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(Algebra A) Fundamentos de Algebra PDF
(Algebra A) Fundamentos de Algebra PDF
Dan Avritzer
Hamilton Prado Bueno
Marília Costa de Faria
Ângela Maria Vidigal Fernandes
Maria Cristina Costa Ferreira
Eliana Farias e Soares
Este livro teve a sua origem em 1976, quando Dan Avritzer ministrou uma primeira
disciplina em Álgebra para os alunos do curso de Matemática da UFMG. Nessa época
os textos elementares disponíveis em português, de fácil acesso e boa qualidade, eram
o do curso que Said Sidki ministrou no 10o Colóquio Brasileiro de Matemática e
uma tradução de um livro curto de Serge Lang, denominado "Estruturas Algébricas".
Os demais eram, em sua grande maioria, publicados em inglês ou francês. As
peculiaridades de então do curso de licenciatura em Matemática motivaram Dan a
trabalhar um primeiro texto, no qual o método axiomático e o rigor fossem introduzidos
em situações simples. Esse foi testado por ele e por outros professores, no período
1976/1977. Houve um hiato de alguns anos até que no início da década de 80
vários docentes retornaram de programas de doutorado e a proposta de se examinar
cuidadosamente os conteúdos e os enfoques da disciplina "Fundamentos de Álgebra"
foi retomada e, ao longo dos anos, várias versões de um texto circularam e foram
adotadas nessa disciplina, culminando neste.
O livro atinge dois propósitos: é referência segura para professores do ensino médio
e é uma correta introdução à Álgebra elementar em nível universitário.
v
PREFÁCIO
Nosso objetivo era a redação de um texto ameno, que procurasse motivar cada
conceito introduzido e, dentro do possível, apresentá-lo dentro de um contexto
histórico. Um texto que aceitasse a inexperiência inicial do aluno, mas que fosse capaz
de acompanhar sua evolução com o decorrer do curso. E, diferentemente dos textos já
existentes em português, não procurávamos a abordagem mais concisa ou elegante,
ou mesmo aquela mais passível de generalizações; queríamos adotar, tanto quanto
possível, o mesmo enfoque empregado no ensino básico, tornando nosso texto uma
fonte de consulta imediata para os professores daqueles níveis.
Depois de finalizado, o texto foi editado como apostila e adotado por quase todos os
professores da disciplina "Fundamentos de Álgebra" na UFMG. Alunos dessa disciplina
que vieram a se tornar professores universitários passaram também a utilizá-lo em seus
cursos. E, assim, o texto começou a ser adotado em diversas faculdades do interior de
Minas Gerais. Independentemente das críticas feitas ao texto – algumas delas vindas de
vii
viii PREFÁCIO
seus próprios autores – há que se constatar que a receptividade desse material por parte
dos alunos sempre foi bastante favorável. Talvez essa seja a melhor justificativa para a
presente edição deste livro.
O Brasil do começo dos anos oitenta vivia um período de final de ditadura e difusão
de um sentimento de cooperação. Consonante com o espírito da época, esse trabalho
nunca foi assinado. Seus autores se identificavam com o "Grupo de Álgebra", embora
um deles nunca tenha se dedicado a essa área da Matemática. Vários de seus autores já
tinham lecionado anteriormente a disciplina "Fundamentos de Álgebra". Mesmo assim,
o texto nasceu a partir de discussões (em sua maioria, bastantes acaloradas) em torno
de cada um dos temas abordados, procurando um enfoque que satisfizesse a todos
os membros do grupo. Após extensas discussões, chegávamos à redação de um texto
provisório que, experimentado em sala de aula, era alvo de críticas e novas discussões.
Um processo que parecia interminável, mas que foi concluído por volta de 1985. Desde
então, o texto permaneceu praticamente inalterado, sofrendo apenas simples correções.
Assim, quase 20 anos após a sua edição inicial como apostila, não deixa de ser
curioso que este texto seja agora publicado como livro. Dentre seus seis autores, dois
estão aposentados e um faleceu. A sua publicação trouxe consigo um problema ético:
alterar o texto, de modo a adequá-lo às atuais concepções de parte de seus autores?
Ou mantê-lo, tanto quanto possível, inalterado? Optamos por tentar manter a essência
do texto, embora corrigindo-o e atualizando-o, quando necessário. Para tornar sua
concepção mais coerente, foram feitas adequações: alguns exercícios propostos foram
reformulados, outros deram origem a material incorporado ao texto. Foram inseridos
textos que já estavam redigidos, mas que não estavam presentes na apostila. Entretanto,
ainda é possível ver este livro como uma edição melhorada daquela apostila. E era isso
que ambicionávamos nessa revisão...
Por outro lado, a oportunidade de reavaliar o texto original nos deixou com a
impressão de que ele satisfaz os objetivos escolhidos quando de sua redação. E achamos
que isso é suficiente para justificar sua edição como livro.
Agradecimentos. No decorrer de todos esses anos após a edição inicial desse texto
como apostila, é difícil nomear todos aqueles que colaboraram para o aperfeiçoamento
do mesmo. Diversos professores que ministraram o curso de "Fundamentos de
Álgebra"na UFMG contribuíram com sugestões, correções e discussões sobre o material
apresentado. Alunos de diversos anos em que a disciplina foi lecionada apontaram
incorreções e sugeriram aprimoramentos.
Dan Avritzer
Hamilton Prado Bueno
Marília Costa de Faria
Maria Cristina Costa Ferreira
Uma das grandes dificuldades de todo texto que pretende introduzir o método
axiomático é escolher quais fatos serão aceitos como inquestionáveis e quais precisarão
ser deduzidos. Tentar chegar aos princípios básicos de todo o conhecimento matemático
é uma tarefa inglória: as dificuldades serão imensas e a exposição será dificultada,
1 O estudo da geometria no ensino básico é feito sob essa diretiva. Inicialmente os postulados da
geometria euclidiana foram tidos como evidentes. Entretanto, a negação de seu quinto postulado deu
origem a novas geometrias e os postulados aceitos passaram a depender do contexto.
xi
xii AO ALUNO
fazendo com que o texto perca a simplicidade. Por exemplo, podemos partir dos
números naturais como conhecidos. Mas é possível construir o conjunto dos naturais,
isto é, obtê-lo de resultados mais fundamentais.
Aceitaremos como verdadeiros fatos básicos sobre os números inteiros. Mas não
explicitaremos quais resultados serão tidos como verdadeiros. Isso pode causar-lhe
alguma dificuldade, já que você poderá ter dúvidas sobre o que é evidente e o que não é.
Como norma, podemos sintetizar que todo processo (algoritmo, resultado) geral deverá
ser demonstrado, enquanto algumas afirmações particulares serão aceitas como válidas.
Por exemplo, demonstraremos que podemos sempre dividir o número inteiro a pelo
número inteiro b, desde que b 6= 0. Mas não mostraremos a inexistência de um número
natural entre 1 e 2, fato que aceitaremos como óbvio. (A nossa experiência didática nos
diz que é infrutífera a tentativa de explicitar aquilo que aceitaremos como verdadeiro.)
O material que apresentaremos nesse curso você conhece, em grande parte, desde
o ensino básico: números inteiros, critérios de divisibilidade, números primos, máximo
divisor comum e mínimo múltiplo comum, polinômios. Isso torna, ao nosso ver, mais
fácil a introdução do método axiomático, pois você estudará apenas a demonstração de
resultados (em grande parte) já conhecidos, e terá contato restrito com material que não
conhece.
Se, ao final dessa jornada, o método axiomático deixar de ser uma abstração
desagradável e as similaridades entre os conjuntos dos inteiros e o dos polinômios
tornarem-se claras, estaremos duplamente recompensados. E você poderá prosseguir
no estudo da álgebra abstrata, que procura justamente estudar e classificar conjuntos
com propriedades semelhantes, em especial, grupos, anéis e corpos.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO v
PREFÁCIO vii
AO ALUNO xi
1 SISTEMAS DE NUMERAÇÃO 1
1.1 O P ROCESSO DE C ONTAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 U M P OUCO S OBRE S ISTEMAS DE N UMERAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 A R EPRESENTAÇÃO DE UM N ÚMERO EM UMA B ASE . . . . . . . . . . . . . 4
3 DIVISÃO EUCLIDIANA 32
3.1 I NTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.2 O A LGORITMO DA D IVISÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.3 R EPRESENTAÇÃO DE UM N ÚMERO EM UMA B ASE . . . . . . . . . . . . . . 39
3.4 C RITÉRIOS DE D IVISIBILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.5 A E XPRESSÃO D ECIMAL DOS N ÚMEROS R ACIONAIS . . . . . . . . . . . . 44
3.6 E XERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
xiii
xiv SUMÁRIO
7 CONGRUÊNCIAS 96
7.1 D EFINIÇÃO E P ROPRIEDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
7.2 C LASSES DE C ONGRUÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
7.3 O S T EOREMAS DE F ERMAT, E ULER E W ILSON . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
7.4 O T EOREMA C HINÊS DO R ESTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
7.5 E XERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
SISTEMAS DE NUMERAÇÃO
1
2 CAPÍTULO 1. SISTEMAS DE NUMERAÇÃO
do que o número de grãos de areia suficiente para encher a esfera das estrelas fixas
(então considerada como o "Todo", isto é, o Universo). Em outras palavras, Arquimedes
descreveu um número maior do que o número de elementos do maior conjunto de
contagem possível: o Universo.
Para dar uma idéia da dificuldade da questão relativa à representação dos números,
lembramos que, a princípio, nossos mais antigos antepassados contavam só até dois,
e a partir daí diziam "muitos" ou "incontáveis". (É fato que, ainda hoje, existem
povos primitivos que contam objetos dispondo-os em grupos de dois.) Os gregos, por
exemplo, ainda conservam em sua gramática uma distinção entre um, dois e mais de
dois, ao passo que a maior parte das línguas atuais só faz a distinção entre um e mais
de um, isto é, entre singular e plural.
Por volta de 3000 A.C. os egípcios usavam figuras para representar seus numerais.
Tinham então um sistema que consistia em separar os objetos a serem contados em
grupos de dez, mas não tinham um símbolo para o zero . Portanto, para representar
cada múltiplo de dez eles utilizavam um símbolo diferente dos básicos. Um número era
formado, então, pela justaposição desses símbolos, os quais podiam estar escritos em
qualquer ordem, já que a posição do símbolo não alterava o seu valor. Por exemplo,
|, 2, 3, e 4
representavam 1, 10, 100 e 1000, respectivamente. Assim, tanto
Por volta de 400 A.C. os gregos utilizavam letras para representar os números1 . Mais
precisamente, era usado um sistema que consistia na separação dos números em grupos
de 9 elementos, que eram simbolizados por letras: as nove letras iniciais representavam
1 Nessa mesma época, existia uma outra maneira de representar números. Veja [10].
1.2. UM POUCO SOBRE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO 3
A B G D E F Z H
1 2 3 4 5 6 7 8 9
I K L M N O P Q
10 20 30 40 50 60 70 80 90
R S T U X
M
100 200 300 400 500 600 700 800 900
Por exemplo, RIA representava o número 111. É interessante observar que aqui também
a ordem dos símbolos não altera o valor do número. (Para representar 1000, por
exemplo, os gregos de então utilizavam um sinal à esquerda do símbolo empregado
para representar 1: ´A.)
Mas essa notação aditiva tem um grande inconveniente: à medida que números
maiores são escritos, mais símbolos devem ser introduzidos para representá-los (já
que utilizar apenas os símbolos antes empregados torna a representação do número
demasiadamente extensa). Entretanto, esta dificuldade é superada atribuindo-se
importância à posição que um símbolo ocupa na representação de um número. Assim
já era o sistema desenvolvido pelos babilônicos por volta de 1800 A.C. Esses usavam
grupos de 60 elementos e seus símbolos eram combinações de cunhas verticais
à
(representando a unidade) e angulares
u
(representando a dezena), dando origem ao que se chama sistema sexagesimal - ainda
hoje utilizamos este sistema ao medir o tempo em horas, minutos e segundos e os
ângulos em graus. Um símbolo em uma seqüência fica então multiplicado por 60
cada vez que avançamos uma casa à esquerda. Nos exemplos que se seguem temos
a representação de 1, 5, 14, 72 e 129, respectivamente:
à, m, uU, à u: e : q
(Uma exposição mais detalhada sobre sistemas posicionais será feita na Seção 1.3.)
Os babilônios também não tinham um símbolo que representasse o zero, mas nas
posições em que ele deveria aparecer era deixado um espaço em branco, ficando a
cargo do leitor a tarefa de adivinhar, pelo contexto, o valor correto que estava sendo
representado. Observe que um espaço vazio pode conter um ou mais zeros, na
2 Alguns símbolos (isto é, letras) mudaram suas formas com o tempo; os símbolos relacionados com os
números 6, 90 e 900 foram abandonados no alfabeto grego de 24 letras, mas permaneceram em uso (com
aparências que evoluíram com o tempo) na representação de números.
4 CAPÍTULO 1. SISTEMAS DE NUMERAÇÃO
Este sistema é decimal posicional. Ele é decimal, pois faz uso de dez símbolos
(chamados algarismos): nove para representar os números de um a nove e outro para
representar posições vazias ou o número zero. Usamos os algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5,
6, 7, 8 e 9. É posicional, pois todos os números podem ser expressos através desses
algarismos, que têm o valor alterado à medida que eles avançam para a esquerda na
representação do número: cada mudança para a esquerda multiplica seu valor por dez.
É o que passaremos a explicar.
a n a n −1 . . . a 1 a 0 ,
1.3. A REPRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO EM UMA BASE 5
Por exemplo, para representar o número de dias do ano na base 10, o nosso primeiro
passo consiste em formar grupos de dez dias, obtendo o diagrama abaixo, em que cada
"+" representa um dia e cada "O" indica um grupo de dez dias:
O O O O O O O O O O
O O O O O O O O O O
O O O O O O O O O O
O O O O O O + + + +
+
Como o número de grupos de dez dias é superior a nove, o nosso próximo
passo será repetir o processo anterior, formando novamente grupos de dez:
O O O O O O O O O O
O O O O O O O O O O
O O O O O O O O O O
O O O O O O + + + +
+
Obtemos assim três grupos com dez grupos de dez dias, seis grupos de dez dias e
cinco dias. Podemos, então, representar o número de dias do ano por 365: o algarismo
3 representa a quantidade de grupos formados por 10 grupos de 10 dias; o algarismo 6
o número de grupos de 10 dias excedentes a esses; e o algarismo 5 representa o número
de dias que sobraram quando da divisão em grupos de dez. Em outras palavras, como
o algarismo 6 está deslocado uma casa à esquerda na seqüência 365, seu valor é de 6
vezes 10 e como o algarismo 3 está deslocado duas casas à esquerda, seu valor é de 3
vezes 10 vezes 10. Isto significa que
365 = 3 · 10 · 10 + 6 · 10 + 5
= 3 · 102 + 6 · 10 + 5.
Generalizando: se o número de elementos de um conjunto é representado por uma
seqüência an an−1 . . . a1 a0 , este conjunto tem an grupos de 10n elementos, mais an−1
grupos de 10n−1 e assim por diante, até a1 grupos de 10 mais a0 elementos; ou seja,
ele tem
an · 10n + an−1 · 10n−1 + . . . + a1 · 10 + a0
elementos.
O que fizemos com grupos de dez poderíamos ter feito com grupos com
outro número de elementos. Por exemplo, se estivéssemos contando com os
6 CAPÍTULO 1. SISTEMAS DE NUMERAÇÃO
dedos da mão, o natural seria usar grupos de cinco. Teríamos então que
considerar cinco símbolos, um para cada número de um a quatro e outro para
indicar posições vazias. Usemos os símbolos 0, 1, 2, 3, 4 como os algarismos
desse sistema. Para representar o número trinta e dois na base 5 devemos,
de maneira análoga àquela utilizada para base 10, formar grupos de cinco:
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
+ + + + +
um número na base 3 onde os algarismos considerados são 0, 1, 2. Para deixar claro que
a seqüência acima é a expressão de um número na base 5 nós escrevemos (112)5 , ou seja
(112)5 = 1 · 52 + 1 · 5 + 2
(100)5 = 1 · 52 + 0 · 5 + 0.
O O O O O O O O O O O O
O O O O O O O O O O O +
+ + + + + + + + +
Obtemos portanto um grupo com doze grupos de doze elementos, onze grupos de
doze elementos e dez elementos. Logo
286 = (1dc)12 ,
ou seja,
286 = 1 · 122 + d · 12 + c
= 1 · 122 + 11 · 12 + 10.
a = a n b n + . . . + a1 b + a0 ,
a n a n −1 . . . a 2 a 1 a 0
A afirmação que é possível representar um número natural a em uma base b faz parte
de um resultado conhecido como Teorema de Representação de um Número em uma
Base (Teorema 3.17), que garante não só a existência, mas também a unicidade dessa
representação, uma vez fixada a base. O que fizemos acima é a heurística que justifica
este resultado, que será demonstrado rigorosamente no Capítulo 3.
CAPÍTULO 2
2.1 I NTRODUÇÃO
Em matemática, palavras como "grande" ou "pequeno" têm pouco significado. Por
exemplo, no ano de 1742, em uma carta a Euler (1707 - 1783), Christian Goldbach (1690
- 1764) afirmou que acreditava que todo inteiro par maior1 do que 6 podia ser escrito
como a soma de dois primos ímpares (para a definição de número primo, veja a página
51). Certamente Goldbach intuiu esse resultado depois de ter observado que ele era
válido para alguns números: 6 = 3 + 3, 8 = 3 + 5, 10 = 5 + 5 = 3 + 7, 12 = 7 + 5,
14 = 7 + 7 = 11 + 3, etc. Desde então muitas pessoas dedicaram-se a verificar a
conjectura para inteiros pares entre 6 e números muito grandes. Em 1940, a conjectura
havia sido verificada até 100 000. Em 1989, até 2 · 1010 . Em 1998, até2 1014 . Entretanto,
não podemos considerar a afirmativa de Goldbach verdadeira a partir desse fato, já que
1014 é um número insignificante comparado com a "maior parte" dos inteiros, ou mesmo
quando comparado com 1, 2 · 1080 , a estimativa do número de prótons e elétrons no
Universo.
