exército resolve acompanha-
los, cumprindo uma promessa feita a Eldridge.
Ao chegar no local, James e os outros cuidam da inspeção do prédio enquanto
Cambridge afasta os civis. A falta de experiência em campo por parte do coronel se faz
presente, já que ao contrário de todos os soldados até este momento no filme ele tenta
272
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
fazer com que alguns senhores iraquianos saiam do local de maneira muito educada. Isto
vai ocorrendo como pano de fundo enquanto o filme mostra as ações da unidade, e no
fim, depois de tentar durante muito tempo conversar com os senhores, Cambridge acaba
apelando para a truculência e expulsa os cidadãos, um pouco antes da unidade se retirar.
Assim que os civis se afastam, o coronel Cambridge, aparentemente sem nem perceber,
morre numa explosão causada por uma bomba aparentemente deixada pelas pessoas com
as quais tentou conversar (BIGELOW, 2008, 82 min).
Aqui o filme deixa um claro recado, qualquer iraquiano pode ser um inimigo. É
justamente sobre isso que pesam as críticas sobre a representação deste povo no filme.
Na tentativa de passar esta sensação de perigo onipresente os personagens que
representam este povo são retratados de maneira extremamente pobre, quase sem falas
traduzidas, sempre como pessoas indefesas que o exército norte-americano tem que salvar
ou como rebeldes terroristas. O único personagem próximo de ser uma exceção seria
Beckham (Christopher Sayegh), um menino que vende dvds perto da base onde a unidade
Bravo fica hospedada e se torna amigo de James.
Apesar desta representação pobre do povo do Iraque, também pudemos identificar
cenas que demonstram truculência ou violência desnecessária por parte de soldados norte-
americanos para com os nativos, supostamente justificadas pela insegurança causada pela
resistência. Numa delas, durante uma operação para desarmar uma carga de explosivos
um taxista iraquiano, aparentemente desorientado, rompe o bloqueio montado no local de
forma abrupta. Após alguns momentos de tensão, com várias armas apontadas para si o
motorista recua, quando é arrancado de dentro do carro e tratado de maneira
extremamente violenta. Uma frase proferida por James ao ver esta cena pode traduzir seu
significado para nós: “Bom, se ele não era um insurgente, agora com certeza é”
(BIGELOW, 2008, 19 min).
Em outra cena, ocorrida durante a tentativa de desarmar uma bomba próxima a
uma escola, um membro da resistência iraquiana é alvejado enquanto tentava balear os
integrantes das forças norte-americanas. Os soldados o socorrem ainda com vida, porém,
o Coronel Reed (David Morse) se aproxima e indaga:
273
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Logo após este diálogo o coronel dá as costas para o local e ouvem-se tiros, o que
deixa a entender que o insurgente foi executado. Ao mostrar um oficial condenando um
insurgente a morte a diretora obviamente traz um questionamento sobre a autoridade
moral destes personagens e à forma como a violência atingiu também os iraquianos,
resistentes ou não.
Além disto, o filme também investe pesadamente em demonstrar situações
extremas as quais os soldados são submetidos. É o exemplo da sequência na qual a
unidade Bravo passa horas num confronto estático com rebeldes, na qual, graças ao
formato documentário, a exaustão sentida pelos soldados fica bem transmitida ao
espectador (BIGELOW, 2008, 55 min). Outro exemplo é quando até o aparentemente
inatingível James desaba ao encontrar o corpo de um menino que estava sendo preparado
para se tornar um “cadáver-bomba”. Achando se tratar de Beckham, este é um dos únicos
momentos do filme no qual o personagem se mostra emocionalmente alterado
(BIGELOW, 2008, 81 min).
Podemos ver como toda esta situação afeta os soldados através dos personagens
principais. James visivelmente é viciado na adrenalina causada pela guerra, o que o faz
ter pouco cuidado com a própria vida, como fica claro durante o filme. Ele chega até a
criar afeto pelas coisas que poderiam tê-lo matado, como nos mostra uma cena na qual
seus companheiros acham uma caixa onde ele guarda pedaços de grande parte dos 873
dispositivos que ele conseguiu desarmar com sucesso (BIGELOW, 2008, 69 min).
Isto também fica claro quando ele volta para casa e se mostra nitidamente
deslocado fora do campo de batalha. Durante esta sequência, enquanto conversa com seu
filho recém-nascido ele se expressa sobre o quê e quantas coisas ama na vida, deixando a
entender que a adrenalina do campo de guerra é uma delas (BIGELOW, 2008, 123 min).
Provavelmente é para este personagem que uma citação feita no inicio do filme se dirige:
“A emoção da batalha costuma ser um vício forte e letal, pois a guerra é uma droga”.
Já Eldridge não consegue lidar com o perigo de morte constante. Durante várias
cenas ele toca no assunto, sempre deixando claro como este sentimento o incomoda
profundamente, podemos ver isto através de suas reações no decorrer da história e
274
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
tentaremos demonstrar aqui através de dois diálogos. O primeiro ocorre com o Coronel
Cambridge, que visita Eldridge logo após a morte de Thompson:
Eldridge: Ei, é o senhor “seja tudo o que puder ser”. O que está
rolando?
Cambridge: Nada demais, como vai?
Eldridge: Vou bem. Mas tenho uma dúvida sobre esse lance de “seja
tudo o que puder ser”. E se tudo que eu puder ser é um cadáver numa
estrada iraquiana? Acho que é lógico, isto é uma guerra. As pessoas
morrem o tempo todo. Por que não eu? (BIGELOW, 2008, 27 min)
Em outra cena Cambridge o aborda para saber como ele está lidando com a morte
recente de Thompson e sua substituição. Aqui já está óbvio que Eldridge estava sob
constante observação psicológica, o que atesta seus traumas com a guerra.
Cambridge: Owen.
Eldridge: Oi, senhor.
Cambridge: Como vai?
Eldridge: Vou bem. Ótimo.
Cambridge: Qual é o problema? (Se referindo a um carro no qual o
soldado está aparentemente efetuando um reparo)
Eldridge: O freio está chiando. Não confio nos mecânicos
por aqui, sabe?
Cambridge: Como vai você?
Eldridge: Bem. Só quero checar o óleo. É. É bom dormir, comer bem.
Estou me sentindo muito bem, doutor.
Cambridge: É bom saber. Então está se dando bem com os outros
soldados da sua unidade?
Eldridge (em tom sarcástico): Sim, minha equipe é ótima. Meu líder
é inspirador.
Cambridge: Está sendo sarcástico, soldado?
Eldridge (ainda em tom irônico): Não. Ele vai me fazer morrer. Quase
morri ontem. Pelo menos vou morrer cumprindo meu dever, orgulhoso
e forte (BIGELOW, 2008, 47 min).
Dos três personagens principais Sanborn parece ser o mais centrado, apesar de
tudo. Porém, numa cena ocorrida logo após ele e James terem fugido por muito pouco de
uma explosão, devido a uma bomba acoplada ao corpo de um homem que afirmava ter
desistido de cometer um atentado e que James não conseguiu desarmar, ele também
demonstra, aos prantos, como o stress do conflito o faz se sentir. Segue o diálogo:
275
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
276
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
baixa organização e grande mobilidade do inimigo, o que classificaria este conflito como
uma guerra assimétrica (SILVA, 2009, p. 33)
Assim, o filme tenta mostrar ao espectador o quanto esta guerra serviu apenas para
desperdiçar as vidas, tanto dos soldados americanos quanto dos iraquianos. Para isto
investe em demonstrar o cotidiano altamente estressante destes personagens, tentando
fazer com que quem assiste se pergunte sobre os motivos pelos quais aquelas pessoas
estão se sacrificando, e se estes são válidos.
Fonte
The Hurt Locker. Direção: Kathryn Bigelow. Produção: Greg Shapiro, Kathryn
Bigelow, Mark Boal, Nicolas Chartier. Estados Unidos: 2008.
Referências bibliográficas
CHOMSKY, Noam. A nova guerra contra o terror. Traduzido por Carlos Afonso
Malferrari. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v.16, n.44, jan/abr de 2002.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142002000100002&lng=en&nrm=iso#back>. Último acesso em 01 de Fevereiro de
2017 às 00:02.
ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. São Paulo: Paz
e Terra, 2010.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Guerra do Iraque (2003). In: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina; VIANNA, Alexandre Martins. (Orgs.)
Enciclopédia de Guerras e Revoluções – A época da Guerra Fria (1945-1991) e da
Nova Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
277
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
278
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Google Maps 2017 [Av. Barão de Tefé 75] Disponível em: https://www.google.com.br/maps
99
Por uma questão de praticidade a partir deste momento sera usada a sigla DDPII.
100
Decreto 4492 de 30 de março de 1870.
279
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nos dias de hoje o Armazém nº 5 limita-se pela rua Argemiro Bulcão a leste e
pela Praça Jornal do Commercio/Cais da Imperatriz a oeste. Ao sul encontra-se a Coelho
e Castro. Esse armazém se tornou uma estrutura central no sistema de armazenagem da
DDPII após alterações no projeto original. Mas ao observar o mapa101 de 1867 que foi
anexado a petição de 13 de dezembro do mesmo ano com o objetivo de solicitar a
concessão da DDPII nota-se a sua ausência, assim como, da atual rua Coelho e Castro. O
surgimento dessa nova rua e do Armazém nº 5 é um fator essencial na compreensão das
disputas pela localidade durante a implementação do projeto da companhia. Já a rua
Anibal Falcão que começa na rua Sacadura Cabral e termina na rua Coelho e Castro não
foi encontrada em plantas ou decretos da DDPII, mas também será analisada por meio de
outras documentações no intuito de estabelecer uma possível relação entre o seu
surgimento e a companhia. Sendo assim, a partir dessas três alterações serão investigados
os processos decorridos nessas transformações a fim de elucidar suas motivações,
consequências e atores envolvidos.
Primeiramente, no que se refere a rua Coelho e Castro pode-se dizer que seu
surgimento foi a última alteração imposta pelo poder público a DDPII antes da data
prevista para a inauguração das obras, 15 de setembro de 1871. O decreto de nº 4783 de
6 de setembro de 1871 aprovou alterações na planta de 1867 criando a rua hoje conhecida
como Coelho e Castro. Nota-se que a data do decreto é anterior a inauguração. Isso posto,
a criação da nova rua não representou uma surpresa no que se refere a cerimônia de
inauguração das obras. Mas ao observar a data do decreto pode-se deduzir que esta
intervenção a nove dias do início dos trabalhos pode ter representado uma vitória na
defesa dos interesses dos proprietários de estabelecimentos localizados na rua da Saúde
entre o beco da Pedra do Sal e a Praça Municipal/Largo da Imperatriz 102. Pois esses
proprietários não aceitaram a proposta inicial do projeto que previa a construção de um
muro de 2,5 m de altura que separaria seus estabelecimentos do acesso à baía. A
companhia era acusada de monopólio nas páginas do Jornal do Commercio por impedir
o funcionamento dos estabelecimentos ou pelas desapropriações que faria.
101
Ver Mapa de 1867 na paG 13
102
Por uma questão de praticidade a partir de agora será usada apenas a nomenclatura Largo da Imperatriz
para referir-se a esta localidade.
280
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Planta das Docas Dom Pedro II. 1871. Planta da 5ª Seção. Acervo da Superintendência do Patrimônio da
União SPU/RJ
Por considerar que compõe parte do objetivo deste trabalho a recuperação da memória
desta localidade será aberto um parêntesis para verificar a correta grafia do nome dessa
rua e o motivo de possuir este homenageado.
Foi por meio do decreto nº 1165 do executivo municipal de 31 de outubro de 1917
que se oficializou Coelho e Castro como o nome atual da rua. Esse decreto é composto
por dois artigos, mas uma série de considerações foram escritas antes deles.
O tom das considerações redigidas nesse decreto evidencia que a iniciativa
municipal em organizar os logradouros da cidade estava diretamente ligada a um elevado
281
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
103
Notação 19. 1. 1. Legislação: Decretos Executivos. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
104
Conforme Almanak Laemmert 1872
282
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nessa data, segundo Delmiro José da Costa, ou seja, após o início das obras de
estacaria da DDPII, houve um acordo entre Rebouças e ele para que o estaleiro que
utilizava não fosse interditado pelas estacas. Sua solicitação justifica-se pelo futuro
lançamento de um vapor da Companhia de Transporte Marítimos que seria realizado por
meio deste estaleiro até o fim de janeiro de 1872.
No entanto, por meio de publicação do Jornal do Commercio105, Delmiro queixa-
se de uma quebra de acordo, pois as estacas foram lançadas desde o trapiche Pedra do Sal
até o Portas impossibilitando o lançamento do vapor a partir do estaleiro que se situava
na rua da Saúde 88. Considerando que os trapiches Pedra do Sal e Portas estavam por ela
arrendados, que segundo denúncia anônima ao Jormal do Commercio os
estabelecimentos da rua da Saúde entre os números 88 e 94 pertenciam a sogra de José
Machado Coelho de Castro e foram comprados pela DDPII por valores exorbitantes106,
que o estaleiro ao ter sua saída interditada pelas estacas foi altamente prejudicado e que
nos anos seguintes a 1872 as atividades de estaleiro e construção naval desenvolvidas por
Delmiro José da Costa foram transferidas para um novo endereço (Rua da Saúde, 184)
deduz-se que gradativamente a companhia impusera sua hegemonia no local. Pois ao
considerar que a companhia permaneceu usando os trapiches Pedra do Sal e Portas até o
seu arrendamento em 1877, ou seja, mesmo após a inauguração do Armazém nº 5, é ao
menos razoável concluir que essa estratégia conferiu considerável supremacia a DDPII
naquele espaço.
Exite ainda um dado que ratifica a hipótese que se pretende confirmar atinente a
essa localização. Em 1876, Rebouças confirma a aquisição pela DDPII de um terreno
o qual teria o propósito de servir como entreposto central para preparação e armazenagem
de café. A descrição desse novo terreno da companhia coincide com aquela dos estaleiros
apontados na denúncia anônima já citada.
105
Dezembro de 1871
106
Jornal do Commercio Setembro de 1871.
107
Revista do Instituto Polytechnico 1876.
283
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
284
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Embora ainda não se possa precisar porque o Largo da Imperatriz, mesmo após o parecer
favorável de março de 1868, se tornou uma arena de disputa entre a Câmara Municipal e
a DDPII; alguns elementos presentes nos dados levantados podem ajudar a elucidar,
mesmo que parcialmente, essa questão.
A narrativa do Jornal do Commercio no dia seguinte a inauguração as obras da
DDPII é marcada pela grandiosidade do evento. Entre os convidados estão importantes
pessoas da corte imperial, ministros e diretores da DDPII. O Largo da Imperatriz estava
adornado, havia um palanque onde foi realizado um discurso inaugural para a obra e um
malhete de ouro foi entregue ao Conde d'Eu pelo engenheiro André Rebouças. No Largo,
além da mesa imperial, havia três mesas de 50 talheres cada uma franqueada aos
convidados.
O uso do Largo da Imperatriz era uma questão primordial no projeto original, pois
neste local se instalaria o Armazém Central da DDPII que remeteria os demais
estabelecimentos da rua da Saúde a um significativo isolamento das atividades
comerciais. Nesta circunstância não se vislumbrava a mínima hipótese para construção
do Armazém nº 5 como pode ser constatado pelo lançamento da primeira pedra na
cerimônia de inaugurção das obras no Largo da Imperatriz.
Durante as intervenções das obras do projeto Porto Maravilha realizado com
objetivo revitalizar a zona portuária do Rio de Janeiro para as olimpíadas de 2016 foram
realizadas escavações acompanhadas de supervisão arqueológica. Entre os seus achados
de cultura material foi encontrada a primeira pedra da DDPII.
A descrição e análise desta descoberta arqueológica foi realizada em abril de 2016
em artigo publicado nos Anais do Museu Paulista:
Por razões técnicas da obra, foi feito um desvio para dentro da área da praça,
tendo essa nova trincheira alcançado 28,40 m de comprimento, 1,50 m de
largura e 1,0 m de profundidade. No decorrer dessa escavação, foi encontrado
um grande bloco retangular de granito finamente lavrado, em frente ao nº 105
da av. Barão de Tefé e junto ao meio-fio da Praça Jornal do Commercio, a 2,50
m de profundidade. Sobre o bloco de granito lavrado, foram incrustadas as
iniciais DDPII, em mármore preto e branco; e no alto, à esquerda, a data 15-
09-1871. No centro do bloco, um recorte quadrado na pedra, medindo 0,35 x
0,35 m, sinalizava a existência de um compartimento interno, selado por uma
tira de metal para impedir sua abertura. O bloco foi progressivamente escavado
à toda volta, de modo a ser exposto em sua totalidade, e também para verificar
se a peça estava isolada ou associada a alguma estrutura. Após a sua exposição
total, foi constatado que não havia outras evidências senão o bloco, cabendo
então proceder a sua identificação.[...] Após rápida investigação, foi verificado
285
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que se tratava da pedra fundamental do edifício das Docas D. Pedro II, situado
na quadra seguinte da Av. Barão de Tefé, próximo ao Cais da Imperatriz, a
cerca de 60 m do local do achado. Essa grande distância é pouco usual, já que
pedras fundamentais são em geral colocadas acima das fundações de uma
construção, e não tão afastadas dela. Por ora é desconhecida a razão desse
distanciamento, que pode ter sido decorrente de um açodamento em lançá-la,
ainda que fora do lugar de praxe.(LIMA, SENE, SOUZA, 2016. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142016000100299#aff1 )
286
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
iniciaram com o embargo do Largo da Imperatriz, mas que precisavam se resolver na área
de aterro que foi criada e que hoje conhecemos por Barão de Tefé 75.
287
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
288
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DDPII e nem a Metropolitana conseguiram a concessão tão desejada, mas isso é um outro
assunto. O mais significativo é que de fato a ideia de prioridade remonta a um ideal de
propriedade de cunho monopolista entre os opositores.
Já o engenheiro citado por Santos, na verdade, chama-se Antonio Gomes de
Mattos Júnior e é filho de Antonio Gomes de Mattos comendador estabelecido no
município de Maricá, figura relevante do partido liberal, possuidor de mais de duzentas
braças de terras e major aposentado sem remuneração pelo Ministério da Guerra em 20
de outubro de 1855.
Antonio Gomes de Mattos Júnior tem sua formação em engenharia realizada na
Marinha e em 1850 é Guarda Marinha. Em 1855 vai estudar na Europa especializando-se
em máquinas a vapor. Retorna em 1856 e nesse mesmo ano começa a trabalhar no Arsenal
de Guerra, função que exerceria até 1863, no entanto, a partir do ano de 1859 em
concomitância com a atividade de engenheiro da Companhia Brasileira de Paquetes à
Vapor (CBPV).
No ano de 1864, não mais como diretor das oficinas de máquinas do Arsenal de
Guerra, recebe a condecoração de oficial da Ordem da Rosa pelos bons serviços prestados
naquela função. Sua trajetória segue na CBPV até 1867 quando tornou-se sócio e gerente
das oficinas de Jonh Maylor na Rua da Saúde nº 136. Neste momento os destinos de
Rebouças e Gomes de Mattos Júnior se encontraram definitivamente.
A contar do mesmo ano os engenheiros se estabeleceram no Valongo, hoje Saúde,
a fim de constituírem, como empreendedores, projetos muito ambiciosos. Os planos de
Rebouças já foram apresentados. Entretanto, quanto a Gomes de Mattos Júnior, depois de
ter chefiado as oficinas de máquinas do Arsenal de Guerra e ter sido engenheiro da CBPV
lançou-se em dois novos empreendimentos. O primeiro deles é o estabelecimento de uma
sociedade com as oficinas de John Maylor em 1867 e o outro ocorre em 1873 quando
assume a função de secretário da Companhia de Navegação Transatlântica que tem seu
escritório na rua Visconde de Inhaúma 26.
Foi no desenvolver dessas duas últimas atividades que os confrontos se
intensificaram entre Rebouças e Gomes de Mattos Júnior. nas páginas do Jornal do
Commercio. Desde o dia seguinte a inauguração das obras. Primeiramente atuou de forma
anônima apresentando todo tipo de crítica ao projeto. Seus artigos apresentavam desde
289
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
contestações ao discurso de inaugural da DDPII e aos detalhes técnicos mais precisos até
as movimentações de ações da companhia. Pois enquanto engenheiro e empresário deu-
se o direito de analisar tudo que representasse uma ameaça aos seus interesses e uma
fragilidade da DDPII. Dessa forma se colocou como representante dos proprietários dos
estabelecimentos que seriam desapropriados, deu apoio ao embargo da Câmara as obras,
se tornou um crítico ferrenho às alterações que propuseram a construção de molhes
perpendiculares em madeira ou ferro e realizou uma petição solicitando outro embargo a
obra para submeter a alteração do projeto (molhes de ferro) a uma avaliação por uma
comissão de engenheiros. Sua última publicação se deu no dia que Rebouças embarcou
em sua segunda viagem para a Europa. Neste artigo considerou encerrada as discussões
e embora a comissão de engenheiros tenha sido organizada para analisar a obra, não
conseguiu o novo embargo pretendido. Por entender que os direitos dos proprietários
estavam confirmados considerou que este era o ponto final do embate.
Por fim, como parte processo de levantamento de dados da pesquisa em
andamento sabe-se que os apontamentos anida não são conclusivos. Mas se espera que o
presente trabalho possa ter contruibuído no aprofundado de aspectos relevantes à lógica
de funcionamento do porto e da cidade durante o Segundo Reinado. Sendo assim,
evidenciando minúcias dos mecanismos de disputas pelo espaço portuário e pelas formas
de geri-lo.
290
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Planta das Docas Dom Pedro II 1867. Acervo da Superintendência o Patrimônio da União SPU/RJ
FONTES PRIMÁRIAS
Mapa das Docas Dom Pedro II 1867. Fonte: Acervo da Secretaria do Patrimônio da União
SPU/RJ. Ministério da Fazenda
291
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS
LIMA, T. A.; SENE, G. M.; SOUZA, M. A. T. de. Em busca do Cais do Valongo, Rio de
Janeiro, Século XIX, 2016. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142016000100299#aff1 , acesso em 21 de abril de 2017.
292
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
293
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações iniciais
O cordel brasileiro em sua trajetória de mais de 100 anos já tem uma história de
produção consolidada e vem se firmando como gênero literário, dispondo de um cânone
poético e modelo editorial bem definido.
Desde que foram impressos os primeiros folhetos, ao do final do XIX, pelo
reconhecido precursor, o paraibano Leandro Gomes de Barros108, é possível verificar um
movimento contínuo de estabelecimento deste cânone literário, bem como um crescente
interesse como objeto de estudo, do que desde o seu nascedouro foi associado à chamada
poesia popular.
Esse caráter de poesia “popular”, como “expressão espontânea da alma nacional”
(ORTINZ, 1985, p. 22), teria sido inventado ainda no século XVIII, pelos escritores
românticos.
Posteriormente, seria reinventada pelos folcloristas, em meados do XIX, sob
outros critérios, de cunho evolucionista e cientificista (ORTINZ, 1985), principalmente
nas regiões periféricas ao capitalismo emergente no continente europeu e em oposição ao
poder centralizado do estado nacional vigente (BURKE, 1998).
Em seu nascedouro os estudos folclóricos buscavam recolher e identificar os usos,
costumes, folguedos, práticas e expressões da sabedoria popular, tendo como referências
a ancestralidade e origem imemorial, decorrente dos traços definidores de uma oralidade
108
O Paraibano de Patos, Leandro Gomes de Barros (1864-1918), é considerado o inventor do modelo
editorial, quando em 1893, ou pouco antes, passa a publicar narrativas, histórias, pelejas e romances em
folhetos de versos, na cidade do Recife, em Pernambuco. Ver: LITERATURA Popular em Verso:
Antologia. Leandro Gomes de Barros. Rio de Janeiro: MEC\FCRB\UFPB, 1977.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
294
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
impessoal e perdida, com raízes fincadas no meio rural, e como autêntica expressão do
que chamavam de “alma nacional”.109
O programa estabelecido pelos folcloristas terá uma forte influência nos estudos
das práticas e tradições populares, notadamente no tipo de poesia impressa em folhetos,
característica da linguagem e modelo editorial inventado por Leandro Gomes de Barros.
O que nos parece relevante, e fonte de incongruências que serão levantadas e
discutidas aqui, é que desde o surgimento do modelo editorial do que chamaremos de
cordel brasileiro, ao final do XIX, ele é referenciado também como objeto de estudo dos
intelectuais como parte de uma tradição: a da poesia e da cultura popular.
Uma matriz de estudos do cordel se estabelecerá desde então, e chega até os nossos
dias exercendo influência como modelo de análise e constituição deste objeto.
Assim, após os seus inventores, o interesse pelos folhetos de versos terá
continuidade nas reportagens dos jornalistas, seus difusores a partir dos anos 40, bem
como nos radialistas, cineastas, teatrólogos, enfim nos mass media e no meio artístico.
Um exemplo é o do escritor e Jornalista Orígenes Lessa 110, que em meados dos
anos 50, no Rio de Janeiro, será um grande difusor do cordel entre um novo público
consumidor, o das classes médias nas grandes cidades do Sudeste brasileiro.
Também o meio acadêmico e universitário, que aqui situamos por volta de 1955,
quando dos primeiros estudos de caráter sociológico e institucional, como o de Renato
Carneiro Campos111, que pulverizado em diversas abordagens, pouco-a-pouco se
distanciará da perspectiva do folclorista.
Utilizando-o como fonte de informação e pesquisa, o mundo da academia fará
uma análise de cunho científico e com metodologias múltiplas para analisar o cordel como
objeto de estudo de várias ciências, notadamente na Crítica Literária, Sociologia, História,
109
Sobre uma genealogia crítica do conceito de cultura popular a partir da Europa, que foi replicado no
Brasil, o estudo pioneiro de Renato Ortinz nos faz refletir sobre a construção da identidade nacional a partir
do discurso de intelectuais. Ver: ORTINZ, Renato. Românticos e Folcloristas. São Paulo: PUC, 1985.
110
Este autor trata dos folhetos nordestinos sob o ponto de vista do jornalista e o divulgaria amplamente, o
que chamava então de “literatura popular em verso”, entre um público consumidor distinto do que consumia
o cordel até então. Ver: LESSA, Orígenes. “Literatura Popular em Verso”. Anhembi. São Paulo: 21, (61):
68-87, dez. 1955.
111
O estudo de Renato Carneiro Campos inaugura, sob o ponto de vista das Ciências Sociais, um tipo de
abordagem a respeito dos “folhetos populares” Ver: CAMPOS, Renato Carneiro. “Folhetos populares na
Zona dos engenhos de Pernambuco”. Boletim do Instituto Joaquim Nabuco, Recife, 4, 1955.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
295
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Semiótica, Pedagogia, só para citar algumas das perspectivas e abordagens possíveis para
estudar o cordel.
Por fim, os próprios poetas também estarão se posicionando neste campo de
embates, onde quase sempre estiveram a reboque como objeto de análise e estudo, mas
não como protagonistas de sua própria história na constituição de uma consciência
autoral, muitas vezes reproduzindo a ideia falseada de poesia distinta ou menor.
Assim, um movimento de organização dos poetas da literatura de cordel surgiria
a partir de 1955112, a princípio na esteira de reivindicar melhores condições de trabalho,
direitos e reconhecimento da categoria como classe organizada. Depois, o movimento
ganharia contornos de luta pelo reconhecimento enquanto arte, de valor estético, como
parte importante da cultura brasileira, constituído verdadeiro cânone de um gênero
literário rico e único.
No contexto de afirmação de um campo intelectual no Brasil, o dos estudos
culturais, e no embate que se estabelece entre os ideais folcloristas e a nova realidade
advinda da consolidação das Ciências Sociais no Brasil, que teremos aqui a possibilidade
de fazer uma leitura também do ponto de vista da história intelectual.
Por outro lado uma consciência autoral e de classe dos autores, que produzem e
estão na linha de frente da divulgação e circulação do modelo editorial, será fortemente
influenciada pelos que estão também interessados em utilizá-lo, estudá-lo ou divulgá-lo.
Assim, nos utilizaremos também do cabedal teórico da história do livro e das
práticas de leitura, nos usos, práticas e apropriação culturais (CHARTIER, 1990), para
entendermos os usos diferenciados da literatura de cordel na construção do seu ideário de
gênero literário, quase sempre dado, naturalizado, como “popular”.
No processo de sua construção como cânone e gênero literário, sempre associado
à chamada cultura popular, o nosso objeto de estudo será apresentado aqui em dois
movimentos: o da tradição inventada e constituída pelos estudiosos, folcloristas,
112
O I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros foi realizado em Salvador, no ano de 1955.
Organizado pelo poeta alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante foi a primeira tentativa de organização da
classe. Sobre o mesmo, ver: CURRAN, Mark. A presença de Rodolfo Coelho Cavalcante na moderna
literatura de cordel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FCRB, 1987.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
296
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
113
Theóphilo Braga (1843-1924), poeta, ensaísta e folclorista português, também considerado o introdutor
do Positivismo em Portugal. É a principal referência para o estudo do folclore português, exercendo forte
influência entre os primeiros estudiosos do folclore no Brasil. Ver: BRAGA, Theóphilo.O povo português
nos seus costumes, crenças e tradições. Lisboa: Livraria Ferreira Editora, 1885.
114
Silvio Romero (1851-1914), sergipano de Lagarto, teve grande destaque como escritor e crítico literário
na cidade do Rio de Janeiro. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras e introduziu todo um
programa de estudos folclóricos no Brasil, a partir da publicação de uma série de artigos na Revista
Brasileira, entre os anos de 1879 e 1880, que depois seriam reunidos em livro publicado em 1888 pela
Tipografia Laemert. Ver: ROMERO, Silvio. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. Petrópolis: Vozes,
1977.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
297
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
115
Sob este ponto de vista o que ele chama de literatura de cordel não são os folhetos que seriam produzidos
aqui pelo pioneiro, Leandro Gomes de Barros, entre 1889 e 1993 aproximadamente, mas os romances
portugueses, quase sempre em prosa, que eram vendidos nas principais cidades do império quando da
publicação deste seu estudo, entre 1879 e 1880, portanto antes do surgimento da literatura de folhetos
nordestina.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
298
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
literário, como podemos verificar em autores da época116 que registravam em seus escritos
o que chamavam de folhetos de versos populares.
Depois, outro padrão se estabelecerá. Nesta nova corrente, que terá em Amadeu
Amaral117 e Mário de Andrade118 as duas linhas mestras, o que se buscará é, cada vez
mais, estabelecer em bases científicas, em um método rigoroso de mapear os usos,
práticas e formas da identidade cultural na diversidade das expressões populares.
Podemos afirmar que as duas correntes, primeiro a literária, depois a de caráter
mais antropológica e científica, foram responsáveis por mapear, catalogar e classificar a
produção e a temática dos folhetos, quase sempre se atendo ao conteúdo e à origem
imemorial, de aspecto rural, quase nunca à forma poética e ao formato editorial.
Se os estudiosos documentaram o objeto cultural cordel, também reproduzirem
uma série de imprecisões que influenciariam todos os estudos posteriores, e que chegaram
aos nossos dias como verdades incontestáveis, como a já apregoada e quase incontestável
origem portuguesa, ou vinculando-a como parte de uma oralidade imemoriável, com
raízes medievais e originária dos cantadores e repentistas .
Assim, identifica-se uma pesquisa minuciosa de especialistas e uma tradição de
intelectuais, a dos folcloristas, com ênfase na pesquisa da chamada cultura do povo,
constituindo verdadeiro movimento em torno do campo da cultura popular.
Os jornalistas serão continuadores e difusores dessa tradição. Desde os anos 40 vêm
apresentando-a ao grande público e tornando-a conhecida em todo o Brasil, através das
ondas do rádio e da impressa escrita, jornais e revistas de circulação nacional (CURRAN,
1994). Desta forma, documentando e reproduzindo em uma dimensão nacional o teor,
forma e formato dessa literatura e dando uma visibilidade maior à figura dos autores, bem
116
Publicado orginalmente em 1903, o estudo de Rodrigues de Carvalho já faz referências a produção e
venda de folhetos no Nordeste. Outros dois autores, que publicaram seus livros no mesmo ano, em 1921,
também são referências importantes no estudo da poesia popular do Nordeste. Ver: CARVALHO,
Rodrigues de. Cancioneiro do Norte. Rio de Janeiro: INL, 1967; MOTA, Leonardo. Cantadores. Rio de
Janeiro: Livraria editora Cátedra, 1978; BARROSO, Gustavo. Ao som da viola. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1949.
117
Esse autor inova quando apregoa ser necessário estudos mais elaborados, com o devido rigor do método
científico, quando na condução da pesquisa folclórica. Ver: AMARAL, Amadeu. Tradições populares.
São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.
118
Embora tenha uma produção voltada para as expressões musicais, este autor vai conduzir pesquisas de
campo em que apregoa uma relação de interação entre a produção dos poetas populares e dos literatas. Ver:
ANDRADE, Mário de. O baile das quatro artes. São Paulo: Martins, 1963.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
299
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como dos diversos meios que dispunham e utilizavam para divulgarem os seus temas,
seja nos grandes centros ou pelas feiras do interior nordestino.
O grande interesse pelo cordel como objeto de pesquisa também teria forte
acolhida na universidade brasileira119, mas inicialmente ele também esteve associado à
instituições fora da universidade, em um misto de estudos folcloristas com pretensões à
cientificidade.
A Fundação Casa de Rui Barbosa120, por exemplo, é reconhecidamente a
instituição que implantou o primeiro grande programa de recolhimento e constituição de
acervo, catalogação, publicação de antologias, reconhecimento de autoria e estudos
sistemáticos que se estendem até os dias de hoje.
O estudo seminal de Rodolfo Vilhena121 “Projeto e Missão: o movimento
folclórico brasileiro (1947-1964)” fará uma análise acurada e profunda dos embates e
lutas por representação desses intelectuais, reverberando na importância dada a busca pela
institucionalização de um intenso programa dos folcloristas, que entre outras coisas
queriam estabelecer uma amplitude dos seus estudos no âmbito de cada estado, criar
museus e arquivos do folclore, bem como se inserir como campo de estudo na
universidade recém-criada.
Segundo este autor, no entanto, a universidade brasileira irá impedir ao Folclore
o caráter de disciplina particular no âmbito das Ciências Sociais, a partir da recusa, a
partir da Escola Paulista de Sociologia que tinha como principais representantes Roger
Batisde e Florestan Fernandes, o que acabou por delimitar um campo cultural e intelectual
com o folclore de fora (VILHENA, 1997).
119
A Universidade de São Paulo será uma das primeiras a desenvolver um programa de pesquisa sobre a
literatura de cordel e a constituir um acervo. Outras instituições universitárias que têm desenvolvido
programas permanentes são a Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal da Paraíba,
Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal do Ceará, só para citar algumas das mais
importantes.
120
O programa editorial da Fundação Casa de Rui Barbosa inicia-se em 1961, com a publicação de um
catálogo do que intitulou de “Literatura Popular em Verso”. O mesmo teve prosseguimento com a
antologia, de 1963, e uma série de estudos, a partir de 1973. Ver: LITERATURA Popular em Verso:
Catálogo. Rio de Janeiro: FCRB, 1961. LITERATURA Popular em Verso. Antologia. Rio de Janeiro:
MEC\FCRB, 1964. LITERATURA Popular em Verso: Estudos. Rio de Janeiro: FCRB, 1973.
121
VILHENA, Rodolfo. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio de Janeiro:
FUNARTE\FGF, 1997.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
300
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A partir dos que estudaram o cordel é que situaremos os poetas, pois também
reproduziriam amplamente as formas e fórmulas como foram representados: inicialmente
pelos folcloristas, posteriormente difundidas pelos jornalistas e estudiosos do meio
universitário e acadêmico.
A consciência autoral se revelará quase sempre sobre a ótica do outro, como parte
do que foi inventado como “popular” e a partir de uma lógica imposta, que muitas vezes
os representavam como incultos, conservadores, analfabetos ou semianalfabetos
(CAMPOS, 1955).
Por outro lado, uma das falsas ideias que se reproduziu, juntamente com a da
origem portuguesa, é a que associa o cordel a uma origem imemorial de uma oralidade
perdida, tendo uma herança mais próxima aos cantadores, emboladores e no improviso
dos repentistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
301
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
302
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
122
A historiadora Ana Amélia Rodrigues de Oliveira desenvolveu tese em que discute a noção de cultura
popular forjando a noção de cearensidade e cultura cearense em diversos áreas da sociedade, como o
turismo, no patrimônio material e imaterial, na publicidade, dentre outros. OLIVEIRA, Ana Amélia
Rodrigues de. Em busca do Ceará: a conveniência da cultura popular na figuração da cultura cearense
(1948-1983). 2015. 296 f. Tese (Doutorado em História). Fortaleza: Universidade Federal do Ceará.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
303
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
interessante e pertinente objeto de estudos sobre a cultura das classes mais baixas da
sociedade, como comumente foram retratados pela academia; ou ainda um rico
depositório das expressões mais autênticas de uma identidade regional, de uma linguagem
regionalizada utilizada como fins de propaganda e publicidade, que aproxima pela
referência identitária.
O cordel torna-se, assim, linguagem de múltiplas funções, usos e utilidades.
Quando aos poetas, o que se sobressai é uma crescente tentativa de organização, diante
de todos esses usos sem que ele seja o real beneficiário desta supervalorização.
Podemos mapear algumas destas instituições no Nordeste e fora dele e perceber
que o movimento tinha um caráter que rompia fronteiras locais ou mesmo regionais, pois
alguns desses cordelistas, como ficarão consagrados, migrarão para os grandes centros do
Sudeste, grandes capitais nordestinas ou mesmo para o Distrito Federal.
Na capital federal aconteceria o 1º. Congresso Nacional dos Poetas e Trovadores
Repentistas e Escritores da Literatura de Cordel, entre 16 e 18 de junho de 1978, conforme
retratado em um cordel da autoria de Homero do Rêgo Barros – o trovador de Olinda e
Recife, que na contracapa de folheto produzido para o evento informava ser a publicação
“registrada na Ordem Brasileira da Literatura de Cordel – Salvador –Brasil” (BARROS,
1978, p. ).
Outras instituições existirão, de caráter nacional ou mesmo regionalizadas, tais
como Casa de Cultura São Saruê, fundada em 27\09\1974 no Rio de Janeiro; a Cordelbrás,
fundada em 09\09\1981 no Rio de Janeiro; a Academia Brasileira do Cordel (ABC) criada
em Fortaleza no ano de 1980; o Centro Cultural dos Cordelistas do Nordeste
(CECORDEL), agosto de 1987 em Fortaleza; a Academia Brasileira da Literatura de
Cordel (ABLC) fundada em 07\09\88 no Rio de Janeiro; só para citar algumas, em um
movimento contínuo de organização e reivindicação por um espaço que se estende até os
dias de hoje.
Desta forma, se os próprios autores estarão participando dessa construção,
refletindo os atributos e certos de fazerem poesia popular, passam a se organizar em
associações e organizações, como uma forma de demarcarem suas posições e
reivindicarem os seus direitos enquanto classe.
304
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
305
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
306
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
123
O conceito de intelectual utilizado no presente artigo é o trabalhado por Norberto Bobbio em seu
capitulo: Os intelectuais.p.114-121. In: BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder - dúvidas e opções
dos homens de cultua na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Unesp.1997.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
307
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
308
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
124
Piauiense e falecido no Rio de Janeiro, Comandante da Marinha, governou por pouco tempo de
4/10/1930 a 29/01/1931.
125
Um dos líderes da Revolução de 1930 no Piauí. Magistrado. Governou apenas um dia 29/01/1931.
126
Governou o Piauí de 29/01/1931 a 21/05/1931, militar de formação, foi designado a ser interventor do
Piauí, faleceu em Niterói (RJ), em 1940.
127
Higino Cicero Cunha. Advogado, jornalista, professor. Teve uma vida professional e literária muito rica,
colaborou e fundou vários jornais e revistas no período.
128
No presente artigo foi preservado a caligrafia original dos documentos pesquisados, para preservar
identidade do documento.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
309
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Analisando o fragmento, observamos que o momento pós 30, foi favorável para
as aspirações dos intelectuais, pois o período inicial da República, regime esperado com
grande motivação, não foi palco de grandes transformações para a sociedade. Todavia, o
período denominado de República Velha (1889-1930), promoveu a consolidação de
estruturas arcaicas aos interesses liberais, e ao mesmo tempo, ajudou a fortalecer os
grupos conservadores agrários no poder, promovendo um cenário estático para as
mudanças estruturais idealizadas pelos republicanos. Portanto, o rompimento era uma
condição sine qua non para os grandes avanços no País no campo das ideias que
implementaram estas transformações em cursos.
O sucessor de Joaquim Lemos Cunha foi outro militar, Landry Salles
Gonçalves129, que governou o Piauí de 1931 a 1935. Durante sua interventória foi
realizada uma série de obras e mudanças administrativas, entre elas: reforma da justiça,
construção de prédios escolares e expansão do correio aéreo nacional. Estas ações
reformistas tinham também como objetivo buscar uma aproximação com a sociedade
civil. Até mesmo a própria Faculdade de Direito, recebeu não apenas apoio administrativo
na sua instalação e regularização, mas ajuda financeira por parte do Estado. Essa relação
foi de grande proximidade, como pode ser visto no próprio trecho escrito por Higino
Cunha, na citação anterior.
A participação dos intelectuais na educação foi intensa no Estado, tanto exercendo
cargos públicos, a exemplo de Martins Napoleão130, que ocupou na interventória de
Landry Salles, o cargo de Diretor Geral de Instrução Pública, buscando implementar esta
pasta, promoveu a ampliação de matrículas e a construção dos novos espaços físicos
escolares, tanto na capital, como nos municípios. O número de matrículas é um dado
interessante para compreender este avanço nos discursos do governo e dos intelectuais.
129
Militar nomeado pelo Presidente da República, foi interventor de 21/05/1931 a 3/05/1935.
130
Benedito Martins Napoleão do Rego. Professor, ensaísta, poeta, jornalistas, advogado. Pertenceu a
Academia Piauiense de Letras. Colaborou com vários jornais e revistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
310
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
131
Revista que circulou nos anos trinta no Piauí, de edição mensal e de cunho literário, que trazia em seu
corpo a vida política e social.
132
Médico, professor. Governou o Piauí de 1935 a 1945. No primeiro momento como governador eleito
pela assembleia de 1935 a 1937, depois com interventor.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
311
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
estaduais, momento este em que o Piauí é assinalado com grande presença da ideologia
varguista no governo.
Na mensagem governamental apresentada à assembleia em primeiro de junho
de 1936, o governador Leônidas Melo, fazia uma explanação do seu primeiro ano de
governo demonstrando sua interação com o projeto nacional na busca de levar o Estado
ao progresso, projeto este de Getúlio Vargas para todo o Brasil. Uma citação da
mensagem ilustra bem esta consonância entre o governo estadual e o federal.
312
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
133
Edison da Paz Cunha. Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Desenvolveu atividade
profissionais na advocacia, imprensa e magistério.
134
Nasceu em Teresina em 1892 e faleceu no Rio de Janeiro em 1983. Formado em Direito, foi Juiz e
Desembargador no Piauí. Colaborou com diversos jornais e revistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
313
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
314
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Federal, feita pelo Getúlio Vargas, não podia ser melhor. [...], eis ahi
duas figuras máscula do momento a que o Almanch Piauhyense135 rende
as suas homenagens (ALMANACH PIAUHYENSE, 1938, p. 128-
129).
135
Almanaque que circulou no Piauí, com notícias políticas, sociais, econômicas e culturais sobre direção
do jornalista Antonio Lemos nesta última fase.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
315
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
136
Jornalista, professor, membro da Academia Piauiense de Letras. Teve uma intensa atividade no
magistério e no campo literário, colaborando com vários jornais e revistas do período.
137
Órgão oficial do Centro Cultural – Lima Rebelo do Ginásio Dr. Demóstenes Avelino.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
316
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
317
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
ALMANACH PIAUHYENSE. Teresina: Graphica Excelsior, 1938.
318
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA e SILVA. Síntese da formação racial, social e política do Brasil. p. 35 - 38. In:
REVISTA ZODIÁCO, Ano 2. Nº 7. 3 de maio/1944.
LAMOUNIER, Bolívar. Os grandes líderes – Getúlio. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MICELI, Sérgio. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920- 1945). São Paulo: Difel,
1979.
319
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. VELLOSO, Monica P.; GOMES, Ângela Maria Castro (Ogrs.).
Estado Novo – Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1982.
320
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O fim da aviação naval? Tensões político-militares nas forças armadas no estado novo
A aviação militar brasileira até o final da década de 1930 estava dividida entre a
aviação naval e a aviação militar, respectivamente, sob a égide da Marinha e do Exército.
A idealização do Ministério da Aeronáutica se processou em um contexto de
reorganização das Forças Armadas para fortalecer as ações do Estado Novo, projeto de
poder liderado por Getúlio Vargas, apoiado pelas camadas intermediárias da população e
pelos militares que temiam a implantação do comunismo no país.
A instauração do Estado Novo no Brasil é contemporânea, e em certa medida,
subsidiária de regimes que se proliferaram na Europa, a exemplo do nazismo na
Alemanha, do fascismo na Itália, do salazarismo em Portugal e do franquismo na Espanha
que instalaram governos autoritários com repercussões dramáticas na história da
humanidade. A centralidade do Estado Novo concentrou no Poder Executivo da Nação
brasileira a tomada de decisões que antes eram partilhadas com os estados e o Poder
Legislativo, anulando assim o princípio do federalismo, algo característico da Primeira
República.
O historiador Fernando Rodrigues (2008, p. 24) apresenta que durante o Estado
Novo a interação política foi incapaz de resolver o problema da hegemonia, buscando
assim a solução para o autoritarismo. Naquele momento as formas de Estado burguês e
democrático não satisfaziam [...] “as necessidades do capital doméstico estrangeiro”
(RODRIGUES, 2008, p. 25).
Ao tentar entender as relações de poder entre os militares e civis durante o regime
do Estado Novo, faz-se necessário uma abordagem acerca das instituições militares.
Rodrigues (2008, p. 35) destaca que este regime foi apoiado pelo Exército que tinha como
objetivo centralizar o poder político do Estado138 buscando assim compatibilizar as forças
sociais em conflito.
O brasilianista Thomas Skidmore (1969, p. 53) afirma que o presidente Getúlio
138
Para Poulantzas o “Estado é o lugar de organização estratégica da classe dominante em sua relação com
as classes dominadas. É um lugar e um centro de exercício do poder, mas que não possui poder próprio.”
(POULANTZAS, 1985, p. 169).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
321
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Vargas apoiou o seu poder político nas Forças Armadas, entretanto sua decisão de criar
uma nova instituição militar, além das duas que até então existia, não apenas criou mais
um ministério militar, mas causou profundas mudanças naqueles existentes. De forma,
que além de subtrair todo o aparato relativo ao meio aéreo para a criação de uma força
aérea única, fomentou um intenso conflito entre a Marinha e a recém-criada Aeronáutica.
(FALCONI, 2009, p. 12).
As Forças Armadas até o final dos anos 1930 eram compostas pela Marinha e pelo
Exército e vinham desempenhando papel incisivo na política brasileira139 desde o fim da
Monarquia.
“Em 1941, acompanhando o processo que já vinha acontecendo na Europa desde
1918, referente as mudanças nas Forças Armadas, o Brasil cria também a sua aviação
única.” (FALCONI, 2009, p. 35). É fundamental, o entendimento de como ficou a
situação política das Forças Armadas com a criação do Ministério da Aeronáutica, quais
as tensões de poder com essa fragmentação, e quais foram as mudanças conjunturais
nestas instituições. E porque a Marinha iniciou uma forte campanha questionando que
todo seu aparato aéreo fosse devolvido. Estas iniciativas da Marinha podem ser vistas
explicitamente nos relatórios ministeriais.
A criação do Ministério da Aeronáutica pelo Decreto-Lei n° 2.691 é questionada
pela Marinha nos relatórios do ministro da pasta ao presidente da República:
139
Em 1889, a alta cúpula do Exército pôs fim a Monarquia, expulsando o imperador D. Pedro II do país,
e proclamando assim a República, um movimento eminentemente elitista que ocorreu sem luta e sem a
participação direta das camadas populares. Em 1892 grupo de altos oficiais da Marinha exigiu a imediata
convocação dos eleitores para a escolha dos governantes deflagrando assim a Revolta da Armada, que
refletia o descontentamento do pequeno prestígio político da Marinha em comparação ao do Exército. No
movimento encontravam-se também jovens oficiais e muitos monarquistas. Em 1920, se deflagrou
o Tenentismo, movimento político-militar, que compôs uma série de rebeliões de jovens oficiais de baixa
e média patente do Exército, os quais demonstravam descontentamento com a situação política do país, os
revoltosos propunham reformas na estrutura de poder do país, entre as quais se destacam o fim do voto
aberto (fim do voto de cabresto), instituição do voto secreto e a reforma na educação pública. Os principais
movimentos foram: A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana em 1922, Revolução de 1924: a chamada
Comuna de Manaus e a Coluna Prestes.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
322
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
140
Jornal, que funcionou como divulgador da Revolução de 1930, sendo considerado um dos principais
formadores de jornalistas de sua época em sua área de abrangência. Beneficiou-se do fornecimento de
imagens da Agência Meridional de Notícias, criada no Rio de Janeiro em 1931 por Assis Chateaubriand.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
323
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
141
324
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
325
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
326
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
destaca que as instituições militares eram instrumentos para derrubar os caciques políticos da
época. Neste sentido Rouquié (1978, p. 93) conceitua que as Forças Armadas além de ser uma
organização coercitiva são também burocracias nas quais são aplicados os mecanismos formais
de contrapoder e autoridade central.
Miliband (1972, p. 162) cita os regimes de Mussolini na Itália e Hitler na
Alemanha, em que ambos chegaram ao poder sob o auxílio dos militares, entretanto
subjugaram estes militares depois que estavam no poder. Neste aspecto é válido destacar
a conceituação que Stopino (1994, p. 1259) nos apresenta sobre totalitarismo, que de
acordo com a filosofa política Hannan Arendt, o “terror” é a característica marcante do
totalitarismo. Baseado nesses pressupostos, entendemos que, os regimes de Mussolini e
Vargas podem ser excluídos desta conceituação, sendo considerados como regimes
autoritários, de modo que na Itália e no Brasil não houve os elementos constitutivos do
totalitarismo, como nos regimes de Stalin na Rússia e de Hitler na Alemanha.
Huttington (1996, p. 136) observa que Hitler rebaixou o poder dos militares ao
exonerar o Comandante em Chefe das Forças Armadas, onde ele próprio assumiu o
comando, concentrando os postos de chefe de Estado e de Ministro da Guerra.
Na Alemanha também foi criada uma Força Aérea única a Luftwaffe, a qual de
acordo com Huttington (1996, p. 137) apoderou-se das unidades antiaéreas pertencentes
ao Exército. Neste aspecto, pode-se observar que os líderes ditadores usavam o apoio
militar para atingir o poder e depois buscavam subjugar os militares, como Getúlio Vargas
fez no Brasil ao criar mais um ministério militar. Nesta perspectiva McCann (1995, p.
184) destaca que no começo de 1941, Vargas se empenhou em limitar o poder do Exército
que vinha buscando a criação do Ministério da Aeronáutica, sob o seu comando.
Nesta perspectiva McCann (1995, p. 184) salienta que a Marinha se mostrava
insatisfeita, e na tentativa de resolver essa “querela” entre as instituições militares Vargas
nomeia o magistrado Salgado Filho, buscando assim satisfazer a Marinha e enfraquecer
o Exército. A nomeação de um civil gerou protestos do Exército, e de acordo com o autor
os generais redigiram um manifesto e enviaram pelo General Pinto a Vargas que mesmo
enfrentando resistência manteve o civil na pasta. O Ministro da Guerra de início não quis
entregar os aviões do Exército, mas no fim acabou cedendo. McCann (1995, p. 185)
destaca que o general Góes Monteiro mais tarde comentaria que Getúlio buscava “manter
327
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
328
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
frota, pois a construção do seu último grande navio142 em estaleiro nacional ocorreu no
final do século XIX. Por sua vez, o Exército também se encontrava em situação similar,
mantinha entre o seu material bélico, armas francesas e alemãs datadas muito antes da
Primeira Grande Guerra Mundial. Sendo assim, McCann (1995) destaca que no momento
em que os generais Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro foram pedir
o apoio da Marinha na instauração do Estado Novo tiveram a seguinte resposta do
Ministro Aristides Guilhem: “[...] tal como em 1889 e 1930 a Marinha ficará ao lado do
Exército” (MCCANN, 1995, p. 44).
Com a implantação do Estado Novo as relações entre Vargas e os militares se
consolidaram, e a Marinha como em outros momentos da história se aliou ao Exército e apoiou a
implantação do regime.
Para entender as mudanças estruturais nas Forças Armadas, faz-se necessário
compreender a participação política dos militares no Estado Novo, no momento da
criação do Ministério da Aeronáutica. Conforme Rodrigues (2008, p. 26) com a chegada
de Getúlio Vargas a presidência da República, os oficiais que participaram da Revolução
de 1922, além de serem anistiados, alcançaram altos postos na hierarquia militar. Outro
caso é do general Góis Monteiro que participou da Revolução de 1930 e foi “sendo
promovido com interstício mínimo, galgando todos os postos até o de General-de-
Divisão.” (RODRIGUES, 2008, p. 27). Já na Marinha também houve quem se
beneficiasse neste aspecto, como o oficial Hercolino Cascardo que foi nomeado
interventor do Rio Grande do Norte em 1931 e o Vice-Almirante Protógenes Guimarães
que voltou para ativa e foi promovido a oficial-general, sendo nomeado Ministro da
Marinha em 1931.
O nosso trabalho pretende contribuir para a historiografia estudando a
participação da Marinha na política, que observamos ser pouco citada pelos historiadores
militares, a resistência na criação da Aeronáutica nos dá subsídios para entendermos as
relações institucionais da Marinha no Estado Novo.
142
De acordo com a relação de navios incorporados a Armada, o Cruzador-protegido Tamandaré foi
construído no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro e incorporado em 1895. Até 1930 apenas se obteve a
construção de outro navio de pequeno porte o Monitor Pernambuco incorporado em 1910. (CAMINHA,
1989, p.112).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
329
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
330
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
FERREIRA, Raquel França dos Santos. Dossiê guerras, conflitos e tensões uma
história da campanha nacional da aviação (1940-1949): o Brasil em busca do seu
‘Brevêt. 2012. Disponível em www..uff.br/cantareira visualizado em 20/11/2016.
331
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Alfa-Omega, 1984.
SKIDMORE Thomas. Brasil de Getúlio a Castelo. 2. ed. Uberaba: Editora SAGA, 1969.
332
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
AVELINA ADDOR
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ
333
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
143
Em outubro de 2011, o julgamento de milicianos integrantes da “Liga da Justiça” é adiado pela Juíza do
4° Tribunal do Júri, Elizabeth Machado Louro. (http://radioitaperunafm.com/site/2011/10/18/julgamento-
de-milicianos-integrantes-da-liga-da-justica-e-adiado/).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
334
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
fundamentais:
- O primeiro é a aproximação com a comunidade, o que a UPP garante;
- O segundo é a valorização salarial e a formação (os salários dos nossos policiais
são absurdamente baixos e a formação dos mesmos é precária);
- O outro ponto é que o controle sobre as policias é praticamente inexistente e a
atuação das corregedorias e ouvidorias é lamentável.
O braço econômico de milicianos e traficantes é cada vez mais forte. Conforme
mostrou a série de reportagens Favela S.A. do jornal O Globo na primeira quinzena de
junho de 2009, policiais e empresários dos setores estimavam o faturamento de apenas
três atividades desses grupos em pelo menos 280 milhões de reais ao ano. Somente com
a distribuição clandestina de sinal de TV a cabo, a gato net, a estimativa é que as milícias
faturassem R$120 milhões ao ano. Com um baixo investimento em equipamentos, são
cobradas mensalidades entre R$40 e R$110 dos moradores, além de uma taxa de
instalação que pode chegar a R$100.
Dentre as atividades controladas pelas milicianos estão o transporte alternativo,
como vans e mototáxi, e a distribuição e venda de botijões de gás. O principal braço
armado da quadrilha de Natalino e Jerônimo Guimarães (condenados a mais de dez anos
de cadeia) é o ex-PM e ex-fuzileiro, Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, que cumpre
pena no Presídio Federal de Catanduvas (PR). Para ser efetuada a prisão de Batman, a
polícia contou com a ajuda do ex-sargento da PM e também chefe da milícia de Campo
Grande, Francisco César de Oliveira, o Chico Bala, foragido da Justiça e considerado
rival e inimigo de Batman. Vale lembrar que Batman era considerado a principal liderança
do grupo paramilitar conhecido como Os Caras do Posto (o grupo se concentrava em um
posto de gasolina Texaco, na rua Guarujá no bairro de Cosmos zona oeste do Rio de
Janeiro), embrião da Liga da Justiça criada entre 1995 e 1996. Esse fato é um dos mais
marcantes, em relação ao crescente poder das milícias, pois as pessoas envolvidas são
consideradas a elite dos milicianos, já que possuem atuação política e poder econômico.
É necessário que o poder público redefina seu papel perante a sociedade, pois, ao manter
a exclusão e acentuar as desigualdades, abriu mão da soberania sobre vasto território,
perdendo também legitimidade sobre a vida de significativa parcela da população.
A relevância desta pesquisa, para o campo da História, repousa, inicialmente, na
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
335
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
144
Presos que foram enquadrados pela Lei de Segurança Nacional, Artigo 27, Decreto-Lei 898/69
(EMENTA: Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo
e julgamento e dá outras providências). Na época da Ditadura os presos políticos eram equiparados aos
presos comuns, pois isto lhes tirava alguns direitos, entre eles um dos mais fundamentais: o do Habeas
Corpus.
145
Encontro planejado pela Secretaria Estadual de Educação, sendo aceito e aprovado pela Secretaria
Estadual de Justiça com o objetivo de promover uma reciclagem entre professores da rede estadual do Rio
de janeiro que lecionavam em escolas prisionais.
336
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Alguns autores se constituem como ponto de referência para qualquer estudo que
se proponha a analisar a temática da violência e da criminalidade. Podemos destacar a
antropóloga Alba Zaluar, o cientista político Edmundo Coelho e o sociólogo José Ricardo
Ramalho. Em A Máquina e a Revolta, Alba Zaluar desenvolve como temática a
identificação de Bandidos e Vagabundos, cujos conceitos serão trabalhados
posteriormente.
A tradução mais completa deste fenômeno expressa-se nas facções do crime
organizado que atuam em favelas e áreas periféricas das grandes cidades. Geralmente
ligados ao tráfico de drogas, esses grupos imprimem às suas ações algum tipo de apelo
social. Falam em nome dos oprimidos, promovem atividades assistencialistas, arvoram-
se em protetores das comunidades, combinando em última análise, criminalidade com
discurso social.
Estudos realizados nas últimas décadas sobre o Comando Vermelho podem ser
observados através da leitura de algumas obras, tais como: Quatrocentos contra um: uma
história do Comando Vermelho (1991), de autoria de William da Silva Lima146.
Outros materiais de pesquisa são os livros do jornalista Carlos Amorim: Comando
Vermelho: a história secreta do crime organizado e CV e PCC - A irmandade do crime;
Assalto ao poder – o crime organizado.
Foi constatado, pelos repórteres Aline Ribeiro e Hudson Corrêa, da Revista Época
(de 26/06/17), que o PCC tem mais de vinte e seis mil integrantes no país, presentes nos
vinte e sete Estados da Federação. Conforme a mesma fonte, esta facção que domina os
presídios, se fortaleceu no país inteiro, faturando cerca de 240 milhões por ano, de acordo
com estimativa de promotores do Ministério Público do Estado de São Paulo, com a venda
de drogas e tráfico de armas. O PCC mantém ainda negócios ilegais em oito países da
América do Sul.
Os livros de Luiz Eduardo Soares, foram extremamente importantes para a
realização deste projeto: em Meu Casaco de General, relata os quinhentos dias em que
esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública no Rio de Janeiro, encarando um
enorme desafio no combate à criminalidade; em Elite da Tropa, elaborado junto a
146
Apelidado de Professor e considerado um dos fundadores do CV, que após cumprir pena de mais de 25
anos, obteve em maio de 2007 direito à visita domiciliar no dia das mães e não mais retornou a Bangu III..
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
337
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Rodrigo Pimentel e André Batista analisa a violência vista sob o olhar da própria polícia.
Consideramos ser necessário, então, um olhar contemporâneo relacionado à
questão da violência urbana na cidade do Rio de Janeiro e planejamento estratégico,
buscando novos paradigmas de gestão (caso da Colômbia na última década), com ênfase
no estudo das milícias. As práticas por elas exercidas são consideradas violentas,
invadindo favelas, impondo leis e códigos próprios sob o falso argumento de segurança.
Tendo como marco fundamental a História Comparada, os objetos de pesquisa
deste projeto, centrado na cidade do Rio de Janeiro, serão: as facções criminosas:
Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando, Amigos dos Amigos (ADA), Terceiro
Comando Puro (TCP) e Primeiro Comando da Capital (PCC)]; a milícia (comunidade do
Rio das Pedras); e a UPP (morro Dona Marta, localizada na Zona Sul).
Os relatórios do Conselho da Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro
(COMERJ), criado pelos Artigos 80 e 81 da Lei de Execução Penal 7.210147 que visam
oferecer aos presos os Direitos Humanos básicos e as condições de salubridade das
unidades prisionais, permitindo assim garantir a total integridade dos mesmos. Estes
documentos foram fundamentais para a construção contínua entre a pesquisa por meio de
livros e de coleta de dados e de entrevistas feitas com personagens relevantes na História
do crime organizado, tanto nas suas origens, como atualmente. Como resultado disso,
foram realizadas várias visitas, principalmente, às unidades Bangu I (Laércio da Costa
Pellegrino) e Bangu III (Dr. Serrano Neves).
Foi consultado também o Decreto Lei n° 898 de 29 de setembro de 1969 [Todos
os presos são iguais], que determinava que os presos políticos fossem equiparados aos
presos comuns, pois isto lhes tirava alguns direitos, sendo o principal: o do Habeas
Corpus.
Durante visitas realizadas ao antigo Fórum de Campinho (Madureira-RJ) foram
pesquisados cerca de 10 volumes do total de 78, dos Autos do Processo da Operação
Mosaico. Esta uniu as polícias civis, militares e federais no combate ao Jogo do Bicho,
tendo sido comandada pelo juiz (atualmente desembargador aposentado) Alberto Motta
Moraes.
147
Lei N° 7.210, de 11 de julho de 1984, sancionada pela Presidência da República.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
338
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
148
Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Relatório da Organização Justiça Global, com o apoio
da Fundação Heinrich Böll. 2008 – Reportagem “Uma quadrilha de 11 mil”. Repórteres Marcelle Ribeiro
e Sérgio Roxo. Jornal O Globo. Seção “País”, p. 03. Data: 12/10/2013.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
339
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
340
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS
341
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
342
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
343
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Boitempo, 2004.
KARAM, Maria Lucia. De crimes, penas e fantasias. 1ª ed. Niterói: Luan Editora Ltda,
1992.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP Ed., 1990.
LEAL, César Barros. A delinquência juvenil: Seus fatores exógenos e prevenção. Rio
de Janeiro: Aide Editora, 1998.
LEIRNER, Piero De Camargo. Meia volta volver: Um estudo antropológico sobre a
hierarquia militar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
LEITE, Ligia Costa. A magia dos invencíveis: Os meninos de rua na Escola Tia Ciata.
Petrópolis: Vozes, 1991.
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
LETKEMANN, Peter. Crime as work. Englewood Cliffs: Prentice-Hall Inc., 1973.
LIMA, Renato Sérgio de; PAULA, Liana de. Segurança pública e violência: O Estado
está cumprindo o seu papel? São Paulo: Contexto, 2006.
LINS, Claudia. A máfia da inocência: Os caminhos da impunidade. Rio de Janeiro:
Garamond Ltda, 2004.
MAGALHÃES, Mário. O Narcotráfico: Folha explica. São Paulo: Publifolha, 2000.
MAGALHÃES, Mário. Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo. 1ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012.
MARKUN, Paulo; RODRIGUES, Ernesto. A máfia manda flores: Mariel, o fim de um
mito. 1ª ed. São Paulo: Global, 1981.
MARQUES, João Benedito De Azevedo. Marginalização: Menor e criminalidade. São
Paulo: McGraw-Hill do Brasil Ltda, 1976.
MAYER, Hans; tradução de Carlos Almeida Pereira. Os marginalizados. Rio de Janeiro:
Guanabara S.A, 1989.
MENEZES, Raimundo de. Crimes e criminosos celebres. 2ª ed. São Paulo: Livraria
Martins, 1962.
MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da
violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Universitário
de Pesquisa do Rio de Janeiro, 1999.
MIR, Luís. Guerra civil: Estado e trauma. São Paulo: Geração Editorial, 2004.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
344
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
345
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
346
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
149
A palavra bairro aparece na documentação administrativa provincial, os Relatórios de Presidentes de
Província do Rio Grande do Norte, um deles de: RELATÓRIO apresentado a Assembleia Legislativa
Provincial do Rio Grande do Norte pelo Exm. Primeiro vice-presidente da Província João Carlos Wanderley
no dia 3 de maio de 1850. Saúde pública, reflexões: p. 11. Nos Dicionários da Língua Brasileira de Luiz
Maria da Silva Pinto e Antonio Moraes Silva, a palavra bairro é definida como “parte de huma cidade que
se divide em certas ruas.” PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria
da Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1832. p. 135. E SILVA, Antonio
Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta
segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES SILVA. Lisboa:
Typographia Lacerdina, 1813. p. 158.
150
De acordo com FERREIRA, et. all, “duas outras regiões da cidade eram ocupadas, porém não faziam
parte do núcleo central urbano: as Rocas, então povoado de pescadores situado após a Ribeira em direção
ao Forte dos Reis Magos, e o Passo da Pátria, localizado em uma área ribeirinha contígua à Cidade Alta.”
FERREIRA, Ângela Lúcia, et all. Uma cidade sã e bela: a trajetória do saneamento de Natal – 1850 a
1969. Natal: IAB/RN; CREA/RN, 2008. p. 48.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
347
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
151
São chamadas de febres intermitentes as que, ao aparecerem, cessam e tornam a aparecer
sucessivamente, por intervalos mais ou menos longos. Chernoviz ainda acrescenta que as causas da febre
intermitente estão ligadas às exalações pantanosas e que o frio úmido e prolongado, e a habitação em lugares
baixos são pré-requisitos para a manifestação deste tipo de febre, o que confirma, portanto, a explicação do
médico do partido público à respeito dos prejuízos que a lagoa causava na população ribeirinha.
CHERNOVIZ, Pedro. L. Napoleão. Febre intermitente. In: Dicionário de Medicina Popular – vol. 1. 6ª
ed. Paris: A. Roger & F. Chernoviz. 1890. p. 1092-1093
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
348
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
349
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A Cidade do Natal era caracterizada nas falas dos Presidentes de Província como
péssima em termos de salubridade pública. Além disso, em seus discursos, os espaços de
proliferação de doenças já estavam praticamente identificados. Mesmo com esses
terríveis predicados, a Cidade do Natal dispunha de alguma vantagem no quesito das
condições climáticas. O Vice-Presidente João Carlos Wanderley, ao discursar sobre as
condições de saúde da Província do Rio Grande do Norte, expôs no final do seu relatório
as reflexões do médico do partido público encarregado de cuidar da saúde da população
de toda a província.
152
O geógrafo Yi-fu Tuan menciona que, em muitas culturas, os valores espaciais alto e baixo tem
conotações positivas e negativas. O geógrafo nos mostra que nestes valores espaciais a concepção que
predomina é a de que o alto está relacionado a palavras como “superior”, “excelso” e “grande”. Não é à toa
que os principais prédios de uma cidade se destacam na paisagem urbana em sua parte mais alta. Já baixo
é equivalente a palavras como “inferior” e “pequeno”. Vide Espaço e lugar, 1983, p. 42.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
350
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
mais os riscos de propagação de doenças. Já a parte alta era onde, em termos de saúde, os
bons ares permitiam melhor bem-estar aos que nela habitavam.
Assim, os discursos dos médicos presentes nas falas e relatórios dos Presidentes
de Província são fundamentais para explorar os significados que estes profissionais
atribuem a cada canto da Cidade do Natal, seja nomeando-os e classificando-os como
saudáveis, salubres, ou, ao contrário, como insalubres. Isso é uma forma também de
analisar como a cidade é representada nas falas técnicas e políticas, consolidando e
tensionando os saberes que eram difundidos sobre as cidades no século XIX (FERREIRA,
2008).
Desse modo, a preocupação com a higiene e limpeza da cidade fez com que
autoridades provinciais e municipais tomassem as providências necessárias para tornar a
Cidade do Natal a mais salubre possível. Tanto o meio ambiente como a cidade, em si,
além das condições sociais de seus moradores, eram fatores que importavam
(FERREIRA, 2008) na hora de pôr em ação essas medidas, preocupação que não passaria
com facilidade da denúncia do problema para sua executiva resolução.
Neste sentido, a necessidade legislativa de manter as vias públicas limpas se
expressava nas Posturas Municipais da Cidade do Natal.153 Nas posturas de 8 de fevereiro
de 1853, sob o título de Dos defferentes objetos que incomodam e prejudicam ao público,
os dois artigos dizem respeito a essa discussão:
Art. 1°. Ninguem poderá criar cabras, e porcos nas ruas desta cidade
sob pena de lhe serem tomados e vendidos em salão, entregando-se aos
seus donos o excedente de 10$000 reis, ficando todo o seu produto até
esta quantia aplicada em beneficio do cofre da câmara municipal,
depois de didusidas [sic] as despesas sendo desde já abulido o costume
de se espancar ou matar as cabras e porcos a cacete, ou com qualquer
outro instrumento, devendo serem pegados à laço ou à mão, embora
córrão para casa de seus donos, que serão obrigados à intregalos, ou a
pagar a multa de 8$000 reis (POSTURAS, 1853: 1).
153
As Posturas Municipais eram expedidas pela instituição camarária com a função de registrar, de forma
escrita, o ordenamento urbano servindo de instrumento legal para o controle do espaço público e dos que
nele viviam. Além disso, estes códigos ditavam regras com o objetivo de nortear a conduta dos moradores.
TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. O poder municipal e as casas de câmara e cadeia: semelhanças e
especificidades do caso potiguar. Natal: EDUFRN, 2012. p. 57.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
351
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
154
As correspondências ativas eram cartas expedidas pelos Presidentes de Província do Rio Grande do
Norte aos vereadores da Câmara Municipal da Cidade do Natal. Nesta documentação, os Presidentes
registram a aprovação de artigos a serem adicionados aos Códigos de Posturas, propostos pela câmara
municipal, dados referentes à regulamentação de funcionamento de lojas e boticas, apreensão de animais
soltos nas ruas, o arruamento, fiscalização da qualidade do leite, dentre outros assuntos de interesse da
Câmara Municipal da Cidade do Natal.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
352
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A novidade que o referido presidente mencionou e que ainda não havia aparecido
nos discursos anteriores diz respeito às pessoas que eram designadas a fazer a limpeza
das ruas. O presidente sugeria que esta tarefa fosse exercida pelos presos da cadeia. Além
dos presos da cadeia, a limpeza pública também ficaria a cargo da população que migrava
para a Cidade do Natal, fugindo da seca.
Por fim, o presidente ainda chama a atenção da Câmara Municipal para o fato da
mesma não cumprir com uma legislação própria de seu interesse, que eram as Posturas
Municipais. Informa que, mesmo havendo essa legislação, ainda aconteciam práticas que
eram contrárias ao que regia este documento e que cabia à Câmara tomar as providências
353
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
necessárias para isso. Ou seja, mais uma vez, evidencia-se a persistência de discussão de
atribuições entre autoridades provinciais e municipais.
As autoridades provinciais não são as únicas a se queixarem dos deveres da
Câmara Municipal. O Inspetor de Saúde Pública, Henrique Leopoldo Soares da Câmara,
alertou que inspecionaria com eficiência as vias públicas, verificando o cumprimento das
medidas estabelecidas pela instituição camarária, se tinham sido realizadas em relação à
limpeza das ruas e quintais, assim como do matadouro público, “tão cheio de imundícies
que o constituem um verdadeiro fóco de infecção, nocivo à saúde dos que principalmente
habitam as suas imediações” (RELATÓRIO, 1870: 2). Por seu turno, o chefe de polícia,
Joaquim Tavares da Costa Miranda, ao discursar sobre saúde pública, também fez duras
críticas ao trabalho da Câmara Municipal da Cidade do Natal. Em 1878, mencionou que
incumbiu a instituição camarária de “velar pela limpeza, aformoseamento e saneamento
de seu município, mas desde que esse dever foi esquecido pelos vereadores”
(RELATÓRIO, 1879: 5).
Não bastasse isso, essas autoridades acabavam por atribuir muitos desses
problemas à população da cidade, principalmente a mais pobre. Portanto, no discurso não
predominava apenas a sujeira, no sentido literal da palavra, mas também a sujeira
produzida socialmente, aquela que a população mais pobre praticava com seus atos
considerados ilícitos.
Além disso, os habitantes considerados ociosos são vistos pelas autoridades como
aqueles que carregavam muitos males, dentre eles a epidemia. No relatório do Vice-
Presidente Medeiros Murta, o mesmo afirmava que eram desses habitantes que saíam os
criminosos e “que ofereciam mais abundante ceifa as epidemias; pois que desconhecendo
todos os gozos da civilização vive na maior miséria, mal agasalhada, alimentada e vestida
e destarte predisposta para as enfermidades” (RIO GRANDE DO NORTE, 1862: 4).
Pensando numa solução para tirar essa população da ociosidade, o chefe de polícia,
Joaquim Tavares da Costa Miranda, propôs ao Vice-Presidente de Província Manoel
Januario Bezerra Montenegro que a pusesse para trabalhar na limpeza pública da cidade,
pois tiraria uma leva de retirantes da ociosidade, “mal de todos os vícios e productora de
todos os crimes,” pois, consequentemente, esta população seria movida pelo “mau
354
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
155
O termo indigentes aparece no discurso da referida autoridade provincial. RELATORIO com que o Exm.
Sr. Doutor Rodrigo Lobato Marcondes Machado passou a administração da Provincia ao seu sucessor, o
Exm. Sr. Dr. Alarico José Furtado em 1° de maio de 1880. Socorros públicos, p. 14.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
355
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Eram hábitos que a população praticava costumeiramente, mas que, na visão dos
administradores públicos, eram prejudiciais à saúde pública. Além disso, neste discurso,
torna-se perceptível também a sensibilidade com que era percebida esta prática. Os odores
já acusavam que aquela prática prejudicava os ares. Portanto, é o olfato quem detecta a
qualidade do fluido. Faz-se necessário regrar a conduta da população, procurando renovar
o ar, tendo o olfato como um excelente indicador de sua qualidade (CORBIN, 1987). A
espacialidade dos corpos, para Alain Corbin (1987), é definida pela medida das exalações.
A intolerância sensorial é quem rege os espaçamentos necessários, atribuindo lugares com
o intuito de destruir essa confusão olfativa que, no nosso caso, reinou no espaço público,
com a prática da defecação.
As Posturas discutidas permitem ter uma noção do que, aos olhos do Estado, era
necessário para tornar a Cidade do Natal salubre e ordenada, o que “impõe um
policiamento sanitário capaz de estabelecer normas reguladoras” (CORBIN, 1987: 133).
Nem sempre essas posturas eram seguidas à risca pela população. Como bem explicou
Juliana Souza, “[...] o objetivo das posturas era regular as questões de caráter local, mas,
na prática, tratava-se do conjunto de leis que mais diretamente incidia sobre a vida da
população da cidade” (SOUZA, 2007: p. 32). Além disso, essas demandas prescritas nas
legislações da Cidade do Natal não advêm de reclamações ou solicitações da população,
mas eram produzidas na instituição camarária e pelas autoridades provinciais, de acordo
com os saberes médicos difundidos.
Considerações finais
356
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
COSTA, Nilson do Rosário. Lutas urbanas e controle sanitário: origens das políticas
de saúde no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.
357
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
FALLA com que o exm. sr. doutor Rodrigo Lobato Marcondes Machado, presidente da
provincia, abrio a 2.a sessão da Assembléa Legislativa Provincial do Rio Grande do Norte
em 27 de outubro de 1879. [Natal] Typ. do Correio do Natal
POSTURAS da Câmara Municipal da Cidade do Natal, 1853. Título 1.° dos defferentes
objetos que incomodam e prejudicam ao publico.
RELATORIO que o Exm. Sr. Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, presidente da
provincia do Rio Grande do Norte, apresentou á respectiva Assembléa Legislativa
Provincial na sessão ordinaria de 1861.
358
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
RELATORIO com que o Exm. Sr. Doutor Rodrigo Lobato Marcondes Machado passou
a administração da Provincia ao seu sucessor, o Exm. Sr. Dr. Alarico José Furtado em 1°
de maio de 1880.
RIO Grande do Norte (Província) Vice-Presidente Medeiros Murta S/título ... 26 maio
1862.
359
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
156
Há toda uma problemática envolvendo as duas categorias e sobre a qual cabe mencionar a importância
assumida pela percepção exilada do indivíduo sobre si mesmo, e que muitas vezes se sobrepõe ao aspecto
jurídico presente na classificação enquanto refugiado. Além disso, é preciso dizer que o Estado brasileiro
não reconhecia como refugiados os estrangeiros latino-americanos que aqui chegavam e reclamavam junto
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
360
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
às agências da ONU no país tal status, sendo por elas assim reconhecidos, e ao fato de que nem todos que
aqui chegaram recorrerem a tal mecanismo.
157
Sob forte influência das atrocidades cometidas no âmbito da Segunda Guerra Mundial, e suas
consequências mais imediatas, foi criado pela Assembleia Geral da ONU, em 14 de dezembro de 1950, o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) com o objetivo de “proteger e assistir às
vítimas de perseguição, da violência e da intolerância”. Uma das resoluções da Assembleia Geral foi a
convocação de uma Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas, realizada em Genebra em 1951,
cujo objetivo era a redação de uma Convenção que regulasse o status dos refugiados. Em suma, a
convenção estabelece os instrumentos legais internacionais relativos aos refugiados e codifica seus direitos
a nível internacional. Ao abranger eventos ocorridos apenas antes de 1º de janeiro de 1951 e diante da
necessidade imposta pela conjuntura mundial, marcada por novos conflitos e fluxos crescentes de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
361
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
refugiados, um Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados foi preparado e submetido à Assembleia
Geral das Nações Unidas em 1966, entrando em vigor em 4 de outubro de 1967. O Protocolo confirmava
as provisões da Convenção de 1951 para todos os refugiados enquadrados em sua definição, mas não
prevendo o limite de datas e de espaço geográfico. Cf. ALTO Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados. Breve histórico do ACNUR. ACNUR. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/breve-historico-do-acnur/>. Acesso em: 13 de
março de 2016; Cf. ALTO Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. O que é a Convenção de
1951?. ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-que-e-a-
convencao-de-1951/>. Acesso em: 13 de março de 2016.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
362
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
autoritários e que, como aponta Teresa Cristina Schneider (2011, p. 19), encontra seu
essência na Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Concebida nos Estados Unidos
dentro do contexto da Guerra Fria e levada aos demais países do continente como forma
de contenção da influência soviética na região, sobretudo a partir da Revolução Cubana,
em 1959, a DSN baseia-se na existência de uma “guerra interna”, que para ser vencida
demanda do Estado e de seu corpo social um esforço articulado e absoluto.
Conforme coloca Enrique Padrós (2008, p. 144), o ponto de partida para a
compreensão da DSN reside na importância atribuída à unidade política, que encontra sua
forma melhor acabada no modelo de “nação”. Neste sentido, qualquer elemento que tenda
a uma fratura desta unidade, como a ideia de divisão em classes da sociedade, norteadora
de muitas das disputas sociais, é rechaçada e combatida, justamente por constituir um
risco aos interesses nacionais. A defesa da nação em detrimento de qualquer ideologia
que represente uma ameaça à ordem vigente está no cerne da Doutrina de Segurança
Nacional.
A materialização das ações empreendidas a partir do Estado, cujo objetivo era a
desarticulação e eliminação dos grupos promotores da contestação da ordem vigente,
garantindo assim a manutenção do status quo, ocorre a partir da opção pela contra-
insurgência. Em suma, tratava-se da estratégia adotada para o enfrentamento da “guerra
interna”. Para a consecução de seus propósitos, o recurso à violência, utilizada de maneira
escalonar, consciente e cada vez mais sofisticada contra os “inimigos da nação”,
extrapolou os limites coercitivos constitucionais, configurando uma situação de
terrorismo de Estado praticado contra a sociedade (PADRÓS, 2008, p. 148-150). Em
contexto de violência institucionalizada, a fuga do país de origem significava a luta pela
sobrevivência.
No Uruguai, a instalação da ditadura militar, em junho de 1973, acentuou o
movimento de partidas iniciado já ao final da década anterior, quando da chegada ao
poder de Pacheco Areco e sua anunciada “guerra aos comunistas”. O número de exilados
uruguaios alcançou o expoente de 300 mil (MARIANO, 2003, p. 102 e 204, apud
MARQUES, 2011, p. 33). O Chile, que recebera grande número de exilados em função
dos regimes autoritários instalados nos países vizinhos, sobretudo pela experiência
chilena inaugurada desde a chegada do socialista Salvador Allende à presidência,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
363
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
364
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
estadia provisória, foi um acordo entre o governo brasileiro e o ACNUR, que tinha por
missão reassentar aproximadamente 20 mil sul-americanos.158 Nesse sentido, ficava
evidente a impossibilidade de permanecer no país.
Ainda que já houvesse casos de latino-americanos no Brasil, como reflexo das
ditaduras recém-instauradas no continente, a pesquisa aponta para um maior fluxo desses
exilados a partir de 1976. O número de exilados/refugiados que a partir daí cruzam as
fronteiras nacionais alarmou as autoridades brasileiras e impôs a discussão do tema à
esfera do governo. Uma das providências tomadas foi a criação de uma “Grupo Informal”
composto por representantes do Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça,
e o Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional e que tinha por objetivo
conhecer e analisar o problema, por si só evidencia da preocupação que a presença dos
estrangeiros trazia.
Dentre as conclusões e sugestões embasadas no exame realizado pelo Grupo, a
preocupação com o monitoramento constante que deveria haver sobre os indivíduos
torna-se notória. Esta deveria ocorrer a partir da “organização de um fichário completo
de todas as pessoas que se colocaram sob a proteção do ACNUR, valendo-se de dados
que o próprio ACNUR consentiu fornecer”; além disso, não se descartava um aumento
de controle e fiscalização “sobre aqueles que representassem uma margem maior de
risco”; por fim revelava ser “ainda avaliação do Grupo Informal que a tolerância e boa-
vontade não são inesgotáveis e podem encontrar proximamente seus limites” (Fundo:
DSI/MJ; série: MCP; Processo 0986).
Outros pontos permitem apreender a consciência do caráter político da questão e
da preocupação com a repercussão negativa que a problemática poderia assumir:
158
A partir da bibliografia consultada, o início das ações do Acnur aparece datado em 1977, quando se
estabelece seu escritório na cidade do Rio de Janeiro. (BERTINO, 2005, p. 65-66; QUADRAT, 2008, p.
6).
365
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
366
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No Brasil, muitas das organizações voltadas para a defesa dos direitos humanos
surgem vinculadas à Igreja Católica. A instituição, cujo histórico revela laços estreitos
com o Estado e que atuou como legitimadora do golpe civil-militar ocorrido em 1964,
assume, na década de 1970, centralidade na luta pela defesa dos direitos humanos. Apesar
da liderança atribuída à Arquidiocese de São Paulo de dom Paulo Evaristo Arns, Kenneth
Serbin (2001, p. 321) atenta para a concentração de importantes grupos no Rio de Janeiro,
fato que caracterizaria a cidade como “um tipo de central dos direitos humanos”.
Dentre esses grupos estava a Arquidiocese do Rio de Janeiro. Sob o comando de
dom Eugênio de Araújo Sales, a instituição atestaria sua importância na defesa dos
direitos humanos atendendo tanto às vitimas da ditadura brasileira, como aquelas que
cruzavam as fronteiras fugidas dos regimes autoritários instalados em seus próprios
países.
No que diz respeito a ação desenvolvida com exilados latino-americanos das
ditaduras vizinhas, a Arquidiocese do Rio de Janeiro assume uma posição pioneira no
atendimento a grupos de refugiados, inclusive com a ciência da governo brasileiro. Já em
1974 e 1975, desenvolvia ações pontuais de auxílio àqueles que chegavam ao Palácio São
Joaquim, na Glória, residência e escritório do arcebispo. Em trânsito pela cidade, essas
pessoas recorriam a Arquidiocese com pouco ou nenhum recurso, de modo que tais ações
consistiam na ajuda para que se pagasse um hotel para passar a noite, ou garantissem
alguma refeição (Entrevista com Cândido Feliciano da Ponte Neto, no dia 04/07/2017,
Rio de Janeiro, Brasil).
Situações como essa aumentavam dia após dia e nesse contexto um caso
específico tornou-se emblemático. Em abril de 1976, um grupo de cinco chilenos chega
ao Palácio munido de uma carta do Vicariato da Solidariedade do Chile. A carta relatava
367
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
a perseguição que os jovens sofriam no Chile e o risco que corriam caso ali
permanecessem. Estes pretendiam permanecer no Rio até que conseguissem um país onde
pudessem obter refúgio e pediam a ajuda da entidade para encontrar tal país e uma
maneira de lá chegarem (SALES, 2010, p. 63). A carta foi encaminhada por Cândido
Feliciano da Ponte Neto a dom Eugênio. Cândido era o responsável pela Cáritas e relatou
ao cardeal a crescente dos casos de chilenos, uruguaios e argentinos que ali chegavam em
busca de auxílio e comentou a realidade dramática que seus países atravessavam em
função da opressão generalizada. Após a conversa, dom Eugênio pediu que Cândido
prestasse a assistência ao grupo e que retornasse no dia seguinte Entrevista com Cândido
Feliciano da Ponte Neto, no dia 04/07/2017, Rio de Janeiro, Brasil. Dom Eugênio
comenta o drama pessoal que enfrentou ante tal situação:
A partir daquele momento, depois de meditada decisão, dom Eugênio decidiu que
a Arquidiocese do Rio de Janeiro, começaria a desenvolver um trabalho mais consistente
de atendimento aos refugiados das ditaduras latino-americanas. Este passaria a ocorrer
via Cáritas Arquidiocesana e a Cândido foi outorgada a missão de coordenar os novos
trabalhos que a instituição assumira naquele abril de 1976. Este recorreu à Comissão de
Justiça e Paz – Seção Brasileira, que tinha a sua frente pessoas como Marina Bandeira e
Cândido Mendes, e à Cáritas Brasileira para saber como poderia proceder. Juntos
chegaram aos PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e daí ao
ACNUR, que logo iniciou sua ação no Rio de Janeiro – ainda que não se reconhecesse
oficialmente sua presença no Brasil –, contribuindo, sobretudo, para o reassentamento
dos refugiados em um terceiro país.
368
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
369
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Fundo: “Divisão de Segurança e Informação” do
Ministério da Justiça. Série: Movimentos Contestatórios.
Entrevista com Cândido Feliciano da Ponte Neto, em 04 de julho de 2017, Rio de Janeiro,
Brasil.
Bibliografia
ALTO Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Breve histórico do ACNUR.
ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/breve-
historico-do-acnur/>. Acesso em: 13 de março de 2016
BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira. A Lei Brasileira de Refúgio – sua história. In:
BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos
refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010,
p. 10-21.
CATOGGIO, María Soledad. La trama religiosa de las redes humanitarias y del activismo
transnacional en las dictaduras del Cono Sur de América Latina. In: JENSEN, Silvina,
LASTRA, Soledad (orgs.). Exilios: militancia y represión: nuevas fuentes y nuevos
abordajes de los destierros de la Argentina de los años setenta. La Plata: EDULP, 2014,
p. 187-213.
370
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MILESE, Irmã Rosita, ANDRADE, William César de. Atores e ações por uma Lei de
Refugiados no Brasil. In: BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (org.). Refúgio no Brasil:
a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR,
Ministério da Justiça, 2010, p. 22-47.
ROLLEMBERG, Denise. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999
RONINGER, Luis. Exílio massivo, inclusão e exclusão política no século XX. Dados –
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 53, no 1, 2010, pp. 91 a 123.
SALES, Dom Eugênio; ARNS, Dom Paulo Evaristo. A história não contada do refúgio
no Brasil antes da Lei nº 9.474/97. In: BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (org.).
Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas.
Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 60-69.
371
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1. Introdução
159
A região amazônica a partir da segunda metade do século XVIII compreendia ao estado do Grão-Pará e
Maranhão (1751-1772) com capital em Belém.
160
A discussão deste artigo faz parte de uma pesquisa que ainda está em andamento, que busca estudar a
varíola no Grão-Pará no período de 1755-1808.
161
Com o intuito de melhorar a compreensão da leitura das fontes, procurei atualizar a grafia de todos os
trechos documentais citados ao longo do artigo.
162
Disponível no site www.slavevoyages.org
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
372
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
163
Sebastião José de Carvalho e Melo - Marques de Pombal (1750-1777) - ocupou o cargo de primeiro
ministro no reinado de D. José I.
164
Um dos problemas que afetava a carência de mão de obra diz respeito às epidemias, como mostra Manuel
Nunes Dias “as epidemias ceifavam vidas preciosas, despovoando o Estado de braços” (DIAS, 1970: 166).
165
Para maiores informações sobre o comércio negreiro na Amazônia colonial para período anterior a
CGCGPM ver: (CHAMBOULEYRON, 2006; BARBOSA, 2009).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
373
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
166
Os tipos de embarcações eram as seguintes: “2 naus de guerra, oferecidas pela Coroa; 4 naus mercantes;
9 galeras; 5 corvetas; 7 bergantins; 1 lancha do alto; 8 chalupas; 2 escunas; 4 lambotes. (CARREIRA, 1988:
97)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
374
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
167
O autor baseia-se nos dados de Vicente Salles, Manuel Nunes Dias e Anaíza Vergolino-Henry & Arthur
Napoleão Figueiredo,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
375
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
376
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
fevereiro de 1760. O governador relata que recebeu a notícia que estava ancorado no mar
das Salinas “um navio que vindo com pretos de Cacheu lhe tinha morrido o capitão, que
também era prático e várias pessoas de sua equipagem”. Diante da situação, argumenta o
governador “mandei por pronta uma canoa com equipação competente de índios, alguns
soldados, que entendiam de mareação [...] irem ao sítio em que se achava o navio e o
conduzirem para este Porto”. O navio chegou ao porto de Belém com cento e quarenta
escravos que foram todos vendidos em uma tarde com dinheiro à vista. Segundo o
governador, “este navio foi na pior estação para aquela Costa, porque chegou a ela na
força da Carreirada por cuja razão experimentaram a morte q’ se disse na sua equipagem,
e todos padeceram graves e perigosas moléstias” (VERGOLINO-HENRY &
FIGUEIREDO, 1990: 224).
Por ser frequente no percurso das viagens atlânticas, a morte de escravos
preocupava os comerciantes e autoridades coloniais envolvidos no negócio negreiro. As
observações de bons tratos certamente eram repassadas para os capitães e donos das
embarcações que transportavam escravos da costa africana ao Pará, como ocorreu com o
Navio São Sebastião na sua viagem para Bissau. Uma carta ao capitão José da Silva Costa,
chamava atenção “aos escravos que transportar o dito navio fará V.M. dar bom
tratamento, para se evitarem as mortandades que do contrário resultam”, igualmente “fará
cuidadosamente praticar uma perfeita, e inalterável união, e harmonia entre todas as
pessoas da equipagem do mesmo navio”. Essas observações eram “para que não haja
entre elas a mínima dissenção; para o que será conveniente V.M. com suavidade as advirta
da exacção com que devem cumprir as suas obrigações” (CARREIRA, 1983: 358).
Desde os primeiros anos da atuação da CGCGPM tem-se notícias de mortes de
escravos nas viagens ao Pará. Essas mortes aumentaram ao passo que os navios da
CGCGPM intensificaram o comércio às capitanias amazônicas. Muitas embarcações
fundearam no porto de Belém para vender escravos em particular aos senhores da lavoura,
fábricas de madeira e outras atividades que dependiam da mão de obra escrava, posto que
nesse contexto, o índio estava privado do trabalho escravo168. Em 1764, “fundeou em
Belém o navio São Lazaro, comandado por Gaspar dos Reis com 408 negros de Angola,
168
O Diretório consistiu em um conjunto de leis destinadas a orientar o cotidiano dos indígenas nas aldeias
(DOMINGUES: 2000).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
377
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
tendo morrido em viagem 143. Em dois dias venderam-se todos estes escravos”. Em
novembro, o navio Nossa Senhora da Conceição, “trouxe ao Pará, 268 negros quando
recebera na África 450. Cento e oitenta e dois infelizes sucumbiram durante a viagem”
(VIANNA, 1975: 36). No ano de 1765, aportou o navio Nossa Senhora do Cabo,
proveniente de Angola, que transportou 700 escravos, sendo que 35 faleceram na viagem
e 635 desembarcaram e foram vendidos no Pará (AHU, Pará, Cx. 58, D. 5203).
Três anos depois duas embarcações da Companhia ancoraram no porto de Belém.
Na primeira embarcação “constava a leva 194 escravos, mas, ao chegar do interior da
Angola a Bissago, tinham morrido 34; durante a travessia faleceram mais 35, e já nesta
cidade 2, totalizando 71 mortos. Na segunda, a “corveta São Francisco Xavier, que
chegou a Belém em [...] 1767, tendo embarcado 189 pretos. Destes 11 morreram em
viagens e 12 na casa da administração da companhia nesta cidade”. Do restante,
“venderam-se logo 53 a dinheiro e 124 a credito”. Anos depois, em janeiro de 1778, “na
sua viagem [...], a corveta São Pedro Gonçalves embarcou 120 negros e chegou aqui com
73; morreram 47” (VIANNA, 1975: 37).
Outros casos são registrados The Trans-Atlantic Slave Trade Data-base que
mostram o número de mortos nas embarcações fundeadas no percurso da viagem ao Pará.
Entre as quais cito algumas que apresentam um número alto de mortos. Com relação aos
escravos saídos de Luanda, em 1757, a galera Santana e São Joaquim, perdeu 129; 1758,
a galera São Luiz Rei da França, perdeu 124 escravos; 1759, a galera Nossa Senhora da
Conceição perdeu 132 escravos; 1762, a galera Nossa Senhora Madre Deus registra 160
mortos; 1764, o corsário São Lázaro registra 143 mortos e em 1764, a galera Nossa
Senhora da Conceição, registra 180 mortos.
Segundo The Trans-Atlantic Slave Trade Data-base, no período de atuação da
CGCGPM, morreram 1722 escravos em viagens para o Grão-Pará. Os provenientes da
África Centro-Ocidental sobressaíram com as maiores taxas de mortalidades,
principalmente, os escravos saídos do porto de Luanda tornavam as maiores vítimas das
mortes ao longo das viagens atlânticas. Luanda apresentava (1.205) 70% dos óbitos,
seguida por Bissau, (263) 15%, Benguela, (143) 8% e Cacheu, (111) 7%. Somando as
porcentagens de Luanda e Benguela, como mostra o gráfico abaixo, percebemos que, o
número aumenta para 78% das mortes de escravos provindos da África Centro-ocidental,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
378
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
especialmente dos portos de Angola. Apesar das mortes concentrarem nos portos
angolanos, Bissau e Cacheu constituíram os portos mais importantes no comércio
negreiro entre o Grão-Pará e a Costa africana, pois os portugueses mantinham o controle
sobre a região, enquanto para os portos de Angola, de acordo com Joseph Miller, somente
no início do século XIX (MILLER, 1999: 13).
379
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
a 1772 com exceção de alguns anos169, houve 1.308 escravos mortos vítimas de epidemias
de varíola (CARREIRA, 1988: 131-132).
As embarcações que viajavam com um número de escravos superior ao permitido,
geralmente corriam risco de contágio nas viagem. Acerca da superlotação, uma
correspondência do governador do Pará para Lisboa, em agosto de 1759, dava
conhecimento de que uma das causas da mortandade de escravos, depois da varíola, era
superlotação das embarcações: “a segunda causa foi o carregarem o navio com maior
lotação do que lhe compete, vindo por esta forma sumamente apertados; de sorte que
ainda não tivessem tantas doenças, bastaria só esta causa para matar a muitos”
(CARREIRA, 1969: 127).
Outro fator que certamente contribuiu para o adoecimento e a mortandade de
escravos corresponde ao tempo de viagens das embarcações. The Trans-Atlantic Slave
Trade Data-base, nem sempre divulga a duração da viagem em dias: desde o porto de
origem ao porto de desembarque. Poucas fichas de registros mostram o tempo de duração
das embarcações. Algumas embarcações provenientes de Angola com destino ao Pará
levavam muitos dias no percurso entre o porto de saída e o porto de entrada, duravam em
torno de cinco a seis meses. Em 1759, a galera Nossa Senhora da Conceição faz um
percurso de 215 dias, equivalendo sete meses de viagem. Em 1764, o corsário São Lázaro,
fez um percurso de 173 dias, equivalente a mais de cinco meses. Em 1765, a galera Nossa
Senhora do Cabo, traçou um trajeto de 181 dias, que corresponde a mais de seis meses.
As demoradas viagens nas embarcações ou mesmo nos portos de embarques associados
a diversos outros fatores consequência do processo de escravidão - sem dúvida -
comprometeram o seu estado de saúde dos escravos. Os escravos que sobreviviam a
travessia atlântica ao desembarcarem no porto de Belém tornavam ameaças de contágio,
principalmente da varíola que durante vários anos em que vigorou a CGCGPM se
propagou de maneira epidêmica tanto nas viagens, quanto na região do Grão-Pará
(NUNES PEREIRA, 1952; REIS, 1961; MACLACHLAN, 1974; CARREIRA, 1983;
CHAMBOULEYRON, 2006; SÁ, 2008).
169
Com exceção dos anos 1763 a 1766 e 1769 e 1771. Esses números não referem-se somente ao Grão-
Pará e ao Maranhão (CARREIRA, 1988: 131-132).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
380
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
4. Considerações Finais
5. Fontes
5.1. Arquivista
5.2. Impressas
381
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
5.3. Eletrônica
6. Referências Bibliográficas
ALDEN, Dauril & MILLER, Joseph. Out of Africa: The slave trade and the transmission
of smallpox to Brazil, 1560-1831. Journal of Interdisciplinary History, vol. XVIII, nº 2
(1987), 195-244.
GIL, Tiago Luís [et al]. Atlas Histórico da América Lusa. Porto Alegre: Ladeira Livros,
2016: 35.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
382
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SÁ, Magali Romero. “A ‘peste branca’ nos navios negreiros: epidemias de varíola na
Amazônia colonial e os primeiros esforços de imunização”. Anais do III Congresso
Internacional de Psicopatologia Fundamental. Rio de Janeiro:, UFF, 2008.
SALLES, Vicente. O negro no Pará, sob o regime de escravidão. 3ª edição, ver. Ampl.
Belém: IAP; Programa Raízes, 2005.
383
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
384
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fundado no ano anterior ao início das publicações (1894), o Museu Paulista foi
pensado como uma proposta de educação para o estado de São Paulo, em consonância
com o projeto republicano paulista de construção de uma nova identidade regional que se
desenhava em fins do século XIX, e deveria ocupar o grandioso prédio construído em
1890 como monumento do Ipiranga. Dentre as diversas possibilidades discutidas, como
demonstrou Ana de Alencar Alves (2001), a ocupação por uma coleção científica
adquirida pelo Estado e sob guarda da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo
(CGGSP) foi a opção escolhida. Para tanto, Ihering foi contratado pela CGGSP e
conjuntamente com seu diretor Orville Derby (1851-1915) organizou as coleções
recebidas e estruturou o futuro Museu Paulista (LOPES; FIGUERÔA, 2003).
385
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
É importante salientar que foi estabelecida uma relação intrínseca entre o Museu
Paulista, as ciências naturais e a formação de coleções durante o período sob direção de
Hermann von Ihering. Relação que sofreria alterações após a mudança de direção da
instituição a partir de 1917, quando Afonso de Taunay implementou gradativamente um
novo modelo para o museu centrado na História. As áreas de maior abrangência dessas
coleções eram a Zoologia e a Botânica, mais próximas das especialidades e interesses de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
386
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ihering, mas houve espaço para formação de uma coleção etnográfica significativa,
pensada neste contexto como ramo das ciências naturais, representando a história natural
do homem no continente.
A relação entre coleções, ciências naturais e museus não era uma exclusividade do
Museu Paulista, podendo ser observada em instituições congêneres como o Museu
Nacional (KEULLER, 2012) e o Museu Paraense (SANJAD, 2010), fundados
respectivamente em 1818 e 1866 e, em certa medida, até mesmo na coleção particular
que daria origem ao Museu Paulista, conhecida como Museu Sertório (CARVALHO,
2014). No entanto, a centralidade concebida às coleções e à construção simbólica do papel
do Museu e do fazer científico na instituição em torno dessas coleções foi uma
característica instaurada por Hermann von Ihering em São Paulo. A Revista
desempenhou, neste contexto, a função de expor as diversas facetas que uma coleção
desempenhava no museu, desde a coleta até a produção de artigos científicos, passando
pela exposição. Neste trabalho focaremos na coleção etnográfica e como ela foi
apresentada nas páginas da Revista do Museu Paulista neste período.
387
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Kaingangs, população que ocupou os territórios de São Paulo, Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. Por fim, a conexão que Hermann von Ihering
realizou entre antropologia e territorialidade ao fazer um estudo comparativo entre suas
pesquisas no Rio Grande do Sul com os existentes sobre São Paulo e Argentina,
apresentando aquele que se tornaria seu grande objeto de pesquisa em antropologia: as
populações que ocuparam o espaço geográfico meridional da América do Sul.
Apesar de ao longo dos anos adquirir objetos oriundos dos mais variados locais do
Brasil e de algumas outras regiões do mundo, o projeto científico que orientava os estudos
realizados no museu era delimitado por essa região meridional. O que não significou um
contrassenso para um museu que se pretendia internacional e, para tanto, deveria construir
uma coleção com a maior amplitude possível. Também é necessário relembrar que as
coleções deveriam cumprir duas funções: servirem para serem expostas e para o
desenvolvimento de estudos. Ao observarmos o conjunto dos artigos publicados na
Revista do Museu Paulista detectamos uma ampla preferência pelo tema das populações
meridionais, com exceções feitas aos Mundurucús e aos Botocudos.
Mesmo nesses artigos, no entanto, Hermann von Ihering não deixou de lado o objeto
científico por excelência do Museu Paulista. Ao analisar as cabeças mumificadas pelos
Mundurucús do Pará comparou com práticas de natureza similar entre os indígenas
brasileiros, sul-americanos e norte-americanos. Se o escalpamento era uma prática dos
“belicosos indígenas da América do Norte, parece ter sido raro na América Meridional”
(IHERING, 1907, p. 179), em compensação, argumentava o autor, alguns grupos
indígenas brasileiros mumificavam cabeças de inimigos. O mote deste artigo é este:
realizar a partir do caso dos Mundurucús uma comparação dessas práticas entre os
indígenas brasileiros e em todo o território da América do Sul. Mais uma vez as coleções
foram postas em primeiro plano, pois, serviram como condução da análise comparativa
de Ihering duas dessas cabeças mumificadas que foram adquiridas junto ao Sr. Estellita
Alvares (IHERING, 1907, p. 180). Caso semelhante encontramos no estudo sobre os
Botocudos do Rio Doce, cujo texto escrito por Ihering é baseado nos trabalhos
desenvolvidos pelo naturalista-viajante do Museu Paulista Ernesto Garbe e seu assistente
Walter Garbe, que realizaram explorações à região do Rio Doce entre 1906 e 1909.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
388
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
389
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O argumento que pretendo sustentar é que o Museu Paulista instituiu-se como local
por excelência no período para o estudo dessas populações, especialmente os Kaingang.
Embora o número de artigos seja relativamente baixo em comparação à Zoologia e
Botânica, a constância do tema e a participação de outros pesquisadores sedimentaram
um objeto de pesquisa que extrapolou a direção de Ihering e o ano de 1916. Os artigos a
respeito dessas populações continuaram recorrentes até, ao menos, a década de 1960 -
alcance máximo da pesquisa de doutorado em andamento - e acompanharam as
transformações institucionais e conceituais pelas quais o Museu Paulista atravessou ao
longo de décadas. Porém, ao mesmo tempo que delimitou um objeto de pesquisa
específico, não deixou de construir uma coleção ampla sobre as populações indígenas
brasileiras e algumas de outros países. Estabelecendo intercâmbios com outras
instituições e tecendo uma rede de coletores de objetos com este intuito.
390
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
391
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A Revista do Museu Paulista cumpriu todos esses papéis para os estudos etnográficos
desenvolvidos na instituição. Ao lado dos artigos que definiram um objeto antropológico
que permaneceria mesmo após a saída de Hermann von Ihering, houve espaço ainda para
outros aspectos como a formação das coleções nos relatórios anuais veiculados em suas
páginas. Ali, é possível observar uma dinâmica diferente da estática presente nos artigos
e percebemos aspectos da trajetória de construção das coleções do museu. De sua coleta,
da formação de redes de vendedores, de intercâmbios entre instituições e das relações
políticas e culturas que permearam esse processo. Nas revistas, embora de forma parcial,
as peças ganham vivacidade e consequentemente mais questionamentos são possíveis. As
flechas, machados e crânios que serviram como objetos de pesquisa também possuem
uma trajetória, da sua função utilitária até a transformação em semióforo. (POMIAN,
1984, p. 71-72)
Documentação:
392
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
As cabeças mumificadas pelos indios Mundurucús. In. Revista do Museu Paulista, vol.
7, 1907, pp. 179-201.
______. Antropologia do Estado de São Paulo. In. Revista do Museu Paulista, vol. VII,
1907, pp. 202-257.
Referências:
CARVALHO, Paula. O Museu Sertório: uma coleção particular em São Paulo no final
do século XIX (primeiro acervo do Museu Paulista). Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. v.22. n.2. p. 105-152. jul.- dez. 2014.
393
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
394
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Povo e Raça: a questão racial por trás do discurso sobre alemães étnicos na obra de
Adolf Hitler
Introdução
170
Podemos encontrar as intenções expansionistas em diversos textos base do partido nazista, como por
exemplo, no programa de 25 pontos, lançado em 1920, quando ainda era o Partido dos Trabalhadores
Alemães (DAP). A proposta de expansão territorial está presente no terceiro ponto do programa, “Exigimos
terra e território (colônias) para a manutenção do nosso povo e da liquidação da nossa população
excedente.” Também podemos encontrar em diversas passagens do livro Mein Kampf, do líder do partido
Adolf Hitler, as pretensões para a ampliação territorial alemã. Como na seguinte passagem, “Por
conseguinte, a única possibilidade que a Alemanha tinha de uma política territorial sólida era adquirir um
novo território na própria Europa. (...) deveria ser principalmente ao custo da Rússia, e mais uma vez o
novo Império Alemão deveria ter começado em sua marcha ao longo da mesma estrada que anteriormente
foi pisada pelos Cavaleiros Teutônicos, desta vez para adquirir solo para o arado alemão por meio da espada
alemã e assim fornecer a nação com seu pão diário.” Ver Programa do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães. Disponível em <http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/Fonte_3_0.pdf>.
Acesso em Jul. 2017, e HITLER, Adolf. Mein Kampf. Hurst and Blackett LTD, 1939, p.119.
171
Em março de 1938, após manobras que garantiram representação nazista no governo austríaco, Hitler
invade a Áustria, chegando à capital Viena, sem que um tiro fosse disparado. A anexação austríaca foi
chamada de Anschluss, e foi apenas o primeiro movimento de anexação empreendido pelo governo nazista
alemão. No mesmo ano, Hitler comanda a ocupação de uma região fronteiriça da Tchecoslováquia com
uma concentração de cerca de três milhões de “alemães étnicos” conhecida como Sudetolândia. O que após
negociações políticas internacionais, que envolveram a Inglaterra, França, Itália e Alemanha, foi cedida à
Hitler. Um ano depois, as tropas alemães tomariam toda a Tchecoslováquia, após pressão do governo
alemão sob o governo tcheco. Ver STACKELBERG, Roderick. A Alemanha de Hitler: origens,
interpretações, legados. Imago, 2002.p.238-244.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
395
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
étnicos.
172
“não se pode [...] deixar de lado a ideia de que observar o fenômeno nacionalista na Alemanha é observar
campos políticos diversos significando que ‘nacionalismo alemão’ deve ser declinado no plural.” Ver
MORAES, L.E. S. Os Nacionalismos Alemães: do Liberalismo ao Nacionalismo Excludente. In: A
experiência nacional: identidades e conceitos de nação da África, Ásia, Europa e nas Américas.
LIMONIC, Flávio, MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.) - 1º ed.- Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2017. P.279
173
Volk é um termo de múltiplas traduções, sendo comumente definido como “Povo”, mas também pode
ser encontrado com o sentido de “nação”. Segundo o historiador Luís Edmundo Moraes é um conceito que
“define pertencimento a um grupo de descendência [...] um conceito que expressa pertencimento por
herança e pela partilha de determinados atributos considerados definidores do grupo.”. MORAES, Ibidem,
p. 281-282
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
396
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
por outro, pautada na ideia de superioridade. Porém, foi na modernidade que surgiu o
fenômeno que mais tarde seria conhecido como racismo. Como explica Zygmunt
Bauman, o racismo se apresenta como um produto da modernidade, pois, “como
concepção de mundo e, mais importante, como instrumento mais efetivo de prática
política, o racismo é impensável sem o avanço da ciência moderna, das tecnologias
modernas, e das formas modernas de poder estatal.” (BAUMAN, 1998, p.83) Michael
Wieviorka em “O Racismo: uma introdução” vai nos apontar para diversas facetas do
racismo, a que destacamos aqui, o racismo científico. Nele as “raças” são associadas “a
atributos biológicos e naturais e atributos culturais, pode ser objeto de teorização
científica.” (WIEVIORKA, 2007, p.19) Outro fator importante sobre o pensamento racial
é a reflexão sobre o tema com a ascensão das nações. Autores como Hanna Arendt não
vê o racismo uma expressão exacerbada de nacionalismo, pelo contrário, a autora nos
mostra que muitas vezes, este pode “destruir a estrutura politica da nação”. Arednt vai
afirmar ainda que o racismo como doutrina de Estado é posto em prática só na Alemanha,
todavia, as ideias propagadas por este encontravam simpatizantes em todos os países.
Assim, afirma a autora, “o racismo não era arma nova nem secreta, embora nunca antes
houvesse sido usada com tão meticulosa coerência”. (ARENDT, 2013, p.188)
174
O conceito de Kultur é extremamente denso, e assim não é uma tarefa simples tentar formular uma
tradução. Pois, ao atribui-lo uma palavra, como cultura, por exemplo, acaba-se por esvaziar suas
peculiaridades que só são compreensíveis com uma palavra no alemão. Kultur muitas vezes encontra-se
associada a ideia de civilização, não podendo ser esgotada também por este conceito. Ver ELIAS, Norbert.
Da Sociogênese dos Conceitos de "Civilização" e "Cultura" In: O processo civilizador, Trad. Edmund
Jephcott, Vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
397
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
175
Quando falamos de nacionalismo cívico, falamos de uma corrente que “encara a nação como uma
comunidade de cidadãos iguais, portadores de direitos iguais, unidos por meio de uma ligação patriótica a
um conjunto de valores e práticas políticas compartilhadas”. Já o nacionalismo étnico dá mais ênfase na
descendência comum e semelhanças culturais. Assim, essa corrente está mais pautada em elementos pré-
existentes aos indivíduos, àquilo que lhe é herdado, e não depende da sua escolha, “línguas, religião,
costumes e tradições”. “O nacionalismo étnico alega que as conexões mais profundas de um indivíduo são
herdadas, e não escolhidas; portanto, a adesão à nação não é uma questão de vontade. Ela só pode ser
adquirida por nascimento, através do sangue.” (Ignatieff, 1994 apud ÖZKIRIMLI,2005). Para uma leitura
mais aprofunda sobre nacionalismo cívico e étnico, ver ÖZKIRIMLI, Umut. “What is Nationalism?” In:
Contemporary debates on nationalism: A critical engagement. New York: Palgrave Macmillan, 2005.
p.13-33.
176
A ideia de que o que compõe a nação é a vontade do grupo de se manter unido como um povo, nas
palavras de Ernest Renan “A existência de uma nação é [...] um plebiscito de todos os dias”. Segundo
Özkirimli, voluntarismo é uma das formas de se designar o nacionalismo cívico. Ver RENAN, Ernest. O
que é uma nação. Revista Aulas: Unicamp, São Paulo, v. 4, 1997. P.19. e ÖZKIRIMLI, Op. Cit. p.22.
177
A própria forma de se compreender cidadania e os direitos dos cidadãos para o Nacional Socialismo está
ligada a questões raciais, como podemos observar no quarto ponto do programa de 25 pontos do partido,
“Somente aqueles que são nossos compatriotas podem se tornar cidadãos. Somente aqueles que têm sangue
alemão, independentemente de credo, podem ser nossos compatriotas. Daí nenhum judeu pode ser um
compatriota”. Disponível em < http://www.historyplace.com/worldwar2/riseofhitler/25points.htm>.
Acesso em 20 de set. 2016.
178
“Ciência de melhorar uma raça ou grupo populacional através de práticas seletivas de reprodução”.
STALCKELBERG, Op. Cit., p.78.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
398
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
179
Para ele, o problema de enquadrar o movimento nacional-socialista como völkisch, é que este termo
seria demasiado vago, assim deixaria espaço para múltiplas interpretações. Quando um discurso político se
baseia em um conceito tão amplo, a tendência é que se rompa a solidariedade entre as “forças combatentes”,
“Essa solidariedade não pode ser mantida se cada membro individual puder definir por si mesmo o que
acredita e o que está disposto a fazer”. HITLER, Op. Cit.,p.299.
180
Há diversas passagens em que o autor reafirma muitos dos pontos defendidos nos grupos pangermânicos,
como por exemplo, quanto a visão do movimento sobre política externa. Hitler, tal como o pangermanismo,
também defenderá uma política expansionista e bélica. Para o autor, quando uma nação se restringe em
ocupar um limite territorial pequeno, terá que empreender políticas no sentido de limitar o crescimento de
sua população. Enquanto as que investem em um projeto expansionista, podem permitir a sua população e
território expandirem sem restrições. Deste modo, a política externa de um estado völkisch tem “o dever de
assegurar a existência da raça incorporada neste Estado”. HITLER, Op. Cit., p.491.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
399
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em seu livro “Minha Luta”, Hitler discorre sobre a existência das raças, as
diferenças entre estas, e a hierarquia que as permeiam. Esta divisão em raças, segundo
ele, também se aplica para espécie humana. Hitler vai entender que as características de
cada raça vão ditar as diferenças entre os grupos humanos, tanto as físicas, quanto
comportamentais e culturais. Cada raça possui características inerentes a si, as quais não
podem ser transmitidas ou ensinadas as demais, porque o pertencimento a esta está ligado
a uma questão biológica. Os elementos raciais são levados no sangue de cada indivíduo,
400
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
e é “exclusivamente pelo laço de sangue que os membros de uma raça estão ligados.”
(HITLER, 1939, p.244). O autor defende que as raças devem se manter puras, ou seja,
não deve haver mistura de sangue. “O vigor ou declínio humano depende do sangue. [...]
Um povo que não consegue preservar a pureza do seu sangue racial destrói assim a
unidade da alma da nação em todas as suas manifestações.” (HITLER, 1939, p.26), e
assim, a mácula do sangue é responsável por todo o declínio de um povo, e
consequentemente de sua nação.
Em sua fala Hitler afirma que as raças existentes no mundo são separadas
hierarquicamente em três grupos, e só um seria responsável pela “criação de cultura”, as
demais ou a reproduz, ou a destrói. No topo da hierarquia está a raça ariana. (HITLER,
1939, p.226). Sendo a raça uma questão consanguínea, fica claro que não há
possibilidades, para o autor, de melhora racial, a partir da mistura de diferentes raças.
Assim não há como transformar não alemães em alemães, ou nas palavras do autor,
germanizar um indivíduo. (HITLER,1939,p.224) Falar sobre as possibilidades, ou no
caso, a impossibilidade de germanização é fundamental para discutirmos até que ponto a
lógica racial estava por trás das propostas da forma de se definir aqueles que eram
genuinamente alemães no exterior, e compreender as propostas sugeridas para essa
população, que estão na base da politica externa nazista.
Os alemães étnicos
Como vimos até aqui, segundo o pensamento Hitlerista, ser alemão está
relacionado ao pertencimento a raça ariana, e assim, ao local de nascimento
propriamente dito não interfere na identidade alemã. Ou seja, nem todos os indivíduos
nascidos em território alemão serão considerados genuinamente alemães, da mesma
forma podemos encontrar indivíduos racialmente alemães fora das fronteiras do Estado.
E se olharmos para o local de produção da obra de Hitler, veremos que havia um grupo
grande de pessoas classificada como alemães fora da Alemanha.
A ideia de uma população de origem alemã que se encontra fora das fronteiras do
401
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Reich deve também ser analisada a partir do contexto das divisões dos Estados nacionais
depois da Primeira Guerra, pois, nesse período, muitos deles tiveram suas fronteiras
definidas por tratados e plebiscitos. Por isso, era comum encontramos populações com
distintas identidades étnicas em um mesmo território. Anna M. Cienciala aponta que após
as novas divisões, havia cerca de um milhão de alemães que ficaram em territórios
poloneses, e dois milhões de poloneses em território alemão.181 Eric Steinhart chama
atenção para as dezenas de milhares de germanófonos que haviam se mudado para o
Império Russo no começo do século XIX. (STEINHART, 2015. p.02) E Doris L. Bergen
afirma que segundo os especialistas alemães havia, até os anos 1930, trinta milhões de
Volksdeutchen fora das fronteiras do Reich, e desses, pelo menos dez milhões estariam
no leste europeu: Polónia, Estados Bálticos, Ucrânia, Hungria e Roménia. (BERGEN,
2005, p.267) E foi essa população de origem germânica uma das principais justificativa
usada pelo governo Nazista para a invasão de territórios no leste europeu. (BERGEN,
2005, p.267)
Os Nazistas não foram os primeiros a pensar a respeito dos alemães étnicos fora
do Reich. Steinhart afirma que esse elemento está presente em muitos discursos
pangermanistas, e durante a República Weimar já assume um papel de destaque 182, pois
para muitos no governo esta população era a chave para a reconquista de territórios
perdidos após a Grande Guerra. Mas, o governo Nazista deu ênfase a esta questão a nível
político, criando um escritório específico para gerir os assuntos referentes a essa
população, o Volksdeutsche Mittelstelle (Escritório central de alemães étnicos), também
conhecido como VoMi, que era responsável pelos alemães étnicos. (STEINHART, 2015.
p.03)
181
Ainda segundo a autora, a Alemanha nunca aceitou perder seus territórios orientais, e mais do que uma
questão de união do seu “povo”, estavam por trás questões uma questão econômica. Do ponto de vista
étnico, suas reinvindicações eram válidas apenas em relação à região de Danzig, uma vez que em Posen, a
grande maioria era de origem polonesa. CIENCIALA, Anna M., Poland and the Western Powers 1938-
1939: A Stady in the Independence of Eastern and Western Europe. Londres: Routledge & Kegan Paul,
Toronto: University of Toronto Press, 1968. p.02.
182
Segundo o autor, o governo alemão, durante a República Weimar, subsidiou esses alemães étnicos, e
protegeu diplomaticamente sua autonomia linguística e cultural. STEINHART, Op. Cit. p.03.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
402
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão
Desta forma, podemos perceber que os alemães étnicos foram peça fundamental
utilizada pelo discurso nazista a fim de justificar suas pretensões para a política externa
alemã. Assim, tentamos observar nesse trabalho em que medida tanto a noção do que é
ser alemão étnico, e por tanto a definição do grupo de alemães étnicos no exterior
(Volksdetschen), quanto a melhor estratégia política para lidar com esse grupo pode ser
observada a partir da análise do discurso propagado pelo líder nazista, mesmo antes de
assumir o poder com o NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei), em
1933.
183
O tratado é duramente atacado, e visto por muitos alemães como uma grande humilhação. Segundo
Stackelberg, o tratado é um meio termo entre os agressivos interesses francês em enfraquecer o máximo
possível a Alemanha e o principio de autodeterminação. Em questões de território, a Alemanha foi obrigada
a devolver a Alsácia e a Lorena para à França, e perde boa parte do seu território leste. A partir de antigas
possessões alemãs foi “recriada” a Polônia, que agora tinha acesso ao mar. À Polônia foi concedida ainda
parte da Silésia. Ver STACKELBERG, Op. Cit..p.102.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
403
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
404
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
405
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
406
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dali foram ampliando o seu raio de propagação por toda a península até 1898 (LEVY,
1999: 7), quando experimentou o seu processo de enfraquecimento em razão de uma
intensa repressão. Fator preponderante no desenvolvimento dos ideais libertários foi a
passagem de Bakunin na Itália entre os anos de 1864 a 1867, cujos ensinamentos
colaboravam na formação de dois dos maiores expoentes do anarquismo italiano – Errico
Malatesta e Carlo Cafieiro (PERNICONE, 1993: 3-4).
Segundo Carlo Romani, uma das características essenciais do proletário italiano
do final século XIX foi o estabelecimento de um nexo entre o pensamento e a ação, onde
a camada mais baixa do proletariado, os braccianti (trabalhadores, jornaleiros ou boia-
fria), em “contato com um discurso teórico do socialismo, apropriou-se gradativamente
das premissas teóricas anarquistas rejeitando, porém, as práticas de luta da pequena
burguesia”. Ainda segundo o autor, o modelo de reação adotado por esse novo
contingente anarquista contra a “exploração de quem os dominava passou a ser
sistemática: a realização de furtos campestres e o incremento dos bandos armados”
(ROMANI, 2002: 32). Essa perspectiva justifica
407
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
408
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
409
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
410
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dessa segunda conferência, Bandoni ainda realizou mais três outras: Quatro fasi dela
Protesta Umana, Pro e Contra L’esistenza di Dio e, por fim, Egoismo e Altruismo.
Algumas delas são propagandeadas nas páginas do famoso jornal O Amigo do Povo do
anarquista Neno Vasco.
A partir de 1904, contribuiu recorrentemente nas páginas do implacável jornal
editado por seu grande companheiro de luta Oreste Ristori, o La Battaglia (ROMANI,
2002: 177). Neste grupo, Bandoni passou a escrever ao lado de anarquistas que tiveram
grande atuação na imprensa libertária. Além do próprio Ristori, teve contato com o antigo
amigo Duilio Bernardoni, Tobia Boni, Alessandro Cerchiai e Gigi Damiani. Quando o La
Battaglia chegou a seus momentos finais (1912), passa a ser editado sob outro nome – La
Barricata, o qual teve sobrevida até outubro de 1913. Bandoni também participou como
redator em algumas edições.
Em julho de 1913, faz presença no periódico organizado pelo anarquista
Alessandro Cerchiai, La Propaganda Libertaria. Dois anos depois, em 1915, Bandoni
organizou o periódico Guerra Sociale, que ousaria fazer às vezes do La Battaglia de
Ristori. Foi diretor-responsável até a edição de n. 16, quando Gigi Damiani assume a
direção. Este jornal durou até o ano de 1917 e teve papel crucial na organização da greve
geral de São Paulo em 1917. No ano de 1919, editou o jornal Alba Rossa, contribuindo
até a edição de n. 11. O jornal teve breve duração, intercalada por sucessivas interrupções,
encerrando as suas atividades definitivamente em 1934. Bandoni havia deixado o Alba
Rossa em 1919 para dar prosseguimento ao seu antigo periódico – o Germinal!, que
encerra no mesmo ano. Seu último escrito que se tem conhecimento é o quarto opúsculo
intitulado, La Fatalità Storica dela Rivoluzione Sociale, publicado em 1921.
“Antiorganizador”?
De acordo com uma historiografia sobre o anarquismo desenvolvida até a década
de 1980, as correntes anarquistas dividem-se, grosso modo, em individualistas e
associacionistas. Enquanto os “primeiros, genericamente, rejeitavam toda e qualquer
forma de organização política como instrumento de ação”, os segundos entendiam ser
crucial “a existência de uma estrutura organizativa mínima dentro da sociedade, sem que
esta implicasse em relações de autoridade e hierarquia” (ROMANI, 2002: 40-42).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
411
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
412
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
413
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“O Professor”
Além de grande articulista, Bandoni também tem sido reconhecido por suas ações
no campo da educação libertária. A sua prática pedagógica, que vai se aperfeiçoando e se
profissionalizando com o decorrer do tempo de estadia no Brasil, ganhou
reconhecimento, inclusive, no interior da comunidade italiana a qual fez parte.
Após ter-se deslocado do interior paulista em direção ao centro urbano da capital
paulistana, Bandoni passa a ser reconhecido pela alcunha: o professor, tamanho o seu
vínculo com a arte do ensino (GATTAI, 1994: 132). Essa experiência pedagógica foi
sendo adquirida na prática cotidiana e na aplicação de um método específico baseado em
suas leituras.
Já nos primeiros anos de Brasil, o professor desenvolveu algumas, se não a
primeira, experiências de escolas inspiradas nas concepções libertárias. Foi no então
bairro em que residia – Bom Retiro – que fundou a Escola Libertária Germinal. A notícia
sobre a escola reverberou pela imprensa anarquista, que inclusive passou a noticiar
informações que revelam alguns detalhes de seu funcionamento e localização (O Amigo
do Povo, n. 63, de 26/1/1904).
O objetivo das escolas adeptas às concepções libertárias era ocupar um espaço
onde o poder público ainda não atuava, já que a educação pública, nos primeiros anos da
república, resumia-se a algumas “escolas existentes nas áreas burguesas da cidade que
dificilmente conseguiam ser frequentadas pelos filhos dos operários” (ROMANI, 2002:
179). Agindo em outra zona onde ação Estatal era omissa, a Igreja oferecia o seu ensino
clerical pago para a parcela restante da burguesia (CODELLO, 2007: 232).
Entretanto, não se tratou de qualquer modelo educacional. Reinava entre o
proletariado adeptos dos ideais libertários a educação racional. Este modelo por sua vez
representou um ensino de caráter científico, empírico, onde os anarquistas “concebiam a
escola como uma comunidade que deveria estar organizada segundo os valores
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
414
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Momentos Finais
Os últimos momentos da vida de Bandoni não são precisos. Os seus artigos vão
pouco a pouco desaparecendo das páginas da imprensa anarquista remanescente. As suas
pegadas somem, mas alguns de seus rastros ainda são encontrados até meados da década
de 1940. Permanece morando no mesmo bairro (Bom Retiro) com a sua esposa. O local
de seu falecimento também é desconhecido. Ao que se sabe, não morreu como um mártir
como tantos outros anarquistas (ANTONIOLI, 2004). Provável que tenha deixado a vida
pelo avançar da idade, o corpo cansado e vencido pela velhice, mas com a mente convicta
de seu anarquismo.
Os anos 1940 no Brasil foram exigentes com os libertários. Encontravam-se
espremidos; de um lado o trabalhismo varguista e a repressão do Estado Novo; do outro,
o comunismo ganhava terreno entre a classe proletária. Diante desta realidade, certamente
a sua trajetória e seus escritos à época não foram reconhecidos por seus pares e caíram no
esquecimento dos frios dados estatísticos. Assim, acabou não sendo lembrado nem pelos
anarquistas organizados que sobraram, nem pela atual escrita da história (ou
historiografia) sobre o respectivo tema.
Referências
Jornais
Alba Rossa, ano I, n. 7, 8 de março de 1919.
O Amigo do Povo, n. 63, de 26 janeiro de 1904.
Germinal, ano I, n. 10, 13 de julho de 1902.
La Battaglia, n. 137, de 15 de setembro de 1907.
Guerra Sociale, n. 6, 27 de novembro de 1915.
Documentos Consultados
415
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Archivio Centrale dello Stato Roma, Casellario Politico Pentrale (cpc). Bandoni Angelo,
b. 305, f. 75150.
Arquivo Nacional, Serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras dos estados.
Recadastramento de estrangeiros, São Paulo, 14-12-1944.
Arquivo Nacional. Serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras dos estados.
Relação de passageiros do vapor città di genova, Santos, 09-05-1900.
Départamento de la haute-Corse. Etat civil. Registre d’état civile: naissances, Bastia, 2 e
225, 1868.
Bibliografia
ANTONIOLI, Maurizio. Bakounine, Entre syndicalisme revolutionnaire et anarchisme.
Paris: Ed. Noir et rouge, 2014.
______ et al. Dizionario biografico degli anarchici italiani. 2 volumes. Pisa: BFS, 2004.
BIONDI, Luigi. Classe e nação. Trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo,
1890-1920. Campinas: Ed. Unicamp, 2011.
CODELLO, Francesco. “A boa educação”: Experiências libertárias e teorias anarquistas
na Europa, de Godwin a Neill. Vol. 1: a teoria. São Paulo: Imaginário, 2007.
FELICI, Isabelle. Les italiens dans le mouvement anarchiste au Bresil: 1890-1920. Tese
(doutorado) - Universitè de la Sorbonne Nouvelle-Paris III. Paris, 1994.
GALLO, Sílvio. Anarquismo e educação libertária: os desafios para uma pedagogia
libertária hoje. Revista de Ciências Sociais, n. 36, p. 169-186, abril de 2012.
GATTAI, Zélia. Anarquistas, graças a Deus. Memórias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record,
1994.
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios (1875-1914). 16ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2013.
LEVY, Carl. Gramsci and the Anarchist. New York: Berg, 1999.
PERNICONE, Nunzio. Italian Anarchism, 1864-1892. New Jersey: Princeton Legacy
Library, 1993.
REY, Didier. Historique des migrations en Corse depuis 1789. In: PESTEIL, Ph (Org.).
Histoire et mémoires des immigrations en région Corse. Corte: Université de Corse –
Pascal Paoli, 2008
ROMANI, Carlo. Oreste Ristori. Uma aventura anarquista. São Paulo: Annablume, 2002.
416
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
417
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
184
Este texto é parte de uma pesquisa, ainda em desenvolvimento, realizada em conjunto com Maximiliano
Zuccarino da Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires-Argentina,o qual registro
meus profundos agradecimentos.
185
O México foi o único outro caso onde existiram dois breves períodos de governos monárquicos: 1821-
1823 (Imperador Agustín de Iturbide) e 1863-1867 (Maximiliano I). O segundo e último imperador
pertencia à Dinastidas dos Habsburgos, a mesma que reinou no Brasil durante 67 anos. O caso brasileiro
foi único na América no que se refere a um Império de tamanha longetividade temporal.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
418
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
419
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Resulta importante lembrar que, a questão da ocupação das fronteiras, também foi
um tema importante para o governo imperial. Em 1857, Jerônimo Francisco Coelho,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra do Império, lançou a ideia de
uma “colonização militar” para ocupar esses espaços “vazios” de fronteira com os antigos
domínios castelhanos. A fundação de colônias militares foi parte de um amplo projeto, de
modo que na década de 1850 foram criadas 21 colônias militares, espalhadas de norte a
sul do Brasil. Na região sul, na parte limítrofe à Argentina, foram criadas as seguintes
colônias militares: Chopim (1859), Alto Uruguai (1879), Chapecó (1882) e Iguaçu
(1889). (NUNES, 2012, p. 1)
A Argentina respondeu o Império com a criação do Território Nacional de
Misiones, um território controlado diretamente por Buenos Air, localizado exatamente na
área de litígio fronteiriço com o Brasil (MONIZ BANDEIRA, 2004, p. 44). Sendo assim,
o olhar sobre a fronteira resulta num problema chave para entender os fatores internos
que influenciaram na política exterior brasileira em relação à Argentina entre o final do
Império e o início do período republicano. Segundo Rubén Perina, as relações exteriores
de uma nação somente podem ser entendidas a partir de seus fatores internos. (PERINA,
1988). No caso brasileiro, ocupar os espaços “vazios” internos do país era de fundamental
importancia para que o problema “externo” não resultasse em uma possível ameaça. Ou
seja, tratava-se da possibilidade de um avanço das nações vizinhas sobre territórios que
os republicanos defendiam que fossem essencialmente brasileiros.
Nesse sentido, não se tratava apenas de um litígio de fronteira com outros países.
Era um proceso de um contínuo avanço da ocupação do território brasileiro no sentido
oeste, uma vasta região que ainda carecia de uma presença efetica do Estado, sendo um
processo semelhante ao da ocupação do oeste dos Estados Unidos durante o século XIX.
Nesse caso, partindo dos pressupostos de Frederick Jackson Turner, a fronteira não é
simplesmente uma linha demarcatória, trata-se de um processo onde ocorre todo uma
problemática de ocupação da terra. (TURNER, 1893)
No caso brasileiro, o avanço desta fronteira interna fatalmente iria chocar-se com
a fronteira externa. No que tocava as questões fronteiriças com a Argentina, os limites
ainda não estavam definidos durante o início da República brasileira. Portanto, para os
militares, ocupar as vastas regiões da região sudoeste do país, significava assegurar os
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
420
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
intereses brasileiros ante uma possível cobiça argentina de dominar o territorio ligitioso,
considerando de vital importância para o novo governo brasileiro.
Levando em conta os fatores internos que influenciaram na política exterior
brasileira do período, cabe perguntar: Quem eram os jovens militares que sustentaram
apoio ao novo governo Republicano?
Para responder a essa questão, é importante apontar para a existência da Escola
Militar da Praia Vernelha, no Rio de Janeiro, então capital do país. Instituição criada em
1857, ainda no período imperial. Passou a ser conhecida como “Tabernáculo da Ciência”
nos anos que antecederam o início da República, justamente porque era nesse espaço que
seus alunos tomaram contato com as ideias científicas de vanguarda, oriundas da Europa.
Tratava-se de um conjunto eclético de ideias cientificistas que iam do positivismo ao
evolucionismo. (ABREU, 1998, p. 71)
O diferencial desta escola residia na valorização do ideal meritocático. Poderia
ingresar nela, qualquer cidadão maior de 16 anos que sabia ler, escrever e efetuar as quatro
operações. Isso já não ocorria nas outras escolas destinadas à “aristocracia de berço”, essa
“sociedade de corte” (ELIAS, 2001) consistía em um modelo onde somente pessoas com
um grande capital social herdado poderia ter acesso às carreiras mais tradicionais, como
era o caso das faculdades de direito. (ABREU, 1998, p.51-52, 67 e 71)
O caso da Escola Militar estava ligado a um contexto não somente nacional, se
tratava de uma demanda global que tocava a modernização dos exércitos. Nesse aspecto,
ganhou importancia as funções técnicas como a do engenheiro, profissão que ganharia
muito prestígio dentro do ambiente militar no final do século XIX. A problemática de
demarcação de fronteiras, atividade importantíssima para os Estados modernos da época,
estava ligada diretamente à atuação dos engenheiros militares. (ABREU, 1998, p. 92)
No entanto, essa era uma área rejeitada pelos bacharéis em direito, o que acarretou
seu preenchimento por pessoas que não fossem de origem “nobre”. Essa geração de
jovens militares se opunha à Sociedade de Corte brasileira, a qual conformava um grupo
relativamente homogêneo por ter uma formação jurídica realizada nas duas principais
escolas de direito do país, localizadas em São Paulo e Olinda. (ABREU, 1998, p. 45)
Muitos alunos da Escola Militar eram oriundos do interior do país. No geral, não
possuíam origem “nobre”, mas enxergavam a Instituição como uma maneira de conseguir
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
421
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
422
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Mapa argentino datado de 1882 onde o então Território Nacional de Misiones incluía as áreas a
leste dos rios San Antonio e Pepirí Guazú, equivalentes atualmente às partes oeste dos estados do
Paraná e de Santa Catarina.
Outro ponto importante a enfatizar é que o relato se trata de uma memoria póstuma
sobre os aconteceimento ocorriodos na época. Embora fosse lançado pela primeira vez
em 1938, ainda carregava um teor altamanente influenciado pelo contexto da mudança de
regime no Brasil. O autor teceu pesadas críticas à Monarquia e exaltou o “dever
republicano” de ocupar a fronteira com a Argentina. Para ele, tratava-se de uma nova
política exterior que corrigiria os erros do governo anterior.
O fato de utilizar o termo “descoberta” no título da obra denota o quanto
acreditava estar realizando um tipo de releitura do colonialismo e dos “descobrimentos”
dentro do contexto de seu tempo, seria uma espécie de colonialismo interno praticado
pelas novas nações americanas que buscavam integrar os seus cantos recônditos de
fronteira ao sistema capitalista, o que pode estar associado à própria expansão do
423
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
186
Grifo nosso.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
424
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(…) a ideia da descoberta da Foz do Iguaçu continuou de lado; desapareceu mesmo das
conversas usuais.” (BRITO, 2005, p. 29-30 e 34)
Há que aclarar, uma vez mais, que o relato foi escrito tempos após a queda da
Monarquia, portanto, era um espaço livre para o autor legitimar historicamente o golpe
que findou o Império e estabeleceu a República. Essa é a tônica de todo o primeiro
capítulo da obra, é somente a partir do capítulo seguinte que Brito relata os
acontecimentos da expedição da qual fez parte como sargento. Ainda assim, não deixou
de tecer críticas ao império e enaltecer a Repúbica, que, segundo ele, foi a responsável
por levar o progresso à região. É uma narrativa fortemente influenciada pelo positivismo
característico da época e que influenciou fortemente a classe militar brasileira. O fato de
destacar o tenente da expedição, José Joaquim Firmino, como um eficiente engenheiro,
nos revela uma conotação simbólica de oposição entre a nova classe republicana, que
seria vinculada ao progresso, e a antiga nobreza imperial dos bacharéis:
Vimos até agora como o contexto da ascenção dos militares provocou uma ruptura
na política brasileira com a mudança do regime de governo. Através do relato de Brito,
detectamos o discurso dos republicanos de menosprezar tudo o que era relacionado à
Monarquia. O autor tinha a intenção clara de transmitir uma mensagem que colocava o
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
425
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
La Colonia Militar fué fundada por iniciativa del Baron del San Jacob,
Coronel Diniz Dias, quien se empeño con el Gobierno Imperial, siendo
decretada su fundacion en 1879.
El fin de esta Colonia no fuè simplemente la Agricultura, sino mas bien
politico bajo el punto de la Estratejia Militar, segun ellos, pero yo no
veo qué importancia
estratégica puede tener, cuando cerca no hay poblaciones, la Costa
Argentina
desierta é inaccesible (…)
El único beneficio que reporta esa Colonia es empezar á poblar la región
del Alto
Uruguay, honor indiscutible que corresponde á los Brasileros; no por la
prioridad,
sino por la forma que lo han hecho. (AMBROSETTI, 1892, pp. 65-66)
426
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Voltando ao relato de Brito, nos cabe perguntar: qual era a sua visão a respeito da
presença argentina na fronteira?
O militar revela uma posição contrária ao dos viajantes do país vizinho. Para ele,
eram os argentinos que se faziam presente na fronteira e que tiravam proveito econômico
da região. Outro dado importante, apresentando pelo autor brasileiro, é que as
comunicações entre a costa marítima brasileira e a região de Iguaçu tinha que passar
obrigatoriamente por território argentino. Para realizar uma viagem do Rio de Janeiro até
a Colônia do Iguaçu, era necessário ir por mar até Buenos Aires, em seguida, subir o rio
Paraná até chegar em território brasileiro. O centro urbano mais importante da região era
a cidade de Posadas, capital do então Território Nacional de Misiones. Não existia até
então uma rota terrestre direta entre o litoral brasileiro e a fronteira oeste paranaense. As
comunicações entre Iguaçu e a capital eram realizadas via Posadas: “A partir dessa data
foi possível o tenente Firmino se comunicar com o Chefe da Comissão, via Pozadas,
República Argentina” (BRITO,2005, p. 55)
A preocupação com a presença argentina em territorio brasileiro foi relatada pelo
militar no momento em que chegou a Iguaçu: “Por ocasião da descoberta da foz do Iguaçu
o território brasileiro já era habitado. Existiam no mesmo 324 almas, assim descritas:
brasileiros 9: franceses, 5; (…) argentinos, 95 (…)” (BRITO,2005, p. 57) Logo,
concluímos que a “descoberta” era somente por parte da expedição militar brasileira, já
que a ocupação do espaço já era realizada pelos argentinos, e muito antes pelas etnias
indígenas dos Guaranis e dos Kaingangs.
427
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O discurso em relação aos argentinos fica ainda mais agresivo quando vem à tona
a questão da exploração da erva-mate. Tratava-se de uma denúncia de um problema que
o novo governo republicano teria que resolver:
Tendo em conta tal contexto, Brito não deixou de enfatizar que, com a ascenção
do novo governo republicano, a fronteira já não estaria mais abandonda. A partir desse
momento, existiria ali, de fato, uma autoridade brasileira. O momento foi registrado
apenas sete días apenas após a proclamação da República, realizada pelo Marechal
Deodoro da Fonseca. Enquando ocorria a mudança de regime, a expedição chegava até a
Foz do Iguaçu:
428
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
De certa maneira, o relato do militar reflete algo sobre as relações entre Brasil e
Argentina durante o final do século XIX. O problema do litígio fronteiriço foi resolvido
em 1895, através de uma arbitragem internacional sob o auspício do presidente dos
Estados Unidos, Stephan Grover Cleveland, que arbitrou em favor do Brasil, assinando o
Tratado de Palmas, estabelecendo assim a linha de fronteira que perdura até os dias de
hoje.
Por fim, Brito enfatizou que já não existem mais inimigos na fronteira, no entanto,
citando o militar Floriano Peixoto, segundo presidente da Republica Brasileira (1891-
1894), registrou que sempre é necessário desconfiar de quem está do outro da fronteira:
429
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tal afirmação reflete sobre como a problemática do avanço das fronteiras internas
acabou refletindo nas questões externas com o país vizinho. A ocupação da região
fronteiriça poderia desembocar na estabilidade das relações com a Argentina. Era uma
questão de legitimar a presença estatal em um território já arbitrado a favor do Brasil, mas
que ainda carecia de uma ocupação formal, daí resultava a preocupação do então novo
regime republicano. Podemos concluir que a mudança de regime político não mudou a
tônica da problemática imperial de ocupar os espaços internos de seu território, ela apenas
foi potencializada no sentido de garantir os interesses brasileiros na Bacia do Prata.
Bibliografia
ABREU, Regina, O enigma de Os Sertões, Rio de Janeiro: Funarte/Rocco, 1998.
ALEIXO, José Carlos Brandi, “Simón Bolivar e o Brasil”, en Síntese: Revista de
Filosofia, Belo Horizonte, Volume 10, Número 29, pp. 29-35, 1983.
AMBROSETTI, Juan B., Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, La Plata:
Talleres de Publicaciones del Museo,1892.
BASALDÚA, Florencio de, Pasado - Presente - Porvenir del Territorio Nacional de
Misiones, La Plata, 1901.
BRITO, José Maria de, Descoberta de Foz do Iguaçu e a fundação da Colônia Militar,
Foz do Iguaçu; Travessa dos Editores, 2005.
ELIAS, Norbert, A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
MELLO E SILVA, Alexandra de, “O Brasil no continente e no mundo: atores e imagens
na política externa brasileira contemporânea”, em Estudos Históricos, vol. 8, nº 15, Rio
de Janeiro, pp. 95-118, 1995.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, Argentina, Brasil y Estados Unidos. De la Triple
Alianza al Mercosur. Conflicto e integración en América del Sur, Buenos Aires: Grupo
Editorial Norma, 2004.
430
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
431
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
432
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Segundo Ernst Cassirer, para além de mera ilusão e fraude, o uso alegórico e
fabuloso, no caso da linguagem religiosa mística, revela a “sombra que a linguagem
projeta sobre o pensamento” (CASSIER, 2011, p.19), da necessidade do pensar em
cristalizar suas percepções. Todavia, o mito, a mística, tudo que envolva uma relação do
Ser com o sagrado, seria colocado em uma categoria adversa, ao que Cassirer chamou de
“realismo ingênuo” (CASSIER, 2011, p.19). Este “realismo ingênuo” consideraria a
realidade das coisas o que seria dado e tangível inerente ao homem. Tudo o mais seria um
modelo sensorial, uma simples cópia, “idealização, medida pela simples ‘verdade’
daquilo que se quer apresentar, não passa de distorção subjetiva e desfiguração”
(CASSIER, 2011, p.19). Segundo Cassirer, “qualquer processo de ‘enformação’
espiritual implica a mesma distorção violenta, o mesmo abandono da essência da
realidade objetiva e das realidades da vivência” (CASSIER, 2011, p.22), porque seria
considerado pejorativamente como processos incapazes de captar o que seria considerado
realidade.
O termo “mística” que conhecemos seria fruto do debate dos homens da Igreja no
“século da mística”, o século XVII. No entanto, sua conceituação foi dada pelo
“testemunho dos próprios místicos” (VAZ, 1994, p.10). Foram esses os primeiros a
teorizarem a própria experiência. No fim da Idade Média vemos os primeiros esforços
para a sistematização didática da mística cristã ocidental, como os tratados De Mystica
433
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Theologia de Thomas Gallus e Hugo Balma, no século XIII; Henri Herp, no século XIV
e Jean Gerson, entre os séculos XIV-XV, com a obra De Mystica Theologia Pratica. Estes
manuais tinham por finalidade orientar os clérigos sobre a natureza da mística e as
maneiras de reconhecer os desvios da práxis ortodoxa. Anteriormente, a palavra “mística”
estava despida de particularidade aparecendo nos textos antigos e medievais – isso
quando aparecia -, “sempre como adjetivo, jamais como substantivo” (VAZ, 1994, p.10).
Para Michel de Certeau, essas práticas adjetivas que a palavra “mística” conforme
aparecia na linguagem cristã – “rosa mística”, “jardim místico”, etc -, se reuniram num
campo próprio levando ao surgimento da “mística” enquanto substantivo. Segundo
Certeau, a “mística” seria “una proliferación léxica en un campo religioso” (CERTEAU,
1982, p.94) que constituiu no fim do século XVI uma nova ciência, um modus loquendi,
que “produce sus discursos, especifica sus procedimientos, articula itinerarios o
‘experiencias’ proprias y trata de aislar su objeto” (CERTEAU, 1982, p.94). Assim, a
mística seria o resultado da congruência do modus loquendi com o modus operandi, ou
seja, seria a palavra colocada em prática, vivida nos corpos. Bem como, seria a ação, a
vivência dos corpos verbalizada.
Tomando por base a teoria de Rudolf Otto, Lima Vaz defende que dentro da esfera
do sagrado a mística marcadamente anularia a distância entre “sujeito e objeto pela
manifestação do Outro Absoluto como tremendum” (VAZ, 1994, p.12). Para Lima Vaz,
434
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Muitos homens e muitas mulheres foram condenados a terríveis penas, até mesmo
a capital, por pregarem uma mística que não caminhava com a tradição apostólica e da
Igreja. Considerada “santidade da desordem” (CANTARELA, 2012), a mística de fato se
contrapõe muitas vezes às instituições, grande parte disso pela a linguagem adotada que
a colocou em uma posição de suspeição.
Grandes místicos, como mestre Eckhart de Hochheim, Johannes Tauler e
Marguerite Porete foram acusados pela ortodoxia da Igreja de difundirem uma mística
perigosa e herética, tais casos nos mostram o quão plural era a espiritualidade na Idade
Média, até mesmo na elite religiosa. Contudo, seria um equívoco considerarmos a mística
como um fenômeno que essencialmente buscaria romper com as tradições e os dogmas.
Não necessariamente o místico almejaria romper com a religião reinante, como toda
experiência humana seria “uma experiência interpretada, realizada em um contexto
histórico-cultural particular, de modo que eles vivenciam o mesmo Deus. Mas não têm a
mesma experiência” (SOUZA, 2012, p.681). Todo ser humano nasce dentro de uma
tradição que condicionará sua relação com a natureza, às outras pessoas e com Deus. Os
homens e mulheres que na Idade Média buscavam novas formas de se relacionar com o
sagrado, vivenciando suas experiências a partir dos símbolos e da linguagem disponíveis
dentro da tradição histórica de sua sociedade, “que não é criada, mas apreendida”
(SOUZA, 2012, p.682).
Como afirma Carlos Frederico Barboza de Souza, cientista da religião, não existe
mística pura, mas sim a mística de um sistema religioso (SOUZA, 2012, p.683). Destarte,
Mestre Eckhart, Marguerite Porete ou Catarina de Siena, não buscaram estabelecer uma
nova religião, mas a partir de suas experiências reformarem suas instituições. De fato, do
esquema semântico “místico-mística-mistério” (VAZ, 1994, p.13) a linguagem mística
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
435
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
436
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
uma união com Deus. Ser como Deus, de maneira a “abolir sua individualidade finita e
pecadora, para pensar como Deus pensa e quer, para chegar ao ponto em que Deus seria
tanto o sujeito quanto o objeto de sua mente, para ser, em suma, onde tudo o que é e se
sabe é Deus” (OZMENT, 1981, p.117-118).
437
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Quando o sagrado, algo inalcançável seria alcançado, tocado por corpos que
mesmo criados a imagem e semelhança de sua deidade, carregam a marca do pecado.
Catarina encontraria Deus em seu coração, ao ponto de trocar de coração com sua
deidade. Ela sentiria o que sua deidade sente: alegria, dor, sofrimento e dentre outros
sentimentos fortemente humanizados. Ao mesmo passo que vemos a divinização de
Catarina, bem como as qualidades divinas humanizadas, pois “el místico asume en su
cuerpo el lugar y el límite simbólico de su experiencia que consiste en abrir un espacio
sin el cual ya no puede vivir” (RENZO, 2012, p.163). Podemos também observar, através
dos escritos de Catarina, o papel importante dado pela mística feminina à eucaristia, de
maneira a constituir em alguns casos como único alimento diário. A eucaristia representa
o ápice pelo qual a natureza humana e a natureza divina mutuamente se completam:
“Filha querida, considera como é grande a pessoa que recebeu o pão da vida, o alimento
dos anjos, com as devidas disposições. Ela permanece em mim e eu nela, como peixe no
mar e o mar no peixe” (CATARINA DE SENA, 1984, p.112).
438
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
187
A “locura de Cristo” que Certeau se refere trata de uma tradição “que traza una locura en las orillas del
cristianismo” seria uma sentença dada a um ascetismo considerado escandaloso, pautado na pobreza
extrema, aversão e estranhamento às coisas ditas do mundo. Foram homens e mulheres humilhados,
desprezados e marginalizados socialmente, considerados “idiotas”. Em sua opinião, os místicos seria a
forma primitiva dos “loucos por Cristo”: “se trata de una desviación hacia otro país, donde la loca (la
mujer que se pierde) y el loco (el hombre que se ríe) crean el desafio de um desatado”. CERTEAU, Michel.
Op. cit., p.45-46. No oriente, o termo “locura de Cristo” obteve uma dimensão mais aprofundada Cf.:
LARCHEE, J. C. Healing of mental illnesses: The experience of first centuries in the christian East.
Translated from French into Russian. Moscow. Publishing House of Sretensky Monastery, 2007.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
439
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Segundo ponto é nunca encarar as fontes místicas como um reflexo direto da visão
de mundo dos atores que as produziram ou do social na qual se inserem. Paradoxalmente,
muito bem destaco por Dominique Maingueneau, nossas fontes, enquanto discursos,
devem ser analisadas como experiência social. Ou seja, precisamos admitir não serem
“uma máscara do ‘real’, mas uma de suas formas, estando este real investido pelo
discurso”. Não encararemos os discursos e a “realidade” a partir de uma relação exterior
entre si, colocando os discursos como um “teatro de sombras”. Mas, cientes que é por
meio dos vestígios, da instância de enunciação, que se acessa a uma parte do passado. E
este acesso é só mais um, entre o conjunto múltiplo de discursos que compõe o social
(MAINGUENEAU, 1997. p.34-35).
188
Acreditamos que o termo melhor se encaixa para Idade Média do que autor.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
440
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para Andrea Cristina Lopes Frazão da Silva, somente pelo estudo do enunciado e
de sua transmissão que “é possível verificar como o discurso ganha/produz sentido”.
Ademais, para a metodologia aqui destacada, é imprescindível levar em conta a
organização social e os elementos extralinguísticos aos discursos relacionando com o
enunciado. Posto isso, iremos: “verificar quem enunciou, para quem, de que forma, por
que meios, quando, quais eram as relações de força no momento da enunciação e por que
esta relação foi estabelecida para alcançar o seu sentido” (FRAZÃO DA SILVA, 2002,
p. 3-4).
189
O Diálogo e suas cartas foram escritas em italiano. Durante a Idade Média o domínio do latim foi muito
restrito entre os leigos e os clérigos – nem todo clérigo era versado na escrita e leitura do latim. Seus escritos
foram posteriormente organizados e traduzidos em latim. Cf.: CHAUNU, P. O tempo das Reformas (1250-
1550): a crise da Cristandade. Lisboa: Edições 70, 1993, p.55-56. Observa-se também um crescente
aumento na produção em língua vernáculo nos decênios finais da Idade Média. A cultura letrada composta
entre os que dominavam ou não o latim, no período circunscritos passou a ser subdividida entre os eruditos,
que dominavam o latim, e os populares, que escreviam e liam em vernáculo. Cf.: VERGER, Jacques.
Homens e saber na Idade Média. Bauru: Edusc, 1999.
190
Os principais responsáveis pela tradução em latim e pela divulgação das cartas e do “livro”, foram:
Raimundo de Cápua, manuscritos localizados na Oxford Bodleian Library e no Archivio Generale
dell'Ordine dei Predicatori – Roma; Stefano Maconi, encontrados na Biblioteca Trivulziana – Milão, na
Biblioteca Universitaria – Torino, na Universiteitsbibliotheek – Utrecht e na Bibliothèque Mazarine – Paris;
também importante tradutor para o latim é Cristoforo Di Gano Guidini, com manuscritos conservados na
Biblioteca Nazionale Marciana – Veneza, na Biblioteca Comunale degli Intronati – Siena e na Biblioteca
Nacional de España – Madri. Fonte: < http://www.centrostudicateriniani.it/it/biblioteca/2015-04-16-10-23-
33/scritti-cateriniani>
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
441
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão
191
Diferente do que alguns críticos do “contextualismo linguístico” afirmam há distintas ênfases na
abordagem de Skinner e Pocock, enquanto o primeiro preocupa-se na compreensão das “intenções” do
autor em sua “ação linguística”, o segundo se interessa pelas “linguagens” e “discursos” que conferem
significação a um texto. Ver: SILVA, Ricardo. O Contextualismo Linguístico na História do Pensamento
Político: Quentin Skinner e o Debate Metodológico Contemporâneo. DADOS- Revista de Ciências Sociais,
v. 53, n. 2, 2010, p. 327.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
442
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
CATARINA DE SENA. O Diálogo. Tradução de João Alves Basílio. São Paulo: Paulus,
1984.
CATARINA DE SENA. Cartas Completas. Tradução de João Alves Basílio. São Paulo:
Paulus, 2005.
CÁPUA, Raimundo da. Vida de Santa Catalina de Siena. Buenos Aires: Espasa-Calpe,
1947.
Referencial Bibliográfico
BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1990.
CANTARELA, Antonio Geraldo. Dossiê: Místicas religiosas e seculares. Horizonte:
Belo Horizonte, v.10, n.27, p. 673-677, jul/set. 2012 – ISSN 2175-5841.
