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9. LINHAS FUNDAMENTAIS
DA TEOLOGIA BÍBLICA PROFÉTICA
Os profetas tinham como referência para análise da própria realidade, a Aliança de Deus
com o seu povo, feita com Moisés, no monte Sinai. Ele foi o mediador, pelo qual, Deus deu os
dez mandamentos. E que Jesus resumiu em dois dizendo que deles dependem toda a Lei e os
profetas. Os fariseus queriam colocá-lo a prova perguntando-lhe, qual era o maior
mandamento da lei, e ele respondeu-lhes: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma e o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O
segundo é semelhante a esse: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Desses dois “depende
toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,36). A integração dos dois mandamentos no amor é o
ensinamento fundamental de Jesus, e ele afirma, que é também dos profetas. Eles tornaram-
se, os defensores do Deus Um, que é: Santo, Justo, ama os pobres, é Misericordioso e perdoa.
Ele é ao mesmo tempo, um só Deus em três pessoas igualmente divinas e distintas.
224
Cf. Ex 20,2-3.
225
Cf. Jz 8,22-27; Os 8,6; 1Rs 12,26-32; Ex 32;
173
O profeta Isaías denuncia com veemência a idolatria, pois, ela constituía o risco de uma
ruptura da aliança de Deus com o seu povo. Esta não consistia apenas na adesão ao culto às
divindades estrangeiras, mas, também quando os israelitas eram infiéis às leis, e aos
ensinamentos da Torah, que dizem respeito às relações: de respeito, igualdade, justiça
consigo, com os outros, com Deus e com a natureza, e o universo. Tudo o que lesava a
dignidade do ser humano e a criação, desrespeitava o seu Criador. Para o profeta Isaías,
substituir o Senhor Deus pelos ídolos, que são como um nada significava enganar-se a si
mesmo: “Olho, mas não há ninguém! Entre eles ninguém que dê um conselho, a quem eu
possa perguntar e que me responda! Sim, todos eles, nada são suas obras, não são coisa
alguma, seus ídolos não passam de sopro e de vazio” (Is 41,28-29). Aqueles que confiam em
ídolos um dia voltarão atrás cobertos de vergonha porque dizem às imagens fundidas “vós
sois os nossos deuses” (Is 42,17).
Oséias não teme em recriminar Efraim por causa de baal, construindo para si imagens
de metal fundido com sua prata, ídolos de acordo com sua habilidade, obra de um artesão,
que não os compromete em nada. Enquanto o profeta Amós critica o culto formal, a hipocrisia
religiosa, pois acreditavam estar em paz com Deus, porque realizavam jejuns, ritos cultuais,
sacrifícios, desprezando os preceitos mais elementares de justiça social e de amor ao
próximo226.
Ao mesmo tempo, que Deus é reconhecido como Um, Bendito, Salvador o povo não
corresponde à sua vontade, antes é infiel, pecador, iníquo, chamado por Isaías de raça de
malfeitores, filhos pervertidos, porque abandonaram o Senhor, afastaram-se dele e
desprezaram o Santo de Israel (Is 1,40); Eles ainda rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos,
desprezaram a palavra do Santo de Israel.
226
Cf. 1Sm 15,22; Is 1,10-16; 29,13-14; 58,1-8; Os 6,6; Mq 6,5-8; Jr 6,20; Jl 2,13; Zc 7,4-6.
174
O profeta recrimina com firmeza desde o início do seu livro, ao povo que abandona o
Senhor e queima incenso aos deuses estrangeiros e se prostram diante dos ídolos que suas
mãos fabricaram (Jr 1,16). Quando o povo se dá conta de que abandonou a seu, e que Deus,
na sua pedagogia divina também os abandona, para servirem em sua terra aos estrangeiros e
a seus deuses (Jr 5,19). Mesmo assim o profeta não desiste. Tenta de todas as maneiras
chamar atenção do povo, nas suas pregações, usando mímicas e imagens: “Este povo mau
que se recusa a escutar as minhas palavras, que segue a obstinação de seus corações, que
corre atrás dos deuses estrangeiros para servi-los e prostrar-se diante deles: será como este
cinto que não serve para nada” (Jr 7,10). Assim como cinto cinge os rins de alguém, assim o
Senhor os havia ligado a si como um cinto, mas ele se dá conta que o povo o rejeita, por isso,
não usará mais de misericórdia com eles (Jr 16,13), e os acusa de terem oferecido incenso
aos deuses estrangeiros e encheram este lugar com sangue inocente (cf. Jr 19,4).
ninguém que os possa livrar da minha mão; quando faço quem poderá desfazer?” (Is 43,11-
13). O Senhor é onipotente ninguém poderá afrontá-lo.
Deus processa as nações pagãs e seus deuses, os seus fiéis podem ser testemunhas a
favor de seus deuses, aos quais costumam atribuir suas vitórias. Mas os israelitas devem ser
testemunhas de seu Deus, testemunhas oculares e auriculares, porque foram sujeitos da
história e a transmitiram aos seus descendentes (Ex 10,2; Sl 78). Contudo, Israel de olhos
abertos, não soube ver, com os ouvidos não soube ouvir (Dt 29,1-5). Por isso, há um novo
chamado de Deus, que o convoca como uma testemunha, mesmo que o passado já tenha
demonstrado que o Senhor é único Salvador e, portanto, o único Deus. Os fatos históricos nos
permitem subir até ao ser de Deus, enquanto ele é o agente da ação. Deus é o transcendente
último, além dele não há outro. Por isso, ele pode predizer qualquer acontecimento vindouro.