Neste capítulo trataremos dos números naturais a partir de um dos postulados que
os caracterizam, a saber, o Princípio de Indução Matemática. Veremos então como
utilizá-lo na demonstração de afirmações a respeito dos números naturais, entre as quais
aquela que chamamos "Princípio da Boa Ordenação".
1 Goldbach formulou sua conjectura dizendo que todo inteiro positivo par era soma de dois primos
ímpares; naquela época, 1 era considerado um número primo.
2 Para informações sobre os avanços mais recentes, veja em www.informatik.uni-giessen.de
9
10 CAPÍTULO 2. INDUÇÃO E BOA ORDENAÇÃO
A afirmação (c) é obtida da afirmação geral (a) com o auxílio da afirmação (b).
Podemos fazer, com base nesta afirmação particular, uma série de afirmações gerais.
Por exemplo:
As afirmacões (2), (3), (4) e (5) são tentativas de generalização do caso particular (1).
As afirmações (3) e (4) são verdadeiras, enquanto (2) e (5) são falsas.
Ora, é fácil ver que: um plano divide o espaço em duas partes; dois planos passando
por um ponto dividem o espaço em 4 partes; três planos passando por um ponto, mas
não contendo uma reta em comum, dividem o espaço em 8 partes. Em vista disto,
parece que quando o número de planos aumenta de uma unidade, o número de partes
nas quais se divide o espaço é dobrado, e portanto 4 planos dividiriam o espaço em 16
partes.
Figura 2.1: Quatro planos, sendo que quaisquer três deles não contem uma reta em
comum, dividem o espaço em 14 regiões. (Conte 7 regiões na parte frontal da figura!)
que são primos. Fermat (1601 - 1665), matemático francês, conjecturou que todos os
números dessa forma (os quais são denominados números primos de Fermat) eram
primos. Entretanto, Euler descobriu, um século depois, que:
5
22 + 1 = 4 294 967 297 = (641) · (6 700 417)
é um número composto. ¢
Suponha que para cada número natural n se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaça as
seguintes propriedades:
(i ) P(1) é verdadeira;
(ii ) sempre que a afirmativa for válida para um número natural arbitrário n = k, ela será válida
para o seu sucessor n = k + 1 (ou seja, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira).
• as peças de dominó estiverem espaçadas de tal modo que, quando uma delas cai,
atinge e faz cair a seguinte.
14 CAPÍTULO 2. INDUÇÃO E BOA ORDENAÇÃO
Figura 2.2: As peças de dominó estão espaçadas de tal forma que, se uma cair, a seguinte
também cairá. ¢
Se ambos estes fatos são provados então, com base no Princípio da Indução
Matemática, concluímos que a afirmação é válida para todo número natural n.
Observação 2.6 O Fato 2 contém uma implicação. Portanto, possui uma hipótese (P(k)
é verdadeira) e uma tese (P(k + 1) é verdadeira). Consequentemente, provar o Fato 2
significa provar que a hipótese acarreta a tese. A hipótese do Fato 2 é chamada hipótese
de indução. ¢
Exemplo 2.7 Calcular a soma
1 1 1 1
Sn = + + +···+ .
1·2 2·3 3·4 n ( n + 1)
Sabemos que S1 = 21 , S2 = 23 , S3 = 34 , S4 = 45 .
1 1 1 k
Sk = + +...+ = .
1·2 2·3 k ( k + 1) k+1
Provaremos que a hipótese é verdadeira para n = k + 1, isto é,
k+1
Sk +1 = .
k+2
De fato,
1 1 1 1 1
S k +1 = + +···+ + = Sk + .
1·2 2·3 k(k + 1) (k + 1)(k + 2) (k + 1)(k + 2)
k
Pela hipótese de indução, Sk = k +1 . Logo,
1 k 1 k2 + 2k + 1 k+1
S k +1 = S k + = + = = .
(k + 1)(k + 2) k + 1 (k + 1)(k + 2) (k + 1)(k + 2) k+2
Verificadas as hipóteses do Princípio da Indução Matemática, podemos então
afirmar que, para todo natural n,
n
Sn = . ¢
n+1
É necessário enfatizar que uma prova pelo Princípio da Indução Matemática requer
provas de ambas as suas hipóteses (ou seja, os Fatos 1 e 2). Já vimos, pelo Exemplo
2.2, como uma atitude negligente para com a segunda hipótese do Princípio da Indução
pode nos levar a resultados falsos. O exemplo seguinte mostra que tampouco podemos
omitir sua primeira hipótese.
16 CAPÍTULO 2. INDUÇÃO E BOA ORDENAÇÃO
1
(2n + 1)2 .
Sn =
8
Suponhamos que a afirmativa seja válida para um número natural n = k, isto é,
1
Sk = (2k + 1)2 .
8
Então temos que
1 1 1
S k +1 = S k + ( k + 1 ) = (2k + 1)2 + (k + 1) = (4k2 + 12k + 9) = (2(k + 1) + 1)2 ,
8 8 8
o que mostra que o Fato 2 se verifica.
Entretanto, é fácil verificar que esta conjectura não é verdadeira para qualquer
número natural n. Por exemplo,
1
S1 = 1 6 = (2 + 1)2 .
8
Pode-se provar que3
n ( n + 1)
Sn = ,
2
que é diferente de 18 (2n + 1)2 para todo n ∈ N. ¢
1 1 1 1
Sn = + + +···+ ,
1·2 2·3 3·4 n ( n + 1)
para alguns valores de n, obtivemos S1 = 12 , S2 = 23 , S3 = 3
4, · · · e estes resultados
particulares sugeriram a hipótese de que, para todo n,
n
Sn = ,
n+1
o que foi provado no Exemplo 2.7.
n+1
Sn = .
3n + 1
3 Veja o Exercício 1 (a).
2.3. INDUÇÃO: PRIMEIRA FORMA 17
k+1
Sk = .
3k + 1
Tentaremos provar que ela também é verdadeira para n = k + 1, isto é, que
k+2
S k +1 = .
3k + 4
Entretanto,
1 k+1 1 k3 + 4k2 + 8k + 2
S k +1 = S k + = + = ,
(k + 1)(k + 2) 3k + 1 (k + 1)(k + 2) (k + 1)(k + 2)(3k + 1)
o que não confirma a nossa conjectura. ¢
em que cada elemento, a partir do terceiro, é a soma dos dois anteriores. Se Fn denota o
n-ésimo termo dessa seqüência, podemos defini-la por:
F1 = 1
F2 = 1
Fn = Fn−2 + Fn−1 , se n ≥ 3.
Fk−1 ≤ Fk
e então
µ ¶ k µ ¶ µ ¶ k +1
7 8 7
Fk+1 = Fk + Fk−1 ≤ Fk + Fk < 2 = ,
4 7 4
que é uma quota maior de que a desejada.
µ ¶k µ ¶ k −1
7 7
Entretanto, se além de Fk < , soubéssemos que Fk−1 < , teríamos
4 4
µ ¶ k µ ¶ k −1 µ ¶ k −1 µ ¶
7 7 7 7
Fk+1 = Fk + Fk−1 < + = +1 ,
4 4 4 4
donde
µ ¶ k −1 µ ¶ 2 µ ¶ k +1
7 7 7
Fk+1 < = .
4 4 4
¢
Para facilitar a solução de problemas como o que surgiu no exemplo 2.14, podemos
fazer uso da segunda forma do Princípio da Indução, que enunciaremos a seguir.
(i) P( a) é verdadeira;
(ii) P(m) verdadeira para todo natural m com a ≤ m ≤ k implica P(k + 1) verdadeira.
Observação 2.17 Note que aqui também a condição (ii ) consiste em uma implicação.
Sua hipótese, como antes, é chamada hipótese de indução. A diferença entre as duas
formas do Princípio de Indução Matemática está exatamente na hipótese de indução:
na primeira forma, supõe-se que P(k ) seja verdadeira e, na segunda, supõe-se que
P ( k ), P ( k − 1), . . . , P ( a + 1), P ( a )
µ ¶ k +1
7
Fk+1 < .
4
µ ¶k µ ¶ k −1
7 7
Fk < e Fk−1 < .
4 4
Consequentemente:
µ ¶ k µ ¶ k −1 µ ¶ k µ ¶ µ ¶ k µ ¶ µ ¶ k µ ¶ µ ¶ k +1
7 7 7 4 7 11 7 7 7
Fk+1 < + = 1+ = < = .
4 4 4 7 4 7 4 4 4
µ ¶ k +1
7
Portanto, Fk+1 < , como queríamos demonstrar. ¢
4
S = { n ∈ Z : n ≥ a }.
Temos então, pelo Teorema 2.10, que todos os inteiros n tais que n ≥ a pertencem a
S, isto é:
S = { n ∈ Z : n ≥ a },
Exemplo 2.20 No conjunto {7, 9, 11, 13, 15, . . .} dos números ímpares maiores do que 5,
temos que 7 é o menor elemento. ¢
De acordo com o exemplo anterior, não podemos esperar que conjuntos não
limitados inferiormente possuam um menor elemento. O próximo exemplo mostra
que mesmo conjuntos que são limitados inferiormente podem não possuir um menor
elemento.
Consideremos, agora, uma afirmativa P(n) a respeito dos números naturais maiores
do que a. Temos então duas possibilidades:
Uma das maneiras de aplicarmos o Princípio da Boa Ordenação (outra será vista
posteriormente) na demonstração de resultados sobre os inteiros é justamente esta:
supomos que a segunda possibilidade seja verdadeira e consideramos então o conjunto
F = {n ∈ Z : n ≥ a e P(n) é falsa}.
1 1 1 1
Seja Sn = + + +...+ . Queremos mostrar que
1·2 2·3 3·4 n ( n + 1)
½ ¾
n
F = n ∈ N : Sn 6 =
n+1
é o conjunto vazio. Vamos supor que F 6= ∅ e então obteremos uma contradição, donde
n
a única alternativa é concluirmos que F = ∅ e, portanto, que Sn = n+ 1 para todo n ∈ N.
1 1 1 1 a−1 1
+ +···+ + = + .
1.2 2.3 ( a − 1) a a ( a + 1) a a ( a + 1)
24 CAPÍTULO 2. INDUÇÃO E BOA ORDENAÇÃO
a −1 1 a
Mas o lado esquerdo é Sa , enquanto a + a ( a +1)
= a +1 (verifique!).
Portanto,
a
Sa = ,
a+1
o que contradiz
a
Sa 6=
a+1
Concluímos então que F = ∅, o que prova nossa afirmativa. ¢
Em geral, qualquer resultado sobre os números inteiros que pode ser demonstrado
usando-se o Princípio da Indução, também pode ser demonstrado usando-se o Princípio
da Boa Ordenação.
Teorema 2.24 O Princípio da Boa Ordenação implica a primeira forma do Princípio de Indução.
Demonstração: Seja P(n) uma afirmativa à respeito dos números inteiros, tais que
( a) P(n0 ) é verdadeira;
Queremos mostrar que P(n) é verdadeira para todo n ≥ n0 . Para isso, definimos o
conjunto
S = {n ∈ Z : n ≥ n0 e P(n) é falsa.}.
2.7 E XERCÍCIOS
1. Verifique, por indução, que as seguintes fórmulas são válidas para n ≥ 1:
n ( n + 1)
(a) 1 + 2 + 3 + . . . + n = ;
2
(b) 5 + 9 + 13 + . . . + (4n + 1) = n(2n + 3);
n(n + 1)(2n + 1)
(c) 1 + 4 + 9 + . . . + n2 = ;
6
n(n + 1)(n + 2)
(d) 1 · 2 + 2 · 3 + 3 · 4 + . . . + n(n + 1) = ;
3
µ ¶
3 3 3 n ( n + 1) 2
(e) 1 + 2 + 3 + . . . + n = ;
2
µ ¶
5 5 5 7 7 7 n ( n + 1) 4
(f) (1 + 2 + 3 + . . . + n ) + (1 + 2 + 3 + . . . + n ) = 2 .
2
Definição 2.25 Uma progressão aritmética de razão r e termo inicial a1 é uma seqüência
a1 , a2 , . . . , a n , . . .
an − an−1 = r, ∀ n ≥ 2.
a1 , a2 , . . . , a n , . . .
(a) an = a1 + (n − 1)r;
(b) mostre que a soma Sn dos n primeiros termos desta progressão, é dada por
n ( a1 + a n )
Sn = .
2
(a) an = a1 qn−1 ;
2.7. EXERCÍCIOS 27
(b) mostre que a soma Sn dos n primeiros termos desta progressão, é dada por
1 − qn
Sn = a1 .
1−q
Às vezes, antes de aplicar o método de indução, precisamos formular uma lei que
englobe alguns casos considerados. É o que acontece nos próximos exercícios:
( a + x )n ≥ an + nxan−1
para todo n ∈ N.
9. Mostre que
n n n n
∑ ∑ ai b j = ∑ ai ∑ b j .
j =1 i =1 i =1 j =1
Podemos também usar dois índices no mesmo somatório. Para isso definimos, tendo
como base a propriedade (d) do Exercício 8,
Definição 2.27
n n n
∑ aij = ∑ ∑ aij .
i,j=1 i =1 j =1
Observe que
n n
∑i=n e ∑ k = kn.
i =1 i =1
2.7. EXERCÍCIOS 29
10. Calcule
n
(a) ∑ (5i + 3);
i =1
n
x
(b) ∑ aij a ji , em que a xy =
y
.
i,j=1
Também regras a respeito da potenciação de números reais podem ser provadas pelo
método de indução. Relembramos a definição pertinente:
Definição 2.28 Seja a ∈ R, com a 6= 0. Definimos:
14. (a) Sejam b e x números reais com x 6= 1. Mostre que, para todo n ∈ N,
n −1
xn − 1
∑ bx j = b .
j =0
x−1
30 CAPÍTULO 2. INDUÇÃO E BOA ORDENAÇÃO
(a) F1 + F2 + . . . + Fn = Fn+2 − 1
(b) F1 + F3 + . . . + F2n−3 + F2n−1 = F2n
(c) F2 + F4 + . . . + F2n−2 + F2n = F2n+1 − 1
(d) F12 + F22 + . . . + Fn2 = Fn Fn+1
(e) Fm+n = Fm−1 Fn + Fm Fn+1
(f) Fn2+1 = Fn Fn+2 + (−1)n
(g) F2n−1 = Fn2 + Fn2−1
Mesmo resultados geométricos podem ser provados por indução. O próximo exercício
é um exemplo:
A demonstração de uma afirmação pelo método de indução deve ser feita através de
aplicação criteriosa da hipótese de indução. Vejamos:
verdadeiro para os k últimos bebês. Mas então o primeiro bebê tem a mesma cor
de olhos que o segundo, que tem a mesma cor que os k últimos.
Assim P(k + 1) é verdadeira e, pelo Principio de Indução, P(n) é verdadeira para
todo natural n, o que prova a nossa proposição.
19. Defina conjunto limitado superiormente. Use o Princípio da Boa Ordenação para
provar que qualquer subconjunto dos inteiros não-vazio e limitado superiormente
tem um maior elemento.
(Sugestão: suponha que cada elemento nesse conjunto, S, seja menor do que n.
Considere o conjunto de todos os números da forma n − s, onde s ∈ S.)
DIVISÃO EUCLIDIANA
3.1 I NTRODUÇÃO
O mais antigo texto matemático grego completo que conhecemos é Os Elementos,
escrito por Euclides de Alexandria (∼ 325-265 A.C.) por volta de 300 A.C. Nesta
obra, escrita em treze volumes (cada um deles denominado "Livro"), Euclides
conseguiu incorporar praticamente todo o conhecimento matemático acumulado por
seus antecessores. O material é apresentado de forma sistemática, sendo a aplicação
mais antiga do método axiomático que chegou até nossos dias.
Os Livros VII, VIII e IX d’Os Elementos são sobre teoria de números. Para os gregos de
então, a palavra número significava o que hoje denominamos número natural e nesses
livros cada número é representado por um segmento de reta. Assim, Euclides se refere
a um número como AB e não usa as expressões "é múltiplo de" ou "é dividido por", mas
"é medido por" ou "mede", respectivamente. O modelo concreto de número utilizado
por Euclides era um segmento de reta de comprimento igual a esse número, sendo a
unidade de medida u escolhida arbitrariamente; por exemplo, o número 7 era entendido
como o segmento AB abaixo:
u
A B
Uma característica dos inteiros é que um número nem sempre divide o outro e
Euclides interessava-se particularmente pelo estudo dessa relação, ou seja, pela teoria
da divisibilidade. Nos livros acima citados encontramos importantes resultados sobre
os inteiros – com demonstrações que são utilizadas até hoje, apenas reescritas numa
notação moderna.
32
3.2. O ALGORITMO DA DIVISÃO 33
C D
A B
C AB AB AB D
Nesse caso, Euclides dizia que CD possuía AB como parte exata ou que AB servia
para medir CD. Assim
CD = AB + AB + AB = 3AB,
em que, aqui, a soma é a soma do número natural representado por AB. Obtemos daí a
definição de múltiplo. Damos a definição abstrata:
Se o segmento AB não for uma parte exata do segmento CD, podemos considerar o
número máximo de segmentos do tamanho de AB que cabe em CD e obter um segmento
restante, que chamaremos MN, o qual possui comprimento menor do que o de AB:
C D
A B
C D
AB AB MN
Nosso objetivo agora é enunciar e demonstrar esse resultado, cuja veracidade parece
ser evidente pelo raciocínio acima, com uma linguagem atual.
