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30º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

24 A 28 DE OUTUBRO DE 2006

GT 18 – PODER POLÍTICO E CONTROLES DEMOCRÁTICOS

TÍTULO DO TRABALHO:

EMPODERAMENTO: DEFINIÇÕES E APLICAÇÕES

AUTOR: RODRIGO ROSSI HOROCHOVSKI


1

EMPODERAMENTO: DEFINIÇÕES E APLICAÇÕES

Rodrigo Rossi Horochovski1

RESUMO

As últimas décadas testemunham um crescente uso do conceito de empoderamento nas mais


diversas áreas: administração, economia, saúde pública, psicologia e sociologia política. Neste
último campo, onde se insere este artigo, emprega-se o conceito principalmente nas
discussões sobre democracia e desenvolvimento, seja na literatura ou em políticas e
programas. Pode-se inicialmente entender empoderamento como a capacidade de os
indivíduos e grupos terem controle sobre o que lhes afeta, escolhendo, com o maior grau
possível de autonomia, seus cursos de ação em múltiplas dimensões – política, econômica,
cultural, entre outras –, o que implica ampliação da participação cidadã no processo político
de tomada de decisão. Neste artigo problematizo o empoderamento, a partir da exposição das
perspectivas que sobre ele se constituem, e proponho algumas estratégias para sua aplicação,
tanto em estudos de ciência política quanto em intervenções – com a mediação de
organizações do Estado e/ou da sociedade civil – que visem ao desenvolvimento social,
político e econômico de indivíduos e grupos.
Palavras-Chave: Empoderamento; Participação; Desenvolvimento

1. INTRODUÇÃO

Empoderamento é o equivalente em português do vocábulo inglês empowerment2.


Numa primeira mirada, empoderamento é quase sinônimo de autonomia, na medida em que se
refere à capacidade de os indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes
dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de ação alternativos em múltiplas esferas –
política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo, trata-se de um atributo,
mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas.

1
Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Litoral; Doutorando em Sociologia
Política, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: rodrigorh@ufpr.br. Agradeço ao Prof. Sérgio
Soares Braga (UFPR) – pela orientação da monografia que originou este artigo – e às professoras Kelly
Prudêncio (UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa) e Luciana Veiga (UFPR), membros da banca de
avaliação.
2
O termo foi utilizado inicialmente em países de língua inglesa, sobretudo os EUA. Os primeiros
estudos sobre o tema que apareceram em língua portuguesa – traduções ou originais – traziam a grafia primitiva.
Entre esses estudos, talvez o principal seja o seminal Empowerment: uma política de desenvolvimento
alternativo, de John Friedmann (1996). Após, passou-se a colocar o termo, já em português, entre aspas (como
em Lisboa, 2000), que caíram conforme o vocábulo foi-se incorporando à língua, mesmo que ainda não se o
encontre nos principais dicionários.
2

O tema do empoderamento vem ganhando relevância acadêmica e social nas últimas


décadas, passando a fazer parte de campos do conhecimento os mais diversos, em especial,
administração, economia, saúde pública, psicologia e sociologia política. Entra, além disso, na
agenda política de diferentes atores e instituições, como governos, empresas e organizações
da sociedade civil, agências e bancos internacionais de desenvolvimento.

Como praticamente todo tema emergente, o empoderamento gradativamente


transforma-se numa moda intelectual, freqüentando discursos de atores de orientações
políticas e identidades culturais por vezes díspares e prestando-se a múltiplos usos. Pode-se
falar, então, numa utilização polissêmica e indiscriminada do conceito ao sabor de quem o
emprega conforme suas intenções e posição no espectro político-ideológico. Ao mesmo
tempo, em que pese a crescente produção de qualidade acerca do assunto, que inclui
dissertações e teses, é escassa em português uma literatura que logre realizar conceituações e
revisões históricas mais densas3.

O objetivo deste artigo é contribuir para a produção teórica a respeito do tema. A


despeito de um viés normativo, que ficará mais ou menos explícito durante a leitura, tento
lançar um olhar eqüidistante sobre as múltiplas faces do fenômeno. Para isso, ao longo do
texto, problematizo e definições do empoderamento bem como discuto aplicações teóricas e
práticas do conceito, principalmente para os campos das ciências sociais e do
desenvolvimento.

2. SITUANDO A QUESTÃO

A partir dos anos 1960, a sociedade civil fortalece-se como ator coletivo, democratiza-
se, por meio de ações fora dos partidos e métodos tradicionais de ação política (sem, é claro,
renunciar a essas formas). Constituem-se os novos movimentos sociais, que deslocam a
centralidade da luta de classes e incorporam categorias como ator social e sujeito coletivo,
bem como, ao lado dos direitos sociais, direitos difusos, temas ambientais, questões de gênero
e identidades etc4. Esse processo de democratização é a pedra de toque dos debates em torno

3
Os trabalhos de Romano (2002), Antunes (2002, 2003) e Teixeira (2002) – os dois primeiros no
campo do desenvolvimento, o último, no da saúde – estão entre as exceções.
4
Discussão aprofundada deste tema pode ser encontrada em Laclau (1986), Touraine (2003) e Goss e
Prudêncio (2004).
3

do empoderamento, na medida em que engendra novas idéias de auto-sustentabilidade, as


quais pregam um desenvolvimento centrado em pessoas e em harmonia com o ambiente
(Friedmann, 1996).

Pode-se localizar, nos EUA, no início dos anos 1970, as primeiras referências ao termo
empoderamento, sobretudo pelos movimentos pelos direitos civis, em grande parte
encabeçados por feministas e negros. Naquele momento, a palavra passou a freqüentar o
discurso do desenvolvimento alternativo, significado o envolvimento ativo das pessoas na luta
pelo aumento de controle sobre recursos e instituições (Solomon, 1976; Perkins, 1995; Costa,
2000; Cornwall, 2000; Antunes 2002).

As propostas de desenvolvimento alternativo nascem devido à constatação de que,


antes de superar exclusões políticas e econômicas, o modelo de desenvolvimento tradicional,
focado no aumento da produtividade econômica, promoveu o incremento dos redundantes,
daqueles que não participam, se não de forma marginal, da economia globalizada, vivendo
nas franjas da economia monetária (Sen, 2000). Como sinais inequívocos desse processo,
Friedmann (1996)5 assinala o crescimento da população sem terra e a marginalização do
emprego em áreas urbanas, enquanto o capital concentra-se em uma reduzida minoria.

Pouco a pouco, a gramática do empoderamento invade outros campos. Com base nas
idéias de Putnam (1996), o conceito ganha visibilidade em outras arenas. Sem usar
especificamente o termo, o autor inspirou toda uma vertente de estudos sobre empoderamento
por meio de seu conceito de capital social6. Putnam assevera ser este essencial para o
fortalecimento da sociedade civil e, ato contínuo, para o desenvolvimento econômico e
social7.

5
Para esse autor, num processo dialético, tal modelo de desenvolvimento gera as formas de resistência,
mais ou menos conflitivas, que se lhe opõem, fulcro do empoderamento. Entre essas, destacam-se a persistência
do trabalho informal em face de um Estado hostil, as organizações econômicas populares (OEP), pelas quais se
descobrem valores de ajuda mútua e movimentos de protesto, dirigidos a necessidades coletivas (saneamento,
água etc), em localidades negligenciadas pelas políticas públicas.
6
Laços comunitários entre um grupo de pessoas, robustecidos por redes de associações, atividades ou
relações que reforçam, por meio do compartilhamento de normas sociais, de uma forte cultura cívica e da
presença de um elevado nível de confiança interpessoal.
7
Estudos relativizam a força explicativa de teses de veio culturalista como a de Putnam, dentre os quais
destaco os de Przeworski, Cheibub e Limongi (2003) e Rennó (2003).
4

Putnam não foi o primeiro a falar em capital social8. Entretanto, ao relacioná-lo ao


desenvolvimento comunitário, inspirou pesquisas e intervenções que, entre os anos 1980 e 90,
permitiram a aceitação, apropriação e re-semantização da temática do empoderamento pelo
mainstream do desenvolvimento (Romano, 2002). O Banco Mundial, por exemplo, a
incorpora em seus projetos de desenvolvimento e redução da pobreza.

