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B BCS

BIBLIOTECA BÁSICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS GABRIEL COHN


DIREÇÃO:
Gabriel Cohn
(da Universidade de São Paulo )
Tamás Szmrecsànyi
(dg Universidade Estadual de Campinas )


CRITICA E
Série 3.* TEORIA E MÉTODO
Volume 1

RESIGNAÇÃO
fundamentos
da sociologia
de
MAX WEBER

Sio Paulo
f
Capa:
.
DEPTO DE ARTE DA TAQ

- . -
CIP Brasil Catalogação na Fonte
Câmara Brasileira do Livro , SP
-
*i
Cohn , Gabriel ,1938 -
C629c
gia de Max Weber / Gabriel Cohn
T . A. Queiroz , 1979 .
.

Crítica e resigna çã o : fundamentos da sociolo¬
São Paulo :
( Bibl 1 otecaJ>5sica de ci ências
sociais ; ser .3. : Teor í a e mé todo ; v l ) .
Bibliografia .
1. Sociologia 2 . Weber , Max , 1864 1920 I . Tí¬-
tulo.

17 . e 18. CUD-301.01
-
79 0509 18. -
301.046

Indices para catalogo sistemá tico:


1. Sociologí a : Teorias 301.01 (17 e 18. ) . s
2. Weber , Max : Teorias : Sociologia 301.045 ( 18 ) .

Proibida a reproduçã o,
mesmo parcial, e por qualquer
processo, sem autorização
expressa dos editores.

“ Faço ciência para saber quanto posso su ¬


Direitos reservados
T. A. QUEIROZ, EDITOR , LTDA.
portar ”— Max Weber

Rua Joaquim Floriano, 733


04534 São Paulo, SP
4? — “ Quanta verdade suporta, quanta verdade

ousa um espí rito? ” F. Nietzsche
1979
“ Quem fala em vencer ? Sobrelevar é tudo ”
Impresso no Brasil
— Rainer Maria Rilke

/
Sumário

Introdução (XI)

PARTE I IDéIAS E SITUAçõES


1. O inundo dividido (3 13)
.
1 Dilthey e a hermenêutica (15-34)
-
3. Simmel e a depuração das formas (35-50)
.
4 Windelband , Rickert e os valores (51 65 ) -
5. A controvérsia metodológica (67 74) -
PARTE II COERêNCIA E COMPROMISSO
.
1 Racionalidade e compreensão (77 88) -
.
2 Cultura e sentido (89 100) -
3. Weber , Nietzsche e a critica dos valores (101 113) -
.
4 Dominação e dialética ( 115-123)
.
5 Caráter , destino e história (125 134) -
.
6 As armadilhas da coerência (135-149)

Bibliografia citada 151


índice onomástico 158
t

Introdução

( Este trabalho está voltado para a reconstrução crítica do esque¬


ma conceituai da Sociologia de Max Weber , visando a caracterizar o
que ele tem de específico e assinalar o modo adequado de incorporá-
lo e usá-lò. Obviamente ele reflete a minha própria concepção daqui ¬
lo que é relevante e sobretudo atual no pensamento desse autor clás¬
sico. Por isso não tenho a pretensão de oferecer uma exposição didá¬
tica e tampouco um exame exaustivo dos temas e problemas perti ¬
nentes. Neste ponto estou levando Weber ao pé da letra: assim como
ocorre com o conjunto dos fenômenos sociais, uma obra cientí fica
não é suscet í vel de análise exaustiva mas só pode ser tratada de ma¬
neira fecunda mediante uma ênfase seletiva sobre aqueles aspectos
que realmente importa explicar . O que fiz foi empenhar -me em não
recuar diante de nenhuma quest ão relevante para a linha de argu ¬
mentação adotada; mas, muita coisa importante foi excluída, não
por neglicência mas simplesmente porque do contrário se abriria ain ¬
da mais meu leque de preocupações, sem que o tratamento forçosa¬
mente sumário a que esses problemas seriam submetidos conduzisse
a resultados apreciáveis.
Isso se aplica especialmente a tendências recentes de interpreta ¬
ção do pensamento weberiano e dos seus conceitos básicos. É por is ¬
so que certos nomes, cuja ausência no texto poderia causar estranhe ¬

za a alguns , somente são mencionados ou simplesmente não apare ¬

cem. É o caso , por exemplo, do influente especialista em metodolo¬


gia cientifica Cari Hempel (que compareceria como representante de
toda uma tendência) ou então de um ilustre suposto precursor , o so¬
ciólogo Ferdinand Toennies, responsável pela disseminação do par
conceituai “ comunidade e sociedade” , cuja irrelevâ ncia substantiva
para meu tema nem me dei o trabalho de demonstrar . De certo mo¬
do, isso vale também para um tema encontradiço na bibliografia e
que por isso mesmo não retomei mais detidamente, que é o das rela-
T

XII — Introdução Introduçõo — XIII


ções entre as obras de Weber e Marx. Aqui , o caso é um pouco diver ¬ so deriva da sua própria coerência e exprime não somente seus limi ¬
so, pois, embora não haja um capítulo dedicado a ele , o confronto tes mas também sua força. Nisso está envolvida uma concepção que
entre ambas é repetidamente apontado e constitui na realidade uma contrasta com numerosas interpretações correntes: a de que não há
das fontes inspiradoras de todo o trabalho. Essa inspiração deriva da qualquer descompasso entre a metodologia formulada por Weber e
impressão, que se foi consolidando em mim ao longo dos anos, de suas análises concretas. É por isso que não me preocupo com a cir ¬
que grande parte daquilo que passa por ser análise marxista na So¬ cunstância de que boa parte da minha argumentação est á baseada
ciologia é perfeitamente compatível com o esquema weberiano, sem nos textos metodológicos de Weber e de que não haja um exame es¬
que isso signifique em absoluto que essas duas linhas de pensamento pecífico e circunstanciado de pelo menos uma de suas análises de si ¬
sejam compat íveis entre si. Cada qual deve ser tomada pelos seus res¬ tuações empíricas, visto que no meu entender aquilo que ele diz acer ¬
pectivos méritos —
e é claro que se eu não estivesse convencido dos
méritos intrí nsecos do esquema weberiano não teria escrito este li ¬
ca do que pretende fazer realmente concorda com o que faz. A con ¬
clusão a que se chega, mais sugerida que examinada a fundo, é a de
vro. De qualquer modo, não se trata de defender este contra aquele, que o esquema weberiano é especialmente poderoso quando se trata
mas de assinalar sem margem para equívocos a especificidade de ca¬ de analisar processos que envolvam a caracterização da relação de
da qual e com isso recordar que também nesse caso as posições ecléti¬ forças num processo social dado e, de modo geral , que o seu ponto
cas são insustentáveis. forte está na contribuição que pode dar ao estudo de situações empí¬
A organização básica do livro é a seguinte: na primeira parte ricas de conflitos de interesses e de poder , sempre que eles sejam to¬
procuro localizar a§ fontes do pensamento weberiano, numa pers¬ mados nas suas manifestações particulares.
pectiva crítica que envolve o exame das implicações de linhas de pen ¬ Do ponto de vista da leitura e levando-se em conta que um tra¬
-
samento usualmente associadas à obra de Weber , no mais das vezes balho desta natureza inevitavelmente é denso, creio que, a despeito
com o fito de demonstrar que a relação entre elas e o esquema con¬ do encadeamento da argumentação, é perfeitamente possível partir
ceituai weberiano é mais tênue do que se supõe. Isso se aplica espe¬ diretamente para a segunda parte e somente depois completá-la com
cialmente ao peso que, conforme sustenta a maioria dos comentaris¬ a primeira , sempre que a discussão de pontos mais especí ficos em
tas, a obra do filósofo Heinrich Rickert teria tido na elaboração das Weber for de interesse prioritário para o leitor . Uma solução alterna ¬
idéias fundamentais de Weber , o que no meu entender não ocorre. O tiva , para quem desejar abreviar a chegada ao tratamento de Weber
trabalho já estava redigido quando meu colega José Jeremias de Oli¬ sem deter-se de imediato nas elaborações mais amplas, seria a de ler
veira Filho chamou-me a atenção para um livro recente do sociólogo primeiro os capítulos 1 e 5 da primeira parte e passar para a segú n da
americano Thomas Burger (citado na bibliografia) cuja tese é exata ¬
parte, reservando-se os capítulos restantes para a complementação
mente oposta à minha nesse particular e, por conseguinte, em todo o da leitura, sempre tendo em vista que do ponto de vista da obra co¬
resto. A análise de Burger é de boa qualidade mas não me conven¬ mo um todo eles são indispensáveis.
ceu , o que não admira pois sou suspeito. Convém , portanto, que es¬ A circunstância de dedicar-se toda uma parte do trabalho à dis¬
sa fonte alternativa fique aqui registrada, para exame pelos interes¬ cussão de linhas de pensamento que têm afinidades reais ou supostas
sados. com a de Weber , e de constantemente introduzir-se no exame do pró¬
Na segunda parte o pensamento de Weber assume o lugar cen ¬ prio Weber referências comparativas a outros autores não significa
tral da análise e então todo o esforço se concentra na busca daquilo que minha preocupação central seja a de rastrear eventuais influên¬
que é específico a ele e fecundo como perspectiva metodológica com cias sobre a obra weberiana, nem a de expor sua génese e formação.
validade atual . Nela procura-se demonstrar que os aspectos usual¬ Meu objetivo real é diverso e de certa forma mais ambicioso. Para
mente considerados fundamentais nesse esquema —especialmente o
recurso à “ compreensão ” do sentido e a construção de “ tipos
além dos confrontos e aproximações entre o esquema weberiano e
outros, interessa-me captar a presença do contexto em que a obra foi
ideais” —
só ganham sentido à luz daquilo que para mim constitui o
aspecto decisivo e nuclear de toda a concepção metodológica de We¬ I
produzida no próprio interior dos seus conceitos básicos e da sua ar -
ticulação, em que ele está presente sob a forma dos seus pressupostos
ber: a idéia da autonomia das diferentes esferas da ação social. fundamentais. No fundo o que importa é a análise imanente da obra ,
O exame do esquema conceituai weberiano, feito com base no para mostrar como ela traz, inscrita em cada um dos seus conceitos e
que ficou dito- na primeira parte, tem como premissa a idéia de que se no conjunto deles, a marca e os limites das condições históricas e so¬
trata de uma linha de pensamento altamente coerente de ponta a ciais concretas que orientaram sua produção. A referência a terceiros
ponta e de que, se ela conduz a dilemas insolúveis no seu interior , is- deve operar aí como elemento de controle e, em vários momentos,
XIV — Introdução

como dimensão polêmica contra as análises que buscam entender um


pensamento coerente e original a partir do seu exterior; e nisto
reflete-se também o próprio estilo de Weber , que sempre definiu suas J
idéias em contraste com as de outros.
Ainda quanto ao plano do trabalho , cabe observar que sua for ¬
mulação original previa um exame crítico da incorporação de Weber
pela reflexão sociológica brasileira , visto que sua presença é extrema ¬
mente marcante entre nós e encontra-se nos trabalhos mais impor ¬
tantes. Como de resto seria de esperar , acabei constatando que esse
tema exigiria um exame prolongado e com amplitude suficiente para
constituir trabalho aut ónomo. Assim, acabei optando por somente
indicar as grandes linhas em que isso poderia ser feito, embora conti ¬
nue achando que o tema vale a pena . PARTE I
A primeira versão deste trabalho, que aqui se apresenta total ¬
mente revisto e consideravelmente ampliado, foi apresentada em no¬ Idéias e Situações
vembro de 1977 em forma de tese para concurso de livre-docência na
Faculdade de Fisolofia, Letras e Ciências Humanas da USP, quando
foi argüida por banca formada pelos professores Mário Wagner
Vieira da Cunha, Michel Debrun , Raymundo Faoro, Francisco Cor ¬
rêa Weffort e Azis Simão. Receio não ter sabido incorporar devida ¬
mente as críticas e sugestões recebidas naquela ocasião ; mas esforcei-
me por fazê-lo.
Numerosos colegas e amigos incentivaram-me de variadas ma ¬
neiras, todas extremamente significativas para mim , durante a reali ¬
zação do trabalho. Isso foi feito num clima de simpática expontanei-
dade , que não comporta a formalidade do agradecimento nominal.
Espero poder manifestar -lhes minha gratidão no mesmo n ível.
Quanto às v ítimas diretas do penoso processo de gestação da
coisa, só posso dizer que se conduziram estoicamente. Amélia Cohn
soube, como sempre, dar seu apoio no momento certo e aparar com
bom senso os meus delí rios mais descabelados. Quanto a Clarice e
Sérgio , ela já era veterana de cataclisma semelhante e ele soube su ¬
portar até o limite os hor ários absurdos e o comportamento particu ¬
larmente estranho do pai. Enfim , souberam ambos , à sua maneira ,
compreender o sentido das minhas ações e fizeram o essencial de
sempre, que é manter a casa cheia de alegria.
Finalmente, quero fazer uma referência especial àqueles que,
numerosos demais para serem nomeados, são em boa medida os res¬
ponsáveis pelo amadurecimento das idéias aqui apresentadas, ao
longo dos anos em que tenho convivido com eles: os estudantes com
quem tive oportunidade de debatê-las, no curso de Ciências Sociais
da USP. A eles gostaria . de dedicar este trabalho.
São Paulo , janeiro de 1979
1
O mundo dividido

No per íodo 1911-1912 Max Weber estava no ápice da sua atividade


intelectual. Preparava-se para produzir suas aná lises de maior fôle¬
go , que resultariam nos trabalhos comparativos sobre a “ ética eco¬
nómica” das grandes religiões mundiais, ao mesmo tempo que já ha¬
via assumido a redação daquilo que seria Economia e Sociedade e
preparava o seu grande artigo, publicado em 1913, sobre “ Algumas
categorias da Sociologia compreensiva” . Sua posição na vida inte¬
lectual alemã já estaya consolidada pela publicação das suas grandes
análises históricas, do estudo sobre A ética protestante e o espírito
do capitalismo e seus desdobramentos, dos seus grandes escritos me¬
todológicos; tudo isso concentrado, no essencial , no período 1903-
1905. E nesse momento decisivo que ele, sempre interessado por m ú ¬
sica, toma conhecimento pela primeira vez do modo de apresentação
das grandes partituras musicais. Através de uma pianista amiga , exa ¬
mina as partituras de Tristão e Isolda, de Wagner , e comenta:

í “ Essa é a técnica de escritura que me faz falta . Com ela à minha disposi -
• ção eu poderia finalmente fazer o que deveria: dizer muitas coisas separa ¬
das , uma ao lado da outra , mas simultaneamente. ” ( Baumgarten , 1964:
° 482-483 . )

f Essa frase define, como nenhuma outra, o espí rito do empreendi¬


mento cient ífico weberiano. Não é dif ícil imaginar o fascí nio de We¬
ber por essa escritura que permite tratar de modo simultâ neo o de ¬
senrolar rigorosamente coerente de temas que correm, conforme a
lógica de cada qual , por linhas paralelas, para no final formarem um
todo constru ído pela vontade livre mas disciplinada de um pensa¬
mento criador: a obra. Esta obra específica , que poderia ser outra; e
que demanda uma interpretação entre m últiplas possí veis, não por ¬
que careça de lógica pró pria, e sim porque a ordenação das suas par-
4 — 0 mundo dividido O mundo dividido
— 5

tes n ão lhe é imposta de antem ão mas resulta de um trabalho cons¬ “ Não é a nulidade do singular que confere à totalidade o seu caráter per ¬
trutivo. verso , mas sim que o átomo, o motivo característico, por imposição mes ¬

É um acaso feliz que essa constatação se desse no contacto com mo do seu ser caracterí stico, tem que aparecer como se fosse algo, e nun ¬
a obra de Wagner , essa figura que, ao lado de algumas outras da ca cumpre essa pretenção. Assim , os temas e os motivos combinam-se pa ¬

ra converter -se em algo como uma pseudo- hist ória.” ( Adorno, 1964: 51.)
grande tradi çã o cultural ambiguamente “ burguesa ” alemã
the , Nietzsche , Thomas Mann , sem falar no acorde dissonante de
Goe — ¬

Em suma, Wagner procede com seus motivos atomizados no dom í¬


Marx — ensejaria todo um ensaio especí fico sobre as “ afinidades
eletivas” que marcam o pensamento de Max Weber ; coisa que, em nio da arte tal como Weber se sentirá tentado a fazer no dom ínio da
í nfima parcela e entre outras , se procurar á fazer aqui . Nesse caso es¬ ciê ncia: de modo estritamente “ nominalista ” , mas tendo como alvo
pec í fico , as afinidades e as diferen ças fundamentais tornam -se n í ti ¬ chegar a um todo significativo com validade objetiva enquanto obra ,
das se recorrermos aos coment á rios de Adorno sobre Wagner . ou , mais precisamente, enquanto composição.
Composição. Essa é realmente uma palavra-chave para o ade ¬
“ Sob a t ê nue capa do andamento continuo Wagner triturou a composi ¬ quado entendimento da obra de Max Weber e para sua correta assi¬
ção em leitmotive alegó ricos enfileirados qual coisas. Tais motivos esca ¬ milação na pesquisa . Ela aparece com toda a clareza numa advertên ¬
pam às exigê ncias da totalidade formal da m úsica tanto quanto às da cia de fundamental import â ncia que Weber faz já na sua obra mais
‘simbolizaçã o’ est ética. Subtraem -se , em suma , à tradição do idealismo célebre, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Ao dispor -se
alem ão . Na medida mesma em que a m ú sica wagneriana se consuma co ¬
a falar sobre o “ espí rito do capitalismo” , ele assinala que tal entida¬
mo estilo , esse estilo n ão é sistema no sentido do fechamento logicamente de não pode ser definida de antemão , mas que corresponderia a um
consequente , da pura conex ão imanente entre o todo e as partes. Precisa ¬
“ indiv íduo hist órico ” constru ído para fins de pesquisa e conforme o
mente isso tem seu aspecto revolucion á rio. Na arte , tanto quanto na Filo ¬
ponto de vista do seu significado cultural . A ênfase no car áter cons¬
sofia , os sistemas buscavam engendrar , a partir de si pr ó prios , a sí ntese da trutivo da formação de conceitos na an álise histó rica e sociológica já
multiplicidade. Nisso elas na realidade se orientavam sempre para uma
totalidade já dada mas tornada problem á tica , cujo direito de existir eles é evidentemente fundamental , e desde logo permite distinguir Weber
contestavam , para tornar a criá -la por seu pró prio interm édio . E nisso do seu ant ípoda Durkheim , para quem a adequada definição prévia
que Wagner põe um fim ( ... ). Wagner torna o material incomparavelmen ¬ do dom ínio a ser coberto pela pesquisa no interior de um sistema ob ¬
te mais maleá vel para o compositor do que jamais o fora . A m á xima des ¬ jetivamente já dado é condiçã o primordial para qualquer análise so ¬

sa concepção de forma est á enunciada de maneira lapidar no diá logo est é ciológica . Mas Weber vai mais adiante.