-
0 b 2b 3b 4b
a = qb, em que q ∈ N,
-
qb a ( q + 1) b
Nesse último caso, temos que a distância de a a qb é menor do que a distância entre
dois múltiplos consecutivos de b. Assim, podemos escrever
Observação 3.2 Observe que, até agora, consideramos o "1" como o primeiro número
natural. No lema de Euclides, a seguir, consideraremos "0" como número natural. É
uma simples convenção a questão do zero ser ou não natural. No texto, adotaremos a
postura que for mais conveniente no momento. ¢
Seja então a > 0 (inclusive menor que b) e suponhamos, por indução, que o resultado
seja válido para o número natural ( a − 1): existem q0 , r 0 ∈ N tais que
( a − 1) = q 0 b + r 0 , em que 0 ≤ r 0 < b.
Logo,
a = q0 b + r 0 + 1 com 1 ≤ r 0 + 1 ≤ b.
Se r 0 + 1 < b, tomamos q = q0 e r = r 0 + 1, o que mostra o resultado. Se, por outro
lado, r 0 + 1 = b, temos que
a = q0 b + b = (q0 + 1)b,
e basta tomar, nesse caso, q = q0 + 1 e r = 0. 2
Portanto, o Lema da Divisão de Euclides nos garante que, dados a, b ∈ N, com b > 0,
sempre podemos achar o quociente q e o resto r da divisão de a por b, o que fazíamos
desde o ensino básico, para pares particulares de números naturais a e b.
Para demonstrar formalmente este fato, vamos supor que (q0 , r 0 ) e (q00 , r 00 ) sejam dois
pares de números naturais tais que
a = q0 b + r 0 , a = q00 b + r 00 , com 0 ≤ r0 < b e 0 ≤ r 00 < b.
Queremos concluir que
q0 = q00 e r 0 = r 00 .
Se tivéssemos q0 > q00 , obteríamos (q0 − q00 )b = r 00 − r 0 , e como q0 − q00 é um número
natural não-nulo, q0 − q00 ≥ 1 e, portanto, (q0 − q00 )b ≥ b. Logo, obteríamos r 00 − r 0 ≥ b,
o que é absurdo, já que 0 ≤ r 0 < b e 0 ≤ r 00 < b. Assim, não podemos ter q0 > q00 .
Analogamente, não podemos ter q00 > q0 e, portanto, q0 = q00 . Mas então
r 0 = a − q0 b = a − q00 b = r 00 .
Provamos assim a unicidade no lema de divisão de Euclides.
-
−2 −1 0 1 2
Dado um número inteiro não-nulo b, podemos obter, a partir do zero, uma partição
da reta em segmentos de comprimento |b|. Como |b| = | − b|, esse processo nos dá a
mesma subdivisão da reta se consideramos b ou −b:
-
−2| b | −|b| 0 |b| 2| b | 3| b |
-
q|b| a (q + 1)|b|
ou
a = (q + 1)|b| + r, com − |b| < r < 0.
Vamos escolher sempre a primeira forma. Então, como no caso dos naturais,
chamaremos q e r, respectivamente, de quociente e resto da divisão de a por b; o
quociente e resto são únicos. Observe que escolher a primeira forma é exigir que o
resto seja não-negativo.
-
−9 −8 −6 −3 0 3 6 8 9
O caso (1) é o Lema da Divisão de Euclides para naturais. Os casos restantes têm
demonstração similar. Mostraremos (4), deixando os outros casos como exercício.
Como a < 0 e b < 0, temos − a > 0, −b > 0 e |b| = −b. Pelo Lema de Euclides
para naturais, existem q0 , r 0 ∈ N tais que − a = q0 (−b) + r 0 , com 0 ≤ r 0 < −b. Se r 0 = 0,
temos a = q0 b e, então, basta fazer q = q0 e r = 0. Se r 0 > 0, temos a = q0 b + (−r 0 ).
-
0 q0 (−b) −a (q0 + 1)(−b)
38 CAPÍTULO 3. DIVISÃO EUCLIDIANA
e, portanto,
a = q0 b + b − b + (−r 0 )
= (q0 + 1)b + (−b − r 0 )
Portanto,
a2 = 9q2 + 6qr + r2 = 3(3q2 + 2qr ) + r2 .
Logo, temos as seguintes possibilidades:
• se r = 0, então a2 = 3(3q2 + 2qr ) = 3k, em que k = 3q2 + 2qr;
Passamos agora a estudar o caso em que a divisão de Euclides é exata (isto é, o resto
da divisão é zero). Demonstraremos alguns resultados de divisibilidade.
Exemplo 3.13 Temos que 3 | (−21), pois −21 = 3(−7). Mas 2 - 3, pois não existe n ∈ Z
tal que 3 = 2n. Note que 0 | 0, pois 0 = k0 para todo k ∈ Z. Também 3 | 0, pois 0 = 3 · 0,
mas 0 - 3, pois não existe n ∈ Z tal que 3 = n · 0. Finalmente, a | a para todo a ∈ Z,
pois a = 1a. ¢
Se a | b, então existe q ∈ Z tal que b = aq. Se a | c, existe p ∈ Z tal que c = ap. Logo
b + c = aq + ap = a(q + p).
a = a n b n + a n −1 b n −1 + · · · + a 1 b + a 0 .
32 = 6 · 5 + 2
6 = 1·5+1
1 = 0·5+1
40 CAPÍTULO 3. DIVISÃO EUCLIDIANA
32 = 6 · 5 + 2 = (1 · 5 + 1) · 5 + 2 = 1 · 52 + 1 · 5 + 2,
a = a n b n + a n −1 b n −1 + · · · + a 1 b + a 0 ,
a = ( a n b n −1 + · · · + a 2 b + a 1 ) b + a 0 .
q0 = ( a n b n −2 + · · · + a 2 ) b + a 1 ,
temos, como antes, que a1 e q1 = an bn−2 · · · + a2 são, respectivamente, o resto e o
quociente da divisão de q0 por b. Repetindo este processo, determinamos todos os
coeficientes ai :
a = q0 b + a0 , 0 ≤ a0 < b,
q0 = q1 b + a1 , 0 ≤ a1 < b,
.. ..
. .
q n −1 = 0 · b + an , 0 ≤ an < b.
(Estamos supondo que qn−1 seja o último quociente não-nulo. Observe que, como os
quocientes vão decrescendo, necessariamente devemos ter qn = 0 para algum n.)
c = a n b n + . . . + a1 b + a0 , em que 0 ≤ ai < b.
Pelo lema de Euclides, existem e são únicos os naturais q ≥ 0 e 0 ≤ r < b, tais que
a = qb + r.
a = qb + r ≥ 2q + r ≥ 2q > q.
q = a n b n + a n −1 b n −1 + . . . + a 1 b + a 0
e, portanto,
(3 2 1)6 (3 2 1)6
+ (2 3 5)6 e - (2 3 5)6
(1 0 0 0)6 (4 2)6
Exemplo 3.19 Para efetuar um divisão em uma base qualquer devemos ter em mente a
tabela da multiplicação nessa base. Por exemplo, na base 6, temos:
42 CAPÍTULO 3. DIVISÃO EUCLIDIANA
ou seja,
(321)6 = (3)6 · (54)6 + (31)6 .
¢
a = an · 10n + . . . + a2 · 102 + a1 · 10 + a0 ,
a = an · 10n + . . . + a2 · 102 + a1 · 10 + a0 ,
em que 0 ≤ ai ≤ 9 para todo i ∈ {0, . . . , n}.
a = 9c + ( a0 + a1 + · · · + an ). (3.1)
Portanto, se 9 | a temos, pela Proposição 3.14 (iii ), que
9 | ( a0 + a1 + · · · + a n ).
Reciprocamente, se 9 | ( a0 + a1 + · · · + an ) concluímos de (3.1), pela Proposição 3.14
(ii ), que 9 | a. 2
3 1 3 25 18
− , , 3= , e
2 7 1 12 8
a
são números racionais. Como qualquer número inteiro a pode ser escrito como , temos
1
que todo inteiro é racional.
Um número racional pode ser escrito de várias maneiras diferentes:
−2 1 2 3
= = = = ...
−14 7 14 21
e estas são chamadas formas equivalentes do número racional.
Existe uma outra maneira de representar um número racional que é chamada a sua
representação decimal, como:
−3 1 25 18
= −1, 5 = 0, 1425714257 . . . 3 = 3, 0 = 2, 0833 . . . = 2, 25.
2 7 12 8
Estas expressões decimais são obtidas dividindo-se o numerador pelo denominador,
segundo o algoritmo da divisão, multiplicando-se o resto por 10 e em seguida
dividindo-se o último número obtido pelo denominador e assim sucessivamente:
1 7 18 8
10 0, 1428571... 20 2, 25
30 40
20 0
60
40
50
10
.
.
.
18
Se, no decorrer desse processo, obtivermos um resto nulo, como no caso, então a
8
expressão decimal é finita. No entanto, podemos nunca obter um resto nulo, como no
3.5. A EXPRESSÃO DECIMAL DOS NÚMEROS RACIONAIS 45
1
caso , quando obtivemos os restos 1, 3, 2, 6, 4, 5 e então novamente o resto 1. Nesse
7
ponto reaparece a divisão de 10 por 7 e uma parte dos algarismos da expressão decimal
1
de , denominada período, começa a se repetir. Em ambos os casos dizemos que a
7
expressão decimal é periódica (daí o nome dízima periódica), já que o caso em que
existe um resto nulo pode ser englobado por esse: 2, 25 = 2, 25000 . . .
a
No caso geral , sabemos que, ao efetuarmos a divisão de a por b, os únicos restos
b
possíveis são 0, 1, . . . , b − 1. Portanto, se não obtivermos o resto zero, podemos ter
certeza que, após um número finito de operações, haverá a repetição de algum resto,
dando origem a um período não-nulo.
Proposição 3.23 Todo número racional tem uma expressão decimal que se repete a partir de um
determinado ponto.
de modo que
a q q
= q0 + 1 + 22 + · · · .
b 10 10
Considere a seqüência numérica
r 0 , r 1 , r 2 , . . . , r n −1 , r n , . . .
Se, nessa seqüência , temos resto nulo para algum rs , a expansão decimal é finita.
Caso contrário, como todos os números são positivos e menores do que b, ao menos
dois desses números são iguais. Certamente deverá ocorrer repetição do resto antes
realizarmos b divisões. Suponha, então, que rs = rs+d para d > 0 e 0 ≤ s < s + d < b.
Dividir 10rs+d por b resulta o mesmo quociente e resto que a divisão de 10rs por b.
Isso significa que qs+1 = qs+d+1 e rs+1 = rs+d+1 . O mesmo argumento mostra que
qs+2 = qs+d+2 e rs+2 = r + s + d + 2, e assim sucessivamente. Isso prova o afirmado. 2
46 CAPÍTULO 3. DIVISÃO EUCLIDIANA
3.6 E XERCÍCIOS
1. Mostre os casos (2) e (3) da demonstração do Teorema 3.9, bem como a unicidade
do quociente e do resto.
8. Mostre que, para todo natural j > 0, 10 j pode ser escrito na forma 9b j + 1, sendo
b j > 0 um natural.
9. Mostre que, para todo natural j > 0, 10 j pode ser escrito na forma 11c j + (−1) j ,
sendo c j > 0 um natural.
11. Mostre que todo inteiro ímpar pode ser escrito como diferença de dois quadrados.
13 = 12 − 02
23 = 32 − 12
33 = 62 − 32
43 = 102 − 62
53 = 152 − 102
.. ..
. .
Prove que o cubo de qualquer inteiro é igual à diferença dos quadrados de dois
inteiros.
18. Utilizando indução, mostre que 24 | n(n2 − 1)(3n + 2) para todo natural n > 0.
19. Demonstre o Lema de Euclides usando o Princípio da Boa Ordenação. Para isso,
considere o conjunto S = {b − xa : , x ∈ Z e b − ax ≥ 0}.
(a) Peça a alguém para pensar em um número a com dois algarismos, depois
para multiplicar o algarismo das dezenas de a por 5, somá-lo com 7, então
dobrar o resultado e somar a esse o algarismo das unidades de a. Peça-lhe
que diga o resultado obtido, b. Então o número pensado a é igual a b − 14.
(b) Pense em um número a com 3 algarismos. Agora multiplique o algarismo
das centenas por 2, some 3, multiplique por 5, some 7, some o algarismo das
dezenas de a, multiplique por 2, some 3, multiplique por 5, some o algarismo
das unidades e diga o resultado, b. Se você subtrair 235 de b, você obterá o
número pensado a.
23. Mostre que todo número com 3 algarismos, todos eles iguais, é divisível por 37.
24. Considere um número cuja representação decimal seja abc com a 6= c. Calcule a
diferença positiva entre abc e cba, considere o resultado obtido e f g e efetue a soma
de e f g com g f e. Verifique que o resultado obtido é 1089.
48 CAPÍTULO 3. DIVISÃO EUCLIDIANA
O TEOREMA FUNDAMENTAL DA
ARITMÉTICA
Na nossa linguagem atual, dizemos que os números naturais do primeiro grupo são
aqueles que podem ser escritos como produto de dois fatores positivos menores que ele
(por exemplo, 6 = 2 · 3), e os do segundo são aqueles que não podem ser assim escritos
(por exemplo, 1, 2, 3, 7 e 13).
Definição 4.1 Seja n ∈ N, com n > 1. Dizemos que n é um número primo, se seus únicos
divisores positivos são a unidade e ele mesmo. Caso contrário, dizemos que n é composto .
Exemplo 4.2 Vamos determinar todos os números primos p que são iguais a um
quadrado perfeito menos 1.
Se p = n2 − 1, então temos que p = (n + 1)(n − 1). Pela definição de número primo
só existem duas possibilidades:
n+1 = 1 e n−1 = p
51
52 CAPÍTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA
ou
n+1 = p e n − 1 = 1.
Daí segue-se p = 3. ¢
2 ≤ a ≤ ( d0 − 1) e 2 ≤ b ≤ ( d0 − 1).
Demonstração: Como n é composto, existem naturais a e b, com 1 < a, b < √ n tais que
n = ab. O exercício 12 do Capítulo 3 nos garante que podemos tomar a ≤ n. Além
disso, pelo Lema 4.3, temos que existe p primo tal que p√| a. Assim, como a | n, podemos
concluir que n admite um divisor primo p tal que p ≤ n. 2
É conveniente, então, termos à nossa disposição uma lista de primos. Várias tabelas
de números primos, até certo limite, já foram calculadas. Antigamente essas tabelas
eram baseadas num algoritmo ou crivo, desenvolvido por Eratóstenes (276 - 194 A.C.),
e cujo princípio abordamos a seguir.
CRIVO DE ERATÓSTENES
Exemplo 4.5 Vamos construir a tabela de todos os primos menores que 100.
√
Como 100 = 10, pelo crivo de Eratóstenes devemos eliminar da lista dos números
naturais de 2 a 100 todos os múltiplos dos primos p tais que p ≤ 10, ou seja, os múltiplos
de p = 2, 3, 5 e 7. Assim, obtemos:
2 3
4 5
6 7
8
9
10 11
12 13
14
15
16 17
18 19
20
21
22 23
24
25
26
27
28 29
30 31
32
33
34
35
36 37
38
39
40 41
42 43
44
45
46 47
48
49
50
51
52 53
54
55
56
57
58 59
60 61
62
63
64
65
66 67
68
69
70 71
72 73
74
75
76
77
78 79
80
81
82 83
84
85
86
87
88 89
90
91
92
93
94
95
96 97
98
99
100
Demonstração: Suponhamos, por absurdo, que exista somente uma quantidade finita
de números primos. Sejam eles p1 , p2 , . . . , pk . Considere então o número
m = p1 p2 . . . pk + 1.
1 = m − p1 p2 . . . p k .
Muitas questões interessantes sobre números primos não foram respondidas até
hoje. Por exemplo, dizemos que dois primos são gêmeos se eles são números ímpares
consecutivos. Assim, 3 e 5, 5 e 7, 11 e 13 são números primos gêmeos. Um antigo
problema que até hoje não foi resolvido é se existe ou não um número infinito de primos
gêmeos.
Proposição 4.7 Para todo número natural n ≥ 2 existem n números compostos consecutivos.
Esse resultado parece indicar que os números primos não estão distribuídos de
maneira regular, e que eles são cada vez mais raros à medida que se avança na seqüência
numérica. No entanto, não é bem assim.
Exemplo 4.9 Pode-se verificar que entre a = 2 600 000 e b = 2 700 000 existem
exatamente 6762 primos. A estimativa feita através da integral é
Z b
dt
= 6761, 332.
a ln t ¢
Demonstração: Seja P(n) a afirmativa: n é um número primo ou pode ser escrito como
um produto de números primos.
Portanto, pela hipótese de indução, ou a e b podem ser escritos como produto de primos,
ou são números primos. Logo k + 1 = ab é também um produto de números primos,
a saber, o produto dos números primos da fatoração de a multiplicados pelos números
primos da fatoração de b. Isso completa a primeira parte da demonstração: provamos
que todo número natural k > 1 pode ser decomposto como produto de fatores primos.
Assim,
m = p1 p2 . . . pr = q1 q2 . . . q s , (4.1)
são duas fatorações distintas de m como produto de números primos.
p1 ≤ p2 ≤ . . . ≤ pr e q1 ≤ q2 ≤ . . . ≤ q s .
