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RHOROCHOVSKI Empoderamento
RHOROCHOVSKI Empoderamento
24 A 28 DE OUTUBRO DE 2006
TÍTULO DO TRABALHO:
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
1
Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Litoral; Doutorando em Sociologia
Política, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: rodrigorh@ufpr.br. Agradeço ao Prof. Sérgio
Soares Braga (UFPR) – pela orientação da monografia que originou este artigo – e às professoras Kelly
Prudêncio (UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa) e Luciana Veiga (UFPR), membros da banca de
avaliação.
2
O termo foi utilizado inicialmente em países de língua inglesa, sobretudo os EUA. Os primeiros
estudos sobre o tema que apareceram em língua portuguesa – traduções ou originais – traziam a grafia primitiva.
Entre esses estudos, talvez o principal seja o seminal Empowerment: uma política de desenvolvimento
alternativo, de John Friedmann (1996). Após, passou-se a colocar o termo, já em português, entre aspas (como
em Lisboa, 2000), que caíram conforme o vocábulo foi-se incorporando à língua, mesmo que ainda não se o
encontre nos principais dicionários.
2
2. SITUANDO A QUESTÃO
A partir dos anos 1960, a sociedade civil fortalece-se como ator coletivo, democratiza-
se, por meio de ações fora dos partidos e métodos tradicionais de ação política (sem, é claro,
renunciar a essas formas). Constituem-se os novos movimentos sociais, que deslocam a
centralidade da luta de classes e incorporam categorias como ator social e sujeito coletivo,
bem como, ao lado dos direitos sociais, direitos difusos, temas ambientais, questões de gênero
e identidades etc4. Esse processo de democratização é a pedra de toque dos debates em torno
3
Os trabalhos de Romano (2002), Antunes (2002, 2003) e Teixeira (2002) – os dois primeiros no
campo do desenvolvimento, o último, no da saúde – estão entre as exceções.
4
Discussão aprofundada deste tema pode ser encontrada em Laclau (1986), Touraine (2003) e Goss e
Prudêncio (2004).
3
Pode-se localizar, nos EUA, no início dos anos 1970, as primeiras referências ao termo
empoderamento, sobretudo pelos movimentos pelos direitos civis, em grande parte
encabeçados por feministas e negros. Naquele momento, a palavra passou a freqüentar o
discurso do desenvolvimento alternativo, significado o envolvimento ativo das pessoas na luta
pelo aumento de controle sobre recursos e instituições (Solomon, 1976; Perkins, 1995; Costa,
2000; Cornwall, 2000; Antunes 2002).
Pouco a pouco, a gramática do empoderamento invade outros campos. Com base nas
idéias de Putnam (1996), o conceito ganha visibilidade em outras arenas. Sem usar
especificamente o termo, o autor inspirou toda uma vertente de estudos sobre empoderamento
por meio de seu conceito de capital social6. Putnam assevera ser este essencial para o
fortalecimento da sociedade civil e, ato contínuo, para o desenvolvimento econômico e
social7.
5
Para esse autor, num processo dialético, tal modelo de desenvolvimento gera as formas de resistência,
mais ou menos conflitivas, que se lhe opõem, fulcro do empoderamento. Entre essas, destacam-se a persistência
do trabalho informal em face de um Estado hostil, as organizações econômicas populares (OEP), pelas quais se
descobrem valores de ajuda mútua e movimentos de protesto, dirigidos a necessidades coletivas (saneamento,
água etc), em localidades negligenciadas pelas políticas públicas.
6
Laços comunitários entre um grupo de pessoas, robustecidos por redes de associações, atividades ou
relações que reforçam, por meio do compartilhamento de normas sociais, de uma forte cultura cívica e da
presença de um elevado nível de confiança interpessoal.
7
Estudos relativizam a força explicativa de teses de veio culturalista como a de Putnam, dentre os quais
destaco os de Przeworski, Cheibub e Limongi (2003) e Rennó (2003).
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8
Lyda J. Hanifan o teria, já em 1916, e há outras perspectivas para seu uso – como, por exemplo, a
disseminada conceituação de Pierre Bourdieu, que tem a ver com os recursos que distinguem e posicionam as
pessoas nos campos de poder da sociedade (Farr, 2004).
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Esta e outras traduções ao longo do texto são de responsabilidade do autor.
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Volto a discutir essas divergências na Seção 4 - Algumas Perspectivas do Empoderamento.