¬

tico dos Mestres Cantores: ‘Como devo começar segundo as regras ?


Proponham - nas vocês pr ó prios, e depois sigam - nas’ .” ( Adorno , 1964:
47-48 , 49.)
“ Tal conceito hist órico— escreve ele — uma vez que se refere em seu
conte ú do a um fen ômeno significativo por sua particularidade individual ,
n ão pode ser definido (ou seja: ‘delimitado’ ) segundo a fó rmula geñus
proximum , differentia specifica, mas deve ser gradualmente composto a
At é aqui predominam as afinidades, como se procurar á de ¬
partir das suas partes constitutivas singulares, a serem tomadas da reali ¬
monstrar mais adiante . A diferença fundamental , que ao menos em dade hist ó rica .” ( Weber , 1972:30. )
parte reflete meio s éculo de dist â ncia na hist ória alem ã , encontra-se Mais adiante este ponto será retomado no presente trabalho , na
precisamente na concepção final da relação entre as partes e o todo , medida- em que uma das suas teses centrais é a de que muitos dos
uma vez atomizado o todo para compor a obra . Segundo Adorno , equ í vocos cometidos por comentaristas e seguidores de Weber deri ¬
em Wagner “ o todo deve tornar -se dominá vel pela divisão nas suas vam da insuficiente aten ção prestada a esse ponto nuclear do pensa¬
unidades m í nimas, obedecendo à vontade do sujeito livre e sobera ¬ mento weberiano. Seguramente são raros os comentaristas que se
no ” . Mas , “ o momento totalit á rio-dominador da atomizaçã o já pre ¬ d ão inteirainente conta da import â ncia dessa formulação, e não será
domina ; aquela desvalorização do momento singular em face da to¬ por acaso que entre esses poucos esteja novamente Adorno, ainda
talidade, que exclui os efeitos reciprocos leg í timos , dialéticos ” . quando as referências a Weber sejam puramente ocasionais em sua
Aqui , mais talvez do que simples diferenças, temos como que afini¬ obra ( Adorno , 1966:147-148).
dades com os sinais trocados . Impossí vel n ã o mencionar aqui o co¬ O exemplo da reação de Weber à t écnica de escritura musical re ¬
ment á rio de Adorno sobre o significado disso em Wagner: mete ainda a outro aspecto significativo , que també m tem a ver dire-
6 — 0 mundo dividido O mundo dividido
— 7

tamente com as bases mesmas do seu estilo de pensamento. Ele diz zação fragmentadora e a sí ntese integradora, ele acaba recusando
respeito à sua atitude diante do problema da divisão do trabalho, so¬ ambas; uma posição dif ícil , sem d ú vida, mas responsá vel por uma
bretudo na á rea intelectual. Weber sentiu, como poucos, as conse¬ das m ú ltiplas dimensões em que o pensamento weberiano ganha di¬
quências daquilo que, como lembra Lukács em passagem a ele dedi ¬ nâ mica a partir da tensão sempre presente entre oposições insolú veis.
cada na qual retoma de maneira sumá ria seu estudo sobre a reifica- Sua solução pessoal , e explicitamente entendida como um ato heroi¬
ção em História e consciência de classe, é um traço específico do
pr ó prio desenvolvimento do capitalismo, ou seja, nele “ as classes

co “ quero ver o quanto consigo suportar” — é no sentido de reu¬
nir em si, como uma espécie de negação individual da especialização,
dominantes também estão submetidas à divisão do trabalho” (Lu ¬ o domí nio das mais variadas áreas de investigação histórico-sociais:
k ács , 1968:49-55). Se admitirmos que Weber nunca abandonou a po¬ da História à Teoria do Direito, da Economia à Sociologia e, per ¬
si çã o assumida de maneira um tanto brusca no seu Discurso Inaugu ¬ meando tudo isso , a Teoria Política e a intervenção ativa nos proble¬
ral como professor de “ Ciência do Estado ” na Universidade de Frei ¬
burg , em 1895: the — —
mas contemporâneos. “ Cabe-nos dizia ele inspirando-se em Goe¬
fazer frente às exigências do dia.”
Essa absorção infatigá vel de conhecimentos não conduziu, no
“ Sou membro das classes burguesas , sinto- me como tal e fui educado nas èntanto, a uma sí ntese teórica acabada, e muito menos deu-lhe con ¬
suas concepções e ideais” (Weber , 1971:20),
dições para estabelecer quaisquer nexos que n ão externos entre teoria
e se lembrarmos ainda que, segundo ele próprio, essas “ classes bur ¬ e pr ática. E , o que é essencial , esse erudito universal repudiava qual¬
guesas” não revelavam qualificações polí ticas para preencherem ple¬ quer busca de sistemas totalizadores, tanto no dom í nio das idéias
namente os papéis dirigentes na nação alemã (Weber , 1971:23), en ¬ quanto na realidade empírica. O resultado é que temos em Weber
-
t ão sua posição cr ítica e ambígua em relação a esse problema consti ¬
tui tema a ser melhor examinado.
uma figura prot éica, capaz de assumir as mais diversas formas e ocu ¬
par os mais diferentes lugares na sua vida intelectual, sem na realida ¬
O exame desse tema , que nos ocupará doravante nessa primeira de definir-se por nenhuma delas nem buscar articulá-las entre si, sal ¬
parte do trabalho, permitirá destacar as soluções metodológicas e os vo no plano de uma coerência puramente subjetiva, que ganharia
conceitos fundamentais a que Weber chegou , num processo que tem forma conceituai na sua idéia de uma “ ética de responsabilidade ” . O
algo de paradoxal, à luz das suas formulações metodológicas expl íci ¬ homem que se apresenta , numa primeira aproximação, como a nega ¬
tas. Com efeito, todo o arcabouço metodológico weberiano est á ção individual do parcelamento das atividades no plano social acaba
constru ído sobre uma seq úência de dualidades, articuladas em torno se revelando um indiví duo tanto mais dividido internamente, e cons¬
de uma que é dominante: racional / não-racional. Entre os pólos des¬ ciente disso: “ Limitar-se a um trabalho especializado , por conse¬
sas dualidades supõe-se que as opções dos agentes deveriam ser ine¬ guinte, renunciar à universalidade faustiana do homem é a condiçã o
quívocas, no caso puro. Ocorre que, na trajetória intelectual que de toda atividade valiosa no mundo moderno; assim , hoje a ‘ação’ e
conduziu à elaboração do seu esquema, Weber viu-se continuamente a ‘ren ú ncia’ condicionam-se fatalmente uma à outra” (Weber,
engajado em polêmicas que envolviam posições fortemente contras¬ 1972a: 203.)
tantes. E as solu ções por ele propostas no mais das vezes envolviam à Onde Weber foi buscar os fios para sua infindável urdidura? A
primeira vista mais propriamente um compromisso que adesão clara resposta é t ão desconcertante quanto a sua figura e a sua obra: do
a uma posição e rejeição da outra. Enfim , Weber tinha uma profun ¬ conjunto da cultura alemã da sua época , nada menos. Não houve
da experiência pessoal de que, se podemos construir analiticamente uma só corrente de pensamento à qual ele tenha ficado indiferente e,
opções puras, no universo empí rico seus limites são mais difíceis de o que é mais importante, não há tendência particular à qual ele possa
serem traçados. É como se as suas dificuldades para aderir a uma po¬ ser filiado. Considerá-lo , como é comum , um represehtante nas ciên ¬
si ção inequ ívoca e excludente no interior dos embates teóricos e me ¬ cias sociais de tal ou qual escola filosófica “ neokantiana ” da época é

\I
todológicos em que se envolveu se refletissem às avessas na ênfase ri ¬
gorosamente dualista do seu esquema analítico.
Na realidade, a atitude de Weber em face da divisão de trabalho
uma grosseira simplificação. Pode-se, no máximo, demonstrar
pelo menos é o que será repetidamente sugerido neste trabalho
que h á uma figura singular no pensamento alem ão em relação à qual
——
|j intelectual , cujas manifestações e efeitos ele acompanhava de perto as afinidades de Weber são nitidas: Friedrich Nietzsche . De qualquer
i na sua atividade acad êmica , é igualmente ambígua. Entre a especiali - forma, a universalidade do pensamento weberiano comporta unia
r~

8 — 0 mundo dividido O mundo dividido — 9

restrição importante . É que ele absorveu as mais variadas tend ências “ Durante toda a sua vida Max Weber empenhou -se a fundo , com um ri ¬
da cultura alemã da sua época. Isso inclui , é claro, a inevit á vel via¬ gorismo quase autodestrutivo, em pensar as suas posições radicalmente
gem à It ália em busca de formaçã o art í stica ( visto que a viagem aos -
at é o fim , ao invés de contentar se com vias m édias e compromissos cô¬
modos , mesmo quando isso conduzia , no final, a contradições e mesmo
Estados Unidos lhe rendeu mais material para investigação do que aporias insol ú veis. ” ( Mommsen , 1974: 455.)
inspiração intelectual nova). Nos seus escritos, pelos menos, relativa ¬
mente pouco transparece de um contato mais íntimo com o pensa¬ A quest ão , com a qual Mommsen necessariamente só se preocupa de
mento europeu em geral , embora ele obviamente existisse, sobretudo passagem , consiste em rastrear as marcas disso na obra weberiana ,
na esfera art í stica. Sua universalidade, assim como muito de sua re¬ até mesmo na formação dos fundamentos teóricos da sua análise.
flexão pol ítica , est á sob o signo da nação. Na realidade, se em relação a Weber pode-se falar em compro¬
Uma nação bem singular , por sinal. Retardatária no cen ário eu ¬ missos buscados entre posições divergentes, é preciso esclarecer des¬
ropeu , unificada por Bismarck à custa de numerosos compromissos , de logo que eles assumem uma forma muito singular na sua obra. Ja¬
industrializada mas sem uma burguesia capaz de disputar a hegemo¬ mais derivam do empenho em aceitar e tornar compat íveis posições
nia com os grandes senhores rurais, dotada ao mesmo tempo do mais opostas entre si , mas , ao contrá rio, decorrem de uma postura de re ¬

poderoso e bem organizado (em termos de ação rotineira) movimen ¬ futação polêmica das posições dadas, tais como se apresentam , e da
to operá rio da Europa. Uma naçã o cuja visão pol ítica se lançava pa ¬ busca de uma solução pró pria para as quest ões tratadas. A autono¬
ra o Leste e a cultural para o Oeste, como aponta o autor da caracte¬ mia , o car áter independente da sua ação também como cientista ,
rização da Alemanha como “ nação retardatá ria ” e que, citando eram para ele ponto de honra, de tal forma que, na maioria das oca¬
Nietzsche , vê os alemães como sendo “ de anteontem e de depois de siões em que tomou posição diante das controvérsias do dia , sua pri ¬
amanh ã , mas não de hoje” ( Plessner , 1974: 54). Enfim , uma nação
dividida e defasada, cujo peso na reflexão weberiana só pode ter meira atitude parecia ser a de desejar “ a plague on both your
contribuído para acentuar o caráter da sua trajetória, marcada por houses ” . Acompanhemos, então, esse processo de constituição do
dilemas insol úveis. Pode-se mesmo adiantar , neste contexto, que pensamento weberiano , nos seus pontos fundamentais.
não terá sido a presen ça de um capitalismo moderno na Alemanha Todo o período de formação do pensamento de Max Weber se
que levou Weber a concentrar sua atenção sobre a relação entre a con ¬ dá num contexto intelectual marcado pela preocupação com um te¬
duta económica racionalizada em moldes capitalistas e uma ética re¬ ma que só faz sentido numa nação retardat á ria , às voltas com difi¬
ligiosa de fundo puritano. Muito mais que isso, sua pesquisa serviu- culdades para a construção da sua própria hist ória. Essa quest ão di ¬
lhe para visualizar por mais um ângulo a singularidade da sua nação, zia respeito à natureza e à pró pria inteligibilidade do processo histó¬
na qual a ética religiosa predominante era de cunho luterano, bem rico. Em nenhum lugar da Europa do século XIX a Hist ória, como
mais congruente com uma postura de s ú dito obediente do que com decurso real e como objeto do conhecimento, foi t ão levada a sério
uma ação inovadora , como assinalou o próprio Weber (e, antes dele, como na Alemanha (ou naqueles Estados que, após 1870, iriam
Marx). constituir a nação unificada sob a égide da Pr ússia). O problema da
Seria precipitado, no entanto, deduzir disso a idéia de que ao História era a obsessão de uma sociedade que oscilava entre encarar
pensamento de Weber falte coerência. Ao contrá rio, o ponto de vista as revoluções burguesas européias, que acompanhara à dist â ncia
a ser aqui defendido é o de que a reflexão weberiana desemboca em mas cujos desdobramentos sentira diretamente nas guerras napoleó¬
dilemas insol úveis precisamente por ser implacavelmente coerente e nicas, como uma carência ou então como uma ameaça; e que mal ti ¬
impelida por uma audácia intelectual que não permite recuos f áceis nha tempo para deter -se nisso, diante da presença cada vez mais
diante das suas consequências. Os pró prios compromissos que ele marcante das “ massas” populares na sua vida política.
busca freq úentemente entre linhas de pensamento opostas deverão É no dom ínio da reflexão alemã que se constituiu , sobretudo
ser examinados , não como recuos mas como passos no estabeleci¬ após a Restauração pós-napoleônica , a mais vigorosa corrente de
mento de uma orientação própria e inovadora; naquilo que lhe pare¬ pensamento conservador de cunho historicista. Vale dizer , daquela
ciam quest ões de base ele nunca transigiu . Nesse ponto fundamental modalidade de pensamento que se opunha ao í mpeto racionalista,
não há como discordar da posição assumida por um intérprete tão unlversalizante e analítico das idéias iluministas que iriam , em boa
qualificado como Wolfgang Mommsen: medida , alimentar o liberalismo e o positivismo de meados do século
10
— O mundo dividido O mundo dividido
— 11