Deus se revelou a Moisés como: “Eu sou” (Ex 3,14), que dirigiu constantemente ao seu
povo o apelo de escutá-lo: “Escuta Israel, o Senhor nosso Deus é UM” (Dt 6,4). Os profetas
advertem ao povo para a fidelidade ao seu Deus, um só Senhor227. O fato de Israel render
culto ao Deus Um, compromete-o a viver na integridade a sua vida, sem estar dividido entre
dois senhores como afirma Mateus: “Não podeis servir a Deus e a Dinheiro” (Mt 6,24). Os
profetas e Jesus advertem o povo contra o afã excessivo de segurança, que se reflete na falta
de confiança em Deus, e refletem uma mentalidade pagã. Recomendam a concentração nos
valores do Reino e a confiança em Deus Pai, que Isaías chama de Santo de Israel.
227
Cf. Zc 14,9; Dn 2,28.
176
Foi numa visão do Senhor que o profeta Isaías sentiu o chamado de Deus, viu-o
sentado num trono, rodeado pelos serafins que o chamavam: “Santo, Santo é o Senhor dos
exércitos, a sua glória enche a terra” (Is 6,3). A santidade de Deus é o tema central na
pregação do profeta Isaías, que inúmeras vezes chamou-o, no seu livro, de Santo de Israel. A
noção da santidade de Deus nasceu da imagem do fogo que tem ao mesmo tempo o poder de
destruir e a força geradora de vida. De um lado destrói as impurezas do seu povo (Is 6,7) e
de outro lado anuncia a ação benéfica de Deus que quer fazer nascer no meio do seu povo
uma semente santa, geradora de vida (Is 6,13).
Com a imagem da luz do fogo, o profeta Isaías quer falar da ambivalência da ação de
Deus, enquanto luz ele ilumina e enquanto fogo ele queima. Esta é a visão, que se encontra
em Is 10,17: “A luz de Israel se transformará em fogo, e o seu Santo se tornará uma chama:
ela queimará e consumirá o seu matagal e os espinheiros, em um só dia”. Diante do Deus da
aliança, Israel é convidado a posiciona-se, mas o pequeno resto de Israel que sobreviveu da
casa de Jacó, não se apoiará mais sobre aqueles que o feriram, mas se apoiará sobre o
Senhor, o Santo de Israel e com fidelidade. Por isso, a filha de Sião exultará de alegria dando
gritos porque é grande o Sento de Israel no meio dele228.
Mesmo que muitos oráculos sejam contra Israel, há uma esperança de que ele se
converta e chegue o fim da idolatria, porque o povo não se voltará mais aos altares que mãos
humanas fabricaram, nem se voltarão mais para estelas e os altares de incenso, mas será fiel
ao Santo de Israel (Is. 17,7-8). Há constantes advertências do Santo de Israel apontando o
caminho para Israel crescer na confiança em seu Deus: “Assim diz o Senhor, o Santo de
Israel: na conversão e na calma estava a vossa salvação, na tranquilidade e na confiança
estava a vossa força, mas vós não quisestes” (Is 30,15). O que Deus pedia é a confiança nele
228
Cf. Is 10,20; 13,6.
177
em lugar da busca de alianças estrangeiras, neste caso do Egito, como outrora a Siro-efraimita
(Is 7,9).
O Senhor insiste com Israel que ele é o seu Deus, aquele que o ensina para o seu bem,
aquele que o conduz pelo caminho que ele deve trilhar. Mas, se o povo ao menos tivesse dado
ouvidos aos mandamentos de Deus, a paz seria como um rio e a justiça como as ondas do
mar, sua raça teria prosperidade, o seu nome não seria extirpado diante do Senhor (cf. Is
48,17-19). O caminho da conduta se une agora ao caminho de retorno à própria terra.
A santidade transcendente de Deus manifesta-se nas suas relações com os homens por
meio da sua justiça, que revela o caráter moral no julgamento, Deus recompensa o bem e
pune o mal. O nome santo do Senhor deve ser conhecido no meio do povo de Israel e o seu
nome não pode ser profanado por aqueles que deportaram o seu povo, e são arrogantes
contra o Santo de Israel. Mas o Redentor é poderoso e o seu nome é o Senhor dos Exércitos,
ele pleiteara a causa do seu povo contra a Babilônia (Jr 50,27). Até mesmo as nações
estrangeiras saberão que o Senhor Deus é o Santo de Israel (Ez 39,7).
Mesmo que o povo seja infiel e trai o seu Senhor prostituindo-se com outros deuses,
ele se compadece: como poderia eu abandonar-te ó Efraim, entregar-te, ó Israel? O coração
de Deus se contorce dentro dele, suas entranhas se comovem, ele não executará a sua ira
porque ele é Deus e não um ser humano, ele é santo em meio ao seu povo diz Oséias (Os
11,6-9). O ser humano se colora provocada várias vezes, e se desligaria de um pacto violado
pelo outro parceiro. Deus não se condiciona pela conduta humana: sua santidade pode-se
manifesta perdoando, convertendo e salvando.