Definimos então
m 0 = m − ( p1 q2 q3 . . . q s ). (4.2)
Substituindo m pelas expressões dadas em (4.1), obtemos
4.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA 57
m 0 = p1 p2 . . . pr − p1 q2 . . . q s = p1 ( p2 . . . pr − q2 . . . q s ) (4.3)
m0 = q1 q2 . . . qs − p1 q2 . . . qs = (q1 − p1 )(q2 q3 . . . qs ) (4.4)
Por definição, temos m0 < m. Por outro lado, (4.3) nos mostra que m0 ≥ 2, pois
p1 | m0 . Assim, m0 tem decomposição única como produto de fatores primos. Se
for ( p2 . . . pr − q2 . . . qs ) ≥ 2, podemos decompor esse termo como produto de fatores
primos. Caso contrário, ( p2 . . . pr − q2 . . . qs ) = 1. De qualquer modo, vemos que p1 é
um fator na decomposição de m0 em fatores primos.
A mesma decomposição em fatores primos pode ser feita com respeito à equação
(4.4). Como p1 < q2 ≤ · · · ≤ qs , necessariamente o fator primo p1 deve estar presente
na decomposição que (q1 − p1 ). Mas isso quer dizer que q1 − p1 = cp1 para algum
inteiro c e, portanto, q1 = (c + 1) p1 , contrariando o fato de ser q1 > p1 . Chegamos,
assim, a um absurdo, o que prova que S = ∅ e completa a demonstração. 2
Exemplo 4.11 Vamos determinar todos os números primos p tais que 3p + 1 seja um
quadrado perfeito.
Se 3p + 1 = n2 , então 3p = n2 − 1 e, portanto,
Observe que não podemos ter nem n − 1 = 1. Isso implica que devemos ter n + 1 ≥ 2 e
n − 1 ≥ 2. Já que temos dois números primos do lado direito da igualdade acima, pelo
Teorema Fundamental da Aritmética, n + 1 e n − 1 são ambos primos. Mais do que isso,
só existem duas possibilidades:
n+1 = 3 e n − 1 = p, ou n+1 = p e n − 1 = 3.
Exemplo 4.14 Temos então que 2, 3 e 5 são números primos, enquanto que −2, −3 e −5
são primos negativos. ¢
58 CAPÍTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA
40 = 23 · 5 e − 12 = −(22 · 3),
Legendre mostrou que não existe função algébrica racional (isto é, quociente de dois
polinômios) que forneça somente números primos. Já foi provado que existem funções
não-polinomiais que geram somente números primos, mas não é fácil exibi-las.
4.3. A PROCURA DE NÚMEROS PRIMOS 59
Nas diversas tentativas de se obter uma fórmula que gerasse primos, a maioria das
afirmações feitas neste sentido revelaram-se erradas. (Contudo, essa procura contribuiu
de maneira significativa para o desenvolvimento da teoria de números.) A seguir,
enunciaremos algumas delas:
"Todo número M p é primo para p = 2, 3, 5, 7, 13, 17, 31, 67, 127 e 257 e é
composto para os outros primos p tais que 2 < p < 257".
Observe que
M17 = 131 071, M19 = 524 287 e M31 = 2 147 483 647.
Sua conjectura não era correta: ele errou ao incluir os números 67 e 257 e ao excluir
os números primos primos 19, 61, 89 e 107.
O maior número de Mersenne conhecido até 1952 era M127 . Esse foi descoberto,
em 1876, pelo matemático francês Lucas (1842-1891). Foi necessário utilizar
60 CAPÍTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA
"Um número natural n > 1 é primo se, e somente se 2n − 2 é divisível por n".
Em 1819, Pierre Frédéric Sarrus (1798-1861) descobriu que o número 341 satisfaz
as condições da conjectura e não é primo. Mais tarde, outras exceções ao resultado
de Fermat foram descobertas, tais como os números 15 e 91. Entretanto, uma
parte da conjectura é verdadeira e o teorema de Fermat, o qual demonstraremos
no Capítulo 7, é uma generalização desse fato: "se p é um primo e a ∈ N, com
a > 1, então a p − a é divisível por p".
Esse teorema serve de base para vários testes de verificação se um dado número
é primo. Entretanto, se quisermos determinar, utilizando o teorema de Fermat, se
209 é primo, teremos que testar a divisibilidade de 3209 − 3 (que é um número
de 100 algarismos) por 209. Mas esses cálculos podem ser simplificados se
utilizarmos a teoria de congruências, que veremos no Capítulo 7.
3 18
− , e 3
2 8
possuem expressões decimais finitas:
3 18
− = −1, 5, = 2, 25 e 3 = 3, 0.
2 8
Mas
1 25
= 0, 1425714257 . . . e = 2, 0833 . . . ,
7 12
1 25
mostrando que e não possuem expressões decimais finitas.
7 12
4.4. EXPRESSÕES DECIMAIS FINITAS E INFINITAS 61
22375
2, 2375 =
104
e podemos simplificar essa fração até torná-la irredutível, isto é, até que o numerador e
o denominador não possuam fatores primos em comum:
22375 7 · 55 7·5 35
4
= 4 4 = 4 = .
10 2 ·5 2 16
Observe que, como o denominador é sempre uma potência de 10, os únicos
números primos que podem aparecer na fatoração do denominador da fração na forma
irredutível são 2 ou 5, ou mesmo nenhum deles:
3 1 3 1
−1, 5 = − , 0, 04 = , 3, 0 = , 0, 1 = .
2 52 1 10
Por outro lado se considerarmos uma fração irredutível ba , tal que b possua, no
máximo, os números primos 2 e 5 em sua fatoração, podemos garantir que a expressão
decimal de ba é finita.
outra, cujo denominador seja uma potência de 10. Para isto, nesse caso, basta
multiplicarmos o numerador e o denominador por 5:
a
Proposição 4.17 Um número racional, na forma irredutível , possui uma expressão decimal
b
finita se, e somente se, o denominador b não tiver fatores primos além de 2 e 5.
Demonstração: Se r for um número racional que possui uma expressão decimal finita,
então
a a2 . . . an b1 b2 . . . bs
r = a1 a2 . . . an , b1 b2 . . . bs = 1
10s
em que n ≥ 1 e s ≥ 0. Logo, simplificando a fração acima, obteremos uma fração
a
irredutível r = , em que b não possui nenhum fator primo além de 2 e 5, pois b é um
b
divisor de 10s .
62 CAPÍTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMÉTICA
a
Reciprocamente, seja uma fração irredutível cujo denominador b possua, no
b
máximo os fatores primos 2 e 5. Logo,
b = 2m · 5n , em que m≥0 e n ≥ 0.
a a a · 5m − n a · 5m − n c
= m n = m n m−n = m m = m ,
b 2 ·5 2 ·5 ·5 2 ·5 10
em que c = a · 5m−n ∈ Z.
Como a divisão do inteiro c por 10m requer apenas que coloquemos a vírgula no
a
lugar correto, obteremos a expressão decimal finita de .
b
a a a · 2n − m a · 2n − m d
= m n = n−m m n = n
= n,
b 2 ·5 2 ·2 ·5 10 10
a
em que d = a · 2n−m ∈ Z. Obtivemos, assim, uma expressão decimal finita para . 2
b
Para mais resultados sobre a expressão decimal dos números racionais, veja [16].
4.5 E XERCÍCIOS
1. Na demonstração do Teorema Fundamental da Aritmética, como se justifica que
podemos assumir m/p1 ≥ 2?
7. Mostre que três números naturais ímpares consecutivos não podem ser todos
primos, com exceção de 3, 5 e 7.
9. Mostre que todo número primo que deixa resto 1 quando dividido por 3 também
deixa resto 1 quando dividido por 6.
(b) Mostre que todo número da forma 4k − 1 tem pelo menos um fator primo da
mesma forma.
(c) Mostre que existem infinitos primos da forma 4n − 1.
17. Mostre que n | (n − 1)!, se n não for primo e n ≥ 5. Para isso, escreva n = ab
e estude separadamente os casos a 6= b e a = b. Quando a = b, mostre que
2 ≤ 2a < n.
4
4 = 2m,
em que m = 2
m m
67
68 CAPÍTULO 5. DIVISORES E MÚLTIPLOS COMUNS
a a
c
a = 3c
b b
c b = 2c
c
Definição 5.1 Dados dois inteiros a e b, não simultaneamente nulos, dizemos que um inteiro d
é o máximo divisor comum de a e b se d satisfaz:
(i ) d | a e d | b;
(ii ) se c ∈ Z é tal que c | a e c | b, então c ≤ d.
Se d é máximo divisor comum de a e b, escrevemos d = mdc( a, b) ou simplesmente
d = ( a, b), quando não houver dúvidas quanto à notação.
Definição 5.2 Dizemos que dois números inteiros são primos entre si, se o máximo divisor
comum deles for igual a 1.
Observação 5.3 O leitor deve observar que, na definição de máximo divisor comum,
exigimos a e b não simultaneamente nulos porque, caso contrário, qualquer inteiro
c seria um divisor comum de a e b, o que tornaria impossível tomar o maior desses
números. ¢
5.1. MÁXIMO DIVISOR COMUM 69
(i ) mdc( a, b) > 0;
Exemplo 5.5 Vamos calcular mdc(24, −18). Como D−18 = {±18, ±9, ±6, ±3, ±2, ±1}
e D24 = {±24, ±12, ±8, ±6, ±4, ±3, ±2, ±1} são, respectivamente, os conjuntos dos
divisores de −18 e 24, então o conjunto dos divisores comuns de 24 e −18 é:
Observe que o processo utilizado no exemplo acima não é muito prático toda vez
que os números a e b forem grandes. Euclides, em seus Elementos, dá uma "receita"
de como encontrar a maior medida comum de dois segmentos, conhecida atualmente
como o "Algoritmo de Euclides", o qual passamos a descrever.
a r0
b r1
r0
Note que, ao trocarmos a palavra segmentos por números e a palavra mede por
divide no processo descrito por Euclides, obtemos o algoritmo com o qual estamos
acostumados a calcular o máximo divisor comum de dois números. No Exemplo 5.7
temos:
15 = 3 · 4 + 3
4 = 1·3+1
3 = 3·1+0
3 1 3 ¾ quocientes
15 4 3 1
3 1 0 ¾ restos
Portanto mdc( a, b) = 1, que é o último resto não-nulo obtido nas divisões sucessivas.
Veremos que a resposta a esta questão é afirmativa e terá sentido a seguinte pergunta:
a = q1 b + r1 , com 0 ≤ r1 < b ≤ a
a = q1 b + r1 , 0 < r1 < b
b = q2 r1 + r2 , 0 < r2 < r1
r1 = q3 r2 + r3 , 0 < r2 < r1
.. ..
. .
r n −2 = q n r n −1 + r n , 0 < r n < r n −1
r n −1 = q n +1 r n
e então, por aplicação sucessiva do lema,
Observe que, com certeza, obteremos um resto nulo em algum momento desse
processo, já que é decrescente a seqüência
a = q1 b + r1 , 0 < r1 < b
b = q2 r1 + r2 , 0 < r2 < r1
r1 = q3 r2 + r3 , 0 < r3 < r2
.. ..
. .
r n −2 = q n r n −1 + r n , 0 < r n < r n −1
r n −1 = q n +1 r n .
Temos então que o máximo divisor comum de a e b é rn , o último resto não-nulo obtido nesse
algoritmo. No caso de r1 = 0, então mdc( a, b) = b.
Demonstração: Já vimos que se a = q0 b, então mdc( a, b) = b. Para provarmos o caso
geral, faremos indução sobre o número de passos do algoritmo de Euclides. Para isso,
consideremos a seguinte afirmação: se, ao aplicarmos o algoritmo de Euclides a dois
números, obtivermos o primeiro resto nulo após n + 1 passos, então mdc( a, b) é igual
ao último resto não-nulo obtido, qual seja, o resto rn obtido no passo1 n + 1.
Se n = 1 (isto é, se o primeiro resto nulo ocorre no segundo passo), o Lema 5.8
garante a veracidade da afirmação, pois
Suponhamos, agora, que a afirmação seja verdadeira toda vez que n + 1 passos forem
necessários para obter-se o primeiro resto nulo. Consideremos agora que o primeiro
resto nulo na aplicação do algoritmo de Euclides aos números a e b ocorra após n + 2
passos, isto é,
a = q1 b + r1 , 0 < r1 < b
b = q2 r1 + r2 , 0 < r2 < r1
r1 = q3 r2 + r3 , 0 < r3 < r2
.. ..
. .
r n −2 = q n r n −1 + r n , 0 < r n < r n −1
r n −1 = q n +1 r n + r n +1 , 0 < r n +1 < r n
rn = q n +2 r n +1 .
Queremos provar que mdc( a, b) = rn+1 .
Observação 5.10 Como, pela proposição 5.4, mdc( a, b) = mdc(| a|, |b|), podemos
também utilizar o algoritmo acima para calcular o máximo divisor comum de inteiros
negativos. ¢
Exemplo 5.11 Vamos calcular o mdc(726, −275). Como o mdc(726, −275) é igual ao
mdc(726, 275), podemos aplicar o algoritmo de Euclides a mdc(726, 275):
ou seja,
2 1 1 1 3 2
176 99 77 22 11 0
11 = 77 − 3 · 22
= 77 − 3(99 − 1 · 77) = 4 · 77 − 3 · 99
= 4(176 − 1 · 99) − 3 · 99 = 4 · 176 − 7 · 99
= 4 · 176 − 7(275 − 1 · 176) = 11 · 176 − 7 · 275
= 11(726 − 2 · 275) − 7 · 275 = 11 · 726 + 29(−275).
A próxima proposição mostra que o que foi feito com 726 e −275 pode ser feito com
quaisquer inteiros a e b; para isto basta percorrer o algoritmo de Euclides no sentido
contrário.
Proposição 5.12 Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Então existem inteiros x e y
tais que mdc( a, b) = xa + yb.
Se ambos são não-nulos, basta provar o resultado para inteiros positivos. De fato, se
mdc(| a|, |b|) = x | a| + y|b| para certos números x e y, então mdc( a, b) = mdc(| a|, |b|) =
(±) ax + (±)by.
a = q1 b + r1 , 0 < r1 < b
b = q2 r1 ,
ou seja,
r1 = a − q1 b = 1a + (−q1 )b.
2 Note que o caso em que apenas um passo é necessário já foi considerado.
5.1. MÁXIMO DIVISOR COMUM 75
Suponhamos que a afirmativa seja verdadeira toda vez que n + 1 passos forem
necessários para se obter o primeiro resto nulo. Consideremos inteiros a e b inteiros
tais que, aplicando-se o algoritmo de Euclides a eles, obtemos o primeiro resto nulo
após n + 2 passos:
a = q1 b + r1 , 0 < r1 < b
b = q2 r1 + r2 , 0 < r2 < r1
r1 = q3 r2 + r3 , 0 < r3 < r2
.. ..
. .
r n −2 = q n r n −1 + r n , 0 < r n < r n −1
r n −1 = q n +1 r n + r n +1 , 0 < r n +1 < r n
rn = q n +2 r n +1 .
Logo, aplicando-se o algoritmo de Euclides a b e r1 , obtemos o primeiro resto nulo
após n + 1 passos. Portanto, pela hipótese de indução, existem inteiros w e x tais que
rn+1 = wb + x ( a − q1 b) x = xa + (w − q1 x )b,
Observação 5.13 Notamos inicialmente que os inteiros x e y dados pela Proposição 5.12
não são únicos. De fato, claramente vale 2 = mdc(6, 4). Mas
1 · 6 + (−1)4 = 2 e 3 · 6 + (−4)4 = 2.
2 · 4 + (−2)4 = 4 e mdc(6, 4) 6= 4.
Observe que, se p for um inteiro primo que não divide o número inteiro a, então
mdc( a, p) = 1 (veja o Exercício 2). Esse fato e a proposição acima nos permitem dar
uma demonstração mais elegante do Corolário 4.16, visto no capítulo anterior:
xab + ypb = b.
76 CAPÍTULO 5. DIVISORES E MÚLTIPLOS COMUNS
(i ) d > 0;
(ii ) d | a e d | b;
Então,
d = xa1 c + yb1 c = c( xa1 + yb1 ),
ou seja, c | d. Isso mostra que mdc( a, b) satisfaz as propriedades (i ) − (iii ).
(i ) se c | ab e mdc(b, c) = 1, então c | a;
Consideremos a afirmativa (ii ). Seja d = mdc( ab, c). Como mdc( a, c) = 1, existem
inteiros x e y tais que
xa + yc = 1
e, portanto,
xab + ycb = b.
Para mostrarmos (iii ), seja d = mdc( a, b). Logo, existem inteiros a1 e b1 tais que
a = a1 d e b = b1 d. Por outro lado, também existem inteiros x e y tais que
d = xa + yb.
Assim,
d = xa1 d + yb1 d.
Dividindo essa igualdade por d, obtemos
a b
1 = xa1 + yb1 , ou seja 1 = x +y .
d d
De acordo com a Observação 5.13, podemos concluir que
µ ¶
a b
1 = mdc , ,
d d
xa + yb = d.
Multiplicando por c,
xac + ybc = dc.
78 CAPÍTULO 5. DIVISORES E MÚLTIPLOS COMUNS
c = aa1 e c = bb1 .
Portanto,
xa(bb1 ) + yb( aa1 ) = dc,
ou seja,
ab( xb1 + ya1 ) = dc.