em diante. Captação, por processos irredut í veis à razão analítica, de o liberal passa a ganhar contornos mais n ítidos, numerosos intelec¬
totalidades hist óricas singulares e concretas, de cujo car áter orgâ nico tuais e cientistas assumem a causa liberal e a reivindicação burguesa
o próprio estudioso é participante. Essa era a palavra de ordem do da unificação alem ã. Agora , nã o se tratava só de literatos e historia¬
historicismo conservador, contra a busca de elementos e regularida ¬ dores (como o historiador Theodor Mommsen , que sonhava ter em
des universais no decurso histórico, articulá veis num quadro teórico Weber o seu sucessor ) mas o recrutamento se dava em todas as áreas
de aplicação e validade gerais; ou seja , contra o “ naturalismo” posi ¬ do saber . Um veículo para essas id éias era dado pelos congressos
tivista . Servia ela também para combater a idéia de que o presente cient í ficos, que reuniam representantes das várias regiões ( Mom ¬
pudesse ser encarado de outra forma que uma totalidade espiritual , msen , 1949: 25-26).
cujo car áter ú nico retire sua legitimidade incontest ável do próprio A frustrada revoluçã o de 1848 ensejou uma reorientação do
processo espont âneo da sua constituição ao longo dos séculos; ou se¬ campo de for ças pol íticas , com a definitiva entrada em cena dos as¬
ja, contra qualquer variante de “ materialismo” . salariados e pequenos proprietários urbanos, o que provocou uma
rá pida aproximação entre a aristocracia rural conservadora e a bur ¬
Na realidade, “ a Alemanha fez com a ideologia do conservantismo o que guesia urbana liberal diante do “ perigo vermelho ” . O grau em que a
a França fez com o Iluminismo. Explorou-a at é o limite das suas conclu¬ presença política do “ Quarto Estado” desconcertou e alarmou os
sões lógicas” . (Mannheim, 1959: 82.)
grupos dominantes na década de 40 pode ser avaliado se considerar ¬
No caso, esse limite era dado por uma concepção radicalmente irra ¬ mos que, ainda em 1830, um porta-voz conservador podia sustentar
cionalista e relativista do problema do conhecimento histórico- que
social. Tudo se passava como se a car ência de uma unidade económi¬
ca, polí tica e social que se configurasse numa efetiva integração na¬ “ as classes baixas do povo como tais n ão representam uma força política
durável. Essa só pode ser transit ó ria , como instrumento do partido mais
cional , ainda a ser forjada, fosse compensada pela idéia de uma uni ¬ atilado ” ( Mommsen , 1949: 171).
dade cultural, traduzida na noção de “ espírito de um povo” . A ex¬
pressão final disso era a rejeição de qualquer teoria (o pensamento Já em 1848, a mobilização aut ónoma dos assalariados e do artesana¬
conservadqr sempre teve o fascínio pelo “ concreto” ), em nome de to urbanos já foi encarada pelos próprios representantes mais avan ¬
um empirismo extremado que, a bem da verdade, ensejou um grande çados do movimento liberal burgu ês como um componente de peso
desenvolvimento das técnicas de pesquisa historiográfica. no processo. Assim , o ent ão ainda jovem fisiólogo Rudolph Virchow
Entre os nomes responsá veis pelo desenvolvimento da pesquisa escrevia, em 1848, ao seu n ão menos liberal pai:
histórica nesse per íodo não é dif ícil encontrar um engajamento bas ¬ “ Você está certo quando sustenta que foram essencialmente os trabalha¬
tante claro nos problemas políticos contemporâneos. O mais ilustre dores que decidiram a revolução, embora eu creia que você , na província,
entre eles, Leopold von Ranke (cuja memoria está ligada , quando n ão percebe plenamente que essa revolução n ão é simplesmente política
nada, à sua profissão de fé empirista — “ narrar os fatos tal como mas fundamentalmente social.” ( Hamerow, 1966: 102)
ocorreram ” — —
e relativista “ todas as épocas est ão ¡mediatamente
-
perto de Deus ” ), nunca deixou de ser um porta voz do pensamento
Na realidade , Virchow compartilhava neste ponto, com o sinal tro¬
cado, da mesma ilusã o que enchia de pânico os conservadores. É ne¬
conservador durante sua longa carreira. Na década de 30, combatia cessário lembrar que a Alemanha de 1848 ainda era fundamental¬
a idéia de transformações gerais no cenário europeu , sustentando mente uma sociedade de base agrária (cerca de 75% da sua popula ¬
que, “ passados os efeitos das guerras revolucion árias, cada Estado ção era rural), e que as rea ções dos seus grupos dominantes aos sinais
voltará ao seu desenvolvimento particular ” ( Meinecke, 1919: 306). de diferenciação social e pol ítica que pressentiam eram despropor ¬
Após 1848, presta sua assessoria ao rei Frederico Guilherme IV, pre¬ cionais em relação às condições específicamente alem ãs, mas refle¬
conizando uma regulamentação das atividades dos trabalhadorès tiam muito mais o temor da repetição daquilo que ocorria em outros
manuais inspirada na disciplina militar ( Hamerow , 1966: 211) e, países, especialmente a Fran ça. O essencial é que, desproporcionais
mais tarde, converte-se em ideólogo do bismarckismo ( Meinecke, ou não, essas concepções não eram totalmente destitu í das de funda ¬
1919: 308 e seguintes). mento, e que, no conjunto, o processo contribu ía muito mais para
O engajamento, no entanto, não era só do lado conservador . debilitar a burguesia alem ã que para fortalecê-la , a ponto de Engels,
Sobretudo após 1840, quando a divisão entre o campo conservador e em sua análise da revolu ção e contra-revolução na Alemanha , poder
12 — 0 mundo dividido O mundo dividido — 13

observar que ela se desfigurava como classe e se convertia numa es¬ A expressão disso tudo no tocante à pesquisa hist ó rica e social
pécie de “ estamento ” totalmente na defensiva. pode ser identificada , no fundamental , por um ponto : a passagem de
As mudanças estruturais da sociedade, que ainda operavam uma etapa de historicismo avesso à reflexão teó rica e seguro quanto
mais no plano das idéias que no da realidade em 1848, converteram- aos resultados das pesquisas emp í ricas produzidas para outra, em
se em processo real no quarto de século imediatamente seguinte. O que a ê nfase vai -se deslocando da á rea das t écnicas e resultados da
crescimento económico , a industrializa ção e a urbanização se desen ¬ coleta de dados para as quest ões de ordem teórica e metodol ógica .
cadearam com um ímpeto sem precedentes na hist ória européia. Os fundamentos teó ricos e metodológicos do conhecimento nesse
Multid ões de camponeses foram expelidos das terras que ocupavam dom í nio assumem car áter problem á tico, e o mesmo ocorre com cate ¬
e nas quais ainda há pouco reinava um regime de vassalagem, seja gorias básicas que antes norteavam a historiografia sem serem ques¬
por n ão poderem pagar as rendas aos grandes senhores rurais , seja tionadas, a começar pela principal , que é a da “ unidade orgânica”
porque estes passaram a adotar a seu modo procedimentos capitalis¬ do objeto . É como se, quanto mais a din âmica hist órica concreta ga ¬
tas, preferindo contratar mão-de-obra sazonal e barata a operar com nhava corpo , mais a reflexão sobre ela se tornava problem á tica.
arrendat ários ou assalariados permanentes. Es.te ú ltimo aspecto , por Operando num espaço exíguo, o pensamento acadêmico alemão da
sinal , foi analisado por Weber em relação à Prussia Oriental quan ¬ época refluí a sobre si pr ó prio, interrogava-se sobre sua validade ,
do , no seu Discurso Inaugural de 1895, apontava os riscos para a in ¬ questionava as condi ções mesmas para produzir um conhecimento
tegridade nacional alemã representados pela contratação em massa cient í fico do processo hist órico-social que n ão subordinasse o trans ¬
de trabalhadores poloneses para tarefas especí ficas, em detrimento correr hist órico à faticidade natural nem conduzisse a Universidade,
dos camponeses alemães. como organização burocr á tica a serviço do Estado burguês em cons¬
Nos centros industriais, uma sociedade ainda “ arcaica” sob mui ¬ tituição, a reforçar as correntes de pensamento contestador de tipo
tos aspectos lutava com os problemas da incorporação acelerada da socialista. Em parte é por isso que a palavra de ordem “ retorno a
tecnologia mais avan çada , fazendo aquilo que Veblen , no seu estudo Kant ” encontraria tanta receptividade; não apenas porque por essa
sobre A Alemanha Imperial e a revolução industrial, caracterizaria via se procurava encontrar terreno seguro para retomar problemas
como uma combinação entre “ o estádio mais avançado e mais efi ¬ como os da razão, do determinismo e da liberdade , mas també m
ciente das artes industriais” e o “ medievalismo quase intacto do es ¬ porque, entre a cr í tica do objeto e a cr ítica do conhecimento, preva¬
quema institucional ” (citado em Dahrendorf , 1969: 32- 33). Isso sig¬ lecia a segunda.
nificava, desde logo, uma atenção especial para a pesquisa pura e
aplicada no domínio dos processos naturais: qu ímicos, físicos e co¬
nexos. Da í deriva o desenvolvimento de um estilo de pensamento de
fundo positivista , que viria a ser representado pela figura caracter ís¬

ticamente alemã do cientista-filósofo, como Helmholtz, Hertz,


Mach . Ao mesmo tempo, no dominio da reflexão sobre os processos
hist órico-sociais, n ão só se fazia sentir a influência das tentativas de
fundo positivista para construir teorias gerais da sociedade em con ¬
traposição ao empirismo particularizante do historicismo, como ga¬
nhava impulso o pensamento materialista revolucioná rio, especial ¬
mente de raiz marxista e vinculado à própria expansão de um movi ¬
mento político operá rio organizado. Finalmente, não devem ser des¬
prezadas as consequ ê ncias da entrada tardia da Alemanha no cen á¬
rio imperialista europeu , que lhe conferiu caráter especialmente
agressivo e “ voraz ” ( Lukács, 1959: 54) e contribuiu para a redefini ¬
ção de qualquer componente “ cosmopolita” nas concepções da rea¬
lidade histórico-social que se iam formando.
2
Dilthey e a hermenêutica

A característica mais geral desse processo é a cisão, que se ia estabe¬


lecendo em nome de uma crítica ao positivismo, entre as “ ciê ncias da
natureza” e as “ ciências do espí rito” , ou “ da cultura ” .
O tema foi levantado com toda a nitidez por Dilthey , quando se
propôs, a partir de 1883, encaminhar sua “ crí tica da razão
hist órica ” através de um exame dos fundamentos das “ ciê ncias do
espí rito” : expressão amb ígua que fora criada quando da tradução
alem ã , em 1843, do Sistema de Lógica de Stuart Mill , cujo Livro VI
trata das “ moral sciences ” . Claro que o empreendimento de Dilthey
nada tem em comum com a postura positivista de Stuart Mill , antes
se opõe a ela. Já houve quem comentasse que Dilthey combateu o
positivismo com as pró prias armas que ele lhe oferecia ( Hughes ,
1967: 191 ). Observação análoga poderia ser feita em relação à sua
cr ítica àquilo que encarava como concepções metaf ísicas presentes
na historiografia do seu tempo; a começar pela noção de “ espírito
objetivo ” , tão entusiasticamente incorporada pelos hegelianos de di ¬
reita e à qual ele recorreria nas suas ú ltimas obras , procurando con ¬
vertê-la em conceito cientifico de base empí rica. Sua busca de funda ¬
mentos mais sólidos para o estudo do universo histórico-social pode
também ser encarada pelo prisma da sua resistência ao relativismo e
ao “ niilismo” (identificado com a obra de Nietzsche) , que via como
tendências nefastas em ascensão ( Aron , 1964: 106-111 ; Glockner ,
1968: 1046, 1049).
Dilthey revela em sua obra uma percepção muito aguda dos pro¬
blemas que sua época levanta para o estudo dos fenômenos histó ri ¬
co-sociais. Seu pensamento articula-se em torno de três grandes opo¬
sições: entre o mundo hist órico criado pelo homem e a natureza não
criada por ele; entre a explicação dos fenômenos a partir do seu exte¬
rior , no caso da natureza , e a compreensão interna das obras huma¬
nas , no caso da hist ó ria; e entre o estudo de segmentos isolados e
16 — Dilihey e a hermenêutica
Dilthey e a hermenêutica — 17

atomizados do real , no caso da natureza , e a apreensão integradora they ainda se propunha tomar uma psicologia “ descritiva e desmem-
de formas de vivência nas “ ciências do espí rito” . Por tr às disso bradora ” como base para as ciê ncias do espí rito), três categorias
transparece cada vez mais fortemente o contraste entre a vida como comparecem para ordenar seu discurso . Sã o elas: a intersubjetivida-
fluxo cont í nuo e infinitamente rico da experiência humana e a maté¬ de, a memória e a biografia, sendo que cada qual e elas entre si são
ria inerte, convite à abstração ou à ação meramente instrumental. articuladas pela presença do significado.
Claro está que tudo isso implica traçar uma linha divisória n í tida en ¬ “ A experiência na sua realidade concreta torna -se coerente através da ca¬
tre as “ ciências da natureza ” e as “ ciências do espí rito” . tegoria de sçntido . Essa é ’a unidade que, atrav és da memó ria, vincula o
Interessa aqui assinalar , desde logo, o caráter problemá tico que que foi vivido ou revivido . Seu significado não repousa em algo externo
a integridade do mundo humano assume para Dilthey . No seu pensa¬ às experiências que lhes confira unidade, mas está contido nelas e consti¬
mento redefine-se a id éia t ípica do pensamento conservador clássico, tui as conexões entre elas. ( .. .) Onde se encontra o significado da vida de
um indivíduo, de mim mesmo , de outro , ou de uma nação, n ão est á clara ¬
de que os homens t êm os seus nichos assegurados num todo org ânico mente determinado pelo fato de tal significado existir. A sua presença é
engendrado pelas ações dos seus antepassados e consolidado pelas sempre certa para a pessoa qué a recorda como uma série de experiências
suas pr ó prias. Ao mesmo tempo, sua reserva com relação ao positi¬ relacionadas. É apenas no ú ltimo momento de uma vida que . todo o seu
vismo exprime sua relut ância em aceitar nã o só a fragmentaçã o de significado pode ser captado. Em consequência , isso só pode ser feito por
um mundo hist órico em que a divisão do trabalho impõe a especiali¬ um momento, ou por outra pessoa que retraça essa vida. Assim , a vida de
zação crescente, mas também o caráter instrumental do pensamento Lutero recebe o seu significado do fato de ela vincular entre Si todos os
técnico-cient ífico , moldado para ensejar o controle do mundo exte¬ eventos concretos nos quais a nova religiosidade foi aceita e absorvida . Is¬
rior. • so forma, ent ão, um segmento no contexto concreto mais abrangente do
que ocorreu antes e depois. Aqui o significado est á sendo considerado na
Nessas condições, Dilthey constró i , ao longo de quase meio sé¬
sua forma histórica . Mas também é possí vel procurá-lo nos valores positi ¬
culo, um esquema teórico permeado de ponta a ponta por um moti ¬ vos da vida. Nesse caso, ele se relaciona com sentimentos subjetivos (de
vo básico: a unidade para além da diversidade e, sobretudo, uma uma pessoa particular]. ” ( Dilthey , 1968: 237 . )
unidade cuja garantia de exist ê ncia é a presen ça do sentido. O uni¬
verso hist órico-social , que é o objeto das “ ciências do espí rijo ” , não A experiência vivida , a vivê ncia, não tem significado nem exis ¬
é nem pode ser encarado como um grande agregado de eventos dis¬ tência isolados, nem é indiferenciada. Ela pode ser examinada ao lon ¬
go de dois eixos, claro que isoláveis só analiticamente. Um horizon ¬
cretos. Há um processo maior que o atravessa, que é o da “ vida” ; e,
nessa noção jamais bem definida por Dilthey , est á a marca de uma tal , que permite ver como se unifica nela o conjunto de relações que
concessão fatal a uma metaf ísica que ele desejava evitar tanto quan ¬ o sujeito mant ém com outros, numa situação dada, de caráter inter ¬
subjetivo. O outro, vertical , permite ver como, através da memó ria,
to o empirismo não-reflexivo dos positivistas. Talvez pudéssemos
interpretá-la, num plano simplesmente metodológico, como sua ver¬ as vivê ncias se articulam ao longo do tempo para constituí rem uma
são para uma idéia comum no idealismo alem ão e que encontra uma biografia , uma história de vida. Esse segundo ponto é fundamental.
expressão particularmente n ítida no pensamento ling üístico de W. Ele levanta a idéia de que o conhecimento do sujeito passa necessa ¬
von Humboldt , quando este sustenta que a linguagem deve ser trata¬ riamente pela compreensão do processo significativo da sua forma¬
da como uma energeia e não como um ergon; não como coisa feita ção. Sugere també m que esse conhecimento, obtido por via com ¬
mas como processo (Cassirer , 1962: 120-121), desde que fique claro preensiva , sempre será parcial enquanto o processo de constitui çã o
que a caracter ística básica desse processo é a de ser criador de signifi ¬ do sujeito ainda estiver em curso; é só no seu término que a com ¬
cados, de exibir a marca de uma poiesis. preensão poderá ser abrangente, e mesmo assim apenas no que tange
ao segmento do transcorrer histórico representado por essa entidade
Entretanto, o que interessa a Dilthey n ão é simplesmente a no¬ que aí desempenha o papel de sede unit á ria de vivências, que é o su ¬
ção gen érica de “ vida ” , mas sua unidade constitutiva , a vivência. jeito.
Toda a experiência humana é formada por vivências, e essa experiên ¬ -
Nesse ponto introduz se um segundo tema , que mostra como, na
cia é de caráter intrinsecamente hist órico. Aqui , num plano que ain¬ realidade , um psicologismo (no sentido de um reduciónismo) nunca
da é referido ao indiví duo como entidade a ser considerada , na sua esteve no horizonte de Dilthey , apesar de tudo. É que o sujeito indi-
qualidade de “ unidade psicof ísica ” (na fase, portanto, em que Dil-
18 — Dili hey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica — 19