A incorporação da categoria em diferentes campos e perspectivas gera a necessidade


de clarificação, haja vista o conceito tornar-se vital para compreender o desenvolvimento de
indivíduos, organizações e comunidades (Zimmerman, 1995). No entanto, à medida que é
aceito, o empoderamento converte-se num guarda-chuva conceitual, que se presta a vários
usos, ao mesmo tempo em que, pelo menos segundo autores como Perkins e Zimmerman
(1995, p.2), há uma escassez de esforços de definição: “muito do que se escreve sobre
empoderamento freqüentemente negligencia a conexão entre teoria e pesquisa e
freqüentemente deixa intervenções focadas no empoderamento sem um framework que
organize nosso conhecimento” 9.

Ao referido framework explicativo, estudiosos do tema dedicaram, em 1995, todo um


fascículo do American Journal of Community Psychology, com resultados bastante
importantes para o esclarecimento do debate. Conquanto Rappaport (1995) concorde com
Zimmerman (1995), que o empoderamento seja um construto aberto, defende aquele autor a
necessidade de explicá-lo em contextos particulares. É nesse sentido que cabe a definição do
Cornell Empowerment Group (apud Rappaport, 1995), segundo a qual empoderamento é "um
processo intencional e contínuo, centrado na comunidade local (grifo meu), envolvendo o
respeito mútuo, a reflexão crítica, a atenção e a participação, por meio do qual as pessoas a
que falta um acesso a uma fatia igual dos recursos obtêm maior acesso e controle sobre tais
recursos". A esta definição, soma-se a de Perkins e Zimmerman (1995, p. 1) para quem o
“empoderamento é um construto que liga forças e competências individuais, sistemas naturais
de ajuda e comportamentos proativos com políticas e mudanças sociais”. Trata-se, aqui, da
constituição de comunidades responsáveis, mediante um processo no qual os indivíduos que
as compõem obtêm controle sobre suas vidas, participam democraticamente no cotidiano de
diferentes arranjos coletivos e compreendem criticamente seu ambiente.

8
Lyda J. Hanifan o teria, já em 1916, e há outras perspectivas para seu uso – como, por exemplo, a
disseminada conceituação de Pierre Bourdieu, que tem a ver com os recursos que distinguem e posicionam as
pessoas nos campos de poder da sociedade (Farr, 2004).
9
Esta e outras traduções ao longo do texto são de responsabilidade do autor.
5

Além do alcance local, Rappaport (1995) atribui ao empoderamento a função de fazer


com que as pessoas tenham voz e sejam ouvidas. Segundo o autor, “os objetivos do
empoderamento são alcançados quando as pessoas descobrem, ou criam e dão voz a uma
narrativa coletiva que sustenta suas próprias histórias pessoais em termos positivos. Este
processo é recíproco, de modo que muitos indivíduos (...) criam, mudam e sustentam a
narrativa do grupo”.

Perkins (1995), em face da onipresença do conceito em anos recentes, diagnostica um


uso mais efetivo da teoria e pesquisa do empoderamento em oposição à mera retórica. O tema
tem recebido apoio de diferentes visões políticas. Conservadores vêem-no como resultado da
atuação de um voluntariado privado que reduz o papel e o tamanho do Estado, enquanto
progressistas o consideram um meio de reavivar apoio para políticas públicas, como projetos
de renovação urbana, combate à pobreza etc10. Todavia, em concordância com as citações
anteriores, o autor em tela afirma que “a literatura disponível sobre essas intervenções [que
visam ao empoderamento], especialmente nos altos níveis de formulação de políticas,
raramente define empoderamento ou suas dimensões de modo claro ou o utiliza
consistentemente ou o mede como um resultado”.

Em suma, a entrada do empoderamento nas agendas acadêmica e política é


relativamente recente, o que, em parte, explica a polissemia que caracteriza as discussões em
torno da categoria. Não há solução à vista para isso, no entanto, a procura de definições mais
acuradas tem levado a uma maior clareza de perspectivas neste debate.

3. EMPODERAMENTO, PARTICIPAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Independentemente da perspectiva que se adote, empoderamento implica muitas vezes


ultrapassar os instrumentos clássicos da democracia representativa, tendo por base um
aumento da cultura política e do capital social. Criam-se novas institucionalidades (Rich et al.,
1995; Jacobi et al., 2004), dilata-se o componente participativo das políticas públicas,
mediante a publicização dos conflitos e dos procedimentos de participação, como discussão,
negociação, deliberação e voto, para cuja efetividade é necessário ampliar o acesso à

10
Volto a discutir essas divergências na Seção 4 - Algumas Perspectivas do Empoderamento.
6

informação e consolidar os canais abertos para a participação cidadã11. O ponto de partida


desse processo, sem desconsiderar as lutas globais, é o local, desde as unidades domésticas
(Antunes, 2002).

Rich et al. (1995) preconizam que, para se garantir o acesso às informações


necessárias à tomada de decisão nos processos participativos, os cidadãos devem ser parceiros
e as informações, produzidas de um modo compreensível ao cidadão médio. Todavia, as
instituições não devem apenas informar e ouvir os cidadãos, mas também responder a suas
preocupações, para o que se necessita que as instâncias decisórias incluam representantes dos
cidadãos afetados. As estruturas de participação seguem, então, duas abordagens principais: o
modelo adversarial e o modelo de parceria. Naquele, os envolvidos (stakeholders) reagem a
fatos e decisões que lhes afetam sem participar de sua formulação, muitas vezes só lhe
restando o conflito para fazer valer seus interesses.

No modelo de parceria, os stakeholders têm papel mais ativo, na medida em que se


garante sua presença nas instâncias deliberativas, sendo possível, então, a busca de bases
consensuais para ações concertadas em comum. As vantagens deste modelo são evidentes: o
menor custo de participação, dado que se economiza tempo, energia e recursos financeiros
que poderiam ser perdidos em conflitos desnecessários e, além disso, convida-se ao
empoderamento proativo, no qual os participantes influem na construção das próprias agendas
políticas.

As parcerias, contudo, têm limitações. Externamente, os interesses da comunidade são


apenas um dos fatores a serem pesados pelas agências públicas, as quais operam sob
regulações que restringem suas ações12. Internamente, podem aparecer problemas
relacionados à representatividade e às relações de confiança, diante da possibilidade de os
novos grupos que surgem da aproximação dos diferentes atores envolvidos restringirem a
advocacy dos grupos originais, podendo-se gerar a aparência de que os representantes das

11
A entrada neste tema demanda um esclarecimento: não se pode tratar participação, capital social e
empoderamento como sinônimos ou termos intercambiáveis. Na realidade, conforme o ponto de vista que se
tome, participação e capital social, como aqui definidos, são requisitos, meios, enfim, para se atingir o
empoderamento. Entretanto, a presença daqueles só irá garantir que isso ocorra quando as pessoas e grupos
considerados tiverem, de fato, poder de decisão sobre suas vidas e assuntos de seu interesse. Assim, há quem
relativize a capacidade de processos de participação, mormente quando conduzidos por ONGs em contextos de
extrema pobreza, terem como resultado um empoderamento efetivo (Bell, 2004).
12
Vários são os exemplos disso. Um deles é o do Orçamento Participativo. Nos locais em que este
funciona a parcela do orçamento objeto de discussão e alocação para a população é bastante reduzida em face
das vinculações orçamentárias preexistentes.
7

comunidades locais foram cooptados. Ademais, as parcerias muitas vezes não conseguem
resolver conflitos de interesses subjacentes.

No que tange ao empoderamento, a participação cidadã pode-se dar de dois modos:


por meio das grassroots, que se referem às organizações e movimentos iniciados por cidadãos
que elegem, eles próprios, os objetivos e métodos; formal, ou com mandato governamental,
em que a participação cumpre requisitos legais que abrem aos cidadãos oportunidades de
tomar parte de decisões políticas ou da operação de agências públicas13.