Uma vez que ab
d | c se, e somente se, existe m ∈ Z tal que dc = mab, completamos a
demonstração de (iv). (Note que ab
d ∈ Z)
Proposição 5.17 Sejam a e b inteiros positivos não simultaneamente nulos, com decomposições
em fatores primos dadas por
a = p1m1 · · · pm s k1 kt
s q1 · · · q t ,
em que os primos pi , q j , rk são todos distintos (i ∈ {1, . . . , s}, j ∈ {1, . . . , t} e k ∈ {1, . . . , u})
e todos os expoentes são positivos. Então,
a = a1 d, em que a1 = p1m1 − x1 · · · pm
s
s − xs k1
q1 · · · qut t
e
b = b1 d, em que b1 = p1n1 − x1 · · · pns s − xs r1`1 · · · ru`u ,
mostrando que d | a e d | b.
5.2. MÍNIMO MÚLTIPLO COMUM 79
c = p1e1 · · · pess
em que 0 ≤ ei ≤ min{mi , ni }, para i = 1, . . . , s.
d = p1x1 · · · psxs = ( p1e1 · · · pess )( p1x1 −e1 · · · psxs −es = cp1x1 −e1 · · · psxs −es ),
Exemplo 5.19 Se a = −6 e b = 15, então mmc(−6, 15) = 30. Com efeito, o conjunto
dos múltiplos de −6 é M−6 = {0, ±6, ±12, ±18, ±24, ±30, . . .}, e o dos múltiplos de 15
é M15 = {0, ±15, ±30, ±45, ±60, . . .}. Portanto,
É possível dar uma definição equivalente de mínimo múltiplo comum (do mesmo
modo que foi feito para o máximo divisor comum) substituindo a terceira propriedade
de sua definição por outra, que envolva apenas divisibilidade:
Proposição 5.21 Sejam a e b inteiros não nulos. Um inteiro m é o mínimo múltiplo comum de
a e b se, e somente se, satisfaz:
(i ) m > 0;
(ii ) a | m e b | m;
(iii ) se c ∈ Z é tal que a | c e b | c, então m | c.
Demonstração: Se m = mmc( a, b), basta provar que m satisfaz a condição (iii ) do
enunciado deste resultado. Seja c um inteiro tal que a | c e b | c. Temos, pelo Lema
da Divisão de Euclides, que
c = qm + r, com 0 ≤ r < m.
Proposição 5.22 Sejam a e b inteiros positivos, com decomposições em fatores primos como
descritas acima:
r
a = p1r1 p2r2 · · · pkk
s
b = p1s1 p2s2 · · · pkk ,
t
mmc( a, b) = p1t1 · · · pkk ,
em que ti = max{ri , si }.
Além disso, todo inteiro dessa forma é múltiplo comum de a e b, pois podemos
escrevê-lo como
t −r k
c = aq( p1t1 −r1 · · · pkk ) e c = bq( p1t1 −s1 · · · ptkk −sk ),
em que os expoentes ti − ri e ti − si ≥ 0 são não-negativos, para todo i = 1, . . . , k.
Portanto, o menor múltiplo comum positivo de a e b é obtido quando temos q = 1 e
ti = max{ri , si } para i = 1, . . . , k. 2
20 , 15 2
10 , 15 2
5 , 15 3
5 , 5 5¡
¡
1 , 1 60
Existe uma estreita relação entre o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo
comum de dois inteiros não-nulos. Essa relação possibilita estabelecer propriedades de
um deles a partir das propriedades do outro.
| ab|
= | a1 ||b1 |d = ± a|b1 | = ±| a1 |b,
d
| ab|
mostrando que é múltiplo
d ¯ de a e b. ¯ Mas, se c é um múltiplo de a e b, a Proposição
¯ | ab| ¯
5.16 (iv) garante que ab
d ¯ c, donde d ¯ c. Portanto, pela Proposição 5.22, temos que
| ab|
d = mmc( a, b). 2
5.3 E XERCÍCIOS
1. Demonstre a Proposição 5.4.
Aplicando a Proposição 5.24, calcule então o mínimo múltiplo comum dos pares
a e b dados acima.
7. Mostre que dois inteiros consecutivos são sempre primos entre si.
9. Se d = ax + by, é verdade que d = mdc( a, b)? Para que valores de d isso é verdade?
Justifique.
16. Sejam a e b inteiros não nulos tais que mdc( a, b) = 1. Então, para todo inteiro
m > 0, mdc( am , bm ) = 1.
17. Sejam a e b inteiros não nulos. Mostre que mdc( a + b, a − b) ≥ mdc( a, b).
18. (a) Mostre que, se a e b são inteiros não simultaneamente nulos, então o mdc( a, b)
é o menor elemento de
S = { ax + by : x, y ∈ Z, ax + by > 0}.
(b) Mostre que mdc( a, b) é o único divisor comum de a e b que se escreve como
combinação linear desses números.
Podemos estender a definição de máximo divisor comum de dois números inteiros para
o caso de vários números inteiros:
(i ) d > 0;
(ii ) d | ai para todo i = 1, . . . , n;
(iii ) se c ∈ Z é tal que c | ai (i = 1, . . . , n), então c | d.
84 CAPÍTULO 5. DIVISORES E MÚLTIPLOS COMUNS
d = α1 a1 + . . . + α n a n .
Bait al-Hikmá
No século VII D.C. uma nova civilização surgiu no oriente. Menos de
um século após a conquista de Meca pelo profeta Maomé, em 630, os árabes
haviam conquistado todo o Oriente Médio e se expandido, em direção ao leste,
até a Índia e a Ásia central, e para o oeste, avançado rapidamente pelo norte
da África, atravessado o estreito de Gibraltar, e dominado Portugal e Espanha,
aonde chegaram em 711, só tendo sido detidos na França, em 732.
Em 766, o califa Al-Mansur fundou a cidade de Bagdá, destinada a ser a
nova capital do seu califado. Terminadas as guerras de conquista, ali floresceu
um exuberante centro comercial e intelectual. Um dos seus sucessores, o Califa
Al-Mamun (813-833) fundou a Bait al-Hikmá (casa da sabedoria) que foi, por
mais de duzentos anos, um centro de pesquisa e de reprodução do conhecimento
no mundo antigo, cuja importância não pode ser superestimada.
Enquanto a Europa, sob o domínio da igreja, vivia a Idade Média, época de
ignorância e obscurantismo, os árabes cultuaram a civilização grega, traduzindo
para o árabe todas as grandes obras produzidas pelos gregos. Para ficar apenas
na matemática e na física, Os Elementos, de Euclides, e as obras de Arquimedes e
Apolônio chegaram até nós graças a estas traduções.
Mas esta civilização não se limitou a preservar o conhecimento grego.
Surgiram aí importantes matemáticos, que deram uma contribuição notável à
matemática da época. O maior deles foi Muhammad ibn Musa Al-Kwarizmi
(∼ 780-850). Al-Kwarismi escreveu dois livros que tiveram grande importância
para a história da matemática. O primeiro, traduzido para o latim com o título
Algorithmi de numero indorum, explicava o sistema indiano de numeração, com o
uso do zero, e descrevia vários algoritmos aritméticos. O segundo, Hisab al-jabr
wal-muqabala (a ciência da redução e da comparação) faz um estudo da equação
de segundo grau, tratando geometricamente os vários casos possíveis, já que os
números negativos não eram conhecidos.
Quando a Europa começa a despertar das trevas da Idade Média, as
traduções árabes e as contribuições inovadoras de Al-Kwarismi e outros vão
desempenhar papel fundamental no novo período que se seguirá, penetrando
na Europa de então através da Espanha, que vivia um período de grande
prosperidade, aonde se dava a convivência pacífica entre cristãos, muçulmanos
e judeus. É aí que é feita boa parte da tradução das obras do árabe para o latim,
que assim ganha toda a Europa, contribuindo para o início de um novo período:
a Renascença.
Ainda hoje persistem sinais desta influência e desta história na cultura
ocidental: Al-Kwarismi, traduzido para o latim como algorithmi, deu origem
à palavra algoritmo e seu livro Al-jabr à palavra álgebra, ambas presentes em
todas as línguas modernas.
CAPÍTULO 6
EQUAÇÕES DIOFANTINAS
LINEARES
6.1 I NTRODUÇÃO
Em quase todas as partes do mundo encontramos quebra-cabeças e adivinhações
que possuem um conteúdo matemático. Existe um tipo de problema que aparece
frequentemente nesses quebra-cabeças, cuja estudo constitui parte da teoria dos
números. Esses problemas são denominados problemas lineares indeterminados, por
razões que ficarão claras a seguir.
Um dos textos mais antigos contendo esse tipo de problemas foi encontrado na
Europa e chegou até nossos dias: é um manuscrito provavelmente do século X.
Acredita-se que ele seja uma cópia de uma coleção de quebra-cabeças preparada por
Alcuin de York (735-804) para o rei Carlos Magno (742-814). O problema que nos
interessa é o seguinte:
Quando 100 alqueires (medida antiga para cereais) de grãos são distribuídos entre 100
pessoas, de modo que cada homem receba 3 alqueires, cada mulher 2 alqueires e cada criança
1
2 alqueire, qual é o número de homens, mulheres e crianças que participou da distribuição?
x + y + z = 100,
(6.1)
3x + 2y + 12 z = 100.
Como veremos adiante, existem várias soluções para esse problema; entretanto,
Alcuin apresenta somente a solução
x = 11, y = 15 e z = 74.
86
6.2. RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES 87
x + y + z = 100,
5x + 3y = 100
É bom observar que, apesar das equações serem chamadas diofantinas, não foi
Diofanto quem primeiro se preocupou em encontrar todas as soluções de uma tal
equação. Aparentemente, o primeiro a dar uma solução geral da equação diofantina
linear foi o hindu Bramagupta (cerca de 598-670), que a resolveu baseando-se no
algoritmo de Euclides, um método praticamente equivalente ao que utilizamos hoje
em dia.
ax + by = c,
na qual a, b, c são inteiros, com a e b não simultaneamente nulos e cujas soluções estão
restritas ao conjunto dos números inteiros. Uma solução dessa equação é então um par
de inteiros ( x0 , y0 ) tal que ax0 + by0 = c.
1 Some duas vezes a primeira à segunda equação!
88 CAPÍTULO 6. EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES
Conforme veremos a seguir, mesmo impondo restrições às soluções, essas podem ser
indeterminadas, no sentido de serem várias ou mesmo infinitas. Por outro lado, pode
até acontecer de não existirem soluções.
Certamente muitas equações diofantinas podem ser resolvidas por tentativa. Era
essa, provavelmente, a maneira mais utilizada na Idade Média. Em muitos problemas
as possibilidades são limitadas, de modo que não são necessárias muitas tentativas.
Exemplo 6.1 Vamos encontrar todas as soluções inteiras positivas da equação 15x +
12y = 96.
5x + 4y = 32,
ou seja,
32 − 4y
x= .
5
32−4y
Como estamos restritos aos inteiros positivos, devemos ter y > 0 e x = 5 > 0;
assim, devemos ter y > 0 e 32 − 4y > 0 e, portanto, 0 < y < 8. Tomando sucessivamente
y ∈ {1, 2, . . . , 7}, calculamos o valor correspondente de x:
28 12
y=1 ⇒ x= , y=5 ⇒ x= ,
5 5
24 8
y=2 ⇒ x= , y=6 ⇒ x= ,
5 5
4
y=3 ⇒ x = 4, y=7 ⇒ x= ,
5
16
y=4 ⇒ x=.
5
Vemos, então, que existe uma única solução: x = 4 e y = 3. ¢
Com efeito, suponhamos, por absurdo, que ( x0 , y0 ) seja uma solução dessa equação,
isto é:
2x0 − 4y0 = 5,
ou ainda,
5 + 4y0
x0 = .
2
Como o numerador dessa fração é um número ímpar para qualquer inteiro, o
numerador não é divisível por 2; ou seja, x0 não é inteiro. Portanto, a equação dada
não possui soluções inteiras. ¢
6.2. RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES 89
Vimos, no exemplo acima, que uma equação diofantina linear pode não possuir
soluções. A seguir mostraremos que, se ela possui uma solução, então ela possui
infinitas:
ax + by = c,
temos que ax0 + by0 = c. Assim, para qualquer inteiro t, vale:
Exemplo 6.4 Como vimos no Exemplo 6.1, o par (4, 3) é solução da equação 15x + 12y =
96. Logo, pela Proposição 6.3, para qualquer inteiro t,
x = 4 + 12t
y = 3 − 15t
também é solução. Observe que, no Exemplo 6.1, mostramos que o único valor de t para
o qual x e y são ambos positivos é t = 0. ¢
Proposição 6.5 A equação diofantina linear ax + by = c possui solução se, e somente se, o
máximo divisor comum de a e b divide c.
ax0 m + by0 m = dm = c
e, portanto, (mx0 , my0 ) é uma solução da equação.
ax0 + by0 = c.
90 CAPÍTULO 6. EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES
Observação 6.6 Já vimos que o algoritmo de Euclides para o cálculo do máximo divisor
comum de a e b é também um algoritmo para o cálculo dos inteiros x0 e y0 tais que
ax0 + by0 = mdc( a, b). Portanto, a demonstração da proposição anterior fornece um
método para a obtenção de uma solução particular de uma dada equação. ¢
Como mdc(5, 3) = 1, essa equação possui solução; nosso primeiro passo é encontrar
inteiros x0 e y0 tais que 5x0 + 3y0 = 1. Pelo algoritmo de Euclides
5 = 1 · 3 + 2,
3 = 1 · 2 + 1,
2 = 1 · 2,
ou seja,
1 = 3 − 1 · 2 = 3 − 1(5 − 1 · 3) = 5(−1) + 3 · 2.
Logo,
5(−100) + 3(200) = 100
e então (−100, 200) é uma solução da equação. ¢
Resolver uma equação diofantina significa encontrar todos os pares de inteiros que a
satisfazem. Lembremos que, caso exista a solução, a Proposição 6.3 nos dá uma maneira
de obtermos infinitas soluções; mas ela não garante que aquelas sejam todas. O próximo
resultado nos dá a solução geral de uma dada equação.
x = x0 + kb1
y = y0 − ka1 ,
ax + by = c, com ab 6= 0. (6.3)
6.2. RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES 91
X = x0 + kb1
Y = y0 − ka1 .
isto é,
a1 ( x0 − X ) = b1 (Y − y0 ). (6.4)
Como b1 divide o lado direito de (6.4), b1 também divide o lado esquerdo dessa
igualdade. Mas a1 e b1 são primos entre si, donde b1 | ( x0 − X ). Logo, existe um inteiro
k tal que
x0 − X = kb1 ,
ou seja,
X = x0 − kb1 .
a1 (kb1 ) = b1 (Y − y0 ),
isto é,
a1 kb1 = b1 (Y − y0 ).
Y = y0 + ka1 . 2
Exemplo 6.10 Vamos agora resolver o problema proposto por Alcuin de York,
apresentado na Seção 6.1.
x + y + z = 100
1
3x + 2y + z = 100
2
ou, equivalentemente,
x + y + z = 100
5x + 3y = 100.
5x + 3y = 100.
x = −100 + 3k
y = 200 − 5k,
já que d = mdc(5, 3) = 1.
Logo, exigir que x > 0 e y > 0 é o mesmo que resolver o par de desigualdades
cuja solução é
k > 33 e k < 40.
k = 34 ⇒ x = 2, y = 30 e z = 68
k = 35 ⇒ x = 5, y = 25 e z = 70
k = 36 ⇒ x = 8, y = 20 e z = 72
.
k = 37 ⇒ x = 11, y = 15 e z = 74
k = 38 ⇒ x = 14, y = 10 e z = 76
k = 39 ⇒ x = 17, y =5 e z = 78.
¢
6.3. EXERCÍCIOS 93
6.3 E XERCÍCIOS
1. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 16 e 27 quando dividido por
39 e 56, respectivamente.
2. Determine duas frações positivas que tenham 13 e 17 para denominadores e cuja
305
soma seja igual a 221
3. Ache a solução geral e uma solução positiva da equação 12740x + 7260y = 60.
4. (a) Ache a solução geral de 69x + 111y = 9000.
(b) Encontre todas as soluções positivas dessa equação.
5. Encontre a solução geral, caso exista, das seguintes equações diofantinas lineares:
(a) 15x + 27y = 1;
(b) 5x − 6y = −1;
(c) 15x − 51y = 41;
(d) 5x + 6y = 1;
(e) 2x + 3y = 4.
6. Encontre as soluções inteiras de:
(a) x + y = 2;
(b) 15x + 16y = 17;
7. Encontre as soluções inteiras positivas de:
(a) 2x + y = 2;
(b) 6x + 15y = 51.
8. Encontre as soluções inteiras negativas de:
(a) 6x − 15y = 51;
(b) 6x + 15y = 51.
9. Encontre todas as soluções positivas de:
½
x + y + z = 31
x + 2y + 3z = 41
10. Uma caixa contém besouros e aranhas. Existem 46 patas na caixa; quantas são dos
besouros?
11. Divida 100 em 2 parcelas positivas, de modo que uma seja divisível por 7 e a outra
por 11 (Euler).
12. Encontre todos os valores positivos de x e y que sejam soluções da equação
indeterminada 7x + 19y = 1921 de modo que a soma x + y seja a menor possível.
O último teorema de Fermat
A equação diofantina mais conhecida é a equação
x n + yn = zn ,
x n + yn = zn
CONGRUÊNCIAS
Exemplo 7.2 Comprei um carro e vou pagá-lo em 107 prestações mensais. Se estamos
em março, em qual mês terminarei de pagá-lo?