vidual nunca é uma entidade isolada ; ele se constitui intersubjetiva ¬


nas ganha corpo nas diversas formas de manifestação de um “ espí ri ¬
to objetivo” , entendido aqui mais propriamente de modo análogo
mente, sua natureza é social e , sobretudo , cultural.
àquilo que hoje chamar í amos “ sistema cultural ” , no sentido con ¬
“ O indiv í duo isolado é ponto de cruzamento de uma multiplicidade de vencional do termo assumido nas ciências sociais, do que com refe ¬
sistemas [como a arte , a religião e o direito] que se especializam de um rência às suas aparentes ressonâncias hegelianas. Arte, filosofia, reli¬
modo cada vez mais sutil no curso do progresso da cultura” , gi ão , ciê ncia são expressões desse car áter objetivo que a experiência
escreve ele ( Dilthey , 1956: 62-63), numa formulação que seria reto ¬ histó rica, intersubjetivamente constitu í da , assume.
mada , num registro mais especí ficamente sociológico, por Simmel . É “ O mundo espiritual , como sistema de efeitos [recí procos], distingue- se
por isso que da ordem causal da natureza pelo fato de que , conforme à estrutura da vi ¬
“ a biografia [como recurso anal í tico ] est á limitada pelo fato de que movi ¬
da espiritual , cria valores e realiza propósitos ( . . . ) A vida histórica é criati ¬
mentos universais se intersectam na vida individual ; se quisermos com ¬
va; ela constantemente produz bens e valores e todos os conceitos disso
preendê- los precisamos buscar novos fundamentos fora do indiv íduo . são reflexos da sua atividade . ” ( Dilthey , 1968: 153 . )
Não é possí vel para a biografia tornar -se cient í fica . Precisamos recorrer a Esse processo pode também ser interpretado , na melhor linhagem do
novas categorias, figuras e formas de vida , que não emergem Ha exist ên ¬

pensamento idealista alemã o , como um processo de formação, de


cia individual . O indiv íduo é apenas o ponto de cruzamento para os siste ¬
mas e organizações culturais que fornecem a tessitura para a sua exist ên ¬ “ educação” ou , literalmente, “ cultura” do gênero humano , na me ¬
cia; como poderiam ser compreendidas através dele? ” ( Dilthey , 1968: dida em que os produtos culturais que exprimem os resultados das
251 . ) interações dos homens são reincorporados por eles na sua experiên¬
cia, num processo de reflexão (Habermas , 1971: 187). Essa concep¬
Aqui atingimos o ponto fundamental , no qual entra a hist ó ria .
ção, que supõe a persist ê ncia de v ínculos org ânicos entre os sujeitos e
“ Todas as quest ões acerca do valor da hist ória encontram sua resposta os resultados da sua atividade seria abandonada pelos seguidores
nisso — que , nela , o homem chega a se conhecer . N ão é por introspecçào mais diretos de Dilthey , especialmente por Simmel.
que compreendemos a natureza humana ( . . . ) O homem apenas se conhece -
O esquema de Dilthey articula se, portanto, em torno do movi¬
na hist ória , nunca pela introspecçào; no fundo , è só na hist ória que o pro¬ mento de ir e vir que ocorre entre a vida (como conjunto de vivên ¬
curamos . ” ( Dilthey , 1968 : 250, 279 . ) cias) e as formas objetivas que seus resultados assumem na sua ex¬
Ao mesmo tempo , a hist ória é suscet í vel de conhecimento porque é pressão , sendo que a categoria básica que permite entender essa pas¬
obra humana ; nela o sujeito e o objeto do conhecimento formam sagem é a de compreensã o. Trata-se de posição deliberadamente vol ¬
uma unidade. tada contra os procedimentos abstratos de construção de hipóteses
“ O individuo é , por um lado , um elemento das interações [no sentido de acerca dos dados, na medida em que ele nega que se possa, ño domí¬
“ efeitos recíprocos” ] da sociedade ( . . . ) que reage com uma orientação nio das ciências do espírito , “ pressupor ” algo acerca dos processos
volitiva e uma ação consciente à influência delas , e ao mesmo tempo é a em estudo. A referência às “ vivências ” visa a preservar esse caráter
inteligência que contempla e investiga tudo isso . ” ( Dilthey , 1956 : 49 . ) Fi ¬ imediato , n ão trabalhado previamente pelos conceitos, do acesso aos
nalmente , “ só o que o espírito cria é compreendido por ele ” . ( Dilthey , fenômenos nesse domínio, no qual só é possível compreender aquilo
1968 : 148 . ) de que o próprio intérprete ( pois é de interpretação que se trata , e
Nesse passo, chega-se à formula ção final do esquema de Dil ¬ não de observação) é também o produtor ; ou seja , os propósitos, os
they. Seus elementos são: vivência, expressão e compreensão. A vi ¬ fins e os valores, ainda que ao intérprete caiba mais propriamente re-
vência aparece, nesse ponto, como algo especí ficamente social ( pela produzi-los, na sua tarefa de reconstituir o processo da sua produção
sua dimensão intersubjetiva) e cultural (pela sua dimensão significa¬ primeira .
tiva), para além do seu ní vel psicológico ou mesmo biológico. Trata ¬
“ As ci ências da natureza ordenam os fenômenos conforme os seus meios
se de um ato de consciência , que propõe e persegue fins num contex¬
construtivos, na medida em que promovem , através da abstração , a con ¬
to intersubjetivo. Das interações nas m últiplas esferas desse contexto gruê ncia entre os fenômenos a serem ordenados e esses meios construti ¬
resulta , no decurso do processo histó rico , a expressão estruturada vos. Em confronto com isso , as ciências do espírito ordenam na medida
dessas vivências. A objetivação dos resultados das interações huma¬ em' que primordial e principalmente retraduzem para a vida espiritual , da
20 — Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica
— 21

qual se originou , a inesgot á vel realidade hist ó rico- social , tal como cia so ¬ quema valorativo e a produ çã o de bens são ligados num todo . [ Assim ] as
mente nos é dada , na sua aparê ncia externa ou nos efeitos ou como sim ¬ diferentes unidades das quais deriva a atividade criadora sã o articuladas
ples produto , como sedimento objetivado da vida . Naquelas , portanto , a em contextos hist ó rico-sociais mais amplos : nações , é pocas , per í odos his ¬
abstração ; nestas , inversamente , a retradu ção para o pleno processo vital , t ó ricos . ” ( Dilthey , 1968: 154. )
mediante uma espécie de transposi ção .” ( Dilthey , 1964: 265 . ) Isso sem d ú vida previne contra a atomizaçã o positivista dos fen ô me ¬
N ão se trata , portanto , de uma simples capta ção emp á tica de nos , mas é em princ í pio incompat í vel com a localização de princ í pios
processos ps íquicos de sujeitos individuais, mas da compreensão ou e regularidades mais amplos , que permitam estabelecer v í nculos ob ¬

decifração dos sistemas significativos gerados na exist ê ncia hist ó rica , jetivos entre é pocas, nações ou outras totalidades do gê nero. Por es ¬

através de uma caminhada contra a corrente , que vai do resultado ao sa via , nã o h á como transcender a perspectiva historicista , com sua
processo da sua criação . O conhecimento do mundo cultural n ão se ê nfase intrinsecamente relativista no car á ter singular de cada totali ¬

distingue daquele do mundo natural apenas porque é feito ‘‘a partir dade hist ó rico-social .
de dentro” e não pela observação e forma ção de hipóteses externas Cumpre lembrar , no entanto , que Dilthey dispõe de um recurso
ao objeto . Importa também lembrar que a relação entre as partes e o anal í tico bastante eficaz para tentar contrabalan çar essa tendência.
todo nos sistemas culturais é intrinsecamente significativa . O seu ca ¬ Trata-se da noção de sistema, que lhe abre o caminho para tentar ex¬
r á ter fundamental é que ela se d á pela presen ça do significado tanto trair o melhor de dois mundos: enfatizar o car á ter singular de cada
na interação particular quanto na expressão objetiva dos seus resul ¬ totalidade tomada de per si e , através do uso intensivo da relação
tados, permeando , portanto, a parte e o todo. Mesmo quando ainda parte/ todo , sugerir que cada totalidade singular e centrada em si
procur.ava a base ú ltima para as ciências do esp í rito numa psicologia, própria nem por isso deixa de poder ser encarada como parte de um
Dilthey pensava em algo diverso de uma psicologia anal í tica, que todo maior . Dilthey tenta fazer frente a esse problema mediante a
persegue as unidades m í nimas dos processos psí quicos . Sua atenção , ideia de que as pr ó prias ciê ncias do espí rito , ainda que diferenciadas
ao contr ário, concentrava- se em uma psicologia “ descritiva ” , capaz entre si e referidas cada qual a um sistema de intera ções particular,
de “ desmembrar ” o seu objeto, tomado como sistema , tendo em vis ¬
articulam - se elas próprias num sistema. Esse sistema de ciê ncias do
ta n ão apenas encontrar as articulações da sua estrutura mas recons ¬
esp í rito , por seu turno , n ão é de car áter formal , mas intrinsecamente
tituir o processo da sua constituição . Tanto os elementos do sistema hist ó rico, na medida em que acompanha , em sua constituição, a
quanto ele pr ó prio retiram o seu car á ter significativo da sua pr ó pria
crescente diversifica ção do mundo hist ó rico-social .
constitui ção temporal , da sua forma ção biogr á fica ou hist órica .
Entre biografia e hist ó ria, por sua vez, h á uma continuidade. “ A diferenciação das ciê ncias particulares da sociedade não se realizou ,
Na realidade , Dilthey as vê como formas aná logas de exercí cio de por conseguinte , por um artificio da inteligência teó rica , que tivesse tenta ¬
uma memória. A biografia individual , como seqiiência articulada de do resolver o problema posto pela exist ência do mundo hist órico-social
mediante uma an álise met ódica do objeto da investigação: a pró pria vida
vivê ncias, est á saturada de hist ó ria , e encontra nela a sua expressão a realizou . Sempre que se produziu a separação de uma esfera de ação so ¬
final . De certo modo , Dilthey já levantava a quest ã o que, duas gera ¬ cial e esta provocou uma ordenação dos fatos a que se referia a atividade
ções mais tarde, Wright Mills reclamaria como sendo nuclear para 1 do individuo , existiram as condições para que se originasse uma teoria .
uma sociologia dotada de imaginação: a dos v í nculos entre biografia Desse modo , o grande processo de diferenciação da sociedade , na qual se
e hist ó ria ( Wright Mills, 1965: 12 ) . Com uma conseqiiê ncia séria , produziu sua estrutura extraordinariamente intrincada , levava em seu bo¬
contudo. Se aceitarmos a interpretação segundo a qual uma das jo , por sua vez, as condições e as necessidades pelas quais se realizou o re¬
preocupações de Dilthey era repelir o relativismo , ent ã o é forçoso re ¬ flexo de cada círculo vital que havia alcan çado relativa independ ê ncia em
conhecer que ele falhou nesse intento. Primeiro , pela sua insist ência uma teoria. E assim se expõe , de um modo at é certo ponto completo , a
em tomar os sistemas particulares com que a ci ê ncia lida em cada
momento como totalidades “ centradas ” , cada qual com seu n ú cleo

sociedade na qual, como na mais potente das m á quinas, cada roda, ca¬
da cilindro atuam segundo suas propriedades e, no entanto, têm sua fun -
singular de sentido. : ção no conjunto — na coexistência e na articulação de tantas teorias di¬
versas. ” ( Dilthey, 1956: 50.)
“ Cada unidade do mundo do esp í rito tem seu centro em si pr ó prio. As ¬
sim como o indiv í duo , cada sistema cultural , cada comunidade t êm um Passagem fascinante essa, que dificilmente pode ser lida pelo soció¬
ponto focal em seu interior . Nele , uma concepção da realidade , um es - logo sem despertar no seu espírito toda sorte de resson âncias; por
22 — Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica — 23

do processo de formação do sujeito e, por extensão, do ente histó ri¬


exemplo, sobre as secretas afinidades entre o pensamento funciona-
lista de raiz durkheimiana e certos desdobramentos do historicismo,
ali á s document áveis ( Lacroix e Landerer , 1972: 159- 204). Mas não é

co, só é plenamente compreensí vel no seu final percebe-se que não
só lhe foi impossí vel escapar ao relativismo como ele voltou com ím ¬
peto redobrado, pois, levando-se a analogia aos seus limites , a con ¬
esse o nosso caminho, agora . Trata se de acompanhar o pensamento
- clusão só pode ser que a compreensão de uma “ história universal ”
de Dilthey num ponto muito particular , que diz respeito ao modo pe¬ só seria possí vel no fim da história. Ou seja , compreender plenamen¬
lo qual busca ultrapassar essa sua primeira formulaçã o. Para ele, es ¬ te a história já nã o seria mais um ato histórico. Kafka, numa de suas
sas “ tantas teorias diversas ” que se v ão constituindo ao impulso do parábolas, tem uma boa formulação para esse dilema: “ O Messias
próprio processo concreto de diferenciação do mundo hist órico- só chega quando já não é esperado.”
social apresentam -se, numa primeira etapa (que ele se propõe supe ¬