Para ilustrar a discussão acima, Rich et al. (1995) referem a situações de risco
ambiental vividas por determinadas comunidades – embora se pudesse utilizar outros
exemplos com o mesmo efeito. Em geral, quando tais situações ocorrem, o potencial é
inicialmente de desempoderamento, pois os cidadãos médios geralmente têm pouco ou
nenhum controle sobre a ocorrência ou as conseqüências de tais riscos e freqüentemente
dependem de outros para decidir seu futuro. Além disso, tais riscos podem causar rupturas na
vida das pessoas (separação de vizinhanças, riscos à saúde, perda de patrimônio, crises
familiares entre outras). Como resposta, pode emergir, entre os afetados, uma percepção de
impotência, de que a vida não voltará ao normal e que os responsáveis não estão sujeitos à
accountability14, fazendo nascer o sentimento de injustiça.

13
Dentre os muitos casos de empoderamento resultante da participação a partir das grassroots, cito
dois: em 1994, ONGs ambientalistas de várias nacionalidades formaram uma rede chamada Coalizão Rios
Vivos, cujo objetivo era denunciar os possíveis efeitos sócio-ambientais da construção da Hidrovia Paraguai-
Paraná que, com efeito, acabou sendo abandonado pelos governos envolvidos. Outra experiência ilustrativa são
as ações de resistência dos moradores da Praia do Campeche, em Florianópolis (SC) contra mudanças na Lei de
Zoneamento do município, em discussão na Câmara Municipal e que atenderiam aos interesses da especulação
imobiliária. Até o momento, os moradores têm sido bem-sucedidos. Quanto à participação formal ou com
mandato governamental, penso também em dois exemplos: os conselhos gestores de políticas públicas,
fortalecidos pela Constituição de 1988, ainda que, em seu funcionamento cotidiano, ocorram muitas limitações; e
o já mencionado orçamento participativo.
14
Accountability é a responsabilidade dos agentes públicos perante cidadãos que fiscalizam, exercem
controle sobre as ações daqueles agentes. Para O’Donnel (1998), a accountability assume duas formas: vertical e
horizontal. A primeira refere-se ao controle dos atos dos governantes pelos cidadãos, por meio de ações
assimétricas de baixo para cima, cujo mecanismo mais conhecido é o voto, e de cima para baixo, por meio de
controles burocráticos. A forma horizontal, por seu turno, refere-se ao sistema de checks and balances, ou seja,
de autonomia e equilíbrio entre os poderes do Estado, que se controlam mutuamente. Smulovitz e Peruzzoti
(2000) adicionam uma terceira forma, a accountability societal, exercida pela sociedade civil e definida como
um “mecanismo de controle não eleitoral, que emprega ferramentas institucionais e não institucionais (ações
legais, participação em instâncias de monitoramento, denúncias na mídia), que se baseia na ação de múltiplas
associações de cidadãos, movimentos, ou mídia, objetivando expor erros e falhas do governo, trazer novas
questões para a agenda pública ou influenciar decisões políticas a serem implementadas pelos órgãos públicos”.
8

Os agentes públicos jogam um papel no processo, agindo, mesmo que


inconscientemente, para o desempoderamento, quando não dão crédito às preocupações dos
cidadãos ou, por vezes, quando os incentivam a participar de processos de fachada, no qual as
decisões estão previamente tomadas e as ações dos afetados não terão influência real, gerando
um forte sentimento de frustração. No entanto, dialeticamente, todas essas condições podem
conter sementes de empoderamento, quando os cidadãos efetivam respostas, unem-se para
confrontar a crise, desenvolvem estratégias de ação coletiva que influenciam as instituições e
decisões.

As respostas aos riscos ambientais, continuam Rich et al. (1995) e a outros desafios
fundamenta-se tanto na capacidade de a comunidade responder aos problemas (potencializada
se houver base institucional comunitária como grupos cívicos ou religiosos) quanto na
capacidade de as instituições formais responderem aos cidadãos e envolvê-los nos processos
de tomada de decisão. Quando esses mecanismos não existem, os cidadãos têm de enfrentar
custos de ações judiciais e desobediência civil (custo do confronto).

A discussão e a exemplificação acima chamam a atenção para a necessidade, já


apontada por Perkins e Zimmerman (1995), de se distinguir processos de empoderamento de
seus resultados (outcomes), ambos considerados a partir de três níveis: indivíduos,
organizações e comunidades15. Segundo os autores, os processos devem incluir: no nível
individual, a participação nas organizações da comunidade; no nível organizacional, as
decisões coletivas e a divisão da liderança; e, no nível comunitário, ações coletivas para
acessar recursos governamentais e comunitários.

No entanto, os processos, por si mesmos, não garantem o empoderamento. É


necessário, então, avaliar os resultados do processo, introduzir, enfim, mecanismos de
avaliação do grau de empoderamento atingido (Rich et al., 1995). Os resultados, segundo
Perkins e Zimmerman (1995), devem incluir: no nível individual, o controle percebido sobre
situações específicas e habilidades na mobilização dos recursos; no nível organizacional, o
desenvolvimento de redes, o crescimento organizacional e a alavancagem de políticas16; e no

15
Na seção 5. Dimensões do Empoderamento, procuro aprofundar a análise desses três níveis.
16
A propósito do papel das organizações em relação ao empoderemento, Zimmerman (1995) diferencia
aquelas cujas açoes facilitam confiança e a competência de membros individuais, daquelas que influenciam seus
ambientes. Para Rich et al., as primeiras estão mais relacionadas a processos de empoderamento, as últimas, a
resultados.
9

nível comunitário, a evidência de pluralismo, a existência de coalizões organizacionais e


recursos comunitários acessíveis.

Um dos corolários desta discussão é que a eficiência do empoderamento requer, em


grande medida, descentralização17 de poderes, de governança no nível das comunidades
locais, de modo que essas estejam mais próximas dos canais decisórios. Para que isso ocorra é
essencial uma estrutura descentralizada legalmente estabelecida dentro da qual organizações
de base comunitária possam desempenhar um papel relevante na condução das políticas
(Osmani, s/d).

Empoderar é fazer com que indivíduos, organizações e comunidades ampliem recursos


que lhes permitam ter voz, influência e capacidade de ação e decisão, notadamente nos temas
que afetam suas vidas, em diversas esferas, de maneira formal ou informal. É, noutras
palavras, ter poder de agenda. Em face das dificuldades já apontadas para acessar esses
recursos, sua busca implica ações estratégicas mais ou menos coordenadas. Como resultado, o
empoderamento, apesar de não ser uma dádiva, necessita quase sempre da intervenção de
fatores externos, o que aponta para as ações concretas de compreender o fenômeno e intervir
na realidade. A maior parte dessas ações se constitui no âmbito de propostas de
desenvolvimento. No que concerne aos estratos de menor status socioeconômico, implica
estes tomarem consciência das injustiças de que padecem e passam a lutar para aumentar sua
auto-estima, autoconfiança, participação nas decisões que afetam suas vidas e sua
independência econômica. Trata-se de uma estratégia de combate à pobreza baseada na
ampliação das liberdades substantivas18.