Se a santidade de Deus se mostra pela justiça, de forma alguma ela se opõe à bondade
e a misericórdia, pois, é exatamente pela sua ‘justiça’, que o Deus fiel às suas promessas
executa-a perdoando a Israel. A justiça será virtude por excelência do Reino Messiânico,
quando Deus terá transmitido ao seu povo algo de sua santidade (Is 5,16), pois, ele é o Deus
Justo.
178
A justiça de Deus torna-se para Israel, fonte de salvação, que supera todo o mérito
humano, porque termina no perdão dos pecados (Sl 51,16). Esta justiça divina equivale ao
amor, pois libertados dos pecados, o ser humano é novamente integrado na harmonia, cujo
nome é a justiça (Is 61,3.1011). Este é um dos benefícios trazidos pelos tempos messiânicos,
como tempos assinalados pelo direito e pela bondade do Senhor (Is 9,6; 61,1-3).
Isaías identifica a vinha do Senhor dos Exércitos com a casa de Israel e a plantação
preciosa com os homens de Judá. Deles o Senhor esperava o direito, mas produziram a
transgressão, esperava a justiça, mas na verdade suscitaram gritos de desespero (Is 5,7). O
profeta Isaías denuncia os fortes e os violentos porque absolvem o ímpio mediante o suborno
e negam ao justo sua justiça (Is 5,23). A vida desses poderosos se assemelha a chama que
devora a palha, ao ferro que se incendeia e se consome, assim, sua memória se reduzirá ao
mofo e sua lembrança será levada como o pó (Is 5,24).
Também os homens do legislativo não são poupados pelo profeta porque promulgam
leis iníquas, os que reelaboram reescritos de opressão para desapossarem os fracos de seus
direitos e privar da justiça os pobres do seu povo, para despojar as viúvas e saquearem os
órfãos (cf. Is 10,1-20). O profeta vem em defesa dos pobres afirma que Deus julgará os
fracos com justiça, e com equidade pronunciará a sentença em favor dos pobres da terra.
Pois, a justiça será o cinto dos lombos de Deus e a fidelidade o cinto dos rins (cf. Is 11,4-5).
Um governo justo exercido principalmente no ato de julgar. O que significaria julgar? Faz
parte do julgar eliminar aqueles que, promovendo a injustiça, tornam impossível a paz. A
palavra do juiz deveria ser a vara que executa a sentença.
Deus espera o momento certo para mostrar ao desvalido a sua graça, ele se ergue para
mostrar a sua compaixão, porque o Senhor é Deus de justiça e é feliz toda a pessoa que nele
espera (Is 30,18). Quando chegar a era messiânica o Espírito Santo será derramado do alto, o
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deserto se transformará em vergel, e o vergel será tido como floresta. O direito então habitará
no deserto e a justiça morará no vergel. Então o fruto da justiça será a paz e a obra da
justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre, só então, o povo do Senhor
viverá em paz (cf. Is 32,16-17).
Se de um lado povo anseia pela justiça e chega a clamar a Deus: “Gotejai ó céus lá do
alto, derramem as nuvens a justiça abra-se a terra e produza a salvação, e ao mesmo tempo
faça da terra brotar a justiça!” De outro lado, há um apelo do Senhor à conversão: “Dai-me
ouvidos, homens de coração empedernido, que estais longe da justiça. A minha justiça eu a
trouxe para perto, ela não está longe; a minha salvação não há de tardar e darei a Israel a
minha glória” (cf. Is 46,12-13).
A advertência do Senhor é constante por meio de Isaías: “Assim diz o Senhor: observai
o direito e praticai a justiça, porque a minha salvação está prestes a chegar, e minha justiça a
se revelar” (Is 56,1). Se não há prática da justiça, não adianta buscar o Senhor, todos os dias,
interessando-se por conhecer os caminhos do Senhor, como se praticassem a justiça e não
abandonassem o direito estabelecido por Deus. Até chegam a pedir leis justas mostrando
interesse em estar junto de Deus e chegam a pergunta-se: “Porque jejuamos e Deus não nos
vê? Mortificamo-nos e Deus não toma conhecimento disso?” (cf. Is 58,2-30). O povo vem a
Deus como se tivesse méritos, manifestando seus bons desejos em conhecer os caminhos do
Senhor, os mandamentos de Deus e a proximidade com ele. São pretensões, pois, continuam
seguindo os seus próprios caminhos.
Concretamente o que o profeta recrimina no seu povo e nos seus dirigentes: roubar,
matar, cometer o adultério, jurar falso, queimar incenso a baal, correr atrás dos deuses
estrangeiros, que eles não conhecem e depois virem e se apresentarem diante do Senhor no
Templo de Jerusalém, onde o nome do Senhor é invocado e dizerem: “estamos salvos”, para
continuar cometendo estas abominações! “Este templo onde o nome do Senhor é invocado
será porventura um covil de ladrões? Pergunta o Senhor por meio do profeta Jeremias (cf. Jr
7, 5-11).