O pró prio Dilthey dava-se plenamente conta disso. Para ele, a


rar ) como independentes entre si, cada qual às voltas com suas consi¬ relação parte / todo no interior da vida nunca se completa. Assim co¬
derações parciais. Mas, na medida em que esse processo de diferen ¬ mo precisamos esperar o fim de cada biografia individual para po ¬
ciação hist ó rico-social é simultaneamente um processo de articula ¬ dermos apreend ê-la como um - todo , “ precisarí amos esperar o fim da
ção das partes que se vão destacando com crescente nitidez de um
hist ó ria para dispor do material completo para estabelecer o seu sig ¬
-
fundo comum , tende a formar se um sistema coeso de ciências que, nificado ” ( Dilthey , 1968: 233). Verdade é que Dilthey chegou a cogi ¬
no limite, daria conta da totalidade mais abrangente de todas, que é tar de uma outra via para superar esse impasse, ao empenhar-se na
nada menos que a realidade hist órico- social como tal , na sua integri¬ busca de um n úmero limitado de “ visões do mundo ” que pudessem
dade. Seria algo assim como a realiza ção plena da idéia de uma his ¬

dar conta das variações hist óricas particulares. Mas , nesse passo já
toria universal. se configurava claramente a ameaça de uma violação de seu princí ¬
Nisso tudo, a tarefa das ciências do espirito é eminentemente re ¬
pio básico, de que o entendimento dos fenômenos histórico-sociais
flexiva. Elas representam o modo pelo qual os processos constituti ¬ deve ser imanente a eles, por via compreensiva e dispensando cons¬
vos da cultura e da sociedade tomam consciência de si próprios. truções prévias. Daí que, ao contrário, a pró pria noção de “ visão do
“ Em toda relação permanente entre indiv íduos ocorre um desenvolvi ¬ mundo ” acabou levando Dilthey a assumir plenamente uma posição
mento pelo qual valores , regras e propósitos são produzidos , tornam -se relativista . “ Toda visão do mundo é historicamente condicionada ,
conscientes e se consolidam . Essa atividade produtiva, que ocorre em in¬ portanto relativa e limitada ” , escreve ele no seu último ensaio, em
divíduos, comunidades , sistemas culturais e nações sob condições natu ¬
1911 . Sua raiz ú ltima é a vida, que “ cria o seu pr óprio mundo a par¬
rais que constantemente fornecem material e est í mulo , ganha consciência tir de catia indivíduo ” . E, num tom que recorda seu mestre Ranke:
nas ciências do espirito . .” ( Dilthey , 1968 : 154. ) “ Cada visão do mundo exprime , nos nossos limites de pensamento ,
Nessas condições, à medida que novas dimensões do processo hist ó ¬ um lado do universo; cada qual é verdadeira” (citado em Glockner ,
rico-social vão ganhando corpo, forma-se a ciência correspondente 1968: 1.074).
que, progressivamente articulada às demais , permite ganhar um grau Não deixa de ser significativo o empenho de Dilthey em fugir a
mais elevado de consciência do processo todo. Isso envolve a idéia de um relativismo histórico sem encontrar outra sa ída senão a ênfase
uma hierarquia de ciências do espí rito, cujo posto mais baixo (no du¬ crescente na id éia de que o fundo da hist ó ria , a “ vida ” , é essencial¬
plo sentido de fundamental e subalterno) é ocupado pela Psicologia. mente irracional, “ não se submete ao tribunal da razão” . Esse teólo¬
Sobre essa base ainda relativamente indiferenciada vai-se construin ¬ go de formação, perfeitamente integrado no sistema acad êmico
do, material e não formalmente, o edif ício das ciências do espírito prussiano, desiste até mesmo de buscar algum fundamento absoluto
que, terminado, permitiria algo como uma plena consciência do pro ¬ de caráter teol ógico para o transcurso hist ó rico, quando, uma gera¬
cesso histórico como um todo. ção antes, esses embaraços não existiam para Ranke. Para este, tal
Isso, que soa como uma estranha amálgama de Comte e Hegel , recurso existia e at é mesmo assumia forma “ secularizada” , conver ¬
na qual ambos são rejeitados para retornarem desfigurados, nos leva tendo-se em apologia do projeto politico absolutista bismarckiano.
ao fundo das dificuldades de Dilthey. Elas ficam n ítidas se, em cone¬ A ú ltima tentativa alemã para produzir uma concepção explicita-
xão com o que ficou dito acima, lembrarmos a analogia que ele esta¬ mente “ cosmopolita ” da história com base racional havia sido a de
belece entre história e biografia —
qual seja, a de que o transcurso Kant . De Herder em diante, e com o desenvolvimento do historieis-
24 — Dilthey e a hermenêutica
Dilthey e a hermenêutica — 25

mo , a alternativa que se oferecia com crescente clareza estava entre “ individualidade” , mas por se tomarem os indiv íduos como entida ¬
um relativismo fundado na id éia do car áter particular e individuali ¬ des integradas, como totalidades.
zado das manifestações hist ó ricas que, na prática, acaba restringin ¬ Numa passagem especialmente radical, Dilthey nos apresenta os
do a atenção ao “ horizonte” germâ nico, e uma fuga da hist ória ru ¬ indiv íduos como verdadeiras mónadas:
mo à metaf ísica . Claro est á que, à margem do pensamento acadêmi ¬ “ As unidades cujos modos de a ção recí proca nós distinguimos na socie¬
co mas com crescente vigor e penetração, desenvolviam -se o anti -his- dade como Costume, Direito , Economia , Estado, são indivíduos, totali¬
toricismo de Nietzsche e o materialismo hist órico . É em Dilthey, dades psicof ísicas , dos quais cada qual é diferente dos demais, dos quais
contudo, que iriam desembocar e ganhar a coerência possível no mo¬ cada qual è um mundo. ” ( Dilthey , 1964: 61 .)
mento todas as correntes historicistas anteriores, já numa fase clara¬ Aqui , os problemas com que Dilthey se defrontava aparecem por ou-
mente defensiva , de decl ínio. Seu lugar passaria a ser ocupado, por tro â ngulo, numa passagem que, de resto, mostra como os conceitos
um lado pela “ escola histórica ” na Economia e, por outro, pela So ¬
I
fundamentais da Sociologia de Simmel já estavam pré-figurados em
ciologia. É nesse contexto que ganha pleno sentido sua obra , articu ¬ Dilthey, quando este fala em “ modos (Simmel diria “ formas” , nu ¬
lada em torno do par conceituai significado / sistema e voltada para ma mudança que nos ocupar á mais adiante) de ação recí proca” . Ca¬
os problemas suscitados pela proposta de conhecer sistemas histori ¬ da indiv í duo é um todo particular , inesgot ável como tal; mas a reali ¬

camente constitu ídos mediante a compreensão dos significados que dade que nos interessa estudar , que é hist órico-social , se constitui no
veiculam. processo de interação. É para essas relações recíprocas que cumpre,
O esfor ço de Dilthey para estabelecer as relações entre sigififica- portanto, dirigir a atenção. Daí a abertura para uma sociologia e não
dos e sistemas est á presente ao longo de todos os seus escritos sobre para um sociologismo, visto que os processos de interação em que os
as “ ciências do esp í rito ” , e com oscilações que ensejam a leitura da indiv íduos se envolvem não os esgotam enquanto tais e muito menos
sua obra tanto num registro “ psicológico ” quanto de uma perspecti ¬ os explicam cabalmente . Com isso , fica também matizada, mas não
va mais propriamente “ sociológica ” . Sem d ú vida ele sempre recusou anulada , minha observação anterior de que os pró prios sujeitos indi ¬
car á ter de ciência à Sociologia, referindo-se às stias variantes positi¬ viduais se constituem na intersubjetividade; o que se constitui nesse
vistas. A ú nica exceção que viria a admitir seria a de Simmel. No en ¬ processo é o individuo historicamente situado, ou seja , uma combi ¬
tanto, sua obra sempre esteve em sintonia com uma preocupação nação específica de traços que, tomados de per si, ele compartilha
com os fenô menos hist ó ricos em grande escala , nos quais as dimen ¬
com toda a humanidade.
sões decisivas dizem respeito às formas de organização da vida cole ¬ Em seu ensaio sobre a noção de papel social , Ralf Dahrendorf
tiva. Nesse sentido, é legítimo procurar traços de uma “ sociologia” , cita uma passagem das Regras do método sociológico de Durkheim,
ainda quando ele só fala de psicologia ou de “ antropologia ” (en ¬ na qual este fala da realidade objetiva das obrigações impostas aos
tendidas, ambas, como ciências que buscam os invariantes da “ natu¬ indiví duos, nas condi ções de “ irmão, marido, cidad ão” , em termos
reza humana ” por tr ás de todas as suas manifestações históricas par ¬ de que elas não são criadas pelos indiví duos mas simplesmente her ¬

ticulares). Quanto à ênfase na dimensão “ psicológica ” , ela pode ser dadas através da educação, para comentar que “ nessa passagem
reduzida a um postulado fundamental , cuja import â ncia realmente Durkheim avizinha-se da categoria de papel social discutida nesse en

¬

n ão pode ser subestimada, sobretudo aqui , pois ser á ao lado da saio” ( Dahrendorf , 1968: 23 ) . O que diria ele ao ler a seguinte passa-
id éia de que a dimensão constitutiva da unidade das ações e dos gem de Dilthey ?

i
eventos é a do sentido
they que poder á ser
— o ú nico aspecto especí fico da obra de Dil -
reencontrado ( ainda que sem necessidade de se “ O juiz encontra-se, ao lado das suas funções jur ídicas , em v á rios
outros complexos de atividades; ele age no interesse da sua fam í lia , ele
supor uma influ ência direta) em Max Weber , em cujo esquema tam ¬ tem o seu desempenho econ ómico para realizar , ele exerce suas funções
bé m ocupa posição central. Trata-se da idéia de que è somente nos pol íticas, talvez ainda faça versos. N ão são , portanto , indiv íduos enquan ¬
individuos , que constituem unidades integradas , que nossa experiên ¬ to totalidades que se vinculam a tais complexos de atividades, mas, em
cia pode encontrar fatos “ espirituais ” , ou seja , dotados de sentido. meio à diversidade de condições de atividade, apenas se relacionam entre
Veremos mais adiante que o ponto fundamental , nesse passo , n ão es¬ si aqueles eventos que pertencem a um sistema determinado, e o individuo
tá dado pelo tom “ individualista ” dessa formulação, mesmo porque encontra-se numa teia de complexos de atividade diferentes. O complexo
uma configuração hist ó rica também pode ser tomada como uma de atividades de um sistema cultural (ou seja, “ educação, vida econ ô mi-
26
— Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica
— 27

ca , direito, funções pol í ticas , religiões, sociabilidade , arte , filosofia , ci ê n ¬ o de uma decifração , de uma interpretação enfim , cujos procedimen ¬
cia ” ] realiza-se mediante uma localização diferenciada dos seus mem ¬ tos est ão submetidos à s regras da hermenêutica .
bros. O arcabouço firme de cada complexo é formado por pessoas , nos
quais os procedimentos subordinados ao desempenho formam a atividade “ A compreensão ostenta diferentes graus. Esses são inicialmente condi ¬

principal de suas vidas, seja por inclinação seja porque à inclinação se as¬
cionados pelo interesse . Se este è limitado , a compreensão també m o ser á .
( .. .) Mas , mesmo a aten ção mais intensa somente pode converter-se em
socia a profissão.” ( Dilthey , 1968: 167.) procedimento met ódico , no qual se atinge um grau controlá vel de objeti ¬

Apesar da referência aos “ sistemas culturais ” (ou seja , aqueles vidade , quando a expressão da vida est á fixada , de modo que possamos
cujo dom í nio é o dos valores) , é ní tida a ressonância dessa passagem sempre retornar a ela. Designamos essa compreensão met ódica de expres ¬

em relação a noções como a de sistema social e de papel social . Isso sões da vida permanentemente fixadas por exegese ou interpretação. ”
( Dilthey , 1964: 319.)
já permite deixar consignado o alvo que a presente análise persegue :
mostrar como em Dilthey se encontram muito mais fortemente pré- A formulação não poderia ser mais clara . A compreensão está su ¬
figuradas certas correntes de pensamento de caráter “ estrutural - fun ¬ bordinada a um método que , corretamente seguido , assegura a obje¬
cional ” ligados à “ análise de sistemas ” que a obra de Max Weber . tividade dos resultados . Segue- se , de imediato , que o problema da
À primeira vista , o que permitiria aproximar Dilthey e Weber se¬ objetividade do conhecimento nas ci ências do espí rito não é motivo
ria , para além da ênfase no caráter significativo dos fenômenos de perturbação maior para Dilthey . A realidade cultural é transpa ¬
histórico-sociais e também , como querem alguns , de um psicologismo rente para o intérprete — qualquer intérprete — que domine as re ¬

pelo menos latente , o recurso à compreensão como instrumento fun ¬ gras hermenêuticas . Essa objetividade , de resto , tem seu fundamento
damental da análise . No entanto , o modo como o problema da com¬ em dois pressupostos das ciências do espírito . O primeiro diz respeito
preensão aparece em Dilthey só permite estabelecer , ao contrário , à identidade sujeito / objeto , na qual essas ci ências se apoiam :
seu distanciamento do universo weberiano e até mesmo sugerir , con ¬ “ A primeira condi ção de possibilidade da ciência da hist ó ria reside em
forme passo a fazer , que os desdobramentos de suas concepções con ¬ que eu pró prio sou um ente hist órico, que aquele que pesquisa a hist ó ria é
duzem aos antipodas do modo de pensar de Weber . Seja dito desde o mesmo que faz a hist ória . ” ( Dilthey , 1968: 278.)
logo , para ser explorado mais adiante , que , se para Dilthey trata -se O segundo refere-se à situação privilegiada do int érprete, que sempre
sempre da compreensão de significados de formas de expressão sim ¬
é tomado como estando em condi ção de compreender o autor do tex ¬
bólica , para Weber o que cumpre compreender é o sentido da ação to melhor que ele próprio se compreendia; mesmo porque , como vi ¬
social para o agente, o que envolve diferenças seguramente não ne¬ mos em Dilthey , a compreensão é sempre retrospectiva.
gligenciá veis . Para Dilthey , o termo compreensão designa “ o proce¬ Este segundo ponto tem uma implicação importante , trazida à
dimento pelo qual conhecemos algo interno a partir de sinais dados luz por um dos expoentes contemporâneos dessa orientação , Gada-
externamente através dos sentidos ” ( Dilthey , 1964: 318) . Não se afir ¬ mer . É que o recurso à hermenêutica permite captar o sentido tam ¬
ma , portanto , que se trata de uma captação imediata, intuitiva de bém quando não intencionalmente perseguido; ou seja , ela opera
significados . O próprio da compreensão é a apreensão de uma totali¬ com resultados e não com intenções subjetivas .
dade significativa, para além dos dados particulares . Seu ponto de
partida é “ a conexão do todo , que se nos apresenta vivo , para poder “ O problema hermenêutico somente deve sua universalidade é sua condi¬
ção de fundamento para toda a experiência inter-humana da hist ó ria e do
chegar ao singular ” ( Dilthey , 1964: 172) . Essa captação implica uma
presente porque é possível experimentar o sentido onde ele n ão é realiza ¬
“ revivência ” , uma reprodução mental do complexo de significados
do de forma intencional.” (Gadamer , 1973: 70.)
originalmente vivido por outros .
É verdade que o intérprete sempre está em situação vantajosa Essa postura em face do problema da objetividade assinala, por ou¬
em relação aos produtores originais dos significados , visto que a ele é tro lado , a caracter ística mais abrangente dessa concepção de ciên ¬
dado captá-los como um todo já constituí do . Essa superioridade do cia . Trata -se do seu acentuado tom conservador, que herdou do ve¬
intérprete é traço nuclear do processo compreensivo assim concebi¬ lho historicismo . Isso transparece no tratamento dado ao tema da
do , e é uma garantia , não só da sua exeqüibilidade como também da verdade no conhecimento histórico-social . Se Dilthey desemboca na
objetividade dos seus resultados . Na medida em que não se reduz a constatação do caráter intrinsecamente finito é , portanto , relativo
um lampejo intuitivo, o processo de compreensão é entendido como desse conhecimento , para um autor contemporâneo confio Gadamer ,
28 — Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica — 29

que se preocupa expl ícitamente com a quest ão da “ verdade e m éto¬ dual , mediante a “ fusão dos horizontes hist óricos” do autor e do in ¬
do ” (que usa como t í tulo da sua principal obra), as coisas se colocam t érprete. No interior desse horizonte de experiências e representa ¬
de maneira mais desconcertante. Para ele , a discussão dos procedi ¬ -
ções comuns torna se poss í vel o “ di álogo ” entre o int érprete e o
mentos hermen êuticos n ão se faz em termos metodoló gicos e somen ¬ “ outro Eu ” que produziu o texto.
te numa acepção muito particular em termos epistemológicos. “ N ão Merece ainda ser assinalado um aspecto ambíguo nas posições
proponho um método — —
escreve ele mas descrevo o que é” Ou . hermenêuticas aqui mencionadas . Essa ambigiiidade deriva da des¬
seja , a quest ão se põe no plano ontol ógico , inspirada em Heidegger preocupa ção com distinguir claramente entre a compreensão do su ¬
— ( Ricoeur , 1919: 29-42) . O que justifica a reflexão hermenê utica é
unicamente
jeito produtor de significados (o autor individual do texto , sendo to¬
mado este termo numa acepção ampla , mesmo quando a preocupa¬
“ a abertura de possibilidades de conhecimento que n ão são percebidas ção básica é com a expressão discursiva e a linguagem) e a interpreta ¬
sem ela. Ela não ministra de per si um crit é rio de verdade. ” (Gadamer , ção do texto. H á uma oscilação cont í nua entre esses dois pólos , e é
1973: 300.) em parte por isso que afirmei acima que Dilthey pode ser lido “ psi¬
cológica ” ou “ sociológicamente” . Nessas condições , falta também
E a que se referem essas possibilidades de conhecimento? À com ¬ uma exploraçã o mais rigorosa do tema das relações entre essas duas
preensã o do significado hist órico de objetos significativos (textos) dimensões da pesquisa . Encontra -se aí um problema que reaparece ,
veiculados por uma tradição. Aqui , de certo modo , se joga com a à sua maneira , na obra de Max Weber e que tem causado consider á ¬
dupla acepção de “ significativo ” —
dotado de significação e impor ¬
tante — para propor o problema final da hermenêutica, que ê o da
vel confusão entre os seus comentaristas. É verdade que há para isso
uma solução que , sem descaracterizar o sujeito individual como a en ¬
justificativa da seleção do objeto. Numa retomada do problema de -
tidade nuclear na análise , permite no entanto trat á lo sem incorrer
que a compreensão implica examinar uma parte com base num aces¬ num psicologismo . Ela já aparece ocasionalmente em Dilthey ( por
so prévio ao todo do qual é segmento, chega-se à id èia de que os pro¬ ex. , Dilthey , 1968: 153 e seguintes) e está presente com todo o vigor
cedimentos interpretativos estão fundados em preconceitos acerca em Max Weber . Trata-se do recurso à noção de portador , pela qual
do seu car á ter historicamente significativo. Em outras palavras, o indiv íduo (autor ou agente ) aparece como o ponto de convergência
responde-se ao problema de que só temos acesso à s partes mas não e sobretudo de realização efetiva de linhas possí veis de elaboração
podemos compreendê-las sen ã o recorrendo ao todo mediante a id éia significativa e de ação, sem que, no entanto , os processos que condu¬
de que o significado da parte, que constitui objeto da compreensã o e zem a esses resultados possam ser reduzidos àquilo que ocorre no in ¬
interpretaçã o, já vem prejulgada .
terior do seu sistema psí quico. Interessa sempre que esses resultados
A quest ão básica , assim , passa a ser a do fundamento da legiti ¬

se exprimem de alguma maneira, são relevantes pà ra outros e, por


midade dos preconceitos . Nesse ponto , Gadamer recorre à noção de essa via, ganham caráter “ objetivo” .
“ história dos efeitos” , pela qual se enfatiza que o objeto historica ¬