17
Osmani (s/d) desenvolve uma tipologia, segundo a qual a descentralização de poder aparece em
quatro formas: desconcentração, devolução (transferência aos governos locais), delegação (transferência a
agentes fora da burocracia); privatização/parceria (transferência para organizações voluntárias ou empresas
privadas).
No caso brasileiro, uma perspectiva para tal descentralização resultou dos compromissos gerados pela
redemocratização, principalmente devido ao caráter municipalista da Constituição Federal de 1988, que prevê o
envolvimento das comunidades locais no processo decisório e de controle de implementação de políticas, que
teria permitido o empoderamento de segmentos da comunidade e uma maior accountability política (Souza,
2004).
18
Para Sen (2000), liberdades substantivas são aquelas que garantem aos indivíduos a capacidade de
participar efetivamente dos destinos de sua comunidade, sendo agentes, em vez de pacientes. Assim, para além
de seu aspecto político, as liberdades substantivas implicam direitos que garantam qualidade de vida, tais como
segurança econômica e física, proteção contra fomes e doenças tratáveis, mecanismos de combate a diversas
formas de discriminação, transparência nas relações sociais. Assim o autor em apreço, em sua proposta de
desenvolvimento como liberdade, para além do crescimento econômico preconizado pelas teorias
desenvolvimentistas tradicionais, introduz indicadores como participação democrática e sustentabilidade para
avaliar o desenvolvimento das sociedades.
10

O fim último desse processo – que se inicia nas unidades domésticas e comunidades
locais, mas, em longo prazo, por meio da ação política, visa a mudar as relações de poder em
níveis nacional e internacional – é

reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, tornando a ação do Estado mais sujeita a


prestação de contas, aumentando os poderes da sociedade civil na gestão dos seus próprios
assuntos e tornando o negócio empresarial socialmente mais responsável. Um
desenvolvimento alternativo consiste na primazia da política para proteger os interesses do
povo, especialmente dos setores disempowered (sic), das mulheres e das gerações futuras
assentes no espaço da vida da localidade, região e nação (Friedmann, 1996, p. 32-3).

Isso significa construir as bases da autonomia comunitária mediante processos de


democracia direta/participativa que incrementem o exercício da cidadania, atacando-se as
fontes de privação da liberdade e consequentemente, na visão de Sen (2000), impeditivas do
desenvolvimento: a pobreza econômica, a carência de serviços públicos e de assistência social
e a negação de liberdades políticas e civis. Eu acrescentaria o déficit de cultura política.

Diversos obstáculos se interpõem no caminho do empoderamento. Em primeiro lugar,


existe a própria dificuldade daqueles que têm maiores parcelas de poder quererem dividi-lo,
principalmente políticos e burocratas, que, às vezes, vêem nos mecanismos de participação
uma ameaça às formas legais de representação 19. Os membros dos governos resistem à gestão
participativa (Jacobi et al., 2004) e comumente há uma falta de diálogo das elites tradicionais
com a população.

Assim, afora uma estrutura de oportunidade política e um desenho institucional


favoráveis, a descentralização depende dos grupos que se encontram no poder (Osmani, s/d),
sendo mais comum como uma bandeira e uma prática dos partidos de esquerda (Souza 2001).
Normalmente, a ação é pautada pela agenda dos governos (Jacobi et al., 2004).

Outro problema é convencer atores racionais a tomar parte nos processos


participativos e fazer com que as decisões da população sejam executadas (Souza, 2001). A
este problema, que remete às questões do déficit associativo e dos custos da ação coletiva,
soma-se a inabilidade dos estratos mais fracos em participar efetivamente da estrutura de
governança local, em fazer-se ouvir, enfim, problema mais grave para os menos organizados e

19
Alguns estudos o exemplificam: Celina Souza (2001) mostra a oposição dos vereadores de Porto
Alegre (RS) em aceitar uma experiência como o Orçamento Participativo e Pedro Jacobi et al. (2004) ressalta as
resistências opostas pelos representantes de órgãos governamentais e peritos à ampliação da participação de
leigos na gestão de recursos hídricos.
11

os mais pobres entre os pobres que, de fato, ficam alijados mesmo das experiências bem
sucedidas de descentralização e participação (Souza, 2001; Osmani, s/d).

Com base em sua avaliação de diversas propostas de desenvolvimento a partir da


descentralização de poder e da participação, Osmani (s/d) reconhece ser irrealista esperar que
os pobres se mobilizem enquanto não tiverem uma garantia de sobrevivência segura. Além
disso, os processos top down mostram-se ineficientes, sendo essencial a mobilização social no
nível das grassroots, com auxílio de agentes externos, dentre os quais as ONGs, movimentos
sociais e outras formas associativas são essenciais. Tal visão se aproxima da de Perkins
(1995), que, com base em avaliações de projetos, assevera serem as iniciativas menores, mais
localizadas, mais eficazes.

4. ALGUMAS PERSPECTIVAS DO EMPODERAMENTO

O tema do empoderamento é bastante caro a atores progressistas, na medida em que


traz debates acerca da necessidade de indivíduos e comunidades adquirirem recursos que
permitem ações e pensamentos autônomos. No entanto, pode-se dizer que, com a aceitação do
termo pelo mainstream acadêmico, político e econômico, se o tem utilizado, bem como a sua
gramática, para objetivos diversos dos traçados por seus formuladores originais (Rappaport,
1995). O termo, enfim, não garante a separação do joio do trigo e pode levar a coalizões
impredizíveis e novas constelações políticas20.

A desaprovação dos progressistas se endereça aos usos e abusos conservadores do


empoderamento. Para Perkins (1995), os pilares desse processo foram edificados sobre a obra
de Berger e Neuhaus21 (1977 apud Perkins, 1995), que oferece bases para uma linguagem
populista e uma racionalização para conservadores fiscais combaterem programas estatais de
combate à pobreza, em particular, e a despesa governamental doméstica e a regulamentação
da economia, em geral. Os autores defendem a tese de que estruturas mediadoras, localizadas

20
Aparentemente, a categoria empoderamento vem sofrendo processo análogo ao que se desenvolve no
debate de categorias como sociedade civil, ONG, cidadania entre outros, descrito por Dagnino (2004). Segundo
este as palavras são ressignificadas e apropriadas por discursos e atores distintos, quando não opostos, daqueles
que inicialmente os elaboraram como expressão de suas crenças e lutas no sentido de transformações sociais
mais profundas.
21
BERGER, P. L.; NEUHAUS, R. J. (1977). To empower people: The role of mediating structures in
public policy. Washington, DC: American Enterprise Institute.
12

na sociedade civil – vizinhança, família, igreja, associações voluntárias e identificação


cultural – teriam condições para formular e realizar políticas públicas mais eficientes,
contrastando-se com o Estado22.

Pela vertente conservadora, o empoderamento é visto apenas como meio para reduzir
impostos e encontrar mecanismos alternativos aos estatais clássicos e universalizantes de
promoção de direitos sociais. Com este significado, o conceito apresenta potencial altamente
reacionário23, incluindo alertas contra liberdades civis como inimigas de valores comunitários,
isolamento do racismo como única forma de discriminação cuja proibição legal é válida e
aprovação de controle da comunidade sobre comportamentos legais, porém “desviantes”
(Perkins, 1995).

Há, portanto, cooptação do termo pelos neoconservadores, mas diferentemente de


Berger e Neuhaus, que enfocam a importância da comunidade e da melhoria dos serviços
públicos, aqueles usam a terminologia para dissimular uma combinação de individualismo
antiestatal e um imperialismo empresarial fundados na defesa de valores tipicamente
neoliberais: empreendedorismo, impostos mais baixos, menos despesas governamentais e
regulação e capitalismo internacional de livre mercado. Perkins (1995), contudo, não enxerga
muitos riscos desta vertente se estabelecer no campo das pesquisas sobre empoderamento. É
no campo político que a ambigüidade tem mais espaço (e, vale dizer, mais conseqüências).

Além da divergência entre conservadores e progressistas, há outra, ainda que esta


apresente menos contrastes, com interpenetrações entre as diferentes visões, e diz mais
respeito ao modo como se conceitua e se enxerga o papel da sociedade civil (Osmani, s/d).
Tais diferenças residem na visão do funcionamento da política – e nas correspondentes
definições de termos como Estado, mercado e sociedade civil, entre outros – e no processo
pelo qual se empodera. Uma noção de matriz tocquevilliana, a vê em oposição ao Estado e é
compartilhada pelo Banco Mundial, agências das Nações Unidas e várias ONGs

22
A lógica que opõe Estado e sociedade civil é empiricamente contestável. Estudo liderado por
Salamon, Sokolovski e List (2003) revela não haver correlação entre sociedade civil forte e estado fraco, pelo
contrário: países cujo Estado é conhecido por sua forte presença – na economia, na composição da força de
trabalho, no sistema de direitos sociais etc – apresentam as mais fortes taxas de associativismo civil entre suas
populações.
23
Vale lembrar que o manifesto e o movimento neoconservador liderado pela direita do Partido
Republicano nos EUA se chama Empower America e, ao fim e ao cabo, esta ala chegou ao poder político do país
mais poderoso do mundo.
13

internacionais24. Outra, de inspiração gramsciana e, mais recentemente, freireana e


habermasiana, concebe a sociedade civil como espaço público de transformação de
pensamentos em ação, cuja função primordial é veicular idéias dos estratos dominados25.