Ezequiel lembra que o justo pode se afastar da justiça, praticando a injustiça, e se ele
morrer, porque o profeta não o advertiu, ele morrerá certamente em virtude de seu pecado e
a justiça que praticou antes já não será lembrada, mas o profeta será cobrado de sua
responsabilidade. E se o profeta advertiu o justo para que não pecasse e ele não pecou, viverá
porque deu ouvidos à advertência e a vida do profeta será salva. Ezequiel faz memória de
Noé, Daniel e Jó como os que foram salvos pela sua justiça230. O profeta tira a
responsabilidade coletiva sobre os atos particulares que a pessoa comete sobre os atos
particulares, ela própria deve responder por eles.
Se uma pessoa é justa pratica o direito e a justiça ela não participa mais de cultos
idolátricos, não se dirige mais aos ídolos imundos da casa de |Israel, nem desonra a mulher
de seu próximo, nem explora a ninguém, devolve o penhor de uma dívida, não rouba, antes
dá pão ao que tem fome e veste quem está nu, não empresta com juros, nem aceita juros,
229
Cf. Jr 23,6; 33,16.
230
Cf. Ez 3,20-21; 4,20.
181
abstém-se do mal, julga com verdade, age conforme os estatutos e mandamentos do Senhor
e pratica a verdade, este homem é justo e viverá, diz o Senhor (cf. Ez 18,5-9).
Aos príncipes de Israel, Ezequiel, não poupa sua advertência: “Basta! príncipes de
Israel! Afastai-vos da extorsão e da exploração, praticai o direito e a justiça. Parai! com as
violências praticadas contra o meu povo, oráculo do Senhor, Deus. Usai balanças justas,
medidas justas...” (cf. Ez 45,9-12).
Oséias revela a povo de Israel a decepção do Senhor que esperava dele que semeasse
para eles segundo a justiça, colhesse conforme o amor, que cultivassem para ele um terreno
novo: “pois é tempo de procurar, até que ele venha e faça chover a justiça sobre vós”, e, no
entanto, o povo cultivou a iniquidade, colheu a injustiça, comeu o fruto da mentira porque
confiam em seus carros e na multidão de seus guerreiros232.
Amós é muito forte nas suas advertências e ameaças contra Israel, caso não se
converterem, não haverá salvação, porque “eles transformaram o direito em veneno e
lançaram por terra a justiça” (Am 5,9). Esta prática perverte as relações interpessoais e
interfere na relação com Deus, porque lhe é oferecido um culto formal, por isso, Deus se
revela pela boca do profeta: ‘Eu, odeio, eu desprezo vossas festas e não gosto das vossas
reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos... não me agradam as vossas oferendas, não
231
Cf. Dn 9,7; 12,3.
232
Cf. Os 10,12-13.
182
olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu
não posso ouvir o som de tuas harpas! Que o direito corra como água, e a justiça como um rio
caudaloso!’ (cf. Am 5,21-23). A questão que o profeta coloca é a coerência de vida entre a
prática do culto com a justiça social.
Se o ser humano pratica o culto que ele criou para garantir a si mesmo favor de Deus,
sem mudar de conduta, essa pratica é uma farsa é tentativa de suborno; Deus não pode
aceitar. A injustiça vicia o culto. A convivência da injustiça com a prática do culto verdadeiro a
Deus, é inconcebível para o profeta, antes, é absurda como as perguntar que seguem:
‘Correm, por acaso cavalos sobre a rocha ou ara-se o mar com bois? Vós, porém
transformastes o direito em veneno, e o fruto da justiça em absinto!”233 (Am 6,12).
Nas repreensões e ameaças do Senhor ao seu povo, por meio do profeta Miquéias, não
há dúvidas, que ele precisa aprender a ouvir os apelos do Senhor, pois, já sabe o que é bom,
e o que o Senhor deles exige, ‘nada mais do que praticar a justiça, amar a bondade e sujeitar-
se a caminhar com o seu Deus’ (cf. Mq 6,8). Este texto nos oferece uma síntese de deveres
para com o próximo e para com Deus.
Habacuc observa que a justiça foi derrotada, por isso, a lei se enfraquece, o direito
jamais aparece, o ímpio cerca o justo e o direito aparece torcido (Hb 1,4). O profeta
reconhece que a realidade que o cerca é violenta, e ainda somada pela inércia de Deus que
incomoda o profeta, a ponto de questioná-lo: ‘porque contemplas em silêncio os traidores, e o
culpado que devora o inocente?’ (Hb 1,13). O profeta sente-se impotente, e Deus todo
poderoso olha e se cala. Se o silêncio de Deus inicialmente era insuportável, agora chega a ser
incompreensível.
233
Absinto é uma erva pequena aromática conhecida como ‘Artemia absinthium’, dotada de propriedades
amargas, com as folhas dessa planta são preparados ‘o licor de absinto’.
183
porque ele trará de volta para Jerusalém o seu povo disperso. Eles então serão o meu povo e
eu serei o seu Deus na fidelidade e na justiça. Não só os cativos da Babilônia, mas todos os
que foram dispersos, retornarão à Sião e, na sua volta haverá a renovação da aliança (cf. Zc
8,8).