Isso remete a um exame das consequ ê ncias, em termos socioló¬


mente significativo é aquele que foi incorporado e veiculado por uma gicos , de um tema fundamental na concepção hermen êutica das ciên ¬
tradição, que envolve o autor original e també m o int é rprete . Isso lhe cias do espí rito , ainda que nas suas formulações originais ele se apre¬
permite, també m , dar uma resposta à primeira vista paradoxal à sente num registro mais propriamente filosófico. Trata-se da polari¬
questão de como o recurso à compreensão pode superar os efeitos do dade interior / exterior que, desde logo , serve de fundamento para a
distanciamento temporal entre o int érprete e o texto: ela encontra distinção entre o conhecimento do mundo histórico e o da natureza
precisamente nesse distanciamento temporal sua condi ção de exercí ¬

em Dilthey. Esse tema é suficientemente central para poder ser toma ¬


cio, posto que do como base para se extraírem as consequências últimas daquilo
“ o sentido de um texto não est á determinado apenas pelo autor e seu p ú ¬ que, nessa linha de pensamento , pode ser trabalhado sociológica ¬
blico original, mas também pela situação hist ó rica do int é rprete e , por ¬ mente. Uma formula ção de Gadamer , que por sua vez se apoia na
tanto, também pela totalidade do decurso hist ó rico objetivo. ” ( Bor- obra do filósofo e sociólogo Arnold Gehlen, propicia essa passagem .
mann , 1973: 91 .) A idéia é que só ao homem é dado “ ter um mundo” , precisamente
A interpretação está subordinada , portanto, à autoridade do texto, porque ele goza de uma “ liberdade em relaçã o ao ambiente” , graças
garantida por uma tradição, e transcorre num plano supra -indivi- à sua capacidade criadora . Na linguagem de Gehlen , trata-se de uma
30 — Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica — 31

“ abertura para o mundo ” que lhe abre , em princ í pio , uma infinida ¬ um isolamento da Sociologia em relação à s outras ciências do “ mes ¬

de de possibilidades. Nessa linha de raciocinio, Gehlen , e Gadamer mo n í vel metodológico ” , obstando com isso a constru çã o de uma
com ele, chega à id éia de que o homem “ descarrega ” na cultura e , teoria geral da ação , almejada por Parsons . Nesse momento importa
mais especificamente para Gehlen , nas institui ções (educação , moral que , pela via aqui seguida , estaremos em condições de apontar os
etc .) que articulam o seu mundo, a carga representada por essa aber ¬
contrastes entre o pensamento de Weber e o representado por Dil ¬
tura para todas as possibilidades. Com isso, volta -se à noção de tra¬ they , para al é m das supostas convergê ncias , e ao mesmo tempo fun ¬

dição como inst â ncia articuladora do mundo no qual os homens se damentar uma cr í tica ao modo dominante de incorpora ção da obra
movem. Temos aí os elementos para uma das mais sofisticadas va ¬
de Weber na Sociologia contempor ânea .
riantes do pensamento conservador nas ciências sociais contempor â ¬
Luhman parte da id éia de que o conceito fundamental da Socio ¬
neas. O seu componente básico é a id éia de que o homem é um ser in ¬ logia é o de sentido e que, mediante o recurso às noções polares de
trinsecamente ativo em relação ao ambiente mas simultaneamente interior / exterior , pode-se derivar desse conceito o outro, també m
afetado por uma necessidade “ an áloga a um instinto ” de estabilida¬ fundamental , de sistema. Ambos combinados , por seu turno , permi ¬
de ambiental (Gehlen , 1957: 15). Às instituições caberia ent ã o esta ¬ tem uma definição precisa da noção de sujeito , como “ sistema que
belecer os v ínculos entre ambas essas caracter ísticas. usa sentido ” , o que permite evitar sua caracterização em termos da
Embora as formulações de Gehlen tenham sido incorporadas subjetividade do pensar . O sentido, por seu turno , é definido como
por sociólogos influentes (um bom exemplo é dado pela sociologia “ uma estratégia de conduta seletiva sob condi ções de alta complexi ¬
do conhecimento de Berger e Luckman ), o desenvolvimento da te ¬
dade” ( Luhman , 1972: 12 ) . A presen ça do sentido ê condi ção para o
mática que nos interessa diretamente tem o seu melhor representante
em outfo autor alemão, Niklas Luhman , que se vem empenhando,
controle de um meio-ambiente — o “ mundo ” — que oferece uma
variedade inesgot ável de referências a possibilidades de vivê ncia ,
ao longo de copiosa obra, na constru ção de uma teoria sociol ógica através da restriçã o seletiva desse “ complexo de referê ncias ” . En ¬
cujos pilares são os conceitos de sistema e sentido. Se recordarmos fim , a presença do sentido corresponde a um processo de redu ção
que já foi salientado antes como esse par conceituai é nuclear no pen¬ sistemática da complexidade do mundo. Feita uma seleção, o meio-
samento de Dilthey , fica claro por que esse desenvolvimento teórico
particular se torna pertinente para a presente an álise. Ele nos permi ¬

ambiente o “ mundo ” — permanece enquanto “ horizonte de refe
r ê ncias para novas possibilidades e portanto como dom í nio para no
¬


¬

tirá ver como a exploração conseq üente


, e altamente sofisticada vas seleções ” . Dessa forma , o sentido se apresenta como o “ centro
em Luhman —
da temá tica já presente em Dilthey conduz , n ão a das refer ências ” . Sua presen ça assegura a manutenção da identidade
uma sociologia compreensiva de tipo weberiano, mas a uma versão
matizada e enriquecida dos desdobramentos mais modernos da teo ¬
— —
do sistema podemos aqui falar de sujeito num mundo que, to
mado de per si , é marcado pelo car á ter contingente do que nele ocor
¬

ria “ estrutural-funcional” ; portanto , aos ant ípodas de Weber , em re. Essa identidade se mant é m pela estabilização de “ fronteiras de
que pese as tentativas de Parsons e seus seguidores para unir Weber e sentido ” em relação a outros sistemas e ao mundo em geral , que se
Durkheim. constituem precisamente pelos procedimentos seletivos especí ficos
Seja dito aqui apenas de passagem que o exame dos desdobra ¬ postos em pr ática. O decurso da existência do sujeito é pensado em
mentos da corrente de análise representada por Dilthey, passando termos de vivências. Estas se articulam conforme dois processos. Um
— —
por Simmel que será examinado a seguir sugere que poderia ha¬
ver um caminho mais direto do que o adotado por Parsons para arti ¬
diz respeito à “ identificação ” de possibilidades alternativas propi ¬
ciadas pelo mundo e a sua articulação num sentido. O outro, pro¬
cular , num esquema anal ítico abrangente, os conceitos de sentido , priamente social , é de car áter intersubjetivo.
sistema e ação. Que Parsons não tenha cogitado disso é f ácil de ser “ A dimensão social da vivência . constitui -se ( . .. ) mediante o reconheci
constatado quando se considera que , nas quase 800 páginas de texto
¬

mento de um não-eu como outro-eu e na experiência desse outro-eu como


da sua obra dedicada ao tema , Dilthey só merece três refer ê ncias e portador de vivências e perspectivas do mundo , próprias mas diversas
Simmel outras tantas , sempre sum á rias ou negativas. É verdade que, ( . . . ) Por esse processo de constituição intersubjetiva do mundo significa ¬

em relaçã o a Simmel , Parsons julga inadequada “ por razões que não tivo-objetivo o pressuposto essencial é a n ão- identidade dos sujeitos vi ¬

ser ão tratadas aqui ” (Parsons, 1964: 773) sua fundamentação da es¬ ventes . Somente ela enseja o distanciamento do sujeito ( . . . ) dos seus con ¬
pecificidade da Sociologia e, sobretudo, considera que ela conduz a teúdos vividos . Seus objetos são os mesmos dos outros sujeitos , e portan-
32 — Dilthey e a hermenêutica Dilthey e a hermenêutica — 33

to t ê m sua independ ê ncia naquilo que os torna acess í veis a todos — no N ã o importa aqui acompanhar a solu çã o proposta por L. uhman para
seu sentido . Isso conduz a uma recuperação perspectivista do mundo e, os problemas que propõe , em termos de uma redefini çã o do conceito
em conseqii ê ncia disso , a uma consciê ncia reflexiva da pr ó pria perspecti de Junção. Cabe assinalar , no entanto , a prioridade que no seu es
¬
¬

va como uma entre outras possí veis ( . .. ) Os outros sujeitos envolvidos ali
¬

quema é atribu í da ao componente de “ negação ” envolvido em toda


viam a consci ê ncia atual do individuo da carga de ( . . . ) funcionar sozinha seleçã o : na sua linguagem , ao “ primado funcional da negação na vi ¬
como condi çã o de todas as possibilidades. É somente assim que um mun ¬ v ê ncia constituinte de sentido” . A id éia envolvida corresponde a
do complexo se constitui como horizonte das potencialidades de consciên ¬
cia atual , como mat é ria impositiva de todas as seleçõ es . ” ( Luhman , 1972: uma rejeiçã o dos esquemas dualistas comuns na Sociologia , dos
51-52 . ) quais um exemplo conveniente seria a redefinição de um tema webe-
At é mesmo na linguagem usada essas formula ções remetem a Dil
¬
riano em termos de “ pattern variables” por Parsons. Rejeita -se o es¬
they . Isso persiste apesar de se caracterizaren! os sistemas sociais co quema simplista das escolhas fechadas , em que a decisã o por urna al
¬ ¬

mo ‘‘sistemas de ação ” , no sentido de que eles se definem em termos ternativa implica n ã o considerar a outra . Isso é feito em nome da
de seu pró prio desempenho seletivo , levando-se em conta que a açã o idéia de que as seleções significativas entre possibilidades oferecidas
se distingue da vivê ncia porque se identifica a partir das seleções que pelo mundo exterior ao sistema n ão eliminam aquelas que são , expl í ¬
opera no interior do complexodafuncional do sistema , ao passo que a citamente ou implicitamente, negadas no processo seletivo mas as re ¬

vivência retira sua identidade ordem já ‘‘reduzida ” , já dada no t é m ainda como possibilidades presentes no modo de operaçã o do
sistema . Uma citação espec fica í conquanto longa permite caracteri ¬
sistema , sempre orientado significativamente. Assim , num exemplo
zar de vez as analogias aqui apontadas . que lembra Simmel ,
“ A constatação de que a contingência de todo o sentido é um elemento “ em toda a coopera ção anuncia -se també m a possibilidade de um confli ¬
funcional essencial elimina qualquer reducionismo naturalista , qualquer to , que funciona como regulador secreto das formas e das condições da
envio a um ser n ã o contingente , a causas ú ltimas ou a um suposto substra
¬
cooperação . O conflito , por sua vez , só è possível com base em definições
to de grandezas ou probabilidades mensuradas . A intersubjetividade do da situação concebidas como comuns , sobre as quais n ão se est á em con ¬

conhecimento n ã o pode mais ser fixada em algo dado , acess í vel à expe ¬
¬
flito . ” ( l . uhman , 1972: 91 .)
riê ncia de toda pessoa racional ( . . . ) Aquilo que foi designado por possibi
lidade de transferê ncia intersubjetiva de representa ções e conhecimentos Est á claro que essas formulações conduzem a uma neutralização ,
só pode ser realizado através de uma forma de elaboração significativa da n ã o só das oposições polares como da pró pria id éia de “ negaçã o ” .
vivê ncia . A quest ão è: qual ? H á pelo menos uma resposta difundida de h ã Esta , ali á s, é reincorporada em termos da capacidade dos sistemas
muito . Ela remonta à tese iluminista de que o homem só conhece aquilo para “ diferenciarem ” as suas seleções / negações , tornando-se mais
que pode produzir ( . . . ) O crit é rio pragm á tico do sentido , emergente no fi flexí veis e aptas para um “ aprendizado ” . Baseia-se esse aprendizado
¬

nal do século XIX , assim como a tentativa de Max Weber de racionalizar na capacidade reflexiva dos sistemas significativos complexos, que
os conceitos cient í ficos com o auxilio de uma relação meios - fins simulada os conduz a tomar crescente consci ência do componente negador
.
ideal - tipicamente são apenas variantes tardias dessa id éia fundamental presente nas seleções que neles se operam . É por isso que Habermas
Hoje , no entanto , os limites dessa garantia de transferê ncia t écnico- prag
¬

. Eles foram primeiro explicitados prin ¬ articula sua cr ítica a essa concepçã o de Sociologia , em sua polê mica
m á tica desenham -se nitidamente com Luhman , em torno da id éia de que se trata de uma modalidade
cipalmente pela ciência hist ó rica e pela hermen ê utica , mas atualmente
també m se impõem nas formulações para uma teoria geral dos sistemas de “ tecnologia social ” , preocupada fundamentalmente com o dom í ¬

altamente complexos
ainda que n ã o t ão

expl
portanto n ão apenas com Dilthey e Habermas,
í citamente , també m em von Bertalanffy , Ashby ou
nio das formas de controle da sociedade ( Habermas, 1972: 142- 190) .
Essa redefini çã o da polaridade exterior / interior em termos da
Simon . Elas se vinculam aos limites da concepçã o causal cl ássica e dos manuten çã o de “ fronteiras significativas ” entre complexos de pro¬
cálculos lógicos atualmente disponí veis , que não prometem resultados cessos seletivos e um ambiente marcado pela contingê ncia , constitui
precisos na aplicação a sistemas altamente complexos e , por isso , n ão po
¬

a versão mais acabada e mais rigorosa de idéias presentes ao longo de


dem neutralizar o sujeito como int é rprete ou elemento de decisã o . Sã o todas as variantes da chamada “ filosofia da vida ” , à qual o pr ó prio
precisamente os sistemas de ação constituintes do sentido , n ão eliminado¬
Dilthey aderiu na sua ú ltima fase. O ponto básico nessa concepçã o é
res da contingê ncia mas redutores da complexidade , que caem tipicamen
¬

te nesse dom í nio, no qual o sujeito agente n ão pode ser abstraído


para a a redefinição da noção metaf ísica de vida em termos da infinita com¬
condi ção de ( sede de ] fun çõ es desencadeadoras . ” ( Luhman , 1972: 87 -89. ) plexidade do “ mundo ” ambiente. Com isso , as noções de compreen-
34 — Dilthey e a hermenêutica

são e interpretação ficam incorporadas à de seleção significativa . Is ¬


so permite manter a ê nfase idealista no papel ativo e criador do sujei ¬
to num quadro anal í tico compat í vel com os desenvolvimentos t écni
geral dos
¬ 3
cos e cient íficos contemporâneos, incorporados na teoria
sistemas. Na passagem de Dilthey a Luhman , Schleiermacher e a her ¬
menê utica teológica são substitu í dos por Ross Ashby e a cibern ética,
e a ênfase passa da tradição para o controle. Mas essa transição não Simmel e a depuração das formas
é linear e um exame das outras variantes dessa corrente de pensamen
¬

to nos levaria a nomes com Sombart , Freyer e, fundamental para


nós , Simmel.

“ Falando por paradoxo: o homem é o ser limitado que n ão tem limites.