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11
A entrada neste tema demanda um esclarecimento: não se pode tratar participação, capital social e
empoderamento como sinônimos ou termos intercambiáveis. Na realidade, conforme o ponto de vista que se
tome, participação e capital social, como aqui definidos, são requisitos, meios, enfim, para se atingir o
empoderamento. Entretanto, a presença daqueles só irá garantir que isso ocorra quando as pessoas e grupos
considerados tiverem, de fato, poder de decisão sobre suas vidas e assuntos de seu interesse. Assim, há quem
relativize a capacidade de processos de participação, mormente quando conduzidos por ONGs em contextos de
extrema pobreza, terem como resultado um empoderamento efetivo (Bell, 2004).
12
Vários são os exemplos disso. Um deles é o do Orçamento Participativo. Nos locais em que este
funciona a parcela do orçamento objeto de discussão e alocação para a população é bastante reduzida em face
das vinculações orçamentárias preexistentes.
7
comunidades locais foram cooptados. Ademais, as parcerias muitas vezes não conseguem
resolver conflitos de interesses subjacentes.
Para ilustrar a discussão acima, Rich et al. (1995) referem a situações de risco
ambiental vividas por determinadas comunidades – embora se pudesse utilizar outros
exemplos com o mesmo efeito. Em geral, quando tais situações ocorrem, o potencial é
inicialmente de desempoderamento, pois os cidadãos médios geralmente têm pouco ou
nenhum controle sobre a ocorrência ou as conseqüências de tais riscos e freqüentemente
dependem de outros para decidir seu futuro. Além disso, tais riscos podem causar rupturas na
vida das pessoas (separação de vizinhanças, riscos à saúde, perda de patrimônio, crises
familiares entre outras). Como resposta, pode emergir, entre os afetados, uma percepção de
impotência, de que a vida não voltará ao normal e que os responsáveis não estão sujeitos à
accountability14, fazendo nascer o sentimento de injustiça.
13
Dentre os muitos casos de empoderamento resultante da participação a partir das grassroots, cito
dois: em 1994, ONGs ambientalistas de várias nacionalidades formaram uma rede chamada Coalizão Rios
Vivos, cujo objetivo era denunciar os possíveis efeitos sócio-ambientais da construção da Hidrovia Paraguai-
Paraná que, com efeito, acabou sendo abandonado pelos governos envolvidos. Outra experiência ilustrativa são
as ações de resistência dos moradores da Praia do Campeche, em Florianópolis (SC) contra mudanças na Lei de
Zoneamento do município, em discussão na Câmara Municipal e que atenderiam aos interesses da especulação
imobiliária. Até o momento, os moradores têm sido bem-sucedidos. Quanto à participação formal ou com
mandato governamental, penso também em dois exemplos: os conselhos gestores de políticas públicas,
fortalecidos pela Constituição de 1988, ainda que, em seu funcionamento cotidiano, ocorram muitas limitações; e
o já mencionado orçamento participativo.
14
Accountability é a responsabilidade dos agentes públicos perante cidadãos que fiscalizam, exercem
controle sobre as ações daqueles agentes. Para O’Donnel (1998), a accountability assume duas formas: vertical e
horizontal. A primeira refere-se ao controle dos atos dos governantes pelos cidadãos, por meio de ações
assimétricas de baixo para cima, cujo mecanismo mais conhecido é o voto, e de cima para baixo, por meio de
controles burocráticos. A forma horizontal, por seu turno, refere-se ao sistema de checks and balances, ou seja,
de autonomia e equilíbrio entre os poderes do Estado, que se controlam mutuamente. Smulovitz e Peruzzoti
(2000) adicionam uma terceira forma, a accountability societal, exercida pela sociedade civil e definida como
um “mecanismo de controle não eleitoral, que emprega ferramentas institucionais e não institucionais (ações
legais, participação em instâncias de monitoramento, denúncias na mídia), que se baseia na ação de múltiplas
associações de cidadãos, movimentos, ou mídia, objetivando expor erros e falhas do governo, trazer novas
questões para a agenda pública ou influenciar decisões políticas a serem implementadas pelos órgãos públicos”.
8
As respostas aos riscos ambientais, continuam Rich et al. (1995) e a outros desafios
fundamenta-se tanto na capacidade de a comunidade responder aos problemas (potencializada
se houver base institucional comunitária como grupos cívicos ou religiosos) quanto na
capacidade de as instituições formais responderem aos cidadãos e envolvê-los nos processos
de tomada de decisão. Quando esses mecanismos não existem, os cidadãos têm de enfrentar
custos de ações judiciais e desobediência civil (custo do confronto).
15
Na seção 5. Dimensões do Empoderamento, procuro aprofundar a análise desses três níveis.