Alguns estudos divulgados pelo Banco Mundial representam, em maior ou menor


grau, a primeira concepção e aparecem no âmbito das preocupações do banco com a
manutenção e até aumento da pobreza em diversos países que aplicaram suas recomendações
no campo econômico. Dentre os referidos estudos, podem-se citar os de Narayan (2002),
Krishna (2003) e Alsop e Heinsohn (2005). Em todos, faz-se presente a busca por indicadores
quantificáveis e comparáveis de empoderamento. Alsop e Heinsohn (2005) afirmam que o
empoderamento é resultado das agências – habilidades de um ator fazer escolhas
significativas – e estruturas de oportunidades – definidas como os contextos dentro dos quais
os atores atuam, se esses favorecem ou não que as referidas escolhas sejam realizadas sem
coerções que as inviabilizem. O grau de empoderamento varia de acordo com a incidência
maior ou menor dessas duas categorias e é medido nos domínios do Estado, do mercado e da
sociedade civil, nos níveis macro, intermediário e local.

Por meio de diversos métodos e instrumentos de coleta – mapas institucionais,


entrevistas com grupos focais, entrevistas individuais, entre outros, o estudo em apreço revela,
entre outras coisas, a percepção de populações locais quanto ao funcionamento democrático
das instituições do Estado, a prestação de serviços públicos por este, o acesso a mercados por
meio do crédito, do emprego e de bens de consumo, bem como as situações dos domicílios e
das comunidades no que tange a relações de gênero, laços comunitários, associativismo etc.
Além disso, são feitas questões sobre a agência individual, que incluem a presença dos atores
em organizações, níveis de renda e consumo, status profissional, a permissão/proibição para
participar em ações coletivas e assim por diante.

Não há como negar a qualidade dos trabalhos desta vertente – a clareza de suas
definições e precisão dos instrumentos são de grande valia independentemente do ponto de
vista que se adote, feita a ressalva de que o empoderamento é uma variável muito dependente
das singularidades de cada contexto. Há, entretanto, críticas à perspectiva adotada em

24
No Brasil, esta visão esteve muito presente nos projetos de intervenção social e de Reforma do Estado
no Governo de Fernando Henrique Cardoso e tem, entre seus defensores, Brasser Pereira (1999) e Franco (1999).
25
Entre os favoráveis a esta posição, pode-se citar Cohen e Arato (1994), Avritzer (1998), Scherer-
Warren (1996), Costa (1997), Lüchmann (2003), entre outros.
14

trabalhos patrocinados por instituições como o Banco Mundial. Uma delas refere-se às
implicações do interesse no tema entre trabalhadores e pesquisadores em desenvolvimento
comunitário: os patrocinadores da pesquisa imporiam, como bottom line para a decisão sobre
os patrocínios, critérios econômicos, sobrevalorizando a importância da eficiência econômica
quantitativa em detrimento de outras dimensões, havendo, para os críticos, a necessidade de
se valorizar métodos qualitativos para avaliar outras dimensões do empoderamento (Perkins,
1995).

Outra crítica comum é ao postulado de que o crescimento da informação e


descentralização das agências governamentais bastaria per se para dar poder aos stakeholders
e grupos de interesse da sociedade, como se esses tivessem oportunidades semelhantes. Tal
visão, por um lado, assumiria os pressupostos economicistas do modelo vigente (Friedmann,
1996) e, por outro, negligenciaria as assimetrias existentes nas relações de poder (Cornwall,
2000; Antunes, 2002), elidindo a questão da dominação, ocultando, enfim, as relações entre
poder e desenvolvimento e entre poder e pobreza bem como as possibilidades de mudança
nessas relações (Romano, 2002). Trata-se, para Celina Souza (2001), de uma visão
instrumental pela qual a participação popular nos processos políticos restringe-se a influenciá-
los, sem deliberar e decidir26. Segundo Romano (2002), isso pode, no que o autor denomina
gattopardismo, legitimar práticas preexistentes dos bancos, agências multilaterais e ONGs27.
O problema é que essas práticas pasteurizam o empoderamento ao retirar-lhe seu componente
de conflito, mediante a despolitização da mudança e o controle desta pelo status quo.

Uma conseqüência é enxergar o processo sob a lógica gerencial do mercado, num


discurso de Estado mínimo, quando, para o desenvolvimento das comunidades locais, o
Estado continua a ter papel fundamental, seja na eliminação das barreiras estruturais que
mantêm os pobres pobres, seja fornecendo uma base institucional que garanta a existência de
mecanismos efetivos de participação (Friedmann, 1996; Sen, 2000).

Uma segunda noção insere o empoderamento num projeto maior de aprofundamento


da cultura política com vistas à emancipação social e à ampliação de instrumentos de

26
Essa autora distingue os processos participativos nos quais apenas se concede direito à voz daqueles
em que ocorre um empoderamento de fato, quando, segundo ela, há uma situação de poder na gestão direta dos
programas e projetos (Souza, 2004).
27
Em relação a estas, questiona-se, especificamente, se a prestação de serviços não se tem transformado
em um fim em si mesmo, utilizando-se o termo empoderamento para legitimar práticas que na verdade poderiam
ser consideradas assistencialistas.
15

democracia participativa. Empoderamento aqui, como já dito, não é uma técnica que se
aprende em cursos28 e sim uma ideologia crítica do modelo de desenvolvimento vigente
(Friedmann, 1996; Romano, 2002). Empoderar, nessa perspectiva, significa os indivíduos e as
comunidades conquistarem vez e voz, noutras palavras, ter autonomia e capacidade de fazer
suas próprias escolhas culturais, políticas e econômicas, tomar parte nas decisões que lhe
dizem respeito (Lisboa, 2000).

O empoderamento, adicionalmente, não é uma dádiva, algo que possa ser outorgado;
“não é algo que pode ser feito a alguém por uma outra pessoa. Os agentes de mudança
externos podem ser necessários como catalizadores iniciais, mas o impulso do processo se
explica pela extensão e a rapidez com que as pessoas e suas organizações se mudam a si
mesmas”. (Romano, 2002, p. 6). A abordagem do mainstream liberal deixa em segundo plano
a ação organizativa de construção da auto-estima e de confiança, a qual se dá num processo
relacional e conflituoso, que envolve vínculos com outros atores, e diz respeito a situações de
dominação. Nessa perspectiva, empoderamento significa as populações locais terem
responsabilidade pelos projetos de desenvolvimento, por vezes formulados inicialmente por
agências governamentais e/ou ONGs.

É necessário, portanto, considerar as relações de poder e seu caráter assimétrico, tanto


nos espaços políticos quanto na família, comunidades e organizações da sociedade civil, além
do mercado. Portanto, empoderamento relaciona-se, em primeiro lugar, a poder, mais
especificamente, mudança das relações de poder em favor daqueles que tinham pouca
autoridade, conforme pontua Gita Sen (1997). É “um processo que tem origem dentro das
pessoas, no seio das comunidades e das organizações locais, que não pode ser pensado de
cima para baixo (medidas assistencialistas e políticas clientelistas não se enquadram neste
processo), nem de fora para dentro” (Antunes, 2002, p. 98).

A pobreza, na visão em análise, constitui um desempoderamento (Friedmann, 1996).