CARUANA, E.; BORRIELO, L.; DEL GENIO, M. R.; SUFF, N. (orgs.). Dicionário de
Mística. São Paulo: Paulus Ed., 2003.
CERTEAU, Michel de. La fábula mística siglos XVI-VII. Paris: Gallimard, 1982.
LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
443
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
444
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
445
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Apoiada pela medicina social durante a Belle Époque (1890 a 1920), a divisão do
trabalho por gênero era justificada por “características biológicas” do homem e da mulher,
considerando o sexo feminino como frágil, sentimental, com vocação para o serviço do
lar e materno (PEREIRA; 2014; p.63).
446
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Presente no samba a figura do marido infiel era justificada pela medicina social,
em que qualificava o homem como o provedor do trabalho no qual traria o sustento
familiar, provedor de uma racionalidade sem características emocionais e de uma
sexualidade sem freios. Como descrito por Rachel Soihet, durante o final do século XIX
Cesare Lembroso, um conceituado médico criminalista, afirmava que o adultério deveria
apenas afetar as mulheres, já que não teria uma predisposição para tal ato, defendia a tese
de que mulheres adúlteras deveriam ser afastadas do convívio social, por não
apresentarem características de uma mulher normal, sendo comparadas às prostitutas
despidas de sentimentos. Tal característica é apresentada fortemente no samba “Lágrimas
de um homem” do compositor J. Cascata:
Tão fingidas,
Nunca mais
447
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Já não te considero,
Voltaremos então para o conceito exposto pela historiadora Maria Izilda Santos
de Matos em relação à uma circularidade na qual se encontra a música popular brasileira.
O samba não reflete a sociedade carioca em si, seria uma troca de comportamentos e
perfis e não uma imposição, entretanto, o samba como produto de um grande alcance
transmite (oralmente) como também aceita a presença em seu discurso de características
machistas. Ao mesmo tempo tais costumes patriarcais são transmitidos dentro do
448
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ambiente familiar na educação das crianças, como também em outras relações sociais,
como por exemplo, o ambiente de trabalho ou na própria vizinhança (THOMPSON;
2015; p.20-21). O que nos revela a circularidade exposta anteriormente, a representação
de um comportamento social no samba a ser aceita, ou não, por um determinado grupo
de ouvintes.
E um bilhete deixou
Ela é, da orgia.
449
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
192
PEREIRA,Cilene Margarete. “Não posso mais: eu quero viver na orgia”: malandragem feminina e
rejeição do trabalho em sambas nas décadas de 1930 e 40. Crítica cultural – Critic, Palhoça,SC, v.9,
n.1,p.57-69;2014;
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
450
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Por outro lado, quando os papéis são trocados, a mulher é apresentada de outra
forma, tendo a história dos personagens com uma conclusão diferente da que
normalmente é apresentada no caso em que a mulher abandona o lar. Cantada por Aracy
de Almeida o samba “Oh! Dona Inês” expõe uma realidade na qual as mulheres são
totalmente dependentes de seus maridos:
Eu já mandei bilhete
Eu já mandei recado
O samba nos remete a entender que a mulher abandonada caracteriza-se por sua
insistência em reatar seu relacionamento com “João”, denotado na segunda parte do
samba, que seria então o provedor de toda a renda do lar e da protagonista a qual narra o
samba. A diferença entre os dois discursos, os dois apresentados por uma visão masculina
reproduzidas por seu compositor, compreende-se que uma mulher abandonada pelo
451
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
companheiro poderia se sentir desprotegida e o homem apenas livre. Casos diferentes são
exibidos em diversos sambas da época como, por exemplo, o samba de 1944 “Carta fatal”
de Geraldo Pereira e Ary Monteiro, em que a mulher refere-se que o seu casamento deve
acabar usando como argumento a boêmia do marido, considerado pela medicina social
um “desvio social” a ser combatido (CUNHA;1989; p.126-127), entretanto o estopim da
separação seria uma carta na qual o remetente seria uma outra mulher:
Na hora de eu me levantar
Prefiro a separação
Outros sambas expressam uma temática parecida durante toda história do samba,
como por exemplo, “Dente por dente” de Daniel Santos interpretado por Beth Carvalho,
“A loba” de Juninho Peralta e Paulinho Rezende interpretado por Alcione e “Dona
encrenca” de Barbeirinho do Jacarezinho e Marcos Diniz interpretado por Zeca
Pagodinho. A semelhança desses sambas é que a mulher que sofreu o adultério toma a
iniciativa para uma discussão ou um término definitivo. Quando a iniciativa descrita no
452
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Lesco-lesco, lesco-lesco
Me acabando
É de amargar
A divisão social do trabalho fica clara na colocação presente no samba “Se ele
ficasse em casa ouvia a vizinhança toda falando...”, durante o Estado Novo a
malandragem era combatida pelo DIP e também não tinha boa fama na sociedade carioca
193
Como escrito no Artigo 136 da Constituição Brasileira de 1937.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
453
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
454
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes documentais:
ALVES, Ataulfo; LAGO, Mario. Ai! Que saudade da Amélia; Samba interpretado por
Ataulfo Alves, lançado em 1942 pela gravadora Odeon;
ALVES, Ataulfo; BATISTA, Wilson; Oh! Seu Oscar; Samba interpretado por Cyro
Monteiro, lançado em 1939 pela gravadora RCA-Victor;
BATISTA, Wilson; PINTO, Marino. Oh! Dona Inês. Samba interpretado por Aracy de
Almeida; Lançado em 1940 pela gravadora RCA Victor;
MONTEIRO, Ary; PEREIRA, Geraldo. Carta fatal. Interpretado por Odete Amaral;
Lançado em 1944 pela gravadora Odeon;
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
455
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia:
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary. História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
BERCITO; Sonia de Deus Rodrigues. O Brasil na década de 1940. São Paulo: Ática,
1999.
CABRAL, Sergio. Escolas de samba do Rio de Janeiro. São Paulo: Lazuli, 2011.
COSTA, Haroldo. Salgueiro Academia de samba. Rio de Janeiro: Editora Records, 1984.
456
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SIMAS, Luiz Antonio; LOPES, Nei. Dicionário da história social do samba. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 2015.
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORE,
Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
SOIHET, Rachel. Subversão pelo riso – estudos sobre o carnaval carioca da belle époque
ao tempo Vargas. São Paulo: Edufu, 2008.
TINHORÃO, José Ramos. História da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34,
1998;
SKIDMORE, Thomas Elliot. Brasil: de Getúlio a Castello. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
457
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
194
Edythe Eyde, escritora e compositora, em 1947 toma a inciativa de produzir o folhetim Vice Versa e
distribuí-lo pelos bares lésbicos de Los Angeles. De acordo com Eyde, a ideia era encontrar encontras outras
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
458
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
mulheres que, assim como ela, sentiam-se isoladas na cidade de Los Angeles, criando um canal de
comunicação e produção de poesias e canções que falassem sobre a sexualidade lésbica.
195
A Doutora Blanche M. Baker trabalhou como consultora especialista na ONE Inc. – grupo editorial e
político responsável pela publicação da ONE MAGAZINE- no departamento de Serviço Social entre 1955
e 1958. Em 1958 ela recebe o convite para escrever a coluna Toward Understanding cuja abordagem
variava de possíveis causas da homossexualidade, casamento gay, gays no exército etc. Blanche M Baker
trabalhara como colunista colaboradora até 1960, ano de sua morte.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
459
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Outra postura defendida pela ONE era o casamento homossexual. Por anos a
revista publicou editoriais que questionavam se não seria possível pensar uma união
estável, tal como nos relacionamentos heteronormativos.
Em menos de 8 meses de criação, com publicações mensais, a ONE já atraia a
atenção do governo norte-americano, sendo investigada, inclusive, pelo FBI. Contudo, as
investigações não foram adiante e a perseguição ao material impresso e de seus editores
deu-se pelos Correios.
Numa época em que a grande mídia se referia a gays e lésbicas como
“pervertidos” ou “degenerados”, e que a maioria das notícias encontradas nas páginas dos
jornais tinha como objetivo reforçar a visão negativa que se tinha a respeito da
homossexualidade, a publicação de impressos que defendiam imagem homossexual
serviu como forma de resistência para a comunidade gay e lésbica. Ações violentas
policiais, assassinatos e agressões eram o cotidiano dessa população. E a constante
propaganda em veicular os homossexuais à pedofilia, estupro, assassinato e prostituição
também serão recorrentes nas páginas dos grandes jornais.
Cabe ressaltar, que as mídias impressas não serão a única forma de expressão
dessa identidade gay e lésbica, mas os espaços frequentados por esses indivíduos também
representam e constroem essa identidade e luta política. Porém o surgimento dessas
revistas, em particular a ONE MAGAZINE – cuja tiragem alcançava os 5.000 exemplares
nos primeiros anos de publicação - é uma mudança na forma de se pensar e perceber essa
identidade e a mobilização desses indivíduos.
O nascimento da mídia impressa gay proporcionará algo até então não vivenciado
por esses homens e mulheres, o direito de expressarem suas opiniões sobre eles próprios
e o espaço para terem suas vozes ouvidas. Numa época em que relações homossexuais
eram não apenas um tabu na sociedade americana, mas passíveis de punição legal, a
existência de um canal de aberto de comunicações representaria uma grande mudança em
suas vidas.
A violência fazia parte do cotidiano desses indivíduos, e a invisibilidade frente à
sociedade na qual estavam inseridos demonstrava com clareza o sentimento de desprezo
que era direcionado a esses homens e mulheres. A criação de se seu próprio espaço de
460
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
461
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para os editores, mas também para parte do público leitor, então, seria necessário
o reconhecimento dos homossexuais como americanos - mas também como indivíduos
pertencentes a um grupo que se opõe às concepções do padrão das relações sociais e
possuem o direito de se distinguirem. Aqui, a hipótese da união entre o imaginário de ser
americano, e o de ser homossexual, tem seu início.
A reivindicação por outro princípio da Constituição, “a busca da felicidade” - o
que é algo absolutamente de foro íntimo e, portanto, individual- será uma perspectiva
sempre assumida como parte da identidade americana no imaginário coletivo (BIGSBY,
2006) e também fará parte da formação desse discurso.
Podemos presumir então que identidade homossexual estará atrelada à identidade
americana. Apesar do desejo de serem reconhecidos como diferentes –seja rejeitando a
ideia de uma heteronormatividade como base das relações sociais, ou identificando-se
como uma variável desse modelo - esse movimento não irá reivindicar a separação do ser
americano, como parte do movimento negro faria posteriormente, mas a apropriação
desse conceito imaginário a partir do uso de ideais primários sobre a formação da nação
norte-americana; nesse sentido a ideia de Liberdade estará nos principais discursos dos
radicais da The New Left.
Como observado por Michael Kazin (KAZIN, 2011), a Nova Esquerda- esse
movimento que se desenha sob diversas correntes de pensamento e grupos políticos se
mostra bastante influente em todas as camadas da sociedade norte-americana- será
responsável por mudanças profundas nas relações sociais e políticas dos Estados Unidos,
principalmente por se tratar de um movimento sem características partidárias ou formação
sob uma única legenda.
Será nesse contexto que radicais questionarão as bases imaginárias das relações
sociais, e os entraves que essas promoviam no reconhecimento e conquista das liberdades
individuais e coletivas, que o movimento homophile irá procurar formas de se fazer
visível em todas as esferas políticas e sociais.
O fato de atualmente a imprensa lésbica e gay representar uma indústria
multimilionária, assim como os demais seguimentos do mercado voltados a esse público,
como aponta Bob Ostertag em seu trabalho People’s Movement, People’s Press (2006),
462
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
não diminui seu caráter político e as dificuldades que esses jornalistas e ativistas
enfrentaram- e ainda enfrentam- à época.
Ainda que já em 1968 o jornal Los Angeles Advocate (The Advocate, como seria
chamado em 1969), atraísse a atenção de investidores que desejavam anunciar seus
produtos nas páginas das revistas devido ao alto número de exemplares vendidos
mensalmente- cerca de 23,000 após um ano de existência. - não seria apenas o caráter
comercial que chamaria a atenção para esse crescente movimento social e político.
A impressa se situa num campo socialmente produzido de disputas, como afirma
Marta Emisia Jacinto Barbosa ( Sobre História: Imprensa e Memória. 2006). Sendo assim,
é preciso pensar quais eram as ideias defendidas por esses editores da revista e com quais
dialogavam ou discordavam dentro da comunidade LGBTQ dos anos de 1953 a 1968, e
também com a sociedade estadunidense. E como esses discursos sofrem mudanças com
o passar dos anos.
É preciso pensar, também, como se deram as trocas de informações, opiniões e
interação entre os editores e seu público leitor, principalmente nas mudanças que ocorrem
no discurso e no formato da revista.
Após o recebimento de cartas criticando a pouca participação feminina, a linha
editorial sofre mudanças, e passa-se a incluir artigos escritos por jornalistas femininas,
reportagens que também tratavam sobre o preconceito e luta por direitos das lésbicas e
adição ao quadro de funcionários de Joan Corbin ( Eve Elloree), Irma Wolf (Ann Carrl
Reid), Stella Rush ( Sten Russell), Helen Sandoz ( Helen Sanders), e Betty Perdue (
Geraldine Jackson)196.
Outro caso dessa interação do público leitor com a revista é no ano de 1954,
quando a revista precisa passar por uma mudança brusca em seu formato editorial para se
manter em circulação.
Os leitores enviaram inúmeras cartas com reclamações e questionando a ausência
de algumas seções já consolidadas; como a de contos e poemas enviados por leitores ou
196
O uso de pseudônimos será uma prática comum na época para evitar identificação de leitores,
colaboradores e editores dessas mídias LGBTQ impressas. Em relatos pessoais, concedidos em entrevista
para Streimatter, os ativistas relembram das consequências de serem descobertos. Uma prática comum do
Estado ao descobrir a identidade e gays e lésbica era o de comunicar aos empregadores e colegas de trabalho
das práticas sexuais e afetivas desses indivíduos, acarretando a demissão e o ostracismo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
463
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
464
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A revista The Ladder, por sua vez, surgirá em meio as reuniões do grupo Daughter
of Bilitis que, sentindo-se invisível em meio as discussões e publicações homophiles,
decide criar uma revista voltada ao público lésbico. O nome “The Ladder” é uma crítica
a invisibilidade da mulher na formação do movimento. Para as idealizadoras da revista as
mulheres estavam sendo utilizadas como “escadas” – ferramenta - para a ascensão e
conquista masculina por visibilidade na sociedade estadunidense e liderança do
movimento político.
Com isso, as disputas ideológicas, e pela liderança desse movimento, tornam-se
acirradas sobre a figura do homossexual e qual seria sua identidade.
Porém, a luta contra o preconceito sexual e de gênero esbarra em questões
sensíveis além da moralidade e ética branca cristã-ocidental. E no combate as
representações caricatas e preconceituosas advindas da sociedade, o movimento LGBTQ
reforça e investe em uma identidade padronizada que serve para encaixar seus membros
dentro de um conceito de respeitabilidade.
197
Anderson Ferrari em seu artigo para a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd) de 2006, “Bicha Banheirão”e o “Homossexual Militante”: Grupos Gays, Educação e
Construção do sujeito Homossexual, relaciona as interações de homossexuais com os locais onde
frequentam e a formação das identidades homoafetivas, e como os grupos dominantes irão tomar para si a
função pedagógica de construir não apenas o movimento político, como também a figura do homossexual
aceitável.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
465
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O “Red Scare”, ou Perigo Vermelho, foi responsável pela disseminação das ideias anti-
comunistas e a perseguição àqueles que defendiam e militavam a favor desse sistema.
O medo de um ataque interno levou o governo americano a vigiar centenas de
cidadãos baseados na hipótese de serem comunistas ou suscetíveis aos avanços e
artimanhas dos “vermelhos”. O senador Joseph McCarthy, então, liderou a perseguição
aos espiões e traidores da pátria que colocavam em risco a segurança nacional.
A perseguição aos homossexuais no interior do governo tornou-se acirrada tendo
em vista a possível ameaça que esses indivíduos representavam para os Estado Unidos.
A alegação de que gays e lésbicas poderiam facilmente ser chantageados devido suas
“condutas pervertidas e seus desvios morais” deu início à caça às bruxas dentro, e fora,
do serviço público americano.
Não será apenas o Comunismo que servirá como álibi para a demissão e caça aos
homossexuais nos ambientes de trabalho público e também privado; também serão
acusados de crimes contra a moralidade e comportamento transviado. Encontrando o
respaldo na sociedade conservadora e nas leis aprovadas pelo Senado de segurança
nacional- além das já existentes que condenavam sodomia e “práticas” homossexuais- o
Governo associa à figura do homossexual o fim da nação americana. Foram demitidos
mais homossexuais dos cargos públicos do que comunistas.( D’EMILIO, 1998.)
CONCLUSÃO
A luta política e por liberdade através das publicações da imprensa gay nos
Estados Unidos, no início da década de 1950, apesar de seu início na costa oeste
estadunidense, alcançará outros estados e cidades. A própria revista ONE irá circular para
além da cidade de Los Angeles, e será citada pelo The New York Times por sua vitória
na Suprema Corte.
A ONE Inc. também criará o ONE Institute Quarterly: Homophile Studies dando
início aos estudos de sexualidade - o que posteriormente chamaremos de estudos queer.
A realização anual de eventos para pensar a homossexualidade e suas várias identidades
contemplará pesquisadores de diversas áreas das ciências com o desafio de definir a
466
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
198
A política de discriminação e proibição de homossexuais nas forças armadas estadunidenses que foi
revogada em 2010 pelo presidente Barack Obama.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
467
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Com a conquista jurídica da revista ONE, em 1958, novas revistas surgem a partir
da década de 1960. Com isso, novas vozes encontraram seu lugar na composição desse
movimento político e cultural, transformando esse movimento num caldeirão de
identidades em busca de reconhecimento de direitos civis, visibilidade e pertencimento à
nação norte américa.
Bibliografia:
468
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
KEPNER, James (Jim). Rough News, Daring Views: 1950’s Pioneer Gay Press
Journalism. Binghamton, New York. Harrington Park Press, 1998.
LOFTIN, Craig M.(Editor). Letters to ONE: Gay and Lesbian Voices from the 1950s
and 1960s .New York.State University of New York Press .2012
MCRUER,Robert. Queer America In: BIGSBY, Christopher (Org.) The Cambridge
Companion to Modern American Culture. Cambridge University Press. 2006.
OSTERTAG, Bob. People’s Movements, People’s Press: The Journalism of Social
Justice Movements, Beacon Press, Boston 2006.
PUAR, Jasbir K. Homonacionalismo como Moisaco: Viangens,Viriais ,Sexualidades
Afetivas. Revista Lusófona de Estudos Culturais. Vol. 3, n. 1. 2015. pp.-297-318.
STREITMATTER,Rodger. Unespeakable: The Rise of the Gays And Lesbian Press in
America. Massachusetts. Faber and Faber.1995.
469
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
470
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
cearense, entre eles políticos, médicos e jornalistas (BARCELOS, 2016, p.111). Este
seguirá as mesmas características do IHGB, de valorização do documento como indicador
da verdade histórica, o que legitimaria a nacionalidade. Estes institutos seriam marcados
pela influência, além do Iluminismo, do Romantismo, como nos fala Francisco Falcon:
(...) associou as ideias de povo e nação como constitutivas de uma
mesma identidade coletiva manifesta na língua, na história e na cultura
comuns. Identificada como alma ou espírito nacional, a realidade
intrínseca de cada povo-nação representa uma individualidade histórica
irredutível. A história será sempre, então, a história dessas realidades
únicas, que tem no Estado sua expressão política. Caberá então ao
Estado-nação o lugar de honra no campo da historiografia do
Oitocentos. [grifo no original]. (FALCON, 1997, p. 103)
199
Movimento letrado ocorrido no Ceará na década de 1870 e que deu origem a agremiações, clubes e
sociedades literárias.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
471
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
472
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
473
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dos países civilizados. Esta era a memória que desejavam que fosse preservada, e que
será efetivada pelo Instituto do Ceará. Segundo Michael Pollak (1989), a função da
memória é:
(...) a de definir e reforçar o sentimento de pertencimento e as fronteiras
sociais entre as coletividades, além de manter a coesão dos grupos e
instituições. Essas tentativas são mais ou menos conscientes e
obedecem a uma interpretação do passado que dá sua diretriz.
(POLLAK, 1989, p. 7)
Sua função é então a de dar coesão e identidade a um grupo. Pollak nos diz ainda
que a memória, coletiva ou individual, é formada por acontecimentos, identificação com
certo período histórico (ou memória herdada), personagens e lugares e que todos esses
aspectos são comuns ao grupo. Logo, a memória constitui a identidade, sendo construída,
forjada e seletiva. Ao abordar a questão da memória nacional ele diz que: “A memória
organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e
são comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados
na memória de um povo” (POLLAK, 1992, p. 204). Não são todas as memórias do grupo
que fazem parte da história nacional, mas algumas são selecionadas em detrimento de
outras no momento em que a nacionalidade é forjada. Essas memórias são também
disputadas por grupos políticos e podem inclusive valorizar determinados grupos frente
à sociedade em geral. Benedict Anderson (2008) fala sobre essa manipulação da memória
a serviço da formação da nacionalidade. Para ele “a essência de uma nação consiste em
que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, e também que todos tenham
esquecido muitas coisas.” (ANDERSON, 2008, p. 272). É o que vemos acontecer com o
Ceará no contexto analisado. Buscou-se a formação de uma identidade a partir da
memória de seu movimento abolicionista para que o Ceará fosse valorizado diante das
demais províncias do Império e das nações ditas civilizadas. O papel de fortalecer essa
identidade coube, em grande parte, ao Instituto do Ceará, em contribuição com o IHGB,
tanto no período monárquico quanto no republicano. Este por sua vez escreveria uma
história legitimadora da nação.
Alguns personagens também foram utilizados para a formação de uma identidade
cearense, destacando-se a atuação destes no movimento abolicionista ou seu trabalho em
favor da emancipação dos escravos, como Francisco José do Nascimento e Pedro Pereira
474
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
da Silva Guimarães, por exemplo. Francisco José do Nascimento se tornou o grande herói
da greve dos jangadeiros, movimento ocorrido no porto de Fortaleza, quando os
jangadeiros, responsáveis pelo transporte dos escravos até os navios, negaram-se a fazê-
lo, sob o grito de “no porto do Ceará não embarcam mais escravos!”, nos dias 27, 30 e 31
de janeiro de 1881. Naquele momento, Francisco do Nascimento era prático-mor, posto
mais alto entre os jangadeiros e, sendo o líder da greve, foi exaltado após a abolição na
província e até hoje é conhecido como o Dragão do Mar. Já o Dr. Pedro Pereira da Silva
Guimarães teve sua figura resgatada no contexto do movimento abolicionista, por ter sido
um dos primeiros deputados a defender um projeto de lei pela emancipação dos escravos
recém nascidos. Este é de 1850 e embora não tenha sido aprovado, é tido pela
historiografia cearense como precursor da Lei do Ventre Livre, além de ter defendido o
fim da separação de escravos casados por venda. No momento do movimento
abolicionista a atuação de Pedro Guimarães é resgatada na tentativa de legitimar o
pioneirismo da província do Ceará, que mais uma vez teria saído na frente pela resolução
da libertação dos escravos.
Anne-Marie Thiesse (1995) se propõe em seu trabalho a pensar o regionalismo na
França durante a Terceira República (1870-1940). Ela procura demonstrar como, durante
esse período, o regionalismo foi utilizado para demonstrar ao mesmo tempo a diversidade
e a união da França, onde a diversidade compunha a nacionalidade. Assim, o regionalismo
não foi construído em oposição ao nacional, mas para completar e corrigir o centralismo
excessivo em Paris, que começou a ser contestado em meados do século XIX. Dessa
forma, Thiesse destaca que “o regionalismo, portanto, desempenha na história francesa
um papel de consolidação da identidade nacional, relegado com frequência ao segundo
plano, mas subitamente colocado em evidência nos períodos de crise intensa” (THIESSE,
1995, p. 5). Crise que naquele momento tinha como principais motivos este centralismo
político e econômico em Paris, visto como um desequilíbrio; e a derrota francesa para a
Alemanha na Guerra Franco-prussiana em 1870, que levou dirigentes e intelectuais a
buscarem novos elementos que demonstrassem a excelência francesa. Essa grandeza
consistia em sua diversidade, que fazia da França um país “abençoado pela natureza” e
“o resumo ideal de toda a Europa” (THIESSE, 1995, p. 6).
475
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
476
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
adiante – impõe todas essas características à região ao afirmar “com autoridade, quer
dizer, à vista de todos e em nome de todos, publicamente e oficialmente, ele subtrai-as ao
arbitrário, sanciona-as, santifica-as, consagra-as, fazendo-as existir como dignas de
existir, como conformes à natureza das coisas (...)” (BOURDIEU, 1989, p. 114). Assim,
é justamente essa autoridade que os grupos regionais buscam subverter, e pegar pra si,
para poder caracterizar sua própria identidade.
Ele fala ainda sobre o discurso regionalista, que ele diz ser performativo, tendo
em vista “impor como legítima uma nova definição de fronteiras e dar a conhecer e fazer
reconhecer a região assim delimitada” (BOURDIEU, 1989, p. 116), em oposição a uma
definição dominante já existente. A eficácia do discurso performativo consiste na
autoridade de quem o enuncia. O discurso produz o que está enunciando, mas quem
anuncia deve estar imbuído de autoridade para tanto. Aqui é importante destacar também
a abordagem do autor sobre o papel do discurso científico para legitimar determinadas
classificações. Pensamos ser interessante observar o Instituto do Ceará sob este prisma,
como um lugar de autoridade para emitir estes discursos científicos, já que este pode ser
importante para atrair o reconhecimento para a região. O que é justamente o objetivo do
Instituto do Ceará. Para Bourdieu, “qualquer enunciado sobre a região funciona como um
argumento que contribui – tanto mais largamente quanto mais largamente é reconhecido
– para favorecer ou desfavorecer o acesso da região ao reconhecimento e por este meio à
existência” (BOURDIEU, 1989, p. 120), já que o reconhecimento confere existência, de
acordo com Todorov, como já vimos. Bourdieu também adota esse ponto de vista ao dizer
que nas lutas regionais os agentes colocam toda sua vitalidade, todo seu “ser social”
(BOURDIEU, 1989, p. 124), já que o valor do indivíduo se reduz à sua identidade. Eles
colocam em jogo o que entendem por “nós” em oposição aos “outros” (BOURDIEU,
1989, p. 124).
Assim, a luta regional teria como objetivo a “reapropriação coletiva deste poder
sobre os princípios de construção e de avaliação da sua própria identidade
(...)”(BOURDIEU, 1989, p. 125). Para tanto, eles se utilizam até mesmo dos estigmas que
lhes são impostos em seus discursos por reconhecimento. O estigma confere as
determinantes simbólicas e seus “fundamentos econômicos e sociais” que se tornam os
“princípios de unificação do grupo e pontos de apoio objetivos da ação de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
477
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
478
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Terra da Luz contra as trevas da escravidão” (ALONSO, 2015, posição 3160). Imagem
fortalecida posteriormente pelo Instituto do Ceará, como vemos em um artigo da Revista
do Instituto do Ceará no qual o autor diz que “O lustro que vai de 1880 a 1884 é o
qüinqüênio de nosso esplendor histórico e foi nele que o Ceará conquistou a antonomásia
de Terra da Luz” (MOTA, 1984, p. 227). Em outro artigo, Alba Valdez, após destacar a
vergonha que os cearenses sentiam pela escravidão e como superaram as adversidades
naturais para lutar por seu fim, afirma que “aconteceu que naquelle dia 25 de março, para
sempre memorável, o sol offuscante dos trópicos saudava a primeira terra brasileira onde
todos eram livres, a qual um negro de genio por justos motivos cognominou – Terra da
Luz” (VALDEZ, 1984, p. 244).
Dessa forma, diante dos exemplos citados, podemos perceber o trabalho
empreendido por aquele Instituto na tentativa de formação de uma identidade a partir da
memória da abolição dos escravos em 1884. Inclusive alguns associados do Instituto do
Ceará estiveram diretamente envolvidos no movimento abolicionista naquela província,
como, por exemplo, o Barão de Studart, Antonio Bezerra de Menezes, Rodolpho Teophilo
e o padre João Augusto da Frota. Estes buscaram levar a memória daqueles
acontecimentos para o Instituto do Ceará, que atuou diretamente junto ao IHGB e a outras
instituições do Rio de Janeiro a fim de lhe conferir um lugar na história nacional. Assim,
vemos como foi empreendido o trabalho do Instituto do Ceará em relação à história da
abolição dos escravos naquela província, consolidando-a no momento de reconstrução da
nacionalidade brasileira, já nos últimos anos da Monarquia e no início da República. Uma
história que contaria com elementos da memória coletiva construída sobre a abolição e,
ao mesmo tempo, contribui para sua consolidação.
FONTES:
Jornal Libertador:
Libertador, nº 159, 1883.
Revista do Instituto do Ceará:
MOTA, Leonardo. O dia do Ceará. Revista do Isntituto do Ceará. Fortaleza: Edições
Universidade Federal do Ceará, 1984.
479
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
VALDEZ, Alba. Uma data cearense. Revista do Isntituto do Ceará. Fortaleza: Edições
Universidade Federal do Ceará, 1984.
BIBLIOGRAFIA:
480
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
481
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
482
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(universalista), a doença é um ente, existe por si só, tem uma causa, um decurso e uma
narrativa específica em detrimento do doente, em suma, sua própria ontologia.
A Psiquiatria europeia do século XIX e início do XX, notadamente o modelo
neuropsiquiátrico germânico, a partir de uma perspectiva ontológica e anatomoclínica,
passava a defender a ideia de que a doença psiquiátrica era orgânica, ou seja, tinha um
sítio específico (ainda que oculto), uma causa objetiva e um potencial evolutivo. Esta
inferência está relacionada à emergência da concepção de degenerescência do psiquiatra
franco-austríaco Augustin Morel200 (1857), na qual a doença é apreendida a partir de uma
etiologia e não por meio de uma sintomatologia eminentemente “moral” como era na
escola francesa de Pinel e Esquirol. Morel definia as degenerescências como desvios
patológicos de caráter hereditário, que podiam ter origem física ou moral. Os processos
de degeneração nervosa desencadeavam-se tanto em função de intoxicações diversas
como de distúrbios psíquicos oriundos de comportamentos anormais, perversos
(PORTOCARRERO, 2002, p. 49-50). Deste modo, esses comportamentos deviam ser
acompanhados longitudinalmente, como é balizado pelo psiquiatra alemão Émil
Kraepelin (1856-1926), a fim de se compreender e mesmo prevenir o surgimento das
próprias patologias. Tais pressupostos provocaram um experimentalismo no campo
psiquiátrico, o qual colocava em jogo o próprio estatuto de cientificidade dessa disciplina
e, concomitantemente, sua própria capacidade de disciplinarização e normalização dos
sujeitos no novo contexto do igualitarismo moderno.
Novas matrizes espaciais e temporais históricas marcadas, por um lado, por
processos de urbanização e de industrialização e de modernizações do Estado e da ciência,
e, por outro, por movimentos sociais variados, inclusive, em prol da emancipação
feminina, desenhavam um quadro de acirradas lutas pelo poder. O longo século XIX
implicaria a criação de novas possibilidades de relação de gênero e de divisão sexual do
trabalho, que, tradicionalmente, reservariam à mulher o espaço privado e, ao homem, o
público.
200
A teoria da degenerescência foi apresentada por Bénedict-Augustin Morel (1809-1873) no Traité des
dégénérescences psysiques, intelectuelles et morales de l´espèce humaine et des causes qui produisent ces
variétés maladives publicado em 1857.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
483
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
484
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
485
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
201
O termo diz respeito à condição das mulheres à época que eram rotineiramente enclausuradas no
ambiente doméstico.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
486
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Prostitutas e homossexuais
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
487
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
202
As traduções de Levine (1994) são nossas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
488
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
203
As traduções de Terry (1995) são nossas.
204
Quando pela primeira vez, através do olhar do médico alemão Karl Westphal (1833-1890), a ciência
registraria a homossexualidade como uma condição enraizada no corpo (TERRY, 1995, p. 131).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
489
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
490
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
139-140). A autora relata que Dickinsons, juntamente com seu assistente, o Dr. Moench,
não apenas sondou, mediu e registrou graficamente as genitálias femininas, mas
reconfigurou o próprio corpo feminino em territórios destacando peitos, vaginas, clitóris
e lábios. Para esses médicos, as marcas nessas áreas denunciariam o lesbianismo: “os
genitais tornaram-se índices de caráter moral” (TERRY, 1995, p. 143), especialmente no
caso dos corpos negros. No entanto, ao fim deste estudo, os pesquisadores concluiriam
que todos os achados ginecológicos característicos das variantes do sexo feminino, como
hipertrofia do prepúcio e do tamanho do clitóris, poderiam, de fato, resultar de qualquer
prática que não a heterossexual realizada, exclusivamente, na “posição ‘missionária’”
(TERRY, 1995, p. 146).
Terry destaca ainda que Dickinson e também vários membros importantes do
CSSV foram filiados a instituições de eugenia. Os discursos eugênicos, do contexto
urbano americano dos anos de 1930, salientavam a necessidade de se desencorajar
relações sexuais e raciais desviantes e incentivam a heterossexualidade da classe média
branca e sua “reprodução patriótica”. Segundo a autora, “o estudo da variação sexual foi
tanto um esforço para construir e manter a heterossexualidade higiênica como para
investigar a homossexualidade” (TERRY, 1995, p. 153).
O objetivo de traçar o corpo variante de sexo mostrou-se irrealizável e o modelo
de variância terminou sendo homogeneizado por uma concepção oposta do que era ser
macho e fêmea. No final da pesquisa, ao invés de se poder delimitar, sanitariamente, o
corpo heterossexual ‘normal’ ou não marcado, o que se viu foi um atenuamento das
fronteiras entre heterossexuais e “homossexuais”.
A pesquisa de Kinsey, partindo de uma variabilidade estimada no comportamento
sexual real, pode perceber através de numerosas evidências que os comportamentos
homossexuais não eram raros, podendo envolver, inclusive, a metade da população
masculina total. Nas décadas de 1940 e 1950, a publicação dos seus relatórios
desencadearam um pavor na sociedade civil e política estadunidense em relação ao que
seria essa ameaça invisível e onipresente dos “invertidos” e desferiu ainda um golpe nos
estudos constitucionais, biológicos (TERRY, 1995, p. 154-159).
No entanto, no final do século XX, sob a pressão, especialmente, do surgimento
da epidemia de AIDS, uma “biologia da homossexualidade” reclamaria, novamente, o
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
491
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
492
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
poderosos. Além do mais, tais “molduras” revelam-se duradouras, sobretudo, por terem
respaldos científicos e envolver interesses políticos e sociais.
A história dos corpos e comportamentos desviantes não diz respeito apenas a uma
forma de ver o mundo, mas, sobretudo, de representá-lo e organizá-lo, a qual demanda
imaginários científicos relativos ao que é superior, moderno em oposição ao que é
inferior, atrasado e mórbido. A história sexual e de gênero é altamente política e, nesta a
conexão entre corpos, comportamentos e papéis sociais é, especialmente, imbricada e, em
última instância, fruto de variados processos históricos e culturais. Deste modo, os
discursos e práticas médico-científicas e sociais que buscam “iluminar”, patologizar e
sanear os corpos e os comportamentos e ainda distinguir e delimitar diferentes categorias
de indivíduos não se mantêm inalterados. Neste sentido, ante as “ameaças” que se
perfilam no horizonte, dispor corpos desviantes versus corpos modelares se presta, em
especial, à reprodução – e à naturalização – de formas de dominação social.
Na relação médico-paciente, em especial, o sujeito desviante não é simplesmente
alvo de um saber-poder médico. Os discursos e as práticas médicas, portanto, não incidem
sobre um vazio, ainda que o corpo do paciente seja objetificado, esquadrinhado,
disciplinado, etc. Tratam-se, sobretudo, de percepções e ações recíprocas (dialógicas) em
relação ao outro no mundo. O homem e mulher “normais” não são construídos,
exclusivamente, por meio da força. Por essa via, é importante salientar, assim, que não se
trata apenas de constrangimentos, mas, também, de valores e expectativas sociais
compartilhadas, neste quadro, em torno dos papéis de gênero. A governabilidade
instituída pelos padrões de masculinidade corresponde não apenas ao governo do Estado,
mas também ao governo de si dos indivíduos, uma vez que os dispositivos e discursos de
poder encontram-se internalizados, imiscuídos em processos de subjetivação. O
enquadramento da doença/desvio forja-se, assim, historicamente no encontro entre
diferentes sujeitos encarnados, na interface entre diferentes arsenais cognitivos e
interesses, entre normatização e outras práticas sociais.
Bibliografia
493
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Graal,
1983.
LACQUEUR, Tomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de
Janeiro: Relume Dumará. Cap. 5, “A Descoberta dos Sexos”, p. 189-240.
LEVINE, Philippa. Venereal disease, prostitution and the politics of empire: the case of
British India. Journal of History of Sexuality v. 4, n. 4, 1994, p. 579-602.
ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio
de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.
TERRY, Jennifer. “Anxious slippages between ‘us’ and ‘them’: A brief history of the
scientific search for homosexual bodies,” In TERRY, Jennifer; URLA, Jacqueline (Eds.)
Deviant Bodies: Critical Perspectives on Difference in Science and Popular Culture.
Bloomington: Indiana University Press, 1995, p. 129-169.
494
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fugas de escravos no Rio Grande de São Pedro: uma análise a partir dos
inventários post-ortem (século XIX)
CARLOS JARENKOW
Mestrando em História Social na UNIRIO
Bolsista Capes
205
A fonte utilizadafoi publicada pelo Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Todos os dados, gráficos e
tabelas se remetem à este catálogo: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Administração e dos Recursos
Humanos. Departamento de Arquivo Público. Documentos da Escravidão: inventários: o escravo
deixado como herança. Coordenação: Bruno Stelmach Pessi. Porto Alegre: Companhia Rio-Grandense de
Artes Gráficas (CORAG), 2010, 4 v.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
495
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ou, pelo fato de serem esporádicas? Em quarto lugar, buscaremos analisar o período e as
regiões nas quais estes fugitivos foram informados, buscando compreender o impacto da
abolição da escravidão na Banda Oriental, bem como fazer uma comparação entre o
número de fugidos informados na região de fronteira e em regiões mais afastadas dela.
***
496
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
497
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
âmbito nacional na década de 1880. Esse período marca a perda brusca de cativos da
região sul para a região sudeste.
***
498
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
499
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em primeiro lugar, a comparação com o caso trabalhado por Salles, mostra que,
mesmo em períodos parecidos, os números são bastante distintos, reforçando a
importância da economia do café para o Brasil, que abastecia o mercado mundial do
gênero. A província do Rio Grande de São Pedro, por outro lado, possuía pequenos
plantéis de escravos, com um percentual populacional distribuído nestas pequenas
escravarias. Sendo assim, através da presente comparação, buscamos mostrar que o Rio
Grande do Sul, para além de suas peculiaridades da “fronteira” e da “belicosidade”,
também possuía uma estrutura escravista bastante distinta da do Rio de Janeiro. Ainda
que o “peso” da economia central do café e que grande parte dos cativos, principalmente
no século XIX, encontravam-se na região sudeste, a escravidão vigorava em outras
regiões do país, mas de maneira distinta. Mas o que isto pode trazer de interessante para
pensarmos as fugas? Diferentes realidades regionais – não só no Rio grande do Sul, como
em outras províncias – tinham um peso muito grande no estabelecimento das relações
sociais entre livres, libertos, escravos e autoridades.
Dos 16.170 inventários levantados em nossa pesquisa, apenas 394 deles (2,4%,
aproximadamente), ao longo de quase um século inteiro, tiveram referências sobre
escravos fugidos. O número é bastante baixo e, por consequência, já nos leva a uma
conclusão: fugia-se muito pouco na província sulina. Evidente – precisamos sempre
lembrar –, os inventários não constituem a única fonte de análise das fugas e nem todos
inventariantes arrolaram os foragidos. Apesar disto, precisamos levar em consideração
algumas questões a respeito: manter-se foragido era extremamente difícil. Tomar a
decisão de fugir poderia colocar em risco anos de negociações com o senhor, além de
significar o rompimento de relações afetivas que envolviam desde amigos até familiares.
Fugir, não era, definitivamente, uma decisão simples.
Total de Inventários
Período Porcentagem
Inventários com Fugidos
1800-1834 2.652 72 2,7%
1835-1846 1.375 50 3,6%
1847-1871 7.255 143 2,0%
1872-1888 4.888 129 2,6%
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
500
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Diversos são os trabalhos que mostram o impacto das fugas na província (PETIZ,
2006; ARAÚJO 2007; CARVALHO, 2013). O baixo índice, portanto, não significa que
elas não impactassem as relações escravistas, muito pelo contrário, elas podem nos
mostrar justamente o transtorno que era para um senhor ter um cativo foragido, visto que,
o mesmo não estava acostumado, por assim dizer, com este tipo de situação e as suas
consequências: atraso na produção, tempo para procurá-lo, recompensas para capitães do
mato e gastos com anúncios em jornais. Para completar, as fugas pela fronteira – que já
ocorriam desde o final do século XVIII – passaram a envolver questões diplomáticas mais
sérias após o fim da escravidão nos países vizinhos, principalmente na Banda Oriental do
Uruguai, após a abolição da escravidão em 1846, como já explicitamos.
Analisando o período da Guerra dos Farrapos, entre 1835 até 1846, temos o
menor número de índices de fuga, mas o maior percentual: 3,8%. O período de guerra
muito provavelmente contribuiu para este aumento. Apesar disto, temos que ter em mente
também que muitos inventários podem ter sido deixados para serem feitos após o fim da
guerra, visto que, administrativamente, a província estava desestabilizada. Ainda assim,
não impediu que 1.298 inventários com escravos tivessem sido produzidos no período.
Os demais períodos mantém um padrão do quadro geral, com uma porcentagem de
fugidos informados abaixo de 3%.
501
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
também das próprias autoridades que não desejavam passar por transtornos diplomáticos
com a República Oriental do Uruguai. Além disso, muitos senhores devem ter passado
por negociações dentro da atividade produtiva, para evitar a perda de seus escravos,
principalmente em um momento de alta dos seus preços.
A tabela nos mostra um cenário bastante parecido com a de inventários, ainda que em
proporções mais baixas. O único destaque a ser feito é, novamente, a maior porcentagem
de cativos fugidos durante a “Farroupilha” (1%) e o maior índice de foragidos no terceiro
recorte (1846-71) com 249 fujões.
502
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
50 a 99 100 22 22%
100 ou mais 19 5 26,3%
Total 16.170 390 2,4%
503
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
504
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
***
206
Consideramos localidades fronteiriças: Alegrete, Arroio Grande, Bagé, Cruz Alta, Dom Pedrito, Herval,
Itaqui, Jaguarão, Livramento, Quaraí, Rosário do Sul, Santa Vitória do Palmar, Santana do Livramento,
Santo Ângelo, São Borja, São Francisco de Assis, São Gabriel, Uruguaiana.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
505
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
muito mais distantes do que Bagé e Jaguarão. Dessa forma, se compararmos os escravos
inventariados como fugidos em cidades fronteiriças ou não, temos o seguinte quadro:
Verificamos que as fugas em cidade não fronteiriças representam quase o dobro das
incidências nas fronteiras. As maiores incidências de fuga ocorreram na região leste do
estado, próximas ao litoral, em municípios como Pelotas (91), Porto Alegre (85) e Rio
Grande (93). Ainda assim, é mister ressaltar que a expansão da escravidão na fronteira,
bem como a própria burocratização (criação de comarcas, jurisdições e organizações
políticas) destas localidades se deu em grande medida na década de 1840, diferente de
outros municípios como Porto Alegre que, desde o início do século já possuíam estes
aparatos administrativos. Por isso devemos ficar sempre atentos às temporalidades e é
neste ponto que nos propomos a analisar agora. Afirmamos anteriormente que
acreditamos que a abolição no Uruguai contribuiu para o aumento das fugas na província.
É possível tentarmos verificar esta possibilidade, realizando um recorte entre a incidência
das fugas antes e depois de 1846, conforme a tabela abaixo:
O quadro mostra que mais da metade das fugas (64%) ocorreu após a abolição no
Uruguai. Este número é bastante interessante e, logo de início, nos leva a crer que a
abolição, muito provavelmente, contribuiu para o aumento da incidência de foragidos.
Mas e por localidade? Será que as fugas aumentaram apenas nos municípios de fronteira?
506
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
TABELA 16: ESCRAVOS DADOS COMO FORAGIDOS EM LOCALIDADES NÃO SÃO PRÓXIMAS À
FRONTEIRA
É possível ver que em cidades não fronteiriças o arrolamento de escravos foragidos nos
inventários por período é praticamente a mesma, o que nos faz pensar que a frequência
das fugas pode ter sido muito parecida tanto na segunda, quanto na primeira metade do
507
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
século XIX. Apesar disto, devemos levar em consideração que municípios como Pelotas
e Porto Alegre passaram a produzir inventários desde o século XVIII, diferente de outras
regiões da fronteira, o que pode ajudar a explicar a semelhança antes e após 1846. É
curioso também notar que o número de fugas após 1846 permanece o mesmo tanto nas
cidades de fronteira como fora dela. O que mostra que, tanto no leste quanto no oeste do
Estado, herdeiros ainda tinham alguma esperança e interesse em partilhar escravos
foragidos.
***
DOCUMENTAÇÃO/FONTES:
508
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SALLES, Ricardo. E o Vale era o Escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos
no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
ZARTH, Paulo Afonso. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século
XIX. Ijuí: Unijuí, 2002.
509
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
207
Região localizada no extremo sul do Ceará, assim chamada para diferenciar-se de uma região mais antiga
existente na Paraíba. Doravante, será tratada por Cariri.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
510
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A cultura sertaneja pode ser abordada a partir de várias vertentes, a exemplo das
ricas e diversificadas manifestações artísticas e literárias, com destaque para o cordel. Um
dos motivos dessa preeminência exercida pela literatura de cordel é a força da oralidade,
fomentadora de um repertório diversificado de narrativas, e de grande influência na
formação de gerações de bardos menestréis que se fazem presentes na história regional.
Além disso, o Cariri, especificamente o Juazeiro do Norte, é um dos polos regionais de
produção de folhetos de cordel. Esse posto está relacionado diretamente à condição desta
cidade, e em extensão o Cariri, como ‘palco’ de “uma trama de acontecimentos que
possibilitaram o surgimento de práticas e saberes marcados pela singularidade” (MELO,
2010: 22). Dentre estes acontecimentos, relacionados à religiosidade popular que se
manifesta fortemente na região, destacam-se os chamados ‘milagres do Juazeiro’,
protagonizados pelo hoje lendário padre Cícero Romão Batista208.
Contudo, não é apenas a influência do imaginário religioso e de elementos do
fantástico e do maravilhoso que vão marcar a produção dos poetas carirenses. A verve
social, com a crítica, o questionamento e a contestação também vai se desenvolver
fortemente e já (e por isso mesmo) naquele contexto ao mesmo tempo opressivo e
esperançoso das primeiras décadas do século XX. É o que veremos com a obra dos poetas
Zé de Matos e Patativa do Assaré.
208
Sobre o padre Cícero e acontecimentos a ele relacionados, a exemplo da chamada questão sociorreligiosa
do Juazeiro, ver o livro Milagre em Joaseiro, do autor norte-americano Ralph Della Cava, obra considerada
um marco da historiografia sobre o sacerdote juazeirense.
209
Este epíteto, utilizado por um contemporâneo do poeta, membro da elite regional, demonstra bem o
sentimento paradoxal que busca explicar o fenômeno representado por uma pessoa sem instrução formal
ter a habilidade de compor versos que foram preservados, a despeito de serem, a princípio, veiculados
somente pela oralidade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
511
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
210
Essa tachação ocorreu principalmente no contexto da questão religiosa que permeou e sucedeu os
inquéritos sobre os chamados “fatos extraordinários de Juazeiro”, instaurados pela Bispado do Ceará para
investigar o suposto milagre de transformação de hóstias em sangue, ocorrido em 1889.
211
Frei Carlos Maria de Ferrara, religioso da Ordem dos Capuchinhos, foi o primeiro diretor da Missão do
Miranda, aldeamento indígena que funcionou no século XVIII e que deu origem à cidade do Crato.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
512
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Se era barbalhense, Zé de Matos, com sua veia mordaz e ferina não teria poupado
nem mesmo o seu pretenso ‘torrão natal”, que, inclusive, é enaltecida nas crônicas oficiais
como uma cidade aristocrática. Certa feita, elogiando um poeta nascido em Barbalha,
disse:
513
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
- Amigo Quintiliano,
Eu sou da raça tapuia.
Para adoçar-me a guela
Bote-me mel nesta cuia!
(Apud SOUSA, 2000: 29)
514
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nascimento, de moradia e de morte, - de Zé de Matos não temos nem uma imagem que
pudesse ficar para a posteridade, quer seja uma simples fotografia ou um desenho sequer.
De sua aparência física, coletamos esta descrição de um contemporâneo seu:
Vejamos, pois, como o próprio se definia, mesmo que as informações não sejam
explicitamente sobre o cotidiano que vivia, mas metáforas que expressam a liberdade
inerente aos imaginativos poetas populares:
Eu me chamo Zé de Mato
Tirador de economia
Baixa no chão é buraco
Gancho de pau é furquia
Peguei no rabo da cobra
Soltei na perna da jia
Na boca de quem não presta
Quem é bom não tem valia
Eu me chamo Zé de Mato
E sou do mato, José
Sou filho do Cariri
Duvide lá quem quiser
Quando chego em tua casa
Venho ardendo como brasa
E vou da sala à cozinha
Boto meu chapéu num torno
Porque teu pai é um corno
E tua mãe é feme212 minha.
[...]
212
Corruptela para a palavra fêmea.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
515
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
516
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pela sua força e qualidade, mas também pelas mãos invisíveis do destino que colocam em
cena outras mãos, estas visíveis, a exemplo das mãos de escritores e jornalistas, como o
cratense José Carvalho de Brito, que conheceu na infância o poeta e dedicou-lhe parte do
seu livro O caboclo do Pará e o matuto cearense, escrito quando residia em Belém,
capital do Pará. Por sinal, este livro também lançou para o mundo intelectual da literatura
outro poeta, também caririense, também ‘matuto’, também genial, irreverente e libertário:
Patativa do Assaré.
213
O apelido foi-lhe dado em alusão a um pequeno pássaro canoro típico do Nordeste, acrescentando o
nome da sua cidade natal. Patativa, na sua mocidade, foi também violeiro, autor de repentes e apreciador
de cantoria.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
517
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Na verdade, a região não é toda banhada pelas águas, sendo que a maior
parte de seu território é composta das chamadas “terras secas”, de
maneira que nem todos os solos eram propícios para a agricultura de
gêneros alimentícios. Mas a representação como um oásis reforçava tal
percepção.
[...]
O que é preciso ser levado em conta na análise é a operação política
desenvolvida pela classe senhorial, através de seus discursos, bem
como de suas práticas de dominação sobre os trabalhadores, além da
apropriação dos recursos naturais (REIS JUNIOR, 2015: 2).
214
Poeta do Povo é uma expressão bastante usada para identificar o poeta de Assaré.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
518
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Eu me conformo com tudo aquilo que vem pela parte natural. Eu não
me conformo é com aquilo que vem pela parte do artificial, como
perseguição, opressão, essas coisas que não pertencem aí à natureza,
pertencem à maldade dos homens mesmo, viu? A isso aí eu não me
conformo, não! Mas essa outra parte, não, purque [sic] eu olho para a
vida como realmente a vida é e, por isso, eu sou conformado... (Apud
CARVALHO, 2000: 54).
519
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
referências centrais, até mais do que o próprio Cariri. Entretanto, Patativa deixou claro
que não vestia a carapuça regionalista sob a perspectiva determinista. Em uma de suas
mais conhecidas poesias, diz:
Nunca diga, nordestino
Que Deus lhe deu um destino
Causador do padecer
Nunca diga que é o pecado
Que lhe deixa fracassado
Sem condições de viver
[...]
520
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
saberes e sentidos dos mundos rural e urbano, como um alerta para o próprio absurdo
desta separação:
[...]
Quando eu tinha oito anos que nem era alfabetizado ainda, foi quando
eu vi pela primeira vez uma mulher ler um folheto de cordel... coisa que
nunca tinha assistido, então fiquei maravilhado com quilo, com aquela
521
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O que, talvez, Patativa ainda não poderia supor naquele momento era que a sua
poesia seria não apenas um meio de deleite, mas, como diz um repetido, mas necessário
chavão, um instrumento de conscientização para a organização do povo e sua luta para
obtenção de direitos e conquistas e, consequentemente, por um mundo melhor, mais justo
e solidário. Também, não tinha ainda noção de quão perigoso seria a opção que marcaria
sua poesia em tom de crítica, contestação e irreverência. Decerto, teve um vislumbre disso
quando, certa vez, chegou a ser preso por conta de uma crítica que fizera às recorrentes
ausências do prefeito de sua municipalidade. O episódio originou-se por conta da
necessidade do poeta de resolver algumas questões relacionadas a documentos que
dependiam da assinatura do prefeito. Só que este dificilmente aparecia na Prefeitura para
dar expediente. Patativa, aborrecido por sempre encontrar a “Prefeitura sem prefeito”,
glosou este mote:
Por conta destes versos, visto como impropérios por um subserviente delegado,
Patativa foi preso por desacato a autoridade. Mas como bom poeta, ele não perdeu sua
inspiração nem o bom humor. Ao perceber que na cadeia onde estava detido tinha
coincidentemente uma patativa presa em uma gaiola, ele disparou o seguinte verso:
522
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Patativa descontente,
Nessa gaiola cativa,
Embora bem diferente,
Eu também sou patativa.
Patativa construiu uma obra rica e profícua na sua longa e sábia existência. Morreu
aos 93 anos, em 2002, na sua Assaré querida, causando comoção nos seus amigos,
conhecidos e admiradores, e provocando grande repercussão na mídia. Sua poesia
libertária e destemida continua na ordem do dia, sendo objeto de estudos acadêmicos e
inspiração para os movimentos sociais em suas lutas, não só dos trabalhadores do campo,
mas de todos os segmentos que são vítimas de injustiças, mas que anseiam por um mundo
melhor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Gilmar de. Patativa, poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Editora Inside
Brasil Ltda., 2000.
FEITOSA, José Tadeu. A trajetória de um canto. São Paulo: Escrituras Editora, 2003.
FIGUEIREDO FILHO, José de. Engenho de rapadura do Cariri. Fortaleza, Edições UFC
/ Coedição Secult /Edições URCA, 2010.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
523
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REIS JUNIOR, Darlan de Oliveira. Uma história rural: riqueza, pobreza e injustiça
social nos sertões do Ceará (segunda metade do século XIX). In: Anais do XXVIII
Simpósio Nacional de História, Florianópolis, julho de 2015.
SOUSA, Oswaldo Alves de. Tipos e ditos populares do Crato de ontem e de hoje e outros
temas. Crato: [s.n], 2000.
VIEIRA, J. Flávio. A Terrível Peleja de Zé de Matos com o Bicho Babau nas ruas do
Crato. [S.l.: s.n.], [2004?].
524
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
215
No dia 23 de maio de 1932, quatro manifestantes paulistas foram mortos em um confronto contra
membros da Legião Revolucionária, liderada por Miguel Costa. As mortes em praça pública serviram para
eliminar as poucas diferenças partidárias que ainda persistiam e para aglutinar a sociedade paulista. A sigla
formada pelas iniciais de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, os nomes dos estudantes mortos, se tornou
sinônimo do sacrifício por São Paulo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
525
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
216
PADDOCK, Troy. World War I and propaganda. Boston: Brill, 2014, p.7.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
526
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nos primeiros dias da revolução, o periódico carioca apresentou sua visão sobre
os acontecimentos em São Paulo, reduzindo-o a uma mera disputa política balizada por
interesses escusos. Para o jornal,
217
ACORDO e patriotismo. Correio da Manhã, n.11.531, Rio de Janeiro, 13 jul. 1932, p.4.
218
COMUNICADO do Clube 3 de Outubro. Correio da Manhã, n.11.537, Rio de Janeiro, 20 jul. 1932, p.4.
219
AO POVO brasileiro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 jul. 1932, p.1.
220
NOTAS e informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 4 set. 1932, p.3.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
527
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
221
NOTAS e informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 ago. 1932, p.5.
222
ENTRE a bandeira branca e a metralha. Correio da Manhã, n.11.536, Rio de Janeiro, 19 jul. 1932, p.2.
223
NOTAS e informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 set. 1932, p.3.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
528
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
224
A HISTÓRIA de um motim no Batalhão Floriano Peixoto. Correio da Manhã, n.11.554, Rio de Janeiro,
9 ago. 1932, p.4.
225
O EXÉRCITO de Leste prosseguindo a ofensiva. Correio da Manhã, n.11.555, Rio de Janeiro, 10 ago.
1932, p.1.
226
DARÓZ, Carlos. Um céu cinzento: a história da aviação na Revolução de 1932. Recife: EDUFPE, 2013,
p.172.
227
OS INOMINÁVEIS atos de selvageria da aviação ditatorial. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 set.
1932, p.1.
228
O BOMBARDEIO de Campinas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 set. 1932, p.1.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
529
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
229
CHEGOU ontem mais uma leva de prisioneiros. Correio da Manhã, n.11.551, Rio de Janeiro, 5 ago.
1932, p.1.
230
CHEGARAM do Paraná vários oficiais prisioneiros. Correio da Manhã, n.11.557, Rio de Janeiro, 12
ago. 1932, p.1.
231
COMBOIADO por um navio de guerra, chegou ontem a esta capital o paquete ‘Campos’, trazendo
setecentos prisioneiros feitos em Buri e Capela da Ribeira Correio da Manhã, n.11.563, Rio de Janeiro, 19
ago. 1932, p.1.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
530
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Batalhão Borba Gato, que, então, recebeu o seu batismo de fogo”232, ou “acaba de
regressar o trem blindado, depois de haver posto em fuga as tropas da ditadura [...] as
trincheiras ficaram juncadas de cadáveres [...].”233 No dia 7 de setembro, um comunicado
do jornal exaltou uma ação coordenada por um dos mais destacados soldados paulistas, o
major da FPSP Romão Gomes:
232
COMUNICADO das 18 horas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 ago. 1932, p.1.
233
BRILHANTE feito das forças constitucionalistas no setor de Eleutério. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
7 ago. 1932, p.1.
234
COMUNICADO das 24 horas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 set. 1932, p.1.
235
A AÇÃO da coluna João Francisco. Correio da Manhã, n.11.552, Rio de Janeiro, 6 ago. 1932, p.3.
236
O GENERAL Góes Monteiro em inspeção aos setores mineiros. Correio da Manhã, n.11.568, Rio de
Janeiro, 25 ago. 1932, p.1.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
531
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
237
O MORAL da tropa federal em Minas. Correio da Manhã, n.11.590, Rio de Janeiro, 20 set. 1932, p.4.
238
O EXÉRCITO de Leste completou os seus anunciados sucessos da véspera. Correio da Manhã,
n.11.585, Rio de Janeiro, 14 set. 1932, p.1.
239
ENERGIA e bravura do soldado constitucionalista. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 set. 1932, p.1.
240
COMUNICADO das 24 horas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 set. 1932, p.1.
241
DARÓZ, Carlos. Um céu cinzento ..., p.177.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
532
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
242
A DIVISÃO naval atacada por aviões paulistas. Correio da Manhã, n.11.595, Rio de Janeiro, 25 set.
1932, p.3.
243
A MORTE de dois heróis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 set. 1932, p.1. O jornal publicou o nome
do piloto, José Ângelo Gomes Ribeiro, incorretamente, provavelmente por tê-lo confundido com seu pai,
general João Gomes, à época comandante da 1ª Região Militar no Rio de Janeiro.
244
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 ago. 1932, p.1
245
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago. 1932, p.1
246
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 ago. 1932, p.1
247
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 ago. 1932, p.1
248
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 set. 1932, p.1
249
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 set. 1932, p.1
250
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 1932, p.1
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
533
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
534
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Plínio Barreto, no qual era feita a defesa e a legitimação do movimento, além de ataques
ao Governo Provisório e a mobilização de segmentos da sociedade.
A atualização das notícias relativas às operações militares foi assegurada com a
publicação de três comunicados diários (11, 18 e 21 horas), que resumiam, na primeira
página, as ações de combate. Por entender que não deveria oferecer informação valiosa
para o inimigo, o periódico quase nunca divulgou o informou sobre o movimento de
tropas, no entanto, facilitado pelo censor do movimento ser seu próprio redator-chefe,
praticou intensamente a propaganda de guerra e foi um dos responsáveis por São Paulo,
mesmo isolado, ter resistido por três meses contra todo o aparato bélico do Governo
Provisório.
Cada qual a seu modo, os jornais utilizaram sua capacidade de penetração e
circulação na sociedade, e, com suas propagandas, procuraram influenciar no resultado
do conflito, tornando-se instrumentos do esforço de guerra.
FONTES PRIMÁRIAS:
- Arquivo do Jornal O Estado de S. Paulo
- Biblioteca Nacional – Jornal Correio da Manhã
BIBLIOGRAFIA:
CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Lígia. O bravo matutino - imprensa e
ideologia: o jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980.
DARÓZ, Carlos. Um céu cinzento: a história da aviação na Revolução de 1932. Recife:
EDUFPE, 2013.
HILTON, Stanley. 1932: a guerra civil brasileira. São Paulo: Nova Fronteira, 1982.
LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, pp.111-153.
LUCA, Tânia Regina; MARTINS, Ana Luíza (orgs.). História da imprensa no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2008.
PADDOCK, Troy. World War I and propaganda. Boston: Brill, 2014.
535
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
536
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
537
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
revistas. Isso implica em considerar o sujeito não como um efeito do discurso, tal como
proposto por Foucault, mas sim produtor de próprias versões de si, uma vez que as
experiências individuais interferiam de forma relevante na consideração do que era
considerado saudável e normal, tornando a apropriação de modelos universalistas e
normativos mais fluidos e negociáveis. Uma vez que tais discursos eram ressignificados
no processo de apropriação pelos indivíduos, isso permitia múltiplas acomodações desses
saberes, não apenas na adequação às normas, mas também linhas de fuga às mesmas.
Um episódio em especial se destaca como ponto de partida para algumas das
questões aqui colocadas. Em 1940, o psicanalista Gastão Pereira da Silva251 publicou uma
resenha intitulada “Um aspecto religioso da psicanálise” na revista literária Dom
Casmurro. O texto tinha como finalidade anunciar uma futura publicação homônima (que
nunca ganhou materialidade) sobre as relações entre religião e psicanálise, apontando que
a doutrina freudiana não era incompatível com os postulados religiosos. Acusava que a
psicanálise era “mal interpretada” pelos católicos, que se recusavam a admitir que fossem
leitores de Freud. A fim de ilustrar que a psicanálise e a religião tinham mais pontos em
comum do que seus adeptos gostavam de reconhecer, Gastão citava a obra Educação
sexual para pais e educadores, escrito pelo padre Álvaro Negromonte252 e publicado pela
primeira vez no ano anterior pela editora José Olympio.
O livro foi muito bem recebido não só entre católicos – o prefácio foi escrito por
Dom Hélder Câmara, então assistente eclesiástico do Secretariado Nacional de Educação
da Ação Católica e técnico do Ministério da Educação e Saúde Pública – mas também na
grande imprensa. Gastão elogiava a “ousadia” e o pioneirismo de um padre em escrever
sobre educação sexual, afirmando que as páginas de seu livro “estão cheias de
ensinamentos psicanalíticos, muito embora seu autor não se confesse adepto da doutrina
251
Gastão Pereira da Silva (1898-1987) foi um psicanalista carioca dedicado à divulgação da psicanálise
para leigos. Para tanto, usava uma carta escrita pelo próprio Freud como chancela de seus esforços em
popularizar a doutrina. Colaborou nas revistas Dom Casmurro, O Malho, Vamos Ler!, Carioca e Seleções
Sexuais, em programas radiofônicos e promoveu cursos de autoanálise, além de ter publicado mais de 50
livros, como Para Compreender Freud, Vícios da Imaginação e Conhece-te pelos sonhos (Marcondes,
2015).
252
Monsenhor Álvaro Negromonte (1901-1964) foi um sacerdote católico pernambucano e se destacou
pelo engajamento com a divulgação de manuais católicos como instrumentos de formação religiosa e
educativa, com especial destaque para a coleção de catecismos composta de 14 volumes e publicada pela
José Olympio Editora a partir de 1937 (Orlando, 2008). Além disso, escreveu artigos para revistas católicas
e não católicas, como Seleções Sexuais.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
538
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
539
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
540
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
aberta”, ambas assinadas por Gastão Pereira da Silva. Destinada a leitores de ambos os
sexos, tinham como objetivo atuar como consultório médico em revista:
541
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
o Lar Católico era publicado em Juiz de Fora pela Congregação do Verbo Divino253, que
se tornou responsável pela revista a partir de 1912, data que marca sua segunda fase, até
o fim de sua circulação em 1986. Já A Família Cristã teve seu primeiro número publicado
em 1934, pela Pia Sociedade Filhas de São Paulo254, e até hoje se encontra em circulação,
sendo uma das maiores publicações católicas do país (Dalmolin, 2012). Além de
evangelizar, tais impressos buscavam informar seus leitores com assuntos
contemporâneos, atualidades e orientação religiosa, com destaque para as seções
“Intercâmbio com as leitoras”, “Carta dos leitores” e “Opinião do leitor”. Dedicadas aos
esclarecimentos dos dogmas religiosos e à orientação dos leitores em sua vida prática,
forneciam ainda modelos de conduta a seus leitores, que frequentemente escreviam
narrando suas dúvidas sobre a doutrina católica, os sacramentos católicos, superstições e,
claro, educação sexual.
Desta forma, a imprensa se demonstra como principal fonte para pensar tais
questões, uma vez que os meios de comunicação de massa foram utilizados como
instrumentos de divulgação científica e de pedagogia católica. Ao atuarem como veículos
difusores de novos hábitos, aspirações e valores (Luca, 2005, p. 120), pretende-se
verificar como tais impressos contribuíram para a conformação de uma “cultura sexual”
brasileira a partir da discussão sobre a educação sexual e da circulação de saberes sobre
o tema.
A troca de correspondências incentivada pelas revistas e publicadas em seções de
aconselhamento, em especial, se apresenta como um recurso metodológico importante
para refletir sobre a circulação dos manuais de educação sexual e seu alcance entre leigos,
uma vez que possibilitam identificar as publicações consideradas mais relevantes, seus
usos e traçar um perfil de quem consumia esse tipo de literatura – homens e mulheres,
jovens e adultos/as, solteiros/as e casados/as. Através das cartas, os leitores se sentiam
253
A Congregação do Verbo Divino é uma ordem religiosa fundada pelo padre alemão Arnaldo Janssen
(1837-1909) em 1895, Styel (Holanda). Os primeiros padres verbitas chegaram no Brasil pouco tempo
depois e se estabeleceram em Juiz de Fora (Lucena, 2011, p. 71).
254
A Sociedade Pia das Filhas de São Paulo é uma congregação religiosa fundada em 1915 pelo padre
italiano Tiago Alberione, que buscava na época incentivar a participação feminina nas ações missionários
da Igreja. As primeiras irmãs paulinas chegaram no Brasil em 1931, na cidade de São Paulo (Dalmolin,
2012, p. 49). Assim como os padres verbitas, tem a imprensa como instrumento missionário e hoje são
responsáveis pela maior editora católica do país, a Paulus.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
542
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
______. (org.). Práticas da leitura. 5ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.
CURIOSO. “Consultório (clínica sexual)”. Ciência & Sexualidade, 1954, ano I, n. 13,
p. 21-26.
543
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
(org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
LUCENA, Paola Lili. “Nenhum lar sem o lar católico!”: discursos e vivências sobre
gênero, família e sexualidade no jornal Lar Católico (1954-1986). 2011. 355 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora,
2011.
REIS, Giselle Volpato dos. Sexologia e educação sexual no Brasil nas décadas de 1920-
1950: um estudo sobre a obra de José de Albuquerque. 2006. 92f. Dissertação (Mestrado
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
544
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
RUSSO, Jane. O mundo psi no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
545
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A condição social de viúva é adquirida de forma não natural. Nesse trabalho as “viúvas”
não serão entendidas como um grupo natural, nem homogêneo dentro da sociedade recifense.
Com a morte dos maridos, as viúvas se tornariam tutoras dos bens e dos filhos, muitas
vezes, mantendo não só a unidade doméstica, mas o resguardo dos bens herdados.
Herança essa que podia ser apenas um acúmulo das dívidas adquiridas pelo “seu casal”,
nos termo da época.
546
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A minha proposta é colocar essa pesquisa no campo dos estudos sobre as mulheres
no Recife oitocentista. Ao estudar as estratégias de sobrevivência das viúvas e como elas
estavam inseridas no mundo do trabalho feminino também vou estar investigando o
255
A análise dos estudos de gênero somada a prática feminista confrontam a distribuição de poder existente.
É interpretar o mundo, enquanto tenta mudá-lo. É uma nova forma de pensar a história. “Need to examine
gender concretly ans in context and to consider it a historical phenomenon produced, reproduced, and
transformed in different situations” SCOTT, Joan Wallach. Gender and the politics of history. New York:
Columbia University Press, 1988, p.6.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
547
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
cotidiano das mulheres da época. Mulheres que assumiam papeis ditos como masculinos:
eram chefes de família e protagonistas de relações sociais e econômicas256.
256
Não eram apenas as viúvas as mulheres chefes de família no século XIX. Algumas mulheres, como as
brancas pobres, nunca chegaram a se casar e eram chefes de família. Outro exemplo são as forras. Sobre o
assunto ver: SAMARA, Eni de Mesquita. Mulheres chefes de domicílio: uma análise comparativa no Brasil
do século XIX. Anuário del IEHS, Vil Tandil, 1992; FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras – riqueza e
estigma social. Revista Tempo da UFF, n. 9, v.5, 2000; SILVA, Maciel Henrique. Ser doméstica em Recife
e Salvador na segunda metade do século XIX: honra e sobrevivência. Revista de História Social da
Unicamp, n.13, 2007.
257
Sobre o assunto ver: BASILE, Marcelo.O laboratório da nação: a era regencial (1834-1840). In:
GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo (orgs). O Brasil Imperial vol. II. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.
258
Marcus Carvalho e Bruno Câmara explicam que "entre 1844 e 1848, ocorreram cerca de sete mata-
marinheiros que refletiam o clima difícil e propenso a todo tipo de desordens." (p. 31) Segundo Câmara,
os mata-marinheiros eram manifestações de rua. O alvo principal dos manifestantes eram os portugueses
moradores do Recife. O motivo, a intensa concorrência entre trabalhadores nacionais e estrangeiros (livres
e libertos) no comércio da cidade "afloraram rivalidades raciais e tensões sociais de toda ordem." Sobre o
assunto ver: CÂMARA, Bruno. Trabalho livre no Brasil Imperial: o caso dos caixeiros de comércio na
época da Insurreição Praieira. Recife: 2005. Dissertação (mestrado). CARVALHO, Marcus J. M. de.
CÂMARA, Bruno. A insurreição praieira. Almack Brasiliense, n.8 (2008).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
548
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
259
Diário Novo, n.1, ano I (1842), Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
549
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
informativo das atividades das tropas rebeldes. O Diário Novo fechou em 1849 e reabriu
em 1852. Em novembro do mesmo ano fechou as portas de vez.
A história das mulheres recifenses, assim como em várias outras regiões e países, ainda
está sendo escrita. São poucas as pesquisas sobre o dia a dia das mulheres comuns que viveram
na primeira metade dos Oitocentos. Estudar as mulheres que moravam no Recife é voltar o olhar
também para as experiências femininas vividas no mundo Atlântico. Ao adentrar nos estudos
sobre a vida cotidiana dessas mulheres é possível sair com mais perguntas do que respostas. As
questões vão desde os lugares onde elas frequentavam, até qual o papel delas na sociedade ou
qual a influência das instituições masculinas na vida delas.
260
HAHNER, June. A mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
261
Para a autora, a cidade do século XIX é um espaço sexuado. As mulheres burguesas (brancas, no caso)
figuram como ornamento da moda e as mulheres do povo são faladas apenas quando subversivas, por meio
de denúncias e queixas. PERROT, Michelle. Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História:
São Paulo, v.9, n. 18 (1989), p. 9-18.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
550
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
262
A história das mulheres e das relações de gênero nasce com um caráter político, entre historiadoras
feministas, influenciadas em sua maioria pelo Movimento Feminista de segunda onda, nas décadas de 1970
e 1980. De acordo com a narrativa em ondas, a primeira onda do feminismo tem início no final do século
XIX e vai até a metade do século XX. O foco são os movimentos sufragistas e a luta pelos direitos políticos,
sociais e econômicos. Algumas autoras consideram que a segunda onda inicia na década de 1960. TILLY,
Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. Campinas: Cadernos Pagu, 1994, p. 29-62.
263
LARA, Silvia Hunold. Os documentos textuais e as fontes do conhecimento histórico. Revista
Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, p. 17-39, dez/2008.
264
THOMPSON, Edward Palmer. "Intervalo: A Lógica Histórica". In: A miséria da teoria ou um planetário
de erros. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1981.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
551
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
interrogar as evidências com uma perspectiva do gênero como categoria de análise, será
possível encontrar as mulheres. Ao menos nos anúncios de jornal.
A ideia aqui é pensarmos uma abordagem que tenha como eixo central de análise tratar
das possibilidades abertas à compreensão das relações sociais no período a partir da valorização
dos fragmentos de histórias de vida (os anúncios propriamente ditos). Isso, levando em conta a
imprevisibilidade da política ao enfatizar a experiência humana.
Para tal, façamos como Richard Price nos propõe e abracemos os vestígios que
nos foram deixados pelo passado, com todas as suas complexidades epistemológicas (e
aceitando seu caráter construído), dando o nosso melhor para reapresentá-los com
franqueza. Afinal, as verdade históricas e etnográficas são sempre parciais. “A história
depende, em parte, da imaginação, assim como a memória coletiva depende, em parte, de
eventos passados.”265 Ou, nas palavras de Thompson, aceitando que o conhecimento
histórico é provisório, incompleto e seletivo. Além de limitado e definido pelas perguntas
feitas às evidências, portanto, só são “verdadeiros” dentro de um campo definido assim.
265
Price diz que para compreender o “discurso” (a memória coletiva e os modos pelos quais se atribui
sentido a figuras) devemos, ao mesmo tempo, considerar o “evento” (a demografia e a etnicidade ao logo
do tempo, a sociologia e a economia de determinados regimes e assim por diante). E para compreender o
“evento” ou a “história” devemos também considerar o “discurso” e a ideologia. PRICE, Richard. O
Milagre da crioulização: retrospectiva. Estud. afro-asiát. [online]. 2003, vol.25, n.3, pp.383-419.
266
ALMEIDA, Suely. Histórias de gente sem qualidade: mulheres de cor na capitania de Pernambuco no
século XVIII. In: CABRAL, Flávio José Gomes e COSTA, Robson. (orgs). História da Escravidão em
Pernambuco. Recife: Editora UFPE, 2012.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
552
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O roteiro proposto pelas autoras tem módulos de análise diversos. Todos colocam ênfase
na leitura e problematização da própria publicação selecionada na pesquisa, isso para apreender
a historicidade da publicação e da conjuntura. O primeiro passo é identificar o periódico. O
segundo, pensar o projeto gráfico editorial voltando-se para as formas de produção e distribuição
de conteúdo. Depois, conduzir a investigação sobre o projeto editoral do jornal, indagando sobre
posições e articulações do periódico naquele tempo histórico determinado.
Durante o primeiro semestre do curso de mestrado reuni quatro anos de anúncios dos dois
jornais (Diário Novo e Diário de Pernambuco). Como o cenário brasileiro de gestação do Estado
Nacional era de intensas disputas políticas, o que refletiu na província, me vi com a necessidade
de fazer o roteiro não apenas por periódico, mas também por ano. Esse passo metodológico está
me ajudando a compreender a atuação dos jornais frente as pautas sociais e políticas do período.
E a encarar as publicações não como estacionadas dentro de categorias estáticas. Por exemplo, o
Diário Novo só é um jornal de oposição enquanto a presidência da província é conservadora.
Quando os praieiros assumem esse cargo de chefia, o jornal passa a figurar como oficial.
Inclusive, a tipografia na qual é impressa a folha também passa a imprimir os relatórios de
267
LARA, Silvia Hunold. Os documentos textuais e as fontes do conhecimento histórico. Revista Anos 90,
Porto Alegre, v.15, n. 28, p.17-39, 2008.
268
Heloísa de Faria Cruz e Maria do Rosário da Cunha Peixoto em “Na oficina do historiador: conversas
sobre história e imprensa.” São Paulo: Revista Projeto História, n 35, julho/dezembro 2007..
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
553
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
presidente de província. Apesar disso, continua sempre reafirmando a própria posição enquanto
jornal liberal e “folha diária que represente o pensamento actual do commercio.”269
O Diário Novo era publicado em todos os dias que não “fossem de guarda”, ou seja, de
segunda a sexta, fora os feriados de santo. As quatro páginas jornal eram dividas em quatro
colunas e divido em algumas seções. Na parte superior da capa aparecia: Advertência, Partida
dos Correios terrestres, câmbios, dias da semana, Exterior, parte official, O Diario Novo. Essa
última era uma espécie de artigo que expressava a opinião do jornal sobre assuntos diversos
(notavelmente políticos) e não era assinada. Já as se seções eram: Correspondência, Publicações
Literárias, Theatro, Movimento do Porto, Avisos Marítimos, Vendas, Compras, Escravos
Fugidos, Variedades, Avisos Diversos. As únicas colunas fixas e assinadas eram as
Correspondências. Em 1842, ainda não havia iconografia na folha e os anúncios estavam
localizados nas últimas páginas, geralmente 3 e 4. As assinaturas custavam “2$000 = por
semestre. 3$800 = por ano 7$000.”270 Até o dia 16 de setembro de 1844 os anúncios eram
publicados gratuitamente. A partir de 17, “Publicão-se gratis os annuncios dos assignantes e dos
que o não o forem a 60rs por linha.” Era vendido avulso na “loja de livros da Rua do Collegio
D.7”, a “80rs”.
A folha impressa na Typ. Imparcial de L. I. R. Roma (Luís Ignácio Ribeiro Roma), que
ficava localizada na Rua da Praia, tinha como campanha geral “quebrar o monopólio da
imprensa”, tendo em vista que surgiu enquanto só havia um periódico diário na província, o Diário
de Pernambuco.
O Diário de Pernambuco também se publicava “em todos os dias que não for
santificados”. Na capa, abaixo do título, o periódico estampava uma quote: "Tudo agora depende
de nós mesmos: da nossa prudencia, moderação, e energia: continuemos como principiamos, e
seremos apontados com admiracão entre as Nacões mais vultas. (Proclamação da Assembleia
Geral do brasil.)" Ainda na capa: Partidas dos correios terrestres, dias da semana, Preamar,
Cambios, Phases da lua no mez. As primeiras páginas eram ocupadas pelas seções: Pernambuco,
269
Diário Novo, Prospecto (1842, n.1). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
270
Os preços da época, claro, eram muito diferentes dos atuais. Em tabela de preços publicada pelo Diário
de Pernambuco no dia primeiro de março de 1841, o azeite de peixe custava $750 réis por grama e a carne
de charque 20$000 por barn (barn é uma medida de área, equivalente a 10−28 m²), por exemplo. Para se ter
ideia, um escravo custava pouco mais de 300$000 réis, na década de 1840 no Recife. Ou seja, era caro
manter meninas na escola. Sobre o assunto ver: VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. NOGUÉROI, Luiz
Palo Ferreira. VERSIANI, Flávio Rabelo. RESENDE, Guilherme. Preços De Escravos E Produtividade
Do Trabalho Cativo: Pernambuco E Rio Grande Do Sul, Século Xix. ANPEC: 3 (História Econômica),
2013.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
554
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Governo da Província, Parte Official, Commando das Armas, Tribunal da relação. Nas outras
páginas do jornal, as outras seções eram Avizos Diversos, Avizos marítimos, Escravos Fugidos,
Compras, Vendas, Movimentos do Porto, Folhetim. Também apenas as Correspondências eram
assinadas, além de uma parte chamada Diário de Pernambuco, geralmente expressava o
posicionamento do jornal sobre algum tema. Para os anúncios, páginas 3 e 4.
O jornal era impresso na Typ. de M. F. de Farias, localizada na “Rua das Cruzes D.3” e
também era vendido avulso na Praca da Independência, na lojas de livros números 37 e 38. A
assinatura custava “tres mil reis por quartel pagos adiantados. O annuncios dos assignantes são
grátis e os dos que não forem á razão de 80 reis por linha. ” Em 1842, o jornal publica a seguinte
notícia: "O credito do nosso periódico tem-se firmado principalmente em suas doutrinas: por que
o Diario de Pernambuco sempre amigo das liberdades patrias, nunca sympatizou com extremos,
e sempre há sustentado doutrinas tendentes a manter a ordem pública, e a firmar o Throno
Constitucional do Imperio Brazileiro." (1842, n.1)
Nos anos de 1843 e 1844 não há grandes mudanças observadas nos jornais de
acordo com os roteiros propostos pelas autoras271. O ano de 1845 é o de ascensão das
lideranças praieiras nos cargos de poder da província. No dia 11 de julho, Chicorro da
Gama é nomeado presidente da província. É notável que na primeira página do Diário
Novo passa a figurar uma “Parte Official”, na qual são dadas notícias do governo, além
da afirmação recorrente de que “nada há nas províncias que tire a tranquilidade
pública”272. Também são noticiados as demissões nos cargos de chefia da província e
troca de autoridades locais273. É a hora do Diário de Pernambuco criticar a então atua
presidência da província. Também há artigos que reclamam do partido vencedor das
eleições (liberal) e diz que o Diário vai “continuar do caminho da ordem e das leis.”274
Os anos de 1846 e 1847 também não são de notáveis mudanças no posicionamento
político dos jornais. Diferente, claro, de 1848 (afinal, o ano da insurreição).
271
Há mudanças de preços das assinaturas e ambos passam a ter iconografias na parte dos anúncios.
272
Diário Novo (1845, n.213). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
273
Diário Novo (1845, n.214 e 215). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
274
Diário de Pernambuco, Prospecto (1845, n.55). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
555
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para focarmos nas viúvas, me parece haver uma pergunta central: Quem aparece
como viúva e em que tipo de notícia? Elas estão principalmente na seção de Avisos
Diversos, as últimas páginas dos jornais, reservadas ao anúncios. Em ambas as folhas,
estão nos anúncios de emprego, comunicando os próprios serviços ou procurando outras
trabalhadoras/es livres ou escravizadas/os. Também anunciam aos credores quando são
inventariantes dos maridos mortos. As seções de compra, vendas, aluguéis e leilões
também estão cheias de viúvas anunciantes, compondo, inclusive, firmas de lojas (seja de
livros, “fasendas”, padarias ou boticas). Apesar de não serem anunciantes, também
aparecem na Parte Official dos periódicos, geralmente quando eram divulgados os apelos
do Tribunal da Relação. E, no Diário de Pernambuco, na parte de Commando das Armas.
Nesse caso, essas mulheres aparecem quando pedem dispensa para os filhos, por serem
“único arrimo” de “mãi” viúva. Também há alguns folhetins, variedades e publicações
literárias com personagens viúvas, ou falando sobre viuvez.
Esse artigo é uma primeira experiência de localizar as fontes que serão usadas na
minha dissertação no tempo histórico e período político, não perdendo de vista situar a
imprensa como participante ativa da sociedade da qual era contemporânea. A pesquisa
ainda está em estágio inicial, sinto-me tentada a apontar os anúncios de jornal como ótima
fonte para pesquisadoras/es que estejam interessadas em estudar o mundo do trabalho
feminino nos Oitocentos. Espero que com esse artigo, tenha conseguido mostrar como é
amplo o leque de possibilidades para estudar as mulheres trabalhadoras oitocentistas
275
Diário Novo (1845, n.241, 242, 249). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
276
Diário Novo (1845, n.274, 277). Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
556
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
usando a documentação da imprensa. Nos quais poderemos perceber e mostrar que elas
estavam presentes no dia a dia das cidades e, porque não dizer, aquecendo a economia.
FONTES
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Odila L. S. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 1995. (p. 80-116)
557
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SCOTT, David. Preface: Debt, redress. In: Smal Axe: 43, March/2014.
SCOTT, Joan Wallach. Gender and the politics of history. New York: Columbia
University Press, 1988, p. 25.
TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. Campinas: Cadernos
Pagu, 1994, p. 29-62.
558
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
277
O grande veículo de circulação de anúncios de fins do século XIX e início do século XX foi o Jornal do
Commercio, contudo quando começamos esta pesquisa ele ainda não estava digitalizado para consulta na
Biblioteca Nacional, o que tornava inviável um estudo quantitativo e qualitativo das amas de leite. Tendo
trabalhado na graduação a busca por amas no Jornal Correio da Manhã devido a relação de seu fundador
como benemérito de uma instituição de proteção à infância, o Ipai, o Jornal do Brasil apareceu como um
periódico que para o mesmo recorte temporal nos trazia um número seis vezes maior de ocorrências,
contando com 2.771 aparições do termo “ama de leite”. Criado em 1891 por Rodolpho Dantas, no mesmo
ano da Constituição que estabeleceria as bases do regime republicano no país, o Jornal do Brasil contaria
com uma gama de personalidades atuantes na monarquia como Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco
(BAHIA, Juarez. História da Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro, vol.1. 2009). Seu primeiro número iria
apontar para a instabilidade que vivia o país “quando velhas são chamadas instituições ainda de ontem”
(Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 Abril, 1891), apesar do descontentamento garantia trabalhar para
contribuir com a pátria.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
559
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A ama é descrita no dicionário como uma “mulher que amamenta filho alheio.”
(MICHAELIS, 1998, p.120) E, não diverge da atividade presente na sociedade carioca
Oitocentista relatada por Elisabeth Carneiro:
De acordo com Maria Luiza Marcílio, desde “o século XI, o uso de amas de leite
mercenário difundiu-se pela Europa Ocidental” (MARCÍLIO, 1998, p. 54). E seria figura
central na prática da assistência aos enjeitados:
278
Cabe ressaltar ao menos três instituições criadas no período, conduzidas e mantidas pela sociedade civil.
A saber: o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro – Ipai (1899), criado e dirigido
pelo médico Arthur Moncorvo Filho; a Policlínica de Botafogo (1900), dirigida por Luiz Barbosa; e a
Policlínica das Crianças (1909), dirigida pelo médico Antônio Fernandes Figueira.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
560
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
279
Criada na Europa na Idade Média e trazida para o Brasil mediante a colonização portuguesa, a Roda dos
Expostos se caracterizava como instituição que continha uma esfera cilíndrica para o recebimento do
enjeitado. Assegurando que a criança abandonada não morresse sem o sacramento do batismo.
(MARCÍLIO, 1998)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
561
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
famílias que procuravam ou ofertavam amas - o que indica uma difusão na sociedade da
prática considerada secular.
A virada do século representa a efervescência das mudanças sanitárias e políticas
na capital da República, momento de propagação do credo higienista e combate das zonas
de miasmas. Ambiente de mudanças urbanas, reordenamento dos espaços, especulação
imobiliária e retirada das classes populares das áreas centrais. Verifica-se a tentativa de
extinguir as moradias consideradas insalubres marcadas pelo compartilhamento dos
espaços e pouca circulação de ar, seria o pobre o objeto da reforma, o bem maior estaria
a cargo de um renovo nos hábitos correntes. E, dentre eles não podemos esquecer a ama
mercenária. (NEEDELL, 1993; CHALHOUB, 1996; BENCHIMOL, 2003).
A historiografia tradicional, que emerge dos anos de 1980, expressaria o contexto
político vivenciado na cidade como
562
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
280
Médico que dirigiu a Policlínica das Crianças do Rio de Janeiro (1909) esteve à frente de ações em
defesa do aleitamento, na condução de alunos da FMRJ na escrita de trabalhos em favor do leite materno.
Na década de 1920 seria escolhido pelo Departamento Nacional de Saúde Pública para dirigir a Inspetoria
de Higiene Infantil. Vale mencionar: FIGUEIRA,1905; FIGUEIRA, 1908; FIGUEIRA, 1926.
281
Médico responsável pela criação e direção do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de
Janeiro – Ipai (1899), com trabalho voltado ao cuidado da infância pobre e educação das mães. Presença
constante em congressos e no debate com seus pares. Vale mencionar: MONCORVO FILHO, 1908;
MONCORVO FILHO, 1909.
282
A FMRJ conta com teses de conclusão de curso de alunos orientados por Fernandes Figueira e /ou
Moncorvo Filho. Dentre elas vale destacar: Siqueira, 1912; Almeida, 1913; Lima, 1914; Galvão, 1916.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
563
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sócrates Pinheiro seria mais específico em seu estudo, ao alertar como deveria ser
realizado o exame das amas alegava que o interrogatório do médico feito à mulher
examinada não tinha valor - pois todas buscavam o salário e por isso a resposta era sempre
positiva sobre gozar de boa saúde. O médico deveria fazer perguntas precisas relativas a
existência de sintomas de modo que a examinada não pudesse averiguar o potencial das
respostas, além de exame no filho da candidata. (PINHEIRO, 1919, p.52-53) O
procedimento médico deveria fiscalizar seios, leite, corpo, dentes, amídalas, pulmões,
coração, aparelho digestivo, região hipogástrica, sistema nervoso e sangue - como já
sugeria seu colega de profissão, Lima. (PINHEIRO, 1919, p.53.) Uma boa ama era
considerada aquela entre 20 e 30 anos, que já tivesse aleitado uma criança e que seu filho
estivesse em bom estado de saúde.
564
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
‘ama de leite’ aparece no jornal como título de peças teatrais, marchas carnavalescas,
notícias e anúncios.
Nos dias 22 e 23 de Fevereiro de 1903 a ama de leite daria nome a um carro
alegórico do Clube dos Destemidos, que satirizava a fiscalização do leite imposta pela
prefeitura. O Jornal do Brasil informa que no carro alegórico que representava a higiene
estaria uma ama amamentando o diretor da higiene, no período em questão Oswaldo Cruz
ocupava o cargo de Diretor Geral da Saúde Pública (1903-1909) e Luiz Barbosa delegado
da higiene municipal no 1º Distrito Sanitário. Assim descreve o jornal:
Clube dos destemidos E' hoje que os alegres rapazes, que compõem o
elegante Club dos Destemidos, saem à rua, com o seu luxuoso e artístico
préstito, caprichosamente organizado e estando destinado às mais
ruidosas e festivas manifestações de simpatia, pelas ruas por onde
passar.(...) Mais carros com fantasias e um carro de critica, com o
seguinte dístico: A higiene defensiva e agressiva. Representa uma
grande ama de leite, amamentando conhecido diretor higiênico.
(JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 22 Fev.1903).
No dia seguinte o desfile ainda estaria nas primeiras páginas do jornal, mais uma
vez a reação popular às ações da higiene pública estaria na ordem dos fatos, com um carro
que ironizava a venda de leite pela cidade, tendo em vista a proibição realizada pela
prefeitura ao tráfego de vacas e pelo maior controle na assepsia dos estábulos e venda do
leite, mais uma vez a ama de leite é suscita amamentando o diretor da higiene.
565
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Encantado, dizia precisar de uma ama com leite entre cinco e seis meses, não importando
a cor. "Precisa-se de uma ama de leite de 5 a 6 meses, para casa de família pobre, não se
faz questão de cor; quem estiver nas condições dirigir-se à rua. Dr. Eulhões n. 17,
encantado". (JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 19 Set.1900) Nota-se ser uma
localidade mais afastada da área central, cujo acesso seria possível somente com a
expansão da linha férrea para arrabaldes mais longínquos a partir de meados do século
XIX (ABREU, 1982).
Na oferta de serviços de leite uma variedade de mulheres se apresentavam no
jornal para expor anúncios, vale destacar a pouca idade do leite, como nos mostra o
anúncio da portuguesa com oito dias, residente na General Pedra: "Aluga-se uma ama de
leite, com leite de oito dias, portuguesa; na rua General Severiano n.8, avenida, quarto
n.10."(JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 27 mar, 1903) Ou, a ama recém chegada
da Europa que dizia ser pessoa séria, assim descrita "Aluga-se uma ama de leite de poucos
meses, chegada há pouco da Europa, pessoa séria, idade 20 anos, quem precisar dirija-se
à rua Barão de Guaratiba n.34. A."( JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 27 mai. 1903)
Outras teriam 45 ou mesmo 15 dias de parida e estariam na imprensa ofertando trabalho
"Aluga-se uma ama de leite com leite de 45 dias, trata-se na rua da Harmonia n.39,
sobrado." (JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 Set 1903) "Aluga-se uma ama de
leite de 15 dias, conduta afiançada; na rua Vieira n.8, estação Dr. Frontin" (JORNAL DO
BRASIL, Rio de Janeiro, 06 Fev 1906).
Mulheres recém-chegadas ao Brasil, recém-paridas, ‘senhoras de família’,
‘mulher casada’ e todas tinham em comum a amamentação mercenária. O ano de 1900
contou apenas com 45 anúncios, uma média de pouco mais de três por mês. Este padrão
iria sofrer um salto enorme nos anos seguintes como nos apresenta o gráfico abaixo:
566
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
567
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
568
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
569
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O aluno Rodrigues prescreveria, em 1922, que para a escolha da boa nutriz dois
aspectos seriam primordiais: boa saúde e bom leite, sobretudo, com cuidados acerca da
sífilis e da tuberculose acompanhado do exame clínico destas mulheres, e de seus filhos,
compreendidos como meio mais seguro para verificar o estado da mulher que o alimenta.
Tais serviços de fiscalização podem ser encontrados sob a direção do professor Fernando
Magalhães na maternidade do Rio de janeiro, situada em Laranjeiras, entre os anos de
1915 e 1918. De acordo com o aluno quando a maternidade foi passada ao patrimônio
nacional, o serviço já bem desenvolvido foi deixado de lado. E assinala que não sendo
um regulamentado os valores cobrados ficariam a cargo do proveito das amas
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
570
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
As teses indicam que entre as décadas de 1920 e 1930 o serviço de leite mercenário
seguiria presente e vigente na sociedade carioca. A continuidade da pesquisa iluminará
melhor a expansão da procura por amas para os subúrbios, a possibilidade da crescente
busca do serviço pelos populares e a atuação médica.
Referências Bibliográficas
Documentos/Fontes
Bibliografia
ABREU, Mauricio de. Evolução urbana do Rio de Janeiro.2ª Edição, Rio de janeiro:
Jorge Zahar, 1982.
AZEVEDO, André Nunes de. A Reforma Pereira Passos: Uma tentativa de integração
Conservadora. Tempos Históricos, vol.19, 2015.
571
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro, Lacerda Ed. 2000.
CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “Preta, com muito bom leite, prendada
e carinhosa”: Uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888).
Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, 2006. (Tese de
doutorado) 419p.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo,
Companhia das Letras, 1996.
MARCÍLIO, Luiza Maria. História social da criança abandonada. São Paulo, Editora
HUCITEC, 1998.
572
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
573
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O rádio teve início nos anos de 1920, crescendo ao longo da década de 1930 e
alcançando seu auge nos anos 1940 e 1950. Agiu como difusor de músicas e informações
(ORTIZ, 1994, p. 38). Representou uma oportunidade de trabalho para músicos, mesmo
que poucos, e um aumento do número de ouvintes de gêneros musicais populares. Assim,
exerceu influência sobre o fenômeno das músicas populares, colaborando para sua
divulgação. Contudo, essa problemática não foi suficientemente analisada do ponto de
vista dos sujeitos envolvidos diretamente nesse processo, em especial, os músicos negros.
O primeiro registro na programação radiofônica divulgada na imprensa da atuação
de Patricio Teixeira foi em 1926. Contou que, estava em casa e que recebeu um
telefonema do presidente da Sociedade Rádio Clube do Brasil, “o doutor” Rocha
Miranda. Mesmo com o tratamento formal, afirmou que tinha alguma intimidade com ele,
pois era professor de violão da sua mulher. Nesta ligação, fora convidado para cantar na
emissora, que se localizava no Largo do Machado. Contou: “Chegando lá, peguei o violão
e comecei a cantar, cantar, cantar e fui ficando, ficando lá e assim cantei durante uns três
ou quatro meses” (Entrevista de Patrício Teixeira, 01/12/1966). Na verdade, foram pelo
menos três anos, pois há registros em periódicos de sua atuação de 1926 a 1929.
Assim, o convite para o ingresso na radiofonia teria surgido a partir do ensino do
violão, atividade que possibilitava sua movimentação por vários espaços da cidade,
incluindo, casas das elites cariocas. Sua atuação na Rádio Clube logo repercutiu no jornal
Correio da Manhã que se referiu ao músico como o “popular Patricio”, cujo repertório
“irradiado semanalmente” tinha “alcançado um sucesso inexcedível” (Correio da Manhã,
26/09/1926, p. 11).
A estação divulgou na sua programação enviada à imprensa escrita as primeiras
apresentações do cantor em 1926 como “Audição de canções e modinhas regionais pelo
Sr. Patricio Teixeira”, veiculada no turno da noite, que costumava ser de grande audiência
(Gazeta de Notícias, 22/12/1926, p. 4; 29/12/1926, p. 4). Em entrevista dada à imprensa
em 1951, o músico contou:
574
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
283
Ele falou a quantia em cruzeiro, mas naquele momento, 1932, a moeda ainda era réis.
284
A delimitação temporal do auge do seu sucesso foi feita observando os comentários na imprensa e as
suas entrevistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
575
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
285
Há vários registros da atuação de Patricio Teixeira em São Paulo no final da década de 1920 e ao longo
da década de 1930.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
576
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
incluindo troca de cantores. Carmen Miranda fez algumas excursões para lá naquela
década (Pranóve, agosto de 1940, nº27, p. 35). Patricio Teixeira nunca saiu do Brasil,
segundo seu próprio depoimento (Entrevista de Patrício Teixeira, 01/12/1966).
No almanaque de 1946 sobre a história da radiofonia no Brasil, publicado pelo
matutino Correio da Manhã, foram mencionados diversos nomes que colaboraram para
o surgimento e desenvolvimento do rádio no país, entre eles alguns cantores como
Patricio Teixeira, cuja fotografia ilustrava a publicação (Correio da Manhã, 1946, pp.
143-150). A menção a Patricio Teixeira indicava sua posição de destaque nos anais da
radiofonia.
De acordo com as pesquisas, o cantor começou a gravar músicas em disco no
mesmo período em que iniciou na radiofonia. Seus discos circulavam, promovendo a
divulgação de suas músicas e de sua voz. Mas, foi sem dúvida, a partir da sua participação
no rádio que alcançou visibilidade e sucesso, ultrapassando os limites da cidade do Rio
de Janeiro. Cantando nas ondas do rádio, promovia publicidade para suas canções, o que
levaria à compra de seus discos e a convites para promover espetáculos nos teatros e
cassinos. Desta forma, fonografia e radiofonia se articulavam ao divulgar as produções
de músicos de talento como Patricio, tornando-os cantores de sucesso.
De acordo com Patricio, ele foi o “primeiro a cantar no rádio coisas regionais, ao
violão” (Gazeta de Notícias, 20/02/1935, p. 12), por isso, talvez tenha recebido o apelido
de “O seresteiro incorrigível.” Seu repertório musical era vasto e as temáticas variadas,
mas nota-se que ele era lembrado pela imprensa como “a voz do sertão” ou o cantor de
músicas folclóricas ou regionais.
Apesar de todo o sucesso artístico conquistado, uma breve análise de fontes
jornalísticas sobre a sua experiência profissional na radiofonia, revelou questões para
serem problematizadas como tensões raciais imbricadas nas relações com artistas negros
num contexto de pós-abolição da escravidão. Afinal, esta havia se processado há poucas
décadas e os impactos profundos da escravização de negros nas configurações sociais se
fizeram presentes de forma latente nas décadas imediatamente posteriores, inclusive
ainda se fazem presentes na atualidade. Qual o lugar a ser ocupado pelos negros na
sociedade brasileira? A história de Patrício, assim como de muitos outros homens e
mulheres negras, está inserida nessa problemática.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
577
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
286
Broadcasting era o nome empregado para se referir às emissoras de rádios. Elas usavam diversos termos
em inglês, fazendo referência ao país onde surgiu a radiofonia, Estados Unidos.
287
Os dados foram compilados a partir de pesquisa realizada neste banco de dados online.
288
Seguimos a designação dos gêneros musicais atribuídos às canções nos fonogramas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
578
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sendo Patricio o cantor com a maior quantidade de canções gravadas até 1935, ano da
publicação em análise. O fato do samba ser mais representativo na discografia de Patricio
Teixeira inevitavelmente o associava mais aquele gênero musical. Além disso, era
reconhecido como um famoso violinista. Estes fatores podem ter sido razões para o
impedimento da sua apresentação tal como descrito na reportagem. Apesar de não
podermos descartar essas possibilidades, levando em conta que aquele teatro era um
espaço cultural elitizado, não parece razoável supor que o violão e o samba tenham sido
critérios exclusivos da proibição. Afinal, os outros três músicos contratados que não
foram impedidos de se apresentar no evento, eram todos brancos. E provavelmente,
tocavam violão, instrumento principal das composições populares. Cantavam sambas e
tantos outros gêneros populares, tal como Patricio. Não há como deixar de concluir que
o critério racial foi um dos elementos a serem considerados na proibição da apresentação
de Patricio Teixeira no Teatro Municipal, afinal, era o único músico negro entre os
contratados para o evento escolar. Além disso, sua apresentação poderia ter sido
condicionada à interdição do que os diretores do teatro não permitiam: samba e violão. O
repertório de Patricio era vasto, cantando diferentes ritmos e gêneros musicais, sendo
inclusive mais conhecido socialmente como seresteiro e cantor de modinhas regionais e
folclóricas do que como sambista.
Apesar do seu sucesso, o cantor parecia compreender os limites sociais
demarcados para artistas negros, indicando que o seu lugar na sociedade estaria
condicionado a hierarquias raciais, portanto, passível de preconceito e discriminação. Há
indícios de que ele se reconhecia socialmente como negro e reconhecia a existência de
restrições sociais estabelecidas por parâmetros raciais. Essas constatações são
evidenciadas na reportagem da revista O Malho em 1933: “Patricio Teixeira, o querido
cantor, anda furioso com todos os que votam ‘em branco’ no concurso para Príncipe do
‘broadcasting’ instituído pela ‘A Hora’!” (O Malho, 28 de dezembro de 1933, p.8).289
Outra reportagem bastante reveladora encontra-se na revista Fonfon de 1940:
Isto era antigamente, no início dos Cassinos! O elemento de cor não era
visto com bons olhos nessas “casas de diversões...” Vedava-se, mesmo
289
Era comum os periódicos organizarem concursos para o público eleger os artistas mais populares.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
579
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
As datas precisam ser analisadas para entendermos em que período esse suposto
episódio teria ocorrido. Ao empregar a expressão “antigamente”, o jornalista anônimo
situou o acontecimento em um passado remoto. Outro marco temporal seria o “início dos
cassinos”. O local onde teria se desenrolado o caso seria no Cassino da Urca, onde
inclusive Patricio trabalhou. Este cassino iniciou suas atividades em 1933, logo o
acontecimento não poderia ter mais de sete anos. Além disso, o episódio envolveu o
cantor Nilo Chagas, identificado como membro do Trio de Ouro. Seguindo estas pistas,
descobrimos que este cantor surgiu no cenário artístico em 1936 para substituir o cantor
Francisco Sena, morto em 1935, que formava a dupla Preto e Branco com Herivelto
Martins. Tornou-se trio em 1936 com a participação da cantora Dalva de Oliveira, mas o
conjunto só começou a usar o nome Trio de Ouro a partir de 1938. Desta forma, o episódio
não poderia ter ocorrido num passado tão longínquo, pois a reportagem é de 1940.
Esses relatos demonstram que havia tensões raciais envolvendo músicos negros.
A ida de dois cantores negros famosos ao cassino para se divertirem ser narrada como
uma “aventura” sinaliza relações sociais, no mínimo, conflituosas. Apesar do tom cômico
do texto e a tentativa de suavizar a situação de preconceito racial atribuindo-a ao passado,
há pistas que apontam que os cantores estavam cientes das restrições sociais a pessoas
negras, revelado no suposto diálogo. Patricio teria questionado a Nilo: “Vê lá, “seu” Nilo,
se vão barrar a nossa entrada”. A resposta de Nilo está pautada na crença de que não
seriam proibidos de entrar por causa do sucesso que faziam como cantores. Portanto, não
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
580
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nega que a proibição a pessoas negras pudesse de fato ocorrer: “Qual nada, ‘home’, nós
somos por demais conhecidos. E temos ‘cartaz’ de sobra”.
Ao se identificarem a partir da fala “Preto, 2!”, os cantores revelam o
reconhecimento de que não podem circular livremente pelos espaços sociais, mesmo
sendo famosos. A interpretação de que a expressão estava ligada a sua negritude gerou
um temor tão grande que fez com que eles saíssem correndo do local, chegando ao bar
Nice no centro do Rio, um reduto boêmio, com grande rapidez.
A partir da análise dessas reportagens, é possível concluir que os mecanismos
sociais de discriminação racial direcionados à população negra eram evidenciados nas
relações tecidas no campo artístico-profissional, mesmo diante do sucesso artístico.
Assim, a experiência do músico Patricio Teixeira é muito importante para pensar
conflitos, tensões, negociações e ambiguidades nas relações tecidas com as culturas
negras e com os músicos negros.
O campo artístico-cultural fora uma possibilidade de inserção profissional para
músicos pobres e remediados, incluindo negros. Para alguns poucos, as gravadoras e as
estações de rádio foram espaços de atuação, mas não excluíam hierarquizações e
preconceitos. À luz dessas questões, a trajetória de Patrício é muito rica de reflexões no
campo social, cultural e racial no Rio de Janeiro do período.
Fontes
Bibliografia
581
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BAHIA, Joana (et al). Pensamento social no Brasil por Giralda Seyferth: notas de aula.
Porto Alegre: Letra&Vida, 2015.
BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.
HERTZMAN, Marc. Making samba. A new history of race and music in Brazil.
Durham and London: Duke University Press, 2013.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
VIEIRA, Caroline Moreira. Ninguém escapa do feitiço: música popular carioca, afro-
religiosidades e o mundo da fonografia. (1902-1927). Dissertação de Mestrado em
História. Faculdade de Formação de Professores da UERJ, São Gonçalo, 2010.
582
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
PPGHCS-COC/FIOCRUZ
As literaturas auto instrutivas que circularam sobretudo nos séculos XVIII e XIX,
permitiram o acesso da população aos mais variados assuntos, principalmente, às ciências
em geral, bem como às leis, à engenharia, etc. Os manuais de medicina doméstica, que
constituem o objeto principal dessa análise, representaram no Império a única forma de
contato da imensa maioria da população do Brasil com medicina produzida nas
academias. Alessandra Al Far (2004) aponta que esses manuais de utilidade prática290
ensinavam o leitor a executar todo o tipo de atividade: redação de cartas formais ou
informais, receitas culinárias, feitiços de amor, oratórias, ofícios burocráticos, cultivo de
plantas, correspondência comercial, dicas de bom comportamento, e “ regras sociais
fundamentais para se construir o que os autores de tais obras idealizavam como
‘civilização’”(GUIMARÃES, 2004, p.2).
Boa parte das literaturas desse período assume um caráter estritamente pedagógico
e preventivo. Esse aspecto ficou evidenciado, sobretudo nas obras médicas, onde a
chamada “saúde dos povos” constituía um tema recorrente. Esses tratados serviam de guia
médico no cotidiano das mais diversas classes e revelavam as “preocupações didáticas”
apresentadas pelos médicos que julgavam ser necessária a sua intervenção. (ABREU,
2007; MARQUES, 2004). Porém, veremos que tais preocupações não eram evidenciadas
apenas nos manuais de medicina doméstica. Com a vinda da Corte Portuguesa para o
Brasil em 1808, a vida social da Colônia também sofreu inúmeras mudanças. A
europeização dos costumes e as transformações nas formas de comportamento da
sociedade passam a ser notados e tornam-se um requisito para todos aqueles que desejam
fazer parte da “boa sociedade”. Maria do Carmo Rainho (1995) em um interessante estudo
sobre os manuais de civilidade que tiveram ampla circulação no Brasil do século XIX
aponta que foi no contexto do processo de civilização dos modos, dos cuidados com a
290
A autora aponta que o termo “manuais de utilidade prática” foi extraído do “Extrato do Catálogo da
Livraria de H. Garnier”. In: AZEVEDO, Aluísio. A Mortalha de Alzira. Rio de Janeiro, Garnier, 1903
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
583
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
584
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O livro é direcionado à instrução das crianças e destinado a ser lido por elas, por
esse motivo a autora afirma que ele foi escrito com objetivo de ensinar à puerícia numa
“linguagem persuasiva e fácil os deveres da civilidade”. Igrejas, colégios, jantares,
horário de dormir, são alguns cenários que merecem importância na narrativa da
professora. Ela adverte as crianças a terem respeito, reverência e educação nessas
situações.
Veremos que circulação das obras que compõe a coletânea de obras do tipo “faça
você mesmo” que incluem os manuais de civilidade, os almanaques, os avisos e em
especial, os manuais de medicina doméstica, foi impulsionada pela fundação da Imprensa
585
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
As obras sobre a colônia, a começar pela carta de Pero Vaz de Caminha, só foram
impressas anos depois. Dessa forma, o acesso aos livros em tempos coloniais só era
possível de forma legal por meio da importação de Portugal que tinha como obstáculos,
além de todos os trâmites burocráticos, os custos de transportes e a censura lusitana que
inicialmente era realizada por meio da Inquisição e mais tarde pela Real Mesa Censória
(AL FAR, 2006). Essas restrições tornavam o contrabando uma forma recorrente para
entrada de livros no país, canalizando assim, a fiscalização junto aos livreiros. Tais
restrições explicariam, dentre outros fatores, a existência de apenas duas livrarias durante
todo o período colonial.
Luiz Carlos Villalta (1997) destaca que os primeiros livros que chegaram em
terras brasileiras provavelmente vieram com os jesuítas juntamente com Tomé de
586
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
291
O autor faz menção às primeiras remessas de livros que chegaram ao Brasil, provavelmente referindo-
se aos meios legais, pois, outros autores atestam a circulação de obras na Colônia que versavam sobre mais
variados assuntos, em sua maioria, consideradas de caráter subversivo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
587
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
receituário, com seus medicamentos, doses, indicações e modos de usar (p.6). Dentre eles,
destacam-se O Manual do Agricultor Brasileiro (1839), de Carlos AugustoTaunay,
Memória sobre a Fundação de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro (1847), do
Barão de Pati de Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o Manual do Agricultor
dos Generos Alimenticios, de autoria do Padre Antonio Caetano da Fonseca (1863) e a
obra de Jean Baptiste Alban Imbert, O Manual do Fazendeiro (1834 e 1839).
292
Para mais informações sobre a Imprensa Régia, consultar o verbete “Impressão Régia” no site do
Arquivo Nacional, disponível em: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2733
588
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
propagou-se nos meios letrados, enquanto que a oralidade predominou sobretudo no meio
rural, entre artesãos e trabalhadores analfabetos e de baixa renda. O português
predominava nos espaços públicos e era aprendido pelos poucos indivíduos que
frequentavam escolas religiosas. Era utilizado nos documentos escritos e cerimônias,
dessa forma, seu caráter era mais propriamente oficial do que público. Entre a população
em geral, o idioma falado era o tupi, por isso até os Setecentos eram frequentes os pedidos
à Coroa para que enviassem padres que falassem a língua dos índios.
589
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Erário Mineral (1735) de Luís Gomes Ferreira, editado pela primeira vez em
Lisboa foi um dos primeiros tratados de medicina brasileira escrito em língua portuguesa.
A obra reúne as experiências do cirurgião-barbeiro na capitania de Minas Gerais, a
descrição das doenças, tratamentos e o inventário dos medicamentos mais utilizados na
época e suas respectivas funções. Outra parte importante do livro é a composta de
informações detalhadas obre a vida dos escravos: características, alimentação, hábitos,
doenças, trabalho e moradia, dentre outros aspectos. Escrito dentro de um ramo
considerado mais prático da medicina portuguesa desempenhando por cirurgiões,
parteiras, barbeiros, o autor ressaltou a experiência como a base tanto para a medicina
quanto para a cirurgia. (Erário Mineral, v. 1, p. 183).
Outra obra de grande alcance que segue o modelo auto instrutivo é Domestic
Medicine de Willian Buchan traduzido para o português em 1788 em 4 volumes como
Medicina Doméstica, ou Tratado de Prevenir, e Curar as Enfermidades com Regimento,
e Medicamentos Simplices. Foi considerado o primeiro manual de medicina popular a se
espalhar pelo Brasil já no século XVIII. Na obra, Buchan tinha como um dos principais
objetivos, assegurar que as pessoas instruídas tivessem o conhecimento dos “princípios
gerais da medicina, para que pudessem aproveitar aquelas vantagens com que está
590
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
591
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Entre as suas obras estão, além da analisada aqui, Medicina Teológica (1794), Elementos
de Higiene (1814) e Tratado sobre as Febres do Rio de Janeiro (1829).
Para o médico, os cuidados ou a educação física das crianças deve se iniciar não
apenas no momento do seu nascimento, mas no “primeiro momento do seu ser”, ou seja,
no ato da concepção. Isso significa, que os cuidados devem se iniciar assim que a mulher
ter conhecimento de sua gravidez. É por meio do comportamento da mãe que o destino
da criança será traçado. Assim, como outros autores de seu período, bem como nos
manuais de medicina doméstica posteriores, Mello Franco acredita que a sensibilidade
feminina se torna aumentada durante a gravidez, portanto, a mulher deve ter cuidado na
alimentação, dedicar mais tempo ao sono e ao descanso, pois esses constituem os
melhores calmantes que se podem prescrever para a sensibilidade dos nervos. A violência
das paixões deve ser evitada, assim como, todas as situações de tristeza, cólera ou até
mesmo a alegria excessiva (p.7,10).
O tratado aborda questões relevantes presentes nos finais dos XVIII e que
perpassará todo o século XIX, como a associação da saúde com os princípios
preconizados pela ciência higiênica e o debate sobre a amamentação. De acordo com ele,
o ar puro, os locais abertos influenciam ou contribuem para a conservação da vida animal.
Dessa forma, as pessoas, sobretudo as grávidas, devem procurar, as ruas largas e limpas,
os bairros elevados, as casas distantes dos cemitérios e de fábricas que infectem o ar com
a emanação de suas substâncias. Já com relação à alimentação da criança, o autor faz
592
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
293
A respeito das novas sensibilidades olfativas que se tornaram preocupação na Europa do século XVIII,
conferir o trabalho de CORBIN, Alain. Saberes e Odores. O Olfato e o Imaginário Social nos Século XVIII
e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
593
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
para a intervenção direta sobre os hábitos individuais, como forma de reverter esse
processo degradante (p.76).
Os manuais de medicina doméstica, em destaque nessa pesquisa, constituíram um
meio de disseminação do conhecimento médico oficial no meio da população dispersa
pelo imenso território nacional. Essas literaturas fizeram parte do cotidiano da casa-
grande, nos ranchos, nas boticas, permitindo o acesso de diversos sujeitos ao saber médico
legitimado pela academia.
Os manuais auto instrutivos, aqui apresentados brevemente, obtiveram nos finais
dos séculos XVIII e XIX uma significativa circulação. Inicialmente, atenderam às
necessidades de uma seleta elite letrada, porém, posteriormente, diversificaram os seus
temas, transformando-se em um objeto usual e de fácil acesso. Possivelmente, por se
tratar de obras de consulta que não necessitavam de uma leitura mais atenta do início ao
fim, isso contribuiu para a sua rápida popularização, além de, mais tarde tornaram-se mais
acessíveis com as modificações textuais, gráficas e materiais empregados pelos editores
a fim de facilitar a leitura e baratear o custo da impressão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes:
MELLO FRANCO. Tratado de Educação Fysica dos Meninos para Uso da Nação
Portugueza. Lisboa, [s.n], 1790;
Bibliografia:
ABREU, Jean Luiz Neves. A Colônia enferma e a saúde dos povos: a medicina das ‘luzes’
e as informações sobre as enfermidades da América Portuguesa. História, Ciências, Saúde
– Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.3, p.761-778, jul.-set. 2007;
594
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CORBIN, Alain. Saberes e Odores. O Olfato e o Imaginário Social nos Século XVIII e
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FAR, Alessandra El. Páginas de Sensação. Literatura Popular e Pornográfica no Rio de
Janeiro (1870-1924). São Paulo: Companhia das Letras, 2004;
HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. São Paulo: EDUSP, 1975;
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Instruir para Fazer a Ciência e a Medicina Chegar ao
Povo nos Setecentos. Varia História, Minas Gerais, n.32, julho/2004;
MOLINA, Matías M. A História dos Jornais no Brasil. Da Era Colonial à Regência (1500-
1840). Vol.1.São Paulo: Companhia das Letras, 2015;
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A Distinção e Suas Normas: Leituras e Leitores dos
Manuais de Etiqueta e Civilidade- Rio de Janeiro, século XIX. Acervo, Rio de Janeiro,
v.8, n.1-2, jan-dez/1995;
VILLALTA, Luiz Carlos. O que se Fala e o que se Lê: Língua, Instrução e Leitura. In:
MELLO e SOUZA, L. (Org.). História da Vida Privada no Brasil. Cotidiano e Vida
Privada na América Portuguesa. Companhia das Letras, vol.1, 1997;
595
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
596
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONTINUAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO?
597
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
598
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
conferia uma maioria parlamentar confortável, atraindo para si alianças com outros
partidos e permitindo-lhe interferir na dinâmica do processo político (HIPPOLITO,
2012).
O PSD foi fundando com intuito de criar instrumentos para que a elite dominante
durante o Estado Novo pudesse conservar sua influência política, fundamentalmente
apoiada pelo eleitorado do interior dos Estados (HIPPOLITO, 2012).
Para Delgado, “Transformação e permanência seriam elementos que se confundiriam na
conformação da máquina partidária pessedista” (DELGADO, 1989, p.28).
No momento de formar os diretórios regionais, o PSD teve que negociar com
antigos chefes locais em busca de adesão. A condição para alguns se unirem ao partido
dos interventores, muitas vezes, foi afastar os inimigos políticos locais do poder. Este foi
o caso na cidade de Araruama: a condição dada pela família Vasconcellos para se filiar
ao PSD foi o afastamento do antigo inimigo político, Antônio Alves Branco. Com a
negação do pedido por parte de Ernani do Amaral Peixoto (CAMARGO, et al., 1986, p.
235), os Vasconcelos foram impelidos a fazer parte do partido de oposição ao legado do
getulismo: a União Democrática Nacional.
Construída fundamentalmente como partido aglutinador daqueles que faziam
oposição à Vargas, a União Democrática Nacional (UDN) foi fundada em 07 de abril de
1945 sob a égide do liberalismo e da democracia. A UDN agregou diversos setores que
se colocavam como opositores do regime do Estado Novo, como as oligarquias
destronadas com a revolução de 1930, os aliados de Getúlio marginalizados depois de
1930 e 1937, os que participaram do Estado Novo que se afastaram antes de 1945, os
grupos liberais com uma forte identificação regional e as esquerdas (BENEVIDES,
1981).
Os Vasconcellos, em Araruama, faziam parte daquele grupo que aderiu à União
Democrática Nacional por pertencer justamente “às oligarquias destronadas com a
Revolução de 1930”, visto que esta família e seus aliados detiveram os principais cargos
políticos no município durante grande parte da Primeira República (VASCONCELLOS,
1998). A negação ao pedido de afastamento dos antigos inimigos precipitou a polarização
política em Araruama, que se tornaria um reduto tradicionalmente udenista durante todo
o período da república pós-45 (VASCONCELLOS, 1998).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
599
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Outro partido que viria a ganhar importância gradativa ao longo deste período foi
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (HIPPOLITO, 2012, p. 27-28). Fundado em
setembro de 1945, tinha como principal base o eleitorado urbano-industrial contemplado
pela legislação trabalhista, vinculado a sindicatos. O PTB teria a difícil função de
aglutinar diferentes categorias de trabalhadores urbanos em torno do partido, legitimando
aos olhos dos trabalhadores, uma espécie de continuidade na transformação.
Mesmo com toda a movimentação no sentido da abertura política, Getúlio Vargas
foi deposto em 29 de outubro de 1945. Nesta ocasião, foram substituídos os interventores
estaduais e os prefeitos de alguns municípios (FAUSTO, 1995). No Estado do Rio de
Janeiro, assumiu como interventor por curto espaço de tempo Alfredo da Silva Neves,
sucedido em 06 de Novembro de 1945 pelo desembargador Abel Magalhães. Em
Araruama, o Prefeito Alves Branco também foi deposto, assumindo o cargo de prefeito o
advogado Geraldo Goulart de Macedo Soares, filho do desembargador Julião de Macedo
Soares. A família Macedo Soares tinha longa história na política fluminense, com
vínculos profundos na cidade de Araruama: alguns de seus integrantes nasceram e/ou
iniciaram suas atividades profissionais naquela localidade, além de serem proprietários
de terras no município.
No pleito de 02 de dezembro, os principais candidatos à Presidência foram o
General Eurico Gaspar Dutra por uma aliança entre o PSD e o PTB, e o Brigadeiro
Eduardo Gomes, pela UDN e por alguns partidos menores. Dutra recebeu apoio de Vargas
nos últimos instantes da eleição, vencendo com ampla margem. Em relação à Câmara dos
Deputados e Senadores, o PSD, seguido da UDN, obteve a maioria das cadeiras
parlamentares nesta eleição. Desta forma, podemos perceber que não houve um desmonte
da máquina do Estado Novo que, sem dúvida, muito ajudou para este desfecho eleitoral
(FAUSTO, 1995, p. 399).
Com a nomeação do Comandante Lúcio Martins Meira para a interventoria
fluminense, o ex-prefeito Antonino Alves Branco retornou ao controle do Executivo
Municipal de Araruama. O mandato de Antonino, assim como o do interventor Lúcio
Meira duraram até poucos dias depois da promulgação da nova Constituição brasileira
em 18 de Setembro de 1946, através de uma Assembleia Constituinte formada por
deputados e senadores eleitos pelo povo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
600
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
601
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
602
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
603
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
604
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
605
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
606
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
da constituição do Estado”. Por fim, afirma que a Comissão, criada para executar “o
plano mandado organizar pelo Estado” tem “atribuições catalogadas (...) que entram em
conflito com a dos poderes municipais” e que
607
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Este trecho do texto parece fazer referência ao tão noticiado “caso de Araruama”,
envolvendo espancamentos na cidade, supostos abusos por parte de agentes policiais
indicados por políticos e até um cabeleireiro furtado. A mensagem do governador foi
direcionada à ALERJ em um momento em que as discussões se exaltavam entre as
bancadas dos partidos e, sobretudo, entre políticos que acreditavam ser necessário
garantir suas influências locais e regionais no estado do Rio de Janeiro.
608
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Periódicos
Diário Carioca
Diário da Noite
Diário de Notícias
O Principal
Referências Bibliograficas
609
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
610
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
611
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Materiais e método
Este trabalho compreende uma revisão não sistemática da literatura com análise
histórica das políticas e forças setoriais da saúde no Brasil, buscando reconstruir as bases
para o surgimento e desenvolvimento do conceito de Redes de Atenção em Saúde, tendo
como recorte temporal o intervalo contido entre os anos 1950 e 1990, no que concerne à
experiência brasileira, porém com paralelos na discussão internacional concernente.
A partir de pesquisa e seleção de fontes primárias, busca-se uma análise
aprofundada, à luz de contribuições do marco teórico do neoinstitucionalismo histórico
das arenas institucionais e das relações específicas entre diferentes atores políticos que
desempenharam papéis relevantes para as sucessivas configurações adquiridas pelas
políticas de saúde e o sistema de saúde brasileiro. O objetivo central do
neoinstitucionalismo histórico é construir uma teoria de médio alcance que estabeleça
uma ponte entre análises centradas no Estado e na sociedade, enfocando variáveis de nível
intermediário para dar conta da variação histórica e conjuntural dos fenômenos. Vários
estudos de política comparada de base institucionalista ilustram como a incorporação de
atores e os procedimentos definidos para ordenar as representações de interesses atuantes
na arena política formatam as opções políticas das nações para seus sistemas de saúde
(IMMERGUT, 1992; GIAIMO, 2001; GEVA MAY, 1999). Esses procedimentos
incluem grupos distintos de atores e excluem outros, e explicam por que alguns grupos
ganham, enquanto outros perdem (IMMERGUT, 1992). A incorporação de atores ou
grupos sociais informados por interesses específicos é ditada pelo arcabouço
institucional. Ao longo de processos de negociação, atores participantes da arena política
tendem a optar por formatos de políticas que contemplem seus interesses ou,
minimamente, criem ou mantenham abertas janelas de oportunidade para ganhos futuros
(IMMERGUT, 1992, 1998). Para uma melhor compreensão das políticas estatais no caso
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
612
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Resultados e discussão
Uma vez que o escopo desta pesquisa engloba a análise histórica dos movimentos
sócio-políticos que ocorreram no Brasil no período de 1950 a 1990, no que tange a
emergência, construção e desenvolvimento das RAS, vale frisar que o contexto do pós-
guerra representou, em âmbito internacional, uma gradual reviravolta em termos de
propostas e de realização de inovações no terreno da gestão dos assuntos da saúde pública.
O próprio conceito de “saúde” passaria por importante revisão que, de um lado, envolveu
importante crítica à sua estrita dimensão biológica e, de outro, passou crescentemente a
apontar para uma ampliação de seu significado e alcance. Nesse amplo contexto brotarão
diversas, e nem sempre conectadas, experiências no campo da organização da assistência
e da saúde pública brasileira (NUNES, 1994; CUETO, 2015). Com a queda de Vargas
em outubro de 1945, a eleição de Eurico Gaspar Dutra e a promulgação de uma nova
constituição em 1946, o país inicia um período de 19 anos de experiência democrática. A
saúde pública conta com a intensificação de uma estrutura mais centralizada, com
programas e serviços verticalizados para implementar campanhas e ações sanitárias.
Diversos programas de controle e erradicação das “doenças tropicais” atraiam o interesse
de instituições nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
613
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
614
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
615
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
616
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
617
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
618
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
não foram suficientes para barrar a aprovação do SUS e seus princípios, mas impediram
a definição de algumas políticas importantes para o processo de implementação da
reforma, tais como o financiamento, a regulação do setor privado, a estratégia para a
descentralização e unificação do sistema, dentre outras (FARIA, 1997).
Em 5 de outubro de 1988 é promulgada a oitava Constituição do Brasil,
denominada “Constituição Cidadã”, sendo um marco fundamental na redefinição das
prioridades da política do Estado na área da saúde pública. Ao longo de 1989, as
negociações se concentraram em torno da lei complementar que daria bases operacionais
para o SUS. Nesse mesmo ano, é realizada a primeira eleição direta para presidente da
República, assumindo a presidência em janeiro de 1990, Fernando Collor de Mello. Em
19 de setembro de 1990, foi aprovada a Lei Federal nº 8.080, a chamada Lei Orgânica da
Saúde (LOS), elaborada pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), que
dispõe sobre as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da Saúde. No
entanto, a legitimidade do processo constituinte e do movimento pela reforma sanitária
constitui-se na melhor garantia da operacionalização dos ideais dos SUS, ou seja, de seus
princípios e diretrizes. Ainda, o controle social foi assegurado pela Lei 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, garantindo a participação social na gestão do SUS e
consequentemente, conquista dos cidadãos, que passaram a ocupar espaços estratégicos
dentro dos aparelhos do Estado.
O SUS é o resultado de um processo de articulação do Movimento pela Reforma
Sanitária e de diversas pessoas comprometidas com o reconhecimento dos direitos sociais
de cada cidadão brasileiro, ao determinar um caráter universal às ações e aos serviços de
saúde no País. A instituição do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, representa
um marco histórico das políticas de saúde em nosso país, uma vez que a atenção à saúde
passa a ser assegurada legalmente como direito fundamental de cidadania, cabendo ao
Estado a obrigação de provê-la a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que vivem
no Brasil. Entretanto, este sistema demonstra estar fortemente ancorado em uma
necessária expansão da atenção primária saúde, que cresceu de modo desigual nos
diferentes estados brasileiros, em detrimento dos demais níveis de complexidade, em
grande parte realizados de forma precária, desconexa e carentes de estrutura física e
tecnológica. Enquanto isso, a medicina privada se fortaleceu, concentrou recursos
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
619
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
620
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GIAIMO, S. Who pays for health care reform? In Paul Piersen (ed.), The new politics
of the Welfare State, Londres, Oxford University Press, 2001.
IMMERGUT, E. M.; The theoretical core of new institutionalism. Politics & Society,
26 (1): 5-34, 1998.
621
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
NUNES, E. D. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde soc., São
Paulo, v. 3, n. 2, p. 5-21, 1994.
622
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O Sensível e o método
623
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pessoalidades. Por vezes, levantaram-me preocupações como: “você não acha que a
escrita poética é algo muito inseguro para procurar fundamentação?”. Sim e Não. Sim, é
algo frágil de lidar pelas muitas entrelinhas. Não, pois como toda fonte é emissora de
discurso, Bloch já nos disse que ela só falará se questionada (BLOCH, 2001, p. 79), então,
a fragilidade não mora, necessariamente, na natureza do escrito e sim na forma que se
pretende fazê-la falar.
O significado histórico de um verso não está atrelado ao que foi de fato escrito em
tal linha e sim na forma com que foi dito, porque foi dessa forma e não de outra, a
metáfora usada teve fundo crítico ou estético, o verso entrou em circulação ou ficou preso
na censura e etc.? Eis, então, o método de análise que o pesquisador não pode burlar; não
nos interessa uma poesia solta e nem apenas o contexto da criação deve ser estudado.
Reforçando mais uma vez que mesmo uma fonte jurídica ou oficial294 irá se tornar
discutível caso não seja submetida à uma averiguação metodológica eficaz,
independentemente de serem “imparciais” ou “estarem imunes ao discurso subjetivo”.
Neutralidade é algo que vai de encontro com a subjetividade e que cabe também, neste
tópico, um adendo.
Documento295 algum é feito sem intenção, a produção humana é feita mediante
motivação, seja por hobby ou informe. Logo, por que criticar a parcialidade de uma
produção se nem mesmo, nós enquanto pesquisadores, somos seres neutros? Ao
escolhermos um aspecto, e não outro, para abordar já impregnamos na nossa um “eu”.
294
Tidas no início do ofício do historiador como confiáveis e sólidas.
295
Com “documento” está em voga todo e qualquer objeto de apreciação crítica: arte, diário oficial, revista,
jornal e etc.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
624
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O mesmo pode ser feito com a poesia. Ao mesmo passo que acusam-na de
imprecisa, excluímos o poder de extração do historiador. Ao mesmo passo que acusam-
na de ser feita de pormenores, excluímos o saber do historiador de que um texto não é
composto apenas pela sua superfície. Ao mesmo passo que acusam-na de falar por
floreios e metáforas, excluímos “os entreditos, os interditos, os não-ditos, o vocábulo
revelador” (BARROS, 2002, p.140) passíveis de presença em qualquer documento. As
imperfeições não são exclusivas da poesia, tampouco as qualidades fogem dela.
Em um de seus estudos sobre a narrativa, Costa Lima escreve a seguinte nota:
625
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
História e Literatura
296
Destaques originais do texto.
297
Tópico já mencionado anteriormente.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
626
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Áreas distintas? Sim. Áreas opostas? Não. É defendido aqui o que, hoje, não causa
tanta torcida de nariz: são áreas que dialogam, que possuem enlace, que podem formar
uma amálgama de análises. Se a História preocupa-se em estudar o homem e suas
mudanças através do tempo (BLOCH, 2001, p.54), a Literatura compõe uma forma de
expressão e participação individual dentro dessa mudança.
627
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
628
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Verso e Prosa
629
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O que seria a análise histórica se não um olhar minucioso em cima daquilo que
foi deixado na poeira do tempo? Inspiração para uns, objeto de pesquisa para outros. “O
princípio gerador de uma produção poética significa assim a configuração de um ângulo
pelo qual são filtradas as experiências trazidas ao papel.” (LIMA, 1989, p. 292)
Cândido escreve que “a criação literária corresponde a certas necessidades de
representação do mundo” (CANDIDO, 2006, p.65), contudo, faz-se necessário uma
respeitosa ressalva. Usar a poesia apenas como representação denota a sua total
dependência criadora a algo não intrínseco a quem escreve, não é afirmado aqui que o
contexto é fator formador de quem cria, mas não se pode delegar todo o motivo de uma
obra a fazer jus ao seu tempo de nascimento. São fatores que se mesclam.
O tempo não rói apenas os mortos; rói também (ou sobretudo?) o seu
sobrevivente. Dizer que o verso se destina à sua expiação seria falseá-
lo. O verso diz o que não se expia; que por isso sempre retorna. O verso
exige algo a que se conecte; uma esperança, um sentido, um além de
sua fatura. (LIMA, 1989, p. 298)
Costa Lima sintetiza bem o que Massaud Moisés esmiúça em alguns capítulos de
“A criação literária”. O texto literário possui poder de catarse, recorrendo à
atemporalidade e universalidade, afinal, o texto não literário e produzido para um fim
imediato, logo, perece com o tempo; já a poesia, por exemplo, evoca o drama humano
independente da época que seja lida. Uma sociedade por mudar intensamente, mas a
humanidade será sempre composta por um mix de dramas.
Em uma simbiose de Costa Lima e Bosi podemos dizer que a poesia não é mais
vista como um reconhecimento, mas como um ver novo, uma exigida demora, é através
dela que o considerado perdido pela máquina social, volta a ter corpo e alma, forma e
nome.298
Fonte ou Devaneio
Combinações de frases encontradas em “Dispersa Demanda”, de Luiz Costa Lima, na página 202 e em
298
630
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
299
A distinção entre poema e poesia é estrutural. Poema é a escrita feita em versos enquanto que poesia e
uma composição com aspecto subjetivo e sensível.
300
É o uso de recursos estilísticos.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
631
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como já dito acerca da escolha poética, gostaria de poder dizer que o principal
motivador foi racional, mas estaria faltando com a verdade, ainda mais em escolha do
poeta. Cabe a confissão de não ter sido a primeira escolha mas foi a segunda certeira.
O apreço pelo elo poético mesclou-se com a paixão pela História. O ceticismo
político pessoal encontrou uma voz que dissesse o mesmo em forma de versos.
Drummond conquista o posto de intelectual que vale ser estudado, ele possui discurso
digno de ser avaliado. Não que outros não o tenham, mas quando Costa Lima salienta que
632
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
convence ainda mais aquele que já tenha uma inclinação para esta escolha.
Antonio Celso Ferreira levanta que é comum que quando questionados os
pesquisadores que se debruçam sobre material literário, haja quase um uníssono que usa
como motivação o glamour deste ou daquele autor ou argumentos da crítica literária
(FERREIRA, 2015, p. 80), não foi este o caso. Em comum há, talvez, o afã pelo meio
poético, mas a escolha se ratificou depois de mais profundidade na documentação,
justamente por se tratar de um intelectual/poeta com discurso coeso e consistente, tanto
no âmbito da construção poética quanto na posição ocupada por Drummond no meio
político e intelectual.
Poderia ter recorrido a inúmeras outras fontes, poderia ter corrido da fragilidade
intrínseca do que é artístico, contudo, a Literatura levanta “questões sobre a qualidade de
vida num mundo onde a própria experiência parece perecível e degradada” (EAGLETON,
2005, p. 63). No fim das contas, “seja qual for o assunto escolhido pelo historiador, a
interpretação dos textos literários exige algo além do método: um modo especial de
sensibilidade, que só é possível alcançar quem gosta de ler esse tipo de escritos”.
(FERREIRA, 2015, p. 83).
Referências bibliográficas
BARROS, José D’Assunção. O campo histórico. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.
BOSI, Alfredo. Entre a Literatura e a História. São Paulo: Editora 34, 2015.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura no campo literário. São Paulo:
Companhis das Letras, 1996.
CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Editora Ática,
1989.
633
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
FERREIRA, Antonio Celso. A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA,
Tania Regina de. (orgs). O historiador e suas fontes. São Paulo: Editora Contexto, 2015.
LIMA, Luiz Costa. Dispersa Demanda: ensaios sobre a literatura e teoria. Rio de Janeiro:
F. Alves, 1981.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix, 2012.
634
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
[...] an area for study, research, and practice that places a priority on
improving health and achieving equity in health for all people
worldwide. Global health emphasises transnational health issues,
determinants, and solutions; involves many disciplines within and
beyond the health sciences and promotes interdisciplinary
collaboration; and is a synthesis of population based prevention with
individual-level clinical care. (KOPLAN et al., 2009, p. 1995)
635
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
636
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
637
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
638
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
639
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 1
640
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
641
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
We agree that the TRIPS Agreement does not and should not prevent
members from taking measures to protect public health. Accordingly,
while reiterating our commitment to the TRIPS Agreement, we affirm
that the Agreement can and should be interpreted and implemented in a
manner supportive of WTO members' right to protect public health and,
in particular, to promote access to medicines for all.
In this connection, we reaffirm the right of WTO members to use, to the
full, the provisions in the TRIPS Agreement, which provide flexibility
for this purpose4.
Perspectivas e Desafios
642
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
643
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
proteção à saúde pública, a aprovação da Estratégia Global e Plano de Ação sobre Saúde
Pública, Inovação e Propriedade Intelectual, a realização da Conferência Mundial
sobre Determinantes Sociais da Saúde e a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável expõem a crescente preocupação da sociedade internacional associada ao
tema da saúde.
Essas notórias conquistas corroboram a grande dimensão permitida pelo diálogo
global, que depende, em grande medida, do trabalho dos diversos corpos diplomáticos.
Nesse sentido, ainda que seja imperativa a busca de uma ordem internacional mais
representativa e inclusiva, não se deve perder de vista que é nesse âmbito que as soluções
devem ser negociadas, já que os problemas relacionados à saúde global transcendem
fronteiras e soluções nacionais.
Fontes
UNITED NATIONS. 2009. Nairobi outcome document of the High-level United Nations
Conference on South-South Cooperation. Resolution 64/222 of 21 December 2009.
Nairobi: General Assembly
WTO, 2001. Declaration on the TRIPS agreement and public Health. Disponível em:
https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm
Bibliografia
BROWN, Theodore M.; CUETO, Marcos; FEE, Elizabeth. The transition from
'international' to 'global' public health and the World Health Organization. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 13, n. 3, p. 623-647, 2006
644
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BUSS, Paulo M. et al. Saúde na agenda de desenvolvimento pós-2015 das Nações Unidas.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol.30 no.12 Dec. 2014
FONSECA JR., Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais. São Paulo: Paz
e Terra, 1998
KOPLAN, Jeffrey P. et al. Towards a common definition of global health. The Lancet, v.
373, n. 9679, p. 1993-1995, 2009
ROMERO, Luiz Carlos; COSTA E SLVA, Vera Luiza da. 23 Anos de Controle do
Tabaco no Brasil: a Atualidade do Programa Nacional de Combate ao Fumo de 1988.
Revista Brasileira de Cancerologia, 57(3): 305-314, 2011
645
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CLARISSA GODOY301
PPGH - UNIRIO
Idealizado e dirigido por Daniel Filho302, a série escrita por autores como Manoel
Carlos, Armando Costa, Lenita Plonczynski, Renata Palottini, e Euclydes Marinho,
tratava de temas sensíveis às mulheres e que não eram explorados abertamente pela
grande mídia brasileira até o momento. A direção dos capítulos era dividida entre Daniel
Filho, Denis Carvalho (que também atuava no seriado como Pedro Henrique, ex-marido
de Malu) e Afonso Grisolli. Cada capítulo, dos 76 totais, tinha cerca de 45 minutos de
duração e eram exibidos uma vez por semana no horário das 22h, sendo divididos em
duas temporadas: a primeira em 1979 e a segunda em 1980.
A trama girava em torno de Malu, protagonizada por Regina Duarte, uma mulher
de classe média, socióloga, insatisfeita com o casamento, mãe de Elisa, interpretada pela
atriz Narjara Turetta. No primeiro capítulo o tema do desquite foi abordado de forma
intensa, sofrida, ao mesmo tempo que apresentava os procedimentos jurídicos da época
para se iniciar o processo de separação. Vale ressaltar que a lei do desquite no Brasil foi
introduzida no código civil em 1916 como forma de separação dos corpos, de forma
amigável, mas o vínculo matrimonial permanecia, ou seja, não era permitido casar
301
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História – UNIRIO.
302
Diretor e cineasta, autor dos livros O Circo Eletrônico, Fazendo TV no Brasil; Ano: 2001; Editora: jorge
zahar; e Antes que me Esqueçam, Ed. Guanabara 1a. edição 1988.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
646
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Contudo ser uma mulher de classe média, desquitada na década de 1970 não era
bem visto pela sociedade, nem pelas famílias dos cônjuges. Sob esse aspecto o seriado
Malu Mulher se torna uma fonte de pesquisa rica pois tratava, em rede nacional, de temas
“tabus” para a época, popularizando a discussão sobre o assunto ao mesmo tempo que
mostrava as complexidades humanas em lidar com tais situações. No caso do desquite,
exigido pela personagem Malu, era uma decisão fundamental para ela seguir sua vida sem
o comodismo e a rotina que seu casamento havia se tornado. Mesmo a personagem
tentando dialogar com seu parceiro não havia retorno ou possibilidade de mudança por
parte dele, portanto, em atitude de enfrentamento e desespero o desquite seria sua única
opção.
303
Ver em MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 5ed.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
647
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
exilados políticos e a promessa de abertura da ditadura304. Não foi diferente com Malu
Mulher além de outros seriados previstos para estrear na Rede Globo no ano de 1979305.
A primeira ideia para criar o seriado Malu Mulher e sua personagem principal
veio de Daniel Filho ao assistir ao filme norte americano Unmarried Woman, escrito e
dirigido por Paul Mazursky em 1978306. A princípio o seriado seria uma comédia, como
o filme de Mazursky, mas os diretores gerais da Rede Globo acreditavam que com a
abertura política os temas do seriado deveriam ter uma conotação mais dramática, em tom
de denúncia, ou seja, trazer para a programação popular tais temas polêmicos307.
304
Ver em HAMBURGER, Esther. O Brasil antenado: A sociedade da novela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., p.34-35, 2005.
305
Ver reportagem disponível na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional em CADERNO B: televisão:
Heróis e Heroínas nacionais contra os “enlatados”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 de mai. 1979.
306
“An Unmarried Woman” (Uma Mulher Descasada (título no Brasil) é um filme norte-americano de 1978
escrito e dirigido por Paul Mazursky e indicado ao Oscar de melhor filme em 1978.
307
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/malu-
mulher/curiosidades.htm Acesso em: 15 jun. 2017
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
648
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
das situações difíceis que aconteciam ao seu redor. As decisões, muitas vezes complexas,
são tomadas de forma impulsiva pela personagem no desespero de ajudar as mulheres que
a cada episódio orbitavam ao seu redor. Dessa forma, todos os temas explorados não eram
vividos necessariamente por Malu, mas em sua maioria por personagens itinerantes,
interpretados por atores e atrizes convidados, que cruzavam pelo seu dia-a-dia.
Quem é Malu?
649
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
preenchidas através das subjetividades dos sujeitos históricos. Nesse caso, a luta contra a
ditadura se mistura com as reivindicações populares, em especial da classe média
intelectualizada, agitada pelas causas dos movimentos sociais internacionais que
passaram a ganhar maior proporção no Brasil no início da década de 1970, reafirmando
os privilégios de quem podia se conscientizar e reivindicar direitos.
308
Ver sobre Industria cultural em ADORNO, Theodor. “A indústria cultural”. In: COHN, Gabriel (org.).
Theodor Adorno. São Paulo: Ática. (Col. Grandes Cientistas Sociais), 1986. E sobre o conceito de
Alienação em MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo. 2006.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
650
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sua repercussão nacional e internacional em geral foi positiva, quando a série foi
vendida para mais de 50 países, incluindo premiações artísticas e a viagem da atriz Regina
Duarte e do diretor Daniel Filho à Cuba, convidados e recebidos por Fidel Castro que se
apresentava como fã do programa e empático às causas feministas310. Dessa forma, é
possível refletir sobre o impacto dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade
e como esta interpreta tais construções midiáticas.
309
Ler sobre Estudos culturais em WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: Editora
UNESP, 2011.
310
Ver registro fotográfico e reportagem em http://revistatrip.uol.com.br/trip/espelho-espelho-meu e
http://www.imperioretro.com/2016/05/malu-mulher-o-pioneirismo-da-questao.html Acesso em: 11 Jul.
2017
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
651
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Retomando sobre a caracterização do seriado Malu Mulher, outro aspecto nos faz
visualizar a realidade sócio econômica de Malu é a decoração de seu apartamento, pois
também em pesquisa de campo a equipe de produção visitou casas de professoras
universitárias e estudantes de sociologia. Assim, a decoração do apartamento de Malu
não é só datada, mas busca refletir o meio social em que a personagem vive e para o qual
ela fala. Pode ser observado grande quantidade de plantas samambaias pelo apartamento,
assim como cerâmicas decorativas, vitrolas, tapeçaria e quadros “pop”. Estas construções
visuais, são demarcadores culturais importantes para serem analisados pois a empatia do
público com a personagem vem, dentre muitas esferas, da construção do “mito”
apresentado e representado em seu cotidiano, com fraquezas, tormentas, tristezas, sendo
humanizado, tornando-se “gente como a gente”, tal qual abordado por Schimidt (2000).
Ver sobre a importância do figurino no programa “Ofício em Cena” que foi ao ar no canal Globo News
311
652
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
312
Programa exibido desde 1986 pela atual TV Cultura, Disponível em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/550/entrevistados/daniel_filho_2001.htm Acesso em: 10 Jun. 2017
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
653
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Desta coerção à produção artística, criou-se durante o primeiro ano da série uma
personagem inconstante e muitas vezes ingênua em contraste com a Malu do primeiro
capítulo “Acabou-se o que era doce”, quando decide desquitar-se do marido. Em alguns
capítulos do final da primeira temporada a personalidade forte em busca de justiça é mais
evidente, porém somente com o retorno da série em 1980 é que Malu se permite seguir
segura e insegura ao mesmo tempo, errando e acertando. Se tornando, assim, uma
personagem mais humanizada que tenta seguir seus princípios.313
Objetivos e frustrações na conduta da série: críticas sobre a série escrita apenas por
homens
313
Ver reportagem sobre censura ao capítulo “A Amiga” escrito por Euclydes Marinho no CADERNO B:
televisão: Autocensura pode transformar Malu numa mulher sem problemas. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 1° set. 1979.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
654
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como roteiristas e escritoras, Lenita Plonczynski e Renata Palottini, escreviam para uma
série sobre temas próximos de suas realidades de vida, principalmente por serem
mulheres, trabalhadoras, mães, donas-de-casa e intelectualizadas. A presença de mulheres
na escrita dos textos, assim como na equipe técnica, foi imprescindível para Malu ser
quem era.
Esta questão foi pauta de polêmica no fim do primeiro ano da série quando
Palottini já não fazia parte do grupo e Plonczynski pediu sua saída também por se sentir
insatisfeita com as mudanças que iriam ser impostas sobre a personagem, e o rumo que a
série ia seguir. Em entrevista para o Jornal do Brasil, de 2 de Dezembro de 1979, Lenita
Plonczynski dizia “Acha grave um programa sobre mulher escrita agora apenas por
homens: não entendo com Regina Duarte ainda aceita o papel” (QUEM, 1979, p. 6).
655
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
reportagem faz uma breve comparação de salários entre diretores, roteiristas, atores e
equipe técnica da Rede Globo e mostra com suposições – já que a Rede Globo não se
pronuncia sobre salários – o quão alto é o salário de Regina Duarte em comparação com
outros atores. No encerramento da reportagem uma foto de Regina Duarte e Narjara
Turetta com as 6 mulheres que compunham a equipe técnica do seriado com a seguinte
legenda:
Conclusão
656
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS:
ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (org.). Theodor Adorno.
São Paulo: Ática. (Col. Grandes Cientistas Sociais), 1986.
CADERNO B: televisão: Malu está voltando muito mais mulher. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, p. 9, 30 mar. 1980. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/030015_10/4364 >. Acesso em: 20 jul. 2017.
CALIL, Ricardo. Espelho, espelho meu: Daniel Filho revela histórias de vários
bastidores e diz que a TV aberta virou rádio AM. Revista Trip, São Paulo, n. 186, 04
mar. 2010. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/trip/espelho-espelho-meu>
Acesso em: 11 jul. 2017.
657
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FILHO, Daniel. Antes que me Esqueçam. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1988.
QUEM: Lenita apura o ofício de roteirista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 dez.
1979. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/030015_09/209592>. Acesso em: 20 jul. 2017.
SÁ, Cristiane Ferreira de. A mulher na ordem do dia: estudo de temas em Malu
Mulher (1979/80) e mulher (1998/1999). Dissertação (mestrado) – Universidade
Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2011.
SARTI, Cynthia A. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. Cadernos Pagu,
16, 2001. pp.31-48
SCHIMIDT, Benito Bisso. Luz, papel, realidade e imaginação: as biografias na história,
no jornal, na literatura e no cinema. In: _____. O biográfico: perspectivas
interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000. p. 49-70.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Tradução de:
Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Àvila. 3ed. Recife: Editora: S.O.S. Corpo,
1996.
658
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
659
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
660
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
314
A noção de Habitus fornecerá o referencial para trabalharmos a imprensa/mídia concebendo-as como
estruturas internalizadas e/ou naturalizadas pelo grupo hegemônico - da manipulação (ideológica)
promovida pela mídia que molda visões de mundo e consagra memórias convenientes.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
661
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
315
Resolução nº. 181 da ONU (de 28 de novembro de 1947) concernente ao Plano de Partilha da Palestina,
ao futuro governo da Palestina e à internacionalização de Jerusalém.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
662
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
663
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
664
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para Edward Said (2003) o “Processo de Paz” iniciado pelo acordo de Oslo I
(setembro de 1993) representou a legitimação para a continuidade da ocupação israelense
dos territórios palestinos: pois a população palestina vivencia desde então o processo de
“apartheid” social, territorial, político sem ter efetivamente garantido a
autodeterminação.
Arafat começou a perder cada vez mais popularidade e respeitabilidade entre os
palestinos que percebiam que suas promessas não se concretizavam e o Estado Palestino
continuava “existindo” apenas em esboços de papel discutidos nas infindáveis mesas de
negociação.
Como afirmou Hobsbawm (1990) o passado constitui-se “no elemento
fundamental das ideologias nacionalistas”, pois é sempre possível recriar um passado
“satisfatório” na medida em que o objetivo das ideologias nacionais é a construção do
presente. Exatamente por isso o nacionalismo busca na tradição, no sentimento de
“pertencer a uma coletividade” o referencial, o elemento que ultrapassa a esfera do
indivíduo:
3162
Edward Said (1990. p. 13-39): Para Said, o orientalismo é a disciplina acadêmica ocidental que instituiu
cátedras sobre o estudo das sociedades orientais, que produziram representações dessas culturas, sociedades
e histórias, que fomentaram uma visão “conveniente” e “adequada” aos interesses da cultura ocidental. Essa
visão proclama a superioridade da cultura ocidental sobre a tradição oriental, legitimando o culto
exacerbado as instituições e valores preconizados pela civilização ocidental.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
665
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
666
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
667
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
e Primeira Intifada (1987) tiveram avaliações e repercussões totalmente distintas das duas
primeiras. Em ambas a postura israelense foi considerada ilegítima, abusiva, uma
violência aos direitos humanos e ao princípio de autodeterminação dos povos, das
culturas. A imprensa brasileira rompeu com a “tradicional” perspectiva pró-Israel vigente,
até então, nos veículos de comunicação nacionais.
Outra hipótese é a de que apesar do aparente “sucesso” político obtido por Israel
nos acordos de Camp David (1979), o “capital” adquirido que parecia favorecer os
interesses israelenses após o Egito “abster-se” da luta dos palestinos pela implementação
do Estado Palestino, em troca da devolução dos territórios ocupados por Israel na
Península do Sinai, revelou-se um grande fracasso quanto a aceitação da opinião pública,
o que contribuiria decisivamente para a chegada dos partidos de direita israelenses ao
poder – com um discurso de ação radical contra os palestinos.
Progressivamente a opinião pública modificou sua sensibilidade assumindo uma
postura se não francamente favorável aos palestinos, ao menos bastante crítica em relação
ao Estado de Israel. Essa ruptura no discurso favoreceu a difusão de novas memórias que
entraram em conflito com as tradições consagradas.
Para o desenvolvimento da pesquisa utilizei como fontes dois jornais e duas
revistas de circulação nacional - Cadernos do Terceiro Mundo, Folha de São Paulo, O
Globo e Veja –, objetivando a visualização dos diferentes posicionamentos destes
veículos midiáticos e a percepção da “transformação” da opinião pública que até o final
da década de 1970 sempre se demonstrou bastante favorável aos israelenses e que após a
ascensão dos governos de direita em Israel muda sensivelmente e passa a se “sensibilizar”
com a “causa palestina”.
A Folha de São Paulo e O Globo foram selecionados por serem veículos de grande
circulação, repercussão nacional e abordagens distintas, possibilitando perceber como a
imprensa paulista e carioca apresentaram os eventos relacionados aos embates entre
israelenses e palestinos no período que se estende da Guerra dos Seis dias (1967) até o
início da Primeira Intifada (1987) e influenciaram a opinião pública brasileira, além de
consagrar uma memória social destes episódios decorrentes da criação do Estado de Israel
e da Questão Palestina.
668
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
BECKER, Jean-Jacques. A Opinião Pública. In: René Remond (org). Por Uma História
Política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. (p. 184-211).
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel / Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989.
669
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FLINT, Guila; SORJ, Bila Grin (Org.). Israel – Terra em transe: democracia ou
teocracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
670
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MONTEFIORE, Simon Sebag. Jerusalém: a biografia. São Paulo: Cia. das Letras,
2013.
OREN, Michael. Seis dias de guerra: junho de 1967 e as origens do moderno Oriente
Médio. Rio de Janeiro: Record, 2005.
______ . Reflexões sobre o exilo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia ao Sionismo. São Paulo: Benvirá,
2011.
_______ . A invenção da terra de Israel: da Terra Santa à Terra Pátria. São Paulo:
Benvirá, 2014.
SHEHADEH, Raja. Caminhos palestinos: notas sobre uma terra em extinção. Rio de
Janeiro: Record, 2009.
671
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
672
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
673
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
317
Segundo Dreifuss, o IPES/IBAD foi um complexo de políticos, empresários, militares, e representantes
de diversas religiões com a intenção de implantar no Brasil um modelo econômico liberal, que acreditavam
eles, ser o necessário para tirar o país do atraso na escalada do progresso entre as nações. O IBAD – Instituto
Brasileiro de Ação Democrática – teve seu início de trabalho ao fim do governo de Juscelino Kubitschek,
quando em sua administração começou a ser observado um crescimento inflacionário, e se fortaleceu
através de conversas entre jovens empresários no governo de Jânio Quadros através da figura de Paulo
Ayres Filho, então diretor do Banco do Brasil. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros as ações do
grupo de empresário se tornaram as claras, principalmente para criar uma oposição a João Goulart.