16
A propósito do papel das organizações em relação ao empoderemento, Zimmerman (1995) diferencia
aquelas cujas açoes facilitam confiança e a competência de membros individuais, daquelas que influenciam seus
ambientes. Para Rich et al., as primeiras estão mais relacionadas a processos de empoderamento, as últimas, a
resultados.
9
17
Osmani (s/d) desenvolve uma tipologia, segundo a qual a descentralização de poder aparece em
quatro formas: desconcentração, devolução (transferência aos governos locais), delegação (transferência a
agentes fora da burocracia); privatização/parceria (transferência para organizações voluntárias ou empresas
privadas).
No caso brasileiro, uma perspectiva para tal descentralização resultou dos compromissos gerados pela
redemocratização, principalmente devido ao caráter municipalista da Constituição Federal de 1988, que prevê o
envolvimento das comunidades locais no processo decisório e de controle de implementação de políticas, que
teria permitido o empoderamento de segmentos da comunidade e uma maior accountability política (Souza,
2004).
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Para Sen (2000), liberdades substantivas são aquelas que garantem aos indivíduos a capacidade de
participar efetivamente dos destinos de sua comunidade, sendo agentes, em vez de pacientes. Assim, para além
de seu aspecto político, as liberdades substantivas implicam direitos que garantam qualidade de vida, tais como
segurança econômica e física, proteção contra fomes e doenças tratáveis, mecanismos de combate a diversas
formas de discriminação, transparência nas relações sociais. Assim o autor em apreço, em sua proposta de
desenvolvimento como liberdade, para além do crescimento econômico preconizado pelas teorias
desenvolvimentistas tradicionais, introduz indicadores como participação democrática e sustentabilidade para
avaliar o desenvolvimento das sociedades.
10
O fim último desse processo – que se inicia nas unidades domésticas e comunidades
locais, mas, em longo prazo, por meio da ação política, visa a mudar as relações de poder em
níveis nacional e internacional – é
19
Alguns estudos o exemplificam: Celina Souza (2001) mostra a oposição dos vereadores de Porto
Alegre (RS) em aceitar uma experiência como o Orçamento Participativo e Pedro Jacobi et al. (2004) ressalta as
resistências opostas pelos representantes de órgãos governamentais e peritos à ampliação da participação de
leigos na gestão de recursos hídricos.
11
os mais pobres entre os pobres que, de fato, ficam alijados mesmo das experiências bem
sucedidas de descentralização e participação (Souza, 2001; Osmani, s/d).
20
Aparentemente, a categoria empoderamento vem sofrendo processo análogo ao que se desenvolve no
debate de categorias como sociedade civil, ONG, cidadania entre outros, descrito por Dagnino (2004). Segundo
este as palavras são ressignificadas e apropriadas por discursos e atores distintos, quando não opostos, daqueles
que inicialmente os elaboraram como expressão de suas crenças e lutas no sentido de transformações sociais
mais profundas.
21
BERGER, P. L.; NEUHAUS, R. J. (1977). To empower people: The role of mediating structures in
public policy. Washington, DC: American Enterprise Institute.
12
Pela vertente conservadora, o empoderamento é visto apenas como meio para reduzir
impostos e encontrar mecanismos alternativos aos estatais clássicos e universalizantes de
promoção de direitos sociais. Com este significado, o conceito apresenta potencial altamente
reacionário23, incluindo alertas contra liberdades civis como inimigas de valores comunitários,
isolamento do racismo como única forma de discriminação cuja proibição legal é válida e
aprovação de controle da comunidade sobre comportamentos legais, porém “desviantes”
(Perkins, 1995).
22
A lógica que opõe Estado e sociedade civil é empiricamente contestável. Estudo liderado por
Salamon, Sokolovski e List (2003) revela não haver correlação entre sociedade civil forte e estado fraco, pelo
contrário: países cujo Estado é conhecido por sua forte presença – na economia, na composição da força de
trabalho, no sistema de direitos sociais etc – apresentam as mais fortes taxas de associativismo civil entre suas
populações.
23
Vale lembrar que o manifesto e o movimento neoconservador liderado pela direita do Partido
Republicano nos EUA se chama Empower America e, ao fim e ao cabo, esta ala chegou ao poder político do país
mais poderoso do mundo.
13
Não há como negar a qualidade dos trabalhos desta vertente – a clareza de suas
definições e precisão dos instrumentos são de grande valia independentemente do ponto de
vista que se adote, feita a ressalva de que o empoderamento é uma variável muito dependente
das singularidades de cada contexto. Há, entretanto, críticas à perspectiva adotada em
24
No Brasil, esta visão esteve muito presente nos projetos de intervenção social e de Reforma do Estado
no Governo de Fernando Henrique Cardoso e tem, entre seus defensores, Brasser Pereira (1999) e Franco (1999).