Empoderar os pobres é condição sine qua non para que estes conquistem a cidadania, aqui
entendida como “a conquista da plena capacidade de um ator – individual ou coletivo – de
usar seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade

28
A que Romano (2002) denomina pedagogização ou tecnização do empoderamento. Romano censura
também a superpolitização e a atomização do empoderamento, pelas quais, num pólo, se o reduz a um tipo de
ação coletiva, considerando organizações e movimentos sociais seus atores exclusivos, e noutro pólo, de matriz
neoliberal, atomizam-se as situações de dominação, reduzindo-se a questão ao interesse egoísta individual.
16

no espaço público na defesa de seus direitos influenciando as ações dos governos na


distribuição dos serviços e recursos” (Romano, 2002, p. 15).

5. DIMENSÕES DO EMPODERAMENTO

O empoderamento não é uma variável unidimensional, tampouco universal ou bipolar


– ao contrário, assume diversas facetas e graus. Destarte, enquanto categoria analítica,
processo e resultado de ações individuais e coletivas, o empoderamento apresenta múltiplas
dimensões, a partir das quais pode-se operacionalizá-lo em pesquisas e intervenções nos mais
diversos contextos. À luz da literatura compulsada, é possível pensar em cinco dessas
dimensões: 1) níveis ou sujeitos de empoderamento; 2) motivações do empoderamento; 3)
poderes (ou recursos do empoderamento); 4) modalidades de empoderamento; e, 5) escopo da
intervenção e das políticas de empoderamento. No emprego da categoria, duas ou mais dessas
dimensões podem ser relacionadas entre si, o que resulta em inúmeras possibilidades de
estudos e ações.

Níveis ou sujeitos de Empoderamento: Para os efeitos desejados nesta discussão, o


empoderamento pode se dar em três níveis ou sujeitos: indivíduos, organizações e
comunidades.

O empoderamento individual ocorre quando, mediante a participação nos mais


variados espaços de sociabilidade – lares, comunidade, local de trabalho etc –, os indivíduos –
jovens, idosos, portadores de doenças crônicas, representantes de minorias marginalizadas,
dependentes de drogas, mulheres etc. – são/se auto-percebem como detentores de recursos
que lhes permitem influir nos e mesmo controlar os cursos de ação que lhes afetam (Perkins e
Zimmerman, 1995). Spreitzer (1995), a partir do postulado de que as pessoas percebem seus
ambientes e são influenciadas por essas percepções, chama este nível de intrapessoal, o qual
ocorre se elas, ativa ou reativamente, vêem mais oportunidades e recursos para agir que
constrangimentos e limitações, além de sentirem que sua presença tem importância. Trata-se
de um sentimento de competência pessoal em uma determinada situação, daí a necessidade,
em pesquisas empíricas, de se verificar como as pessoas vêem seus ambientes.
17

Algum grau de empoderamento pessoal é imprescindível para a participação ativa em


um processo decisório (Rich et al., 1995). Tal modalidade pode ser ainda fruto da
participação, quando os indivíduos tomam consciência de sua própria habilidade para afirmar
seus interesses e influenciar outros ou quando tomam parte em um processo de tomada de
decisão, o que aumenta sua confiança no sistema. Rich et al. (1995) destacam também a
possibilidade de líderes locais encorajarem o empoderamento intrapessoal na medida em que
servem de modelo e organizam os cidadãos para exercer influência quando estes não o
conseguiriam por conta própria.

O empoderamento intrapessoal não é uma variável independente de fatores externos,


muito ao contrário, tem antecedentes socioestruturais, na medida em que, como afirma
Zimmerman (1990), o “empoderamento envolve um entendimento crítico do ambiente
sociopolítico, não sendo um ‘traço de personalidade estático’, mas sim um ‘construto
dinâmico contextualmente orientado’”. Ademais, o empoderamento intrapessoal promove,
segundo a citada Spreitzer (1995), a integração de fatores contextuais socioestruturais com o
comportamento individual, sendo, portanto, uma variável mediadora entre ambiente e
indivíduo.

O empoderamento organizacional é o processo pelo qual as organizações formais –


agências governamentais, empresas, organizações da sociedade civil – constituem
mecanismos de compartilhamento do poder decisório e da liderança, de modo que as decisões
sejam mais coletivas e horizontais (Perkins e Zimmerman, 1995). Assim, tal empoderamento
insere-se na tendência contemporânea de algumas organizações atenuarem as hierarquias e a
rígida divisão entre pensamento em suas rotinas e estratégias (Spreitzer,1995). Como
resultado desse processo, a literatura aponta o desenvolvimento de redes, internas e externas,
que geram ganhos sinérgicos, como o crescimento do capital intelectual da organização, com
decorrentes potenciais de inovação e democratização interna e incrementos nos resultados
organizacionais pretendidos.

Ampliando a definição de Perkins e Zimmerman (1995), ocorre empoderamento


comunitário quando indivíduos e grupos de uma comunidade coletivamente formulam
estratégias e ações para potencializar e obter recursos – sejam esses oriundos da própria
comunidade ou oriundos de instituições públicas ou privadas – que lhes permitam influenciar
nas decisões que são de seu interesse. Na medida em que a comunidade normalmente não é
uma realidade monolítica, seu empoderamento implica que seus diferentes atores tenham
acesso aos referidos recursos. Além disso, o empoderamento comunitário cria e reforça as
18

organizações que fazem a mediação da comunidade com as demais esferas políticas e


econômicas.

É importante destacar que em qualquer um dos níveis acima, o empoderamento jamais


é dicotômico, algo que se tem ou não. Há graus variáveis de empoderamento conforme as
condições relacionadas a cada um dos sujeitos estejam mais ou menos presentes bem como as
dimensões de que trato a seguir também o estejam.

Motivações do empoderamento: Para Rich et al. (1995), o empoderamento reativo – a


capacidade adquirida de reagir a uma ameaça, normalmente externa (casos de riscos
ambientais o ilustram) – distingue-se do empoderamento proativo, aquele que facilita a busca
por cursos de ação escolhidos ou desejados. Essas duas motivações para o empoderamento
variam principalmente quanto aos custos enfrentados para a realização de seus objetivos,
substancialmente maiores no primeiro caso29.

Poderes (ou Recursos do Empoderamento): Embora se possa encontrar uma vasta literatura
sobre o que chamo, neste trabalho, de recursos do empoderamento, as contribuições de
Friedmann (1996) e Antunes (2002) sintetizam as fontes de poder, ou como eles denominam,
poderes: sociais, econômicos, políticos e psicológicos.

Os poderes sociais referem-se ao acesso a informações necessárias a tomadas de


decisão racionais, que coadunem, enfim, com os objetivos almejados nas ações dos atores. A
efetivação desta classe de recursos demanda a adesão dos sujeitos às instituições e a
mecanismos associativos no âmbito da esfera política em que se espera sejam eles
empoderados. Nesse sentido, esse recurso tem a ver com o capital social, já discutido;

Poderes econômicos30 são quaisquer recursos quantificáveis com valor de troca no


mercado, ou seja, que têm expressão monetária. A importância desses recursos é evidente:
eles garantem condições mínimas de sobrevivência digna, abaixo das quais a ação autônoma e
a capacidade de mobilização individual e coletiva são praticamente impossíveis.

29
Esta dimensão tem a ver com a discussão das estruturas de participação, que faço nos primeiros
parágrafos da seção 3. Empoderamento, Participação e Desenvolvimento.
30
Em Friedmann (1996) e Antunes (2002), esta dimensão compõe o poder social. Prefiro desdobrá-lo
com o propósito de enfatizar a importância dos recursos tangíveis para o empoderamento.
19

Os poderes políticos traduzem-se no acesso a processos públicos de tomada de


decisões. Além de uma cultura política democrática e de razoável nível de capital social, a
posse desses recursos exige um desenho institucional, uma estrutura de oportunidades
políticas em que a participação cidadã não se restrinja a processos eleitorais para escolha de
representantes, mas que preveja a existência de mecanismos formais de participação mais
direta e contínua no controle, formulação e implementação de políticas.