O povo de Israel fez a experiência da pobreza desde as suas origens até conseguir
estabelecer-se como povo. Depois, uma boa parte da população, nas pequenas aldeias e
cidades, grande parte de sua população, viveu na pobreza e na miséria, sobretudo nos anos
após o exílio. Mas uma pequena parte vivia na riqueza e abundância. Nasceram então as leis
que tentavam limitar o direito de propriedade, e proteger os mais pobres.
O profeta Isaías é claro ao afirmar que o Senhor entra em julgamento contra os anciãos
e os príncipes do seu povo porque foram eles que puseram o fogo na vinha e que o despojo
tirado do povo está nas casas deles e os questiona: “Que direito tendes de esmagar o meu
povo e de moer a face dos pobres? Oráculo do Senhor Deus dos exércitos” (Is 3,14-15). Não,
poupa igualmente com palavras duras os chefes e legisladores que promulgam leis iníquas
para despojarem os fracos de seus direitos e da sua justiça os pobres, órfãos e viúvas (cf. Is
10,2).
No hino de ação de graças proferido pelo profeta Isaías, recorda que o Senhor abateu
os habitantes das alturas, a cidade inacessível, ele a fez vir para baixo até o chão, e a fez
lamber o chão. Ela será pisada pelos pés e pisá-la-ão dos pobres e os passos dos fracos, pois
quando se manifestam os julgamentos de Deus, os habitantes do mundo aprendem a justiça.
184
A clarividência de Deus descobre os maus desígnios de quem realiza suas obras nas trevas e
ainda dizem: “Quem nos verá? Quem nos conhecerá?”. O profeta chama isso de perversão
porque querem tratar o oleiro como a argila, ou àquele que fez a obra “ele não me fez”, ou
ainda o vaso dizer ao oleiro “ele não entende nada do ofício”. Cuidado naquele dia, os surdos
ouvirão, o que lê, os olhos dos cegos, livres da escuridão e das trevas tornarão a ver. Os
pobres terão maior alegria no Senhor, os indigentes da terra se regozijarão no Santo de Israel
(cf. Is 29,16-19).
Isaías questiona o jejum que não leva a uma transformação e passa a elencar o jejum
que agrada a Deus: romper os grilhões da iniquidade; soltar as ataduras do jugo; pôr em
liberdade os oprimidos; despedaçar todo o jugo. Se tudo isso agrada a Deus, mais ainda o
agradará o verdadeiro jejum que leva a repartir o pão com o faminto; recolher em sua casa os
pobres desabrigados; vestir o nu e não esconder-se do necessitado. Então, a luz brilhará: se
não houver jugo no seu meio, nem gesto ameaçador, nem língua iníqua, mas se houver
privação por causa do faminto, a saciedade do oprimido, só então, a sua luz brilhará nas
trevas (cf. Is 58,6-10).
234
Cf. Ex 22,21-22; Dt 10,18; 14,29; 27,19.
235
Cf. Jr 7,6; 22,3.
236
Cf. Is 1,23; 9,16; Jr 49,10,11; Ez 22,7.
185
Entre os oráculos que Jeremias pronuncia contra as nações encontra-se Edom, cujos
habitantes foram aniquilados, mas pede para deixar os órfãos porque o Senhor os fará viver e
pede que suas viúvas confiem no Senhor (Jr 49,11). Enquanto Ezequiel denuncia os crimes de
Jerusalém e os que os praticam, entre eles os príncipes de Israel, cada um com suas forças,
estão absorvidos em derramar sangue desprezam pai e mãe, em seu meio o estrangeiro sofre
opressão, o órfão e a viúva são oprimidos (cf. Ez 22,6-7).
Amós, nos oráculos que pronuncia contra Israel provoca a cólera e a indignação dos
seus ouvintes denunciando os seus crimes: “porque vendem o justo por dinheiro, o indigente
por um par de sandálias, esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos e tornam torto o
caminho os pobres...” (cf. Am 2,6-7). Às suas críticas não escapam também as mulheres ricas
de Samaria que são chamadas por ele de “vacas de Basã que estais sobre o monte de
Samaria, que oprimis os fracos, esmagais os indigentes e dizeis aos vossos maridos: trazei-nos
o que beber”. “Vacas” parece ser um título de zombaria, mas representam aqui as mulheres
dos ricos, que juntam a boa vida com a exploração dos pobres.
O profeta faz ameaças à casa de Israel, porque oprimem o fraco, tomam dele um
imposto de trigo, hostilizam o justo, aceitam suborno, repelem os indigentes às portas (cf. Am
5,11-12). Não poupa palavras contra os defraudadores e exploradores que esmagam o
indigente, eliminam os pobres da terra, que esperam a lua nova e o sábado passarem porque
eles interrompiam as transações comerciais, para alterarem os preços, diminuírem as medidas,
falsificarem as balanças. Isso para comprarem o fraco com dinheiro e um indigente por um
186
par de sandálias e venderem o resto do trigo? Os comerciantes fazem dos pobres mercadorias
humanas, obrigando-os a se venderem por dívidas mesquinhas (cf. Am 8,4-8).