25
Entre os favoráveis a esta posição, pode-se citar Cohen e Arato (1994), Avritzer (1998), Scherer-
Warren (1996), Costa (1997), Lüchmann (2003), entre outros.
14
trabalhos patrocinados por instituições como o Banco Mundial. Uma delas refere-se às
implicações do interesse no tema entre trabalhadores e pesquisadores em desenvolvimento
comunitário: os patrocinadores da pesquisa imporiam, como bottom line para a decisão sobre
os patrocínios, critérios econômicos, sobrevalorizando a importância da eficiência econômica
quantitativa em detrimento de outras dimensões, havendo, para os críticos, a necessidade de
se valorizar métodos qualitativos para avaliar outras dimensões do empoderamento (Perkins,
1995).
26
Essa autora distingue os processos participativos nos quais apenas se concede direito à voz daqueles
em que ocorre um empoderamento de fato, quando, segundo ela, há uma situação de poder na gestão direta dos
programas e projetos (Souza, 2004).
27
Em relação a estas, questiona-se, especificamente, se a prestação de serviços não se tem transformado
em um fim em si mesmo, utilizando-se o termo empoderamento para legitimar práticas que na verdade poderiam
ser consideradas assistencialistas.
15
democracia participativa. Empoderamento aqui, como já dito, não é uma técnica que se
aprende em cursos28 e sim uma ideologia crítica do modelo de desenvolvimento vigente
(Friedmann, 1996; Romano, 2002). Empoderar, nessa perspectiva, significa os indivíduos e as
comunidades conquistarem vez e voz, noutras palavras, ter autonomia e capacidade de fazer
suas próprias escolhas culturais, políticas e econômicas, tomar parte nas decisões que lhe
dizem respeito (Lisboa, 2000).
O empoderamento, adicionalmente, não é uma dádiva, algo que possa ser outorgado;
“não é algo que pode ser feito a alguém por uma outra pessoa. Os agentes de mudança
externos podem ser necessários como catalizadores iniciais, mas o impulso do processo se
explica pela extensão e a rapidez com que as pessoas e suas organizações se mudam a si
mesmas”. (Romano, 2002, p. 6). A abordagem do mainstream liberal deixa em segundo plano
a ação organizativa de construção da auto-estima e de confiança, a qual se dá num processo
relacional e conflituoso, que envolve vínculos com outros atores, e diz respeito a situações de
dominação. Nessa perspectiva, empoderamento significa as populações locais terem
responsabilidade pelos projetos de desenvolvimento, por vezes formulados inicialmente por
agências governamentais e/ou ONGs.
28
A que Romano (2002) denomina pedagogização ou tecnização do empoderamento. Romano censura
também a superpolitização e a atomização do empoderamento, pelas quais, num pólo, se o reduz a um tipo de
ação coletiva, considerando organizações e movimentos sociais seus atores exclusivos, e noutro pólo, de matriz
neoliberal, atomizam-se as situações de dominação, reduzindo-se a questão ao interesse egoísta individual.
16
5. DIMENSÕES DO EMPODERAMENTO
Poderes (ou Recursos do Empoderamento): Embora se possa encontrar uma vasta literatura
sobre o que chamo, neste trabalho, de recursos do empoderamento, as contribuições de
Friedmann (1996) e Antunes (2002) sintetizam as fontes de poder, ou como eles denominam,
poderes: sociais, econômicos, políticos e psicológicos.
29
Esta dimensão tem a ver com a discussão das estruturas de participação, que faço nos primeiros
parágrafos da seção 3. Empoderamento, Participação e Desenvolvimento.
30
Em Friedmann (1996) e Antunes (2002), esta dimensão compõe o poder social. Prefiro desdobrá-lo
com o propósito de enfatizar a importância dos recursos tangíveis para o empoderamento.
19
Escopo da intervenção e das políticas de empoderamento: Tal escopo pode inicialmente dar-
se em dois níveis: nos contextos de base (grassroots) e no desenvolvimento comunitário
(Perkins, 1995), com que se pode atingir o nível macro da política. No primeiro caso, trata-se
de intervenções menores, localizadas, que “agem” localmente, mesmo que “pensem”
globalmente. Tais intervenções, segundo diversos autores (Uphoff, 1993; Perkins, 1995;
Osmani, s/d; Edwards, 1999), normalmente são mais efetivas. As intervenções e políticas de
desenvolvimento comunitário, por sua vez, objetivam o aumento do controle dos indivíduos e
grupos que habitam uma determinada comunidade sobre problemas que afetam sua qualidade
de vida. Em ambos os níveis, a participação é causa e efeito do empoderamento, individual e
coletivo, não se podendo ignorar nem uma nem outra dessas dimensões. O desenvolvimento
comunitário, tema que exploro com mais pormenores na próxima seção, é um processo
dialético, cujos pólos se complementam: autonomia individual x autonomia do grupo,
autoconfiança x interdependência, democracia participativa x governança representativa,
aprendizado empírico x conhecimento teórico (Zimmerman, 1990; Perkins, 1995).