Poderes psicológicos relacionam-se a características da personalidade dos indivíduos


pelas quais estes se dão importância, desenvolvendo sentimentos de que suas ações – de
manutenção ou transformação do status quo – são relevantes para os contextos em que se
inserem. Aspectos essenciais desta classe de recursos são a auto-estima, a autoconfiança, a
proatividade, entre outros. A idéia força aqui é a de que não bastam os demais recursos do
empoderamento se o indivíduo não acreditar que os possui e tem plenas condições de alocá-
los em suas estratégias de ação, só ou com outros.

Esses recursos distribuem-se assimetricamente na sociedade. Supõe-se que todos os


atores, deles, detenham parcelas maiores ou menores. Quanto maiores elas forem, mais
empoderados são seus detentores, de modo que possam posicioná-los estrategicamente.
Empoderar, portanto, significa também desconcentrar recursos e elaborar cursos de ação que
possibilitem aos mais fracos superar ou ao menos minorar a distância que os separa dos
estratos sociais hegemônicos. Outra implicação importante é a de que, na medida em que
esses recursos distribuem-se em escalas, o empoderamento, como síntese desses indicadores,
constitui um continuum de possibilidades praticamente infinitas.

Além dos recursos já enumerados, Rappaport (1995) assevera serem as narrativas –


individuais, organizacionais e comunitárias – um recurso de empoderamento necessário nos
processos de fortalecimento das culturas e construção de novas identidades: “Todos têm
histórias, mas algumas ativamente desvalidam as pessoas e outras não são reconhecidas como
válidas. Algumas histórias empoderam pessoas e outras, desempoderam”. Assim, buscar
mudanças que empoderem, segundo o autor em epígrafe, é buscar novas narrativas, novos
meios, enfim, de pessoas e coletividades falarem de e pensarem sobre si mesmas. Desse
entendimento, o autor propõe as questões: quem controla esses recursos? Que histórias são
consideradas verdadeiras? Que histórias são legitimadas e por quem? Por que algumas
histórias são rejeitadas e outras validadas? Quem tem o direito de contar a história de outra
pessoa?
20

O problema é que a distribuição das narrativas e de sua legitimidade social também é


desigual. Aqueles que detêm maiores parcelas dos demais poderes tendem a ter suas
narrativas mais valorizadas. Embora não sejam recursos escassos, as histórias dos outsiders,
dos marginalizados e oprimidos, são muitas vezes um recurso desvalorizado ou ignorado. É
diante disso que, prescritivamente, Rappaport (1995) afirma: “muito do trabalho de mudança
social e desenvolvimento organizacional e comunitário na direção de um maior
empoderamento pessoal e coletivo pode ser sobre compreender e criar cenários onde as
pessoas participem da descoberta, criação e intensificação de suas próprias narrativas
comunitárias e histórias pessoais”.

Modalidades de empoderamento: são três as modalidades segundo as quais o empoderamento


se constitui. A primeira é o empoderamento formal. Este ocorre quando instituições formais,
como governos e empresas, propiciam mecanismos para que o público interaja com elas e
influencie suas decisões (Rich et al.,1995). No entanto, o empoderamento formal não é, por si
mesmo, nem suficiente nem necessário para dar aos cidadãos capacidade de controlar sua
situação em relação a assuntos específicos.

A segunda modalidade é o empoderamento instrumental, que “se refere à capacidade


real do indivíduo participar e de influenciar um processo de tomada de decisão” (Rich et al.,
1995). Tal capacidade é determinada pela interação de diversos fatores: conhecimento
relevante, recursos materiais, habilidade de persuasão, entre outros, combinados com
oportunidades formais e reputação legal para participar. Embora modalidades formais não
garantam a ocorrência do empoderamento instrumental, este as requer, bem como que os
envolvidos tenham acesso ao processo decisório.

O empoderamento substantivo, segundo Rich et al. (1995), “refere-se à habilidade em


tomar decisões que resolvam os problemas ou produzam os resultados desejados”. Esta última
modalidade, de certa forma, confunde-se com o próprio empoderamento.

A prescrição subjacente às modalidades descritas acima é que cidadãos e instituições


formais precisam trabalhar juntos: “Na medida em que uma comunidade é composta tanto por
seus cidadãos quanto por suas instituições formais, afirmamos que o empoderamento
comunitário (a capacidade de as comunidades responderem efetivamente aos problemas
coletivos) ocorrerá apenas quando ambos, indivíduos e instituições, tenham sido empoderados
para atingir resultados substancialmente satisfatórios” (Rich et al., 1995).
21

Escopo da intervenção e das políticas de empoderamento: Tal escopo pode inicialmente dar-
se em dois níveis: nos contextos de base (grassroots) e no desenvolvimento comunitário
(Perkins, 1995), com que se pode atingir o nível macro da política. No primeiro caso, trata-se
de intervenções menores, localizadas, que “agem” localmente, mesmo que “pensem”
globalmente. Tais intervenções, segundo diversos autores (Uphoff, 1993; Perkins, 1995;
Osmani, s/d; Edwards, 1999), normalmente são mais efetivas. As intervenções e políticas de
desenvolvimento comunitário, por sua vez, objetivam o aumento do controle dos indivíduos e
grupos que habitam uma determinada comunidade sobre problemas que afetam sua qualidade
de vida. Em ambos os níveis, a participação é causa e efeito do empoderamento, individual e
coletivo, não se podendo ignorar nem uma nem outra dessas dimensões. O desenvolvimento
comunitário, tema que exploro com mais pormenores na próxima seção, é um processo
dialético, cujos pólos se complementam: autonomia individual x autonomia do grupo,
autoconfiança x interdependência, democracia participativa x governança representativa,
aprendizado empírico x conhecimento teórico (Zimmerman, 1990; Perkins, 1995).

Todas essas dimensões se entrecruzam nos processos de empoderamento e permitem a


operacionalização desta categoria em pesquisas empíricas, mediante procedimentos de coleta
e análise quantitativos e qualitativos, sendo desejável, com efeito, cruzar a maior quantidade
possível de indicadores, quando se trata de unidades mais amplas de análise, construindo
matrizes e correlações. As implicações disso são decisivas para estratégias de investigação
embasadas na categoria em exame.

6. CONSIDERAÇOES FINAIS: ALGUMAS RECOMENDAÇÕES PARA


PESQUISADORES E ATORES DO EMPODERAMENTO

As discussões levadas a efeito ao longo deste artigo conduzem à construção de


definições constitutivas e operacionais do conceito de empoderamento, úteis tanto do ponto de
vista investigativo quanto normativo – deste, não se pode escapar em uma discussão que
forçosamente debruça-se sobre transformações na realidade, pretendidas ou efetivadas. Além
disso, espera-se que as mencionadas discussões tornem exeqüível a tarefa de refletir sobre a
aplicabilidade do conceito como categoria analítica de fenômenos sociais, políticos e
22

econômicos e como elemento de intervenções concretas que transformem os contextos de


exclusão com que se defrontam indivíduos e grupos os mais variados. Pesquisas bem
conduzidas – sob uma ótica inter e multidisciplinar que envolva distintos saberes: sociologia,
psicologia, economia, política, etc – podem configurar importantes parâmetros para avaliação
de intervenções que pretendem combater os mais diferentes tipos de exclusão e
marginalização e promover a participação e o desenvolvimento comunitário.

Em síntese, ocorre empoderamento quando atores sociais reúnem recursos que lhes
permitem, efetivamente, tomar parte das decisões que lhes afetam, por meio de sua voz e de
suas ações. Em outros termos, pessoas e grupos empoderam-se quando conquistam autonomia
para, nos limites das coerções normais em qualquer agrupamento humano, decidir sobre seu
destino. Portanto, a falta dos recursos retro-aduzidos implica que os sujeitos vivam sob
condições de quase exclusiva heteronomia, não podendo decidir por si próprios sobre aquilo
que lhes diz respeito.