Ultrapassar limites é inato ao homem . Para ultrapassar limites é preciso
t ê- los , é preciso ter o real e o possí vel , o determinado e o indeterminado .
( Por isso a vida do homem de espí rito est á confinada na insegurança e na
imperfeição, entre a vida e a forma . ) O mundo de cada animal é completo
e seguro , mas n ós sabemos que estamos limitados, e para isso temos que
ultrapassar os limites, t ê-los visto de fora . ”
Essas formulações são de Simmel , e retiradas não de sua obra pu ¬
blicada , mas de anotações que um seu aluno fez de um curso proferi¬
do no final de sua vida , quando j á estava no seu exílio acad ê mico de
Strasbourg , em 1914 ( Rammstedt , 1969: 223). Elas n ã o só permitem
ver como em Simmel são retomados problemas cfue vinham sendo
discutidos aqui como nos d ã o um retrato do seu estilo de pensamen ¬
to . Um pensamento que n ão teme o paradoxo, que se move sempre
“ na margem ” , extraindo as nuanças mais sutis de temas sobre os
i
quais outros também vinham escrevendo , mas no mais das vezes com
a segurança irrefletida dos burocratas bem instalados no seu mundo
completo e seguro . Claro que isso não é ocasional. Simmel é o prot ó ¬
tipo do intelectual marginal , que sempre esteve e n ão esteve na Uni ¬
versidade prussiana e que, à medida que essa situação se ia configu¬
rando com clareza também para ele , a foi assumindo cada vez mais
decisivamente. Lewis Coser demonstra isso em seu estudo de Simmel
como o “ estrangeiro na academia ” , mediante um confronto entre o
n ú mero de suas publicações em revistas acadêmicas e não-acad êmi ¬
cas. At é 1900, quando ainda parecia haver possibilidades de sua inte¬
gração na Universidade de Berlim , na qual atuava sem fazer parte do
quadro acad ê mico , na precária condição de “ livre-docente” , as duas
categorias de publicações dividem-se exatamente pelo meio; após
1900, quando essas possibilidades se revelaram ilusó rias apesar dos
esforços de alguns poucos colegas, entre eles Weber , suas publica -
36 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas

truir sua an á lise em termos da distinção entre as formas e essa noção
37

-
ções acadêmicas reduziram se a 28% do total , ficando os 72% res¬
de car áter irracionalista que é a vida, concebida como fluxo dos
tantes para revistas não-acadêmicas. Para o conjunto de seus artigos
eventos. O segundo ponto é fundamental , e refere-se à explicitaçã o
publicados ao longo de sua vida ( 180 trabalhos) , 36 % seguem a via
da modalidade de abstração adequada para tratar de fen ômenos que
acad êmica e 64 % atingem um p ú blico mais amplo ( Coser , 1965: 35). ocorrem como processos empiricamente flu í dos de interações entre
Essa condi çã o singular , de marginal dentro da academia, distin ¬
gue Simmel de todas as outras grandes figuras da fase heroica da So ¬
entidades individuais, na ausência de uma estrutura abrangente dada
de antem ão: os tipos, que Simmel deriva do seu tratamento das for ¬
ciologia , embora também nesse particular ele se aproxime mais de
mas de intera ção. O terceiro refere-se à postura básica do cientista
Weber do que qualquer outro. Com efeito , també m de Weber é l ícito diante da realidade a ser compreendida, que é a de poder assumir um
dizer que distanciamento em relação a ela. Nesse ponto, como em vários ou ¬
“ com todo o respeito que lhe era dispensado , permaneceu um marginal tros, Simmel leva at é o fim certas sugest ões já presentes em Dilthey,
no mundo cient í fico do seu tempo.” ( Jonas , 1969: 62 . ) que no entanto assumira uma posi ção amb ígua em relação ao tema.
Claro que no caso de Simmel essa condi çã o era muito mais radical e Quando Simmel diz que “ n ão é preciso ser César para compreender
suas possibilidades de resposta incomparavelmente mais fracas do César ” , no fundo ele está dizendo, de maneira muito mais forte do
que as de Weber . Em suma: jamais o judeu Simmel poderia aspirar a que o faria Dilthey , que é preciso ser plenamente outro para com ¬


qualquer tipo de participação mais direta na vida pol í tica oficial
-

vale dizer , n ão revolucion á ria - na Alemanha da sua é poca , ao pas
so que Weber criou-se numa casa em que o debate pol í tico de alto n í ¬
vel era cotidiano. Por outro lado, jamais se poderia esperar de We
¬

¬
preend ê-lo. Nesse particular Weber teve muito que aprender com
Simmel , e n ão parece ter perdido as oportunidades, como ainda ve¬
remos. ( Vale lembrar , de passagem , que embora Dilthey tivesse sido
freqiientador assíduo da casa paterna de Weber — mas não da sua
ber que dedicasse suas energias à redaçã o de um ensaio sobre o “ es ¬ pró pria, da qual Simmel era um dos convivas freq íientes ao lado de
trangeiro ” , cuja posiçã o no grupo em que vive é caracterizada como
envolvendo uma “ unidade do pr ó ximo e do remoto ” e que , na medi ¬
outros sobre os quais exerceu influ ênciá direta, como Luk ács — nun ¬
ca houve contato direto entre Simmel e Dilthey , apesar de trabalha¬
da em que n ã o pertence ao grupo desde o in ício, é visto como intro¬ rem na mesma Universidade e, finalmente, que a aten çã o de Simmel
duzindo nele “ qualidades que não derivam , nem poderiam derivar , já estava voltada para outros temas quando Weber começou a preo¬
do pr ó prio grupo” . Tampouco se poderia esperar de Weber que co¬ cupar-se com Sociologia. ) Finalmente, o quarto ponto decorre dos
gitasse do problema da objetividade da percepçã o , compreensã o e anteriores , e refere-se ao car áter intrinsecamente unilateral do co¬
avaliação da realidade hist órico-social com refer ê ncia direta à liber¬ nhecimento histórico-social, devido à presen ça simultâ nea de pontos
dade prá tica e teórica que precisamente é um dos atributos básicos de vista (ou “ perspectivas” , se quisermos falar como Nietzsche, no
do “ estrangeiro ” (Simmel , 1964: 402-405). O contraste final é dado qual Simmel muito se inspirou nesses pontos) inconciliáveis. A dife¬
pela distribuição das publicações . No caso de Weber a grande maio¬ rença entre ambos , nesse passo, é que Simmel , ao contrário de We ¬

ria dos trabalhos foi publicada em prestigiosas revistas acadêmicas, ber , n ão dedicou atençã o sistemática às conseqiiências metodológi¬
das quais no mais das vezes ele fazia parte da comissão editorial. O cas do problema da adesão a valores envolvido nisso . Isso merece
que escapava dessa categoria era destinado aos grandes jornais e uma consideração mais especí fica.
consistia de artigos altamente engajados , referentes às grandes ques ¬
Quando Simmel trabalhou com temas axiológicos ele o fez ou
t ões pol í ticas e económicas do dia . bem de maneira “ naturalista ” mas já preocupada com as colisões
Nem por isso, no entanto , é possí vel tratar de Weber sem passar entre mandatos éticos, no in ício da sua carreira, com a Introdução à
por Simmel . H á pelo menos quatro pontos, a serem examinados ciência moral, de 1892-93 (Glockner , 1968: 1.082-1.083), ou então,
mais adiante, em que Simmel antecipa posi ções fundamentais de já na sua fase final , nas suas reflexões sobre a “ visão da vida” , de
Weber . O primeiro diz respeito à disposição de Simmel de assumir o 1918 . Nestas reflexões, os temas que o preocuparam nos seus traba¬
cará ter plenamente fragment á rio do conhecimento hist órico-social , lhos mais importantes são retomados com um í mpeto que permite
sem buscar apoio em quaisquer princí pios totalizadores últimos; em ¬ destacá-los na sua expressão mais extrema. Seu ponto de partida é a
bora seja precisamente nesse ponto que a diferen ça mais profunda contraposição entre a idéia de vida, como fluxo concreto de eventos
entre ambos também se manifeste, na insist ê ncia de Simmel em cons- dotado de car á ter intrinsecamente criador, cujos portadores são

I
38 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas — 39

sempre indivíduos ( mas não subjetividades aut ó nomas , posto que


imbricados num transcurso que os ultrapassa) , e qualquer concepção bado, fechado , à exist ê ncia concreta dos sujeitos , que deveriam ser ¬

que separe os conte ú dos normativos e a exist ência concreta . O fun ¬


vir . Mais: na medida em que també m as formas t ê m sua din â mica ,
damental , para ele, é eliminar a id éia da separaçã o entre um dom í nio ela passa a ser a sua e n ão mais a da vida . Com isso , as formas pas ¬

dos valores e outro dos sujeitos para os quais eles t ê m vigê ncia ; sam a existir segundo sua l ógica pr ópria e a submeter os homens aos
um programa , portanto, que o afasta de qualquer escola “ neo- seus des ígnios ao invés de assegurarem sua autonomia e individuali ¬
kantiana ” , embora n ão tanto de Weber como possa parecer à pri ¬ dade .
meira vista . A pró pria vida , diz ele, deve encerrar em si a exigê ncia Entre vida e forma Simmel traça aquilo que já foi chamado de
é tica , no seu pr ó prio processo de desenvolvimento. Repele-se , pois, “ dialética sem concilia ção” ( Landmann , 1968: 16). A expressão ple¬
um confronto entre ser e dever , enfatizando-se a iman ência do pro ¬ na disso est á na idéia de tragédia, que Simmel explora no dom í nio da
cesso real , sempre individual , nas normas reguladoras da conduta . cultura .
Subjacente a isso est á a idéia do sujeito como unidade que se consti ¬
“ Entendemos por fatalidade tr ágica o seguinte: que as for ças aniquilado ¬
tui na sua hist ória de vida. Disso deriva a id éia de uma “ lei indivi ¬
ras dirigidas contra um ente tenham sua origem precisamente nele ; que
dual ” , que exprime essa imanência do decurso de fato da vida do su ¬ com sua destruição fique consumado um destino que é o seu pró prio e
jeito nas suas decisões (pois, trata-se de decisões fundamentalmen ¬ que, por assim dizer , é o desenvolvimento lógico dessa mesma estrutura ,
te responsá veis; cada açã o singular , ao ser entendida como normati ¬ com a qual o ente construiu sua pr ó pria positividade . É do conceito de to
¬

va, envolve a responsabilidade por toda a existência do sujeito, diz da cultura que o espírito crie algo , independentemente objetivo , pelo qual
ele) , cujo sentido é dado pela sua vida como um todo. Este é o ponto o desenvolvimento do sujeito de si mesmo para si mesmo tome seu cami ¬

fundamental: o sentido de cada ação concebida como obrigat ó ria nho ; mas precisamente nisso esse elemento integrador , condicionante da
não é dado por m áximas de conduta externas à exist ê ncia concreta , cultura, est á predeterminado para um desenvolvimento pr ó prio que ainda
mas pela pr ópria unidade do processo vital. Enquanto Weber distin ¬ consome for ças dos sujeitos , ainda arrasta sujeitos na sua trilha , sem no
entanto conduzi -los à altura de si pr ó prios . O desenvolvimento dos sujei
¬
gue analiticamente entre uma “ ética da convicção ” e uma “ ética da tos n ão pode agora mais seguir o caminho tomado pelo objeto ... ” (Sim ¬
responsabilidade ” , referidas ambas à orientação subjetiva da ação e mel , 1968: 142- 143. )
tratadas como tipos, Simmel trata ambas essas dimensões no interior
de uma unidade concebida simultaneamente como objetiva e, por ¬ Nessa passagem , a linguagem por vezes soa hegeliana; mas, nesse ca¬
tanto, geral na medida em que deriva do pr óprio processo vital do so, trata- se realmente de um simples “ flerte” . A id éia , contudo , é
qual o sujeito compartilha e não dos seus conte ú dos , e individual, clara : as formas, enquanto objetivações significativas da exist ência ,
posto que se traduz em conteú dos que só fazem sentido e t êm poder destacam -se dela , ganham vida pr ó pria e passam a impor-se aos ho¬
normativo numa manifestação real e , portanto, particular desse pro ¬
mens. Trata-se explicitamente de uma generalização da idéia marxis ¬

cesso. Por essa via Simmel buscava dar bases sólidas para seus esfor ¬ ta do fetichismo da mercadoria (Simmel , 1968: 140) . Simmel n ã o se
ços para preservar a integridade do sujeito no interior de processos contenta, no entanto, com assinalar o problema , mas busca uma ex ¬

que o transcendem e o absorvem, como os de formação de grupos plicação para ele, e a encontra no incremento do processo de divisã o
sociais. do trabalho. Na sua perspectiva , a divisão de trabalho na produ ção
Essas formulações exprimem a versão final de um tema que rea ¬ de objetos culturais tem por consequência not á vel que o objeto cul ¬
parece, com suas variações , ao longo de todos os trabalhos mais im ¬ tural assim produzido “ como totalidade e como unidade especí fica¬
portantes de Simmel . Trata-se do confronto entre vida e forma. mente eficaz não tem produtor, n ão emergiu de uma unidade corres¬
“ A vida est á inescapavelmente condenada a somente se apresentar na rea¬ pondente de um sujeito individual ” (Simmel , 1968: 138). Aqui , cla¬
lidade na forma do seu oposto , vale dizer , numa forma . ” (Simmel , 1968: ramente, se problematizam id èias que encontramos em Dilthey , mas
172.) já com base num contato com a obra de Marx; coisa que n ão deve ser
subestimada , no ambiente intelectual da época, se levarmos em con ¬
As formas, das quais se constituem tanto a cultura como a socieda¬ ta , por exemplo , que nas 1.200 páginas dos fundamentais volumes I ,
de, t êm sua génese na pr ópria vida , cujos portadores sã o sujeitos. V e VII das Obras Completas de Dilthey não há uma ú nica referê ncia
Uma vez realizadas , contudo , tendem a contrapor o seu car áter aca ¬
ao nome de Marx , e nem os seus leitores esperariam que houvesse .
40 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas — 41

xorá vel para ele precisamente porque suas raí zes sã o simultaneamen ¬

Essa mesma “ dialé tica sem conciliação ” est ã presente na pr ó ¬


te metaf ísicas e sociais ( Aron , 1964: 207 ).
pria concepção da rela ção mais profunda entre a vida e essas formas No plano estritamente sociol ógico o programa de Simmel sem ¬

que se opõem a ela mas constituem sua ú nica maneira de manifestar ¬ pre foi tratado como o da constru ção de uma sociologia formal , sen ¬

se . Essa rela ção è de conflito , no qual a solu ção para o inevit á vel des ¬
do que esse termo deve ser entendido como a busca das formas bási ¬
compasso entre a vida e uma forma especí fica é sua substituição por cas que o processo de interação social assume, com relativa indepen ¬
outra forma, que igualmente est á fadada a entrar em conflito com dê ncia dos seus conte ú dos particulares. A expressão “ relativa inde¬
sua origem e també m com aquela que irá substitu í -la . pend ê ncia ” , que é de Simmel , tem aqui uma importância estratégica.
“ Mas também é um preconceito totalmente filisteu supor que todos os Ela visa a cortar desde logo qualquer interpretação que busque
conflitos e problemas somente existam para serem resolvidos . Ambos atribuir -lhe uma separação sumá ria entre forma e conte ú do, que
t ê m , na gest ão e na hist ó ria da vida , outras tarefas , que desempenham in
¬
conduzisse a essa quimera que é a forma vazia , sem mais. Isso evi ¬
dependentemente da pr ó pria solução , e por isso n ão foram in ú teis mesmo dentemente n ão faria justiça a um pensador t ão avesso à rigidez ana ¬
quando no futuro o conflito n ão é substitu ído por uma conciliação , mas l í tica . O problema das formas aparece em Simmel no contexto de
apenas por uma troca de formas e conte ú dos por outros (. . . ) Com isso , no
uma an álise da interação . A id éia básica aqui é que as formas de inte¬
entanto , realiza -se a legitima marca da vida , que é uma luta no sentido ab ¬