Dedicado anticomunista, Paulo Ayres Filho por sua vez convocou a João Batista Leopoldo Figueiredo, ex-
presidente do Banco do Brasil e empresário multinacional, que ficou a frente do IPES – Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais –, para também recrutar outros empresários e pessoas que pudessem cooperar
com o planejamento de inserir as suas políticas econômicas e anticomunistas em São Paulo. No Rio de
Janeiro, empresário como Gilbert Hulber Jr, Antônio Gallotti, Glycon de Paiva, José Garrido Torres, entre
outros, estiveram a frente do recrutamento de outros empresários e militares como os Generais Goulbery
do Couto e Silva e Heitor Herreira. O IPES passou a existir oficialmente em novembro de 1961, e teve
apoio do jornais cariocas como Jornal do Brasil, Última Hora, O Globo e o Correio da Manhã, e de figuras
eclesiásticas como Dom Jaime de Barros Câmara (DREIFUSS, 1981: 161-163).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
674
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
318
Arquivo Nacional, FUNDO - Relatório de atividades da CAMDE, 1967.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
675
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O combate ao comunismo não era uma atitude nova em relação a Igreja Católica,
entretanto, neste momento estava tomando conotações de ação política no cenário
brasileiro. De acordo com as pesquisas de Rodrigo Motta (MOTTA, 2002: 35-39), o
mundo combativo idealizado pela igreja não havia iniciado naqueles dias. Em toda idade
média, desde a sua criação, a igreja havia construído uma visão defensiva e de resistência
a uma possível invasão do mundo infernal. Nesta forma de pensar, todos aqueles que por
ventura fossem achados em ações que colocassem em risco a condição de domínio e da
lógica moral da igreja eram vistos como forças malignas a serem combatidas. Tanto as
sinagogas judaicas como o Império Romano, o Arianismo, os Bárbaros, a Renascença, a
Reforma Protestante e a Revolução Francesa, entre outros, tiveram o mesmo destino de
serem entendida como forças inimigas a santa fé Católica. No fim do século XIX outra
ameaça rondava os domínios eclesiásticos. Este último, a Revolução Francesa, em
especial levantou uma nova forma de pensar este combate. A luta agora era pelas mentes
e contra o ateísmo. A igreja não teria que combater em cruzadas contra os “hereges” pois,
estes não teriam rostos somente mas as suas ideias eram o que mais afetava a igreja. No
ano de 1878 a encíclica de Leão XIII, Quod Apostolici Muneris, já apontava para uma
inclinação combativa: “(...) nos referimos a esta seita de homens que, debaixo de nomes
diversos e quase bárbaros, se chamam socialistas, comunistas ou niilistas (...)”. Neste
documento o Papa orientava a Igreja Romana a proteger os trabalhadores das influências
“malignas” deste que buscavam arregimenta-los, e que era um dever da igreja conferi-los
um espírito de mansidão e de consciência que deveriam aceitar a sorte que tinham. Em
1891, o mesmo Papa volta a este tema através da encíclica Rerum Novarum, porém agora
de forma mais incisiva ele ataca o socialismo dizendo se este o grande responsável de
provocar a discórdia entre trabalhadores pobres contra os ricos. A ordem agora era se
organizarem em grupos cristãos de operários que pudessem barrar o avanço de ideias que
negavam a Deus, incitavam a luta, e por isto contrária aos ideais pacíficos cristãos da
igreja. Com o advento do século XX, uma onda e movimento comunistas de ordem
trabalhista deflagraram a Revolução Russa transformando este cenário o mais perigoso
até então para a igreja. O padre Beozzo acrescenta em suas pesquisas que no Brasil do
Estado Novo, após anos de afastamento entre o poder político central e a igreja,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
676
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Este mesmo tipo de anúncio podia ser visto em jornais como o A Cruz, da Paróquia
de São João Batista onde, na coluna do Padre Damian Rodin, questionava a aparente
passividade dos comunistas e proclamava que estes eram na realidade nocivos ao mundo
(A Cruz, 10/01/1960: 6). Publicações como o Jornal do Brasil que em sua contra capa do
início do ano de 1960, uma matéria que apresentava as pretensões do presidente norte
americano de visitar a América do Sul e intensificar o plano de combate ao comunismo
(Jornal do Brasil, 05/01/1960: 2). Impressos hebdomadários e diários, e que contavam
com vendagens expressivas, eram comuns no Rio de Janeiro com matérias que evocavam
uma clara noção de eminente perigo. Religião e Política juntas no mesmo mundo social
677
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
678
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
679
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Podemos perceber que, para um evento que estava sendo programado com uma
perspectiva de aproximadamente 250 a 300 mil pessoas, como alguns previram, ser
680
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Entretanto, a mesma matéria aponta uma causa que pode ter sido.de alguma forma,
responsável de tão grande esvaziamento: O atraso de aproximadamente duas horas para
o início do evento. Seria este o motivo principal de tão grande renúncia populacional?
Um atraso seria o motivo da desistência de mais de duzentas mil pessoas? A matéria do
jornal Diário Carioca noticiou o episódio de Niterói, apresentando o mesmo problema de
ausência do apoio populacional em massa e levanta outra possibilidade para o ocorrido:
681
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
um determinado modelo político proposto pelos governantes deste município, e que viam
na “Marcha” uma excelente possibilidade de legitimação de poder.
Somente uma análise mais criteriosa nos permite percebermos os possíveis
rompimentos com o modelo idealizado da “Marcha da Família”. Porém, duas matérias
nos chamam a atenção quanto a noção de rompimento com o modelo original da
“Marcha”. A primeira se trata do acontecimento realizado em Caxias e que em
reportagem publicada no jornal Luta Democrática às vésperas de sua edição apresentava
uma desautorização por parte dos realizadores locais. Estes admitiam que pessoas
possivelmente estivessem querendo se aproveitar dos símbolos da “Marcha” para
proveito próprio e assumiriam o palanque para os discursos (Luta Democrática,
03/06/1964: 5). Sobre o dia do evento o jornal observou que, muito embora uma confusão
houvesse sido formada por determinado professor que estava a acusar o prefeito de Caxias
de uma administração desonesta, a mesma nota logo após observa que o grande e real
problema da manifestação estava por conta do grande número de “heróis da nação” que
proliferava após o golpe, aproveitando as manifestações para crescer politicamente (Luta
Democrática, 13/06/1964, p.5). Esta mesma observação foi levantada por Conceição da
Costa Neves, atriz que havia deixado a sua carreira para se dedicar a política em São
Paulo e foi uma das idealizadoras do evento naquela capital, vociferando em matéria
publicada no jornal Última Hora sobre a apropriação dos ideais da “Marcha” por parte de
pessoas “interesseiras” (Última Hora, 29/05/1964: 28). No caso de Niterói, esta acusação
se cumpre sendo anunciado pelo impresso Jornal do Commercio sobre o atual prefeito de
Niterói na época da “Marcha”. Segundo a matéria, Silvio de Lemos Pincanço que esteve
administrando o seu mandato durante os meses de janeiro de 63 a outubro de 64, manteve
contato direto com a China trazendo inclusive uma Feira de Pequim para se instalar na
localização (Jornal do Commercio, 04/06/1964, p. 4), agora juntamente com o Senhor
Celso Peçanha, um dos organizadores da Marcha em Niterói, que haviam se tornado
revolucionários da “Marcha da Família, com Deus pela Liberdade”. Acusações de
corrupção de muitos políticos associados a ele foram apresentados por parte deste jornal
que não poupou palavras criticá-los.
Conclusão
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
682
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
683
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
em torno dos símbolos Deus, Família e Liberdade. Símbolos estes que teve um poder de
agregar pessoas de todas as partes em nome de guerra contra o comunismo, independente
de quem estivesse a frente para palestrar no dia da “Marcha da Vitória”. Entretanto,
segundo o filósofo Terry Eagleton, nenhuma ideologia que se apresenta como cultural,
seja ela religiosa ou, não pode ser perpetuada se não houver diálogo com uma realidade
vivencial (EAGLETON, 1997: 38-40). No caso de Niterói, muito embora houvesse a
mesma intenção das marchas anteriores, e os mesmos símbolos tenham sido usados, o
evento não se concretizou como se desejava, e temos como principal motivo a posição
adotada pelo Prefeito Silvio Policanço que, em seu mandato segundo os redatores dos
jornais que denunciaram em nossa pesquisa, estava unido a desenvolvimento político
comunista, porém por ocasião da concretização do Golpe Civil Militar, se colocou como
revolucionário da Intervenção Militar.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias
1. O Fluminense
2. A Cruz
3. Jornal do Brasil
4. Diário Carioca
5. Luta Democrática
6. O Cruzeiro
7. Diário da Noite
8. Jornal do Commercio
9. O Globo
684
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Arquivo Nacional/FUNDO:
Fontes Bibliográficas:
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
685
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo: Brasiliense,
1993.
686
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
319
Originalmente, a obra cobria um período de quase trezentos anos da história romana, porém, é curioso
notar a maneira desproporcional como o conteúdo histórico é distribuído ao longo do texto: os livros
sobreviventes narram aos acontecimentos contemporâneos ao autor, situados nos vinte e cinco anos
compreendidos entre 353 e 378, ao passo que os trezes primeiros continham o relato dos fatos ocorridos
entre 96 e 353. No entanto, essa desproporção é um indicativo da concepção historiográfica de Amiano,
que tem como elementos-chave a importância da verdade e da objetividade – que deveriam ser alcançadas
por meio da narração dos fatos presenciados pelo próprio autor ou narrados por seus protagonistas, o que é
um elemento recorrente na historiografia latina (HARTO-TRUJILLO, 2002; MARQUES, 2008).
320
A presença de digressões ao longo da narrativa histórica constitui-se em um topos da historiografia
clássica, contudo, Amiano parece nutrir um gosto particular pelo seu uso, pois, à exceção de Heródoto, ele
é o autor antigo que mais lança mão desse recurso. As digressões estão espalhadas por toda as Res Gestae
e, apesar da variedade de assuntos abordados, existe entre os pesquisadores a tendência de agrupá-las em
quatro categorias principais: etnogeográficas, sobre questões naturais, filosóficas-religiosas e sociais
(GALLETIER; FONTAINE, 1968, p. 2)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
687
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sobre sua carreira militar, a forma como publicou sua obra, o seu período de atividade
literária, entre tantos outros aspectos ficam envoltos em uma penumbra pela ausência de
informações, assim, tudo o que sabemos sobre a vida deste autor é aquilo que ele nos
permite saber por meio de sua narrativa histórica. Em 357 Amiano era um adulescens
(Amiano Marcelino, Res Gestae, XVI: 10.21), e, de maneira geral, esse termo pode ser
utilizado para se referir a alguém que tenha até trinta anos, o que sugere que ele tenha
nascido por volta do ano de 330. A cidade de Antioquia é apontada como local de
nascimento do historiador e acredita-se que, durante a sua juventude na cidade, o latim
provavelmente era uma linguagem familiar, tendo em vista que Constâncio II utilizou
Antioquia como base durante os combates contra o Império Persa na década de 340 e
nessa ocasião o local foi inundado por burocratas e soldados que falavam latim
(ROHRBACHER, 2002: 14). As lacunas sobre a vida do autor não nos permitem saber
detalhes sobre o início de sua carreira no exército romano, contudo, somos informados de
que em 354 ele servia como protector domesticus (Am. Marc. XIV: 9.1). Se levarmos em
consideração que um homem comum levaria muitos anos de serviço militar para alcançar
este posto e, tendo em vista que Amiano era relativamente jovem quando se tornou um
protector, isso sugere que ele alcançou sua posição por meio de conexões familiares. A
nomeação de um protector domesticus exigia a realização do ritual da adoratio purpurae,
onde o militar deveria se prostrar perante o imperador e beijar seu manto púrpura. Dessa
maneira, é provável que Amiano tenha realizado este ritual enquanto Constâncio II ainda
estava em Antioquia e isso certamente ocorreu antes do ano de 350 (ROHRBACHER,
2002: 15; CASTILLO GARCÍA et al, 2010: 8).
Em 359, Amiano passa por um dos eventos mais traumáticos de sua vida militar
durante o cerco da cidade de Amida. A derrota romana faz com que seu superior imediato,
Ursicino, seja responsabilizado e afastado definitivamente do exército. Depois disso
temos um hiato de informações até que encontramos o autor integrando a malsucedida
expedição do imperador Juliano à Pérsia, em 363. Depois da morte deste imperador,
Amiano se retira para Antioquia com o exército vencido e permanece no Oriente por pelo
menos quinze anos (Am. Marc. XXIII, 5.7; XXV, 10.1). Durante este período no Oriente,
o autor empreende viagens ao Egito, Grécia e Trácia, com o objetivo de conhecer
pessoalmente os cenários de sua obra; além dessas viagens, Amiano passou um longo
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
688
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
321
Para maiores informações ver: BARNES, 1998; HARTO TRUJILLO, 2002; MATTHEWS, 1994;
MOMIGLIANO, 1993; ROLFE, 1950.
322
Apesar desse debate, algo que os pesquisadores destacam é a interessante distribuição dessas digressões
ao longo da obra: uma parcela significativa se encontra na parte da narrativa dedicada ao período do governo
de Juliano. O que se percebe de maneira clara é que essas digressões aumentam a proporção do texto
dedicada a este imperador – e, por extensão, sua centralidade na narrativa. Além disso, digressões como a
da Gália (Am. Marc. XV: 9-12) ou da Pérsia (Am. Marc. XXIII: 6), enfatizam a vastidão e importância das
campanhas militares de Juliano (ROHRBACHER, 2002: 26).
689
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
permita retornar ao relato central seguindo esse critério, existem apenas vinte e três
digressões formalmente estruturadas na obra de Amiano. Já A. Emmett (1983) considera
digressões passagens que, apesar de não possuírem introdução e/ou conclusão,
interrompem de alguma maneira o fluxo da narrativa principal, dessa maneira, as Res
Gestae contariam com um total de trinta e quatro digressões. Timothy Barnes (1998)
identifica na obra de Amiano trinta e uma passagens em que o autor, sem chamar
propriamente uma digressão, indica que tratará de um assunto brevemente. No caso das
digressões etnogeográficas, as abordagens de Emmett e Barnes nos parecem mais
apropriadas, pois, se nos detivermos apenas nas passagens que seguem as estruturas
formais de uma digressão, deixaremos de lado importantes descrições geográficas e
discussões etnográficas feitas pelo autor.
As digressões etnogeográficas de Amiano Marcelino foram alvo de um juízo
extremamente desfavorável por parte de Theodor Mommsen (1881), que apontou os
diversos erros e imprecisões em termos de localização e distância contidos nas descrições
geográficas fornecidas por Amiano, destacando a inaptidão do autor como geógrafo. Tal
diagnóstico influenciou gerações de pesquisadores que consideraram as digressões a parte
mais insignificante das Res Gestae: elas seriam uma demonstração excessiva de erudição
por parte do autor, desnecessariamente longas, que não mantinham um vínculo nítido com
a narrativa principal e cuja veracidade das informações era duvidosa. Dessa maneira, J.
Rolfe (1950, p. xix) afirma que Amiano não consegue atingir o ideal de veracidade em
suas digressões e que, se elas fossem omitidas, o relato não sofreria nenhum dano323. M.
Martínez Pastor (1992) afirma que as digressões são a parte da obra de Amiano com
menor valor literário, pois, além de interromperem a todo momento a unidade da narrativa
e caracterizar os povos bárbaros de uma maneira excessivamente exagerada, o conteúdo
por elas fornecido dependeria de outras fontes escritas, assim, o único objetivo de Amiano
ao inserir tais relatos em sua narrativa seria demonstrar erudição e domínio da tradição
literária.
323
Seguindo esse conselho, Wallace-Hadrill e W. Hamilton suprimiram todas as digressões do texto de
Amiano ao organizarem sua edição publicada em 1986.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
690
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Somente nas décadas finais do século XX é que o enfoque sobre as digressões começa
a se alterar para um ângulo mais positivo, sobretudo a partir do trabalho de Guy Sabbah
(1978) que afirma o sentido e a utilidade dessas passagens até então ignorados pelos
pesquisadores; segundo ele, muitas vezes as digressões permitem ao autor retomar uma
atitude objetiva depois de uma passagem violenta em que os personagens próximos estão
envolvidos. Seguindo a linha de revalorização das digressões, G. Sundwall (1996)
apontou para a necessidade de compreender as digressões em seus próprios termos, como
peças que possuem propósitos e métodos específicos, ao invés de restringir o debate
apenas à análise das fontes utilizadas por Amiano para compor seu trabalho ou à
identificação dos erros e imprecisões contidas nas descrições geográficas. Para J. Drijvers
(1998), as digressões constituem-se como peças literárias cuja autoridade etnogeográfica
pode ser completamente descartada. Seguindo as proposições desse último autor, J. López
Ramos (2008) afirma que as digressões são peças cujo objetivo era entreter o público e
que não podemos encontrar nessas narrativas particulares um conhecimento geográfico
plausível, pois não apresentariam uma noção coerente de formas ou dimensões das
diversas partes do mundo, deixando muito a dever para os tratados geográficos
produzidos por Plínio, o Velho, Pompônio Mela e Estrabão, por exemplo.
Somos informados sobre o recorte cronológico das Res Gestae por meio da
declaração final Amiano Marcelino, uma vez que não dispomos do prefácio inicial da
obra, onde geralmente os autores forneciam informações sobre a gênese de seu trabalho
(MOMIGLIANO, 1993: 113). A parte sobrevivente das Res Gestae pode ser dividida em
três grandes unidades: os livros XIV-XIX, que relatam os anos de 353 a 359, durante os
quais Galo e Juliano foram Césares de Constâncio II; o período em que Juliano foi
imperador (360-363), que ocupa os livros XX-XXV; e, por fim, os livros XXVI-XXXI,
que cobrem os reinados de Valentiniano no Ocidente e Valente no Oriente (364-378).
Amiano organiza seu material em blocos de informações que podem ser classificados de
acordo com seu conteúdo e que se repetem ao longo da obra. De maneira geral, a estrutura
das Res Gestae pode ser sintetizada em cinco pontos principais: (1) atividades dos
imperadores durante as campanhas bélicas; (2) eventos na corte - ou a ela conectados -
no inverno subsequente às campanhas; (3) os eventos ocorridos em Roma sob os
sucessivos prefeitos; (4) os eventos ocorridos nas províncias e que não estão diretamente
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
691
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
692
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de mundo e as formas de orientação que servem de base para tais relatos. A busca de
exatidão das informações por parte de Amiano fez com que ele reforçasse os dados
fornecidos pelas fontes escritas com observações pessoais adquiridas ao longo de suas
viagens, adaptando assim uma longa tradição literária para os objetivos de sua obra.
Amiano constrói suas digressões de maneira peculiar, congregando o conhecimento
proveniente das fontes literárias as quais ele teve acesso com as observações pessoais
adquiridas através de suas viagens pelo Império Romano. Segundo G. Sundwall (1996:
624-626), a precisão de Amiano se traduziria em um esforço de entender as fontes
disponíveis, escolhendo as informações que aparentassem maior consistência e
descartando ou relegando a segundo plano relatos ao seu ver incompletos ou confusos. O
espaço geográfico e o elemento etnográfico ocupam um lugar central na narrativa de
Amiano Marcelino. Como historiador grego e oficial do exército que escreve em latim
para o público romano na segunda metade do século IV, Amiano viajou de um canto ao
outro do Império Romano, vendo com seus próprios olhos as regiões e os povos que
futuramente descreveria em sua obra. Assim, em suas digressões, ele concede uma
atenção especial para a complexa relação entre os povos e seu ambiente circundante, bem
como para as cidades, que parecem ser um referencial para o autor, tendo em vista que
sempre aponta a densidade ou escassez de cidades, oferecendo muitas vezes sua
importância em termos históricos, econômicos e sociais. As digressões presentes nas Res
Gestae foram escritas no contexto de campanhas militares contra os povos estrangeiros
que pressionavam as fronteiras do Império no século IV. Segundo Wiedemann (1986:
195-196), as digressões etnográficas são um misto de julgamento moral e descrição
etnográfica, onde a retórica da hostilidade dos romanos em relação aos bárbaros enfatiza
aquilo que o estilo de vida desses povos apresenta de diferente em relação aos romanos.
As descrições etnográficas presentes na literatura clássica são dotadas de uma série de
estereótipos associados aos bárbaros e não deve ser causa de espanto encontrar nas
digressões de Amiano esses mesmos estereótipos clássicos. Contudo, para além desses
estereótipos, é possível afirmar que as digressões de Amiano revelam muitos aspectos da
formação social e econômica desses povos, por mais que esse não seja o seu objetivo
principal; o autor concede especial atenção para o modo de vida dos bárbaros, utilizando
classificações como nômades, pastorais ou sedentários e acreditamos que tal
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
693
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
característica seja resultado das viagens que o autor empreendeu pelo Império, travando
contato com os povos descritos.
DOCUMENTAÇÃO:
BIBLIOGRAFIA:
694
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
EMMETT, A. The digressions in the Lost Books of Ammianus Marcellinus. In: CROKE,
B; EMMETT, A. History and Historians in Late Antiquity. Sydney: Pergamon, 1983.
695
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MATTHEWS, John. The Origin of Ammianus. The Classical Quarterly, New Series,
vol. 44, n. 1, p. 252-269, 1994.
MOMMSEN, Theodor. Ammians Geographica. Hermes, vol. 16, 1881, pp. 602-36.
696
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
697
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
contexto da Revolução Federalista, que eclodiu nos primeiros anos da República (1893-
1895), no estado do Rio Grande do Sul, e dos eventos que a ela se sucederam. (ABREU,
2010)
No editorial de lançamento o periódico destacava que tinha a característica de
“independência, o compromisso público com a verdade e a opinião”, que foram descritas
inúmeras outras vezes em suas páginas. (Correio da Manhã, 15/06/1901: 2.) Segundo
Ribeiro, o público alvo inicial era composto por representantes da pequena burguesia
urbana, escalões médios da administração, militares, comerciantes, professores e donos
de pequenas empresas. (RIBEIRO, 2007: 64.)
Entre tanto foi na gestão de Paulo Bittencourt, filho do fundador que o jornal, que
a marca jornalística de apartidário e defensor da democracia e legalidade foram
fortalecidas. Foi o momento que a vida de seu dono se confundiu com a trajetória do
periódico. Bittencourt assumiu a direção do jornal, junto com seu pai, no ano de 1923.
Como jornalista e redator chefe do Correio da Manhã, Paulo Bittencourt fez
agressiva oposição ao governo do presidente Artur Bernardes (1922-1926), sendo preso
na ilha Rasa durante todo o ano de 1926. Em março de 1929, mesmo ano de sucessão
presidencial, recebeu de seu pai a propriedade e a direção definitiva do jornal.
Em suas memórias, Samuel Wainer, proprietário da Última Hora, atribuiu ao
jornalismo dos anos 1950 a característica peculiar de ter sido sempre a “voz do dono”,
isentando-se, porém, dessa mesma imagem, ao criticar os demais proprietários. Em sua
opinião, essa perspectiva seria predominante no noticiário, diferentemente do que ocorria
em outros países. Wainer destaca que este período a ligação entre o publico e o privado
esteve presente. Referindo se ao Correio argumenta que o perfil do jornal foi cunhado em
meio as práticas e relações políticas e que sempre ocorreu a contrapartida.
698
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
699
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
distinto daquilo que era feito nos demais periódicos. Esse diferencial, sendo denominado
por Costa Rego de “ortografia da casa”, foi construído com base na adoção de uma
linguagem apurada e no posicionamento independente mantido pelo jornal. (RIBEIRO,
2007: 64)
Outro diferencial do CM era o papel desempenhado pelo redator chefe, Costa
Rego, amigo e braço direito de Paulo Bittencourt, em sua administração. O jornalista teria
sido responsável por implantar mudanças na redação que ajudaram a constituir uma
linguagem e estrutura mais coesa para o jornal, buscando a produção de textos “bem
escritos” e revisados. Costa Rego fazia a leitura de todas as matérias importantes e
selecionava as colunas que seriam publicadas e quando o seriam.
Em fevereiro de 1945, o Correio publicou a depois famosa entrevista de José
Américo de Almeida, escritor e ex-ministro do governo Getulio Vargas. Na entrevista,
José Américo criticou o Estado Novo e defendeu a realização de eleições democráticas e
a liberdade de expressão, que havia sido cerceada pelo regime. O jornalista que realizou
a entrevista foi Carlos Lacerda, ainda repórter do CM. Na ocasião, o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) não reagiu e a entrevista, Ana Paula Goulart Ribeiro,
tornou-se um marco importante na história do Correio da Manhã, sempre lembrada em
seus editoriais de aniversário, para reafirmar a imagem e a argumentação de que este se
constituía como um órgão liberal, “combativo” e “corajoso”. (RIBEIRO, 2007: 65)
No primeiro quinquênio dos anos de 1950, Antonio Callado, assumiu a chefia da
redação, no lugar de Costa e Rego e iniciou um processo de modernização administrativa
e gráfica objetivando inserir o periódico nas exigências do mercado publicitário.
Além das transformações implementadas na linha editorial, que seguiam as
orientações do modelo “norte-americano”, Paulo Bittencourt, a partir de 1955,
modernizou o parque gráfico do jornal com a introdução de oito novas rotativas Hoe (de
fabricação norte americana), no lugar da antiga Man (fabricação alemã). O novo
equipamento levou o periódico a modificar o tamanho, suprimindo as colunas de 55
centímetros com 9 colunas para 50 centímetros e 8 colunas.
Nessa época o CM, era publicado sempre em dois cadernos, com exceção das
edições de domingo, compostas por cinco cadernos que incluíam os suplementos
esportivos e recreativos, o “caderno agrícola” e o suplemento de histórias em quadrinhos
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
700
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“Prisma”. Na edição de sexta feira, saía o caderno ilustrado “Singra”, que compunha
artigos e reportagens sobre regiões do Brasil e do exterior e histórias em quadrinhos, entre
outros textos. Em todas as edições, os artigos assinados referentes à economia e política
saíam sempre no 1º caderno e na 2ª página, alternando os dias de cada articulista, dentre
os colaboradores permanentes. Já o editorial era diário, publicado na 6ª página do mesmo
caderno. Com a remodelação Callado trocou a publicação do editorial que antes era na 4ª
página para a 6ª. (RIBEIRO, 2007: 68)
Ao assumir a redação da folha, Callado recebeu de herança a estrutura de produção
de notícias criada por Costa Rego. Mesmo tendo conduzido a reformulação do jornal, na
chefia da redação, Callado sugeria aos colegas (CALLADO apud ANDRADE, 1991: 98)
que ficava mais confortável no dia a dia da produção das notícias e na atuação literária.
Neste período, Luiz Alberto Bahia tornou-se redator chefe, substituindo Antonio
Callado. Em entrevista a Jeferson Andrade, o jornalista destaca esse momento como
sendo de continuação do processo de modernização.
701
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bahia destaca, portanto, que o poder que passavam a deter, nos anos de 1950 e
1960, as agências publicitárias, determinava, na prática, o novo padrão a ser seguido nos
jornais. Para o jornalista, “quando um jornal afeta certo interesse, de um produto, de um
serviço, agenciado por determinada agência, quando esta aborda um jornal, questionando,
argumentando, não está falando apenas com o poder daquele anunciante. Ela tem muitas
verbas, e ela faz mídia.” (BAHIA apud ANDRADE, 1991: 106) Por conta do lobby
publicitário, o CM mudou seu estilo editorial – “Aí aparece então a mudança do estilo do
Correio da Manhã, do editorial falante, meio inconsequente. Esse editorial forte começa
a ser quebrado por influência da mudança do perfil da carteira publicitária”. (BAHIA
apud ANDRADE, 1991: 106)
Podemos depreender da leitura do depoimento de Luís Alberto Bahia que a
adequação do CM à expansão do mercado publicitário deu-se de forma gradual, atingindo,
finalmente, a produção dos editoriais. No mesmo período, a folha perderia leitores e verba
publicitária para seu então principal corrente, o Jornal do Brasil, mais sensível às
mudanças do mercado do final dos anos 1950 e que promoveu, mais rapidamente,
mudanças importantes em seu layout.
Para disputar mercado com o JB, Paulo Bittencourt contratou então o jornalista
Jânio de Freitas, que assumiu a direção e a chefia da redação em 1963, tendo por objetivo
aprofundar as reformas iniciadas na gestão de Antonio Callado, nos anos 1950.
A reforma proposta por Janio de Freitas, a partir de 1963, contaria com
profissionais conhecidos no meio jornalístico, como Amílcar de Castro, José Ramos,
Dácio de Almeida, alguns deles oriundos das reformas do JB. Antes de modificar a parte
gráfica e editorial, entretanto, Freitas alterou a parte administrativa.
702
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
324
Apenas em 1965 o Supremo Tribunal Federal, ratificou o direito da mulher de Bittencourt de herdar e
administrar o Jornal.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
703
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
704
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
EDITORIAIS
MEMÓRIAS
WAINER, Samuel. Minha razão de viver. 16ª ed.. São Paulo: Record, 1998.
HISTÓRIA DA IMPRENSA
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. São Paulo:
Ática, 1990.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª. ed. (atualizada). Rio de
Janeiro: Mauad, 1999.
SÍTIOS DE PESQUISA
705
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ABREU, Alzira Alves de et al. (org.). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Pós
1930. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2010. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx.
706
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
707
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
século XVIII e início do XIX. O movimento de instalação das Misericórdias esteve muito
relacionado com a estruturação político-administrativa da colônia, aliado, em princípio,
com as sedes das capitanias. Renato Franco (2011: 66) aponta a respeito dessa relação
afirmando que “por um lado, confirmava a precedência da Misericórdia como uma das
principais confrarias em termos imperiais e, ao mesmo tempo, a presença de uma
irmandade como a da Santa Casa nobilitava as pequenas e frágeis povoações do território
americano, carentes de instituições e elementos de distinção”.
Enquanto no Brasil durante o período colonial se estabeleciam as Misericórdias
como principais administradoras dos hospitais, o contexto europeu estava sofrendo fortes
reformas no seu sistema hospitalar, sobretudo, a partir do final do século XVIII com a
introdução da clínica. Antes disso, cabe destacar que as instituições hospitalares na
Colônia não possuíam as mesmas funções tal e qual possuíam na Europa do mesmo
período. Enquanto no além-mar entre o final do medievo e princípios do período moderno
os hospitais eram caracterizados por ações que visavam resolver os problemas urbanos
causados pelo crescimento desordenado das cidades, prestando assistência através da
concessão de abrigo a peregrinos e viajantes, cuidado com os doentes e socorro aos
indigentes; no Brasil, embora os hospitais surjam em consonância com as pequenas
cidades que se instalavam nas Capitanias, as demandas assistenciais eram distintas das
europeias. Pode-se dizer que na Colônia as necessidades eram mais emergenciais, no
sentido de organizar um princípio de prestação de socorros aos necessitados e atender a
demanda de enfermos oriundos das epidemias causadas pelas más condições higiênicas
dos locais onde se aglomeravam as pessoas que chegavam ao Brasil e das embarcações
que aportavam e traziam consigo as doenças que grassava a Europa.
Dessa forma, ao mencionar a reforma nos hospitais que ocorreu no mundo
europeu a partir de fins do século XVIII, não se pode, de maneira alguma, afirmar que no
Brasil aconteceu ao mesmo tempo. Ao contrário, um processo semelhante à introdução
da clínica na Europa só irá ocorrer no Brasil a partir de meados a fins do século XIX, com
a instalação das Faculdades de Medicina durante o Império.
Durante o século XVII e XVIII declinou o modelo de hospital enquanto “fábrica”
religiosa e social, relativo ao total legado da caridade. O hospital representava uma grande
instituição de caridade. A partir da segunda metade da Era Moderna emergiu um
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
708
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
325
Termo que se refere ao termo Machines à guérir, consagrado por Michel Foucault (1995), mas que foi
inicialmente descrito por Tenon em Mémoire sur les Hôpitaux de Paris, em 1788, para designar o papel
dos hospitais (SANGLARD, 2008, p. 61).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
709
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A percepção de que a prática clínica deveria colaborar para a cura dos enfermos e
que isso ajudaria a melhorar a higiene pública foi a grande transformação ocorrida entre
fins do século XVIII e início do XIX. As intensivas investidas nas pesquisas laboratoriais
corroboraram nesse processo. Os filantropos passaram a entender que investir em
pesquisa médica era uma forma de combater a pobreza, assim que “os hospitais tornaram-
se cada vez mais medicalizados e a doença se torna a principal via para o controle social”
(SANGLARD, 2008: 46). Ocorreu o que Sanglard denominou “modernização da
caridade”, através de ações assistenciais paternalistas, além de novas medidas de controle
por meio da separação entre doentes e pobres, curáveis e incuráveis; modificando, desse
modo, a estrutura de assistência que havia desde a reforma do final do período medieval
e início do período moderno.
As mudanças socioeconômicas ocorridas no Brasil pós-abolicionista provocaram
uma transformação na pobreza característica do país. Desse modo, o lugar da pobreza e
sobre quem recaía a responsabilidade de socorrê-la foi modificado. Nesse período, as
cidades receberam um grande contingente populacional, com o qual não sabiam como
lidar. Essa migração provocou aglomerações urbanas, desemprego, crescimento
descontrolado e a demanda por novos cuidados. O retrato da pobreza urbana, até então
composto por vadios ociosos, viúvas e órfãos, passou a integrar negros forros, imigrantes
e trabalhadores urbanos. Ao mudar o assistido e quem o assistia, modificaram-se também
as motivações da assistência, a forma de se efetuar a mesma e seu estatuto,
transformando-a em uma “questão social”, que passa a demandar ações filantrópicas e
estatais, em conjunto ou separadamente.
A necessidade do provimento da assistência em conjunto com o Estado, o qual até
então somente realizava ações isoladas, em casos, principalmente, epidêmicos, marcou a
710
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
delimitação das funções das esferas públicas e privadas. De acordo com Robert Castel
(2010), ao Estado caberiam ações gerais e à filantropia ações específicas. No Brasil, nesta
direção, as fundações de entidades assistenciais nesse período correspondiam a essa nova
ordem que se caracterizava na relação Estado e filantropia para o fornecimento da
assistência à pobreza.
711
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
326
Gráfico elaborado pela autora a partir do Livro de Registro de Entrada de Pacientes do Hospital de
Caridade de Santa Maria. Acervo: Arquivo do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo, livro 01.
Todos os gráficos desse artigo foram criados a partir desta mesma fonte.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
712
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em vista do gráfico 02, percebemos que entre 1904 e 1908 a maioria dos internos
eram soldados da Brigada Militar. Estes, se somados aos trabalhadores da Viação Férrea
do Rio Grande do Sul (VFRGS), ultrapassam os 50% das internações. Se pensarmos essa
classificação enquanto profissão, temos uma explicação possível para o elevado número
de internos do sexo masculino. Destaca-se que o campo “classificação” era dado pelo
hospital para definir quem faria o pagamento da internação. “Brigada Militar”
correspondia a subvenção estadual, como já citamos, bem como “pobres” a subvenção
municipal. Já “VFRGS” significava pagamento pela ferrovia e “particular” – que se
desmembrava entre: “primeira e segunda classe” – eram pagos com recursos próprios dos
indivíduos.
713
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Pobres e trabalhadores:
Art. 115 – Toda pessoa que não tiver domicílio próprio ou alugado e
não poder justificar de que meios lícitos dispõem para prover a sua
subsistência, será compelida ao trabalho, prestando-se como criada ou
criada, sob pena de 10$ e prisão correcional.
Art. 117 – É proibido o exercício da mendicidade sem
expressa autorização do Intendente, que só a concederá ao mendigo
reconhecidamente tal e que não se dê ao vício da embriaguez. O
contraventor será preso e sujeito a trabalho correcional por oito dias.
Art. 118 – Não é igualmente permitido tirar esmolas ou promover
subscrições a fim de enfermos, viúvas, órfãos, irmandades, ordens
religiosas, etc. sem que haja autorização do Intendente, nos primeiros
casos e do respectivo pároco no segundo; ao infrator pena de 10$ de
multa.
Comentário:
Mantenho o art. 117 do projeto, discordando das observações
apresentadas, por quanto: para proibir a mendicidade pelas ruas, seria
preciso que houvesse na cidade um asilo ou casa de caridade onde
fossem recolhidos os pobres que mendigam a Caridade pública (grifos
nossos). (Código de Posturas Municipais, 1897. Fonte: Fundo Junta
Intendencial - AHSM - Caixa 02 - Livro 9 - 1850-1895).
714
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
relação com o que previa o comentário ao artigo 117 referente a necessidade de existir na
cidade uma Casa de Caridade.
No regimento interno do hospital, redigido no relatório anual de 1904,
encontramos o regulamento para o Serviço de Assistência Pública de Santa Maria, o qual
passaria a ser responsabilidade da instituição, conforme citação abaixo.
715
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
716
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
717
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
***
718
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
719
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FISSEL, Mary. Patients, power and the poor in eighteenth-century Brsitol. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002.
720
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
721
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
327
A estabilidade política chilena, frequentemente propalada pela historiografia, era relativa e se limitava
à normalidade com que ocorreram os pleitos eleitorais entre as décadas de 1950 e 1970. A atuação de grupos
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
722
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
radicalizados – à esquerda e à direita – ganhava vulto em momentos de transição política, como a reação
de grupos fascistas contrários à posse de Allende em 1970.
328
A Aliança para o Progresso foi um amplo programa de cooperação para a promoção de reformas
econômicas e sociais na América Latina implementado pelo presidente norteamericano John Kennedy, que
sob o pretexto de estimular o desenvolvimento da região, objetivava aumentar a influência americana no
continente e refrear possíveis avanços do movimento comunista, principalmente após a Revolução Cubana.
Os governos alinhados com as diretrizes da Aliança para o Progresso receberam um grande volume de
investimento para realização de reformas que visassem aumentar a participação norteamericana em seus
territórios.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
723
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
329
Os partidos de esquerda de inspiração marxista, a saber o Partido Comunista Chileno (PCCh) e o Partido
Socialista (PS) tinham pouca penetração no campo, estando mais presentes em setores sociais urbano-
industriais.
330
Sobre isso, consultar a tese de doutorado da professora Elisa de Campos Borges: iCon la UP ahora somos
gobierno! – A experiência dos cordones industriales no Chile de Allende.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
724
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
725
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
internamente apenas pelo PS, mas que foi colocada em prática devido ao descontrole do
governo sobre o processo de reforma agrária.
Não é objetivo do presente artigo discutir os resultados econômicos das áreas
reformadas, mas se faz necessário ressaltar que a reforma agrária deve ser entendida como
um processo histórico que envolveu uma série de disputas sociais e políticas entre forças
antagônicas, e não como mera aplicação de um projeto. O próprio conceito de reforma
agrária estava em disputa, tanto pela conjuntura interna quanto externa, e, apoiado pela
afirmação de Gutelman (1974) de que uma reforma agrária é sempre o produto de uma
relação de força entre classes sociais diferenciadas, o presente artigo busca ressaltar
influência determinante que o referido processo teve na conformação e complexificação
de interesses de classe que exacerbaram os limites da atuação político-institucional e
passaram a se expressar sob a forma de distúrbios sociais. Nesta perspectiva, a
historiadora chilena Tamara Ximena Carrasco Leichtle salienta o seguinte:
726
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para o historiador inglês classe e experiência de classe são duas categorias que
estão articuladas, com a segunda precedendo a primeira. No recorte cronológico do
presente artigo são estabelecidos dois momentos chave – de dois projetos distintos – do
processo de reforma agrária, entre os anos de 1967 e 1970 e entre os anos de 1970 e 1973.
No primeiro, como mencionado, são definidos os parâmetros de expropriação de terras e
organização camponesa, e no segundo se iniciam as expropriações em larga escala e a
socialização de terras. A partir desse processo é que são ajustadas progressivamente as
estratégias de atuação camponesa, tanto como resistência às elites agrárias, quanto como
construção de hegemonia. A reforma agrária, portanto, apesar de possuir uma dinâmica
própria, não se desembaraça por completo do processo chileno de uma forma geral. Nesse
sentido, as mudanças de direção do Estado chileno assumem especial relevância uma vez
que influenciam decisivamente a atuação política camponesa. Oszlak (2016) observa que
os proprietários mantiveram por muito tempo um controle direto sobre as instâncias de
decisão do Estado impedindo que grandes modificações como uma reforma agrária
baseada num movimento massivo de expropriações. Dessa maneira, a partir da
observação de Oszlak, é possível perceber como no caso do Chile a reconfiguração do
Estado sob a composição de novas formas de hegemonia política constitui aspecto
determinante nas formas de atuação e intervenção política, não só, mas principalmente
das classes subalternas, uma vez que mesmo uma transformação superficial é um risco
potencial para uma estrutura agrária previamente estabelecida.
No campo, a possibilidade de sindicalização, conquistada em 1967, configurou-
se como um fator essencial para a luta do campesinato e a formação de organizações que
pudessem disputar não só, mas nesse contexto, principalmente a nível superestrutural
cada projeto político com as associações de classe de proprietários, como bem observa o
professor e pesquisador da FLACSO Sergio Gómez:
727
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
728
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
BITAR, Sergio. Transição, socialismo e democracia. Chile com Allende. São Paulo: Paz
e Terra, 1989.
729
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DE VYLDER, Stefan. Allende’s Chile: The political economy of rise and fall of the
Unidad Popular. London: Cambridge University Press, 1976.
FAUNDEZ, Julio. Marxism and democracy in Chile – From 1932 to the fall of Allende.
New Haven and London: Yale University Press, 1988.
_____________. Agrarian reform and the class struggle in Chile. Latin American
Perspectives, Vol. 5, No. 3. Peasants, capital acumulation and rural underdevelopment.
Sage Publication, 1978.
730
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
OSZLAK, Oscar. La trama oculta del poder – Reforma agraria y comportamento político
de los tierratenientes chilenos. Santiago: Lom Ediciones, 2016.
YOCELEVZKY, Ricardo. Los proyectos políticos de los años sesenta. IN: Frágiles
Suturas. Chile a treinta años del gobierno de Salvador Allende. COLMEX, 2003.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
731
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
732
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
733
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
734
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
regular as promoções no Exército.331 Por meio da leitura dos anais da Câmara dos
Deputados e dos relatórios do Ministério da Guerra é possível indicar o “caminho” da lei
de promoções no Parlamento.
No ano de 1846, houve uma proposta de lei para regular as promoções e, em 1850,
a aprovação da lei. Em 1846, o então ministro da Guerra (João Paulo dos Santos Barreto)
interrompeu a discussão sobre a criação de bispados no Brasil e propõe um projeto de lei
por parte do poder Executivo. Tal projeto é remetido à Comissão de Marinha e Guerra
(da própria Câmara dos Deputados) que modifica a proposta que passa a ser referenciada
como proposta do governo – retomada em 1850.332 Já no ano de 1850 o deputado João
Antônio de Miranda – magistrado e deputado pela província do Rio de Janeiro –
apresentou um projeto sobre as promoções no Exército. Este projeto é remetido à
Comissão de Marinha e Guerra. Esta com base na proposta de João Antônio de Miranda,
na proposta do ministro da Guerra e da Comissão de Marinha e Guerra de 1846 elabora
um novo projeto (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1846 e 1850).
O deputado, militar e membro da Comissão de Marinha e Guerra, Antônio Nunes
de Aguiar, não concordava com a proposta da comissão e, em voto separada, apresentou
um projeto de lei. Após intensa discussão sobre qual projeto seria discutido para se tornar
lei, decide-se por discutir e votar o projeto apresentado pela Comissão de Marinha e
Guerra de 1850 (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1850).
Durante o Império, votava-se, em âmbito local, para juiz de paz e para vereadores.
Os vereadores era responsáveis pela vida administrativa das vilas e cidades – o cargo de
prefeito não existia. Os eleitores votavam, ainda, para a Assembleia Provincial e para a
Câmara dos Deputados e para o Senado. No caso do Senado, os três nomes mais votados
eram submetidos ao Imperador, que escolhia um. O cargo de senador era vitalício. Cabia
331
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Senhores Deputados. Rio de Janeiro: Tipografia e
Litografia do Imperial Instituto Artístico/ Imprensa Nacional, anos de 1846 e 1850.
332
A Comissão de Marinha e Guerra era uma das comissões permanentes da Câmara dos Deputados e seus
membros eram nomeados no princípio da seção ordinária de cada ano.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
735
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
736
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
restrições à cidadania. Era exigido idade mínima de 20 anos e, exclusão dos assalariados
e estrangeiros. O autor destaca, ainda, que a Constituição de 1824 foi mais restritiva:
idade mínima de 25 anos, excluiu os criados e introduziu critérios de renda. No Brasil do
oitocentos acreditava-se a participação ampliada no processo eleitoral, sobretudo de
analfabetos, seria a causa de corrupção eleitoral. Pois, faltaria a essa população condições
de entendimento e de independência para votar. Daí a justificativa para manter a
participação popular em níveis baixos no processo eleitoral (CARVALHO, 2007: 394-
395).
Marcelo Basille lembra que, a Câmara dos Deputados era a porta de entrada para
o seleto grupo da elite política imperial. A Câmara dos Deputados possuía outro
importante papel para a política imperial, como mostra Maria Fernanda Vieira Martins: a
experiência obtida, por aqueles que ali estiveram, era um importante critério nas
nomeações para o Conselho de Estado (BASILE, 2011, p. 104 e MARTINS, 2007, p.
122).
O viajante inglês Reverendo Walsh assistiu a uma sessão da Câmara dos
Deputados em 1829 e descreveu o ambiente. Afonso Arinos de Melo Franco, mostra a
descrição feita pelo viajante:
O plenário era um salão com arcada suportada por pilares entre os quais
ficavam as galerias de dois lados, que subiam até o teto, com capacidade
para 200 ou 300 pessoas. Nos ângulos havia quatro pequenas tribunas
especiais e, debaixo delas, quatro outras, com mesas para os
taquígrafos, que ficavam em condições de ver e ouvir tudo o que se
passava. Os deputados se sentavam em dois bancos seguidos,
semicirculares e concêntricos, providos de encosto e de um corfundo,
alçado, via-se o Trono, encimado pelas armas do Império. Na ausência
do Imperador, que pouco comparecia, o Trono se mantinha coberto por
duas cortinas pendentes do docel. Na frente e abaixo do Trono ficava a
mesa (hoje no Museu Imperial de Petrópolis), na qual se assentava o
Presidente, ladeado pelos secretários [...] O povo enchia as galerias, que
ficavam apenas dois metros acima do plenário, o que permitia, nas
sessões agitadas, conversas entre assistentes e deputados. Entre o
recinto e a Secretaria ficava a famosa “Sala do Café”, frequentada não
só por deputados e jornalistas, como por postulares e homens da
sociedade. Era uma espécie de clube. O salão nobre, também para o
lado do antigo Paço, ficava entre o Gabinete do Presidente e o Primeiro
Secretário. A mesa, de frente para a entrada do edifício (isto é, de fundos
para a atual Rua S. José), ficava acima da antiga bancada dos Ministros
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
737
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
333
Após pesquisa em arquivos como Biblioteca da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e
Biblioteca Nacional, não encontrei o regimento interno da Câmara dos Deputados de 1850. Encontrei o
regimento de 1854 na Biblioteca Online da Câmara dos Deputados. O ano de 1854 pertenceu à 9ª legislatura
(1853-1856).
334
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/historia/historia/oimperio.html>.
Acessado em 07/04/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
738
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
secretários – nomeados por um mês. Havia na Câmara diversas comissões para tratar dos
assuntos referentes a elas (REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 1854).
Por exemplo, a lei de promoções quando proposta por João Paulo dos Santos
Barreto, em 1846, foi encaminhada para a Comissão de Marinha e Guerra que elaborou
um outro projeto. Essa proposta foi encaminhada para essa comissão, por se tratar de um
assunto relativo ao Exército e, posteriormente foi referenciada como proposta do governo.
Isso se deu devido à exigência do regimento da casa, que determinava que quando um
ministro de Estado apresentava uma proposta, após ser lida e entregue ao presidente era
remetida à comissão respectiva para que entrasse em discussão, sendo convertida em
projeto de lei. (REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1854 e
ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1846).
Nenhuma comissão da Câmara dos Deputados devia ter menos de três indivíduos
e mais de cinco. Nenhum deputado podia ser membro de mais de duas comissões
permanentes. Aqueles deputados que fossem ministros de Estado não eram nomeados
para comissões. As comissões permanentes era nomeadas no princípio da sessão ordinária
de cada ano. A mencionada Comissão de Marinha e Guerra era uma comissão permanente
da Câmara dos Deputados (REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 1854).
Em 1850, ano em que a lei de promoções foi aprovada, a Comissão de Marinha e
Guerra foi escolhida na sessão do dia 2 de janeiro de 1850. Nessa sessão foram eleitas as
mesas e as comissões. Em 1850, integraram a Comissão de Marinha e Guerra os seguintes
deputados: João Antônio de Miranda (propôs em 1850 um projeto sobre as promoções),
com 53 votos; José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho, com 43 votos e Antônio Nunes
de Aguiar (apresentou um voto separado por discordar do projeto apresentado pela
comissão em 1850), com 37 votos (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1849 e
1850).
Cabe destacar que Antônio Nunes de Aguiar era um importante militar membro
da elite política imperial, ao longo de sua carreira ocupou cargos como a presidência da
província de Alagoas. Já José Joaquim de Lima e Silva pertencia à importante família
Lima e Silva. Família esta que servia ao Imperador, como por exemplo o ex regente (e
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
739
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
seu pai) Francisco de Lima e Silva e seu irmão Luiz Alves de Lima e Silva, futuro duque
de Caxias. O deputado José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho.335
Ainda no Regimento Interno de 1854 é possível observar que as sessões da
Câmara dos Deputados se davam em todos os dias, exceto Domingos, dias Santos e de
Festa Nacional (25 de março, 7 de setembro e aniversário natalício do Imperado).
Segundo esse regimento, as sessões duravam de quatro horas e eram abertas havendo
metade mais um do número dos deputados (REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 1854).
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados de 1854 permite – junto aos anais
da Câmara dos Deputados – compreender como funcionava o Parlamento. Assim, tal
fonte torna-se aliada dos estudos sobre militares e sobre política imperial. Uma vez que o
Exército foi reformado nas décadas de 1840 e 1850 para tornar-se um braço
administrativo do Estado Imperial e, assim, ser capaz de estabelecer a ordem no Império.
Seus altos cargos eram ocupados por homens herdeiros de uma tradição militar
portuguesa que possibilitava que os cargos mais elevados da hierarquia fossem ocupados
segundo um sistema aristocrático de promoções. Exército, Parlamento e elite política
estavam interligados durante a década de 1850 (SOUZA, 2004 e SILVA, 2015).
335
Sobre José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho ver : <https://www.geni.com/people/Jos%C3%A9-
Joaquim-de-Lima-e-Silva-Sobrinho-1%C2%BA-conde-de-Tocantins/6000000012934824070>. Acessado
em 23/07/2017. Sobre Antônio Nunes de Aguiar ver: SOUZA, J. Galante. Índice de Biobibliografia
Brasileira. Instituto Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura. Rio de Janeiro: 1963.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
740
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
aglutinação dessa elite. Para o autor, a homogeneidade da elite era fruto da socialização
e do treinamento que recebiam por parte do próprio Estado. Educação e ocupação
contribuíram, segundo ele, para a unidade da elite imperial (CARVALHO, 2007: 41-42
e 95).
O autor mostra ainda que, na elite imperial ocorria o fenômeno da ocupação
múltipla – uma mesma pessoa exercia mais de uma ocupação. O autor destaca, e não
devemos deixar esse dado de lado, que a maior parte da população era rural. A população
urbana era menor. Para ele, o emprego público era a ocupação que mais favorecia a
orientação estadista e que melhor treinava para a tarefa da construção do Estado – na fase
de acumulação de poder (CARVALHO, 2007: 95-99).
Assim, o Estado era o maior empregador daqueles que foram levados aos postos
públicos. José Murilo de Carvalho dividiu em grupos a elite para abordar sua ocupação.
No grupo Governo estavam o empregados públicos e os políticos. No grupo dos
Profissionais Liberais estavam os advogados, os médicos, os engenheiros, os professores
de ensino superior e os jornalistas. Os professores de direito e advogados estavam no
grupo Profissões. Já no grupo Economia estavam os proprietários rurais, comerciantes,
banqueiros e industriais (CARVALHO, 2007: 99-101). Essa divisão do autor será útil
para análise dos dados biográficos dos deputados que discutiram a lei de promoções de
1850.
Assim, Martins e Carvalho contribuem para este trabalho apontando a necessidade
de conhecer os atores políticos para interpretar e compreender o discurso deles na Câmara
dos Deputados. Cabe, então, destacar que, este trabalho é um ensaio para o segundo
capítulo da dissertação em desenvolvimento. Logo, esta segunda parte do trabalho traz
alguns dos autores que servirão como suporte teórico para o futuro capítulo e como eles
contribuirão para a pesquisa. Serão considerados dados como província de nascimento,
província que representavam, ano de nascimento e morte, formação, local de formação,
entre outros dados biográficos para compreender quem foram esses atores políticos. Visto
que, nenhum indivíduo (e suas falas) não está isolado de sua trajetória, de sua carreira ou
de suas relações sociais. Todo dado sobre os deputados torna-se importante para, junto às
suas falas, compreender como a necessidade de aprovar uma lei que regulasse as
741
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
742
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
bacharel em direito predominava. Ou seja, dos vinte deputados que utilizo como base,
onze eram bacharéis em direito. Entretanto, no que diz respeito à ocupação/profissão,
predominavam os magistrados (6), seguidos dos militares (3) e dos médicos (3).
Passemos a exploração dos dados de dois deputados: João Antônio de Miranda,
que propôs um projeto sobre promoções em 1850, e, Antônio Nunes de Aguiar que em
voto separado propôs em 1850 um projeto de lei sobre as promoções. Estes dois deputados
juntos com José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho integraram a Comissão de Marinha e
Guerra em 1850 (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1849).
João Antônio de Miranda viveu entre 1811 e 1861, nasceu e representou em 1850
a província do Rio de Janeiro. Formado bacharel em direito em São Paulo, era magistrado
e ocupou cargos como o desembargador e presidente das províncias do Pará, do Maranhão
e do Ceará. Segundo sua biografia, não possuiu título nobiliárquico. Porém, em 1855 foi
escolhido senador e encerrou sua carreira de magistrado como promotor na Corte. Foi,
ainda, sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – assim como outros deputados
envolvidos no debate. A priori, não possuía relações com o Exército. Porém, propôs uma
lei de promoções (ÍNDICE BIO-BIBLIOGRÁFICO DA BIBLIOTECA NACIONAL e
ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1850).
O coronel Antônio Nunes de Aguiar, viveu entre 1807 e 1876, nasceu na província
do Rio de Janeiro e representou em 1850 a de Alagoas. O militar assentou praça no
Exército em 1822, aos quinze anos. Ou seja, era um militar formado de acordo com a
tradição militar portuguesa.336 Colaborou com o conde de Caxias na repressão à Balaiada
em 1841. Acompanhando Caxias, reprimiu as revoluções paulista e mineira em 1842
(ÍNDICE BIO-BIBLIOGRÁFICO DA BIBLIOTECA NACIONAL). O coronel em 1850
propôs um projeto de lei em voto separado ao parecer da Comissão de Marinha e Guerra,
como permitido pelo regimento da Câmara dos Deputados. Segundo João Antônio de
Miranda, o coronel Nunes de Aguiar não aceitou seu projeto por não ter sido proposto
por um militar. João Antônio de Miranda se dizia amigo da classe militar e afirmava haver
336
Sobre a tradição militar portuguesa ler: SOUZA, Adriana Barreto de. A serviço de Sua Magestade: a
tradição militar portuguesa na composição do generalato brasileiro (1837-50). In: CASTRO, Celso;
IZECKSON, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs). Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2004.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
743
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
uma linha divisória entre militares e casacas ou becas (ANAIS DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, sessão em 26 de julho de 1850).
Os dois deputados tidos como exemplo acima possuíam trajetórias diferentes e
semelhantes. Diferente por terem seguido carreiras distintas, possuírem uma carga de
experiência que permitiram, por exemplo, que um deputado não militar pensasse uma lei
que mexeria com a estrutura do Exército brasileiro. Semelhantes porque ambos ocupavam
o mesmo espaço de tomada de poder, integravam uma elite política e provavelmente a
passagem pela Câmara dos Deputados permitiu o acesso à outros importantes espaços do
Império. O pequeno exercício feito com os dois deputados acima será ampliado e
amadurecido a fim de tornar-se uma contribuição para análise da relação entre Exército,
Parlamento e política de Estado.
Referências Bibliográficas
Fontes:
744
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia:
NICOLAU, Jairo Marconi. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2004.
745
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
746
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
747
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
As procissões e o cerimonial que marcavam a vinda de uma figura real, no rio e na terra,
promoviam a imagem da cidade e mudavam a forma com que se relacionavam consigo e
com o restante do reino. Os espetáculos se transformaram como Lisboa e com Lisboa
(ARAÚJO, 1990).
As cerimônias religiosas tiveram um papel marcante na vida social de Lisboa nos
séculos XVI e XVII. Em alguns períodos chegaram a ser os únicos acontecimentos que
movimentavam o cotidiano da cidade, sendo as procissões consideradas as cerimônias
religiosas mais importantes (CASTELO-BRANCO, 1990: 193-184). O trabalho tem
como objetivo apresentar na medida do possível a grandiosidade dos espetáculos que
produziam, assim como as emoções e expectativas sentidas pelos diferentes grupos que
participavam dessas festividades públicas. Isso será feito através de uma análise que não
restrinja as procissões ao seu caráter religioso, mostrando a presença do profano. Como
um acontecimento que colocava em atividade toda gente, as procissões despertaram
interesse da monarquia que passou a utilizá-las para afirmar e encenar o poder. Também
eram uma manifestação da cultura popular e seu divulgador. Além disso, os corpos sociais
eram representados ao longo do desfile, deixando em evidência o cariz corporativo da
sociedade portuguesa do Antigo Regime e as noções de ordem e hierarquia que lhe
norteavam.
Calcula-se uma média de três procissões mensais, que atraíam ao longo do seu
percurso milhares de pessoas. O quadro abaixo produzido pela historiadora Renata de
Araújo identifica as procissões que ocorriam anualmente. Não podemos deixar de
considerar as procissões de caráter eventual quando ocorria algum acontecimento notório:
batizados, casamentos e funerais, cerimônias e festas régias, comemoração de vitórias em
guerras e o retorno de cativos, e ainda para pedir alguma graça à cidade, como a vinda ou
a interrupção de chuvas, fim de epidemias, entre outros. Essa extensa lista nos permite
perceber o quão numerosas eram as procissões, além de sugerir sobre sua importância
(ARAÚJO, 1990, p.49). Por essa razão, o trabalho oferecerá maior ênfase às procissões
de Corpus Christi e dos penitentes da Santa Casa da Misericórdia que aconteceram nos
séculos XVI e XVII.
748
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
20 S. Sebastião
Março Páscoa
17 Ação de Graças
23 S. Jorge
25 Ladainha Maior
Maio 3 S. Cruz
5 1ª Ladainha
6 2ª Ladainha
7 3ª Ladainha
13 N. S. dos Mártires
13 S. António
24 S. João
28 S. Pedro
749
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
26 S. Ana
15 Assunção de N. Senhora
9 Patrocínio de N. Senhora
Dezembro 25 Natal
Santos Inocentes
Cada procissão possuía suas próprias características, o que as tornavam ainda mais
impressionantes. Conforme documento datado de 1522, a mais solene de todas as
procissões anuais que ocorriam em Lisboa era a de Corpus Christi (OLIVEIRA, 1882:
418). Esta procissão foi a maior manifestação de luxo e aparato que a capital portuguesa
conheceu, o que fazia sua população aguardar ansiosa a data da sua realização
(BEBIANO, 1987: 128). A festa eucarística era considerada modelo de práticas para as
outras procissões que aconteciam no reino e no mundo português (SANTOS, 2005: 139).
Ademais, os carros alegóricos, as vestimentas e os paramentos confeccionados pelos
ofícios especialmente para essa festividade eram depois adaptados para outras cerimônias
religiosas e régias (ALVES, s.d.: 41).
O Papa Urbano IV instituiu a solenidade de adoração da eucaristia através da bula
Transiturus, em 1264. O documento pontifício determinava que missa e outros ofícios
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
750
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
751
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Império Marítimo. Para a Câmara de Lisboa coube ainda a missão de fazer um espetáculo
que fosse referência como modelo e fonte de inspiração para outras cidades (SANTOS,
2005: 61).
Havia obrigatoriedade de comparecimento a mais importante procissão do ano.
Aqueles que se recusassem a ir à festividade poderiam ser multados e receber outras
sanções. Desta maneira, a população de Lisboa e arredores participava amplamente do
cortejo, representantes seculares e eclesiásticos, homens e mulheres, pessoas de alto
estirpe e humildes. A festa agregava inclusive negociantes e misteres, mais uma
particularidade da tradição lusa que pode ser utilizada para ilustrar o sentido de
comunidade no ritual do Corpo de Deus (SANTOS, 2005: 89).
Contava-se principalmente com a presença dos oficiais e mesteres, que deveriam
se apresentar pessoalmente à procissão, não podendo enviar em seu lugar um
representante. Documentos indicam que eles não aceitavam a imposição do
comparecimento e de outras tarefas inerentes ao seu ofício. Por vezes, chegaram a recorrer
junto ao rei o privilégio de se eximirem dessa obrigação, mas nunca obtiveram uma
resposta positiva. Ratificou-se o dever de estarem presentes no dia da festa, com as
respectivas bandeiras, castelos e demais invenções, construídos e enfeitados
especialmente para a ocasião. As invenções seriam carregadas por eles mesmos ao longo
de todo percurso da procissão, sem dispor da ajuda de ombreiros nem moços (OLIVEIRA,
1882: 418-419) .
Não houve um regimento específico que normatizasse a procissão de Corpo de
Deus em Lisboa. O mecanismo encontrado para regulamentar o evento foram os
diplomas, algo próximo ao que conhecemos como leis extravagantes. Uma significativa
quantidade de diplomas foi expedida pelo poder central e pelo governo da cidade
(OLIVEIRA, 1882: 421). A organização e as despesas da festa e procissão ficavam a
cargo da Câmara de Lisboa, que tinha como funções divulgar sua data, garantir que as
ruas estivessem limpas e enfeitadas, ordenar que se caiassem as casas, nomear quem
seguraria as varas do palio e definir o trajeto do desfile – não se sabe dizer o percurso
exato da procissão, pois este sofreu mudanças ao longo dos anos, inclusive deixou de sair
da Sé para ser na Patriarcal no Terreiro do Paço, no século XVIII.
752
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
753
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
754
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que ele participava, o que pode ser explicado pelo fato de não se questionar a decisão real
ou dos seus funcionários diretos sobre a disposição dos nobres, na ocasião das jornadas
dos monarcas espanhóis, em 1581 e 1619 (MEGIANI, 2004: 98-116).
Com a Restauração, a festa de Corpus Christi e outras práticas rituais e cerimoniais
da monarquia tornaram-se mais intensas, assim como a reflexão que era feita sobre elas.
Isso porque os Bragança perceberam a oportunidade de utilizá-las politicamente para
difundir um modelo cortesão e afirmar a nação recém-soberana. Além disso, a forma
luxuosa e muito ornamentada como eram organizadas tinha como propósito demonstrar
a superioridade da monarquia e da dinastia que estava à frente. Essas mudanças foram
assinaladas principalmente durante o reinado de D. João V (SANTOS, 2005: 46) (MELO,
2012).
Essas festividades passaram a submeter-se à liturgia barroca e às determinações
pós-tridentinas, criando a imagem de uma sociedade mais rigorosa com relação à ordem
e à hierarquia e de sacralização do poder real. Como consequência, perderam a
espontaneidade que lhe era característica. A legislação da festa de Corpus Christi
instituída por D. João V proibiu o desfile das tourinhas, danças e dos mouros. Também
excluiu os negros e os charmeleiros que tradicionalmente acompanhavam o cortejo, e
vedou o acesso às mulheres. Esse esvaziamento dos elementos pagãos e populares foi
compensado por um maior aparato da procissão. O governo joanino representa uma
ruptura na história da festividade do Corpo de Deus em Lisboa, sendo lembrado pelos
contemporâneos como um momento de triunfo (SANTOS, 2005: 45) (BICALHO, 2002:
314).
Referências Bibliográficas
ALVES, Ana Maria. As entradas régias portuguesas. Lisboa: Livros Horizonte, [s.d.].
755
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CURTO, Diogo Ramada. Cultura Política no Tempo dos Filipes (1580-1640). Lisboa:
Editora 70, 2011.
MEGIANI, Ana Paula Torres. O rei ausente: festas e cultura política nas visitas dos
Filipes a Portugal 1581 e 1619. São Paulo: Alameda, 2004.
MELO, João Vicente. Ouro e preces: a procissão joanina de Corpus Christi. In: Bulletinof
Spanish Studies: Hispanic Studies and Researcheson Spain, Portugal and Latin
America.vol. 89, n.2, 2012.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
756
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MOTTA, Marly Silva da. “Cabeça da nação, teatro do poder: a cidade capital como objeto
de investigação histórica”. Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional da ANPUH.
São Paulo, 1993.
PEREIRA, Paulo. Lisboa (séculos XVI e XVII). Novos Mundos. Portugal e a Época dos
Descobrimentos. Berlim, 2006.
SANTOS, Beatriz Catão Cruz. O corpo de Deus na América: a festa de Corpus Christi
nas cidades da América Portuguesa – Século XVIII. São Paulo: Anneblume, 2005.
SERRÃO, José Vicente. “O Quadro Humano”. In: José Mattoso (dir.). História de
Portugal, IV. Lisboa, Círculo de Leitores/Estampa, 1993.
SERRÃO, José Vicente. "População e rede urbana nos séculos XVI-XVIII". In:
OLIVEIRA, César (dir.). História dos municípios e do poder local (dos finais da Idade
Média à União Europeia). Lisboa: Círculo de Leitores, 1996.
757
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tema e delimitação
Prazer, meu nome é Lívia, e dentre outras milhares de informações sobre mim, eu tenho
fibromialgia. Talvez você nem saiba o que é isso, ou talvez você saiba, e mesmo assim,
eu te garanto: você não sabe o que é isso. A não ser que você, assim como eu, também
seja um portador dessa condição”
“Era terrível entrar na água fria, meu corpo, minhas articulações doíam muito. Ficou
insuportável”, conta. Em seguida começaram as quedas. A perna do professor não
suportava o peso e fazia com que ele perdesse o equilíbrio e caísse. “Meu joelho dobrava
sem meu comando”
758
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
A fibromialgia é uma doença que tem a dor como seu sintoma principal. As
pessoas que se autodenominam “fibromiálgicas” sofrem com dores difusas e intensas pelo
corpo, que podem vir acompanhadas de outros sintomas ou comorbidades, como cefaleia,
síndrome do intestino irritável, alterações de memória e atenção, vertigens,
formigamento, ansiedade, depressão, etc. Seus pacientes não apresentam luxações,
inflamações, ou qualquer substrato anatomopatológico que justifique as queixas.
Podemos dizer que esta dor é “invisível” e pode provocar julgamentos de que as pessoas
acometidas são “frescas” ou estão exagerando a dor. Apesar da origem da doença não ser
esclarecida pelas pesquisas biomédicas, os indivíduos que sofrem com tais dores
experimentam alívio ao receberem um diagnóstico.
Por sua vez, a síndrome pós-poliomielite é uma patologia que acomete indivíduos
afetados pelo vírus da pólio muito anos antes, enfrentando novas dores e fraquezas.
Segundo Quadros et al. (2010), a síndrome é uma desordem neurológica derivada dos
efeitos tardios da poliomielite, caracterizada por fraqueza muscular e fatigabilidade
muscular anormal, podendo ocorrer também dores nas articulações. Esta manifestação
ocorre em pessoas que tiveram poliomielite aguda, geralmente de 30 a 50 anos, no
mínimo 15 anos antes. Da mesma forma que na fibromialgia, os pacientes identificados
com síndrome pós-pólio também sofreram descrença por parte de amigos, de colegas e
de familiares nas suas queixas de dor e fraqueza.
Neste trabalho, defendemos a experiência do adoecimento do paciente como uma
forma significativa para entender os processos de saúde e doença e de como as
perspectivas individuais dizem respeito à vida social. Partimos, desta forma, das reflexões
de Claudine Herzlich (2004), que destaca a importância das pesquisas que têm se voltado
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
759
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
para o âmbito privado há algumas décadas, buscando esclarecer o que as pessoas têm a
dizer sobre a doença. O foco direcionou-se para as patologias crônicas de longa duração,
uma vez que elas afetam todos os aspectos da vida do paciente. Tais pesquisas trouxeram
contribuições importantes para a sociologia da saúde e da doença, mostrando como as
enfermidades atingem a vida dos pacientes, ao provocarem uma desestabilização
irreversível.
Dentro deste prisma, Herzlich (2004) chama atenção para os trabalhos
desenvolvidos na sociologia a partir da década de 1970, que criticavam a ideia de que as
pessoas estavam submetidas a um modelo médico todo-poderoso (2004: 386). As
pesquisas se voltaram para o âmbito privado, buscando esclarecer o que as pessoas têm a
dizer sobre a doença. O foco direcionou-se para as patologias crônicas de longa duração
uma vez que ela afeta todos os aspectos da vida do paciente. Tais pesquisas trouxeram
contribuições importantes para a sociologia da saúde e da doença, uma vez que mostraram
como as enfermidades atingem a vida dos pacientes, provocando uma desestabilização
irreversível. Averiguou-se que experiência pessoal da doença não é mais uma interrupção
biográfica, mas uma autodescoberta, que oferece a possibilidade de renovação e mudança.
Neste sentido, a doença como uma experiência moral pode ser uma oportunidade de se
por à prova (Idem, p.389).
Sobretudo, o ponto de vista da doença através do olhar do paciente tem ajudado a
tornar perceptível a experiência privada da doença “ao enfatizarem a dimensão individual
e subjetiva do isolamento do contexto social e do domínio da vida pública coletiva”
(Idem: 390). É interessante notar, que Herzlich assinala que foi em meados da década de
1980, durante a epidemia de Aids, que houve uma mudança de narrativa sobre a
experiência do adoecimento que influenciou a forma como os pacientes se manifestam.
Segundo ela, o fato de os indivíduos se manifestarem individual e coletivamente na
televisão sobre sua enfermidade permitiu surgir sentimentos de compaixão e
solidariedade. Desta forma, a experiência da Aids tornou-se assunto público, motivando
e criando nova tendência em relação à experiência pessoal e de grupo.
A organização dos pacientes no contexto da Aids permitiu que vários doentes
fossem ouvidos, atuando não apenas como testemunhas, mas também denunciando e
judicializando. A experiência pessoal, aliada à experiência de grupo dos pacientes,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
760
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Problematização
761
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
artigos, mas como uma dor “real”, que precisa de cuidados. Sem dúvida, a entrada no
Código Internacional das Doenças em 2010 (CID 10) representou um momento
significativo para o reconhecimento da fibromialgia junto à comunidade médica e não
médica.
Na mesma época, a síndrome pós-pólio ingressa no CID, contribuindo de forma
mais efetiva para que seus pacientes tivessem os sintomas reconhecidos e tratados.
Segundo Lima (2010), a luta pelo reconhecimento foi assumida por um grupo acometido
pela síndrome pós-pólio, bem como por seus familiares e amigos, em conjunto com o
médico Acary Souza Bulle de Oliveira, neurologista da Unifesp. No ano de 2002, foi
publicada a primeira descrição clínica da síndrome pós-poliomielite na Revista de
Neurociências e, no ano seguinte, iniciou-se a efetivação do atendimento específico para
os pacientes no Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da Escola Paulista
de Medicina (Unifesp/EPM), chefiado pelo neurologista (Idem: 292-293).
A Associação Brasileira de Síndrome Pós-poliomielite (Abraspp) foi organizada
em São Paulo, em maio de 2004, durante o primeiro simpósio sobre a doença. Lima
ressalta que o evento teve como subtítulo “Síndrome Pós-pólio: uma nova doença velha”.
Tal frase faz alusão a um passado recente da poliomielite, em relação ao qual existem
dados epidêmicos imprecisos, principalmente no período da ditadura militar. A
expectativa é a de que exista um grande número de pessoas que tiveram poliomielite e
desenvolveram a síndrome, mas ainda precisam de informações sobre nosologia,
diagnóstico e tratamento.
Na Espanha, o estudo de Sánchez (2012b) assinala a importância dos movimentos
associativos de pacientes afetados para dar visibilidade à doença, bem como às suas
demandas. Este papel do “paciente ativo” possuiria contribuições, segundo ele, dos
movimentos associativos ligados à igreja católica no período da ditadura franquista. As
fraternidades católicas promoveram um ideário, valores e uma socialização para pessoas
afetadas pela pólio (2012a). O autor localiza nestas formas associativas a transição de um
modelo médico para um modelo social. Destaca também o papel destas organizações para
formar líderes, fundamental no engajamento e ativismo dos pacientes com síndrome pós-
pólio. Em semelhança com Herzlich, Sánchez acredita que os movimentos associativos
762
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Objetivos
- Identificar e analisar de que forma atuam para dar visibilidade à doença e criam redes
de solidariedade;
Metodologia
Nossa metodologia conta com a lente teórica do campo de História das doenças.
Propomos, ainda, neste estudo com pacientes “fibromiálgicos” e acometidos da síndrome
pós-pólio os métodos de análise da História oral, pois a experiência do adoecimento
envolve memórias e recordações de pessoas que estão atuando seja nas associações de
pacientes, seja relatando em blogs e/ou Facebook suas vivências. Trata-se de lembrar e
relembrar os sujeitos históricos que participaram e são testemunhos da história vivida pela
coletividade.
Segundo Amado & Ferreira (2006: xv), “na história oral, o objeto de estudo do
historiador é recuperado e recriado por intermédio da memória” e, muitas vezes, ela é
“praticada fora do mundo acadêmico, entre grupos e comunidades interessados em
recuperar e construir sua própria memória”. Esta metodologia suscita reflexões, por
exemplo, acerca das relações entre memória, história e identidade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
763
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tal relação tem sido abordada por diversos historiadores, cada um à sua maneira,
contribuindo para a elaboração de um rico manancial de conceitos que podem ser
incorporados aos estudos sobre a trajetória social de um indivíduo ou de um grupo. Neste
sentido, podemos destacar o caráter coletivo de toda memória individual, conforme
sugeriu Halbwachs (1990), sobre a percepção de que a memória e a identidade são valores
disputados conflituosamente entre diversos sujeitos históricos, inclusive nos processos de
construção das identidades. Entretanto, cabe pensar aqui como as memórias e os registros
destes pacientes que vivem um adoecimento doloroso, muitas vezes desacreditado, é
relatado por esses sujeitos.
Faz parte da nossa metodologia igualmente as análises da incipiente historiografia
digital e nos debates das sobre netnografia para analisar nossas fontes digitais. Trata-se
de uma memória recente, ou de relatos atuais que estão disponíveis nas redes sociais,
blogs, youtube, e que narram a experiência individual, por vezes coletiva, do
adoecimento. O compartilhamento na internet, bem como nas redes sociais, de tais
experiências é um fenômeno relativamente recente. Pereira Neto et al. (2015) explica que
o tema saúde na internet tem cada vez mais informação disponível e um número cada vez
maior de pessoas interessadas. Saúde-doença é um assunto de incontáveis websites que
têm entre seus mantenedores e elaboradores empresários do setor de saúde, companhias
privadas de produtos e serviços, associações de profissionais, organizações não-
governamentais, organizações universitárias e de pesquisa e agências governamentais
(idem: 1655). De acordo com Pereira Neto et al., todo este universo de informação
favoreceu o advento e o desenvolvimento do “paciente informado”, que pode ser definido
como uma pessoa que conquistou habilidades e conhecimentos necessários para
desempenhar um papel ativo no processo de decisão que envolve sua saúde e sua condição
de vida. São pessoas que compartilham informações a respeito de doenças relativas ao
diagnóstico, profilaxia e tratamento e que estabelecem outro tipo de interação com setores
dominantes da saúde.
Hipóteses
764
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A história da dor investigada por Roseline Rey (2012) nos ajuda a pensar como o
pós-guerra foi um momento de escuta de diversos pacientes que sentiam dor. Escuta essa
que se traduziu não apenas em medicamentos analgésicos, mas em formas diversas de
tratamento. Neste sentido, acreditamos que tanto a fibromialgia como a síndrome pós-
pólio são doenças que tiveram seus sintomas nominados por existir uma valorização
biomédica nos cuidados da dor.
Uma série de autores (Lima, Herzlich, Sanchez) assinalam que o movimento dos
pacientes foi significativo para o reconhecimento das doenças e para que os pacientes
tivessem direito a tratamentos, licenças médicas e aposentadoria. Neste sentido,
acreditamos que estes “pacientes ativos” têm como forma de expressão, comunicação e
divulgação as redes sociais – área de militância e organização política.
Elaboramos o quadro abaixo com os respectivos dados das doenças que nos
auxiliam a visualizar e comparar as semelhanças e diferenças.
337
Sugere a presença de outras doenças ou síndromes concomitantes, sinalizando que o indivíduo pode ter
mais de um diagnóstico.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
765
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
766
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sugere uma relação estreita com a entrada das doenças na Classificação Internacional de
Doenças de 2010. De fato, segundo Lima (2010: 308), a Abraspp, juntamente com a
Unifesp e a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, formalizaram em 2005 o pedido
de inclusão no Código Internacional de Doenças (CID). Constata-se que ambas as
doenças foram inseridas no CID 2010, cabendo então verificarmos se existiu esta
demanda dos pacientes também para a fibromialgia.
É interessante notar que os pacientes que sofrem de síndrome pós-pólio tendem a
desaparecer, com a erradicação do vírus da poliomielite há mais de 20 anos no Brasil.
Segundo Nascimento et al. (2010), o último caso de pólio registrado no país data de 1989
e a certificação da erradicação é de 1994. Neste sentido, o registro histórico nos remete
ao passado epidêmico da poliomielite, às políticas públicas de combate, que podem ser
confrontados com os relatos e as experiências de indivíduos que vivenciaram as práticas
terapêuticas. Tais indivíduos, anos mais tarde, depararam-se com novas contingências.
Na opinião de Lima, a síndrome pós-pólio “configura-se como um problema de saúde
pública tanto quanto a pólio foi no passado recente” (2010: 313).
Observamos que as duas associações destacam em seus lemas a questão da
(in)visibilidade e do olhar. Podemos entender, então, que as frases colocam em evidência
a doença, que deve ser vista e notada para que se tenha uma efetiva atenção terapêutica e
esclarecimento para a sociedade em geral. Nascimento (2005, p. 32) assinala a diferença
da experiência da doença crônica e epidêmica: enquanto a primeira se situa na vida
privada, a segunda entra na esfera pública. É desse lugar, da esfera privada, que muitos
pacientes relatam em blogs a agonia e a perplexidade diante da busca pelo diagnóstico e
de tratamento, sobretudo a relação de descrença de pessoas próximas no seu cotidiano.
Em relação à organização dos pacientes nas redes sociais, notamos igualmente
que as redes sociais, como Facebook, blogs e Youtube, são utilizadas na troca de
informações sobre tratamento, diagnóstico e para se mobilizarem. Inclusive, uma das
associações – Abrafibro – é exclusivamente virtual. Este movimento contemporâneo de
uso das novas tecnologias de comunicação tem crescido mundialmente, conforme destaca
Pereira Neto et al. (2015), tanto entre pacientes quanto entre setores biomédicos que
percebem estas ferramentas de informação como aliadas. Para os autores, o “paciente
767
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
informado” é um novo ator social do campo da saúde que se tornou mais visível com a
propagação da internet.
Abaixo, podemos ler dois relatos distintos de pacientes: um publicizado em blog;
o outro disponível em site dedicado as pessoas com algum comprometimento físico.
338
Relato de um internauta. Disponível em:
<http://eutenhofibro.blogspot.com.br/2016/09/desabafo1.html>. Acesso em: 29/10/2016.
339
Relato de um internauta. Disponível em: 29/10/2016.
<http://www.deficiente.com/pcd/forum/adaptacao-de-veiculos/6006-sindrome-pos-polio?start=6>.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
768
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
em outra esfera, enfrenta o julgamento das pessoas. Contudo, a autora faz um apelo à sua
necessidade de respeito, apoio e aceitação. Como fenômeno contemporâneo, podemos
ver que a paciente se utiliza deste registo no blog para esclarecer como se sente, bem
como suas demandas, tomando para si a própria narrativa da doença.
No segundo relato, observamos que o desafio encontrado foi em relação ao
diagnóstico e à necessidade que a pessoa acometida de dor e fraqueza tem em obter
conhecimento específico para atingir o que Le Breton (2003) chama de “cuidado de si” –
movimento este na gestão do seu corpo como patrimônio. Rosemberg (1997), por sua
vez, assinala que o diagnóstico é um evento-chave na experiência da doença e objeto de
uma rede complexa de negociações sociais. Seu significado para o paciente é peculiar,
pois pode alterar sua própria narrativa tanto para o futuro, quanto para o passado.
Acreditamos que estas narrativas de pacientes nos auxiliam a pensar como as informações
sobre a doença circulam e são por eles apropriadas, abrindo formas de enfrentamento e
negociação.
Pierre Léwy (2014) também lança luz em nossas reflexões sobre estes pacientes
que se utilizam de blogs, sites e youtube mostrando que estão vivenciando suas
experiencias de paciente no contexto da cibercultura. Podemos entender que o uso da
web por tais pacientes são como dispositivos que desempenham uma função de “espelhos
da memória” (Léwy, 2011) assinalando temas caros as doenças e que ganham
visibilidade, permitindo inclusive novos “estilos de saber” (Léwy, 2011). Nesta
perspectiva, podemos pensar que este saber sobre a doença sofre uma apropriação do
biomédico para o dos pacientes, que por sua vez circulam práticas de cura e enfrentamento
do que não visível socialmente: seu lugar de fala é significativo como experiencia legítima
do adoecimento, ou como “portador dessa condição” – nas palavras de Lívia do blog da
Abrafibro.
Referências
AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta (org.). “Introdução”. In: Usos e abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.
769
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
Ltda, 1990.
LIMA, Solane Leonor Carvalho de. Abraspp: uma (re)ação brasileira. In:
NASCIMENTO, Dilene (org). A história da Poliomielite. Rio de Janeiro: Garamond,
2010.
770
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ROSENBERG, C. & Golden, J. Framing disease: studies in cultural history. New Jersey:
Rutgers University Press, 1997.
SÁNCHEZ, Juan Antonio R. Las secuelas sociales de la pólio: los inicios del movimiento
asociativo en España (1957–1975), Dynamis 32(2) (2012b), 391–414. doi:
10.4321/S0211-95362012000200006 2012(a).
SILVA, Danielle Souza Fialho da. "O alarme que precisa ser regulado": os debates
médicos sobre a fibromialgia na sociedade brasileira de reumatologia entre as décadas de
1990 e 2010. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de
Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2014.
771
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
340
Esta comunicação é um recorte do capítulo 1 da dissertação de mestrado que até o presente momento
não foi concluída. E-mail: dmf.1184@gmail.com
341
VER Clarissa de Franco (2014) e a pesquisa Win/Gallup sobre o ateísmo no mundo. Disponível em:
https://sidmennt.is/wp-content/uploads/Gallup-International-um-tr%C3%BA-og-tr%C3%BAleysi-
2012.pdf, acesso em 18 ago. 2017.
342
Últimos dados oficiais são de janeiro de 2016, ver https://www.atea.org.br/sobre/, acesso em 07 jun.
2017.
343
Todos os dados foram colhidos em 07 jun. 2017 nos respectivos sites oficiais: Twitter:
https://twitter.com/ateaorgbr; Youtube: https://www.youtube.com/user/ATEAorgBR; Site oficial:
https://www.atea.org.br; Facebook: https://www.facebook.com/pg/ATEA.ORG.BR.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
772
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
344
Dicionário Michaelis online, disponível em http://michaelis.uol.com.br, acesso em 07 jun. 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
773
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
XV. Citando Lucien Fevbre, George Minois indica que durante o século XVI “o termo
ateu era uma injúria que designava um herético, um cismático, um sacrílego, um
heterodoxo ou qualquer pessoa que não compartilhasse da fé da comunidade a que
pertencia” (MINOIS, 2015: 121). Em sua obra, Febvre pretende responder à pergunta “O
que vale a acusação de ateísmo no século XVI? ”. Segundo o autor, a palavra “ateu” “não
tinha sentido estritamente definido, sendo empregada no sentido que bem se lhe queria
dar (...) [mas] significa, pelo menos, incrédulo” (FEBVRE, 2009: 131-134).
É com o filósofo Pierre Bayle que a palavra “ateu” começa a ganhar novos
contornos. Piva destaca a obraPensamentos diversos sobre o cometa de Bayle como
importante na mudança da concepção do ateísmo. Lançadana segunda metade do século
XVII, Bayle tinha a intenção de demonstrar que a moralidade não dependia
necessariamente da religião. Assim, na medida em que o autor descreve uma sociedade
imaginaria onde ateísmo e moralidade podem coexistir, desfaz uma série de preconceitos,
rompendo a tradicional aliança entre moral e religião, passando o ateísmo a adquirir
seriedade nos meios científicos da época (PIVA, 2003: 86).
Segundo Ernst Cassirer, “o século XVIII não assenta seus propósitos intelectuais
mais vigorosos e seu característico dinamismo espiritual na rejeição da fé, mas no novo
ideal de fé que ele promove e na nova forma de religião em que ela se encarna”
(CASSIRER, 1992: 191). O homem não deve mais se submeter a uma religião e nem ela
deve ser submetida a uma força superior estranha, a religião deve estar estabelecida nos
limites da razão. Para o autor,
774
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
775
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
necesidad la naturaleza para producir todos los efectos que veis” (HOLBACH, 1821: 36).
Se a natureza é a causa de todos os efeitos e produz leis fixas, é inconcebível existir
alguma coisa que desafie essas leis imutáveis. Os milagres são “ofensas” às leis da
natureza e não podem ser provados pela razão, sendo o não entendimento dos processos
da natureza e frutos de ações de charlatães.
Em Minois, vemos a transcrição de um fragmento de Sistemas da Natureza
(1770), polêmico livro de Holbach, onde o autor responde uma pergunta que faz a si: “O
que é um ateu? ” (MINOIS; 2014: 497-498). Segundo Holbach:
Como pode ser notado, o entendimento de Holbach sobre o que é ser um “ateu”
se aproxima da concepção contemporânea mais utilizada e aceita. Conforme Minois
afirma, “com D’Holbach, o ateísmo se torna adulto (...) dota-se de uma filosofia, o
materialismo, de uma ciência, o mecanicismo e de uma moral, a lei da natureza”
(MINOIS, 2014: 498). Assim sendo, é possível ter em mente a grande importância de
Holbach nos estudos sobre ateísmo, na medida em que, entre outras coisas, o autor define
de forma concisa o “ateu”, ao mesmo tempo em que elabora um sistema ateísta dotado de
filosofia, ciência e moral. O mundo guiado por leis rígidas, à moda Newton, parece não
776
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
precisar mais de um criador, pelo menos pela interpretação de alguns filósofos como
Barão de Holbach. O ateu como o homem que não acredita na divindade, no sobrenatural,
materialista, encontra sentido na sua cosmovisão no “século das luzes”, embora cada
momento histórico tenha sua própria especificidade.
345
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=9DKhc1pcDFM e https://www.youtube.com/watch?v=TaeJf-
Yia3A, acesso em 16 ago. 2017. Uma versão legendada por ser vista em
https://www.youtube.com/watch?v=h_VggV02fEc, acesso em 16 ago. 2017. Originalmente o
documentário foi publicado no site de Richard Dawkins http://richarddawkins.net/.
346
É importante notar que o termo “neoateísmo” ou “neoateu” não é utilizado pela ATEA e nem por outras
instituições e grupos ateístas da contemporaneidade, sendo este considerado e utilizado de forma pejorativa,
conforme atesta também Franco (2014, p.12).
347
Ver: https://www.wired.com/2006/11/atheism/, acesso em: 17 ago. 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
777
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
estratégias políticas e midiáticas” (FRANCO, 2014: 13). Ainda segundo Franco, existe
um novo ateísmo no sentido que as ciências naturais são utilizadas com os principais
argumentos na refutação da existência de Deus. Por fim, a autora enumera cinco fatores
para se considerar que existe realmente um novo movimento ocorrendo:
348
Entre 0’48” e 1’48”.
349
Entre 18’10” e 20’30”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
778
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
350
Entre 24’10” e 25’35”.
351
Entre 27’40” e 29’22”.
352
Entre 34’34” e 39’00”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
779
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
suas crenças. A resposta de Harris, endossada pelos outros membros do debate, resume
de forma adequada a visão dos mesmos sobre a importância de seus livros para o público:
Porém, é evidente que as mensagens nos livros desses autores não são destinados
para um público mais “fundamentalista” ou ortodoxo, ou até mesmo para um grupo de
pessoas que não tem dúvidas de sua fé. Os autores concordam que o conteúdo é destinado
para um grupo de pessoas que se permitem usar a razão para examinar criticamente a
religião e a natureza, para agnósticos ou indivíduos que tiveram experiências que os
afastaram da religião, mas não tem coragem de se declararem ateus.
Segundo Harris, existe um problema cultural para se falar e criticar a fé. Afirmar
que abdicou de sua fé é um tabu. Até mesmo um cientista com todas as ferramentas
necessárias ainda pode continuar sendo um religioso e ter fé, separando seu “lado
cientista” e “lado religioso”. O autor acredita que isso é possível devido ao tabu existente
ao se criticar uma religião, pois os crentes não estão acostumados a alguém desafiar sua
fé abertamente. Então, um cientista ou qualquer outra pessoa que viva de forma “racional”
pode ter sua fé inabalada, pois nunca foi desafiado de forma séria353. Dennett afirma de
maneira enfática:
353
Entre 01’01’58’’ e 1’02’39’’.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
780
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
354
Entre 01’07’48 e 1’16’40”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
781
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
782
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Imagem 1
Imagem 2
783
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Imagem 3
Imagem 4
784
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Imagem 5
Considerações finais
Como foi possível observar, a ATEA tem como preocupação enfatizar a utilização
da razão, considerando Deus e a religiosidade como algo atrasado e irracional. A
consciência torna possível uma vida moral sem a divindade, com o medo sendo um
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
785
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
elemento importante para a religião. Nesse sentido, é possível verificar como as palavras
de Holbach sobre a religiosidade e o que é ser ateu encontram ecos nas propagandas e
ações da instituição.
Mobilizando um discurso antirreligioso, as vezes em conjunto com o apelo à
razão, conforme a situação, sua identidade vai se moldando e modificando segundo as
circunstâncias, porém já é possível identificar tanto nos posicionamentos da entidade
quanto de seus seguidores o início de uma identidade: a de um sujeito antirreligioso,
defensor da laicidade do Estado onde a religião precisa ser excluída do espaço público,
onde a razão é o norte de suas reflexões. Essa razão está fundamentada, principalmente,
na utilização da ciência como explicação dos fenômenos da natureza, adotando assim uma
perspectiva muitas vezes materialista.
Essa perspectiva tem uma influência direta da concepção de razão elencada acima,
examinada no documentário proposto. É possível notar um discurso antirreligioso
poderoso nos argumentos dos “cavaleiros”, bem como a oposição flagrante da
“irracionalidade teísta” e a “racionalidade ateísta”. Essa racionalidade deriva, segundo os
autores, da observação dos fatos utilizando a razão, levando sempre em consideração o
discurso científico, interpretado como o discurso racional por excelência da modernidade.
O Islã, os milagres, o fundamentalismo ou até mesmo os religiosos considerados
“moderados” são alvos de acusações de irracionalidade, pois, de acordo com os autores,
a razão e a ciência são o extremo oposto da fé e da religiosidade: fé e religião, se
analisados pelo prisma científico e racional, não se sustentam e são excluídos das
explicações de mundo que devem ser consideradas modernas e sensatas.
Dessa maneira, embora longe de afirmar que exista uma forte identidade ateísta
no Brasil, vê-se por meio da ATEA uma tentativa de separação entre “eu” e os “outros”,
onde o sujeito ateu deve estar atento aos passos das religiões no espaço público. Tal
perspectiva é possível ser identificada tanto nos frequentadores dos fóruns e discussões
da ATEA, quanto em blogs e sites ateus de uma forma geral, em uma blogsfera ateísta
em constante expansão. Esse padrão definido pela ATEA, certamente inspirado em
experiências europeias e norte-americanas, parece ser definidor importante do que é “ser
ateu” no Brasil atual.
786
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
HOLBACH, Barão de. El buen sentido, o sea las ideas naturales opuestas a las
sobrenaturales. Madri: 1821.
OS QUATRO CAVALEIROS. Richard Dawkins. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=h_VggV02fEc. Acesso em: 18 ago. 2017.
Referências
DAWKINS, Richard. Deus, um Delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In. SILVA, Tomaz Tadeu de (org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
MARTIN, Michael. Ateísmo e Religião. IN: Um Mundo sem Deus. Ensaios sobre o
Ateísmo. Lisboa: Edições 70, 2010. Coleção Saber da Filosofia 70, nº 39.
787
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
PIVA, Paulo Jonas de Lima. O Ateu Virtuoso: materialismo e moral em Diderot. São
Paulo: Discurso Editorial: Fapesp, 2003.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: Identidade
e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
THROWER, James. Breve história do ateísmo ocidental. Edições 70: Lisboa, 1971.
788
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
355
Entende-se que elites são aqueles indivíduos que ocupam, por gerações, uma determinada posição social
e política na sociedade colonial. As elites exercem funções importantes para o funcionamento
administrativos das coloniais e partir desta posição, essas constroem seus discursos particulares. (XAVIER,
Ângela Barreto; SANTOS, Catarina Madeira. Cultura intelectual das elites coloniais. Cultura revista de
História e Teoria das idéias, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, v. 24: 9-33, 2007: 11).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
789
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
356
Os acolhuas eram da região oriental do centro mesoamericano. (SANTAMARINA NOVILLO, Carlos.
El Acolhuacan bajo dominio tepaneca. Un capítulo de la expansión de Azcapotzalco. Anales del Museo
de América, Madrid, n. 14: 9-26, 2006: 10-11).
357
Texcoco era uma das várias cidades do vale do México. (MONTORO, Gláucia Cristiani. Dos Livros
Adivinhatórios aos Códices Coloniais: uma leitura de representações pictográficas mesoamericanas.
2001. 144f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2001: 10).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
790
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Esta pesquisa identificou que Fernando de Alva Ixtlilxóchitl era o segundo filho da
mestiça Ana Cortés- descendente da linhagem governante de Texcoco- e do espanhol Juan
de Navas Pérez Peraleda- e que, por intermédio de sua bisavó materna, conseguiu acesso
ao Cacicazgo, ou seja, o reconhecimento de que pertence á linhagem da elite indígena de
Texcoco (ANDERS; JANSEN; GARCÍA, 1996: 8).
O Cacicazgo conferido na Nova Espanha pelas elites indígenas poderia ser
adquirido através de uma declaração de testemunho afirmado por autoridades locais, na
qual, os herdeiros das elites indígenas poderiam adquirir e legitimar sua descendência
(BORNEMANN MENEGUS, 2008: 16). Por intermédio deste documento, os indígenas
poderiam adquirir privilégios, títulos espanhóis, terem direito a terras e também não pagar
tributos.
Ao abraçar a posse dos direitos dos herdeiros indígenas- como no caso do
Cacicazgo- a Coroa Espanhola pretendia, no início do processo de colonização, ter o
auxilio das elites indígenas na evangelização Católica, administração e controle das
encomendas indígenas. No entanto, esta decisão da Coroa Espanhola, de habilitar a
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
791
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
continuidade das hierarquias étnicas entre os grupos indígenas, não perdurou, pois no
final do século XVI e princípio do XVII os espanhóis começariam a reordenar suas
relações com os indígenas.
Esta mudança de posicionamento dos espanhóis sobre o poder e privilégios das
elites indígenas ocorreu devido ao crescimento, cada vez mais rápido, das instituições
hispânicas na América, à percepção de que não precisariam mais do apoio das elites
indígenas como no início e também por acreditarem que as elites indígenas já tinham
adquirido títulos e privilégios demais para si (MENEGUS, 1991: 32).
A transformação do pensamento dos espanhóis sobre a situação política e social das
elites indígenas na América Espanhola resultou na diminuição dos direitos e privilégios
das elites indígenas e também na incorporação da tributação de todos os membros da
população indígena, ou seja, até as elites indígenas teriam que pagar tributos á Coroa
Espanhola (MENEGUS, 1991: 34).
No entanto, apesar deste cenário de diminuição do poder indígena, as elites
indígenas procurariam na produção de códices e crônicas, uma maneira de legitimar sua
descendência, seus direitos e privilégios. Um exemplo dessas produções são as crônicas
escritas por Fernando de Alva Ixtlilxóchitl, que foram elaboradas neste contexto histórico
e demonstram a preocupação do cronista em evidenciar e engrandecer sua descendência
indígena e, por seguinte, mostrar seu valor em um contexto de desvalorização.
Para solidificar esta origem indígena, Fernando de Alva Ixtlilxóchitl estabelece em
suas crônicas algumas relações genealógicas que permitem ao cronista relacionar e
configurar as gerações governantes que estavam vinculadas a sua etnia, os acolhuas de
Texcoco. Tendo isto em perspectiva, Ixtlilxóchitl constrói estruturas genealógicas que
destacam as etnias Toltecas358 e Chichimecas359, as quais, segundo o próprio cronista,
configuraram a descendência das elites indígena de Texcoco: “ (...) Los reyes de Tezcuco
358
Os toltecas eram uma população indígena que vivia no centro do México. (LÉON-PORTILLA, Miguel.
Religión de los Nicaraos. Análisis y comparación de tradiciones culturales nahuas. Estudios de cultura
náhuatl, UNAM, México, v. 10, n. 1: 11-112, 1972: 12).
359
Os chichimecas residiam no centro do México durante o período pré-hispânico e eram divididos em dois
grupos: os chichimecas nômades que não possuíam um governante e os que haviam criado laços de
parentesco com os toltecas, organizados por um governo central (LÉON-PORTILLA, Miguel. El proceso
de aculturación de los chichimecas de Xólotl. Estudios de cultura náhuatl, México, v. 6, n.1: 59-86, 1967:
60-61).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
792
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
por línea recta de la casa y descendencia por legítima sucesión de la casa de Xólotl,
poblador y monarca de esta tierra, y de la casa del gran Topiltzin monarca tulteca”
(IXTLILXÓCHITL, 1975: 305).
Ao descrever a constituição das relações genealógicas em suas crônicas, Fernando
de Alva Ixtlilxóchitl, pretende demonstrar a origem de prestígios da etnia á qual pertence,
assim, reafirmando o poder e status alcançados pelas elites indígenas na cidade Texcoco
no final do período pré-colombiano e, por seguinte, por herança preservar e o direito ao
poder das elites indígenas acolhua, incluindo o próprio cronista, durante o período
colonial.
793
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
794
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão
795
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
Fontes primárias
ANDERS, Ferdinand d; JANSEN, Maarten; GARCÍA, Luis Reyes; et. al. ( org.) Códice
Ixtlilxochitl. Apuntaciones y pinturas de un historiador. Estudio de un documento
colonial que trata del calendario náhuatl.México: Fondo de Cultura Económica,
1996BAUDOT, Georges. México y los albores del discurso colonial. México: Pátria,
1996.
796
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GIBSON, Charles. Los Aztecas bajo el dominio español (1519-1810). México: Siglo
XXI, 1991.
797
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MONTORO, Gláucia Cristiani. Dos Livros Adivinhatórios aos Códices Coloniais: uma
leitura de representações pictográficas mesoamericanas. 2001. 144f. Dissertação
(Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, São Paulo, 2001.
NAVARRETE LINARES, Federico. Los libros quemados y los nuevos libros: Paradojas
de la autenticidad en la tradición mesoamericana. In: DALLAL, Alberto. La abolición
del arte. México: UNAM, 1998.
798
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
XAVIER, Ângela Barreto; SANTOS, Catarina Madeira. Cultura intelectual das elites
coloniais. Cultura revista de História e Teoria das Ideias, Universidade Nova de Lisboa,
Portugal, v. 24, p. 9-33, 2007.
799
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
800
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
801
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
802
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
803
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
804
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1911: 105), opinião semelhante à externada por Antonio Carini, em 1911, ao publicar o
artigo Leishmaniose de la muqueuse rhino-bucco-pharyngée no Bulletin de la Société de
Pathologie Exotique
De acordo com diretor do Instituto Pasteur de São Paulo, apesar de ser menos
frequente do que feridas de pele em locais descobertos, a localização de úlceras sobre o
nariz e a boca não chegava a ser rara em São Paulo. Com diversos casos já observados e
fisionomia clínica bastante característica, Carini argumentava que não mais hesitava em
diagnosticá-las como leishmanioses de mucosas e afirmava que, apesar de não ter
encontrado, mantinha a suspeita da existência de um protozoário específico responsável
por esse tipo de manifestação patogênica (Carini, 1911: 289)
Em outubro de 1911, o pesquisador paraense Gaspar Vianna, que acabara de ser
convidado por Oswaldo Cruz para trabalhar no Instituto de Manguinhos, havia publicado
no periódico Brazil Médico uma nota preliminar relatando que, ao analisar amostras de
tecidos de um paciente internado no Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro havia
identificado protozoários “com a forma d’um ovoide”, “núcleo localizado um pouco
acima da parte mediana”, que julgava pertencer ao gênero Leishmania. Mas, devido à
presença de um filamento, “talvez rudimento de flagelo, não observado até hoje”, julgava
que esse parasito poderia “ser considerado como uma nova espécie” desse gênero.
Batizou-o então como L. braziliensis e concluiu sua breve nota afirmando estar
“aguardando estudos posteriores para sua minuciosa descrição morfológica e
biológica”(Vianna, 1911: 411).
No Peru, dois meses após a publicação de Carini, o médico Edmundo Escomel,
pesquisador desse país andino formado pela Universidade San Martin, que contou com
um período de intercambio no Instituto Pasteur de Paris, publicou no Bulletin de la Société
de Pathologie Exotique um artigo intitulado “La espundia”, no qual relatava ter
observado diversos casos de uma moléstia crônica, caracterizada por ulcerações
granulosas, com diversos anos de duração, encontradas sobretudo próximas às florestas
de “vegetação exuberante, temperatura quente e grande umidade” da Zona Central do
Peru e descrevia, de forma sumária, algumas observações sobre essa doença
popularmente conhecidas pelo nome que dava título a seu artigo (Escomel, 1911: 489).
805
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
806
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
extraiam látex nas florestas virgens de Yucatan, nas denominadas ulceras de los chicleros
(Seidelin, 1913: 295)
Ainda em 1913, por ocasião da fundação da Faculdade de Medicina de São Paulo,
o entomólogo francês e professor da Faculdade de Medicina de Paris Émile Brumpt foi
convidado a organizar o curso de parasitologia da referida instituição. Em sua estadia de
um pouco mais de um ano neste país, Brumpt realizou, junto ao médico paulista
Alexandrino Pedroso, uma expedição ao interior de São Paulo com o objetivo de fazer
um levantamento epidemiológico sobre as manifestações de leishmanioses encontradas
nesta região. Como resultado de suas pesquisas, Brumpt e Pedroso argumentaram que,
apesar de, na forma benigna, a leishmaniose encontrada no interior paulista guardar
intimas relações com o botão do Oriente, nas suas formas malignas, que corresponderiam
a cerca de 10% dos casos, a doença apresentava quadro clínico e evolução diferenciados
que permitiam considerá-la uma afecção bem individualizada (Brumpt e Pedroso, 1913:
753).
No Paraguai, o médico Luis Enrique Migone, que ainda como estudante havia sido
discípulo e assistente de pesquisa do pasteuriano Miguel Elmassian no Instituto Nacional
de Bacteriologia e após intercambio de pesquisa em Paris se tornou o segundo diretor
desta instituição, diagnosticou grande profusão de leishmaniose entre os lavradores de
laranja na região norte do país, popularmente designada como buba (Migone, 1913: 211).
A Argentina foi um dos últimos países desta região a comprovar
parasitologicamente casos de leishmanioses em seus domínios territoriais, pois até
meados da década de 1910 pouca ou nenhuma atenção era dispensada às doenças tidas
como tropicais. Tal como indicado por Caponi, neste momento, o discurso médico
argentino parecia ignorar que grande parte do seu território se situava em regiões com
clima subtropicais e que as províncias do norte como Salta, Formosa, Jujuy e Santiago
del Estero possuíam um clima tropical. Essa mentalidade fazia com que os temores
relacionados às doenças tropicais estivessem unicamente identificados à proximidade
com seu país vizinho, o Brasil (Caponi, 2002: 124).
Decisivo impulso para o fortalecimento da medicina tropical neste país foi a
criação do Instituto de Bacteriologia de Buenos Aires, que, vinculado ao Departamento
Nacional de Higiene, tinha por objetivo estudar os problemas sanitários humanos e
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
807
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
808
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
809
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
diversas províncias do país, estudando seus problemas de saúde pública realizando censos
epidemiológicos, identificando de novos vetores e tratamentos para moléstias que, como
a doença de chagas e as leishmanioses, ainda se configuravam tanto como desafios
científicos como problemas de saúde públicas regionais.
Considerações finais
Bibliografia
810
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DA MATTA, Alfredo. Leishmaniose tropica. Revista Médica de São Paulo, n.13, 1910
DARLING, Samuel. Autochtonous Oriental sore in Panama. Trans. Roy Soc trop Med &
hig., 4:60-63, 1910.
DONOVAN, Charles. The etiology of one o the heterogeneous Fevers in India. Britsh
Medical Journal. 12: 1401, 1903.
811
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
KILLICK-KENDRICK, Robert. Oriental sore: an ancient tropical disease and hazard for
European travelers. Wellcome History. Vol. 43, 2010.
812
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SEIDELIN, Harold. Leishmaniosis and babesaisis in Yucatan. Ann Trop Med & Parasit,
n.6, 1912.
WRIGHT, J. Protozoa in a case of tropical ulcer ("Delhi sore"). The Journal of Medical
Research, Boston, 1903.
813
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
814
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de ingleses, sendo escolhida como um dos destinos certos dos comerciantes britânicos
(GRAHAM,1964).
Foi nesta paisagem de turbulências revolucionárias que a viajante inglesa Maria
Graham (1785-1842), chegou ao Brasil em 1821. A América do Sul de então, fora
redescoberta por estrangeiros que segundo Raymundo Campos (1996), aportavam com
os mais diversos objetivos, como comerciantes, artistas, viajantes, expedicionários,
engenheiros, mineralogistas, botânicos e aventureiros.
Segundo Gilberto Freyre (2000), seus relatos em forma de diários, cartas e
registros iconográficos, transformaram-se em fontes documentais preciosas, ajudam-nos
a entender as lógicas sócio-político-culturais e as mentalidades pertinentes daqueles anos.
Desse enorme contingente de estrangeiros que atravessou o Atlântico rumo aos portos
sul-americanos nas primeiras décadas do século XIX, destacaremos o protagonismo da
escritora, pintora, professora e herborista inglesa Maria Graham. Em nossa análise, o
contexto de sua historicidade se dá nos anos de 1821 a 1823. Testemunhou a rebelião da
Junta de Goiana em Pernambuco ao chegar ao Brasil. No ano seguinte ao seguir viagem
para o Chile, pode respirar os ares da independência ao chegar à cidade de Valparaíso.
815
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
816
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
[...]. Houve uma grande mudança histórica na Espanha, nos dois anos
e meio transcorridos do dia 2 de maio de 1808, até a abertura das
“Cortes Gerais e extraordinárias “ na ilha de Léon (Cádiz) em 24 de
setembro de 1810, com o desmoronamento do estado Bourbônico e com
o vazio do poder, pela queda de Fernando VII. [...]como alternativa para
o ciclo de crises e revoluções que se espalhavam, só poderia resolver-
se mediante o poder interino das juntas. (FUENTES ARAGONÉS: 18-
21).
817
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
818
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Com seu pai, Maria Graham havia viajado pela primeira vez para a Índia nos
princípios de 1808.No ano de 1819 conheceu a Itália, onde morou com seu marido
Thomas Graham por um curto período de tempo. Destas passagens por lugares
interessantes, deixou-nos os seus primeiros Diários de Viagem, gênero literário que
estava em ascensão tanto no gosto do público aristocrático e letrado da Europa, como dos
“ pacatos cidadãos comuns, tão ávidos de informações como de aventuras”.
(QUINTANEIRO,1996: 18).
Segundo o Diário de Pernambuco (2016/08, p.2), Maria Graham quando chegou
ao Brasil, aos 36 anos, já era famosa na Inglaterra por ser autora de interessantes livros
de viagens, além de notável pintora e ilustradora. Na década de 1830, publicou Little
Arthur’s History of England 360
,livro infantil que alcançou grande sucesso. Nos anos
360
Primeira edição em 1835, em dois volumes, sob as iniciais, M.C. e reeditado diversas vezes. A última
atualização foi em 1937(BRITTO,1989, p.10). Esta obra foi traduzida no Brasil para o português pelo
escritor piauiense Bugyja Britto em 1941/42 e publicado em 1989 no Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
819
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Dois dias após chegar a Pernambuco, Maria Graham, desembarcou para conhecer
a cidade sitiada. Foram recebidos por um oficial a serviço do Governador Luís do Rêgo
que os conduziu ao Palácio do Governo. Conheceu o Governador e sua família. Em seu
Diário, (1990) lemos:
820
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
821
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
822
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Todo sistema de España respecto á las colônias, mientras las tuvo bajo
su domínio, fué comercial y no político. Los virreyes[...] no fueron en
realidad outra cosa que presidentes de uma companhia de monopolistas,
sus propósitos estaban limitados por sus sórdidos y mezquinos
interesses [...]descuidándose em consecuencia la libertad, la felicidade
ó el interés de los habitantes. La pereza y la ignorância fueron las
consecuencias necessárias, y cuando el Pueblo se levanto, como de um
sueño proclamo su independencia, estaban tan amoldados al antiguo
régimen de cosas las costumbres é ideas [...]que sus jefes y
gobernadores siguieron por la miesma senda. Considerando la posesión
del poder simplesmente como la posesión del capital de uma companhia
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
823
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em 18 de janeiro de 1823, após terem se passado quase nove meses da sua chegada
a Valparaíso, chegou a hora de Maria Graham partir do Chile. Lago (2000, p.153) cita
que “Sus últimas tareas cotidianas fueron revisar los manojos de semillas y raíces
recogidos para plantarlos em Inglaterra”. A bordo do bergantín Colonel Allen, em
companhia do amigo Almirante Lorde Cochrane e do primo Glennie, Maria Graham
voltaria para o Brasil pela segunda vez, deixando no distante Chile suas mais
melancólicas memórias. Nas anotações escritas no Diário de mi residencia em Chile,
(Graham, 1964, p.23-23), entretanto, percebemos que a autora procurou aproximar-se de
tudo que pudesse lhe fornecer maior conhecimento daquele país, afim de compreender
com profundidade sua história e seu povo.
824
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
825
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
Bibliografia
826
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
<Http:/blogs.diariodepernambuco.com.br/históriape/index.php/2016/08/22/maria-
graham-a-inglesa-que-retratou-pernambuco/Acesso em 17 de maio de 2017. Maria
Graham, a inglesa que retratou Pernambuco.
827
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
828
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
829
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O Mapa Populacional divide os fogos por atividade profissional dos chefes dos
fogos361, quais sejam: proprietários de engenho de açúcar, fábrica de arroz, fábrica de
farinha, olarias, lavradores, serralheiros, oficiais de ofício e taverneiros. Cada registro
apresenta o nome do chefe do fogo e seu estado conjugal, extensão das terras, quantidade
de filhos e filhas divididos em grupos de maior e menoridade, número de escravos
também divididos por faixa etária e por sexo, número de agregados, número de animais
e gêneros agrícolas produzidos.
Do total de 1.077 fogos, 72,9% dispunham de mão de obra escrava (785 fogos).
Percebemos, deste modo, o quanto a propriedade escrava se encontrava difundida por
amplos setores da sociedade da Vila de Santo Antônio de Sá. Manolo Florentino e José
Roberto Góes, baseando-se em inventários de proprietários do agro fluminense
apresentam a porcentagem de 88% de todos os inventariados eram donos de escravos,
entre 1790 e 1830362 (FLORENTINO e GOES, 1999:52), enquanto Ana Paula Souza
Rodrigues Machado em relação ao distrito de Guaratiba com base na estatística de 1797,
destaca que 64,6% dos domicílios possuíam escravos (MACHADO, 2015). Sheila de
Castro Faria para a Capitania do Paraíba do Sul (região atualmente conhecida como Norte
Fluminense) em 1785, demonstrou que das 1.488 unidades agrárias 65,5% possuíam
escravos (FARIA, 1998: 132). Portanto, percebemos que a difusão da mão de obra
escrava estava altamente difundida nas freguesias rurais da capitania do Rio de Janeiro,
361
Consideramos aqui chefes de domicílio segundo a definição dada por Maria Luíza Marcílio, que define
como aqueles “que encabeçam cada um dos fogos”, podendo ser “um marido, um viúvo ou viúva, ou ainda
um solteiro vivendo só ou com filhos ou dependentes”, In: MARCÍLIO, Maria Luiza, A cidade de São
Paulo: Povoamento e população (1750-1850), São Paulo: Pioneira, Ed. da Universidade de São Paulo,
1973, p.126-127.
362
Apesar dos autores não destacarem as localidades em que estes inventariados habitavam, consideramos
pertinente a comparação com os nossos dados por apresentarem um panorama geral dos proprietários rurais
do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
830
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
com cerca de 1/3 dos domicílios possuindo escravos, contudo, veremos a diante, essa
distribuição era desigual, com uma tendência a concentração de escravos nas mãos dos
grandes proprietários escravistas.
Observando a tabela 1, podemos verificar que 73,6% dos proprietários de escravos
possuíam pequenas escravarias de 1 a 9 cativos. Comparado com os dados de
Florentino/Góes para o Rio de Janeiro (52,0%) e de Machado para Guaratiba (52,7%), a
Vila de Santo Antônio de Sá possuía uma disseminação muito maior da posse de escravos
entre os pequenos produtores, sendo, portanto, caracterizada por pequenas unidades
escravistas (FLORENTINO e GOES, 1999:54; MACHADO, 2015:134). Da mesma
forma, como no caso de todo o agro-fluminense entre 1790 a 1830, quase um terço destes
pequenos proprietários eram constituídos por camponeses abastados (FLORENTINO e
GOES, 1999:54).
Cerca de metade dos escravistas (49,8%) possuíam de 1 a 4 cativos,
correspondendo a 12,7% do total de escravos do distrito da Vila. Por outro lado, os
proprietários de escravos que possuíam de 20 a mais de 50 cativos, correspondiam a 9,1%
dos escravistas, contudo, detinham 43,7% dos escravos da região, o que demonstra o alto
grau de concentração da propriedade escrava na região.
831
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
363
Não foi encontrada a propriedade escrava nas fábricas de arroz, possivelmente utilizavam trabalho
escravo de suas outras propriedades, já que todos os 2 proprietários eram também possuidores de engenhos
de açúcar.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
832
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
833
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HOMENS MULHERES
FTP # % # % Total R/S
1A4 535 61,8 331 38,2 866 161,6
5A9 680 55,5 546 44,5 1226 124,5
10 A 19 906 51,9 838 48,1 1744 108,1
20 A 49 949 56,2 740 43,8 1689 128,2
50 + 750 58,3 536 41,7 1286 139,9
TOTAL 3820 56,1 2991 43,9 6811 127,7
Fonte: Discripção do que contém o distrito da Vila de Sant o Antônio de Sá de Macacu feita por ordem do
vice-rei do estado do Brasil, conde de Resende [D. José Luís de Castro]. 07 de abril de 1797.
Arquivo Histórico Ultramarino-Rio de Janeiro. Cx. 165, doc. 62 e AHU_ACL_CU_017, Cx.161, D.
12071.
834
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
desequilíbrio entre os sexos nas segundas e terceira faixa de tamanho de posses, voltando
a crescer na última faixa (mais de 50 cativos).
Considerando as atividades agrícolas, permanece o grande desequilíbrio entre os
sexos dos escravos na faixa de 1 a 4 cativos, tanto nas fábricas de farinha (66,1% de
homens), quanto entre os lavradores (59,7% de homens). Em todas as faixas de tamanho
de posse é entre os lavradores que se encontra o menor desequilíbrio entre os sexos dos
escravos.
Assim como no artesanato como no comércio, a pequena representatividade de
proprietários dificulta generalizações nos engenhos de açúcar e nas fábricas de farinha,
na faixa de 5 a 9 cativos, foram apenas dois os senhores de engenhos, assim como na
faixa de mais de 50 cativos, foram encontrados apenas três proprietários de fábricas de
farinha.
835
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“a) devido ao menor número de escravos (muitas vezes não iam além
da unidade) e considerando a dificuldade de enlaces entre escravos de
propriedades distintas, os pequenos plantéis eram menos propícios à
formação de famílias e, consequentemente, menos propícios à
reprodução; b) a conservação de escravos mais produtivos e a venda das
crias destes pequenos plantéis para outros maiores, ou seja, um pequeno
escravista nem sempre tinha condições de manter crianças sem que
estas dessem retorno à produção; e c) cada criança nascida e mantida
no pequeno plantel aumenta a possibilidade de que este mesmo plantel
tenha passado de pequeno a pequeno-médio (seis a dez escravos).”
(TEIXEIRA, 2001:80)
836
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tabela 9 – Proporção de crianças e adultos escravos por sexo e por faixa de tamaho
de posses de escravos. (1797)
Crianças Adultos
837
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FTP H % M % H % M %
1a4 82 61,2 52 38,8 453 61,9 279 38,1
5 a 9 175 54,7 145 45,3 505 55,7 401 44,3
10 a 19 291 49,8 293 50,2 615 53,0 545 47,0
20 a 49 289 53,4 252 46,6 660 57,5 488 42,5
+ de 50 220 56,1 172 43,9 530 59,3 364 40,7
Total 1057 53,6 914 46,4 2763 57,1 2077 42,9
Fonte: Discripção do que contém o distrito da Vila de Sant o Antônio de Sá de Macacu feita por ordem do
vice-rei do estado do Brasil, conde de Resende [D. José Luís de Castro]. 07 de abril de 1797.
Arquivo Histórico Ultramarino-Rio de Janeiro. Cx. 165, doc. 62 e AHU_ACL_CU_017, Cx.161, D.
12071.
Conclusão
838
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, Iraci Del Nero Costa. Minas Gerais: estruturas populacionais típicas. São
Paulo: EDEC,1982.
GUEDES, José Roberto e FRAGOSO, João Luíz Roberto. Notas sobre transformações e
a consolidação do sistema econômico do Atlântico luso no século XVIII, In: O Brasil
Colônial, volume 3, ca. 1720- ca. 1821). FRAGOSO, João Luiz Roberto e GOUVÊA,
Maria de Fátima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
839
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
840
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1. INTRODUÇÃO
841
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
842
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
843
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
844
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
845
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
846
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
voluntária e seu papel deveria ser no sentido de conseguir novos brasileiros que atuassem
junto ao levante de informações. Ainda no início de sua carreira como espião, Túlio já
havia sido interceptado em uma missão: uma viagem aos Estados Unidos que o mesmo
faria no intuito de captar informações militares. O processo contra Túlio não foi avante
nesse caso, pois o chefe da polícia carioca, Filinto Muller, um elemento com simpatia
germânica, procurou Régis Nascimento para repreendê-lo sobre o seu vacilo e apenas fez
uma oitiva e liberou o suspeito. Não ouve abertura de inquérito por parte de Muller
(HILTON, 1977: 301).
Percebendo a liberdade que possuía Túlio continuou a agir. Outro membro da rede
de informações foi Gerardo Mello Mourão. Jornalista com inspirações notoriamente
germânicas, integralista, tinha uma grande rede de contatos profissionais e
consequentemente ideológicos com membros dos serviços de notícias alemães. A atuação
de Gerardo caminhava no mesmo sentido dos outros agentes que era o de captar as
informações e repassá-las a um agente alemão que faria a transmissão das mesmas via
rádio. Vale destacar que o manuseio de equipamento de radiotransmissores na maioria
das vezes ficava sobre o controle de alemães e a parte que cabia geralmente aos brasileiros
era a de manutenção do aparato.
A atuação desses agentes já constava da primeira metade dos anos 1940 e o grupo
brasileiro já não encontrava as mesmas condições favoráveis de coleta de informações e
repasse das mesmas para a mão dos eixistas. Embora com participações menores,
Oswaldo Rieffel França e Valêncio Wurch Duarte, (suas missões consistiam em
transportar mensagens entre elementos brasileiros), estes integralistas também
compunham o núcleo de espionagem montado pelos ex-partidários do sigma, uma
verdadeira "célula verde" de espionagem nazista no Brasil.
No entanto de todos os integralistas relatados nos autos dos processos, quem mais
nos chamou a atenção foi Raimundo Padilha. Segundo homem da hierarquia integralista
e o representante dos interesses políticos de Plínio Salgado no Brasil. Além disso, Padilha
se tornaria elemento político importante no pós-guerra chegando a ocupar os cargos de
deputado federal pelo Partido de Representação Popular (PRP), pela União Democrática
Nacional (UDN) e Aliança Nacional Renovadora (ARENA), alcançando ainda o posto de
governador do estado do Rio de Janeiro durante a ditadura militar (CALIL, 2001). Por
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
847
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
848
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que era de onze contos e quinhentos para as despesas da época e "um armamento que
consistiria em trezentas a mil metralhadoras de mão que seriam colocadas em qualquer
ponto da costa do Brasil que Padilha indicasse e trazidas por submarinos alemães"
(HILTON, 1977: 308). Mediante a proposta, Padilha inicialmente não aceita a oferta,
mas, algum tempo depois, volta a procurar Mello Mourão com a opinião mudada. Nossa
hipótese ainda é a de que Padilha teria ido consultar Salgado sobre a permissão para a
missão. De acordo com o plano que foi executado, Padilha enviaria a Natal Carlos
Astrogildo Correa, um oficial da reserva de confiança que traz consigo informações sobre
as bases e movimentação das tropas americanas.
Em seu retorno do Nordeste, Correa entrega a Padilha um relatório detalhado do
que consegue de informações. No entanto, Padilha volta atrás, devolve o dinheiro a Mello
Mourão e recusa-se a mostrar o relatório para Túlio Régis. Até o momento, a pesquisa
não consegue identificar o motivo que levou Padilha a tomar tal decisão. O mais curioso,
contudo, é que Padilha em outra oportunidade deixa Mello Mourão ver o relatório e este,
astutamente, copia as informações e repassa-as a Túlio Régis, o que se configura, em
nosso entendimento, algumas observações relevantes. O primeiro ponto é o fato de que
Raimundo Padilha aceitou, mesmo com relutância, a missão. Mesmo consciente de todas
as violações que estava cometendo, o integralista envia seu agente à missão, que retorna
com material produzido. Além disso, chama a atenção uma proposta de Túlio Régis que
fez Padilha mudar de ideia, quando os onze contos são oferecidos e a disposição das
metralhadoras para os integralistas. Na verdade, Padilha não aceita a missão com o
primeiro argumento de Túlio, de que seria uma empreitada para barrar os interesses
estadunidenses no Brasil. Talvez Padilha tenha avaliado que o risco e o custo eram altos
e o retorno, relativamente pequeno. Mas a partir do momento em que foi envolvida a
questão da quantia e da disponibilização das armas, Padilha muda de ideia. Outro ponto
de inflexão no discurso de Padilha é que o material não foi entregue a Régis Nascimento.
Ora, mas do que adiantou o segredo em relação ao material se, depois, ele foi passado à
Mello Mourão que o repassou a Régis Nascimento? Ao fim e ao cabo, o material alcançou
seu destino final. E sem nenhuma contrapartida aparente, pois de acordo com Hilton, nos
autos não constam detalhes sobre.
O desenrolar dos acontecimentos nos levam ao enfraquecimento das redes de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
849
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
espionagem criadas no Brasil. Com a ajuda dos órgãos de inteligência dos Estados
Unidos, agora aliados oficiais do Brasil, um a um os espiões vão sendo identificados e
presos o que, em alguns casos, leva a delações provocando o desmantelamento das redes.
Além disso, o governo brasileiro após assumir sua posição na guerra começa a fiscalizar
melhor a atuação de membros do governo que agiam em favor do eixo.
O desmantelamento da rede formada por Túlio Régis era cada vez mais iminente,
com membros da polícia vigiando os elementos e prontos para agirem no sentido de
prender a célula espiã. Os planos para o afundamento de um navio alemão preso pelas
autoridades brasileiras deixou o grupo ainda mais vulnerável, pois era necessária uma
constante exposição dos agentes para a execução do plano, que nunca chegou a ser
executado. Gerardo Mello Mourão e Túlio Régis Nascimento foram presos. Com isso foi
mais fácil o desmonte do restante do grupo. Durante sua detenção, Raimundo Padilha
explicou que aceitou a proposta de Régis Nascimento e Mello Mourão para estar a par
dos planos dos elementos e, com isso poderia prevenir todos os integralistas sobre as
intenções da dupla. Com esta confusa explicação Raimundo Padilha foi liberado após seu
depoimento por falta de provas. Já Túlio Régis do Nascimento e Gerardo Mello Mourão
receberiam tratamento diferenciado, pois tendo uma quantidade muito maior de provas
de sua atuação em favor do eixo e tendo uma rede de contatos menos influente, não
conseguem escapar das acusações e amarguraram anos de prisão e processos penais
(HILTON, 1977: 310).
Certamente o depoimento de Padilha contendo a sua versão da história ficou
bastante confuso. Uma peça mínima do quebra cabeça pode estar no depoimento daquele
que perpassou por todo o processo como um coadjuvante, o tenente Carlos Astrogildo
Correa. O tenente Correa foi o enviado de Padilha ao Rio Grande do Norte e é o agente
que traz consigo as informações sobre a movimentação americana na região. No entanto
o que quase passou despercebido foi o fato de Carlos Astrogildo ter sido enviado ao
nordeste depois de Plínio Salgado ter oferecido seus serviços a Berlim. Ou seja, de acordo
com Hilton (1977: 312) Padilha precisaria das informações de Correa para que "pudesse
escrever ao senhor Plínio Salgado a fim de esclarecer ao mesmo sobre o que se passava
no Brasil", mostrando assim um interesse maior de Padilha do que os onze contos e as
trezentas metralhadoras. Num exercício de especulação (devido ao estágio atual da
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
850
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pesquisa) o que talvez possa ter feito Padilha mudar de ideia após a primeira proposta de
Túlio Régis não estaria ligado ao que o militar oferecia em troca, mas sim estivesse ligado
a uma ordem de Plínio Salgado.
Todos os elementos citados anteriormente contavam algumas características
comuns. Em algum momento da vida estiveram ingressados nas fileiras integralistas. Não
é abusivo concluirmos que suas afinidades ideológicas, além de semelhantes, convergiam
para a defesa do autoritarismo fascista. Mas o que os notabilizou como eficientes
informantes foi em primeiro lugar a sua admiração germânica, e todo o ideário fascista
quer era carregado com ela e, principalmente, a sua grande rede de contatos, não só com
elementos alemães, mas também com pessoas influentes em postos profissionais nas
empresas comerciais e jornalísticas privadas e também no funcionalismo público, como
o caso da polícia. Importante ressaltarmos que sem essas ferramentas possíveis através da
rede de contatos o trabalho dos espiões ficaria muito mais difícil. Por outro lado,
percebemos o quanto foi importante a participação destes “agentes indiretos e/ou
anônimos”. Em certo sentido, seja motivado por dinheiro ou ideologia, centenas desses
agentes cooperaram no sentido de ajudar a Alemanha e que, diretamente, prejudicaram
diretamente o nosso esforço de guerra.
851
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
852
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994. 2ª ed. 2011.
PANDOLFI, Dulce C. Os Anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge &
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano. O tempo do
nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 1. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
SILVA, Francisco Carlos T. da Silva. Os Fascismos. In: REIS FILHO, Daniel A.,
FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste. O Século XX: o tempo das crises. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
853
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Uma breve análise sobre irmandades religiosas no Rio de Janeiro do século XVIII:
Entre identidades e devoções
INTRODUÇÃO
O estudo das irmandades religiosas no Rio de Janeiro foi e continua sendo foco
privilegiado de pesquisadores. Esta assertiva pode ser verificada pelo número de trabalhos
produzidos sobre o tema. A atenção voltada para as associações religiosas e pela
importância dessas instituições na vida das sociedades urbanas, em especial o Rio de
Janeiro. As irmandades são muito mais do que instituições religiosas, são instituições a
partir das quais se pode depreender diferentes instâncias da vida social, local, nos ritos
funerários, no estabelecimento de redes sociais, no sistema de crédito, na afirmação
social, etc.
As irmandades, fenômeno com raízes medievais, tiveram importância, no
contexto colonial, crucial na vida do catolicismo brasileiro. As estruturas políticas
reconhecidas fizeram dessas instituições um tipo de expressão social e religiosa, com uma
grande importância política naquela sociedade provincial profundamente dividida pela
idéia de uma “pureza de sangue” e pelo estatuto da escravidão (CARDOSO, 2008).
Originárias das antigas corporações medievais, tanto na metrópole, África ou
Brasil, as Irmandades e Ordens Terceiras disseminaram-se pelos vastos territórios do
Império Português (BOSCHI, 1986). De um modo geral, eram instituições leigas que
reuniam cristãos em torno de um santo para devoção, escolhido para padroeiro. Lugar de
expressão de um catolicismo barroco, as confrarias produziam elaboradas manifestações
externas de fé, funerais grandiosos e procissões cheias de alegria (REIS, 1991).
Tendemos a concordar com João José Reis de que as irmandades, não apenas na
Bahia, estudada pelo autor, constituem-se em associações corporativas no interior das
quais se teciam solidariedades fundadas nas hierarquias sociais e, dessa maneira,
possuíam “a função implícita de representar socialmente, se não politicamente, os
diversos grupos sociais” (REIS, 1991, p. 51). Assim, as diferentes irmandades, de certo
854
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
364
Elites brancas limpas de sangue, brancos com ofício, pardos, pretos (diversos) e crioulos.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
855
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
César Boschi (1986) e Julita Scarano (1978) em Minas Gerais; João José Reis (1991) e
Lucilene Reginaldo (2011) na Bahia; no Rio de Janeiro, Mary C. Karasch (1987), Mariza
de Carvalho Soares (2000); Antônia Aparecida Quintão (1996) em São Paulo; em Santa
Catarina Claudia Mortari (2000) e Maristela Simão (2008); e no Rio Grande do Sul Liane
S. Mueller (1999). São estudos regionais e tratam das irmandades de africanos e
descendentes como um todo ou de uma irmandade específica.
Podemos afirmar que este artigo se justifica na medida em que há uma lacuna na
produção historiográfica referente ao tema. Embora os estudos sobre irmandades sejam
abundantes, os trabalhos publicados sobre as Confrarias do Santíssimo Sacramento, uma
irmandade que exprime a associação de irmandade branca, são escassos, principalmente
quando comparados, por exemplo, com aqueles dedicados às Irmandades de Nossa
Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Desse modo, este artigo pode
trazer uma breve e inicial contribuição para o entendimento de como os grupos dirigentes
no Rio de Janeiro se constituíram e se sedimentaram no século XVIII.
A difusão das irmandades entre os diversos segmentos sociais foi, aos poucos, se
acomodando às hierarquias vigentes na sociedade colonial brasileira. Foram dando cada
vez mais importância às distinções raciais e sociais. Havia irmandades não só de brancos
e de negros, mas também de pardos e de mulatos. O que demonstrava que, mesmo entre
os negros e seus descendentes, os critérios sociais e raciais dominantes eram reforçados
(SCARANO, 1978, p. 24).
No Brasil, a primeira irmandade do Santíssimo Sacramento foi fundada no Rio de
Janeiro, entre os anos de 1567 e 1569. Era destinada às elites brancas da cidade,
principalmente na sua mesa diretora, o que pode ser observado pela sua importância
política e econômica, e também pelas contribuições anuais dos irmãos, principalmente
dos dirigentes da irmandade. Estes eram os principais responsáveis pela receita da
856
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
857
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
365
Catálogo de documentos avulsos referentes à capitania do Rio de Janeiro existente no Arquivo Histórico
Ultramarino. 20 de Maneiro de 1734, Rio de Janeiro - AHU-Rio de Janeiro, cx. 29, doc. 66.
366
Este documento se encontra no livro ou códice E-278 — Ordens Régias 1681-1809, localizado no
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Índice 369 [f. 166-166v].
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
858
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sofrido os abusos dos capitulares da Sé, e os mesmos ainda não haviam escolhido um
novo local para que a transferência, e que esta transferência deveria ser feita o mais logo
possível367.
Os problemas ocorridos entre as irmandades não se concentravam apenas nas
imediações da Igreja do Rosário. Em cinco de Junho de 1790 os procuradores das
irmandades de Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora de Boa Morte e São Benedito
do Terço da cidade do Rio de Janeiro, solicitam em conjunto a certidão ao vigário da vara
sobre o ocorrido de que foram impedidas de participar da celebração do Corpo de Cristo
pelos diretores da congregação, no qual era a Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Antiga Sé era responsável368.
Um importante ponto para salientar com as considerações desses documentos
analisados aqui é que uma das funções principais da devoção nas irmandades era
distinguir o grupo na sua relação com os demais, como é o caso deste último documento
com relação às irmandades que poderiam ou não participar das festividades religiosas.
Neste sentido, a devoção, além de expressão de fé, funcionou como expressão de
identidades. Estas foram construídas, algumas vezes, em processos de auto-afirmação
enquanto grupo; em processos de legitimação de posições privilegiadas no contexto social
e em processos que uniam a auto-afirmação e a resistência cultural.
São vários conflitos que as irmandades no período do setecentos no Rio de Janeiro
se encontravam, é necessário dividir os conflitos entre internos e externos, porém, com a
leitura das fontes, percebemos que estes dois fenômenos, entre formação das identidades
e devoções, estavam profundamente imbricados, assim como as redes de solidariedade
também eram formadas a partir dos mesmos, ou vice-versa.
Como não poderia deixar de ser, os caracteres de pertença exigidos nas
irmandades implicavam, da mesma forma, em caracteres de exclusão o que por sua vez é
um fator comum na construção de identidades.
367
Catálogo de documentos avulsos referentes à capitania do Rio de Janeiro existente no Arquivo Histórico
Ultramarino. 19 de Janeiro de 1746, Lisboa - AHU_CU_017, Cx. 38, D. 3995.
368
Catálogo de documentos avulsos referentes à capitania do Rio de Janeiro existente no Arquivo Histórico
Ultramarino. 5 de Junho de 1790, Rio de Janeiro. AHU-Rio de Janeiro, cx. 145, doc. 64.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
859
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essas pessoas que faziam o mundo do século XVIII tinham em marcas sociais de
distinção algumas de suas principais maneiras de identificação. Era uma época de ordens,
irmandades, nações, condições e outras classificação que buscavam colocar cada
indivíduo em um lugar determinado. É dentro deste mosaico que identidades étnicas
encontram seu lugar. Entre as inúmeras identificações a disposição, podia-se ser branco,
preto, brasileiro, português, benguela, mina, livre, liberto ou cativo, e muito comumente
as pessoas se identificavam com uma série destas identidades.
Outro autor importante de citar é Anderson de Oliveira, assim como afirma o
renomado autor, a “dissimulação” que Roger Bastide (BASTIDE, 1974) observa com
relação ao “catolicismo negro” não dá conta do fenômeno em si. Africanos e seus
descendentes, ao se congregarem em suas irmandades não estão ali para encobrir as
religiões africanas. As suas práticas religiosas, no interior daquelas instituições, foram
pautadas segundo os códigos bases do catolicismo, o que permite constatar um nível de
crença nos símbolos cristãos. Estas práticas também acabaram por redefinir um espaço
de cunho político que permitiu a afirmação de identidades plurais (OLIVEIRA, 2008, p.
34). Penso que, na mesma linha de raciocínio do autor, e, sendo assim, complementando
que, essas identidades são criadas também nos conflitos, exclusões e nas escolhas das
práticas devocionais.
Mais do que compreender como os indivíduos se encaixam nestas categorias, nos
interessou neste artigo contribuir para que se perceba de que maneira essa identificação
poderia se materializar na vida dessas pessoas. Mais do que pessoas compartilhando uma
identificação, temos identificações sobrepondo-se para formar uma sociedade. Para João
José Reis:
860
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Marco Magalhães de. Vila Rica dos Confrades: a sociabilidade confrarial entre
negros e mulatos nos séculos XVIII. Dissertação Mestrado. Orientadora, Prof. Dr. Maria
Beatriz Nizza Marques da Silva. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1993.
KARASCH, Mary C. Slave Life in Rio de Janeiro: 1808 1850. Princeton: Princeton
University Press, 1987.
861
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MÜLLER, Liane Suzan. “As contas do meu rosário são balas de artilharia” – Irmandade,
jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. 253 f. Dissertação de Mestrado ,
PUCRS. Porto Alegre, 1999.
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção negra: santos pretos e catequese no
Brasil colonial. Rio de Janeiro: Quartet, 2008.
REIS, João José. A morte é uma festa: Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século
XIX, São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
SIMÃO, Maristela dos Santos. Lá vem o dia a dia, lá vem a Virgem Maria, agora e na
hora de nossa morte: A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos
Homens Pretos em Desterro (1860-1880), Itajaí-SC: Ed Casa Aberta, 2008.
TINHORÃO, José Ramos. Os sons dos negros no Brasil. São Paulo: Art Editora, 1988.
862
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
863
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
864
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O mesmo autor aponta a região sudeste como a que mais recebeu imigrantes no
período da primeira república, até 1930. O eixo Rio – São Paulo foi de fato, o polo
receptor da maior parte deste fluxo, com destaque para São Paulo. Somente este Estado
recebeu cerca de 57% do total de estrangeiros registrados que entraram no país (BIONDI,
2010). O referido Estado, entre os do sudeste, se destaca na entrada de estrangeiros para
o trabalho na área rural. Em contrapartida, a então capital federal - o Rio de Janeiro –
diante da decadência das terras cafeeiras, recebeu um fluxo de mão de obra estrangeira
voltado para a incipiente industrialização e o trabalho urbano.
A Primeira Guerra Mundial fez com que o fluxo de estrangeiros fosse reduzido
até o ponto de ser considerado estagnado. Alguns anos depois do fim da guerra,
precisamente em 1920, percebe-se um intenso movimento de retorno dos estrangeiros aos
seus países de origem (BIONDI, 2010).
Com relação a etnicidade dos imigrantes Biondi (2010) afirma que:
865
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
subsidiada pelo Estado brasileiro (em âmbito federal e estadual) desde o final do império
por diversos motivos dentre os quais: a tentativa de substituição da mão de obra escrava
pelo trabalho livre do imigrante dada a iminência da república e de seus ideais (principal
motivo elencado por SIMÕES, 2005; BIONDI, 2010 e IOTTI, 2010) a ideologia
eugenética defendida por Gobineau369, que incentivava o branqueamento da população
como fator primordial para o desenvolvimento; e o povoamento de regiões isoladas com
a finalidade de desenvolvê-las para a agroexportação, através de colônias de imigrantes.
O fluxo migratório intensifica-se após a república na região sudeste “subvencionada e
controlada que previa a concessão gratuita da passagem e da moradia e a concentração
dos imigrantes em hospedarias, para que fossem direcionados principalmente aos
latifúndios das principais regiões rurais” (BIONDI, 2010, p. 3). Segundo Iotti (2010)
houve três perfis de política imigratória no início da república brasileira:
A autora em questão aponta no período uma participação cada vez maior do setor
privado no empreendimento colonial onde no mesmo período foram criadas 102 colônias,
sendo que 84 (83%) eram particulares, 16 (15%) federais e 2 (2%) estaduais (GIRON;
BERGAMASCHI, 1996, p. 51 apud IOTTI, 2010, p. 12).
Os estudos de Oliveira (2006) indicam uma terceira fase imigratória em trajetória
temporal mais longa: até 1945. Esta é caracterizada pelo aumento de imigrantes
classificados como “outras nacionalidades” oriundas principalmente da Europa oriental:
poloneses, russos, romenos e judeus. Os japoneses aparecem também com maior
frequência, tornando-se exceção a regra. Nesta classificação de espaço temporal passa-se
a existir uma política de restrições imposta pela constituição de 1934 onde são fixadas
369
Filósofo francês e um dos principais teóricos do racismo no século XIX. Segundo Gobineau, o Brasil
não teria futuro, pois a mistura de raças levaria a degeneração da nação (SCHWARCZ, 1993).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
866
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
867
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
foi um campo de disputas entre civilizações mais antigas e com maior poder bélico. Estes
Estados Nação consolidados dominaram por muitos séculos os finlandeses, até a
conquista da independência no início do século XX.
O território finlandês foi colonizado e dominado pela Suécia durante sete séculos
(1150 até 1809). O povo natural da região, principalmente os camponeses, falavam o
finlandês mesmo com a imposição do sueco como idioma oficial do país. O domínio
sueco é entendido como benéfico inicialmente conforme aponta o escritor russo
Kropotkin (1885) apud Fargelange (2007), pois a dominação Alemã ou Soviética seriam
mais rigorosas quanto ao processo de esquecimento das tradições orais finlandesas
populares. No entanto, toda a cultura formal, acadêmica e escrita, é produzida sob o ponto
de vista sueco. Estes também posteriormente oprimiram economicamente a região
colocando altas taxações das riquezas produzidas em prol da manutenção de uma
aristocracia sueca. Mesmo dominado durante muitos séculos, os finlandeses mantinham
sua cultura viva. Esta identidade finlandesa ganha mais força na transição do domínio
sueco para o império soviético. Diante desta disputa, os movimentos nacionalistas
finlandeses ganham força.
No decorrer do processo conhecido como russificação da Finlândia370 no final do
século XIX, surgiram diversos movimentos por parte de alguns cidadãos finlandeses de
excursões para conhecimento da América Latina. Os cidadãos que não concordavam com
a junção da União Soviética a Finlândia e que não desejavam ser obrigados a servir seus
exércitos foram procurar uma alternativa em outros lugares do globo terrestre onde
pudessem fundar uma nova sociedade baseada em seus valores e costumes
(CARVALHO, 2014)
Os traumas da guerra civil de independência somados aos da Primeira Guerra
Mundial, junto à industrialização e o crescente cientificismo; que forçavam determinados
tratamentos considerados cientificamente comprovados em detrimento dos usados pela
tradição e cultura popular; semelhante aos que ocorreu na Revolta da Vacina no Rio de
Janeiro, no início do século XX; estimulou a busca por parte dos cidadãos finlandeses de
370
Período iniciado em 1889 até a independência da Finlândia em 1917. O Czar Alexandre II imperador da
antiga União Soviética, região da atual Rússia, decide não permitir a criação de uma constituição finlandesa
e limita a autonomia política existente através de coerção militar (FAGERLANDE, 2007).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
868
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
uma terra onde pudessem ter a liberdade de agir e viver dentro de seus preceitos culturais
(FAGERLANDE, 2007).
Os finlandeses viajavam e conheciam diversos lugares neste continente com a
finalidade de mudar-se para lá diante da possibilidade de invasão da União Soviética. A
escolha da América Latina, não se devia somente pela opressão política do País vizinho,
pois diante deste fato, qualquer outra área poderia ter sido escolhida. Então por que o
território latino americano?
A Finlândia é composta majoritariamente por lagos, rios e pântanos. O clima frio
e a pobreza mineral da terra, além da ausência de sol em certas épocas do ano, tornam a
região geograficamente pouco hospitaleira (FAGERLANDE, 2007). A América Latina
possui abundância de recursos naturais, terra fértil, clima ameno e grande disponibilidade
de lotes. Os finlandeses viram na América a possibilidade de ter uma vida mais saudável,
em harmonia com a natureza. Além disso, existiam diversos movimentos migratórios de
povos vizinhos europeus para os países latino americanos no final do século XIX e início
do século XX. Todos estes fatores contribuiriam para o movimento chamado “febre dos
trópicos” no território Finlandês. Este conceito refere-se ao movimento de migração em
massa dos finlandeses para os territórios latino-americanos diante da impossibilidade de
uma vida em plenitude com a cultura e a natureza em sua própria pátria.
A ideia era fundar uma nova Finlândia fora da Europa. As novas colônias eram
baseadas nos valores de igualdade, fraternidade, vida regrada, sem excessos, em harmonia
com a natureza aos moldes das sociedades utópicas imaginadas por Thomas More, Henry
Thoreau e Peter Kropotkin, liderados por um líder carismático aos moldes do conceito
estabelecido por Max Weber (FAGERLANDE, 2007 e CARVALHO, 2014).
O contexto da imigração à Penedo integra-se ao fenômeno “febre dos trópicos”,
pois foi a partir dele que os imigrantes decidem vir para o Brasil. Buscavam fundar uma
comunidade inspirada nos ideais também de seu líder fundador: livre, fora da lógica
capitalista e em harmonia com a natureza.
869
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A colônia Finlandesa no Brasil tem sua sede escolhida pelo seu líder carismático
Toivo Uuskallio no Rio de Janeiro, no antigo município de Resende, atualmente
município de Itatiaia, desde 1988.
Apesar das diversas etnias que lá estiveram a região têm sua história marcada pela
chegada dos imigrantes finlandeses. Os índios Puris são os primeiros habitantes de que
se tem conhecimento nesta localidade do Vale do Paraíba (MAIA, 1986). Posteriormente
estivem lá os Portugueses em busca do ouro e por se tratar de caminho de acesso as minas
gerais. Os escravos foram trazidos pelos Portugueses e posteriormente pelos senhores de
engenho para as plantações de café, no período de grande valorização do produto, durante
o século XIX. Posterior a todos os grupos, os primeiros finlandeses chegaram,
especificamente em Penedo, em 1927, com o intuito de fundar uma nova sociedade
baseada em valores religiosos, veganos e naturalistas (HILDÉN, 1989).
Ao chegarem, sob a liderança de Uuskallio, financiam a compra de uma antiga
fazenda de café chamada Penedo, em Resende. A escolha foi resultado de um processo
de busca de Uuskallio, que antes da compra, passou uma temporada no Rio de Janeiro, a
maior parte dela no interior, na fazenda Poços de Caldas, em Barra Mansa - RJ. Ao saber
da disponibilidade do terreno nas proximidades decidiu adquiri-lo (HILDÉN, 1989).
Após visitar mais de duzentas fazendas de café, Toivo escolhe esta em específico por
estar próximo ao acesso da linha férrea além de não existir muitas possibilidades de
intervenção do Estado ao projeto utópico de comunidade (CARVALHO, 2014). Esta
região também recebeu outros tipos de imigração com os Italianos no atual do município
de Porto Real e em Visconde de Mauá com os alemães. O que de fato também incentivou
a vinda e permanência dos finlandeses.
O grupo de Uuskallio chega em um período de queda do fluxo migratório do país
e rigorosidade com relação a imigração . O grupo não recebe nenhuma ajuda
governamental para o estabelecimento da colônia. Os migrantes finlandeses só podiam
contar com a ajuda de seus próprios compatriotas em seu país de origem. Com a
colaboração do grupo “Amigos de Penedo” em sua pátria mãe, sob a liderança do pastor
Pennanen, foram selecionados os indivíduos dispostos a virem para o novo paraíso
brasileiro. Após rigorosa seleção, 28 finlandeses foram escolhidos. Dentre eles, os pais
de Eva Hildén, a personagem responsável pela criação do atual museu Finlandês.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
870
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Segundo Fagerlande (2007) chegaram no porto do Rio de Janeiro, no período de 1927 até
1940 cerca de 340 finlandeses dentre os quais 208 foram registrados como imigrantes.
A escolha dos colonos foi feita através de um rigoroso processo seletivo que
buscava selecionar os indivíduos com perfeita saúde, com uma ocupação que fosse de
utilidade para a futura colônia, boas condições financeiras para investir na nova
empreitada, com princípios religiosos e de vida que se aproximassem do veganismo, além
da busca por uma vida simples, longe da cidade, em harmonia com a natureza.
Os candidatos vinham de toda a Finlândia motivados pelas crônicas de Pennanen
sobre as maravilhas das terras brasileiras:
Segundo Oliveira (2006) o Brasil dos anos de 1920 até 80 era visto de forma
idílica. Promissor em seu futuro, entendia-se que aqui podia-se viver em paz e harmonia
diante da grande mestiçagem e exuberância da natureza. Pois estes fatores eram os
primordiais procurados pelos imigrantes motivados a nova aventura no país. Segundo
Carvalho (2014) estas motivações sobrepunham a vontade de criação da colônia utópica
repleta de regras estabelecidas por Uuskallio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
871
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
872
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HALL, Michael. A imigração na cidade de São Paulo. In: Porta, Paula (org.). História
da cidade de São Paulo. A cidade na primeira metade do século XX, 1890 - 1954. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005, v. 3.
IOTTI, Luiza Horn. A política imigratória brasileira e sua legislação – 1822 – 1914.
In: X ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA, 2010, Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Disponível em: < http://www.eeh2010.anpuh-
rs.org.br/resources/anais/9/1273883716_ARQUIVO_OBRASILEAIMIGRACAO.pdf>.
Acesso em: 01 jul. 2017.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Nós e eles: relações culturais entre brasileiros e imigrantes. Rio
de Janeiro : Editora FGV,2006.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
873
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1. INTRODUÇÃO
874
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como potenciais detratores dos valores tradicionais que teriam como base a moral e a
família, instituições tidas como invioláveis. No entanto, outro pilar importante para a
fundamentação teórica-argumentativa do movimento é a ideia de neutralidade; mais
especificamente que a educação escolar, a atuação de professores em sala de aula e os
fundamentos das relações de ensino-aprendizagem, devem ser neutros.
A ideia de neutralidade aparece com destaque no texto do anteprojeto de lei que serve
como base para a atual expansão do MESP pela via legislativa. Disponível no portal
<www.programaescolasempartido.org> em versões municipal, estadual e federal, o
“Programa Escola Sem Partido” identifica como um dos princípios a ser seguido pelos
sistemas de ensino público a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”. Em
contrapartida, o termo “doutrinação” nem é mencionado na redação do documento.
Embora o perigo da “doutrinação ideológica” tem uma forte presença nos
discursos do MESP, o conceito de neutralidade mobilizado pelo movimento parece ter
uma maior aplicabilidade jurídica e política. Um dos sintomas disso é que, enquanto o
conceito de “doutrinação” parece ser tomado pelos entusiastas do movimento como
autoexplicativo371, ao conceito de neutralidade são dispensadas definições mais
cuidadosas372.
Assim, minha proposta é reservar para as páginas seguintes uma análise a respeito
dos embasamentos que a concepção de neutralidade mobilizada pelo MESP possui. Meu
objetivo será tratar de como a noção de neutralidade enquanto um conceito se constitui
dentro de uma perspectiva sobre educação defendida pelo MESP. Proponho a construção
371
Um exemplo dessa contradição está no texto da justificação do Projeto de Lei 867/2015 de autoria do
deputado federal Izalci Lucas, que quer incluir “entre as bases e diretrizes da educação nacional o ‘Programa
Escola Sem Partido’”. Como o próprio PL faz questão de ressaltar, ele se inspirou no modelo do anteprojeto
de lei produzido por Nagib em 2014. Entretanto, ainda que o MESP já contasse com mais de 10 anos de
existência na época em que o projeto foi apresentado na Câmara dos Deputados, a justificação do PL se
limita a tratar da questão da “doutrinação ideológica” afirmando que: “É fato notório que professores e
autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos
estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de
julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados
por seus pais ou responsáveis.”
372
Uma justificativa comum dada por Nagib para legitimar os princípios do “Programa Escola Sem Partido”
seria que todos os elementos listados nesse artigo já se encontram presentes na legislação brasileira, tanto
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, como na Constituição Federal, e em tratados
internacionais de direitos humanos ao qual o Estado brasileiro adere como o Pacto de San José da Costa
Rica (NAGIB, 2016) e até mesmo o Código de Defesa do Consumidor (NAGIB, 2013).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
875
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
876
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
877
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
deve ser neutro pois ele não deve assumir a função de difundir valores. Tal função deveria
caber somente às instituições entendidas como fundadoras da formação dos indivíduos: a
família e a igreja. Contudo, tal discurso não torna o Estado neutro, mas reprodutor das
relações de desigualdades sociais e violências que pautam tanto a família e a igreja quanto
a sociedade como um todo. Impedir esse diálogo entre questões da esfera privada com a
esfera pública implica em naturalizar esses problemas e impedir que sejam pensadas
soluções políticas para eles. Assumindo uma postura contrária a essa ótica conservadora,
em defesa da laicidade do Estado, Cunha (2014) toca em pontos semelhantes:
373
O autor define fundamentalismo como “percepção de que há uma verdade revelada que anula qualquer
possibilidade de debate” (p. 593). Miguel trata da influência mais recente das doutrinas religiosas
neopentecostais e católicas dentro da disputa pelo monopólio da moral e da verdade. Irei expandir o escopo
de análise usando o conceito de fundamentalismo do autor para tratar da influência religiosa ao longo da
história da educação brasileira.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
878
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
374
Dois exemplos são a política evangelizadora das sociedades indígenas promovidas pela Igreja Católica
concomitantemente ao processo de colonização portuguesa e o Regime do Padroado, autoridade que os
monarcas portugueses – e, após a independência, os imperadores brasileiros – possuíam para consagrar
membros da hierarquia eclesiástica.
375
Miguel Nagib, criador do MESP, já se pronunciou como favorável ao ensino religioso de caráter
confessional em escolas. Cf. “Ministério busca equilíbrio para abordagem de gênero na base curricular”.
Undime. Disponível em <https://undime.org.br/noticia/09-06-2017-13-33-ministerio-busca-equilibrio-
para-abordagem-de-genero-na-base-curricular>. Acesso em 6/7/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
879
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
880
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
consolidou uma narrativa onde “ideológico” se tornou sinônimo para toda inserção dessas
supostas ameaças nas relações de ensino-aprendizagem que violaria os limites entre
escola e família, promovendo uma subversão da moral.
A teórica para essa interpretação pode ser extraída de Braulio Porto de Matos,
professor de sociologia da educação pela Universidade de Brasília (UnB) e vice-
presidente do MESP. Durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados, Matos
apresentou aquilo que se pode considerar como o mais próximo de uma definição oficial
do movimento para o conceito de ideologia. Segundo Matos, após “uns trinta anos de
estudo para chegar a essa definição”, a conclusão que teria formulado a respeito do
conceito determina que ideologia seria “Um discurso ficcional e simplista que se
apresenta como verdade a ser assegurada em última instância pelo controle total do poder
governamental” (MATOS, 2015, p. 3). Daí se deduziria a existência de uma “doutrinação
marxista” ou de uma “ideologia de gênero” promovidas por professores; um movimento
com vistas a tomar o Estado através da escolapara difundir visões únicas a respeito de
assuntos políticos ou falsidades sobre como identidades de gênero e orientações sexuais
se manifestam – leia-se, tudo que foge da lógica dos padrões comportamentais e
discursivos tido como normas (orientação heterossexual, identidade cisgênero) é tratado
como suspeito de doutrinário.
Assim, o Estado deve ser ideologicamente neutro, como determina o anteprojeto,
para evitar que essa barreira entre espaço dos valores familiares não seja violada pela
atuação estatal na educação dos indivíduos. A ideia de que essa tão estimada neutralidade
não pode ser alcançada, uma vez que tornar o modelo moral padrão a regra a ser seguida
e nunca questionada é, por si só, assumir um posicionamento ideológico não entra em
questão.
881
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
882
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
883
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5. FONTES
884
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
6. BIBLIOGRAFIA
_____. O Legado da ditadura para a educação brasileira. Educação & Sociedade, v. 35,
2014.