À luz de diversas pesquisas que empregam o empoderamento como categoria, algumas


delas citadas aqui, é possível afirmar que a opção de procedimentos quantitativos em prejuízo
dos qualitativos, e vice-versa, tem levado a resultados insatisfatórios. Daí ser recomendável a
conjugação de ambos os tipos para a extração do maior número possível de dados relevantes.
É necessário entender também que o empoderamento não é um pacote fechado. Isso, por um
lado, exige que o pesquisador desenhe projetos que, sem prejuízo das teorias gerais, respeitem
as circunstâncias específicas com que ele ou ela se defronta. Por outro lado, deve-se ter
consciência de que não se empodera, pelo menos não se o faz de cima para baixo.

O empoderamento depende dos sujeitos. É um processo em que os diferentes agentes –


órgãos do Estado, empresas, organizações da sociedade civil – nada mais são do que
mediadores cuja função é facilitar, apontar caminhos possíveis, auxiliar no que for preciso,
mas nunca determinar pura e simplesmente o que deve ser feito, sob pena de verem emergir
resistências que simplesmente inviabilizem as boas intenções. Tampouco o empoderamento é
fruto de um consenso de uma comunidade homogênea, cujos membros tem os mesmos e
harmoniosos interesses – mitificação já mais do que refutada pelas ciências sociais. É, ao
contrário, uma resultante de tensões e conflitos por recursos.

Desenvolver uma medida geral e uniforme de empoderamento não é um objetivo


apropriado ou alcançável (Zimmerman, 1995). A teoria e as pesquisas têm mais utilidade,
segundo Perkins (1995), se nascem de um processo colaborativo com a comunidade e seus
23

cidadãos. Nesse sentido, faz-se necessário envolver líderes e membros no estabelecimento de


prioridades, na monitoração da implementação de programas, no design e avaliação do
processo de retorno dos dados e sua interpretação, de modo que essas ações não configurem
apenas fins em si mesmos, mas que encontrem as necessidades da organização ou da
comunidade e seus membros. As melhores práticas de pesquisa em empoderamento são, elas
mesmas, parcerias, negociações. Outro ponto importante apontado por Perkins (1995), é a
dificuldade que os pesquisadores normalmente têm em comunicar os resultados de suas
investigações para formuladores de políticas. Em face disso, o autor em questão constrói um
conjunto de recomendações, que sintetizo abaixo, voltado aos atores que trabalham com o
tema.

É mister manter a atenção em todos os diferentes níveis/sujeitos do empoderamento –


individual, organizacional, comunitário – na medida em que insuficiências em qualquer de um
desses níveis geralmente geram déficits nos demais. Esta recomendação parece ser
endereçada especialmente a trabalhos que, sob uma perspectiva psicológica, negligenciam as
transações entre pessoa e ambiente na construção dos comportamentos. Há que se evitar
também o outro lado da moeda: a reificação do coletivo em detrimento do individual.

Quando se trata de empoderamento, menos é mais. Os resultados positivos escasseiam


conforme se vá além dos níveis comunitário e organizacional. A experiência tem demonstrado
que os esforços locais no nível das grassroots com muito maior freqüência atingem os
resultados pretendidos. Isso não implica negligenciar os possíveis ganhos, em nível macro, da
pulverização de diversas experiências de empoderamento em territórios de comunidades
políticas mais amplos (talvez a grande descoberta de investigações como as de Alsop e
Heinsohn (2005)).

Em pesquisas de empoderamento, continua Perkins (1995), a análise dialética constitui


valiosa ferramenta, na medida em que empoderamento não é fruto de um consenso, mas uma
resultante de tensões e conflitos.

Os pesquisadores do empoderamento devem familiarizar-se mais com o processo de


formulação de políticas. A identificação de sua complexidade e participantes-chave torna o
trabalho mais suscetível de se disseminar e aplicar em diferentes contextos, à medida que
cresça sua receptividade entre atores da esfera pública – no Estado, por meio de seus órgãos
executivos, legislativos e judiciários, ou entre as organizações da sociedade civil.
24

O trabalho do pesquisador que lida com políticas públicas não termina


necessariamente na coleta e análise de dados. Ele ou ela pode (muitas vezes deve) participar
ativamente de todo o processo, tanto nas etapas de planejamento e avaliação, quanto na
formação da agenda propriamente dita e na adoção e implementação desta ou daquela
política. Nesse sentido, em pesquisas aplicadas, podem exercer um papel mais de aprendiz e
colaborador do que de cientista.

Por fim, Perkins (1995) defende a necessidade de que tanto a teoria quanto a pesquisa
empírica e seus operadores produzam resultados mais práticos e aplicáveis. Para tanto, como
já comentei, é essencial tratar as narrativas como recursos e fontes precípuas de pesquisa, pois
“as definições e descrições mais claras do empoderamento podem advir de vozes nas linhas
de frente dos movimentos por mudanças sociais do que das literaturas de pesquisa ou sobre
políticas”. Nesse sentido, afiança Rappaport (1995), um papel essencial do que ele denomina
pesquisador/ativista é disseminar a narrativa dos empoderados e auxiliar na estruturação
daqueles que ainda não o são. Isso não suprime a adoção de indicadores quantitativos (ou a
quantificação de indicadores qualitativos), por pesquisadores de um prisma emancipatório, o
que, com efeito, facilitaria o diálogo com atores institucionais importantes do Estado e do
mercado, os quais entendem melhor a linguagem dos números e resultados quantificáveis do
que outras linguagens.

No que concerne às organizações da sociedade civil e seu papel no empoderamento, há


uma tensão entre os defensores de que elas se concentrem na prestação de serviços e os que
preconizam sua mobilização social. Os últimos, como Edwards (1999) e Uphoff (1993),
defendem que as ações mais bem sucedidas desenvolvidas, além de auxiliar os grupos
excluídos a assegurar sua sobrevivência, são aquelas que buscam a mobilização social com o
objetivo de empoderá-los, procurando influenciar o processo político geral, exercendo a
advocacy dos grupos. Desempenham, portanto, a tarefa de mediação entre os governos e
outros poderes e os excluídos, devendo, apoiar as iniciativas locais sem usurpá-las
(Friedmann, 1996). Uma das estratégias para a efetivação de todos esses objetivos seria as
organizações formarem redes e alianças, locais e globais (Romano, 2002) 31.

31
A despeito de seu viés marcadamente normativo, tal prescrição apóia-se em pesquisas de projetos de
empoderamento para defender seus pontos de vista (Osmani, s/d; Antunes, 2002; 2003; Lisboa, 2000; Kumar e
Sreeddhara, 2004; entre muitos outros).
25

Como todo trabalho de pesquisa, este apresenta limitações. Por algumas delas, assumo
integral responsabilidade; por outras, nem tanto. Pesquisar empoderamento no Brasil não é
tarefa simples. A grande maioria das obras de referência, principalmente quando se trata de
livros, simplesmente inexiste nas bibliotecas das principais instituições de pesquisa.

O recurso, uma vez constatada tal impossibilidade de acesso, é compulsar periódicos,


a maioria dos quais estrangeiros, daí porque a maior parte das referências deste estudo ou tem
origem no mundo anglo-saxão ou é escrita na língua inglesa, o que certamente introduz algum
viés na conceituação. Só muito recentemente, percebe-se um esforço de teorização e pesquisa
mais aprofundado entre nós, porém normalmente tendo como bases referências aqui arroladas
e discutidas. Afora isso, a maioria dos trabalhos toma o conceito de empoderamento como
dado, não suscetível a um debate crítico, daí porque sua ausência neste espaço.

Com esses problemas, se depararão todos os pesquisadores que optarem por utilizar o
empoderamento como categoria analítica e realizar um trabalho mais diligente de
conceituação. Assim, a escassez de fontes de qualidade acessíveis ao pesquisador brasileiro é
um fator que limita este trabalho 32. Por outro lado, o leitor mais ou menos atento terá
percebido que adoto claramente uma perspectiva e, ao fazê-lo, negligencio outras, por
melhores que sejam. Talvez não seja esta uma limitação, propriamente. Todavia, o alerta é
importante para que se saiba de onde estou falando.

32
O portal Periódicos Capes ameniza essas dificuldades.
26

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