Deus abomina: a opressão, a injustiça, a mentira, a exploração, mas aos que, ao menor
sinal de desejo de mudança e de conversão, Deus, perdoa e usa de misericórdia para com os
que se arrependem e adotarem uma nova prática na sua forma de viver e conviverem.
A misericórdia nos escritos proféticos aparece muito mais nos seus sinônimos de
compaixão e perdão. Deus espera a hora de mostrar a sua compaixão, porque ele é justiça,
feliz de quem nele espera. O Senhor de fato, “tem misericórdia de nós, pois em ti esperamos.
Sê nosso braço de manhã em manhã; sim, sê a nossa salvação no tempo da angústia”237. O
profeta faz uma lamentação sobre a Babilônia e a identifica com uma senhora e dialoga com
ela dizendo-lhe que não será mais a senhora dos reinos. Depois, o Senhor se irritou com o seu
povo e reduziu a sua herança à humilhação e entregou-a nas mãos dela, mas eles não usaram
de compaixão para com ela, até sobre os velhos impuseram o duro peso do seu jugo (cf. Is
47,6).
O profeta Isaías usa a imagem tradicional da esposa estéril que se torna fecunda, da
esposa repudiada e depois chamada de volta com grande compaixão e se unirá a ela como o
esposo fiel, referindo-se à Jerusalém. Dela se compadece levado por um amor eterno, diz o
Senhor, o seu redentor (Is 54,7-8). Ele reafirma de tal maneira o seu amor que os montes,
podem mudar de lugar, as colinas podem abalar-se, mas o seu amor não mudará sua aliança
de paz não será abalada, diz o Senhor aquele que se compadece dela. O Senhor reconhece
que os estrangeiros reedificarão os muros de Jerusalém e os seus reis te servirão, pois que, se
na sua cólera a feriu, agora na sua graça se compadeceu dela (cf. Is 60,10). Meditando sobre
a história de Israel, ele eleva um hino de ação de graças por tudo o que Senhor fez pelo seu
237
Cf. Is 30,18; 33,2.
187
povo, pela sua grande bondade para com a casa de Israel pela sua compaixão e a grandeza
do seu amor.
A iniciativa gratuita de Deus servirá de contraste com a rebeldia do povo que oscila
entre propósitos de fidelidade e constantes recaídas, mesmo assim o Senhor não se cansa em
acolher, perdoar e redimi-lo. Ao mesmo tempo, que louva a Deus pela sua compaixão,
desafia-o, porque se sente abandonado: ‘Olha desde o céu e vê, desde a tua morada santa e
gloriosa, onde está o teu zelo e o teu valor? O frêmito das tuas entranhas e a compaixão para
comigo se recolheram?’(Is 65,15).
O profeta Jeremias, mesmo distante dos exilados, acompanhou o seu povo e anima-os
para não terem medo do rei da Babilônia, porque o Senhor está com eles para salvá-los e
livrá-los de suas mãos. Deus promete-lhes misericórdia: “Ele terá misericórdia de vós e vos
fará voltar à vossa terra” (Jr 42,11-12).
Daniel na sua oração reconhece que seu Deus é misericordioso, compassivo e perdoa a
rebeldia do seu povo contra ele, que não escutou a voz do seu Senhor, e Deus que lhes pedia
de andarem segundo as leis que ele lhes dera por meio de seus servos, os profetas (cf. Dn
9,9-10).
Miquéias termina o seu livro com um apelo ao perdão divino e se pergunta: ‘Qual é o
deus como tu, que tira a falta, que perdoa o crime? Em favor do resto de sua herança, ele não
exaspera sempre sua cólera, mas tem prazer em conceder a graça. Mais uma vez ele terá
piedade de nós, pisará aos pés nossas faltas lançarás no fundo mar todos os nossos pecados.
Concederás a Jacó tua fidelidade, a Abraão tua graça, que jurastes a nossos pais desde os
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Os três capítulos iniciais do livro de Oséias apresentam uma analogia do amor conjugal
desonrado. O profeta amou e ama uma mulher que responde ao seu amor com a traição. Do
mesmo modo o Senhor ama Israel, esposa infiel, depois de tê-la provado, dar-lhe-á
novamente a alegria do primeiro amor e tornará o amor da esposa sem defeitos. Oséias é o
primeiro profeta que apresenta na imagem da união conjugal as relações do Senhor com o
seu povo desde a aliança no Sinai. Ele caracteriza a traição idolátrica de Israel não só com a
prostituição, mas também de adultério.
O profeta Isaías retoma a imagem conjugal nas suas lamentações sobre Jerusalém:
“Como se transformou em prostituta a cidade fiel? Esta degradação está em contraste com a
fidelidade primordial de Jerusalém, fidelidade que ela reencontrará após ter sido purificada
pelo castigo, quando os juízes voltarem a ser o que foram antes, e os seus conselheiros como
outrora. Quando isso acontecer, Jerusalém será chamada cidade da justiça a cidade fiel. O
profeta está falando dos habitantes de Jerusalém que viverão na justiça onde se revela a
santidade de Deus (cf. Is 1,23-26).
Isaías chega a falar também do amor paterno desprezado ao recordar a história do seu
filho primogênito Israel: “Quando Israel era menino, eu o amei e do Egito chamei o meu filho.