_____; OLIVA, Carlos Eduardo. Sete teses equivocadas sobre o Estado Laico. In
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ministério Público em Defesa
do Estado Laico (volume 1). Brasília: CNMP, 2014, pp. 205-227.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In LOPES,
Eliana Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive.
500 anos de educação no Brasil. 2ªed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, pp. 135-224.
885
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MATOS, Braulio Tarcísio Porto de. Doutrinação política e ideológica nas escolas. Escola
Sem Partido, 2015.
Disponível em:
http://www.escolasempartido.org/images/braulio. Acesso em 08/04/2017
NAGIB, Miguel. Caso Sigma. Escola sem Partido, 2011, Disponível em:
http://www.escolasempartido.org/sindrome-de-estocolmo/114-caso-sigma. Acesso em
08/04/2017.
_____. Juristas confundem liberdade de ensinar com liberdade de expressão. Escola sem
Partido, 2016. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/artigos-top/591-juristas-
confundem-liberdade-de-ensinar-com-liberdade-de-expressao. Acesso em 05/04/2017.
_____. Professor não tem direito de fazer a cabeça do aluno. Conjur, 2013. Disponível
em: http://www.conjur.com.br/2013-out-03/miguel-nagib-professor-nao-direito-cabeca-
aluno. Acesso em 05/04/2017.
886
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
EDE C. B. CERQUEIRA
PPGHCS – COC/Fiocruz
CAPES
887
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
projetos defendidos por estes atores sociais serão aqui analisados a partir de dois aspectos:
por um lado, as propostas teóricas-analíticas que defendiam, inspiradas em tendências
diversas da medicina, como a organicista, a psicossocial e a psicossomática; por outro, os
esforços para a constituição e desenvolvimento de instituições – associações científicas,
revistas, e também eventos como os congressos regionais. Trata-se aqui da análise dos
espaços de discussão nos quais circulavam ideias sobre problemas específicos
enfrentados pela psiquiatria na América Latina, os quais serviam também para a própria
divulgação dos modelos teóricos-analíticos que defendiam, frente a outros propagados
por grupos diversos de médicos e psiquiatras latino-americanos.
888
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
889
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
890
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
presidente, Flamínio Fávero como secretário geral, Pedro Augusto da Silva e Fernando
O. Bastos como secretários376 (RMLC, 1942, p. 86).
Por meio da influência de membros deste grupo, como os brasileiros Pacheco e
Silva, H. Veiga de Carvalho e o colombiano Uribe Cualla, a revista Neurônio e a
Academia Latino-Americana, desde a sua fundação, mantiveram uma longa e sólida
relação com o Instituto de Medicina Legal da Colômbia até a década de 1960, quando a
revista do Instituto passou inclusive a assumir a função de órgão oficial da Academia.
O segundo projeto identificado até o momento foi iniciado em 1948, com a criação
da Associação Latino-Americana Pró-Saúde Mental. Neste mesmo ano, foi realizado, em
Londres, o primeiro Congresso Internacional de Saúde Mental, cuja temática principal foi
“Saúde mental e cidadania mundial” (RMLC, 1959, p. 22). A comissão organizadora
deste congresso foi composta por 25 membros, dentre eles: Oswaldo Camargo-Abib,
superintendente do serviço de saúde mental do estado da Bahia; Otto Klineberg, professor
de psicologia da Universidade de Columbia; Lawrence K. Frank (presidente da
comissão), diretor do Instituto Caroline Zachry, em New York; Margaret Mead, Curadora
no Museu Americano de História Natural, New York; Harry Stack Sullivan, diretor da
Escola de Psiquiatria de Washington, dentre outros (CSM, 1948, p. 4).
Esta comissão reunia profissionais com experiências em diversas áreas, como
psicologia educacional, social e industrial; sociologia; assistência social psiquiátrica;
psiquiatria e psicanálise; filosofia; teologia; antropologia cultural; ciência política;
pesquisa médica e administração médica e geral, o que teoricamente lhe atribuía um
caráter multidisciplinar. Os três principais eixos de discussão propostos pela comissão
376
Como vogais dos países membros temos: José Belbey da Argentina; Leonídio Ribeiro do Brasil; Arturo
Vivado do Chile; Guillermo Uribe Cualla da Colômbia; Israel Castellanos de Cuba; Angel Viñán do
Equador; J. Gómez Robleda do México; Cándido A. Vasconsellos do Paraguai; C. A. Bambarén do Perú;
J. M. Estapé do Uruguai. Como membros honorários foram declarados: A. Austregésilo, Afranio Peixoto;
Henrique Roxo; Henrique Tanner de Abreu; Arturo Ameghino, Francisco de Veyga; Leonidas Avendaño;
Mariano R. Castex e Nerio Rojas (RMLC, 1942, p. 86).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
891
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
preparatória para os congressistas foram: “O que é saúde mental”; “O que constitui uma
boa sociedade”; e o “O que é cidadania mundial” (CSM, 1948, p. 4). Neste mesmo
congresso foi criada a World Federation for Mental Health, que seria uma continuação
do Comitê Internacional de Higiene Mental, criado em 1919, inspirado no exemplo do
Comitê Nacional de Higiene Mental dos Estados Unidos, fundado dez anos antes. Estes
dois comitês de higiene mental impulsionaram a criação de Ligas de Higiene Mental a
partir da década de 1920 em países europeus como a França, Espanha e Inglaterra
(ECHAVARRÍA, 2013, p. 37), e também na América Latina.
A realização do citado Congresso Internacional de Saúde Mental, associado à
fundação da World Federation for Mental Health, foram fatos decisivos para a criação da
Associação Latino-Americana Pró-Saúde Mental, naquele mesmo ano de 1948. Esta
associação foi responsável pela organização de congressos latino-americanos de saúde
mental, que ocorreram primeiramente em São Paulo (1954) sob a presidência de Antonio
C. Pacheco e Silva, depois em Buenos Aires (1956), dirigido por Nerio Rojas, seguido do
de Lima (1958), que foi organizado por Honório Delgado. As edições seguintes
ocorreram Santiago do Chile (1960), Caracas (1963) e novamente Buenos Aires (1966).
No terceiro congresso, sediado em Lima, em 1958, participaram delegados de 15
países da América Latina, e “observadores dos EUA, Canadá e Federação Mundial de
Saúde Mental”, cujo diretor no período era o psiquiatra chileno Carlos Nassar (Revista
de Medicina Legal da Colômbia – RMLC, 1959, p. 40). Nesta ocasião, Honório Delgado,
enquanto presidente do congresso, enfatizava a importância do estudo e debate das
“estatísticas de adoecimento mental em áreas urbanas e rurais; dos problemas de saúde
mental dependentes da migração; das causas da intoxicação crônica; da relação entre
trabalho e saúde mental e também da organização e problemas sociais da comunidade”.
Diferente dos congressos de psiquiatria, estavam excluídos do programa de apresentações
daquele evento temas que tratassem do adoecimento mental do indivíduo e da assistência
aos enfermos mentais (RMLC, 1959, p. 22-23). Para Delgado, a relevância dos temas do
congresso estava no fato de que estes versavam “sobre o aspecto coletivo da saúde
mental” e sobre as condições de vida em uma “sociedade moderna que se [agravavam]
cada vez mais desde começos do século passado ao extremo que sua influência [fosse]
892
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
decisiva para dar fisionomia peculiar a humanidade atual”. Questões que para ele ainda
eram preteridas pela psiquiatria em geral.
Delgado fazia uma relação direta entre os cuidados de saúde mental com a
medicina em geral, observando que só com os avanços no tratamento e profilaxia em
doenças como a sífilis e outras enfermidades infecciosas se alcançou a redução de
determinados problemas mentais decorrentes destas patologias. Ele ressaltava que
“mesmo que a psiquiatria em seus métodos clínicos, sociais e experimentais tenha a
direção do trabalho científico e dos serviços em todo o âmbito da saúde mental”, esta já
não pode resolver sozinha todos os problemas que envolvem as questões referentes a
saúde mental de uma comunidade. Para ele era “central pois uma empresa de colaboração
multiprofissional” que envolvesse desde médicos e funcionários de hospitais até
psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, juristas, educadores e sacerdotes (Delgado, H.
RMLC, 1959, p. 24-25). Percebemos neste grupo uma influência da higiene mental,
atrelada à defesa do que eles denominam de “psico-higiene” como ação fundamental para
o pleno desenvolvimento da saúde mental e da saúde pública em geral.
Um terceiro grupo, que foi formado a partir do início dos anos de 1950, reunia
psiquiatras que buscavam a constituição de um projeto específico de psiquiatria voltado
para o estudo e tratamento dos problemas nervosos e mentais dos latino-americanos,
levando em consideração questões pertinentes ao seu “meio social”. Esta psiquiatria
deveria ser desenvolvida por psiquiatras latino-americanos e para latino-americanos,
mesmo que os primeiros apresentassem fortes influências norte-americanas e europeias.
O projeto de constituição de uma psiquiatria latino-americana desenvolvido por este
grupo de psiquiatras, ao defender a indivisibilidade entre mente, corpo e meio social,
considerava que os postulados teóricos e tratamentos psiquiátricos não poderiam basear-
se em categorias universais estanques, mas, pelo contrário, deveriam ser condizentes com
problemas específicos locais que afetavam o indivíduo dentro do seu ambiente familiar,
de trabalho e político-social mais amplo.
893
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A análise desenvolvida até o momento possibilita afirmar que fizeram parte deste
grupo médicos psiquiatras como Gregório Bermann (Argentina), Cláudio de Araújo Lima
(Brasil), Carlos Alberto Seguín (Peru), Jorge Thenon (Argentina), José Bleger
(Argentina) e José Angel Bustamante (Cuba). Dentre os membros do grupo citado,
analiso brevemente nesta comunicação a participação de dois psiquiatras, o argentino
Gregório Bermann e o brasileiro Cláudio Araújo Lima, na idealização deste projeto de
constituição de uma psiquiatria latino-americana.
Bermann e Araújo Lima foram os editores fundadores da Revista Latino-
Americana de Psiquiatria, criada em 1951 com sede dupla em Córdoba e Rio de Janeiro,
e que circulou até 1954 (VEZETTI, 2016, s.p.). Bermann já possuía experiência na
editoração de uma revista especializada, pois havia criado, em 1936, a Revista
Psicoterapia, que publicou apenas quatro edições antes de sua viagem para a Espanha,
para lutar na Guerra Civil. Esta revista apresentava um programa que ampliava a
utilização da psicoterapia para além da técnica, incluindo uma função política progressista
de renovação da psiquiatria (PLOTKIN, 2001: 26-27).
Bermann, além de obras mais específicas de psiquiatria como Psicogénesis de la
locura moral, Nuestra psiquiatría e La salud mental y la asistencia psiquiátrica en
Argentina, publicadas entre as décadas de 1930 e 1960, também escreveu trabalhos
focalizando temas mais amplos como a questão do conhecimento, das ciências, da
reforma universitária e dos problemas políticos e sociais argentinos e latino-americanos
(CELENTANO, 2004).
Araújo Lima, assim como Bermann, publicou tanto sobre psiquiatria como sobre
questões políticas e sociais da época. Entre os anos de 1930 e 1960, ele escreveu livros
relacionados à psiquiatria clínica, como Ensaios de psicologia médica (1959); biografias
psicológicas, como Plácido de Castro, um caudilho contra o imperialismo (1952) e Mito
e realidade de Vargas (1955); e ensaios que buscavam combinar psicologia, sociologia e
política, como Imperialismo e angústia, com o subtítulo de “ensaio sobre as bases de uma
sócio-psiquiatria da classe média brasileira na era imperialista” (1960), dentre outros.
Como citado anteriormente, a Revista Latinoamericana de Psiquiatria (RLAP),
criada em 1951, por Bermann e Araújo Lima, contou com a participação em sua
constituição de psiquiatras de vários países da América Latina, como Honório Delgado
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
894
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(Peru), por um breve período, Carlos Alberto Seguín (Peru), Jorge Thenon (Argentina);
José Bleger (Argentina) e José Angel Bustamante (Cuba), dentre outros. Em seu editorial
de lançamento a revista foi apresentada por seus diretores como um “empreendimento de
solidariedade científica e humana”, que pretendia “abstrair as fronteiras nacionais, visto
como os graves problemas de saúde mental” já não podiam “ser enfrentados pelas equipes
científicas de um único país”. Os editores destacavam o fato de que, mesmo com a
multiplicação dos congressos e conferências internacionais, “os estudiosos de cada país
ou região ainda [permaneciam] solitários, consumindo-se em esforços as vezes estéreis”.
E reforçavam que “apesar de nossa origem comum e de um evidente destino comum,
permanecemos hoje quase tão fragmentados e isolados como nos tempos coloniais, por
absurdos motivos que não são precisamente o dos seus homens de ciência”. Neste
contexto, acreditavam Bermann e Araújo Lima, “a RLAP, de âmbito continental, com
espirito americano e universal, será o ponto de confluência dos esforços particulares para
uma obra de progresso científico e social, que impõe a ação conjugada e solidária”
(RLAP, 1951, p. 5-6).
Em seu programa a Revista procurava uma aproximação com outras disciplinas
científicas tais como a Psicologia, Psicopatologia, a Antropologia cultural e a Sociologia,
como forma de contribuir para o “descobrimento e aperfeiçoamento do Homem
Americano, tarefa que implica tanto maior responsabilidade quando se trata de uma época
de crise e de um século em efervescência criadora” (RLAP, 1951, p. 6). Para efetiva
realização de tal tarefa, eles consideravam de fundamental importância, no campo da
psiquiatria, “compreender o homem e suas perturbações mentais, dentro de sua época e
de seu meio”, caracterizando como um grave erro, “sobretudo entre os médicos,
considerar separadamente o homem e a sociedade”. Assim eles defendiam a tese de que
“o indivíduo é sempre o membro de sua família, do seu ambiente, da sua coletividade, da
sua nação, do seu mundo” (RLAP, 1951, p. 5-6) e deveria ser assim compreendido frente
a uma “realidade complexa, rica, unitária e, ao mesmo tempo incessante, que é a América,
que é o Mundo” (RLAP, 1951, p. 7).
As preocupações de Bermann e Araújo Lima apresentadas no editorial da RLAP,
relacionadas à efetivação de projetos coletivos entre psiquiatras latino-americanos, eram
compartilhadas por outros praticantes desta especialidade em países da América Central,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
895
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
do Sul e Caribe. Entre estes, podemos citar o cubano José Ángel Bustamante, que, em
1945, foi nomeado médico chefe do Hospital Psiquiátrico de Mazorra e, neste mesmo
ano, viajou por todos os países da América Latina, como representante do Colegio Médico
Nacional, com o objetivo de convocar um congresso a realizar-se em Havana. Neste
congresso, ocorrido em 1946, foi criada a Confederación Médica Panamericana, na qual
Bustamante ocupou os cargos de secretário geral, diretor da revista e, em 1948, presidente
(BAYARDO; MALPICA; LARA, s.d., pp. 219-220).
Após a realização do I Congresso Mundial de Psiquiatria, em Paris, no ano de
1950, Bustamante, juntamente com alguns dos psiquiatras latino-americanos377 que se
encontravam descontentes com os encaminhamentos discutidos neste evento, passou a
trabalhar em prol da criação de uma associação de psiquiatras latino-americanos. A
inquietação destes psiquiatras baseava-se no fato de que naquele certame os problemas
referentes à América Latina, assim como de outras regiões do mundo, estavam sendo
discutidos sob uma perspectiva europeia, o que limitaria sua aplicação, ao mesmo tempo
que marginalizava o conhecimento desenvolvido localmente. No ano seguinte à
realização do congresso, o mexicano Raúl González Henriquez viajou pela América do
Sul para promover a ideia da criação de uma associação que reunisse psiquiatras latino-
americanos, e criou juntamente com Bustamante e o peruano Carlos Alberto Seguín o
Grupo Latinoamericano de Estudios Transculturales (Gladet) (BAYARDO; MALPICA;
LARA, s.d., pp. 219-220).
Porém, as primeiras iniciativas em prol da constituição da associação foram
interrompidas por alguns anos com o falecimento de González Henriquez, em 1952. Em
1958, quando da realização do III Congresso Latino Americano da Saúde Mental, sediado
em Lima, ocorreu uma reunião cujo objetivo era informar sobre o processo de
constituição da APAL, reunião que foi presidida por José Bustamante, A. C. Pacheco e
Silva e Carlos A. Seguín, como membros do comitê de constituição da Associação. Nesta,
os citados médicos relataram os avanços alcançados pelo comitê de organização da
instituição no sentido de conseguirem a adesão de vários países à associação. Na ocasião
o dr. Uribe Cualla, enquanto representante da Sociedade de Psicopatologia, Neurologia e
377
Estavam presentes neste evento José A. Bustamante, A. C. Pacheco e Silva, Carlos A. Seguín, Gregório
Bermann, Honório Delgado, Carlos César General, Aníbal da Silveira, dentre outros.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
896
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
897
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES
898
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SITES
“Historia de APAL”.
Disponível em http://designfromnow.com/apal/historia-de-apal. Consultado em
27/10/2016.
899
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
900
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
378
Biografia retirada do sítio do autor <http://www.miacouto.org>. Acesso em 24 de junho de 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
901
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sua obra é composta por poemas, romances, crônicas e uma vasta produção de
contos publicados em diversos livros, entre eles Vozes Anoitecidas (1986), Cada Homem
é uma Raça (1990), Estórias Abensonhadas (1994). Interessa-nos aqui seus contos, por
se tratar de gênero que atrai mais aos jovens estudantes pela sua aceleração no desenrolar
da narrativa do que o gênero romance por exemplo. Far-se-á uma seleção de contos dos
seguintes livros do autor: Estórias Abensonhadas (1994), Contos do Nascer da Terra
(1997) e O Fio das Missangas (2003). Também analisaremos algumas crônicas do autor
presentes no livro Cronicando (1998). Ao longo do andamento da pesquisa outros de seus
livros poderão ser incluídos.
O tempo, nas narrativas de Mia Couto, tem um lugar privilegiado, não apenas
como estruturador das narrativas, mas também como tema. Em um dos capítulos de seu
romance Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, por exemplo, encontramos a
seguinte epígrafe: “O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda, basta o tempo”
(COUTO, 2003, p. 123). Outros títulos de seus contos chamam atenção: A menina de
futuro torcido, O dia em que fuzilaram o guarda-redes, O dia em que explodiu Mabata-
bata, O ex-futuro padre e sua pré-viúva, Nas águas do tempo, O bebedor do tempo, A
última chuva do prisioneiro.
Mia Couto trabalha o tempo enquanto tema de forma sutil, levando o leitor a
pensar e sentir o tempo de formas não convencionais. No conto A menina de futuro
torcido, um pai pensa no “futuro” dos filhos: “Joseldo pensou na sua vida, seus doze
filhos. Onde encontraria futuro para lhes distribuir? Doze futuros, onde?” Já no conto O
fio e as missangas, dois homens dialogam sobre a passagem do tempo e a memória:
Além da temática temporal, Mia Couto lida em suas obras com temas sociais como
o processo de independencia de seu país, a guerra, a fome, a pobreza; mas também as
diversidades culturais, as dinamicas sociais, as culturas em movimento. Traços que
902
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
podemos perceber nos seguintes trechos dos contos Sangue da avó, manchando a alcatifa
e As medalhas trocadas, respectivamente:
Transcrevo agora uns capítulos da vida de Zeca Tomé, homem de mais acaso que
destino. Estava ele no embalo da sua inocência quando chegou a notícia: por feitos de
bravura ia ser condecorado. Zeca riu-se: eu? Sim, ele proprioíssimo. Medalhado no Dia
da Raça. Zeca desdenhou. Ele, sempre esquecido, por que motivo seria agora
maisprezado? Explicaram: é o senhor administrador que está-te chamar, precisa de você
no tal dia, o exacto dez de Junho.
903
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
904
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O segundo conto nos traz a história de Zeca Tomé que, por engano, foi
condecorado por “feitos de bravura” pelo major português, figura que representava o
poder do colonialismo português. Tempos sucederam-se, dobraram-se calendários, a
independência havia chegado e desta vez quem homenageia o camarada Zeca Tomé são
os socialistas, aliados naturais.
Pretendemos, através da leitura e análise destas narrativas, em conjunto com
alunos da educação básica, trabalhar as relações temporais e concepções de tempo que
podem permear o pensamento das diversas culturas locais de Moçambique neste
período determinado. O grande contexto social pós-independência de Moçambique é o
cenário onde os personagens de Mia Couto nos narram suas vidas, muitas vezes, em
momentos de tensão com o poder instituído. Possibilitando, assim, o estudo de diversas
formas de experiências temporais em diálogo com a forma própria do aluno de se
relacionar com seu próprio tempo.
O presente trabalho visa contribuir para o ensino de temporalidades no ensino de
história, por meio da utilização e análise de narrativas de ficção tradicionais, produzidas
em sociedades africanas, afim de, através de um estudo comparativo de experiências
temporais humanas diversas, ampliar o potencial de compreensão das relações temporais
estabelecidas pelos alunos. A fim de que o aluno possa desenvolver habilidades para
compreender e questionar o momento presente, a investigação do que chamamos passado
e as relações que mantemos com ele, faz-se imprescindível.
Afastamo-nos de visões eurocêntricas, baseadas, por exemplo, no conceito de
progresso, que consideram o tempo em África ahistórico, como o fez no século XIX o
filósofo alemão Friedrich Hegel em Filosofia da História. Segundo o historiador Joseph
K. Adjaye (ADJAYE, 1994), somente nas últimas quatro décadas a escrita sobre a África
deixou de ser feita por outsiders não-africanos, os quais detinham muito pouco
conhecimento do continente e suas sociedades. Em consequência, suas concepções sobre
o continente foram permeadas por noções preconcebidas, preconceitos, hipóteses
eurocêntricas, das quais desejamos nos afastar, e ao mesmo tempo proporcionar novas
visões sobre o continete.
Em atenção à afirmação e aplicação da lei 10.639/2003 no ensino de História,
vista como produto das demandas de setores sociais que disputam memórias no âmbito
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
905
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O negro africano estabelece uma ligação entre história e língua. Essa visão é
comum ao bantu, ao ioruba e ao mandinga. (...)O que favorece a ligação entre
história e linguagem na tradição dos povos da África negra é a concepção que esta
em geral conservou dos dois fenômenos. Tal concepção identifica,
espontaneamente, pensamento e linguagem e encara a história não como uma
ciência, mas como um saber, uma arte de viver.
906
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
907
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para o filósofo, os gêneros histórico e literário são unidos pela conexão lógica do
tecer da intriga. A explicação histórica mantém laços com a narrativa de ficção, na medida
em que faz igualmente uso da imaginação, operando, dessa forma, com um registro de
objetividade marcado pela incompletude, compensada pela mediação da subjetividade:
“a intencionalidade histórica só se efetua incorporando à sua intenção os recursos de
ficcionalização que dependem do imaginário narrativo”. Ricoeur não tem dificuldade em
mostrar que agentes históricos se apresentam como ‘quase-personagens’, verdadeiros
atores das intrigas nas quais estão envolvidos, portadores de ideias, sentimentos, sonhos
e projetos, protagonizando, como agentes ou pacientes, diferentes tipos de ações e de
realizações (GABRIEL, 2012).
A teoria hermenêutica de Ricoeur, permite-nos tratar as narrativas de ficção como
um quase-passado, já que os acontecimentos contados numa narrativa de ficção são fatos
passados para a voz narrativa. “Fala uma voz que narra o que, para ela, ocorreu. Entrar
na leitura é incluir no pacto entre o leitor e o autor a crença de que os acontecimentos
narrados pela voz narrativa pertencem ao passado dessa voz.” (RICOEUR, 2010)
Desta forma, utilizaremos a teoria hermenêutica de Paul Ricoeur para
compreender como se dá a construção da dimensão temporal na narrativa. Acreditando
no entendimento da narrativa como uma estrutura temporal e para uma reflexão sobre a
aprendizagem e orientação temporal de alunos, consideramos válido investigar outras
formas de experiências temporais em culturas diversas.
DOCUMENTAÇÃO
COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
______. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
908
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
ADJAYE, Joseph K. Time in the black experience. Westport: Greenwood Press, 1994.
ALBUQUERQUE Jr, Durval M. de. “Fazer defeitos nas memórias: para que servem o
ensino e a escrita da história?” In: GONÇALVES, Marcia; ROCHA, Helenice; REZNIK,
Luis, MONTEIRO, Ana Maria (org). Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV,
2012.
CHAVES, Rita, LEITE, A. M.; APA, L. (Org.). Nação e narrativa pós-colonial I. 1. ed.
Lisboa: Colibri, 2012.
___________.; CABAÇO, José Luís; MACÊDO, Tania (Org.). Via Atlântica. 21. ed. São
Paulo: ECLLP / USP, 2012.
909
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
____________. “Cultura histórica nas tramas da didatização da cultura escolar (ou Para
uma outra definição de didática da história).” In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES,
Marcelo; GONTIJO, Rebeca (orgs.). O ensino de história em questão: cultura histórica,
usos do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2015.
___________. “Que passados e futuros circulam nas escolas de nosso presente?” In:
GONÇALVES, Marcia; ROCHA, Helenice; REZNIK, Luis, MONTEIRO, Ana Maria
(org). Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.
MATTOS, Regiane Augusto de; PEREIRA, Matheus Serva; GOMES, Carolina (Org.).
Encontros com Moçambique. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016
M’BOKOLO, Elikia. A África negra. História e civilizações do século xix aos nossos
dias. 2. ed. Tomo ii. Lisboa: Edições Colibri, 2007.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Volume 3.
SILVA, Ana Cláudia da. O rio e a casa: Imagens do tempo na ficção de Mia Couto. São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
_____________. “Um mergulho “nas águas do tempo”, de Mia Couto”. Vertentes &
Interfaces I: Estudos Literários e Comparados. Fólio – Revista de Letras. v. 3, n. 2.
jul./dez. 2011.
Disponível em<http://periodicos.uesb.br/index.php/folio/article/view/618>
910
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O meu samba está de luto: a narrativa da imprensa carioca sobre a morte dos
compositores populares Sinhô e Noel Rosa
911
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
evidencia ainda a causa da sua convalescença: a tuberculose. Essa é uma rara notícia em
que o nome da doença aparece publicado. “[...]as pessoas ainda lhe evitam o nome.
Chamam-na de "doença", "queixa do peito", "fininha", "seca", "tísica", "magrinha",
"delicada", toda sorte de eufemismos para não lhe mencionarem o nome certo”
(MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 459).
Com o título ‘A margem da vida’, o Jornal do Brasil segue mesma linha e destaca
a impotência física do sambista diante da doença. “Era muito magro, encovado e triste,
cuja alma formosa, risonha e cantante vivia em perene contraste com a sombria carcaça
que o encerrava” (JORNAL DO BRASIL, 9/8/1930, p. 6). A notícia segue, relatando a
situação de miserabilidade e abandono do artista. “Esse violeiro, conhecidíssimo em
todos os recantos desta terra morreu pobre, abandonado até a derradeira hora compôs e
entoou seu derradeiro canto” (JORNAL DO BRASIL, 9/8/1930, p. 6).
A tosse não cedia. O estado de saúde do sambista somente fazia agravar-se com a
ingestão contínua de cachaça como prática terapêutica. Sinhô percebia a derrota frente à
doença e se queixava para os amigos sobre as dificuldades consequentes da deterioração
física a que era vitimado. A voz afônica por causa dos acessos de tosse era uma das suas
queixas, como retrata artigo publicado no jornal Correio da Manhã:
379
A grafia original das palavras será preservada na reprodução dos textos jornalísticos selecionados.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
912
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O curto diálogo aponta para aspectos comuns a quem vivia o cotidiano desgastante
de enfrentamento da tuberculose. A busca por melhores ares era prática terapêutica
recorrente para os que podiam pagar por ela. Não era o caso de Sinhô. No início da década
de 30 multiplicavam-se sanatórios e clinicas para tratamento de tuberculosos,
multiplicavam-se também os anúncios desses locais nos jornais, publicados diariamente.
O redator traça ainda um perfil de infelicidade, desassossego e desesperança do
compositor, apontando na tosse e na rouquidão suas queixas da vida e os sinais de
esgotamento. O diálogo termina com o sentimento de pena e a constatação de que o rei
do samba já não pode ser ajudado: coitado do Sinhô.
Ao tísico não lhe era dado o direito de ser feliz. “A recuperação da saúde e a
felicidade não rimavam com a vida infectada” (BERTOLLI FILHO, 2001, p. 111). A
edição do jornal Correio da Manhã, de 5 de agosto de 1930, sugere que Sinhô havia
abandonado as medidas tradicionais de tratamento da doença, e seguia frequentando
locais públicos, não recomendado para os convalescentes em busca de recuperação. Sinhô
mantinha-se fiel ao mesmo estilo de vida que o havia elevado à condição de rei. O nome
da doença é omitido do texto, mas o redator deixa um ar de mistério a evocar a luta de
Sinhô contra algo que não se pode vencer. A menção ao aspecto físico aparece novamente
e completa o texto do obituário:
A magoa despertada não deixava, realmente, de ter sua razão, pois que,
mesmo não sendo de compleição robusta e estando até atacado de
enfermidade incurável, mesmo assim era visto o Sinhô,
constantemente, nos logares frequentados por gente sadia, nas rodas de
bohemia, nos theatros, nas festas. (CORREIO DA MANHÃ, 5/8/1930,
p. 3).
913
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
380
Gravado em novembro de 1928. Disco Odeon 10278.
381
Mário Reis nasceu no Rio de Janeiro em 31/12/1907 e foi um dos principais intérpretes das canções de
Sinhô, tendo sua estreia fonográfica em 1928, em disco da ODEON, gravando duas músicas de Sinhô.
Faleceu em 5/10/1981.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
914
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam
bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros,
donas de rendez-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, macumbeiros (lá
estava o velho Oxunã da Praça Onze, um preto de dois metros de altura
com uma belida num olho), todos os sambistas de fama, os pretinhos
dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito,
mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas...
382
Localizado na rua Frei Caneca, 94 – Centro do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
915
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Essa gente não se veste toda de preto. O gosto pela cor persiste
deliciosamente mesmo na hora do enterro. Há prostitutazinhas em
tecido opala vermelho. Aquele preto, famanaz do pinho, traja uma
fatiota clara absolutamente incrível. As flores estão num botequim em
frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente.
(BANDEIRA, 1966, p. 11).
383
Benedito Manos Mergulhão nasceu no Rio de Janeiro, em 21/5/1901. Foi jornalista e deputado federal.
384
Grupo musical formado em 1929, no bairro de Vila Isabel, por Carlos Alberto Ferreira Braga
(Braguinha), Álvaro de Miranda Ribeiro (Alvinho), Henrique Brito, Henrique Fôreis Domingues
(Almirante) e Noel Rosa.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
916
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de Noel Rosa, colocando-o no mesmo patamar Sinhô e Canuto,385 que morreu vitimado
também pela tuberculose. “Depois de Sinhô e Canuto, foi a maior individualidade que
floresceu no mundo da música popular brasileira!” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 6/5/1937,
p. 8).
Noel Rosa morreu aos 26 anos, no dia 4 de maio de 1937, no “chalé modesto” 386
da sua família, localizado na rua Theodoro Silva 392, em Vila Isabel. “A cidade chora,
nesta noite, o desapparecimento do expoente máximo do sambista carioca e um dos mais
interessantes poetas modernos” (A NOITE, 5/5/1937, p. 1). A Gazeta de Notícias noticia
a morte do compositor como sendo o cumprimento da “profecia da música que todos os
vadios já espalharam pela cidade” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 5/5/1937, p. 4).
Dias antes, o sambista voltava de seu refúgio terapêutico em Piraí, cidade serrana
do Rio de Janeiro. Ainda buscava a cura da sua moléstia nos bons ares recomendados. A
edição de A Noite lembra também da sua derradeira tentativa de recuperação na cidade
serrana do Rio de Janeiro. “Parecia que o scenario fôra por elle próprio preparado, armado
quando no longínquo Pirahy, há dias, apenas, e onde fôra buscar illusoriamente melhoras”
(A NOITE, 5/5/1937, p. 9). A notícia segue falando da sua temporada em Piraí, dizendo
que “aggravara-se o seu mal. Noel foi para Pirahy. Mas sentiu saudades da sua Vila Isabel.
Escreveu a sua mãe. Queria voltar. Que Deus tomasse conta dele como já tomara do seu
destino” (A NOITE, 5/5/1937, p. 9).
O jornal volta a falar das tentativas de recuperação de Noel Rosa, em Belo
Horizonte e Piraí, na capa da edição de 6 de maio de 1930: “Por duas vezes, ultimamente,
fôra elle, á prescrição médica, para fora do Rio. A moléstia, entretanto, espreitava, apenas,
uma opportunidade” (A NOITE, 6/5/1937, p. 1). Na mesma notícia, o jornal aponta no
modo de vida do compositor o agravante do fim precoce. “Bohemio incorrigível.
385
Deocleciano da Silva Paranhos, sambista e parceiro musical de Noel Rosa em duas composições: ‘Eu
agora fiquei mal’ e ‘Esquecer e perdoar’, gravadas pela Parlophon, em 1931. Morreu de tuberculose em
27/11/1932.
386
O “chalé modesto” em que Noel Rosa viveu com a família inspirou os versos do samba ‘Só pode ser
você (Ilustre Visita), composto em parceria com Vadico, em 1935, e gravado em agosto de 1936, por Aracy
de Almeida. VICTOR (34.152A). Na época, com a tuberculose avançada, Noel passou uma temporada em
Belo Horizonte para mudar de ares e fugir da vida boêmia, algo que não aconteceu. “Compreendi seu gesto
/ Você entrou naquele meu chalé modesto / Porque pretendia / Somente saber / Qual era o dia / Em que eu
deixaria de viver / Mas eu estava fora / Você mandou lembranças e foi logo embora...”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
917
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Namorado das noites e das ruas, foi essa sua índole, em grande parte, responsável pelo
fim prematuro de seus dias” (A NOITE, 6/5/1937, p. 1).
Texto publicado em 6 de maio de 1937, no jornal A Noite, recorda a causa comum
da morte de Noel Rosa e Sinhô, utilizando o termo peste branca, como era também
conhecida a tuberculose. “Filho da geração de Sinhô, era um irmão do autor de Jura, que
também a peste branca carregou nos braços, numa noite sem lua” (A NOITE, 6/5/1937,
p. 4). E completa destacando a importância de ambos para a música popular: “A música
popular do Brasil pode ser dividida em dois períodos: antes de Sinhô e depois de Sinhô.
Depois de Sinhô, foi Noel Rosa” (A NOITE, 6/5/1937, p. 4). Uma passagem do livro
Noel Rosa: uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier, conta que o jovem sambista,
quando ainda estudante do colégio São Bento, foi até a Ilha do Governador para conhecer
seu ídolo Sinhô, e muitas outras vezes depois o encontrou, acompanhando o seu
definhamento físico, seguia o mesmo destino.
Sempre foi e ainda é grande a admiração de Noel por Sinhô, este mulato
alto, magro, desdentado, que mesmo em processo de visível decadência
física, os pulmões escravizados à tuberculose, não perde o aprumo.
Uma admiração tão grande que, tempos atrás, ainda no São Bento, Noel
convenceu Hélio a irem juntos conhecer de perto o célebre Rei do
Samba, então brilhando no carnaval, no teatro de revistas, nas festas
familiares, nos prostíbulos, nas gafieiras ou onde pudesse fazer ouvir os
seus sambas: Minha cabocla, a Favela vai abaixo, quanta saudade tu
terás deste torrão! Mas a visita de Noel e o irmão à casa de Sinhô
resultou em constrangimento e desencanto. (MÁXIMO, DIDIER, 1990,
p.117-18).
Noel Rosa pesava cerca de 40 quilos no momento de sua morte. Sete anos depois
de Sinhô, o Rio de Janeiro chorava novamente a perda de um dos seus mais notáveis e
criativos compositores populares. Já não era mais possível a recuperação. “Noel voltou a
esta capital para succumbir entre os desvelos de sua veneranda mãe e de sua esposa”
(CORREIO DA MANHÃ, 6/5/1937, p. 3), registra o Correio da Manhã, em 6 de maio
de 1937, reforçando a ideia da perda de autonomia do doente e o apoio do núcleo familiar.
Artigo assinado por Ariel, em A Noite, edição de 7 de maio de 1937, explora a tristeza, o
desgaste físico do compositor e a espera inevitável pelo fim do sofrimento: “Noel Rosa
morreu moço e triste, tossindo, curvando-se cada vez mais, até que a morte o acolheu” (A
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
918
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
387
Orestes Barbosa nasceu em 7/5/1893. Compositor, poeta, escritor e jornalista, era também de Vila Isabel
e estava ao lado de Noel Rosa no momento da sua morte.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
919
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
388
Rubem Barcellos, da velha guarda do Estácio, falecido em 1927.
389
Parceiro de Ismael Silva, nascido em 12/7/1899 e falecido em 8/9/1931. Seu maior sucesso foi a música
‘Se você jurar’, sucesso no carnaval de 1931.
390
Antenor Santíssimo de Araújo. Foi parceiro de Noel Rosa na música ‘Eu agora fiquei mal’, interpretada
por Canuto (ver nota 8). Os três morreram de tuberculose.
391
A Azul e Branco era uma das três Escolas de Samba do morro do Salgueiro. As outras se chamavam
Unidos do Salgueiro e Depois Eu Digo. Em 1953 houve a unificação dos integrantes da Azul e Branco e
da Depois Eu Digo, criando o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
920
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
breque, Luiz Barbosa392, faleceu da doença em 1938, como noticia a revista O Malho.
“Afastado há cerca de dois anos da atividade radiophonica, todo mundo sabia que os seus
dias estavam contados e que uma insidiosa enfermidade minava os alicerces de sua
existência” (O MALHO, 20/12/1938, p. 6). Outro falecido precocemente foi Cândido das
Neves393, aos 34 anos.
Famosos ou anônimos, o ponto comum entre os enfermos do show business
brasileiro foi a predileção pela vida boêmia. Diego Armus destaca fala do médico Nicolás
Lozano, dando conta que somado ao bacilo de Koch existiam também fatores médicos e
sociais que predispunham a tuberculose, como o alcoolismo, as habitações insalubres, a
má alimentação e os excessos de toda a natureza. Este saber médico-científico sobre
tuberculose foi responsável por classificá-la por longo tempo como uma “doença de
desgaste” (ARMUS, 2007, p. 173).
Entre os comportamentos de risco, a associação da tuberculose com o álcool
marcou praticamente todos os discursos sobre a degeneração. “O álcool chama a tísica e
a tísica o ajuda na negra tarefa de terminar o quanto antes com o bebedor. Ou bem a tísica
o empurra até o sepulcro e o álcool acelera o desenlace fatal” (ARMUS, 2007, p. 181). A
ligação da vida desregrada à tuberculose permitiu o aparecimento de vozes acusadoras de
que a responsabilidade sobre estar enfermo era do próprio paciente.
Esta leitura teve entre seus propagadores o médico alemão Georg Groddeck, que
julgava ser “o próprio homem que cria a sua enfermidade” e o psiquiatra norte-americano,
Karl Menninger, para quem “em parte, a doença é o que o mundo fez com a vítima, mas
numa extensão maior é o que a vítima fez com seu mundo e consigo mesma” (SONTAG,
1984, p. 31).
392
Cantor e compositor nascido em Macaé/RJ, em 7/7/1910 e falecido em 8/10/1938.
393
Compositor, filho de Eduardo das Neves, primeiro artista a gravar disco no Brasil. Nasceu em 24/7/1899
e faleceu em 4/11/1934. Entre suas composições, destaque para ‘Noite cheia de estrelas’, gravada por
Vicente Celestino.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
921
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES
922
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GAZETA DE NOTÍCIAS. A vida fora-lhe perenne verão, em que ele, Sinhô, - a cigarra
maravilhosa – extravasou toda a sua alma, tocando e cantando. Rio de Janeiro. 6/8/1930,
p. 8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABRAL, Sérgio. Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Cia Editora
Nacional, 2011.
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: Uma biografia. Brasília: Editora UNB,
1990.
NETO, Lira. Uma história do samba: vol. 1 (As origens). São Paulo: Companhia das
Letras, 2017.
923
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
924
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
925
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
926
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
927
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
religiosa. Esta informação consta no Diário Oficial - Projeto de Lei do Senado, número.
31 de 1974.
Em 1937, Édison Carneiro organizou o segundo Congresso Afro-Brasileiro
realizado em Salvador. O Congresso marcou sua atuação no campo do estudo das
religiões de matrizes africanas. Com o desdobramento do evento, ocorreu ainda em 1937,
a criação da União das Seitas Afro - brasileiras da Bahia, que foi dirigida pelo intelectual.
O objetivo da instituição era unir os pais de santo de terreiros de candomblé da Bahia na
luta pela liberdade religiosa. E em seu discurso de abertura, definiu seu objetivo:
Como observado por Parés, o Congresso Afro- Brasileiro liderado por Édison
Carneiro foi organizado com o objetivo de debater a liberdade religiosa, buscando o
reconhecimento dos candomblés. O autor observou que pais e mães de santo participavam
ativamente desses eventos com a intenção de chamar atenção da sociedade para a
necessidade de abolir a perseguição contra a prática religiosa de matriz africana:
928
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
929
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
assimilação foi adaptada, tornando-se uma segunda natureza dos fiéis. (CARNEIRO,
2008, pp. 50-51). O conceito de assimilação se aproxima da ideia de negociação. Se aqui
usarmos o texto de Edward Thompson, sobre “a venda das esposas”, é possível refletir
sobre a relação entre conflito e formação de identidades socioculturais, já que o autor
afirma que a cultura é ressignificada em meio a conflitos e negociações e proporciona a
construção de identidades. (THOMPSON, 1998, p. 64). Na análise da definição do
conceito de sincretismo segundo Édison Carneiro, busco chamar atenção para o fato de
que o autor lançou uma nova luz para explicar o fenômeno. E aqui retomo o pensamento
de Ferretti, pois o autor aponta que, na evolução dos estudos do sincretismo realizados
pelo antropólogo americano Melville Herskovits, o conceito pensado como aculturação e
harmonia simplesmente da escola culturalista, não deu conta de explicar sua
complexidade. E do mesmo termo, derivaram-se as ideias de acomodação e assimilação
como conflito. (FERRETTI, 2013, pp. 95-96). É da ampliação do conceito de sincretismo,
que está o posicionamento intelectual de Édison Carneiro para os candomblés nagôs.
Em Ladinos e Crioulos publicado em 1964 - Édison Carneiro, define o candomblé
nagô como aquele modelo religioso mais fiel ao povo de Iorubá. Para ele, entre todos os
povos chegados ao Brasil, os nagôs eram sem dúvida os portadores de uma religião mais
elaborada, mais coerente, mais estabilizada. A sua concentração na Cidade de Salvador,
os deu a possibilidade de conservar quase inatas, as suas tradições religiosas.
(CARNEIRO, 1964, p. 174). Édison Carneiro, por um lado, afirma a fusão entre as
míticas dos nagôs com os jejes e por outro, diz que dos candomblés existentes, os nagôs,
foram os que mantiveram mais fiéis, seus laços ancestrais com a África ainda que tenha
absorvido outras míticas.
930
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Rodrigues a Édison Carneiro, já havia a percepção desta religião como parte da história
social do negro na Bahia: “e as “religiões africanas” do tempo de Nina Rodrigues, já eram,
para Ramos e Carneiro “religiões negras”. Religiões do povo negro da Bahia”. (LIMA e
OLIVEIRA, 1987, p. 40). Para Édison Carneiro, era mais que a luta pela liberdade
religiosa. Significou a busca por inserir as culturas de origem africana como parte ativa e
integrante para se pensar a identidade nacional: “o homem negro aumentou o quadro
religioso da nacionalidade, incorporando ao inconsciente coletivo figuras legitimamente
africanas”. (CARNEIRO, 2005, p. 09). Podemos aqui, pensar que a atuação e a relação
desses intelectuais com os dirigentes dos candomblés nagôs fez parte de um projeto mais
abrangente, ou seja, de nacionalizar o candomblé, cuja matriz original seria o ritual nagô,
porém, carecemos de maiores estudos.
A antropóloga Beatriz Góis Dantas investiga os usos da África no Brasil,
considerando as diferentes formas narrativas com relação à originalidade do culto. Para a
autora, a construção da ideia de “pureza” no candomblé está vinculada a vertente nagô
que, dentre tantas matrizes, seria a mais “africana” e “original”. A construção destas
narrativas busca no continente africano sua ancestralidade. Para Góis, existem conflitos
em torno da construção desta memória ancestral, tendo em vista as diferentes formas
discursivas sobre a ancestralidade nos cultos de matrizes africanas. (DANTAS, 1988, p.
17). A mesma temática é discutida pela antropóloga Stefania Capone, pois a autora afirma
que: “na Bahia como o resto do Brasil, nagô (ou ioruba se preferirem) é, mais do que
nunca, sinônimo de “africano”, bem como o qualificativo obrigatório do que está ligado
a reafirmação das raízes africanas da identidade negra brasileira” (CAPONE, 2009, p.
08). O trabalho das autoras abre possibilidades para refletir que a construção destas
narrativas ocorre por meio de alianças dentro e fora dos terreiros, tendo em vista o papel
que os intelectuais exercem no que compete à legitimação da ideia de uma “verdadeira
raiz ancestral”. Tomando emprestado, as reflexões, é possível pensar que Édison
Carneiro, como estudioso das religiões de matrizes africanas, ao retomar e reafirmar o
discurso da superioridade nagô, exerceu uma função importante na construção desta
memória reafricanizada e reinventada nos terreiros como afirmam as autoras, pois esta
narrativa é construída com o apoio dos intelectuais. Quanto a isso, Édison Carneiro diz
que: “a religião nacional dos jejes, não teve no Brasil, a importância da nagô, elevada a
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
931
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
932
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Brasil cerca de 1820 e liberto em 1842. Sua mãe era da nação iorubá e foi alforriada por
seu marido em 1855. Seu pai e sua mãe nunca se casaram de acordo com os ritos católicos
nem mulçumanos. Seu avô, que era um guerreiro na África, teve quarenta mulheres e seu
pai, seguindo as práticas poligâmicas africanas, teve cinco mulheres, das quais sua mãe
era esposa principal. Ao retornar da África afirma que sua nação era nagô”. (LIMA, 2004,
p. 16). E para Édison Carneiro: “Martiniano do Bonfim foi à figura masculina mais
impressionante das religiões do negro do Brasil” (CARNEIRO, 2008, p.128). Abaixo, a
imagem do babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim:
933
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sua relação não apenas com os candomblés nagôs, mas também, com os cultos dirigidos
por matriarcas. Ao falar de sua identidade religiosa, a matriarca afirmou: “também aninha,
falando da origem de seu terreiro, dizia, orgulhosamente, a Donald Pierson”: “minha seita
é puramente nagô, como o Engenho Velho”. (LIMA e OLIVEIRA, 1987, p. 53). E ao
falar da morte de Dona Aninha Édison Carneiro no O Estado da Bahia do dia 25 de
janeiro de 1948, apontava que as religiões de matrizes africanas era uma questão a ser
resolvida na sociedade brasileira e dizia:
934
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
IMAGEM II: A Ialorixá Eugênia Ana dos Santos, a famosa Aninha. Reprodução.
935
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FONTES
Diário Oficial. Projeto de Lei do Senado, número. 31 de 1974. Biblioteca Amadeu Amaral
do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro.
Diário da Bahia. Vodum. Édison Carneiro, Bahia, s/d. Biblioteca Amadeu Amaral do
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Jornal não identificado. Babalaô. Édison Carneiro. s/d. Biblioteca Amadeu Amaral do
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro.
CARNEIRO, Édison. Ladinos e Crioulos estudos sobre o negro no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964.
936
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
LIMA, Vivaldo da Costa. OLIVEIRA, Waldir Freitas de. Cartas de Édison Carneiro a
Arthur Ramos de 04 de janeiro de 1936 a 06 de dezembro de 1938. (orgs). São Paulo:
Corrupio, 1987.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORRÊA, Mariza. O Mistério dos Orixás e das Bonecas: Raça e Gênero na Antropologia
Brasileira. Revista Etnográfica. Volume, (12), pp. 233-265, 2000.
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó nagô e papai branco usos e abusos da África no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1988.
LIMA, Vivaldo da Costa. O conceito de nação nos candomblés da Bahia. Revista Afro-
Ásia. Número 12, 1976.
SERAFIM, Vanda Fortuna. O Discurso de Nina Rodrigues acerca das religiões africanas
na Bahia século XIX. Universidade Estadual de Maringá – UEM. Paraná, 2010.
937
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
938
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
394
As discussões sobre o sentido do federalismo no Brasil tiveram grande destaque entre as décadas de
1960 e 1970. João Camilo de Oliveira Torres (1961, p. 11-16; 42-55) defendeu o surgimento desse conceito
a partir da estrutura localista herdada do período colonial. Para além da estrutura centralizada e unitária do
Império, haveria um elemento sociológico plural, remanescente da autonomia de que gozavam as capitanias
na América Lusa. O federalismo brasileiro teria se formado como uma ideologia que legitimava a oposição
de movimentos que aspiravam à autonomia política das províncias, contra o unitarismo do Império
Brasileiro. Contrária a essa postura, Rosa Maria Godoy da Silveira (1978, p. 55-72) afirma que a
reformulação social e econômica do Brasil levou à necessidade de reorganização das relações de poder.
Nesse sentido, o federalismo seria uma proposta, mobilizada pelos republicanos a partir de 1870, que teve
possibilidades de se concretizar, pois satisfazia a interesses do grupo hegemônico na nova configuração
social e econômica brasileira, os cafeicultores de São Paulo. José Murilo de Carvalho (1998, p. 155-188)
retomou a discussão apontando que, para além do elemento localista e da configuração socioeconômica do
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
939
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Brasil, deve-se atentar para as tradições federalistas estrangeiras, em especial as norte-americanas, que são
apropriadas pelos intelectuais brasileiros a partir da década de 1860.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
940
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
941
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
942
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
do principal teórico do partido, Alberto Sales (LYNCH, 2014, p. 88-90). Spencer opunha-
se de modo ferrenho ao intervencionismo estatal, proclamando-o como um entrave para
o desenvolvimento das forças individuais, responsável pelo progresso da civilização. A
pobreza, nessa perspectiva, seria o resultado da incapacidade moral dos menos aptos, e,
portanto, o intervencionismo, conforme advogado pelo liberalismo, social era um
empecilho ao desenvolvimento material por impedir que os mais aptos prosperassem, ao
mesmo tempo em que difundia a ignorância e o atraso. A doutrina social spenceriana de
Sales era complementada pelo economicismo de Stuart Mill e pelas teorias positivas de
Littré, Téophilo Braga e José Victorino Lastarria (ALONSO, 2002, p. 222-237). Este
último é de especial importância para o presente trabalho, pois, com base em sua teoria
descentralizadora, inspirada no sistema estadunidense, Sales desenvolve seu federalismo.
Lastarria, em suas Lecciones de Política Positiva, foi defensor de uma reforma
descentralizante do Estado chileno – que se constituía em um centralizado
presidencialismo monárquico –, buscando conciliar o princípio das liberdades individuais
com as teses positivistas de evolução social. Lastarria “apreciava o self-government que
as colônias inglesas herdaram, dando-lhe um nome mais ao gosto positivista:
semecracia”, ou o governo de si mesmo (ALONSO, 2002, p. 228).
Assim como para os republicanos paulistas, as teorias políticas científicas
alcançaram grande ressonância entre as fileiras do Partido Republicano da província do
Rio Grande do Sul (ALONSO, 2002, p. 155-159). O federalismo científico dos gaúchos
guarda grandes semelhanças, inclusive em suas fontes, com o dos paulistas, havendo
ainda ligação pessoal entre Alberto Sales e os líderes gaúchos Júlio de Castilhos e
Joaquim Francisco Assis Brasil. O primeiro, a principal liderança política, e o segundo, o
principal teórico. Assim como no grupo paulista, a plataforma republicana gaúcha era
predominantemente política, tendo como centro a república federativa. Sua crítica ao
império dava-se em torno do não processamento das demandas dos grupos que, como
eles, estavam alijados do centro político saquarema, expressando ainda feições localistas
acentuadas. Seu repertório doutrinário nascia da conjugação dessa marginalização
política com as teorias políticas científicas.
Diferentemente do debate da década de 1860, protagonizado por Visconde do
Uruguai e Tavares Bastos, as discussões sobre o federalismo posteriores à década de 1870
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
943
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
944
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
autores da tradição liberal, que valorizava a história e a ação política sob a égide do
individualismo filosófico, a retórica posterior a 1870 passou a valorizar o cientificismo e
as grandes filosofias da história. O chileno Lastarria estaria entre esses novos autores
incorporados no cânone dos republicanos brasileiros (CARVALHO, 2011, p. 153-155).
A percepção das mudanças políticas e econômicas ao final do Império levou
monarquistas liberais a advogarem o federalismo como forma de conservação da
monarquia. Entre os defensores de uma monarquia federal, por razões mais pragmáticas
do que ideológicas, achavam-se Joaquim Nabuco e Rui Barbosa (CARVALHO, 1998, p.
171-172; 2011, p. 153). Não sendo federalistas convictos, convenceram-se de que a
demanda era irresistível, e, se o Império não conduzisse o processo, a federação seria feita
sem ele. Nabuco apresentara um projeto de federação monárquica ao Congresso, em
1885, alegando que aquela seria uma evolução natural da história política do país,
interrompida de forma abrupta pelo Império. Argumentou que o tamanho e a diversidade
de interesses no país exigiam uma administração descentralizada, que sem o autogoverno
não haveria democracia real e que a centralização aproximava a maioria do país à situação
colonial. Derrotada a proposta, apresentou-a outra vez em 1888, já feita a abolição,
momento em que o federalismo se tornou a principal questão política do país. Nessa
ocasião, Nabuco apelou ao argumento do Manifesto Republicano de que apenas a
federação era capaz de garantir a unidade, acrescentando, no entanto, que deveria ser
mantida a monarquia, pois o republicanismo levaria também à fragmentação, haja vista o
exemplo das repúblicas hispânicas.
Rui Barbosa, por sua vez, feita a abolição, encampou no partido liberal o
argumento de que ou a monarquia faria a federação ou o federalismo faria a República;
de que a única maneira de se salvar a monarquia diante dos separatismos que se
proliferavam era o federalismo. Usou o exemplo inglês para demonstrar que não havia
incompatibilidade entre governo local e monarquia e, ainda, o estadunidense, pela
interpretação de Tocqueville, para defender a possibilidade de coexistência entre
federalismo e centralização política. As tímidas medidas descentralizadoras do Gabinete
Ouro Preto não foram suficientes para impedir o golpe de novembro de 1889. Feita a
República e outorgada a federação por decreto, Rui Barbosa, feito ministro da Fazenda
do Governo provisório e um dos principais elaboradores do projeto constitucional, buscou
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
945
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
946
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
947
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
948
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
949
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro
das sombras: a política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
______. Pontos e Bordados: escritos de história política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
OLIVEIRA TORRES, João Camilo de. A formação do federalismo no Brasil. São Paulo:
Cia. Ed. Nacional, 1961.
950
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
Uma das últimas grandes epidemias do século XX, a aids evocou uma série de
elementos das doenças do passado ressignificados em seu tempo histórico. Vindo a
público no começo dos anos 1980, colocou em xeque a atmosfera de otimismo do saber
médico-científico, inflada pela erradicação de doenças como varíola e poliomielite. Além
disso, a associação com as primeiras vítimas, homens homossexuais, bem como a forma
de transmissão por via sexual, cercaram a doença de estigmas e preconceitos.
Entre os aspectos abordados pelas principais produções historiográficas a seu
respeito, destaca-se a recuperação de metáforas militares e marginalizadoras, presentes
na compreensão do câncer e reificadas no novo contexto epidêmico, conforme apontou
Sontag (1989). Além disso, de acordo com o que analisou Pollak (1990), a epidemia
trouxe à tona a homossexualidade, revelando práticas muitas vezes clandestinas e
obrigando a sociedade à convivência e enfrentamento de comportamentos considerados
fora dos padrões e que muitas vezes se tentava ignorar. Desta forma, a doença foi cercada
de estigmas (GOFFMAN, 1980) que podem ser sintetizados pela tão criticada categoria
‘grupo de risco’.
Nascimento (2004) sinalizou que a própria nomenclatura inicial395 da doença
desconhecida indicava os preconceitos indissociáveis da medicina, nos lembrando os
entrelaces sócio-históricos do saber médico e científico. A autora nos mostrou que as
próprias campanhas de prevenção do Ministério da Saúde reproduziam discursos
preconceituosos e equivocados, sendo alvo de críticas por parte de movimentos sociais
que se organizaram na luta do combate à doença e aos preconceitos. Barata (2006), por
395
Em que figuram expressões como ‘câncer gay’ e Gay Related Immune Deficiency (Grid), cuja tradução
seria imunodeficiência ligada ao homossexualismo (NASCIMENTO, 2004, p. 82)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
951
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sua vez, foi eficaz em mostrar como a atmosfera alarmista foi amplamente veiculada pela
imprensa no Brasil, contribuindo para o alastramento do pânico e dificultando a
prevenção. Esses fatores contribuíram para que a aids não fosse vista nem combatida
como uma doença de todos e que podia atingir a todos, como denunciava o ativista
soropositivo Herbert Daniel (DIAS, 2012), fundador de uma das principais ONGs que
combatiam a doença. Um dos desdobramentos da primeira década da epidemia foi o
aumento significativo no número de notificações do HIV entre mulheres heterossexuais
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000).
Entendemos, portanto, que as mudanças no quadro epidemiológico representam
uma transformação nas compreensões sobre a aids e em fissuras na representação social
da doença. Esta é aqui entendida como o arsenal de sentidos que circulam a respeito de
uma enfermidade, consideradas as relações de poder de diferentes grupos sociais e seus
discursos. Nesse sentido, a compreensão das experiências individuais do adoecimento por
HIV entre mulheres, vem nos indicando caminhos onde se entrelaçam as especificidades
de gênero e da aids do ponto de vista histórico.
O recorte aqui apresentado faz parte da pesquisa maior em que são analisadas
entrevistas e autobiografias de mulheres soropositivas na segunda década da epidemia,
investigando de que formas os modelos de comportamento ligados à feminilidade
contribuíram para a vulnerabilidade ao HIV, bem como na experiência do adoecimento.
Um dos aspectos relevantes nesse sentido é a compreensão do matrimônio como um valor
a partir do qual as mulheres inocentam ou culpabilizam seus próprios comportamentos.
Destacamos, portanto, elementos da análise de duas entrevistas que compõem o
acervo “A fala dos comprometidos” (DAD/Fiocruz), realizadas entre 1997 e 1998, e da
autobiografia Por que eu?, publicada sob o pseudônimo Juliette (1990).
952
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que o sujeito assume centralidade e que tem gerado considerável demanda editorial nas
últimas décadas.
De modo análogo, Alberti (1991) reflete sobre a centralidade do sujeito moderno
na produção de narrativas autobiográficas, enfatizando o surgimento do escritor como
sinônimo de autor e a afirmação da literatura em seu espaço social moderno. Cabe
observar que a análise de Bourdieu (1998) sobre as elaborações biográficas nos lembram
que a coerência de uma vida é mais uma tentativa que uma efetividade, mais próxima de
ser alcançada na publicação autobiográfica, mas também pretendida em uma entrevista
cujo objetivo é o relato de vida.
Autobiografias e entrevistas compartilham o objetivo de uma narrativa coerente,
que mantém-se mais como objetivo do que concretude, onde, como destacou Fernandes
(2016), se processam a construção da identidade e a seleção de lembranças na construção
de um passado com o qual se possa conviver. Desta forma, a entrevista constitui lugar de
criação de que fazem parte a flutuação, a transformação e a seleção, ainda que em medidas
diferentes do processo de escrita e publicação.
Assim como a escrita autobiográfica, a memória oferece, segundo destacou
Portelli (1996, p. 71), um campo de possibilidades compartilhadas, reais ou imaginadas.
Tanto para o depoente quanto para o historiador que analisa as fontes, não é possível
enquadrar tais possibilidades em esquemas compreensíveis e rigorosos, pois “na mente
das pessoas se apresentam diferentes destinos possíveis”. A percepção destes, por sua
vez, também é bastante particular para cada indivíduo, que se orienta e orienta suas ações
tomando-os como referência. É importante manter em mente que, quando foram narradas,
as experiências de nossas entrevistadas já haviam passado por um processo de elaboração,
no qual, muitas vezes, as incertezas do momento em que ocorreram foram subtraídas em
prol de uma aparente coerência narrativa.
O fôlego da presente exposição não nos permite o adequado aprofundamento
metodológico das diferenças e semelhanças entre os dois tipos de documentos aqui
analisados. Todavia, acreditamos que o empreendimento da elaboração do eu na categoria
escrita de si sintetize suas conexões mais gerais. Nesse sentido, as duas mulheres, cujas
entrevistas são aqui analisadas, compartilham com a autobiografada uma elaboração
identitária e das experiências em que a relação com o HIV assume um caráter norteador
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
953
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
396
Seus nomes reais foram substituídos conforme previsto no termo de cessão de uso das entrevistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
954
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Quer dizer, eu deixei de fazer... mas eu acho que eu não queria ter
deixado de fazer não, sabe? (risos) Eu acho que eu devia ter pensado
um pouquinho porque eu casei, aí nós casamos, é compramos nossas
coisas, mas o negócio é o seguinte: a minha mãe, acho que ela me
ajudou muito a casar porque ela (risos) queria se livrar do problema,
entendeu? Tipo assim, eu era um problema, né? Porque eu era terrível,
né? Então quando ela viu aparecer esse homem que era o príncipe
encantado que ela achou que era pra mim (...) era pobre mas era melhor
do que eu, né? Tinha mais condição que eu. Aí minha mãe deu maior
força, né? Pra casar e tal, aí minha mãe praticamente me obrigou a casar
(DAD/ COC/FIOCRUZ, A fala dos comprometidos, Fita 1, Lado A, p.
32, 1998).
955
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
956
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Apesar de eventualmente mencionar que sua atitude foi motivada pela solidão que
sentia no casamento, decorrente do envolvimento do marido com o trabalho e da escassez
de tempo que dedicava a ela e aos filhos, atribui a culpa apenas a si mesma, isentando
ambos os homens de qualquer culpa ou responsabilidade. A mentira que decide elaborar
amplia sua própria culpa e o julgamento moral de seu comportamento:
Eu me chamei assim de puta pra baixo, né? Eu falei pra ele, ele
perguntou: ‘Pô, eu devo ser uma merda como homem’. Eu falei: ‘Não,
tu é legal! Mas é só que eu me...’ Eu disse que eu era insaciável, que eu
queria um monte de aventura, sabe? Nem eu acredito nas coisas que eu
falei! Só que eu não falei isso olhando pra cara dele, não! Eu não olhava
pra cara dele. (DAD/ COC/FIOCRUZ, A fala dos comprometidos, Fita
3, lado B, 1998, p. 22).
A entrevistada cuja fala dá título a essa breve análise estabelece outra relação com
o matrimônio em sua construção da experiência com o HIV. Rosangela cresceu se
acreditando filha adotada de uma família humilde e só após a morte de sua mãe adotiva
descobriu ter sido fruto de uma relação extraconjugal do pai que acreditava ser adotivo.
Após a morte deste, a infância descrita como repleta de mimos foi substituída pelo
controle da mãe bastante religiosa e uma tentativa de abuso sexual considerado estopim
para sua fuga aos treze anos.
Durante a adolescência, trabalhou como empregada doméstica, mas foi
dispensada após engravidar do primeiro filho. Ainda grávida, conheceu o primeiro
marido, com quem residiu em uma casa atrás da Central do Brasil, que descreve como
local de receptação de roubos e passagem para várias pessoas envolvidas com crimes e
entorpecentes. Após a primeira separação, trabalhou como prostituta nas ruas de
Copacabana por cerca de dois anos, quando conheceu seu segundo marido, que havia
fugido da prisão, tendo sido recapturado pouco tempo depois. Quando ele foi solto,
Rosangela abandonou a prostituição para viver a vida de esposa.
O diagnóstico positivo para o HIV ocorreu através de seu terceiro filho. O bebê
nasceu com diversos problemas de saúde que o levaram a óbito com nove meses de idade
e levantaram a suspeita da médica que o tratava. Quando a solicitação do exame foi
informada à mãe, a reação de Rosangela foi categórica:
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
957
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Aí ela pediu, eu olhei pro exame, olhei bem pra cara dela, falei pra ela:
‘Olha, mas eu tenho um marido só. Não existe possibilidade deu ter
essa doença’. Porque na época, na televisão, o que se comentava era
que prostituta e viado só pegavam, não era? Então, eu era uma mulher
casada, tinha marido e três filhos...eu nunca... Aí, ela pegou e falou:
‘Não, é um exame de rotina’. Tudo bem, é um exame de rotina. Com
uns quinze dias depois do exame feito, a maternidade me chamou, ligou
pra minha mãe... (DAD/ COC/FIOCRUZ, A fala dos comprometidos,
Fita 3, lado A, 1998, p. 4)
958
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
959
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES
M., Juliette. Por que eu? Confissões de uma mulher de hoje. São Paulo: Círculo do livro,
1990.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Angela de Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2004. Introdução, p. 7-24.
FERNANDES, Tania. Ouvindo histórias e memórias: o depoimento oral como fonte. In:
FRANCO, Sebastião Pimentel e NASCIMENTO, Dilene Raimundo do. Uma história
brasileira das doenças. Volume 6. Vitória: Fino Traço, 2016.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
960
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe. 2ª
ed. Florianópolis: UFSC, 1998.
SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. 3a.
Edição.
________. AIDS e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos
XIX e XX [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, 287 p. História e Saúde
collection. ISBN 978-85-7541-451-4. Available from SciELO Books
<http://books.scielo.org>.
961
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
397
Nome ficcional escolhido pelo autor para preservar a identidade do paciente.
398
Segundo Collins e Stam (2014), a “era de ouro” da terapêutica aconteceu entre 1945 e 1956, período
que marca o pós Segunda Guerra e vai até o lançamento da Clorpromazina, antipsicótico sintetizado na
França em 1950 e cujo efeito terapêutico semelhante ao ansiado pela psicocirurgia estaria ligado ao seu
declínio. O fim desse período teria também sido marcado pelo aumento da crítica à cirurgia por alguns
médicos, incluindo aí alguns de seus praticantes.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
962
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
historiografia. Uma forma de acessar parte dessa história é recorrer às publicações sobre
o tema que ocuparam as páginas de jornais e revistas no Brasil. Esse artigo intenciona,
então, escrever uma parte da história da psicocirurgia no país a partir dos discursos
divulgados sobre a tema em publicações da grande mídia brasileira.
399
Na leucotomia em três tempos – divulgada pelo psiquiatra do Hospital do Juquery (em São Paulo) Mário
Yahn em 1948 –, o lobo pré-frontal era dividido em quatro quadrantes: superiores (direito e esquerdo) e
inferiores (direito e esquerdo). O primeiro tempo era feito no quadrante inferior direito e o segundo no
quadrante inferior esquerdo. Não dando resultado, operava-se os dois quadrantes superiores (terceiro
tempo) de uma só vez (Em “Mário Yahn”, biografia da Academia de Medicina de São Paulo. Disponível
em http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/188/BIOGRAFIA-MARIO-YAHN.pdf).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
963
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
400
A pesquisa de doutorado intitulada "As psicocirurgias no Brasil (1936-1956): uma análise histórica sobre
intervenções cirúrgicas no tratamento de pacientes psiquiátricos" é orientada pela Profa. Dra. Cristiana
Facchinetti. O projeto visa dar um panorama histórico sobre a prática psiquiátrica em relação a sua chegada
ao Brasil e uso, em especial no Hospital Psiquiátrico do Juquery entre fins da década de 1930 (quando a
primeira cirurgia foi praticada no Brasil) e meados da década de 1950. O marco final dessa periodização é
justificado pelo decrescimento das operações em função do lançamento de um psicofármaco de terapêutica
semelhante e que não incorria no processo invasivo e irreversível da leucotomia e suas variações – a
Clorpromazina.
401
Neurocirurgião do Hospital Psiquiátrico do Juquery, nascido na Baixada Fluminense.
402
A tese em questão comporta também uma análise de gênero que intenciona esclarecer o uso assimétrico
da terapêutica em pacientes do sexo feminino e masculino.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
964
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Recorro aqui a estas últimas com o intuito de traçar o que era divulgado sobre
psicocirurgia no Brasil no contexto de sua utilização. Uma vez que os impressos são
“produtos forjados a partir de representações contextualizadas das realidades”, eles são
fontes históricas que nos permitem aceder a memória de grupos que viviam no contexto
das publicações e nos indicam “formas simbólicas de luta pelo poder de representar”
(CALONGA, 2012: 85).
Os periódicos mobilizados para esse artigo são jornais e revistas de São Paulo e
do Rio de Janeiro, nos quais a temática aparece mais intensamente entre fins da década
de 1940 e primeiros anos da década de 1950403, momento no qual a psicocirurgia ganhou
maior atenção internacional e da mídia leiga em função de ter sido condecorada com o
prêmio Nobel em 1949. O Estado de São Paulo tem aparecido nas fontes como centro
privilegiado do uso da cirurgia no Brasil e os periódicos cariocas têm se destacado pela
grande quantidade de publicações que nos esclarecem, inclusive, sobre o envolvimento
dos médicos paulistas com a terapêutica.
Como bem aponta Maurilio Dantielly Calonga, a imprensa escrita enquanto fonte
documental anuncia discursos e expressões e por meio deles podemos verificar “como os
meios de comunicação impressos interagem na complexidade de um determinado
contexto” (CALONGA, 2012: 82). Ainda para esse autor, os discursos da imprensa são
capazes de nos permitir o acesso ao nível “básico” das relações sociais e, citando Le Goff,
nos lembra que tais discursos são produtos da sociedade que os fabricou segundo as
relações de poder que vigoravam em um determinado contexto (CALONGA, 2012).
Tânia de Luca, por sua vez, ressalta que os jornais “agregam pessoas em torno de ideias,
crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita” (DE LUCA, 2006:
140). Nesse sentido, o que era divulgado ao grande público sobre a psicocirugia? Que
“valores” eram difundidos em relação a essa terapêutica? Que vozes estavam ali
presentes? Quem publicava esses discursos e de que maneira o fazia?
403
Todos os periódicos brasileiros citados nesse texto foram encontrados na Hemeroteca Digital Brasileira.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
965
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
404
Neurocirurgião carioca, é apresentado no artigo como “figura exponencial da medicina brasileira, chefe
dos Serviços de Neurocirurgia no Hospital de Pronto Socorro e na Santa Casa de Misericórdia e que tem
utilizado em nosso meio às descobertas de Egas Moniz. (...) possui grande experiência em leucotomia
cerebral, que há vários anos vem praticando em nossos serviços e na sua clínica”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
966
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
405
Entre esses casos, Niemeyer cita o de pacientes operados por ele no Hospital da Ordem 3ª da Penitência
e na Casa de Saúde Dr. Eiras. Os resultados foram, em suas palavras, compensadores, proporcionando-lhe
“o prazer de ver voltar ao convívio de suas famílias muitos doentes considerados incuráveis e que pareciam
destinados a terminar seis dias nos hospícios”.
406
Em pesquisa na Hemeroteca Digital Brasileira não foram encontrados jornais que divulgassem o tema
“lobotomia” ou “psicocirurgia” na década de 1930-39. Na década de 1940-49, com o descritor “lobotomia”
foram encontrados 9 jornais paulistas abordando o tema e 53 jornais cariocas. Em 1950-59 foram
encontradas duas referências em jornais paulistas e 133 em jornais do Rio de Janeiro. Nessa mesma década
há 120 jornais menções em jornais cariocas com o descritor “psicocirurgia” (que não gera nenhum resultado
nas décadas de 1930 e 1940), mas nenhuma em jornais de São Paulo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
967
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como patologia que teria resultados inconstantes com a cirurgia: ao lado de “êxitos
brilhantes”, “números reveses” (Eu sei tudo, 34º ano, n.º 5, outubro de 1950, p. 17).
Na última matéria citada estão presentes dois debates retomados pela
historiografia sobre o tema nos Estados Unidos e que compõem minha pesquisa em
relação às fontes clínicas: que muitas vezes o “bom” resultado da cirurgia não era a cura
da doença, mas a supressão de sintomas (sobretudo a agressividade/ agitação em pacientes
considerados mais violentes). Outro ponto é que a esquizofrenia – que figurou como
psicopatologia que mais recebeu aplicações da psicocirurgia nos Estados Unidos
(BRASLOW, 1997; RAZ, 2013) – mostrou-se uma doença que, também no Brasil,
parecia encontrar na psicocirurgia uma esperança terapêutica. Isso se reflete na fala de
Henrique Roxo, publicada no Jornal do Brasil em 28 de setembro de 1947. No texto que
abordava possibilidades para o problema da superlotação nos hospitais psiquiátricos
brasileiros, Roxo dizia que a “operação de Egas Moniz” acenava “com grandes
esperanças de cura em muitos casos de esquizofrenia”.
Recorrendo brevemente a publicações médias, podemos notar que os jornais
faziam coro a algumas das ideias divulgadas pelos médicos praticantes da psicocirurgia
nas décadas de 1940 e 1950407. Em relação à determinação das indicações para a prática
psicocirúrgica, vale a pena a transcrição de um trecho da obra Tratamento Cirúrgico das
Doenças Mentais (1951), onde Mário Yahn, Aloysio Mattos Pimenta e Afons Sette Jr.,
médicos do Juquery, publicaram resultados das aplicações feitas naquele hospital ao
longo da década de 1940. No capítulo Sobre a leucotomia pré-frontal de Egas Moniz408,
lemos que
407
Muitos deles nos periódicos médicos Arquivos de Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo e
Arquivos de Neuro-Psiquiatria.
408
Anteriormente publicado como artigo por Yahn em Arquivos de Neuro-Psiquiatria (S. Paulo), vol. IV,
n.º 3, Set. 1946.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
968
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
409
Longo era professor de Clínica neurológica da Escola Paulista de Medicina e Diretor Clínico do Serviço
de Neuro-Psiquiatria do Instituto Paulista. Seus colaboradores nessa publicação são Joy Arruda e J.
Armbrunst Figueiredo, psiquiatra e assistente no mesmo Instituto, respectivamente.
410
As outras “formas clínicas” citadas no estudo são: psicose maníaco-depressiva (4 casos), personalidade
psicopática (4 casos), psicose de involução (3 casos), neurose obsessiva (7 casos), depressão ansiosa (2
casos) e arteriorclerose cerebral (1 caso).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
969
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
970
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
971
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
De maneira semelhante ao que foi constatado por Mical Raz (2013) em relação
aos Estados Unidos, vemos no Brasil, até o momento, a difusão de um discurso “oficial”
que recorreu à opinião de “especialistas”. Esse discurso ressaltou a indicação da
terapêutica sobretudo para casos consideradas crônicos e a apontou como possível
esperança para o tratamento de pacientes com esquizofrenia.
Até o momento não foi encontrada nenhuma matéria, entre as décadas de 1940 e
50, que dessa voz a pacientes ou pessoas próximas a casos de aplicação de cirurgia. Como
vimos, as reportagens recaem sobretudo sobre a explicação do processo terapêutico que
se daria com a cirurgia, suas indicações e possíveis contratempos. Os escritos da grande
mídia não acessam os pacientes e suas histórias, o que a pesquisa pretende explorar, ainda
que de maneira muito concisa em relação à massa documental à qual temos acesso.
É também relevante destacar que não encontramos ainda divulgação de críticas
contemporâneas à terapêutica, como as feitas por Nise da Silveira (FERNANDES, 2015),
nesses periódicos. Nesse sentido, e de maneira semelhante ao que Raz (2013) constatou,
podemos afirmar que os impressos da grande mídia aos quais tivemos acesso
contribuíram com a popularização da narrativa médica, uma narrativa que tendeu à
promoção de benefícios atribuídos à cirurgia.
Destaco, por fim, que a psicocirurgia é ainda tema de acalorados debates na mídia.
Encontramos hoje, não apenas em veículos de grande mídia mas em publicações pessoais,
como blogs, debates sobre casos encontrados no passado, matérias jornalísticas que
procuram compreender a lógica que possibilitou seu uso e referências a sua utilização
atualmente. Dessa forma, acredito que a história da psicocirurgia é um caminho essencial
para a compreensão de uma parte da história da psiquiatria no mundo e no Brasil, nos
auxiliando a compreender a racionalidade terapêutica que permitiu sua utilização e
contribuindo para a historicização de doenças e dos tratamentos médicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASLOW, Joel. Mental Ills and Bodily Cures: Psychiatric Treatment in the First Half
of the Twentieth Century. University of California Press, 1997.
972
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
RAZ, Mical. The Lobotomy Letters: The Making of American Psychosurgery. University
of Rochester Press, 2013.
FONTE LITERÁRIA
FONTES – PERIÓDICOS
“Lobotomia: a cirurgia da angústia”. Eu sei tudo, 34º ano, n.º 5, outubro de 1950, p. 17-
18.
NIEMEYER, Paulo. “Egas Moniz, Prêmio Nobel de Medicina pelo Dr. Paulo Niemeyer”.
Ciência para Todos, Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1949, p.11.
973
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
974
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A proximidade de Niterói com a capital do império fez com que durante muitos
anos os doentes daquela localidade fossem tratados nas dependências do Hospital da
Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Tal realidade começa a ser questionada e
modificada, gradativamente, com a inauguração da Casa de Saúde Niteroiense no fim dos
anos 1850. É importante assinalar que a assistência à saúde oferecida por este
estabelecimento, provavelmente, não era a única oferecida na Província, visto que
serviços médicos e de outros profissionais da área de saúde eram ofertados em periódicos
de ampla circulação.
As primeiras casas de saúde surgiram na Corte e em Niterói nos anos de 1820,
expandiram-se na década seguinte, mas com maior expressividade a partir da segunda
metade do século XIX e configuravam-se como mais um espaço de cura que a população
poderia recorrer, especialmente aqueles que dispunham de meios para custeá-las.
Segundo Santos Filho (1991, p. 474), as casas de saúde eram pequenos hospitais
particulares leigos, “não pertencentes a Irmandades ou Sociedades Beneficentes, mas de
propriedade de médicos e por eles administrados” (SANTOS FILHO, p. 474). Todavia,
algumas destinassem horários ao atendimento dos pobres, e outras fossem subsidiadas
pela municipalidade e presidência da província do Rio de Janeiro, a exemplo das Casas
de Saúde Niteroiense (capital da Província) e Nossa Senhora da Ajuda (Corte).
Cabe aqui tentarmos identificar quais foram as motivações para criação da Casa
de Saúde Niteroiense, posteriormente Hospital de São João Baptista; os principais
argumentos utilizados para o recebimento de subsídios provinciais; os atores sociais
envolvidos em sua criação, gestão e prática médica; e o perfil da população que recorria
ao atendimento, bem como as enfermidades que mais acometiam este público.
975
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
976
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
977
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
978
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
doentes afetados pela moléstia reinante em hospitais e casas de saúde, sendo enfermarias
especiais estabelecidas para o seu tratamento.
De fato, um ano após a eclosão da epidemia de febre amarela (1849/50), o
Ministério dos Negócios Estrangeiros expediu comunicado à Junta Central de Higiene
Pública sobre a obrigatoriedade do transporte de doentes diagnosticados com febre
amarela a bordo para o Lazareto de Jurujuba, bem como a proibição da admissão desses
pacientes em hospitais e casas de saúde. Percebe-se que a restrição era em relação aos
pacientes embarcados e não aos demais acometidos pela doença epidêmica, embora ao
receberem estes, as casas de saúde devessem participar ao presidente da Junta.
Entre os que se opunham ao projeto, além de Fernandes Moreira havia F. A. de
Souza, que argumentava que o estado financeiro dos cofres provinciais não permitia o
custeio de um estabelecimento de caridade. Todavia, Figueiredo, apesar de reconhecer a
precária situação financeira da província, sinalizava que não se concederia dinheiro e nem
se pedia o adiantamento do produto de loterias, mas sim a extração de loterias, que só
correriam quando houvesse oportunidade.
O processo de aprovação do projeto iniciara nos primeiros dias de janeiro de 1859,
mas o contrato só foi outorgado na segunda quinzena de novembro do mesmo ano,
acredita-se que essa demora esteja relacionada à falta de consenso por parte dos votantes.
Tal contrato previa que no espaço de tempo de três anos, 1/5 dos leitos, em período não
epidêmico, seria reservado aos doentes pobres do município de Niterói e a terça parte em
momentos epidêmicos. A contrapartida do governo provincial seria a concessão do
produto líquido de uma loteria, o qual era pago em três prestações anuais, após a inspeção
e atesto do chefe de polícia, ao qual cabia a fiel observância de todas as condições do
contrato.
Nos anos subsequentes, o contrato firmado entre governo provincial e casa de
saúde Niteroiense foi renovado inúmeras vezes e acrescentaram-se ao rol dos atendidos
às custa da loteria, os africanos livres ao serviço das obras públicas, os praças enfermos
do corpo policial, os guardas nacionais designados para o serviço da guerra e os
voluntários da pátria. De acordo com os relatos de alguns presidentes da Província do Rio
de Janeiro, a inserção desses indivíduos para serem atendidos pela Casa de Saúde
Niteroiense gerara economia aos cofres públicos, sobretudo, no caso dos praças enfermos
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
979
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
980
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Com o passar dos anos, problemas estruturais foram apontados pelos presidentes
de província em seus relatórios, como foi o caso da sala reservada ao depósito de
cadáveres, que apesar de construída distante da casa de saúde, localizava-se abaixo da
enfermaria de pacientes acometidos por varíola. Vale ressaltar que tal edifício não
constava no contrato firmado entre província e os proprietários do estabelecimento.
Percebe-se que não só os médicos buscavam esquadrinhar todos os elementos que
tornassem o espaço destinado à cura mais salubre e que esta advertência poderia ser uma
tentativa de minimizar os efeitos nocivos da casa de saúde nos indivíduos que recorriam
ali para se curar, buscando eliminar, ao máximo, a possibilidade de causar ou agravar as
doenças já existentes. Todavia, não há informações sobre qual medida fora adotada para
reverter esta situação considerada inadequada a um espaço destinado à cura.
Sabe-se que nos fins da década de 1860, os proprietários esforçavam-se na
construção de um novo edifício para ampliar a capacidade de sua casa de saúde, elevando-
a à categoria de hospital. Tal iniciativa não passou despercebida nas folhas dos periódicos
da Corte e Niterói.
Não foi possível determinar ao certo quantas enfermarias a casa de saúde
apresentava, mas sabe-se que além dos serviços de clínica médica e cirurgia geral,
dispunha de clínica oftalmológico, que era liderada pelo oculista francês Carron du
Villard, o qual não restringia os seus serviços às moléstias dos olhos, executava também
a função de cirurgião. Trabalhavam como médicos assistentes os proprietários do
estabelecimento e Manoel do Valladão Pimentel e como conferencistas os médicos e
professores Luís da Cunha Feijó e Francisco Ferreira de Abreu. Havia também uma
farmácia, que segundo os anúncios publicados em periódicos encontrava-se provida de
todos os medicamentos necessários e dirigida por um farmacêutico com 25 anos de prática
nas principais boticas da corte.
Além dos serviços de assistência à saúde ofertados à população, a casa de saúde
Niteroiense disponibilizava às autoridades policiais o serviço de corpo de delito e exames
de sanidade, ambos realizados nas próprias dependências do estabelecimento.
981
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
982
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
983
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
seguidos dos pensionistas escravos (29%) e pagantes livres (16%). Em virtude dos dados
disponíveis, não foi possível quantificar o número de falecidos por nacionalidade e sexo.
Em quase todos os mapas havia a preocupação em justificar a taxa de mortalidade,
afirmava-se que esta acabava sendo elevada, não correspondendo com a realidade da casa
de saúde, por conta do ingresso de pacientes moribundos, afetados por doenças mortais
em seu último estágio de desenvolvimento, bem como idosos afetados de
degenerescências orgânicas.
A tuberculose pulmonar foi a doença que mais ceifou vidas na casa de saúde
Niteroiense. Destacam-se as moléstias epidêmicas como foi o caso da varíola, febre
amarela e ascite no ano de 1861, o que está em consonância com o estudo de Pimenta,
Barbosa e Kodama (2015) sobre as principais ocorrências de epidêmicas na província do
Rio de Janeiro. A tuberculose pulmonar, a varíola e a febre amarela se fizeram presentes
em quase todos anos na casa de saúde, sobretudo a primeira, que é citada em todos os
relatórios que apresentam informações sobre as doenças que mais avultavam no
estabelecimento. O quadro nosológico parece não diferir do encontrado na Corte.
De acordo com Pimenta, Barbosa e Kodama (2015), todas as regiões da província
eram acometidas pela varíola. Os achados aqui analisados mostram que esta é uma das
doenças mais citadas nos mapas encaminhados ao presidente da província pelos diretores
da Casa de Saúde Niteroiense.
Ao que tudo indica, as operações realizadas no interior da Casa de Saúde
Niteroiense eram consideradas seguras. Das 214 cirurgias declaradas, há somente um
relato de óbito decorrente à utilização de fórceps durante um parto.
984
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
constantemente, sobre a necessidade de remoção para outro espaço que pudesse abranger
maior número de pacientes e que dispusesse de condições mais salubres para atendê-los.
O contrato entre a Província e a Casa de Saúde estava prestes a expirar em 1867,
no entanto, seus proprietários suplicavam a renovação por mais cinco anos, “elevando-se
a duas em cada um as duas loterias, com que deve ser subvencionado o estabelecimento,
ou, mediante, o mesmo favor, a 20 anos, com o ônus de ser o edifício entregue à província,
como propriedade sua, no fim desse prazo...” (PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO,
1867, p. 26). O presidente da província concordava com o solicitado, contudo, segundo
ele, deveria haver contrapartida, entre as quais “a imposição de outras obrigações, como
por exemplo, a aceitação gratuita das praças enfermas do corpo policial, da guarda
nacional em destacamento, e de presos de crimes, que não forem graves, com as precisas
cautelas, para que se não evadam” (PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, 1867, p. 26).
Tal solicitação foi encaminhada à Assembleia Provincial e solucionada por meio do art.
25 da lei n. 1374 de 15 de janeiro de 1868, ocasião em que:
[...] construído com solidez e asseio, nada faltando para os fins a que é
destinado” [...] colocado em uma posição eminente, [...] espaçoso e [...]
segundo os preceitos da ciência, oferece a vantagem de achar-se quase
no centro da cidade, e sob a imediata fiscalização de médicos hábeis e
dedicados (PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, 1869, p. 18).
985
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No entanto, pouco mais de dois anos, Dr. José Martins Rocha, um dos
proprietários do estabelecimento, comunicou a impossibilidade de cumprir com o
contrato firmado por ele e seu sócio, Dr. João José Pimentel, com a província, em função
do falecimento deste, já que sua viúva e herdeiros não estavam dispostos a dar
continuidade ao contrato
FONTES PRIMÁRIAS
986
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES SECUNDÁRIAS
987
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SANTOS FILHO, L. História Geral da Medicina Brasileira (1 ed. 1948), Vol. I e II,
São Paulo, Hucitec/EDUSP, 1991.
988
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
989
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
990
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
colocado como representante e agente político organizado pelas classes médias e por fim,
na concepção “Moderadora” o exército tem uma função de arbitro das disputas políticas
nacionais, geralmente com a instituição militar pendendo para o lado de maior aceitação
na opinião pública.
Tais concepções instrumentais ao procurarem o fundamento da atuação
intervencionista dos militares nos possíveis ganhos para os grupos sociais civis não
consideram as especificidades das instituições militares, assim como do poder como fim
em si próprio.
Na obra de Edmundo Campos Coelho, é exposta uma discordância no tocante a
concepção instrumental do Exército, entendendo que este não se trata apenas de um
agente passivo às pressões da sociedade civil.
O autor inicialmente nos mostra, baseando-se na tese de erradicação do exército
durante a fase entre a independência e a questão militar, que mesmo a forte pressão
exercida pela sociedade civil sobre a validade da existência do exército não foi capaz de
tirar os militares de um marasmo existencial-institucional que o autor corretamente
denomina como um período de “hibernação”.
Considerando que Campos Coelho entende que a definição de concepção
organizacional da política no exército pressupõem uma análise histórica não linear de
crescimento da independência do exército em relação a influencia da sociedade civil, o
autor afirma que a república significou um rompimento do vinculo primário que unia o
exército a sociedade civil numa relação de dependência absoluta, além de que existiam
divergências internas no exército que dividiam os grupos perpetuadores do golpe
republicano.
Surge então a ideia de Alain Rouquié dos “Partidos Militares”, na qual o autor
identifica a tendência dos militares a criarem instituições não governamentais para
influenciarem a política, como o “Clube de 13 de Outubro”, como também um conflito
interno de tendências antagônicas que lutam pelo controle da corporação militar,
principalmente quando os líderes de tais instituições tentam implementar a tendência a
qual são ideologicamente partidários (ROUQUIÉ, 1980, p. 13).
Cite-se ainda uma breve explicação de Nelson Werneck Sodré que antecipa tal
analise de Rouquié “As Forças Armadas são um partido político de conteúdo nacional,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
991
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que não participa de atos eleitorais, que não se insere na linha de organizações
especificamente políticas, dentro dos limites indicados.” (2010, p. 493).
O autor esclarece que inicialmente as instituições representativo-corporativas
começaram a abrigar o conflito de tendências ideológicas quando suas diretorias
passaram a ser eleitas e não mais designadas de acordo com a hierarquia, clássico exemplo
do Clube Militar.
Por ser a instituição representativa-corporativa por excelência em que o exército
fazia a política interna, de 1930 a 1964, era fundamental para o governo civil eleito que
este tivesse o apoio do Clube Militar.
Karla Carloni apresenta o que seria uma nova vertente do entendimento da
interação entre as forças armadas e a sociedade, baseando-se em uma crítica as duas
vertentes anteriores, tanto a de Nelson Werneck Sodré, quanto a de Edmundo Campos
Coelho. A autora afirma que não se deve reduzir a totalidade das ações das Forças
Armadas como se estas fossem uma mera representação das ações e objetivos de classes
ou admitir ainda que formam instituições totalmente impenetráveis aos debates e
discussões da sociedade civil (CARLONI, 2012, p. 26).
Nelson Werneck Sodré reconhece que ainda que em sua concepção as forças
armadas terem sido originariamente democráticas, com divisões internas quando da
repressão a movimentos de cunho popular, e posteriormente se tornado instrumentos do
latifúndio, a burguesia em ascensão no final do século XIX teve dificuldade em controlar
as forças armadas.
Um fator importante e que nenhuma das concepções consegue abarcar em seu
arcabouço teórico é a influencia estrangeira nas intervenções militares, pois se na
concepção instrumental as forças armadas são meros desígnios nas mãos de uma elite
civil política esta é manifestamente nacional e na concepção organizacional os fatores
externos basicamente não teriam influencias internas nas forças armadas, ficamos sem
espaço para esta possível influencia estrangeira em tais concepções de relações entre
militares e civis.
Seria ignorada a influencia americana no golpe de 1964? Seria ignorada a
influencia da missão francesa na formação política intervencionista ou profissionalizante
apolítica no exército?
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
992
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ora não foi privilégio do Brasil na América latina a experiência com missões
militares estrangeiras, Robert D. Putnam faz uma relação entre as missões militares
estrangeiras e a situação política no país em que foram implementadas. O autor afirma
que não raramente naqueles países, tais como Peru, Chile, Argentina e Brasil, que
contrataram missões de treinamento germânicas, chilena e francesas passaram pela
experiência de intervenções militares (PUTNAM, 1967, p. 101).
O mesmo autor comprova, por outro lado, a incongruência de um outro fator
estrangeiro nas forças armadas que seria a incidência de golpes militares em países
vizinhos, que por si só, geraria um tipo de influencia nas demais forças armadas para que
estas também perpetuassem um golpe.
Assim sendo tais teorias, tanto a instrumental de Nelson Werneck Sodré quanto
a organizacional de Edmundo Campos Coelho, não explicam a totalidade ideológica
política e social as intervenções das forças armadas na política, sendo possível a formação
de uma nova teoria que abarque de uma forma mais abrangente as inúmeras característica
de uma intervenção militar na política, e mais importante, a questão da ideologia presente
em tais intervenções militares.
Porém o que de fato é ideologia? Qual é o conceito de ideologia que mais se
aproxima a explicar as diferentes visões de mundo que existem nos militares?
Para Marx, ideologia era um termo pejorativo, um conceito que implicava um
certo tipo de ilusão, seria um tipo de percepção deformada da realidade com base em uma
perspectiva da classe dominante, ou seja, nada mais era do que uma forma de dominação
da classe menos favorecida.
Em Lenin temos a conceituação de ideologia em duas formas: a ideologia
burguesia e a ideologia proletária, “Ideologia deixa de ter o sentido crítico, pejorativo,
negativo, que tem em Marx, e passa a designar simplesmente qualquer doutrina sobre a
realidade social que tenha vínculo com uma posição de classe.” (LÖWY, 1991, p. 12).
As forças armadas não podem ser entendidas como uma classe social na visão
marxista, tendo em vista que não produzem e, portanto não são proletários, porém
também não possuem os meios de produção, ou seja, também não são burgueses, logo,
não teriam uma ideologia própria, e assim os militares, como camadas médias urbanas,
se inclinariam para as ideologias burguesas ou proletárias.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
993
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Porém cite-se que para Lenin o exército permanente nada mais era do que uma
forma de dominação da classe proletária pela elite política governamental, essa
instituição, ao lado da burocracia, nada mais seria do que um mero “parasita” da
sociedade burguesa, de modo que seria mantido pela burguesia para dar sustentação ao
poder centralizador do Estado (LENINE, 1917).
O próprio protótipo de Estado de cunho popular, a Comuna de Paris, aboliu em
suas primeiras medidas o exército permanente como forma de organização militar.
Transcreva-se o planejamento de Lenin para substituição do exército regular
permanente por milícias populares armadas:
994
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
995
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
996
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
997
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
998
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
forças armadas, porém que não foi do objetivo do presente estudo em aprofundar-se no
tema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social: elementos para uma analise Marxista. 7ª
ed. São Paulo, 1991.
999
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Na internet é fácil encontrar uma variedade de opções religiosas, desde
movimentos mais tradicionais e até novos movimentos religiosos, demonstrando um
deslocamento de fronteiras e uma ressignificação – e em uma perspectiva ampla, a
construção de “multiterritorialidade” no ciberespaço – de práticas religiosas na busca de
se adaptar aos protocolos da internet. (VILLASENOR, 2013)
Esse texto aponta para os principais alvos que norteiam essa pesquisa ainda em
fase inicial, na qual pretendo pôr em análise as relações que determinados grupos
religiosos, em especial dos evangélicos, fazem no ciberespaço, em que não obstante a
relação entre mídia e religião ser bastante estudada, a análise deste grupo religioso e sua
conexão com comportamento jovem tem sido ainda pouco analisada.
Considerando a importância de tal discurso para a promoção, manutenção e a
revisão de valores e comportamentos em nossa sociedade. É importante, também, estudar
o discurso religioso, devido à influência e alcance cada vez maior que esse discurso sobre
a população, principalmente em consequência do processo de inserção da religião nas
mídias (processo de midiatização da religião).
As pesquisas sobre o Censo de 2010 do Ibge411mostraram um aumento dos
“evangélicos sem igreja” que denota uma dinâmica de flexibilização do compromisso
religioso e pelo trânsito entre as instituições religiosas (CAMURÇA, 2013). Nessa nova
“classe”, como demonstra Daniele Hervieu-Léger, cada vez mais o “peregrino” cresce em
face os convertidos e ligados por familiarialidade as igrejas em fazem parte, sua
participação é fluida e móvel pelas diversas denominações existentes sem qualquer
vínculo com as instituições. Com efeito, o novo espaço cibernético propicia também que
411
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_religiao_deficiencia/defau
lt_caracteristicas_religiao_deficiencia.shtm>
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1000
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“pessoas desligadas das instituições religiosas, mas que continuam acreditando no divino
e cultivando uma crença não institucionalizada” (VILLASENOR, 2013, p.98).
Contudo o sagrado escapa ao midiático, paralelamente criando relações com os
espaços mais tradicionais de culto.
412
Antônio Flavio Pierucci conceitua que “ 'Secularização' é uma metáfora. Surgida na época da Reforma,
originalmente em âmbito jurídico (para indicar a expropriação dos bens eclesiásticos em favor dos príncipes
ou das igrejas nacionais reformadas), a palavra veio a conhecer, ao longo do século XIX, uma notável
extensão semântica: primeiramente, no campo histórico-político, em seguida à expropriação dos bens e dos
domínios religiosos fixada pelo decreto napoleônico de 1803 (daí a carga polêmica com a qual o termo foi
empregado durante o Kulturkampf), e posteriormente no campo ético e sociológico" (MARRAMAO, 1983,
p. 30).
413
Na definição dukheimiana o termo pode ser entendido como “sistema solidário de crenças e práticas
relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma
comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem” (DURKHEIM, 1996)
414
“A Modernidade se caracteriza pela colocação do indivíduo como medida e como fim. O ser humano,
em sua individualidade e racionalidade, de certa forma substitui o centro anterior, a saber, um cosmo
sagrado, com suas derivações encompassadoras de sentido e norma, gerido por instituições religiosas que
davam a coesão social e cultural e que alocavam o centro de sentido para além do ser humano. A
Modernidade, no entanto, coloca o ser humano como medida de si, de suas relações e do universo, a partir
de uma lógica cartesiana e de uma moral kantiana. Já não seria mais o cimento da coesão cultural-social
ditado pela religião o que daria o sentido ordenador da realidade e do social, com suas mediações, mas
doravante a própria racionalidade, a própria independência de escolha racional centrada no indivíduo
autônomo”. (PORTELLA, 2006)
415
“A maioria dos pensadores do Iluminismo e a maioria das pessoas de espírito progressista desde então
tenderam a pensar que a secularização é positiva, pelo menos na medida em que elimina fenômenos
religiosos “atrasados”, “supersticiosos” ou “reacionários”.” (BERGER, 2000)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1001
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1002
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Explosão Evangélica416
416
No Brasil, “evangélico” é geralmente sinônimo de “protestante”. De acordo com Mendonça (1989)
“Evangélico” é preferido por membros das igrejas e por historiadores comprometidos com as mesmas,
enquanto “protestante” é usado por historiadores e sociólogos não comprometidos. (Mendonça p.42 in
Freston et al p 1) De acordo com Paul Freston o IBGE oferece duas categorias: “protestantes tradicional” e
“protestante pentecostal”. A falta de unidade interna propõe uma autoidentificação forjada em oposição a
igreja dominante. “Evangélico” é a identificação que une e permite ações conjuntas; e o nome
denominacional (“batista”, “metodista” etc.) é a identificação que diferencia e justifica a existência de
organizações múltiplas. Nos últimos anos, a imprensa consagrou o termo “evangélico”, o qual adquiriu
espaço em publicações acadêmicas e deixou de ser privativo dos “comprometidos”.
Utilizarei “protestante” e “evangélico” sem diferença de sentido.
1003
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
417
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf>
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1004
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Religiosidade Midiática
Na constituinte de 1987/88 inúmeros deputados da chamada “bancada evangélica”
negociaram seus posicionamentos em votações em troca de concessões de rádio e de
TV418. Nesse quadro a IURD adquiriu a Rede Record de Televisão se tornando a primeira
denominação evangélica a ser proprietária de uma televisão com cobertura nacional.
Demonstrando mais uma vez a afinidade que as denominações evangélicas tinham com
o uso de meios de comunicação e as suas “mídias” de massa na expansão de sua
mensagem, utilizando a impressa desde o início do século XX e nos anos 40 os primeiros
programas já sendo veiculados em rádios locais.
É relevante apontar que o intenso movimento de midiatização da religião busca
atrair fieis e encontrar novas redes de comunicação no mercado religioso ampliado pelo
fenômeno da secularização.
Movimentos extra religiosos crescem com maior rapidez tendo em vista a
possibilidade de novas formas de “ter voz”, e também preocupam entidades e setores
religiosos que se veem na condição de “resgate aos costumes” tendo em vista o seu lugar
de disputa.
Nesse aspecto, a midiatização se tornou essencial a pregação com a modernização,
que impõem novos desafios às igrejas pelos cenários e pelos efeitos de problemáticas
sociais e políticas, principalmente com o enfraquecimento de instituições responderem
com suas estratégias convencionais ao “aqui” e “agora” do mal-estar material e espiritual
vivenciado pelas pessoas em tempos modernos. Além disso, a instituição de “políticas
terapêuticas” por parte de instituições confessionais que têm, na esfera da mídia o
“setting” ideal para transformação de pastorais e outros rituais de escuta e de atendimento.
Neste caso, os novos formatos de “tele atendimento midiáticos” instituem, assim,
possibilidades de respostas às demandas que continuam sendo formuladas às instituições
por parte “do mundo da vida”, onde se estrutura o “mercado de candidatos” desses
serviços. (FAUSTO NETO, 2002)
A contemporaneidade modificou as relações do homem com esse território em
que a “multiterritorialidade” expressa as “diferentes representações do espaço” e abarcam
418
Correio Braziliense 27 de maio de 1987. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/131323
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1005
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1006
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Contudo, em 2006 com a compra do Youtube pelo Google a plataforma alcança rápidos
resultados e já em 2008 já é considerado um dos 10 sites mais visitados no mundo.
(BURGESS E GREEN, 2009)
Burgess e Green ainda consideram o Youtube como a possibilidade de um espaço
no qual os indivíduos podem representar suas identidades e perspectivas, envolver-se com
as representações pessoais de outros e encontrar diferenças culturais. (BURGESS E
GREEN,2009, p.112).
E nessa perspectiva iremos analisar um pouco sobre presença evangélica no
YouTube com atenção para as blogueiras femininas e como essa construção de identidade
conduz os discursos proferidos por elas nos vídeos da plataforma.
1007
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1008
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
419
Acesso disponível: < https://www.youtube.com/watch?v=AuKVT7aW3-c>
420
Acesso Disponível: < https://www.youtube.com/watch?v=REH3LBNUOEs>
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1009
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações Finais
Pelos múltiplos significados existentes, creio ser impossível esgotar o tema em tão
breve exposição, sendo assim julgo impossível concluir esse texto sem considerar as
inúmeras possibilidades da religião no ciberespaço – cibercultura em construção nessa
modernidade.
A construção da imagem do canal está diretamente ligada a história da jovem filha
de pastor da Assembleia de Deus e sua relação com as lideranças jovens, em que a
influenciadora digital constrói um personagem de si mesmo nas videografias para
estabelecer relação de proximidade com o público jovem cristão buscando uma
representação e uma “referência” de comportamento.
Para Pierre Bourdieu (1989) esses símbolos (padrões de comportamento,
representação) são instrumentos por excelência da “integração social”, enquanto
mecanismos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o “consensus”
acerca do sentido do “mundo social” que contribui fundamentalmente para a reprodução
da ordem social: “a integração da “lógica” é a condição de integração “moral” ”.
As relações fluidas e móveis das “redes” de sociabilidade no ciberespaço permite
uma intensa e rápida chega de informação e conteúdo o que permite romper barreiras
institucionais. Essa ciberreligião opera na especificidade das videografias e que essa
teatralização do “eu” é continuamente seguida de um visível apelo para a interação. As
videografias nos permitem analisar o indivíduo que atua e dirige tendo a própria vida com
“roteiro”, nos quais é possível notar as marcas das ideologias que norteiam as falas e os
seus principais alvos de abrangência.
Bibliografia
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1010
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da
internet como fonte primária para pesquisas. In: Aedos, n. 8, v.3, jan./jun. 2011.
ARAÚJO, Odair José Torres de. Secularização e efervescência religiosa: contrastes da
modernidade. In: XI Congresso Brasileiro de Sociologia, SP, 2003.
BERGER, Peter. A dessecularização do mundo: uma visão global. In: Religião e
Sociedade, Rio de Janeiro, 21 (1): 9 – 24; 2000.
BOURDIEU, Pierre. O poder do simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BURGESS, Jean& GREEN, Joshua. YouTube e a Revolução Digital: como o maior
fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. Tradução: Ricardo
Giassetti. – São Paulo: Aleph, 2009.
FAUSTO NETO, A. Processos Midiáticos e construções das novas religiosidades.
Revista Galáxia, n. 3, p. 151-164, 2002.
FERNADES, Rubem Cesar; SANCHIS, Pierre; VELHO, Otávio Guilherme;
CARNEIRO, Leandro Piquet; MARIZ, Cecília; MAFRA, Clara. Novo Nascimento: os
Evangélicos em Casa, na Igreja e na Política. Editora Mauad, RJ, 1998.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. Tese
(Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo, 1993.
JUNGBLUT, Airton Luiz. O uso religioso da Internet no Brasil. PLURA, Revista de
Estudos de Religião, vol.1, nº 1, 2010, p. 202-212
LÉVY, Pierre (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34.
MARIANO, Ricardo. Efeitos da secularização do Estado, do pluralismo e do mercado
religiosos sobre as igrejas pentecostais. Civitas, Porto Alegre, v. 3, nº 1, jun. 2003.
MYKLOS, Jorge. A construção de vínculos religiosos na cibercultura: a ciberreligião.
Tese (Doutorado) – Programa de comunicação e semiótica, PUC-SP. São Paulo, 2010.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização. A propósito do
autoengano em sociologia da religião. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, nov. 1997. p. 99-
117.
SILVA, Daniele Renata da. Eu sou princesa, fora cachorrada: uma análise do discurso da
pastora Sarah Sheeva nos Aconselhamentos Sentimento. Dissertação (Mestrado) –
Departamento de Letras, Universidade Federal de Viçosa, MG, 2014.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1011
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1012
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1. Introdução421
Em 16 de junho de 1970, no Decreto-Lei n. 1.106, como instrumento do Programa
de Integração Nacional (PIN), a construção da Rodovia Transamazônica (BR-230) era
anunciada pelo então presidente da República Emilio Garrastazu Médici (1969-1974).
Efetivada por diversos órgãos governamentais, entre eles o Ministério dos Transportes e
a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o projeto da BR-230
pretendia ligar o oceano Atlântico, a partir de Cabedelo, na Paraíba, ao oceano Pacífico,
em Lima, no Peru.
As justificativas oficiais utilizadas pelo governo Médici para realizar a construção
da BR-230 foram: a opção de livrar os nordestinos do presente cruel resultado da seca
crônica vivida por estes e a possibilidade, tantas vezes pretendida na história nacional por
diversos governos, de ocupar, efetivamente, a região amazônica. As consequências do
empreendimento seriam a expansão das fronteiras econômicas do país, já que incorporaria
uma área ainda inexplorada economicamente e repararia desequilíbrios inter-regionais ao
descentralizar os polos econômicos brasileiros que eram concentrados na região Centro-
Sul.
E havia ainda outra motivação para a construção da Transamazônica por parte da
ditadura civil-militar: a legitimidade que o empreendimento traria para o regime que
enxergava neste a ideia síntese de um objetivo comum e desejável de todos os brasileiros,
promovendo uma “mobilização social de afeto” da população que poderia vir a aderir e a
aceitar o regime, que desfrutava de pouca popularidade, a partir da rodovia. (MENEZES,
421
Esse texto é a primeira escrita sobre uma das várias perspectivas do meu novo objeto de pesquisa de
doutorado, a Transamazônica. As pesquisas sobre esse novo tema de tese se iniciaram no mês de maio.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1013
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
2007, p.87). Posto que, esta traria maior integração territorial e nacional, levaria o
desenvolvimento e a ocupação estatal e demográficaao “vazio” da região amazônica,
considerada tão importante como fronteira e como fornecedora de recursos naturais.
No entanto, havia alguns parlamentares e jornalistas que buscavam semelhanças
entre o empreendimento da rodovia Transamazônica e a Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré (EFMM) que foi construída entre 1907 e 1912422. Esta comparação consistia no
fracasso da ferrovia,consideradoassim por diversas autoridades políticas e técnicas,
justificado pelo número impressionante de mortes causadas pelas doenças tropicais,
principalmente a malária, que acometiam os seus trabalhadores.423
Assim como afirmaram Jaime Benchimol e André Felipe Cândido da Silva: “De
todos os empreendimentos ferroviários, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é talvez o
mais emblemático quanto ao impacto que as doenças ditas tropicais tiveram nas obras de
infraestrutura associadas à modernização, nesse período da história republicana [Primeira
República]. A assombrosa mortalidade entre os trabalhadores valeu-lhe o epíteto de
Ferrovia do Diabo.” (BENCHIMOL; SILVA, 2008, p.741).424
E assim, tendo o mesmo cenário da região amazônica e os mesmos fascínios e
contrariedadesem relação a um grande empreendimento realizado pelo Estado brasileiro,
que se dedicava à modernização e desenvolvimento nacional, a comparação entre a
rodovia e a ferrovia, para alguns, era inevitável. Dessa forma, os esforços federais, para
além da engenharia e do financiamento, voltaram-se também para os problemas já
existentes, e para os futuros, no âmbito da saúde e do saneamento nos municípios e
núcleos populacionais pelos quais a Transamazônica passaria.
422
Com o Tratado de Petrópolis (1903), o Brasil entrava em acordo com a Bolívia para a anexação de parte
do território deste país que ficou conhecido como o estado do Acre. O governo brasileiro pagaria uma
indenização de dois milhões de libras esterlinas e deveria arcar com a construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré. Esta possibilitaria a comunicação do território boliviano com o oceano Atlântico e assim
o escoamento da produção de borracha do país poderia ser realizado. (FERREIRA, 2005).
423
Segundo Manoel Rodrigues Ferreira, calcula-se que tenham sido 6.208 mortes. (FERREIRA, 2005, p.
301).
424
Na tentativa de mudar esse estigma, durante o auge da construção da ferrovia, em 1910 e 1911, a empresa
responsável pela EFMM contratou 11 médicos, dentre estes, quatro trabalharam no hospital e o restante nos
canteiros de obras. Os integrantes do “quadro superior” (engenheiros, médicos e técnicos) do
empreendimento eram estadunidenses e havia uma alta rotatividade na leva de trabalhadores, pois em
poucos meses nos canteiros de obras estes adoeciam, geralmente da malária. (BENCHIMOL; SILVA, 2008,
p. 742).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1014
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
425
A FSESP era antes de 1960 o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) regulamentado pelo Decreto-
lei de n. 4.275 de 1942, vinculado ao Ministério da Saúde. (SOUZA, 2011).
426
Órgão criado em 1970 com a fusão do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu; 1956),
da Campanha de Erradicação da Malária (CEM; 1965) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV;
1966).
427
O IEC foi criado pela Lei n. 59 de 11 de novembro de 1936 como Instituto de Patologia Experimental
do Norte (IPEN), passando a levar o nome do seu cientista e primeiro diretor científico em 1940. Em 1970,
o IEC era transferido para a recém-criada Fundação Oswaldo Cruz, na qual foram reunidos todos os centros
de pesquisa do Ministério da Saúde. Em 1975, o IEC voltaria a reintegrar a FSESP. (PINHEIRO, 1986, p.
70).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1015
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
428
Mesmo que algumas dessas doenças não ocorressem em grande número, como a filariose que se
concentrava mais especificamente nas imediações da cidade de Belém, faziam parte do objetivo da
Operação Oswaldo Cruz de levar saúde e saneamento para os colonos e trabalhadores da região amazônica
e da BR-230.
429
A Construtora Mendes Júnior foi uma das quatro empreiteiras que ganhou a concorrência para construir
a BR-230. As outras eram: Construtora Queiroz Galvão, Empresa Industrial Técnica e Cristo Redentor.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1016
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
este investigasse e esclarecesse a ocorrência de uma doença que havia causado mortes
súbitas (entre 24 horas e 36 horas do início do aparecimento dos sintomas) de três
trabalhadores dos acampamentos da construtora em Gurupi e Itinga, localidades às
margens da rodovia Transamazônica. (BENSABATH, 1973).
Outras duas significativas atuações do IEC foramos estudos da chamada Febre
Negra de Lábrea e na Síndrome Hemorrágica de Altamira (SHA). A primeira doença até
1974, que ocorria especificamente na cidade de Lábrea (AM), ainda tinha sua etiologia
desconhecida. Somente após consulta com outras instituições e médicos estrangeiros, os
estudos passaram a ser orientados no sentido da identificação de uma toxina de origem
bacteriana, de cogumelo ou levedura, cuja proliferação era favorecida pelas condições
ecológicas da região. E voltaram as atenções a aflatoxina que possivelmente estivesse se
desenvolvendo em alimentos habitualmente consumidos, como por exemplo, a farinha de
mandioca.
A SHA começa a ser registrada no início de 1970, quando surgem casos de uma
enfermidade hemorrágica em imigrantes chegados recentemente em Altamira. Os
primeiros casos da síndrome ocorrem seis meses após o início da chegada de imigrantes
para a colonização das terras da rodovia. “Antigos moradores de Altamira referem a
ocorrência no passado de casos esporádicos de enfermidade similar, porém sempre em
pessoas de fora.” (PINHEITO et al., 1986, p.797). O número de casos em 1972 era de 22,
já em 1973 aumentou para 79. O estudo da Síndrome foi prioritariamente realizado pelos
técnicos e médicos do IEC que faziam regulares levantamentos e coletas locais, levando
estes aos seus laboratórios localizados na cidade de Belém (PA) para maior análise.
A construção da Transamazônica possibilitou a ampliação dos estudos sobre vírus
realizados pelo Instituto Evandro Chagas por dezesseis anos. Dessa forma, não foi
somente a rodovia que pode ser viabilizada pelos estudos, controle e solução de doenças
pelo instituto e por outros órgãos governamentais, que ocorreram durante a obra, mas
também estes tiveram suas pesquisas beneficiadas pelas oportunidades trazidas pela BR-
230.
Esta faliu em 1971, passando o seu trecho a ser divido então, pela Mendes Júnior e a S. A. Paulista.
(CAMPOS, 2015, p. 382).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1017
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
3. Conclusão432
Inicialmente, em seus primeiros meses de existência, a Operação Oswaldo Cruz
atuava sem a necessária coordenação entre seus órgãos governamentais. A multiplicidade
destes e o débil conhecimento sobre como estruturá-los em conjunto para uma efetiva
operação de saúde e de saneamento, fez com que contribuísse para os já existentes fatores
que tornavam ainda mais complexa a problemática da saúde nas áreas da BR-230.
430
O INCRA é criado pelo Decreto-Lei n. 1.110 de 09 de julho de 1970 e é a autarquia federal, vinculada
ao Ministério da Agricultura, responsável pela colonização da Transamazônica.
431
A cidade de Altamira (PA) era considerada pelas autoridades que realizavam a construção da
Transamazônica como uma espécie de capital da mesma, onde se concentravam os núcleos e sedes de
praticamente todas as instituições ligadas ao grande empreendimento estatal.
432
O início de uma pesquisa foi apontado aqui. Há ainda muitos documentos a serem investigados, como
por exemplo, os do Fundo da FSESP, no Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo
Cruz (DAD/COC), que ainda precisam ser observados por completo. Há muitas perguntas a serem
respondidas sobre as políticas médico-sanitárias realizadas pelo governo Médici durante a construção da
rodovia Transamazônica.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1018
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
4. Documentação
1019
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1020
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
5. Referências Bibliográficas
ANDRADE, Márcio Magalhães de. Proposta para um resgate historiográfico: as fontes
do SESP/FSESP no estudo das campanhas de imunização no Brasil. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 10 (suplemento 2), pp. 843-848, 2003.
ANDRADE, Rômulo de Paula. A Amazônia na era do desenvolvimento:
saúde,alimentação e meio ambiente (1946-1966). 378 f. Tese (Doutorado em História das
Ciências e da Saúde), Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, 2012.
BENCHIMOL, Jaime Larry; SILVA, André Felipe Cândido da. Ferrovias, doenças e
medicina tropical no Brasil da Primeira República. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos,Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, jul/set. 2008.
BRAGA, Magno Michell Marçal. BR-230,Nordestinos na Rota Transamazônica: a
trajetória dos migrantes no estado do Pará (1970-1974). 135 f. Dissertação (Mestrado em
História), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, 2012.
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a
ditadura civil-militar, 1964-1988.Niterói: Eduff, 2015.
CARDOSO, Fernando Henrique; MÜLLER Geraldo. Amazônia: expansão do
capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1978.
CAUSEY, Calixto E. Implantação dos Estudos sobre Arbovírus na Região Amazônica.
In: Fundação Serviços de Saúde Pública. Instituto Evandro Chagas: 50 anos de
contribuição às ciências biológicas e à medicina tropical. Ministério da Saúde, Belém:
Fundação Serviços de Saúde Pública; 1986.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
FONSECA, Teresinha. A Amazônia brasileira pré-sustentabilidade: um estudo crítico
discursivo dos planos de desenvolvimento do governo federal (1964 a 1987). 198 f. Tese
1021
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1022
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1023
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
O Rio de janeiro ao longo do século XVIII foi se constituindo como um dos
espaços mais importantes na articulação política e econômica do império português em
seu complexo atlântico. A capitania Fluminense exerceu um papel crucial para o
cumprimento dos interesses e objetivos metropolitanos, em especial para o seu lado
atlântico. A historiografia recente tem mostrado e evidenciado como se deu este processo.
As conclusões têm apontado para o fato de que o Rio de Janeiro constituiu-se como um
lócus imprescindível na formulação de políticas de defesa do atlântico lusitano, num
contexto de constante tensão geopolítica presente no século XVIII. Nas palavras
doravante, tentaremos esboçar a partir da historiografia sobre o tema as causas e motivos
deste crescimento em importância da cidade no funcionamento e manutenção da
soberania lusitana em seu lado atlântico.
O século XVIII ficou marcado na história do ocidente pelo acirramento bélico que
se sucedeu entre as potências europeias. Cresceram as disputas dos países europeus por
mercados e rotas comerciais no ultramar. Após o tratado de Utrecht, acontecimento que
pôs fim à guerra de sucessão espanhola, Novaes afirma: “no novo equilíbrio assentado
em Utretch, o mundo colonial ultramarino pesava significativamente como elemento
essencial do equilíbrio das forças europeias.” (Novaes apud Bicalho, 2003:56) Não
obstante, o século XVIII para Bicalho pode ser entendido como um período de forte
“concorrência colonial” entre os países europeus. A busca por hegemonia no velho
continente tinha uma amálgama com as disputas de rotas comerciais e marítimas no
ultramar.
1024
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1025
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Agora talvez fique a pergunta. Por que precisamente a cidade do Rio de Janeiro
constitui-se como o lugar chave na articulação política de defesa do complexo atlântico
sul da América? Não obstante ainda, porque o porto de sua cidade transformou-se em
lugar estratégico para a manutenção da rede de comércio dentro do império?
Importante ressaltar o fato de que na história é importante pensarmos na noção de
processo. A cidade do Rio de Janeiro não adquiriu este status de importância como região
de defesa e de gerenciamento mercantil no império português num “passe de mágica”. Se
tivermos de puxar um fio que nos levaria ao inicio deste processo, talvez chegaríamos
ainda no século XVII com a chamada repartição sul iniciada em 1602. Basicamente, o
que se propunha neste projeto era uma nova divisão do Estado do Brasil. As capitanias
situadas ao centro-sul da América passaram a ser subordinadas diretamente ao Rio de
Janeiro, e não mais à Bahia, como até então funcionava. Tal decisão foi tomada a partir
de um plano de melhorar a comunicação entre estas regiões. O Rio de Janeiro, por estar
situada em uma região geograficamente meridional, adquiriu esta responsabilidade de ser
a cidade cabeça desta nova repartição. Esta nova configuração da divisão administrativa
da colônia deu um start neste contínuo processo de relevância da cidade na administração
colonial, sendo ela um importante espaço nas determinações políticas que tinham
ressonância nas capitanias a ela subordinada. Seu governador tinha a jurisdição de dar
ordens aos outros governadores e capitães mores.
Em 1662, oficialmente se encerrou a referida divisão do território brasileiro.
Restabeleceu-se o antigo modelo, não tendo mais uma divisão geográfica e de jurisdições.
Seria o governador-geral situado na Bahia o responsável novamente por todas as outras
capitanias do Estado do Brasil.
Entretanto, na prática não foi isso que se sucedeu. A historiadora Mônica Ribeiro
enfatiza o fato de que, mesmo com o fim da repartição, o Rio de Janeiro manteve-se como
cabeça das capitanias do sul, uma vez que ainda aglutinava e comandava questões de base
política e jurídica naquela região. Em regimento de 1669, o príncipe regente Pedro II
recomendou ao ouvidor geral que residisse na cidade do Rio de Janeiro “por ser a
principal cidade daquela repartição e no meio dela que fica mais acomodado para as partes
irem requerer sua justiça[...]” (RIBEIRO, 2016: 107). Portanto, mesmo com o fim da
repartição sul, o Rio de Janeiro manteve seu status de sede daquela região.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1026
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Este governo [Rio de Janeiro] é a mais importante jóia deste tesouro. Aqui
correm e correrão ao diante os mais importantes negócios, tanto da coroa,
como dos vassalos; e assim se deve contar como mural destas províncias, de
onde podem socorrer e animar as outras. (BICALHO, 2003: 84)
Este sentimento de Gomes freire era a síntese de uma constatação geral dos
estadistas portugueses àquela época. Com a emergência da monarquia Josefina, e
conseqüentemente de um dos validos mais conhecidos da história do império, o Marquês
de Pombal, a noção de importância da cidade cresceu ainda mais. Tornou-se cada vez
mais um consenso nas discussões entre os estadistas pombalinos de que a defesa da
América era mais que crucial para a sobrevivência do império. Não a toa que o ímpeto
1027
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
reformista de Pombal e seus aliados convergia para uma tática de defesa e manutenção
de seus territórios além-mar, em especial o Brasil. Pombal em suas correspondências
insistia, “a perda do Rio de Janeiro significa a perda do Brasil.” (BICALHO, 2007: 263)
Havia uma demanda dos locais na capitania fluminense de se melhor gerir a
questão da justiça na cidade. Não a toa que, após muitos pedidos, em 1751 o Rio de
Janeiro recebeu um tribunal da relação próprio, órgão que até então só existia na Bahia
no presente Estado do Brasil. Para ter-se uma ideia dos números demográficos, já em
1751 a população do Rio de Janeiro contava com 50.000 habitantes contra os 46.000 da
Bahia em 1757 (HOLLANDA, 2004: 44).
Nada tirou mais o sono do Marquês de Pombal do que os anos que se sucederam
durante a guerra dos Sete anos (1757-1763). Portugal tentou assumir uma postura de
neutralidade até o ultimo segundo, uma vez que não fazia parte de sua estratégia, no
cenário internacional, angariar qualquer tipo de tensão com outros países europeus, pois
sua marinha de guerra estava longe de ser equiparada com as outras potências em disputa,
França e Inglaterra. Tendo estes dois países declarado guerra, Portugal optou por manter
sua aliança com os ingleses, parceiros de longa data. Porém, insurgiu um clima de
bastante tensão entre as autoridades lisboetas sobre a preservação de seu patrimônio no
além-mar, uma vez que, com a guerra, suas colônias poderiam ser invadidas. Em 1763,
ao fim do conflito, os estadistas pombalinos decidiram transferir a capital da colônia
sediada na Bahia para o Rio de Janeiro, selando assim por completo sua posição de
destaque dentro do jogo dos interesses imperiais.
As razões efetivas desta transferência não foram até então descobertas pela
historiografia, porém Bicalho nos dá algumas pistas em seu livro a cidade e o império.
Bicalho compreende que, se tivéssemos que traçar os objetivos desta decisão de se
transferir a capital, estes seriam respaldados por questões de defesa e aparato militar.
Na conjuntura do período pombalino, o que se tinha era uma preocupação com as
fronteiras. Havia uma necessidade de uma precisa demarcação dos limites entre as
colônias ibéricas, uma vez que o obsoleto tratado de Tordesilhas já não servia como ponto
de referência na divisão dos limites. Em 1751 selou-se o tratado de Madri entre Portugal
e Espanha como um meio de achar uma solução para este impasse. No norte, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado foi o principal comissário e ao sul, Gomes Freire então
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1028
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1029
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ataque este que viria acontecer no ano seguinte, em 1773, quando os espanhóis
invadem aquele Estado e lá constroem o forte de Santa Tecla.
Adquirindo o status de cidade “cabeça” do Estado do Brasil em 1763, o Rio de
Janeiro foi um centro estratégico de organização política e militar na busca da manutenção
da soberania lusitana em seus domínios ultramarinos. Temos desempenhado pesquisas
sobre a comunicação política travada entre o secretário de Estado da Marinha e domínios
ultramarinos, Martinho de Melo e Castro e o vice-rei Marquês do Lavradio nos anos de
sua administração (1769-1779). Temos observado que há uma quantidade enorme de
ofícios remetidos pela secretaria ao Lavradio no que concerne a este tema da defesa. Em
suma, o secretário ordenou por diversas vezes ao vice-rei que aquela capitania deveria
prestar todo suporte necessário na defesa do sul. Em síntese, o Rio de Janeiro constituiu-
se como um espaço central na articulação da geopolítica rumo a uma solução dos conflitos
que se sucederam com a Espanha até o tratado de santo Ildefonso em 1777.
Conclusão
Vimos na discussão acima o quanto a cidade do Rio de Janeiro cumpriu um papel
de extrema importância dentro dos objetivos das autoridades lusitanas no que concerne a
proteção e defesa de seu complexo atlântico. É importante que se pense neste crescimento
em importância a partir de uma noção de processo, tal como nos alerta a professora
Mônica Ribeiro. A cidade de fato no século XVIII desempenhou uma função crucial nos
planos de cunho econômico e político do império, porém é importante o historiador está
atento aos processos que estimularam tal consequência. Como vimos, ainda no século
XVII o Rio de Janeiro teve destaque na nova repartição sul, região divida pelo poder
régio, uma vez que a comunicação entre as capitanias era dificultada pelas distâncias.
Então, a solução foi, devido a sua posição meridional, ser ela a cidade “cabeça” das outras
capitanias da região, tendo o governador daquela cidade jurisdição sobre os outros.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1030
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
No século XVIII, esta posição de destaque foi consolidada ao longo dos anos que
se sucederam, pois, com a descoberta das minas de metal amarelo, seu porto constitui-se
como principal elo de exportação e importação de mercadorias, superando até mesmo
Salvador em meados daquele século. Por sua posição meridional, partia de lá socorro
militares para as colônias do sul, como aconteceu em 1773 em Rio Grande.
Neste sentido, a partir das pesquisas recentes, estudos têm trazido mais respostas
sobre este papel de destaque da cidade nos ditames políticos e econômicos do império
português. É necessário que se diga que este papel de centralidade da capitania fluminense
foi sendo desenhado ao longo do século pelas contingências e necessidades de momento,
tal como a descoberta de ouro no fim do XVII, a concorrência colonial entre as potências
ultramarinas, e uma constatação de vulnerabilidade frente a um possível ataque inimigo.
Há uma tentação de nós historiadores em afirmar de que tudo isso precipitou o “ápice” da
história da cidade, sendo ela em 1808 a capital não mais da colônia, mas sim de todo o
império. Não queremos aqui fazer esta ligação teleológica. Entretanto não podemos negar
o fato de que o secretário de Estado em 1808 era D. Rodrigo de Sousa Coutinho, agente
político no processo que culminou na transferência da corte. Como um hábil estadista que
era, D. Rodrigo estudou o histórico da cidade e sua relação com o reino, constatando que
ela seria o local mais apropriado para receber uma possível transferência de governo.
Entretanto, há ainda muito que descobrir, muito que pesquisar. A dinâmica
administrativa da cidade da cidade tem sido pouco explorada, sobretudo no período
pombalino, período onde houve a transferência da capital centrada na Bahia para o Rio
de Janeiro. A comunicação política tem sido um objeto relativamente novo abordado pela
historiografia recente. Há a possibilidade aí de se trazer mais respostas a essa relação
entre colônia e metrópole.
Referências Bibliográficas
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império. O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
______. As noções de capitalidade no Rio de Janeiro sob a política pombalina. In:
ARAÚJO, Ana Cristina; CARDOSO, José Luís; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; ROSSA,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1031
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1032
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FABIANA DIAS
Programa de Pós - Graduação em História Social da Cultura - PUC-Rio
Bolsista CAPES
A expressão faz referência à “pacificação” dos territórios indígenas pelos governos argentinos no último
433
1033
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1034
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de cada uma das novas unidades políticas, afinal as balizas legais destas experiências
políticas sem precedentes precisavam ser demarcadas. Consolidados os pilares da nova
ordem, a segunda metade do século XIX assistiu a potencialização do sentido étnico e
político do conceito de nação. Nesta altura, essa dupla acepção de nação foi sendo
mobilizada pelos circuitos intelectuais ibero-americanos, então dedicados a costurar os
heterogêneos tecidos em prol de uma identidade espontânea. (WASSERMAN, 2009) A
História e a Literatura, em franca expansão institucional no século XIX, protagonizaram
essa experiência, contribuindo, de maneira decisiva, para legitimar os arquétipos
nacionais – do herói ao bom selvagem. Os usos cada vez mais pragmáticos destes que
haviam sido por longos séculos domínios eruditos, serviram muito convenientemente à
invenção de uma unidade nacional pretérita, no intuito de produzir uma comunidade
imaginada (ANDERSON, 2008) que transcendesse, inclusive, os movimentos de
independência, como se desde os tempos coloniais houvesse uma espécie de
protonacionalismo, quando bem sabemos da significativa representatividade das
inúmeras articulações alternativas aos projetos emancipatórios e unificadores.
(PAMPLONA, 2015)
A progressiva singularização do conceito de povo esteve intimamente
vinculada à consolidação da dimensão afetiva dos estados nacionais. Isto é, no compasso
em que se disseminavam as pinturas históricas, os compêndios de história nacional, a
literatura romântica e as óperas de viés nacionalista, as múltiplas identidades locais
recriavam-se, conciliando suas referências originais às referências imaginadas de um
pertencimento nacional. A invenção dessas tradições esteve, como já adiantamos,
visceralmente relacionada ao paradigma civilizador, sobretudo porque instruíam a
respeito dos gostos, hábitos e saberes, polindo, assim, os então considerados
comportamentos excêntricos. (STAROBINSKI, 2001)
Aos códigos civilizadores deveriam ser introduzidos todos aqueles que
estivessem, ainda, em estágio de barbárie. Isso porque civilizar pressupunha um devir,
um compromisso dos europeus, supostamente evoluídos, de conduzirem o outro à marcha
do progresso (ELIAS, 1994). O binômio civilização/progresso serviu muito
apropriadamente aos intelectuais oitocentistas que ousaram pensar um projeto nacional
para os recentes estados independentes aos quais estavam vinculados. Para que a nação
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1035
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
progredisse, seria preciso, portanto, eliminar qualquer vestígio de barbárie, ou seja, fazia-
se urgente civilizar para integrar, e vice-versa.
Índios e negros constituíam, nesta altura, um entrave às expectativas
europeizantes projetadas pelas elites ibero-americanas para seus respectivos Estados. Na
representação de José Bonifácio à Constituinte de 1823, por exemplo, é clara a
preocupação em integrar os contingentes étnicos identificados ao atraso à civilização,
pois:
[seria] da maior necessidade ir acabando [com] tanta heterogeneidade física e
civil; cuidemos desde já em combinar tantos elementos discordes e contrários,
e em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e
compacto, que não se esfarele ao pequeno toque de qualquer nova convulsão
política. (SILVA, 2000: 23-4)
1036
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de corrupção e tirania; de inimigos seus e do Estado; que hoje não tem pátria e que podem
vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas.” (SILVA, 2000: 32) Na terceira versão
que apresentou à Constituinte de seu diagnóstico sobre a situação de então dos indígenas,
o patriarca da independência fez uma crítica explícita às missões jesuítas e ao projeto
colonizador empreendido pelos portugueses. (SILVA, 2000: 47)
A escrita do naturalista rompia, assim, com o passado colonial e escravista
e propunha uma nova ordem, a ser alimentada por aquele grande pacto entre as elites
brasileiras e o Imperador. A retórica de Bonifácio em favor da extinção da escravidão e
em prol da civilização dos índios bravos por métodos alternativos aos tradicionais não
agradariam, pois, aos constituintes mais conservadores, nem ao Imperador, então
convencido das pretensões de um projeto de Estado independente que desse continuidade
às tradições lusitanas. A dissolução da Constituinte e a prisão dos irmãos Andrada – e do
grupo de deputados a eles afinados - demonstrou o rechaço do Imperador ao projeto
refundador capitaneado por Bonifácio. De qualquer modo, a difusão imagética e
discursiva do Brasil como um corpo político autônomo (SOUZA, 1999) seria daí por
diante uma tarefa subsidiada por um programa que, paradoxalmente, delineava os
contornos de um país novo/ moderno sem prescindir das tradições coloniais com as quais
teria, em tese, rompido.
No entanto, os esforços de D. Pedro I não foram suficientes para garantir
a coesão do território. Com a abdicação e a vacância do trono, a fragilidade do Império
tornou-se ainda mais evidente. A experiência das independências proclamadas por Bahia,
Rio Grande do Sul e Grão-Pará expôs os limites da noção de brasilidade. Ganham espaço,
nesse ínterim, investimentos intelectuais na dimensão afetiva, simbólica e cultural do
Estado que se pretendia nação. A publicação da Revista Nitheroy, em 1836, e a fundação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, constituíram, com efeito, reações
à iminente possibilidade de esfacelamento do Império idealizado pelas elites de 1822.
A Nitheroy Revista Brasiliense contou apenas com duas edições. Na
primeira delas, seus jovens redatores –Gonçalves de Magalhães, Araújo- Porto-Alegre e
Torres Homem - escrevendo de Paris, em meio à convivência com Jean Batiste Debret,
Eugène Garay de Monglave e Ferdinand Denis, se posicionaram criticamente a respeito
da continuidade da escravidão e dos resquícios colonizadores que pareciam se perpetuar
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1037
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1038
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
edição de 1858, do Dicionário de Moraes Silva, registra os termos nação e povo como
sinônimos, mas com algumas sutis especificidades: nação significava uma dilatada
família, mas sem incluir todas as pessoas que habitavam uma determinada circunscrição
territorial, se referindo apenas a um certo tipo de gente; enquanto povo representava a
uma multidão de homens reunidos em um mesmo lugar, neste caso todos aqueles que
compartilhassem um mesmo território. (PAMPLONA, 2009) A ideia de nação como
dilatada família afina-se com o paradigma étnico/cultural, enquanto povo comportaria
uma noção mais abrangente, mais ligada à ocupação do território. (FERREIRA, 2009)
No decorrer da seção, Gonçalves de Magalhães faz uso do conceito de nação para se
referir a exemplares obras literárias que cooperaram para a glória de Roma, por exemplo.
Nesse sentido, parece estar se apropriando da acepção que atrela a ideia de nação à ideia
de cidadania, vejamos:
A glória de uma Nação, que existe, ou que já existira, não é senão um reflexo
da glória de seus grandes homens; de toda a antiga grandeza da pátria dos
Cíceros, e dos Virgílios apenas restam suas imortais obras, e essas ruinas, que
tanto atraem a vista do estrangeiro, e no meio das quais Roma se sustenta, e se
enche de orgulho. (MAGALHÃES, 1836: 138)
O uso recorrente dessa dimensão do significado de nação sugere que o Brasil não
dispunha, àquela altura, das elementares condições para se configurar como uma Nação.
O esforço do grupo capitaneado pela Nitheroy seria, justamente, o de suprir uma dessas
lacunas através da escrita de uma História da Literatura. A precariedade do cenário
intelectual brasileiro é atribuída, por Gonçalves de Magalhães, ao projeto colonizador
conduzido por Portugal, sobretudo ao que concerne às suas condenáveis estratégias com
relação aos índios – elemento genuíno da brasilidade – e com relação à recepção de negros
escravizados oriundos do continente africano. Segundo ele, “as Ciências, a Poesia e as
Artes, filhas da Liberdade, não são partilhas do escravo; Irmãs da glória, fogem do país
amaldiçoado onde a escravidão rasteja, e só com a Liberdade habitar podem.”
(MAGALHÃES, 1836: 142-3)
Por fim, se as mazelas coloniais obstruíam “todas as portas e estradas que a
ilustração o conduzir podiam” (MAGALHÃES, 1836: 139), os primeiros anos do Brasil
independente deveriam ser dedicados a corrigir esse suposto atraso. Talvez a severidade
da crítica de Magalhães ao estado da produção literária no Brasil esteja relacionada à
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1039
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
percepção comparativa que pôde desenvolver a respeito dos modelos civilizacionais então
operantes. Cabe aqui destacar a interação do grupo da Nitheroy, residente em Paris à
época da redação e da publicação da Revista, com diversos intelectuais, de múltiplas
matrizes intelectuais.
O ensaio de Magalhães a respeito da História da Literatura reconhece, nas
entrelinhas, que a ideia de nação, na sua acepção mais politizada, não se constituía como
uma experiência compartilhada, mas como um horizonte de expectativa daqueles que
defendiam o projeto de um império centralizado. Ao longo de todo este ato de fala não
há menção ao Brasil como nação, no seu sentido singularizado, o que, com efeito, remete
à fragilidade do mosaico brasileiro, agravada pelas potentes revoltas do período das
regências. As francas disputas travadas em diversos pontos do território que a Coroa
procurava manter agregado, não permitiam, portanto, a Gonçalves de Magalhães, em
1836, operar com o conceito de nação brasileira.
Além de mobilizar o conceito de povo para se referir aos brasileiros, o autor
recorre também ao termo pátria, evocando a sua carga afetiva. Ao discorrer sobre o
desmerecimento para com os Literatos, diz que o elemento motivador do seu ofício é o
amor. “O amor à Poesia e à Pátria.” (MAGALHÃES, 1836: 143) A dimensão metafórica
do conceito de pátria provavelmente já estava presente quando o termo possuía uma
acepção mais plural e identificava-se com vilas e cidades. No entanto, essa subjetivação
deve ter se complexificado à medida em que o termo foi sendo singularizado e passou a
interagir com os conceitos de nação e reino. (PAMPLONA, 2014) Nos atos de fala dos
liberais vintistas a ideia de nação pautava-se na prerrogativa de uma unidade atlântica,
“na concepção de uma única identidade nacional entre as diferentes partes componentes
do mundo português.”(PAMPLONA, 2014: 60) Nesse contexto linguístico, pátria servia
para designar o local de nascimento, assim, a pátria brasileira e a pátria lusitana
conservavam suas especificidades locais e compartilhavam uma noção de pertencimento
comum ao mundo português, ou “à nação inteira de ambos os hemisférios.”
(PAMPLONA, 2014: 60)
A aproximação entre pátria e nação acompanhou os debates a respeito da
emancipação do Brasil. Conforme a possibilidade do surgimento de um novo Império ia
se materializando, a ideia de nação ia se reconfigurando no sentido de um projeto nacional
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1040
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A nova noção de pátria haveria, ainda, contribuído para que a literatura brasileira
escapasse das armadilhas da imitação e iniciasse a pavimentação de um caminho de
originalidade. Os intelectuais partidários do projeto da monarquia centralizada
vislumbravam, no horizonte daquele percurso, uma língua autêntica e uma literatura
brasileira, afinal:
O uso do termo pátria não abandonou a sua acepção mais plural, atrelada à ideia
de lugares variados. Conforme o Estado centralizado se consolidava, mais o conceito de
pátria se singularizava e se confundia com a ideia de nação. A partir da década de 1840,
com a vitória do projeto saquarema, os atos de fala dos aliados desse grupo
empreenderam um grande esforço para que toda a carga afetiva do termo pátria fosse
colada à ideia de nação. A fundação do IHGB em 1838 encampou a tarefa de forjar, na
ausência de elementos espontâneos, a dimensão étnico-cultural da Nação. A Literatura, a
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1041
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão
do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ANDRADE, Debora El-Jaick. Semeando os alicerces da nação: história, nacionalidade
e cultura nas páginas da Revista Nitheroy.Revista Brasileira de História, SP, vol.29, nº58,
p.417-442. 2009.
COUTINHO, Afrânio. A tradição afortunada: o espírito de nacionalidade na crítica
brasileira. RJ: Livraria Jose Olympio Editora, 1968.
DIAS, Fabiana R. Da gênese do campo historiográfico: erudição e pragmatismo nas
associações literárias dos séculos XVIII e XIX. Revista de Teoria da História. Ano 2. Nº4,
dez./2010. UFG.
DOLHNIKOFF. Miriam. Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva. São
Paulo: Companhia das Letras: PubliFolha, 2000.
DOYLE, Don H. & PAMPLONA, Marco A. Nacionalismo no Novo Mundo. Editora
Record: RJ e SP, 2008.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1994.
1042
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1043
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1044
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
434
Essa resposta, dada numa entrevista ao médico Drauzio Varella, aparece constantemente na fala do Frei
Betto, principalmente quando ele quer explicar a articulação entre espiritualidade e ação política. Para Frei
Betto, esse binômio simplesmente não existe. Tanto é assim que ele costuma inverter a questão: como
alguém pode ter fé e não questionar a realidade caótica em que se vive, formada de injustiça, opressão e
exclusão social. A entrevista pode ser consultada em
https://www.youtube.com/watch?v=wFGgfEnIcyQ&t=1166s.
1045
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FREI BETTO
Frei Betto nasceu na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, no dia 25 de
Agosto de 1944. Ele foi o segundo dos oito filhos do casal Antônio Carlos Vieira Christo
e Maria Stella Libanio Christo, escritora e culinarista, autora do clássico "Fogão de Lenha
- 300 anos de cozinha mineira"435.
Desde criança, viveu num lar, marcado pelo binômio religiosidade / política. Sua
mãe era uma católica fervorosa que participava de movimentos estudantis e lia diversos
autores cristãos progressistas. Já seu pai, um anticlerical declarado, escrevia artigos em
jornais e mergulhava de cabeça nas questões políticas de sua época.
Frei Betto pertence à geração que tinha vinte e poucos anos na década de sessenta.
Aqueles jovens vibraram com a Revolução Cubana de Fidel Castro e Che Guevara que
derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista. Também se empolgaram com a resistência dos
vietnamitas aos Estados Unidos, além do movimento hippie que pregava a paz, o amor e
a liberdade sexual. Viviam entorpecidos pelo altruísmo de figuras como Nélson Mandela
e Gandhi. Desejavam mudar o mundo e não aceitavam uma sociedade marcada pela fome,
miséria e exclusão social. No livro Paraíso Perdido - Viagens ao mundo socialista, Frei
Betto fala da influência da Revolução Cubana na sua geração:
435
Livro publicado pela editora Vozes de Petrópolis – RJ.
436
Betto, Frei. Paraíso Perdido. Viagens ao mundo socialista. Ed. Rocco. 1ª ed. Rio de Janeiro, 2015, p.37.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1046
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
437
A JEC fez parte de um momento de especialização da Igreja Católica que procurava alcançar diversas
esferas da sociedade. Essas novas diretrizes, sob a proteção da Ação Católica, dividia-se em: JAC
(Juventude Agrária Católica), : JEC (Juventude Estudantil Católica), : JIC (Juventude Independente
Católica), JOC (Juventude Operária Católica)e JUC : JAC (Juventude Universitária Católica)
438
COSTA, Marcelo Timothéo da – artigo Operação cavalo de Tróia – a Ação Católica Brasileira e as
experiências das JEC e JUC.
439
As ações de guerrilha urbana começaram em 1969, pouco depois da promulgação do Ato Institucional
nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, que marcou um endurecimento sem precedentes do regime militar.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1047
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Marighella participou pessoalmente de várias investidas e, em junho desse ano, escreveu o Minimanual do
guerrilheiro urbano, concebido claramente sob inspiração do exemplo cubano, tendo em vista uma guerra
de libertação nacional, quando a partir do apoio das massas, “os guerrilheiros... derrubarão a ditadura e
sacudirão o jugo norte-americano”. A revolução era vista como “um fenômeno social que depende de armas
e dinheiro. Eles existem no país; basta ter os homens que tomem posse deles”. (CPDOC-FGV)
440
BETTO, Frei. Batismo de Sangue. Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. Ed. Bertrand Brasil
– RJ, 1987.
441
FREIRE, Américo e Sydow, Ivanize. Frei Betto – biografia. Ed. Civilização Brasileira – RJ, 2016, p.82
1048
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como a situação estava muito perigosa, Frei Betto decidiu abandonar a Folha da
tarde e partir para o sul do país. Ajudado por um primo, o teólogo João Batista Libâneo,
Frei Betto organizou a sua ida para o seminário de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Outro dominicano, Frei Fernando, quando soube da viagem de Frei Betto, conversou com
ele sobre a criação de uma rota de fuga pelas fronteiras. O projeto foi ratificado numa
reunião com Carlos Marighella que pediu a Frei Betto que estudasse a viabilidade da ação.
O caminho deveria atender todos que necessitassem sair do país e não somente os
militantes da ALN.
Frei Betto foi preso sob a acusação de fazer contrabando de gente, uma vez que
passou doze perseguidos políticos pelas fronteiras com o Uruguai e a Argentina. Do Rio
Grande do Sul o dominicano foi levado para São Paulo onde ficou preso por quatro anos
– dois anos como preso político e os outros dois como prisioneiro comum. Um caso raro
durante a ditadura militar no Brasil. Geralmente, os presos políticos nãos eram misturados
aos prisioneiros comuns. Neste período, Frei Betto passou por três diferentes prisões: a
do Estado de São Paulo, o Carandiru e por fim a de Presidente Venceslau.
Na prisão, Frei Betto escreveu diversas cartas aos seus familiares, amigos e
companheiros de caminhada religiosa. “De escritor, os generais brasileiros fizeram de
mim um autor”442. Dos seus escritos produzidos na cadeia surgiram os livros Cartas da
prisão, Batismo de Sangue, Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar
brasileira, O canto na fogueira (em parceria com frei Fernando e frei Ivo) e o seu primeiro
romance – O dia de Angelo.443
Frei Betto saiu bem da prisão. Abatido fisicamente, mas mentalmente sadio.
Porém, uma noticia causou muito impacto no dominicano mineiro: Frei Tito de Alencar
havia atentado conta à própria vida no convento francês em que vivia. Após passar alguns
meses com a família em Belo Horizonte, resolveu ir morar em Vitória, capital do Espírito
Santo. Desejoso de se dedicar aos pobres, ele entendeu que a capital capixaba era segura
para desenvolver o seu trabalho de educação popular junto às comunidades carentes.
442
BETTO, Frei. O que a vida me ensinou. 1ª edição, Ed. Saraiva, SP, 2013, p. 33
443
Sobre este período em que Frei Betto passou na prisão consultar a obra: FERNANDO, Frei, IVO, Frei
e BETTO, frei. O canto na fogueira. Ed. Vozes, RJ, 1977
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1049
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“Frei Betto nos formava em todos os sentidos. Ele nos orientava teoricamente,
em leituras do marxismo, e também em questões de ordem prática. Pedia sempre
pra a gente ter cuidado, porque estávamos na época da ditadura; sempre guardar
algum dinheiro caso fosse preciso sair do país.” 445
O trabalho de Frei Betto junto a Pastoral Operária do ABC durou 22 anos. Foi
uma das suas atividades de maior importância e maior durabilidade. Muitos militantes
foram formados politicamente para atuar nos movimentos sociais, nos sindicatos, na CUT
444
Em 1975, teve sua ordenação episcopal celebrada em Porto Alegre por dom Aloísio Lorscheider e foi
nomeado bispo coadjutor com direito de sucessão da diocese de Santo André (SP), onde permaneceria até
1996. Nesse período, integrou a Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB de 1976 a 1998, e foi assistente
nacional da Pastoral Operária de 1979 a 1990. Durante as greves de operários metalúrgicos da região do
ABC paulista – Santo André, São Bernardo e São Caetano – que ocorreram em 1978 e 1979, teve atuação
destacada, abrindo as portas da igreja matriz de Santo André para que ali fossem realizadas as reuniões que
permitiram planejar e conduzir o movimento. Em 1980, foi eleito pelos bispos da CNBB delegado junto ao
Sínodo dos Bispos sobre a Família. (CPDOC- FGV)
445
FREIRE, Américo e Sydow, Ivanize. Frei Betto – biografia. Ed. Civilização Brasileira – RJ, 2016, p.199
1050
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
446
BETTO, Frei. A mosca azul – reflexão sobre o poder. Ed. Rocco, RJ, 2006.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1051
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Religiosidade e Política
Ao nos aprofundarmos na obra de Frei Betto, a princípio salta aos olhos a sua
espiritualidade que é formada na ação. O dominicano Betto é portador de uma
religiosidade que se transforma na atuação política. Uma militância em busca do reino de
Deus. Não um lugar distante a ser experimentado na outra vida, mas, o reino de igualdade
pensado por Jesus e que deve ser vivenciado aqui e agora.
Frei Betto é um viciado em utopias. Não simplesmente um vaso nas mãos do
oleiro, mas alguém que se constrói na transformação da sociedade. Logo, na sua
concepção de vida não pode haver neutralidade política. Ser apolítico significa aceitar as
injustiças do mundo. Buscar uma neutralidade é compactuar com os pecados sociais. De
forma recorrente, o dominicano cita o Nobel da Paz, o bispo sul-africano Desmond
1052
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tutu447 que dizia que não há nada mais ideológico do que afirmar-se sem ideologia. Não
há nada mais político do que dizer que a religião não tem nenhuma relação com a política.
Segundo o pensamento de Frei Betto, Jesus, através da sua preferência pelos
pobres e do seu projeto de vida igualitária, teria uma articulação profunda entre fé e
política. Nele não haveria uma opção pela neutralidade, mas, pelo contrário, uma vivência
a partir da causa dos menos favorecidos. Assim, a negação dos direitos essenciais dos
pobres seria um pecado social.
Então, qual seria a melhor maneira de servir a Jesus? Através dos pobres. Religião
e política são inseparáveis. E só nos tornamos verdadeiramente filhos de Deus na medida
em que o pão for realmente de todos. Criticando o modelo capitalista de produção, Frei
Betto afirma que nenhum sistema político pode colocar a propriedade privada acima da
vida.
No seu livro “Um Deus muito humano. Um novo olhar sobre Jesus”448, Frei Betto
identifica a necessidade de uma libertação social que atinja a todos, inclusive os
opressores. Isso se daria através da superação das relações humanas baseadas na
desigualdade social, no preconceito, na miséria e na fome. Neste livro, o autor ressalta
que as preocupações com a vida eterna, nos evangelhos, nunca saem da boca dos pobres.
Aqueles que se preocupavam com a salvação são os que já garantiram a sua sobrevivência
na Terra. Os pobres estão ocupados com as dificuldades da vida terrena: uma deficiência
física, a cura de uma doença, a morte de um parente e a fome. Para o dominicano Betto,
Jesus se identifica com os mais pobres e excluídos e a dedicação a eles é a melhor maneira
de se servir a Deus. É condição si ne qua non para se chegar a salvação.
Mas, por que a preferência de Jesus pelos pobres? Segundo o frade mineiro, a
pobreza se faz à medida que a pessoa não tem acesso aos bens essenciais à vida que é o
maior presente dado por Deus. Logo, os pobres são defendidos porque a sua condição é
fruto da injustiça social. Na concepção evangelística de Frei Betto, o Deus que Jesus
447
Esta citação pode ser encontrada do livro de autoria de Frei Betto: O que a vida me ensinou. 1ª edição,
Ed. Saraiva, SP, 2013, p. 12.
448
BETTO, Frei. Um Deus muito humano. Um novo olhar sobre Jesus.Ed. Fontanar, 1ª edição, SP, 2015.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1053
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pregava não aceita nenhum modelo político que leve a morte (...) “na casa de Jesus, entra,
de preferência, quem é pobre ou faz opção pelo pobre”. (BETTO, 2015)
Na Palestina dos tempos de Jesus, os religiosos procuravam saber os caminhos
que levavam a salvação. Eles já tinham os bens necessários à vida terrena, logo
almejavam conquistar voos mais altos. Ou seja, prevaleciam interesses individualistas
sobre as questões de características mais coletivas. Os mais humildes, em contrapartida
precisavam resolver as pendências humanas – as deficiências físicas, a morte de um
parente ou a cura de alguma doença.
Assim, para Frei Betto, o Deus revelado por Jesus Cristo não pode aceitar nenhum
modelo político que não preserve a vida. “Eu vim para que tenhais vida e vida em
abundância”449. Então, tanto o liberalismo quanto o marxismo podem ser antievangélicos,
uma vez que privilegiam alguns seres humanos em detrimento de outros. Na revolução
cultural realizada por Jesus, todos os seres humanos seriam iguais, não admitindo
diferenças relacionadas às raças, a sexualidade, as classes econômicas, a fatores políticos
ou sociais.
Vale a pena ressaltar que o Messias estava mergulhado nos conflitos
sociopolíticos da Palestina, onde não se separava a religião da política. Desta forma, a
religiosidade de Cristo exigia um encontro com o Pai a partir da pólis. Assim, não faz
sentido um Deus que está no céu e nada tem haver com que acontece aqui na Terra. Da
mesma forma que ninguém pode ser dizer cristão num mundo em que tantos morrem de
fome a cada dia.
“No entanto, é no mínimo vergonhoso constatar que hoje, segundo a FAO, mais
de 1 bilhão de pessoas vivem, no mundo, em estado de desnutrição crônica. Isso
em países ditos cristãos, mulçumanos, budistas...Para que serve uma religião
cujos fiéis não se sensibilizam com a fome alheia? Por que tanta indiferença
diante dos povos famintos? O que significa adorar a Deus se ficamos de costas
ao próximo que padece de fome?” 450
449
Estas referências podem ser encontradas no capítulo 10 do evangelho de João.
450
Um Deus muito humano. Um novo olhar sobre Jesus. Ed. Fontanar. 1ª Ed. 2015. P. 115
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1054
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
aqui e agora. Assim, Deus só será realmente pai nosso quando todos tiverem acesso ao
pão nosso de cada dia.
Interessante notar na citação acima que ele pensa numa ressureição ainda neste
mundo. Entendemos que ele esteja falando não da morte física, mas, simbolicamente na
morte do “homem velho” – aquele ligado ao egoísmo, a individualismo, ao lucro
desenfreado, a concorrência desleal, a injustiça e a desumanidade – características que ele
relaciona ao modelo capitalista de produção.
Deste modo, a preferência do nazareno pelos pobres e a sua aversão à acumulação
de bens materiais causam constrangimentos numa sociedade baseada na desigualdade
social e na concorrência desenfreada. Assim, a ressurreição seria o nascimento de uma
nova consciência, voltada à coletividade, a alteridade, a partilha e a justiça social. O
socialismo se aproxima do modelo ideal pensado por Betto. Em palestra recente no
município de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, ele afirmou que “o socialismo é o
nome político do amor”.452 Porém, é importante ressaltar que ele vê falhas nesse modelo
produtivo, principalmente no período do stalinismo na antiga União Soviética. Mesmo
assim, Frei Betto entende a importância do marxismo. Não como um dogma político, mas
como uma importante ferramenta de análise da realidade social. Para ele, a espiritualidade
não pode abrir mão do arcabouço teórico das ciências sociais para compreender as
mazelas do mundo e mais do que isso, para encontrar meios de superá-las.