Aqui a repetição se dá de 12 em 12 meses. Considerando a numeração usual
dos meses, temos que março corresponde a 3. Somando 3 a 107, obtemos 110, que
corresponde a fevereiro, pois 110 = 9 · 12 + 2. ¢
96
7.1. DEFINIÇÃO E PROPRIEDADES 97
Exemplo 7.3 (A "prova dos nove fora"). Esta é uma regra bastante antiga para a
verificação dos cálculos aritméticos da adição e da multiplicação: deve-se somar os
algarismos e efetuar a operação correspondente na soma dos algarismos, de forma que o
resultado final seja expresso com um algarismo. Por exemplo, no caso da multiplicação,
temos
3111 3+1+1+1 = 6
×
323 3+2+3 = 8
907523 9 + 0 + 7 + 5 + 2 + 3 = 26 2+6 = 8
6
×
8
48 4 + 8 = 12 1+2 = 3
Portanto, o resto da divisão de 3111 · 323 por 9 tem que ser igual a 3; caso contrário,
o resultado obtido pela multiplicação está errado.
Entretanto, nem sempre a utilização da prova dos nove fora garante a correção
da operação efetuada. No caso em que o resultado obtido e o resultado correto
98 CAPÍTULO 7. CONGRUÊNCIAS
deixem o mesmo resto quando divididos por 9, nada podemos concluir. Por exemplo,
a multiplicação de 123 por 31 dá como resultado 3813. Se a operação fosse feita
incorretamente e apresentasse o resultado de 3111, teríamos
123 1+2+3 = 6 6
× ×
31 3+1 = 4 4
3111 3+1+1+1 = 6 24 2+4 = 6
Como tanto 3813 como 3111 deixam resto 6 quando divididos por 9, a prova dos
nove fora é satisfeita, apesar da operação ter sido feita de maneira errada. ¢
No exemplo 7.2 gostaríamos de identificar dois inteiros que deixam o mesmo resto
quando divididos por 12. De fato, se estamos no mês 3 (março), daqui a 12 meses
estaremos novamente em março. Assim, gostaríamos de identificar 3 com 3 + 12 = 15.
Note que esses números deixam resto 3 quando divididos por 12. Nesse exemplo, temos
12 tipos de inteiros: os que deixam resto 0, 1, . . . e 11 quando divididos por 12.
No exemplo 7.3, vimos que não é possível detectar o erro numa multiplicação pela
"prova dos nove fora", caso o resultado obtido e o resultado correto deixem o mesmo
resto quando divididos por 9. Assim, gostaríamos de identificar todos os números que
deixam o mesmo resto quando divididos por 9.
Proposição 7.4 Os inteiros a e b deixam o mesmo resto quando divididos pelo inteiro m 6= 0 se,
e somente se, m divide ( a − b).
a = b + km.
Por outro lado, o Lema da Divisão de Euclides garante que existem inteiros q e r tais
que
a = qm + r, com 0 ≤ r < |m|.
Logo,
b + km = qm + r
e, portanto,
b = (q − k)m + r, com 0 ≤ r < | m |.
A unicidade do resto no Lema da Divisão de Euclides garante que r é o resto da divisão
de b por m. 2
Definição 7.5 Seja m um inteiro fixo não-nulo. Dizemos que os inteiros a e b são congruentes
módulo m, se m divide a diferença a − b. Nesse caso, escrevemos a ≡ b (mod m).
Exemplo 7.6 Temos que 90 ≡ 18 (mod 24), pois 90 = 3 · 24 + 18. Também, 3111 ≡ 3813
(mod 9), pois 3111 e 3813 deixam resto 6 quando divididos por 9. Finalmente, −2 ≡ 2
(mod 4), pois 4 | (−2 − 2). ¢
(i ) a ≡ b (mod 1);
0, 1, 2, 3, . . . , m − 1.
a = qm + r, com 0 ≤ r < m − 1.
ak ≡ bk (mod mk).
do que:
m | ( a − b) e m | ( a0 − b0 ) ⇒ m | ( aa0 − bb0 ). ¢
Demonstração: Como 10 ≡ 1 (mod 9) então, pelo Corolário 7.13, temos que 10k ≡ 1
(mod 9) para todo k ≥ 0. Novamente pelo Corolário 7.13, concluímos que
a = an · 10n + . . . + a1 · 10 + a0 ≡ ( an + . . . + a1 + a0 ) (mod 9).
Exemplo 7.15 Nenhum número da forma 8n + 7 pode ser escrito como a soma dos
quadrados de três inteiros. Mais precisamente, se k = 8n + 7 para certo inteiro n, então
não existem inteiros a, b e c tais que
k = a2 + b2 + c2 .
a2 + b2 + c2 ≡ 7 (mod 8).
Que valores o quadrado de um inteiro pode assumir módulo 8? Se m é um inteiro, então
m é congruente a um único elemento rm ∈ {0, 1, . . . , 7}. Mas então m2 ≡ rm
2 (mod 8).
Verificamos imediatamente:
rm = 0 ⇒ m2 ≡0 (mod 8),
rm = 1 ⇒ m2 ≡1 (mod 8),
rm = 2 ⇒ m2 ≡4 (mod 8),
rm = 3 ⇒ m2 ≡1 (mod 8),
rm = 4 ⇒ m2 ≡0 (mod 8),
rm = 5 ⇒ m2 ≡1 (mod 8),
rm = 6 ⇒ m2 ≡4 (mod 8),
rm = 7 ⇒ m2 ≡1 (mod 8).
Uma propriedade que é válida quando lidamos com a igualdade de números mas
que não é válida no caso da congruência módulo m é a lei do cancelamento: se ab ≡ ac
(mod m), não é necessariamente verdade que b ≡ c (mod m). Com efeito,
3·4 ≡ 3·8 (mod 12)
7.2. CLASSES DE CONGRUÊNCIA 103
mas
4 6≡ 8 (mod 12).
Nosso próximo resultado nos dá condições em que a lei do cancelamento pode ser
utilizada no caso de congruências:
Definição 7.19 Sejam m um inteiro fixo e a um inteiro qualquer. Denotamos por [ a]m a classe
de congruência de a módulo m, isto é, o conjunto formado por todos os inteiros que são
congruentes a a módulo m:
Como 15 ≡ 3 (mod 12), então x ≡ 15 (mod 12) se, e somente se, x ≡ 3 (mod 12).
Logo,
[15]12 = { x ∈ Z : x ≡ 3 (mod 12)} = [3]12 . ¢
Mostraremos agora que, se a ≡ b (mod m), então [ a]m = [b]m . De fato, se x ∈ [ a]m ,
então x ≡ a (mod m). Como a ≡ b (mod m), deduzimos que x ≡ b (mod m), ou seja,
x ∈ [b]m , mostrando que [ a]m ⊂ [b]m . A demonstração da inclusão [b]m ⊂ [ a]m é similar
e ficará a cargo do leitor.
a = qm + r, com 0 ≤ r ≤ m − 1,
ou seja, a ≡ r (mod m). Logo, pelo ítem (ii ) mostrado acima, temos que [ a]m = [r ]m ,
com 0 ≤ r ≤ m − 1. 2
7.2. CLASSES DE CONGRUÊNCIA 105
Como
[0]2 = [−2]2 = [4]2
e
[1]2 = [3]2 = [−5]2 ,
podemos escrever
Exemplo 7.25 Já vimos que Z2 = {[0]2 , [1]2 }, em que [0]2 é o conjunto dos números
pares e [1]2 é o conjunto dos números ímpares. Sabemos que
e
[17]24 ⊕ [1]24 = [18]24 .
Mas,
90 = 3 · 24 + 18,
ou seja,
[90]24 = [18]24 .
Assim, nesse caso concreto, verificamos que ao somarmos duas classes de
equivalência, o resultado obtido independe do representante [73]24 ou [1]24 utilizado ao
se efetuar a operação. Precisamos mostrar que isso acontece para elementos arbitrários
de Zm .
7.2. CLASSES DE CONGRUÊNCIA 107
Como as tabelas acima são simétricas em relação à diagonal principal, temos que a
adição em Zi (i ∈ {2, 3, 4, 5}) é comutativa. Na verdade, para qualquer m, a adição em
Zm é comutativa. Isso é conseqüência imediata da comutatividade da adição em Z:
[ a ] m ⊕ [0] m = [ a + 0] m = [ a ] m = [0 + a ] m = [0] m ⊕ [ a ] m .
Pelas tabelas apresentadas no Exemplo 7.29, vemos que, nesses conjuntos, todos os
elementos possuem simétrico em relação à adição (o [0] aparece em todas as linhas).
Observe que, em Z5 ,
−[3] = [2] e − [1] = [4].
Em geral, o simétrico de um elemento [ a]m de Zm , que será denotado por −[ a]m , é
dado por
−[ a]m = [− a]m = [m − a]m .
Com efeito,
[ a]m ⊕ [− a]m = [ a − a]m = [0]m .
É fácil verificar que o simétrico de um determinado elemento em Zm é único. De
fato, se [ a]m ⊕ [b]m = [0]m = [ a]m ⊕ [b0 ]m , então
[b]m = [b]m ⊕ [0]m = [b]m ⊕ ([ a]m ⊕ [b0 ]m ) = ([b]m ⊕ [ a]m ) ⊕ [b0 ]m = [0]m ⊕ [b0 ]m = [b0 ]m ,
Proposição 7.31 Sejam [ a]m , [ a0 ]m , [b]m , [b0 ]m ∈ Zm , com [ a]m = [ a0 ]m e [b]m = [b0 ]m .
Então,
[ ab]m = [ a0 b0 ]m .
Demonstração: Queremos mostrar que m | ( a0 b0 − ab), se m | ( a0 − a) e m | (b0 − b).
Observe que m | ( a0 − a)b e m | (b0 − b) a0 . Portanto,
m | [( a0 − a)b + (b0 − b) a0 ].
[ a ] m ¯ [1] m = [ a ] m .
Observação 7.34 Gostaríamos de observar que vários resultados obtidos anteriormente
podem ter uma nova redação, por meio da utilização da notação de classes de
congruência, já que a ≡ b (mod m) se, e somente se, [ a]m = [b]m .
[ a ] m ¯ [ b ] m = [1] m .
Se [ a]m ¯ [b]m = [1]m , chamamos [b]m inverso de [ a]m .
Lema 7.38 Se [ a]m ∈ Zm for invertível, então seu inverso é único. Denotamos o inverso de
[ a]m por [ a]− 1
m .
Demonstração: Suponhamos que [ a]m ¯ [b]m = [1]m e [ a]m ¯ [b0 ]m = [1]m . Então, uma
vez que a multiplicação em Zm é associativa e comutativa, concluímos que
¡ ¢
[b]m = [b]m ¯ [1]m = [b]m ¯ [ a]m ¯ [b0 ]m = ([b]m ¯ [ a]m ) ¯ [b0 ]m = [b0 ]m . 2
Observação 7.40 Uma pergunta que pode ser feita a respeito do enunciado do teorema
acima é se quaisquer elementos da classe de [ a]m e m possuem o mesmo máximo divisor
comum. Mais precisamente, se mdc( a, m) = 1 e [ a]m = [ a0 ]m , então mdc( a0 , m) = 1?
Se existe [ x ]m tal que [ a]m ¯ [ x ]m = [1]m , temos que m | ( ax − 1), isto é, existe um
inteiro k tal que ax − km = 1, o que significa que mdc( a, m) = 1. ¢
[b]− 1 −1 −1 −1
m ¯ [ a]m = [ a]m ¯ [b]m
é o inverso de [ ab]m . (Verifique também esse fato mostrando que mdc( ab, m) = 1.)
112 CAPÍTULO 7. CONGRUÊNCIAS
Pelo Teorema 7.39, os únicos elementos invertíveis de Z12 são [1], [5], [7] e [11].
(Estamos denotando [ x ] ao invés de [ x ]12 ) Como o inverso de um elemento invertível
é também um elemento invertível, para obter o inverso de [7]−1 basta então testarmos
os outros elementos invertíveis. Como [7] ¯ [1] = [7], [7] ¯ [5] = [35] = [−1] = [11],
[7] ¯ [7] = [49] = [1], vemos que o inverso de [7] é o próprio [7].
Procedendo da mesma maneira, verificamos que [1]−1 = [1], [5]−1 = [5] e [11]−1 =
[11]. Quer dizer, cada elemento invertível de Z12 é seu próprio inverso!
Entretanto, esse método pode ser muito extenuante, se m for grande. O Teorema
7.39 fornece uma outra maneira para calcularmos [7]−1 . De fato, escrevemos mdc(7, 12)
como combinação linear de 7 e 12. Assim, pelo algoritmo de Euclides,
12 = 1·7+5
7 = 1·5+2
5 = 2·2+1
2 = 2 · 1.
Portanto, verificamos que
1 = 3 · 12 − 5 · 7
e, portanto,
[1] = [−5] ¯ [7].
Assim, [7 ] −1 = [−5] = [7]. ¢
Com efeito, se [ a]m ¯ [c]m = [b]m ¯ [c]m , em que [c]m 6= [0]m , então [ ac]m =
[bc]m , ou seja, m | ( a − b)c e m - c. Daí não podemos concluir que m | ( a − b),
ou equivalentemente, que [ a]m = [b]m . Como vimos na Proposição 7.16, para essa
conclusão é preciso supor que mdc(c, m) = 1, ou seja, que [c]m é invertível. Nesse
caso, multiplicando pelo inverso de [c], obtemos imediatamente:
Teorema 7.44 (Lei do Cancelamento em Zm )
Se [ a]m ¯ [c]m = [b]m ¯ [c]m e [c]m é invertível, então
[ a]m = [b]m .
7.3. OS TEOREMAS DE FERMAT, EULER E WILSON 113
Tendo em vista a Observação 7.40, vemos que qualquer SRRm possui exatamente
o mesmo número de elementos. Mais do que isso, suponhamos que um sistema
reduzido de resíduos módulo m possua n elementos. Consideremos então um conjunto
de elementos invertíveis com n elementos, tal que quaisquer de seus elementos não é
congruente a outro elemento do conjunto. Então esse conjunto também é um SRRm
(veja o Exercício 20).
Lema 7.47 Seja p um número primo. Então os únicos elementos de Z p que são iguais ao seu
inverso são 1 e p − 1.
[ a ] ¯ [ a ] = [1].
Pelo Lema 7.47, apenas 1 e p − 1 são iguais ao seu inverso em Z p . Afirmamos que
De fato, o inverso de [2] está em {[3], . . . , [ p − 2]}. Assim, [2] multiplicado por seu
inverso é igual a [1] módulo p. Retirando [2] e seu inverso do produto em (7.1), obtemos
o conjunto R1 , no qual o argumento pode ser repetido: o inverso de [3] (se [2]−1 6= [3])
está no conjunto R1 e o produto desses números é igual a [1] módulo p.
Observação 7.49 Apesar de o Teorema 7.48 ser conhecido como Teorema de Wilson
(1741-1793), seu enunciado já era conhecido por Leibniz (1646-1716) e sua primeira
demonstração foi feita por Lagrange (1736-1813), em 1773. ¢
Exemplo 7.51 Temos que Φ(6) = 2, pois apenas 1 e 5 são primos com 6 e menores do
que 6. Da mesma forma, Φ(10) = 4, Φ(5) = 4, Φ(8) = 4. ¢
a p −1 ≡ 1 (mod p).
[ a ] −1 = [ a p −2 ] .
ap ≡ a (mod p).
Demonstração: Se mdc( a, p) = 1, o resultado segue-se do Pequeno Teorema de Fermat
ao multiplicarmos ambos os lados da congruência por a. Se mdc( a, p) = p, então a ≡ 0
(mod p) e, portanto, a p ≡ 0 (mod p). Assim, temos sempre a p ≡ a (mod p). 2
Temos
[ 2 ] − 1 = [ 25 ] = [ 23 ] ¯ [ 22 ] = [ 22 ] = [4];
−1 5 2 2
[3] = [3 ] = [3 ] ¯ [3 ] ¯ [3] = [2] ¯ [2] ¯ [3] = [5];
−1 − 1
[6] = [−1] = [(−1)5 ] = [−1] = [6].
Assim, [2]−1 = [4], [3]−1 = [5], [4]−1 = [2], [5]−1 = [3] e [6]−1 = [6]. (Note que o
cálculo de [6]−1 , feito acima, era desnecessário.) ¢
Afirmamos que { ar1 , . . . , arn } é outro SRRm . De fato, como a e ri são invertíveis, ari
é invertível para todo i = 1, . . . , n. Além disso, suponhamos que ari ≡ ar j . Pela lei do
116 CAPÍTULO 7. CONGRUÊNCIAS
Assim, cada elemento de { ar1 , . . . , arn } deve ser congruente a um (e só um) elemento
de {r1 , . . . , rn }. Logo,
ou seja,
[ a n ] ¯ [r1 . . . r n ] = [ r1 . . . r n ].
Como mdc(ri , m) = 1 ∀ i, temos também mdc(r1 . . . rn , m) = 1. Portanto, aplicando
a lei do cancelamento em Zm , obtemos [ an ] = [1], isto é, an ≡ 1 (mod m). 2
Exemplo 7.58 Vamos determinar o resto da divisão de 1159 por 20. Como Φ(20) = 8,
o Teorema de Euler garante que 118 ≡ 1 (mod 20), isto é, [118 ]20 = [1]20 . Como
59 = 7 · 8 + 3, vemos que 1159 = (118 )7 · 113 . Mas [(118 )7 ]20 ≡ [1]20 , de modo que
[1159 ]20 ≡ [113 ]20 . Como [113 ]20 ≡ [11]20 , concluímos que 1159 deixa resto 11 quando
dividido por 20. ¢
Φ(nm) = Φ(n)Φ(m),
se mdc(n, m) = 1.
Demonstração: Vamos dispor todos os números inteiros de 1 a nm em forma de tabela:
1 m + 1 2m + 1 . . . ( n − 1) m + 1
2 m + 2 2m + 2 . . . ( n − 1) m + 2
.. .. .. ..
. . . ... .
m 2m 3m ... nm.