Mas quanto mais os chamavam, tanto mais eles se afastavam de mim. Eles sacrificavam aos
baais e queimavam incenso aos ídolos. Fui eu, contudo, quem ensinou Efraim a caminhar, eu
os tomei pelos braços, mas não reconheceram que eu cuidava deles! Com vínculos humanos
eu os atraía, com laços de amor eu era para eles como os que levantam uma criancinha
contra o seu rosto, eu me inclinava para ele e o alimentava. Ele não voltará à terra do Egito,
mas a Assíria será o seu rei. Uma vez que recusaram converter-se, a espada devastará em
suas cidades, aniquilará os seus ferrolhos e devorará por causa de seus planos” (Os. 11,1-6).
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Este é o primeiro testemunho do amor de Deus que traz como causa da eleição de
Israel, tema muito forte no livro do Deuteronômio238. Para Oséias a verdadeira história de
Israel começa com a saída do Egito que ele retrata no seu livro (cf. Os12,4-5.13). Do mesmo
modo Isaías retoma o tema do amor paternal não correspondido: “Criei filhos e os fiz crescer,
mas eles se rebelaram contra mim” (Is 1,2), “porque este povo é infiel, constituído de filhos
desleais, de filhos que se recusam a ouvir a lei do Senhor” (cf. Is 30,9).
O profeta não duvida que o povo, não conhece o seu Senhor, é tolo, são filhos
insensatos, não têm inteligência, são sábios para o mal, e não sabem fazer o bem. Quando se
dão contam voltam em lágrimas e súplicas e o Senhor os traz de volta e os conduz novamente
a torrentes de água viva, e os conduz por retos caminhos, onde não tropeçarão, porque ele é
Pai para Israel, e Efraim é o seu primogênito (Jr 31,9). Enfim, a reconciliação e o perdão
pleno: “Será Efraim para mim filho tão querido, criança de tal forma preferida, que cada vez
que falo nele quero ainda lembrar-me dele? É por isso que minhas entranhas se comovem por
ele, que por ele transborda minha ternura, oráculo do Senhor” (Jr 31,20). Deus responde com
um movimento de carinho paternal incontido anulando toda a infidelidade de Israel, num
perdão incondicional.
Se Efraim era filho querido de Deus no Primeiro Testamento, Jesus é o filho querido do
Pai, que assim o reconhece, nas águas do rio Jordão: “Aconteceu, naqueles dias, que Jesus
veio de Nazaré da Galiléia e foi batizado por João no rio Jordão. E logo ao subir da água ele
viu os céus se rasgando e o Espírito, como uma pomba, descer até ele, e uma voz veio dos
238
Cf. Dt 4,37; 7,7-9; 10,15.
190
céus: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1,9-11). É uma grande revelação:
ele vê os céus se rasgando, o Espírito descer em forma de pomba sobre Jesus e, ouvir a voz
Pai declarando-o Filho querido, que só lhe dá alegria.
Há neste texto uma identificação da natureza divina entre o Pai e o Filho, embora
sejam pessoas distintas. O filho é o “resplendor”, o reflexo da glória luminosa do Pai, ele é a
“efígie”, expressão, de sua substância como marca exata deixada por um carimbo “quem me
vê, vê o Pai” foi a resposta que Jesus deu a Filipe quando lhe pediu que mostrasse a face do
Pai (Jo 7,9). Segundo o autor de Colossenses: “Ele é a imagem do Deus invisível...” (Cl 1,15).
Os três títulos de Caminho, Verdade e Vida são ditos de Cristo em referência aos bens
que obtemos graças à mediação dele. Ele nos ensina a Verdade, identificada com a vontade
de Deus a respeito do ser humano, da mesma maneira como nos foi transmitida por meio de
Jesus Cristo239. Ele nos ensina a seguir o caminho que leva ao Pai240, dando-nos ele próprio o
exemplo241, por isso, ele é o Caminho. Iluminados pela palavra de Jesus, estimulados a seguir
o seu exemplo obteremos a Vida, que é ele próprio242.
Mesmo que Jesus nunca tenha se manifestado, na sua pregação, como a segunda
pessoa divina, ou anunciado a si mesmo, como pessoa divina, contudo, na sua relação com
Deus, na sua dedicação a Deus, que o envolve profunda e totalmente em todo o seu ser, isto
nos permite de lançar um olhar na sua autoconsciência, em sua aparição a Maria Madalena:
“Não me toques, pois, ainda não subi ao Pai a meu Pai e vosso Pai; a meu Deus e vosso
Deus” (Jo 20,17).
A identificação cristã de Jesus como “filho” ou “filho de Deus” baseia-se não só sobre a
designação de Deus como Pai, mas também sobre a mensagem e a práxis de Jesus e de
forma definitiva sobre a sua ressurreição e elevação à direita da Majestade de Deus243. No
antigo Israel, o “messias” ou “cristo” do Senhor era o rei ao ser ungido. Ele também é
chamado de “filho de Deus”, e sua entronização era acompanhada pela fórmula: “Eu serei
para ele um pai e ele será para mim um filho...” (2Sm 7,14). Cristo, e filho de Deus, são
funções atribuídas aos reis de Israel. Depois esta tradição foi carimbada com o conceito de
aliança, entre Deus e a dinastia davídica244.