A religiosidade de Frei Betto está intimamente ligada aos preceitos da Teologia
da Libertação. Esta concepção teológica, segundo o dominicano, é “a fé cristã vivida e
refletida a partir do mais profundo anseio dos pobres deste Continente: o direito à vida,
dom maior de Deus”. O seu primeiro contato com esta teologia se deu nos tempos da
451
BETTO, Frei. Um Deus muito humano. Um novo olhar sobre Jesus. Ed. Fontanar. 1ª Ed. 2015. P. 101
452
Debate ocorrido na cidade de Petrópolis no Rio de janeiro no ano de 2017. Fizeram parte da mesa, além
de Frei Betto, o teólogo Leonardo Boff e Frei Ivo (antigo companheiro de Frei Betto que esteve com ele
preso durante a ditadura militar).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1055
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
prisão. Ele não tem certeza como aconteceu, mas, supõe que tenha ocorrido através das
cartas que trocava com os teólogos Leonardo Boff e Carlos Mesters. Foi também na
cadeia que Frei Betto leu pela primeira vez o clássico de Gustavo Gutierrez – Teologia
da Libertação.
O teólogo da libertação é um intelectual orgânico intimamente ligado aos
movimentos populares. Desta forma, a teologia surgiu não de intelectos favorecidos, mas
de uma práxis libertadora junto aos mais carentes. Nesta nova concepção teológica, a
Igreja não seria formada somente por sua hierarquia eclesiástica, mas por um corpo que
nasce nas comunidades eclesiais de base. Em outras palavras, a realidade social
excludente da América Latina e as lutas dos movimentos sociais criaram a teologia da
libertação. Ela brota da pobreza latina. Segundo Gustavo Gutierrez, o objetivo principal
não é ensinar teologia ao menos favorecidos, mas permitir que os pobres expressem o seu
próprio pensamento teológico. O importante é libertar os pobres, fazendo assim a vontade
de Deus.
Bibliografia
BETTO, frei. Alfabetto – Autobiografia escolar. Ed. Ática, São Paulo. 2002.
BETTO, Frei. A mosca azul – reflexão sobre o poder. Ed. Rocco, RJ, 2006.
BETTO, Frei. O que a vida me ensinou. 1ª edição, Ed. Saraiva, SP, 2013
BETTO, Frei. O que é Comunidade Eclesial de Base, 5ª edição, Ed. Brasiliense, SP,
1985.
BETTO, Frei. Paraíso Perdido. Viagens ao mundo socialista. Ed. Rocco. 1ª ed. Rio de
Janeiro, 2015
BETTO, frei. Típicos Tipos – coletânea de perfis literários . Ed. A Girafa – SP – 2004.
BETTO, Frei. Um Deus muito humano. Um novo olhar sobre Jesus.Ed. Fontanar, 1ª
edição, SP, 2015
1056
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BOFF, Leonardo. A Águia e a galinha – uma metáfora da condição humana. Ed. Vozes –
Petrópolis- RJ.
BOFF, Leonardo. Igreja, carisma e poder. 3ª edição, Ed. Vozes, RJ, 1981.
FERNANDO, Frei, IVO, Frei e BETTO, frei. O canto na fogueira. Ed. Vozes, RJ, 1977.
FICO, Carlos – História do Brasil Contemporâneo – da morte de Vargas aos dias atuais
– Ed. Contexto- SP – 2015.
FREIRE, Américo e Sydow, Ivanize. Frei Betto – biografia. Ed. Civilização Brasileira –
RJ, 2016
1057
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Os registros paroquiais são fontes privilegiadas de informações capazes de
auxiliar na compreensão do passado. Sua importância consiste não só como mecanismos
de controle da Igreja e da Coroa, mas também como suporte de informações sobre a
sociedade civil, que é de suma importância no campo de pesquisa da demografia histórica.
Nesta perspectiva, o presente artigo pretende analisar os registros de batismo voltados a
toda população na freguesia de Macaé durante as duas primeiras décadas do século XIX
e ainda trazer para o debate alguns estudos de caso voltados para a compreensão do fator
de legitimidade e de ilegitimidade do batizando, ou seja, para a situação matrimonial na
qual são apresentados os pais das crianças que são levadas a pia batismal. Numa sociedade
marcada pela dualidade entre cativos e libertos e pela posição social do branco, o reflexo
na produção desses assentamentos é quase inevitável, bem como as inúmeras
particularidades referentes à legitimidade e ilegitimidade dos batizados. Essas
características extraídas dos documentos demonstram que os registros paroquiais são
fontes privilegiadas de informações, capazes de auxiliarem na formação de diversos
cenários sociais e merecem a devida atenção dos pesquisadores.
1058
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
cunho religioso dos tempos coloniais. A Igreja determinava que os assentos devessem
seguir uma padronização453.
Seguindo este padrão, os registros passaram a ser redigidos com uma mesma
moldura. Por isto, são fontes seriais. Como se vê, para os registros de batismo, as
Constituições estipulavam que certas informações deveriam constar, incluindo a data e o
local do batismo, o nome do batizando, dos seus pais, o nome dos padrinhos, seu estado
matrimonial, o nome dos proprietários dos padrinhos, caso estes fossem escravos, a
paróquia a que pertenciam pais e padrinhos dos batizados.
Estas são, portanto, as informações básicas contidas nos registros de batismo.
Todavia, a frequência de determinada informação variou sobremaneira, pois vários padres
lançam os assentos nos livros. Uns registram datas de nascimento dos inocentes, ao passo
que outros não o faziam com a mesma assiduidade. Isto significa que a feitura dos
assentos passava pelo poder de escrita dos padres, que eram filtros de informações.
Segundo Iracydel Nero da Costa (1990, p.48), ao que tudo indica, os batismos não
eram, necessariamente, registrados imediatamente antes ou depois de ministrado o
sacramento. “Talvez os padres anotassem os dados em um papel qualquer para depois
efetuarem os lançamentos definitivos”.
Os padres precisavam obter informações de alguém. Na maioria das vezes não há
como ter certeza, mas, de um ou outro modo, os registros demonstram percepções de
agentes sociais e as informações revelam lugares sociais que as pessoas ocupavam. Para
além da concepção dos párocos e do discurso da Igreja, os registros de batismo eram uma
maneira de identificar as pessoas ali mencionadas, são registros de (e sobre os) atores
sociais de então. Em suma, são documentos sociais.
O batismo, primeiro dos sacramentos cristãos, era experimentado pela quase
totalidade da população. De acordo com os prescritos eclesiásticos, este sacramento
deveria ser ministrado o mais rápido possível de preferência em sete dias após o
nascimento da criança. O registro de batismo servia como documento de nascimento e de
inserção na cristandade. Poderia também significar, no caso dos escravos, o
reconhecimento oficial dos direitos do proprietário sobre sua posse (LOTT, 2004, p.3).
453
Ver mais detalhes: SEBASTIÃO, Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Coimbra: Real Colégio das Artes e da Comp. de Jesus, 1720, Livro Primeiro. Títulos IX ao XX.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1059
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Aos vinte e hum de novembro de mil oito centos e dez, nesta freguesia de
Nossas Senhoras das Neves do Sertão de Macaé batpzei solenemente e pus os
Santos Óleos a Anna, inocente filha legítima de Joze Ferreira Barbosa e
Alexandrina Francisca Campos, neta paterna de Luiz Ferreira e Maria Luiza,
avos maternos Joze Francisco Campos e Francisca, natural de Macaé. Forão
padrinhos Capitão Manoel Ferreira e Ritta Francisca Campos, fregueses dessa
freguezia, do que para constar, fiz este assento. O vigário João Bernardo da
Costa.(Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa Senhora das Neves. Livro 1 de
Batismos (1808-1841), folha 17).
1060
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Aos nove de junho de mil oito centos e doze nesta freguesia de Nossa Senhora
das Neves do Rio MacaéBaptizeisolenemente e pus os Santos Óleosa
Maria,innocentefilha legitima de Antônio e Joaquina, escravos de Manoel
Joaquim de Figueira Campanha. Forão Padrinhos Domingos e Francisca,
escravos deCustódio José Teixeira Campanha,e para constar fiz este assento.
O vigário Manoel da Silva e Souza.(Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa Senhora
das Neves. Livro 1 de Batismos (1808-1841), folha 55).
Aos treze de junho de mil oito centos e nove nesta freguezia de Nossa Senhora
das Neves do Rio Macaé Baptizei solenemente pus os Santos Óleos a
Demétrio, innocente filho legitimo de Joze e Maria, escravos do Tenente
Amaro Velho da Silva da fazenda Atalaia. Forão Padrinhos Francisco e Nossa
Senhora, e para constar fiz este assento. O vigário João Bernardo da
Costa.(Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa Senhora das Neves. Livro 1 de
Batismos (1808-1841), folha 17).
1061
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Havendo casos em que o cabido e o bispo de Angola possam não ter batizado
os negros, antes de embarcarem, como lhes é muito recomendado e prescrito,
mando que o arcebispo da Bahia e os bispos de Pernambuco e do Rio de Janeiro
hajam de suprir esta diligência, fazendo batizar os que aportarem nos navios,
e sem demora para não morrerem em falta deste sacramento; e que párocos
examinem, se os moradores de suas paróquias os têm por batizar, fazendo listas
e remetendo-as aos ouvidores para castigarem os senhores na forma da
Ordenação L. 5 Tit. 99. (COSTA, 1990, p.49).
Aos tantos de março de mil oito centos e onze nesta freguezia de Nossa
Senhora das Neves do Rio Macaé Baptizei solenemente pus os Santos Óleos a
Alexandre adulto, nação de Cabinda, escravos de Antônio José Lopes de
Araújo da fazenda Nova. Forão Padrinhos Francisco e Thereza e para constar
fiz este assento. O Vigário João Bernardo da Costa.(Fonte: Arquivo da Igreja
de Nossa Senhora das Neves. Livro 1 de Batismos (1808-1841), folha 25).
1062
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Carlo Ginzburg traz essa perspectiva de uma história que parte do micro para
compreender o macro. Possibilidades ora ocultadas, desconhecidas ou simplesmente
desconsideradas são, agora, valorizadas.
A questão da legitimidade
Ao informarem a legitimidade dos batizandos, os registros de batismo são fontes
primorosas de análise do comportamento conjugal sob a ótica de determinada sociedade,
principalmente pelo fator serial que se constitui.
O registro abaixo ilustra o batismo de um forro, em 1810. É importante observar
que na descrição do pároco, o inocente é filho natural:
Aos dez de abril de mil oito centos e dez nesta freguezia de Nossa Senhora das
Neves do Rio Macaé Baptizei solenemente pus os Santos Óleos a Florinda,
parda, innocente filha Natural de Feliciana, parda. Forão Padrinhos Joaquim
Vicente de Moraes e Joanna Francisca Roza, forros e para constar fiz este
assento. O VigárioJoão Bernardo da Costa.(Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa
Senhora das Neves. Livro 1 de Batismos (1808-1841), folha 26).
1063
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Tabela 1.1
Registros de batismos em Macaé (1808 – 1820)
Tipo de população Quantidade de %
batismo
Branco 80 14,3
Escravo 446 80
Índio 2 0,3
Forro (pardo) 29 5,2
TOTAL: 557 100
Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa Senhora das Neves, em Macaé. Livro 1 de Batismos (1808-1841).
1064
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Os dados analisados são apenas dos registros completos produzidos pelos vigários
e compreendem a paroquia de Nossa Senhora das Neves, em Macaé, entre os anos de
1808 a 1820. Por esquecimento ou talvez pelo simples descaso quanto aos registros de
cativos e pardos, muitas informações não foram lançadas nos documentos, o que
prejudica a análise totalitária dos dados.
Tabela 1.2
Situação matrimonial na qual o batizando foi gerado: Macaé (1808-1820)
Legitimidade do batizando Branco % Escravo % Forro %
Legítimo 74 92,5 132 29,5 2 6,8
Natural 7 8,75 58 13 2 6,8
Ilegítimo 0 0 0 0 0 0
Exposto 0 0 0 0 0 0
Fonte: Arquivo da Igreja de Nossa Senhora das Neves, em Macaé. Livro 1 de Batismos (1808-1841).
O alto número de filhos de cativos legítimos significa que a criança era fruto de
um matrimônio sacramentado pela Igreja Católica, numa cerimônia realizada por um
religioso e com a permissão de seus proprietários. Afinal, um registro de batismo é um
sacramento cristão que legitimava a união entre um homem e uma mulher perante uma
sociedade conservadora. Em contraposto estavam os filhos naturais, frutos de relações
consensuais, que generalizam uma gama de situações inclusive casos de concubinato.
Nesses registros encontram-se somente o nome das mães.
Segundo Faria (1998), um dos motivos para a elevada taxa de filhos legítimos
frutos de casamentos são creditados a maior presença da Igreja nos meios rurais, como o
norte fluminense. Porém, Manolo Florentino e José Roberto Góes (1997), consideram
que esta prática era conveniente aos senhores, pois contribuía para o controle do
escravo.Pontuam ainda que escravos casados tinham menos motivos para queixas,
afirmação que condiz com o fato de considerarem a família como um fator que
contribuiria para a paz nas senzalas.
1065
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Se havia vantagem para o senhor, poderia haver também para os cativos. Segundo
Robert Slenes (1999) os escravos que se casavam poderiam ganhar um espaço próprio
para sua família, o que seria um benefício, uma vez que os escravos ficavam por muitas
vezes amontoados em compartimentos de pouco mais de um metro.
Entre os filhos naturais analisados nesse período não houve nenhuma indicação
dos nomes dos pais. Segundo Sílvia Maria Jardim Brügger(2007), até o início do século
XIX, os padres registravam a informação dada pela mãe sobre a paternidade do seu filho
sem que o pai soubesse ou mesmo estivesse presente. Não só mulheres livres indicavam
os pais, com também as escravas. Ainda segundo a autora, é importante pensar no
significado de uma mulher poder nomear o pai do seu filho, principalmente numa
sociedade reclusa aos dogmas da Igreja Católica.
Brügger (2007) analisa ainda que a indicação dos pais nos registros de batismo
poderia produzir complicações no futuro dos envolvidos, principalmente no direto a
herança. A prática foi gradativamente diminuindo, mas sem desaparecer por completo,
pelo menos até fins de 1840. Segundo Farias (1998), os padres passaram a tomar mais
cuidado com as informações que registravam.
Nas duas primeiras décadas do século XIX, conforme se baseou a presente
pesquisa, foram batizados dois forros na qual a situação matrimonial dos seus
progenitores registrada pelos vigários aponta como natural. Em ambos os casos, as mães
também eram forras, o que justifica a liberdade de seus filhos. Apesar da quantidade bem
reduzida, se comparado aos registros de legítimos, ainda mais numa sociedade agrária e
fechada, como a de Macaé, as mães teriam optado pelo não casamento. Segundo Sheila
de Castro Farias, isso se explicaria pela possibilidade de relativa prosperidade destas
mulheres através do comércio de tabuleiro454.
Considerações finais
454
A autora enumera alguns dados que permitem perceber esta relativa prosperidade das forras,
especialmente, as de origem africana. FARIA, Sheila de Castro. “A Mulher Africana – Alforria e Formas
de Sobrevivência (séculos XVII ao XIX)”. Projeto de Pesquisa apresentado ao Centro de Estudos Afro-
Asiáticos. Niterói, 1999.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1066
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Podemos observar, portanto, que a riqueza das fontes eclesiásticas pode ser de
grande valia e auxiliam pesquisadores a reproduzirem cenários econômicos e sociais em
diversas regiões. Como observa João Fragoso, estes recursos são cada vez mais
procurados, na medida em que não há fartura de outras fontes com igual capacidade de
informação.Nos registros das cerimonias de batismo é possível aferir o pacto de alianças
entre famílias, por exemplo. Da mesma forma, como analisa Fragoso (2014), apreende-
se uma noção da classificação social (hierarquia social) costumeira vivida na freguesia
pelos paroquianos. Basta lembrar que o pároco, na ocasião dos batismos, informava a
qualidade social dos pais e dos padrinhos (escravos, forros, donnas, capitães, fidalgos
etc). A qualificação dos agentes permitia investigar o grau de endogamia social.
As observações produzidas sobre legitimidade de nascimento sugerem reflexão
aprofundada, pois possibilitam uma oportunidade excepcional de analisar cenários e
entender a formação familiar colonial. As analises levantadas aqui apenas mostram o
tamanho das ramificações de pesquisas e o quanto são fundamentais para qualquer estudo
social.
O restrito recorte temporal das duas primeiras décadas do século XIX em Macaé,
utilizado nesse trabalho, possibilitou observar algumas questões propostas inicialmente e
abriu caminho para um leque de possibilidades interpretativas, a partir das informações
dos registros. Cabe ao historiador desvelar estas informações, cuja verdade encontra-se
constantemente encoberta pelo véu do silencio e da aparente regularidade formal da
documentação eclesiástica.
Bibliografia
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei
– séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.
CAVAZZANI, A. L. M; MORAES, J. M. In extremis causa: exposição e mortalidade
numa pequena vila da América portuguesa no século XVIII. In: Encontro Nacional de
Estudos Populacionais, 14., 2004, Caxambu. Anais eletrônicos... Campinas: ABEP, 2004.
Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp. Acesso em: 11 jun. 2017.
1067
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
COSTA, Iracudel Nero da. Registros paroquiais: notas sobre os assentos de batismos,
casamento e obito. Lph - Revista de Historia, Mariana, n. 1 , p. 46-54, 1990.
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1998. Idem, p. 308; SOARES, Mariza de Carvalho. Identidade étnica, religiosidade e
escravidão. Tese de Doutorado, apresentada ao PPGH-UFF. Niterói: UFF, 1997.
Apêndice metodológico.
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano
Colonial. RJ, Nova Fronteira, 1998, p.54.
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1997.
GUDEMAN,Sthepen e SCHWARTZ, Schwartz. Purgando o pecado original: compadrio
e batismo de escravos na Bahia no século XVIII, in REIS, João José (Org.) Escravidão e
Invenção da Liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as ideias de um moleiro
perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
LOTT, Miriam Moura. Casamento e família em Minas Gerais: Vila Rica, 1804 – 1839.
Belo Horizonte: UFMG, 2004. (Dissertação de Mestrado – História).
NEVES, António Amaro. Filhos das Ervas. A ilegitimidade no Norte de Guimarães.
(século XVI-XVIII). Guimarães: Universidade do Minho/NEPS, 2001.
SEBASTIÃO, Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra:
Real Colégio das Artes e da Comp. de Jesus, 1720, Livro Primeiro. Títulos IX ao XX.
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de, FRAGOSO, João, GUEDES, Roberto. Arquivos
paroquiais e história social na América Lusa: Mauad, 2014.
SLENES, Robert. Na senzala, uma flor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
1068
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
455
O nome do movimento eclodido em 1932 no Estado de São Paulo pode variar de acordo com o
posicionamento historiográfico dos autores que se debruçam sobre o tema. Acreditamos que a nomenclatura
mais correta seja a de guerra civil, não apenas por conta da projeção do conflito como pela própria definição
do termo. Segundo o Dicionário de Política, guerra civil é a guerra quando conduzida por cidadãos de um
mesmo Estado. Já para Saint-Pierre, a guerra civil se desenvolve em uma unidade decisória, como
manifestação extrema de uma pluralidade política. In: BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p. 572
e SAINT-PIERRE, 2000, p. 34. No presente artigo iremos nos referir ao conflito como Guerra de 1932.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1069
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
civil e nacional456. Neste sentido, acreditamos que durante a Guerra de 1932, o Governo
Provisório precisou mobilizar a sociedade na capital em busca do apoio e legitimação
necessária para que pudesse assegurar a sua vitória contra o movimento de oposição
iniciado em São Paulo.
Pelo advento da guerra, Getúlio Vargas havia deixado de realizar o seu passeio,
mas, poucos dias depois, já retomaria a sua caminhada habitual.Mais ainda, “tranquilo e
sorridente”. Dessa forma, os moradores da rua Paysandu, acostumados com a rotina de
Vargas,podiam presenciar novamente o “democrático civil” passear após o almoço. A
notícia parecia ser uma clara mensagem a população da capital do país.Nesta, a situação
se encontrava sobre o controle do governo e a rotina na cidade não deveria ser afetada.
456
Discussão melhor explorada por mim no texto: RIBEIRO, Felipe Castanho. A historiografia da Guerra
de 1932 e a sua amplitude. Mosaico, Rio de Janeiro, v. 8, n. 12, p. 226 - 247, jun. 2017. ISSN 2176-8943.
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/65514>. Acesso em: 21
Jun. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rm.v8n12.2017.65514.
457
Mantivemos a grafia original das fontes utilizadas neste artigo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1070
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não podemos afirmar que esta matéria havia sido disparada pelo próprio governo.Mesmo
cientes de que os jornais que circulavam na cidade se encontravam censurados desde o
dia 12 de julho com o decreto 21.611 de 1932458. Entretanto, sabemos que O Radical era
um jornal tenentista e que representava os interesses do Governo Provisório459.
Se no caso de O Radical a matéria sobre o passeio de Getúlio Vargas parecer ter
sido voluntária, este não foi o caso do jornal Correio da Manhã, que por meio de uma
nota emitida pelo Palácio Guanabara, noticiava que o tradicional passeio do chefe do
Governo Provisório voltou a se repetir no dia 14 de julho.A nota dizia que por volta das:
(...) 8 1/2 horas da noite, o sr. Chefe do governo provisorio deixou o palacio
Guanabara, em companhia de seu ajudante de ordens, tenente Garcez, afim de
realizar o seu habitual passeio até á praia do Flamengo. [...] O passeio de s. ex.
o chefe do governo provisorio prolongou-se por cerca de tres quartos de hora.
(Correio da Manhã, RJ, 1932)
Por razões óbvias, manter a ordem na capital era fundamental para o Governo
Provisório.A sede administrativa do país não poderia correr riscos, eventuais ataques na
capital poderiam ser decisivos para que o desfecho da guerra fosse contrário ao desejado
pelo governo. Era necessário demonstrar que a população carioca estava, na sua grande
maioria, do lado do governo. O que estava em jogo era a própria legitimidade do Governo
Provisório, que era testada num momento desfavorável a este. Robert M. Levine definiu
a Guerra de 1932 como a “crise mais tempestuosa do regime”(LEVINE, 2001, p.53)de
458
O Correio da Manhã transcreveu o decreto que cria o Departamento de Censura e Publicidade na
repartição da Polícia do Distrito Federal, o decreto não contém muitas informações além de explicar que a
sua criação possui relação com a situação anormal. Posteriormente, no dia 16 de julho, o periódico
informava que o Departamento foi instalado no prédio da Imprensa Nacional e era chefiado por Rivadavia
Corrêa Meyer. No dia 14, o jornal transcreveu o “Decreto n. 21.611, de 12 de julho de 1932 – Crea na
Repartição da Policia do Districto Federal o Departamento de Censura e Publicidade [...] O chefe do
governo provisorio da Republica do Estados Unidos do Brasil, considerando que o levante militar, de que
foi theatro, ultimamente, a capital do Estado de S. Paulo, tem preoccupado, como era natural, a attenção da
policia do Districto Federal, que, como lhe cumpre, tem agido no caso com o maximo interesse, resolve
crear, naquella repartição, o Departamente de Censura e Publicidade.” Correio da Manhã, RJ, 14 e
16/07/1932.
459
O jornal O Radical começou a circular em 1º de junho de 1932 e foi publicado por quase duas décadas
a mais, precisamente até 9 de outubro de 1954. O seu surgimento ocorreu exatamente no contexto de
agravamento da crise política que atingiu o Governo Provisório no ano de 1932.A sua criação surgiu da
necessidade do Governo Provisório e do movimento tenentista terem uma imprensa favorável aos seus
interesses. O Radical teve a sua fundação tutelada pelo “tenente” João Alberto, à época chefe da Polícia do
Distrito Federal. In verbete: O Radical, DHBB/CPDOC.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1071
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
460
O autor demonstra que não se tratava apenas de uma questão retórica do Governo Provisório e
demonstrou que entre 1932 e 1933, anos de seca no Ceará, o investimento realizado na região aumentou.
LOPES, 2009a, pp. 47-48.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1072
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A nota emitida pela polícia do Distrito Federal, procurava reduzir a ação de São
Paulo contra o governo, dizendo que apenas dois corpos da guarnição do estado
participavam do movimento sedicioso. O movimento teria um caráter regionalista não
obtendo a adesão de outras regiões e por este motivo, devido ao seu isolamento, o conflito
deveria ter um desfecho favorável ao governo e sem muita demora. A nota realizada pela
Chefatura da Polícia e destacada na primeira página do Correio da Manhã, á época um
dos jornais de maiores circulações da cidade (BARBOSA, 2007, p.41), demonstra que
desde os primeiros dias da Guerra de 1932 havia uma preocupação em tranquilizar a
população da capital. A questão dizia respeito não apenas a ordem, mas a legitimidade do
governo também.
Para o governo, além da manutenção da ordem e de procurar tranquilizar a
população carioca, também era fundamental que a rotina da capital não fosse abalada.
Dito de outra forma, para que a população não sentisse o clima de incertezas que uma
guerra civil pode proporcionar, era importante que a rotina do carioca não fosse
significativamente alterada. Neste sentido, o entretenimento, o lazer e o comércio não
deveriam sofrer grandes alterações. Afinal de contas, a mensagem que o governo
procurava passar era de um conflito regional que não demandava maiores preocupações,
sendo certa a vitória do Governo Provisório. O futebol era um desses exemplos. Durante
toda a Guerra de 1932 os jogos continuaram e, em 2 de outubro de 1932, o Botafogo se
consagraria campeão do equivalente ao torneio carioca atual, ganhando do Bonsucesso
com o placar de 5x4 para o Botafogo (Correio da Manhã, RJ, 03/10/1932). O mesmo
servia para o campeonato do tradicional jogo de “Basket-Ball” (O Radical, RJ,
12/07/1932). Os Teatros e jantares dançantes, também continuavam funcionando
normalmente, em 12 de julho O Radical anunciava os espetáculos do dia: no Trianon
aconteceria Chauffer, comédia de Joracy Camargo; no Recreio, O Homem Mysterioso;
no Republica, a “Flor do Bairro”, opereta portuguesa; no Eldorado, Dante, ilusionista
1073
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1074
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
3º Regimento de Infantaria (3º R.I) em direção à São Paulo. A cobertura realizada pela
imprensa aliada, dizia que:
(...) registro a maneira por que o povo carioca recebeu os destemidos briosos e
disciplinados soldados do 4º Batalhão, que vem formar ao lado dos seus
companheiros que aqui, se acham, promptos a defender, seja por que meio fôr,
o governo constituído. (O Radical, RJ, 20/07/1932)
461
O Radical, RJ, 21/07/1932. Agradecemos a professora Marly de Almeida Gomes Vianna pela
observação sobre as origens do 20º e 29º Batalhões de Caçadores. Isto porque, na matéria do O Radical
consta que o 20º B.C. era de Natal enquanto o 29º da Bahia.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1075
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1076
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bastos Tigres reconhecia o fato de que a guerra civil que afligia o país era um
grande mal comum a todos, mas que mesmo assim ela não poderia fazer a vida parar. Era
necessário combater a inércia e a estagnação da população, que representavam uma
verdadeira “guerra silenciosa”. No entanto, nesta frente de combate parecia que a batalha
estava sendo perdida. Tigres afirmava que a população parecia “cansada”, “mutilada”,
como se tivesse retornando de um “verdadeiro” campo de batalha. Não obstante, era
preciso que a população reagisse contra essa guerra, pouco visível, pálida, apática e
tediosa. Segundo o autor, a guerra civil em andamento justificava o estado psicológico da
população, que procurava evitar despesas e não gastar muito.O autor ressalta que se
tratava de uma prudência ocasionada pelo medo e que apenas iria piorar a situação,
sobretudo num momento posterior quando as atividades retornassem ao normal. Neste
trecho inicial do artigo, há uma clara preocupação do autor com a economia que devia
estar sendo afetada pela prudência da população em poupar dinheiro. Ainda que a
percepção do autor possa ser de cunho mais particular do que geral, devemos perceber
que o clima de guerra o afetava e que talvez não fosse o único.Dessa forma, a sensação
de normalidade que parecia ser almejada em algumas notas pelo governo não estava sendo
plenamente alcançada.
O conflito que envolvia o país, exigia do Governo Provisório um grande esforço
de guerra. Para além das medidas necessárias para combater o movimento de oposição ao
Governo Provisório, era preciso garantir a ordem no restante do país. Neste sentido, no
Distrito Federal, era fundamental garantir o apoio da população para a causa governista,
minimizando ao máximo o impacto da guerra na rotina da população. A tarefa não era
fácil, mas o governo se esforçava.Como foi no casodo tradicional desfile de 7 setembro.
Em matéria realizada no dia da comemoração cívica,O Radical anunciava que:
Este anno, a cidade, infelizmente, não terá o espetaculo de uma parada militar,
no dia festivo que hoje passa. As bandeiras penderão melancolicamente das
fachadas, sobre as ruas tristes e desertas de onde a vida habitual terá fugido. O
dia apenas será mareado pelo número vermelho das folhinhas. Dia monótono
e sem côr no rythmo nervoso da cidade. (O Radical, RJ, 07/09/1932)
1077
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(...) todos os soldados do Brasil estão, a esta hora, nas trincheiras, attendendo
ao appello da Nação ameaçada em sua unidade. Todas as armas estão
empenhadas na defesa do ideal de outubro, visado pelo golpe de aventura dos
politiqueiros decahidos. (O Radical, RJ, 07/09/1932)
Consideração final
462
A estratégia de afirmar que a Guerra de 1932 foi realizada por políticos decadentes da Primeira
República também foi utilizada na imprensa do Ceará. Ver LOPES, 2009a, pp. 25-40.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1078
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
O Radical (Hemeroteca da Biblioteca Nacional).
Correio da Manhã (Hemeroteca da Biblioteca Nacional).
Referência Bibliográfica
BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil – 1900-2000. Rio de
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2000.
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem Guerra: A mobilização e o cotidiano em São
Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial: Editora da
Universidade de São Paulo, 2000.
GOMES, Angela de Castro (Coordenação). Regionalismo e centralização política:
Partidos e Constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
HILTON, Stanley. A guerra civil brasileira: história da Revolução Constitucionalista de
1932. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
LEVINE, Robert M. Pai dos Pobres?: O Brasil e a era vargas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
1079
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1080
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1 - Introdução
O presente trabalho tem como principal objetivo a construção de um material
didático sobre a presença indígena no Brasil contemporâneo voltado para os estudantes
de história do ensino médio. A partir das discussões levantadas e atividades propostas,
pretende-se formar alunos atentos às sociedades e tradições indígenas que existem no
Brasil até os dias de hoje e aos diferentes modos de ver o mundo que elas persistentemente
apresentam. A preparação de tal material busca também desafiar as lógicas formadoras
de um cânone escolar que continua construindo silêncios sobre a história desses grupos.
O material didático será produzido a partir dos rastros deixados pelo relatório
Figueiredo, conjunto de documentos produzidos durante comissões de inquérito
instauradas em 1963 e 1967. As duas comissões buscavam investigar abusos cometidos
por funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), instituição criada em 1910 com
a intenção de construir a política indigenista brasileira e que se tornou famosa no
imaginário popular pelo lema criado por Marechal Rondon: “morrer se preciso for, matar
nunca”. Nessa apresentação, nos dedicaremos a apresentar parte do projeto de pesquisa
desenvolvido no primeiro semestre de 2017, com especial atenção para a apresentação da
temática, dos objetivos e da justificativa.
2 - Delimitação Temática
2.1 – O Relatório Figueiredo
O que hoje chamamos de relatório Figueiredo é, na verdade, um conjunto de
documentos reunidos em 1967 pelo procurador do Departamento Nacional de Obras
contra a Seca (DNOCS) Jáder de Figueiredo, no âmbito da comissão de inquérito
destinada a avaliar os abusos cometidos por funcionários do Serviço de Proteção ao Índio
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1081
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1082
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1083
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1084
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
em pagamento pela construção de um fogão e outros abusos físicos perpetrados pelo chefe
de posto Flávio de Abreu e pelo funcionário João Batista da Rosa. A reserva indígena
Tereza Cristina é citada no relatório como vítima de grilagem de terra por parte do
governador do Mato Grosso, que entregara as terras demarcadas por Rondon a ministros,
deputados, senadores e parentes da região. Tais crimes apontados pelo relatório serão
apresentados como ponto de chegada do fanzine sobre os bororo, que serão apresentados
antes a partir de suas cosmogonias, sua relação com o espaço e o tempo e os rituais que
nos informam sobre sua cultura.
A construção do material sobre os kaingang, do Rio Grande do Sul, seguirá a
mesma lógica. Esse grupo forma a maior parte das vozes indígenas presentes no Relatório
Figueiredo, narrando castigos corporais violentos – como a tortura no tronco que
esmagava os calcanhares das vítimas –, roubo de materiais e arrendamento das melhores
terras do posto para terceiros. Compreender a cultura Kaingang em seus traços
particulares, como a formação das duas metades complementares que criaram o mundo
(CLAUDINO, 2012) – Kamẽ e Kanhru – pode ser um bom modo de entender a relação
estabelecida entre os indígenas e os chefes de posto ao longo processo de esbulhos
territoriais e abusos relatados nas comissões de inquérito e na investigação empreendida
por Jáder Figueiredo.
Em ambos os casos, as microanálises destacarão a formação dos sistemas de
pensamento dos indígenas e também a relação construída com as lideranças do SPI nos
contextos apresentados pelo relatório. Desse modo, será possível refletir a respeito dos
enquadramentos segundo os quais os indígenas eram analisados e analisavam as ações
dos membros do órgão indigenista que exerciam os abusos de poder. Pensando na
construção do conhecimento histórico dos alunos, será um importante não só para pensar
as culturas indígenas brasileiras, mas também na construção de suas histórias de vida, que
também são construídas a partir de diálogos e conflitos com outros diferentes.
1085
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1086
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
3 - Justificativa
Desde a promulgação da lei 11645/08, o ensino da história e das culturas indígenas
tornou-se obrigatório no ensino básico brasileiro. A inclusão dos indígenas
complementou o texto da lei 10639/03, que inclui o ensino da história e das culturas
africanas nos currículos escolares. Lidas em conjunto, as leis apontam para uma tentativa
de superar o pensamento eurocêntrico predominante nas narrativas escolares brasileiras e
revelam a força dos movimentos sociais dos negros e indígenas nos últimos anos do
século XX.
Na mais recente avaliação das coleções didáticas empreendidas pelo Ministério
da Educação, o Programa Nacional do Livro Didático de 2017 (PNLD 2017), o tratamento
dado aos saberes indígenas foi apontado como o mais problemático entre as coleções
aprovadas. O grupo de avaliadores aponta que, ao longo das obras, “são comuns os lapsos
temporais, como se não existisse uma relação longeva de continuidade envolvendo grupos
sociais historicamente excluídos na sociedade”464. Os grupos indígenas aparecem nos
livros de modo esparso durante o período colonial, especialmente nas bandeiras, e no
século XIX, a partir da mirada do romantismo e do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB). Questões importantes da história indígena contemporânea, como a
organização das lutas pela demarcação de territórios e a emergência da literatura e do
cinema indígenas são, assim, apartadas de muitas salas de aula.
As historiadoras Adriana Frazão e Érika Ralejo pesquisaram a coleção “História,
sociedade e cidadania”, de Alfredo Boulos Junior, aprovada no PNLD de 2011, e
463
A decisão de construir o material a partir de oficinas foi tomada pois não assumi turmas de terceiro ano
em 2017. De acordo com o currículo mínino adotado pela Secretaria de Educação de Estado do Rio de
Janeiro, os assuntos relativos à história do Brasil contemporâneo devem ser tratados nesse ano. Assim, a
escolha por oficinas realizadas com alunos interessados na temática emergiu como solução para essa
impossibilidade de aplicação com turmas regulares.
464
A avaliação pode ser encontrada no seguinte endereço: http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-
guias. Acesso em 13/01/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1087
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
observaram que a história dos índios brasileiros ocupa um espaço pequeno desde o
Manual do Professor, onde apenas uma pequena lista de livros, sites e filmes sobre a
temática indígena é indicada para auxiliar os professores. A análise dos conteúdos do
livro dos alunos revela que no sexto ano, os indígenas brasileiros são apresentados em
conjunto com outros povos da América latina, com destaque para a ocupação do
continente. No sétimo ano, são ressaltadas as semelhanças e diferenças entre os grupos
indígenas que viviam na costa brasileira e, posteriormente, o choque cultural no contexto
da colonização. O silenciamento das ações indígenas se inicia no oitavo ano, dedicado à
formação da América Portuguesa até o fim do século XIX, onde somente cinco dos
dezesseis capítulos da obra abordam a questão. O nono ano prevê o estudo de períodos
que vão do Imperialismo até a formação da nova ordem mundial e a temática indígena é
citada em apenas um capítulo, aquele que trata da conquista de direitos na Constituição
de 1988, onde a agência histórica é exercida pelos homens brancos que promulgaram
carta. Assim, o problema apontado pelos avaliadores do PNLD 2017 também foi notado
pelas pesquisadoras: “quanto mais perto do tempo presente, mais a participação dos povos
indígenas vai sendo apagada” (FRAZÃO e RALEJO, 2012, p.5).
Se os livros didáticos são importantes por conta da sua ampla utilização por alunos
e professores como fonte de consulta (às vezes a única), os currículos são relevantes pois
constroem sentidos sobre o mundo ao indicarem os conhecimentos que devem ser
abordados nas aulas de história em determinada rede ou unidade escolar.
No currículo mínimo adotado por todas as escolas estaduais do estado do Rio de
Janeiro desde 2012, a participação dos índios na história do Brasil fica restrita ao sétimo
ano do ensino fundamental e ao primeiro ano do ensino médio. Em termos de narrativa,
o currículo mínimo indica que a análise dessas sociedades deve ocorrer, nos dois níveis
de ensino, a partir dos encontros entre europeus e americanos durante o processo de
expansão marítima, na virada do século XV para o século XVI. As habilidades e
competências esperadas dos alunos do ensino fundamental compreendem a
caracterização das sociedades ameríndias pré-coloniais e o desenvolvimento de
comportamentos respeitosos em relação às diversas culturas. No ensino médio, além das
duas habilidades análogas as desenvolvidas no sétimo ano, é esperado que se compare os
conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos pré-coloniais e contemporâneos.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1088
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Levando em consideração que o currículo mínimo aponta, de modo genérico, “os itens
que não podem faltar no processo de ensino-aprendizagem, em cada disciplina, ano de
escolaridade e bimestre durante os sete anos do ciclo que compreende os ensinos
fundamental e médio”465 e que o estudo dos indígenas na contemporaneidade é
contemplado em apenas uma competência de todo o ciclo, é possível afirmar que, ainda
que a inclusão dessa competência indique uma tentativa de aproximação da temática
indígena, há no currículo mínimo uma seleção de conteúdos que constrói esquecimentos
sobre o desenvolvimento histórico dessas culturas durante os últimos cem anos.
Pensar a inclusão da temática indígena nos currículos escolares abre espaços de
reflexão sobre os conceitos utilizados na construção desses documentos. Experiências
recentes, como a primeira versão do currículo de história da Base Nacional Curricular
Comum (BNCC)466, dão mostras de que a inclusão de temas como a história indígena e
africana nos currículos escolares deve ser acompanhada de uma problematização sobre
conceitos utilizados na construção do saber histórico escolar. A proposta, divulgada em
setembro de 2015, apresenta a intenção de enfatizar a história do Brasil e traz em suas
propostas um aumento do número de conteúdos sobre as contribuições indígenas e
africanas. Mas, “ao não problematizar a ideia de Estado-nação, ela reafirma lógicas
epistêmicas da modernidade ocidental, reforçando práticas associadas a colonialidade do
saber e do poder” (GABRIEL, 2016, p.120)
A própria divisão da história do Brasil em colônia, império e república na primeira
versão da base acaba emulando esquemas explicativos que norteiam o ensino de história
desde o século XIX, quando a nação brasileira era encarada “como um desdobramento,
nos trópicos, de uma civilização branca e europeia” (GUIMARÃES, 1988, p.7). Esta
perspectiva reforça a visão linear do tempo, eclipsando outras organizações temporais e
culturais construídas por indígenas e africanos dentro do território brasileiro.
Nesse sentido, a reflexão e a produção de material didático sobre as denúncias
presentes no Relatório Figueiredo visa enfrentar um silenciamento sobre a história dos
465
Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=759820. Acesso em
25/03/2017.
466
Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_CIH&tipoEnsino=TE_EF
. Acesso em: 25/03/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1089
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
ANDRADE, Sandro Silva de. SENNA, Nádia Cruz. Fanzines na sala de aula:
expressividade e autoralidade. In: 24º ANPAP : Compartilhamentos na arte: redes e
conexões. Anais do 24º Encontro Nacional da ANPAP. Santa Maria: UFSM. v. 1, 2015.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. In: Revista Brasileira de
Ciência Política, UNB: Brasília, n.11, 2013.
BELLO, Álvaro.Etnicidad y ciudadanía en América Latina. La acción colectiva de los
pueblos indígenas. Santiago de Chile: CEPAL, 2004.
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto?Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2016.
CARDOSO, Fernanda Borsatto. O ensino de história e cultura indígena nas escolas
municipais de São Paulo – 2008 a 2015. In: Anais do XXIII encontro estadual de história
– História: Por que e para quem?, Assis, 2016.
CLAUDINO, Zaqueu Key. Kamê e Kajru: a dualidade fértil na cosmologia Kaingang. In:
BERGAMASCHI, Maria Aparecida et ali (orgs.). Povos indígenas e educação. Porto
Alegre: Editora Mediação, 2012.
DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo, In: LANDER, Edgardo (org.).
A colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências Sociais. Perspectivas latino-
americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
FRAZÃO, Érika Elizabeth Vieira; RALEJO, Adriana Soares. Narrativas do outro nos
livros didáticos de História. In: XV Encontro Regional de História - ANPUH-Rio Ofício
do Historiador: Ensino e Pesquisa. ANAIS DO XV ENCONTRO REGIONAL DE
HISTÓRIA DA ANPUH-RIO, São Gonçalo, 2012.
1090
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1091
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1092
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Práticas de Bem Morrer e Relações de Poder – Mariana, Minas Gerais (C. 1742 - C. 1751)
Introdução
Por doença, acidente ou assassinato, não importa, a morte chega de igual forma
para todos. Todavia, as formas de preparação para o momento da morte, são subjetivas a
cada testamento devido às inquietações pessoais de cada consciência, os recursos que
cada um detém e as formas concebidas na produção do perfil em testamento.467Por se
tratar de uma sociedade de Antigo Regime, o morrer era cercado de importantes ritos
necessários com o principal intuito de obter a salvação da alma ou uma curta estadia no
Purgatório – evitando, claro, a condenação eterna no Inferno.468
Apesar da clara pretensão deste ato, importantes trabalhos nos mostram algumas
indicações por de trás das solicitações de últimas vontades dos moribundos, que nos
permitem aprofundar nosso olhar tanto nos estudos sobre a História da Morte, quanto das
relações entre livres e alforriados, em uma sociedade com característica estamental e
escravista.
Deste modo, à luz do conceito de poder e das relações de poder, pretendemos
refletir acerca das práticas de “bem morrer”, tendo como fonte uma pequena amostragem
467
Consoante Eduardo França Paiva, o moribundo construía em testamento a forma que o mesmo quisesse
que sua imagem fosse legada após a sua morte. O objetivo era traçar um perfil de bom cristão e merecedor
da salvação eterna, com intuito de obter um julgamento favorável à alma, livrando-a do Inferno. PAIVA,
Eduardo França. “Usos e costumes da terra: o viver e o sentir nos relatos testamentais e nos inventários
post-mortem das Minas Gerais setecentistas”. In: RODRIGUES, Claudia e WANDERLEY, Marcelo da
Rocha (Org.). Últimas Vontades: testamento, sociedade e cultura na América Ibérica – séculos XVII e
XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015, pp. 77-80.
468
Para maior aprofundamento sobre a temática do Purgatório e do Inferno, sugerimos as seguintes leituras:
Le GOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Lisboa: Editora Estampa, 1993; VOVELLE, Michel. As
almas do Purgatório: ou o trabalho de luto. São Paulo: Editora Unesp, 2010 e ARIÈS, Philippe. O homem
diante da morte. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1093
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
[...] é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais
completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com
efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem
(BOURDIEU, 1989, p. 7-8).
469
Salientamos, que entre esse recorte, não contemplaremos a documentação presente a todos os anos do
período informado. . A metodologia de análise consistiu em colher todos os testamentos dos alforriados
deste período e, complementando com os testamentos de livres analisados até o momento.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1094
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
torna-se muito eficaz, quando dialogada com a cosmogonia de uma sociedade de Antigo
Regime e sua relação com o catolicismo à época. Sendo esta visão de mundo vigente no
período a ser estudado, as práticas simbólicas realizadas conferem sentido em diálogo
com as crenças do catolicismo.Sendo assim, as práticas de bem morrer, consideradas
importantes ao intentar obter a salvação da alma, encontram-se inseridas nesses sistemas
de códigos, o qual possibilita aquele que os faça, não apenas assegurar sua ida ao Paraíso,
mas também, mostram socialmente que estão afinados a estas práticas e detém condições
de arcar com as disposições testamentais. Ou seja, mais que um instrumento de intentar
obter a salvação, os testamentos e as práticas de bem morrer, também são meios de
demonstração de poder no momento da morte.
Dando continuidade a este trabalho, seguiremos nossa reflexão sobre a óptica do
poder,nas práticas de bem morrer.
1095
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
470
As legislações das Ordenações Filipinas encontram-se on-line:
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm. As questões referentes ao testamento podem ser
conferidas no livro IV, do Título LXXX, até o Título LXXXVI.
471
Estudos recentes a respeito da mobilidade social, sobretudo em sociedades com características
estamentais, consideram que a mobilidade social não deve ser entendida meramente como apêndice do
enriquecimento. Antes disso, nestas sociedades, a reputação social tem sua primazia de destaque. O
enriquecimento podia ou não, colaborar, porém o prevalecimento deve-se a imagem que o mesmo tinha no
grupo que estava inserido. Cf. GUEDES, Roberto. “Ofício mecânico e a mobilidade social: Rio de Janeiro
e São Paulo (Sécs. XVII-XIX)”. In: Topói. Vol. 7, n° 3, jul-dez, 2006, pp. 379-423. Partindo deste
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1096
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Mariana 7 0 1 7
pressuposto, que a mobilidade social dava-se no interior do próprio grupo, salientamos a importância
daqueles que conseguiam legar as suas últimas vontades, levando em consideração o meio em que estavam
inseridos. No momento da morte, o moribundo podia mostrar aos demais, seu perfil de bom cristão e os
ritos fúnebres que viria a receber. Especificamente no caso dos alforriados, dos poucos que conseguiam
deixar testamentos, tal atitude mostra a distinção que o mesmo possuía em relação aos outros, neste grupo
social de escravos e forros. Ou seja, alcançar o ato de testar, tanto para livres e alforriados, nesta sociedade
com símbolos do catolicismo na cosmogonia da época, era um importante instrumento de poder, na hora
da morte. Apesar dos gastos referentes à feitura do testamento, - não tornando o poder como dependente da
economia - chamamos atenção para o ato de testar, por si só, inserido nos sistemas de significações das
sociedades de Antigo Regime; bem como os ritos pedidos em testamento, que apesar das solicitações serem
mais ou menos suntuosas, o importante era estar afinado a este meio social.
472
Este dado é ainda mais peculiar. Dos anos de 1735 e 1750, referentes ao meu recorte monográfico de
pesquisa, tendo acesso aos livros de testamento do 1° Ofício de Mariana, de número 62, 63, 65, 70, 71, 72
e 73, em nenhum deles, foram encontrados testamentos de homens alforriados.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1097
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fonte: Dados extraídos de: CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania de Minas
Gerais, 1674-1807. Rio de Janeiro: IFCS, 1997. p. 280. (Tese de Doutorado). Apud: KELMER MATHIAS,
Carlos Leonardo. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite
pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711 – c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad
X: FAPERJ, 2012. p. 233.
Rio das 16.277 7.615 26.199 50.091 13.649 8.179 10.862 32.690 82.781
Mortes
Vila Rica 7.847 7.981 33.961 49.789 4.832 8.810 15.187 28.829 78.618
Rio das 8.648 17.011 34.707 60.366 5.746 17.225 16.239 39.210 99.576
Velhas
473
A demografia para a primeira metade do século XVIII é escassa e impressiva. Optamos pelos dados da
segunda metade do século XVIII, como estimativas mais sólidas, permitindo observar o quantitativo de
livres, escravos e alforriados nas principais regiões de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1098
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Serro 8.905 8.186 22.304 39.395 4.760 7.103 7.536 19.399 58.794
Total 41.677 40.763 117.171 199.641 28.987 41.317 49.317 120.128 319.769
Fonte: Dados extraídos de: CARRARA, Ângelo Alves. 1997, Op. cit., p. 280. Apud: KELMER
MATHIAS, Carlos Leonardo. 2012, Op. cit., p. 234.
Legenda: A – Total de homens; B – Total de mulheres; C – Soma de A e B.
A tabela 2 mostra que o número de escravos frente aos livres é superior em todas
as comarcas que constam na demografia. Outra informação importante é a superioridade
quantitativa de homens em relação às mulheres. Tendo como exemplo a comarca de Vila
Rica, os homens escravos representavam mais que cinco vezes o número dessas mulheres
escravas. No grupo dos livres, para a mesma comarca, o número de homens e mulheres,
também é inferior ao quantitativo de homens pretos e pardos para este período de 1766.
Na tabela 3, dez anos depois dos últimos dados, o quantitativo de pretos (a) e
pardos (a) - podendo tanto referir-se a escravos, forros e descendentes - continuou
superior aos homens e mulheres brancos – os livres - das mesmas comarcas. Durante este
período, manteve-se também o maior número de homens pretos e pardos, frente às
mulheres pretas e pardas. Na junção desses últimos dados, os números de homens e
mulheres pretos e pardos dobraram nos últimos dez anos. Em contrapartida, quanto ao
número de homens e mulheres brancos para este mesmo período, houve um declínio
significativo.
De acordo com Kelmer Mathias, este considerável aumento do número de negros
na capitania mineira foi proveniente do intenso espaço econômico do ouro, que
corroborou para os altos índices da entrada de escravos na América Lusa no século XVIII,
através do tráfico Atlânticode escravos, propiciando grandes mudanças e transformações
econômicas, políticas, sociais, demográficas e culturais na região (MATHIAS, 2012, 95-
96).
Os dados demográficos possibilita continuar caminhando a respeito da ausência
de homens forros na documentação e, o maior número de mulheres que deixaram
testamentos, nos períodos referentes à documentação analisada até o momento. Apesar
da maior quantidade de homens na condição de cativo para a região, o mesmo não pode
dizer a respeito daqueles que conseguiram lograr a sua liberdade. Na tabela 4 e no gráfico
1099
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fonte: Dados extraídos de: MONTI, Carlos Guimarães. “Por amor a Deus: o processo de alforria dos
escravos de Mariana (1750 – 1759)”. In: Revista do centro Universitário Barão de Mauá, v. 1 n° 1,
jan/jun 2001. Disponível em
http://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/jornal/v1n1/por_amor.html. Acesso em:
07/12/2016. p. 3.
1100
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
474
Dados referentes à Bahia, Cf. REIS, João José. A Morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no
Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991; ao Rio de Janeiro, Cf. RODRIGUES,
Cláudia. Lugares dos mortos nas cidades dos vivos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Revisão e Editoração, 1997; e Minas Gerais,
Cf. PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: Estratégia de
resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH-UFMG, 2009.
475
Como as Ordenações Filipinas proibiam os escravos de realizar testamentos, o número de mulheres
alforriadas é um caminho promissor a considerar sua maior participação na prática testamentária. Os meios
pelas quais elas conseguiam melhores possibilidades para conquistar a sua liberdade e melhores condições
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1101
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Apesar de em termos demográficos sua presença ser inferior aos homens, às mesmas
conseguiram maiores possibilidades de atingir a sua liberdade e, afinar-se com as práticas
sociais da época, concomitante a sua liberdade, num processo que poderia acontecer antes
mesmo, no próprio cativeiro.476 No momento da morte, as mesmas demonstravam esse
destaque em relação aos homens – às vezes até mesmo em maior quantia que as mulheres
livres conforme algumas regiões – o que mostra certa ascensão durante sua trajetória de
vida. O alcance a prática testamentária são fundamentais, para iniciar a demonstração de
poder nas atitudes diante da morte.477
Júnia Furtado em seu estudo a respeito dos ritos fúnebres pautada na prática
testamentária de mulheres forras do arraial Tejucano e de homens de negócios moradores
de diversas localidades da Capitania de Minas Gerais, afirma que esses ritos garantiam
ao morto à salvação de sua alma e, também eram utilizados, como forma de exteriorização
do lugar social que cada um ocupava em sociedade.De acordo com a autora,apesar de
serem duas condições sociais distintas, os mesmos se aproximam devido a ambos
buscarem esquecer o seu passado. Enquanto o primeiro distanciava-se do estigma social
da senzala, o segundo grupoz buscava apagar o estigma de mecânico e cristãos-novos que
os identificavam(FURTADO, 2001, p.397-416).
Considerações Finais
O estudo da História da Morte à luz do poder e das relações de poder permite
frutíferas abordagens tanto a esta temática, quanto dos grupos sociais que passam a ser
de vida, são analisadas por diferentes formas pela historiografia. Sobretudo, pelas práticas de concubinato,
o comércio e a formação de famílias. Cf. FURTADO, Júnia Ferreira. “Pérolas negras: mulheres livres de
cor no distrito diamantino”. In: FURTADO, Júnia Ferreria (org). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as
novas abordagens para uma história do Império ultramarino Português. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2001, pp. 81-119; GUEDES, Roberto. Egressos do Cativeiro: Trabalho, família, aliança e mobilidade
social. (Porto Feliz, São Paulo, c.1708 – c.1850). Rio de Janeiro: MauadX : FAPERJ, 2008; Reis, Liana
Maria. "Mulheres de ouro: as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século XVIII." In: Revista do
Departamento de História 8 (1989; entre outros estudos.
476
Para mais informações a este respeito, Cf. FRAGOSO, João. “Elite das senzalas e nobreza de terra numa
sociedade rural do Antigo Regime nos trópicos: Campo Grande (Rio de Janeiro), 1704-1741”. In:
FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). Coleção o Brasil Colonial 1720-1821. Vol.3. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. pp. 241-305.
477
Cabe chamar atenção que a utilização do testamento não era de forma utilitarista. Sua principal função
era a crença na sua utilização enquanto início de preparar uma boa morte, com o intuito a obter a salvação
da alma. Contudo, tal documentação, à luz do poder e, também das hierarquias sociais, torna-se possível
olhar o mesmo enquanto importante mecanismo de distinção social e instrumento de poder.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1102
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
objeto de estudo do pesquisador. Neste breve artigo, observamos que livres e alforriados
no momento da morte, recorriamà feitura do testamento com intuito de obter a salvação
da alma e, na prática testamentária,a distinção social e demonstração do poder no interior
do próprio grupo, estava presente nas atitudes diante da morte.
Concluindo, consoante José Carlos Rodrigues,o poder da morte reside no desafio
que ela oferece ao tentá-la classificar. E este poder é em função de resposta, no
entendimento de cada sociedade, a respeito deste momento final (RODRIGUES, 2006,
p.85). As relações e a atitudes diante da morte, torna possível analisar o poder que se
encontra durante este momento último e derradeiro.
Fontes manuscritas:
Testamentos do Acervo da Casa Setecentista de Mariana
Livro 62, fls. 66-68v. Maria Fontoura. 7 de maio de 1744.
Livro 63, fls. 13-15.[Ileg.] de Souza. 15 de junho de 1746.
Livro 63, fls. 93v-95.[Ileg.] de Pinha. 12 de abril de 1742.
Livro 70, fls. 2-6v. Manoel de [ileg.]. 14 de outubro de 1748.
Livro 71, fls. 99-101v. Joana Ferras. 6 de maio de 1751.
Livro 71, fls. 121v-125v. Maria de Meira. 3 de setembro de 1751.
Livro 71, fls. 126-130. Manoel de Queiros Pereira. 30 de novembro de 1749.
Livro 71, fls. 133v-138. Henrique de Souza. 10 de janeiro de 1749.
Livro 71, fls. 138v-143. Antônio Moreira Delgado. 19 de agosto de 1744.
Livro 71, fls. 143-164. Manoel Ribeiro Quaresma. 4 de setembro de 1751.
Livro 71, fls. 168v-171.Padre Antôio Soares Freire. 11 de agosto de 1751.
Livro 71, fls. 174v-177. Franscisco Cardozo [ileg.]. 24 de abril de 1751.
Livro 71, fls. 183-186v. Roza [ileg.]. 8 de agosto de 1751.
Livro 72, fls. 44v-47. [Ileg.]. 20 de abril de 1742.
Livro 72, fls. 76v-79v. [Ileg.]. 16 de agosto de 1743.
Fonte On-Line:
1103
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas:
ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico”. In: O Poder Simbólico. Lisboa: Editora
Difusão Editorial, 1989, pp. 7-16.
FRAGOSO, João. “Elite das senzalas e nobreza de terra numa sociedade rural do Antigo
Regime nos trópicos: Campo Grande (Rio de Janeiro), 1704-1741”. In: FRAGOSO, João
e GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). Coleção o Brasil Colonial 1720-1821. Vol.3. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. pp. 241-305.
FURTADO, Júnia Ferreira. “Transitoriedade da vida, eternidade da morte: ritos fúnebres
de forros e livres nas Minas setecentistas”. In: JANCSÓ; I. KANTOR, In: Festa: cultura
e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Hucitec, Edusp, Fapesp, Imprensa
Oficial, v. 1, 2001, pp. 1-22.
__________, Júnia Ferreira. “Pérolas negras: mulheres livres de cor no distrito
diamantino”. In: FURTADO, Júnia Ferreria (org). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as
novas abordagens para uma história do Império ultramarino Português. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2001, pp. 81-119.
__________, Júnia Ferreira. “A morte como testemunho da vida”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi e LUCA, Tania Regina de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo:
Editora Contexto, 2009, pp. 93-118.
GENNEPE, Arnold Van. Os ritos de passagem. 3° Edi. Petrópolis: Editora Vozes, 2011
GUEDES, Roberto. “Ofício mecânico e a mobilidade social: Rio de Janeiro e São Paulo
(Sécs. XVII-XIX)”. In: Topói. Vol. 7, n° 3, jul-dez, 2006, pp. 379-423.
__________, Roberto. Egressos do Cativeiro: Trabalho, família, aliança e mobilidade
social. (Porto Feliz, São Paulo, c.1708 – c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ,
2008.
Le GOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Lisboa: Editora Estampa, 1993.
1104
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MONTI, Carlos Guimarães. “Por amor a Deus: o processo de alforria dos escravos de
Mariana (1750 – 1759)”. In: Revista do centro Universitário Barão de Mauá, v. 1 n° 1,
jan/jun 2001. Disponível em
http://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/jornal/v1n1/por_amor.html.
Acesso em: 07/12/2016.
KELMER MATHIAS, Carlos Leonardo. As múltiplas faces da escravidão: o espaço
econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira
setecentista, c. 1711 – c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2012.
PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII:
Estratégia de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte:
PPGH-UFMG, 2009.
PAIVA, Eduardo França. “Usos e costumes da terra: o viver e o sentir nos relatos
testamentais e nos inventários post-mortem das Minas Gerais setecentistas”. In:
RODRIGUES, Claudia e WANDERLEY, Marcelo da Rocha (Org.). Últimas Vontades:
testamento, sociedade e cultura na América Ibérica – séculos XVII e XVIII. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2015, pp. 77-80.
REIS, Liana Maria. "Mulheres de ouro: as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século
XVIII." In: Revista do Departamento de História 8 (1989): 72-85.
REIS, João José. A Morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
RODRIGUES, Cláudia. Lugares dos mortos nas cidades dos vivos. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação
Cultural, Revisão e Editoração, 1997.
RODRIGUES, José Carlos. O Tabu da Morte. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.
VOVELLE, Michel. As almas do Purgatório: ou o trabalho de luto. São Paulo: Editora
Unesp, 2010.
1105
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Candaces: o lugar social da mulher no reino Kush entre os séculos II A.C e IV D.C
Resumo
As candaces, rainhas-mãe que detinham elevado status social e político na
civilização de Méroe, no Reino de Kush, localizado na região da África subsaariana,
assumiram um poder político superior a de seus filhos ou maridos, entre os séculos II A.C
e IV D.C, conforme demonstra o debate desenvolvido por diferentes pesquisadores. Esse
poder é atestado por diversas fontes, como por exemplo, registros reais, como a estela de
Hamadab, também conhecida como a grande de estela da rainha Amanirenas e seu filho,
representando uma celebração de campanhas militares e a iconografia localizada em
templos, conferindo a mulher o papel de indivíduo ativo nesta sociedade.
Buscamos com o desenvolvimento desta pesquisa trabalhar na perspectiva de um
olhar alternativo sobre a história da África antiga, um olhar que possibilite a reconstrução
para história de sociedades que ainda carecem de serem valorizadas e reconhecidas por
seu desenvolvimento e suas crenças, sociedades que necessitamos conhecer as origens, a
organização política e social, a cultura, bem como as relações com civilizações dentro e
fora do continente africano.
1106
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
478
Cheik Anta Diop é autor de uma série de obras que se configuram como de grande relevância para o
estudo da África, como por exemplo, Civilização ou Barbárie (1988), A África negra pré-colonial (1987),
A origem africana da civilização: mito ou realidade (1974), entre outros.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1107
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1108
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1109
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
479
O termo candace deriva da palavra de origem meroíta KTKE ou KDKE, que significa rainha-mãe.
480
O tema também foi abordado por Plínio, na obra História Natural, livro VI e por Dion Cássio, na obra
História Romana, livro LIV.
481
De acordo com a lista de soberanos elaborada pelo arqueólogo Hintze, a rainha a qual Estrabão faz
referência é a Candace Amanishakete, que teria governado entre 41 e 12 a.C.
482
Segundo Cristiano Bispo, em seu artigo Candaces: dois discursos, duas representações (2009), as
características físicas da rainha, apontadas por Estrabão, encontram-se em desacordo com os registros
iconográficos da soberana encontrados em sítios arqueológicos no Sudão e com os objetos achados em sua
pirâmide. Estes demonstram uma preocupação com a estética e o cuidado com o corpo, como por exemplo,
vasos de vidro usados para armazenar óleos corporais e espelhos.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1110
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Quando Petrônio se retira de Napata, a rainha candace reorganiza suas tropas para
retomar a cidade, que havia sido fortificada pelos romanos. Petrônio ao descobrir o
deslocamento das tropas etíopes, retorna para conter a invasão. Diante do impasse
estabelecido, a Candace solicita dialogar para negociar a paz com César Augusto, que se
encontrava em Samos. De acordo com Estrabão, aquilo que foi pedido a César foi
concedido, inclusive a retirada dos impostos que iriam recair sobre Napata.
Uma importante fonte de cultura material a partir da qual podemos analisar o papel
político e militar exercido pelas candaces é a estela de Hamadab, que encontra-se
atualmente no Museu Britânico. A parte superior da estela possui imagens mostrando a
rainha Amanirenas e o seu filho, príncipe Akinidad, enfrentando divindades egípcias. O
relevo que se encontra abaixo mostra prisioneiros e há uma inscrição em hieróglifos
meroíticos. Acredita-se que estela possa ter sido produzida para celebrar a vitória de uma
invasão kushita no Egito, por volta de 24 A.C.
Fonte:http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?ob
jectid=116018&partid=1&place=1843&plaa=1843-3-1&page=1 Acesso: 15/08/2017
1111
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Na 25ª dinastia, na dinastia kushita no Alto Egito, havia se tornado uma prática
para o faraó instalar seus parentes do sexo feminino como as sumo-sacerdotisas de Amon
em Tebas. Essas mulheres na verdade teriam se tornado governantes no Alto Egito.
Segundo Williams e Finch (2007), foram empreendidas por elas massivas restaurações e
obras públicas em Tebas e em todo Alto Egito. Seus nomes estão presentes em
monumentos, edifícios e estátuas e elas são retratadas tanto como sacerdotisas quanto
administradoras.
Existiam duas linhas destas sumo-sacerdotisas, uma em Tebas e uma em Napata,
e elas seriam designadas, respectivamente, “Senhora do Egito” (Tebas) e “Senhora de
Kush”.
Na historiografia, o tema das Candaces foi debatido por diversos autores. Segundo
Jean Leclant, em Império de Kush: Napata e Méroe, foi com a rainha Shanakdakhete (por
volta de 170 a 160 A.C) que parece ter ascendido ao poder um matriarcado tipicamente
local na sociedade cuxita. Após seu governo, duas rainhas tiveram então um papel
preponderante: Amanirenas e Amanishaketo. Tamanha era sua representatividade, que
seus maridos permanecem esquecidos, e não se sabe sequer o nome do de Amanishaketo.
Comprovando o poder exercido pela rainha Shanakdakhete, Necia Harkless
(2006, p. 147), em Nubian pharaohs and meroitic kings, aponta o registro de seu nome
real preservado nos hieróglifos egípcios e meroíticos, além de utilizar a análise de
registros e inscrições reias que comprovam a atuação das Candaces, como por exemplo,
a Grande Estela de Amanirenas e seu filho. De acordo com Harkless (2006, p.99), o papel
social de destaque ocupado pela mulher no reino Kush pode ser explicado pela crença de
que estas detinham poderes divinos, e a maternidade era vista como único laço
reconhecido.
Alberto da Costa e Silva, em A enxada e a lança, confirma o elevado status
conferido às rainhas-mãe afirmando que a mãe do rei possivelmente era um dos principais
chefes do partido que o levara ao trono. Ela é retratada, nas paredes dos templos,
subordinada somente ao próprio rei e com uma destacada posição como portadora de
oferendas nos túmulos. (SILVA, 2011, p.134). Ali Hakem, em A civilização de Napata e
Méroe, se utilizando também da análise iconográfica de templos, endossa a atuação das
Candaces, apontando que a certa altura as rainhas devem ter superado em importância
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1112
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(...) poderíamos definir a Núbia histórica como a parte da bacia do Nilo que se
estende da fronteira oestenoroeste da atual Etiópia até o Egito, incluindo o
próprio vale do Nilo, partes do Nilo Branco e do Nilo Azul e todos os seus
tributários situados ao norte do 12º paralelo, tais como o Atbara, o Rahad e o
Dinder.
1113
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
483
Entendemos como matrilinearidade o sistema de parentesco, de filiação através do qual somente a
ascendência (família) da mãe é tida em consideração para a transmissão do nome, dos benefícios ou do
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1114
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(1989) busca desconstruir a visão de progresso que foi associada ao patriarcado e a visão
de uma organização primitiva ligada à matrilinearidade. Para tanto, analisa as teorias
sobre o patriarcado propostas por diversos autores, como Bachofen e Engels, no intuito
de mostrar que faltam bases científicas que provem a superioridade das sociedades
patriarcais e para dissociar o matriarcado de algo atrasado e primitivo.
Bachofen e Engels defendem o processo que leva da organização matriarcal à
patriarcal como um progresso universal vivido pelas sociedades, como uma evolução,
considerando as estruturas sociais matrilineares como retrógradas. Diop discute a teoria
de Bachofen que considera a existência do matriarcado com um estágio anterior a
organização patriarcal, demonstrando a visão de progresso alcançada com este sistema e
posicionando o matriarcado como algo que deveria ser superado. Para Diop (1989), esta
teoria não pode ser considerada como científica, pois não há como provar em uma
determinada sociedade a sobreposição do patriarcado em relação ao matriarcado.
Para analisar as mudanças nas formas de organização das sociedades, bem como
no desenvolvimento das relações de parentescos, Engels propõe uma divisão em três
momentos principais: o estado selvagem, a barbárie – que denomina como estágios pré-
históricos de cultura – e a civilização. A forma de organização matrilinear é vista por
Engels como uma forma de evolução da sociedade, até se chegar a um momento neste
processo onde esta família monogâmica onde o homem conquista o papel principal e essa
figura paterna passa a ser dominante na relação familiar. Surge assim o patriarcado, onde
o homem possui grande poder de controle sobre sua esposa e sua família. Diop debate a
teoria de Engels, pontuando que ele se baseia nas teorias anteriores para entender as forma
de organização política e social. Desta forma, essas teorias serviram para que ele
mostrasse que a família monogâmica burguesa passaria por uma decadência assim como
as instituições anteriores.
Para embasar sua teoria sobre o matriarcado, Diop (1989) trabalha com a
influência da ecologia sobre a organização social, atribuindo a esta fatores externos.
Apresenta a hipótese de dois “berços” de desenvolvimento humano, que seriam o do norte
e o do sul, tendo como ponto de divisão a bacia do Mediterrâneo. O norte, por apresentar
1115
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
um caráter nômade devido ao ambiente árido, estando ligado aos povos indo-europeus,
foi favorável à organização patriarcal, pois a mulher era vista como um fardo que o
homem carregava, tendo sua função reduzida a procriação. Já o sul, tendo como base de
desenvolvimento sociedades agrárias, devido à vegetação existente, que possibilitou o
processo de sedentarização, tinha a mulher como base de uma função central, pois era ela
que trabalhava na agricultura enquanto os homens caçavam, sendo assim sociedades
favoráveis à organização matriarcal.
O continente africano, para Diop, foi um dos berços de desenvolvimento da
organização matriarcal, sendo o patriarcado introduzido apenas com a penetração do
islamismo no continente no século X. Mesmo assim, Diop defende que este não penetrou
profundamente na base do sistema matriarcal484.
Nas sociedades de organização matrilinear, o poder da mulher estava baseado em
seu papel econômico, e a herança biológica da mãe era mais forte e mais importante que
a do pai. Não havia uma dominação da mulher sobre o homem, mas sim uma partilha de
poder e responsabilidades. A mãe possuía um sacro poder e sua autoridade era ilimitada.
Todos os direitos políticos eram transmitidos pela mãe e a herança era proveniente do tio
materno e não do pai. Nestas sociedades, segundo Diop, era a mulher que recebia o dote
no casamento, podendo repudiar seu marido a qualquer momento. O homem era quem
levava seu clã para viver junto da mulher, pois era esta quem contribuía substancialmente
para a economia.
Os estudos realizados sobre as sociedades matrilineares, segundo Isabela
Casimiro (2014), até os anos 70-80 do século XX, ainda são carregados de uma visão
bastante preconceituosa, haja vista o modelo de organização social patrilinear vigente e
ainda entendido como superior em uma escala de evolução desta organização. A partir
dos estudos pós-coloniais, que ganham força a partir da década de 80, começa se
484
Para embasar sua teoria do matriarcado relacionada ao continente africano, Cheik Anta Diop trabalha
com a concepção de uma unidade cultural africana, considerando as diferenças que foram impostas ao longo
do tempo pelas dominações árabe e europeia. Diop escreve na década de 1950, período de intenso debate
sobre o processo de independências no continente africano. Assim, toda sua obra é baseada em uma
valorização da historicidade das sociedades africanas e para estabelecer o continente como berço das
civilizações mais antigas, hipótese que foi bastante contestada no século em que ele desenvolve suas
pesquisas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1116
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
Repensar a histórias, ou “as histórias” da África é não somente um resgate da
memória de africanos e afrodescendentes e uma afirmação de sua identidade, mas também
um ato de mobilização política. A luta por ressignificar os conhecimentos e olhares sobre
esta história perpassa por um reconhecimento das inúmeras contribuições históricas e
culturais do continente, que acreditamos que pode passar a ser visto fora das noções do
diferente, fora do padrão canônico estabelecido durante séculos de dominação das
civilizações europeias. As histórias e valores culturais africanos podem por nós serem
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1117
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
desvendados para serem não tolerados, mas revistos dentro de uma perspectiva não
hegemônica de pensamento.
Ao pesquisarmos e aprofundarmos nossos conhecimentos sobre sociedades de
organização matrilinear que se desenvolveram no continente africano, onde tomamos
como objeto de estudo a sociedade kushita do período meoítico, podemos reconhecer um
dos traços bastante marcantes das sociedades africanas antigas, bem como refletir sobre
o status político, social e militar que era atribuído a essas mulheres. Esse debate ainda nos
leva a refletir sobre o quão importante era a organização social e política desse reino,
influenciando o poder exercido por rainhas e princesas, e estando diretamente ligada
também a fatores econômicos e culturais da sociedade kushita.
Documentação
ESTRABÃO. A Geografia de Estrabão(texto em grego e em inglês, versão de H. L.
Jones). Col. «The Loeb Classical Library», 8 vols., MCMLIX.
Estela de Hamadab. The British Museum, Coleção on-line. Departamento de Egito antigo
e Sudão. Aquisição:1914. Datação: Século I D.C.
Referências bibliográficas
A. M. ALI HAKEM. A civilização de Napata e Méroe. In: MOKHTAR, G. (coord.).
História Geral da África. v. 2: A África Antiga. São Paulo - Paris: Ática – UNESCO,
1983, p.297-332.
BAKARE-YUSUF, Bibi. Além do determinismo: a fenomenologia da existência
feminina africana. Tradução para uso didático de BAKARE-YUSUF, Bibi. Beyond
Determinism: The Phenomenology of African Female Existence. Feminist Africa, Issue
2, 2003, por Aline Matos da Rocha e Emival Ramos.
BISPO, Cristiano Pinto de Moraes. Candaces: Dois discursos, duas representações.
Nearco, 2009. Ano II, número IV.
CASIMIRO, Isabel Maria. Paz na Terra, Guerra em Casa. Série Brasil &África coleção
Pesquisas 1, Pernambuco: Editora da UFPE: 2014.
1118
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DIOP. Cheik Anta. Precolonial Black Africa: a comparative study of the political and
social systems of Europe and Black Africa, from Antiquity to the Formation of modern
States. Westport: Lawrence Hill & Company, 1986.
___ The cultural unity of Black Africa – the domains of patriarchy and of matriarchy in
classical antiquity. Westbourne, Karnak house, 1989.
HARKLESS, Necia Desiree. Nubian pharaohs and meroitic kings – the kingdom of Kush.
Bloomington: Author House, 2006.
KI-ZERBO, Joseph. Introdução geral. In: KI-ZERBO, Joseph. História Geral da África.
V.1: Metodologia e pré-história da África. São Paulo – Paris: Ática – UNESCO, 1983, p.
XXXI-LVII.
LECLANT, Jean. Império de Kush – Napata e Méroe. In: MOKHTAR, G. (coord.).
História Geral da África. v. 2: A África Antiga. São Paulo - Paris: Ática – UNESCO,
1983, p.273-296.
LE GOFF, Jacques, 1924. História e memória; tradução Bernardo Leitão ... [et al.] --
Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990.
NASCIMENTO, Elisa Larkin. A matriz africana no mundo. Rio de Janeiro: Editora Selo
Negro, 2008.
M´BOKOLO, Elikia. África negra- história e civilizações. Salvador: EDUFBA, 2009.
NEVES, Margarida de Souza. História e Memória: os jogos da memória. In: MATTOS,
Ilmar Rohloff (org.). Ler e escrever para contar: documentação, historiografia e formação
do historiador. Rio de Janeiro: Access, 1998, p.203-220.
SILVA, Alberto da Costa. A enxada e a lança– A África antes dos portugueses.Editora
Nova Front, 2011.
WILLIAMS, Larry e FINCH, Charles S. As grandes rainhas da Etiópia. In: SERTIMA,
Ivan Van. Mulheres negras na antiguidade. New Jersey: Transaction Publishers, 2007,
13ª edição, p.12-35.
1119
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1120
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1121
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(...) qualquer pessoa que tenha feito algum estudo sobre as coisas da natureza
e versado nos objetivos do mesmo contemple o aspecto que oferece qualquer
das partes deste sertão em que se compreende o território de Ambaca cercado
de montanhas [...] segundo expressam os naturalistas persuadir-se- na
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1122
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não há moléstia que mais precise de uma pronta assistência do que do que é a
febre, a eficácia dos remédios depende sempre de ser asua administração feita
1123
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O problema das febres era frequente no século XVIII, não se sabia ao certo o
motivo dessas pirexias diante da medicina da época. A cura no final do século XVIII e
princípios do século XIX na Europa ocidental e nos domínios ultramarinos portugueses
fundamentava-se na teoria hipocrático-galênica, que apontava a análise dos climas, dos
humores, o lado sobrenatural e empírico, uma visão de mundo herdada do período
medieval, mas ainda presente no fim do século XVIII. Neste contexto, gerou-se a
concepção dos miasmas causadores de doenças, onde a preocupação estava voltada para
a nutrição, a organização dos espaços, com os ares, com as águas, e a doença não possuía
causa específica. Compartilhavam também, de diversas teorias médicas antagônicas,
como a Iatrofisica, Iatroquímica, vitalismo e excitabilidade orgânica, coexistindo assim
várias concepções e fundamentações teóricas da medicina (FAGUNDES, 2016:25).
No entanto, autores como WATTS (1999:111) especulavam que as febres
poderiam estar relacionadas à varíola, que era com certeza um problema no século XVIII.
Até o século XVIII o tratamento da varíola poderia ser dividido entre o método quente
árabe, segundo o qual poderia expelir a matéria causadora da doença pelo calor, e o
método frio de Thomas Sydenhan, que acreditava que a exposição ao ar fresco e o uso de
cobertas leves e bebidas frias seriam uma boa terapia para a doença. Essas duas práticas
estavam também associadasao isolamento dos infectados. Porém, na primeira metade do
século XVIII a inoculação teria sido noticiada na Royal Society por médicos, mercadores
e funcionários ingleses, em missão nas possessões do oriente (SILVEIRA, 2013: 53). A
partir daí a doença teria sido consideravelmente reduzidae a origem de seu combate teria
se dado por meio de uma prática africana.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1124
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1125
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que inoculava-se a matéria infecciosa do úbere da vaca nas pessoas (WATTS, 1999: 110-
116).
É possível perceber a formação de um conhecimento novo ao final do século
XVIII, na região Congo-Angola da África Centro- ocidental, em que o conhecimento e a
prática médica africana foram reelaboradas e circularam por meio do Físico-mor José
Pinto de Azeredo e também por meio do viajante Joaquim José da Silva. Uma nova
historiografia baseada na História das Ciências Global e Transcontinental traz à tona a
possibilidade da observação da produção de ciência nos antigos centros europeus e
também nas antigas possessões coloniais africanas, americanas e asiáticas.“A cultura
especialista” produz conhecimentos levando em consideração os vários agentes
envolvidos nesse processo, o espaço da inteligência intercultural ou “zona de contato”, o
processo ativo de recepção, reconfiguração e circulação de saberes e habilidades (RAJ,
2007:4-14).
A partir da abordagem acima descrita, percebe-se que o Físico-mor da 1ª Escola
Médica de Angola em 1791, José Pinto de Azeredo, usava conhecimentos médicos
oriundos de sua formação universitária europeia, reelaborando-os com os conhecimentos
africanos locais, fazendo-os circular, produzindo conhecimento novo que chegou até o
Brasil, nas mãos de Sigaud, médico da corte do Rio de Janeiro na primeira metade do
século XIX. Segundo Sigaud:
Nas áreas de crioulização, como a região entre Luanda e Benguela, onde é possível
encontrar a 1ª Escola Médica de Angola de 1791. A dimensão Atlântica e sociocultural
de Angola foi influenciada pelo tráfico Atlântico, pois foi a região que mais enviava
escravos para América. Ela foi controlada por um grande número de negociantes do
Brasil, Luanda e Benguela. Nessa região, estavam presentes elementos da cultura crioula,
oriundos de laços familiares, educacionais e religiosos. Esses elementos da cultura crioula
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1126
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
reforçavam códigos culturais, que funcionaram em várias regiões do Brasil como o Rio
de Janeiro, a Bahia e Pernambuco, e na África Centro-Ocidental como Luanda, Benguela,
Mbaka e Kakonda (FERREIRA, 2016:41). As relações comerciais entre Brasil e Angola
poderiam ser identificadas por meio de licenças e viagens, o que gerava muitos
deslocamentos de mercadorias, informações e pessoas, principalmente no auge do tráfico
de escravos. Sendo assim, ao final do século XVIII era possível encontrar negros, livres
ou não, atuando como sangradores, dentro e fora dos navios, e as curas que esses práticos
disponibilizavam eram semelhantes as curas disponibilizadas pelos físicos. Além disso,
os sangradores atuavam com público das diversas classes sociais. Os sangradores negros
forros ou de ganho, alémde ganhar a vida nas ruas, praças ou em uma loja, poderiam
acumular algum pecúlio,exercendo a sua atividade em navios,principalmente em
negreiros (PIMENTA, 1998: 361). O conhecimento de cura desses africanos era
valorizado por mercadores de escravos, que davam preferência em constar em suas
embarcações, negros oriundos da África-Centro Ocidental, visto que os cativos dos
negreiros rejeitavam a cura do físico-mor e davam preferência à cura dos africanos
sangradores, diante de uma proximidade de complexo cultural, uso da língua Bantu e
visões cosmológicas (RODRIGUES, 2005: 278 e 279).
Assim como o conhecimento de cura africano era valorizado no comércio
Atlântico-sul de escravos, os Impérios Ultramarinos do final do século XVIII também
observaram utilidade nos conhecimentos locais dos territórios do ultramar, por meiode
outros agentes sociais como físicos-mores,sobretudo em regiões africanas.Isto é possível
de se observar na atuação de “homens de letra” à serviço do Estado como o José Pinto
de Azeredo, por parte do Império Ultramarino Português, e o Mungo Park, por parte do
Império Ultramarino Inglês. Ambos destacaram os conhecimentos africanos de cura,
prospectando informações úteis para seus impérios, em regiões africanas ao final do
século XVIII. Propõe-se aqui,um breve paralelo ente Azeredo e Park, afim de ilustrar que
a atuação de José Pinto de Azeredo não era uma atitude isolada, mas sim um
procedimento que fazia parte de um contexto em que o Império Português se convertia
ao modelo hegemônico franco-Inglês, onde as práticas científicas faziam parte da rotina
administrativa.
1127
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O paralelo entre Azeredo e Park, pode ser percebido a partir do ponto de vista em
que ambos estariam alimentando a rede de informações de seus respectivos impérios.Vale
ressaltar que o médico escocês Mungo Park havia chegado à África Subsaariana em 1795e
pretendia percorrer o rio Níger e visitar Tombuctu, mas não concluiu seus objetivos diante
dos obstáculos da doença e fome. Mas como era um médico, fruto de seu tempo,
influenciados pelo naturalismo, utilizando-se da “surviveliterature” e também
conhecendo a língua mandinga,escreveu cientificamente e de maneira entusiástica,
destacando as potencialidades africanas, fazendo-as circular. Em seus escritos, Park
identificou a baixa incidência de doenças entre os africanos, registrando as terapias locais
para as febres, os usos de emplastos, vaporização e pós de casca de árvores. O médico
exaltou as práticas de cura africanas, observando fraturas, abcessos, deslocamentos,
colocando-as como mais abertas e igualitárias (VIANA, 2011: 33, 40, 43, e 44). Azeredo
e Park, ambos esbarraram-se com o obstáculo das doenças ao explorar o território. Ao
penetrarem nos sertões africanos esses dois médicos destacaram as potencialidades dos
nativos locais, enfatizando saberes africanos de saúde, que poderiam ser úteis às redes de
conhecimentos de seus respectivos impérios.
Esse interesse pelo conhecimento médico fazia parte dos objetivos da rede de
conhecimentos elaborada pelos Estados Nacionais na conjuntura abordada. Com a
renovação científica iluminista, que proporcionaram reformas na universidade de
Coimbra e nos outros impérios ultramarinos no final do século XVIII, foi possível a
criação de órgãos e instituições como colégios, academias militares, escolas médicas, o
envio de profissionais conectados à história natural e técnicos para viagens científicas
para o Brasil, Ásia e África. Esses funcionários do ultramar iriam articular o projeto
integrado de colonização e ordenamento territorial, prospectando informações científicas
de caráter prático como aclimatação de plantas, cultura de novas espécies, racionalização
da agricultura, mineralogia e também informações médicas.(DOMINGUES, 2001: 825-
827). Dessa maneira, nosso objeto o Físico-mor José Pinto de Azeredo e o viajante
Joaquim José da Silva atuaram prospectando informações botânicas médicas,
contribuindo para alimentar a citada rede deconhecimentos.E defende-se que a referida
1ª Escola Médica de Luanda de 1791, faria parte dessa rede de conhecimentos do Império
Ultramarino Português.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1128
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
... com sementes de uma espécie de melissa, trazidas a poucos anos do interior
deste sertão. Cheira perfeitamente e sabe ao cravo da índia, o que eu entendo
assim,das folhas com as suas espigas porem uma tintura leve extraída da
mesma, com aguardente,muito ordinária [...]Água de Melissa [...] com
sementes de uma espécie de cássia, vulgarmente mubôlo. As suas flores e
renovo das folhas, mastigadas excitam o cheiro de rosas, emais exatamente do
jambo. Neste sertão com usos médicos, edeveterasvirtudes dos a adstringentes
aromáticos: e particularmente serve, (além de outras plantas) aocurativo de
uma espécie defebre endêmica do país... (SILVA, 1797:f15verso)
Considerações finais
Desde de oséculo XVI, já existia o interesse por partedo Império
UltramarinoPortuguês por plantas medicinais na região da África Centro-ocidental.Tal
interesse corroborou com oprojeto político do final do século XVIIII e princípios do
XIX,onde aciência fazia parte dapráticaadministrativa e osagentesconectados aos
impérios ultramarinos eram enviados para possessões além-mar, afim de prospectar
conhecimentos de diversas áreas, inclusive médico, alimentando uma rede de
conhecimentos. Esses novos saberes iriam possibilitar o melhor domínio das possessões
territoriais. Essa rede eracomposta por instituições, que cooptavam as informações e
faziam-nas circular pelas rotas de comércio escravista e de sociabilidades. Defende-se
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1129
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que a 1ª Escola Médica de Luanda em 1791, da qualatou José Pinto de Azeredo, teria feito
partedessarede. Nessaescola possivelmente circularamconhecimentos africanos
reelaborados, que viajaram para Portugal eoutras extremidades do ImpérioUltramarino
Português. JoaquimJosé daSilva, um viajante, que no momento do funcionamento da
escola, prospectouplantas esaberesquepossivelmente teriam feitoparte do cotidiano do
físico-mor e professor dadita escola, José Pinto de Azeredo. Azeredo, e outros agentes
históricos ligados a cura, valorizou o conhecimentolocal da faixa Congo-Angola da
África Centro-Ocidental e o fez circular, produzindo ciência na África sob o olhar daNova
História das Ciências Global e Transcontinental.
Referências
Fontes primárias.
AZEREDO, José Pinto de. Ensaios sobre algumas enfermidades D’Angola. Lisboa:
RégiaOficina de Tipografia. 1799. Biblioteca Nacional (RJ).
AZEREDO, José Pinto de. Textos de química e botânica, [ c a.1801]. Códice 8484.
Disponível em: < http://purl.pt/index/geral/aut/pt/152878.html>. Acessado em 4
ago.2016.
SIGAUD, J.F.X. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística medica deste império
1844;Tradução de Renato Aguiar. Coleção História e Saúde; clássicos e fontes. Rio
deJaneiro: Editora Fiocruz, 2009.
SILVA, Joaquim José da. Notícias do presídio de Ambaca. Luanda, 1797. Coleção IHGB
(RJ) DL 32,04.
Fontes Secundárias.
ABREU, Jean Luís Neves. O saber médico e as experiências coloniais nos Ensaios sobre
algumas enfermidades de Angola. In: OLIVEIRA, Antônio Braz de et al. (org.). Ensaios
sobre algumas enfermidades de Angola. Lisboa, Portugal: Edições Colibri, 2013. pp. 188-
211.
1130
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1131
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1132
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1133
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
485
Nise da Silveira é um dos nomes que fortemente revolucionou a história da psiquiatria, intitulada “A
psiquiátrica rebelde” como ela mesma se auto designava, quebrou paradigmas numa época em que campo
médico científico era dominado pelo mundo masculino. A partir de seu trabalho foi possível a criação do
Museu de Imagens do Inconsciente, fundado em 20 de maio de 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente,
emergia a partir de uma proposta inovadora, resguardar a arte do inconsciente e a construção de seus
processos psicóticos. O processo de construção do Museu de Imagens do Inconsciente se constitui através
do processo terapêutico ocupacional criado pelo trabalho de Nise da Silveira, a partir de 1946 no Centro
Psiquiátrico Nacional. A proposta terapêutica de Nise da Silveira era buscar através da terapêutica
ocupacional, a humanização no tratamento dos doentes mentais, numa época em que a psiquiatria se
utilizava de métodos de extrema violência contra os ditos “loucos” , seja através de lobotomias , choques,
insulinoterapias e dentre outros, se estabeleceu em meio à luta de Nise da Silveira contra os discursos de
uma medicina que visava uma forma de tratamento extremamente desumano, não legando nenhum tipo de
sensibilidade ao tratamento dos pacientes.
486
O princípio da eugenia pode ser classificado como um aparato atrelado a um conjunto de medidas de
profilaxia mental, onde o advento da prevenção acerca da degeneração se estendia a sociedade como um
todo. A partir do ideal eugênico o principal elemento garantidor de um saúde mental se relacionava com a
ideologia da raça ideal, ou seja, combatendo o fantasma da miscigenação das raças que tanto assolava a
sociedade brasileira recém saída dos laços escravistas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1134
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
487
Apesar da existência de relevantes trabalhos, como os de Yonissa Mamitt Wadi e de Magali Engel,
abordando justamente a questão da loucura feminina, ainda há muito a ser explorado nos arquivos médicos
psiquiátricos. Ocorrendo, portanto, uma grande lacuna entre a construção da feminilidade e os aspectos da
loucura no período Vargas e suas políticas materno infantis. Lembrando, que a história da psiquiatria como
campo de análise da História social ser relativamente recente, bem como a utilização de acervos
psiquiátricos para pesquisa.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1135
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1136
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1137
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1138
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Vargas. A partir da década de 30, houve todo um remodelamento da ordem social, o que
foi sentida por uma forte repressão do Estado na sociedade. É justamente a partir da
década de 30, que o eugenismo cairá numa fase de maior radicalismo, onde se expressou
mais nitidamente por um ideal de reclusão dos disgênicos ao projeto sanitário, “sanear é
eugezinar” (FABRICIO, 2009, p.26).
Considerações Finais:
1139
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
1140
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1141
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1142
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1143
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1144
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1145
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
200/1948 da ONU, onde era “(...) entendida como transferência, em caráter não
comercial, de técnicas e conhecimento por meio da execução de projetos desenvolvidos
em conjunto entre atores de nível desigual de desenvolvimento – prestador e
recipiendário”. O autor (op.cit) ainda comenta que a ideia de assistência possuía
características de unilateralidade e verticalidade, enquanto o conceito de cooperação tinha
como noções a bilateralidade (ou multilateralidade) e a horizontalidade.
O contexto no qual estava inserida esta ideia de assistência e cooperação era o
período imediato ao fim da Segunda Guerra Mundial, onde dentre as principais estratégias
de assistência para a reconstrução da Europa estavam os empréstimos de dinheiro, a
cessão de técnicos, serviços e materiais em caráter de transferência entre Estados, sendo
a maior parte da oferta feita pelos Estados Unidos e pela União Soviética
(MAZZAROPPI, 2016).
Em 1959, por meio de uma Assembleia Geral da ONU, o termo assistência técnica
foi revisto, passando a se chamar então “cooperação técnica”, com um enfoque
reconhecendo a existência de partes desiguais, mas que poderiam se basear em uma
relação de trocas que levasse em conta os interesses de ambas as partes (BRASIL, s/d
(b)). Esta revisão iria ampliar a visão atrelada às relações horizontais e o surgimento
daquilo que seria chamado mais tarde de Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (CTPD).
A importância da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento foi
percebida e reconhecida principalmente na década de 1970 por meio de declarações e
resoluções divulgadas pela ONU, apesar de haver registros de acordos de CTPD nas
décadas de 1950 e 1960 desenvolvidos em países como Tailândia, Cingapura, Coréia e
Índia (AMADOR, 2001). Mesmo assim, a dinâmica entorno desta temática nos anos da
década de 1970 era tal que resultaria no Plano de Ação de Buenos Aires (PABA), de
1978, marco histórico de estímulo à CTPD, base das ideias posteriores também
conhecidas como cooperação sul-sul e cooperação horizontal (AMADOR, 2001; PIRES-
ALVES, PAIVA & SANTANA, 2012). Este plano aponta para algumas características
da CTPD (UNDP, 1994), dentre elas:
(...) escopo bilateral (cooperação entre países) ou multilateral
(cooperação entre países em conjunto com organismos internacionais);
1146
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1147
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1148
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1149
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1150
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais:
Diante do que foi exposto, é plausível pensar na importância deste tema diante do
reconhecimento da importância do Ministério da Saúde nas ações de caráter internacional,
fora o resgate histórico que embasava estas ações no período referente à segunda metade
do século XX. Sabe-se que nos últimos anos, o fato do Brasil ter sido considerado um dos
países com grande potencial de desenvolvimento para as próximas décadas, permitiu que
o país projetasse sua imagem, principalmente na América do Sul, em diferentes áreas,
sendo uma delas a saúde. Um exemplo disto é o fato do Instituto Sul-Americano de
Governo em Saúde (ISAGS), ligado a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), e
que tem dentre outras atribuições o apoio técnico e na formação de recursos humanos
voltados para os países da América do Sul, estar situado no Brasil (no Rio de Janeiro).
Contudo, este projeto ainda está em fase de construção e por conta disto as
discussões entorno das fontes e dos métodos de pesquisa ainda estão ocorrendo. Por
exemplo, o que se vê é que o acesso as principais fontes não estão somente endereçados
nos arquivos e bibliotecas do Ministério da Saúde, mas também no Ministério das
Relações Internacionais e em pessoas que trabalharam em organismos internacionais,
como a OPAS e a OMS, pensando que a articulação destes atores ocorreu e que pode
dizer muito sobre o papel do Ministério da Saúde neste cenário internacional.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1151
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Uma outra questão é a escolha do período. Como esta é uma fase de delimitação
e exploração dos dados e informações, tomou-se como referência a segunda metade do
século XX, percorrendo a criação da Comissão de Saúde Internacional em 1950 até a
formação da Assessoria de Assuntos Internacionais em 1998, que é a estrutura atual do
Ministério da Saúde para assuntos internacionais. Desta forma, pode-se se ter uma ideia
da quantidade de dados e informações existentes, fora um panorama do que foi feito.
Por fim, espera-se com este trabalho contribuir para a discussão sobre a Saúde
Internacional no Brasil, além da produção de conhecimento e debate sobre o papel do
Ministério da Saúde na segunda metade do século XX. Em um momento em que pessoas
e instituições se torna mais dinâmica e fluída, um olhar histórico pode nos ajudar a
enxergar os processos que ocorreram e culminaram com o cenário atual da saúde nacional
e internacional.
Documentação:
Referências Bibliográficas:
1152
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1153
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1154
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
488
CHALLOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo; Companhia das
Letras. 1996. p. 102-103
489
Não se havia referenciais teóricos para explicar o processo imunizante da vacina e como esta não era
uma doença muito comum no gado, acabava-se a utilizar o método de vacinação braço a braço, retirando-
se o fluído vacínico de uma pessoa já vacinada e aplicando direto no braço de outro indivíduo.
FERNANDES, Tânia Maria. Vacina antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens, 1808-1920. Rio
de Janeiro; FIOCRUZ, 2010. p..31-32.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1155
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
bexigas de Vacca”, para o português, feita pelo médico João Monteiro, sob ordem do
Príncipe-Regente D. João490.
Em 1808, o médico Heliodoro Jacinto Carneiro491 publicou uma das obras mais
polêmicas da literatura médica portuguesa do início do XIX. Intitulada Reflexões e
observações sobre a prática da inoculação davaccina, e as suas funestas consequencias.
Esta obra foi para os apoiadores da vacina, o mais duro golpe da época, sendo Heliodoro
Carneiro lembrado e criticado por gerações, de modo que seus detratores passaram a
chamá-lo pela alcunha de doutor bexigas, como se ao detratar a vacina acabasse por
favorecer as bexigas492.
Como a vacina antivariólica passou a ser uma prática bem sucedida e cada vez
mais aceita na comunidade médica, tendo sua eficácia consolidada por exemplos bem
sucedidos de aplicação. A obra de Heliodoro foi considerada, `a época, como um erro
científico e como tal foi desacreditada. Todavia, enfatizamos que partindo da
historiografia sobre produção científica, devemos analisar esta obra pelo princípio da
simetria, como sugerem os autores Bloor e Barnes, ou seja, erros e acertos devem ser
estudados com os mesmos critérios. Cabe salientar que a obra de Heliodoro, embora
identificada enquanto um erro, apresentou muitos argumentos plausíveis para a época,
compartilhado até mesmo por outros autores, principalmente ingleses493.
Helidoro não praticou a vacinação de modo que parar elaborar sua obra se baseou
nas obras de Jenner e de outros autores, e nas visitas feitas a práticos e a hospitais
particulares na Inglaterra. Desta maneira argumentou ter entrado em contato com todos
os fenômenos em relação à vacina, bem como suas “Funestas consequências”. A obra de
Heliodoro foi toda pautada na argumentação contra a vacina e para isso utilizou
argumentos que circundavam os campos médicos, sociais, culturais, teóricos, históricos
490
FREITAS, Ricardo Cabral de. Os sentidos e as ideias: trajetória e concepções médicas de Francisco de
mello Franco na Ilustração Luso-Brasileira (1774-1823). Tese (Doutorado em História das Ciências e da
Saúde), Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz,
2017.
491
O autor da obra em questão teve formação na universidade de Coimbra e passou a maior parte de sua
vida fora de Portugal. Empregado primeiramente em comissões científicas e, posteriormente, em missões
diplomáticas, por seus serviços ao reino acabou por receber o título de visconde de Condeixa. SILVA,
Francisco Inocencioda.DiccionarioBibliographicoPortuguez. Tomo IV. Imprensa Nacional. 1840.
492
Idem. Ibidem.
493
BLOOR, David. Conhecimento e imaginário social. São Paulo, Editora UNESP. 1976.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1156
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
e científicos. Para o autor, a vacina seria até mesmo uma ofensa às vacas, um animal que
fornece as principais necessidades: bifes, leite, manteiga, queijo e, que, em resposta,
“estava sendo paga com indignidade e degradação de sua espécie”494. Essa variedade de
argumentos demonstra o quanto as questões sobre saúde e doença são fenômenos
complexos sobre os quais interferem diversos aspectos sociais.
Para Heliodoro, a difusão da vacina seria causa do entusiasmo da época por
novidades que estava associada a uma ideia “extravagante” que seria tentar livrar a
humanidade da varíola495, doença que, a seu ver, era causada e produzida por variações
da atmosfera, através de uma matéria morbosa originada em um animal de uma natureza
tão diferente com a vaca. Esta é a principal crítica do autor contra a vacina, pois esta ideia
vai de encontro ao paradigma médico vigente, segundo o qual, não se poderia passar uma
doença da “economia animal” para humana sem trazer com isso uma série de
consequências, principalmente a inserção de novas doenças para o homem496.
Uma das críticas feitas pelo autor referia-se à Inglaterra, por ter tentado proibir a
inoculação de bexigas para substituir a prática pela vacinação, com o agravante de que a
prática médica encontrava-se misturada com os deveres eclesiásticos, pois os bispos e
dioceses pregavam e intimavam seus pupilos a se vacinar. Com isso, na visão do autor, a
vacina “gerou o zelo e crime” de muitos padres e médicos que estavam fazendo com que “um
veneno que atacava e flagelava a raça humana se fazia por familiarizar com a economia animal
em lugar de expulsá-lo e destruir”497.
Para Heliodoro, a vacina era um empreendimento fanático que em lugar de expelir
uma moléstia, trazia mais uma ao homem. Devido a isso, o objetivo de sua obra estava
circunscrito em demonstrar como a vacina estava fazendo vítimas diariamente devido à
“ignorância de uns e obscenidades de outros”. A ideia de se ver livre de uma doença,
ainda que por outra, porém, nascida e originada em um animal, em sua concepção, surgiu
e se propagou pelo desejo de “novidade e extravagância ídolo do século”. Ademais, a
cultura inglesa favoreceu a vacina, pois havia uma grande afinidade com relação o animal
494
CARNEIRO, Heliodoro Jacinto de Araújo. Reflexões sobre a Pratica da Inoculação da Vaccina e suas
funestas consequências. Lisboa: Na Nova Off. de João Rodrigues Neves. 1808.
495
Idem. Ibidem
496
Idem. Ibidem
497
Idem. Ibidem
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1157
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(vaca), além do fato do povo ser percebido, á época, como “insalubre e circunscrito”, ou
seja, se limitavam a levar em conta as coisas que aconteciam no próprio país. Dessa
maneira, para Heliodoro, seria a Inglaterra um terreno propício para que Jenner fizesse da
vacina uma moléstia comum aos dois animais498.
Especificamente sobre a estrutura da obra de Heliodoro, observamos que, num
primeiro momento, o autor demonstrou o caráter histórico das práticas de inoculação de
bexigas e como ela foi bem sucedida na Europa do século XVIII. Em sua opinião, seria
mais racional evitar a varíola por meio da realização de mais pesquisas e do
melhoramento da prática da inoculação, como já vinha se fazendo há mais de um século
na Europa, do que tentar evitar uma doença da “raça humana” por meio de outra tão
diferente como a dos quadrúpedes.
Como estratégia de argumentação Heliodoro Jacinto fez ataques pontuais à obra
de Jenner com referência direta a trechos de suas publicações. Heliodoro pontuou o que
considerou erros e incoerências com o objetivo de desmobilizar Jenner, como podemos
perceber no seguinte trecho:
“ Na página 57 confessa que não obteve os felizes efeitos
da inoculação esta não poucas vezes produz
deformidades da pelle e muitas vezes , debaixo mesmo
da melhor direção é fatal”.
498
Para Heliodoro o sucesso da obra de Jennerna Inglaterra, pois os Ingleses venerão as vacas, pois queriam
se assemelhar aos seus primeiros antepassados comoJhon Bull: “um homem indômito, forte e bravo com
um touro”. Daí o entusiasmo pela vaca.Idem. Ibidem
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1158
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
se referia aos casos em que se vacinou, mais de uma vez, e a vacina não teria surtido
efeito499.
Interessante ressaltar que um dos fatos apontados por Heliodoro como
questionáveis na obra de Jenner, acabaria sendo constatado posteriormente como
verdadeiro. Heliodoro não aceitava que a origem da vacina poderia ser, como Jenner
atribuía, uma doença que surgiria nos cavalos e mudaria sua constituição ao passar para
as vacas e depois para o homem. Para Heliodoro além de implausível esta teoria, faltava
o teste empírico para comprová-la, pois Jenner não fez a sua teoria com base experiência
direta, mas sim em baseada em “alguns contos populares”. Além disso, segundo Helidoro
existiam diversas partes da Inglaterra onde o gado possuía a vacina, sem no entanto haver
a presença de nenhum cavalo. Cabe ressaltar que o que Heliodoro considerava como falta
de cientificidade e de rigor na obra de Jenner, foi recorrente na obra. Um dos exemplos
que pode ser observado na obra é quando se refere ao Mr Laurence, o qual teria discorrido
que Jenner havia publicado sua hipótese mais por condescendência com as ideias oriundas
do povo do que como resultado de sua própria reflexão500.
Heliodoro argumentou que doenças com pústulas parecidas com as bexigas eram
recorrentes em outros animais, tal fato, em alguma medida, em sua concepção,
comprovaria uma relação que “guarda e conserva a natureza” na organização dos seres
vivos. Dessa maneira, cada reino como: o mineral, o vegetal e o animal possuiriam suas
próprias “eflorencias e excrecencias morbosas”, cada qual com leis gerais e comuns, mas
também com leis particulares e próprias a cada classe, ordem e espécie. Como exemplo
de sua explanação Heliodoro afirmou que o homem africano por sua “textura particular
de pelle” seria mais suscetível à “bexiga de mal caráter”. Assim, de acordo com
Heliodoro, existiriam diversos tipos de “bexigas” de acordo com as espécies, como
exemplo: de porco; ovelha; vacas, entre outras501.
499
Idem. Ibidem
500
Heliodoro critica o rigor científico da obra de Jenner por não seguir os métodos científicos na indagação
da natureza; um que se chama a posteriori, que é através dos fatos e efeitos decidir as causas, outro a priori
que e por analogia e indução raciocinar e conjecturar. Para Heliodoro as razões analogia e conjectura são
risonhas e pueris; as de fato além de serem precárias são de uma tradição popular e ignorante.Também
crítica Jenner por não utilizar corretamente os métodos dedutivos e indutivos em sua análise. Idem. Ibidem
501
Idem. Ibidem
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1159
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
502
Idem. Ibidem.
503
Idem. Ibidem.
504
Idem. Ibidem.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1160
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
505
Idem. Ibidem.
506
Segundo Heliodoro a prática de transfusão de sangue animal para o homem foi proibida no parlamento
Inglês em 1670.
507
Idem. Ibidem.
508
Idem. Ibidem.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1161
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
condições naturais pela tentativa e erro, ou seja, a experiência detinha-se numa tentativa
de reprodução da natureza509.
Voltando à obra de Heliodoro é interessante ressaltar associação da doença da
vacina ao clima. Segundo Heliodoro, nos climas quentes e temperados a vacina
desenvolveria mais erupções, que nos climas “frios e irregulares” e isto ocorreria razão
da maior e mais regular transpiração. Nos de clima frio, pela razão contraria e mais
ordinária, desenvolver-se em tumores parciais, ulceras e etc. Advertindo que nos climas
quentes, ou por “mudanças da atmosfera ou por incidentes anexos ao regime e vida do
vacinado” era maior a “disposição bestial” havendo maior ocorrência de febres e
desordens do pior caráter.
Neste sentido, para o autor, por exemplo, os negros vacinados nas colônias teriam
maior propensão à doença e talvez muitos morressem da mesma forma que ocorria na
Inglaterra. Porém Heliodoro atribuía tais mortes às más constituições e às irregularidades
das estações das colônias. Como exemplo emblemático desta relação, o autor citou um
caso que presenciou no ano de 1806, em Belém, região de clima quente, no qual um rapaz,
que fora vacinado havia 3 meses, conservou sempre alguma vermelhidão e inflamação na
parte que tinha sido inoculada, um dia este rapaz recebeu uma pancada na úlcera da
vacina o que causou uma maior inflamação juntamente com uma febre grave após tais
fatos o rapaz morreu em convulsões.
Passando do campo teórico para os casos empíricos, Helidoro Carneiro constatou
que em crianças inoculadas com a vacina, era possível observar desordens e moléstias
difíceis de curar, haja vista que algumas adquiriam “notícias externas” que atacam a maior
parte do gado, como: sarna, lepra dos cavalos e todas as moléstias morbosas que
acometem as vacas; ovelhas; porcos e outros animais; nos quais dominava uma espécie
de “constutuição pituitosa” que degenerava em tumores análogos aos observados após a
vacina. Assim diversas doenças poderiam ocorrer após a inoculação da vacina510.
Cabe ressaltar um fato curioso, em meio a todas as críticas, o autor acabou
entrando em contradição ao ter admitido que a vacina havia reduzido a susceptibilidade
às bexigas, por períodos de 2 a 6 meses; 1 e 2 anos. Porém Heliodoro argumentou que
509
FERNANDES, Tânia Maria. Op. Cit.
510
CARNEIRO, Heliodoro Jacinto de Araújo. Op. Cit.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1162
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
não havia tempo para saber se estes efeitos iriam perdurar em longo prazo por períodos
acima dos observados. Este questionamento não circundava apenas Heliodoro, mas
também outros médicos, dentre eles, os próprios apoiadores da vacina511.
Na visão de Heliodoro Carneiro, a vacina era um empreendimento fadado ao fim,
pois quanto mais os vacinadores fossem ativos em propagar o “bestial projeto”, mais
depressa a humanidade seria convencida de seus malefícios. E tais malefícios da vacina
seriam imprevisíveis, como afirmou: “Poderá alguém predizer que poderão ser as
consequências de introduzir um humor bestial na constituição humana passados muitos
anos? (...)Quem sabe igualmente o quanto o caráter humano poderá sofrer de estranhas
mudanças de symphatia quadrupede”512.
Quanto aos efeitos práticos da vacina, Heliodoro Carneiro citou como problemas
os casos de pessoas vacinadas que haviam contraído bexigas e morrido, ao passo que
outras teriam adquirido “molestias bestiais, as quais nunca antes a espécie humana havia
experimentado”. Estas moléstias seriam tumores e inchaços escrofulosos; vaccino-
abscessos; vacino-úlceras; vacino gangrenas e uma espécie de erupção cutânea
semelhantea sarna. Estas erupções seriam mais confluentes e com uma irritação muito
mais grave a tal ponto que as crianças que fossem acometidas não conseguiriam dormir,
e a sua cura seria muito mais difícil e rebelde513.
Todos estes sintomas, como as erupções, os tumores, e as úlceras vacinais que
além de serem difíceis de curar e cicatrizar, ocorreriam muitas vezes de maneira que
mesmo após cicatrizados poderiam voltar depois de um ano. Desta forma para Heliodoro
Carneiro o vírus da vacina imprimiria e deixaria na constituição humana uma disposição
e susceptibilidade que se desenvolveria e apareceria de acordo com certos estímulos e
circunstancias514.
Assim Heliodoro cita Mosely que entendia que a vacina além de não proteger das
bexigas fazia surgir diversos casos de crianças “com moléstias de olhos, erupções
inveteradas, ulcerações corrosivas e várias espécies de sarna”. A correspondência vinda
511
Idem.Ibidem.
512
Idem. Ibidem.
513
Idem. Ibidem.
514
Idem. Ibidem.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1163
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
515
Idem. Ibidem.
516
Idem.Ibidem.
517
Idem. Ibidem.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1164
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Outro motivo para misto era em decorrência do fato de que alguns efeitos da vacina
demoravam a aparecer e podiam ser associado a outros fatores. Na visão do autor “seria
preciso que todas as crianças morressem imediatamente para se fazer crer, que a vacina
era um mal. Ainda que para alguns não fosse hentente: como aconteceu com a morte do
Duque de Miranda e da Baroneza de Quintella518”.
Outra estratégia persuasiva contra a vacina, presente na obra de Heliodoro, foi a
publicação de quatro figuras com a face de pessoas que teriam adquirido doenças de
animais por causa da vacinação. Tais figuras dariam amplitude aos seus argumentos,
ademais fariam que a obra atingisse até mesmo as pessoas que não sabiam ler.
Curiosamente, anos mais tarde, o diretor da Instituição Vacínica portuguesa seguiria
estratégias parecidas, recomendando que se publicassem estampas com o rosto de
mulheres perfeitas e depois desfiguradas após adquirirem vacina.
Ademais Heliodoro reclamou da falta de liberdade de imprensa, pois as matérias
contra a vacina eram censuradas, sendo somente publicadas as “asserções e provas
ficticias dos impostores e entusiastas”. Na sua concepção os médicos e boticários tinham
interesse em propagar a vacina, pois ganharam dinheiro pela prática e depois ganhariam
mais dinheiro ainda por tratar dos doentes519.
Neste sentido, alguns dos principais jornais da época como a Gazeta de Lisboa e
o Jornal de Coimbra possuíam médicos favoráveis a prática da vacinação enquanto donos
e editores, com isso realmente poderiam censurar as matérias contra a vacina, fato que
pode ser comprovado pela falta de matérias nestes jornais tratando deste objeto. Todavia,
a possibilidade de se ganhar dinheiro com a vacina pode ser relativizada na medida em
que a maioria dos propagadores da vacina eram filantropos, de modo que os próprios
vacinadores da Instituição Vaciníca de Lisboa, que seria inaugurada no ano de 1812, não
recebiam remuneração pelos serviços prestados.
No final de sua obra, Heliodoro fez um comentário interessante sobre os
resultados da vacina na América:
Na América aonde se tem praticado a
inoculação da vacina principalmente em negros,
quem lhe importa examinar a morte de muitos
518
Idem. Ibidem.
519
CARNEIRO, Heliodoro Jacinto de Araújo. Op. Cit.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1165
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
520
Idem.Ibidem.
521
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit.
522
CHALHOUB, Sidney. Op. Cit.
523
Todos os editores deste jornal eram médicos e apoiadores da vacina, são eles: Miguel Caetano de Castro,
Vicente Pedro Nolasco e Bernardo José de Abrantes e Castro. FREITAS, Ricardo Cabral de. Op. Cit.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1166
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referência Bibliográfica
BLOOR, David. Conhecimento e imaginário social. São Paulo, Editora UNESP. 1976.
CHALLOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo
Companhia das Letras, 1996.
SILVA, José Alberto Teixeira Rebelo da.A Academia Real das Ciências de Lisboa
(1779-1834): ciências e hibridismo numa periferia europeia.Universidade de Lisboa.
Lisboa. 2015.
1167
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Estão as livrarias com seus dias contados? Qual o papel que as livrarias exercem na
vivência cultural contemporânea das cidades? E de que forma estes espaços em vias de
extinção, anteriormente considerados centros de atividades intelectuais e de sociabilidade
literária, estão ligados à identidade e à memória de suas cidades?
Com base nestas indagações iniciais, interessei-me pelo caso da Livraria Leonardo
da Vinci, cujo “fim” foi amplamente divulgado na imprensa do Rio de Janeiro ao longo
de 2015. A longevidade e a comoção em torno do seu fechamento foram os gatilhos
iniciais do projeto: um tradicional espaço de venda de livros, localizado no centro do Rio
de Janeiro, parecia fazer parte da “memória ameaçada” de uma certa comunidade carioca,
formada por algumas gerações de intelectuais, artistas, políticos e estudantes.
Além de terem sido locus de vivência e sociabilidade em tempos passados, as
pequenas unidades varejistas dedicadas à venda de livros contribuíram para a manutenção
de um sistema de produção editorial mais balanceado, na medida em que atendiam perfis
de leitores diversificados e espalhados geograficamente. Estas livrarias disponibilizavam
tanto os candidatos a best-sellers - segmento facilmente encontrado em qualquer rede
varejista não necessariamente a especializada (THOMPSON, 2013, p.33-45), - quanto os
livros destinados a interesses específicos, contribuindo na preservação da
bibliodiversidade524 (GERLACH, 2006).
Nessa perspectiva, os estudos sobre as livrarias brasileiras visam colaborar não
somente com a historiografia da indústria do livro no país ou com a memória cultural das
cidades, mas também contribuir com o debate sobre a importância desses locais para o
524
O termo bibliodiversidade designa a diversidade cultural aplicada ao livro, segundo a declaração de 2007
da Alliance Internationale des Éditeurs Indépendants, uma associação sem fins lucrativos, fundada em
2002, regida por leis francesas, que reúne grupos de editores independentes de 45 países da África, América,
Europa e Ásia, com o objetivo de proteger e promover a bibliodiversidade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1168
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1169
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Neste contexto, árido para a indústria nacional e fértil para as importações, surgiu a
livraria importadora Leonardo da Vinci. Pode-se dizer que o novo estabelecimento nasceu
a partir de outra livraria já existente, a Nova Galeria de Arte - localizada num anexo do
Hotel Copacabana Palace - que vendia livros importados, raridades e peças de arte aos
clientes endinheirados do complexo hoteleiro.
O romeno Andrei Duchiade chegou ao Brasil em 1949 vindo de Paris, convidado
pelo primo Trajano Coltzesco para trabalhar na Nova Galeria de Arte, de sua propriedade.
Após ter-se estabelecido, ele vai buscar sua companheira ítalo-romena Vanna Piraccini,
desembarcando juntos em terras brasileiras em dezembro de 1951.
O casal, ávido por ampliar o alcance do ofício para além dos salões luxuosos da
capital federal, alguns meses após a chegada decidiu abrir uma nova loja para a venda de
livros importados, iniciando as atividades da Leonardo da Vinci, em 1952. Inicialmente
em uma pequena sala no 18º andar do Edifício Delamare, na Avenida Presidente Vargas.
O nome foi uma homenagem da única sócia-mulher ao mestre renascentista, em evidência
naquele ano pela comemoração dos quinhentos anos de seu nascimento.
Embora tenha sido concebida como casa importadora de livros desde o início, a
inclinação às humanidades e às artes ainda não tinha se consolidado quando a livraria foi
fundada. Durante os primeiros anos de existência, a maioria dos livros ofertados eram
técnicos e científicos, ligados a áreas como Engenharia, Química, Administração e
Finanças525.
Mesmo oferecendo obras provenientes de vários países, a inclinação à produção
editorial francesa, aos seus pensadores e publicações, esteve presente na Da Vinci desde
a sua fundação e é parte constitutiva da identidade da casa. Em parte pela influência que
a produção intelectual francesa exercia (e ainda exerce) no mundo ocidental e no ambiente
intelectual e acadêmico brasileiro; e em parte pelas inclinações dos proprietários e
escolhas de “Dona Vanna”.
Em 1956, os proprietários decidiram mudar-se para a primeira galeria subterrânea
do Rio de Janeiro, no subsolo de recém-inaugurado exemplar do modernismo brasileiro,
o Edifício Marquês de Herval. Obra dos irmãos MMM Roberto e localizado na artéria
525
Anúncios publicitários do Jornal do Commercio da década de 1950.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1170
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
central da cidade, na Avenida Rio Branco, 185. Nesta mesma década, a livraria viveu seus
primeiros ímpetos expansionistas, com a abertura de filiais em Copacabana (1954), na
Galeria Alaska, e em Porto Alegre (1957), na Rua Salgado Filho, iniciativas que
sobreviveram por um curto período de tempo.
No entanto, foi outro empreendimento de curta duração, a editora Scala, o principal
causador da falência da livraria526. Em extrema dificuldade financeira, já que as dívidas
assumidas no pedido de concordata impediam o estabelecimento de encomendar livros, a
livraria sofreu seu segundo revés, em meados de 1965, com a morte repentina do Sr
Andrei Duchiade. Sua morte aconteceu em decorrência de um choque anafilático, após
ser picado por abelhas que cultivava em seu apiário, localizado em Nova Friburgo.
Este incidente trágico levou Vanna Piraccini a assumir os negócios em definitivo.
Ela passou os anos seguintes organizando a vida financeira da casa com aportes de capital
pessoal advindo da família, da alta burguesia bolonhesa527. Aos poucos, as dívidas foram
sanadas e a oferta revista e ampliada, especialmente com livros norte-americanos, mas
também ingleses e alemães voltados às Ciências Humanas e as Artes.
A Da Vinci testemunhou sua primeira florada no final da década de 1960 e início
da década de 1970. Reconhecida pelo tipo de livro que ofertava, a casa passou a ser
considerada representante do pensamento humanístico ocidental de vanguarda, na cidade
do Rio de Janeiro (CABRAL, 2012). Embora pregasse uma política de neutralidade
ideológica, a livraria esteve associada às correntes de pensamento em voga no período
como o Estruturalismo e a Anti-Psiquiatria e às obras e autores de esquerda que abrigava
em suas prateleiras.
Fosse para se antecipar aos desejos de seus clientes-leitores, fosse por inclinação
pessoal da livreira, a Da Vinci ficou conhecida como um dos locais de referência do
pensamento político de esquerda promovido pelo mundo, cindido pela Guerra Fria. Ao
mesmo tempo, adotou uma postura diplomática no trato com os clientes e na composição
do catalogo ofertado528, estabelecendo boas relações tanto com os dirigentes e apoiadores
do Regime Militar quanto com os dissidentes e perseguidos pelo mesmo.
526
Entrevista Vanna Piraccini.
527
Entrevista Vanna Piraccini.
528
Entrevista George Gould e Florin Piraccini Duchiade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1171
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
529
Jornais da época, dezembro de 1973.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1172
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
concordar, mas na década de 70, pelo menos num ponto todos estão de
acordo: a Civilização Brasileira, a Kosmos e a Leonardo da Vinci
formam o trio de livrarias tradicionais, acolhedoras e conceituadas da
cidade. (MACHADO, 2012, p. 334-339)
530
Outro incidente envolvendo a polícia política passou longe da livraria e esteve relacionado a invasão do
sítio da família em Nova Friburgo na década de 1980.
531
Entrevista Milena Piraccini Duchiade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1173
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
532
Entrevista Vanna Piraccini.
533
Entrevista Milena Piraccini Duchiade.
534
Entrevista Vanna Piraccini.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1174
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Foram também os anos em que ela desenvolveu seu estilo de trabalho e consolidou
sua marca pessoal no exercício do ofício. Ao longo das décadas seguintes, ela não só
aprimorou as habilidades esperadas de um bom livreiro - a procura constante de bons
títulos, o conhecimento da clientela e a forma de atendê-la - mas incorporou outras. A
forma de composição do catálogo é um exemplo.
Na busca pelas obras, além de feiras internacionais, as viagens e visitas às editoras
eram frequentes. A livraria prestava um serviço personalizado que acompanhava os
pedidos de encomendas, artífice fundamental à aquisição de conhecimento sobre as
535
Eles nunca foram casados segundo as leis brasileiras, pois a Lei do Divórcio só seria promulgada no
Brasil em 1977. No entanto, o divórcio foi assinado num tribunal parisiense no dia 15 de junho de 1959.
Em 1963 e 1964, os periódicos nacionais oficiais publicavam notícias sobre o processo de homologação do
divórcio em terras brasileiras, sentença estrangeira de número 1859. No entanto, existem documentos e
notas jornalísticas que atribuem a “Dona Vanna" o sobrenome do marido, Duchiade.
536
Oficialmente, ela retirou os sócios José Francisco Coelho e Antonio Rotundo somente em 1976. Em
1972, ela criou uma nova empresa chamada Nova Livraria Leonardo da Vinci e em 1977 ela inseriu seus
filhos como sócios do empreendimento. Fonte: Notas publicadas na seção da Junta Comercial no Jornal do
Commercio.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1175
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Os livros, escolhidos de forma quase artesanal, não serviam somente para satisfazer
o desejo dos clientes, tinham a finalidade também de apresentar novas idéias ao público
frequentador. A percepção de certos ciclos culturais ascendentes junto aos intelectuais
brasileiros, e a atenção dedicada aos interesses específicos dos clientes são dois lados da
mesma moeda - práticas que serviram à modelagem de suas habilidades às vicissitudes
da profissão.
O sistema de contas, outra prática consagrada na Da Vinci, chegou a ter mais de
quatro mil cadastrados, em seus últimos anos contava com aproximadamente mil e
oitocentos indivíduos, entre clientes ativos e inativos. Consistia num sistema de
pagamento fracionado, que permitia que o cliente dividisse o valor da compra em
parcelas.
Conforme relatos, o sistema de contas carregava uma carga simbólica significativa,
uma espécie de “chave de acesso” a um território desejado, mas ainda inacessível para
alguns. Consequentemente, as contas - além de incentivar o consumo - funcionavam
como uma eficiente estratégia de publicidade, tornando-se um “traço de iniciação"
apreciado dentro do campo de produção intelectual e acadêmica carioca.
537
Entrevista ex-funcionários.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1176
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1177
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
É fácil identificar entre muitas personalidades, uma destas figuras capazes de trazer,
ao mesmo tempo, legitimidade e popularidade à “casa”. Um de seus “descobridores”
(BOURDIEU, 1996, p.168-169), uma espécie de padrinho oficialmente instituído, foi
1178
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Carlos Drummond de Andrade, com uma dezena de menções - entre crônicas e notas -
sobre a casa, os livreiros proprietários e suas visitas cotidianas. Assim como a Livraria
Garnier tinha em Machado de Assis um “compadre” muito próximo (REIS, 2004), a Da
Vinci obteve o afeto, a confiança e a assiduidade do poeta por muitos anos.
Além de Drummond, a clientela que frequentava a livraria era composta de outros
indivíduos consagrados em suas áreas de atuação, entre muitos escritores, artistas e
políticos. Figuras de diferentes gerações e atividades profissionais - tais como Tristão de
Athayde (pseudônimo de Alceu Amoroso Lima), Santiago Dantas, Jorge Amado, Glauber
Rocha, Lygia Fernandes Telles, Décio Pignatari, Golbery do Couto e Silva - frequentaram
o espaço. Entre os acadêmicos figuravam: Eduardo Portela, Cândido Mendes, Sergio
Paulo Rouanet, Willian Gonçalves, Arno Vogel, Melo Fonder.
Dentre aqueles pertencentes às diversas áreas profissionais ou à comunidade
científica, e que eram, ao mesmo tempo, clientes a dinâmica era similar. Existiam, entre
os frequentadores, aqueles que conferiam prestígio à “casa” e aqueles que a frequentavam
em busca desta legitimação, à procura desse “capital simbólico” (BOURDIEU, 1996)
extrínseco às obras vendidas.
Este “círculo virtuoso" garantiu não só a frequência “qualificada” durante décadas,
como proporcionou o acúmulo de capital financeiro a partir da segunda metade da década
de 1970, outra característica em alinhamento com os empreendimentos culturais de ciclo
longo, segundo Bourdieu (BOURDIEU, 1996, p. 170-171). Foi a partir desta década que
a Da Vinci passou a ser conhecida e reconhecida por indivíduos alheios ao ambiente de
produção cultural erudita, conferindo uma alta carga de significado simbólico aos livros
vendidos e à clientela frequentadora.
Considerações finais
Por fim, pode-se concluir que os “trunfos” da Livraria Leonardo da Vinci não se
limitaram à elaboração do catálogo nem à figura da livreira no comando. A longevidade
alcançada e o espaço de prestígio ocupado pela livraria, na memória da cidade do Rio de
Janeiro na segunda metade do século XX, demonstraram estar baseados num emaranhado
de fatores intrínsecos e extrínsecos ao negócio da livraria.
1179
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
CABRAL, Severino. Severino Cabral: depoimento [12 nov. 2012]. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 2012. Entrevista concedida ao projeto Os livros e a vida literária no
Rio de Janeiro da Biblioteca Nacional.
DUCHIADE, Milena Piraccini. Milena Piraccini Duchiade: depoimento [12 nov. 2012].
Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2012. Entrevista concedida ao projeto Os livros e a
vida literária no Rio de Janeiro da Biblioteca Nacional.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo:
Cia das Letras, 1996.
1180
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 3º edição. São Paulo: Edusp,
2012.
MACHADO, Ubiratan. História das livrarias cariocas. São Paulo: Edusp, 2012.
1181
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1182
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
secular e religiosa e o prestígio advindo dessa posição como bispo, visitador geral e vice-
rei interino.
1183
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
538
O diário depois de ser considerado perdido foi encontrado e publicado em 1935, em Madrid, com o
nome de Diario del viaje de Alemania. Obra inédita del venerable don Juan de Palafox y Mendoza.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1184
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1185
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
entre bispos e ordens regulares, já no século anterior o então arcebispo do México, don
Pedro Moya de Contreras tinha se envolvido em longos e infrutíferos embates com as
ordens, e com Palafox não foi diferente.
Em 1641, após a notícia da rebelião portuguesa, o vice-rei duque de Escalona é
deposto após acusações de conspiração com os portugueses rebeldes, que apesar de não
serem substanciais, foram suficientes para alarmar a corte e selar a deposição do vice-rei.
Depois da deposição de Escalona, Palafox é empossado como vice-rei interino e arcebispo
do México, além de visitador-geral. Foi o momento de maior concentração de poder em
suas mãos, reunindo a autoridade e prestígio das esferas religiosa e secular. Por suas
atitudes em relação à oligarquia local, conquistou o apoio dos criollos, se esforçou por
uma administração baseada na observação dos decretos reais, na distribuição equitativa
da justiça e na restauração da moralidade pública. Não obstante, a Coroa desejava ver a
eficiência financeira da sua gestão, e Palafox, além de não querer usar meios coercitivos
para aumentar a arrecadação, propunha a redução das demandas fiscais, indo contra o
imposto do papel selado e se colocando a favor da remoção das barreiras para o comércio
entre as Índias e as Filipinas, medida polêmica já que comerciantes peninsulares
sustentavam que essa interação prejudicaria os interesses reais. Reformar a administração
da Nova Espanha era um risco que a Coroa não queria correr num momento de fragilidade
interna e externa e, assim, em novembro de 1642 o conde de Salvatierra substituiu Juan
de Palafox como vice-rei.
O vice-reinado de Salvatierra é o início de tempos difíceis para Palafox, um
período marcado por tensões políticas, onde não pode contar com seu patrono, conde-
duque de Olivares, que caiu do poder em 1643, mesmo ano em que Palafox havia
renunciado ao cargo de Arcebispo do México. Duas visões estavam em choque: a do
conde, para quem o necessário era recolher impostos para o tesouro real, e a de Palafox,
que queria reformas profundas cujos resultados seriam vistos a longo prazo.
Juntamente com as altercações com Salvatierra, o bispo se enfrentaria com os
Jesuítas num confronto que ultrapassaria os limites da Nova Espanha. Já em 1642, com a
cobrança dos dízimos aos jesuítas, que se recusavam a pagá-los, os ânimos estavam
exaltados. Por doação papal os dízimos do Novo Mundo pertenciam à Coroa, que os
distribuía, logo, deixar de pagá-lo lesava o rei, que não recebia o devido, e a Igreja, que
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1186
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ficava sem a doação correspondente. O conflito explodiu em 1647, quando Palafox pediu
que os jesuítas apresentassem suas licenças para pregar e confessar dentro de vinte e
quatro horas, sob pena de serem proibidos de exercer essas funções. Embora tivessem as
licenças, os frades recusaram-se a apresentá-las e a partir daí seguiram-se acusações de
parte a parte, ataques mútuos, excomunhões recíprocas, com intervenções da Igreja e da
Coroa – só em janeiro de 1648 o rei expediu catorze cédulas sobre a contenda. Os jesuítas,
as ordens mendicantes e Salvatierra finalmente convergiram numa conexão que visava
aniquilar o programa reformista de Palafox em todas as frentes.
Mais que uma disputa religiosa, tratava-se de uma questão política entre
Salvatierra e Palafox acerca da reforma da Nova Espanha. A decisão do visitador de pôr
em prática a reforma dos alcaides maiores acabaria por selar seu destino. Com a ameaça
de submeter os alcaides à visita geral o vice-rei conseguiu que o Cabildo do México –
subornando uma facção e obrigando o restante a fugir – escrevesse ao rei pedindo o fim
da visita geral, e publicou um edito acusando o visitador de incitar a rebelião. Acusado
de sedição, com os ânimos da população exaltados em seu favor, o que motivou um
tumulto em Puebla, Palafox saiu da cidade e se escondeu em São Jose de Chiapas, num
auto-exílio que durou de junho a novembro de 1647.
Em setembro de 1647 chegaram ordens de Madri para por fim a contenda: o conde
de Salvatierra foi designado como vice-rei do Peru, o que, afinal, equivalia a uma
promoção e Palafox recebeu ordens de encerrar a visita geral, mas só em novembro, com
a chegada do governador interino da Nova Espanha, saiu do seu esconderijo e retornou à
sua diocese. O fim de seu projeto reformista foi decretado por uma ordem datada de
fevereiro de 1648, a qual determinou que embarcasse no primeiro navio para a Espanha,
e em junho de 1649 deixa a Nova Espanha para onde, apesar de seu desejo, não mais
voltaria.
Temendo novas disputas os ministros o transferem do Conselho das Índias para o
de Aragão, o que entendeu como uma punição e uma forma de afastá-lo de qualquer
possibilidade de tentar implantar seus planos de reforma. O juiz de residência que
examinou sua conduta como visitador e vice-rei o declarou virtuoso e íntegro ministro e
servidor zeloso do rei; livre de acusações, oficialmente seu nome estava limpo. A disputa
com os jesuítas foi encerrada após dois breves papais em favor de Palafox. Com o nome
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1187
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
limpo na esfera temporal e a moral restaurada na religiosa, sua esperança era retornar a
Puebla e recuperar sua diocese, mas ao invés disso foi apontado para o pobre bispado de
Osma, em Castela, o que muitos de seus amigos viram como uma afronta.
Desapontado, sem o reconhecimento de seus serviços à Coroa, sem esperança de
rever a diocese de Puebla, para onde despachou uma comovedora carta de agradecimento
aos fiéis, partiu em 1654 rumo ao seu novo bispado, onde se dedicou à meditação e ao
asceticismo, enquanto prosseguia com sua profícua obra literária que incluía várias cartas
e tratados, tanto de cunho político quanto religioso. Em 1659 adoece e morre em Osma,
sendo enterrado na capela principal da catedral, encerrando assim sua agitada e polêmica
carreira.
Para Palafox a monarquia não era simplesmente a forma de governo exercida por
um rei, mas condicionava o uso do termo Monarquia a uma situação específica: “No es
Monarquia um Reyno grande, por poderoso que sea, sino no domina sobre otros grandes,
y poderosos” (MENDOZA, 1762, Tomo X, p. 37).
Então um reino como Castela, por mais poderoso que fosse não poderia ser
Monarquia enquanto estivesse cercada de outros como Aragão, Navarra ou Portugal, que
poderiam a ela se opor. A Monarquia espanhola só teria sido digna do nome quando
agregou vários reinos sob o governo de Carlos V, no entanto, essa união não durou muito,
levando o bispo a questionar porque Deus dá vida longa a umas monarquias, sendo más,
e breve a outras, sendo boas, comparando a breve duração da Monarquia espanhola, com
o Império Assírio, que durou mais de mil e duzentos anos, o Romano, que durou mais de
seiscentos e outros de grande duração. Como constata Elliot (2004, p.13) reformación e
declinación eram duas palavras inseparáveis que estavam frequentemente na boca dos
espanhóis do século XVII e Palafox cresceu à sombra tanto da visão de um iminente
declínio da monarquia espanhola quanto do saudosismo que invocava reformas que
trariam o retorno dos tempos gloriosos. E é a consciência do declínio e necessidade de
reforma que vão nortear todo o pensamento político de Palafox e também sua ação na
Nova Espanha. Na obra Diálogo Político del Estado de Alemania539, escrito para o rei
Felipe IV, através do diálogo entre dois personagens fictícios expõe suas idéias acerca da
539
O Diálogo Político del Estado de Alemania está inserido no Tomo X das Obras de Juan de Palafox.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1188
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
540
Dictamenes Espirituales e Políticos, também inserido no Tomo X das Obras de Juan de Palafox.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1189
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
monarquia de Carlos V havia se desmantelado, ele estava disposto a evitar que se perdesse
ainda mais, e em sua opinião as Índias tinham um grande potencial de oferecer uma
grande contribuição a Coroa, mais do que simplesmente financeira, mas como um grande
reino anexo à Castela. Para isso seu plano era reformar totalmente a relação entre a
Espanha e as Índias atendendo aos interesses e necessidades locais, projeto
diametralmente oposto ao de Olivares.
O bispo abraçou a causa dos criollos, defendendo seus interesses, e finalmente a
oligarquia criolla viu a possibilidade de ter suas aspirações políticas atendidas. Palafox
advogou, junto ao Conselho das Índias, a redução dos impostos sobre a Nova Espanha e
pediu a suspensão da introdução de novos impostos, notadamente o do Papel Selado.
Ainda apoiou as reivindicações para o fim das restrições das relações comerciais entre a
Nova Espanha, as Filipinas e o Peru e, continuando suas sugestões ao Conselho, propôs
a redução do preço de mercúrio para incrementar a produção da prata e permitir que os
mineiros pagassem suas dívidas com a Coroa mais facilmente. Para ele, os tributos
deveriam ser cobrados com equilíbrio, sem que faltasse à Coroa nem se exaurissem os
reinos. Essa postura fez a alegria da comunidade criolla, conquistou o apoio de grande
parte da população e o descontentamento do vice-rei, duque de Escalona, na mesma
medida. Começava uma desinteligência entre os dois homens de visões opostas, que
terminaria com o bispo aproveitando a revolta portuguesa para tirar o vice-rei de seu
caminho, levantando contra ele a suspeita de conspiração. Com a deposição de Escalona
Palafox ocupou seu lugar como vice-rei, começando imediatamente a implantar
mudanças no governo.
Para gáudio da comunidade criolla, o bispo se encarregou de promover benefícios
em prol de seus interesses econômicos e sociais, começando por expulsar os portugueses
das costas da Nova Espanha, deixando o comércio em mãos espanholas e suspendeu o
imposto do Papel Selado. No entanto sua posição não agradou uma coroa cada vez mais
envolvida pela guerra e seus gastos. Sua relutância em impor novas taxas e a decisão de
restaurar as finanças da Nova Espanha antes de aumentar os rendimentos para a própria
Coroa, além de se posicionar contra sua política mercantilista despertou a preocupação
de uma Madrid disposta a não correr riscos com experimentos no governo das Índias e,
contra sua vontade, o vice-rei Palafox foi substituído pelo conde de Salvatierra.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1190
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1191
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
através de ameaças e subornos, escrevesse ao rei pedindo o fim da visita geral e apoiado
não só pelo Cabildo, mas pelas ordens religiosas e a Inquisição acusou o bispo de
fomentar a rebelião no reino. Acusado de sedição, Palafox não teve alternativa senão
desistir da reforma. O Conselho das Índias suspendeu a visita geral, sepultando assim as
suas aspirações de um novo governo nas Índias.
A Monarquia ideal de Palafox fica muito clara nos seus escritos: Um reino que
tem sob seu comando outros reinos poderosos. O coração e líder desse império é o rei
católico e zeloso da fé, que ama seus súditos e é amado por eles, reinando em função de
conquistar e manter esse amor. Esse rei é uma figura forte, que “obra por si mesmo” e
mantém em suas mãos as rédeas do governo “e não as entrega ao servo”. Seria esse anseio
pela independência real suscitado pela influência do conde-duque de Olivares sobre
Felipe IV?
A característica principal de seu pensamento político é a defesa do pluralismo da
monarquia espanhola, com vários reinos agregados sob o comando de um monarca.
Palafox acreditava que não era possível aplicar regras gerais de governo a uma estrutura
intrinsecamente diversificada. Para ele a unidade e a diversidade dessa monarquia não
eram contraditórias e poderiam coexistir, sendo necessário para isso que o rei defendesse
os interesses particulares de cada um dos territórios sob sua autoridade.
De acordo com esse ideal tentou reformar o governo da Nova Espanha, sem medir
esforços nem hesitar. Ao invés da solução rápida de aumentar a arrecadação dos cofres
reais preferiu formar uma base sólida na qual a monarquia pudesse se apoiar, sem o risco
de revoltas como a de Portugal. Além do sistema corrompido, esbarrou na necessidade da
Coroa, que tinha urgência em conseguir recursos e não podia se arriscar num projeto de
reforma cujo resultado só veria a longo prazo, se a empresa obtivesse sucesso.
Não só propôs uma alternativa ao sistema de governo vigente, mas tentou torná-
la realidade: seus esforços concentraram-se em três grandes áreas: reduzir a pressão fiscal
sobre o vice-reino, limitar os poderes do vice-rei e reformar a administração a nível local
(TOLEDO, 2004).
Sua intenção de reformar a base das relações entre a Coroa e as Índias esbarrou
no pragmatismo de dois vice-reis, que não compartilhavam das idéias do bispo e
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1192
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARCIA, Arturo Morgado. Ser clérigo en la España del Antiguo Régimen. Cádiz:
Universidad de Cádiz, 2000.
1193
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MAZÍN, Oscar. El poder y las potestades del rey.Los brazos espiritual y secular en la
tradición hispanica. In: La Iglesia en Nueva España. Problemas y perspectivas de
investigación. México Universidad Nacional Autónoma de México, 2010.
TOLEDO, Cayetana Alvarez de. Politics and Reform in Spain and Viceregal Mexico: The
life ant Thought of Juan de Palafox 1600-1659. New York: Oxford University Press Inc.,
2004.
1194
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve exposição da atuação dos
protestantes no Brasil, da segunda metade do século XIX, no que diz respeito ao uso da
imprensa e aos ideais abolicionistas, considerando que tal tema continua obscuro,
necessitando ainda um grande avanço na historiografia para que seja trazido à luz os
contornos que dão forma à história desse grupo. Muitos dos livros sobre o tema foram
escritos por educadores, sociólogos e pastores, vários numa escrita muito mais narrativa
do que problematizadora, cabendo agora ao historiador pesquisador acabar com esse
silêncio541, respondendo sobre como os protestantes utilizaram a imprensa na segunda
metade do século XIX e se ouve ou não algum tipo de atuação direcionada a propósitos
abolicionistas.
Buscaremos estar atentos a algumas questões em nossa análise da imprensa
evangélica no Brasil como, por exemplo, quais atores sociais redigiam o jornal, quais as
estratégias que utilizavam para popularizá-lo e quais valores o discurso defendia?
Também serão feitas algumas considerações envolvendo o catolicismo, visto que
estamos falando da religião oficial do império, e como a atuação protestante na imprensa
diante da escravidão se relaciona com o catolicismo, sendo que este via com maus olhos
a penetração do protestantismo na sociedade brasileira, já que o catolicismo estava
praticamente onipresente tendo em vista o aspecto cultural.
Antes de mais nada, faremos uma breve introdução da chegada dos protestantes
no Brasil, visando fazer uma contextualização sobre o cenário religioso na época em que
iremos tratar e no final traremos algumas informações preciosas sobre a Igreja Evangélica
541
FONSECA, A. B.. A imprensa evangélica no Brasil do século XIX e XX, um olhar sobre a questão da
escravidão e o progresso. In: X Encontro Regional de Historia - Anpuh, 2002, Rio de Janeiro. Anais
eletrônicos do X Encontro da Anpuh. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1195
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
542
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil Monárquico, 1822-1888: aspectos culturais de
aceitação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973.
543
RIBEIRO, op. cit., p.15.
544
RIBEIRO, Ibidem, p.25.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1196
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
OS PROTESTANTES E A IMPRENSA
545
RIBEIRO, Ibidem, p.18
546
CRUZ, K. J. C. Cultura Impressa protestante no Oitocentos: um diálogo luso-brasileiro. Convergência
Lusíada, n. 32, p. 112-120, 2014.
547
MEDEIROS, Pedro H. C. de. Pelo progresso da sociedade: a imprensa protestante no Rio de Janeiro
imperial (1864-1873). 2014. Dissertação (mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. Cit. p. 1
548
CRUZ, K. J. C. Ibidem, p.119.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1197
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
trinta e cinco artigos no Correio Mercantil, além de outros artigos no Jornal do Comércio.
Em 5 de novembro de 1864, foi fundado o primeiro jornal protestante brasileiro chamado
Imprensa Evangélica, por Ashbel Green Simonton, missionário norte-americano, que
desembarcou no Rio de Janeiro em 1859, tendo sido gestor e principal redator ao longo
dos três primeiros anos de publicação. 549
Ashbel Green Simonton teve como auxiliares na criação da Imprensa Evangélica
Alexander Latimer Blackford, José Manoel da Conceição, Domingos Manoel de Oliveira
Quintana e Antônio José dos Santos Neves. Além do jornal, algumas das atividades
missionárias de Simonton foram: a organização da primeira Igreja Presbiteriana do Brasil,
em 1862, tradução de obras presbiterianas para o português e organização de um
seminário para preparar jovens para o ministério evangélico, em 1867.550
Quando estava para ser lançada a primeira publicação do periódico, Simonton
afirmou que pretendia deixar a gerência do jornal por conta de Santos Neves; todavia, na
edição seguinte, ele próprio passou a administrar o jornal sozinho, deixando Santos Neves
apenas como mais um dos redatores do jornal.551
Cabe aqui dizermos que José Manoel da Conceição era um padre convertido ao
protestantismo e que foi primeiro pastor brasileiro. Juntamente com Simonton e
Blackford, Conceição, foi redator da Imprensa Evangélica. Sua conversão nos leva a
imaginar o que isso pode ter representado para a sociedade da época, possivelmente
levando o clero Brasileiro a “abrir os olhos” para o que estaria por vir em temos de
conversões ao protestantismo. Também não seria difícil supor que a adesão de Conceição
a um novo tipo de crença tenha despertado curiosidade em muitos fiéis católicos em
relação ao protestantismo.
O trabalho de Conceição foi muito importante para a expansão do trabalho
presbiteriano. Como pastor protestante ele passou a viajar por suas ex-paróquias,
proclamando suas novas crenças e abrindo espaço para o trabalho missionário. Ele,
contudo, não chegou a assumir nenhum pastorado de acordo com os modelos
convencionais, dedicando-se apenas a anunciar a mensagem cristã. Ele visitava as casas,
549
MEDEIROS, Ibidem, p. 27
550
MEDEIROS, op.cit., p. 27
551
MEDEIROS, Ibidem, p. 30
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1198
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
552
BARBOSA, José Carlos. Negro não Entra na Igreja: espia da banda de fora: Protestantismo e escravidão
no Brasil Império Editora UNIMEP, 2002. (livro).
553
BARBOSA, Ibidem, p.44.
554
CRUZ, K. J. C. Ibidem, P.119.
555
MEDEIROS, Ibidem, p. 33.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1199
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
entanto, tal tipografia estava ligada à maçonaria, o que parece justificar assumir a
impressão do jornal, já que a maçonaria muitas vezes protegia a causa protestante.556
Na época, o convívio entre católicos e protestantes era extremamente espinhoso,
com tudo indicando que os católicos viam os protestantes como um grupo que ameaçava
a situação confortável em que estavam no império brasileiro do ponto de vista religioso,
onde poucos grupos religiosos conseguiam fazer um contraponto capaz de abalá-los. Cabe
aqui dizer que Hélio de Oliveira Silva afirma que o catolicismo estava de tal modo
entrelaçado com a cultura imperial brasileira, que qualquer mudança religiosa implicaria
em sérias perdas sociais para as famílias aristocráticas da época.557
Desde o início, o protestantismo foi encarado como uma nova religião considerada
como radical e perigosa à tradicional sociedade brasileira. No momento em que as
possibilidades de implantação do protestantismo ganhavam corpo, a fiscalização
começou a ser feita de forma mais rigorosa, não só como possível ameaça à hegemonia
católica, mas sobretudo por incorporar um conteúdo inovador.558
Outro grupo que possivelmente despertou preocupação dos católicos foi os
espíritas. Entre 1881 e 1882, a Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade,
que “assumiu o papel de paladino do espiritismo na Corte”. Outros jornais que podemos
citar são O Renovador, 1882, mas que só teve uma edição e o jornal Reformador, que
teriam dado um novo vigor para a imprensa espírita da Corte. Além desses periódicos,
constatamos que a década de 1880 foi profusa em produção de jornais espíritas, pois
também foram fundados: A Cruz, 1881, em Pernambuco; O Espiritismo e União e Crença,
1881, além de Revista Espírita, 1882, ambos no Rio de Janeiro.559
Dentre as publicações protestantes, além da Imprensa Evangélica, havia no
império os seguintes jornais: Púlpito Evangélico, 1874-1875, e O Pregador Cristão, 1875-
1885, na província de São Paulo; Salvação de Graça, 1875-1876, na província de
Pernambuco; e O Pregador Cristão, 1877-1887, na província do Rio Grande do Sul. No
556
MEDEIROS, Ibidem. P. 35
557
SILVA, Hélio de O. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a escravidão: BREVE ANÁLISE
DOCUMENTAL. Vox Faifae: Revista de Ciências Humanas e Letras das Faculdades Integradas da Fama
Vol. 3 No. 2 (2011). Fascículo Crer é Pensar.
558
BARBOSA, Ibidem, p.188.
559
MEDEIROS, Ibidem, P.23.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1200
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
560
MEDEIROS, Ibidem, P.24.
561
SEIXAS, M. E. S. Protestantismo, Política e Educação no Brasil: A Propaganda do Progresso e da
Modernização. Revista Brasileira de História das Religiões, v. III, p. 333-358, 2010. P. 335.
562
SILVA, Hélio de O. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a escravidão: BREVE ANÁLISE
DOCUMENTAL. Vox Faifae: Revista de Ciências Humanas e Letras das Faculdades Integradas da Fama
Vol. 3 No. 2 (2011). ISSN 2176-8986. Fascículo Crer é Pensar. cit. P. 13.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1201
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
OS PROTESTANTES E A ABOLIÇÃO
563
SILVA, Ibidem. P.14.
564
SEIXAS, Ibidem, p. 346
565
SEIXAS, Ibidem, p. 346-347
566
SEIXAS, Ibidem, p. 352
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1202
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Entre os protestantes com atuação direcionada para abolição temos Antônio José
dos Santos Neves, que se converteu em 1863. Ele era poeta e trabalhava com taquígrafo
do Senado, além de ser funcionário do Ministério da Guerra. Foi membro do Partido
Liberal e, em 1863, fundou um periódico liberal, O Locomotivo Intelectual, que teve curta
duração. Em 1868, tornou-se maçom, convidado por um presbiteriano, Possidônio M. de
Mendonça Jr; e, em 1872, publicou um poema em homenagem à Maçonaria, no qual
reclamava a abolição da escravatura. Santos Neves também compunha poemas para
serem publicados na Imprensa Evangélica. 567
Andréa Braga Fonseca aponta que Joaquim Nabuco agradeceu o apoio dos
protestantes abolicionistas em seu jornal, O Paiz (publicado na “Imprensa Evangélica”
em 24/7/1886). Ele teria dito que todos os dias eram lidos, nos pequenos jornais
protestantes, que se publicavam no Brasil escritos de propaganda abolicionista. 568
O artigo mais antigo encontrado por Andréa Braga Fonseca no jornal Imprensa
Evangélica foi o de 7/10/1871, com o jornal aplaudindo a lei do ventre livre, embora
considerasse ela muito defeituosa havendo uma clara posição para a manutenção do
sistema vigente. 569 Em 1881, o jornal bate de frente com o catolicismo questionando se
o Brasil Católico continuaria julgando que um escravo não tem alma ou que não deve
haver um lugar para ele na igreja de Cristo.570 A partir de 1884 passam a ser
constantemente vistos no jornal, artigos abolicionistas com uma extensa argumentação
que procuravam demonstrar a total incompatibilidade do cristianismo com a
escravidão.571
O Reverendo Eduardo Carlos Pereira escreveu uma série de artigos, em 1886,
intitulados "Uma Cena da Escravidão" e "A religião Christã em suas relações com a
572
escravidão". Neles afirmava ser necessário o clamor incessante da imprensa sobre a
escravidão, que ele chamava de pecado nacional e que o silêncio medroso do púlpito seria
infidelidade a Deus.
567
MEDEIROS, Ibidem, P.30
568
FONSECA, Ibidem, P. 1
569
FONSECA, op. cit., P. 5
570
FONSECA, Ibidem, P. 5
571
FONSECA, Ibidem, P. 5-6
572
FONSECA, Ibidem, P. 6
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1203
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
573
SILVA, Hélio de O. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a escravidão... cit. P. 4.
574
SILVA, Ibidem, P. 4.
575
SEIXAS, M. E. S. Protestantismo, Política e Educação no Brasil... cit. P. 356.
576
CARDOSO, Douglas Nassif . Protestantismo e Abolição. Caminhando (São Bernardo do Campo), v.
14, p. 105-114, n. 2009. Cit. P.108-109.
1204
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Imagina-se que o tema da abolição devia ser debatido pela população de uma forma geral,
daí surge a pergunta sobre a possibilidade de um crente possuir escravos. Tal assunto foi
levantado numa assembleia de membros da Igreja Evangélica Fluminense, realizada no
final de setembro de 1865, sendo interessante notar que quem levantou a questão foi um
dos dois membros da igreja que possuíam escravos. Diante do questionamento, trataram
de preparar a argumentação e no dia três de novembro do mesmo ano retornaram ao
assunto numa nova assembleia.579
Kalley era médico e em sua argumentação descreveu os órgãos do corpo
afirmando que são dádivas divinas que não podem ser roubadas, sendo assim, um corpo
não pode ser escravizado. Ele também utilizou o direito de propriedade considerando que
os órgãos de um ser humano não devem pertencer a outro ser humano. Além de ter posse
plena de seus órgãos que representam dádivas divinas o homem teria também direito dos
frutos produzidos pelo trabalho feito com seu corpo.580
A interpretação de Kalley surpreende quem esperaria uma posição mais
acomodada ao denunciar a escravidão como roubo, declarando não haver diferenças entre
as pessoas (servos e senhores). Utiliza textos referentes à proteção dos estrangeiros,
lembrando a origem do nefasto tráfico negreiro, que sequestrava pessoas no continente
africano e as submetiam ao tratamento desumano.581
Contudo, essas posições de Kalley ainda não estabeleciam uma regra, sendo a
577
CARDOSO, Ibidem, p.108
578
CARDOSO, Ibidem, p.109
579
CARDOSO, Ibidem, p.109-110
580
CARDOSO, Ibidem, p. 112
581
CARDOSO, Ibidem. P.112
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1205
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
prática da igreja discutir suas questões em reuniões com membros (assembleias) com a
presença dele sendo apenas norteadora, estando aberto a opiniões de todos. As decisões
não eram imediatas havendo tempo para reflexão sobre as situações a serem definidas.
No caso da escravatura, porém, foi decidido que não seriam aceitos membros que
possuíssem escravos e que os membros que não obedecessem às deliberações da
assembleia seriam excluídos. Uma nova sessão ocorreu em 20 de dezembro de 1865, com
João Severo de Carvalho apresentando cartas de alforria a seus dois escravos, e
Bernardino de Oliveira Rameiro sendo excluído por não acatar admoestação.582
CONCLUSÃO
Diante do exposto podemos dizer que houve ações por parte de alguns protestantes
no que diz respeito às críticas sobre a escravidão, contudo, não vemos nenhum movimento
sólido em nosso estudo que tivesse grandes proporções, mas sim atitudes pontuais de
indivíduos com ideias abolicionistas. Quanto ao jornal Imprensa Evangélica, vemos casos
pontuais de atuação relacionadas ao fim da escravidão, parecendo terem se tornado mais
constantes a partir de 1884.
Vale ainda ponderar que a condição dos protestantes no Brasil não era a mais
cômoda dentro do cenário religioso e político existente e que isso pode ter feito com que
eles evitassem tocar em temas polêmicos para a sua própria preservação, não
considerando valer a pena chamar atenção para cima deles que buscavam ganhar
legitimidade para transmitir suas crenças.
O caso da Igreja Evangélica Fluminense parece ter sido o mais radical em relação
a escravidão dentro de sua organização, mas parece que os membros dessa igreja também
não tiveram nenhuma atitude de grande vulto fora de seus muros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, José Carlos. Negro não Entra na Igreja: espia da banda de fora:
Protestantismo e escravidão no Brasil Império. Editora UNIMEP, 2002.
582
CARDOSO, op. cit. 113-114
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1206
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONSECA, A. B.. A imprensa evangélica no Brasil do século XIX e XX, um olhar sobre
a questão da escravidão e o progresso. In: X Encontro Regional de Historia - Anpuh,
2002, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos do X Encontro da Anpuh. Rio de Janeiro:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002.
1207
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
583
Jornal do Brasil, 21/03/2004. Aviso obituário publicado pela família. Ainda não foi encontrada qualquer
evidência sobre sua data de nascimento.
584
A Editorial Vitória chegou a ser dirigida por Leôncio Basbaum, constituindo-se num fato em um
processo que acusava Basbaum de atividades comunistas em 1949. Ficha de Leôncio Basbaum. Repositório
Digital. APESP/DEOSP
585
Quatro mulheres brasileiras que acompanharam Correia Porto, Tachis Bittencourt e Brigagão Ferreira
(esposas) e Lintz Caire (mãe) e mais 2 acompanhantes argentinas (esposas).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1208
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que atuava como médico clínico na cidade de Marília, no interior de São Paulo. No ano
seguinte, em 1956, a editora Civilização Brasileira, com sede em São Paulo, publicou A
URSS vista por um médico brasileiro escrita pelo paulista Raul Ribeiro da Silva, chefe
do Serviço de Proctologia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Esse trabalho tem o objetivo de analisar o relato escrito por Milton José Lobato,
em 1953 e publicado em 1955, enquanto uma prática de escrita de si, ou seja, uma
narrativa autobiográfica que apresenta traços de subjetividade, mesmo que não
diretamente. Ainda que o enfoque tenha recaído com mais intensidade sobre a trajetória
profissional e política de Milton Lobato, não desconsiderarei de que ele era parte de um
grupo.