Note que cada coluna é um sistema completo de resíduos módulo m e cada linha um
sistema completo de resíduos módulo n (veja o Exercício 21).
Φ ( p n ) = p n −1 ( p − 1 ).
Demonstração: Os inteiros positivos menores que pn que não são primos com pn são
exatamente os múltiplos de p:
Φ ( p n ) = p n − p n −1 = p n −1 ( p − 1 ) ,
n = p1e1 · · · pess .
Então
Φ(n) = p1e1 −1 ( p1 − 1) p2e2 −1 ( p2 − 1) · · · pess −1 ( ps − 1).
Exemplo 7.63 Vamos resolver a congruência 3x ≡ 1 (mod 5). Uma vez que [3] ¯ [2] =
[6] = [1], vemos que [3]−1 = [2]. Logo, multiplicando a congruência por 2, obtemos
6x ≡ 2 (mod 5), ou seja, x ≡ 2 (mod 5). ¢
Exemplo 7.64 A equação 6x ≡ 4 (mod 8), após aplicação do Corolário 7.17, conduz à
equação 3x ≡ 2 (mod 4). Como 32 ≡ 1 (mod 4), o inverso de [3]4 é o próprio [3]4 .
Assim, 3x ≡ 2 (mod 4) implica x ≡ 6 ≡ 2 (mod 4). Mas quais são as soluções da
equação inicial?
Ora, se x é solução de 6x ≡ 4 (mod 8), então x ≡ 2 (mod 4). Quer dizer, x = 2 + 4k,
em que k ∈ Z. Quantos são os elementos dessa forma em {0, 1, . . . , 7}? É claro que 2
e 6 são os únicos elementos da forma 2 + 4k nesse conjunto. Portanto, as soluções de
6x ≡ 4 (mod 8) são x ≡ 2 (mod 8) e x ≡ 6 (mod 8). ¢
Teorema 7.65 A congruência linear ax ≡ b (mod m) é solúvel se, e somente se, mdc( a, m) |
b. Além disso, se x0 é solução de ax ≡ b (mod m), então x 0 também é solução dessa equação se,
m
e somente se, x0 ≡ x 0 (mod m1 ), em que m1 = . Em particular, ax ≡ b (mod m)
mdc( a, m)
possui mdc( a, m) soluções não-congruentes.
∃ x ∈ Z : ax ≡ b (mod m) ⇔ m | (b − ax ) ⇔ ∃ x, y ∈ Z : ax + my = b.
7.4. O TEOREMA CHINÊS DO RESTO 119
Uma vez que mdc( a, m) divide o lado esquerdo de ax + my = b, essa equação só terá
solução quando mdc( a, m) dividir o lado direito, isto é, se mdc( a, m) | b.
admite solução
x0 = c1 n1 `1 + c2 n2 `2 + · · · + c k n k ` k ,
em que ci é uma solução de ai x ≡ bi (mod mi ).
Além disso, se y é outra solução desse sistema, então y ≡ x0 (mod M ), em que M =
m1 m2 · · · mk . Reciprocamente, se y ≡ x0 (mod M ), então y também é solução do sistema
dado.
3x ≡ 5 (mod 4)
2x ≡ 3 (mod 5)
4x ≡ 2 (mod 3)
x0 = c1 m1 `1 + c2 m2 `2 + c3 m3 `3 = 3 · 15 · 3 + 4 · 12 · 3 + 2 · 20 · 4 = 439.
x ≡ b10 (mod m1 )
x ≡ b20 (mod m2 )
.. ..
. .
x ≡ bk0 (mod mk ),
x ≡ b10 (mod m1 )
x ≡ b20 (mod m2 )
x 0 + u0 m12 = a3 + m3 u3
e assim sucessivamente.
6x ≡ 3 (mod 11)
3x ≡ 6 (mod 8)
4x ≡ −1 (mod 15).
x ≡ 6 (mod 11)
x ≡ 2 (mod 8)
x ≡ −4 (mod 15).
6 + 11u = 2 + 8t,
formado pelas duas primeiras equações é −126 + k88, em que k ∈ Z. (Note que
88 = mmc(8, 11).)
em que k ∈ Z. ¢
7.5 E XERCÍCIOS
1. Suponha que a ≡ b (mod m) e c ≡ d (mod m). Mostre que ax + cy ≡ bx + dy
(mod m) para quaisquer x, y ∈ Z.
2. Mostre que, se a ≡ b (mod m), então an ≡ bn (mod m) para todo inteiro positivo
n.
21. Na demonstração do Lema 7.59, mostre que cada coluna do arranjo de números
de 1 a nm é um sistema completo de resíduos módulo m e que cada linha é um
sistema completo de resíduos módulo n.
7.5. EXERCÍCIOS 125
∑ Φ(d) = n.
d|n
x ≡ caΦ(m)−1 (mod m)
28. Seja p um número primo. Mostre que, se r! ≡ (−1)r (mod p), então
Definição 7.71 Um anel é um conjunto R com duas operações, "+" e "·" (chamadas "adição" e
"multiplicação", respectivamente), que satisfazem as seguintes propriedades, para todos a, b, c ∈
R:
(i ) a adição é comutativa: a + b = b + a;
(ii ) a adição é associativa: a + (b + c) = ( a + b) + c;
126 CAPÍTULO 7. CONGRUÊNCIAS
(vii ) a · b = b · a,
dizemos que R é um anel comutativo.
Se, adicionalmente, às propriedades (i ) − (vi ) e todo a ∈ R
(a) N;
(b) Z;
(c) Q;
(d) R;
(e) Zm ;
(f) F = { f : R → R};
(g) P = {. . . , −4, −2, 0, 2, 4, . . .};
(h) Mn×n , o conjunto das matrizes reais n × n.
DIVISÃO DE POLINÔMIOS
8.1 C ORPOS
Um dos resultados que vamos obter para o conjunto dos polinômios é análogo ao
algoritmo da divisão para os inteiros. Para introduzi-lo, precisamos observar que os
coeficientes dos polinômios envolvidos devem satisfazer certas propriedades como,
por exemplo, devem possuir inverso multiplicativo (ou recíproco). Enquanto em Z os
únicos elementos que possuem recíproco são 1 e −1, em Q ou em R qualquer número
não-nulo tem tal propriedade.
Definição 8.1 Seja K um conjunto cujos elementos podem ser adicionados e multiplicados.
Dizemos que K é um corpo se, para quaisquer a, b e c em K, as seguintes propriedades são
satisfeitas:
(i ) ( a + b) + c = a + (b + c) (associatividade da adição);
(ii ) a + b = b + a (comutatividade da adição);
(iii ) existe um elemento em K, denotado por 0, tal que a + 0 = a (elemento neutro);
(iv) para cada a ∈ K, existe um único x ∈ K tal que a + x = 0. O elemento x é denotado por
(− a) (simétrico ou inverso aditivo);
(v) ( ab)c = a(bc) (associatividade da multiplicação);
128
8.1. CORPOS 129
i 6
( a, b)
µ
¡
¡
¡ a + bi
¡ -
Todo número real a pode ser visto como um número complexo através da
identificação a = a + 0i. Na verdade, se z = a + bi, dizemos que a é a parte real de
z e que b é a parte imaginária de z.
z1 + z2 = ( a + c ) + ( b + d ) i
z1 z2 = ( ac − bd) + ( ad + bc)i.
zz = ( a + bi )( a − bi ) = a2 + b2 ,
1 1 a − bi a b
= = = 2 − i.
z a + bi ( a + bi )( a − bi ) a + b2 a2 + b2
O conjunto Z dos inteiros não é um corpo, pois a propriedade (ix ) falha. Entretanto,
é um fato conhecido que, além das propriedades (i ) − (viii ), Z não possui divisores de
zero, isto é, seus elementos satisfazem a propriedade
( x ) se ab = 0, então a = 0 ou b = 0.
p ( x ) = a n x n + a n −1 x n −1 + . . . + a 1 x + a 0
e
q( x ) = bm x m + bm−1 x m−1 + . . . + b1 x + b0 ,
8.2. POLINÔMIOS: DEFINIÇÕES E OPERAÇÕES 131
então
( p + q)( x ) = p( x ) + q( x )
= ( an x n + an−1 x n−1 + . . . + a1 x + a0 ) + (bm x m + bm−1 x m−1 + . . . + b1 x + b0 ).
Analogamente,
( pq)( x ) = p( x )q( x )
= ( an x n + an−1 x n−1 + . . . + a1 x + a0 )(bm x m + bm−1 x m−1 + . . . + b1 x + b0 )
= an bm x n+m + . . . +(a0 bi + a1 bi−1 + . . . + ai b0) xi + . . . +(a0 b1 + a1 b0) x + a0 b0 (8.2)
Ao trabalharmos com polinômios, todas essas operações são feitas formalmente, isto
é, sem nos preocuparmos com o fato de p( x ) poder ser interpretado como uma função:
Definição 8.5 Um polinômio p na variável x com coeficientes num corpo K é uma expressão
da forma
p = a n x n + a n −1 x n −1 + . . . + a 1 x + a 0
em que an , . . . , a0 ∈ K, n ≥ 0 é um inteiro, ai = 0 para todo i > n e x é um símbolo formal. Os
números ai são chamados coeficientes do polinômio p.
Dizemos que o polinômio p é igual ao polinômio q dado por
q = bm x m + bm−1 x m−1 + . . . + b1 x + b0
se, e somente se, todos os coeficientes correspondentes são iguais. Portanto, se m > n, então
a0 = b0 , a1 = b1 , . . . , an = bn e bn+1 = bn+2 = . . . = bm = 0.
p ( c ) = a n c n + a n −1 c n −1 + . . . + a 1 c + a 0
p:K→K
podem ser identificados. Entretanto, para certos corpos K, é possível termos polinômios
distintos cujas funções polinomiais associadas são idênticas (veja o Exercício 10).
an an bm . . . an b5 an b4 an b3 an b2 an b1 an b0
.. .. .. .. .. .. .. .. ..
. . . . . . . . .
a5 a5 bm . . . a5 b5 a5 b4 a5 b3 a5 b2 a5 b1 a5 b0
a4 a4 bm . . . a4 b5 a4 b4 a4 b3 a4 b2 a4 b1 a4 b0
a3 a3 bm . . . a3 b5 a3 b4 a3 b3 a3 b2 a3 b1 a3 b0
a2 a2 bm . . . a2 b5 a2 b4 a2 b3 a2 b2 a2 b1 a2 b0
a1 a1 bm . . . a1 b5 a1 b4 a1 b3 a1 b2 a1 b1 a1 b0
a0 a0 bm . . . a0 b5 a0 b4 a0 b3 a0 b2 a0 b1 a0 b0
p = a n x n + . . . + a1 x + a0 ,
8.3. LEMA DA DIVISÃO DE EUCLIDES 133
Não se define o grau do polinômio nulo. (Em alguns livros costuma-se convencionar
que gr(0) = −1.)
(1) f = 0; (2) f 6= 0 e gr( f ) < gr( g); (3) f 6= 0 e gr( f ) ≥ gr( g).
f = a m x m + . . . + a1 x + a0 e g = bn x n + . . . + b1 x + b0 ,
com m ≥ n.
Suponhamos, por indução, que o resultado seja válido para todo polinômio de grau
menor do que m e maior do que ou igual a n.
Observe que abmn x m−n g é um polinômio de grau m, cujo coeficiente do termo de maior
grau é am . Se h = 0 ou gr(h) < gr( g), como
am m−n
f = x g + h,
bn
am m−n
basta tomar q = bn x e r = h.
8.3. LEMA DA DIVISÃO DE EUCLIDES 135
Se, por outro lado, h 6= 0 e gr(h) ≥ gr( g), podemos aplicar a hipótese de indução
em h, pois gr(h) ≤ m − 1 = gr( f ) − 1. Logo, existem polinômios q0 e r0 tais que
h = q0 g + r0 , em que r0 = 0 ou gr(r0 ) < gr( g).
Temos que
m = gr( f ) = 3, n = gr( g) = 1, am = 2 e bn = 1.
Logo
am m−n 2 am m−n
x = x2 = 2x2 x g = 2x2 ( x + 3) = 2x3 + 6x2
bn 1 bn
e
am m−n
h= f− x g = (2x3 − 1) − (2x3 + 6x2 ) = −6x2 − 1.
bn
h - −6x2 + 0x − 1
136 CAPÍTULO 8. DIVISÃO DE POLINÔMIOS
−6x2 + 0x − 1
+6x2 + 18x
18x − 1
−18x − 54
−55
f = q1 g + r1 e f = q2 g + r2 ,
com
gr(ri ) < gr( g) ou ri = 0 para i = 1, 2.
r2 − r1 = (q1 − q2 ) g.
− x2 + 1 = (− x + 1)( x + 1)
e (− x + 1) ∈ R[ x ] temos que g | f . ¢
x2 + 1 = ( x + i )( x − i ).
x2 + 1 = ( ax + b)h em que h ∈ R[ x ].
x2 + 1 = ( ax + b)( a1 x + b1 ).
Assim, deveríamos ter aa1 = 1, bb1 = 1 e ab1 + a1 b = 0. Entretanto, tal sistema não
possui solução real. Absurdo. ¢
Exemplo 8.16 Seja c ∈ K[ x ] uma constante não nula. Então, para qualquer f ∈ K[ x ],
temos que c divide f . Com efeito, seja
f = a n x n + . . . + a1 x + a0 , em que ai ∈ K.
ai
Como c 6= 0, temos que c ∈ K para qualquer i = 0, . . . , n. Logo
f = cq,
em que
an n a a0
q= x +...+ 1x + ∈ K[ x ].
c c c
g = q1 f e f = q2 g. (8.4)
Assim,
g = q1 q2 g, com q1 6 = 0 e q2 6= 0.
Portanto,
A seguir, como foi feito para números inteiros, vamos demonstrar a existência e
a unicidade do máximo divisor comum dos polinômios não simultaneamente nulos
f , g ∈ K[ x ].
Teorema 8.22 Se f , g ∈ K[ x ] não são simultaneamente nulos, então o máximo divisor comum
de f e g existe e é único.
Demonstração: Começaremos mostrando a unicidade. Para isso, suponhamos que
existam d1 , d2 ∈ K[ x ] tais que
Mas, pela Proposição 8.17 (iv), existe c ∈ K, c 6= 0, tal que d2 = cd1 . Como d1 e d2
são mônicos, concluímos que c = 1 e, portanto, d1 = d2 .
Se r2 6= 0, então
Se rn não for mônico, dividimos esse polinômio pelo coeficiente de seu termo de
maior grau, isto é, definimos
1
rn0 = rn ,
an
em que an é o coeficiente do termo de maior grau de rn . Assim, rn0 = mdc( f , g). 2
f = ( x 2 − 1) g + ( x + 1), r1 = x + 1
g = x (³x + 1) ´+ 3, r2 = 3
x 1
x + 1 = 3 3 + 3 + 0, r3 = 0.
f = x4 + x3 + x2 + 2x + 1 e g = x3 + x2 + x + 1
f = xg + ( x + 1), r1 = x + 1
2
g = ( x + 1)( x + 1) + 0, r2 = 0.
Vimos que, para números inteiros, o máximo divisor comum de dois números a e b
escreve-se como combinação linear de a e b. Um resultado análogo para polinômios é
dado no corolário abaixo.
r1 = f − q1 g
é uma combinação de f e g (com a = 1 e b = −q). Suponhamos, por indução, que para
todo i ≤ n − 1, ri seja combinação linear de f e g. Em particular temos:
r n −1 = a n −1 f + bn −1 g
e
rn−2 = an−2 f + bn−2 g,
em que an−1 , bn−1 , an−2 , bn−2 ∈ K[ x ]. Como (veja a demonstração do Teorema 8.22)
r n = r n −2 − q n r n −1 ,
então
r n = ( a n − 2 f + bn −2 g ) − q n ( a n −1 f + bn − 1 g )
= ( an−2 − qn an−1 ) f + (bn−2 − qn bn−1 ) g.
Tomando
a n = a n −2 − q n a n −1
8.4. MÁXIMO DIVISOR COMUM 143
bn = bn − 2 − q n bn − 1 ,
obtemos o resultado afirmado. 2
3 = g − x ( x + 1)
= g − x [ f − ( x 2 − 1) g ]
= (− x ) f + ( x3 − x + 1) g.
Logo,
µ ¶ µ ¶
1 1 3 1 1
1= − x f+ x − x+ g,
3 3 3 3
³ ´ ³ ´
isto é, a = − 13 x e b = 13 x3 − 31 x + 13 . ¢
Os polinômios a e b do corolário acima não são únicos. (Verifique isso com raciocínio
análogo ao apresentado para números inteiros.) Também não podemos garantir que, se
h ∈ K[ x ] se escreve como combinação linear de f e g, então h = mdc( f , g).
(i ) se f | gh e mdc( f , g) = 1, então f | h;
(ii ) se f | h, g | h e mdc( f , g) = 1, então f g | h.
Demonstração: Consideremos (i ). Se mdc( f , g) = 1, então existem a, b ∈ K[ x ] tais que
a f + bg = 1,
e, portanto,
a f h + bgh = h.
f | ( a f h + bgh),
ou seja,
144 CAPÍTULO 8. DIVISÃO DE POLINÔMIOS
f | h.
a f + bg = 1,
e, como antes,
a f h + bgh = h. (8.5)
h = f f0 e h = gg0 .
a f ( gg0 ) + bg( f f 0 ) = h,
ou seja,
f g( ag0 + b f 0 ) = h,
isto é, f g | h. 2
(i ) m é mônico;
(ii ) f | m e g | m;
(iii ) se h ∈ K[ x ] é tal que f | h e g | h, então m | h.
Se m é um mínimo múltiplo comum de f e g, escrevemos m = mmc( f , g).