Em síntese, ocorre empoderamento quando atores sociais reúnem recursos que lhes
permitem, efetivamente, tomar parte das decisões que lhes afetam, por meio de sua voz e de
suas ações. Em outros termos, pessoas e grupos empoderam-se quando conquistam autonomia
para, nos limites das coerções normais em qualquer agrupamento humano, decidir sobre seu
destino. Portanto, a falta dos recursos retro-aduzidos implica que os sujeitos vivam sob
condições de quase exclusiva heteronomia, não podendo decidir por si próprios sobre aquilo
que lhes diz respeito.
Por fim, Perkins (1995) defende a necessidade de que tanto a teoria quanto a pesquisa
empírica e seus operadores produzam resultados mais práticos e aplicáveis. Para tanto, como
já comentei, é essencial tratar as narrativas como recursos e fontes precípuas de pesquisa, pois
“as definições e descrições mais claras do empoderamento podem advir de vozes nas linhas
de frente dos movimentos por mudanças sociais do que das literaturas de pesquisa ou sobre
políticas”. Nesse sentido, afiança Rappaport (1995), um papel essencial do que ele denomina
pesquisador/ativista é disseminar a narrativa dos empoderados e auxiliar na estruturação
daqueles que ainda não o são. Isso não suprime a adoção de indicadores quantitativos (ou a
quantificação de indicadores qualitativos), por pesquisadores de um prisma emancipatório, o
que, com efeito, facilitaria o diálogo com atores institucionais importantes do Estado e do
mercado, os quais entendem melhor a linguagem dos números e resultados quantificáveis do
que outras linguagens.
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A despeito de seu viés marcadamente normativo, tal prescrição apóia-se em pesquisas de projetos de
empoderamento para defender seus pontos de vista (Osmani, s/d; Antunes, 2002; 2003; Lisboa, 2000; Kumar e
Sreeddhara, 2004; entre muitos outros).
25
Como todo trabalho de pesquisa, este apresenta limitações. Por algumas delas, assumo
integral responsabilidade; por outras, nem tanto. Pesquisar empoderamento no Brasil não é
tarefa simples. A grande maioria das obras de referência, principalmente quando se trata de
livros, simplesmente inexiste nas bibliotecas das principais instituições de pesquisa.
Com esses problemas, se depararão todos os pesquisadores que optarem por utilizar o
empoderamento como categoria analítica e realizar um trabalho mais diligente de
conceituação. Assim, a escassez de fontes de qualidade acessíveis ao pesquisador brasileiro é
um fator que limita este trabalho 32. Por outro lado, o leitor mais ou menos atento terá
percebido que adoto claramente uma perspectiva e, ao fazê-lo, negligencio outras, por
melhores que sejam. Talvez não seja esta uma limitação, propriamente. Todavia, o alerta é
importante para que se saiba de onde estou falando.
32
O portal Periódicos Capes ameniza essas dificuldades.
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REFERÊNCIAS
COHEN, J.; ARATO, A. (1994), Civil Society and Political Theory. Cambridge: M.I.T.
Press.
EDWARDS, M. (1999) NGO Performance – What Breeds Success? New Evidence from
South Asia, World Development, 27(2): 361-374.
O’DONNEL, G. (1998) Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo,
n. 44.
PERKINS, D.D. (1995). Speaking truth to power: empowerment ideology as intervention and
policy. American Journal of Community Psicology. Oct. v. 23. n. 5. p. 765-94.
28
PRZEWORSKI, A.; CHEIBUB, J. A.; LIMONGI, F. (2003) Democracia e cultura: uma visão
não culturalista. Lua Nova, n. 58, 2003, p. 9-35.
RICH, R.C. et al. (1995). Citizen participation and empowerment. American Journal of
Community Psicology. Oct. v. 23. n. 5. p. 657-76.
SEN, A. K. (2000) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das Letras.
_____. (2004) Governos locais e gestão de políticas sociais universais. São Paulo em
perspectiva, 18 (4): 27-41.