A escrita sobre si ou auto-referencial surgiu com a noção de indivíduo moderno,
datada no século XVIII, tem seu auge no século XIX e sofreu alterações no século XX,
sobretudo com o advento da internet. Essa prática de escrita de si se relaciona com as
transformações da sociedade ocidental que, antes pautada por uma lógica coletiva, passa
por um processo longo e complexo que compreende a emergência da figura de indivíduo,
o avanço na escolarização e do desenvolvimento da imprensa. Tal processo reflete o
surgimento de uma cultura individualista e correspondentes práticas culturais que
impactam na produção de memória de homens comuns, ensejadas pelo desejo atribuir
significado ao mundo, de maneira articulada à própria vida (GOMES, 2004).
A viagem é um dos momentos da vida de uma pessoa que estimula a prática da
escrita de si, ou autobiográfica. Essa mudança espacial é concebida como um “período
excepcional”, percebido como especial. A narrativa de viagem guarda uma relação com
o espaço e com tempo. O sujeito, ao narrar e descrever o que viu, busca reter o tempo,
constituindo o próprio texto como um “lugar de memória” (GOMES, 2004, p.18).
Ao longo dos anos de 1930-1935, passaram por Moscou “um pequeno mas
influente fluxo de turistas sócio-econômicos” (HOBSBAWM, 1995:100). A curiosidade
ocidental pelo mundo socialista foi motivada por dois cenários contrastantes: a crise de
1209
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
586
A editora Calvino Filho foi criada em 1931, passou a se denominar editora Calvino e publicou muitos
títulos sobre a Rússia ou teses de pensadores de esquerda. Em 1944, constatou-se sua ligação com o PCB.
Hallewell, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. – São Paulo: EDUSP, 2005. p. 508.
587
Alguns relatos de viagem também lançados nesse período são de autoria do historiador Caio Prado
Júnior, do médico Osório Thaumaturgo César (que esteve por 3 meses na URSS com sua companheira
Tarsila do Amaral), o engenheiro Claudio Edmundo (que trabalhou nas obras do Plano Quinquenal), etc.
Ver Konder, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das ideias de Marx no Brasil até o começo dos
anos trinta. – Rio de Janeiro, Campus, 1988. p. 185-186
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1210
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
588
Diário da Noite, 10/05/1935: “Literatura & Co.; Socialismo do Bom”. É importante observar que a
Editora Nacional publicou o nome russo da autora, Esfir Mirenevna Kenius. [Catálogo das Obras Gerais da
BN]. Um ano antes, em 1934, o livro havia sido publicado em Madrid. E em francês, em 1933.
589
CONUS, Ester. Proteção à maternidade e à infancia na União Sovietica - nova edição (tradução do
original de Moscou por Osorio Cesar) - Rio de Janeiro: Editorial Calvino Limitada, 1944. Um exemplar
dessa última edição de 1944 pertence ao Acervo Histórico da Faculdade de Medicina de Universidade
Federal de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1211
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
590
Lelio Zeno (1890-1968), foi um médico ortopedista argentino (tinha 1 ano de idade quando chegou a
Buenos Aires com seus pais italianos) e era filiado ao Partido Comunista. Em 1931, o argentino esteve na
URSS para se reunir com o cirurgião russo S.S. Yudinym, quem também prefacia o livro, a fim de
estabelecer um centro de traumatologia em Moscou que hoje leva seu nome.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1212
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Esses livros são parte da cultura material e política comunista, que “mobilizava
crenças, sentimentos e tradições” (MOTTA, 2013:16). A cultura política comunista
transcende às organizações partidárias, e possui a Revolução de 1917 como marco de
fundação de sua identidade (MOTTA, 2013:20). Nesse sentido essa cultura é marcada
pela devoção à URSS, pela construção de um homem novo e por ideais internacionalistas
e anti-imperialistas (majoritariamente antiamericana, principalmente no período da
Guerra Fria) (MOTTA, 2013:23). O nacionalismo também foi uma variável importante,
na medida em que sua defesa fortaleceria a luta contra o imperialismo, constituindo-se
num dos paradoxos do internacionalismo de esquerda (MOTTA, 2013:24).
O sucesso da campanha da União Soviética contra o nazismo elevou seu prestígio
político no cenário internacional, apesar do país encontrar-se devastado econômica e
demograficamente (REIS, 2000: 15). A conjuntura se transformou a passos largos, e de
aliados, a URSS e os Estados Unidos tornaram-se potências antagônicas sob a
bipolaridade da Guerra Fria, processo acentuado com a Guerra da Coreia em 1947. O
entusiasmo popular com o governo soviético e com o Partido Comunista Brasileiro foi
acompanhado por forte repressão anticomunista. O PCB, proscrito em 1947, atuava na
ilegalidade. No início dos anos 1950, adquiriu certa dimensão social com movimentos
nacionalistas como a campanha “O petróleo é nosso” pelo monopólio nacional de sua
exploração e, sobretudo, com a campanha da luta pela paz que pressionou contra a Guerra
da Coreia e o envio de expedicionários brasileiros ao conflito. O Movimento pela Paz foi
uma diretriz soviética dirigido aos PCs empreendido por militantes que recolheram
assinaturas em prol da paz no mundo, contra o imperialismo norte-americano e contra a
guerra atômica.
Também a URSS voltou a investir em intercâmbio cultural entre intelectuais e
artistas estrangeiros. O turismo era uma esfera da política internacional soviética,
entendido como fundamental para fortalecer o intercâmbio cultural com outros países591.
591
Em 1925, foi criada a VOKS “Vsesoiuznoe Obshchestvo Kul'turnoi Sviazi szagranitsei” cuja tradução
em inglês seria “All-Union Society for Cultural Relations with Foreign Countries”: uma organização
soviética destinada a promover contatos culturais de cientistas, escritores, artistas, músicos, atores,
educadores e atletas com outros países. Em 1958, a VOKS passou por uma restruturação e foi renomeada
como União das Sociedades Soviéticas de Amizade e Relações Culturais com os Povos dos Países
Estrangeiros, até sua extinção em 1992. Em 1929, a fim de atender à crescente demanda de estrangeiros no
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1213
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
país do comunismo de maneira centralizada e mais eficiente, a União Soviética veio ser a primeira nação a
criar uma infraestrutura destinada à promoção do turismo com controle estatal denominada Intourist.
592
Lobato, Milton. Médicos Brasileiros na URSS. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1955.
593
Lobato, Milton. Introdução. Medicos Brasileiros na URSS. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1955. p. 7
594
Lejeune, Philippe. “O diário: gênese de uma prática”, em Gutfreind, Cristiane Freitas (org.) Narrar o
biográfico: a comunicação e a diversidade da escrita, Porto Alegre, Sulina, 205, p.33.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1214
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
atenção especial o texto da “Introdução”, escrita por Lobato. Para Venâncio, “o ato de
prefaciar textos da própria autoria traduz uma clara intenção de orientar as leituras das
próprias obras, conformando a recepção junto ao público leitor”595.
O diálogo com o leitor era fundamental. Lobato iniciou seu texto tratando ser uma
responsabilidade divulgar o que viu. Se preocupou em listar artigos publicados em jornais
de maior circulação e especializados, conferências ou palestras, participação de mesa
redonda na rádio daqueles integrantes da comitiva brasileira. Não se esqueceu de
mencionar o prêmio que recebeu pela Sociedade Brasileira de Tuberculose pela
comunicação apresentada “sobre a luta Anti-tuberculosa na URSS” (LOBATO, 1935:8).
Nos parágrafos finais de sua “introdução” (que pode ser pensada como prefácio),
Lobato se dedicou a protestar contra o não reatamento das relações exteriores entre Brasil
e URSS, e contra o desaparecimento do médico argentino e colega de viagem, Juan
Ingalinella. Além disso, se solidarizou com o médico pernambucano Arnaldo Marques,
também companheiro da viagem, afastado do cargo de legista por perseguição política596.
Também saúda a participação de “Butrov e de outros médicos soviéticos” (Butrov seria
um encarregado as relações exteriores do Ministério da Saúde soviético), no Congresso
Internacional de Câncer, ocorrido em São Paulo. Lobato acompanhou a delegação nas
palestras e conferencias que esses médicos prestaram no Rio de Janeiro. Assim, Lobato
se mostrava frente ao leitor como sendo bem-sucedido em seu propósito: “Este pequeno
livro é destinado ao trabalho de aproximação entre os médicos brasileiros e soviéticos,
em proveito mútuo da medicina e da saúde dos nossos povos” (LOBATO, 1935:9).
Não podemos afirmar que Lobato tenha lido Russia de Medeiros, mas é uma
hipótese possível. Nessa época, ele era estudante de medicina na Faculdade de Medicina
(entre 1932-1937). Sua vida estudantil foi marcada pela participação em diferentes
595
Venancio, Gisele Martins. “A utopia do diálogo: os prefácios de Vianna e a construção de si na obra
publicada, em Angela de Castro e Schmidt, Benito Bisso (org.) Memórias e narrativas (auto)biográficas,
Porto Alegre/Rio de Janeiro, Ed. UFRGS/Ed. FGV, 2009, p. 173-188.
596
Em 1949, Milton Lobato fora demitido do cargo de médico tisiologista do Instituto dos Bancários, sob
acusação de comunismo. O combate, 15/10/1949.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1215
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
597
O periódico A Manhã era dirigido por Pedro Motta Lima, quem também dirigia o Imprensa Popular.
598
O Partido Republicano Trabalhista (PRT) foi fundado em 1948 como uma reestruturação do
Republicano Partido Democrático. Foi extinto em 1958 para dar lugar ao Partido Rural Trabalhista. O PRT
era um partido sem perfil muito definido, servindo de apoio para candidatos sem suporte partidário como
era o caso de comunistas já que o PCB caiu na ilegalidade a partir de 1947. Dicionário Histórico Geográfico
Brasileiro. Acesso em out/2016: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-
republicano-trabalhista-prt
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1216
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações Finais
1217
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Alguns anos se passaram e Werneck Vianna apontou Lobato como uma referência
bastante significativa em sua biografia, tendo sido procurado pelo futuro sociólogo
quando decidiu ingressar no Partido, nos anos 60, com seus “20 e poucos anos”
(VIANNA in BASTOS et all, 2006: 161).
O relato de viagem de Milton Lobato à URSS era parte da construção de sua
identidade. Para ele, a palavra era arma de ação, de atuação e de transformação social. A
partir do seu relato, percebemos a necessidade de se investir em buscar compreender
como se deu essa rede de sociabilidade, que procuramos mapear aqui, envolvendo
intelectuais, com atenção aos médicos, editoras, imprensa e o Partido comunista, assim
como uma relação com médicos comunistas argentinos.
A crítica de que esses relatos de viagem não passariam de produtos de propaganda,
e de que eram iguais e estereotipados pelo roteiro definidos pela Intourist, mesmo não
599
Entrevista a Irun Sant’Anna para o site da Fundação Dinarco Reis (órgão ligado ao PCB e fundado em
2000) durante o lançamento do livro “O garoto que sonhou mudar a humanidade”, editado pela mesma
fundação, em 2011. Acesso em julho, 2017.
https://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=22:entrevista-irun-
santanna&catid=5:entrevistas-com-a-historia
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1218
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sendo negada estaria ultrapassada, segundo Brigite Studer (STUDER, 2003:5). Para ela,
sem abandonar aspectos da sociologia do fenômeno e de seus atores, é preciso observar
as aspirações, sensibilidades e crenças do próprio viajante. Qual a motivação da viagem,
qual interesse de sua experiência pessoal, quais as consequências da viagem aos autores,
assim como a recepção dos relatos (STUDER, 2003:5-6) (KERSHAW, 2006) são
algumas das questões que permeiam as preocupações de recentes pesquisas com os relatos
de viagens políticas.
Referências Bibliográficas
JUNQUEIRA, Mary Anne. Elementos para uma discussão metodológica dos relatos de
viagem como fonte para o historiador. Junqueira, Mary Anne; Franco, Stella M.Scatena.
(Orgs.). Cadernos de Seminários de Pesquisa. Vol. II. São Paulo: Humanitas, 2011.
KERSHAW, Angela. “French and British Female Intellectuals and the Soviet Union. The
Journey to the USSR, 1929 – 1942”, E-rea [En ligne], 4.2 | 2006, document 7, mis en
ligne le 15 octobre 2006. Consultado em agosto/ 2017. URL : http://erea.revues.org/250
1219
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “O Diabo nas Bibliotecas Comunistas.” IN: Dutra, Eliana;
R. Mollier, Jean-Yves. (Org.). Política, nação e edição: o lugar dos impressos na
construção da vida política: Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo:
Annablume, 2006.
REIS, Daniel Aarão. Ferreira, Jorge. Zenha, Celeste (Orgs). O século XX: o tempo das
crises: revoluções, fascismos e guerras (vol 2) – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
STUDER, Brigitte. “Le Voyage em URSS et son retour”. Le Mouvement Social 2003/4
n. 205. Ultimo Acesso em agosto/2017: https://www.cairn.info/revue-le-mouvement-
social-2003-4-page-3.htm
VIANNA, Luiz Werneck (entrevista). CASTRO, Celso. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
nº 35, janeiro-junho de 2005. p. 177-191.
1220
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Era 18 de setembro de 1862 600 quando Florinda Maria da Conceição dera a luz a
Eduardo Gonçalves Ribeiro, na cidade de São Luís, no Maranhão. Muito pouco se sabe
sobre a infância de Ribeiro, de origem modesta e talvez descendente de escravos, teve
uma infância humilde como os demais meninos de sua idade na época.
Durante sua curta vida, o então menino assumiria um protagonismo cheio de autos
e baixos e controvérsias. Trajetória marcada seja pela fundação do jornal anticlerical O
Pensador, juntamente com Aluísio de Azevedo em São Luís, seja pela sua morte muito
questionada e envolta de mistérios. Ou seja, a investigação da vida de Ribeiro pode ser
visualizada como um exemplo importante sobre as novas possibilidades que homens e
mulheres negras começavam a se defrontar depois da abolição do cativeiro e com o
estabelecimento da república brasileira.
A negritude de Ribeiro foi e ainda é algo ainda pouco abordado na historiografia
amazonense. Mário Ypiranga Monteiro, que escreveu a obra biográfica de Ribeiro mais
conhecida, trata sua ascendência como um fato ainda misterioso para ele, pois “parece
que ninguém quer falar ou ousa transpor os limites da confidência. Daí supor-se
inevitavelmente que sua origem fosse do tipo daquela que humilhava o grande Machado
de Assis”. (MONTEIRO, 1990, p. 89) Guardadas as devidas críticas ao teor do texto de
Mário Ypiranga, a citação é elucidativa: falar da origem de Ribeiro sempre foi difícil -
sempre pairando um silêncio embranquecedor - e quando acontecia, era com o intuito de
negativar sua imagem.
A vida de Ribeiro nos possibilita botar em xeque, argumentos que, durante muito
tempo, estiveram presentes nos estudos historiográficos: de que com a abolição da
escravidão, em 1888, a população negra brasileira viveu um período de marginalização,
o que significava estar fora das escolas, do mercado de trabalho e morando em lugares
600
Sua fé de ofício de 17 de fevereiro de 1892 nos da como ano de nascimento de Eduardo Ribeiro o ano
de 1861.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1221
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
insalubres e afastados da cidade. Não cabe aqui desmentir essa a precarização da vida do
negro no pós-emancipação, mas de trazer a tona outras vivências que vão muito além da
visão estereotipada sobre a vida da população negra, esta que, viveu e ainda vive, um
protagonismo na sociedade brasileira.
George Andrews em América Afro-Latina, ao analisar a vida dos negros no século
XIX, aponta que nesse período vários fatores, como o crescimento econômico e o fim do
tráfico de escravos, possibilitaram que afro-brasileiros conseguissem certos avanços
econômicos e sociais, principalmente através das faculdades que formavam médicos e
advogados de cor. (ANDREWS, 2007, p. 143-148) Assim, pensamos Eduardo Ribeiro
dentro desta lógica já que, ao inserir-se na Escola Militar da Praia Vermelha no Rio de
Janeiro, consegue bacharelar-se em matemática e ciências físicas, fato importante para
sua ascensão social, econômica e ingresso na vida política.
Como bem afirma Petronio Domingues, “o protagonismo negro no pós-abolição
é um campo de pesquisa em processo de consolidação, porém já é possível identificar
alguns dilemas, impasses e desafios”. Assim, o autor destaca que, neste leque de
pesquisas, um dos gêneros “de grandes potencialidades é o da biografia das pessoas de
cor”, (DOMINGUES, 2013, p. 60) perspectiva essa em que se insere a discussão aqui
sugerida. Muito demonizado entre os historiadores do início do século XX, a biografia
vem se renovando, o que significa dialogar com as novas perspectivas da História Política
e pensar o indivíduo estudado fora de uma linearidade coerente, cheia de discursos
ufanistas e laudatórios. Agora, busca-se pensar, a partir das experiências individuais,
como se relacionavam com o ambiente e época que viviam, procurando entender as
tensões e contradições de sua vivência.
A vida de Ribeiro pode nos dar uma luz sobre o período da Primeira Repúblca,
onde, sem dúvidas, a política institucionalizada era dominada pelos homens brancos. Isso
significava que os negros sofriam cotidianamente com o racismo que os humilhava e
impedia que acendessem a certos espaços, o que significava serem visualizados como
“um ser eugenicamente patológico: feio, sem charme ou elegância”. Assim, “sua
ascensão, portanto, foi possível graças à possibilidade de aproveitar as fissuras e brechas
do sistema racial brasileiro”. (DOMINGUES, 2013, p. 155)
1222
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
É certo destacar aqui que Eduardo Ribeiro, ao que nos parece, não teve um
discurso de identidade racial, não participando, por exemplo, do movimento abolicionista,
mas este fator não descaracteriza e deslegitima, ou torna inviável o estudo de uma
personagem que tinha estampada na pele um dos obstáculos de se ascender socialmente
no final do século XIX. Como um republicano de cor e positivista, Eduardo Ribeiro, como
tantos outros negros republicanos acreditava em um projeto de república.
Com essa pequena discussão sobre as possibilidades de discussão que a vida de
Eduardo Ribeiro nos possibilita, acabamos por assinalar um marco geográfico: a
Amazônia, ou mais precisamente, o estado do Amazonas. A historiografia regional, e
porque não dizer, brasileira, por muito tempo negligenciou a presença negra na
Amazônia, conferindo a ela caráter quase insignificante no que tange a formação dessa
população que teria o aspecto indígena muito mais acentuado. Fato mais falseador não
há.
Desde a década de 1980 e principalmente a partir dos anos de 1990 novas
pesquisas vem elucidando, principalmente, a questão da escravidão negra na região
amazônica. Quando falamos sobre a produção historiográfica sobre o negro no Amazonas
ainda estamos falando de um terreno recente e ainda em construção, mas que já vem a
algum tempo preocupando-se em, principalmente, tentar entender as dinâmicas da
1223
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
601
Sobre isso ver: SAMPAIO, Patricia Melo. Espelhos Partidos: Etnia, legislação e desigualdade na
colônia. (2011); SAMPAIO, Patrícia Melo. Os fios de Ariadne: fortunas e hierarquias sociais na Amazônia,
século XIX. (2014); COSTA, Jéssyka Sâmya Ladislau Pereira. Por todos os cantos da cidade: escravos
negros no mundo do trabalho em Manaus oitocentista (1850-1884) de 2016; CAVALCANTE, Ygor Olinto
Rocha. Uma viva e permanente ameaça: resistência, rebeldia e fugas de escravos no Amazonas Provincial
(c.1850-c.1882) de 2013; ABREU, Tenner Inauhiny. “Nascidos no Grêmio da Sociedade”: Racialização e
mestiçagem entre os trabalhadores na Província do Amazonas (1850-1889) de 2012.
602
Sobre isso ver: POZZA NETO, Provino. Aves Libertas: ações emancipacionistas na Amazônia Imperial.
Dissertação de Mestrado. UFAM, Manaus, 2011.
603
Eduardo Ribeiro ficou conhecido no Amazonas pelo codinome O Pensador, que fazia referência ao
jornal em que participou em São Luis/MA.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1224
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
604
Informação obtida em biografia escrita por Agnello Bittencourt, em dicionário amazonense de
biografias. Segundo Otoni Mesquita citando biografia no Diário Oficial, Eduardo Ribeiro concluiu o curso
em janeiro de 1887. (p.282)
605
Uma escrita tradicional diz que por ter mantido às ideias republicanas sua vinda para Manaus foi
realizada como forma de aplicação de uma pena militar.
606
Augusto Ximeno de Villerou foi educado nos ensinamentos de Benjamin Constant. Chegou ao
Amazonas em janeiro de 1890, para assumir o cargo de governador do Amazonas. Aqui, dissolveu a
Assembleia Provincial e as Câmaras Municipais, criou um batalhão de polícia, extinguiu o ensino religioso
nas escolas, entre outras coisas. Deixou o governo em novembro do mesmo ano. (REIS, 1989, p. 247).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1225
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
607
Ainda sobre essa tentativa de retirar Eduardo Ribeiro do governo do Estado, Mário Ypiranga Monteiro
(1990, p. 26) nos diz que os homens que tramaram essa deposição, eram homens convencidos de que a
república tratava-se apenas de uma atividade política efêmera e que Ribeiro no poder constituía séria
ameaça aos planos dos partidos conservadores, principalmente o Partido Democrático, inegavelmente
monarquista.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1226
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Parecia que tudo estava resolvido e que Ribeiro iria se manter como governador
do Estado, mas no dia 05 de maio de 1891, o capitão de fragata Borges Machado, vindo
do sul para comandar a flotilha, chegou a Manaus com instruções do governo provisório
e intimou o tenente Eduardo Ribeiro para que passasse o governo ao 1º vice-governador,
o coronel Guilherme José Moreira, o Barão de Juruá.
Naquela ocasião seu governo foi bastante curto, durando apenas 20 dias, de 05 de
maio de 1891 a 25 de maio do mesmo ano, quando foi substituído pelo coronel Antônio
Gomes Pimentel. É instalado o Congresso Constituinte que tinha de eleger o governador
e o vice-governador, e assim o fazem, em 27 de junho de 1891. Com maioria pertencente
ao Partido Democrático e obedecendo as ordens vinda do Rio de Janeiro foram eleitos
608
Gregório Taumaturgo de Azevedo e Guilherme José Moreira para os cargos de
governador e vice-governador respectivamente.
Depois de diversos impasses e disputas que não cabem explorar no curto espaço
de um artigo, Taumaturgo de Azevedo é obrigado a entregar o governo do Amazonas.
Em 27 de fevereiro de 1892 o comandante da flotilha assume o governo. Nos dias que se
seguiram, Eduardo Gonçalves Ribeiro já era esperado pela população de Manaus que
havia sido nomeado pelo marechal Floriano Peixoto para que restabelecesse a ordem no
Estado. Na ocasião de sua chegada e posse, os jornais noticiaram a grande aclamação que
Ribeiro teve, mais uma vez, do povo amazonense. 609
Era 11 de março de 1892 quando Eduardo Gonçalves Ribeiro assume novamente
o governo do Estado do Amazonas. Já em decreto de 12 de março de 1892, Ribeiro com
o intuito de interromper os atos estabelecidos pelos representantes do Estado, dissolve o
Congresso Legislativo.
Em decreto de 18 de março de 1892, Ribeiro convoca eleições para presidente e
vice-presidente do Estado do Amazonas. Para manter o controle da situação, regula a
608
Nasceu na cidade de Barras, no Piauí em 17 de novembro de 1851. Como engenheiro militar atuou na
Comissão de Limites do Brasil com a Venezuela em 1880, explorou a região de Itacoatiara no Amazonas,
entre outras atividades. Foi nomeado para o cargo de governador do Piauí por Deodoro da Fonseca e
exercendo o mandato ade 26 de dezembro de 1889 a 4 de junho de 1890. Foi prefeito do Departamento do
Alto Juruá, no Acre, em 1904 fundou a cidade de Cruzeiro do Sul. Ficou na presidência da Sociedade de
Geografia do Rio de 1914 a 1920. (BRAGA, 2011, p. 97)
609
Sobre esses acontecimentos, o Jornal Amazonas de maço de 1892, descreve a aclamação da chegada de
Ribeiro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1227
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
eleição ao estabelecer regras objetivas para essa escolha, diante disso, em 23 de julho de
1892, foi eleito governador do Amazonas. Observamos assim, o início da principal
administração de Eduardo Gonçalves Ribeiro, entre 1892 e 1896. Administração esta que
é conhecida pelas obras de intervenção urbana, edificações suntuosas e pela ênfase na
modernidade urbana. Obras como o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, reservatório
do Mocó, a ponte Benjamin Constant, dentre tantos outros feitos. Sobre isso Mário
Ypiranga Monteiro nos diz que “tornou-se lugar-comum admitir-se tudo quanto Manaus
possui de bonito e moderno ao governador dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro”, fato que
acaba por deixar a margem os feitos durante a monarquia. (MONTEIRO, 1990, p. 95)
Mas nem tudo eram flores, as lutas políticas não cessaram. Diversas acusações ao
seu governo aconteciam todo momento. Olympio Lima em Carta Aberta a Eduardo
Ribeiro nos faz saber sobre algumas das acusações de que Ribeiro era alvo em jornais de
oposição. Ele diz:
Ainda nessa carta, Olympio Lima nos informa que havia boatos correndo pela
cidade de que por ordem de Eduardo Gonçalves Ribeiro, as pessoas que não pensavam
ou que não morriam de afetos por ele estava sofrendo algum tipo de represália. Olympio
não acreditava nas acusações que chegavam aos seus ouvidos, e enaltece a índole de
Ribeiro ao longo de seu texto.
Por ocasião de artigos publicados em jornais que ofendiam a imagem do
governador, as primeiras censuras à imprensa foram feitas. Jornais como o Commercio
do Amazonas e Diario de Manaós foram punidos já em 1892. Luciano Costa Teles em
artigo sobre jornais operários no início da republica no Amazonas, nos apresenta o caso
do jornal operário Gutenberg que após passar a tecer críticas ao governo de Ribeiro teve
suas publicações suspensas. (TELES, 2015) Falar mal de Eduardo Ribeiro não era fácil
1228
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
e, talvez, essa seja outra faceta desse personagem que ainda é pouco explorada: seu
autoritarismo
Sobre sua administração Agnello Bittencourt é enfático “com aquele espírito de
iniciativa a realização de Eduardo Ribeiro, foi fácil, em 4 anos, transformar a grande
aldeia que era Manaus, na cidade moderna que passou a ser”. ( BITTENCOURT, 1973,
p. 196) Esse é o pensamento corrente na historiografia amazonense, como também na
memória da população sobre sua figura, Mário Ypiranga, apesar de enfatizar o caráter
visionário de administrações anteriores, não nega a notória capacidade de trabalho que
ele tinha:
1229
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ainda naquele ano, concorreu as eleições para o senado federal novamente, mas não é
eleito. Os degastes políticos estavam sendo constantes e as investidas da imprensa
continuavam e seus problemas de saúde ficaram evidentes (MESQUITA, 2005, p. 298).
Quando o ex-governador do Amazonas, Eduardo Gonçalves Ribeiro morreu, em
14 de outubro de 1900, em sua casa, a Chácara Pensador, já era tratado como herói por
grande parte da população amazonense Sua situação clínica já não estava indo bem já
havia um tempo, e isso anunciava tempos difíceis para O Pensador.
Durante a madrugada de sua morte, segundo Júlio Benevides Uchoa, Eduardo
passara agitadíssimo, em grande estado nervoso. Até o momento em que na madrugada
do dia 13 de outubro o enfermo tirou as correntes de sua rede, sacudiu-as e jogou umas
nas outras. O enfermeiro que o acompanhava tirou-as de sua posse, foi então que Ribeiro
solicitou que o mesmo trouxesse-lhe leite. Durante o curtíssimo tempo em que ficara só,
pôs termo a vida.610
Pairava uma aura de mistério sobre Manaus, diversos jornais publicavam notícias
que deixavam em dúvida as circunstâncias em que a morte havia acontecido. Tendo em
vista a posição do corpo, questionavam se havia sido suicídio ou homicídio.611 Discursos
em torno de sua morte continuaram a ser tecidos mesmo muito depois de sua morte, o
Jornal Quo Vadis? Em nota sobre a passagem de três anos da morte de Ribeiro deixa
explicito a possibilidade de ter sido assassinato.
Se são reaes os boatos, que Deus dê paz à sua alma e remorsos ao seu
assassinos, que não podiam ser outros se não aquelles que o cercavam,
que ele havia levantado da lama e nos quaes dava o nome de amigos
(Jornal Quo Vadis?, Manaus, nº 233, 12 de dezembro de 1903.)
610
Uchoa apud Monteiro 1900. Mário Ypiranga transcreve parte do trabalho do professor Júlio Benevides
Uchoa, mas não nos fornece maiores detalhes quanto à origem de sua publicação. p. 47.
611
Sobre a morte de Ribeiro, Mário Ypiranga Monteiro nos apresenta ainda duas versões sobre a morte
misteriosa. Uma das mais antigas diz respeito ao seu envenenamento através de um charuto. Outra versão
diz que seu assassinato havia sido encomendado pelo barão de Santa-Anna Nery. Uma terceira diz que teria
sido envenenado com ervas trazidas de Santarém. Ainda sobre isso Monteiro propõe que era “preciso
liquidar o negro”. (Negritude e Modernidade, p. 83)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1230
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que apesar de todas as dificuldades em torno da sua saúde foi capaz de transformar
Manaus em uma metrópole no final do século XIX e, para além disso, construiu-se
Ribeiro como um herói popular.
Considerações Finais
É inegável que a partir de 1889, com o estabelecimento da República Brasileira,
é assinalado não apenas a inauguração de um novo regime, mas também a ascensão de
grupos diferenciados aos postos de comando. (LAMB, 2012, p. 183) Nesse sentido,
observamos um cenário com transformações e continuidades nos diversos setores da vida
pública, econômica, política e social. Assim, a vida de Eduardo Gonçalves Ribeiro, por
sua singularidade, nos suscitou interesse por ser uma trajetória emblemática para a
história da república amazonense.
A vida de Ribeiro, principalmente no tocante aos espaços de sociabilidade que
esteve inserido e as escolhas políticas que fez, nos mostram os vários dilemas que o fim
do império ofereceu. Como positivista e republicano, é inegável que Eduardo Ribeiro
questionasse a sociedade e que buscasse outras possibilidades de organização
administrativa e política.
Apesar de não assumir uma luta explícita sobre sua condição racial, Eduardo
Ribeiro nós mostra como é importante reafirmar, na escrita de uma história, a sua
condição de ser um homem de cor que no final do século XIX alcança um grau de
prestigio, isso porque os discursos desenvolvidos sobre ele trataram de modo bem
superficial sobre sua negritude, pairando um silenciamento branqueador sobre ele. Nos
poucos casos em que a cor de Eduardo Ribeiro é referenciada, termos como “pardo”,
“moreno” e “mulato” são utilizados, nitidamente com o objetivo de clarear sua cor. Ou
seja, queria o Amazonas um herói negro?
Fontes
Diário de Notícias, Manaus, nº 4, 04 de abril de 1893.
Jornal Quo Vadis?, Manaus, nº 233, 12 de dezembro de 1903.
1231
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
ANDREWS, George Reid. América Afro-Latina (1800-2000). São Carlos: EDUFSCar,
2007. p. 143-148.
DOMINGUES, Petronio. “Vai ficar tudo preto”: Monteiro Lopes e a cor na política. In:
GOMES, Flávio do Santos; DOMINGUES, Petronio. Da nitidez da invisibilidade:
legados do pós-emancipação no Brasil. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2013.
GOMES, Flávio. “No meio das águas turvas – racismo e cidadania no alvorecer da
República: a Guarda Negra na Corte (1888-89)”. Estudos Afro-Asiáticos, n.21, 1991, p.
75-96.
1232
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GRINBERG, Keila, 1971 – O fiador dos brasileiros / Keila Grinberg. – Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
MALATIAN, Teresa. Arlindo Veiga dos Santos e a inserção do negro num projeto de
nação. In: COSTA, Hilton; ROIZ, Diogo da Silva; TRINDADE, Alexandro Dantas
(orgs). À margem do(s) cânone(s): pensamento social e interpretações do Brasil.
Curitiba: Ed. YFPR, 2013, p. 97-118.
MOURA, Clovis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo. Editora ÁAtica, 1988.
1233
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1234
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
propõe-se indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula”
(GINZBURG , 1991, p.177).
Dialogando com a Micro-história, o conceito de cultura política também embasa
este trabalho, visto que, como observou Serge Berstein, tal conceito contribui para uma
“explicação dos comportamentos políticos por uma fração do patrimônio cultural
adquirido por um indivíduo durante a sua existência e compartilhado pelo tecido social o
qual está inserido” (BERSTEIN, 1998, p. 349-363).
Este conceito defende que a cultura dialoga com o comportamento político e
econômico, além de politizar as práticas e ações cotidianas – ritos, festas, costumes – e
de defender que são sujeitos de sua própria história os indivíduos e grupos que vivem
relações sociais de dominação (GOMES, 2005). Vale destacar que a Micro-história, assim
como o conceito de cultura política, inviabiliza uma compreensão unívoca da História e
testa na realidade os modelos interpretativos mais amplos.
1235
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Vilas de São João de Itaborahy, de Magé, de Santo Antônio de Sá, de Maricá e de Praia
Grande. Essa projeção política se modificou no decorrer do Século XIX, sendo
intensificada no final deste século e início do século XX (COSTA, 2013, p. 133).
Em relação à população escrava, apenas a partir de 1877 que a região parou de
apresentar flutuações entre crescimento e diminuição dessa população, visto que é a partir
desse ano que ocorre a queda contínua da população cativa na região, como pode ser
verificado pelos seguintes dados: 1872 (7.166 escravizados); 1877 (7.221); 1881 (5.781)
e 1885 (2.701) (RECENSEAMENTO GERAL DE 1872; RELATÓRIO DO
PRESIDENTE...1881-1887).
No Pós-Abolição, o primeiro recenseamento realizado na República foi o de 1890,
apresentando para Itaboraí um total de 23.973 habitantes. Desses, a população não branca,
composta por Pretos (5.048), Caboclos (496), Mestiços (10.388), possuía um total de
15.932 e a população branca um total de 8.041. Os Recenseamentos de 1900 e 1920 não
mencionam a classificação “cor”, apresentando apenas o total da população distribuído
por sexo, tendo respectivamente o total de 21.194 e 27.760 habitantes
(RECENSEAMENTO GERAL DE 1890, 1900 E 1920).
Por fim, para somar na apresentação da dimensão demográfica da região, no censo
de 1940, de um total de 24.370 habitantes, 5.798 são denominados de pretos, 8.412 de
pardos, 62 de cor não declarada e 10.098 de brancos (IBGE, 1940).
No que concerne aos Jornais, a imprensa no Brasil tem como marco o decreto de
D. João VI de 1808, na medida em que cria a Imprensa Régia, estabelecendo que fosse
impresso "exclusivamente toda legislação e papeis diplomáticos" das repartições do real
serviço (BRASIL, 1891, p. 29-30). No início, apenas jornais oficiais ou simpáticos ao
governo podiam circular. O primeiro desses jornais foi a Gazeta do Rio de Janeiro. No
decorrer do século XIX, esse quadro de censura se altera e surgem jornais com mais
autonomia, participando de lutas sociais e de embates com autoridades e com jornais que
defendiam o status quo612.
Em Itaboraí, na primeira metade do século XIX, os jornais publicizavam anseios
dos grupos políticos que conduziam a cidade, como O Severo (1832) e O Amigo da Moral
612
Para saber mais sobre o desenvolvimento da imprensa no Brasil ver: CARVALHO, 1908 e SODRÉ,
1999.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1236
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(1838). No decorrer da segunda metade deste século, surgem jornais dialogando com o
poder público sobre a necessidade em atender demandas, que supostamente beneficiariam
a estrutura econômica da região. Entre as temáticas do que era publicado, as que mais
sobressaíam eram as referentes a construções e reformas de estradas e pontes, drenagem
de pântanos e melhoria no transporte para atender, principalmente, a agricultura. Com
raras exceções, os embates explícitos com as autoridades locais eram realizados. Desses
jornais, O Popular (1854) do Porto das Caixas teve uma maior atuação613.
Em 1862, também no Porto das Caixas, esse perfil começa a ser alterado com as
publicações do jornalista Hermeto Luiz da Costa614 no Jornal A Nova Era. Essas
publicações já apontavam - ainda que de forma inexpressiva, mas não menos conflituosa
- cobranças ao Poder público para atender algumas demandas da própria população (O
ITABORAHYENSE, 17/07/1921).
A mudança de postura é intensificada nas duas últimas décadas do século XIX, no
contexto das discussões entre escravidão e abolição e entre Monarquia e República,
quando Hermeto Luiz da Costa cria, em momentos diferentes, os jornais A União, A Luta,
O Social e O Itaborahyense615. Esses periódicos representam um marco na atuação da
imprensa do município de Itaboraí e arredores, na medida em que atuaram em defesa da
criação de um espaço onde fosse possível discutir temas referentes às questões
econômicas, políticas, e, principalmente, sociais e culturais.
613
Pesquisando sobre os jornais de Itaboraí, até 1930, foram encontrados os seguintes: O Severo (1832), O
Amigo da Moral (1838), A Civilização (1850), O Semanário (1853), O Popular (1854), O Patriota (1855),
A Nova Era (1862), Echo Popular (1863), Itaborahyense (1863), Regenerador (1866), A União (1876), A
Luta (1880), O Social (1886), O Itaborahyense (1895), Echo (1905), O Portuense (1908), O Momento
(1922), O Sambaitibense (1922) e A União (1929). Informações obtidas através da leitura das seguintes
obras: Almanak...(1844-1889); Almanaque Administrativo...(1891-1930); Anais da Biblioteca
Nacional...(1965) e Acervo Heitor Costa.
614
Hermeto Luiz da Costa nasceu no dia 09 de agosto de 1839 e faleceu, devido a uma gripe pulmonar
aguda, no dia 27 de julho de 1921. A imprensa da capital, destaque para o jornal Gazeta de notícias, publicou
seu falecimento com pesar e o denominou como “Decano da Imprensa Fluminense” (02/07/1921). Foi
monarquista e integrante do partido Liberal. “Exerceu os cargos de escrivão de polícia, contador e
distribuidor, tabelião, escrivão de órfãos, juiz de Paz e vereador”. Participou da Loja Maçônica Concordia
II, em Itaboraí, ocupando sempre a cadeira de 1º vigilante (O ITABORAHYENSE, 17/07/1921).
615
Desses jornais, apenas O Social e O Itaborahyense fazem parte do acervo Heitor Costa, o que
inviabilizou, até o momento, a análise dos jornais A Nova Era, a União e a Luta. Agradeço aos herdeiros,
Helso Costa, Heitor Costa e em especial Heimar Costa, pelo acesso a esses jornais e por apoiar a pesquisa
em curso.
1237
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
616
O Social foi um jornal hebdomadário, de 4 páginas, criado juntamente com a formação de uma
associação, tendo seu Hermeto Luiz da Costa como redator (GAZETA DE NOTÍCIAS, 24/09/1886). Sua
primeira publicação ocorreu no dia 01 de outubro de 1886 e parou de ser impresso, possivelmente, entre os
meses de novembro e dezembro de 1890 (O SOCIAL, 06/10/1888).
617
Criado em 1895 por Hermeto Luiz da Costa, teve sua primeira interrupção, em 1930, com a morte de
Hermeto Júnior. Em dezembro 1944, assume Heitor Costa, filho do Hermeto Júnior, mantendo o jornal em
funcionamento até 1946. Em 1952 o jornal retorna com suas atividades, sendo impresso até 1988. Em 1993
o jornal volta a ser publicado, tendo seu Heitor Costa o apoio de seu filho Heimar Costa e, em 1996, a
contribuição de Simão Miguel. Em 1998 ocorre outra interrupção e desta data para os dias atuais, alguns
números foram produzidos esporadicamente sem a frequência semanal que seus três principais proprietários
conseguiram realizar. Desta forma, mesmo com as interrupções, o jornal foi publicado durante 88 anos.
618
Hermeto Luiz da Costa Júnior nasceu no dia 01 de novembro de 1874 e faleceu no dia 27 de maio de
1930. Seu falecimento foi noticiado em diversos jornais, entre eles, destacam-se o Diário Carioca
(29/05/1930) e o Diário da Noite (28/05/1930). Diante do convívio com o pai, também era monarquista e
árduo crítico da República. “Exerceu diversos cargos públicos como suplente de juiz de Direito, adjunto do
Promotor Público (...) e secretário da Prefeitura Municipal desta cidade”. Assim como seu pai, participou
da Loja Maçônica Concordia II, em Itaboraí, ocupando, principalmente, a cadeira de secret. (O
ITABORAHYENSE, 20/07/1930).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1238
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1239
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1240
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
619
Fazendeiros que se tornaram republicanos após abolição e que exigiam indenizações pela libertação de
seus escravos. Ver: MATTOS, 2012.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1241
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
República, afirmando que tinha o “o arbítrio como norma de proceder em todos os ramos
administrativos, a vaidade e ambição do mando tomados como a suprema expressão do
patriotismo” (O ITABORAHYENSE, 27/09/1896). Perguntas provocativas eram
corriqueiras em suas matérias e eram acompanhadas de avaliações do período de duração
da República: “O que se tem feito durante esses vinte seis anos de República? Ao lema
‘ordem e progresso’ assistimos a desordem e retrocesso. (...) o resultado que se obteve é
o que vemos: miséria, impostos e abandono completo das riquezas do pais” (O
ITABORAHYENSE, 05/11/1915).
Como tática (CERTEAU, 1998)620, respondiam aos republicanos realizando
abordagens que comparavam a região do período monárquico com a Primeira República.
Os Hermetos procuravam demonstrar, através dessas comparações, que as "crises"
econômicas e a diminuição da expressão política de Itaboraí e arredores, diante do Estado
do Rio de Janeiro, foram ocasionadas, principalmente, pela República.
Para enfatizar tal posicionamento, publicavam também matérias que denunciavam
o descaso, do Poder Público local e estadual, com as condições precárias que a maioria
dos moradores da cidade viviam, dando destaque à situação do negro. Tais matérias
viabilizaram investigar as relações sociais que os negros estavam inseridos, em Itaboraí,
e as ações que os envolviam e as que eram realizadas por eles mesmos, tanto no final da
monarquia, assim como no decorrer da Primeira República.
Entre as ações, destaca-se a discussão do enterramento de seus mortos, visto que
os negros participaram ativamente das pressões para obter uma resolução. O jornal
denunciou que a Câmara Municipal não tomava nenhuma atitude para auxiliar o
transporte dos mortos para o cemitério da cidade. Noticiou a situação, mostrando que a
população negra ficou abandonada no Pós-abolição:
O maior número dos cadáveres, são dos nossos antigos escravos, pelo
completo abandono em que ficaram. Esses infelizes (...) morrem
miseravelmente por falta de asilo, a que tinham direito, como principais
motores da nossa agricultura e são quase sempre encontrados seminus pelas
ruas e estradas a implorarem um pedaço de pão. Não podemos nunca
620
Diferente da estratégia que é organizada pelo postulado de um poder, a tática é determinada pela ausência
de poder. CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis, Vozes, 1998,
[Tradução: Ephraim Ferreira Alves], p. 99.
1242
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
esquecer, que esses nossos irmãos, são vitimas da lei da força e assim tirados
de um pais tão livre como o nosso, para depois de usufruirmos toda sua
vitalidade em nossos serviços, atira-los a fome e a miséria. (O
ITABORAHYENSE, 20/09/1896).
A pressão que o jornal realizou pelo fornecimento das carroças fúnebres, ganhou
maiores proporções quando parte da população negra passou a deixar os corpos de seus
mortos, em estado de putrefação, na calçada em frente à Igreja Matriz da cidade.
A partir daí as críticas do jornal receberam o apoio de vários outros grupos, na
medida em que o argumento apresentado nas publicações, passou de denúncias do
descaso da Câmara Municipal com os negros, para a completa irresponsabilidade da
Câmara com todos os moradores - inclusive com os filhos dos próprios ocupantes da
Câmara que residiam no local - pois o jornal passou a publicar que alguns corpos foram
"vítimas de moléstias epidêmicas".
Além desses, outros fatos, noticiados no jornal, possibilitam o entendimento do
meio social que os negros viviam e os diferentes níveis de violência que recebiam e
reagiam em Itaboraí. Sob a direção de Hermeto Júnior, o jornal questionou o comissário
de polícia da seção, Sr. Agostinho Luiz da Costa, por ter deixado o corpo do “preto Adão
da Costa” no mesmo lugar onde ele faleceu, ficando “exposto ao tempo e a chuva”. Em
tom de indignação, o jornal criticou o fato exposto:
“Essa falta de humanidade com os nossos semelhantes por serem pobres não
se justifica de modo algum e os Srs. Comissários de polícia saibam que aqui
estaremos sempre para verberá-los quando não procedam de modo caridoso
e com a devida veneração com o cadáver daqueles que a sorte não favoreceu
e que expiram na via pública” (O ITABORAHYENSE, 12/05/1918).
Considerações finais:
1243
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação:
ALMANAK LAEMMERT (1844-1889).
ALMANAQUE ADMINISTRATIVO MERCANTIL E INDUSTRIAL DO RJ (1891-
1921).
BRASIL. Leis etc. Coleção das Leis do Brasil de 1808. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1891.
DIÁRIO CARIOCA. Morreu, hontem, um velho jornalista fluminense; Há 40 anos vinha
publicando “O Itaborahyense”. Quinta-feira, 29 de maio de 1930.
DIÁRIO DA NOITE. Faleceu um antigo jornalista fluminense. Quinta-feira, 28 e maio
de 1930.
GAZETA DE NOTÍCIAS, Sexta-feira, 24 de setembro 1886.
GAZETA DE NOTÍCIAS. O Decano da Imprensa Fluminense: Falecimento do Sr.
Hermeto Costa". Sábado, 2 de Julho de 1921.
IBGE. CENSO DEMOGRÁFICO DE 1940.
O ITABORAHYENSE. Lembrem-se ao menos dos pobres. Domingo, 20 de setembro de
1896.
O ITABORAHYENSE. Domingo, 20 de setembro de 1896.
O ITABORAHYENSE. De Lança em Riste. Domingo, 27 de setembro de 1896.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1244
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas:
CARVALHO, Alfredo. “Gêneses e Progressos da Imprensa Periódica no Brasil”. In:
Centenário da imprensa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo
Consagrado à Exposição Comemorativa do Primeiro Centenário da Imprensa periódica
no Brasil, v.2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Catálogo de jornais e revistas do Rio de
Janeiro (1808–1889). Vol 85, 1965.
BERSTEIN, Serge. “A Cultura Política” IN: RIOX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean
François. Para uma História Cultural. Editorial Estampa. 1998.
BRASIL, Eric. Áfricas, macacos e flores: os carnavais cariocas e o ensino de história e
culturas Afro-brasileiras. Xavier, Giovana (org.). Histórias da Escravidão e do Pós-
abolição para as escolas. Coleção Uniafro 2014.
_______. Carnavais da abolição: diabos e Cucumbis no Rio de Janeiro (1879-1888).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1245
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1246
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
1247
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Até o momento em que viajou para a Inglaterra para cursar a faculdade de letras,
a Nigéria não era nada para Obi Okonkwo. A partir daquela experiência, no entanto, e do
contado com outros povos, outros ambientes e culturas, a sua identidade nigeriana se
consolidou. No exterior, ele era o estrangeiro e precisava de um pertencimento que
garantisse seu enquadramento na relação com os demais. Foi, portanto, no contato com o
diferente que esta delimitação aconteceu (SILVA, 2007).
Obi é o personagem principal do livro “A Paz Dura Pouco” (1960), de Chinua
Achebe (1930-2013). O autor é um dos mais renomados da Nigéria. Escrevendo no
contexto das mobilizações nacionalistas da década de 1950 e da independência do país
em 1960, sua obra contribuiu para resgatar o “poder de narrar” (SAID, 2011, p. 11) que
até então estava nas mãos dos colonizadores britânicos. E não só isso, os romances de
Achebe oferecem como legado um conjunto de histórias para fomentar a identidade e a
construção da nação nigeriana que estavam em luta para se estabelecer naquele contexto.
O livro “A Paz Dura Pouco”, é o segundo do autor, lançado em 1960. Dois anos
antes ele havia publicado seu romance mais conhecido, “O Mundo se despedaça”
(ACHEBE, 2009 [1958]). A intenção de Achebe era produzir um romance que contaria a
história de três gerações da família Okonkwo passando pelos principais acontecimentos
da história do país, desde a chegada dos colonizadores, passando pela dominação
1248
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1249
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
primeiras mobilizações são lideradas por sindicatos - Nigerian Civil Servants Union,
Nigerian Union of Teachers -, pelo movimento estudantil - Nigerian Youth Movement - e
por uma elite educada nos moldes europeus que fomentavam um nacionalismo pan-
nigeriano que superasse as diversidades internas para lutar contra o colonizador
(FALOLA & HEATON, 2008, p. 140).
Achebe fazia parte deste grupo que cresceu frequentando as escolas ocidentais.
Seus pais tinham se convertido ao cristianismo e conduziam seus filhos a viver dentro dos
preceitos da religião e da cultura europeia. O autor estudou em escolas fundadas por
missionários antes de entrar nas escolas criadas pela administração pública britânica
(ACHEBE, 2012, p. 21). Ao longo de sua formação, ele teve contato com a literatura
produzida pela metrópole na qual os africanos eram retratados como selvagens e
inferiores. Sua obra, utilizando a língua e a forma literária do colonizador – o inglês e o
romance – será um confronto a essa literatura e uma tentativa de retomar o direito de
contar suas próprias histórias, a história de seu povo, agora não mais com um viés de
inferioridade.
O personagem principal da obra que estamos analisando, Obi, também é um
membro desta elite que cresce em escolas missionárias e ocidentais. Compõe, portanto,
uma geração que ao longo das décadas de 1940 e 1950 agita a colônia com demandas por
participação política e independência reivindicando, para isso, um sentimento de
pertencimento comum, a identidade nigeriana. Esta é referida constantemente ao longo
do romance aparecendo em termos “jovens nigerianos”, “Nigéria”, “mulher nigeriana”.
Obi, enquanto estava no exterior, por exemplo, escreve um poema chamado
“Nigéria”. Com versos bastante entusiasmados, o personagem conclamava seus
compatriotas para construir o país: “Deus abençoe nossos nobres compatriotas,\ Homens
e mulheres de toda parte,\ Ensine-os a caminhar unidos\ Para construir nossa querida
nação,\ Deixando de lado região, tribo ou língua,\ Mas sempre atentos uns aos outros”
(ACHEBE, 2013, P. 120). Escrito em um contexto em que Obi sonhava com uma Nigéria
independente e grande, esse poema nos mostra como o personagem objetivava a
construção de uma identidade nacional que superasse nos limites étnicos e regionais.
Além do poema que o personagem escreve e da utilização do termo “nigeriano”, o
personagens faz planos, debate com amigos e traça teorias sobre o melhor caminho a ser
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1250
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
percorrido para a Nigéria ser uma grande nação. Ou seja, o país como um todo, para além
das divisões étnicas, era o centro das preocupações e dos planos do protagonista.
Este não é o único momento em que o personagem principal do romance faz
propostas para a nação que estava nascendo. Em outra passagem, Obi diz o que esperava
dos jovens educados do país: “Educação para o serviço, não para os empregos
burocráticos e para os altos salários. Com o nosso grande país no limiar da independência,
precisamos de homens preparados para servi-lo bem e com sinceridade” (ACHEBE,
2013, p. 44). Aqui o personagem conclama os jovens nigerianos para construir a nação.
Este chamado tinha como alvo, em especial, uma minoria que tinha tido a oportunidade
de estudar, seja frequentando as escolas coloniais ou mesmo as universidades que
começavam a surgir na Nigéria naquele período.
A fala de Obi deixa transparecer, também, uma crítica às ações de parte dos seus
compatriotas naquele período. Como veremos mais a frente, a obra de Achebe, mesmo
sendo publicada no mesmo ano da independência da Nigéria, já traz uma série de críticas
aos caminhos que o país estava percorrendo. Neste trecho, o personagem pontua que os
funcionários públicos devem ocupar cargos para servir o país com sinceridade, não para
terem altos salários disputando posições-chave dentro do funcionalismo público – muitas
vezes com objetivos escusos.
A partir da Segunda Guerra Mundial, as ações da administração colonial ganham
um novo perfil e o governo começa a colaborar com os nacionalistas moderados e a fazer
reformas que aos poucos foram transferindo o comando do país para os nativos. O passo
inicial para isso foi a “nigerianização” do serviço público, em especial nos cargos mais
altos, até então quase que restritos aos europeus (FALOLA & HEATON, 2008, p. 148).621
Enquanto a nigerianização do serviço público transferiu o controle administrativo
do país para os nativos, as reformas constitucionais foram, aos poucos, transferindo o
poder legislativo. Três novas constituições são aprovadas entre 1947 e 1954 fazendo
reformas no sentido do autogoverno. A primeira delas foi a Constituição Richards,
aprovada em 1947. Esta, pela primeira vez, permitiu que o Conselho Legislativo tivesse
maioria de nigerianos. Se por um lado a nova legislação trouxe unidade, por outro ela
621
Em 1937 apenas 23 nigerianos ocupavam estes cargos. Em 1947 esse número subiu para 182, em 1953
já eram 786 e em 1960 passou de 2.600 (FALOLA & HEATON, 2008, p. 148).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1251
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
favoreceu o divisionismo. Através dela, foram criadas três assembleias regionais, uma no
sudeste, uma no sudoeste e outra no norte. Isso fez com que as três grandes etnias
nigerianas – haussás-fulani no norte, igbo no sudeste e iorubá no sudoeste – começassem
a disputar o controle de suas respectivas regiões.
A elite educada fica dividida em relação à criação destas assembleias regionais.
Se por um lado elas representavam a diversidade étnica do país, por outro elas
enfraqueciam as demanda por um nacionalismo pan-nigeriano ao passo que cada etnia
começaria a disputar pelo poder regionalmente afirmando sua identidade local/étnica
(FALOLA & HEATON, 2008, p. 149).
Já os nacionalistas da região norte apoiaram amplamente a criação das
assembleias regionais. Eles acreditavam que era uma forma de se resguardar de uma
possível dominação por parte das etnias do sul – em especial dos igbos. Estas, por terem
um contato mais antigo e enraizado com o colonizador, tiveram, por exemplo, um
desenvolvimento mais intenso do sistema de educação ocidental em suas regiões. Isso fez
com que, no contexto da nigerianização do serviço público, os nigerianos do sul – mais
preparados – ocupassem a maior parte dos novos cargos, inclusive aqueles que surgiam
na região norte (FALOLA & HEATON, 2008, p. 139)622. Essa situação gerava
insegurança no norte e, nos anos seguintes, seria o combustível para conflitos étnicos.623
Medidas como esta fizeram com que, ao longo da virada da década de 1940 para
a de 1950 as identidades étnicas se fortalecessem e se tornassem politicamente
significativas. O nacionalismo pan-nigeriano vai ficando em segundo plano em um
contexto em que cada grupo disputava recursos materiais e poder para o seu próprio
grupo. Diversas organizações culturais – que depois se transformariam em partidos -
começam a ser criadas seguindo bases étnicas. A Egbe Omo Oduduwa, entre os iorubás;
a Ibo Federal Union para promover a solidariedade entre os ibo incentivando o progresso
da etnia e o envio de jovens para estudar no exterior; e o Bauchi General Improvement
622
Em 1966 havia aproximadamente 13.000.00 orientais, ibos na maioria, na região norte (FORSYTH,
1979, p. 21)
623
Uma primeira ocorrência destes conflitos acontecem já em 1953 quando os igbos são massacrados em
Kano, maior cidade do norte. Nos relatórios oficiais, 52 pessoas foram mortas e 245 feridas
(FORSYTH,1979, p. 25).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1252
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Union, com objetivo de lutar pela autonomia da região norte e evitar o predomínio do sul
(FALOLA & HEATON, 2008, p. 151).
É a esse contexto que Obi faz referência no poema que vimos acima. Ele convoca
seus compatriotas a “caminhar unidos”, “deixando de lado região, tribo ou língua”. Nos
anos imediatamente anteriores à independência da Nigéria o nacionalismo pan-nigeriano
perde força. Muitos estavam satisfeitos com os empregos que tinham ganhado com a
nigerianização e com a abertura política regional promovida pelos colonizadores. Cresce
a disputa pelo poder entre as etnias e, em especial, para saber qual delas teria primazia no
comando da nação e no controle dos recursos materiais.
Era muito comum, neste período, o surgimento de associações de ajuda mútua nos
contextos urbanos. Estas tinham como objetivo acolher os compatriotas de uma mesma
etnia ou mesmo vilarejo quando estes chegavam nas cidades grandes. Nestas associações
eles encontravam apoio para se ambientar no novo espaço urbano, conseguiam ajuda para
encontrar moradia, emprego e eram ambientados no novo universo político em que
estavam inseridos (FALOLA & HEATON, 2008, p. 139). Elas também eram
responsáveis por enviar seus jovens para estudar no exterior, obtendo formação suficiente
para ocupar bons cargos no contexto da nigerianização do serviço público (FALOLA &
HEATON, 2008, p. 148).
No romance de Achebe, a União Progressista de Umuofia era uma destas
associações. Para onde quer que os habitantes da cidade se mudassem eles fundavam ali
uma filial da UPU. Nela, eles se reuniam, apoiavam-se mutuamente e mantinham as
tradições de sua cidade natal. Foi através de uma bolsa oferecida pela UPU que Obi
conseguiu ir estudar no exterior. A intenção da União era que ele retornasse, devolvesse
aos poucos o dinheiro para que outros jovens tivessem a mesma oportunidade, e, com o
emprego que ele conseguiria, apoiasse seu povo com favores.
Estas associações formadas em bases étnicas nas décadas de 1940 e 1950
contribuíam para enfraquecer o nacionalismo pan-nigeriano a partir do momento em que
colocavam em primeiro plano os laços locais. Os membros da UPU, por exemplo,
afirmavam que estar em Lagos era estar em “terras estrangeiras” (ACHEBE, 2013, p.
151). Ou seja, a capital da colônia e futura capital do país não era produzia neles um efeito
1253
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de pertencimento, pelo contrário. Ali eles se sentiam forasteiros, longe de sua verdadeira
casa que era Umuofia.
Seu pertencimento nem mesmo chegava a ser regional ou étnico, ou seja, eles não
se identificavam como igbos em oposição aos iorubás da região de Lagos. Afirmavam
com muito mais intensidade um pertencimento local, da aldeia. Os membros da UPU se
autodenominavam como “umuofianos” (ACHEBE, 2013, p. 13) e desejavam que Obi se
formasse em direito para terem um advogado que os ajudasse em contendas contra seus
vizinhos, ou seja, outras cidades igbo.
Um diálogo entre Obi e seu melhor amigo Joseph é bastante representativo destas
tensões étnicas e mesmo da corrupção que vai se alastrando pelo país neste período.
1254
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1255
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1256
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
a refletir sobre o futuro do país: “Mas que tipo de democracia pode existir lado a lado
com tanta corrupção e ignorância” (ACHEBE, 2013, p. 56).
O poema que o protagonista escreveu quando estava na Inglaterra aparece mais
uma vez no final do romance. Obi, desesperançoso em relação aos rumos do país, relê os
versos quase ufanistas que tinha escrito tempos atrás. Eles não faziam mais sentido em
uma Nigéria tão corrupta, desunida e com tanta pobreza. Ele, então, “com calma e em
silêncio, amassou o papel na mão esquerda, até virar uma bolinha, jogou-a no chão[...]”
(ACHEBE, 2013, p. 171). O simbolismo de destruir a poesia que ele tinha feito
conclamando os compatriotas a construir a nação é bastante significativo da desesperança
de Achebe em relação ao futuro da Nigéria.
Como vimos na abertura deste trabalho, Obi afirmava que só quando foi para o
exterior a Nigéria se tornou algo para ele. Achebe afirma algo semelhante dizendo que
para sua geração a nacionalidade nigeriana foi um sabor adquirido (ACHEBE, 2012, p.
46). Acredito que a obra do autor é uma tentativa de contribuir para a consolidação do
nacionalismo pan-nigeriano, superando os pertencimentos locais, criando uma
comunidade imaginada (ANDERSON, 2008).
DOCUMENTAÇÃO
ACHEBE, Chinua. A paz dura pouco. Traduzido por Rubens Figueiredo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013.
BIBLIOGRAFIA
1257
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1258
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
624
A aracnoidite caracteriza-se por uma inflamação na aracnoide, membrana que protege os nervos da
medula espinhal e do cérebro.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1259
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
paralisia geral progressiva, sendo seu reconhecimento como uma enfermidade autônoma
um processo contínuo, que levaria alguns anos para se consolidar e que envolveria
alienistas de diferentes nacionalidades (DAVIS, 2008; HURN, 1998; SLIJKHUIS;
OOSTERHUIS, 2012; BROWN, 1994; KRAGH, 2010).
É interessante pensar sobre os diferentes fatores que influenciaram o processo de
construção deste conjunto de sintomas como uma doença independente. Ao entrarmos em
contato com diversos trabalhos sobre a história do campo da psiquiatria, percebemos que
muitos de seus atores participaram da luta para que esta área do conhecimento médico
fosse reconhecida enquanto ciência. A princípio, as doenças, os tratamentos e os recursos
que se encontravam na alçada da medicina mental não eram orientados pelos mesmos
paradigmas norteadores de grande parte dos objetos e ferramentas pertencentes ao dia a
dia das demais especialidades médicas e que foram consolidados ao longo do século XIX
e início do século XX, a partir do desenvolvimento dos campos da anatomia patológica,
da microscopia e, mais tarde, da bacteriologia e da imunologia (BENCHIMOL, 2004;
BYNUM, 1994).
Segundo os paradigmas da medicina geral que estavam em voga, o
estabelecimento de uma relação de causa entre sintomas e lesões orgânicas constituía-se,
a priori, como um dos principais argumentos para a defesa da teoria de uma enfermidade
distinta. Deste modo, como um adepto dos ideais da recém-surgida escola de anatomia
patológica, Bayle chamava atenção não somente para as manifestações físicas (paralisias)
e mentais (delírios, especialmente os de grandeza) da doença, mas também para os danos
histológicos encontrados no cérebro de cadáveres que teriam sido acometidos por este
mal, repousando nesta evidência um de seus maiores argumentos em favor da autonomia
da doença (BROWN, 1994). Ao longo do tempo, conforme avançavam as pesquisas sobre
tal quadro sintomático, a hipótese de que o mesmo constituía uma entidade nosológica
autônoma ganhava adeptos.
Com o estabelecimento do paradigma bacteriológico durante o terceiro quartel do
século XIX, a anatomia patológica – além de fornecer novas pistas sobre a patogênese da
PGP – também impulsionou mudanças no estudo das doenças, mudanças essas que
apontavam o caminho do laboratório. Porém, mais uma vez, as afecções mentais em geral
não se “encaixavam” bem nestes postulados, pois entre suas causas não se encontravam,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1260
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
a princípio, seres microscópicos ou qualquer elemento externo capaz de causar danos aos
órgãos do corpo humano; danos esses que seriam, por fim, responsáveis pelos distúrbios
clínicos observados. Ademais, enquanto desenvolviam-se as técnicas laboratoriais de
diagnóstico, os psiquiatras o faziam através de meios mais tradicionais, considerados
também imprecisos, como entrevistas e a observação especialmente do comportamento
dos pacientes. Finalmente, a falta de eficácia dos tratamentos disponíveis para as doenças
mentais distanciava ainda mais a psiquiatria das outras especialidades médicas
(FACCHINETTI; MUÑOZ, 2013).
No entanto, em princípios do século XX, diferentes eventos ocorridos exatamente
neste espaço de produção do conhecimento, o laboratório, contribuíram bastante para o
esclarecimento da etiologia da PGP, que seria estabilizada no interior do paradigma
bacteriológico. Um dos primeiros a observar sintomas comuns entre estágios avançados
de sífilis e a PGP foi o venereologista norte-americano radicado na França Philippe
Ricord, que identificava três estágios do “mal venéreo” 625. Em 1857, Friedrich Esmarch
e Peter Willers Jessen atentaram para o grande número de doentes acometidos
concomitantemente pela sífilis e pela paralisia geral progressiva, no asilo de Hornheim,
na região de Schleswig, que pertencia à Dinamarca naquele momento. Ambos sugeriram
que a sífilis seria a causa essencial da paralisia geral progressiva, mas optaram por não
serem categóricos em suas conclusões, já que suas evidências estatísticas poderiam ser
facilmente questionadas (KRAGH, 2010).
Alguns trabalhos apontam especialmente três eventos que parecem ter contribuído
para impulsionar o processo de aceitação da etiologia sifilítica da paralisia geral
progressiva de forma mais generalizada dentro do campo médico. Em 1905, o
protozoologista Fritz Richard Schaudinn e o venereologista Paul Erich Hoffmann
descreveram pela primeira vez o agente etiológico da sífilis, observado pelos
pesquisadores em associação com lesões típicas desta doença e batizado de Treponema
pallidum. Um ano depois, August Paul von Wassermann e seus colaboradores
desenvolveram a primeira reação sorodiagnóstica para detectar casos da doença: a reação
de Wassemann, resultado de um longo processo de construção, que envolveu inúmeros
625
Expressão sistematicamente utilizada por Sérgio Carrara em seu livro “Tributo à Vênus”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1261
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1262
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
mundo, inclusive no Brasil. Sempre presente nos debates entre os psiquiatras que atuavam
no Rio de Janeiro, a malarioterapia foi manipulada em diversas instituições asilares
cariocas até, pelo menos, o início da utilização da penicilina. Pesquisas que abordam a
história do tratamento através desse antibiótico assumem que tal processo tenha se
iniciado em meados da década de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial.
Contudo, pesquisas em fontes primárias brasileiras mostram que até o final dos anos de
1950, estudos que comparavam a eficácia da malarioterapia e da penicilina no tratamento
da paralisia geral ainda estavam sendo conduzidos na cidade do Rio de Janeiro
(ACCORSI, 2015).
Até aqui, percebemos que a paralisia geral progressiva permitiu a entrada de uma
série de modelos teóricos e técnicas consideradas “legitimamente científicas”, pelo
campo médico em geral, no dia a dia da prática psiquiátrica, a saber: a relação de causa e
efeito entre lesões histológicas e sintomas físicos/mentais, o paradigma bacteriológico, a
punção lombar, a reação de Wassermann e a malarioterapia. Assim, a historiografia sobre
tal enfermidade demonstra que seu potencial de aproximar estas ferramentas da área da
psiquiatria influenciou de modo significativo a consolidação do campo em questão em
diferentes países (DAVIS, 2008; HURN, 1998; SLIJKHUIS; OOSTERHUIS, 2012;
BROWN, 1994; KRAGH, 2010).
Outro aspecto que também costuma chamar atenção destes autores, justificando a
atenção médica mobilizada pela doença, é sua alta incidência nos asilos do Velho
Continente. Deste modo, muitas das interpretações, articulações e conclusões às quais
chegam os pesquisadores que assinam tais trabalhos relacionam-se diretamente com este
dado. Contudo, conforme se começa a analisar as fontes primárias cariocas, vê-se que
esta alta taxa da PGP não é uma realidade nas instituições de internação localizadas no
DF. Tal dado já foi apresentado por Sérgio Carrara e Marcos Carvalho, em um artigo
publicado em 2010, e corroborado por mim através da observação das fichas de entrada
dos pacientes que passaram pelo Pavilhão de Observações durante os anos de 1908 e 1913
e da análise das teses defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre 1883
e 1915.
Se todas as entradas no Pavilhão de Observações eram de fato registradas, durante
o período de 01 de abril de 1908 a 31 de dezembro de 1913, apenas 217 pacientes
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1263
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1264
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1265
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1266
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1267
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
626
KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1268
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
1269
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DAVIS, G. The Cruel Madness of Love: sex, syphilis, and psychiatry in Scotland, 1880-
1930. Amsterdam, Nova York: Rodopi, 2008.
HURN, J. D. The history of the general paralysis of the insane in Britain, 1830 to 1950.
Tese (PhD em Filosofia). London University, Londres, 1998.
KRAGH, J. V. Malaria fever therapy for general paralysis of the insane in Denmark.
History of Psychiatry, Cambridge, v. 21, n. 4, 2010, pp. 471-486.
SLIJKHUIS, J.; OOSTERHUIS, H. Cadaver brains and excesses in baccho and venere:
dementia paralytica in dutch psychiatry (1870–1920). Journal of the History of Medicine
and Allied Sciences. Oxford, Outubro 2012, pp. 1-35.
1270
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1271
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
GLÍCIA CALDAS
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
Programa de Pós-graduação em História Social
Bolsista CAPES
Introdução
A repressão às práticas de cura realizadas pelos negros e setores populares não foi uma
invenção da República, já existindo no Império. No entanto, o Código Criminal do Império não
previa a repressão à magia e à feitiçaria que, de forma subliminar, estavam associadas ao crime
contra a religião do Estado previsto no art. 276. A novidade da República com o Código de
1890 é a institucionalização da repressão. Diante de um quadro que se instaura no pós-abolição,
a necessidade de enquadrar a população negra, agora liberta, exigia novos mecanismos de
controle e o discurso legal contra práticas que, tradicionalmente, eram associadas àqueles
grupos, era uma das formas de garantir este enquadramento. O Decreto nº. 119-A, de
07/01/1890, baixado antes de ser promulgada a primeira Constituição da República, no governo
provisório de Marechal Deodoro da Fonseca, (1889-1891), extinguiu os privilégios que a Igreja
tinha no Império estabelecendo-se os princípios para um Estado laico.
As práticas terapêuticas eram muito comuns entre a população do Brasil, pelo
entendimento da etiologia da doença e cura, do partilhar da mesma concepção da origem e do
tratamento O Código Republicano embora garantisse a liberdade de consciência e culto,
sancionava a perseguição aos terapeutas populares, criminalizando as práticas do espiritismo,
da magia, do uso de talismãs, das cartomancias e da prática ilegal da medicina, quando
empregadas para a cura de moléstias. O exercício do ofício de curandeiro também era
formalmente proibido e estava sujeito à pena de prisão e de multa. A necessidade de incorporar
e tornar visíveis outros sujeitos políticos menos “legítimos” oficialmente, silenciados no
discurso sobre as diversas medicinas do Brasil, revelou os praticantes dos ofícios de curas
negros e seus descendentes, além da estreita ligação desses praticantes com as religiões
defendidas por eles. Os médicos buscavam o espaço desejado, reclamavam a proteção legal
para o exercício profissional. Com a criação do Código Penal de 1890 os médicos conseguiram
a garantia legal de se impor contra quem exercesse as práticas da medicina popular. Lançando
1272
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
na ilegalidade todo aquele que exercia uma medicina diferente da sua, assim os curandeiros
puderam ser criminalizados (SCHRITZMEYER, 2004: 75).
A criminalização dos artigos alegando a proteção à saúde pública deve ser entendida no
contexto da ação da categoria médica que visava resguardar em termos legais o monopólio do
exercício da cura. Além da condenação ao espiritismo, à magia e a outras práticas, o Código
Penal previa punições para o simples exercício da medicina sem títulos acadêmicos (art. 156) e
o crime de curandeirismo, a saber, a aplicação ou prescrição de substâncias com fins
terapêuticos (art. 158). O que confere especificidade aos saberes e práticas prescritos pelo artigo
157 é a identificação de seu poder de ilusão ou fascinação: o problema não é só que o
"espiritismo", a "magia", os "talismãs" e a "cartomancia" não possuem virtualidades
terapêuticas, mas que, sem poder curar, pretenda "inculcar" essa possibilidade. Por trás desse
reconhecimento, está a idéia de que as práticas da magia seriam "manobras fraudulentas",
reforçadas em seu poder de persuasão por um apelo ao sobrenatural.
Não só a população negra e pobre sofria repressão policial, pelas práticas consideradas
mágicas, mas todo aquele que se opunha aos padrões considerados civilizatórios o projeto de
civilizar na República, “vestiu a cidade com outra roupa, mas o corpo permaneceu o mesmo,
possuindo uma incrível dificuldade de andar de salto alto” (RODRIGUES, 2002: 11-43).
Vamos conhecer os caminhos percorridos por Ventura José Romão, preto, morador em terras
de Nova Friburgo e o professor Vicente Ferreira da Cunha, residente em São Cristovão, na
capital federal.
1273
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
627
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Processo nº. 924, Referência: BV.O.RMI. 0666, Supremo Tribunal Federal,
Vicente Ferreira da Cunha Avellar.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1274
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
galinhas, velas, peles de bichos secas, pipocas entre os materiais apreendidos, estes eram
imediatamente considerados práticas de sortilégio e magia, pois associava as pessoas com a
prática da feitiçaria. (Maggie, 1992: 77).
Declarou ainda o inspetor, que ao chegar à porta do sobrado, encontrou uma mulher
saindo da dita farmácia, que trazia um embrulho nas mãos e uma suposta receita. Adelaide
Drummond na presença das três testemunhas, acima citadas, disse ter procurado o professor
porque se encontrava doente, que ele curava por meios do espiritismo e prescrevia receitas cujos
medicamentos eram retirados no térreo do sobrado. Convencido que ali naquele lugar havia
uma transgressão à lei, adentrou ao sobrado, sendo recebido por Vicente Avellar, Manoel Luiz
Carrosa e Frederico Martins Santos. Aqui encontramos uma contradição, o inspetor declarou
que Federico Martins Santos o acompanhava como testemunha das averiguações, como poderia
ao mesmo tempo estar com o professor Avellar no sobrado? Voltaremos mais tarde a esse
questionamento.
Vicente Avellar foi convidado a prestar declarações às autoridades policiais sanitárias,
suspeito pelo exercício ilegal da medicina, prática da magia, prática de ciências ocultas e
espiritismo. O inspetor após sua declaração solicita a instauração de um processo-crime em
junho de 1904, perante o Juízo dos Feitos da Saúde Pública, anexando o rol das testemunhas:
628
Biblioteca Nacional – Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias, 24/08/1904; Arquivo Nacional,
op. cit., declaração do inspetor sanitário.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1275
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Luiz Rodrigues de Figueiredo, Frederico Martins dos Santos, Antonio Gomes e incluindo o
nome de Adelaide, como testemunha de acusação. Não houve relato de objetos apreendidos no
local, mas “documentos” foram anexados ao processo, retirados do sobrado. Não sabemos como
o inspetor sanitário tomou conhecimento do exercício das artes de cura do professor Avellar, já
que os artigos nos periódicos são posteriores as averiguações do inspetor sanitário.
Relembrando, a “visita” do Dr. Sebastião Barroso aconteceu no dia 28 de junho de 1904, o
artigo na Gazeta de Notícias em 24 de agosto do mesmo ano, com o título de “Tribunaes”,
“Infração Sanitária” e “O professor Vicente Avellar”, nessa data o advogado de Vicente Avellar
aguardava resultado da Apelação. Tudo cercado de grande mistério e muitas contradições.
As testemunhas arroladas de acusação não comparecem, não foram localizadas nos
endereços fornecidos à justiça. O Sr. Edmundo de Almeida Rego, subprocurador dos Feitos da
Saúde Pública, mandou que se intimasse Azevedo Lima para testemunhar. Quem era Azevedo
Lima? Como aparece para ser intimado como testemunha, se não consta no rol anexado ao auto
de infração? Também, seu nome não é mencionado no ofício da infração que origina o
processo. Não compareceu para testemunhar, desapareceu do processo da mesma forma de
surgiu, misteriosamente.
Os vizinhos fizeram uma declaração por escrito, que foi anexada ao processo,
constatando a fama do curandeiro, do grande número de pessoas que o procuravam em seus
momentos de aflição das mazelas do corpo doente, da prática artes de curar através do
espiritismo e do uso de medicamentos manipulados na farmácia no andar térreo do sobrado.
Um exemplar de um periódico - “A Fé” é anexado aos autos, na capa constava o nome de
Vicente Avellar como o redator-chefe. O endereço da redação do folhetim e do sobrado eram
os mesmos, rua São Cristovão, 201, Rio de Janeiro. Também foi anexado um cartaz que estava
preso na parede da sala. Nesse cartaz constavam as normas de consultas da Sociedade
Scientífica de Estudos Philosóficos Jesus Nazareno. Esses documentos anexados pelo inspetor
sanitário, segundo seu entendimento, comprovavam a existência das práticas de curas e de
espiritismo.
O advogado de defesa alegou que o inspetor sanitário invadiu a casa do acusado,
praticou atos de violência, cometendo abusos, convocando Avellar para prestar declarações,
sem quaisquer tipos de esclarecimentos de quais seriam seus objetivos e quais denúncias teria
ido apurar. Com todas as lacunas existentes, o processo seguiu seu rumo e Vicente Avellar foi
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1276
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
interrogado pelo juiz Eliezer Gerson Tavares, na Casa de Audiência do Juízo dos Feitos da
Saúde Pública. Ele negou exercer a medicina em qualquer uma de suas formas, que não
praticava a magia, ciências ocultas ou espiritismo, afirmando que como presidente da Sociedade
referida, distribuía aos seus associados beneficências cujas naturezas não soube explicar.
Perguntado sobre os bancos e a mesa colocada sobre um tablado, ele explicou que eram usados
para sua profissão e também usa o espaço para reunir os membros da Sociedade Beneficente
Scientífica Jesus de Nazareno, negando ter ligação com a medicina e o espiritismo. Pode-se
perceber que a declaração foi uma das estratégias de Avellar para fugir da repressão sanitária,
pois negando as práticas mágicas e do espiritismo, negava estar inserido nas infrações sanitárias
previstas nos artigos 250 e 251, e nos crimes previstos pelo Código Penal, artigos 156 e a157.
Apontar as falhas no processo, não significa realizar aqui uma análise jurídica dos
procedimentos processuais penais e sim confrontar as alegações do advogado de defesa com as
declarações do inspetor sanitário. Primeiro questionamento: se realmente a testemunha
Adelaide estava com frascos de remédios e receita nas mãos, como esses objetos não foram
apreendidos como prova do delito? O inspetor deixou escapar uma prova? Ele deixou de
apreender uma prova, que seria irrecusável para comprovar a acusação. O advogado de defesa
alega que a referida prova não existia, “porque só se deixa escapar algo que existe, não sendo
o caso do frasco de remédio e da receita”, o que lembra um dito jurídico transcrito por Maggie
(1992:24), “o que não está nos autos, não esta no mundo”, ou seja, o advogado levanta a
hipótese da materialidade desses objetos, também da farmácia no andar térreo. A dita farmácia
nunca existiu. Segundo questionamento: quem o denuncia? Na declaração do inspetor sanitário
ele não faz qualquer alusão de como tomou conhecimento da infração e como chegou ao
endereço do acusado. Terceiro questionamento: a testemunha Frederico Martins dos Santos
encontra-se em dois lugares contraditórios: acompanhante do Dr. Sebastião Barroso para
averiguações (parte acusatória) e ao mesmo tempo no sobrado ao lado de Vicente Avellar (parte
da defesa), recebendo o inspetor sanitário. Quarto questionamento: de onde surgiu Azevedo
Lima, mandado ser intimado para testemunhar, sem constar no ofício da infração sanitária?
Esses questionamentos são as lacunas que não foram preenchidas durante o processo e mesmo
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1277
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
629
De acordo com os artigos 156 e 157 do Código Penal, a pena máxima prevista era de seis meses de prisão
celular.
630
Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro, Gazeta de Noticias, 24/08/1904.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1278
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
enclausurados em demandas reprimidas por muitos anos, como o foi o caso da liberdade
religiosa e do casamento civil, ganharam liberdade (MARQUES, 2015:198). Estavam, no
entanto, amparadas por concepções antes da proclamação e que continuaram a tremular tanto
no ideário do novo regime de governo, quanto em vários grupos que, mesmo não participando
diretamente da inversão governamental, alimentavam a ideia de que a ciência poderia, e deveria
regular os rumos da nação em todas as suas esferas, como defendiam médicos e juristas. Por
outro lado, ao ser enquadrado nos “Crimes contra a saúde pública”, o espiritismo não faria parte
do conjunto de saberes e práticas tidas como legítimos do ponto de vista jurídico.
Não somente no caso de Ventura encontramos referência ao uso das ervas, mas em quase
todos os casos analisados ligados as diversas práticas de curas vinculadas a religião professada
pelo agente de cura. Usadas para as mais diversas utilidades, desde chás, vomitórios, purgantes,
banhos e também para “feitiços de amor”. Constatamos em quase todos os artigos sobre
curandeiros e/ou feiticeiros publicadas nos periódicos ou nos processos criminais, nos relatos
dos objetos apreendidos as ervas sempre estavam incluídas. Juana Elbein (1995:58) em suas
análises voltadas para os nagôs no contexto da morte, na Bahia, diz que existem ervas para
quase tudo, para conseguir alegria, amor, dinheiro, paz. Também para as tristezas, misérias,
631
Arquivo Central do Tribunal do Júri do Estado do Rio de Janeiro - Inquérito Policial, Caixa 00.679.473-
7/RECALL, Vara Única de Nova Friburgo, ano 1915, Ventura José Romão.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1279
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
para vencer inimigos, atenuar sofrimento de alguém, para boa memória, teimosia, para escapar
da prisão, para achar objetos perdidos e ainda outros fins.
Na cosmogonia africana as ervas são utilizadas para vários ritos, inclusive para os
procedimentos de curas de doenças. O sistema de classificação das folhas esta diretamente
relacionada às propriedades que lhe são atribuídas. Ribeiro (1996:170) explica que Osanyn632
é o orixá da essência do mundo vegetal, conhecedor das possibilidades terapêuticas de todas as
plantas. É o segredo sagrado das folhas, que permite a esta divindade o acesso a um saber de
vital importância. Osanyn representa os segredos e as virtudes medicinais das ervas, ele detém
o encantamento capaz de “transformar” uma folha profana em sagrada. Osanyn é considerado
na cultura yorubana, a seiva da vida. As funções protetoras das ervas aparecem no discurso da
cura, como um arcabouço, sempre somadas a outros ritos, como rezas, orações, baforadas.
Proteção significa auxílio, ajudar, abrigar, dedicação à pessoa ou a coisas. A proteção estabelece
a ligação entre os dois mundos: visível e invisível. Nas religiões de matrizes africanas a vida
não pode ser pensada sem as ervas. Quando e como usar determinada erva? Qual é a indicada
para cada necessidade do cotidiano? (GEERTZ, 1989:108)633 Tudo irá depender a que finalidade
será destinada. Em qualquer caso do uso das ervas, a elas são sempre agregadas rituais e
simbolismos próprios a cada auxílio pretendido.
Nesse complexo cultural, medicina e magia recebem a mesma denominação em virtude
da semelhança de suas práticas:
Magia e medicina, estreitamente relacionadas, pressupõem a ação de forças
sobrenaturais no universo e a possibilidade humana de exercer controle sobre tais
forças. Enquanto artes do uso de recursos e forças naturais para preservar ou restaurar
a saúde, estando sob o domínio de Osanyn; apóiam-se na crença de que a divindade e
espíritos auxiliam a cura e que certas substâncias da natureza possuem qualidades
inerentes, de significados ocultos; fazem uso dos encantamentos (RIBEIRO, 1996:
171)
632
Osanyn é uma divindade do complexo cultural yorubano, tendo seu domínio na floresta e sendo o responsável
pelas ervas (folhas), portador dos encantamentos que sacralizam as plantas, tornando-as curativas. Na cosmogonia
africana as folhas são utilizadas em todos os ritos sagrado. Osanyn deu folhas para cada orixá do panteão yorubá,
mas o segredo e o encantamento guardou para si, quando se usa uma determinada folha , os orixás sempre o
reverenciam para que elas sejam portadores de axés (força) e seus ofós (que são cantigas de encantamento), sem o
que elas não funcionam.
633
CF o autor, argumenta de que os padrões culturais são modelos, que eles são conjunto de símbolos cujas relações
uns com os outros modelam as relações entre as entidades, os processos nos sistemas físicos, orgânicos, sociais ou
psicológicos. Os “modelos para” dizem respeito ao aprendizado automático, os “modelos de” dão significados a
forma psicológica e social, são as relações expressas no simbólico.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1280
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Maria Antonia Machado, uma das testemunhas encontradas no local, também foi a
denunciante, preta, de 22 anos, lavradora, solteira, morando perto de Ventura o procura para
socorrer seu irmão que estava doente. Maria falou que ele deu um “banho de sapo” em seu
irmão e após isso o mesmo veio a falecer. O que seria esse banho? Ela em seu testemunho, disse
que Ventura mandou pegar um sapo e o banhou por algum tempo, após retirou aquela água e
mandou que dessem um banho em seu irmão. Se o irmão (não é identificado) veio a óbito pelo
dito “banho de sapo” não teremos como saber, pois mais detalhes sobre o procedimento não
foram mencionados.
Ventura José era reconhecido na comunidade em que estava inserido por suas práticas
mágicas, de “feiticeiro”, de fazer “cangerê”, todas as testemunhas o acusam, dizendo que
sabiam de suas práticas. Não entendiam o que ele fazia, que “falava umas palavras que não
conheciam”, em uma “língua estranha, própria da feitiçaria”.
Ventura durante o interrogatório, disse chamar-se Ventura José Romão634, ter 36 anos,
ser nacional, viúvo e morar “por misericórdia” nas terras de Ricarda Machado, que lhe cedeu
uma casinha. Diz não ser feiticeiro, porque não fazia nada de mal às pessoas que o procuravam,
só “trata” delas, “que elas vão lá por sua livre vontade”, que onde mora é difícil encontrar um
médico, assim ele aprendeu com seu avô “certas coisas” para poder ajudar. No interrogatório,
lhe foi perguntado como ele procedia para socorrer as pessoas e como o fazia, ele responde: “...
com rezas, faço fechamento de corpo usando agulhas novas virgens, contra mordidas de cobra,
de cachorro, também compressas para febres dos pântanos...”, alega não saber fazer nada com
sapos, porque isso pertence aos “feiticeiros”, ou seja, a magia maléfica. Ele não se reconhece
como feiticeiro, embora nas páginas do Inquérito conste o “feiticeiro Ventura Romão José”,
escrito pelo delegado Paim. Alguns daqueles a quem socorreu pagaram pelo atendimento outros
não.
Com suas respostas Ventura tentava se livrar da prisão, mas não negou que usava de
práticas mágicas, que foram aprendidas por tradição oral. Reconhece que alguns socorridos
pagaram pelo seu atendimento. Instaurado o inquérito, foi confirmada a prisão do “feiticeiro”
Ventura, incurso nos artigos 157 e 158 do código pena republicano, pela prática da magia,
634
Arquivo Central do Tribunal do Júri, Rio de Janeiro, Caixa 00.679.473-7/RECALL, Cartório: Vara única de
Nova Friburgo, 1915; Ação: Curandeirismo, Ventura José Romão.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1281
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações Finais
A perseguição aos mais diferentes praticantes de cura, na maioria das vezes, esteve
ligada à repressão os cultos de negros e pobres, nos quais se identificavam matrizes culturais
de origem africanas, consideradas bárbaras, atrasadas e, por isso, um sério entrave aos padrões
europeus de civilização e cultura desejados para o Brasil. A herança colonial devia ser
extirpada, as práticas mágico-religiosas eram um dos sinais de atraso, levando há uma grande
perseguição aos curandeiros, principalmente os negros, classificados de charlatães pelos
médicos e atacados, tantas outras, pelos periódicos.
Avellar era espírita, mas para o entendimento das autoridades sanitárias e policiais, suas
práticas também poderiam estar contidas no universo mágico Nosso curandeiros/feiticeiro
Ventura José Romão pertencia ao estrato mais pobre da camada da população, era negro
detentor de saberes mágicos, provável ter aprendido com seus antepassados, transmitidos pela
tradição oral, que o fizera respeitado na comunidade em que estava inserido. Morador de
Friburgo faz-nos constatar que a repressão ao curandeirismo/feitiçaria esteve presente em
lugares mais distantes, além das fronteiras da cidade do Rio de Janeiro. A repressão aos cultos
religiosos de matriz africana não se fez somente pelo discurso de uma Capital Federal aos
padrões europeus.
A primeira República no Brasil foi contraditória e autoritária em várias situações. Em
relação às práticas de curas não foi diferente. O Governo Provisório torna lei uma das promessas
da República, a garantia de liberdade de cultos e a desvinculação entre Igreja e Estado. Mas o
Código Penal cria mecanismos que possibilitam a perseguição, prisão e ações de arbitrariedade
em relação a todos aqueles que se dedicavam os ofícios de cura
no âmbito da cultura popular, colocando-os à margem da legalidade.
635
Assim consta na capa do Inquérito Policial de Ventura José Romão.
1282
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
COSTA, Valéria e GOMES Flávio (orgs.). Religiões negras no Brasil: da escravidão à pós-
emancipação. São Paulo,Selo Negro Edições, 2016.
SANTOS, Juan Elbein. Os Nagôs e a Morte: Pàdè, Àsèsè e o culto Ègun na Bahia. 7ª,
Petrópolis: Vozes, 1993.
RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma africana no Brasil – os Iorubás. São Paulo: Oduduwa, 1996.
1283
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
636
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Projeto sob Orientação da Prof. Drª Adriana Barreto de Souza. Linha de Pesquisa: Relações de Poder,
Linguagens e História Intelectual. Bolsista CAPES.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1284
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1285
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
numa conversa a dois, a fim de reduzir as distâncias entre os sujeitos envolvidos. Ou seja,
para o estudo dos indivíduos na história, as correspondências pessoais são vestígios
fundamentais para o ofício do historiador. “Trata-se de escrita de si, na primeira pessoa,
na qual o indivíduo assume uma posição reflexiva em relação à sua história e ao mundo
onde se movimenta” (MALATIAN, 2009, p.195).
Desse modo, na perspectiva de reduzir distâncias entre os atores históricos, as
correspondências simbolizam “uma escrita de si que constitui e reconstitui suas
identidades pessoais e profissionais no decurso da troca de cartas” (GOMES, 2005, p.52).
Por esse viés, pode-se inferir que a prática epistolar corresponde também a uma prática
cultural, a um hábito social de extrema relevância ao longo do século XIX. Logo, o estudo
da prática epistolar confere outra grandeza às relações de sociabilidade durante esse
século, uma vez que a “correspondência pessoal de um indivíduo é portanto um espaço
definidor e definido pela sua sociabilidade”. (VENANCIO, 2001, p.32) Sendo assim, no
presente estudo, adota-se, como o aporte documental e como fonte principal de análise,
as correspondências pessoais trocadas entre José Antônio Correa da Câmara (Visconde
de Pelotas) e Manuel Luís Osório (Marquês do Herval). Apresenta-se, a seguir, a tabela
expositiva referente às correspondências pessoais recebidas pelo Visconde de Pelotas,
entre os anos de 1869-1879, na qual se ressalta o grande fluxo de correspondências do
Marquês do Herval. Todavia, na perspectiva de melhor compreender a dinâmica dessa
relação, entende-se que é de grande importância também, a exploração das cartas
enviadas por Câmara ao general Osório, as quais se encontram disponíveis à consulta no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Remetente Número de Missivas Porcentagem
1286
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1287
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nesse sentido, entende-se que a elite, mais especificamente a elite política, é definida
não somente pelo aparato burocrático estatal, ao contrário, a elite “possui uma origem
social descentralizada, muitas vezes estrategicamente articulada nas instituições da
sociedade civil” (NORONHA, 2008, p.26). Ou seja, a elite política não pode ser
caracterizada exclusivamente pelas suas proximidades embrionárias do tipo econômicas,
culturais e sociais, mas devem ser vistas como uma relação de troca ou possível
alinhamento estrutural. Tal alinhamento, por sua vez, muitas vezes, pode considerar a
garantia da reprodução ou os fundamentos necessários para a manutenção dessa prática.
De qualquer forma, nesta pesquisa não se pretende discutir de maneira mais ampla o
conceito de elite ou a própria Teoria das Elites. Contudo, observou-se a necessidade de
elaboração destas considerações, sobretudo, para definir quais os elementos e os limites
conceituais relevantes para o estudo de indivíduos pertencentes à elite política sul-rio-
grandense.
Oriundos de famílias com tradição na carreira militar, José Antonio Correa da Câmara
e Manoel Luís Osório ingressaram no exército ainda muito jovens, por volta dos 15 anos.
Manoel Luís Osório, natural da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Arrôio, nasceu
em 10 de maio de 1808 e faleceu em 04 de outubro de 1879, na cidade do Rio de Janeiro.
Osório participou com grande destaque em diversos conflitos, como por exemplo, a
Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852). As suas contribuições com o Império,
aumentavam gradualmente a sua confiança e o seu prestígio político no Prata, bem como
a Corte. Como consequência disso, assume o comando do I Corpo do Exército Imperial
na Guerra do Paraguai e, após grande empenho, no ano de 1877, torna-se Marechal do
Exército.
José Antonio Correa da Câmara, o 2º Visconde de Pelotas, nasceu em Porto Alegre,
no dia 08 de Fevereiro de 1824 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1893. Ingressou na carreira
militar de forma voluntária, em 1839, atuou contra os farroupilhas e participou também
da guerra contra o Estado Oriental (1851-1852), bem como da Campanha do Uruguai
(1864-1865). Ao ingressar na Guerra do Paraguai, já possuía uma boa experiência em
campos de batalha, sustentando o posto de Tenente-Coronel. A atuação de Câmara, em
solo paraguaio, iniciou no ano de 1866, logo após, foi promovido a Coronel. Em 1868,
destacou-se em confrontos decisivos, chegando no mesmo ano, ao posto de Brigadeiro
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1288
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1289
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1290
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1291
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
século XIX, por membros da elite, de certo modo, não significava apenas o simples desejo
e a necessidade de representação com relação ao governo imperial. Pelo contrário,
simbolizava a “expectativa dos seus familiares, das suas clientelas e dos seus eleitores e
aliados políticos” pela diminuição da amplitude existente entre as suas localidades e a
Corte. (VARGAS, 2008, p.55-56)
Em missiva do dia 12 de Janeiro de 1872, da cidade de Pelotas, assim como nas cartas
supracitadas, de mesmo contexto, o general Osório mostrava ao general Câmara a sua
preocupação com os alinhamentos políticos da província e, além disso, sugeria a
introdução do colega nas próximas eleições. “Diga-me francamente se lhe parece que
devemos ou não tratar de eleições futuras e que providências tem tomado a respeito o
centro liberal de Porto Alegre” (12/01/1872) (Fundo General Câmara -IHRGS). As redes
de sociabilidades, em vista disso, uniam-se com o objetivo de elevar membros de sua
convivência ao cenário político. Tal conquista, lhes concederia “acesso mais qualificado
ao núcleo político do Império e lhes conferia o poder de captar recursos materiais (terras,
escravos, animais, cargos, dinheiro) e imateriais (títulos, favores e prestígio social) para
as suas províncias” (VARGAS, 2008, p.46)
Em outras palavras, neste trabalho ressalta-se a relevância dos documentos pessoais,
em especial, as correspondências pessoais, para o estudo dos indivíduos na história. Sobre
essa questão, Ângela de Castro Gomes, em uma de suas contribuições acerca da escrita
de si, aponta que “o documento não trata de ‘dizer o que houve’, mas de dizer o que o
autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um
acontecimento.” (GOMES, 2004, p.14) Exemplo disso, pode-se visualizar através de
trecho da correspondência enviada por Manuel Luís Osório ao Visconde de Pelotas, no
dia 24 de Abril de 1872, no qual o remetente, como sugerido por Gomes, como um
expectador do seu tempo, avalia a conjuntura política, próxima às eleições, da seguinte
forma: “[...] Sinto com efeito que os conservadores tem tanto o trabalho de
desacreditarem-se uns aos outros e neste estado só a preguiça dos nossos os pode salvar.”
(24/04/1872) (Fundo General Câmara - IHRGS)
Assim, entendidas não apenas como objeto de aproximação entre os atores históricos,
as correspondências desnudam características, posturas e interpretações dos seus
remetentes, muitas vezes, não observadas pelos historiadores ao trabalharem com outras
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1292
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FONTES MANUSCRITAS
Correspondências recebidas por José Antônio Correa da Câmara. Fundo General
Câmara do (IHGRS).
Correspondências remetidas por José Antônio Correa da Câmara a Manoel Luís Osório
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
FONTES IMPRESSAS
CAMARA, Rinaldo Pereira da. Marechal Câmara: sua vida militar (v. 2). Porto
Alegre: Livraria do Globo, 1970.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1293
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CAMARA, Rinaldo Pereira da. Marechal Câmara: sua vida política (v. 3). Porto
Alegre: Livraria do Globo, 1979.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Janaína; FERRERA, Marieta de Moraes (orgs.). Usos e abusos da história
oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem : a elite política imperial e
Teatro das Sombras: a política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
_________________________.Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma
discussão conceitual. Dados, v. 40, n. 2, 1997. Em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200003
CHARLE, Christophe. Como anda a história social das elites e da burguesia? Tentativa
de balanço crítico da historiografia contemporânea. In: HEINZ, F. (org.). 2006. Por outra
História das Elites. Rio de Janeiro : FGV.
COMISSOLI, A. A serviço de Sua Majestade: administração, elite e poderes no
extremo meridional brasileiro (1808c.-1831c.). Rio de Janeiro, RJ. Tese de Doutorado.
PPGHIS-UFRJ, 2011.
COMISSOLI, Adriano; COSTA, Miguel Ângelo da. Estrelas de primeira grandeza:
reflexões sobre o uso de redes sociais na investigação histórica. MÉTIS: história &
cultura – v. 13, n. 25, p. 11-30, jan./jun. 2014.
DORATIOTO, Francisco. General Osório: a Espada Liberal do Império. Companhia
das Letras, 2008.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
FERTIG, André; GRÜNDLING, Guilherme. O General Câmara na Guerra do
Paraguai através de suas correspondências. ESTUDIOS HISTORICOS, Uruguay,
Año V, Nº 10, Julio 2013.
FERTIG, A. A. . 'Minha querida Maria Rita': o General Câmara na campanha do
Uruguai (1864-1865) através de cartas a esposa. Revista Brasileira de História &
Ciências Sociais, v. 4, p. 231-245, 2012.
1294
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1295
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1296
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para o bom acolher, reformas! A Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores entre os
anos 1942-1952.
GUILHERME DOS S. C. MARQUES
PPGHS/UERJ-FFP. FAPERJ
637
Além dos alojamentos, destacamos a construção de uma caixa d’água com capacidade para 400 mil
litros, que veio a solucionar o problema de falta na hospedaria; assim como a construção de dois tanques
biológicos visando o tratamento do esgoto produzido na hospedaria.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1297
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
atividades do período é enfático nesse sentido, sintetizado, como no ano de 1944, apenas
em “obras de vulto não foram iniciadas neste ano” (BRASIL, 1944).
Entendemos que a utilização do espaço da Hospedaria para fins prisionais
acarretou na deteriorização da própria estrutura de recepção ali existente, daí a uma
subutilização da hospedaria. As áreas não utilizadas com o mesmo vigor de outrora se
tornariam obsoletas gerando a necessidade de um novo incentivo e encaminhamento de
reformas e reconstruções na Hospedaria para a recepção das levas de imigrantes, com
destaque aos refugiados de guerra, que se anunciava com o término do conflito.
É na esteira dessas preocupações que, ainda no período de guerra, em 1942, o
presidente do Departamento Nacional de Imigração (DNI), o Sr. Henrique Dória de
Vasconcelos, retoma a Hospedaria da Ilha das Flores como centro dos debates sobre a
política imigratória. Em sua exposição ao ministro do Trabalho, Dória de Vasconcelos
deixa clara a necessidade de se intervir na Hospedaria, reaparelhando-a com o que há de
mais moderno para, além de reativar o centro administrativo de recepção do governo,
proporcionar conforto aos imigrantes em suas funções de recepcionar, alojar e
encaminhar (VASCONCELOS, 1942).
Para o fim de recepção e alojamento do afluxo que se avistava “após a guerra”,
segundo a exposição de Dória de Vasconcelos, as instalações da Hospedaria da Ilha das
Flores seriam suficientes e adequadas para hospedar durante seis dias, tempo previsto na
legislação. Todavia, a própria exposição contesta tal ponto de vista quando denota que
apenas 1.129 leitos estão disponíveis ao uso, distribuídos nos pavilhões 1, 2 e 4; estando
o pavilhão 3 “imprestável”. A este quadro, acrescenta que tão somente o pavilhão 4 estaria
em condições totalmente adequadas à recepção, estando de acordo com as exigências
requeridas para a hospedagem de imigrantes, tendo neste tão somente 369 leitos
(VASCONCELOS, 1942:41).
Seguindo o pensamento de Dória de Vasconcelos, era necessário um plano de
reformas das instalações presentes na Ilha para transformá-la numa “Hospedaria
moderna”. Através da comissão do Departamento, ficou constatada a necessidade de
obras e reformas nas seguintes edificações: cais de desembarque, pavilhão de recepção e
administração, refeitório e alojamentos de casais, cozinha e copa, pavilhão sanitário,
pavilhão de alojamento, pavilhão clínico, residências de funcionários, pavilhão de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1298
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
638
Nesse específico, nos referimos, em grande parte, a anexação de países do leste europeu pela União
Soviética (URSS).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1299
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dispunha-se que a imigração dirigida, sendo esta feita pelo poder público, empresa ou
particular, promoveria a introdução dos imigrantes, os hospedando até os localizar em
seus destinos (BRASIL, 1945). Não obstante, o espaço receptivo, ainda que não
nominalmente descrito, mas que se caracteriza como o único oficial da União, era a
Hospedaria da Ilha das Flores.
No mesmo ano da promulgação do decreto-lei, um dos mais importantes jornais
cariocas noticiava que o Ministério do Trabalho havia autorizado a realização de obras na
Hospedaria. Como manchete, o Diário de Notícias (1945:4) direcionava que tais
empreendimentos tinham em vista o aproveitamento da “excepcional oportunidade que a
guerra está a abrir, de obtenção de uma volumosa e selecionada corrente imigratória”.
Assim, em meio a tantas mudanças na política imigratória, não surpreende que em
1946 a Revista do Comércio (1946) realizou uma mesa redonda com notáveis nomes da
política imigratória nacional, estando dentre eles: Artur Hehl Neiva (primeiro delegado
da Comissão de Seleção de Refugiados na Europa, seria nomeado em outubro de 1946),
Péricles de Carvalho (diretor do Departamento Nacional de Imigração) e João Martins de
Almeida (diretor da Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores), entre tantos outros
especialistas. O tema da mesa era sugestivo em um período que se anunciava a presença
de agricultores e técnicos espalhados por toda a Europa, enfim, questionavam-se: “O
Brasil Precisa de Imigrantes?
Nesse momento, nos deteremos apenas em um pequeno trecho de todo o debate.
A questão levantada pela mesa, e direcionada para João Martins de Almeida então diretor
da Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores, se referia ao problema da recepção e
hospedagem dos imigrantes e sua estreita relação à presença ou ausência de
aparelhamento para triagem sanitária destes nos serviços de hospedagem do país. A
resposta do então diretor da hospedaria de imigrantes chama a atenção por dois motivos.
Primeiro, ainda que passados quatro anos do debate levantado por Dória de Vasconcelos,
nada havia mudado significativamente no cenário da estrutura de recepção imigratória no
Rio de Janeiro. Segundo, Martins de Almeida já estava como diretor da hospedaria havia
oito anos, e compreendia as demandas para uma boa recepção por dentro do sistema, quer
dizer, vivia as dificuldades e necessidades de reaparelhamento da instituição que dirigia.
Nesse sentido, transcrevemos sua resposta:
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1300
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1301
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Essa estrutura do jornal supracitado deve ser encarada como uma técnica de
diagramação buscando passar ao leitor que todos os setores que compunham a política
imigratória de então, com destaque a imigração dirigida dos refugiados de guerra,
estavam em perfeito diálogo. Em consonância, os responsáveis pela imigração em âmbito
estadual mostravam suas preocupações e ideias para que se pudessem aproveitar, ao
máximo, as levas que ora se anunciavam. Ao fim desta reportagem, os secretários ainda
indicam que se poderia criar uma estrutura de informação, anexa às Hospedarias,
“convenientemente aparelhada de modo a permitir que os imigrantes sejam informados
previamente das condições dos contratos que irão firmar com os empregados ou empresas
de colonização” (A NOITE, 1946:3).
As maiores transformações na estrutura da Hospedaria visando à recepção e
acolhimento dos refugiados de guerra começam a ganhar fôlego a partir de fins de 1946
e início de 1947. Pois, é a partir da experiência da chegada das primeiras levas que de
fato se vê a necessidade de transformações. Afinal, foi em princípios de 1947, mais
especificamente em março, que se iniciou o recebimento de cotas de refugiados, através
do Acordo de Londres de 1946, por imigração dirigida. É exatamente neste ano que se
registra a entrada de 3500 refugiados (FIGUEIREDO, 1948).
Notadamente, a questão da recepção na Ilha das Flores foi igualmente abordada
por Hehl Neiva, quando da publicação de extenso material após seu desligamento como
delegado da Comissão de Seleção na Europa. Publicado em 1949, atesta Neiva que
enquanto permaneceu na Europa, entre fins de 1946 e agosto de 1947, não se preocupava
com a questão da recepção a qual o Conselho de Imigração e Colonização (CIC) deveria
se ocupar e lhe passar as informações. Porém, tais estudos não foram desenvolvidos,
verificando apenas na prática da recepção as necessidades do espaço. Neiva afirmava que
com o recebimento das primeiras levas imigratórias, o Brasil, “que todo mundo diz poder
receber centenas de milhares de imigrantes”, via seu aparelho imigratório engasgar com
pouco menos que 2.000 refugiados. A este fato, imputa ainda ao diretor do DNI a
declaração “estar a Ilha das Flores abarrotada e que eu [Hehl Neiva] não tinha a menor
consideração, pois lhe mandava novo navio com perto de 900 imigrantes” (NEIVA,
1949:76).
1302
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1303
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1304
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1305
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1306
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1307
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sua capacidade profissional e ao mesmo tempo o trabalho pretendido viria atenuar, senão
compensar, a despesa com a hospedagem e assistência.
Após a análise de tal documentação, reafirmamos em nosso argumento a posição
central da Hospedaria da Ilha das Flores como espaço receptivo e de acolhimento, que,
para além de suas funções mais tradicionais, marcava o primeiro contato do refugiado da
Segunda Guerra no Brasil. Ali, entrava em contato pela primeira vez com a cultura do
país receptor, com sua comida, seus costumes e língua.
Desta forma, pela constante presença da reestruturação e readaptação da
hospedaria nas páginas de documentos oficiais, revistas especializadas e nos jornais, o
espaço receptivo era destacado enquanto tema importante a ser analisado, como etapa
fundamental no interior da política imigratória brasileira no pós-segunda guerra.
Documentação
14 mil imigrantes que o Brasil recebeu nos últimos quatro anos. A Noite. Edição 13155.
Rio de Janeiro, 16/04/1949. Hemeroteca Digital Brasileira/ Biblioteca Nacional.
860 Imigrantes no “General Sturges”. Diário Carioca. Edição 05790. Rio de Janeiro,
15/05/1947. Hemeroteca Digital Brasileira/ Biblioteca Nacional.
ALMEIDA, João Martins de. Hospedarias de Imigrantes. Revista de Imigração e
Colonização, Ano XII, nº2. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. Segundo semestre de
1951. Acervo Biblioteca Nacional
A Readaptação da Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores. A Noite. Edição 13141.
Rio de Janeiro, 30/03/1949. Hemeroteca Digital Brasileira/ Biblioteca Nacional
BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Departamento Nacional de
Imigração. Resumo das ocorrências mais importantes na Ilha das Flores, desde o ano de
1939. Rio de Janeiro, 1944.
BRASIL, Decreto-Lei 7.967 de 18 de Setembro de 1945.
Estudos e reportagens - O Brasil precisa de Imigrantes?. Revista do Comércio. Nº8.
Volume II, Ano II. Rio de Janeiro, Julho de 1946. Hemeroteca Digital Brasileira/
Acervo Biblioteca Nacional.
FIGUEIREDO, Morvan Dias de. Relatório referente ao ano de 1947 apresentado ao
Exmo. Sr. Presidente da República. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Rio
de Janeiro, 1948.
HAEGER, Charles. Dezenas de Milhares de Imigrantes para o Brasil. A Noite. Edição
12246. Rio de Janeiro, 26/11/1946. Hemeroteca Digital Brasileira/ Acervo Biblioteca
Nacional.
Imigração Intensiva para o Brasil. Gazeta de Notícias. Edição 00031 (1). Rio de Janeiro,
06/02/1949. Hemeroteca Digital Brasileira/ Biblioteca Nacional.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1308
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Medidas Urgentes para Fomentar a Imigração. A Noite. Edição 12426. Rio de Janeiro,
26/11/1946. Hemeroteca Digital Brasileira/ Acervo Biblioteca Nacional.
NEIVA, Artur Hehl. Deslocados de Guerra. A verdade sobre sua seleção. Rio de
Janeiro, 1949.
Recepção de Imigrantes. Diário de Notícias. Edição 06828. Rio de Janeiro, 25/01/1945.
Hemeroteca Digital Brasileira/ Acervo Biblioteca Nacional.
VASCONCELOS, Henrique Dória de. Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores.
Revista de Imigração e Colonização. Ano III, Ns. 3 e 4. Rio de Janeiro. Imprensa
Nacional. Dezembro de 1942. Acervo Biblioteca Nacional.
Bibliografia
COSTA, Julianna Carolina Oliveira. Hospedaria da Ilha das Flores: um dispositivo para
a efetivação das políticas imigratórias (1883-1907). Dissertação de mestrado.
PPGHS/UERJ. São Gonçalo, 2015.
1309
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1 – Introdução
Se o século XIX, na Europa, como bem sabemos, marca a ebulição de diversos novos
campos da ciência e de inovações tecnológicas, podemos facilmente destacar, neste
contexto, o surgimento em 1883 dos estudos de Francis Galton sobre a eugenia e, em 28
de dezembro de 1895, em Paris, a apresentação do “cinematógrapho” pelos irmãos
Lumière, que defendiam a máquina como um instrumento científico e sem o menor futuro
como espetáculo (BERNARDET, 1980). Ainda que durante a primeira metade do XX,
tanto a eugenia, quanto o cinema, tenham se expandido pelo mundo e, em muitos
momentos, distanciando-se de suas premissas originais, as propostas de Lumiére e Galton
não necessariamente se destoaram com o tempo.
Alguns modelos dessa relação entre cinema e eugenia podem ser encontrados em
pesquisas recentes, como no caso de Angela Smith (2012) e Kirby (2014), por exemplo,
que destacam a importância dos gêneros do Horror e da Ficção científica nas décadas de
1920 e 1930 na mobilização de representações sobre o tema. Neste sentido, entendo que
os filmes dirigidos por Humberto Mauro, com colaboração intelectual de Edgar Roquette-
Pinto, O Descobrimento do Brasil e Argila também se inseriam nesse universo de debates
sobre eugenia através de representações imagéticas que se articulam ao mundo social, de
certa forma, mantendo um diálogo com o real (CHARTIER, 1991).
Portanto, a defesa dessa relação entre cinema e eugenia, através de uma ainda breve
análise dos filmes, apresenta, acima de tudo, as primeiras impressões da pesquisa para
futura dissertação. Visto isso, antes de refletirmos sobre os filmes e suas representações,
observo a necessidade de compreendermos a diversidade na concepção de eugenia.
De forma geral, Nancy Stepan (2005) define o campo como uma ciência que
encorajava a administração “racional” da composição hereditária da espécie humana,
relacionando-a à raça, gênero e nacionalismo. No entanto, observando diferenças na
produção de discursos, a autora destaca dois grandes grupos separados, basicamente,
pelas suas percepções relativas à hereditariedade genética. Assim, enquanto aqueles
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1310
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1311
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1312
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1313
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como já exposto, em diversos níveis, por uma recente historiografia sobre o tema,
O Descobrimento do Brasil, tratou-se inicialmente de uma encomenda do Instituto de
Cacau da Bahia (ICB), em 1935, à Brasilia Films, sendo produzido por Alberto Campiglia
e filmado por Alberto Botelho e Luís de Barros. Eduardo Morettin (2013) revela que, em
um primeiro momento, tratava-se da encomenda de dois curtas metragens, sendo uma
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1314
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1315
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1316
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1317
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
realização da primeira missa. São esses dois grupos que, assim, desbravam o interior do
país através do trabalho e de um primeiro contato amistoso. Para os eugenistas europeus
(STEPAN, 2005), o Brasil possuía uma série de atributos que inviabilizariam seu
progresso, como o clima tropical, o exotismo e a mistura de raças, no entanto, Mauro
defende em suas imagens que, mesmo com todas essas características, representadas no
filme, essa formação é viável a partir do elemento do trabalho.
Enfim, o filme deixa a entender que, sem a exploração do “homem branco” à figura
do índio, o trabalho e a relação pacífica entre ambos poderia gerar, inclusive, o saudável
tipo sertanejo que ocupava o interior do Brasil e, para Roquette-Pinto (1975), era o mais
típico dos nossos elementos étnicos. Segundo Souza:
Já em Argila, filme produzido em 1940, pela Brasil Vita Filmes, as relações raciais
representadas aparecem de forma muito mais conflituosas, tendo como personagem
principal, desta vez, um operário do interior, próximo ao tipo sertanejo descrito por
Roquette-pinto e já retratado em outros filmes de Mauro. O longa conta a história de
Gilberto, artista do interior paulista muito interessado na arte Marajoara que, ao trabalhar
para Luciana, mulher da elite carioca, envolve-se em um relacionamento proibido que
põe em conflito dois mundos distintos. Enquanto Luciana planejava reabrir seus famosos
salões de arte, incentivar um projeto artístico nacional sob bases populares e contar com
o talento de Gilberto como grande vetor desse ideal, o círculo de uma intelectualidade
carioca, que a mesma frequentava, questionava seu “novo hobby”, o interesse pela arte
indígena.
1318
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1319
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Neste caso, Luciana não estava interessada nos padrões estéticos europeus, vistos por
Dr. Barroca e muitos eugenistas como o padrão positivo para casamentos e procriação.
Luciana estava interessada no tipo miscigenado, brasileiro, revelando mais uma vez a
presença do debate estético eugênico no filme, no entanto, contrário à posição arianista.
Vale destacar também que, mesmo sendo um operário humilde, explorado pelo patrão
e muito apegado à cultura popular, Gilberto é visto como um grande artista, que já viajou
pelo mundo, possuidor de conhecimento e boa educação. Como nos mostra Roquette-
Pinto (1982) em seus textos, este é, de fato, o ideal brasileiro, o homem que, mesmo
miscigenado, não é inferior, biologicamente, a outros tipos ou raças. Gilberto é o
brasileiro que, além de saudável, trabalhador e educado, valoriza as culturas de seu
próprio país. Essa projeção, na realidade, estava muito além das palavras de Roquette-
Pinto, representando, de fato, como mostra Almeida, uma própria política varguista de
formação nacional do novo trabalhador.
Enfim, o ceramista, desta forma, representava um tipo que contrariava, de muitas
maneiras, os mais diversos ataques das correntes eugenistas que viam no homem do
interior o velho Jeca-Tatu, de Monteiro Lobato, como preguiçoso, eugenicamente
negativo e destinado às doenças. Tanto Gilberto, quanto seu relacionamento com Luciana,
que não se consuma, representa essa valorização da miscigenação e da cultura do interior
como resistência em um contexto arianista e de crescimento da eugenia negativa pelo
mundo.
4 – Conclusão.
1320
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
vimos, estava imerso neste contexto e acreditava no potencial educador do cinema, como
ferramenta para construção de uma identidade nacional.
Deste modo, enquanto outras correntes defendiam seus posicionamentos em revistas,
como Renato Kehl, na literatura, como Monteiro Lobato, ou em jornais, como tantos
outros, era através principalmente do cinema educativo que Mauro e Roquette-Pinto se
posicionavam. Não só os filmes analisados demonstram isso, como, também, as centenas
de curtas-metragens produzidas pelo INCE para circularem em escolas e eventos
educativos, trazendo mensagens de higienização, incentivo à cultura e uma defesa dos
tipos nacionais e da miscigenação, opostas à eugenia negativa.
Filmes:
Argila. Direção: Humberto Mauro, produção: Carmen Santos. Rio de Janeiro (DF), Brasil
Vita Filmes, 1942.
O Descobrimento do Brasil. Direção: Humberto Mauro, produção: Instituto do Cacau da
Bahia, INCE, Ministério da Saúde e Educação. Rio de Janeiro (DF), 1937.
Thesouro perdido. Direção: Humberto Mauro, produção: Agenor Cortes de Barros e
Homero Cortes Domingues. Minas Gerais (Cataguases), Phebo Sul America Film, 1927.
Bibliografia:
ALMEIDA, Claudio A. O cinema como “agitador de almas”: Argila, uma cena do
Estado Novo. São Paulo: Annablume, 1999.
BARROS, José D'Assunção; NÓVOA, Jorge (Orgs.). Cinema-História: Teoria e
Representações Sociais no Cinema. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, 11 (5), 1991.
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FILHO, Pedro G. E. Roquette – Pinto: O antropólogo e educador. Rio de Janeiro: MEC
– INCE, 1955.
GOMES, Paulo E. S. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo:
Perspectiva/Edusp, 1974.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1321
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
KIRBY, David. The Devil in Our DNA. A Brief History of Eugenics in Science Fiction
Films. Literature and Medicine, N.26, 83-108, 2014.
LIMA, Nísia T.; SÁ, Dominichi M. de (Org.) Antropologia Brasiliana: ciência e
educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, Cinema, História. SP: Alameda, 2013.
PERNICK, Martin S. The Black Stork. Eugenics and the Death of “Defective” Babies in
American Medicine and Motion Pictures since 1915. Oxford: Oxford University Press,
1999.
ROQUETTE-PINTO, Edgar. Ensaios de Antropologia Brasiliana. São Paulo: Ed.
Nacional, 1982.
______. Rondonia: anthropologia – ethnographia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 6ª
edição, 1975.
SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: Ed.
UNESP, 2004.
SMITH, Angela. Hideous Progeny. Disability, Eugenics, and Classic Horror Cinema.
New York: Columbia University Press, 2012.
SOUZA, Vanderlei S. de. A eugenia brasileira e suas conexões internacionais: uma
análise a partir das controvérsias entre Renato Kehl e Edgard Roquette-Pinto, 1920-
1930. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, supl. 1, p.93-110, 2016.
______. Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro
(1905-1935). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2011.
STEPAN, Nancy L. “A hora da eugenia”: raça, gênero e nação na América Latina. Rio
de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.
TURNER, Graeme. O Cinema como Prática Social. São Paulo: Summus, 1997.
VIEIRA, João Luís. Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: a fábrica Atlântida.
In: GATTI, André; e FREIRE, Rafael de Luna (org). Retomando a questão da indústria
cinematográfica brasileira. Rio de Janeiro: Tela Brasilis, 2009.
1322
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
A crise política vivida no Brasil na década de 1960 já foi revisitada por diversos
estudiosos que procuraramentender as motivações do golpe de 1964. Apesar de vários
objetos já terem sido analisados, a literatura política deixou de lado o papel das frentes
parlamentares naquele processo, e o nosso trabalho se propõe a pensá-lo.
Por serem extraoficiais e por causa da parca acessibilidade das fontes, a atuação
das duas frentes parlamentares existentes na República de 1946 foi deixada de lado e
olhou-se prioritariamente para os partidos políticos. O que pretendemos com esse trabalho
é mostrar que a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Ação Democrática
Parlamentar (ADP) tiveram um papel relevante e intensificaram a crise política ao
materializarem projetos opostos e polarizadores.
A baliza temporal escolhida para a consecução da proposta são os anos de 1963 e
1964, por corresponderem ao período em que João Goulart se tornou chefe de governo e
chefe de Estado. Além disso, 1963 representa a única legislatura que começou com a
concorrência dos blocos suprapartidários, pois embora a FPN tenha sido criada em 1956
(legislatura 1955-1958), sua concorrente, ADP, só foi criada em 1961, com a legislatura
de 1959 já em andamento.
O trabalho está dividido em três seções. A primeira discute, em linhas gerais, as
principais características das frentes parlamentares. Serão observados também os
principais partidos políticos da época e suas relações com os blocos suprapartidários.Na
segunda seção, o foco residirá nas questões teóricas envolvendo a radicalização política
dos anos 1960. Assumimos a premissa da “paralisia decisória” (SANTOS, 1986) como
ponto de partida para entender a crise política, acrescentada às ideias de “veto players”,
que ajudam a entender o papel das frentes parlamentares no contexto. No último item,
iremos observar efetivamente a participação das frentes parlamentares no jogo legislativo.
1323
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1324
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
639
Entrevista de Saturnino Braga ao autor e a Maria Celina D’Araujo em dezembro de 2015.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1325
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1326
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1327
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nomes” (RIBEIRO, 2016, p.103). Como veremos na tabela a seguir, pode-se apontar uma
ingerência dos dois grupos nas indicações.
1328
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1329
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
640
Jornal O Semanário, Ano VIII, n. 354.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1330
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
641
Principal metodologia utilizada para aferir a coesão partidária, que consiste na diferença entre os votos
sim e não divididos pelo total, excluídas as abstenções.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1331
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1332
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1333
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ADP. No dia seguinte, quando o projeto de lei foi mais uma vez à votação, 51,6% dos
que sufragaram contrários à proposta eram da ADP.
Em relação à “reforma agrária”, a ADP atingiu o menor número em relação às
demais organizações pesquisadas, enquanto a FPN obteve um alto índice, mas ainda
abaixo da UDN e, principalmente, do PTB. No entanto, é importante que se diga que a
“abstenção foi a tônica geral em votações sobre reforma agrária” (RIBEIRO, 2016,
p.126). Destacamos o excelente desempenho obtido pela FPN no dia 26/07/1963, em uma
das tentativas de se obter quórum para votar o Estatuto da Terra (Projeto n.93-A). A FPN
votou coesa (1,0), tal como o PTB. No Projeto de Emenda à Constituição apresentado por
Bocaiúva Cunha (PTB-GB), foi a ADP que se destacou, com Índice Rice de 0,89,
contribuindo sobremaneira para rejeição da proposta.
Assim, nossa hipótese se confirma apenas parcialmente. Pelos números, pode-se
inferir que a FPN orientou voto em plenário nas temáticas consideradas polarizadoras; já
a ADP, cujos índices em geral foram baixos, destacou-se em alguns casos quando
comparada aos partidos políticos tradicionais.
Conclusão
A crise política vivida no Brasil na década de 1960 e que irrompeu no golpe de
1964 foi marcada por dois projetos distintos que se mostraram irreconciliáveis. De um
lado, umgrupo que lutava por questões que estavam na ordem do dia, especialmente as
Reformas de Base. Do outro, o medo de que essas reformas fossem uma porta aberta para
o comunismo. As frentes parlamentares materializaram esses projetos em um confronto
ideológico e radicalizado.
Atores que exerceram poder de veto pela intensidade das preferências, coesão
interna e incongruência de posições, os blocos suprapartidários intensificaram a “paralisia
decisória” dos anos 1960. Ao defenderem ideias distintas, sem possibilidade de acordos,
os grupos colaboraram para a manutenção do status quo.
Por meio da análise das comissões temáticas, destacando-se as permanentes,
vimos que as frentes tiveram muitos membros em espaços de alto interesse dos grupos,
como na de Relações Exteriores, cuja maioria era formada por integrantes dos blocos. Tal
hipótese se mostrou ainda mais plausível ao serem observados os cargos de comando das
1334
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
Jornal O Semanário.
Bibliografia
1335
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SOARES, Susan Margareth Sousa. O papel das comissões especiais na Câmara dos
Deputados: análise crítica da 51ª a 53ª legislatura. Monografia. Brasília: Câmara dos
Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), 2012.
1336
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
1337
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Contexto histórico
Ndongo e Portugal
1338
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Por conta do comércio com São Tomé, os sobados do Ndongo passaram por um
período de rápido avanço tecnológicono século XVI. O desenvolvimento da metalurgia e
aprodução local de novas ferramentas colaboraram para a descentralização do Império do
Congo (FONSECA, 2012). O empoderamento econômico foi então acompanhando por
lideranças políticas favoráveis à independência. A década de 1560 também foi marcada
pelo afastamento de Portugal e suas contrapartes congolesas. Entre 1561 e 1567, os
manicongos mantiveramsuas possessões fechadas aos portugueses, colaborando com o
contrabando pelo Ndongo e com a prosperidade da secessão.
O reino que viria a ser administrado por Nzinga obteve gradativa autonomia
graças às inovações do comércio com os europeus e com as economias americanas. Entre
1548 e 1583, o milho foi introduzido aos campos da região, seguido pelo porco, a
mandioca, o tabaco e o feijão (VANSINA, 2011, p. 685). Em 1556, a batalha do
Ndandemarcou a ruptura do Reino do Ndongo, a partir de então uma entidade territorial
que se organizava em torno dos ngolas. A ocupação portuguesa da costa se estabelece em
concomitância à expansão do novo estado, o que explica a disponibilidade de aliados.
Os portugueses tinham conhecimento de assuntos africanos pela contratação de
funantes, guias nativos e informantes da política local. Além deles, muitos europeus
serviram como lançados, comerciantes que viviam no interior de um território ultramarino
não ocupado (CADORNEGA, 1680). Os dois papéis foram essenciais para o
estabelecimento de fortificações e feiras. Como Angola foi empreendida para exploração,
a monopolização do comércio e dos tributos é a principal causa das guerras que se
seguem.
Em 1560, o navegador Paulo de Novais chegou à costa do Ndongo e protagonizou
a primeiravisita oficial de europeus àquela corte. A expedição observou as feiras e os
recursos dispostos no território. Apesar do acordo de voltarem com vinte mil homens para
ajudar o ngola, os portugueses retornaram para fundar São Paulo da Assunção de Loanda
(1576). Seu governador era escolhido a cada três anos e comandava os tratos ao lado do
Conselho Municipal. O território foi dividido entre capitães militares que viviam em
presídios no interior e deviam obter contratos de vassalagem dos sobados vizinhos.
Com a União Ibérica vêm a rivalidade com os holandeses e a perda de espaço nas
Índias Orientais. Os comerciantes portugueses então se voltam ao Ocidente. Entretanto,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1339
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Herança de Nzinga
Após a morte de Kia Kasenda, em 1592, seu filho Mbande Kiluanji assume a
responsabilidade de manejar os portugueses para seus objetivos. A relação do Ndongo
com Luanda passa por profunda deterioração em seu reinado, graças à cobrança cada vez
mais pesada de tributos e de escravos pelos ibéricos. A ocupação agora ditava as regras
na costa e na partebaixa do Kwanza. Além das costas, os portugueses passaram aorganizar
o interior do território com o controle de feiras e a construção de presídios.
1340
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1341
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
europeus, uma vasta rede de informantes locais e jagas alistados por Luanda. Entre esses
últimos, três nomes se destacaram no começo da ocupação do Ndongo: os jagas Caza,
Donga e Cassanje. O acordo entre eles compreendia o ataque a um rival comum e o envio
de armas e vinho, trato ilegal para as capitanias.Portanto, atingir o objetivo português
fortalecia também os grupos contratados.O fato de serem pagos com armamento
consolidava ainda mais seu controle nos territórios dilapidados do Ndongo.
O Ndongo herdado por Nzinga reflete as decisões de Vasconcelos. O português
governou entre 1617 e 1621, um período de secas frequentes, e obteve o avassalamento
de 190 sobas, dos quais 81 tributários oficiais. Luanda foi bem-sucedida para a coroa e
superou o Congo e o Ndongo no número de escravos exportados (VANSINA, 2011, p. 701).
O fim da obrigatoriedade do tráfico por Mbanza Kongo marcou a decadência daquele
império e abriu o caminhopara os jagas.
Apesar do progresso, a lealdade jurada diretamente aos colonizadores escondia a
desorganização do território, pela falta de lideranças legítimas. Esse problema era
ofuscado pela expansão do jaga Cassanje. A região agora tinha europeus que gastavam
seus recursos para conter desobediências, um rei exilado no Kwanza e um jaga que
ocupava o espaço dos que se digladiavam.
O cenário de caosfoi fundamental para o trajeto de Nzinga. A corte do Ndongo
era historicamente avessa ao mando das mulheres, mas ela soube fazer-se necessária e
usou as ferramentas que as circunstâncias lhe deram. Em sua infância, Nzinga foi educada
sobre os costumes do reino e aprendeu a ler e a escrever na língua dos brancos, graças a
portugueses que faziam negócios no Ndongo.Sua proeminência é uma possível
explicação para que em 1617, quando seu irmão assume o trono, um de seus primeiros
atostenha sido assassinar o único filho homem de Nzinga. O novo ngolatemia ser
ofuscado, ou mesmo perder o trono, para a linhagem matrilinear de sua irmã.
O ano de 1621 marca a transição do controle de Luanda para João Correia de
Sousa, enviado para rearticular a ocupação. Ele convida um representante do Ndongo
para negociar a paz e recebe Nzinga na capital da colônia.
Nzinga fez a viagem até Cabaça e depois até Luanda com grande séquito. Ao
chegar na cidade era carregada por seus servos, exibindo símbolos de autoridade. Durante
a audiência, ela chamou atenção pelos enfeites e um grande número de escravas, doadas
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1342
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pelos sobas. Não houve exageros no gosto de Nzinga para a negociação. Suas muitas
penas, pedras e donzelas eram uma mensagem aos europeus que aspiravam dominar o
território. A vestimenta cerimonial personifica a legitimidade de uma instituição política
que competia com os portugueses, a despeito da coabitação. O Ndongo e seu ngola eram
os representantes oficiais daquela região.
Além dos distintivos, a audiênciafoi uma disputa de representação por outro
motivo. Na sala em que as discussões aconteceram só havia uma cadeira; a de João de
Sousa. Para o cerimonial do encontro, Nzinga deveria sentar-se no chão, denotando a
situação de vassalagem do Ndongo. Sem muitas alternativas à surpresa, a irmã do ngola
ordena que uma de suas criadas se ajoelhasse como um banco improvisado. A solução foi
uma mensagem eficaz aos portugueses. A emissária e o governador conversaram como
iguais, não como um pedinte a um senhor.
O principal do que foi acordado dizia respeito à restituição da paz entre o ngola e
o rei ibérico. O aceite dado pelo governador demonstra a percepção de que o Ndongo
esfacelado nunca seria lucrativo para a coroa. Entre os negociantes, oterrain d’entente era
a ameaça do jaga Cassanje, beneficiado pela corrosão dos poderes tradicionais. Ele que
fora um aliado da colonização agora era forte demais para estar entre os colonizados.
Apesar do inimigo comum, Nzinga se recusou a assinar a submissão. Em seus termos, o
reino deveria ser independente e aliado dos europeus.
Nzinga ficou mais tempo em Luanda e converteu-se ao cristianismo como Anna
se Sousa. Como cristã, Nzinga, que já ocupava um lugar de articulação entre duas
instituições, passa a estar mais próxima dos portugueses que seu irmão. A importância
dessa decisão pode ser evidenciada de duas formas. No Ndongo, ela acabara de ofuscar o
próprio ngola. Em Luanda, sua conversão assegurava o direito de corresponder-se com
cardeais e com o próprio pontífice, fortalecia seu pleito por igualdade como católica e
suscitava simpatia por seu papel como representante africana.
Num cenário em que Mbandi é o herdeiro legítimo, ofuscá-lo através da conversão
foi um gesto ousado, mas necessário. A visita de Nzinga como emissária foi uma
oportunidade para articular aceitação em Luanda e usar a colonização a seu favor. Sua
conversão significa o estabelecimento de relações de proximidade com o Ndongo.
Mbandi teve o tato político reprovado quando, após o retorno da comitiva, recusou ser
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1343
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1344
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
irmão. Longe das forças de Luanda, ela enviava caravanas aos sobas que apoiavam os
portugueses, tentando convencê-los a trocar de lado, enquanto mantinha os canais abertos
com os europeus, como cristã e como súdita de D. Filipe.
A dissimulação de Nzinga era um modo de dissuasão; enquanto os portugueses a
vissem como um possível trunfo para a ordem no Ndongo, ela estaria protegida de
tentativas que a tirassem do jogo pelo poder. A evidência de suas intenções vem do ataque
surpresa que ordena contra o novo ngola, na saída da fortaleza de Ambaca. Caso tivesse
funcionado, o plano seria perfeito para o pleito de Nzinga. Com Kiluanje morto, ela seria
incontestável na disputa pelo trono. O problema é que 35 soldados dos que estavam na
fortificação foram deslocados para auxílio do ngola e, apesar de o terem protegido, 3 deles
morreram.
A morte dos portugueses na emboscada funcionou como o causus belli que João
de Sousa esperava para começar as expedições. Enquanto isso, Nzinga decide fazer uma
aliança com quem havia sido seu inimigo; o jaga Cassanje. Ambos viam no novo ngola e
nos europeus suas principais ameaças e decidiram cooperar para enfraquecê-los. Outra
providência foi seu acordo com os sobas do Matamba. O crescimento dos portugueses
havia convencido as lideranças ainda livres de que era preciso unir a resistência. Nzinga
foi então coroada soberana do Matamba, enquanto as elites do reino mantinham poderes
locais. Neste período ela também se tornou tembanza, sacerdotisa dos jagas.
A segunda coroação, a aliança com Cassanje e o título de tembanza mostram a
importância das legitimidades institucionais para o ambiente em que Nzinga se articula.
A personagem se torna um reflexo do momento vivido por toda a região. Seu gênio e suas
circunstâncias reais eram qualificações adequadas aos desafios da política de então,
chegando ao ponto de não haver rivais à altura para liderar a resistência.
A ocupação portuguesa e a mobilidade demográfica que ela desencadeia
reconfiguram de modo irreversível a composição do Matamba. A chegada de nova
população ao território teve no mínimo dois impactos favoráveis a Nzinga. O primeiro é
o enfraquecimento econômico e militar do lado europeu da disputa enquanto o número
de súditos do outro aumentava. Além disso, a forte onda migratória enfraqueceu os
sobados locais, dando mais preponderância ao poder central do reino. O novo cenário que
1345
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1346
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
houve ataques a Andala Quesuba, importante feira de escravos. O emissário enviado por
seu grupo foi condenado à morte, ainda durante a visita.
Nzinga sabia que repetir a jogada não surtiria efeitos. É plausível considerar que
a embaixada aos portugueses tenha servido de simulação para sua própria base. Sabendo
do interesse do jaga em evitar novo cenário de guerra contra os europeus, a rainha do
Matamba fez uso de seus guerreiros pela última vez.Seu propósito erasabotá-lo
propositalmente para enfraquecer um produtor de seu inimigo.Essa possível explicação
se baseia também no fato de que, após o insucesso da negociação, o jaga Kasa rompeu
sua curta aliança com Nzinga.
Após a separação, o principal foco da resistência monta acampamento na ilha
Cataxecacollo, no Kwanza. Nessa época, a reação dos portugueses e a percepção de que
o Matamba poderia reincorporar a ameaça centralizadora do Ndongo faz com que o jaga
Calanda passe a apoiar os brancos. Na mesma época, Nzinga se aproxima do jaga Caiete.
Ela sabia que a legitimidade das grandes instituições não bastaria para vencer o conflito.
Pelo contrário, sua figura era um problema secundário para os líderes menores apenas por
conta dos portugueses.
O começo de 1627 trás boas notícias para Nzinga. O ngola apoiado pelos
europeus, Are a Kiluanje, havia morrido de varíola e desde dezembro era seu irmão,
Ngola Are, que controlava o Ndongo. Esse período é marcado pelas tentativas de
reorganização do controle por parte de João de Sousa. A capital é transferida de Cabaça
para Pedras de Maupungo, sobado dos Are. Em maio de 1627, Ngola Are batiza
Francisco, seu filho. Um mês depois, ele mesmo é batizado como Filipe, em homenagem
ao rei ibérico.
Em 1629 começa uma longa seca no Ndongo e esse período marca a época em
que a colonização ibérica perdeu força. O ano de 1630 é ainda mais dramático, pois além
da seca que devastava o território é quando os holandeses ocuparam o Nordeste brasileiro.
As guerras contra Nzinga haviam deixado claro que os europeus conseguiam fazer
incursões, mas não podiam estabelecer muito mais que fortificações. A eles faltavam
gente e alimentos para garantir o território. O controle do interior e a segurança do
abastecimento só poderiam vir de lideranças da região. Essa necessidade era ainda mais
asseverada em tempos de seca.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1347
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão
1348
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Até a chegada dos holandeses, Nzinga travava sua luta no campo das
representações e da legitimidade, mas também no ordenamento econômico do território.
Enquanto isso fosse assegurado aos portugueses, não haveria paz que não fosse contagem
regressiva para o controle total. A situação seria ainda mais grave com o tempo, porque
Luanda foi aos poucos compondo um exército considerável, que fortaleceria seus
monopólios e sua hegemonia na região.
Anna de Sousa Nzinga Mbandi é uma personagem decisiva, porque soube ser o
melhor que as circunstâncias lhe possibilitaram. Seu status de nobreza e o fato de encarnar
a legitimidade das tradições foram trunfos, mas seu papel estava acima da capacidade de
pessoas na mesma situação, como Mbandi, seu irmão. Nzinga soube usar sua
proeminência para atender as necessidades da resistência à colonização. Sua importância
pode ser apreendida pelo fato de era ela quem causava muitos dos problemas portugueses
e sua existência deixava claraa ilegalidade da ocupação.
Referências bibliográficas
CADORNEGA, António de Oliveira de. História geral das guerras angolanas. Lisboa: Agência
Geral do Ultramar, 1972 (Original de 1680).
CARVALHO, Flávia Maria de. Os homens do rei em Angola: sobas, governadores, capitães
mores, séculos XVII e XVIII. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal Fluminense, 2013. Disponível em:
<<http://www.historia.uff.br/stricto/td/1502.pdf>>. Último acesso em 15/08/2017.
CAVAZZI, Giovanni Antonio. Istorica Descrizione de’ tre regni Congo, Matamba ed Angola.
Milão:Nelle Stampe dell’Agnelli, 1692. Disponível em:
<<https://archive.org/details/istoricadescritt00cava>>. Último acesso em 15/08/2017.
1349
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
VANSINA, Jan. O Reino do Congo e seus vizinhos.In: OGOT, Bethwell Allan (Ed.).História
Geral da África, Tomo V. Capítulo VIII, escrito por Jan Vansina.São Paulo:Editora Cortez,
2011.
1350
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HARUMI MATSUMOTO
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde – Mestrado FIOCRUZ
Bolsa Fiocruz
1351
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
religiosos gerou conflitos entre administradores e médicos que atuavam nas atividades
assistenciais. Este problema não pairava sobre os dispensários, cuja gestão era
exclusivamente composta por médicos e que, na visão de Sturdy; Cooter (1998, pp. 426,
427), resultou em uma organização corporativa que possibilitou o avanço mais rápido da
tendência da medicina à especialização. A divisão do trabalho técnico do médico, ao
refinar sua identidade, forneceu maior autonomia e responsabilidade profissional, criando
um ambiente fértil para o crescimento das ciências médicas, inclusive as ciências de
laboratório.
Pode-se considerar que a historiografia, segundo Rosenberg (1974, p. 54) aponta
para três fatores de fundo atuantes na emergência dos dispensários na fase de
transformação da Inglaterra em uma sociedade urbano-industrial: 1) a necessidade prática
de fazer frente aos problemas sanitários decorrentes do crescimento da pobreza urbana;
2) a força dos valores morais dominantes - protestantismo e utilitarismo - acerca da
pobreza enquanto um problema social e 3) os interesses da profissão médica no sentido
de ampliar seu status social e seu mercado de trabalho.
Em essência, Croxson (1997, p. 128) salienta que o objetivo dos dispensários era
atrair as populações pobres urbanas oferecendo a elas aconselhamento médico e
medicamentos gratuitos em seus serviços. Segundo Rosenberg (1974, pp. 35, 36) e Cope
(1969), os dispensários estavam voltados para o atendimento por meio de consultas para
diagnóstico de doenças e para a prescrição de medicamentos, sem que necessariamente
houvesse internação, tornando-se muitas vezes, sinônimo de prescrição de receitas
médicas. Enquanto os hospitais eram limitados e restritos em sua capacidade de
atendimento, os dispensários conseguiam, principalmente ao longo do século XIX,
ampliar em escala o número de atendimentos a pacientes alcançando a população urbana
e pobre, inclusive por meio da visita domiciliar,que tornou possível conhecer in loco as
condições de vida dos pobres, tornando-se, segundo Loudon (1981, p. 332), um dos
pontos de partida para a construção de um raciocínio epidemiológico que propunha a
relação entre a pobreza material e os hábitos culturais dos pobres e a incidência de
doenças. A visita domiciliar era, portanto, uma forma de exploração em território
desconhecido e a oportunidade dos médicos dos dispensários observarem as condições de
1352
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1353
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
por Silva (1999) e Needel (1987), nossa hipótese é que este contexto propiciou o encontro
de duas tendências: a pobreza e a doença que atingem a necessidade da população
decorrente das transformações urbanas e epidêmicas e o valor social filantrópico aspirado
tanto por uma formação de uma “nova” aristocracia heterogênea quanto pela classe
médica, que se reorganizava dentro das transformações do ensino e da prática clínica -
ambas buscando legitimação social.
As transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro também tiveram impacto
sobre a assistência médica, antes limitada basicamente ao hospital da Santa Casa de
Misericórdia. Neste período, Araújo (1982, p. 105, 107-211) ressalta que surgiram,em
1840,as Casas de Saúde que configuraram comoespaços alternativos de assistência
médicana cidade do Rio de Janeiro a partir da iniciativa de médicos que ofereciam,
geralmente deforma privativa, seus serviços por meio de consultas, internações e até
mesmo procedimentos cirúrgicos. Uma importante característica das Casas de Saúde
relaciona-se a tendência da especialização médica, uma vez que cada estabelecimento se
direcionava a assistência de um serviço específico, que poderia ser evidenciado no próprio
nome da instituição, como na “Casa de Saúde para Moléstias e Operações de Olhos e
Ouvidos”que deixava implícita ser uma clínica de otorrinolaringologia, ou por meio de
propagandas de jornais como, por exemplo, no anúncio da Casa de Saúde do Dr. Monat,
que descrevia o serviço voltado para a internação de pacientes com problemas de vias
urinárias.
Uma característica importante das Casas de Saúde é que muitos de seus diretores
também possuíam algum vínculo com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
(FMRJ), que, juntamente com a Faculdade de Medicina da Bahia, figurava como única
opção para a graduação de medicina no país neste período. Dentre os professores de
medicina da FMRJ que também atuaram nas Casas de Saúde, destaca-se o professor de
anatomia Francisco Praxedes de Andrade Pertence, que, segundo Fonseca (1996), além
de fundar em 1864 a Casa de Saúde do Dr. Pertence, atuou no final da década de 1880,
na Reforma do Ensino Médico, liderando alunos e professores que se agruparam para
expor as precariedades na educação médica, tendo em vista o grande desiquilíbrio do
processo de aprendizagem entre a excessiva teoria e a ausência de prática clínica.
Segundo Edler (2014, pp. 31-49; pp. 99-132), a requisição de espaços para o ensino
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1354
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1355
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1356
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1357
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Barbosa (1908, pp. 69; 77-78), o serviço de oftalmologia, foi criada e chefiada pelo
médico Henrique Guedes Mello, atendendo as enfermidades oftalmológicas mais
frequentes como conjuntivite catarral, oftalmia em recém-nascidos, catarata e cisto
calázio. O serviço de otorrinolaringologia foi criado por Francisco Fernandes Eiras642 e
atendia os distúrbios mais comuns desta especialidade, como faringite catarral crônica,
faringite granulosa e rinite hipertrófica. Diferente destes serviços que possuíam apenas
um dispensário, a clínica de ginecologia e obstetrícia a princípio era dividida em dois
dispensários: um sob a direção de Candido de Andrade e o outro sob a responsabilidade
de Francisco Furquim Werneck, que também forneceu a maior parte do instrumental
médico para a clínica.
Ao se traçar uma comparação com a PGRJ em sua criação em 1882, verifica-se
que ambas as instituições possuíam dispensários para clínica cirúrgica, oftalmologia,
otorrinolaringologia, moléstias de sífilis e pele, moléstias do sistema nervoso e moléstias
de crianças. No entanto, na PCB não forma criados dispensários dedicados a moléstias de
coração e pulmões e patologia intertropical. Pelo contrário, na PGRJ não temos notícias
da existência de clínica dentária, vacinação, massagens e aplicações de eletroterapia. No
ano de 1907, segundo Barbosa (1908, p. 64.), a divisão de responsabilidades apresentava-
se mais organizada, com a definição dos cargos de chefe de clínica e de assistentes para
cada um dos serviços. Dessa maneira, a PCB passou a contar com quinze chefes de clínica
e vinte e dois médicos assistentes.
Considerando o balanço de sete anos descrito por Luiz Barbosa (1908, pp 66-67),
de 1900, ano do início das atividades até o ano de 1900, a PCB realizou 523063 consultas,
destacando-sepelo número de atendimentos a clínica pediátrica com 27099, a clínica
cirúrgica com 16637 e a clínica médica com 5265.
Em doze anos de funcionamento, a PCB realizou 117.058 atendimentos. A clínica
de cirurgia geral foi o serviço com maior atendimento, contabilizando 43.215 consultas,
seguido da clínica oftalmológica, clínica pediátrica e clínica médica, respectivamente
com 18.663, 12.014 e 8.748 atendimentos. Neste período a PCB realizou 1.216 operações
sendo 90% destes provenientes da clínica de cirurgia geral. As clínicas de obstetrícia e
642
Segundo Teixeira (2010), o médico Francisco Eiras foi o primeiro a discutir sobre o uso de eletroterapia
para retiradas de pequenos tumores cutâneos e em cirurgias de cânceres da boca.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1358
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para a seleção das fontes impressas foram eleitos onze jornais - A Noite, Annuario
Fluminense, Correio da Manhã, Gazeta de Notícias, A Imprensa, A Notícia, Jornal do
Brazil, O Fluminense, O imparcial, O Jornal, O Paiz - e dois periódicos médicos - Brasil
Médico, União Médica, que circularam entre 1880 a 1935, fornecidos pela Hemeroteca
Digital e Biblioteca Nacional.
1359
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
AIRES NETO, José. A Policlínica de São Paulo. Um pouco da sua história. Separata.
Revista de Medicina e Cirurgia de São Paulo, v. 11, n. 02, 1951. pp. 47-54.
ARAÚJO, Achilles Ribeiro de. A assistência hospitalar no Rio de Janeiro no século XIX.
Ministério da Educação e da Cultura, Rio de Janeiro, 1982, p. 200-203.
ARAÚJO, Antonio José Pereira da Silva. Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Discurso
proferido no dia 28 de junho de 1882. Rio de Janeiro, 1882, pp. 03-40.
1360
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BENCHIMOL, Jaime Larry; SÁ, Magali .Romero. Adolpho Lutz: Glossário. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
COPE, Zachary. The influence of the free dispensaries upon medical education in britain.
Medical History, Vol. 13, Issue I. January 1969, pp. 29-36.
CROXSON, Bronwyn. The public and provate faces of Eighteenth Century London
Dispensary Charity. Medical History, 1997, 41: 127-149.
ELLIS, Frank H. The background of the London Dispensary. Journal of the History of
Medicine and Allied Sciences. Julho, 1965.
LOUDON, I.S.L. The origens and growth of the dispensary movement in England. Bull
Hist Med., v. 55, n. 3, 1981 pp. 322-42.
1361
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ROSENBERG, Albert. The London Dispensary for the Sick-Poor. Journal of the History
of Medicine and Allied Sciences. Vol. 14, n. 1., pp. 41.56. Janeiro, 1959.
SILVA, Antonio Augusto Ferreira da. A policlínica de Niterói: seu estabelecimento, seus
serviços, suas estatísticas, de 1855-1890. Editora da Imprensa Local, 1904. pp. 03-91.
SILVA, André Felipe Cândido da. A trajetória de Henrique da Rocha Lima e as relações
teuto-brasileiras (1901-1956). Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 17, n.
2, p. 495-509, June 2010.
SILVA, André Felipe Cândido da. Um brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da
Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1909. Hist.
cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 20, n. 1, p. 93-117, Mar. 2013 .
1362
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1363
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
643
No Brasil, os novos esforços de desenvolvimento uniram-se para a promoção industrial. O projeto
defendia a propriedade estatal das indústrias de infraestruturas básicas e a coordenação da economia por
diferentes incentivos financeiros. Tal agenda foi baseada na Comissão Econômica para a América Latina e
o Caribe (CEPAL) e nas Comissões Mistas Brasil-EUA nos anos 50 e 40 (IORIS, 2017).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1364
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1365
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
no setor militar estabelecida a partir da Petrobras – onde Geisel havia sido presidente – o
que permitiu à Odebrecht obras de “segurança nacional”, como usinas nucleares e estação
naval. Essas experiências foram importantes para aquisição de projetos, sem
concorrência, como os estaleiros do submarino nuclear (CAMPOS, 2012, p. 116)
(CAMPOS, 2017, p. 261).
Outro autor importante para o debate é Rafael Ioris (2012). O autor analisou fontes
dos sindicatos dos metalúrgicos no governo Juscelino Kubitschek (JK), e não da ditadura,
mas chegou à seguinte conclusão:
Com seus esforços consistentes para ter suas visões levadas a sério, os
metalúrgicos influenciaram setores crescentes do trabalho industrial
com demandas e proposições que encontrariam progressivamente
ressonância entre setores diferentes da população brasileira. À medida
que a década de 1960 avivava o país, um caminho de mobilização
trabalhista crescente era cada vez mais notável, ao lado da polarização
política que atingia a maior parte dos segmentos da sociedade brasileira
como um todo. Esta tendência histórica culminaria no colapso da
administração populista e na chegada ao poder de um regime militar
cujas raízes históricas devem ser buscadas nas experiências de
desenvolvimento dos anos JK (IORIS, 2012, p. 284).
1366
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1367
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1368
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1369
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
644
Referência à música “Vai passar” do Chico Buarque: “[...] Dormia a nossa pátria mãe tão distraída sem
perceber que era subtraída em tenebrosas transações... Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam
pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais” (BUARQUE, 1984).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1370
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
após o fim da ditadura. Em 1987, Sarney anunciou publicamente que o Brasil tinha
alcançado a capacidade de enriquecer, autonomamente, urânio por meio de um programa
nuclear mantido secreto. O programa foi fechado no governo Collor quando unificado ao
programa civil baseado na cooperação com a Alemanha e com o fim de um campo de
teste de explosivos em base da Aeronáutica (PATTI, 2014, p. 9).
A construção das usinas nucleares brasileiras, na ditadura, é um escândalo com
várias denúncias. Para Campos, teve como elemento de bastidor o conflito de interesse
entre empreiteiras paulistas e de outras regiões. A realização das duas usinas em Angra
pela Odebrecht a fortaleceu intensamente, dando-lhe inserção em Furnas e nos meios
militares - com consequências até hoje. As obras de Angra I e II geraram tantas atividades
à empreiteira baiana que ela teve, em 1979, o segundo maior faturamento do país, superior
à Camargo Correia (CAMPOS, 2012, p. 473). Ademais, se a ditadura constituiu um
momento decisivo para ascensão dessas empreiteiras como grandes grupos empresariais,
a manutenção de seu poder se deve justamente ao vínculo, presença e até controle que
esse capital monopolista deteve sobre o Estado no período posterior à ditadura até os dias
atuais (CAMPOS, 2017, p. 269-270).
Apesar do foco do presente artigo ser o Brasil, Brandão afirma que as condições
impostas pela indústria nuclear alemã, para a participação na execução do amplo acordo
de cooperação nuclear propiciou, na verdade, uma reserva de mercado para a própria
tecnologia e equipamentos da Alemanha. Foram essas condições aceitas pelo Brasil na
visão do autor. Não houve, portanto, a tão sonhada independência econômica e
tecnológica propagada pelos defensores desse acordo nuclear (BRANDÃO, 2008, p.
113).
Considerações finais
O presente artigo é baseado na tese em andamento sobre tema correlato. Por isso,
mais questões do que respostas são levantadas: será que o acordo teuto-brasileiro foi uma
forma de desviar o desenvolvimento da tecnologia sensível que poderia ser usada para
fins bélicos? E por que um programa paralelo ao civil? Perguntas que merecem uma
profunda investigação. Que houve uma grande operação de favorecimento à Odebrecht
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1371
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
em detrimento das empreiteiras paulistas no governo Geisel está comprovado por Campos
e, por isso, o conflito entre os lobbies. O acordo teuto-brasileiro foi somente um golpe
comercial? Não houve pensamento geoestratégico e cálculo geopolítico? Muitas são as
facetas e polêmicas desse fascinante problema historiográfico. A tecnologia prometida
pela Alemanha não servia aos interesses dos envolvidos e, mesmo assim, o acordo foi
assinado. Apesar disso e de todos os escândalos, o Brasil alcançou a etapa completa da
produção da tecnologia nuclear, além de ter feito Angra I e II e iniciado Angra III.
Por fim, o modelo de desenvolvimento que modernizou o Brasil republicano veio
a partir da experiência autoritária com exclusão social pautada, em grande medida, nos
interesses dos “donos do capital” não apenas nacional, mas internacional. No período JK,
diz Ioris, o nacional-desenvolvimentismo já era criticado pelos trabalhadores organizados
quando exemplificou os movimentos em favor da carestia. Desse modo, há um profundo
desejo coletivo, histórico e acumulado de melhoria em itens básicos de consumo público
como educação, saúde e segurança. Com a ascensão do governo Lula, essas políticas
tomaram nova configuração. A ideia de um novo desenvolvimento voltou com força, o
que incluiu a retomada do programa nuclear, um exemplo, como parte da promoção do
desenvolvimento e da estratégia nacional de defesa. Apesar disso, o não investimento
público pesado em itens de consumo público e, não apenas privado, explica a enorme
diferença entre padrão de vida e qualidade de vida. Crescimento econômico com inclusão
via consumo não gerou a melhoria dos serviços públicos. Portanto, fica uma reflexão do
economista Lessa (2015), ex-presidente do BNDES, em que diz: “hoje a questão urbana
dramatiza escolhas que deverão modificar significativamente as prioridades do país, por
exemplo, transporte coletivo de qualidade ou/e multiplicação da frota de automóveis
individuais?” (LESSA, 2015). Ou seja, investimento pesado na mobilidade urbana com
transporte público de qualidade com pleno aporte em infraestrutura energética sustentável
e que funcione de verdade ou carro particular para todo mundo?
Referências
1372
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
COSTA, Célia Maria Leite. Fato e Imagens: artigos ilustrados de fatos e conjunturas do
Brasil. Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. CPDOC/FGV website. Rio de Janeiro, 2017.
Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AcordoNuclear>.
Acesso em: 5 jul. 2017.
IORIS, Rafael. ‘Fifty years in Five’ and What’s in it for us? Development promotion,
populism, industrial workers and carestia in 1950s Brazil”. Journal of Latin American
Studies, v. 44, p. 261-284, 2012.
PATTI, Carlo. Introdução. In: PATTI, Carlos (Org.). O programa nuclear brasileiro: Uma
história oral. CPDOC/FGV website. Rio de Janeiro: FGV, 2014. Disponível em: <
1373
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
http://ri.fgv.br/noticias/2015-03-24/lancamento-o-programa-nuclear-brasileiro-uma-
historia-oral>. Acesso em: 12 jul. 2017.
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da Silva. Depoimento concedido a Marly Motta, Matias
Spektor, Tatiana Couto e Lucas Nascimento em 2010. In: _______. O programa nuclear
brasileiro: Uma história oral. CPDOC/FGV website. Rio de Janeiro: FGV, 2014.
Disponível em: < http://ri.fgv.br/noticias/2015-03-24/lancamento-o-programa-nuclear-
brasileiro-uma-historia-oral>. Acesso em: 12 jul. 2017.