(Como já feito anteriormente, nessa notação estamos antecipando a unicidade do
mínimo múltiplo comum de dois polinômios.)
A existência e unicidade do mínimo múltiplo comum de dois polinômios decorre do
seguinte resultado:
8.5. MÍNIMO MÚLTIPLO COMUM 145
f 1 dg f g
h= = 1 ,
a n bm d a n bm
isto é,
h = c f 1 g , c ∈ K , f 1 ∈ K[ x ] , g ∈ K[ x ] ,
donde h ∈ K[ x ]. Afirmamos que h é mônico. De fato, a1n f e b1m g são mônicos. Como
o produto de polinômios mônicos é um polinômio mônico, vemos que dh é mônico.
Como d também é mônico, concluímos o afirmado.
fg g g
Temos também que f | h, pois h = = f , com ∈ K[ x ].
a n bm d a n bm d a n bm d
Analogamente, g | h.
f |s e g | s.
Queremos mostrar que h | s, ou seja, que existe q ∈ K[ x ] tal que
fg
s = qh = q ,
a n bm d
isto é, que
sd = q1 f g, com q1 ∈ K[ x ].
d = a f + bg.
Portanto,
sd = sa f + sbg.
s = a1 f e s = b1 g.
Logo,
sd = b1 ga f + a1 f bg
ou seja,
sd = (b1 a + a1 b) f g = q1 f g,
mostrando o afirmado. Isso conclui a demonstração. 2
8.6 E XERCÍCIOS
1. Verifique que R e Q, com as operações usuais de adição e multiplicação, são
corpos, mas que R \ Q não é. Verifique também que N e Z, com essas mesmas
operações, não são corpos.
(a) z1 + z2 + . . . + zn = z1 + z2 + . . . + zn ;
(b) z1 · z2 · . . . · zn = z1 · z2 · . . . · zn ;
(c) (z1 ) = z1 ;
(d) z1 = z1 ⇔ z1 ∈ R.
3. Calcule i1023 .
7. Mostre que o conjunto M2×2 das matrizes 2x2 com coeficientes reais e com as
operações usuais de adição e multiplicação de matrizes não é um domínio de
integridade.
(a) Mostre que Z4 possui divisores de zero, isto é, existem x, y ∈ Z4 tais que
x ¯ y = 0 com x 6= 0 e y 6= 0.
(b) Se Z4 [ x ] é o conjunto de polinômios na variável x com coeficientes em Z4 ,
mostre que Z4 [ x ] também possui divisores de zero.
p = x5 e q=x
Z5 → Z5 Z5 → Z5
p: e q:
x → x5 x → x
14. Sejam
p = ( a2 − 1) x 4 + ( a + 1) x 3 + x 2 − 2
e
q = ( a + 3) x 3 + ( a2 − 4) x 2 + ( a + 1) x − 1
polinômios em R[ x ]. Determine todos os valores possíveis para os graus de p, q,
p + q, p − q e pq.
(a) p = x2 + 1 eq = x − i, em C[ x ];
√
(b) p = x3 + x2 − 2x − 2 e q = x − 2, tanto em C[ x ] como em R[ x ];
(c) p = x2n − 2x2 + 1, n∈N e q = x2 − 1, em C[ x ], R[ x ] e Q[ x ].
em C[ x ] e em R[ x ].
RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
Exemplo 9.2 Se f = x2 + 1 ∈ R[ x ], então f não possui raízes reais pois, para todo a ∈ R,
temos que a2 + 1 ≥ 1, ou seja, f ( a) 6= 0. Entretanto, considerando f como elemento de
C[ x ], ele possui duas raízes, a saber: a = i e a = −i. ¢
f = ( x − a)q + r,
f ( a ) = ( a − a ) q ( a ) + r ( a ) = r ( a ).
r = r ( a ) = f ( a ). 2
150
9.1. RAÍZES E FATORAÇÃO 151
a0 a1 a2 ··· a n −1 an
3 0 −1 2 −5
2 3·2+0 6·2−1 11 · 2 + 2 24 · 2 − 5
3 6 11 24 43
coeficientes de q resto
Suponhamos agora que gr( f ) = n > 0 e que o resultado seja verdadeiro para todo
polinômio de grau n − 1.
(i ) Se f = c ∈ K então f 0 = 0;
(ii ) ( f + g)0 = f 0 + g0 ;
(iii ) ( f g)0 = f g0 + f 0 g;
Proposição 9.11 Seja f ∈ K[ x ]. Temos que a ∈ K é raiz múltipla de f se, e somente se, a é
raiz comum de f e f 0 .
Logo,
f 0 = ( x − a)q0 + q.
Como a é raiz de f 0 , temos
0 = f 0 ( a ) = q ( a ).
Pelo Teorema da Raiz, o polinômio ( x − a) divide q, donde
q = ( x − a)h,
e, então,
f = ( x − a)2 h,
mostrando assim que a é raiz múltipla de f . 2
São conhecidas muitas demonstrações desse teorema, mas todas elas envolvem
conceitos não-algébricos. A prova dada por Gauss em sua tese de doutoramento baseia-
se, em parte, em considerações geométricas. É possível demonstrá-lo utilizando alguns
resultados básicos sobre funções de duas variáveis reais ou de variáveis complexas.
Não apresentaremos a demonstração desse resultado, que foge ao escopo deste texto,
mas pode ser encontrada em livros de análise complexa.
Definição 9.13 Uma equação algébrica é uma equação da forma p( x ) = 0, em que p é uma
função polinomial.
No nosso contexto atual, resolver uma equação significa encontrar todas as suas
raízes em C. A resolução da equação quadrática ax2 + bx + c = 0 pelo método
de completar os quadrados, como fizemos acima, era conhecido desde o tempo dos
babilônios. Já as soluções das equações cúbicas e quárticas foram obtidas no século XVI
pelos matemáticos italianos da Renascença. Em 1542, Cardano (1501-1576) publicou, no
livro Ars Magna, a resolução da equação geral de terceiro grau e também o método de
seu discípulo Ferrari (1522-1566) de redução de uma equação geral de quarto grau para
uma de terceiro. Antes de passarmos à apresentação da solução geral das equações de
terceiro grau, começaremos por alguns exemplos mais simples:
9.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA 155
Qualquer número complexo não-nulo z = x + iy pode ser escrito em sua forma polar
ou trigonométrica:
z = |z|(cos θ + isen θ ),
p
em que |z| = x2 + y2 ∈ R e θ é o ângulo no intervalo (−π, π ] dado por:
x y
cos θ = e sen θ = .
|z| |z|
z = |z|(cos θ + isen θ )
é a forma polar do número complexo z, então ele possui n raízes n-ésimas complexas:
q µ ¶
n θ + 2kπ θ + 2kπ
zk = |z| cos + isen ,
n n
p
em que k = 0, 1, . . . , n − 1 e n |z| é a n-ésima raiz real do número real positivo |z|.
Exemplo 9.15 As raízes do polinômio x3 − 8 podem ser facilmente obtidas pelo método
acima. De fato, para determiná-las precisamos resolver a equação x3 = 8. Como
8 = 8(cos 0 + isen 0), as raízes são dadas por
µ ¶
0 + 2kπ 0 + 2kπ
xk = 2 cos + isen ,
3 3
para k = 0, 1 e 2. ¢
Seja
f = x3 + ax2 + bx + c,
156 CAPÍTULO 9. RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
em que a, b, c ∈ C.
g = y3 + py + q,
a2 ba 2a3
em que p = b − e q = c− + .
3 3 27
y3 + py + q = 0 (9.1)
transforma-se então em
(u + v)3 + p(u + v) + q = 0,
ou seja,
u3 + v3 + (3uv + p)(u + v) + q = 0.
p3
Note que, se uv = − p/3, então u3 v3 = − . Isso quer dizer que procuramos
27
números u e v tais que
3 3 3 3 p3
u + v = −q e u v =− .
27
p3
t2 + qt − = 0.
27
Logo, r
−q q2 p3
u3 = + +
2 4 27
e r
−q q2 p3
v3 = − + .
2 4 27
9.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA 157
Portanto,
v0 = u0 , v1 = u1 , v2 = u2
e as raízes da equação dada são
π
y0 = u0 + u0 = 2 cos ,
9
7π
y1 = u1 + u1 = 2 cos ,
9
13π
y2 = u2 + u2 = 2 cos .
9
158 CAPÍTULO 9. RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
Não vamos apresentar aqui a solução da equação geral de quarto grau. Essa pode
ser encontrada, por exemplo, em [15].
f = k ( x − a1 ) . . . ( x − a n ),
com k ∈ C.
Já vimos que existem polinômios em R[ x ] que não possuem raiz real. O próximo
resultado relaciona raízes complexas desses polinômios:
9.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA 159
Demonstração: Se f = an x n + . . . + a1 x + a0 , então
f ( α ) = a n α n + . . . + a1 α + a0 = 0
e
0 = f ( α ) = a n α n + . . . + a1 α + a0 .
Como a0 , a1 , . . . , an ∈ R temos que ai = ai para todo i. Assim, pelas propriedades de
conjugação de números complexos,
0 = f ( α ) = a n α n + . . . + a1 α + a0 = f ( α ),
Assim, as raízes que não são reais de um polinômio em R[ x ] aparecem aos pares.
Como conseqüência, essas raízes darão origem a termos quadráticos na sua fatoração:
Teorema 9.19 Seja f um polinômio com coeficientes reais e grau ≥ 1. Então existem polinômios
f 1 , . . . , f n ∈ R[ x ], n ≥ 1, tais que
f = f1 · · · fn ,
em que cada f i tem grau 1 ou é quadrático com discriminante negativo.
Se d = 1, nada há a demonstrar.
f = ( x − a) g em que gr ( g) = d − 1.
Se f não possui raiz real então, pelo Lema 9.18, existe α = a + bi com b 6= 0, tal que
α e α são raízes de f . Logo,
h = ( x − α)( x − α) = ( x − a)2 + b2
f ( α ) = h ( α ) q ( α ) + r ( α ).
f = hq,
com q ∈ R[ x ] e gr (q) = d − 2.
ak + bn a0 = 0,
an an + bj = 0,
Em especial, quando o polinômio for mônico, a Proposição 9.21 toma uma forma
mais conhecida:
f = 3x3 + 2x2 − 7x + 2.
1 2
± , ± , ±2 e ± 1.
3 3
Substituindo esses valores em f , verificamos que apenas
1
−2, 1 e
3
são raízes de f . Como f tem grau igual a 3, essas são todas as raízes de f . ¢
Definição 9.24 Dizemos que um polinômio p ∈ K[ x ] é irredutível sobre K se, e somente se,
(i ) gr( p) > 0;
(ii ) se p se escreve como um produto p = f g, em que f , g ∈ K[ x ], então necessariamente
gr( f ) = 0 ou gr( g) = 0.
Se gr( p) ≥ 1 e p não for irredutível sobre K, dizemos que ele é redutível sobre K.
162 CAPÍTULO 9. RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
f = gh,
com gr( g) > 0 e gr(h) > 0. Como gr( f ) = gr( g) + gr(h) e gr( f ) = n, temos que
gr( g) < n e gr(h) < n.
a f + bp = 1.
a f g + bpg = g.
Mostramos anteriormente que todo número inteiro a pode ser escrito de maneira
única como
a = ±1p1 . . . pn ,
em que p1 , . . . , pn são números primos positivos. Se não tivéssemos exigido que os
primos fossem positivos, teríamos unicidade a menos de sinal (por exemplo, 6 = 2 · 3 e
6 = (−2)(−3)).
f = cp1 . . . pn ,
f = cp1 p2 . . . pn ,
f = cp1 p2 . . . pn = kq1 q2 . . . qt .
9.4. DECOMPOSIÇÃO EM FRAÇÕES PARCIAIS 165
Devemos ter c = k, pois essas constantes são iguais ao coeficiente do termo de maior
grau de f . Além disso, como p1 | q1 q2 . . . qt , decorre do Corolário 9.31 que p1 | qi para
algum i. Reordenando os fatores, se necessário, podemos supor que p1 | q1 . Como q1
é irredutível e p1 não é constante, concluímos que p1 = q1 , pois ambos polinômios são
mônicos (veja o Exercício 14).
Exemplo 9.33 Em R[ x ],
f = ( x 2 + 2)2 ( x + 1)3
tem x2 + 2 e x + 1 como fatores irredutíveis múltiplos e −1 como raiz de multiplicidade
3 de f . ¢
Definição 9.34 Uma função racional com coeficientes no corpo K é uma expressão da forma
f
,
g
em que f , g ∈ K[ x ] e g 6= 0. O conjunto das funções racionais com coeficientes em K é denotado
por K( x ).
166 CAPÍTULO 9. RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
f p
Dizemos que duas funções racionais e são iguais se
g q
f q = pg em K[ x ].
(Note que trata-se de uma igualdade de polinômios, já definida anteriormente.)
A adição e multiplicação de funções racionais são definidas por:
f p f q + gp f p fp
+ = e · = .
g q gq g q gq
f
Observe que qualquer polinômio f pode ser visto como a função racional e, assim,
1
podemos considerar K[ x ] ⊂ K( x ). É fácil ver que, com essas operações, K( x ) é um
corpo contendo K[ x ] (veja o Exercício 19).
com p1 = f b1 e p2 = f a1 .
f
Como é própria, temos gr( f ) < gr( a) + gr(b).
ab
Defina r1 como a soma dos termos de p1 com grau menor do que o grau de a e defina
s1 como a soma dos termos de p1 com grau maior do que ou igual ao grau de a. Então
p1 = r1 + s1 .
Analogamente, defina r2 como a soma dos termos de p2 com grau menor do que o
grau de b e defina s2 como a soma dos termos de p2 com grau maior do que ou igual ao
grau de b. Então p2 = r2 + s2 .
A igualdade
f p p
= 1+ 2
ab a b
nos leva à ap2 + bp1 = f , o que nos dá
( as2 + bs1 ) + ( ar2 + br1 ) = f .
Mas todos os termos que aparecem em as2 + bs1 têm grau maior do que ou igual ao
grau de ab e, portanto, maior do que o grau de f . Por outro lado, todos os termos que
aparecem em ar2 + br1 têm grau menor do que o grau de ab, e portanto, não se cancelam
com nenhum termo de ( as2 + bs1 ). Devemos ter então ar2 + br1 = f e as2 + bs1 = 0, o
que nos dá
f r r
= 1 + 2,
ab a b
em que as duas últimas funções racionais são próprias, como queríamos. 2
ax + b
,
(cx2 + dx + e)k
f 3x4 + 5
= .
g x ( x 2 + 1)2
f
Sabemos que pode ser escrita como
g
f ax + b cx + d e
= 2 + 2 2
+ .
g x + 1 ( x + 1) x
9.5. EXERCÍCIOS 169
Então,
f ( a + e) x4 + bx3 + ( a + c + 2e) x2 + (b + d) x + e
= .
g x ( x 2 + 1)2
Igualando os coeficientes dos numeradores, obtemos a = −2, b = d = 0, c = −8 e
e = 5. ¢
9.5 E XERCÍCIOS
1. Mostre que as funções f , g : R → R dadas por f ( x ) = sen x e g( x ) = cos x, não
são funções polinomiais.
(a) x3 + 3x + 5 = 0;
(b) x3 + 2x2 + 4x + 2 = 0;
(c) x3 + 3x + 1 = 0.
11. (a) Seja f ∈ C[ x ] tal que f (i ) = f (−i ) = 0. Determine o resto da divisão de f por
x2 + 1.
(b) Faça o ítem ( a) no caso em que f ∈ R[ x ].
170 CAPÍTULO 9. RAÍZES E IRREDUTIBILIDADE
p = ( x + 2)( x + 4)(3x + 1)
ou µ ¶
1
p = 3( x + 2)( x + 4) x + .
3
Porque isso não contradiz a unicidade da fatoração (Teorema 9.32)?
(a) p = x4 − 1;
(b) p = x4 + 1;
(c) p = x4 − 4x2 − x + 2;
(d) p = x2 + 1;
(e) p = 4x3 + 4x2 − 5x − 3.
(a) x5 na base x + 1;
9.5. EXERCÍCIOS 171
[5] S. C. Coutinho: Números Inteiros e Criptografia RSA, IMPA, Rio de Janeiro, 2000.
[6] R. Courant e H. Robbins: Qué es la Matemática , una exposición elemental de sus ideas
y métodos, Aguilar, Madrid, 1955.
[8] A. Garcia e Y. Lequain: Álgebra: um curso de introdução IMPA, Rio de Janeiro, 1988.
[11] G. Ifrah: História Universal dos Algarismos, vol. 1, Nova Fronteira, Rio de Janeiro,
1997.
[14] E. Landau: Teoria Elementar de Números, trad. Paulo Henrique Viana, Editora
Ciência Moderna, Rio de janeiro,2002.
[17] O. Ore: Number Theory and its History, Mc Graw-Hill, New York, 1948.
[18] C. P. Milies e S. P. Coelho: Números: uma introdução à matemática, Edusp, São Paulo,
2000.
175
176 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[19] S. Sidki: Introdução à Teoria dos Números, Colóquio Brasileiro de Matemática, IMPA,
Rio de Janeiro, 1975.
[20] J. E. Schockley: Introduction to Number Theory, Holt, Rinehart and Winston, New
York, 1967.
[21] I. S. Sominsky: The Method of Mathematical Induction, Mir Publishers, Moscow, 1975.
177
178 ÍNDICE REMISSIVO
Tartaglia, 172
Taylor, R., 95
teorema
chinês do resto, 119
da divisão euclidiana
para números inteiros, 37
para números naturais, 34
para polinômios, 134
da existência de fatoração de um
polinômio, 162
da raiz, 151