Nesta tradição o rei representava o Senhor Deus, que é o Senhor do mundo, também o
rei, o cristo davídico-messiânico, que assumiu traços universais (Sl 2,7-12). Após a queda do
Reino de Judá, com o início do exílio, começaram a ser ungidos os Sumo Sacerdotes, depois
239
Cf. Jo 8, 40. 45; 17,17.
240
Cf. Jo 8,12; 11,9-10; 12,35.
241
Cf. 1Jo 2,6; Jo 13,15.
242
Cf. Jo 12,50.
243
Cf. Sl 2,7; 2Sm 7,14; At 4,25-27; 13,33; Hb 1,5; 5,5.
244
Cf. 2Sm 23,1-7; Sl 2; 110.
192
os sacerdotes e seguem os profetas, que foram consagrados com a unção, tornou-se assim
uma função, e instituição em Israel (Dt 18,15-19). Por esta razão o conceito de cristo, as
funções distintas de rei, sacerdote e profeta, tendem gradualmente a se confundirem. Por
isso, o título de Cristo toma também o significado de Israel, “Deus conosco” e o ser humano
com Deus (cf. 1Sm 10,1.6). Ele é também o mediador entre Deus e o povo.
Nos escritos de Paulo, Jesus aparece sempre na sua relação com o Pai: “... para nós,
contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para o qual caminhamos, e um só
Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e para quem caminhamos”246. O Evangelho de
João reflete com muita intensidade a relação entre Jesus e o Pai. Sua origem divina nasce da
mesma profundidade da essência eterna de Deus. Jesus é muito mais do que o enviado, ou
um profeta: é a mesma verdade, é a vida, a mesma Palavra de Deus em nosso meio. A
pessoa de Cristo toma as dimensões do universo e da história, enquanto a salvação definitiva
e o juízo futuro já estão presentes, no agora do homem Jesus.
Também no discurso de João tudo é referido a Jesus: o ser humano, o mundo, a igreja,
a redenção, ele sublinha a correlação dialogal e a unidade de Jesus com Deus. Jesus é de
245
Cf. Mt 11, 25-27; Lc 10,21-22.
246
Cf. 1Cor 8,6; 15,26-28.
193
fato, uma só coisa com o Pai e pode dizer “quem me vê, vê o Pai” e mais: “No princípio era o
verbo e o verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”247. Esta tradição está fortemente
enraizada na tradição judeu-cristã que desde os inícios repetiam no Shemá: “Escuta Israel, o
Senhor nosso Deus é Um” (Dt 6,4). O Logos ou Palavra inicialmente misteriosa vai se
identificando pouco a pouco com Jesus Cristo pela encarnação, e torna-se o mediador da
revelação de Deus que pode ser, recusada ou aceita (Jo 7,12-13).
A relação entre Deus Pai e Jesus Cristo não se esgota no Segundo Testamento, ela
comporta como experiência essencial, a relação de Deus e de Cristo, com o Espírito, de
maneira tal que também o Espírito é envolvido estruturalmente, numa única divindade. Não é
possível entender, Jesus de Nazaré, sem termos presente o que afirma o Segundo
Testamento, sobre a sua relação com Deus. A fé no Deus como Pai, e em Jesus como Filho,
não pode subsistir sem a fé no Espírito Santo.
A comunidade cristã se deu conta, muito cedo, da relação especial entre Jesus e o
Espírito Santo. Aliás, o tema do Espírito está presente desde os inícios nas Escrituras e
percorre todo Primeiro Testamento e foi assumido de forma extraordinária na experiência
pascal de Cristo, pela comunidade cristã primitiva. A efusão dos múltiplos dons do Espírito
sobre a comunidade cristã primitiva, com a descida do Espírito Santo, que está coligado, com
a experiência do Ressuscitado, o Cristo pós Pascal.
A condição de Jesus ser elevado à direita do Pai convida-nos a repensar a relação entre
o Espírito e o Jesus de Nazaré, em conexão com o Espírito Santo. De fato, Lucas afirma que
ele foi concebido por obra do Espírito Santo (Lc 1,35). Dele recebeu a missão: “O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos, a recuperação da vista, para
restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar o ano de graça do Senhor” (Lc 4,18s). O
vínculo de Jesus com o Espírito Santo manifestou-se também nos exorcismos, nos milagres,
na experiência da nova criação já iniciada na ressurreição de Cristo248.
247
Cf. Jo 1,1; 20,28; Hb 1,8; 2Pd
248
Cf. Rm 5,11; Gl 3,2; 4,1; 1Ts 4,8; Ef 1,13.
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Uma vez que Deus se revelou, Pai de Jesus Cristo, o Espírito de Deus é reconhecido
como Espírito do Pai e de Cristo. Enquanto, no evento Cristo há a máxima concentração da
obra do Espírito, e por meio de Cristo se efetua, pois, a máxima efusão do Espírito, e assim
entre o Já e o ainda não, do cumprimento, antecipa-se a regeneração do cosmos e da
humanidade.