1374
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
645
Sob orientação do Professor Doutor Rodrigo Turin.
646
De acordo com o site oficial do movimento slow (http://www.slowmovement.com/), a proposta slow
living caracteriza-se pela busca de uma maior conscientização individual quanto à necessidade de refrear
as imposições da aceleração na realidade contemporânea. Neste sentido, a ideia de pensar e agir mais
devagar deriva da consciência dos “custos biológicos” que a dinâmica de uma vida cada vez mais veloz
tem cobrado dos indivíduos. Assim, entende-se que, apenas a partir da desaceleração e da busca por uma
estruturação de vida mais simples é que o sujeito poderá atingir a harmonia consigo mesmo e com o meio
em que vive.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1375
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1376
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
interesse (o homem e sua relação com o tempo) não é exclusividade da História, mas
como pensado por Wihlem Dilthey, das “ciências do espírito”.
Deste modo, embora a História ainda não ofereça subsídios bibliográficos para
pensar sobre o movimento slow especificamente, este tem sido objeto de análise
principalmente no âmbito dos estudos sobre cultura, tecnologia e informação. Este é o
caso dos trabalhos de Sarah Sharma647, autora do livro In the meantime (SHARMA,
2014). E também de Lutz Koepnick648 autor do livro On Slowness: Toward an Aesthetic
of the Contemporary (KOEPNICK,2014) A despeito de não se debruçarem apenas sobre
o conceito e a forma de atuação do movimento slow, tais autores nos fornecem
interessantes perspectivas sobre o assunto. Partindo da premissa que caracteriza o slogan
do movimento, ou seja, a proposta de desaceleração, Sharma e Koepnick analisam o slow
também a fim de compreende-lo como mais uma faceta dos empreendimentos capitalistas
dos últimos tempos. Afinal, em um cenário no qual o tempo tem parece ter valor
monetário, a quem poderia ser dado o deleite de viver de maneira devagar? Qual é o preço
cobrado para conseguir desacelerar? Tais perguntas aventam uma perspectiva que pontua
como imprescindível uma consideração que relacione tempo e espaço no contexto destas
novas experiências e propostas. É partindo deste ponto de vista que Sarah Sharma
identifica que o seu livro “busca balancear o imaginário temporal com o imaginário
espacial”649 (SHARMA, 2014, p. 10). Assim, essas inquirições corroboram com a
maneira perspectivada com a qual Hartog discorre acerca do regime de historicidade
presentista. Segundo ele,
647
Sarah Sharma é atualmente professora e diretora do Mc Luhan Centre for Culture and Technology da
Universidade de Toronto
648
Lutz Koepnick atua como professor de alemão, cinema e media da GERTRUDE CONAWAY
VANDERBILT em Nashville.
649
“In the Meantime seeks to balance the special imaginary with a temporal imaginary”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1377
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1378
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1379
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
das articulações que corroboram o discurso das formas de ser e se perceber no tempo de
cada sociedade. Desta maneira, a função heurística e comparativa dos regimes de
historicidade poderá ser de valor fundamental para esta pesquisa para que possam ser
melhor assimiladas as distintas temporalidades que fazem parte da dinâmica slow food.
Assim, temos que, por exemplo, o tempo dispensado ao cultivo de alimentos
orgânicos não é o mesmo daquele logístico empregado na distribuição e venda destes
produtos. Semelhante comparação pode ser feita quanto ao tempo utilizado para o preparo
da culinária slow em restaurantes urbanos, somado ao tempo da dinâmica do trabalho dos
seus funcionários em geral e, em contrapartida, o tempo de que dispõe o sujeito que ali
pode calmamente se alimentar no prazo que lhe aprouver. Deste modo, a noção de
regimes de historicidade de Hartog – elaborada a partir da aproximação entre as leituras
de Lévi-Strauss e Marshall Sahlins e somada à reflexão das categorias koselleckianas -
nos auxiliaria a pensar em possibilidades de aproximação entre estas cadências temporais
de forma a melhor torná-las cognoscíveis no contexto macro que caracteriza a
possibilidade de existência do regime de historicidade presentista na atualidade. Importa,
contudo, salientar que a utilização das noções provenientes dos regimes apresenta forte
plasticidade capaz de por isso mesmo complexificá-lo, tal como será a proposta de análise
de estudo do caso slow food.
Diretamente relacionada à metodologia que orientará esta pesquisa, encontra-se a
sua matriz teórica. A construção epistemológica que nos guiará será aquela tal como
formulada pelo próprio Hartog, segundo o qual, a busca de uma aproximação entre a
história e a antropologia são fundamentais para a construção do conhecimento histórico.
É a partir deste abeiramento que as noções de regimes de historicidade inserem-
se na
[...] tradição do pensamento científico e filosófico que procura
mostrar a relação de complementaridade existente entre uma série
de oposições que constituem o campo das ciências humanas, a
exemplo das oposições entre estrutura e acontecimento, particular
e geral (IEGELSKI, 2012, p. 250).
1380
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
650
Quanto à problemática referente ao valor que atualmente tem sido outorgado ao acontecimento, cita
Hartog, “Em todo o caso, o 11 de setembro leva ao extremo a lógica do acontecimento contemporâneo que,
se deixando ver enquanto se constitui, se historiciza imediatamente e já em si mesmo sua própria
comemoração: sob o olho da câmera. Nesse sentido, ele é totalmente presentista”. HARTOG, François.
Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Tradução de Andréa S. de Menezes,
Bruna Breffart, Camila R. Moraes, Maria Cristina de A. Silva e Maria Helena Martins. Belo Horizonte:
Editora Autêntica, 2013, p. 136.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1381
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1382
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
os resultados desta pesquisa estarão abertos. Afinal, em um panorama de vida onde tudo
parece incerto e regido pelo efêmero, seria presunçoso ou até ingênuo acreditar que
mesmo uma pesquisa científica pudesse eximir-se do peso de vertiginosa rapidez como
as históricas são elaboradas no presente.
Bibliografia
1383
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SHARMA, Sarah. In the Meantime: Temporality and Cultural Politics, Duke University
Press, 2014.
1384
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
O protestantismo está completando 500 anos (1517 – 2017). Sua história está
relacionada a Martinho Lutero, um monge alemão, da ordem dos agostinianos, que
lecionava teologia na Universidade de Wittemberg na segunda década do século XVI.
Com uma tese em mãos - a de que o homem é justificado diante de Deus somente
pela fé - Martinho Lutero iniciaria um dos movimentos que se tornaria dos mais
significativos no ocidente medievo. Lucien Febvre, em sua obra sobre Martinho Lutero,
destaca:
1385
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Deus por si, consigo e em si, um Deus que não é a justiça imanente dos
teólogos, e sim uma vontade ativa e radiante, uma bondade soberana
agindo por amor e dando-se ao homem para que o homem se dê a Deus
(Ibid.p.82).
651
A Reforma Protestante promoveu o primeiro deslocamento do eixo acerca do conceito de autoridade/
verdade. Ao enfatizar os textos do Antigo e Novo Testamento como âncora e fundamento da realidade a
Reforma colocava em questão a noção de que a Igreja e sua Tradição eram as estruturas legitimadoras da
realidade. A leitura dos textos canônicos, por exemplo, antes um privilégio nobre e clerical, passou a ser
fundamental a todos os fiéis para a prática religiosa. Em seguida, enfatizou-se o critério racional: o texto
lido precisava ser compreendido. Finalmente, a religião precisava ser pessoal e experimental (“justificação
pela fé”). Dessa forma, termos o pavimento de três conceitos que seriam caros ao protestantismo acerca do
cristianismo: 1) A valorização da educação – implicada na canonicidade - (o cristianismo é uma religião
do livro. A educação para sua leitura é um imperativo. Uma exigência, portanto. Desenvolveu com isso o
postulado da Reforma: Sola Scriptura); 2) A valorização do intelecto (O livre – exame para a devida
compreensão da fé. A fé passa pelo crivo da razão que precisa ser convencida pela Escritura. O cristianismo
como uma religião racional); 3) A religião é pessoal e experimental (a justificação é pela fé. E a salvação é
individual). Esses conceitos que colidiam com o modus operandi da Igreja Católica medieval (onde a
espiritualidade era, na prática, mais ritualística, cerimonial, formal, sacerdotal, mediada e
institucionalizada) seriam refinados, expandidos e até mesmo exagerados no século XVIII pelo iluminismo,
que muito incentivou a leitura e a educação, o racionalismo e o individualismo. A Reforma antecipa de
algum modo, portanto, debates que seriam cristalizados e polarizados no Iluminismo. HURLBUT, Jesse
Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 1996.p.148.149. O historiador Edward McNall Burns
reconheceu, ainda que cautelosamente, uma relação de teorias renascentistas e reformistas (individualismo,
retorno às fontes e relação positiva com o trabalho e o capital). BURNS, Edwards McNall. História da
Civilização Ocidental. Porto Alegre: Editora Globo,1971.p.449-450.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1386
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Um protestantismo circunstancial:
Os primeiros registros de cristãos idenficados com a pertença protestante no
Brasil, remontam ao século XVI. Três alemães de tradição luterana contam como os
precursores de uma pertença protestante em territória nacional. Primeiro, um escrivão
radicado na provincia de São Vincente (SP) desde 1530, por nome Heliodoro Hessus.
Parece ter sido filho de Eobano Hessus, um amigo de Martinho Lutero. Em seguida, no
de 1534, Ulrico Schmidel participa da expedição de Pedro Mendonça652 ao Novo Mundo
(Argentia, Paraguai e Brasil)653. Finalmente, mais conhecido, Hans Standen. Jovem e
aventureiro, Staden sofre um naufrágio quando seu navio estava próximo do porto de São
Vicente em 1549.
Após trabalhar por um pequeno período em uma fortificação dos portugueses foi
capturado enquanto caçava por indios Tupinambás. Com medo dos rituais de antropofagia
que ouvira falar como sendo prática dos Tupinanmbás, Hans Staden fazia suas preces e
entoava cânticos de sua pertença cristã luterana. Conseguindo escapar do cativeiro,
retornou para Alemanha, publicando o que passara nas terras brasileiras.
A presença desses luteranos com a manifestação de algum sinal de pertença
(orações e cânticos e até memsmo a edificação da capela por Staden), contudo apenas
sinaliza o aspecto da fé pessoal, porquanto seus interesses em solo brasileiro
concentravam na exploração e economia, sem nenhum intuito de compartilhar a doutrina
protestante por estas terras.
652
Capitão Geral da esquadra que partiu da Espanha em 1534 em direção às terras da América do Sul
(Argentina, Paraguai e Brasil).
653
SANTOS FILHOS, Hildebrando Costa. Sinopse Histórica da Presença de Cristãos Protestantes no
Brasil. Edição do Autor: São Gonçalo, 2005.p.27.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1387
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
II – Protestantismo Colonial
1 - Os Huguenotes -
654
O calvinismo foi a versão genebrina do protestantismo. A expressão é uma referência ao picardo João
Calvino que liderou o movimento de reforma religiosa em Genebra, consolidando-a nas terras suíças ao
publicar sua obra “As Institutas da Religião Cristã”, que se tornaria o padrão sistemático e doutrinário da
Reforma Protestante. O calvinismo foi vigoroso na Holanda (onde foi sistematizado e oficializado no
Sínodo de Dort em 1618 – 1619, como a expressão teológica das igrejas holandesas) Inglaterra (puritanos),
Escócia (presbiterianos) e Estados Unidos (congregacionais).
655
Na madrugada dia 23 de agosto de 1572, dia de São Bartolomeu, iniciou na França uma violenta
repressão ao protestantismo. Milhares de huguenotes foram feridos e mortos, inclusive, o comandante
Gaspar Colyigny, incentivador do envio de huguenotes ao Brasil, cuja cabeça fora cortada e enviada ao
Papa Gregório VIII. O conflito parece ter surgido em reação a um golpe de Estado perpetrado pelos
huguenotes.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1388
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
2 - Os Reformados Holandeses
656
Pedro de Bordoun, João de Bourdel, Mateus Verneuil, André Lafin e Jaques Le Balleur.
657
Problemas na embarcação e de provisões no navio.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1389
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
658
A Confissão de Fé da Guanabara: http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_guanabara
659
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Editora Os
Puritanos, 1998.p.190.
660
Titulo original: “Histoire d'un voyage fait en la terre du Bresil, dite Amerique".
661
DARÓZ, Carlos. A Guerra do Açúcar. As Invasões Holandesas no Brasil. Recife: Editora UFPE, 2014.
p.190.
662
Doutor em História pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Ministro da Igreja Cristã
Reformada da Holanda.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1390
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
663
SCHALKWIJK, Francisco Leonardo. Indios Evangélicos no Brasil Holandês. São Paulo: Fides
Reformata – Centro de Pós Graduação Andrew Jumper. Vol.II. Número:I, jan – jun, 1997.p.42. Pedro Poty
viveu nos Países Baixos por cincos anos, onde, além do batismo, foi instruído na religião calvinista. Ao
retornar ao Brasil, serviu aos holandeses com interprete e tradutor. Morrendo em 1652, em uma viagem
como prisioneiro dos portugueses.
664
Op.cit.p. 43. Outros indígenas seriam batizados em grande quantidade no Brasil.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1391
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1 - Anglicanos:
Com o decreto de abertura dos portos do Brasil às nações amigas, assinado por
dom João e que beneficiaia, sobretudo, a Inglaterra, favorecendo o comércio e livre
circulação de mercadorias entre a colônia e a ilha britânica. Muitos ingleses se
interessaram em morar e trabalhar no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, onde, em
1808, já contavam com um núcleo de, aproximadamente, duzentos comerciantes e/ou
agentes665.
Neste contexto surgem os movimentos iniciais666 de implantação da primeira
comunidade de fé anglicana no Brasil que daria assistência devocional e pastoral aos
ingleses que atuavam no comércio e nos portos.
Em fevereiro de 1810 Portugal e Inglaterra assinaram o Tratado de Navegação e
Comérico, permitindo aos súditos da coroa britância que trabalhavam no Brasil liberdade
de consciência e culto, desde que não construissem capelas com aparência de templo, que
não usassem sinos e não promovessem catequese a brasileiros.
Os primeiros cultos dos anglicanos foram realizados a bordo de navios ancorados
ou na residência de autoridades inglesas radicadas no país. A frequência era limitada aos
ingleses. Um templo (Christ Church) fora construído em 1819, no Rio de Janeiro, com
seu endereço na Rua Evaristo da Veiga, sendo o primeiro da tradição edificado no Brasil.
Uma ação mais aberta aos brasileiros e proselitista por parte dos anglicanos
somente aconteceria a partir de 1890 com o envio de missionários norte-americanos
oriundos do Estado da Virgínia, atuando no Rio de Janeiro, Porto Alegre (RS) e em outras
cidades do estado sulista brasileiro, partindo dali para outras regiões do território
nacional.
665
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: IEDUSP, 2015.p.67.
666
Em 1805 o ministro anglicano Rev. Henry Martin que passara quinze dias em Salvador ensaiou alguma
atividade religiosa, mas sem êxito.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1392
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
2 - Os luteranos novamente:
667
Nova Friburgo iniciara como uma colônia de suíços. Estimulados pelo Príncipe – Regente Dom João
VI, mais de duzentas e sessenta famílias emigraram de Friburgo, um Cantão suíço em direção ao Brasil
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1393
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
IV – O Protestantismo de Missão
1 - Os Metodistas
2- Congregacionais.
entre os anos de 1819 e 1820 e se estabeleceram na região que recebera o nome em referência à cidade
europeia. Posteriormente, com a vacância de muitas famílias suíças que abandonaram às terras à procura
de outras mais férteis e acessíveis a distribuição fora oferecida as alemães.
668
Até a chegada dos alemães os cultos protestantes tinham sido realizados nas regiões do sudeste e nordeste
brasileiro. O Sul permanece até hoje, especialmente o Rio Grande do Sul, com a menor incidência no Brasil
da presença protestante, quando comparada a outras regiões do país.
669
Um desses ministros foi o Rev. Friedrich Oswald Sauerbronn que fora pastor em Becherbach na
Alemanha. Sendo contratado pelo próprio Imperador Dom Pedro I, exercendo seu ministério em Nova
Friburgo até o ano anterior à sua morte em 1867. Cf. GIRALDI, Luis Antônio. A Bíblia no Brasil Império.
Sociedade Bíblica do Brasil, 2013.p.100-101.
1394
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
aos europeus e, além disso, de moradia do Imperador Dom Pedro II com quem os recém
- chegados estrangeiros construiriam reconhecida amizade670.
No mesmo ano, em 19 de agosto, o casal de missionários organizou uma classe
de catequese, chamada na tradição protestante de escola dominical onde cinco crianças
foram ensinadas sobre a história do profeta Jonas, personagem do Antigo Testamento.
Essa aula é considerada nos estudos sobre a religião no país como marco, pois lançou as
bases da missão protestante evangelizadora definitiva em língua portuguesa que deram
origem à Igreja Evangélica Fluminense, considerada a primeira igreja evangélica no
Brasil671 e núcleo dos congregacionais brasileiros672.
3 – Presbiterianos
670
Há o registro nas memórias do Dr. Robert Raid Kalley de duas visitas (28 de fevereiro e 06 de março de
1860) à sua residência, realizadas pelo Imperador D. Pedro II por ocasião de sua condição física, abalada
por uma enfermidade. A visita revela a fraternidade entre o médico missionário e o imperador. Cf. DA
ROCHA, João Gomes. Dr. Robert Raid Kalley: Lembranças do Passado. Vol: 1. Rio de Janeiro, Novos
Diálogos, 2013.p.115-116.
671
LÉONARD, Émile G.Op.cit.p.57.
672
A Igreja Evangélica Fluminense, fundada em 11 de julho de 1858, está localizada na Rua Camerino nº
102, no centro da cidade do Rio de Janeiro e mantém regularmente o funcionamento de seus cultos e demais
serviços. Embora o trabalho do casal Kalley no Brasil tenha começado em 1855, a organização da igreja se
deu somente três anos depois, tendo como marco o batismo de Pedro Nolasco de Andrade, considerado o
primeiro brasileiro a ser admitido no rito sacramental em uma igreja do protestantismo de missão. Cf.
LÉONARD, Émile G. Op.Cit. p. 57.
673
A Academia ainda deve ao protestantismo brasileiro um estudo relevante sobre a contribuição das
escolas fundadas pelos missionários no interior (onde o poder público raramente chegava e os níveis de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1395
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
4 – Batistas
escolarização dos povoados eram baixíssimos) e até mesmo nas regiões centrais das maiores cidades
brasileiras do século XIX.
674
O batismo praticado por imersão tornou-se o selo de distinção dos batistas brasileiros, sendo o principal
símbolo de identidade denominacional e exigido, inclusive, de protestantes egressos de outras
denominações.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1396
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1397
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
IV – O Pentecostalismo
Considerações Finais
De acordo com o Censo Religioso de 2010 o Brasil tem mais de quarenta e dois
milhões de brasileiros que se identificam como protestantes. Sendo que mais de 60%
assumem sua relação de pertença religiosa com comunidades de fé de corte pentecostal e
neopentecostal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo:
Editora Os Puritanos, 1998.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1398
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DA ROCHA, João Gomes. Dr. Robert Raid Kalley: Lembranças do Passado. Vol: 1. Rio
de Janeiro, Novos Diálogos, 2013.
FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012.
HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 1996.
1399
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
675
Doutorando do Programa de Pós-graduação em História, política e bens culturais. FGV/CPDOC.
676
O conceito de identidade, permite compreender laços de sociabilidade e clientelismo, conflitos e
barganhas assimétricas. Possibilitando criar valores e costumes compartilhados. Em resumo, a tessitura de
códigos sociais mutuamente reconhecidos entre os atores históricos envoltos nesse contexto associativo.
677
O periódico O Santacruzense, circulou no ramal de Santa Cruz entre 1908-1909, o jornal foi vendido nas
estações de trem próximas a Santa Cruz. Fundado por João B. Alves e Oscar Santos Pimentel. O jornal
buscou promover os interesses políticos da família Pimentel em Santa Cruz. O fim imediato do jornal era
promover a eleição de Honório Santos Pimentel para as eleições de intendente municipal. O periódico tinha
como alvo os negociantes e funcionários públicos das imediações onde circulou. Nossa escolha do
periódico para pesquisa se deu por ser o único jornal de Santa Cruz com um ano corrido de edições presentes
no setor de periódicos da Biblioteca Nacional. Tornando o jornal uma excelente fonte para o estudo do
associativismo recreativo em Santa Cruz.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1400
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
678
A Sociedade Musical Francisco Braga era sediada na Rua do Mirante n.2 ,
em Santa Cruz. Fundada em 22 de janeiro de 1905, a Sociedade Musical Francisco Braga
tinha finalidade artística, musical e teatral. O nome da sociedade é uma homenagem ao
maestro Antônio Francisco Braga (Nascido em 15 de abril de 1868, falecido 13 de março
de 1945), patrono da sociedade. Em 1909 a infraestrutura da Sociedade Musical
Francisco Braga, era de um cinema e teatro, ela tinha uma banda que tocava ao público
nas praças e fazia concertos. A S.M.F.B. se sustentava com doações feitas pelos sócios.
A banda ainda tocava em eventos, gerando renda para sociedade, além das mensalidades
e joias679 — para ingresso na sociedade —. O aluguel do salão para associados para
realizarem festas particulares e outras atividades também parece ter sido uma fonte de
renda. Outra fonte, são as constantes quermesses e eventos feitos em benefício da
sociedade. As atividades da S.M.F.B. eram: dramáticas, saraus e préstitos carnavalescos.
As atividades dramáticas aferiam renda para sociedade através do ingresso.
Percebemos uma extensa rede de clientela e colaboração entre os associados,
mesmos membros em comum nas duas associações recreativas. Ao menos nas direções
que eram formadas por sócios mais elitizados e setores médios. Embora, houvesse
rivalidade entre as bandas dos dois grupos. 680
678
Depois se mudou para a Praça Dom Romualdo, 19. Nesse endereço está atualmente.
679
Não conseguimos saber o valor exato da mensalidade ou joia. Usa-se o termo joia para referir-se um
valor de quantia normalmente determinada nos estatutos, era prática comum em muitas sociedades o
pagamento da joia pelo novo membro ingressante.
680
Não era incomum, negociantes e operários conviverem na mesma sociedade. Um exemplo comparável
é o Clube Carnavalesco Progressos Do Paraíso do bairro vizinho Campo Grande (onde inclusive a
Sociedade Musical Francisco Braga tinha alguns associados residentes). Na lista de associados do clube
entregue a polícia também constam pessoas de diversas profissões entre: operários, funcionários públicos
e pedreiros. Definimos a S.M.F.B. como mais “elitizado” por sua infraestrutura e ênfase na atividade
dramática e óperas. Embora, ela congregasse vários estratos sociais dentro de si. Cf.: ARQUIVO
NACIONAL (Brasil). Secretaria de polícia do Distrito Federal. Fundo, GIFI Codex 6C366. Rio de Janeiro,
1911.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1401
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
681
Ao menos não achamos indícios de atividades dramáticas.
682
O País, 17/09/1911.
683
O nome bodegão vem estabelecimentos conhecidos como bodegas. O maior deles é conhecido como
bodegão. Cf.: FREITAS, Benedicto. Santa Cruz. “O Matadouro de Santa Cruz (cem anos a serviço da
comunidade) ”. Rio de Janeiro: 1977. P. 45. Um grande ponto comercial de Santa Cruz, próximo ao
Matadouro Municipal. Segundo site do Ecomuseu de Santa Cruz: “Ali se encontravam marchantes, donos
de açougues, funcionários do Matadouro, boiadeiros e magarefes e as fartas feiras. O comércio no largo
cresceu com a prosperidade do Matadouro. ” Disponível em: <
http://www.quarteirao.com.br/matadouro.html>. Acesso em 22 de junho de 2015.
684
Victor era ajudante do administrador da diretoria do Matadouro, depois foi administrador do matadouro
Municipal de Santa Cruz. Cf.: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. 1924,
p.744. O País, 04/07/1926. A família Villon se perpetua nos cargos do Matadouro Municipal, consta o nome
de Ivan de Souza Villon em 1957, como diretor do Departamento da Renda de Transmissão. Cf.: Correio
da Manhã, 12/05/1957.
685
Filho de funcionário público, o ator fez parte das atividades dramáticas da S.M.F.B. e de outra sociedade
dramática Grêmio Procópio Ferreira na juventude, ambas em Santa Cruz. Vindo depois a obter fama
nacional no teatro e cinema. Cf.: André Villon e sua vida no teatro. P. 44. Jornal das Moças, 9/09/1954.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1402
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
686
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de polícia do Distrito Federal. Fundo, GIFI Codex 6C365.
Rio de Janeiro, 1906.
687
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Polícia do Distrito Federal. Fundo, GIFI Codex 6C366.
Rio de Janeiro, 1913.
688
Idem.
689
Idem.
690
JB, 27/01/1927.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1403
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
691
O autor indica que sindicato Sociedade Londrina de Correspondência de carteiros também possuía tal
dizer em seus estatutos, afastemos comparações quanto composição social ou mesmo atividades das
sociedades. Queremos apenas indicar o desejo de expansão comum há muitas sociedades. Cf.;
THOMPSON, Edward. Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
P.15.
692
Elas possivelmente usavam do artifício do convite, não só para escapar da recusa de licença para
funcionar, mas também para afastarem indesejados.
693
Vemos que a sociedade tem esse desejo, pois a estrutura interna era mais burocrática que em outros
grupos que estudamos. Referimo-nos ao controle financeiro, como obrigatoriedade da apresentação dos
balancetes em assembleia de sócios, os secretários deveriam guardar as notas fiscais e apresentá-las no
balancete, dentre outros dispositivos notados estatuto. O que dá uma ideia de que a sociedade buscava a
construção de uma grande estrutura.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1404
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
operários”694. O estatuto também indica que boa parte dos sócios do grupo eram letrados,
afinal como vemos abaixo, ocorreriam “conferências literárias”.
Outra ênfase da importância da atividade carnavalesca do grupo é ter um cargo
chamado “1° e 2° diretores de sala” algo bastante similar aos mestres de cerimônia, além
de agregarem a função de mediadores de conflitos internos na comissão de “polícia
composta” por sócios695.
Não há como se saber se eram assuntos sindicais ligados a militância,
provavelmente não porque o estatuto diz ser proibidas discussões políticas no grupo. Se
era não explicitariam no estatuto submetido a polícia, com o risco de não aprovação. Essa
informação nos indica que haveria operários associados ao clube — em um número
significativo de associados talvez —, um dos fundadores dos Democráticos era Manoel
Felippe Thiago, condutor da E.C.F.B. (Estrada de Ferro Central do Brasil).
É possível afirmar, que outros trabalhadores membros do Clube dos
Democráticos, poderiam trabalhar na E.F.C.B, mesmo morar nas imediações no clube.
Afinal, Santa Cruz tinha uma estação ferroviária controlada pela companhia. O condutor
(cargo de Manoel) da companhia ganharia o suficiente para pagar a mensalidade do
clube, a saber 13$300.696 Quando estatuto do clube fala em “assuntos operários”, poderia
referir-se a membros operários da companhia (que se conheciam no trabalho e se
associavam no clube), e principalmente a uma cultura operária que esses membros
tinham, embora o estatuto faça questão de afastar assuntos políticos697.
A mensalidade do grupo era de 1 mil reis e joia de 5 mil reis 698, e com valores
baratos, portanto acessível a populares. O que também não quer dizer que qualquer um
poderia ter acesso ao quadro de sócios dos Democráticos, a seleção era bem rigorosa,
694
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de polícia do Distrito Federal. Fundo, GIFI Codex 6C366.
Rio de Janeiro. 1913.
695
Idem.
696
Idem.
697
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de polícia do Distrito Federal. Fundo, GIFI Codex 6C366.
Rio de Janeiro. 1913.
698
Idem
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1405
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como a maioria das sociedades, pedia um convite de um membro quite e ser aprovado
pela diretoria. Ser reconhecido “cidadão entre iguais699” (no gozo dos direitos), levada à
proposta a votação em assembleia, o ingresso só é possível com a maioria positiva dos
votos. A hierarquia entre os sócios seria apenas simbólica e política, já que todos os
associados votam e podem ser votados.
Urge também mostrar como era importante a busca por união e cumplicidade no
seio dessa sociedade, está implícito no estatuto quando dá incentivo e prevê a formação
de grupos internos e “piqueniques familiares” 700
. O que também demonstra uma busca
por identidade comum no grupo, no sentido de “identificar-se”, com caraterísticas em
comum, “reconhecer” o outro semelhante.
Conclusão
Como percebemos nas sociedades estudadas acima, boa parte de seus associados
é ligado a um potentado político local. Mas o porquê dessas ligações? Não é simples
responder, mas tudo indica que é por ajuda financeira e por status e benesses com a
oligarquia. Pelo auxílio financeiro como percebemos, em certa reportagem em
homenagem a morte como benemérito dos: Clube Progressistas, Clube Democráticos de
701
Santa Cruz . A Sociedade Musical Francisco Braga também fazia eventos em
homenagem a Camará702. Das três principais sociedades carnavalescas de Santa Cruz no
final da década de 1910, Camará poderia ser apenas um entusiasta. Mas seria difícil esse
poderoso político que tinha forte base eleitoral em Santa Cruz e adjacências ser apenas
um entusiasta. Camará residiu em Santa Cruz e tinha interesses no bairro. Fica muito
evidente a rede de clientelagem de Camará, numa espécie de barganha assimétrica.
699
Já discutimos abundantemente a questão de estar no “gozo dos direitos”, o estatuto reforça ainda mais
quando restringe a entrada somente a pessoas com a maioridade e com “posição social definida”.
700
Idem.
701
Pelos Clubes, p.11. O Jornal, 19/12/1922.
702
O Século, 9/02/1909.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1406
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
703
Percebemos essa relação quando o Jornal Santacruzense de Oscar Pimentel, cobra da prefeitura, obras
de construção de um coreto e praça pública para a Sociedade Musical Francisco Braga e Ginásio Musical
24 de Fevereiro tocarem. Possivelmente faria parte da campanha para a eleição de intendente Municipal de
Honório Pimentel.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1407
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências
FREIRE, Américo Oscar Guichard. “Uma capital para a República: poder federal e
forças políticas locais no Rio de Janeiro na virada para o século XX”. Rio de Janeiro:
Revan, 2015. P.145.
704
O Santacruzense, 3/01/1909.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1408
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1409
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1410
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1411
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O projeto político regressista, como afirma Wehling (1999), tem no IHGB a sua
concretização mais bem acabada, no que tange à cultura. Algumas de suas principais
características, muitas delas presentes na trajetória do historiador analisado são: a ideia
da monarquia constitucional junto à afirmação do poder moderador; a estrutura política
centralizada mesclada à descentralização administrativa; o abolicionismo gradual; as
liberdades completas viabilizadas pelas instituições. Este conjunto de fatores nos
possibilita identificar pontos de defesa dos chamados liberais moderados (tendentes ao
conservadorismo), como destacou o professor Ilmar Rohloff de Mattos (2004).
Sem dúvidas, Varnhagen tem ideia e ao mesmo tempo toma para si a
responsabilidade do seu papel enquanto intelectual súdito do Imperador e partícipe da
construção nacional em uma instituição de tamanha importância para as construções
planejadas para o Império brasileiro. Neste sentido, vale ressaltarmos a abordagem
foucaltiana a respeito da relação entre intelectual e poder: para Michel Foucault (1989)
não é possível que haja separação entre estes. O intelectual é aquele capaz de produzir a
verdade, e a verdade para este é poder. Ou seja, o intelectual é o “portador de significações
e de valores em que todos podem se reconhecer” (Foucault, 1989, p. 11).
Podemos, assim, apresentar Varnhagen enquanto um ferrenho defensor da
monarquia portuguesa, como destacaram muitos de seus estudiosos; também defensor da
unidade territorial, fortemente abalada no contexto dos anos de 1830 pelas revoltas
regenciais; e um historiador demasiadamente preocupado com a ideia de veracidade de
suas contribuições historiográficas, característica esta que refletia o seu contexto e sua
ideia de história científica, profundamente influenciada por Leopold von Ranke (1795 –
1886). “Mesmo para aqueles que não o apreciam (e não parece, nem ontem nem hoje, que
sejam poucos) ele se converteu em uma figura incontornável para o entendimento da
história da história no e do Brasil” (CEZAR, 2007, p. 160).
Defendia a ideia do rigor, da imparcialidade científica e da pesquisa documental,
esta última que caracteriza profundamente seu trabalho como historiador, valendo-se dos
caminhos abertos que possuía enquanto diplomata, ou seja, sua característica
expedicionária, como afirma o professor Dr. Temístocles Cezar (2007). Está ligado ao
historicismo, porém faz parte de uma geração marcada pela desconfiança, como afirma
1412
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1413
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pensamento, devemos destacar que o conceito possui a sua conjuntura, ou seja, está
eivado de perguntas e respostas, textos e contextos, como afirma o historiador
(KOSELLECK, 1992). Por isso abordaremos nesta narrativa um dos aspectos contextuais
para levantamento deste debate.
Assim sendo, argumentamos com a abordagem trazida pelo sociólogo Karl
Mannheim (2017) de estabelecermos um ponto crucial de início do pensamento
conservador que se encontra exatamente no século XIX, portanto, trata da importância
que tratávamos em linhas anteriores, da relevância do contexto, bem como do intelectual
analisado. Deste modo, podemos destacar que o conservadorismo embora se caracterize
neste período por “uma força política distinta, consciente e funcionalizada, ele transcende
a esfera política estrita e chega e implicar também uma forma particular de experiência e
de pensamento” (IDEM, 2017, p. 144), que não se incomoda com a estrutura vigente;
como defende o sociólogo, mas preocupa-se com as particularidades.
Neste sentido, podemos compreender um pouco mais o lugar de fala do
historiador e suas influências. Como argumenta Wehling (2013), dentro dos conflitos que
permeavam o ambiente político entre saquaremas e luzias, estava em debate qual era a
prioridade do Império brasileiro: ordem ou liberdade; conservadorismo ou liberalismo em
amplo sentido:
No próprio Varnhagen, embora faça questão de manter-se afastado dos
desdobramentos dessas questões tanto no plano teórico quanto no do
varejo político da época, as referências ao pacto social representado
pela Constituição e ao vulcão escravo demonstram seu conhecimento
do assunto e sua clara opção pela “ordem”, que na sua concepção
equivalia à estabilidade social, centralização política e homogeneidade
étnica (IDEM, 2013, p. 161).
Outro ponto relevante em Varnhagen, e é impossível não tratarmos deste aspecto,
diz respeito ao que foi destacado em linhas anteriores e que devemos aprofundar, ou seja,
sua relevância enquanto historiador e a importância da própria História neste período,
bem como de outras utilizações culturais que fomentassem o nacionalismo. Podemos
dizer que a explosão da memória (LE GOFF, 2003) no Brasil ocorre neste período, e que
estavam em disputa como esta memória seria constituída. Neste sentido, trazemos esta
expressão cunhada por Le Goff (2003) para apontar o fenômeno ocorrido no contexto da
1414
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1415
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
presentes durante o século posterior ao seu acontecimento. Sejam forças pró ou contra
suas diretrizes, como é caso do conceito de conservadorismo analisado nestas linhas.
Neste pequeno trecho retirado de Reflexão sobre a Revolução na França,
podemos notar uma importante característica do conservadorismo, deixando clara a
ressalva do diferente contexto em que se encontra Edmund Burke em relação ao universo
do Império brasileiro, mas dele pode se extrair pontos de conexão de diversas ideias
daquele que é considerado o fundador do conservadorismo na modernidade:
O senhor poderá observar que, da Magna Carta (sobre a Revolução de
1688) à Declaração de Direitos, a política constante de nossa
Constituição sempre foi a de reivindicar e afirmar nossas liberdades
como uma herança inalienável, deixada para nós por nossos
antepassados e a ser transmitida à nossa posteridade... (BURKE, 2014,
p. 55).
É constatável nesta colocação um fator que é interessante para compreensão do
conservadorismo: o apego à tradição; que está ligado, de certa forma, com a ideia de uma
mudança paulatina no status quo, quando necessária, tendo, portanto, premissas
contrárias às ideias progressistas. Como afirma Reis (2006), sobre o pensamento
varnhageniano, “a tese do ‘progresso linear e gradual’ é interpretada de modo conservador
(...). O passado resolverá seus problemas sem necessidade de ruptura (...)” (REIS, 2006,
p. 16).
Compreendermos, portanto, Varnhagen neste contexto político, social, bem como
os seus conflitos dentro do instituto do qual era integrante, nos possibilita trazer outros
aspectos que faziam parte do Brasil oitocentista, ou seja, de certa forma, as preocupações
que cercavam o Império. Como afirmou Arno Wehling (1999) os problemas durante a
regência significavam uma espécie de quebra da unidade, ou da busca desta. Durante o
Segundo Reinado estas preocupações serão “minimizadas”, porém, não serão dizimadas,
e as revoltas e insatisfações dos negros escravizados significavam isto. Podemos afirmar
até que esta foi uma das situações que se encorpou durante o Império, ao invés de ser
diminuída.
No contexto específico em que o capítulo da obra que discutiremos à frente foi
escrito e divulgado (“Escravidão Africana. Perigos ameaçadores” no livro História Geral
do Brasil), além das questões destacadas, algumas outras pairavam as preocupações sobre
o contexto social e político brasileiro, como esta trazida com maior aprofundamento que
1416
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1417
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1418
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1419
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referência Bibliográfica:
ALENCAR, José de. Cartas a favor da escravidão. (Org. Tâmis Parron). São Paulo:
Hedra, 2008.
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução na França. São Paulo: EDIPRO, 2014.
1420
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MARTIUS, K. F. von. Como se deve escrever a história do Brasil. Disponível em: <
https://umhistoriador.files.wordpress.com/2012/03/martius-carl-friedrich_como-se-
deve-escrever-a-histc3b3ria-do-brasil.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2017.
1421
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1422
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
I
Esta comunicação é parte integrante da dissertação de mestrado que vem sendo
desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO e tem
como proposta analisar os traços do anticlericalismo presentes no periódico La voz de la
mujer. Este periódico anarquista circulou em Buenos Aires entre os anos de 1896-1897,
sendo lançado como o primeiro jornal de mulheres para mulheres da América Latina.
Os artigos sobre o anticlericalismo no periódico fazem parte de uma série de textos
contestatórios que tinham por objetivo final o levante feminino em busca de sua própria
emancipação. Para as libertárias, a Igreja fazia parte de uma rede de exploração e opressão
encabeçada pelo Estado e associada ao Capital, cujo propósito era a repressão e a
dominação das consciências femininas.
O periódico divulgava contos que pretendiam desmoralizar o clero, alertando as
mulheres sobre os perigos da religião, que nelas provocava completa ignorância e
alienação. Desmoralizar o clero significava, também, criticar a moral burguesa que
defendia a família regulamentada pelo casamento civil e disciplinada pelo enlace
religioso. Negar Deus era negar a Igreja, era defender a autonomia da mulher no que se
refere a escolha do companheiro e às práticas da sexualidade, optando ou não pela
maternidade.
Nessa perspectiva, o trabalho privilegia o combate que as articulistas do periódico
empreenderam contra a tradição religiosa e o domínio das consciências exercido pela
Igreja.
II
O periódico La voz de la mujer surgiu com uma proposta social diferente dos
demais periódicos que compunham o cenário da imprensa argentina na época, tanto no
que se refere a grande imprensa quanto à imprensa operária. Embora outros periódicos
trouxessem a questão da mulher para suas pautas, discutindo a situação social da mulher
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1423
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1424
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
705
Nossos propósitos: Companheiros e Companheiras: Saúde!
706
Cansada de choro e miséria, cansada da imagem eterna e desconsolada oferecida por nossos filhos
infelizes, os ternos pedaços de nosso coração, cansadas de pedir e implorar, de ser brinquedo, o objeto dos
prazeres de nossos infames exploradores ou de maridos vis, decidimos elevar a nossa voz no concerto social
e exigir, exigir décimos, a nossa parte dos prazeres no banquete da vida.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1425
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
707
Apareceu Aqueles! (Para os besouros da ideia)
708
Mas é necessário senhores caranguejos e não anarquistas, como vocês são chamados, pois vocês tem
tantos de nós como frades, vocês devem saber imediatamente que essa máquina de seus prazeres, esse lindo
molde que você corrompe, sofre dores de humanidade, já está cansada de ser um zero ao seu lado, é
necessário, oh, falsos anarquistas! Para provar de uma vez por todas que nossa missão não é apenas criar
seus filhos e lavar sua sarna, também temos o direito de emancipar e ser livre de todos os tipos de tutela,
social, econômica ou conjugal.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1426
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
uma figura idealizada de sujeito, inclusive no campo literário. Segundo Cristian Santos,a
introdução da racionalidade como forma para o progresso dos povos, ou até mesmo a
defesa do conhecimento racional como modo para vencer preconceitos e ideologias
políticas tradicionais reduziu a atuação da religião, provocando aversão a instituição
clerical. (SANTOS, 2014, p. 49)
Se analisarmos os percursos que o anticlericalismo fez ao longo da história,
podemos afirmar que seu discurso sempre foi muito ácido e radical, enfatizando a falta
de benefício da estrutura eclesial para sociedade e para o indivíduo. No início do século
XVIII, o discurso anticlerical começa a ter uma definição mais especifica, fazendo críticas
aos prestígios e as influências da Igreja na esfera da vida pública, principalmente na
relação entre Igreja e poder estatal, pois os membros do clero, como representantes da
instituição Igreja os membros do clero indicavam pessoas para as fileiras do Estado,
reafirmando seu plano político de poder. (SANTOS, 2014, p. 50)
A relação entre Igreja e Estado, já no início do século XVIII e ao longo do século
XIX, começa a se tornar insustentável. Novos projetos políticos começam a surgir sem
contemplar as ideias do clero e estabelecem uma separação entre os dois poderes. Assim,
a Igreja vai deixando de interferir nas escolhas e indicações para cargos de poder do
Estado.
Após o surgimento e consolidação do anticlericalismo no seio de determinados
grupos sociais e políticos, todas as decisões da Igreja eram vistas como algo negativo e
as atitudes de padres, bispos, cardeais e até mesmo do Santo Papa passam a ser vistas
como antigas, arrogantes e incapazes de abranger um discurso mais racionalista. Até
mesmo o Papa “com seu séquito, bulas e solenidades, é encarado como a encarnação de
um passado triste e insepulto.” (SANTOS, 2014, p. 51)
Caro Baroja identifica três momentos do anticlericalismo na história do Ocidente.
Entre os três momentos, o segundo contempla a ideia da negatividade que vinha sendo
atribuía por parte da sociedade aos membros da Igreja, o comportamento de padres, bispos
que se desviavam da conduta religiosa adotada por eles mesmos no ato de entrar na escola
seminarista. Essa negatividade foi redirecionada a instituição Igreja, sendo os desvios de
conduta um reflexo da infidelidade da Igreja à Deus. Fazendo da instituição responsávela
pelas atitudes de seus membros. (BAROJA, 1980, p. 102)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1427
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1428
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
709
O jornal anarquista carioca A Lanterna, fundado em São Paulo no ano de 1901, foi um importante
instrumento na luta anticlerical no Brasil, encontrando-se no campo das ideias anarquistas, uma vez que foi
fundado por iniciativa de militantes libertários. Existia, também no Brasil, uma Liga Anticlerical.
710
O lema original do jornal é: Ni Dios, Ni Patrón, Ni Marido
711
No confessionário. O padre confessor e uma menina de 15 anos.
712
‒ Padre, minha mãe estava doente, ninguém podia cuidar dela, e eu não podia deixa-la.
713
‒ Mas infeliz, você não sabe que primeiro é a alma e depois o corpo, mas continue.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1429
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
no ato. Quando questionada pelo vigário, a menina aponta o mesmo como responsável
por ensina-la a praticar tal ato:
‒Sí, padre; no os acordáiscuandoyotenía 10 añosvine aqui a confesar-me, y vos
me habéis preguntado si yo no me poníalos dedos en... esa parte que vos sabeis,
y yo os conteste que no sabíahacereso, y además me habéisdicho que todas
lasniñashacíaneso, y que era my bonito. Entonces a lanochequiseprobar, y
sintiendoplacerloseguíhaciendo.714 (LA VOZ DE LA MUJER, 1896, p. 76)
714
‒ Sim, padre. Você não se lembra quando eu tinha 10 anos. Eu vim aqui para me confessar, e você me
perguntou se eu não coloquei meus dedos... a parte que você conhece e eu lhe disse que não sabia como
fazer isso e além disso você disse que todas as garotas fizeram isso, e isso era muito bonito. Então, à noite,
queria tentar e sentindo prazer segui fazendo.
715
Aposentos do sacerdote. Local pequeno, rustico.
716
[...] O padre confessor com os olhos virados e fora da órbita se despi, a menina tem vergonha de vê-lo
como a mãe o colocou no mundo, o padre confessor com baba em sua boca se joga sobre ela, a menina pelo
instinto de conservação abre a porta e foge. [...]
717
[...] nunca se apresentou ao confessionário e tampouco vai a Igreja porque está convencido de que é uma
farsa representada por aqueles infames.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1430
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para os libertários, a confissão era um dos meios de a Igreja exercer seu poder
sobre as pessoas, dominando suas consciências. No início do século XIX, o clero
aconselhou aos seus féis que praticassem o ato da confissão. O intuito era fazer o fiel se
confessar, revelando seus pecados ao confessor com vistas à absolvição pelas faltas
cometidas, de modo a alcançar o perdão divino por meio da penitência. O medo da morte,
o receio de não entrar no paraíso, fazia com que os fiéis buscassem as igrejas para se
confessar quase todas as semanas. E ao confessar seus erros, recebia a penitencia aplicada
pelo sacerdote, na intenção de redimir seus pecados e conquistar o perdão divino. Ao
718
O que a Voz da Igreja disse sobre isso? O que ele diz? O que a sociedade burguesa diz? Nada, como se
nada tivesse acontecido. Pais da família, adverte contra os comerciantes de carne humana.
719
Queridas meninas, estude bem a questão social e convencerás que a anarquia é a única verdadeira ideia
da emancipação proletária, onde todas as injustiças sociais desaparecerão e onde uma nova era de paz,
harmonia, liberdade, progresso e amor começará. O grifo é original.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1431
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
720
A imunda cloaca clerical.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1432
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
La voz de la mujer- 1896-1897- 9 exemplares.
Referências Bibliográficas
BAROJA, Caro. Introducción a una História Contemporáneadel Anticlericalismo
Español. Madrid: Editora Istmo, 1980.
KROPOTKIN, Piotr. A Conquista do Pão. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
1433
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1434
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
721
O TAC da Fazenda Santa Eufrásia foi assinado no dia 06 de maio de 2017 e seu texto completo está
disponível no site do MPF: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/docs/prm-volta-redonda/tac-
fazenda-santa-eufrasia/view. Acessado em: 19/05/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1435
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
722
O Vale do Café é uma denominação turística para a região do Médio Paraíba Fluminense, que abrange
os municípios de Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio
Claro, Rio das Flores, Valença, Vassouras e Volta Redonda. Dentre as fazendas da região abertas à
visitação, destacam-se: Fazenda Aliança, Fazenda Arvoredo, Fazenda da Taquara, Fazenda Ponte Alta,
Fazenda São João da Prosperidade, Fazenda Florença, Fazenda União, Fazenda Cachoeira Grande, Fazenda
Vista Alegre, Fazenda do Paraízo, Fazenda das Palmas, Fazenda Santa Eufrásia, Fazenda Pau D’Alho,
Fazenda da Bocaina. O “circuito das fazendas históricas do Vale do Café” é divulgado em sites como:
http://www.portalvaledocafe.com.br/fazendas_historicas.asp; http://valedocafe.com.br/;
http://www.trilhaseaventuras.com.br/circuito-das-fazendas-historicas-do-vale-do-cafe-rj/.
723
A identificação destes espaços como Museus Casas seguiu a listagem do ICOM (International Council
of Museums), de acordo com o trabalho organizado por Ana Cristina Carvalho - Museus-Casas Históricas
no Brasil - 2013.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1436
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1437
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
724
Definição de Museu – ICOM 2007. Disponível em: http://icom-
portugal.org/documentos_def,129,161,lista.aspx. Acesso em 27/07/2016.
725
Os Museus Casas foram categorizados por Pavoni no âmbito do DEMHIST - Comitê Internacional para
os Museus Casas Históricas - ICOM, em 2007, da seguinte forma: 1. Casas de Personalidade; 2. Casas de
Colecionadores; 3. Casas de Beleza; 4. Casas de Eventos Históricos; 5. Casas de Sociedade Local; 6. Casas
Ancestrais; 7. Casas de Poder Real; 8. Casas Clericais; 9. Casas Modestas. No arquivo final disponibilizado
na página virtual do DEMHIST foram acrescentadas mais duas tipologias: 10. Casas com salas cronológicas
e 11. Casas para Museus. Ver: CARVALHO, Ana Cristina (org.). Museus-Casas Históricas no Brasil. São
Paulo, Curadoria do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, 2013.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1438
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1439
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O museu possui, pois, dupla personalidade: “sua vocação de fazer história e seu
pertencer à história” (SANTOS, 2009:115). Deve ser apreendido como “um fenômeno,
lugar de encontro, instância relacional” (SCHEINER & ALVES, 2012:102), englobando
as instituições, os territórios, as experiências, ou mesmo os espaços imateriais, atento à
variedade de relações que os grupos sociais têm com os lugares que ocupam.
O museu dialoga diretamente com a ideia de patrimônio como construção social
e discursiva, que se expressa a partir de sujeitos, lugares, interesses, estratégias e suportes
diferenciados e, como tal, revela-se como itinerários simbólicos que produzem relações
de poder, saber, identidades, linguagens e práticas sociais.
O patrimônio enquanto categoria de pensamento sujeita a construções históricas,
resultante de processos contínuos de transformação, é usado não apenas para simbolizar,
representar ou comunicar, mas também "para agir", como afirma José Gonçalves, fazendo
a mediação sensível entre seres humanos e divindades, entre mortos e vivos, entre passado
e presente e outras oposições. O patrimônio não existe apenas para representar ideias e
valores abstratos e para ser contemplado; de certo modo, constrói, forma as pessoas.
(GONÇALVES, 2003:23-27)
Museu e patrimônio convergem então para o mesmo ponto, como "formações
discursivas que permitem mapear conteúdos simbólicos" (FONSECA, 2003:64) e, em
última análise, sustentam múltiplas identidades. Não se pode esquecer que a preservação
do patrimônio cultural é uma prática social, que implica um processo de interpretação da
cultura, como produção não apenas material, mas também simbólica, portadora de
referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1440
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sociedade. Valores estes que precisam ser constantemente reiterados a partir de critérios
que variam no tempo e no espaço (FONSECA, 2003:67).
Neste sentido, estes museus devem ser compreendidos como lócus de relações,
atuando na formação, transmissão e estabilização de uma série de categorias de
pensamento. Como afirma Márcia Chuva, o cerne da preservação do patrimônio, em seus
diferentes formatos, é a atribuição de valor que transforma bens ou práticas culturais em
patrimônio – compreendido como referência de pertencimento a grupos de identidade
(CHUVA, 2013:198).
Os Museus Casas são entendidos então como sujeito de práticas discursivas, mas
também como “espaços de fronteira, pontes entre culturas, como espelho multifacetado
da experiência humana” (SCHEINER, 2006:59), onde muitas narrativas e olhares se
cruzam e dialogam. Pensar os itinerários e estratégias de consolidação e/ou disputas de
sentidos como chave para a compreensão das representações sociais e de produção de
bens patrimoniais nos espaços destas fazendas pressupõe então compreender os processos
de memorialização da escravidão, os quais dão voz a (ou silenciam) relações sociais
marcadas pela desigualdade, por resistências e negociações.
Não se pode perder de vista que estas fazendas e seus museus casas integram um
universo de práticas, interações e disputas culturais que marcaram a experiência de
indivíduos escravizados e seus descendentes no mundo atlântico entre os séculos XIX e
XX. A diáspora negra no Atlântico, marcada pelo tráfico de escravos, coloca em trânsito,
para além dos corpos, diferentes ideias, práticas e expressões carregadas de trocas
simbólicas e disputas políticas. Servirá de motor ao estabelecimento de novas e grandes
sociedades, à economia das plantations, ao processo de construção da nação nas
Américas, à colonização da África, ao movimento anticolonial e a luta pelos direitos civis
entre os descendentes de africanos em diferentes partes do globo. Marcará também a
criação de categorias raciais e a racialização das relações sociais, os diferentes usos dos
conceitos de raça e racismo e mesmo a ideia de emancipação. Como bem afirmou Livio
Sansone (2008:07), não só as ideias viajam, mas também os que produzem ideias.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1441
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
726
Desde os anos 1980, pesquisas apontavam que os cativos tinham expectativas próprias, ancoradas em
suas experiências e visões de mundo, valorizando categorias como “agência” e “experiência”. Marcada por
costumes comuns e noções de direito vindas de baixo, essa economia moral fazia dos africanos escravizados
senhores de suas vidas, indivíduos com interesses próprios, que agiram dentro do sistema escravista a fim
de construírem suas próprias histórias. Trabalhos como o de Sidney Chalhoub (Visões da liberdade: uma
história das últimas décadas da escravidão na Corte - 1989) e de Silvia Lara (Campos da violência: estudo
sobre a relação senhor-escravo na capitania do Rio de Janeiro - 1986) são exemplos desse movimento.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1442
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ocasião da sua 27ª Conferência Geral, cria o Projeto Rota do Escravo: Resistência,
Herança e Liberdade, com o objetivo de trazer à tona histórias ocultadas, intervir na
construção de memórias públicas e sensibilizar variados públicos para a tragédia humana
da escravidão e do tráfico.
Entre as diversas ações propostas, encontram-se o apoio à produção de trabalhos
científicos, o desenvolvimento de materiais pedagógicos para o ensino da história da
escravidão e do tráfico de escravos, a elaboração de atlas das interações e das diásporas
africanas, a criação de novas formas de representação da escravatura nos museus, a
organização de eventos, festivais e exposições que valorizem heranças culturais comuns,
a coleta e preservação de arquivos e tradições orais, a produção e divulgação de materiais
de informação e sensibilização, a escolha de datas e anos comemorativos e a iniciativa do
Inventário dos sítios e lugares de memória (MATTOS; ABREU & GURAN, 2014).
O projeto Rota de Escravo teve importante papel no reconhecimento da
escravidão e do tráfico de escravos como “crimes contra a humanidade” na Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância, realizada em
Durban, África do Sul, em 2001 (ARAUJO, 2010). Tomada como dever de memória e
celebração das contribuições sócio-culturais da diáspora forçada de africanos, a
patrimonialização da escravidão e do tráfico atlântico de escravos aos poucos assume
contornos transnacionais, ultrapassando os limites das Américas, Europa ou África.
As tensões entre a pluralidade de memórias sobre o tráfico negreiro e o
movimento de patrimonialização da memória da escravidão como crime contra a
humanidade irão embalar, pois, uma série de abordagens. A multiplicidade de sentidos
atribuídos hoje à experiência da escravidão, a presentificação de sua memória e sua
apropriação política por movimentos antiracistas no Brasil e outros locais marcados pelo
tráfico transatlântico de escravos emprestam novas nuanças às complexas relações entre
história da escravidão, memória e usos políticos do passado.
Neste contexto, a emergência de memórias dos escravizados e seus
descendentes, marcadas por rupturas e lacunas, pela herança familiar e pela transmissão
do trauma, assim como as memórias dos descendentes de escravagistas, funcionam como
chave para novas leituras do passado. Ana Lucia Araujo (2011) demonstra que,
paradoxalmente, os projetos oficiais da UNESCO ajudaram a colocar acento não somente
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1443
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sobre as vítimas do tráfico atlântico de escravos, mas também sobre aqueles que
escravizaram e que venderam cativos africanos e que gradualmente, recuperam seu
capital político. O reverso desse processo é a produção de contra discursos públicos e
generalizantes sobre a história da escravidão e da abolição no Brasil e sua apropriação
por grupos marginalizados em luta por cidadania. A historiadora aponta ainda que embora
os descendentes das vítimas, dos sobreviventes e dos autores dos crimes experimentem
diferentes experiências em relação à pós-memória, esse tipo de memória não precisa se
restringir ao círculo familiar ou a um grupo que partilha as mesmas marcas étnicas ou
nacionais, mas também pode ser disponibilizada através de formas particulares de
identificação, adoção ou projeção (ARAUJO, 2011:47-48).
Assim, a articulação entre a nova agenda patrimonial de valorização de
expressões culturais afro-descendentes – elevadas a ícones da “resistência à opressão
histórica sofrida” e dever de memória – e as reivindicações por reparação parecem cada
vez mais se expandir no velho sudeste escravista, como demonstra Hebe Mattos e Martha
Abreu (2011). A memória da escravidão é então associada à valorização das expressões
culturais enquanto patrimônio cultural herdado e reconstruído pelos descendentes de
escravos. Apropriando-se desta associação, no novo contexto legal, as comunidades
portadoras destas práticas reafirmam politicamente sua trajetória histórica, ganhando
visibilidade e novas perspectivas de sobrevivência coletiva.
Este movimento envolveu, para além da patrimonialização das expressões
culturais, a percepção da própria história, memória e tradição oral do grupo como
patrimônios que precisam ser valorizados, lembrados e, desta forma, reparados. Neste
sentido, grupos começam também a reivindicar reparações materiais e simbólicas, em
nome de um “dever de memória” da sociedade brasileira em relação à escravidão e
ilegalidade do tráfico negreiro. Os descendentes dos escravizados passam a inserir-se,
para além da luta por terras tradicionais, em um esforço moral para que determinados
acontecimentos não sejam esquecidos, e, neste contexto, as memórias são firmemente
ancoradas na associação entre identidade negra e memória do cativeiro, seja como
reminiscência familiar, estigma ou expressão cultural.
As transformações sociais, culturais e simbólicas impelem os indivíduos e
grupos a procurarem no passado a sua legitimação. “E se, no que diz respeito ao tempo
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1444
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
jurídico, o pretérito pode prescrever sem ser julgado, na historiografia (tal como na
memória histórica) não deve existir o ‘imprescritível’. (...) E essa é a condição necessária
para que se possa alcançar uma memória justa e ascender ao reconhecimento e ao perdão”
(CATROGA, 2015:33).
Museu e patrimônio moldam então práticas interpretativas e operam na
reformulação de sensibilidades históricas. Analisar os Museus Casas destas fazendas
como campo de negociação e disputa de sentidos, memórias e afirmação de identidades
contribui para o fortalecimento de práticas sociais e políticas públicas que façam valer as
leis patrimoniais e a garantia de direitos culturais e de memória aos diferentes grupos.
Bibliografia:
1445
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1446
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1447
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1448
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
727
728
Ver site www.incra.gov.br.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1449
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1450
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
729
De acordo com o parágrafo 2º do artigo 1º do decreto 4887, de 20 de novembro de 2003, “são terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para garantia de sua reprodução
física, social, econômica e cultural.”
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1451
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
730
731
Entrevista com Ivanir dos Santos, em 28/11/2016, concedida à Ione Maria do Carmo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1452
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
732
Entrevista com Marta da Costa Cardozo de Andrade concedida a Ione Maria do Carmo, 21/01/2012,
Quilombo da Rasa, Búzios – RJ.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1453
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
733
Site mapadecultura.rj.gov.br/manchete/grupo-kindala (acesso: 10/10/2016).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1454
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
africanos cantando em língua materna a convite do próprio pastor Luis, o que nos
demonstra que não existe um afastamento total da cultura afro-brasileira. Um outros
aspecto significativo é observado na composição musical das adolescentes, que não se
restringe apenas a temas religiosos. Na letra exposta no artigo, a ancestralidade e a
identidade étnica aparecem como uma autoafirmação do grupo.
A importância de se observar o fenômeno religioso nas comunidades quilombolas
se dá pelo fato deste ser um dos elementos definidores de identidades. Nesta perspectiva,
Clifford Geertz define a religião como um sistema cultural na medida que esta modela
comportamentos, motiva ações e ordena o mundo daquele que crê, conferindo-lhe
sentido.(GERRTZ, 1989) Ao analisarem as comunidades dos agudás – ex-escravos e
seus descendentes retornados do Brasil ao Benim durante o século XIX – Manoela
Carneiro da Cunha e Milton Guran destacaram o papel do catolicismo como um elemento
modelador e distintivo do grupo em relação aos demais na Costa da África. A construção
da identidade dos agudás, assim chamados pelos autóctones, teve como base a diferença
cultural entre os antigos escravos retornados e os nativos, onde a religião foi um dos
componentes principais de definição da identidade coletiva do grupo. (CUNHA, 1986)
Embora a liderança da comunidade quilombola da Rasa reconheça o jongo como
uma prática cultural dos seus antepassados, é possível perceber, através do depoimento
de Marta, que a dança, por questões religiosas, não é um elemento de identidade
quilombola para o grupo. Ressalte-se que o motivo pelo qual a comunidade não pratica e
não demonstra a possibilidade de reconstrução da dança na localidade é justamente o fato
de perceberem aspectos da umbanda e do candomblé no jongo. No RTID da Comunidade
de Rasa, Bloco 4, relacionado às manifestações culturais da comunidade, o jongo é citado
como uma das tradições culturais de expressão na comunidade, juntamente com prática
da capoeira e a festa do Rei de Boi, que foi asfixiada pela religião protestante:
1455
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
1456
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CARMO, Ione Maria do. “O caxambu tem dendê”: jongo e religiosidades na formação
da identidade quilombola de São José da Serra. Dissertação (Mestrado em História) Rio
de Janeiro: UNIRIO 2012.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. v. 05, n. 11. São
Paulo, Jan/Apr. 1991.
OLIVEIRA, Anderson. Devoção negra: santos pretos e catequese no Brasil colonial. Rio
de Janeiro: Quartet: FAPERJ, 2008.
1457
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
1458
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
734
Podemos citar como exemplos: LOPES, José Sergio Leite. A tecelagem dos conflitos de classes na
"cidade das chaminés". São Paulo: Marco Zero; Brasília: Editora da Universidade de Brasília; CNPq, 1988;
MELLO, Juçara da Silva Barbosa de. “Paternalismo industrial e leis do trabalho Brasil”. In: Anais do
XXVII Simpósio Nacional de História. ANPUH. 2013.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1459
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como uma vantagem econômica, visto que as moças solteiras que precisassem de moradia
residiriam nos conventos das fábricas e a organização de tais habitações custava menos
do que a de uma vila operária, cada convento poderia abrigar de 20 a 30 moças, enquanto
que cada casa de vila, geralmente, comportava uma família. Além disso, os autores
destacam também a presença de um imaginário que privilegiava as funções de mãe e
esposa para as mulheres. Lima e Gonçalves ressaltam que tais proprietários procuraram
disciplinar a mão de obra feminina para o trabalho fabril, mas também educá-la para o
casamento e a maternidade (GONÇALVES; LIMA, 2012, pp. 238/242). Um exemplo de
incentivo nesse sentido está presente no trecho a seguir:
Nos nove anos que Vmcê. (sic) tem trabalhado aqui, tem desenvolvido sempre
uma atividade de dedicação tão acima do comum que raras têm sido as
companheiras que lhe têm igualado. Se seu trabalho nos tem sido lucrativo, seu
exemplo muito mais vantajoso nos tem sido. É, portanto, nosso dever, hoje, no
dia do seu casamento, manifestar-lhe o quanto lhe somos gratos, pedindo-lhe
haja de aceitar o pequeno adjutório, que incluso lhe oferecemos. Que Deus
abençoe o seu consórcio são os votos dos respeitadores e obrigados,
Mascarenhas e Irmãos [...] (GONÇALVES; LIMA, 2012, p. 238).
Percebemos no trecho da carta, o elogio dos proprietários a uma operária que
depois de nove anos de bons serviços prestados à companhia com um trabalho exemplar,
iniciaria uma nova etapa da vida, o matrimônio. Como forma de agradecimento, os irmãos
Mascarenhas oferecem um adjutório para ajudar nessa nova fase da vida. É interessante
ressaltar também que por serem proprietários de uma companhia com considerável mão
de obra de moças solteiras, os irmãos Mascarenhas procuram se descrever como
“respeitadores”.
No entanto, diversas companhias não tiveram como prioridade selecionar a mão
de obra feminina quanto ao estado civil, mas também não tiveram como preocupação
fornecer serviços que possibilitassem a permanência no trabalho de mães operárias. Maria
Auxiliadora Guzzo Decca, em um estudo que analisa as condições de vida do operariado
de São Paulo fora dos locais de trabalho, a autora procura abordar, por meio de
dissertações e teses médicas, a preocupação de setores da saúde pública com a qualidade
de vida dos/as operários/as. Destaco as considerações a respeito das operárias gestantes e
dos recém-nascidos:
Em São Paulo a administração sanitária, através do Código Sanitário, teria
garantido alguma proteção às mulheres e aos menores, mas quanto à “proteção
pré-natal e ao lactante”, seu artigo 214 seria ainda mais vago, sem limites
precisos. “Embora com resultados práticos duvidosos”, alguma coisa teria sido
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1460
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
735
Sobre essa questão ver: FRACCARO, Glaucia Cristina Candian. Os Direitos das Mulheres –
Organização Social e Legislação Trabalhista no Entreguerras Brasileiro (1917-1937). Tese de doutorado.
Departamento de História – UNICAMP. 2016.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1461
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1462
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1463
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1464
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Operários da América Fabril. Movida pelas greves e levantes de 1917 a 1919 e pelo
avanço da influência da União dos Operários em Fábricas de Tecidos em relação aos
trabalhadores do ramo, a administração da Companhia América Fabril incentivou a
criação da AOAF, fundada em 1919. Em cada fábrica havia um comitê composto de
operários empregados nestas e filiados a entidade, sendo cada comitê subordinado a uma
junta. A sede da associação se localizava próxima à Fábrica Cruzeiro, na Rua Barão de
Mesquita, nº 824.
Tal sociedade tinha cunho nitidamente assistencialista e propunha oferecer
auxílios financeiros em caso de afastamento temporário de seus associados, mas para se
tornar sócio, o/a operário/a tinha que estar em conformidade com a disciplina patronal e
preencher certos requisitos, nesse caso, era preciso apresentar atestado de boa saúde e
atestado de bons costumes e boa reputação fornecido pelas autoridades policiais. As
mulheres casadas só poderiam se associar, caso o marido já fosse sócio. A questão política
também era levada em consideração, sendo proibida a associação de pertencentes a
agremiações de caráter político, partidários do anarquismo, grevistas e expulsos do país
de origem (WEID; BASTOS, 1986, p.188/190).
Mediante o pagamento de uma mensalidade, os sócios, em geral, tinham direito a
auxílio-doença que variava de 30$ a 100$ e auxílio funeral, enquanto as mulheres, além
destes, contavam com auxílio de 100$ em caso de parto, casamento, proteção moral e
material aos órfãos com menos de 14 anos e para as viúvas inválidas (WEID; BASTOS,
1986, p.188).
Assim, a companhia por meio de tal associação procurou disciplinar sua mão de
obra e em contrapartida os/as sócios/as recebiam uma ajuda financeira em ocasiões de
afastamento. No caso das mulheres, estas poderiam receber o auxílio para: custear o
casamento e manter o vínculo com a fábrica para regressar mesmo depois de casada; dar
à luz, se afastar por um breve período e retornar ao trabalho com o recém-nascido já que
a Fábrica Cruzeiro possuía creche; manter órfãos menores de 14 anos; se manter, se
fossem viúvas inválidas.
Nesse sentido, tal recurso assistencialista funcionou como uma forma de fixar essa
mão de obra feminina disciplinada ao trabalho, mesmo depois do casamento da chegada
1465
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dos filhos. Sendo assim, utilizo o livro de atas das reuniões da AOAF e destaco alguns
trechos:
Comite Cruzeiro – dezenove admissões sendo os seguintes Joanna Pereira
Miranda, Olvino Henrique Amaral, Catharina Jesus Silva, Maria da Silva
Amarini,Eulina Tavares, Maria Bento Barboza, Maria da Silva, Maria de
Lourdes Andrade, Bayleu Baptista de Almeida, Alzira Costa Brites, Jose
Augusto Vasconcellos, Arlinda Vieira, Francisco Balthazar,Paulo Simoni,
Santos Domingos, Virgilio Lima de Oliveira, Antonio Martins, sendo todos
aceitos. [...] Comite Carioca _ sete requerimentos para admissões sendo os
seguintes, Philomena Garcia, Hilda Ferreira, Alzira Ferreira, Perpetua Simões,
Maria Joaquina da Silva, Nezia Maria das Dores, sendo todas aceitas, dois ditos
para readmissões sendo os seguintes, Porphirir Barboza e Azazarias Ferreira
Campos, também reaceitos, [...]. (ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO
DE JANEIRO. 1926. p. 6.)
1466
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de suas fábricas do Distrito Federal era menor do que a demanda operária, a companhia
estabeleceu alguns critérios à prioridade no acesso a moradia: preferencialmente
operários mais qualificados ou considerados imprescindíveis no trabalho; os mais antigos
ou com as maiores famílias, garantindo maior força de trabalho para a empresa; e, a partir
de 1921, era pré-requisito a afiliação à Associação dos Operários da América Fabril
(AOAF). O monopólio sobre a moradia próxima ao local de trabalho representava para a
companhia uma forma de reduzir o preço da mão de obra, já que o valor do aluguel era
descontado do salário, ampliar o controle sobre a mobilidade do/a trabalhador/a e induzir
o/a operário/a a permanecer no emprego (WEID; BASTOS, 1986, p. 167). Com a
preferência por membros de uma mesma família, a companhia podia fornecer uma casa
para vários/as trabalhadores/as de suas fábricas.
Considerações finais
Tendo em vista os exemplos de políticas paternalistas implementadas pelos
industriais de duas das principais companhias têxteis do Distrito Federal na Primeira
República, é possível perceber que diferente de outros empreendimentos do ramo que
privilegiaram a admissão de moças solteiras ou viúvas e dos industriais de São Paulo, que
exceto pela Fábrica Maria Zélia, não tiveram como prioridade, no início do século XX,
oferecer suportes pra afixar a mão de obra de mães operárias, observamos que os
administradores da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado e da Companhia América
Fabril implantaram formas de assegurar suas operárias ao trabalho mesmo depois do
casamento e da chegada dos filhos, além disso, privilegiaram a incorporação de membros
de uma mesma família no trabalho de suas fábricas de tecidos.
É importante destacar a relevância dessas políticas como meio de atrair as
trabalhadoras em um período em que a licença maternidade não era regulamentada e
pouquíssimos postos de trabalho ofereciam creches. Ainda, como as creches adquiriram
caráter de um direito conquistado pelos/as trabalhadores/as, visto que, em momentos de
greve, era uma demanda que as fábricas que não as possuíssem, criasse-as. Tais serviços
também merecem destaque no tocante ao controle da mão de obra, visto que as grevistas
e as indisciplinadas corriam o risco de perder o emprego e consequentemente, o acesso à
creche e às licenças remuneradas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1467
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
Fontes
Bibliografia
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: Cotidiano operário em São
Paulo (1920/1934). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
FRACCARO, Glaucia Cristina Candian. Os Direitos das Mulheres – Organização Social
e Legislação Trabalhista no Entreguerras Brasileiro (1917-1937). Tese de doutorado.
Departamento de História – UNICAMP. 2016.
JUNIOR, Moysés Kuhlmann.“Instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil (1899-
1922)”. Cad. Pesq., São Paulo, nº 77, 1991.
GONÇALVES, Irlen Antonio; LIMA, Junia de Souza. Formar, moralizar e disciplinar:
relações entre patrões e operárias no cotidiano de fábricas têxteis em Minas Gerais.
História Unisinos, Vol.16, nº 2, maio-agosto, 2012.
1468
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
LOPES, José Sergio Leite. A tecelagem dos conflitos de classes na "cidade das
chaminés". São Paulo: Marco Zero; Brasília: Editora da Universidade de Brasília; CNPq,
1988.
MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. A regulação do trabalho feminino em um sistema
político masculino, Brasil 1932-1943. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 29, no 59,
p. 667-686, setembro-dezembro 2016.
MELLO, Juçara da Silva Barbosa de. “Paternalismo industrial e leis do trabalho Brasil”.
In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. ANPUH. 2013.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar e a resistência
anarquista – Brasil 1890-1930. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e
resistência. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1991.
WEID, Elisabeth von der; BASTOS, Ana Marta Rodrigues. O fio da meada: estratégia
de expansão de uma indústria têxtil: Companhia América Fabril: 1878-1930. Rio de
Janeiro, Fundação Casa Rui Barbosa, Confederação Nacional da Indústria, 1986.
1469
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1470
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
736
Os 33 intelectuais que pertenceram ao Conselho Consultivo do SPHAN entre 1938 e 1966 foram: Afonso
Arinos de Melo Franco, Alberto Childe, Alcindo de Azevedo Sodré, Alfredo Galvão, Américo Jacobina
Lacombe, Antônio Joaquim Andrade de Almeida, Augusto José Marques Junior, Carlos de Azevedo Leão,
Edgard Roquette-Pinto, Eugênio Gomes, Francisco Marques dos Santos, Gilberto Ferrez, Gustavo Barroso,
Heloísa Alberto Torres, José Cândido de Mello Carvalho, José Otávio Corrêa Lima, José Roberto Teixeira
Leite, José Soares de Mello, José Wasth Rodrigues, Josué de Souza Montello, Lucio Costa, Luiz de Castro
Faria, Manuel Constantino Gomes Ribeiro, Manuel Bandeira, Miran de Barros Latif, Newton Dias dos
Santos, Oswaldo Teixeira, Paulo Ferreira dos Santos, Pedro Calmon, Raimundo Lopes da Cunha, Rodolfo
Gonçalves de Siqueira, Sérgio Ferreira da Cunha e Thiers Martins Moreira.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1471
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Assim, se legitimando e sendo legitimados, boa parte desses intelectuais permaneceu por
longos anos no Conselho. O grau de participação e importância desses intelectuais no
Conselho Consultivo teve forte influência das predileções e escolhas de Rodrigo Melo
Franco de Andrade.
1472
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
737
Os Distritos dividiam-se da seguinte forma: 1º Distrito, sediado em Recife, responsável pelos estados
do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco e de Alagoas; 2º Distrito, com sede em Salvador,
responsável pela Bahia e por Sergipe; 3º Distrito, estabelecido em Belo Horizonte, com atuação em Minas
Gerais; e, 4º Distrito, sediado em São Paulo, com a responsabilidade de atuar em São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul (CHUVA, 2009, p. 177).
738
A área técnica do SPHAN era composta pela Divisão de Estudos de Tombamento (DET), chefiada por
Lucio Costa, que compreendia a Seção de Arte e a Seção de História; e a Divisão de Conservação e
Restauro, dirigida pelo arquiteto Paulo Thedim Barreto, a qual se subdividia em Seção de Projetos e Seção
de Obras (CHUVA, 2009).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1473
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
739
(CHUVA, 2009; BOMENY, 1994; 2001; FARIA, 1995), não se conseguiu identificar
os mesmos laços de amizade entre Rodrigo Melo Franco de Andrade e boa parte dos
membros do Conselho.
Contudo, ainda que, possivelmente, Rodrigo Melo Franco de Andrade não
mantivesse relações próximas com todos os membros do Conselho, ao longo das reuniões
torna-se notória a sua admiração pela trajetória e conhecimento dos conselheiros. Nesse
sentido, os anos vivenciados juntos, as discussões e estudos acerca do patrimônio e outros
assuntos provavelmente aproximaram Rodrigo Melo Franco de Andrade de elementos da
intelectualidade que possivelmente, a priori, não possuíam laços de amizade. Assim, em
1968, em seu discurso de posse no Conselho Consultivo,740 Rodrigo Melo Franco de
Andrade declara que
[...] fiquei também comovido com a investidura, porque vim substituir aqui
meu dileto amigo Miran Latif, um dos mais distintos e influentes membros
deste colegiado, autor de livros notáveis pela originalidade da interpretação das
ocorrências do passado e do presente do Brasil, abalizado geólogo e
mineralogista, engenheiro e arquiteto talentoso, homem de gosto e grande
conhecedor do acervo de arte antiga do país, ao qual não faltava, antes impelia
sempre, um vibrante espírito público. [...]
Além da lembrança ainda muito viva e dolorida de Miran Latif,
ocorre-me igualmente, ao participar pela primeira vez como vogal dos
trabalhos deste Conselho, a recordação dos outros seus integrantes que
precederam na morte aquele caríssimo companheiro: Raimundo Lopes,
Alberto Childe, Rodolfo Siqueira, Roquete Pinto, Marques Júnior e Wasth
Rodrigues, todos os quais ilustraram este colegiado e dos quais conservo a
memória mais grata. (ANDRADE, 1986, p. 180-1).
739
“[...] Íamos todas as tardes para o escritório do Rodrigo – um trabalhador infatigável – e eu tinha pena
dele, porque estávamos sempre lá. Eu não era ninguém face aos outros freqüentadores, pois iam para lá
José Lins do Rêgo; Gastão Cruls – também infatigável; Drummond, um funcionário muito discreto; Afonso
Arinos, de Minas e primo de Rodrigo; e vários outros intelectuais.” (FARIA, 1995, p. 28).
740
Após o término de sua direção do SPHAN, em 1967, Rodrigo M. F. de Andrade integrou, por curto
período, o Conselho Consultivo. Tendo falecido no ano de 1969.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1474
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
desde a sua reunião inaugural e permaneceu nele para além da direção de Rodrigo Melo
Franco de Andrade, tendo participado de 82% das reuniões realizadas até 1966, relatou
quatro processos de tombamento.
Outros exemplos poderiam ser elucidados, mas interessa perceber que alguns
conselheiros foram, durante a presidência do Conselho por Rodrigo Melo Franco de
Andrade, mais solicitados e escolhidos que outros. Além do engenheiro Miran Latif de
Barros, os conselheiros Afonso Arinos de Melo Franco, Paulo Santos e Pedro Calmon
formaram o quarteto daqueles que mais relataram processos de tombamento enquanto
Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente do Conselho Consultivo.741
Cabe notar que, apesar de no Decreto-lei nº 25/37 ser o Presidente da República
quem indicaria os dez membros para o Conselho, pode-se pensar que os primeiros
membros empossados por indicação eram proposições de Rodrigo Melo Franco de
Andrade. De todo modo, a partir do Regimento Interno de 1946, caberia ao diretor do
SPHAN propor ao ministro a designação dos membros para compor o Conselho
Consultivo (DPHAN, 1967, p. 52). Com exceção de Afonso Arinos de Melo Franco, os
demais que integravam o quarteto mais solicitado do Conselho Consultivo ingressaram
após o Regimento Interno do órgão de preservação, ou seja, foram indicações diretas de
Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Na reunião inaugural, buscaram-se meios para separar as decisões do Conselho
Consultivo dos desejos do diretor do órgão de preservação, no entanto, Rodrigo Melo
Franco de Andrade foi, direta ou indiretamente, relator de seis processos de tombamento
enquanto ocupou a direção do Conselho. Consta na ata da 9ª reunião do Conselho, a
votação sem relator do processo de tombamento 0203-T-39 relativo ao monumento Casa
de Pedra, em Minas Gerais, o qual foi aceito por unanimidade, tendo o Conselho adotado
o “parecer do Diretor do Serviço” (ATAS, 15 maio 1939). Igualmente, na 13ª sessão, o
processo de tombamento nº 0371-T-47, referente às ruínas do Convento de São
Bernardino de Sena, situado em Angra dos Reis, foi debatido sem relator expresso e aceito
por unanimidade pelos conselheiros. Na 10ª sessão ordinária, realizada em 1940, os
processos de tombamento nº 0063-T-40 e 0223-T-40 referentes às Igrejas e aos
741
Para saber mais sobre as práticas e atual desses intelectuais no Conselho Consultivo, ver Jamile Silva
Neto (2015).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1475
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conventos de São Francisco, São Bento e do Carmo, em João Pessoa, e ao prédio na praia
de Icaraí, em Niterói, respectivamente, foram levados sem relator às discussões e às
deliberações do Conselho. Enquanto na 5ª e na 42ª sessões ordinárias foram votados os
processos de tombamento referentes à Igreja da Penha, no antigo Distrito Federal –
processo nº 0052-T-40 – e ao Pico de Itabirito, estado de Minas Gerais – processo nº
0608-T-60 – cujo relator foi declaradamente o diretor do Conselho Consultivo. Portanto,
a despeito de ter ficado acordado que Rodrigo Melo Franco de Andrade não teria direito
de voto, percebe-se, ao longo dos anos estudados, sua intensa participação nas decisões
do Conselho Consultivo, até mesmo como relator dos processos de tombamento em
debate. Ademais, o próprio fato de Rodrigo Melo Franco de Andrade escolher os relatores
dos processos de tombamento já depositava nas deliberações do Conselho os desejos do
diretor do órgão de patrimônio.
Como exemplo, pode-se citar o caso do processo de tombamento 0223-T-40
referente aos três painéis de Eugênio Latour e Henrique Bernardelli, situados na fachada
do prédio à praia de Icaraí, em Niterói. No parecer de Rodrigo Melo Franco de Andrade,
dentre outros pontos, ressalta:
A fotografia anexa ao processo evidencia desde logo que o edifício,
como obra de arquitetura, não pode absolutamente pretender a proteção
federal. Sucede, porém, que a fachada do mesmo foi decorada pelos
pintores Henrique Bernardelli e Eugênio Latour, que aí pintaram os
painéis cujas fotografias acompanham igualmente e servem de
fundamento ao pedido.
Sem entrar na apreciação do valor artístico dos referidos painéis,
cumpre ponderar a respeito que a orientação adotada invariavelmente
por este Serviço, desde a sua criação, tem sido a de excluir dos limites
da aplicação da lei federal vigente toda e qualquer manifestação de arte
contemporânea, uma vez que o critério para a apuração de tais obras se
representaria sempre da falta de recuo necessário para apreciar-lhes
devidamente as proporções. Assim foi, em verdade, que o Decreto-lei
nº 25, de 30 de novembro de 1937, não se aplicou até hoje a nenhuma
obra datada da metade do século passado a esta parte, aplicando-se
apenas em raras oportunidades às da primeira metade do século XIX
(ACI-processo 0223-T-40, p. 3).742
742
Processo de tombamento disponível no Arquivo Central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Rio de Janeiro).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1476
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
743
Silvana Rubino (1996) e Maria Cecília Londres Fonseca (2001) chamam a atenção para a ausência de
tombamento por parte do órgão de preservação de bens pertencente à Primeira República. Conforme
Fonseca, “[...] As alusões a estilos pretéritos, características da arquitetura que predominou na Primeira
República, eram consideradas uma contrafação, historicamente falsa e esteticamente condenável. [...]”
(FONSECA, 2001, p. 94). Curioso notar que o edifício-sede do MES – construção iniciada em 1937 e
concluída em 1945 – foi tombado no Livro do Tombo de Belas Artes em 1948. Nesse caso, não foi adotado
o critério do “recuo de tempo necessário”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1477
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências bibliográficas
Documentação
Atas do Conselho Consultivo do IPHAN (1938-1966), disponível em: <
http://portal.iphan.gov.br/atasConselho/>.
Processo de Tombamento 0223-T-40, disponível no Arquivo Central do IPHAN.
Bibliografia
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: Ministério
da Cultura/Fundação Nacional Pró-Memória, 1986.
1478
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CHUVA, Márcia. Patrimônio cultural no Brasil: proteção, salvaguarda e tutela. In: LIMA,
Antonio Carlos Souza (Org.). Tutela: Formação de Estado e tradições de gestão no Brasil.
Rio de Janeiro: e-papers, 2014. p. 201-218.
1479
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
LENZI, Maria Isabel. Para aprendermos história sem nos fatigar: a tradição do
antiquariado e a historiografia de Gilberto Ferrez. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.
1480
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Este trabalho tem como objeto a Aldeia Imbuhy, comunidade pesqueira que
iniciou uma disputa jurídica com o Exército na década de 1990 para manter suas moradias
e no ano de 2015 foi removida por decisão judicial.
A disputa ocorreu no interior do Forte Rio Branco, na entrada do Forte Imbuhy,
que teria dado nome à comunidade localizada no bairro de Jurujuba, Niterói-RJ.
Conforme versão dos moradores a ocupação teria se dado em 1886, quando da
chegada da jovem conhecida por Dona Yayá (1871-1963) e a fortificação teria sido
construída posteriormente, em 1901.
Aos 16 anos a jovem teria bordado a primeira Bandeira do Brasil Republicano
(1989) e acabou virando referência local, mesmo existindo registros de que a área já era
ocupada bem antes, desde meados do século XIX conforme afirma Motta (2017) e desde
o fim do século XVIII, conforme o Projeto de Resolução Nº 81/2015 que concedeu o
título de Benemérita do Estado do Rio de Janeiro "Post Mortem" à Dona Yayá.
A insegurança, que já era relatada por Dona Yayá em entrevista concedida a um
jornal da época na década de 1950 teria subsidiado o fortalecimento da identidade local
na figura da moradora, associada à história oficial como estratégia de sobrevivência da
comunidade, diante da ameaça de despejo.
Além disso, a pesca seria a principal atividade exercida pela comunidade, cuja
matriarca seria também, de acordo com o Projeto de Resolução Nº 81/2015, a esposa do
líder dos pescadores local744, o Sr. Francisco Jorge de Carvalho Bessa.
744
O marido de dona Yayá, o Sr. Francisco Jorge de Carvalho Bessa é referenciado em duas vezes em
jornais da década de 1960 como comerciante, o que pode ser justificado por ser comum o pescador
comercializar seu próprio peixe.
1481
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
745
Não pretendemos entrar no mérito da atualidade e capacidade de operação desses meios.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1482
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1483
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1484
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1485
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ocorrências
PERÍODO TOTAL CLASSIFICAÇÃO
1910-1919 1 Irrelevante
1920-1929 3 Irrelevante
1950-1959 3 Relevantes
1960-1969 5 Relevantes
1970-1979 2 Relevantes
1980-1989 1 Relevante
1990-1999 2 Relevantes
2000-2009 3 Relevantes
2010-2017 0
TOTAL 20
Tabela1: Levantamento de ocorrências sobre Dona Yayá na Hemeroteca Digital entre 1871 e 2017.
Identificou-se que o jornal que mais possui ocorrências é o Jornal do Brasil, com
um total de cinco distribuídas da seguinte forma: uma na década de 1960, uma na década
de 1980, uma na década de 1990 e duas entre os anos 2000 e 2009. Algumas dessas
reportagens pode ter relação com a composição da redação do Jornal, pois uma jornalista
da família nele já trabalhou, resta averiguar em qual período.
O Jornal Última Hora e O Fluminense também apresentam um bom número de
reportagens sobre o tema, um total de três cada um, distribuídas da seguinte forma: no
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1486
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1487
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
que a servidão militar ali existente poderia ser “próprio nacional sujeito a aforamento ou
de propriedade particular”.
Outra matéria, publicada em 20 de agosto de 1995 no Jornal do Brasil aponta que
em 1978 os moradores receberam notificações de despejo sob a alegação de que viviam
numa área militar. Na ocasião muitos teriam deixado a aldeia temendo perder móveis e
objetos pessoais. Os que permaneceram teriam continuado a ser incomodados.
Apesar das nossas investidas na questão do território, que pressupõe o conflito,
sem o qual a identidade apoiada em Dona Yayá não teria aflorado, o motivo pelo qual
não recortamos um período temporal maior para essa pesquisa, embora haja relatos de
que os embates entre o Exército e a comunidade pela exploração do local teriam se
intensificado no período militar, a partir da década de 1960, é o fato de nosso objeto não
ser o conflito em si e sim a identidade que, estrategicamente emergiu da memória coletiva
de uma comunidade que estava prestes a deixar de existir, o que veio à tona na década de
1990, quando os moradores ajuizaram ação de interdito proibitório contra a União em
razão de restrições de acesso à área impostas pela administração militar da época.
Obviamente é difícil chegar ao fortalecimento da identidade sem problematizar o conflito,
mesmo não sendo esse nosso objeto.
Portanto nosso marco temporal inicia-se na década de 1990 acompanhando o
marco legal citado acima. Além disso, identificamos em pesquisa prévia em periódicos
que das 16 notícias relevantes sobre a Dona Yayá e a bandeira, distribuídas em seis
décadas, o maior número ocorre na década de seu falecimento e (1960-1969), com cinco
ocorrências e de 1990 até os dias atuais constam outras cinco ocorrências. Teria sido a
partir de então que a comunidade passou a lançar mão da figura de Dona Yayá. Diante
das ameaças de despejo esta senhora, antiga moradora que viveu na área do Imbuhy entre
1886 e o início da década de 1960 passou então a ser mais frequentemente associada à
área e à história oficial como forma de defesa do território, o que, somado à ação judicial
dos moradores, pode apontar que o sentimento de insegurança ficava mais latente a partir
desta década.
Na década de 1990 começa a aparecer o direito de comunidades tradicionais – não
aplicado até então a comunidades pesqueiras – sobre o espaço necessário à manutenção
da sua cultura.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1488
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1489
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
746
Conforme consulta ao sítio Forte Imbuhy. (Disponível em
<http://www.dphcex.ensino.eb.br/?page=imbuhy>. Acessado em 01/09/2015).
747
Área definida pela Escola Superior de Guerra, dentro da Doutrina de Segurança Nacional onde as
liberdades individuais, os princípios constitucionais e a legislação civil não têm efeito. São consideradas
áreas de segurança nacional todas aquelas que podem ser alvo de sabotagens e atos terroristas ou localidades
que podem desestabilizar a segurança do Brasil. Alguns exemplos atuais são as áreas de bases militares,
barragens de usinas hidroelétricas, geradoras de energia (termoelétricas e nucleares), fábricas de armas,
explosivos e munições, regiões fronteiriças internacionais, entre outras regiões sensíveis.
748
Os Hotéis de Trânsito têm como finalidade proporcionar hospedagem para os militares em trânsito ou a
passeio.
749
1490
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
um uso social voltado para a questão da moradia. Outra crítica recorrente dos moradores
que podem ser encontradas nessas publicações é a questão da praia ser privativa, estando
disponível apenas para sócios.
Esses usos voltados para o entretenimento poderiam ser facilmente suspensos a
qualquer tempo em caso de necessidade da defesa do país, enquanto que a realocação da
comunidade seria mais demorada.
De um lado, a defesa do país, a rotina de funcionamento do quartel, o culto aos
símbolos nacionais e as tradições próprias de uma organização militar, que influenciava
o cotidiano da comunidade; de outro, o direito fundamental à moradia, a dinâmica
diferenciada de uma comunidade pesqueira, incluindo as manifestações religiosas e
culturais. É possível colocar os dois lados na balança, já que a sociedade precisa de
ambos?
O que sabemos, enquanto sociedade, governo e academia sobre os conceitos que
envolvem cada um desses lados?
Conclusão
Buscamos neste trabalho pensar a construção da identidade associada à produção
do território. Pretende-se fazê-lo através da memória coletiva para dar voz à comunidade
e via documentação oficial, para não fugir da forma com que trabalham as Forças
Armadas.
Na atualidade vem crescendo o número de minorias que querem ser representadas.
O direito de reconhecimento das comunidades tradicionais também aparece na
Constituição de 1988. É garantido aos povos e comunidades tradicionais o direito a seus
territórios. A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, instituída pelo decreto 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007,
permite a autodeclaração grupos culturalmente diferenciados, os Povos e Comunidades
Tradicionais, porém não são mencionadas especificamente nesta categoria as
comunidades pesqueiras.
A partir dessa legislação os moradores da Aldeia Imbuhy conseguiram o seu
reconhecimento como Comunidade tradicional pela Prefeitura de Niterói.
1491
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
● Periódicos
1492
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
● Livros
ALBERTI, Verena. Manual de história oral.3 ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2005.
____________________. & AMADO, Janaina. Usos & abusos da História Oral. 8 ed.
Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2006.
1493
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
RESENDE, Alberto Toledo. O papel do Estado no controle territorial e sua relação com
a estruturação da atividade pesqueira brasileira na Primeira República.Rio de Janeiro/
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ- FFP)/ Programa de Pós- Graduação
em História Social, 2011.
1494
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1495
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7 e 9 (1750-
1782 e 1809-1839).
Por outro lado, cabe destacar aqui que embora a presença de testemunhas na
cerimônia e sua assinatura nas atas também fosse uma exigência canônica, 1% dos
registros no primeiro período e 5% no segundo não contou com ninguém cumprindo tal
papel. Aliás, segundo as Constituições Primeiras no Título LXXIII do Livro I, havia a
previsão de pagamento de multa ao pároco que não cumprisse devidamente as normas
referentes aos assentos de matrimônio e o casamento poderia ser inclusive cancelado
diante da ausência delas. Desse modo, uma pergunta vem a tona: se a presença da
testemunha é importante, quem são estes que se casam sem elas? Estes noivos seriam
aqueles que não conseguiram inserir-se em qualquer tipo de relação e não puderam contar
sequer com uma testemunha na ocasião de seus enlaces? Pois bem, destacando apenas os
registros em que as testemunhas estiveram ausentes, temos um total de 21 assentos.
Nestes, temos a maioria, 16 casamentos, envolvendo nubentes escravos e forros. Porém,
os cinco restantes, são matrimônios entre um livre com outro nubente cuja condição
1496
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
jurídica não foi informada. Poderíamos então pensar na possibilidade de serem livres
pobres e, por algum motivo, tão desarraigados socialmente quanto os demais. No entanto,
nos casos onde a documentação forneceu informações mais completas, verificamos tratar-
se de portugueses casados com mulheres com o título de “dona” e cujas profissões são
doutor, sargento mor de artilharia e alferes. Desse modo, a hipótese de desarraigo social
do casal como explicação para a ausência de testemunhas nos casamentos parece não se
confirmar, pois foram encontrados noivos com certo prestígio social.
Outra explicação possível recai sobre a provável falta de acuidade do padre
responsável pelo assento do sacramento posteriormente a cerimônia. Com frequência, a
tarefa de registrar os matrimônios realizados em um determinado período não recaia sobre
o pároco celebrante do casamento, mas para um coadjutor ou vigário da paróquia. Sendo
assim, é interessante perceber que dos 23 casamentos sem testemunha, 11 fornecem a
informação de quem os registrou, e neles o assento foi feito por um coadjutor ou vigário
distinto daquele responsável pela celebração. Além disso, o local da cerimônia de 6 desses
casamentos não foi a matriz da Candelária o que pode ter gerado perda de informação na
ocasião da transcrição do assento. Bem, fato é que não há nenhuma observação quanto a
nulidade do matrimônio em função da ausência de testemunhas. Deste modo, fica latente
a influência da acuidade do vigário na ocasião do assentamento dos dados e a completude
dos registros. Além disso, a dificuldade encontrada pela Igreja Católica, especialmente
na América portuguesa, de implementar as normas tridentinas pode ter perdurado até o
limiar do século XIX e gerado tais discrepâncias.
A partir da observação focada nos nomes desses personagens percebemos que
alguns deles estiveram presentes em vários registros. Desse modo, foi possível
contabilizar o número de vezes em que cumpriram o papel de testemunha e dispô-las de
forma decrescente em uma lista que se inicia com a testemunha mais recorrente. Além
disso, conforme a informação presente no registro quanto a natureza coletiva ou não das
cerimônias, também foi possível distinguir para cada uma das testemunhas o número de
participações em cerimônias simples, onde apenas um casal e suas respectivas
testemunhas comparecem a igreja, ou cerimônias coletivas, onde mais de um casal
recebeu o sacramento compartilhando a (as) testemunha (as). A Tabela 1 nos mostra o
1497
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1498
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1499
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
submissão da Igreja ao Estado e a diminuição cada vez mais acentuada do peso do clero
regular na sociedade portuguesa (SOUZA, 2015). Como consequência de tal conjuntura,
o clero secular acabou por ocupar um papel de maior proeminência no meio eclesiástico,
o que os tornou mais atuantes e presentes na vida dos fiéis. Desse modo, diferente do
segundo período que vai de 1809 a 1839, no primeiro período compreendido entre 1750
e 1782 a presença marcante de padres compondo o conjunto de testemunhas recorrentes
talvez seja consequência desse maior domínio do clero secular no cotidiano paroquial.
Enfim, a desconfiança de que as testemunhas de casamento cumpriam um papel
social que ia muito além de uma mera formalidade burocrática, fez transbordar uma série
de nomes que precisam ser investigados para que as questões suscitadas até aqui possam,
ao menos em parte, ser elucidadas com maior nitidez. Desse modo, será inevitável seguir
o rastro das recentes pesquisas em História social e operar, na medida do possível, a
reconstrução das trajetórias de vida de alguns desses personagens, tanto testemunhas
como nubentes, o que, definitivamente, só serão possíveis de se realizar a partir do
cruzamento com o maior número de fontes possível acerca desses personagens.
1500
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1501
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1502
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1503
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de seu sepultamento dão conta disso e talvez o fato de ter sido convidado tantas vezes
seguidas a testemunhar casamentos também.
As Atas da Irmandade ainda revelaram que, a partir de 1826, Mathias Gonçalves
Ferreira, uma das três testemunhas que buscamos rastrear, foi admitido pela Irmandade,
também como Andador. Antônio fez essa solicitação alegando excesso de trabalho, do
que foi prontamente atendido pela Mesa. É interessante que, imediatamente após a
admissão de Mathias, nas atas subsequentes, Antônio começa a ser referido como
primeiro Andador e Mathias, segundo. A partir da contratação de Mathias uma hierarquia,
antes inexistente passa a vigorar, refletida, inclusive na diferença de ordenado.
Seguindo a busca por Inventários, o de Cesário José também foi encontrado e
revela que, na ocasião de sua morte, deixou Miquelina Maria de Jesus como viúva e
inventariante, e três filhos maiores de idade (AN, Inventário Post-Mortem de Cezário José
da Silva, Vara Cível do Rio de Janeiro, 1 – N° 8147, Maço: 422, Ano 1845). Os bens que
deixa são relativamente fartos: além de mobília louças e roupas, deixou quatro escravos,
duas casas e nenhuma dívida. Nesse sentido seu Inventário confirma o relativo prestígio
de sua profissão.
Contudo o Inventário de Cesário revela um pouco mais. Encontramos nessa
documentação um caderno avulso onde consta o endereço dos imóveis deixados por
Cesário e neles encontramos as seguintes referências: uma casa térrea na Rua do Príncipe,
número 37 e uma casa de dois sobrados na Rua do Sabão, número 19. Já sabemos que
esta era a Rua onde morava Antônio Luiz de Andrade. No entanto, de posse das “Guias
de pagamento da Décima adicional e décima urbana”, referentes aos imóveis da
Irmandade da Candelária e depositados em sua sede, encontramos a guia referente a casa
número 19 deixada por Cesário em seu Inventário. Portanto, Cesário José da Silva muito
provavelmente, morava em uma casa cujo imposto da décima era devido à Irmandade
onde Antônio Luiz e Mathias Gonçalves trabalhavam.
Enfim, não restam dúvidas de que Antônio Luiz de Andrade, Cesário José da Silva
e Mathias Gonçalves Ferreira se conheciam. Isso ficou demonstrado não apenas pelo fato
de terem formado pares de testemunha em vários casamentos ou morarem próximos. Mas,
sobretudo, por que constatamos que Cesário José da Silva foi compadre, testamenteiro e
1504
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
tutor de uma das filhas de Antônio Luiz de Andrade e este, por sua vez, foi quem indicou
Mathias Gonçalves Ferreira como seu companheiro de trabalho.
Aliás, seja pelos bens deixados por Cesário na ocasião de sua morte, seja pela
pompa com que Antônio Luiz de Andrade foi sepultado, ou ainda pelo cargo exercido por
cada um deles, podemos inferir que esses personagens ocupavam, de fato, uma posição
social relativamente prestigiosa na ocasião em que foram convocados como testemunhas
de casamento. Desse modo, tendo em vista que os noivos que buscaram essas ditas
testemunhas eram majoritariamente africanos e escravos, talvez estejamos diante de
escolhas norteadas pela busca de inserção social que indivíduos com estatuto jurídico e
status social superior podiam oferecer. Não por acaso, Jean Baptiste Debret ao tecer
comentários a respeito da sua obra chamada Casamento de escravos de uma casa rica,
fala sobre o costume que estes tinham de escolher para padrinho alguém de “categoria
superior” (DEBRET, 1972: 174).
É importante lembrar que o africano era obviamente um estrangeiro em solos
coloniais. Independentemente de ser escravo ou forro, até podia optar por resistir ao
aprendizado de uma nova língua e dos costumes correntes, restringindo-se ao convívio de
conterrâneos africanos. Mas, ainda assim, teria a necessidade de criar mecanismos de
interação e arraigo, recriar identidades, forjar laços e solidariedades. O crioulo, indivíduo
que por definição havia nascido aqui, dependendo do tempo em que seus antepassados
aqui estivessem, poderia conhecer irmãos, tios e até avós. Os laços parentais e as redes
em que escravos e forros crioulos poderiam estar inseridos, portanto, eram
potencialmente maiores que a dos africanos. Desse modo, a escolha dessas testemunhas,
somente entre africanos, talvez indique a necessidade que esses noivos tinham de criar
vínculos e solidariedades e, sobretudo, que percebiam o quanto a escolha de determinadas
pessoas poderia ser uma forma privilegiada para inserção numa rede social que, até então,
ainda não lhes estava disponível.
Tudo indica que quanto mais tempo o casal tivesse de arraigo, mais ele poderia
prescindir da inserção trazida por uma testemunha de casamento comum a outros casais.
Logo, os crioulos eram os que poderiam se dar ao privilégio de ter uma “testemunha
personalizada”, que somente ele possuía. Os africanos que assumiram semelhante
comportamento eram os que estavam, do ponto de vista dos arraigo socio-cultural, mais
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1505
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
1. Primárias manuscritas
1.1. ACMRJ – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro
1.1.1. Livro de Casamentos – Freguesia da Candelária, N° 9, 1809-1837.
1.1.2. Livro de Óbitos – N. S. da Candelária, n°15, 1809-1838.
1.1.3. Habilitação Matrimonial - Antônio Luiz de Andrade, cx. 2895, n°68376.
1.2. AN - Arquivo Nacional
1.2.1. Inventário Post-Mortem
a) Antônio Luiz de Andrade, Juízo de Órfãos Ausentes, cx.912, n° 3857,
Gal. A.
b) Cezário José da Silva, Vara Cível do Rio de Janeiro, 1 – N° 8147, Maço:
422, Ano 1845.
1506
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
2. Primárias Impressas
2.1. ANTT - Registo Geral de Mercês, Portugal, Torre do Tombo, Mercês de D. Pedro
II, liv. 1, f. 91v.
2.2. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia do anno de 1707. Introdução e
revisão cônego prebendado Idelfonso Xavier Ferreira. São Paulo: Typ. 2 de
dezembro, 1853.
2.3. DEBRET, Jean B. Viagem Histórica e pitoresca ao Brasil. São Paulo: Martins
Fontes/EDUSP, 1972.
2.4. IHGB - Almanaque da Corte do Rio de Janeiro para o Ano de 1824 a 1825. In:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Impressão
Régia, 1810.
Bibliografia
CASTRO, Giovanna Milanez de. “Servir em vida, ritualizar a morte: a Casa Real
Portuguesa e as exéquias da Rainha D. Maria I no Rio de Janeiro do período
Joanino”. In: Anais do XVI Encontro Regional de História da Anpuh-Rio:
Saberes e práticas científicas. 2014 - ISBN 978-85-65957-03-8
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora
Univercidade, 2000.
1507
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965.
1508
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
INTRODUÇÃO
A loucura como uma marca na civilização que não pode ser apagada e é analisada
por Andrew Scull no cerne da civilização, nas discussões de artistas, escritores, cientistas
e médicos, e levando o autor a questionar se a “loucura é a negação da civilização”. Scull
responde ao questionamento afirmando que a relação loucura-civilização se revela um
paradoxo, ora, oposto e à margem do que é civilizado, ora, no cerne do que é civilizado
como marca de interesse e de mistério nas mais diversas manifestações artísticas e
científica (Scull, 2015, p.10).
As causas e consequências da loucura como a perda da razão dentro do senso
comum, para Andrew Scull, fazem parte da nossa experiência humana através dos séculos
em todas as culturas. “A loucura desafia nosso senso de limites e o que é ser humano”
(Scull, 2015, p.10). Desse modo, a loucura atravessa os tempos e os modos culturais
porque é inerente à existência humana.
A aplicação do termo loucura, para Scull, tem sentido e significado “na mais
profunda forma de sofrimento humano – tristeza, isolamento, alienação, miséria e morte
da razão e da consciência” (Scull, 2015, p.11). O que reforça o caráter subjetivo da
loucura, percebida de dentro para fora, desenquadrada, desajustada dos padrões sociais e
culturais.
Numa outra perspectiva Rafael Huertas refere-se à história da psiquiatria e da
loucura como uma ferramenta epistemológica que possibilita compreender “o caráter
histórico cultural dos transtornos mentais” (Huertas, 2016, p.28). Huertas propõe uma
história que pretende uma outra visão da psiquiatria que não privilegie a visão da
medicina e do médico, precisa de mudanças epistemológicas sobre a compreensão do
transtorno mental e sobre o protagonismo do paciente na gestão da loucura. O
protagonismo na história imputado ao paciente é caracterizado pelo autor como uma
1509
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
dimensão epistemológica de uma “otra história para otra psiquiatria” (Huertas, 2016,
p.24)
Com a loucura como ferramenta epistemológica para entender a doença mental na
perspectiva de dar protagonismo à loucura e ao processo de institucionalização dela,
abordo duas perspectivas neste trabalho que é parte do desenvolvimento da pesquisa de
doutorado iniciada em 2016. A primeira é constatar o pressuposto científico e a
consequente terapêutica institucional da loucura onde a colônia agrícola foi parte do
tratamento acolhendo o louco e afastando-o das pressões urbanas e inserindo-o na
paisagem rural como ambiente e ‘locus’ terapêutico. A segunda, apresentar os dados e
informações resultado das análises de 66 prontuários de internos transferidos do Hospício
Nacional de Alienados (HNA) para as Colônias de Alienados da Ilha do Governador.
No Brasil, no fim do século XIX, os pressupostos do tratamento da loucura
transitaram da experiência do asilamento fechado como assistência pública ao modelo da
colônia agrícola, que era espelhado no tratamento humanitário da Colônia de Gheel
(Bélgica), onde o asilo fechado era substituído pelo asilo em regime semi-livre, o
isolamento, as habitações comuns e o trabalho rural como condições curativas da
alienação (Souza, 1888, p.150-151).
Cristiana Facchinetti relaciona a loucura com as correntes renovadoras do XIX e
XX, para quem a “loucura foi livre na Colônia; confinada a partir do Império; tornou-se
polícia das raças ao final do XIX e agente de higiene e educação no início do século XX”.
(Facchinetti, 2004, p.307)
As primeiras instituições de assistência ao alienado, no Brasil, na cidade do Rio
de Janeiro foram: o Hospício de Pedro II, na época do Império, em 1852, na Praia da
Chácara da Praia Vermelha; e a Colônia de São Bento e a Colônia Conde de Mesquita,
em 1890, na Ilha do Governador. Essas duas últimas instituições foram criadas por
decreto no início da República, mas há informações sobre a existência delas desde 1889,
quando foram mencionadas pelo Decreto 10.244 que criou o Conselho de Assistência
(Brasil, Decreto 10.244, 1889).
1510
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O tratamento da loucura, que parece ter sido aplicado nas primeiras colônias
agrícolas do Brasil, tinha como ideário cientifico o tratamento moral compatível com os
pressupostos preconizados por Philippe Pinel. A psiquiatria clássica teve suas bases
lançadas, em Paris, por Philippe Pinel, quando escreveu a primeira edição publicada em
1801 do “Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental ou a Mania” que
introduziu o conceito de tratamento moral que segundo Jan Goldstein, era uma inovação
no campo da medicina e uniu a experiência da prática com o ideal do novo homem pós-
revolucionário no tratamento da loucura,
tratamento moral significa o uso de métodos para a cura da insanidade
que são operados diretamente na direção do intelecto e das emoções,
oposto aos métodos tradicionais da sangria e expurgos aplicados no
corpo dos loucos (Goldstein,2001, p.65).
1511
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1512
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fotografia 06, vista parcial das instalações e internos Colônia Conde de Mesquita
Fonte: Album de fotografias das Colônias da Ilha s/data – nº 46. Acervo: BRRJ IMASNS/ Iconografia
O acesso do centro urbano do Rio de Janeiro às duas colônias era feito por mar.
Os transportes marítimo era feito pela lancha Esquirol de propriedade da Assistência
Medico-Legal e, o terrestre, entre as colônias para internos, funcionários e médicos, era
feito por transporte puxado a bois e a cavalo como apresentado nas fotografias 07 a 09.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1513
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A distância entre São Bento e Conde de Mesquita era de 2,5 km. A infraestrutura
local também era precária. Não havia água potável canalizada, o banho dos internos era
no mar sob a vigilância dos guardas e a lavagem de roupa era feita na lavanderia do
Hospício Nacional de Alienados (Acervo IMASJM, 1891).
1514
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1515
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1516
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
no fim do século XIX tanto no Rio de Janeiro quanto em outros países da América Latina,
guarda similaridades sendo as essas instituições rurais uma extensão para doentes
crônicos do hospício urbano.
O critério de cronicidade previsto na legislação da colônia brasileira, não pode ser
percebido nos levantamentos realizados, até agora, nos prontuários dos internos das
Colônias da Ilha. Nessa análise preliminar dos prontuários não se detectou um padrão,
uma similaridade de critérios adotados pelos médicos brasileiros para a transferência de
internos do HNA para as Colônias de Alienados da Ilha do Governador.
A movimentação de internos para as Colônias da Ilha do Governador percorriam
um fluxo definido que seguia determinadas etapas. Primeiro, o interno era trazido pela
Polícia acompanhado de uma ficha com identificação e anamnese assinada pelo médico
do serviço médico legal. Segundo, o interno ficava em observação no Pavilhão de
Observação anexo ao HNA que era ligado à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O
tempo de permanência no Pavilhão de Observação variava entre 1 e 15 dias após esse
período era admitido no Hospício e transferido para o Pavilhão pertinente do HNA. Após
tempos variados de internação no Hospício era transferido, se fosse o caso, para as
Colônias de Alienados da Ilha do Governador, segundo critérios ainda não identificados.
Para verificar a movimentação dos internos entre o Hospício Nacional de
Alienados e as Colônias de Alienados da Ilha do Governador foram analisados 65
prontuários de pacientes internados entre 1911 e 1916. Esses prontuários continham a
foto, os dados de identificação do doente, a procedência, o número de entradas no
Hospício, o diagnóstico e as datas de internação, transferências além de licenças, altas e
óbitos. Apensos aos prontuários há dois documentos: o primeiro a Guia Policial onde
consta a identificação, a procedência, a anamnese, o diagnóstico do doente; o segundo a
Ficha do Pavilhão de Observação do HNA. O prontuário era preenchido pelo médico
alienista quando na admissão do HNA, a Guia Policial era preenchida pelo médico do
serviço médico legal da polícia quando realizada a anamnese inicial e a Ficha do Pavilhão
de Observação era preenchida no momento da entrada e assinada pelo médico alienista
do Pavilhão.
1517
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Gráfico 01 – Número de internos nas Colônias da Ilha do Governador por cor e nacionalidade
1518
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Como pode ser observado no gráfico 01 a proporção de internos na cor branca era
de 53%, parda 26% e negra 21% em relação ao total de internos. O que nos leva a concluir
que mais do dobro de internos brancos foram transferidos para as Colônias no período
analisado.
Quanto a idade dos internos, apresentada no quadro 01, pode se observar que o
maior número de internos está concentrado na faixa entre 21 e 40 anos, portanto uma
idade considerada produtiva para o trabalho na colônia agrícola
Quadro 01 – Idade dos internos nas Colônias de Alienados da Ilha do Governador
número de internos
Tota
Idade brancos pardos Negros
l
até 20 anos 4 1 1 6
21 a 40 anos 23 14 11 48
41 a 50 anos 6 1 1 8
acima de 51 anos 1 1 2
Vazias 1 1 2
total
66
Fonte do quadro 01, Acervo do IMNS, Prontuários. Elaboração própria.
No gráfico 02 está representada a análise da incidência de diagnósticos dos
internos que foram transferidos para as Colônias de Alienados.
1519
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Gráfico 02 – Número de internos nas Colônias da Ilha do Governador por diagnóstico e por cor
Gráfico 03 – Número de internos, por cor anotada no prontuário, transferidos para as Colônias da
Ilha do Governador que vieram a óbito
1520
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1521
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1522
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Quadro 02 – Tempo de permanência por número de internos nas Colônias de Alienados da Ilha
do Governador
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As colônias agrícolas para alienados, fundadas no fim do século XIX, no Brasil e
em alguns países da América Latina, eram uma extensão rural do hospício urbano. No
caso brasileiro, numa análise preliminar, embora ligada ao hospício urbano, essas
instituições funcionavam administrativamente e cientificamente de forma autônoma. A
autonomia, até agora, pode ser percebida pelos divergentes diagnósticos muitas vezes
observados no prontuário de um mesmo doente. O médico do serviço médico legal da
Polícia apontava um diagnóstico na Guia Policial, o médico do HNA outro e um terceiro
1523
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
podia ser apontado pelo médico alienista das Colônias, mas as pesquisas precisam ser
aprofundadas para a compreensão desse fato.
Outro aspecto que pode evidenciar a autonomia das Colônias em relação ao
Hospício se deve ao fato do Diretor das Colônias demandar orçamentos, obras e reformas
diretamente ao Diretor da Assistência e atendido pelo Ministério da Justiça e Negócios
Interiores (MJNI) ao qual era subordinado e autorizado por meio de rubrica independente
do Hospício Nacional de Alienados. Essas demandas, também, eram atendidas pelo
Escritório do Engenheiro ou por qualquer outra Diretoria do MJNI.
No tocante à internação do alienado, as anamneses e observações clinicas que
embasavam o diagnóstico eram realizadas no momento da admissão do interno em todas
as instâncias já comentadas. Não foram encontradas nos prontuários anotações sobre a
evolução ou mudança de diagnósticos dos internos, há apenas anotações administrativas
posteriores como: altas, licenças, óbitos, movimentações e transferências.
Nas primeiras colônias ainda não foi possível sistematizar na análise dos
prontuários o critério do médico alienista de movimentação/transferência entre os
pacientes do Hospício para as Colônias de Alienados e entender que habilidades ou que
diagnósticos os internos deviam ter para serem transferidos para as Colônias de Alienados
da Ilha do Governador. Um dado que parece relevante, analisado no quadro 02, é a maior
incidência de número de internos na faixa de idade de 21 a 40 anos, o que pode apontar
para uma idade capaz de suportar o trabalho agrícola nas Colônias.
Os motivos anotados nos prontuários, pelo Diretor das Colônias de Alienados da
Ilha do Governador, para a devolução de internos para o Hospício Nacional de Alienados
eram: agressividade, desobediência, turbulência; não adaptação do interno; embriaguez
sucessiva; a pedido do próprio e por ser agitado; sucessivas tentativas de suicídio e/ou
evasão.
Vale ressaltar que nos Relatórios Anuais de 1891 e 1892, preparados pelo Diretor
Geral para serem encaminhados ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, consta que
estavam asilados 212 internos, dentre os quais 169 homens e 43 mulheres, que foram
devolvidas em 1892 ao HNA, sendo que 3 mulheres vieram a óbito. Ainda não pode ser
conhecido o motivo da transferência dessas mulheres para as Colônias de Alienados da
Ilha do Governador no início da sua implantação (Acervo IMASJM, 1891,1892).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1524
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências
Bibliografia
FACCHINETTI, Cristiana. O brasileiro e seu louco: notas preliminares para uma análise
de diagnóstico. In: Nascimento, Dilene Raimundo do; Carvalho, Diana Maul de. Uma
História brasileira das doenças. Brasília: Paralelo 15, 2004, p. 295-307.
GOLDSTEIN, Jan. Console and Classify: The French Psychiatric Profession in the
Nineteenth Century, Chicago: University of Chicago Press, 2001
1525
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
HUERTAS, Rafael. Otra historia para otra psiquiatria. Madri: Xoroi Edicions, 2016.
SOUZA, Teixeira de. Exame e apreciação das disposições para Assistência pública dos
alienados. Brazil – Medico, Rio de Janeiro, ano 2, vol3, janeiro a dezembro de 1888.
SCULL, Andrew. Madness in Civilization: A cultural history of insanity from the Bible
to Freud from the Madhouse to Modern Medicine. New Jersey: Princeton University
Press, 2015.
1526
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1527
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1528
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1529
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para Mattos, a aula de História pode ser vista como um texto de criação individual
e coletiva. Portanto, longe de possuir um significado concreto, professores e alunos
estarão sempre reelaborando as informações recebidas. Nessa perspectiva, urge
complexificar a análise desse objeto de estudo de maneira a apreender também as
narrativas orais ou escritas, os programas e os planos de curso, os textos dos manuais
didáticos selecionados que irão compor, norteados pela escolha dos professores, a
dinâmica de suas aulas. Ao referenciar o papel da autoridade dos professores nesse
processo, o autor destaca:
1530
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
750
“Com a História Oral Temática, a entrevista tem caráter temático e é realizada com um grupo de pessoas
sore um assunto especifico. Essa entrevista – que tem característica de depoimento – não abrange
necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais
numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles,
apontando divergências, convergências e evidencias (...)” (FREITAS, 2006: 21-22). Para esta pesquisa,
sublinhamos que o registro das narrativas dos professores será complementado com outros materiais
escritos, como leis, diretrizes, currículos, documentos institucionais, etc.
751
Tomamos aqui de empréstimo a expressão “pesquisa colaborativa” apontada por Goodson para sugerir
pesquisas orais voltadas à educação na relação entre o professor-investigador em colaboração com seus
pares, cujas vantagens se verificariam na menor exposição dos professores e na possibilidade de trocas de
dados e conhecimentos (GOODSON, Ivor, 1992: 76).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1531
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Segundo Goodson, tais dados mais gerais tenderiam a ser menosprezados por
alguns pesquisadores devido a sua carga de subjetividade, contudo o autor chama a
atenção para complexidade do objeto, uma vez que “o estilo de vida do professor dentro
e fora da escola, as suas identidades e culturas ocultas têm impacto sobre os modelos de
ensino e sobre a prática educativa” (GOODSON, 1992:72). Nesse sentido, a história oral
serviria como importante ferramenta à apreensão das relações do indivíduo-professor com
a história do seu tempo, na intercessão de sua história de vida e suas escolhas profissionais
(GOODSON, 1992: 75).
Nessa perspectiva, os saberes docentes são plurais, compósitos,
flexíveis, temporais, logo se inserem em uma historicidade. No caso, os
saberes dos professores de História, por exemplo, são constituídos pelos
saberes históricos e historiográficos, os saberes curriculares, os saberes
didático-pedagógicos advindos das ciências da educação; os saberes
sociais, os saberes oriundos das múltiplas linguagens e os saberes
experienciais, ou seja, aqueles adquiridos, construídos no cotidiano
da sala de aula, da escola, da vida. Daí, o consenso: o professor se forma
ao longo de sua trajetória pessoal e profissional (RASSI e FONSECA,
Selva Guimarães, 2006:109).
752
Por tratar de pesquisas não nominais, modificamos o nome da professora entrevistada de maneira a
melhor nos adequarmos às disposições da Resolução 510 do Comitê de Ética da Unirio referente as
pesquisas na área das humanidades.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1532
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Juliana Pra mim a escolha pela História se deu muito por conta dos
bons professores de história que passaram por mim, principalmente no
ensino médio e que fizeram eu me identificar mais com a disciplina,
que me fizeram sentir muita facilidade e entrosamento, identificação
mesmo com a disciplina [...] a educação básica é o princípio formador
de todo o ser humano, né? Princípio formador de senso crítico, de
ideais, de reflexões, de postura, de visão de mundo.... Não que sem a
educação básica o indivíduo não possa adquirir isso, pelo contrário. as
experiencias de vida estão aí para fornecer isso ao indivíduo também.
Mas a educação básica, sendo obrigatória e tendo tudo o que ela tem
para oferecer...acho que ter história nessa fase de escolaridade... a
história realmente se constitui num dos pilares de formação de tudo isso
que eu disse. Então a educação básica só com exatas, ou só com
geografia, ou só com biologia... seria como se estivesse faltando um
braço. Porque o indivíduo não está na escola para ser um robô, para
aprender a ser um robô, na verdade. Ele está na educação básica,
teoricamente deveria estar, para se tornar um cidadão. E a história ela
contribui para essa formação [...] porque a história, eu costumo dizer,
tem esse poder: tem esse poder de dar liberdade. O conhecimento
histórico é libertador, né? Sobretudo agora diante dessas amarras
histéricas, dessas amarras conservadoras, dessas amarras violências que
desencadeiam uma série de acontecimentos perigosos, que
desestruturam mesmo a sociedade. Então eu acho que pensar a história
nos dias de hoje é pensar no quanto ela foi negligenciada e continua
sendo negligenciada na sua condição básica. Que é ser libertadora, que
é ensinar a sociedade a ser livre, livre de preconceitos, ser autônoma...
1533
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1534
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Nesse sentido, destacamos que o papel da docência hoje também se constitui um espaço
de lutas pela inclusão de temas no currículo escolar na esteira das pressões autoritárias e
conservadoras as quais está sujeita o currículo da disciplina.753
A fala da professora aponta ainda a importância da escolha do livro didático como
material que legitime a presença de outros assuntos a serem discutidos em sala de aula.
Sobretudo na rede particular de ensino, onde pais cobram mais dos professores a
utilização do material didático por eles adquirido. Na entrevista, a professora comenta
que não foi consultada na escolha das apostilas mas que procura, na medida do possível
e naquilo que o estreito calendário escolar permite, trazer esses assuntos.
Conclusão
O tema da relação entre os relatos dos professores sobre sua prática docente
levanta algumas questões importantes para refletirmos sobre as contribuições da história
oral no campo da história escolar. Pois é através desse diálogo que temos a possibilidade
de apreender a forma como professores constroem sentido em suas narrativas
pedagógicas na interlocução com seus saberes de experiencia e de formação.
Independente das determinações curriculares, cumpre-nos destacar que são os professores
que mobilizam, com relativa autonomia, o conteúdo temático pedagógico referente às
suas disciplinas, conteúdo este que não se dissocia de suas memórias, seus valores e sua
forma de pensar e agir no mundo. Desta forma, a contribuição da história oral em
interlocução com as discussões da didática docente podem ajudar-nos a ver o indivíduo
em relação com a história de seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história
da vida com a história da sociedade” (GOODSON apud FONSECA, 1997, p. 31).
753
Exemplificamos a seguir dois desdobramentos dessa conjuntura:
1. A MP 746/2016 que retira a obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira nos 3 anos do Ensino
Médio. Mais informações disponíveis no site: https://jus.com.br/artigos/54207/a-mp-746-2016-e-o-
impacto-no-ensino-da-historia-e-cultura-afrobrasileira
2. Pressão dos setores conservadores para a retirada desses conteúdos de religiosidade afro brasileira, assim
considerados “doutrinadores”: http://deolhonolivrodidatico.blogspot.com.br/ (página sugerida pelo site do
Escola sem Partido: http://www.escolasempartido.org/).
1535
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
1536
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1537
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Este artigo é uma breve reflexão inicial sobre o tema da pesquisa que estou
desenvolvendo no Mestrado, acerca da coroação de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida754 como Rainha do Brasil ser o culminar de um processo de disputas políticas
e sociais entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro. A necessidade de se legitimar no
novo regime político e perante a sociedade gerou uma reestruturação da Igreja, liderada
pelo bispos, que teve como símbolo Nossa Senhora Aparecida, uma figura híbrida, que
possui elementos que simbolizam diferentes grupos das camadas sociais.
Nesse processo de legitimação política, utilizou-se a veneração à Virgem
Aparecida para afirmar o catolicismo como religião brasileira genuína, transformando um
ícone religioso regional em um símbolo de devoção nacional. Esse processo têm como
principal líder o Cardeal Joaquim Arcoverde, arcebispo da Arquidiocese do Rio de
Janeiro, partindo da cidade as principais motivações para a coroação.
Conforme indica o título, buscarei apresentar como ocorreu esse processo de
construção de uma nova identidade para a Igreja Católica no Brasil, procurando observar
as motivações que guiaram essa mudança, bem como os conflitos e a utilização de N. S.
Aparecida como símbolo de unificação entre o clero e aos devotos – e como uma proposta
de representação da nação – que tem como o principal episódio a coroação da Virgem
Aparecida em 8 de Setembro de 1904, um dia depois da comemoração da Independência
do Brasil.
A reflexão a que se propõem esse artigo é realizar uma análise sobre como a
devoção à Nossa Senhora Aparecida foi moldada no final do século XIX e início do século
XX a fim de auxiliar na legitimação de uma nova visão sobre a Igreja Católica, buscando
754
É importante destacar que, para os católicos, Maria recebe diversos nomes de acordo com as suas
aparições ou devoções populares, mas todas representa a mesma pessoa.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1538
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Vinda do interior de São Paulo. De cor negra. Católica. Manto azul com a bandeira
do Brasil. Coroada e proclamada Padroeira do Brasil. A imagem de Nossa Senhora da
Conceição Aparecida755 é conhecida por todos os brasileiros, a qual muitas vezes é
chamada de Mãe dos habitantes desta terra de Santa Cruz. A história da aparição da
imagem é um transmitida oralmente até hoje pelas famílias e faz com que tenhamos
lembranças, mesmo que breves desse relato.
Segundo a tradição devocional, conta que pelo final do mês de outubro de 1717,
o Conde de Assumar (Pedro de Almeida Portugal), que acabara de ser convidado a exercer
o cargo de governador da Capitania de São Paulo de das Minas Gerais, viajou em visita
à Vila de Guaratinguetá756. Durante a estadia do governador na região alguns pescadores
teriam sido chamados para pescar e levar todos os peixes à Câmara Municipal a fim de
que fosse preparado um jantar para a recepção. Entre eles, estaria Felipe Pedroso, João
Alves e Domingos Garcia. Os três teriam lançado insistentemente suas redes no Rio
Paraíba, mas não conseguiram pescar nada. João Alves ao jogar novamente a sua rede
teria sentido um peso ao puxá-la. Ao retirá-la da água, os pescadores perceberam um
objeto escuro que seria o corpo de uma imagem de Nossa Senhora, porém, sem a cabeça.
Eles guardaram a imagem no barco e logo após jogaram a rede de novo no rio. Ao
puxarem a rede novamente, teriam encontrado a cabeça da imagem. Então, quando
voltaram para a pesca, teriam tido grande sucesso, a ponto de encherem o barco e ficarem
com medo de afundar (SOUZA, 2001, pp. 80-81).
Após a pesca milagrosa, a imagem encontrada foi identificada como sendo de
Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Um dos pescadores, Felipe Pedroso, foi quem
ficou com a imagem e construiu um altar e um oratório para ela em sua casa. A família
de Pedroso realizou diversas reuniões com a comunidade em torno da imagem para rezar.
755
Durante o texto usarei algumas nomenclaturas diferentes para me referir a Nossa Senhora Aparecida,
são elas: Virgem Aparecida, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Santa e Maria.
756
Em 1928, Guaratinguetá perde os territórios de Aparecida do Norte, surgindo um novo município.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1539
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Durante o governo paroquial do padre José Alves Vilela, clérigo da Paróquia Santo
Antônio de Guaratinguetá757, a devoção a Nossa Senhora de Conceição Aparecida foi
crescendo por causa da sua proximidade com a família dos pescadores e do apego popular
à santa. Em 1743, o padre José Vilela pediu ao Bispo do Rio de Janeiro 758, Dom João
Cruz, a oficialização da devoção pela Igreja Católica, que é concedido no mesmo ano. O
nome “Aparecida” foi acrescentando pela devoção popular ao nome da santa por ela ter
aparecido no rio.
Esta narrativa está presente em dois documentos oficias da Igreja Católica, o
primeiro foi escrito trinta e três anos após a aparição, em 1750, pelo padre jesuíta
Francisco da Silveira que estava em missão pela região; o segundo foi escrito quarenta
anos depois, em 1757, pelo Pároco de Guaratinguetá Pe. Dr. João Morais e Aguiar no I
Livro do Tombo759 da Paróquia de Santa Antônio de Guaratinguetá. Ambos comentam
sobre a visita do Conde de Assumar e relatam a história de aparição da imagem no Rio
Paraíba (BRUSTOLONI, 1998, pp. 38-41).
Desde 1740, existem registro de romarias para a capela dedica a Aparecida. Ao
longo do século XIX houve um aumento das romarias, sendo poucas acompanhadas por
padres e bispos devido a uma regra imposta pelo regime do padroado que impedia a
passagem de clérigos de um estado para o outro sem autorização imperial. Após a
proclamação da república e com o fim do padroado, tivemos um aumento considerável
das peregrinações acompanhadas pelo clero e também divulgadas em jornais e revistas
da época.
No ano de 1894, a Congregação do Santíssimo Redentor – os redentoristas –
assumiram administração do Santuário, sendo responsáveis por organizara história de
Aparecida e pela romanização e sacralização do culto a santa. Durante o século XX, temos
a grande expansão do culto a Nossa Senhora Aparecida, com a construção do santuário
novo, separação de datas para a peregrinação anual de cada diocese do Brasil, a separação
757
Principal paróquia da região naquele período.
758
Mesmo a região de Guaratinguetá do Norte fazendo parte de São Paulo, o bispo do Rio de Janeiro que
era responsável pela sua administração.
759
É um livro ainda usado nas paróquias que tem por finalidade narra os fatos e notícias importantes da
paróquia, assentar documentos e disposições de autoridades eclesiásticas, noticiar realizações pastorais,
visitas pastorais e conter históricos de capelas e entidades.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1540
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O Padroado era uma carga pesada que estava atada à nossa religião, que
fê-la definhar entre nós não somente à míngua de proteção do Estado,
como à força de perseguição, e perseguição terrível, que se acobertava
com o manto da proteção, e que tendo em suas mãos todos os domínios,
deles se servia somente para entorpecer a marcha da religião. (VIEIRA,
2016, p. 10)
760
Estrutura organizacional da Igreja Católica na qual cada diocese é responsabilidade de um bispo. As
dioceses tornam-se arquidioceses devido a sua antiguidade.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1541
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não houve uma expansão dessas regiões administrativas pelos estados e municípios, o
que impediu o avanço do a todas as partes do país, dificultando também a administração
da atuação do clero e dos missionários em comunidades mais distantes das capitais. Dessa
forma, a grande extensão territorial e as poucas dioceses dificultavam o alcance a todas
as regiões, assim como a unificação do discurso religioso (HAUCK, 2008, pp. 80-81).
Esse número aumentou bastante nos primeiros anos de República passando a ter 17
arquidioceses, 50 dioceses e 20 prefeituras apostólicas (ALMEIDA; MOURO, 2004, p.
330).
Durante o século XIX, podemos perceber uma aproximação da Igreja Católica no
Brasil com a Santa Sé. O estreitamento das relações com o papado fez parte de uma
tomada de consciência do clero brasileiro sobre a universalidade da Igreja e da
importância desse vínculo para gerar unidade. Segundo João Fagundes Hauck, houve um
estimulo do pontífice romano, Papa Pio IX, para uma centralização maior dos bispos ao
seu redor a fim de fortalecer a Igreja e de universalizar as tradições católicas (HAUCK,
2008, pp. 182-183).
Para que houvesse uma propagação maior da doutrina católica nos países, a Igreja
Católica no Brasil e em outros lugares passou por um processo de “romanização”.
Consistindo em um intercâmbio de religiosos de congregações para diversas regiões do
país, como os redentoristas e os lazaristas761, que ficaram responsáveis pela formação dos
seminaristas em diversas dioceses. Também foram incumbidos de realizar missões para
diminuir a religiosidade popular que era muitas vezes vista como superstição. Houveram
também alguns padres enviados para Roma com o objetivo de voltarem “romanizados” e
de serem investidos como bispos no Brasil posteriormente (HAUCK, 2008, pp. 83-84).
Segundo Lucia Lippi Oliveira, o atrito entre Igreja e Estado no final do século
XIX estava ligado com reformas que aconteciam dentro da própria Igreja. O pensamento
católico ultramontano762, reforçado pelas resoluções do Concílio Vaticano I (1870),
divergia do liberalismo e do cientificismo presente entre as elites brasileira no final do
761
Congregação fundada por São Vicente de Paulo na França em 1616, seu carisma é desenvolver missões
para formar, dentro da doutrina católica, leigos, padres e pobres. Informação disponível em:
http://www.vocacionalpbcm.com.br/quem-somos/ Acesso: 17 de Agosto de 2017.
762
Doutrina que se apoio na Cúria Romana defendendo a infalibilidade papal em relação a fé e a disciplina.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1542
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1543
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Guaratinguetá; pela sua proximidade com a padroeira de Portugal (que também foi
padroeira do Brasil no período colonial), Nossa Senhora da Imaculada Conceição, sendo
uma ruptura que representa também uma continuidade; e, na tentativa de afastar-se de
uma imagem retrograda, apresentam Aparecida como um novo um novo símbolo para
representar a nova fase da Igreja Católica no Brasil, tentando aproximar-se da
modernidade.
1544
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1545
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
principais características que eram exaltadas são referentes aos milagres que ela realizava,
a ideia de mãe que atende aos aflitos e aos menos favorecidos, atende aos pedidos
daqueles que se comportam de acordo com a fé católica e acolhe a todos indiferente da
classe social e da cor da pele.
É importante destacar as diferenças existentes entre a vivência do catolicismo
pelos populares e pelo clero. O processo de romanização tinha como objetivo acabar aos
poucos com os exageros e deturpações da religiosidade popular. Em relação a N. S.
Aparecida, os redentoristas escreveram as sua impressões sobre a relação dos devotos
com a santa.
763
É um livro pequeno que cada peregrino possui para participar das celebrações da peregrinação.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1546
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
como ponte entre as culturas africanas e populares. A santa foi absorvida especialmente
pelas religiões afro-brasileiras na qual representa, no Rio de Janeiro, Mamãe Oxum, a
deusa das águas doces e seu dia é comemorado no mesmo dia da Imaculada Conceição,
8 de Dezembro (FERNANDES, 1988, p. 104).
A elite intelectuais e política anseia por um Brasil Moderno neste período e que
seria oposto a desordem e a falta de civilização que haviam sido a colônia e o império.
Nossa Senhora Aparecida ofereceu uma imagem de ordem e disciplina, características
importante para aqueles que queria ter uma graça alcançada da mesma. Somado a isso,
promovia uma imagem pacificadora e de identificação com as camadas mais baixas da
sociedade, valores que eram estimados para o novo regime político que estava tentando
se legitimar perante a população. Vários políticos visitam Nossa Senhora Aparecida e
inclusive estiveram presente na cerimônia de coroação da imagem.
Nossa Senhora Aparecida era a possibilidade de um diálogo com a modernidade
para a Igreja Católica visto que ao mesmo tempo que valorizava a tradição da Santa Sé
destacava a importância da religiosidade do povo da mesma forma que diversos
jornalistas e viajantes que passaram pelo santuário comentavam como o botânico francês
Saint-Hilaire que ao passar pela capela em 1822 escreveu “ a imagem que ali se venera,
passa por milagrosa e goza de grande reputação, não só na região mas nas partes mais
longínquas do Brasil. Aqui vem ter gente, dizem, de Minas Gerais e Bahia, a cumpri
promessas feitas a Nossa Senhora Aparecida” (BRUSTOLONI, 1998, p. 76). Esse ícone
possibilitou uma legitimação da Igreja Católica dentre da sociedade, atingindo não apenas
as camadas populares mas as esferas mais altas também, gerando uma nova identidade
para ela na república brasileira.
A promoção desse símbolo na cidade do Rio de Janeiro ocorreu através de
diversos periódicos, dentre eles destacamos “O Apostolo”, jornal da Arquidiocese do Rio
de Janeiro, e o “Jornal do Brasil”, por ser o que mais publicou sobre Nossa Senhora
Aparecida neste período. Esses dois periódicos foram muito importantes para a
construção simbólica de Aparecida por transmitirem mais que informações sobre a santa,
comentavam sobre a importância da Igreja para a sociedade.
O periódico “O Apostolo” foi um instrumento importante utilizado na elaboração
dessa nova identidade mariana. Por ser o meio de comunicação da Igreja Católica entre o
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1547
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações Finais
764
“Jornal do Brasil”, 28 de Dezembro de 1900, edição 00362, p. 1. Disponível em: Biblioteca Nacional
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1548
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
1549
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Série: Carta Pastoral, caixa 807, notação 067, “Pastoral Colletiva dos Bispos da Província
Ecclesiastica Meridional do Brasil comunicando ao Clero e fieis o resultado das
Conferências dos mesmos, no Santuário da Apparecida”, 1 a 7 de Setembro de 1904.
Referências Bibliografia
ALMEIDA, José Maria Gouvêa de. MOURO, Sérgio Lobo de. A Igreja na Primeira
República. In: BORIS, Fausto. (org.). “História geral da civilização brasileira. O Brasil
Republicano”. 7ª ed. São Paulo: BERTRAND BRASIL, 2004, Tomo III, vol. 2, 2004.
FERNANDES, Rubem César. Aparecida: nossa rainha, senhora e mãe, savará!. In:
SACHS, Viola…[et al]. Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional. Tadução dos
textos em inglês e francês Sergio Lamarão. – Rio de Janeiro: Graal, 1988, p.85-111.
HAUCK, João Fagundes. [et. al.]. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação
a partir do povo: segunda época, século XIX. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2008.
SOUZA, Juliana Beatriz Almeida de. Virgem Mestiça: devoção à Nossa Senhora na
colonização do Novo Mundo. Tempo – Revista do Departamento de História da UFF, Rio
de Janeiro, V. 6, N. 11, 2001.
1550
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1551
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
I. Introdução
“A saúde é tão musical, que a doença nada mais é
que uma dissonância” (François de La Mothe Le
Vayer, Discours sceptique sur la Musique)765.
Apesar de ser um tema pouco conhecido, a ideia de que a música tem potenciais
curativos é muito antiga, datando, ao menos, do quarto século antes de Cristo. Em um
clássico diálogo, Sócrates afirmava que “para o corpo, dispomos da ginástica e para a
alma, da Música” (PLATÃO. A República, p. 376 b – e). A ideia expressa em Platão foi
apropriada por diversos outros autores ao longo dos séculos. No presente artigo, busquei
analisar as teorias do médico Jean-Joseph Ménuret de Chambaud (1739 – 1815)766 sobre
os poderes curativos dos sons. Minha fonte principal é o verbete “Efeitos da Música”
(MÉNURET, 1765, v. X, p. 903-909), escrito por Ménuret para a Enciclopédia de
Diderot. Conforme tentei demonstrar, o verbete nos auxilia na compreensão das etapas
de desenvolvimento de um pensamento médico que se dizia inovador, o vitalismo de
Montpéllier, ao qual Ménuret pertencia. No que diz respeito à terapia musical, o que
busquei sublinhar é a constante interferência de questões de estética e teoria no
pensamento médico de Ménuret.
Para poder atingir meus objetivos, busquei reconstituir elementos do contexto
histórico, cultural e intelectual de Ménuret, elementos esses com alta probabilidade de
terem exercido influência em seu pensamento. Após trata-los em separado, busquei, na
seção IV, entender como convergiram para informar as suas análises.
765
LE VAYER, François de la Mothe. Oeuvres completes, t. IV. Paris: Billaine, 1669, p. 227.
766
Filho de François Ménuret, um oficial de artilharia, se tornou doutor em medicina pela Universidade de
Montpéllier em 1757. No ano seguinte, o médico se encontra em Paris, onde ficaria até 1761. Durante esse
intervalo, ele foi apresentado a Diderot por um amigo da universidade, o químico Gabriel-François Venel
(1722 – 1775), oportunidade que provavelmente surgiu no salão mantido por Paul-Henri Thiry, o Barão
d’Holbach (1723 – 1789). Após 1765 ele retorna para sua cidade de origem, onde atuará como a maior
parte da sua vida como simples médico de província.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1552
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1553
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
767
A voga do par ação-reação, de criação newtoniana, tem enorme importância na fundamentação dessa
ideia. Cf. STAROBISNKI, Jean. Ação e reação: vida e aventuras de um casal. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
768
Paul-Joseph Barthez (1734 – 1806) definiu a vida como uma incógnita de cuja existência se toma
conhecimento ao estudar os corpos vivos e perceber neles aquilo não se pode explicar pela simples ação
das forças físicas ou químicas. Como a gravidade que, não sendo visível, empurra os corpos para o centro
da terra, o “princípio vital” torna o corpo animado e integrado.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1554
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerada uma arte capaz de mover o coração, a música acompanha de perto o novo
lugar que as emoções e sentimentos – as “paixões da alma”, no vocabulário da época –
ocupam na economia animal (HUNEMANN, 2007, p. 623).
769
Pouco antes, em 1749, O Caso dos Quatorze, um escândalo envolvendo cantigas de escárnio e maldizer
supostamente dirigidas à Madame de Pompadour (amante de Luís XV), já antecipava o poder de
deflagração das práticas culturais francesas (DARNTON, 2014).
770
A Querela leva esse nome em função da companhia italiana que representou La Serva Padrona¸ os
Bufões.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1555
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
771
Termo pelo qual se se chamava o gênero operístico na França.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1556
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
elaborados artifícios matemáticos e teóricos que acabavam por anular o poder expressivo
da música, Rameau via a própria busca da verdade científica:
O princípio [da harmonia] de que se trata, não é apenas aquele de todas
as artes de Gosto [...], mas ainda o de todas as Ciências submetidas ao
cálculo: o que não podemos negar, sem negar ao mesmo tempo que
essas Ciências sejam fundamentadas sobre proporções e progressões,
das quais a Natureza nos dá a conhecer no Fenômeno do Corpo Sonoro,
em circunstâncias tão notáveis, que é impossível se recusar a reconhecer
a sua evidência: quem dirá negá-la! (RAMEAU, 1754, p. XV – XVI;
tradução nossa).
O que há de político no apoio à música italiana e na crítica à francesa é o fato de
que é impossível separar o gosto do pertencimento de classe. A ópera francesa era uma
arte de corte, e a tragédie lyrique é justamente o âmbito simbólico de construção do mito
do Rei. Assim, o que se conclui é que “o gosto era política” (SAISSELIN, 1992, p. 44).
A Querela faz parte dos inícios do Iluminismo enquanto movimento filosófico, e lega
para as décadas seguintes uma série de questões que julgo serem incontornáveis para a
maior dos intelectuais dispostos a discutir música nesse período, mesmo os médicos. O
momento em que Ménuret escreve sobre terapia musical é, portanto, um dos mais
significativos da história dessa arte no século XVIII francês. Como a música foi
concebida em seu pensamento e que relações guarda com os temas colocados pelos
debates até então travados entre os intelectuais?
1557
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
772
Esse argumento também se encontra no Discurso Preliminar.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1558
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A fala de Ménuret soa fortemente como uma apologia à Rameau 773 e seu
“princípio da harmonia”, cujos traços estariam também na nossa natureza. Para aplicar a
música, é necessário ajustá-la ao estado e ao gosto do doente, embora o que prevaleça
seja uma apreciação da sensibilidade nervosa:
773
A guisa de exemplo, basta comparar o trecho recém citado com o seguinte: “Para gozar plenamente dos
efeitos da Música, é necessário estar em um puro abandono de si mesmo, e para poder julga-los, é ao
Princípio mediante o qual se é afetado que se deve recorrer. Esse Princípio é a própria natureza, e é dela
que mantemos esse sentimento que nos move em todas as nossas Operações musicais, ela nos forneceu um
dom que podemos chamar de Instinto [...]” (RAMEAU, 1754, p. III; grifo nosso; tradução nossa).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1559
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Os limites entre o que nos afeta no físico e no moral estão sempre sendo
desafiados. Enquanto Rousseau critica a ideia da diferença na natureza dos nervos,
Ménuret afirma que “existem pessoas mal organizadas, que não sabem distinguir nem
tom nem compasso, elas não ouvem nada além de um tom fundamental”. Para essas
pessoas
[...] são necessárias as árias alegres, vivas, animadas, que comovem
fortemente as fibras que a natureza, o uso e o habito não tornaram
muito sutis; os compassos binários e terciários os agradam muito [...];
os tons agudos os afetam muito mais que os graves (MÉNURET, 1765,
v. X, p. 908a; grifo nosso; tradução nossa).
O gosto é importante, mas não é fundamental para a cura pela música: mais uma
vez, é a natureza física, a organização, que constitui o elemento mais importante:
2º. Não é necessário ser um conhecedor para sentir prazer quando se
ouve boa música, basta ser sensível; o conhecimento, e o amor, ou o
gosto que o segue de perto, podem aumentar esse prazer; mas não o
produzem completamente: em muitos casos, pelo contrário, o
diminuem: a arte prejudica a natureza. [...] o prazer nasce da
consonância, e ele é particularmente fundamentado sobre a
facilidade que o ouvido possui de captá-la (MÉNURET, 1765, v. X,
907ª; grifo nosso; tradução nossa).
774
Note-se que Ménuret mantém a expressão “máquina humana”, uma permanência vocabular significativa.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1560
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
V. Considerações Finais
No atual estágio de minhas análises, espero estar satisfatoriamente levantada e
reforçada a hipótese da imbricação entre medicina e estética na proposta terapêutica de
Ménuret. Em uma época em que a especulação musical era reputada como um tema
delicado, passível de tratamento apenas pela “opinião polida de Paris” (GEOFFROY-
SHWINDEN, 2015, p. 65), me parece razoável supor que especulações sobre gosto
exercessem influencia no pensamento médico sobre a música. Considerar esta última
como dotada de regras constantes e ligadas à própria estrutura do corpo humano saudável
significa, a meu ver, um forte reforço de concepções que associam essa arte à ordem e
estabilidade, relação notada por Kennaway (2012, p. 38). Quanto as etapas de
desenvolvimento do pensamento da escola de Montpéllier, o verbete “Efeitos da Música”
aponta as diversas permanências de extração mecanicista nas formas que ele assumiu em
meados do século XVIII. Por fim, o estudo aponta o fato de que a relação entre música e
1561
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
VI. REFERÊNCIAS
V.I. Documentação
CHAMBAUD, Jean-Joseph Ménuret. Effets de la Musique. In: DIDEROT, Denis;
D’ALEMBERT, Jean le Rond. (orgs.). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des
sciences, des arts et des métiers. Paris: Briasson/David/Le Breton, 1751 – 1780, t. X, p.
903 - 909. Disponível em: http://arflx.uchicago.edu/cgi-bin/philologic/encyclopedie0110.
Acesso em: 10/06/2017.
______________________________. Oeconomie Animale. In: DIDEROT, Denis;
D’ALEMBERT, Jean le Rond. (orgs.). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des
sciences, des arts et des métiers. Paris: Briasson/David/Le Breton, 1751 – 1780, t. XI, p.
360. Disponível em: http://artflsrv02.uchicago.edu/cgi-
bin/philologic/getobject.pl?c.10:1194:2.encyclopedie0416. Acesso em: 17/06/2017.
LE VAYER, François de la Mothe. Oeuvres completes, t. IV. Paris: Billaine, 1669.
RAMEAU, Jean-Philippe. Erreurs sur la Musique dans l’Encyclopédie. Paris: Jorry,
1755.
_____________________. Observations sur notre instinct pour la musique sur son
principe; Où les moyens de reconnoiter l’un par l’autre, conduisent à pouvoir se render
reaison avec certitude des différens effets de cet Art. Paris: Prault
Fils/Lambray/Duchesne, 1754.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta sobre a música francesa. Trad. José Oscar Marques e
Daniela Garcia. Campinas, IFCH – Unicamp, 2005. Disponível em:
http://www.unicamp.br/~jmarques/trad/ROUSSEAU-Carta_sobre_a_musica_francesa.pdf.
Acesso em: 23/06/2017.
______________________. Ensaio sobre a origem das línguas. In: Rousseau. São Paulo:
Editora Abril, 1983.
______________________. Musique. In: DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean le
Rond. (orgs.). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1562
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
V.II. Bibliografia
COHEN, H. F. Quantifying Music: The Science of Music at the First Stage of Scientific
Revolution 1580 – 1650. Dordrecht: Springer, 1984.
DARNTON, Robert. Poesia e Política: Redes de Comunicação na Paris do Século XVII.
São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
EDLER, Flávio Coelho; FREITAS, Ricardo Cabral. O “Imperscrutável vínculo”: corpo
e alma na medicina lusitana setecentista. VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 29,
nº 50, p.435-452, mai/ago 2013.
FUBINI, Enrico. La estética musical desde la Antiguedad hasta el siglo XX. Madrid:
Alianza, 1990.
GEOFFROY-SCHWINDEN, Rebecca D. Politics, the French Revolution, and
Performance: Parisian Musicians as an Emergent Professional Class, 1749 – 1802.
2015. 262 f. Tese de Doutorado (Doutorado em Filosofia) – Departament of Music,
Graduate school of music, Duke University, Durham, 2015.
HUNEMAN, Philippe. “Animal Economy”: Anthropology and the Rise of Psyciatry from
the “Encyclopédie” to the Alienists. In: WOLFF, Larry & CIPOLLONI, Marco (ed.) The
Anthropology of the Enlightenment. California: Stanford University Press, 2007, 432 p.
KENNAWAY, JAMES. Bad Vibrations: History of the Idea of music as Cause of
Desease. UK/USA: Ashgate Publishing, 2012.
LE MENTHÉOUR, Rudy. The Tarantula, the Physicians, and Rousseau: The Eighteeth-
Century Etiology of an Italian Sting. Proceedings of the Western Society for French
History, Worchester, v. 37, 2009. Disponível em:
http://hdl.handle.net/2027/spo.0642292.0037.003. Acesso em: 16 / 05 / 2015.
O’DEA, Pierre. Rousseau contre Rameau: musique e nature dans les articles pour
l’Encyclopédie et au-delà. Rechercer sur Diderot e l’Enciclopédie, n°17, 1994.
PESIC, Peter. Music and the making of modern Science. Massachusetts: MIT, 2014.
1563
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1564
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Da proibição ao contrabando
775
Na primeira metade do século XIX, no Brasil, as posições antiescravistas se confundiam com as
convicções contrárias ao comércio atlântico de africanos, ou seja, até 1850 ser abolicionista significava ser
contra o tráfico e não, necessariamente, contra a instituição da escravidão. Cf. MATTOS, Hebe.
“Racialização e cidadania no Império do Brasil”. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Bastos
Pereira das (orgs.). Repensando o Brasil do oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009;
PARRON, Op. Cit. Capítulos 1 e 2.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1565
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Entretanto, não podemos esquecer que se, por um lado, a instabilidade vivida no
país durante a década de 1830 foi incorporada pela opinião pública como argumentos
antitráfico, por outro, ela fortaleceu os anseios de um grupo que cada vez mais via seus
rendimentos diminuir e, diferentemente da Corte, a variedade de investimentos era muito
menor. Um exemplo que pode ser dado nesse sentido é a decadência da produção
algodoeira maranhense, totalmente dependente do comércio de africanos e sem inovações
técnicas, frente à concorrência do sul dos Estados Unidos, onde a política de reprodução
vegetativa dos escravos e as inovações manufatureiras e agrárias garantiam uma produção
em maior escala e com menor preço, principalmente após a introdução das ferrovias
(Marquese, 2004, p. 337).
A situação não era diferente para os produtores açucareiros da Bahia, que crescera
largamente nos últimos anos da década de 1810, da lavoura pernambucana, que em razão
das questões políticas (1817 e 1824) não conseguiu acompanhar os passos baianos, e,
ainda, da região de Campos do Rio de Janeiro. Após a reestruturação da lavoura
açucareira das Antilhas e do açúcar cubano, que contava com o desembarque maciço de
africanos, a produção brasileira não conseguiu acompanhar a dinâmica estabelecida
(Parron, 2011, p. 92).776
No início da década de 1830, o café ainda não era o principal produto
brasileiro, no entanto, já mostrava sinais de seu futuro promissor. Na contramão da
produção açucareira e algodoeira os polos cafeeiros concorrentes, como o Suriname e a
Jamaica, estavam em decadência. Aliados a ausência dos produtores tradicionais e a
abertura irrestrita dos mercados após o fim das guerras napoleônicas, a produção
brasileira tomou conta do mercado de café francês, inglês e, principalmente,
estadunidense, onde o consumo aumentou, de 1821 a 1842, em 980% (Marquese;
Tomich, 2009, p. 341-374).
Em 1835 já não havia mais dúvidas, o café havia se tornado o principal
produto de exportação, sobretudo na região da Bacia do Paraíba777, e o porto do Rio de
776
Cf. GALLOWAY, Jock. The sugar cane industry: an historical geography from its origins to 1914.
Cambridge: Cambridge University Press,p.159-169, 1989.
777
Entendo como Bacia do Paraíba como Orlando Valverde, no sentido de que o Vale do Paraíba era uma
região para além de seus limites geográficos, ou seja, também era uma região que se expandia econômica
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1566
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Janeiro se alocou como o centro das operações cafeeiras. Desse momento em diante, o
desembarque de cativos no Império do Brasil voltou a crescer, com o ingresso de
aproximadamente 37 mil africanos em 1835 e no ano seguinte cerca de 50 mil. Assim, o
tráfico de escravos, novamente, se articulou em escala sistêmica, só que dessa vez sob a
forma de contrabando (Estefanes; Parron; Youssef, 2015).
e socialmente. Cf. VALVERDE, Orlando. A fazenda escravocrata de café. Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro: IBGE, v. 29, n. 1, p. 37-81, jan.-mar. 1967.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1567
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
778
Para melhor compreender as joint stocks Cf. KARASH, Mary. The Brazilian Slavers and the Illegal
Slave Trade, 1836-1851. Madison, University of Wisconsin, 1967, pp.28-30.; ELTIS, David. Economic
Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade.New York, Oxford University Press, p. 155, 1987.
779
Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio. Editorial.16 maio de 1832, Notícias Particulares, p. 3.
780
Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio. Editorial, 13 de janeiro de 1835, Annuncios, p.4.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1568
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
781
Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio. Editorial. 15dejaneiro de 1840,Correspondencias, p.2.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1569
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
782
Para uma análise da firma Maxwell Wright &Co. Cf. RIBEIRO, Alan dos Santos. “The Leading
Comission-House of Rio de Janeiro”: A firma Maxwell, Wright & Co. no comércio do império do Brasil
(c.1827 – c.1850). Niterói: UFF, 2014. (Dissertação de Mestrado em História da UFF)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1570
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1571
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
783
Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio. Editorial. 09 de agosto de 1843, Publicações a pedido, p.3.
Em ambos os fragmentos escolhi por manter a grafia original, colocando em itálico as palavras que
deveriam ser atualizadas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1572
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Contudo, apesar de ter sido uma adversidade, longe de ter afetado negativamente
os negócios Manoel Pinto da Fonseca. Se agora não tinha firmas americanas ao seu lado,
outra estratégia foi adotada e que, a princípio, parece ter ampliado a importância de
Fonseca no comércio. Este novo meio consistia na utilização de pequenos negociantes
individuais, no geral ex-capitães e marinheiros já conhecedores das transações atlânticas,
que se aventuravam no intermédio entre as empresas estadunidenses e os traficantes.
Nesse contexto, é válido ressaltar que, como a maioria destes pequenos comerciantes era
dos EUA, a utilização da bandeira desta nação continuou recorrente.
Nesse mesmo período, as pressões diplomáticas da Inglaterra, que em vias de
finalizar o acordo comercial anglo-brasileiro de 1826, colocou como ponto central para o
estabelecimento de novos tratados o fim do tráfico intercontinental de escravos. Em
síntese, a reação brasileira se deu em duas frentes, com objetivo claro de defender a
soberania do império quanto às decisões internas: a Tarifa Alves Branco de 1844 e o fim,
unilateral, da convenção anglo-brasileira do tráfico de escravos (Parron, 2011, 219-230).
Em contrapartida, imediatamente a diplomacia inglesa respondeu com a
promulgação da Bill Aberdeen, que autorizava a marinha inglesa abordar navios
brasileiros que fizessem o contrabando de escravos, além de conceder aos tribunais do
Almirantado britânico julgar os responsáveis capturados junto às embarcações. Tal
impasse levou ao isolamento diplomático do Brasil perante as nações antitráfico, no
entanto, as pressões inglesas foram de suma importância para manutenção do projeto
conservador, que em nome da soberania nacional, todos os brasileiros deveriam defender
o contrabando.
Nesse sentido, é possível perceber que os contrabandistas de escravos se situavam
em posição de destaque do império. Assim, a influência de Manoel Pinto da Fonseca pode
ser percebida não só no plano econômico, mas também em âmbito político –
provavelmente em razão de sua importância dentro do contrabando. Não por acaso Barão
de Cairu se referiu ao traficante em conversa com um representante inglês, no ano de
1847:
[...] Quem mais requestado, quem mais festejado nessa cidade do que
Manuel Pinto? Todo mundo sabe que ele é o grande traficante par
excellence do Rio. Contudo, tanto ele quanto dezenas de outros
traficantes menores vão à Corte – sentam-se à mesa dos cidadãos mais
1573
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Talvez por esse motivo que um dos agentes de Fonseca em Cabinda afirmou em
conversa que Manoel Pinto da Fonseca poderia fazer o que ele desejasse com brasileiros
e americanos.
Outro fato que é oportuno comentar, em relação ao destaque de Manoel Pinto da
Fonseca na política brasileira, é que o traficante de cativos concorreu em 1848 para
Senador do Império brasileiro pela Província do Rio Grande. No entanto, dos sete
concorrentes, ficou em sexto.785
A atuação de Manoel Pinto da Fonseca no Brasil foi até 1853, um pouco após o
fim definitivo do tráfico de escravos com a lei Eusébio de Queirós. Segundo o Relatório
de Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, Fonseca e seus irmãos Antônio e Joaquim foram
acusados de executar o tráfico ilegal de escravos e, assim, se tornaram procurados pela
Polícia da Corte, todavia, Manoel se adiantou às buscas e retornou para Portugal antes
mesmo de ser preso.786
Por fim, é possível supor que sua posição como um dos principais contrabandistas
de escravos o fez enriquecer e aumentar o capital de sua firma. Com o término dos
negócios negreiros para o Brasil e sua expulsão, os cabedais que havia acumulado durante
os anos do comércio ilegal devem ter sido investidos em outras áreas que o
multiplicassem. Assim, outro ponto em aberto para a futura pesquisa é buscar saber em
quais setores foi aplicada a fortuna de Manoel Pinto da Fonseca.
Referências Bibliográficas
Fontes:
784
Citado em correspondência de Hudson e Palmerston, 12 de jan., 1847, apud RODRIGUES, Op.
Cit.,p.134.
785
Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio. Editorial. 13 de janeiro de 1848, Rio de Janeiro, p.2.
786
Arquivo Nacional, Série Justiça – IJ6-525.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1574
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia:
ELTIS, David. Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. New
York: Oxford University Press, 1987.
ESTEFANES, Bruno Fabris; PARRON, Tâmis; YOUSSEF, Alain El. Vale Expandido :
contrabando negreiro, consenso e regime representativo no Império do Brasil”. In:
MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo. O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos
quadros da segunda escravidão. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.
GALLOWAY, Jock. The sugar cane industry: an historical geography from its origins
to 1914. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
KARASH, Mary. The Brazilian Slavers and the Illegal Slave Trade, 1836-1851.
Madison: University of Wisconsin, 1967.
MARQUES, Leonardo. The United States and the Transatlantic Slave Trade to the
Americas, 1776 -1867.Connecticut: Yale University Press, 2016.
1575
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(orgs.). O Brasil Imperial, Volume II: 1831-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
p. 341-374, 2009.
RIBEIRO, Alan dos Santos. “The Leading Comission-House of Rio de Janeiro”: A firma
Maxwell, Wright & Co. no comércio do império do Brasil (c.1827 – c.1850). Niterói:
UFF, 2014. (Dissertação de mestrado em História na UFF)
1576
Para além de uma instituição: a polícia do Antigo Regime e sua [re]criação no Rio
de Janeiro oitocentista
Introdução
787
Um balanço interessante sobre a produção historiográfica neste campo pode ser encontrado no artigo
elaborado por Marcos Bretas e André Rosemberg (2013).
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
788
Entre algumas obras sobre a polícia para períodos anteriores, incluindo marcos historiográficos sobre o
tema, destacam-se a de Thomas Holloway (1997) “Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa
cidade do século XIX” e a de Marcos Luiz Bretas (1997) “A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do
Rio de Janeiro”. No entanto, esta última tem como recorte cronológico a virada do século XIX para o XX,
centrada nas transformações trazidas pela Primeira República. Ressalta-se ainda a obra de Francis Albert
Cotta (2012) “Matrizes do sistema policial brasileiro”, que oferece um panorama sobre as forças pré-
policiais, por falta de melhor termo, em Minas Gerais no período colonial.
789
Exceção que merece destaque é a obra de Berenice Cavalcante Brandão, Maria Alice Rezende e Ilmar
Rohloff de Mattos (1981), intitulada “A polícia e a força policial no Rio de Janeiro: estudo das
características histórico-sociais das instituições brasileiras, militares e paramilitares, de suas origens até
1930” que tentou estabelecer uma ligação entre a construção do aparato policial no Império, a formação do
Estado e a constituição da chamada classe senhorial no oitocentos.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1578
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
essas instituições, mas que não se interrogue a respeito das questões políticas e
ideológicas, por assim dizer, que estariam na base dessas ações.
Além disso, faz-se importante explicitar que
1579
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1580
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
aquela existente em Lisboa, criada em 1760. No ano seguinte, fora estabelecida também
a Guarda Real da Polícia, de forma análoga à existente em Lisboa desde 1801.
Entretanto, com a emancipação política do Brasil em relação a Portugal no início
da década de 1820 e a outorga da Constituição por D. Pedro I pouco depois, passariam a
funcionar no seio do Estado monárquico-constitucional uma série de novas instituições.
Outras tantas seriam reformuladas uma vez que, conforme os discursos dos
contemporâneos, não seriam conciliáveis, enquanto criadas sob o Antigo Regime, com a
nova organização política do Império. Nesse ínterim, a Intendência Geral da Polícia e sua
Guarda Real seriam alvos constantes de ataques nos discursos políticos liberais,
mormente na imprensa periódica e nas sessões da Assembleia Geral, como elementos
despóticos que ameaçavam a nova ordem constitucional790.
Assim, neste trabalho objetiva-se demonstrar que os pressupostos que embasaram
a criação das primeiras instituições policiais no início do século XIX no Brasil guardavam
profunda relação com as noções de polícia que fundamentaram a criação da Intendência
Geral da Polícia de Lisboa. Dessa forma, a ideia de polícia presente no início dos anos
oitocentistas estaria amparada em uma concepção muito mais ampla, relacionada à
política e à arte de governar do século XVIII.
Tal perspectiva se torna fundamental para compreender a dificuldade no processo
de transição das instituições policiais criadas no início do século XIX, inspiradas na
concepção de polícia presente nos anos finais do Antigo Regime, para as instituições
policiais que seriam criadas a partir da década de 1830 no Estado imperial, já sob a
influência dos ideais liberais. Processo esse, aliás, que seria marcado por disputas e
embates, relacionados inclusive à própria concepção do papel do Estado, bem como por
mesclas e hibridizações791.
790
A dificuldade para conciliar as instituições existentes, oriundas da organização política do Antigo
Regime, e os princípios liberais seria frequentemente tema de debates na imprensa periódica, sobretudo nos
anos finais da década de 1820. Nesse sentido, as instituições policiais criadas quando da chegada da família
real portuguesa no início do século XIX seriam sempre lembradas como marca indelével do despotismo
absolutista. As críticas, na maioria das vezes, assegurariam a completa incompatibilidade entre as
instituições policiais existentes até então e a Constituição.
791
Apresentar as disputas e embates em torno das ideias a respeito da natureza da atividade policial e o
lugar que ocupariam no seio do Estado imperial, bem como os enfrentamentos acerca dos modelos
institucionais pretendidos e implementados, constitui um dos objetivos a ser alcançado na tese de doutorado
em elaboração.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1581
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
A noção de hibridizações aqui é entendida a partir da formulação de François Xavier-Guerra (2003, p. 211-
212) sobre o que o autor denominou como modernidade política, que teria sido uma “[...] conceitualização
de algo que, obviamente, nunca existiu em toda sua pureza em nenhum lugar, nem desenvolveu todas as
suas potencialidades imediatamente”. A modernidade estaria vinculada ao período iniciado com as
revoluções ocorridas no final do século XVIII, marcado pela primazia dos princípios liberais e que teria se
espraiado por diversas regiões do mundo ocidental. De todo modo, jamais existira de forma pura e total em
parte alguma, sendo determinada “[...] por combinações múltiplas – verdadeiras hibridizações – entre
imaginários e práticas antigas e modernas”.
792
Menção de Foucault (2008, p. 422) a Louis Turquet de Mayerne, um dos primeiros teóricos, por assim
dizer, a respeito da polícia enquanto técnica e ciência de Estado. A polícia seria, sob sua ótica, “[...] tudo o
que pode proporcionar ornamento, forma e esplendor à cidade”. No artigo “‘Omnes et singulatim’: uma
crítica da razão política”, Foucault (2012) analisa algumas das teorias acerca da polícia, entre elas a de
Mayerne e a de J.H. Von Justi em sua relação com a razão de Estado e arte de governar da época moderna.
793
Partilha-se, nesse sentido, das impressões trazidas por Koselleck (1992) ao definir conceito como uma
noção que, a partir de um determinado momento na história, tornou-se teorizável.
794
Importante mencionar, contudo, que não se pretende vislumbrar um entendimento único, sob uma lógica
uníssona, acerca do que era e/ou deveria ser a polícia, a natureza de suas ações, os modelos de organização
das instituições policiais e os princípios norteadores de suas práticas. Ao contrário, na pesquisa em
desenvolvimento busca-se demonstrar que as divergências e enfrentamentos sobre o tema estariam
profundamente relacionados ao próprio processo político de constituição do Estado brasileiro no século
XIX, em que elementos liberais combinavam-se àqueles oriundos da tradição política do Antigo Regime,
em um amálgama de ideais e princípios aparentemente divergentes, mas que se combinavam sob uma lógica
própria. Nesse sentido, busca-se lançar luz sobre os distintos pontos de vistas que legitimaram e, muitas
vezes, refutaram as posições oficiais acerca da constituição das instituições policiais no Brasil naquele
período.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1582
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pouco de definir algo como “administração” para caracterizar, grosso modo, uma
instituição responsável pela garantia da manutenção da ordem, da segurança individual e
do direito de propriedade. Processo, aliás, que estaria relacionado à própria natureza do
liberalismo no período, que pressupunha a limitação do poder central – muitas vezes
entendido como absoluto e despótico pelos contemporâneos – na organização política das
sociedades.
Durante parte da época moderna, a ideia – ou teoria – de polícia esteve vinculada
à razão de Estado, cabendo a ela definir a natureza dos objetivos de sua atividade racional.
As teorias de polícia elaboradas ao longo dos séculos XVII e XVIII não se vinculavam à
noção de “[...] uma instituição funcionando no seio do Estado, mas [a] uma técnica de
governo própria ao Estado; domínios, técnicas, objetivos que apelam a intervenção do
Estado” (FOUCAULT, 2012, p. 369).
A concepção de polícia como uma espécie de instrumento do aparelho estatal –
noção que ganhou predominância a partir do advento dos Estados nacionais do século
XIX –, não se traduz em possibilidade única de entendimento. Vinculada ao processo de
racionalização do Estado, de centralização do poder monárquico e de esvaziamento dos
poderes periféricos, a polícia esteve relacionada na época moderna à
“[...] gestão interna da cidade nos aspectos que mais afetavam seu dia a
dia. Construção e conservação de ruas, abastecimento de água, limpeza
urbana, prevenção de incêndios, controle de pesos e medidas do
comércio – tudo isso se inseria no âmbito da ‘polícia’ urbana”
(SEELAENDER, 2009, p. 77).
1583
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1584
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Além disso, a polícia sob o controle de Pina Manique despendia esforços para
questões relacionadas à “[...] assistência ‘aos merecedores’ e repressão sobre os ‘válidos’
para os transformar em trabalhadores ativos, ficando a esmola reservada aos enjeitados,
inválidos e caducos de ‘velhice’” (SUBTIL, 2013, p. 308).
A emergência de um Estado de polícia em Portugal, ainda que tenha ocorrido
muito mais por razões de ordem prática do que como resultado de um exercício de
teorização, foi marcada por conflitos entre autoridades tradicionais, típicas da
organização política portuguesa descentralizada durante boa parte da época moderna, e
as novas autoridades – sobretudo no tocante às atividades empreendidas pelo Intendente
(SUBTIL, 2013). Fora sob essa lógica de centralização do poder e aumento do arbítrio
dos agentes da Coroa na vida dos súditos que a polícia portuguesa funcionou durante os
anos finais do Antigo Regime; fora essa mesma lógica que esteve na base da criação da
Intendência Geral da Polícia da Corte no Rio de Janeiro, no início do século XIX.
Considerações finais
1585
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
795
Expressão sobre a polícia da Corte presente em uma edição do periódico Astréa, em 1827.
796
Ibidem.
797
Importante observar a modificação no termo utilizado pelos contemporâneos: com a primazia das leis e
da Constituição, nos discursos já não se concebia a existência de súditos, mas sim de cidadãos.
798
De fato, cumpre mencionar que as mesclas e acomodações entre elementos vinculados à tradição da
ilustração portuguesa e os ideais liberais permearam todo o processo de formação do Estado brasileiro no
século XIX. Destaca-se, nesse sentido, a importância da formação comum da elite política durante a
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1586
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências
BRANDÃO, Berenice C.; REZENDE, Maria Alice; MATTOS, Ilmar R. de. A polícia e
a força policial no Rio de Janeiro: estudo das características histórico-sociais das
instituições brasileiras, militares e paramilitares, de suas origens até 1930. Rio de Janeiro:
PUC/RJ, 1981.
BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: teatro das sombras. 5ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
1587
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
MAUCH, Claudia. Considerações sobre a história da polícia. Métis: história & cultura,
v. 6, n. 11, p. 107-119, jan. /jul. 2007.
ROSANVALLON, Pierre. Por uma história filosófica do político. São Paulo: Alameda,
2010.
SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. Actores, territórios e redes de poder, entre o
Antigo Regime e o Liberalismo. Curitiba: Juruá Editora., 2011.
SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. O direito de polícia nas vésperas do Estado liberal
em Portugal. In: FONSECA, Ricardo Marcelo. As formas do direito: ordem, razão e
decisão. Curitiba, Juruá Editora, 2013, p. 275-332.
1588
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Este artigo é uma síntese da minha pesquisa que terá como objetivo analisar a
participação da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) no Golpe Militar de
1964, ano em que, sob o comando do General Emílio Garrastazu Médici (1963-1964), a
AMAN participou do golpe militar que derrubou o presidente da República, João Goulart
(1961-1964), e instaurou a ditadura militar no Brasil.
Sabe-se, por meio das fontes e das bibliografias existentes, que um dos motivos
da transferência da Escola de Formação de Oficiais do Exército Brasileiro, do bairro do
Realengo para a cidade de Resende, ambas no Rio de Janeiro, em 1944, era afastar os
cadetes do cenário político que envolvia a Capital Federal, a fim de torná-los profissionais
e apolíticos. Principalmente após a Revolta do Forte de Copacabana em 1922, onde
muitos alunos das Escolas Militares, envolvidos na revolta, foram presos ou até mesmo
expulsos.
No entanto, com o levante comunista de 1935, o anticomunismo que já havia se
instaurado no Exército Brasileiro, se intensificou, passando a fazer parte da rotina de
várias unidades do Exército, inclusive das Escolas Militares. Nesse sentido, iremos
analisar como a repulsa ao comunismo se instituiu na AMAN, desde a sua chegada em
Resende, em 1944, até ao golpe militar de 1964.
Desde a sua criação, por meio da Carta Régia escrita pelo Conde de Linhares, em
4 de dezembro de 1810, a Academia Militar passou por várias mudanças de sede, além
de diversos conflitos internos e externos que estavam ocorrendo no Brasil, da Monarquia
à República, amalgamando-se com a própria história do Brasil e do Exército Brasileiro.
O primeiro deles foi na Revolução Pernambucana de 1817, quando vários alunos
tiveram que trancar a matrícula e foram enviados por D. João para compor as fileiras da
tropa da Corte a fim de sufocar a revolta. Segundo Motta (1998, p.36), até os professores
deixaram suas cátedras com o mesmo destino.
1589
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
799
- Como eram conhecidos os professores.
800
-A primeira reforma após 1810, aconteceu apenas em 1832, depois disso, pelo menos cinco reformas
surgiram na academia, em um período de pouco mais de 10 anos: 1832, 1833, 1839, 1842 e 1845. Ver
MOTTA, Jeovha. p, 57.
801
- Em 1837 o Regente conservador, Pedro de Araújo Lima, promulgou um Decreto trazendo grande
número de oficiais de volta à ativa e restabelecendo de fato o Exército. In SCHULZ, John. O Exército na
Política. Origens da Intervenção Militar (1850-1894). EDUSP: São Paulo, 1994, p.26.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1590
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
802
- que ocorreu quando o Império puniu os militares, Coronel Cunha Matos e o Tenente-Coronel Sena
Madureira, que se manifestaram na imprensa a respeito de questões relativas à política e ao Exército.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1591
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
reunião de alunos, realizada em 2 de outubro de 1886, onde foi constatado que os alunos
da Praia Vermelha iriam prestar solidariedade aos oficiais que haviam sido punidos pelo
Ministro da Guerra, Alfredo Chaves, por ato de indisciplina. O problema se agravou,
tomando maiores proporções, a ponto do Ministro da Guerra considerá-la como vivendo
“(um) ambiente de franca sublevação” e sugerir ao Imperador o seu fechamento
(MACHADO, 2015, p. 202).
Outro episódio que também marcou a participação da Escola no evento
Republicano, foi o comparecimento em massa dos alunos no desembarque de Deodoro
da Fonseca na Corte, em 23 de janeiro de 1887, o que ocasionou a demissão de seu
comandante, Severiano da Fonseca, que era irmão de Deodoro, e a punição dos alunos.
Já em 1889, quando a propaganda republicana se intensificou, era constante a presença
dos alunos à frente dos comícios.
A proclamação da República foi efetivada na manhã do dia 15 de novembro de
1889, passando a ser considerado um momento- chave no surgimento dos militares como
protagonistas no cenário político brasileiro (CPDOC.FGV). Na madrugada desse dia, a
Escola, atendendo ao chamamento de Benjamin Constant, se pôs em forma, sob o
comando do major Marciano Botelho de Magalhães, e rumou para a cidade, a fim de
juntar-se às tropas em rebelião (MOTTA, 1998, p. 205).
Portanto, proclamada a República, agora era preciso consolidá-la. Nesse período
tivemos duas Revoltas da Armada, a primeira em 1891, para depor o presidente Deodoro
da Fonseca, e a segunda em 1893, para depor o presidente Floriano Peixoto, que se negou
a deixar o cargo até que terminasse o mandato. Na segunda Revolta da Armada a Escola
Militar se fez florianista. Segundo Motta (1998, p. 208) “os alunos foram tudo e fizeram
tudo: foram combatentes de linha de frente, agentes de ligação, escolta de presos políticos,
e organizadores de batalhão populares.”
Em novembro de 1904, quando eclodiu a chamada Revolta da Vacina, os alunos
da Praia Vermelha e do Realengo, que ainda respiravam ares do positivismo,
abandonaram as sedes de suas Escolas, no dia 14 do mesmo mês e ano, e marcharam, sob
o comando do general Silvestre Travassos, rumo ao palácio do Catete, onde foram
contidos por tropas do governo (CPDOC.FGV). Segundo Rodrigues ( 2008, p. 58):
1592
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
803
- Embora chegasse em 1918, a Missão Militar Francesa ainda não tinha implantado seu programa de
reorganização do Exército, que começou apenas em 1924.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1593
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
chefe da Revolução chegou ao Rio de Janeiro para assumir o governo, os cadetes fizeram
a sua “guarda de honra” (ARAGÃO, 1959, p. 2009).
Em outubro de 1930, assumiu o comando da Escola Militar do Realengo, o
Coronel José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (1930-1934), o idealizador da AMAN.
O novo comandante assumiu a Escola Militar decidido a estruturar uma nova formação
para o oficial do Exército Brasileiro, criando uma nova mentalidade, afastando-o das
principais influências decorrentes das atividades políticas desenvolvidas na Capital
Federal, que punham em risco as atividades de ensino.
Entretanto, em novembro de 1935, apesar da Escola não ter se envolvido
diretamente no conflito, que foi chamado pejorativamente pelos opositores de Intentona
Comunista, teve o seu ambiente totalmente tomado pelo pesar daquela revolta. Nesse
período, principalmente devido a simpatia que tinham por Luís Carlos Prestes804, muitos
oficiais e praças aderiram ao movimento comunista.
Essa adesão dos militares e o belicismo do levante fizeram com que o
anticomunismo se intensificasse após 1935, passando a fazer parte da rotina de várias
unidades do Exército, inclusive nas escolas militares, pois segundo a historiadora Marly
Vianna, a Escola Militar do Realengo, sob o comando do general José Pessoa, enfrentou
neste período três manifestações sob a orientação do Partido Comunista, na terceira,
segundo a autora, cerca de oitocentos cadetes se rebelaram contra as ordens de seu
comandante (VIANNA, 1992, p. 79). A historiadora Fernanda Nascimento também
contribui para essa análise, ao dizer que o PCB, através do Comitê Militar
Revolucionário, desenvolveu grande atividade na Escola Militar do Realengo em 1930.
Segundo a autora, o PCB possuía planos para arregimentar militares para a revolução
dentro das próprias Escolas da Vila Militar (NASCIMENTO, 2010, p. 211).
Portanto, para combater esse “novo inimigo”, nos finais dos anos de 1950, uma
nova doutrina formulada pela Escola Superior de Guerra (ESG), como peça central da
Doutrina de Segurança Nacional, passou a desempenhar um papel importante nas Forças
Armadas “a teoria de guerra revolucionária”, introduzida e disseminada nos estados-
maiores e escolas militares brasileiras, consolidando esse novo papel das Forças Armadas
804
- Líder do Movimento Tenentista de 1922. Ver VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários
de 1935:sonho e realidade. 3.ed. São Paulo. Expressão Popular. 2011. p . 87 - 125.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1594
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
na luta contra guerra revolucionária no contexto da Guerra Fria (CHIRIO, 2012, p. 22).
805
- Membro do Conselho de Segurança Nacional e Ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças
Armadas, Instrutor da Missão Militar brasileira de Instrução no Paraguai e Subcomandante da AMAN em
1964.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1595
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pelos seguintes oficiais: Comandante, o general de brigada Alberto Pereira dos Santos;
Subcomandante, o coronel Emílio Garrastazu Médici; e comandante do corpo de cadetes,
o coronel Antônio Jorge Corrêa.
O novo comando da AMAN, procurou identificar e eliminar as supostas células
comunistas existentes na Academia, e uma delas foi o professor da Cadeira de Português,
coronel Manoel Cavalcante Proença, por suspeita de ligação com a União Nacional dos
Estudantes (UNE).
Em 1961 o general Castello Branco revogou o Regulamento de 1958, estava em
vigor nesta época a Doutrina da Guerra Revolucionária, e por conta disso, cumprindo
uma determinação do Estado-Maior do Exército, em abril de 1962, uma equipe de oficiais
da AMAN foi designada para frequentar um estágio realizado pela Diretoria Geral de
Ensino (DGE), para uniformizar os procedimentos relativos à Guerra Revolucionária.
Segundo a Nota de Instrução nº 1, do Estado-Maior do Exército, expedida em 06
de novembro de 1961, e que tratava do assunto, o objetivo do estágio era: Preparar o
Exército, psicologicamente e materialmente, para opor-se a qualquer tipo de ação
subversiva, através: - do fortalecimento do militar – ativa e reserva – quanto a consciência
dos valores fundamentais que caracterizam a democracia brasileira; - do conhecimento
das finalidades da doutrina, dos processos e das técnicas utilizadas pelo comunismo, para
que se tornem claras as suas características contrárias à formação brasileira e a
necessidade da utilização de uma técnica para neutralizá-lo e combatê-lo; - da instrução
relacionada com a tática e técnica da guerra revolucionária e das especiais.
De acordo com o general Jorge Corrêa, em 1963 o general de brigada Pedro
Geraldo de Almeida foi substituído no comando da AMAN, pelo general de brigada
Emílio Garrastazu Médici, ex- aluno da Escola Militar do Realengo. Contribuiu para a
sua escolha o fato de já ter sido o subcomandante da AMAN de 1960 a 1962 e por isso a
conhecia muito bem (MOTA, Ariclides.2003, p. 32).
Convicto do avanço do comunismo na conquista de postos de governo e na
tentativa de subverter a ordem nas Forças Armadas pela inversão da hierarquia e pela
indisciplina, abalando a sua coesão, o general Médici resolveu empregar na AMAN, um
Grupo Especial de Trabalho (GET), para a intensificação do estudo da Guerra
Revolucionária, sendo chefiado pelo agora subcomandante Antônio Jorge Corrêa e
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1596
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
806
- Instrutor do curso de Engenharia da AMAN em 1964.
807
- Homenagem a 31 de março de 1964. A AMAN e a Revolução. Rio e Janeiro. Revista do Clube Militar,
nº. 381, março 2001, p. 20.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1597
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ficaria alheia a esse novo enfrentamento, o que a levou a participar, em 1964, do Golpe
Militar que derrubou o presidente da República, João Goulart (1961-1964), e instaurou a
ditadura militar no Brasil, se opondo as tropas que vinham do Rio de Janeiro, que eram a
favor de João Goulart, para se confrontarem com as tropas que estavam vindo de São
Paulo, que eram contra o presidente. Tema que é o objeto da nossa pesquisa.
Referências:
Academia Militar: dois séculos formando oficiais para o exército/Academia Militar das
Agulhas Negras. São Paulo: Editora IPSIS, 2011.
ARAGÃO, José Campos de. Cadetes de Realengo. Rio de Janeiro. Bibliex. 1959.
CHIRIO, Maud. A política nos quarteis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar
brasileira. Rio de Janeiro. Zahar, 2012.
1598
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1599
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1600
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1601
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1602
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“discursões bobas”, conforme nos revelou outro ex-preso do IPPS, Fabiani Cunha, ainda
que destacando a convivência respeitosa na maior parte do tempo.
Dessa forma, eram necessários para os presos alguns momentos para se “afastar”
do resto do grupo, buscar um espaço para si, pensar, estudar, questionar – talvez lamentar,
chorar... –, num exercício que ajudava na reconstrução psíquica dos militantes, dentro de
um presídio em que viveriam forçadamente por meses ou anos. Gravar numa cela uma
marca pessoal era firmar uma identidade, denotar a personalidade daqueles homens que
haviam sonhado com outra sociedade, mais igualitária e socialmente justa, e que foram
derrotados e, não raro, humilhados e torturados pela ditadura, mas que agora necessitavam
recomeçar, repensar ou manter seus princípios e sonhos. Após os primeiros anos de
intenso controle e restrições, os presos políticos do IPPS conseguiram brechas através das
quais buscaram firmar a individualidade e a privacidade. Não era apenas tornar a cela
mais atraente ou confortável, visando um ambiente, dentro do possível, melhor de viver
e lúdico. Era buscar escapar a descaracterização desejada pela ditadura, dar uma “cara
própria” às celas, firmar a condição de presos políticos e de indivíduos.
Com o tempo eu fui dando minha cara à cela. Tinha uma mesa para
escrever, eu escrevia e lia muito lá. Tinha um rádio, um mosqueteiro,
porque tinha inseto. Tinha um mergulhão [aquecedor], para esquentar a
água, porque eu tinha problema de calafrios. Coloquei uns quadros na
parede, mas eram paisagens, não eram políticos, não. (...) Havia
companheiros que buscavam papelão na grade toda para obter
privacidade. William Montenegro, ex-membro da ALN (Ação
Libertadora Nacional).
1603
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Era o mundo “real”, externo, lembrando aos militantes da esquerda armada a sua condição
de preso político.
Estando os presos políticos separados dos demais internos e sendo seu número
menor, havia celas vazias nas “ruas” dedicadas a eles no pavilhão sete. Com isso, algumas
dessas celas, lugares destinados, a priori, ao cumprimento de uma pena, foram
transformadas, conformes as necessidades cotidianas e pretensões e projetos políticos dos
internos, em cozinha, dispensa, oficina, biblioteca, discoteca e sala de aula, sem falar nas
salas da burocracia que viraram espaços para encontros íntimos com namoradas e esposas.
Ou seja, as práticas cotidianas dos presos, suas necessidades e aspirações, deram outros
sentidos às celas.
O presídio apresentava uma cozinha, chamada de “rancho”, onde trabalhavam
alguns presos comuns de melhor comportamento. Ali também eram servidas as refeições.
Numa prisão, os internos são obrigados ou veem-se obrigados a ingerir os alimentos
dados pela instituição, por menos agradável que sejam. A qualidade da comida no IPPS
não era das melhores, motivo de reclamação dos presos. De início, igual os demais
internos, os militantes da esquerda armada tinham de consumir essa mesma alimentação,
servida em suas celas, onde estavam reclusos. Não por acaso, seriam os presos comuns
que levavam as refeições os primeiros a se aproximarem dos “subversivos” do IPPS. Ante
o processo de acomodações, pressões, embates e negociações que desenvolveram ao
longo dos anos junto à direção do presídio, os presos políticos conseguiram, após algum
tempo, permissão para prepararem seus alimentos à parte. Para a direção do presídio, não
deixava de ser vantajosa a concessão, afinal, não precisaria se preocupar com a logística
de ter funcionários ou presos comuns para levar as refeições dos “subversivos”, recolher
pratos, etc. Para os militantes de esquerda encarcerados, afora a possibilidade ter refeições
de melhor qualidade, era uma vitória, um tento na busca de autonomia dentro de uma
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1604
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1605
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1606
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1607
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não obstante essa liberação, a oficina, bem como a cozinha (onde igualmente se
manuseavam facas), ficava nas primeiras celas da ala dos presos políticos, nas
proximidades do portão de entrada da galeria, área por onde transitavam funcionários e
seguranças do presídio. Se estes eram “coniventes” com a oficina, provavelmente
estavam de olho no que era produzido e nas armas manuseadas pelos ditos
“subversivos”... O primeiro dinheiro para a obtenção da matéria-prima era possibilitado
geralmente pelos familiares, como no caso de Wilson Montenegro, que comprou com
seus recursos couro, cola e tintas para o trabalho do irmão, William Montenegro. Depois,
com os lucros da oficina, os militantes passaram a se autofinanciar, ainda que não tenha
cessado a ajuda e apoio de familiares.
Pensando a esquerda
1608
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Não obstante, as práticas dos militantes deram aos grupos de estudos outros
propósitos. Pelas “brechas” da autorização para estudar, os presos políticos fizeram dos
grupos espaços para debater política e seus projetos socialistas. Ali poderiam ocorrer
aulas sobre marxismo, economia, história, etc., ministradas por alguns dos presos – alguns
eram professores – ou debates feitos após a leitura de textos, uma didática muito comum
em universidades ainda hoje, denotando a origem dos internos – vários dos guerrilheiros
haviam sido estudantes universitários.
Apresentando objetivos que foram se distinguindo daqueles pretendidos pela
direção do IPPS, os grupos de estudos apresentavam problemas na obtenção dos livros e
revistas para as leituras cotidianas. Muitas vezes os livros eram trazidos clandestinamente
por parentes nos dias de visitas e até por carcereiros, conforme um dos entrevistados, José
Machado, ex-integrante de ALN e PCBR. Não foi coincidência que um dos motivos de u
a greve de fome de 1974 teria sido o de franquear o acesso a mais livros e revistas, o que,
por fim, acabou atendido. Não obstante, mesmo com essa liberação, ainda havia a censura
interna feita pela direção do IPPS sobre o conteúdo do que seria lido. Para a direção, não
fazia sentido prender os inimigos do regime para que continuassem a manter ou a
aprofundar seus pensamentos anteriores, “subversivos”. A “recuperação dos presos
políticos e sua ressocialização” passavam pela destruição de sua ideologia “perigosa”.
Ante as restrições impostas pelo corpo diretivo, uma das reivindicações constantes dos
presos passou a ser o fim dessa censura interna do presídio. Usavam a argumentação que
aquelas obras, ao serem publicadas, já haviam passado pelo crivo da censura do governo
federal, não existindo por que haver uma outra censura, interna, no IPPS. Seria mesmo
um “desrespeito e uma desqualificação” do trabalho de estratos superiores do Estado,
conforme disse-nos o ex-militante do PCBR, Mário Albuquerque. Após muita pressão
dos presos, a direção aquiesceu e acabou com essa censura interna aos livros.
Além de ocupar o tempo, o estudo em grupo permitia uma maior reflexão sobre
a própria experiência da ação armada, os limites e críticas das ações e trajetórias das
esquerdas, ou seja, no jargão dos militantes, a “autocrítica”. Tais reflexões permitiram
mesmo que alguns dos militantes passassem a valorizar a democracia com um valor
político fundamental. Não custa lembrar que na fase da luta armada, a democracia tida
“burguesa” não era tão valorizada, e quando o era, não passava de uma forma os
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1609
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Pela primeira vez, a gente começou a pensar. Porque antes era ação
direta. O Partido Comunista, os grupos trotskistas têm uma formação
teórica. Mas os grupos de ação armada eram de ação direta. Então, na
prisão, pela primeira vez, eu fui realmente começar a ler, refletir sobre
mim mesmo, sobre eu estava ali, sobre o socialismo, entender a luta
contra a ditadura, sobre valorizar a liberdade. Foi um processo de
reestruturação geral. Foi quando eu descobri o valor da democracia.
Porque para nós a democracia era muito estigmatizada, era burguesa e
tal. Era mais uma forma do capital [dominar] e tal. Comecei a ler e
estudar Gramsci. Abriu meus olhos.
Com o fim da censura interna dos livros no presídio e o passar dos anos, os presos
políticos foram organizando uma biblioteca própria, estabelecida numa cela, que
igualmente servia de discoteca. Tornou-se um dos espaços mais apreciados pelos
revolucionários. Ler não só como forma de obter conhecimentos ou fazer reflexões, mas
como maneira de preencher o tempo, o eterno desafio dos que passam temporadas numa
prisão. “Havia muitos livros, muitos livros, não sei para onde depois foram esses livros,
mas não eram poucos. Discos também, nos davam muito de presente”, afirmou em seu
depoimento William Montenegro.
Conclusão
Referências
1610
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004, p. 202.
MILLS, C. Wright. Sobre o Artesanato Intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2009.
1611
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Analiso aqui a refutação das teorias racialistas europeias por Manoel Bomfim,
bem como esse autor pensou a positivamente a mestiçagem do povo brasileiro. Interesso-
me pelos embates deste autor com os intelectuais brasileiros que ressignificaram a ciência
raciológica vinda da Europa e dos Estados Unidos da América. Abordo, em especial, os
confrontos de ideias entre Bomfim, Sylvio Romero e Oliveira Vianna.
Por fim, faço uma análise da tese defendida por Bomfim sobre o protagonismo
dos indígenas no processo de formação nacionalidade brasileira.
Meu embasamento teórico se assenta em Jean-François Sirinelli com as suas
proposições metodológicas sobre a história dos intelectuais. Antônio Cândido, ao
desenvolver o conceito de intelectual radical, auxilia-me no entendimento do
posicionamento crítico e ideológico de Manoel Bomfim face aos autores racialistas Por
fim, Francisco Falcon ao mostrar a crescente historicização das ciências sociais e a
crescente apropriação de conceitos destas ciências pela história me possibilitou o
entendimento do perfil multifacetado de Manoel Bomfim. O corte temporal vai do final
do Oitocentos às três décadas iniciais do século XX.
1612
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
América Latina: males de origem, ele ficou em posição contrária àqueles autores que
ocupavam as posições de destaque no cenário intelectual brasileiro da Primeira
República, como Sylvio Romero, Nina Rodrigues, Euclydes da Cunha e Oliveira Lima.
Sylvio Romero escreveu 25 artigos na Revista Os Anais, em 1905, os quais viraram o
livro A América Latina (Analyse do livro de igual titulo do Dr. M. Bomfim) [1906],
atacando Manoel Bomfim e refutando todas as teses do seu livro inaugural. Bomfim focou
em Romero e suas teses racialistas e nos defensores da teoria da inferioridade das raças
no Brasil ao publicar A América Latina: males de origem.
O racialismo europeu chegou ao Brasil por volta de 1870 com muita força, logo
despertando a atenção de muitos intelectuais que estavam nas faculdades de medicina e
de direito, nos institutos históricos e nos museus etnográficos. Lilia Moritz Schwarcz
afirma que alguns lentes que atuaram nas faculdades brasileiras nos séculos XIX e no
alvorecer do século XX apropriaram-se e ressignificaram as teorias racialistas europeias,
analisando, assim, em estudos rudimentares a gênese e o desenvolvimento do povo
brasileiro. Muitos “homens de ciência” brasileiros, do final do Oitocentos e das primeiras
décadas do século XX, fizeram-se publicistas das teorias racialistas europeias que foram
justificadoras dos imperialismos europeus e norte-americano e ajudaram a difundir uma
visão pessimista sobre o presente e o porvir do Brasil e dos demais países latino-
americanos caracterizados pela larga mestiçagem de sua gente (SCHWARCZ, 2014). O
fato é que os “homens de ciência” do Brasil daquela época viram nas teorias racialistas
uma forma de justificarem pela raça e, por conseguinte, na mestiçagem, as hierarquias
sociais existentes em nosso país (BOTELHO, 2014).
Os teóricos do racialismo defendiam a existência de povos superiores e
inferiores, cujos primeiros podiam dominar/explorar o nosso planeta, porquanto a sua
ação transformadora do mundo acabava propagando os valores da civilização (COMAS,
1964; LEVI-STRAUSS, 1952). Na época acreditava-se que os outros povos que não
estavam no estágio evolutivo dos europeus tinham alguma inaptidão inata e que por mais
progresso que fizessem, jamais chegariam à superioridade dos povos europeus mais
evoluídos, os germânicos – esta era a leitura de muitos teóricos do racialismo europeu
(BOMFIM, 1998; BOTELHO, 2014; SCHWARCZ, 2014; PEREIRA, 2013;
HOFBAUER, 2006).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1613
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Para Bomfim, “A noção de raça, todos o sabem, baseia-se não só nos traços
anatomicos como nos caracteres psychologicos. Entre os animaes, nós vemos que a
hereditariedade transmite os caracteres morphologicos como as qualidades intellectuaes
e Moraes” (BOMFIM, 1905:163).
1614
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bomfim fez uma análise generalista dos teóricos dos racialismos europeu e
norte-americano. O autor, em seus livros histórico-sociológicos, escolheu aleatoriamente
intelectuais racialistas para a efetivação de suas críticas antirracistas. Contudo, alguns
teóricos do racialismo aparecem com mais frequência em suas obras histórico-
sociológicas – Gobineau, Agassiz , Lapouge, Le Bon e Oliveira Martins. Para Bomfim,
1615
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Ficou evidente, aqui, o teor provocativo da crítica que Bomfim fez aos ilustres
racialistas europeus e ao prestigiado defensor do racialismo no Brasil, Oliveira Vianna.
1616
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
808
Bomfim fez referência às leituras dos teóricos do racialismo europeus sobre a situação social e política
dos países latino-americanos e da impossibilidade destes progredirem. Segundo ele, “Os Le Bom sorriem
destes sentimentalistas e latinos incorrigíveis; e, agora é, é que proclamam alto o seu ideal: a fortuna, os
cabedaes accumulados, muito commercio, filas de cifras... Riquezas! Riquezas! Ainda que sejam o fructo
das peiores violencias e injustiças. Veja-se, por exemplo, o tom com que, lá do alto de sua philosophua, ele
menospreza todos esses ‘dithyrambos sobre o direito e a justiça’, que no seu entender, têm tanta influencia
sobre o progresso como os açoites de Xerxes sobre o mar. Em compensação, pobre philosopho! Para basear
uma sociologia sobre essas doutrinas immoraes, elle cae em taes contradicções, que faz pena, até, accentual-
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1617
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
pois ele não atribuiu jamais o atraso e a pobreza de nosso povo à “teoria da inferioridade
das raças”, e, muito menos a mestiçagem recente do povo brasileiro (BOMFIM,
1905:310).
Giralda Seyferth chama atenção para o fato de que Manoel Bomfim em sua
apaixonada defesa dos benefícios da mestiçagem do povo brasileiro jamais descambou
para a apologia da teoria do branqueamento (SEYFERTH, 2015:139).
Manoel Bomfim não deixou de criticar em sua última obra histórico-sociológica
aquele a quem chamou de sociólogo oficial, Oliveira Vianna. Alheio ao prestígio que
Vianna granjeava nos meios acadêmicos e nas esferas governamentais, defendendo as
teses racialistas que as elites brancas do país tinham apreço; Bomfim elegeu o combate
teórico contra este, como uma de suas derradeiras lutas na refutação dos preconceitos
contra a mestiçagem. Para o autor, “Todos esses preconceitos de inferioridades raciais se
encontram no sr. Oliveira Viana, sob a responsabilidade do governo do Brasil. É um
julgamento oficial, sobre a Evolução das raças, através de muita etnologia, eugenia e
antropologia...” (BOMFIM, 1997:193).
Manoel Bomfim também objetou os arrazoados dos racialistas acerca da
capacidade cognitiva dos mestiços se comparados aos indivíduos brancos puros. O autor
fundamentou-se no que havia de mais atual na antropologia europeia: Ribot, Zabrowski
e Topinard. Além desses antropólogos, Bomfim “Citava também outros cientistas (Waitz,
Martin de Moussy e Quatrefages) em defesa de sua tese de que os mestiços não são menos
inteligentes que os membros das raças individuais que os produziram” (SKIDMORE,
1976:133).
A abordagem da história indígena por Manoel Bomfim, da época colonial até o
início do século XX, diferiu de outros estudos historiográficos realizados por alguns
autores conservadores e até intelectuais progressistas do século XIX e do início do século
XX, porquanto este autor acabou “transformando o índio no ator principal, junto com o
português, o português e o índio nesse sentido” (SEYFERTH, 2015:139).
las; dão a impressão de uma inconsciência sem remissões, e levam-no a fazer prognosticos capazes de o
cobrir de ridículo, ainda que as sua theorias tivessem a originalidade de um Nietzsche, ou a belleza moral
de um Tolstoi.” - BOMFIM, Manoel. A America Latina- males de origem. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier,
Livreiro-Editor, 1905, p. 384-385.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1618
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Manoel Bomfim debruçou-se sobre a história dos nossos índios e das suas
culturas, reiterando a importância deles na constituição da sociedade brasileira. Bomfim
apontou a influência indígena em vários setores da sociedade colonial, desde o seu papel
fundamental na formação do povo brasileiro, que pelo número ínfimo de reinóis nos
tempos iniciais da colonização, não pôde a coroa portuguesa prescindir dos laços de
sangue entre os seus e as mulheres indígenas (BOMFIM, 1997).
Manoel Bomfim ao historiar o indígena na formação de nossa nacionalidade
indicou a influência deste no surgimento de um léxico característico do Brasil. A herança
linguística é indicada por ele como uma das principais influências indígenas em nossa
formação nacional. A respeito da importância e da riqueza da língua tupi, vários cronistas
e historiadores se pronunciaram desde a época colonial. Gonçalves Dias referiu-se ao
valor da língua tupi, comparando-a com as línguas dos antigos gregos e dos romanos.
Para esse estudioso das línguas indígenas, “A língua tupi, chamada vulgarmente língua
geral, tinha uma gramática que pelo bem ordenado de cada uma de suas partes mereceu
de ser comparada à grega e à latina: demonstra mais hábito de reflexão do que o
encontramos no povo que a falava [...]” (DIAS, 2013:194).
1619
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
E ainda sobre o valor da língua tupi-guarani uso outra fonte de Manoel Bomfim,
o general Couto de Magalhães. Este pesquisador da história e das culturas indígenas do
Brasil exaltou as qualidades da língua geral dizendo que “Pelo lado da perfeição, ela é
admirável; suas formas gramaticais, embora em mais de um ponto embrionárias, são
contudo tão engenhosas que, na opinião de quantos a estudaram, pode ser comparada às
mais célebres” (MAGALHÃES, 1975:28).
Manoel Bomfim apontou a incorporação de milhares de vocábulos do tupi-
guarani ao português falado no Brasil. Segundo o autor, no primeiro século da
colonização do Brasil, a língua falada por grande parte da população era a indígena.
Destarte, Bomfim afirmou que “Durante o primeiro século da vida colonial, a língua geral
do gentio, espalhada pela massa do povo, era mais usada por ele que o próprio português”
(BOMFIM, 1997:110).
Na visão deste autor, o falar do brasileiro é muito peculiar, guardando muitos
elementos do tupi-guarani. Ele distingue-se bastante do vernáculo português por ter
incorporado milhares de palavras da língua indígena. Segundo Bomfim,
1620
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Conclusão
1621
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
DENIS, Ferdinand. Brasil. Coleção Reconquista do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980.
1622
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
ROMERO, Sylvio. A America latina (Analyse do livro de igual titulo do Dr. M. Bomfim).
Porto: Livraria Chardron, 1906.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido: tempo, vida e obra de Manoel Bomfim.
Rio de Janeiro: Topbooks/ANPOCS, 2000.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro:
FGV Editora, 2010.
BOURDIEU, Pierre. Espaço social e gênese das classes. In: O poder simbólico. Lisboa:
Difel, 1989.
CANDIDO, Antônio. Recortes. 3. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004.
COMAS, Juan. Mitos raciais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Educação, Ciências
e Cultura, 1964.
____________. Os mitos raciais. In: COMAS, Juan; LITTLE, Kenneth I. etal. Raça e
ciência I. São Paulo: Perspectiva, 1960.
1623
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências: notas para uma história da
antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: CNPQ/MAST, 2006.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 21ed. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1984.
RIBEIRO, Berta. O índio na história do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Global Editora, 2001.
1624
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
VIANNA, Oliveira. Raça e assimilação. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1934.
1625
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Apresentação
Amaral Peixoto foi quem por mais tempo esteve à frente do executivo fluminense.
Foram praticamente doze anos de governo. No período compreendido entre novembro de
1937 a outubro de 1945, foi Interventor Federal no Estado; e entre 1951-1954, fora eleito
pelo voto popular809. Celso Peçanha810 o caracteriza como “um político tecnicista,
pragmático e realista” (PEÇANHA, 1997, pp. 63-64). No período posterior à sua
interventoria não se verifica o isolamento político do Comandante. Eleito deputado
federal, a influência de Amaral Peixoto no cenário político fluminense manteve-se
forte811. Evidência disso está no seu retorno ao governo do Estado do Rio de Janeiro812
nas eleições de 1950, com ampla margem de votos.
A obra Artes da política: diálogos com Amaral Peixoto organizada por Aspásia
Camargo, Lúcia Hippolito, Maria Celina Soares D’Araújo e Dora Rocha Flaksman reúne
a maioria das memórias do personagem em tela (veja referência completa na secção -
Documentação). O texto que sistematiza e sintetiza o depoimento do mesmo ao Programa
de História Oral do CPDOC percorre fatos de sua vida pessoal, familiar e do homem
público. Na perspectiva das autoras, a obra trata do Amaral Peixoto expectador e agente
de uma época, delimitada entre as décadas de 1930 e 1980 e expõe as principais tensões
fluminense, nacional e internacional vivenciadas pelo líder. Sua forte influência regional
809
Quando nos referirmos ao período de governo entre 1937 a 1945, usaremos como expressão - interventor
ou interventor federal. Para o quadriênio de governo entre 1951 a 1955, usaremos - governador ou
governador eleito.
810
Celso Peçanha é originário de uma influente família do interior fluminense (cidade de Campos dos
Goytacazes). Seu irmão, Nilo Peçanha, foi governador do Estado por dois mandatos (1903/1906;
1914/1917) e presidente da República no período 1909/1910. Celso Peçanha governou o Estado do Rio de
Janeiro entre 1961 e 1962, antes, havia ainda ocupado o cargo de prefeito em dois municípios fluminenses:
Silva Jardim e Rio Bonito. Passou também pela Câmara Federal.
811
É preciso verificar se esta característica foi comum a outros interventores.
812
A partir deste momento ERJ.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1626
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1627
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sob esse prisma, o próprio personagem nos oferece relevantes apontamentos aos
principais embates enfrentados pelo seu governo. Quando fora nomeado Interventor
Federal no ERJ, o Estado encontrava-se com dificuldades financeiras até mesmo para
pagar o funcionalismo: uma das primeiras medidas foi organizar a política tributária, o
que não existira nas administrações anteriores. Tributos que não eram efetiva e
eficazmente pagos, dentro da lógica da nova administração, passaram a ser cobrados
impostos sobre vendas e consignações além do imposto territorial, por exemplo.
O Conselho Econômico e Financeiro do Estado – órgão de cooperação econômica
e administrativa - organizou as Secretarias do Estado bem como estudou e viabilizou
alguns projetos. No campo econômico, surgiu o banco público estadual: a Caixa
Econômica do Estado do Rio de Janeiro e, ao que parece, o Conselho exerceu raio de
influência nas ações do governo federal ao recomendar a criação do Instituto Nacional do
Sal e da Companhia Nacional de Álcalis (CNA), sobre esta última, acompanhemos de
perto:
1628
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Até o momento não encontramos nenhuma outra referência que pudesse esclarecer
melhor a figura de Frânzio Sales. Em conversa realizada em 06 /07/17 com a pesquisadora
do CPDOC - Regina da Luz Moreira a mesma relatou que Sales era engenheiro e genro
de Vicente de Paulo Galliez. Galliez, industrial, atuou em vários órgãos empresariais,
como na Federação Industrial do Rio de Janeiro e na Confederação Nacional da Indústria.
Isso pode ser um demonstrativo de proximidade que Amaral Peixoto tentou estabelecer
com o empresariado fluminense e nacional. Ainda segundo Regina da Luz, Vicente
Galliez viria ser parente do General José Galliez: ajudante- de- ordens de Getúlio Vargas.
Já em seu segundo governo, Amaral Peixoto cria, em 1952, a Comissão de
Desenvolvimento Industrial. Embora afirme que a Comissão não desempenhou atuação
muito forte, pode revelar que, por outro lado, a questão industrial ganhou contornos
personalizados - “quem atuava mais era o Frânzio, diretamente comigo.” (CAMARGO,
et al. 1986, p. 251). Pela riqueza do relato, convém acompanhar com mais proximidade
a fala do governador:
1629
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O conceito de progresso industrial no Brasil pós 1930 e suas articulações com o caso
fluminense: análise introdutória
1630
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1631
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(...), a partir de 1930 e sobretudo durante o Estado Novo, foi criada uma
série de agências voltadas para a administração de problemas de alcance
nacional. Automaticamente seus técnicos civis e militares foram
levados a pensar questões do desenvolvimento econômico nacional de
uma forma integrada e abrangente, gerando a ideologia
desenvolvimentista. (BIELSCHOWSKY, 2004, p. 78)
Desse modo, podemos elencar as agências correlatas criadas pelo governo Amaral
Peixoto para conduzir o progresso fluminense: Departamento das Municipalidades;
Departamento Administrativo; reorganização da Secretaria de Finanças; Conselho
Econômico e Financeiro do Estado; Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio;
Comissão de Estradas e Rodagens; Caixa Econômica do Estado do Rio de Janeiro;
1632
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
813
O paradigma paulista para explicar a industrialização fluminense é criticado Maria Bárbara Levy. Veja
citação completa nas referências bibliográficas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1633
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Pelo esboço apresentado, cabe concluir que as falas do Amaral Peixoto denotavam
um grau de otimismo. O ERJ marcharia ao encontro do futuro: sua recuperação e
modernização econômico-industrial. O entendimento e ampliação desta questão passam
pela análise de um conjunto variado de fontes que, pela natureza deste texto, não convém
aqui arrolar, inclusive àquelas de natureza censitária.
Amaral Peixoto marcou uma época de progresso fluminense. Ao organizar o ERJ
sob a forma administrativa, política e econômica, o Comandante reposicionou o Estado
no conjunto da federação e angariou dividendos políticos ao notabilizar-se como uma das
mais expoentes lideranças nacional e regional até década de 1980. Interpretar o passado
da administração Amaral Pexoto pode ser um importante guia para entender a situação
do ERJ na atualidade e, guardados os devidos anacronismos, quiçá contribuir para
algumas saídas da crise fluminense.
Documentação
Bibliografia
PINHEIRO, Maria Esolina. O líder Soares Filho. Rio de Janeiro: Editado pelo Jornal do
Comércio por encomenda da Câmara dos Deputados, 1955.
1634
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
SILVA, Robson Dias da. Indústria e desenvolvimento regional no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2012.
1635
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1636
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Porém esta tentativa de modernização terá uma “área de sombra”: uma identidade
nacional ostensivamente polarizada, marcada pela enorme distância entre brancos e
negros. Podemos afirmar que, neste momento, o Brasil ganhou definitivamente um
“povo”, inventando para si uma tradição e uma origem. No entanto, uma pergunta deve
ser respondida: Quem é este povo?
Esta tensão fica evidente, por exemplo, analisando o pensamento de Nina
Rodrigues, nesta citação de seu livro Os africanos no Brasil, quando ele afirma:
Uma das mais importantes interpretações deste “povo” será apresentada, por
exemplo, nas concepções de Gilberto Freyre. Nesta visão, não existem raças humanas,
com diferentes qualidades civilizatórias inatas, mas sim diferenças culturais, como
ensinava seu mestre, o antropólogo Franz Boas. O Brasil passa a se pensar como uma
civilização híbrida, miscigenada, não apenas européia, mas produto do cruzamento entre
brancos, negros e índios, no que ficou estabelecido como o “mito das três raças”, que já
vinha sendo construído desde o século XIX na tradição de pensadores como Silvio
Romero e Joaquim Nabuco. Esta miscigenação seria capaz de absorver e até criar algo
novo, abrasileirando as tradições e culturas dos outros povos por aqui chegados
(rejeitando obviamente apenas aquelas que fossem incompatíveis com a modernidade
desejada, por exemplo, africanos).
1637
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Assim, segundo esta interpretação, nós não teríamos uma “raça”, afinal não
somos mais brancos, índios e negros, mas uma nação e um povo mestiço. Entre os anos
de 1930 a 1950, a exaltação de uma identidade nacional, pautada na pluralidade cultural
e baseada no “mito das três raças”, escamoteou o preconceito e a condição de
subalternidade do negro na sociedade brasileira.
Seria importante assinalar que para a República, os negros e índios, neste projeto,
são apropriados como objetos culturais, símbolos e marcos fundadores de uma civilização
brasileira. Este mito fundacional é construído para dar um sentido, que localiza a origem
da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado distante, porém, não no seu
tempo “real”, mas de um tempo “mítico”. Para oferecer um sentido “real” a esta
mitologia, seria necessário “concessões simbólicas”, como se depreende do trecho
seguinte de Antonio Sergio Guimarães:
Se for verdade que agora somos um “povo”, como dizia o mito, então teríamos
que ter uma incorporação pela nossa “identidade nacional”, dos símbolos, não de apenas
um dos segmentos, os brancos, mas também dos símbolos da população negra e indígena,
e isto não ocorre. Se é verdade que agora somos um “povo”, mestiço como diz o mito,
por que da ocorrência da segregação racial contra essas populações e a permanência da
discriminação racial? Isto é importante na medida em que a ‘identidade nacional’ é
forjada, em grande parte, por meio daquilo que Benedict Anderson denominou de
“comunidades imaginadas”. Já que não existe nenhuma “comunidade natural” em torno
da qual se possa reunir as pessoas que constituem um determinado agrupamento nacional,
ela precisa ser inventada, imaginada. É necessário criar laços imaginados que permitam
“ligar” pessoas que, sem eles, seriam simplesmente indivíduos isolados, sem nenhum
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1638
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Neste mesmo livro, Abdias apresenta sua interpretação do que seria a Negritude.
Abaixo iremos realizar uma breve síntese historiográfica sobre este tema, porém, antes
1639
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
transcreveremos a citação na qual Abdias concebe o que ele entende ser a Negritude já
em 1968, ou seja, a posteriori, do surgimento do conceito no Brasil:
Como já foi possível observar, uma das características mais importantes desta
geração da imprensa negra e de seus militantes foi a procura por estabelecer contatos e
diálogos com outras realidades internacionais, em temas e preocupações que seriam
comuns aos negros aqui no Brasil. Relatando esta experiência da imprensa negra no
Brasil, Elisa Larkin Nascimento escreve:
1640
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Este olhar mais distante terá um claro impacto para esta geração. O próprio jornal
Quilombo, em três das suas 10 edições publicou anúncios da revista francesa Présence
Africaine editada por Alioune Diop, publicação que era a grande porta-voz do movimento
e até hoje é editada na França. Esta constante correspondência com a direção da revista,
como afirma Elisa Larkin, também pode ser comprovada pelo próprio testemunho de
Abdias do Nascimento quando informa estes contatos para Cristine Douxami, em artigo
para a revista Afro-Ásia de 2001:
1641
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1642
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1643
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
na conjuntura da sua época, mas sempre partindo da Negritude. Por fim, concordamos
com a opinião de Antonio Sérgio Guimarães que, analisando o Quilombo nos diz: “Neste
sentido, o jornal exalava negritude, tendo sido, na verdade, responsável pela formação de
uma negritude brasileira e nacionalista, como muito bem salientou Bastide. Mas, trata-se
de compromisso, de negociação de uma identidade racial e cultural, que precisava ser
brasileira para aspirar à singularidade”.
BIBLIOGRAFIA
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.
DOUXAMI, Cristine. Teatro Negro: A realidade de um sonho sem sono. Revista Afro-
Ásia. Nº 25-26, 2001.
MUNANGA, Kabengele. Negritude, usos e sentidos. São Paulo: Editora Ática, 1986.
1644
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1645
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
Il n’en reste pas moins que les années 1830-35 virent pour la première
fois (abstraction faite du cadre spécifique de l'illustration scientifique)
la réunion et la concetration dans un même espace - le livre illustré -
des corps professionnels des éditeurs, des écrivains et de celui des
artistes, avec leurs traditions, leurs pratiques, leurs formations, leurs
préventions réciproques et leurs intérêts respectifs. (Kaenel, 1984: 48)
1646
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1647
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1648
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Sue, por exemplo, embora ambos estivessem submetidos à mesma dinâmica da literatura
industrial. Embora uma parcela dessa disparidade se deva a fatores de ordem mais prática
como o público bem mais ampliado da literatura folhetinesca de Eugène Sue se
comparada à dos livros ilustrados de Grandville, e ainda ao custo elevadíssimo desse tipo
de produção, nada nos leva a crer que a outra parcela dessa disparidade não estaria ligada
à situação subalterna da caricatura.
A chance de Grandville de reverter essa situação de subalternidade teria vindo,
segundo Renonciat (2006: 08-09), com o novo fôlego adquirido pelo mercado editorial
com as possibilidades oferecidas pela utilização de uma nova modalidade de xilogravura
– a gravure sur bois de bout –, cuja técnica importada da Inglaterra facilitava a
conjugação, numa mesma página, de texto e imagem. Aos olhos dos editores, as imagens
associadas aos textos constituíam um dispositivo capaz de conquistar novos públicos.
Além disso, a prática de distribuição dos livros ilustrados em fascículos tornou-se
sistemática.
Em 1837, Grandville é convidado por Henri Fournier, editor com quem ele
continuaria colaborando até o fim de sua vida, para ilustrar as Fábulas de La Fontaine.
Mas logo a contrapartida do empreendimento ficaria evidente para o ilustrador: muito
rapidamente Grandville sentiu a perda do controle do processo criativo de suas obras. Isso
porque, como já comentamos, a dinâmica da produção de um livro ilustrado era
extremamente complexa e envolvia uma série de profissionais com formações e papéis
distintos – além, é claro, de um texto preexistente a ser interpretado. (Kaenel, 1984;
Renonciat, 2006; Nesci, 2012)
Em primeiro lugar, um novo ator fundamental entrava em cena: o gravador. A
adoção da gravure sur bois de bout obrigava Grandville a entregar suas composições
meticulosamente trabalhadas e retrabalhadas ao profissional, que era encarregado de
transferir o desenho para a matriz de impressão de madeira. Esse processo de gravação
frequentemente provocava uma distorção ou outra em relação aos originais do ilustrador,
que reclamava incansavelmente sobre a forma como as gravuras traíam seus desenhos.
(Blanc, 1855: 66-68) A produção de livros ilustrados envolvia ainda a figura do livreiro-
editor, que considerava a si mesmo como investidor, mediador e organizador do trabalho;
era ele que reunia a equipe de trabalho, fechava os contratos e cuidava da impressão e da
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1649
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
distribuição dos livros. Para se ter ideia do tamanho do empreendimento, Keanel (1984:
50) estima entre seis e dezoito o número de gravadores necessários para trabalhar na
produção de cada um dos livros de Grandville, dependendo do número de gravuras de
cada livraison. Além disso, vez por outra, como no caso de Pierre-Jules Hetzel, que
escrevia sob o pseudônimo de P.-J. Stahl, o livreiro-editor ainda colaborava com os textos.
Por fim, quando o livro a ser produzido não era uma reedição, mas sim uma nova obra,
outro ator entrava na disputa: o escritor. Tratava-se, portanto, de uma reunião de
profissionais marcada por um processo constante de negociação e disputa.
Para fazer frente a seus concorrentes e remodelar sua identidade socioprofissional,
Grandville lançou mão de uma série de estratégias através das quais procurou garantir seu
lugar na direção do processo criativo de suas obras, como em seus tempos de caricaturista.
Embora Charles Blanc (1855) insista mais de uma vez na personalidade tímida, modesta
e reservada do artista, assim como em seu amor e dedicação sem fim à sua família, o
mesmo admite – e é consenso na literatura – que o espírito genioso e combativo de
Grandville e seu humor ácido não estavam a serviço apenas de suas sátiras gráficas, mas
antes, constituíam uma de suas armas fundamentais na disputa pela nobilitação de seu
estatuto profissional e artístico.
Ciente das assimetrias nas relações que mantinha com os demais profissionais à
sua volta e, portanto, dos limites em sua margem de negociação, Grandville assumia
nessas disputas tons que variavam de acordo com o renome de seus adversários. Ora suas
críticas eram feitas de forma aberta, ora num certo tom de condescendência. Em outras
ocasiões, empregava ironia e humor e, por vezes, exprimia suas críticas através de seus
desenhos.
Tensas e ambíguas eram também as relações de Grandville com seus editores,
especialmente com Hetzel, com quem teria colaborado até 1842. A parceria teria chegado
ao fim no momento imediatamente posterior à publicação bem sucedida de Cenas da vida
privada e pública dos animais, distribuída em cem fascículos entre 1840 e 1842. Hetzel
assinava a organização do volume, que contava ainda com textos de Charles Nodier,
Balzac e George Sand. O motivo da ruptura teria sido uma acusação feita por Grandville
ao famoso editor de Balzac e Jules Verne de se apropriar de sua ideia para um livro no
qual pretendia trabalhar, que viria a ser Um outro mundo (Nesci, 2012; Kaenel, 1984: 53).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1650
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Todavia, a tensão entre ambos durante a produção das Cenas ficou registrada na obra, e
seus ecos se fizeram ouvir mesmo depois da morte de Grandville em 1847.
Em seu estudo detalhado acerca da reinterpretação dada por Hetzel às gravuras
originalmente produzidas para Um outro mundo (1843), Nesci (2012:06) assinala uma
verdadeira mudança na postura de Hetzel após a morte do ilustrador: se na primeira edição
das Cenas Hetzel assumia um papel muito mais modesto, descrevendo-se como que a
serviço do talento de Grandville, anos mais tarde, por ocasião da publicação de uma nova
edição do volume – e mesmo posteriormente, para a publicação d’O diabo em Paris
(1868), Hetzel assume uma posição nada subalterna. Segundo a autora, apesar da prática
de reciclar imagens fosse comum durante o século XIX, a remodelação promovida pelo
editor precisa ser encarada com um olhar crítico, já que ela envolve a eliminação de uma
série de quadros narrativos e personagens importantes do enredo da obra. Além disso, a
autora destaca a forma como Hetzel procura celebrar o papel de inevitável mediador
assumido pela figura do editor como “salvador” dos autores. (Nesci, 2012: 03, 12-15)
Contudo, apesar do contrato de exclusividade imposto a Grandville por Hetzel, e de toda
a tensão durante a produção das Cenas, o ilustrador parece ter levado a melhor na disputa
para se livrar de sua condição subalterna durante o processo criativo. (Renonciat, 2006:
10)
Muito menos conflituosa parece ter sido a relação do artista com Henri Fournier,
com quem publicou até sua morte. A título de hipótese, gostaríamos de sugerir que essa
diferença poderia estar ligada ao fato de que, diferentemente de Fournier, Hetzel mantinha
uma carreira de escritor paralela à sua de editor. Nesse sentido, o capital tanto simbólico
quanto material de que dispunha o inseria na disputa pela primazia sobre o processo
criativo das obras desempenhando simultaneamente dois papéis, o que de alguma forma
aumentava expressivamente seu poder de negociação.
No âmbito da produção gráfica, Grandville apoiado na noção romântica de autor,
associada aos conceitos de originalidade e gênio, muitas vezes recorria a estratégias que
remontam à sua atuação no La Caricature, sempre com o objetivo de legitimar e valorizar
sua produção. Segundo Kaenel (1984: 56), o artista apostava na prática de codificar ao
máximo suas imagens, fornecendo a elas uma “legibilidade” que, por sua vez, demandava
uma decodificação discursiva:
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1651
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
814
Sobre o debate, ver: Mollier (2008).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1652
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
assim, nem se compara ao “G” monumental que representa a inicial do ilustrador (fig. 4).
Nos frontispícios da obra, Dalord não é sequer citado. Essa situação só se transforma em
colaborações posteriores como, por exemplo, em “Les fleurs animées” (1847), onde o
jornalista aparece explicitamente citado no frontispício. Por outro lado, “Cent proverbes”
(1845) não só não carrega nenhuma referência sobre seu redator, como ainda vem
assinada por Grandville e “por três cabeças usando um gorro” (fig. 5). Ainda que seja
possível que alguma das cabeças represente o[s] escritor[es] da publicação, é interessante
notar como logo abaixo delas estão desenhadas três plumas amarradas.
Cabe, portanto, insistirmos na forma como, muitas vezes, as disputas envolvidas
na produção dos livros ilustrados se encontram expressas na publicação final815. De
acordo com Kaenel (1984; 47), por meio de autorretratos, prefácios, frontispícios e do
destaque gráfico concedido a cada um dos autores envolvidos no processo, é possível
observar a forma como “os diferentes agentes da edição definiram e promoveram suas
profissões”.
815
Embora estejamos atentos para o fato de que essas representações estejam inscritas no campo da ficção
e que, portanto, não se tratam de simples reflexos do real. O conceito de ficção que informa este trabalho,
tomamos emprestado de Gallagher (2009).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1653
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1654
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Mas essa viagem só pôde ser narrada depois que o crayon finalmente se libertou
da “tirania” da pluma, propondo a ela uma nova forma de associação. Daquele momento
em diante, sua única obrigação seria de redigir as impressões de viagens narradas pelo
crayon, como uma espécie de secretária. De ilustrador dos escritos da pluma, o crayon
assumia a partir daquele momento o lugar de autor de histórias a serem descritas (fig. 6).
No epílogo do livro, a pluma e o crayon voltam a discutir seus papeis e importância na
obra que haviam acabado de produzir, depois que este último acusa a pluma de estar
tentando disputar com ele a glória de sua obra, um mundo que ele havia criado:
1655
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Figura 6 – O crayon parte em sua jornada com sua pasta de pasta de croquis.
In: Un autre monde, 1843, pp. 08. Disponível em: gallica.bnf.fr.
Grandville não se faz de surdo aos rumores: inclui em Cent Proverbes (1845) um
autorretrato no qual ele se representa assinando seu nome numa muralha branca cujo
nome era “papel de louco” (fig. 7).
Mesmo com a recepção negativa de Um outro mundo, até sua morte no ano de
1847 em decorrência das complicações de uma difteria, Grandville concluiria diferentes
projetos como a edição ilustrado do romance satírico Jérôme Paturot em busca de uma
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1656
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
posição social (1845) e As flores animadas (1847), fruto também de sua parceria com
Taxile Dalord. A obra do artista só viria a ser revisitada décadas mais tarde, inspirando
figuras como Lewis Carrol e John Tenniel, o ilustrador da edição de 1865 de Alice no
país das maravilhas. Mais tarde, na década de 1930, os surrealistas atribuiriam a ele o
título de precursor do movimento. (Nesci, 2012: 05; Renonciat, 2006: 13)
Ao compararmos o momento de auge na carreira do artista no final da década de
1830, e os anos trágicos da década de 1840, tanto na vida pessoal quanto na vida
profissional de Grandville, é impossível não retornarmos a Greenblatt. Isso porque, para
o autor, modelar-se e ser modelado pelas instituições culturais são processos intimamente
ligados, inscrevendo o conjunto de escolhas de seus atores em meio a possibilidades
estritamente delineadas pelo sistema social e ideológico em que estão inseridos.
(Greenblatt, 1980; 256) Além disso, as escolhas e apostas desses atores se defrontam com
os condicionantes socio-históricos de sua época, e seu retorno é quase sempre incerto.
Em sua época, Grandville abraçou os avanços técnicos que permitiram a ele não apenas
aperfeiçoar sua arte, mas também garantir sua difusão. A intervenção mecânica sobre o
processo de criação tinha uma dimensão dupla: por um lado, muitas vezes deixavam o
artista insatisfeito; por outro, a denúncia constante dessa interferência oferecia a ele a
possibilidade de se justificar diante de críticas a eventuais imperfeições em suas gravuras.
(Kaenel, 1984: 60)
Entretanto, a adesão de Grandville aos avanços técnicos de sua época não veio
dissociada de um esforço de diferenciação: em seu processo de automodelação, o
ilustrador adotou uma série de estratégias por meio das quais procurou marcar a distinção
entre sua obra e os demais produtos culturais produzidos a partir de uma lógica industrial.
Esse esforço de distinção é perceptível também na forma como ele esteve sempre
empenhado em reconfigurar sua identidade socioprofissional no sentido de sua
nobilitação. Desempenhando ofícios tradicionalmente considerados menores, como o de
caricaturista e mais tarde, ilustrador, Grandville passou a vida buscando formas de se
apresentar como uma espécie de “desenhista-filósofo”. Como postula Greenblatt (1980:
09), “a automodelação é alcançada em relação a alguma coisa percebida como diferente,
estranha ou hostil. Esse outro ameaçador deve ser descoberto ou inventado de forma a ser
atacado ou destruído”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1657
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Documentação
Referências
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1658
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
______. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense,
1989.
ELIAS, N. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
KURY, L. As artes da imitação nas viagens científicas do século XIX. In: ALMEIDA,
M. de; VERGARA, M. de R. Ciência, História e Historiografia. São Paulo: Via
Lettera; Rio de Janeiro: MAST, 2008. pp. 321-333.
MOLLIER, J.-Y. A leitura e seu público no mundo contemporâneo ensaio sobre a história
cultural. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
1659
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
NESCI, C. Images déplacées, images détournées ? D’Un Autre Monde de J.-J. Grandville
au Diable à Paris de P.-J. Hetzel. Textimage, Le Conférencier - L’image répétée. 2012.
________. Cenas da vida carioca. Raul Pederneiras e a belle époque do Rio de Janeiro.
Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2000.
SECORD, J. Visions of Science. Books and readers at the dawn of the Victorian Age.
Oxford: Oxford University Press, 2014.
TRESCH, J. The romantic machine: utopian science and technology after Napoleon.
Chicago; London: University of Chicago Press, 2012.
1660
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1661
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“Candomblé”, "Vodun" é a palavra para “espírito” nas línguas Gbe (Fon-Ewe do Benim) e
se refere à tradição religiosa baseada nos ancestrais.
Os artefatos arqueológicos feitos sobre material ósseo animal, acima
exemplificados e coletados durante as pesquisas arqueológicas na área do Cais do
Valongo na Cidade do Rio de Janeiro nos parecem associados a cultos de matrizes
africanas, e este artigo pretende especular a possibilidade de serem, aqueles, parte do farto
“arsenal memorial trazido da África” e aqui adaptado e utilizado como forma de
resistência política e ideológica (religiosa?) neste território desde a chegada dos primeiros
aportes humanos aqui trazidos já nos séculos XVI, no início mesmo do período
escravocrata brasileiro.
O Homem africano que foi trazido para o Brasil era profundamente identificado
com seu território de origem e ligado à noção de pertencimento a este ou aquele grupo
em sua terra natal, e sua sobrevivência e formas de resistência se fizeram justamente pela
capacidade de se manter conectado a essa noção através da energia vital de vinculação
com suas crenças de origem – o axé.
1662
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
816
A renovação da teoria de territorialidade na antropologia tem como ponto de partida uma abordagem
que considera a conduta territorial como parte integral de todos os grupos humanos. Defino a territorialidade
como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela
específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território”, ver: LITTLE, E Paul.
Territórios Sociais e Povos tradicionais no Brasil: Por uma Antropologia da Territorialidade – Brasília.
2002 inn: Série Antropologia 322.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1663
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1664
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
817
Adotamos um sistema classificatório em uso pelos arqueólogos, cujos termos foram postulados há muito
tempo pelos pesquisadores e embora seja em sua origem de caráter evolucionista, desta teoria se afasta por
diversos pontos. O primeiro é que não é obrigatório que uma sociedade de tecnologia mais simples venha
a “evoluir” para uma mais complexa. Assim não há uma obrigatoriedade dos bandos passarem para tribo,
estas para chefias e estas se tornarem civilizações ou Estado. Uma sociedade de bando, tribal ou de cacicado
pode se manter assim por milhares de anos e por influência externa se adaptar um Estado centralizado
(muitas das vezes mantendo antigas práticas originais). A exemplo temos os “aborígenes australianos” na
Austrália e no Brasil as tribos assentadas atualmente no Alto Xingu. Outra diferença em relação ao
evolucionismo é que quaisquer desses padrões culturais podem “evoluir” de sociedades mais complexas,
para mais simples, por questões ambientais, crises sociais, guerras, etc. Como exemplo a Cultura Marajoara
da Amazônia que de cacicado “retrocedeu” para sociedade tribal, adaptando-se às mudanças ambientais e
pressões externas. Uma diferenciação ainda mais importante diz respeito ao fato de que o sistema é usado
somente como um auxiliar na descrição e definição ampla da cultura e não exige correspondência nos três
níveis de manifestações culturais. Ou seja, culturas de bando ou caçadores coletores, de tecnologia simples
e dependentes do meio ambiente, podem desenvolver traços culturais em outros ramos do conhecimento
até mais complexos do que sociedades tribais ou cacicados, que podem se dar na relação entre indivíduos,
nos sistemas de cura, conhecimentos astronômicos e outros. Ex. povos da Tradição Itaipu embora
pertencessem a Sociedades de Bando tal como os povos de Tradição Sambaquieira, apresentam uma
tecnologia lítica altamente diferenciada, não só daqueles, mas também dos povos da Tradição Una que
pertenciam a Sociedade Tribal na mesma época. Para finalizar, afasta-se da teoria evolucionista quando
defende que não são os mais fortes ou mais adaptados que vencem a corrida da vida e sim os mais
adaptáveis. E o homem, com a cultura se tornou o mais adaptável ser vivo do planeta. DIAS, O. O Índio no
Recôncavo da Guanabara. Rio de Janeiro: IHGB, 1998.
1665
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
classe social. Sua organização social se baseava no sexo do indivíduo, sua idade e seu
valor pessoal dentro da comunidade. Os casamentos eram baseados na linhagem
matrilinear, monogâmicos e, antropologicamente, é considerada ainda hoje a melhor
forma de convívio social humano.
Sociedades de Cacicados (chefias ou reinos) – O Cacicado foi um modelo de
instituição inicial de liderança sob o governo de um cacique. Surgiu politicamente
quando sociedades tribais precisavam ocasionalmente se unir em torno de um chefe
principal (o cacique), para combater e/ou aprisionar um inimigo comum, geralmente em
disputas de poder por territórios. Uma aldeia era então escolhida para chefiar as outras e
seu cacique se tornava assim o “rei” ou “chefe”. O costume oral (e não leis escritas)
consolidava essas formas de liderança em outras dimensões sociais, como as de conteúdo
simbólico-cultural que delimitavam o espaço social a partir de uma teia de variadas
relações. De base patriarcal e poligâmica, os casamentos passavam a ser extrafamiliares
(filhas mulheres de cada tribo subsidiária se casavam com o “rei” e seus descendentes
passavam a ser os sucessores legítimos do trono). Estabeleciam-se assim, as matrizes das
“classes sociais” e a hereditariedade das funções e não mais o valor pessoal como na
sociedade tribal. Cresciam as representações religiosas.
O rei/sacerdote, como meio de controle social, usava o poder dos mitos, a
religiosidade e a superstição e também outras subjetividades de ordem mais pessoal,
como o poder de vida e morte sobre os desafetos ou inconvenientes ao regime e também
à escravização de pessoas ou grupos conquistados, como parte do processo econômico
para gerar excedentes. O poder se enraizava no espaço/território; assim um cacique líder
chefiava vários outros caciques, criando uma apropriação/valorização simbólica de um
grupo em relação ao seu espaço convivido. Na dimensão econômica, a aldeia do cacique
principal se fortalecia quando por qualquer motivação (religiosidade, poderio militar ou
outra qualquer), passava a usar a mão de obra escrava para aumentar e receber o excesso
de produção das aldeias subordinadas e o redistribuía como artifício político de
fortalecimento social (germe do capitalismo selvagem, que explora a pobreza ou a miséria
do outro).
Quando esse sistema era adotado permanentemente por diversas tribos, ele podia,
mas não necessariamente, se transformar em cacicados complexos, como, por exemplo,
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1666
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1667
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1668
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1669
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
claro) surgem no século XVI e se estendem até o século XVIII. Já o Reino da Lunda
Tchokwé só aparece no século XVII (6.vermelho escuro) mas tem continuidade até o
século XIX. Outros grupos aparecem como comunidades pouco fixadas (8. Lilás).
O que este mapa aponta de forte interesse para nós é o modelo de organização
social dessas comunidades quanto à ocupação desse território para o período em estudo.
“As sociedades pré-coloniais que haviam de constituir a Nação Angolana encontravam-
se no século XV em diferentes estádios de evolução e em todos eles a organização tribal
assumia papel determinante” (SERVICES OFFICIELS ANGOLAIS, 1980?).
Em seguida, de certa forma contradiz a informação do que conceitualmente se
conhece por sociedade tribal quando informa que:
Essas sociedades, em que coexistiam diferentes relações de produção,
apresentavam-se quase todas como estados organizados. [grifo nosso]
(...) o nível de desenvolvimento das forças produtivas permitia que a
agricultura, o artesanato e o comércio [grifo nosso] desempenhassem
papel de relevo (SERVICES OFFICIELS ANGOLAIS, 1980?, p.11).
Pode-se perceber novamente a “confusão” do autor ao atribuir a categoria de
comerciantes à sociedade tribal.
Outra fonte foi por nós considerada para este artigo, na medida em que
entendemos que ela “conversa” com aquele mapa. É a publicação de 1962 de Eduardo
dos Santos - Estudos, Ensaios e Documentos, Nº 96 - Sobre a Religião dos Quiocos –
Junta de investigações do ultramar – Lisboa 1962; nela consta o Carimbo do Centro de
estudos de Antropologia – Lisboa – Portugal - Ministério do Ultramar Junta de
investigações do Ultramar.
SANTOS (1962, p.15/s) nos informa que o subgrupo Banto Lunda-Quiocos vive
a Nordeste de Angola próximo a Cuango. Reza a lenda que os grupos Lunda e Quioco
seriam oriundos de um reino existente às margens do rio Cajidíche governado pela
1670
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
poderosa governante Luéji lua Kôndi. Um dia atraído pela abundante e variada caça
apareceu um audacioso caçador chamado Ilunga, talvez vindo do reino de Luba. Luéji e
Ilunga se apaixonaram apesar do relacionamento não ser bem visto pelos grandes do reino
e anunciaram o casamento.
Tchingúri irmão de Luéji, que havia sido deserdado anteriormente pelo pai, viu
ali um bom pretexto para separar-se do reino e reunindo sua gente atravessou o Cassai,
fixando-se em Angola.
Após o casamento Luéji teria enviado uma embaixada ao irmão pedindo-lhe para
voltar – “Aióku à ku Tchingúri” (ide ter com Tchingúri). Este fato desencadearia todo o
processo, pois a palavra “Aióku” (ide do verbo ir, provavelmente deu origem a “idos”
palavra etimologicamente associada aos Quiocos, ou seja todos aqueles que tinham ido
embora com Tchingúri e mais todos os outros dissidentes e insatisfeitos com o casamento
que se juntaram posteriormente ao grupo sob a chefia de Dumba uá Têmbu.
Embora o casamento tenha sido malquisto pela maioria dos “sobas” dele nasceu
Iânvu que deu origem a dinastia Muatiânvuas (muata + Iânvu = o senhor Iânvu). Mas
embora Iânvu fosse o herdeiro legitimo, é de De Dumba uá Têmbu que se originaram
todos os Chissengues, (seriam os mesmos “cassanges” que vieram para o Rio de Janeiro?)
tornando-se este o Muatchissengues, ou seja, o rei dos Quiocos.
Os Quiocos que permaneceram fixados no atual distrito de Luanda (1962)
conseguiram manter mais vivas as suas tradições e as fizeram sobrepujar sobre os demais
grupos indígenas menores, já muito fragmentados por todo um condicionamento
colonialista mais favorável aos seus propósitos.
Este mapa nº 1 mostra os povos Lunda Tchokwé como habitantes do nordeste do
Reino do Congo no século XVII. Cruzando, portanto, esses elementos pela proximidade
das datas indiciadas nestes acontecimentos, cremos poder considerar a possibilidade de
estes dados virem a constituir uma importante fonte de informações sobre as bases da
religiosidade dos povos de língua banto aportados no Brasil seiscentista que, embora
originalmente tenham sido levados para a Bahia, desde cedo foram trazidos para a cidade
do Rio de Janeiro bem no início de sua fundação.
Etnólogos que estudaram grupos negros primevos na África observaram a perfeita
interdependência existente entre as suas manifestações sociais, políticas, econômicas e
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1671
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1672
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1673
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
DOCUMENTAÇÃO
SANTOS, Eduardo dos. - Estudos, Ensaios e Documentos, Nº 96 - Sobre a Religião dos
Quiocos - Junta de investigações do ultramar – Lisboa – 1962. Carimbo: Centro de
estudos de Antropologia – Lisboa – Portugal - Ministério do Ultramar Junta de
investigações do Ultramar.
SERVICES OFFICIELS ANGOLAIS - Angola: (1980?) – Editions Delroisse - Boulogne
– France - ISBN 2.8518.060-0.
BIBLIOGRAFIA
DIAS, Ondemar. O Índio no Recôncavo da Guanabara. Rio de Janeiro: IHGB, 1998.
1674
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1675
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
JULIA CHEQUER
CPDOC/FGV
Bolsista Capes
Introdução
1676
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1677
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1678
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
818
De acordo com (VETORASSI, 2006, p. 23), em 1870 havia na região onde, mais tarde, seria fundado o
município de Guariba, algumas famílias mineiras. Ali, implementavam culturas de subsistência e criação
de gado. Por volta de 1895, numerosos grupos de baianos chegaram para o cultivo do café, antes da chegada
massiva de imigrantes. Ver também (STOCKLE & HALL, 1983) para um panorama das diferentes formas
de contrato de trabalho na cafeicultura paulista.
819
Particular das fazendas de São Paulo, os colonos viviam em casas geminadas na propriedade e recebiam
uma parte do pagamento em dinheiro, pelo trabalho da família, e outra por meio de permissão para ter uma
pequena roça de subsistência, ou seja, plantar e criar animais de pequeno porte. (SILVA, 2004, p. 18). A
indústria doméstica era extremamente importante nesse sistema. “Seu sucesso dependia da capacidade das
mulheres de aproveitarem ao máximo as vantagens desse regime de trabalho, que lhes permitia conjugar
trabalho de casa com o da roça e do cafezal” (SILVA, 2007, p. 556).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1679
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Se, nessa “cidade do café”, a sociabilidade se dava sobretudo nos finais de semana,
nas missas, nas festas populares e quando habitantes das áreas rurais levavam seus
produtos para serem vendidos e compravam outros, a paisagem começou a se transformar
com a decadência dessa cultura.
A subida do preço do açúcar, na década de 1930, deu o primeiro impulso para a
produção de cana. Surgiram as primeiras usinas e muitos ex-colonos se empenharam no
cultivo, em pequenas propriedades adquiridas das antigas fazendas de café.
Na medida em que a produção de álcool combustível ganha centralidade política
e econômica, principalmente a partir do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), uma
massa de migrantes rurais chega à região em busca de trabalho820. No entanto, as relações
de trabalho agora os mantém fora das fazendas e os pequenos municípios rapidamente se
transformam em cidades-dormitório.
Com essa migração, surge, na década de 1950, o primeiro bolsão periférico de
Guariba, com o loteamento do Bairro Alto, conhecido como João-de-Barro por causa do
estilo das casas construídas pelos próprios habitantes, com lajotas de barro. Nas décadas
seguintes, novos bolsões surgiram, principalmente nos arredores do Bairro Alto.
A história dos canavieiros e canavieiras de Guariba também é marcada pelas
greves de 1984 e 1985, precursoras de um movimento que se espalhou pela região e gerou
consequências que transformaram a vida, as relações de trabalho e as formas de
organização da categoria.
Justificativas
A pertinência da presente pesquisa, em primeiro lugar, consiste na constatação da
relevância do feminino como objeto de pesquisa histórica. A partir desta ideia, também
se considera fundamental o debate acerca de novas fontes de pesquisa, em especial as
fontes orais, e seu impacto na historiografia contemporânea.
O valor desse cruzamento da história oral com a história das mulheres para a
historiografia é destacado por Maria Paula Araújo e Myrian Sepúlveda dos Santos por
“(...) trazer para a história uma dimensão da experiência e da vivência humana
820
Entre 1970 e 1991, a população do município subiu de 11.448 para 28.911 (Censo Demográfico IBGE).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1680
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Temáticas e problematizações
A temática fundamental deste trabalho é tentar compreender como se deram os
deslocamentos nas relações de gênero a partir dessa inserção feminina no trabalho
individualizado, na lavoura de cana-de-açúcar e como elas compreendem possíveis
transformações em seu papel na família. Tal questão, no entanto, passa pela compreensão
de aspectos identitários, ligados aos fluxos migratórios que marcam a população local, e
às lutas sociais na região.
Para Silva (1999), a expulsão da terra e a migração produziram uma metamorfose
nas identidades, na medida em que o modo de vida e os espaços de sociabilidade
mudaram. Enfática nos danos causados, ela afirma que “(...) a ‘acumulação primitiva
deste proletariado’ conduziu à formação de um mercado de trabalho caracterizado pelo
1681
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
821
Trata-se aqui de diferenciações sociais e hierárquicas de gênero e raça-etnia, que, mesmo já existindo
antes, manifestam-se de maneiras diferentes nesse novo contexto.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1682
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1683
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
822
Ver (ALVES & NOVAES, 2002a), (SILVA, 1999) e (PENTEADO, 2000).
823
Ver (ALVES & NOVAES, 2002b), VETTORASSI (2006 e 2010).
824
Na parceria, o proprietário concedia terra aos trabalhadores para a realização de um determinado plantio,
e ficavam com metade da produção. (SILVA, 2004, p. 19).
825
Neste caso, os trabalhadores pagavam pelo uso da terra. (SILVA, 2004, p. 19)
826
Particular das fazendas de São Paulo, os colonos viviam em casas geminadas na propriedade e recebiam
uma parte do pagamento pelo trabalho da família em dinheiro e outra por meio da permissão para ter uma
pequena roça de subsistência, ou seja, plantar e criar animais de pequeno porte. (SILVA, 2004, p. 18).
827
Até a década de 1950, 20% dos trabalhadores eram colonos, 50% eram parceiros, arrendatários ou
pequenos produtores, ao passo que os assalariados “puros” representavam apenas cerca de 30% (SILVA,
2007, p. 561).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1684
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
828
Os resultados apresentados são referentes a entrevistas feitas em 4 etapas: 1977; 1985/86; 1995/96;
2003/06.
829
A maior e mais violenta greve de cortadores de cana ocorreu em Guariba, em 1984. O movimento obteve
eco nos municípios vizinhos, e outros episódios grevistas se verificaram em 1985, 1988 e 1989.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1685
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referencias bibliográficas
1686
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1687
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Introdução
O projeto de pesquisa tem por objetivo principal mapear os ciclos de memória,
constituídos no período democrático (1985-atualmente), sobre a ditadura civil-militar
(1964-1985). Pretendemos analisa-los levando em consideração a perspectiva de gênero
e, por isso, as fontes escolhidas são biografias sobre mulheres que atuaram na luta armada:
Iara Iavelberg (Judith Patarra, 1993, editora Rosa dos Tempos), de Carmela Pezzuti
(Maurício Paiva, 1996, editora Mauad), de Maria do Carmo Brito, a Lia (Martha Vianna,
2003, editora Record) e de Dilma Rousseff (Ricardo Batista Amaral, 2011, editora
Sextante). Apesar de ser um volume grande para ser estudado em uma dissertação de
mestrado, optamos por mantê-los no trabalho para que fosse possível fazer uma análise
que diferenciasse os contextos e processos de produção de cada livro. Este artigo abordará
os avanços e mudanças da pesquisa, iniciada no primeiro semestre de 2017 e discorrerá
sobre os resultados parciais alcançados.
830
Este termo foi sugerido pela Profa. Marina Franco (Universidad Nacional de San Martín, Argentina),
em discussão sobre o projeto realizada durante o minicurso “Ditadura, transição e tempo presente”,
realizado na UFF em maio/2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1688
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
passado, influenciadas por demandas e disputas memoriais que dizem respeito a seu
próprio tempo – e não ao que pretendem retratar.
Apesar que ainda de maneira inicial, identificamos quatro ciclos memoriais, sendo
cada um correspondente a um dos livros.
Década de 1980
No ciclo da década de 1980 se enquadra a biografia da Iara Iavelberg que, apesar
de ter sido publicada já no início da década de 1990, foi constituída pela jornalista Judith
Patarra por durante cerca de 8 anos831. É posterior ao boom da literatura memorialística
do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, que teve livros de grande destaque, em sua
maioria autobiográficos832. O texto, que possui características de cobertura jornalística –
vide o título Iara: reportagem biográfica –, com reconstituições de situações vividas e
diálogos, buscou abranger todo o período de vida de Iavelberg, desde a chegada da família
de origem europeia ao Brasil, até sua morte, aos 27 anos. Essas reconstituições do
cotidiano de Iavelberg são justificadas pela própria Patarra: “a minha maior preocupação
foi reconstruir aquele pedaço da nossa História, que não podia ser esquecido. (...) Ela
[Iara] era uma moça de família conservadora, que fez inúmeras descobertas e vivenciou
as mudanças de comportamento, a revolução sexual833”. Tal fala é muito indicativa de
uma linha de narrativa muito presente do livro, cujo ponto central é o engajamento de
Iavelberg no feminismo. Iara é apresentada por Patarra em diversas situações como
mulher feminista, com acesso a textos tradicionais sobre o assunto – Simone de Beauvoir
e Betty Friedan, por exemplo –, e ações no dia a dia que revelavam tal posicionamento,
como evidencia o seguinte trecho:
831
GIUDICE, C.; PATARRA, J. História revisitada. Entrevista: Judith Patarra. Revista Veja, 12 de agosto
de 1992.
832
Todos tratando de personagens masculinos, como Renato Tapajós, Fernando Gabeira, Reinaldo Guarany
e Alfredo Sirkis.
833
GIUDICE, C.; PATARRA, J., op. cit.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1689
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Década de 1990
O livro Companheira Carmela: a história da luta de Carmela Pezzuti e seus dois
filhos na resistência ao regime militar e no exílio, biografia de Carmela Pezzuti, é o que
corresponde ao segundo ciclo de memória identificado. Escrito pelo engenheiro Maurício
Paiva, ex-integrante do COLINA e amigo de Ângelo e Murilo Pezzuti, filhos da
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1690
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
biografada, foi publicado em 1996, quando Carmela tinha 70 anos e morava em Minas
Gerais.
O livro não pretende fazer um relato imparcial: “não espere o leitor, neste livro,
um relato imparcial. Não falseio os fatos, não os deformo, não os invento. Mas vejo-os a
partir da perspectiva que me é dado vê-los: a da minha trincheira” (PAIVA, 1996, p. 9).
Há a reconstituição de alguns diálogos e falas de determinados personagens, opiniões e
críticas do autor a determinadas situações e/ou pessoas e ocultamento de alguns nomes
(como o do político amante de Carmela, referido apenas como Senador).
O autor tem outros livros publicados anteriormente834, entre os quais se destaca
sua obra autobiográfica, O Sonho Exilado, de 1986. Ainda não foi possível identificar os
motivos que o levaram a escolher a história de vida dos Pezzuti para contar, mas pode-se
fazer algumas suposições iniciais. A proximidade de Maurício com Ângelo desde a época
do curso de Medicina na UFMG, durante toda a militância e posteriormente no exílio,
vínculo que se estendeu para os outros membros da família – como Carmela –, pode ser
uma das principais razões. Importante salientar que Carmela, em 1996, era a única viva.
Seus dois filhos haviam morrido anteriormente: Ângelo faleceu em um acidente ainda no
exílio, no final da década de 1970, e Murilo se suicidou já de volta ao Brasil, no início
década de 1990. Em artigo de opinião enviado para o Jornal do Brasil em 13 de setembro
de 1996835 – ano de lançamento do livro – o autor afirma que é hora de lembrar os vivos:
“sem esquecer os mortos, lembremos, entretanto, os vivos. Em certos casos, melhor
diríamos, os sobreviventes836”.
Carmela foi sobrevivente. Essa linha de narrativa é priorizada pelo autor em todo
o livro – de diversas maneiras –, que inicia o relato da vida da biografada, de maneira
breve, a partir de seu casamento, aos 17 anos, para explicar as circunstâncias do
nascimento de seus filhos. A história passa a ficar mais detalhada com o desquite, aos 36
anos. Na ótica do autor, esse parece ser um diferencial de Carmela: seu envolvimento na
834
Poder Popular: um projeto político? (1975), O poder popular em Portugal (1976), Transição ao
Socialismo: as lições do Chile (1984) e O sonho exilado (1986).
835
Este artigo trata da indenização às famílias de Lamarca e Marighella concedida neste ano. O autor não
menciona a publicação de seu livro ou qualquer fato relacionado à Carmela e sua família, mas é possível
detectar vestígios de suas intenções em suas palavras.
836
PAIVA, M. Hora de lembrar os vivos. Jornal do Brasil, 13 set. 1996.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1691
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
política se deu, diferentemente da grande maioria dos militantes, aos 40 anos, após o
rompimento de um casamento e, portanto, de uma vida tradicional. Os momentos de
maior tensão e sofrimento são os que recebem maior destaque no livro: a clandestinidade,
as prisões, as torturas, o exílio, as dificuldades financeiras, as mortes. A heroicização de
todos os integrantes da guerrilha, os “resistentes”, permeia toda a obra, como evidenciam
os trechos a seguir:
Década de 2000
O terceiro ciclo corresponde à década de 2000. O livro Uma tempestade como a
sua memória: a história de Lia, Maria do Carmo Brito de Martha Vianna, foi publicado
em 2003. A autora teve histórico de militância na Ação Popular e é amiga de infância da
biografada. O livro é organizado em trechos curtos temáticos, intercalando excertos de
poesias, músicas, textos literários, depoimentos da própria Maria do Carmo e o discurso
da autora. O resultado é uma narrativa diferenciada, com caráter literário e poético, não
encontrada nos outros livros analisados.
1692
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Década de 2010
O último livro selecionado é A vida quer é coragem: a trajetória de Dilma
Rousseff, a primeira presidenta do Brasil, de Ricardo Batista Amaral, publicado em 2011.
Este foi o primeiro ano da primeira gestão da presidenta, eleita em 2010. O autor não
considera a obra uma biografia autorizada ou livro oficial 837, mas uma extensa
reportagem. Ricardo Amaral foi assessor de imprensa da Casa Civil enquanto Dilma era
chefe e, posteriormente, assessorou a campanha eleitoral de 2010.
O livro narra toda a vida de Rousseff até a data da publicação, desde o casamento
de seus pais e seu nascimento, até o discurso de posse, em 1° janeiro de 2011. Serão
analisados na pesquisa primordialmente os capítulos que tratam do período da ditadura
civil-militar.
Em entrevista, o jornalista autor do livro afirma que a decisão de escrevê-lo se deu
após o fim da campanha e resultado das eleições, em meados de outubro de 2010838. Se
essa informação proceder, a obra foi constituída em menos de um ano, o que parece
impossível devido à sua extensão e complexidade. Amaral afirma ainda que:
837
Entrevista com Ricardo Amaral no Em Pauta, Globo News, exibida em 28 dez. 2011. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=oKH625-5Uzw&t=1s>. Acesso em: 10 ago. 2017.
838
Entrevista com Ricardo Amaral no Gente que é Gente, TVC-BH, exibida em 25 mar. 2012. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=rvKQhlTIQqM>. Acesso em: 10 ago. 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1693
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
839
Entrevista com Ricardo Amaral no Gente que é Gente, TVC-BH, exibida em 25 mar. 2012. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=rvKQhlTIQqM>. Acesso em: 10 ago. 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1694
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
De fato, toda vez que há menção a alguma ação armada ou assalto, o autor enfatiza
de que Dilma não participava desse tipo de ato. Quando menciona o treinamento militar
feito por ela, afirma que, apesar de ter aprendido a montar e desmontar um fuzil, ela nunca
utilizou uma arma, devido à miopia.
****
Apesar de constar no projeto, a ideia de questionar e analisar a recepção e
circulação dos livros foi mais aprofundada neste primeiro semestre. Em todas as vezes
que o projeto foi discutido a questão das demandas editoriais foi colocada em pauta. Quais
os interesses das editoras em publicar livros com essa temática? Haveria demandas da
sociedade pela abordagem destas trajetórias de vida?
Os dois primeiros livros – biografias de Iara e Carmela – foram publicados em
uma década que retomou as discussões sobre a ditadura. A minissérie Anos Rebeldes
estava sendo exibida na época de publicação do primeiro livro e teve grande impacto no
movimento dos caras-pintadas, pelo impeachment do presidente Fernando Collor840.
Esses fatos com certeza impactaram a decisão de escrita da segunda obra.
Esses são apenas alguns dos dados levantados até o momento. O objetivo é
aprofundar essa análise sobre os livros, para mapear de maneira mais complexa os quatro
ciclos de memória, principal avanço da pesquisa nesse semestre.
Tomamos também a decisão de ampliar as fontes utilizadas. Já durante a discussão
realizada acima, foram incorporados outros documentos, complementares aos principais,
majoritariamente advindos da imprensa. Além disso, serão incorporados, se possível,
dados sobre tiragens e vendas dos livros, para que possamos estruturar melhor o alcance
entre o público leitor.
Uma nova questão a ser feita é sobre a relação entre biógrafos e biografados. Qual
o motivo de escolha específico destas mulheres? Através da leitura dos livros, percebe-se
que todas se conheciam e tinham relações estreitas: Dilma e Lia eram muito amigas de
Iara, Lia se casou com o filho de Carmela, Dilma morou com Lia e etc. Além disso, todos
os livros foram produzidos com autorização e colaboração das mulheres, com exceção de
Cf. ABDALA JUNIOR, R. Brasil anos 1990: teleficção e ditadura – entre memórias e história. Revista
840
1695
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Iara, que já havia morrido – porém, sua família e amigos também contribuíram muito
através de entrevistas. Em que medida essa cooperação pode influenciar na escolha do
que é destacado e do que é omitido na narrativa? Na construção das personagens, com
exaltação de determinadas características que sejam de seu interesse? Estas são perguntas
a serem levadas em consideração no decorrer da pesquisa.
1696
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
o atual projeto para a UFF: o sociólogo analisa as obras de quatro autores ex-guerrilheiros:
Renato Tapajós, Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e Reinaldo Guarany. Os grandes
diferenciais são a temporalidade – todos os livros estudados por Mário Medeiros foram
constituídos ainda no período civil-militar, ou na “transição” –, o fato de serem escritos
pelos próprios sujeitos que viveram tais situações – a narrativa de si – e a abordagem de
perspectiva sociológica, em virtude da formação do autor.
O conceito de ficção política é muito trabalhado, já que os enredos possuem
caráter ficcional – como forma de despistar a censura, ainda em vigor e, não menos
importante, conforme aponta o sociólogo, como inserção em tradições literárias. Sua
principal hipótese e chave de análise é a da ambivalência do sujeito e bifrontalidade dos
discursos, aspectos observados através da autoavaliação feita pelos autores sobre suas
trajetórias que, apesar de estarem no tempo passado, não estão tão distantes assim, já que
as estruturas políticas vigentes continuam as mesmas. A questão da memória sobre o
período, neste trabalho, tem mais o viés de um balanço do percurso das esquerdas
armadas, muito influenciado pelas vivências do exílio.
Sobre as memórias da perspectiva especificamente das mulheres, os estudos são
mais recentes. A historiadora Julia Bianchi Reis Insuela, em sua dissertação de mestrado
Visões das mulheres militantes na luta armada: repressão, imprensa e (auto)biografias
(Brasil 1968/1971), de 2011, na UFF, estuda as representações do engajamento das
mulheres na guerrilha, analisando fontes diversas, em diferentes camadas de tempo.
Algumas dessas fontes são as autobiografias de Mariluce Moura e Marília Guimarães e
as biografias de Iara Iavelberg, Carmela Pezzuti e Maria do Carmo Brito. Apesar de as
fontes daquele trabalho serem quase as mesmas deste projeto, constituem apenas a parte
final do trabalho, já que previamente a historiadora estudou arquivos da repressão e
notícias da grande imprensa. O trabalho, portanto, é bem extenso e o exame das fontes
memorialísticas é pouco aprofundado, Iara Iavelberg, focando apenas em alguns trechos
específicos. No entanto, as questões colocadas por Julia Bianchi foram muito pertinentes
para o estabelecimento deste projeto.
O trabalho mais recente encontrado no levantamento bibliográfico foi a também
dissertação de mestrado da historiadora Vanessa Maria Pereira Calaça, intitulada
Testemunhos da ditadura: a construção da memória no livro Memórias das Mulheres no
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1697
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Exílio, de 2016. A autora trata dos depoimentos das ex-guerrilheiras exiladas no livro
mencionado no título, de 1981, segundo volume de Memórias do Exílio. Por ter sido
encontrada mais recentemente, a dissertação ainda não foi lida por completo, mas consiste
em um importante trabalho para mapear a memória sobre o período ditatorial.
Considerações finais
Este trabalho consistiu num relato sobre as mudanças e avanços da pesquisa no
primeiro semestre de curso do mestrado em História, abrangendo as contribuições das
disciplinas cursadas, discussões do projeto e leituras. Ficou evidente durante todo o
semestre que é necessário historicizar as fontes. Esse é um ponto chave para a pesquisa.
Outra ótima contribuição foi no sentido de enxergar a documentação não por suas
menções a determinados fatos, mas sim as seleções, omissões e destaques dados por ela.
É isso que este projeto de pesquisa vem tentando fazer.
Referências
Documentação
AMARAL, R. B. A vida quer é coragem: a trajetória de Dilma Rousseff, a primeira
presidenta do Brasil. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
CHIARELLI, S. Memórias tortuosas da luta contra a ditadura. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 20 de mar. 2004. Ideias, p. 4.
Entrevista com Ricardo Amaral no Gente que é Gente, TVC-BH, exibida em 25 mar.
2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rvKQhlTIQqM>. Acesso
em: 10 ago. 2017.
Entrevista com Ricardo Amaral no Em Pauta, Globo News, exibida em 28 dez. 2011.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oKH625-5Uzw&t=1s>. Acesso
em: 10 ago. 2017.
GIUDICE, C.; PATARRA, J. História revisitada. Entrevista: Judith Patarra. Revista Veja,
12 de agosto de 1992.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1698
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Bibliografia
ABDALA JUNIOR, R. Brasil anos 1990: teleficção e ditadura – entre memórias e
história. Revista Topoi, vol. 13, n. 25, dez. 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2237-
101X2012000200094&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 ago. 2017.
CALAÇA, V. M. P. Testemunhos da ditadura: a construção da memória no livro
Memórias da Mulheres no Exílio. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.
CAMARGO, A. L. O dever de memória do Estado no processo de justiça de transição no
Brasil. Idéias - Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, v. 7,
n. 1, 2016. Disponível em:
<https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/2291>. Acesso em: 10
ago. 2017.
INSUELA, Julia Bianchi Reis. Visões das mulheres militantes na luta armada: repressão,
imprensa e (auto)biografias (Brasil – 1968/1971). Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2011.
ROLLEMBERG, D. Esquecimento das memórias. IN: MARTINS FILHO, João Roberto
(org.). O golpe de 1964 e o regime militar. São Carlos: Ed. UFSCar, 2006, pp. 81-91.
________________. Uma vida, duas autobiografias. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
n. 37, janeiro-junho 2006, pp. 190-200.
SARTI, C. A. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 12(2): 264, maio-agosto/2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n2/23959.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2017.
1699
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1700
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
[...] Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho
levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o
nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a
quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa:
"gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação".
(Machado de Assis, Relíquias da casa velha, Pai contra mãe, 1906,
p.114)
Em seu conto Pai contra mãe, Machado de Assis, tece uma rígida crítica a
sociedade brasileira que durante muito tempo manteve como base a lógica escravista. E
nesse sentido, a fuga de escravos era constante, bem como a reincidência. Desta forma,
era necessário investir em ferramentas para reaver sua propriedade, habitualmente
informava-se sobre a fuga nos periódicos da cidade.
Como um bom observador social, não se fez despercebido, a Machado de Assis,
o comércio ilegal de escravos, após a proibição do tráfico negreiro em virtude da
promulgação da lei de 7 de novembro de 1831. Nessa perspectiva, o conto tem muito em
comum com nosso objeto de pesquisa. As diretrizes da legislação anti-tráfico deixavam
expressos o impedimento da importação de escravos, bem como, asseguravam a liberdade
aos eventuais africanos que entrassem em portos brasileiros. Contudo, a lei de 1831 não
foi suficiente para barrar completamente o tráfico, que acontecia clandestinamente. Como
assegura Sidney Chalhoub, mais de 750 mil africanos entraram ilegalmente no Brasil nas
duas décadas seguintes à aprovação de Lei de 1831. (CHALHOUB, 2012, p.42).
Por ora, focaremos nossa análise nos africanos que foram trazidos para o Brasil
após a proibição do tráfico de escravos e apreendidos pelas autoridades. Eles compuseram
a ambígua condição jurídica dos africanos livres. Essas pessoas foram submetidas a
tutelas de repartições públicas ou particulares, devendo cumprir um período de 14 anos
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1701
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
de trabalho compulsório841, como uma forma de aprendizagem para que pudessem estar
preparados para a “plena liberdade”, quando fossem emancipados. Ou seja, gozavam de
uma liberdade vigiada e tutelada. (MAMIGONIAN, 2005, p. 391)
Thompson nos alerta sobre o risco das “generalizações universais da “cultura
popular”, pois elas “se esvaziam”, e neste âmbito percebemos que com os africanos não
é diferente, é necessário compreender cada elemento que constitui este grupo, não só
juridicamente, mas na diversidade cultural e étnica do qual é composto. “E na verdade o
próprio termo “cultura”, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair
nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes
dentro do conjunto”. (THOMPSON, 1998, p. 17)
A condição jurídica que conferia a esses africanos o status de livres, os atribuía
uma nova identidade em detrimento de suas raízes e culturas. Passaram a ser, todos eles,
africanos e livres, independentemente do lugar de onde vinham, da idade que possuíam,
da religião que seguiam, e para além disto, sua liberdade estava condicionada à vontade
de outrem, o que caracterizava a precariedade desta liberdade842. (CHALHOUB, 2012,
p.228;)
A noção de grupo de procedência criada por Mariza Soares nos faz refletir sobre
as identificações construídas pelo tráfico. Segundo a autora, “a procedência é uma forma
de identificação atribuída, que o próprio grupo internaliza, passando então a se
reorganizar segundo seu formato” (SOARES, 1998, p.117). Esta dita procedência por
vezes não esteve atrelada a origem do africano de fato. Esta identificação funcionou como
um grande guarda-chuva étnico, que abrigou dentro de uma nomenclatura povos diversos.
Nessa abordagem, a ênfase recai sobre a experiência do indivíduo na diáspora, e
não apenas em bases culturais que pudessem ter sido trazidas da África e mantidas
intocadas nas Américas. As identidades são, dessa forma, produzidas na diáspora. Como
enfatizado por Juliana Farias, Flavio Gomes e Carlos Soares, categorias como “africano”,
“negro” e “nação”, que até o momento do apresamento pelo tráfico não eram conhecidas
841
De acordo com as disposições do Alvará de 26 de janeiro de 1818.
842
A precariedade da liberdade institucionalizava-se nos modos de atuação do poder público, em especial
de autoridades locais de várias espécies, tais como a polícia, juízos de paz, juízos municipais
(CHALHOUB, 2010, p.24)
1702
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1703
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1704
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O major Luiz Gonzaga de Moura buscou lembrar traços bem detalhados para
recompor o retrato falado de Dionízia, africana livre, sobre sua tutela. Retratando-a como
uma mulher alta, de cor fula, com olhos grandes e pés bastante grandes, mal feitos e com
a pele dos mesmos muito grossa e esbranquiçada, além disto, estava nascendo um
“lombinho” por cima do olho esquerdo. Contudo, tinha os cabelos grandes “à moda”.
Essas características podem denotar qual era a imagem que o tutor conseguia reter mesmo
sem a presença da africana, pode ser uma tentativa de individualizar através dos defeitos
físicos para que possa ser reconhecida caso seja vista nas ruas. Mas também, demonstra uma
certa depreciação, quiçá, com intenção de incentivar a devolução, pois não possuía muito
valor, o que fica subentendido com o protesto “contra quem a acoitar”. Além de expor
possíveis desvios de caráter, como sendo susceptível ao roubo, quando o anunciante expressa
que a africana levou em baú toda a sua roupa e mais alguma que não lhe pertence, deixando
em aberto a possibilidade de ter roubado outras coisas.
No caso do africano livre Crisogno a descrição é ainda mais pejorativa:
1705
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Consta que o africano livre de aproximadamente 40 anos, era baixo, gordo, muito
feio, com beiços grossos e pés estragados. Nesta definição não aparece nenhum ponto
positivo, o que nos faz redobrar a atenção, uma vez que nos preocupamos em reconstruir
a identidade desses africanos, não sendo possível confiar piamente no que lemos. Ao
invés disso, é preciso sempre questionar qual era a real intenção de quem escreve, que no
caso, é reaver os serviços que lhes são prestados pelo africano.
O nome de seu tutor não aparece no anúncio, sabemos apenas que morava no
sobrado da rua Senhor dos Passos, nº 149. Sendo, Mathias, descrito como um africano
livre muito magro, marcado no peito direito com a letra F, possuindo mãos e pés bem
feitos, cara feia, olhos e beiços grandes. Ou seja, nos três casos citados, é possível
perceber que os africanos são descritos à revelia de sua vontade. Deixando claro que a
imagem apresentada é um retrato falado, e não um espelho das concepções do africano
sobre si mesmo, mas, aquilo que o olhar do outro conseguiu enxergar.
No anúncio de fuga de Mathias, sobretuto, encontramos um leque de
possibilidades, pois além de sua pouca idade, foi descrito como boçal, ou seja, aquele que
ainda não tinha o domínio da linguagem, não sabendo falar quase nada de português. É
interessante notar, que a categoria de boçal geralmente está relacionada a ideia de
transição e não algo definitivo. O termo “ainda boçal” reforça a ideia de que logo
passariam a ser ladinos, isto é, seriam capazes de se comunicar com fluidez, entendendo
e fazendo-se entender através de sua boa habilidade linguística. (STOLZE, 2012, p.360)
E a esta altura, novamente, a história de Henrique, se faz presente. Pois, ao
contrário de Mathias que não compreendia a linguagem imperial, a boa habilidade
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1706
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
843
No anúncio de fuga de 1852, o jogo de búzios torna-se apenas “jogo”.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1707
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Armador”, correspondia a imitação do ofício de seu tutor, que possivelmente possa ter
aprendido durante a tutela.
O africano livre Henrique, conseguiu deixar na memória de seu tutor, mais do que
seus defeitos físicos, expressou suas vontades e opções, mostrando como gostava de ser
chamado (ou como fazia para não ser facilmente reconhecido), assim como traços de sua
cultura, como a capoeira e o jogo de búzios, além da sua aptidão por andar com galos de
briga, fazendo que seu retrato falado mostrasse suas cores, marcas e falas. (STOLZE,
2003, p.36)
O que denota que o africano era perspicaz e atroz, deixando transparecer que
também havia uma relação de medo, em dois dos anúncios o título faz referência a um
“aviso aos senhores pedestres” que o africano estava fugido. A adesão a prática de
capoeira, pode ter acentuado este quesito, pois a capoeira era uma combinação de dança
e luta, utilizada pelos escravos como uma forma de defesa, jogo e manifestação cultural.
Acredita-se que este elemento cultural tenha sido trazido ao Brasil pelos angolanos, e
logo, a capoeragem, como era conhecida, contagiou toda a população escrava. O objetivo
era criar artimanhas para distrair, desequilibrar e derrubar o adversário, também eram
utilizadas facas ou navalhas. (SOARES, 2007, p.270)
Os praticantes desta luta-dança eram fortemente reprimidos pela polícia, que
constantemente decretava prisão aos seus praticantes. Na sessão de repartição de polícia,
que é anexada ao periódico Diário do Rio de Janeiro, encontramos inúmeros casos que
comprovam essa vigilância e repressão. E as estratégias para esconder esses “elementos
utilizados na capoeira” e driblar a polícia eram bem vastas. Em maio de 1851, o africano
livre Domiciano foi preso a ordem do subdelegado da Freguesia de Santa Rita, por ser
encontrado uma navalha na barba (DRJ, 06/05/1851, p.3). Já em 1856, Luiz, africano
livre foi preso na Freguesia de Santana por praticar capoeira e o uso de armas proibidas
(DRJ,07/12/1856, p. 2). De igual forma, o africano livre de nome Ouvidio foi preso pela
acusação de “juntamento” e “motim”, diante da repressão essas pessoas percebem que
“precisavam aprender e evitar movimentos e práticas culturais que colocassem em perigo
a liberdade limitada que lhe cabia” (CHALHOUB, 2012, p.233). A capoeira transpõe uma
ressignificação da cultura africana, também faz menção a um “ato de rebeldia
1708
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
permanente, ainda que ele não se dirigisse contra a instituição do cativeiro”. (SOARES,
2007, p.272)
Nos três anúncios que relatam as fugas de Henrique, também há referências de
uma enfermidade do africano, um “formigueiro”, que ora é descrito na perna direita, ora
na perna esquerda. Esta doença caracterizava-se por uma úlcera que acomete as pernas, e
seu nome popular é formigueiro. Podendo a ferida se estender ou cicatrizar e voltar a
aparecer em outro lugar. Podendo suas causas ser distintas:
1709
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações Finais
Nesta análise buscamos elucidar as diferentes perspectivas sobre a caracterização
do nosso objeto: os indivíduos que foram trazidos do continente africano para serem
escravizados quando o tráfico de escravos já era considerado, e assegurado por lei, uma
prática ilícita. E, portanto, deveriam ser considerados livres.
Consideramos, no entanto, que os africanos apesar de serem livres não gozavam
plenamente de seus direitos. Sua força de trabalho foi explorada, e sua liberdade
precarizada. Entender a categoria jurídica dos africanos livres por esta perspectiva nos
ajuda a problematizar as diferentes formas de trabalho do século XIX, e as origens do
trabalho livre. Reservando-lhes uma condição muito peculiar, uma vez que não eram
escravos, mas ao mesmo tempo, viviam em constante vigilância e tutela.
Utilizando como fonte os anúncios de fugas de jornais, nos propomos a perscrutar
as biografias de alguns africanos livres, na intenção de ir além da limitação de sua
liberdade. Alinhavando o que foi possível interpretar através dos símbolos e sinais
expressos em suas atitudes.
Por meio da reconstrução da trajetória do africano livre, Henrique, podemos
perceber que este africano, assim como muitos outros, não só aprendeu o idioma, mas
também criou estratégias para ludibriar o sistema, seja trocando de nome para Joaquim,
intitulando-se forro ou andando calçado, nas palavras do anúncio tornou-se conhecido por
“Joaquim Armador”, aquele que “dorme de olhos abertos”. Além disso Henrique, ou
Joaquim, como gostava de ser chamado, nos mostra que conhecia bem a região, as
1710
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
autoridades, era muito arisco e criou suas próprias estratégias para enganar e fugir do
julgo da tutela, deixando fincados os seus elementos culturais, onde nem mesmo a doença
e a dor foram capazes de lhe fazer recuar.
Uma tarefa complexa, de interpretar as entrelinhas dos anúncios, analisando o
discurso do dominador, para ouvir a voz do dominado. Procuramos compreender o modo
de vida desses africanos, entendendo as especificidades destas pessoas, nos esforçando
para evitar as generalizações, encarando suas identidades como plurais e não plenamente
explicadas e decifradas com a denominação de africanos livres. Sublinhando a
necessidade de outras pesquisas que contemplem a categoria dos africanos livres como
mista e heterogênea, esperamos assim, ter contribuído com a historiografia do tema que
vem avançando nos últimos anos.
Referências Bibliográficas
Fontes
Hemeroteca Digital
Bibliografia
1711
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1712
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1713
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1714
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Charles Perrault e a questão da esfera pública durante a Querela dos Antigos e dos
Modernos844
JULIANA TIMBÓ MARTINS
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Bolsista CAPES
Introdução
Segundo o sociólogo alemão Jürgen Habermas, a esfera pública, tal qual
apresentada pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) como um espaço onde pessoas
privadas exercem o uso público da razão discutindo questões diante de um “conjunto do
público que lê”, teve sua emergência datada de meados do século XVIII, mais
especificamente, a partir do afastamento entre o Estado e a sociedade civil e da crescente
produção de impressos que cada vez mais autônomos em suas ideias teriam dado início a
formação de uma opinião pública que buscava exercer certa influência nas questões
políticas, sociais e culturais da época (KANT, 2016, p.3).
Contudo, a análise dos discursos literários e ideias do poeta francês Charles
Perrault (1628-1703) produzidas durante a Querela dos Antigos e dos Modernos do século
XVII, uma série de debate entre intelectuais que mobilizou toda a Academia Francesa e
algumas parcelas da sociedade, bem como o estudo de Joan DeJean sobre o conflito de
letrados, nos levam a questionar a afirmação de Habermas. Ora, ambos os autores, tanto
o poeta francês quanto a historiadora estadunidense, nos fazem acreditar que nas últimas
décadas dos Seiscentos uma esfera pública, composta não somente por burgueses,
começava a se configurar em torno dos cafés franceses, onde tanto questões referentes à
querela quanto acerca da produção artística e letrada da época começavam a ser debatidas,
fazendo surgir uma opinião pública e crítica literária que deu bases para a constituição da
primeira esfera pública no sentido kantiano já nesse período.
Este ensaio foi produzido como trabalho de conclusão da disciplina “Estado e Revolução: conceitos e
844
debates políticos nos séculos XVII, XVIII e XIX”, ministrada pelo prof. Dr. Fabiano Vilaça e pela profa.
Dra. Bruna Soalheiro no Programa de Pós-Graduação em História da UERJ no primeiro semestre de 2017.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1715
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1716
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
esfera pública era compreendida como o espaço onde esse patriarca, enquanto homem
livre, detinha o direito de exercer sua liberdade de forma deliberativa.
Avançando pelo período da Idade Média, Habermas afirma que a tentativa
precária de aplicação dos preceitos do direto romano nas relações jurídicas de dominação
e vassalagem feudais acabou por não deixar indícios de que, de fato, tenha havido uma
distinção entre a esfera pública e a esfera privada no medievo. Nesse sentido, tendo um
senhor feudal a posse privada de suas terras, e por isso o direito de dominação doméstica
sobre os servos que a elas estão presos, não há separação entre a esfera pública e o
domínio privado. Ora,
se entendermos a terra como a esfera do público, então estamos tratando
o poder exercido na casa e pelo senhor como um poder público de
segunda ordem, que, certamente, é um poder privado em vista da terra
a qual está subordinado, porém, um outro sentido, não é privado se
considerarmos a ordem moderna do direito privado. Assim, parece-me
mais esclarecedor entender que as capacidades de domínio “públicas”
e “privadas” se fundem em uma unidade indivisível, de modo que
ambas resultam de um poder único, estão presas à terra e ao solo podem
ser tratadas como direitos privados legítimos. (BRUNNER apud
HABERMAS, 2014, p.99)
Contudo, para o autor, o conceito de público já era utilizado no medievo também
para definir aquilo que era destinado ao uso comunal. Por sua vez, privado era
compreendido como aquilo de pertence ou posse particular. Desse modo, Habermas nos
explica que o senhor feudal, enquanto vassalo detentor de certo status, seria um elemento
neutro em relação aos critérios de público e privado no período. Entretanto, tal senhor
também seria um legítimo representante do poder conferido por seu suserano, sendo,
portanto, a personificação de um poder superior que se apresenta diante dos demais
publicamente. Para o autor, essa seria então a origem do que chamou de “esfera pública
representativa”, que se constituiria não como uma esfera de publicidade, mas sim como
a representação de uma dominação diante do povo, e não para o povo (HABERMAS,
2014, p.103).
Na Modernidade, por sua vez, a esfera pública representativa teria se mantido,
porém, agora nas cortes dos príncipes onde grandes cerimônias eram realizadas para
demonstrar o poder do anfitrião. De acordo com o estudo de Habermas, foi na corte de
Luís XIV que a esfera pública representativa atingiu sua mais elevada concentração
1717
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1718
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
por Habermas como esfera pública burguesa, espaço onde pessoas privadas discutiriam
diante de um público composto por pessoas privadas questões referentes a política pública
a fim de influenciar o poder decisório das autoridades, tal qual no conceito de esfera
pública apresentada por Kant em 1783.
Em síntese, para Habermas é a partir do afastamento da sociedade civil e do
Estado que a esfera pública burguesa começa a se delinear em oposição a esfera privada.
Esse processo de apartamento teria se intensificado também com a constante
decomposição das instituições feudais a quais a esfera pública representativa estava
atrelada, como a Igreja, o principado e a nobreza. Desse modo, a centralização da
autoridade política e econômica nas mãos dos Estados Modernos, bem como as mudanças
na composição da classe burguesa, teriam contribuído para uma maior conscientização
da distinção entre uma sociedade civil, composta por pessoas privadas sem poder de
decisão nas ações do Estado, e o poder público enquanto detentor exclusivo do poder de
decisão sobre a política. É, portanto, diante da consciência da sociedade civil como
adversária do Estado que a esfera pública se forja, quando “o interesse público na esfera
privada da sociedade civil deixa de ser percebido apenas pela autoridade e começa a ser
levado em consideração pelos súditos como uma esfera de seu próprio interesse”
(HABERMAS, 2014, pp.130-131).
1719
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
É nesse contexto que Charles Perrault, poeta e intelectual burguês, emerge como
deflagrador845 e catalisador dessa disputa cultural e política que colocou em xeque o ideal
de perfeição pautado na Antiguidade e tornou a arte literária francesa a partir de fins do
século XVII cada vez mais diversificada, liberal e moderna. Em meio ao embate, a
literatura foi não apenas objeto de disputa entre modernos e classicistas, visto que o que
estava em jogo era a regulamentação do que era considerado próprio ou impróprio tanto
para produção quanto para publicação, mas se tornou também meio de propaganda para
esses e aqueles. Dessa forma, ao defender que a limitação da produção literária e artística
pautada nos exemplos da era clássica só servia para frear a criatividade e menosprezar os
artistas de sua época, Perrault através de suas obras escritas durante esse contexto
apresentou a seus pares aquilo que acreditava ser o melhor da arte de seu tempo e para a
arte seu tempo, defendendo o que considerava ser moderno.
Assim, publicando suas obras de maior sucesso durante o reinado de Luís XIV,
mais especificamente em meio ao embate entre Antigos e Modernos, Charles Perrault e
suas obras se encontravam imersos numa esfera pública ainda representativa, segundo a
cronologia de Habermas. Todavia, o estudo dos debates em meia a querela, bem como a
análise da historiografia sobre o evento em questão, principalmente da obra Antigos
contra Modernos (2005) de Joan DeJean, nos levam a crer que, apesar da afirmação de
Habermas, tal esfera se encontrava em intensa mutação já em fins do século XVII. Ora,
essa já dava suas fortes demonstrações de que logo culminaria na esfera pública moderna,
entendida tanto pelo sociólogo quanto por Kant como um espaço em que pessoas
privadas, a partir do livre debate, forjam uma esfera crítica onde a opinião pública é
utilizada para dar voz a sociedade civil diante do poder público.
Como aponta Joan DeJean, ao longo do século XVII francês a expressão le
public passou por algumas transformações até atingir seu significado moderno. Assim, a
partir de uma derivação semântica, a expressão que antes era atribuída na definição de
845
Atribui-se à leitura do poema Le siècle de Louis, le Grand, escrito por Charles Perrault e recitado
Academia Francesa em 1687, o estopim do embate entre Antigos e Modernos na França do século XVII.
Escrevendo em comemoração à recuperação de Luís XIV de uma delicada cirurgia, Perrault ousou através
de seu poema comparar o século do monarca francês ao século do imperador romano Augusto, contrastando
de forma passional e parcial o legado artístico, filosófico e científico de antigos e modernos. Foi com a
leitura de seu poema mais polêmico que Charles Perrault encontrou principalmente na figura do historiador
e poeta Nicolas Boileau-Despréaux seu opositor e adversário assumido, dando início, assim, à querela.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1720
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
“um corpo político” ou “o estado”, passa a designar “as pessoas, em geral”, atingindo no
final do século o sentido de “uma audiência”, porém mais voltada para o sentido crítico
do que literário (DEJEAN, 2005, p.61). Contudo, de acordo com a autora, se por um lado,
na querela, a noção do público como audiência crítica apresentou-se para uns como
preocupação, para outros foi concebida como novas possibilidades. Ora, estando a
produção literária e sua recepção no centro do embate em questão, enquanto
Antigos [...] consideravam a literatura um meio de preservação do status
quo, de garantirem que a posição da elite intelectual tradicional francesa
não seria modificada mesmo quando práticas educacionais começaram
mais e mais a serem consideradas prerrogativas do estado francês, e,
portanto, podiam potencialmente abrir-se às tendências
democratizantes. Modernos como Perrault [...] concebiam a literatura
de forma oposta: como o principal meio pelo qual a cultura poderia ser
feita sempre mais pública e através do qual o novo público – mais e
mais diverso em termos de gênero assim como de classe – poderia ser
trazido à principal corrente cultural e encorajado a participar no
desenvolvimento da opinião pública. [Grifos meus] (DEJEAN, 2005,
p.49)
1721
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1722
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
846
Segundo DeJean, as mulheres tiveram um importante papel na criação da primeira esfera pública na
França em fins do século XVII. Para a autora, já no período da querela “as mulheres desempenharam um
papel ativo, por vezes até o mais ativo, na democratização da cultura”. Diferente do que admite Habermas,
para DeJean, o gênero, e não exatamente a classe, pode ter sido um fator determinante para a criação da
esfera pública, tanto a partir das discussões literárias em salões quanto em cafés. Não à toa, para os Antigos,
a maior ameaça em meio a querela não era a de aburguesar o gosto francês, mas sim o potencial de feminizar
tal gosto, uma vez o julgamento pessoal, o direito ao gosto individual e à crítica pessoal, principais anseios
dos defensores da perspectiva moderna, tornou-se durante o conflito sinônimo de julgamento feminino
(DEJEAN, 2005:71/166).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1723
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Em suma, com base nas argumentações de Joan DeJean e nas ideias defendidas
por Charles Perrault no período da querela entre Antigos e Modernos aqui apresentadas,
podemos afirmar que os dois autores, tanto a historiadora americana quanto o poeta
francês, ao evidenciarem em fins dos Seiscentos o nascimento de uma audiência literária
que já estava em vias de forjar uma opinião crítica considerada importante para os autores
da época, como no caso de Perrault, nos levam a questionar algumas considerações de
Habermas quanto a esfera pública no sentido kantiano como um fenômeno burguês
projetado apenas no século XVIII pelo Iluminismo. Ademais, como expõe claramente
DeJean, “a república das letras abriu-se ao debate popular pela primeira vez na França
como resultado de um ímpeto de fin de siècle”, e não a partir dos anos 1730, como propôs
Habermas ao afirmar que a interferência do público nas questões literárias teria sua
origem na Inglaterra no fim do século XVII, chegando a se espelhar no cenário francês
apenas no século seguinte (DEJEAN, 2005, p.71).
Mais ainda, os argumentos de DeJean nos levam a discordar diretamente de
Habermas quando este afirma que “a aristocracia cortesã do século XVII não representa
propriamente um público leitor” devido a manutenção de literatos como servidores, o que
em suas premissas tornava a produção dentro da lógica do mecenato mais “um tipo de
conspicuous consumption do que à leitura séria de um público interessado”
(HABERMAS, 2014, p.154). Para o sociólogo, apenas com a substituição do mecenas
pelo editor nas primeiras décadas do século XVIII um público verdadeiramente
interessado teria emergido e com ele uma legítima opinião pública literária crítica.
Ao fazer tal afirmação, Habermas parece desconhecer o fato de que nas últimas
décadas dos Seiscentos, mais particularmente no contexto da querela, como coloca o
historiador brasileiro Antonio Edmilson Rodrigues (2000), enquanto os Antigos se
detinham aos salões de Versalhes, aristocratas liberais como “os Modernos se lançavam
a um movimento de ação sobre a França, inicialmente buscando os espaços dos cafés de
Paris, nos quais apresentavam suas novas composições, ampliando o espectro de ação de
suas críticas” em uma cidade que já adquiria sua monumentalidade e primazia de capital
(RODRIGUES, 2000, p.269). Ora, como afirma o próprio sociólogo, esses cafés, que
teriam florescido entre 1680 e 1730, no período em questão já eram conhecidos por serem
espaços cujo acesso era livre não apenas àqueles competentes em assuntos literários, mas
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1724
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Considerações finais
Em suma, é inegável a importância e riqueza do estudo de Habermas sobre a
esfera pública a partir de seu sentido apresentado por Kant em 1783. No entanto, uma
revisão bibliográfica mais atenciosa às disputas culturais e políticas na França no final do
século XVII torna impossível não questionarmos algumas afirmações feitas pelo autor no
decorrer de sua obra. De fato, o estudo do sociólogo alemão parece se fixar em uma
rigorosa cronologia da evolução da esfera pública até atingir seu sentido moderno. Desse
modo, Habermas entende o contexto histórico aqui debatido apenas dentro da lógica de
uma esfera pública ainda representativa, na qual essa seria uma representação da
dominação de um soberano diante do povo, ignorando a possibilidade de existência de
duas modalidades de esfera pública num mesmo período, uma ainda reclusa a esfera
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1725
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
cortesã e outra já em vias de tomar os espaços públicos, se abrindo como centro de debates
e discussões literárias.
Assim, a cronologia rígida de Habermas, por vezes, não coincide com a análise de
fontes e historiografia ligadas à querela, como no caso de Charles Perrault que já
compreendia nas últimas décadas do Seiscentos a existência de um público dotado de
razão e capaz de julgar, conforme seu próprio gosto, a produção literária de seu tempo.
Igualmente, o surgimento e ascensão dos cafés, onde esse público literário – intelectual
ou não – já se reunia entorno das discussões sobre o assunto, principalmente no contexto
da querela francesa, nos leva a concordar com Joan DeJean quando esta afirma que “o
desenvolvimento de uma cultura pública crítica já tivera lugar antes mesmo do
lançamento do iluminismo” e, mais ainda, “que a esfera pública literária foi, tanto quanto
a esfera pública política, em sua origem, um fenômeno francês”, não tendo se tratado
também de um fenômeno estritamente burguês, como propôs Habermas (DEJEAN, 2005,
p.71).
Referências Bibliográficas
DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe
Ganso. In: O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa.
Editora Graal, 2006.
DEJEAN, Joan. Antigos contra modernos: as guerras culturais e a construção de um
fin-de-siécle. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigação sobre uma
categoria da sociedade burguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
PERRAULT, Charles. Contos da Mamãe Gansa. São Paulo: L&PM Pocket, 2012.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?. In: Cátedra Unesco
de Bioética. Brasília: Universidade de Brasília, 2016. Disponível em:
https://bioetica.catedraunesco.unb.br/wp-content/uploads/2016/04/Immanuel-Kant.-O-
que-é-esclarecimento.pdf
RODRIGUES, Antônio Edmilson M. A querela entre antigos e modernos: genealogia
da modernidade. In: FALCON, Francisco; RODRIGUES, Antônio Edmilson M.
1726
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1727
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
847
Neste encontro, se expandiu o conceito de Patrimônio Histórico para Patrimônio Cultural, compreendido
por monumentos arquitetônicos, sítios arqueológicos, objetos e estruturas de valor histórico, cultural e
artístico; ou seja, bens que representassem fontes culturais de uma sociedade ou grupo.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1728
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1729
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
XX e, em certa medida, desde o século XIX” (PÁDUA, 2010, p. 81). O autor esclarece,
porém, que o diferencial na discussão ambiental na cultura contemporânea é a atenção ao
modo como as sociedades humanas se territorializam e se referenciam culturalmente ao
mundo natural, “construindo seus ambientes a partir de interações com espaços concretos
de um planeta que possui grande diversidade de formas geológicas e biológicas”.
(PÁDUA, 2010, p. 83).
A ampliação do conceito patrimonial e consequente admissão da existência de
patrimônios naturais/ambientais aproximam-se dos temas da História Ambiental, que
busca problematizar as relações dos homens com a natureza, “a sua influência sobre o
comportamento humano e as formas de delimitação dos territórios como o espaço da
nação, da região, do urbano, das fronteiras, etc.” (ARRUDA, 2006, p. 116). De acordo
com Pádua (2010), as questões elucidadas pela História Ambiental inspiraram ações que
extrapolavam os muros da academia; se inserindo no imaginário coletivo, mediante às
diversas pautas sociais, educacionais e permeadas pela cultura de massa.
No Brasil, as mudanças no campo patrimonial começaram a serem sentidas a
partir da década de 1960, passando-se ao progressivo aumento de discursos, que
enfatizavam a diversidade cultural como novo valor para as ações de patrimonialização.
De acordo com Lia Motta (2000), tais discursos se tornaram oficiais das agências de
patrimônio, fossem de escala municipal, estadual ou federal. Nesta conjunta, destaca-se
a criação do Conselho Federal de Cultura (CFC) em 1966. O conselho teria assumido
uma função executiva, que promoveria a relação entre municípios, estados e federação.
Como um de seus objetivos centrais, o Conselho de Cultura tinha a criação de uma
política para a cultura, incluindo um Plano Nacional de Cultura; o intercâmbio entre
instituições e universidades, a difusão da cultura nacional e a proteção do patrimônio
cultural.
Entre 1970 e 1971 foram lançados dois documentos que incentivariam a
descentralização das políticas de preservação dos bens culturais. Tratam-se do
Compromisso de Brasília e o Compromisso de Salvador. Tais documentos são elaborados
nas reuniões de governadores que tiveram como gestores o conselho Federal de Cultura,
1730
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
848
A Lei de nº 378, no governo de Getúlio Vargas de 13 de janeiro de 1937 – cria o Serviço de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e em 30 de novembro de 1937, o decreto-lei de n° 25 organiza a
“proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”. Em 1946 o Sphan passa a se chamar Departamento
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan) e já em 1970 o Dphan se transforma em Iphan. Em
1979 o Iphan se divide em Sphan – órgão normativo - e Fundação Nacional Pró-memória (FNpM) – órgão
executivo. No ano de 1990 há a extinção do Sphan e da FNpM e criação do Instituto Brasileiro do
Patrimônio Cultural (IBPC). Finalmente, em 06 de dezembro de 1994, por medida provisória, o Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC e o Instituto Brasileiro de Arte e Cultura – IBA passem a
denominar-se, respectivamente, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
Fundação de Artes – FUNARTE. Para que a leitura do projeto seja facilitada, será utilizada a sigla IPHAN.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1731
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
849
Cf. HERNANDEZ (1994); CONDE; MARTINI; ZABALA (2010); CARVALHO; SHEINNER (2010)
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1732
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Brasil após o ano de 2007, com eventos nos Estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso
do Sul. Nesta conjuntura, merece destaque a Carta de Bagé850 (RS) em que é estabelecido
o conceito de Paisagem Cultural como “um bem cultural, o mais amplo, completo e
abrangente de todos, que pode apresentar todos os bens indicados pela Constituição,
sendo o resultado de múltiplas e diferentes formas de apropriação, uso e transformação
do homem sobre o meio natural”. (RANGEL, 2016, p.12).
A chancela da Paisagem Cultural como instrumento de preservação patrimonial
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), se deu pela Portaria
nº 127, de 30 de abril de 2009. Servindo como uma certificação, a chancela funciona
como meio de estabelecer normas para a gestão e uso da paisagem, determinando em
conjunto com as populações diretamente envolvidas uma gestão compartilhada do
território. Segundo Magalhães (2015), a chancela se mostra inovadora, pois traz uma
noção de patrimônio que integra bens de caráter material e imaterial, marcados pela ação
da natureza e também da cultura.
O tombamento do litoral
O tombamento do Litoral Fluminense foi publicado em 09 dezembro de 1985 e
confirmado em 11 de maio 1987. A ação de proteção aos trechos do litoral do estado do
Rio de Janeiro teve dois fundamentos principais: “contribuir para preservar alguns dos
mais belos e importantes ecossistemas da nossa costa e garantir a permanência nessas
áreas das comunidades tradicionais de pescadores. ”. (LERNER apud CAVACO;
VASQUES, 2016). Pode-se dizer que o tombamento representa a concretização de um
discurso de renovação no campo do patrimônio, pois se destaca pelo caráter inovador, ao
enfatizar a importância da relação dos grupos sociais abarcados pela ação de
patrimonialização e a natureza. “Pela primeira vez, será reconhecido o valor cultural de
uma associação espacial, e, por assim dizer, simbiótica, entre povoados tradicionais de
pescadores e a faixa de terra emersa das águas oceânicas” (INEPAC: Litoral Fluminense,
fl.3.).
850
Ou Carta das Paisagens Culturais. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/899/
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1733
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
851
A formação de várias das comunidades marítimas e litorâneas no Brasil se deu entre o vasto período que
vai do século XVIII ao início do século XX, cujos membros viviam, sobretudo ou parcialmente, de atividade
pesqueira. Em tais comunidades, dispersas por todo o litoral, modos de vida e culturas locais específicas
puderam emergir, diferenciando seus membros de outros grupos (Silva, 1993). Este é o caso das
comunidades caiçaras, cujos habitantes, durante longo período, ficaram relativamente isolados na Mata
Atlântica e no litoral dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Desta forma, desenvolveram uma
cultura particular que os diferencia das comunidades tradicionais do interior desses estados (Diegues,
1988a; Luchiari, 1992 e 1997). Cf. HANAZAKI; MOLINA; RAMIRES (2007).
1734
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
852
Encontrando-se a leste da praia de Itaipu, o Morro das Andorinhas é sitiado por moradores há alguns
séculos.
853
Tombado pelo IPHAN em 1955 e abriga desde 1987 o Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI).
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1735
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Além do caráter familiar, pode-se considerar como característica que delega aos
grupos de pescadores abarcados a menção de tradicionais a “noção de território ou espaço
onde o grupo social se reproduz econômica ou socialmente” (ARRUDA; DIEGUES,
2001, p.26). De acordo com Duarte (1999), a identidade do pescador é marcada pela
vivência com o mar, por estruturas específicas ao trabalho pesqueiro, à manutenção de
uma ordem hierárquica de atividades, ao método de captura do pescado e ao tipo de
embarcação utilizada.
A noção de território ou espaço onde a comunidade se reproduz econômica e
socialmente é ampla, visto que não restringe ao local que habitam e sim no diálogo com
a natureza, trabalho e modos de vida: “na análise das relações entre a pesca artesanal, o
território e o Estado, incorporamos a cultura como possibilidade de compreender aquilo
que não é visto imediatamente, que são o sentido das ações e dos saberes. ” (SILVA,
2014, p.17). Para o pescador, o território depende não só do tipo do meio físico utilizado,
mas também das relações sociais existentes, assim, o espaço marítimo tem suas marcas
de posses e simbologias.
Além de possibilitar a manutenção da pesca artesanal, vista como inseparável de
sua espacialidade, demarcar as áreas de pesca como patrimônio legitima a prática da pesca
artesanal e até mesmo à manutenção do espaço ocupado pelos pescadores. Segundo
Cavaco e Vasques (2016), os trechos do litoral fluminense englobados pela ação de
patrimonialização do INEPAC foram isolados durante séculos, o que promoveu a
ocupação espontânea das comunidades pesqueiras. Estas comunidades se adaptaram à
natureza, sem agredi-la. Porém, a partir da década de 1970, com a especulação
imobiliária, os grupos que habitam o litoral têm travados lutas pela preservação dos meios
de trabalho e pela conservação cultura da pesca artesanal.
A ideia de patrimonialização remete-se a ao poder de afirmar identidades e valores
que um bem obtém. Neste sentido, evidencia-se que ações como o tombamento do litoral
fluminense demonstram toda complexidade dos processos de patrimonialização, pois
mais do que construir ou preservar memórias, o patrimônio permeia conflitos e relações
de poder, tendo a capacidade de conferir legitimidade a determinado grupo ou indivíduo.
Os embates vividos pelos pescadores artesanais relacionam-se ao direito à propriedade,
mas também à identidade, pois não são travados apenas pela manutenção do domínio
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1736
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
sobre terra ou sobre os recursos marítimos, mas pelos usos que deles são feitos. Lutar
pelo território em que vivem significa manter as condições de vida, de cultura e do
trabalho.
Os territórios devem ser vistos em sua perspectiva histórica, pois “O território é o
chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo
que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e
espirituais e da vida, sobre as quais ele influi” (SANTOS, 2003, p. 96). Para Milton
Santos, o território deixa marcas nos indivíduos, assim como é marcado por eles. Desta
maneira, o autor trabalha com a ideia de “territórios usado”, evidenciando que ao passar
do tempo, os espaços se modificam e modificam os homens mutualmente, influenciando
nos processos de construção de identidade.
Considerações Finais
A proteção aos trechos do litoral do estado do Rio de Janeiro feita pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) representa a concretização de um discurso de
renovação no campo do patrimônio, por buscar a manutenção das condições do exercício
da pesca artesanal, enfatizando a necessidade de preservação do ambiente litorâneo como
meio de manutenção de suas tradições. Neste sentido, abordar esta modalidade de pesca
enquanto prática cultural a coloca como produtora de uma identidade, veiculada ao
trabalho e ao meio ambiente.
Entende-se as populações caiçaras como comunidades tradicionais pela
identificação do pescador à natureza, legitimada pela ancestralidade de suas relações com
o trabalho. O texto aborda ainda a história das políticas de patrimônio em nível
internacional, nacional e fluminense, buscando pensar a relação entre esta e o
tombamento do litoral. No que concerne ao processo de Tombamento abordado, se vê a
nítida relação entre as justificativas da ação de patrimonialização e a direção do INEPAC
à época.
O caso do tombamento do litoral fluminense pode ser visto como exemplar ao
processo de ampliação da noção de patrimônio. Apesar de não constar nos documentos
do INEPAC o termo “patrimônio ambiental” ou “paisagem cultural”, constata-se que o
tombamento em questão representa uma ação de vanguarda no Brasil, pois exprime a
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1737
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Referências Bibliográficas
ABREU, Martha. Cultura Imaterial e Patrimônio Histórico Nacional. In: ABREU,
Martha; Antônio ABREU, Izaias da Costa. Municípios e topônimos
fluminenses: histórico e memória. Imprensa oficial do Rio de Janeiro, 1994.
ARRUDA, Gilmar. O chão de nossa história: Natureza, Patrimônio Ambiental e
Identidade. In: Patrimônio e Memória: UNESP – FCLAs – CEDAP, v.2, n.2, 2006.
ARRUDA, Rinaldo; DIEGUES, Antônio Carlos (org.). Saberes Tradicionais e
Biodiversidade no Brasil. Brasília - Ministério do Meio Ambiente: São Paulo, USP, 2001.
Xxx p. (Biodiversidade4).
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. Memória e Patrimônio: Ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. Imprensa da Universidade: Coimbra, 2013.
854
Beatriz Sarlo remete-se a este conceito para explicar o crescente fenômeno de grupos utilizarem-se de
argumentos de identidade coletiva e tradição em contraponto aos problemas sociais enfrentados na
atualidade.
1738
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1739
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1740
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
O presente artigo tem como proposta contribuir para a reflexão sobre as formas
de organização socioeconômica de libertos, forros, negros livres e escravos no Rio de
Janeiro – em específico na freguesia rural de Jacarepaguá (FRIDMAN, 1999. Pp. 125-
130)- entre as últimas décadas do século XIX e início do século XX. O objetivo é
identificar e ao mesmo tempo compreender as formas específicas de organização e ação
dos negros livres e cativos no contexto de desestruturação do sistema escravista e
instauração da República no Brasil (ALONSO, 2002. Pp. 87-96; LEMOS, 2010. Pp. 403-
437; e HOLANDA, 2010. Pp. 145-160.).
Ao findar este artigo espero ter conseguido apresentar ao leitor os aspectos
constitutivos deste universo dos negros de parte de uma freguesia rural da cidade do Rio
de Janeiro, a partir de suas experiências, necessidades, limitações, anseios, possibilidades
e expectativas. Neste sentido, a tentativa aqui exposta é a reconstrução de uma história e
um passado voltado para a compreensão dos sentidos que os fatos e os processos
históricos tiveram para os seus sujeitos específicos e como estes escolheram e/ou puderam
agir diante da realidade que se apresentava (THOMPSON, 1998. Pp. 204-266).
Para compreendermos os sentidos da organização socioeconômica em um
contexto rural iremos recorrer à analise de um projeto de nação que tinha como base a
reorganização social e do trabalho – principalmente o rural – como pontos centrais de
construção da civilidade e progresso da sociedade brasileira.
Ao longo dos anos 1880, uma instituição abolicionista atuou de modo decisivo no
processo de abolição da escravidão no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro, a
Confederação Abolicionista (DÓRIA, 2015). Dentre as diversas formas e métodos de
ação destacamos o projeto de nação abolicionista que então se destacava com os
1741
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1742
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
projetos elitistas, nem mesmo àquele que se colocava favorável à concessão de terras aos
ex-escravos855. Vejamos os motivos.
Se a busca por direitos e participação política pelos negros da Corte ganhavam
contornos de uma luta por direitos civis, a busca por uma cidadania positiva era comum
a todos aqueles que vivenciaram de alguma forma a experiência da escravidão (COSTA,
2014. Pp. 83-107; GOMES, 2011; DOMINGUES, 2011.). As experiências urbanas do
Rio de Janeiro oitocentista que engendraram diferentes formas de associativismo negro
também se fizeram presentes no meio rural. Por mais que não ocorressem da mesma
forma que as experiências nos espaços urbanos e, principalmente, não tivessem a
imprensa como mecanismos de difusão de seus projetos, anseios e ações, o associativismo
negro no meio rural não foi menos politizado.
O “não quero” de cativos, forros, libertos e quilombolas já era ouvido desde os
tempos coloniais e obrigavam senhores escravistas e autoridades – igualmente escravistas
– a negociar com esses indivíduos ou comunidades as formas de organização e a própria
dinâmica do meio rural. As relações estabelecidas de forma dialógica não eram
harmoniosas e, por vezes, abria-se o conflito (SILVA & REIS, 1989.; MARINHO, 2014;
e Op. Cit. GOMES, 2006. Pp. 7-22 e 34-120)856. Não havia uma regra e nem um modelo
de organização social desta comunidade negra, que se estruturava dentro das
possibilidades e do acúmulo de experiências pregressas para o estabelecimento dos seus
interesses diante da situação de opressão do cativeiro.
Per si, estas formas de organização de espaços, situações e experiências de
autonomia da população negra e mestiça – livre ou escrava – impunham à sociedade
855
A nossa referência é o projeto de reforma agrária defendida pela Confederação Abolicionista e,
posteriormente, apresentada pela SNA e o MAIC (Ministério da Agricultura Indústria e Comércio).
856
Apesar da perspectiva da negociação e conflito ter sido apresentada pioneiramente na historiografia
brasileira por Eduardo Silva e José Reis, para analisar a relação entre senhor e escravo, autoras e autores
como Celia Marinho e Flavio Gomes ampliaram esta perspectiva analítica para toda as relações sociais
existentes na sociedade escravista. Desse modo, a obra de Célia Azevedo Marinho sobre o imaginário das
elites dirigentes e econômica do país durante o século XIX, aponta para o receio vivido por esses
personagens diante das rebeliões e revoltas escravas – internas e externas – e da possível – e necessária -
libertação em massa dos cativos do país. A autora insere os projetos feitos nesse período voltados para a
libertação ou emancipação dos escravos como componentes do processo de transição e instalação do
capitalismo no Brasil. O abolicionismo então seria um movimento interessado em organizar e preparar a
mão de obra escrava para a nova realidade que se apresentava com vistas a inserir o Brasil no contexto das
nações civilizadas.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1743
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
857
O termo aqui apresentado tem sua origem na concepção de Magalhães Corrêa. Para uma compreensão
histórica do termo e sua ressignificação, ver ENGEMAN, Carlos; SILVEIRA, Angela Maria Rosa;
OLIVEIRA, Rogério Ribeiro de. Magalhães Corrêa, o viajante do século XX. In: As marcas do homem na
floresta: história ambiental de um trecho urbano da Mata Atlântica. (org.) OLIVEIRA, Rogério Ribeiro de.
Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2010. Pp. 75-84.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1744
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
XIX uma extensa rede de pequenos agricultores que viviam da subsistência, mas também
da caça, pesca e da extração de recursos diversos da mata (Idem, GOMES).
Flávio Gomes destacou que os maiores quilombos de Iguaçu localizavam-se nas
terras dos beneditinos e os aquilombados estabeleciam uma ampla rede de comércio local,
além de uma relação bem estreita com a senzala da fazenda dos beneditinos (Ibidem, Pp.
48-52). Tal configuração também se apresentava nas terras dos beneditinos no Sertão
Carioca - guardada as devidas especificidades – possibilitando-nos a identificar ali a
formação de um campo negro858.
Quando os beneditinos alforriaram todos os seus escravos, em 1871 (SANTOS,
2005. Pp. 97), os espaços de autonomia da comunidade negra da Fazenda Vargem Grande
eram consideráveis. A formação de núcleos familiares nas encostas do Maciço da Pedra
Branca, na sua vertente sul – Vargem Grande, Vargem Pequena e Camorim – estava
repleta de famílias, comunidades e aquilombados. Estes detinham uma produção rural de
subsistência voltada para o mercado local e as trocas entre as famílias, comunidades e
aquilombados do maciço (DÓRIA, Renato, 2015; e Idem, SANTOS. Pp. 39-46).
No final do século XIX as terras e propriedades dos beneditinos foram vendidas
para a Companhia de Engenho Central e no ano seguinte passaram para as mãos do Banco
de Crédito Móvel859. Tal situação foi denunciada pelo jornal Gazeta da Tarde sob o título
História de um Sacrilégio,enfatizando que ali viviam famílias de agricultores pobres e
ex-escravos das fazendas dos beneditinos, que por sua vez, eram posseiros da terra e
formavam um campesinato negro.
858
O termo designa as diversas relações estabelecidas entre negros livres, cativos, forros e aquilombados
com senhores, autoridades, comerciantes, lavradores e etc., onde a partir de suas experiências e ações
puderam construir redes sociais específicas e articuladas, que em última análise, permitiam através de
práticas econômicas garantirem a autonomia destas comunidades e grupos negros.
859
Gazeta da Tarde, 13 de junho de 1891.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1745
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
860
Op. Cit. Gazeta da Tarde, 1891.
861
SANTOS, Leonardo Soares dos. Estado e Capital contra a sociedade em Jacarepaguá: ontem e hoje.
Disponível em < http://ihbaja.blogspot.com.br/2015/01/estado-e-capital-imobiliario-contra-o.html>.
Acesso em: 12 de julho de 2017.
862
Ao destacar os intelectuais que fundaram a SNA como uma elite política de segunda ordem, diante da
hegemonia política alcançada pela oligarquia paulista, a autora aponta para uma diferença de projetos de
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1746
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
nação e modelo de República defendido por estes grupos. A principal estratégia de reforma social para esse
grupo estava na educação e na organização do trabalho. Em maio de 1896, reunido com outros 47 indivíduos
lança as bases de uma Sociedade Agrícola, voltada para modernização de tal setor econômico do país,
formando-se no ano seguinte sob o nome de Sociedade Nacional de Agricultura. A SNA defendia dentre
outras coisas a instrução do agricultor para uma melhor produção de sua lavoura e a reforma agrária. Temas
esses levados às sessões de debates no MAIC.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde. COC/Fiocruz
Rio de Janeiro, 16 a 20 de outubro de 2017.
1747
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
(Op. Cit. CÁCERES). Formou-se assim, uma comunidade alicerçada em uma rede de
parentesco que sobreviveu do apoio mútuo num ambiente rural, desinteressada em certa
medida dos padrões de produção econômica das grandes propriedades.
A organização de um campesinato negro não alinhado aos modelos de
propriedades rurais preconizados por intelectuais e administradores públicos representava
uma escolha não apenas econômica e social de organização de sua própria comunidade,
mas, sobretudo era uma escolha política que igualmente interferia nas decisões e projetos
do Estado brasileiro – principalmente a partir da República.
Em síntese, o associativismo negro não se restringiu aos espaços urbanos, na
cidade do Rio de Janeiro, nas freguesias rurais, formou-se durante o Império um proto-
campesinato negro e com abolição da escravidão e o advento da República consolidou-se
um campesinato de fato que construiu formas próprias de organização e subsistência,
muitas vezes se colocando – mesmo que de forma sutil ou dissimulada – contra os projetos
de transformação de espaços e de seus cotidianos.
Estas foram lutas importantes travadas pelos Homens de Cor que somente podem
ser mensuradas de forma diminuta, aqui, tentei compreender os significados e
experiências destes sujeitos históricos como contrapontos às interpretações mitológicas e
anacrônicas.
Referências Bibliográficas
1748
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1749
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
1750
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________
Fontes
Gazeta da Tarde, 13 de junho de 1891.
1751
Anais do 5º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História
ISBN 978-85-65957-12-0
_______________________________________________________