soluto , que abrange a oposição relativa entre luta e paz . ” (Simmel , 1968: ração só podem ser entendidas a partir da totalidade da situação em
173. ) que se manifestam . Isso significa que elas não podem ser reduzidas a
processos que, ocorrem inteiramente no interior dos indiv íduos en ¬
Assinale-se que essas palavras sã o de 1918 , quase contempor â ¬ volvidos. Vale dizer , transcendem as motivações subjetivas dos agen ¬
neas dás conferê ncias que Max Weber proferiria em 1919 sobre tes ( interesses , impulsos , etc.). Se considerarmos que são precisa ¬
“ Ci ê ncia como Vocação ” , nas quais se insiste na id éia da “ luta eter ¬ mente essas motivações que constituem o conteú do ou “ subst â ncia ”
na entre os deuses das ordens e dos valores diferentes ” . É verdade da interação, fica clara a razão da busca das formas. Para chegar a
que nesse ponto , como em muitos outros , o pensamento de Simmel é elas , basta prolongar a análise.
mais complexo e mais matizado que o de Weber . Este , no entanto , Nas suas interações , os indiv íduos n ão se defrontam como enti ¬
levava a vantagem da maior proximidade dos grandes temas do dia , dades singulares sem mais , mas se definem mutuamente em termos
enquanto Simmel cada vez mais era empurrado para uma posi ção das situações em que se encontram . Ocorre entre eles o que , no con ¬
que seus adversá rios não hesitavam em qualificar como marcada por texto de uma cr í tica a Weber , o filósofo Alfred Sch ü tz chamou de
uma atitude esteticamente contemplativa . É que tudo em Simmel são “ tipificações de senso comum ” em contraste com aquelas construí ¬
alusões , rodeios aparentemente f ú teis em torno do tema central . das pelo pesquisador , já com base nas anteriores (Sch ü tz, 1964:98-
Mas , como demonstrou Luk ács em seus trabalhos até 1923, a assimi ¬ 115 ). Ou seja , os parceiros da interação , ao se defrontarem , já par ¬
lação intensiva de formulações suas pode contribuir para uma refle ¬ tem da inclusão rec í proca em certas categorias, congruentes com a si ¬

xão bastante radical , é claro que côm a condição de abandonar -se a tuação. A isso acresce que, nas suas ações reciprocas, os parceiros
sua esfera de atuação na periferia das instituições e també m desde vão delimitando mutuamente a margem de escolhas possíveis de li ¬
que o trato com os problemas da dialética seja mais seguro do que nhas de conduta , de tal maneira que se estabelece uma correspondên ¬

nele . Em sua obra , contudo, ainda que desfigurada ela est á mais pre ¬ cia entre essas restri ções recí procas à autonomia da ação. A configu ¬
sente do que na de qualquer outro soci ólogo acad ê mico da é poca . ração resultante é a forma, que persiste mesmo quando variam as
Nesse particular ele nunca recorreu à constru ção de dualidades r ígi ¬ motivações puramente individuais, ou seja , os conte ú dos particula ¬
das , como Max Weber sempre esteve tentado a fazer . Tampouco a res da interação, e orienta as predefinições da situação para as rela ¬
distinção positivista entre metaf ísica e ciê ncia empí rica teve jamais ções sociais futuras. Processos como a divisão de trabalho, a coope¬
qualquer import â ncia para ele, em novo contraste com Weber ; na ração e o conflito não são , portanto, red ú tiveis às intenções subjeti ¬
realidade , os mesmos contempor â neos que o rejeitavam por ser ex¬ -
vas dos sujeitos envolvidos mas, ao contr á rio, informam nas , no
sentido exato do termo. Em conseq úência , a tarefa do sociólogo po¬
cessivamente especulativo també m recuavam perante o componente
positivista no pensamento de Weber . Nesse ponto faz sentido a ob ¬ de ser descrita conforme a seguinte regra , proposta por um comenta ¬

servação de Aron , segundo o qual a “ tragédia da cultura ” é algo ine¬ rista de valor :
42 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas — 43

“ N ão considere o que os individuos fazem segundo o seu ponto de vista , ção auxiliar de linhas e figuras absolutas , por assim dizer . Estas só podem
mas atente para as correspondencias nas suas relações . N ão considere a ser encontradas na vida social real como esboços e fragmentos , como rea ¬

regularidade das ações singulares de individuos , mas sim a regularidade lizações parciais que são constantemente interrompidas e modificadas .
nas relações entre as ações de v á rios. ” ( Tennbruck , 1958:599. ) Em cada configuração sócio- hist ó rica singular operam numerosas reci ¬

procidades , provavelmente inumer á veis , entre os elementos ( ... ) O conhe ¬

Em suma , a Sociologia formal não envolve a abstração dos fenôme¬ cimento sociológico transforma os fen ô menos hist ó ricos de tal modo que
nos de conteúdos mas da perspectiva do conte údo , em favor da pers¬ sua unidade é decomposta em numerosos conceitos e sí nteses que são de ¬
pectiva da forma (Tennbruck , 1965 :78) . Esse é , com efeito , o ponto finidos de uma maneira puramente unilateral e que ocorrem como que
fundamental , e dele Simmel extrai da maneira mais coerente as con ¬ numa linha reta . Como regra , um deles apanha a caracter í stica principal
sequências teóricas e metodológicas . do fen ô meno hist ó rico em exame. Ao se curvarem e se limitarem mutua ¬

mente , todos eles combinados projetam sua imagem com crescente exati ¬

“ A imbricação imediata entre conte ú do e forma , tal como se apresenta d ão sobre um novo plano de abstfaçã o ( ... ) Todos esses regimes de dom í ¬

na realidade histó rica , n ão impede o isolamento cient í fico de cada qual . nio unipessoal [ mencionados] são t ão profundamente diferentes entre si
Assim , a Geometria só considera a forma espacial dos corpos , que tam ¬
quanto o são as ‘nivelações’ correspondentes entre seus s ú ditos . No en ¬

bém só existe com e numa mat éria , que cabe a outras ciências examinar . tanto , o motivo dessa correlação opera do mesmo modo em todos eles ; as
Igualmente o historiador , no sentido estrito , somente trabalha com uma imensas diferen ças entre os fen ô menos materiais imediatos d ão lugar a es ¬

abstração de eventos reais. Também ele destaca da infinidade do agir e do sa linha ideal , por assim dizer , na qual essa correlaçã o é traçada neles . Na
falar reais ( ...) os desenvolvimentos conformes e certos conceitos. Nem sua pureza e regularidade , contudo , essa correlação é uma constru ção
tudo o que Frederico II [ fez , pensou e sentiu ] é narrado na ‘hist ó ria’ ; mas cient í fica , abstrata .” (Simmel , 1964: 200- 201 . )
o conceito de politicamente importante é aplicado aos eventos reais e en ¬
t ão os que lhe correspondem são selecionados e narrados , embora n ão te ¬ As passagens citadas acima são de importância fundamental pa ¬

nham ocorrido assim , ou seja , nessa pura coerência interna e nesse isola ¬ ra a presente análise , na medida em que permitem estabelecer já de
mento ( ...) A Sociologia se propõe destacar para exame especí fico o mo ¬ maneira mais precisa os enlaces e as separações básicas entre a cor ¬

mento puramente social da totalidade hist ó rica , vale dizer , o que ocorre rente que veio sendo examinada desde Dilthey , e cujo ponto nuclear
na sociedade ou , numa formulação um tanto paradoxal , ela pesquisa para os atuais propósitos é Simmel , e o pensamento de Max Weber .
aquilo que é ‘sociedade’ na sociedade.” (Simmel , 1968:44-45.) Em consonância com o plano de exposi ção que venho desenvolven ¬

As formas de interação derivam , portanto , dos limites que as si ¬ do , vou ocupar - me antes das diferenças mais salientes para em segui ¬
tuações em que as relações sociais se dão impõem à plena realização da procurar estabelecer as aproximações .
dos conteúdos particulares envolvidos . Se avançarmos mais um pas ¬ A ênfase de Simmel sobre a perspectiva anal í tica da forma já foi
so nessa linha de racioc í nio , veremos que a plena realização das pró¬ apontada , especialmente por Kurt H . Wolff , como
prias formas no seu estado puro também é impossí vel , devido à pre ¬ “ acercando-o da moderna preocupação com a ‘estrutura social’; faz-se
sença simultânea no cenário social de uma multiplicidade delas , en ¬ justiça a uma grande parte da Sociologia de Simmel ao dizer-se que ele
tre as quais algumas conflitantes entre si . Segue-se que não podemos buscou lan çar luz sobre a estrutura da sociedade. ” ( Wolff ,
encontrar empiricamente formas puras de interação : temos que 1964: XXXVI . )
construí -las como instrumentos anal í ticos indispensáveis . O procedi ¬
Tomada nesses termos , essa formulação soa um pouco sumária de ¬

mento de abstração envolvido nisso está claramente explicitado nu ¬


mais , e Tennbruck tem toda razão ao salientar repetidamente que a
ma passagem do ensaio de Simmel sobre “ dominação e nivelação ” , idéia de uma estrutura social já dada e persistente está exatamente
no qual se trata de examinar as relações entre o despotismo e a redu ¬
entre aquelas que não cabem no seu esquema e que grandes vanta ¬

ção do conjunto de s úditos ao mesmo n í vel mediante procedimentos gens derivam disso . É que o uso exclusivo do conceito de socializa ¬

eliminadores das gradações sociais entre eles . ção ao invés do de sociedade confere ao seu pensamento toda a flexi ¬

“ O entendimento sociológico visa a captar o conceito fundamental de so ¬


bilidade e sensibilidade às questões de mudança social (desde que lo ¬

cialização [ou seja , da constituição de m ú ltiplas formas atrav és da intera ¬ calizadas e não referidas a uma sociedade tomada como sistema mais
ção] nos seus significados e formações particulares. Visa a analisar com ¬ abrangente) que derivam da ênfase na dimensão de processo da vida
plexos de fen ômenos em seus fatores m í nimos at é o ponto de aproximar ¬ social (Tennbruck , 1958 : 604 , 613; 1965 : 92 e seguintes) . Claro que
se de regularidades indut í veis. Isso só pode ser feito mediante a constru ¬ nesse ponto reaproximamo-nos de Weber e também , diga-se de pas-
44 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas — 45

sagem , das modernas correntes norte-americanas inspiradas no prag ¬


namente como o “ ponto de intersecção de m ú ltiplas esferas ” sociais
matismo de Herbert George Mead (e no pr ó prio Simmel , através de -
(Simmel , 1955: 125 195 ) . Essa linha de idéias somente pode ser reen ¬
Roben E . Park ) representadas especialmente pela obra de Herbert contrada , ainda que no mais das vezes empobrecida , em formulações
Blumer e seus discí pulos ( Blumer , 1962:180-191). As alusões às pos¬ contemporâneas como as de role set em Merton ( Merton , 1957) e, es¬
s í veis afinidades entre os conceitos de forma e sistema nã o são, po ¬ pecialmente, no modo pelo qual esse herdeiro de Simmel que é Erving
-
rém , de todo infundadas. Prova o a presen ça muito clara na obra de G . Goffman explora suas inspirações mediante conceitos como o de
Simmel de um conceito totalmente alheio a Weber , que é o de papel role distance (Goffman , 1959:1961: 85-192), sem falar no seu fascí ¬
social . Em se tratando de Simmel , n ão é de surpreender que a carac¬ nio sobre o tema da interação social como jogo, que também se en ¬
terização mais clara desse conceito não se encontre nos seus escritos contra em Simmel.
especificamente sociológicos mas num ensaio que trata , é verdade
que bem a propósito, da “ Filosof ía do Ator ” . Nesse texto l ê-se que Num en$ajo sobre Thomas Mann e Andr é Gide, Kenneth Burke
distingue entre os estilos de ambos mediante um exemplo paradigm á ¬

“ o ‘desempenho de um papel’ n ão como simulaçã o e engodo , mas co¬
mo o afluir da vida pessoal para urna forma de expressão que ela encontra
tico. Gustav Aschenbach , o protagonista de Morte em Veneza, sem ¬

pre viveu com a m ão fechada , os dedos crispados; nunca a deixou



como de algum modo preexistente e pré-indicado faz parte das funções
que constituem nossa vida efetiva (... ) Quem è padre ou oficial, professor
cair confortavelmente dos braços de uma poltrona. Para Burke, o
ou chefe de escrit ó rio comporta-se conforme um padrão que transcende a gesto do seu personagem é també m aquele que define a postura de
sua vida individual (...) No geral, encontramos de modo cr ó nico e variá ¬ Thomas Mann , verbalizável em termos de “ senso de responsabilida¬
vel formas ideais de que nossa exist ê ncia deve revestir -se ( .. .) No mais das de” e “ solid ão ” , em contraste com a mão relaxada de Gide, verbali ¬

vezes, deparamos com uma forma preexistente , que preenchemos com zável , nos termos do seu Diário , como “ nouveaut é, vice, art ” . O
nossa conduta individual . ” (Simmel , 1968:79-80.) exemplo pode ser estendido para Weber e Simmel . A m ão de Weber
Mais que refletir uma idiossincrasia do modo de pensar de Simmel , é como a de Aschenbach (e a de Thomas Mann ? ), mas a de Simmel ,
não é acidental que essas considerações sobre o desempenho de pa ¬ embora não ociosa , aproxima-se da postura esteticista de Gide, em ¬
péis na sociedade apareçam num ensaio sobre o ator e n ão em algu ¬ bora talvez se salve do cultivo de uma certa decadência pela sua viva¬
ma exposição sistemá tica de conceitos básicos sociol ógicos. É que is¬ .
cidade Os testemunhos daqueles que assistiram a suas aulas desta ¬
so ilustra como em Simmel o fato de se reservar à Sociologia a pers¬ cam sua capacidade de dar uma dimensão visual aos seus esfor ços
pectiva da forma n ão implica abandonar , por um momento que seja, para trazer à luz os ângulos mais inesperados de um problema.
a atenção sobre o jogo freqiientemente sutil entre interesses (no sen ¬ “ No momento mesmo (...) em que se julgava que ele havia chegado a
tido mais amplo do termo) e as formas que moldam suas possibilida ¬ uma conclusão, ele erguia seu braço direito e , com três dedos da sua m ão,
des de expressão, ou entre individualidade e papel desempenhado , na girava o seu objeto imagin á rio para exibir mais outra faceta.” ( Wolff ,
medida em que se recusa uma separação dualista entre indiv íduo e si¬ 1964: XVII .)
tuação, entre conte ú do e forma. Enfim , a maneira como Simmel tra¬ Se combinarmos esse gesto de exibir sempre novas facetas do
ta desse tema ilustra aquela que talvez seja sua mais profunda dife¬ seu objeto com a passagem citada mais atrás , segundo a qual os di¬
rença em relação a Weber ; e, como vimos, essa diferença n ão reside versos elementos do fenômeno a ser analisado “ projetam sua ima¬
no fato de ele dedicar alguma atenção unilateral à “ estrutura gem com crescente exatidão sobre um novo plano de abstração” , te¬
social ” . O que est á em jogo é sua capacidade de estabelecer distin ¬ mos algo mais que a caracterização de um modo de pensar em que o
ções anal í ticas, não para mant ê-las limpamente separadas na análise, car áter dinâmico atribu ído aos objetos enquanto processos é conce¬
mas para melhor poder examinar , por todos os â ngulos, as mudan ¬ bido como variação infindá vel das suas características espaciais. Va¬
ças provocadas em ambos os termos pelas suas relações recí procas. le assinalar , de passagem , que esse traço do pensamento de Simmel
Talvez se possa dizer que a concepção que Simmel tem desse tema o pode ter ajudado o seu ex-discí pulo Lukács a tomar por traço essen¬
leva a enfatizar , não o papel nem o ator ou sua ação , mas , cial da reificação o pensamento espacializado, que elimina a tempo¬
recorrendo-se a um termo que não aparece nele , as estratégias de ralidade , evidentemente ainda presente em Simmel mas já filtrada
ação dispon íveis para o indiv íduo num contexto de filiações grupais por essa sua ótica espacial ou ent ão reduzida ao puro fluxo da vida .
m ú ltiplas e nem sempre compat íveis entre si , em que ele se define ple¬
46
— Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas — 47

Recorde-se que essa ú ltima concepção, do tempo como fluxo quali ¬ Essa mesma recusa de Simmel a estabelecer quaisquer dicoto ¬

tativo dos eventos, embora não diretamente vinculada à noção de mias r ígidas manifesta -se também no seu tratamento de dois temas
“ vida ” , ainda marca fortemente as idéias de Luk ács na sua primeira que novamente o colocam em confronto com Weber , sendo que num
fase . Vale lembrar também que Luk ács relaciona a espacialização do dos casos é este pr ó prio que o formula. Logo no in ício de Economia
tempo a uma posição contemplativa em face do mundo , reduzido a e Sociedade , Max Weber adverte que estar á preocupado com estabe ¬
um processo mecâ nico exterior à consciência ( Luk ács, 1960: 117 ). É lecer um distin ção n í tida entre o “ sentido” subjetivamente visado e
que isso envolve uma questão teórica das mais sé rias, a saber , a da o “ sentido” (as aspas são de Weber ) objetivamente válido,
objetividade do conhecimento histórico-social. À primeira vista , “ que não somente Simmel nem sempre separa quanto freqiientemente
Simmel não parece duvidar da possibilidade de um conhecimento permite de modo deliberado que confluam entre si ” . ( Weber , 1972:1.)
objetivo nesse dom í nio, sempre que o objeto seja tomado como ex ¬
Sem d ú vida isso é intencional em Simmel, posto que para ele o senti ¬
pressão parcial e unilateral de um processo para o qual não há como
do de uma configuração social só pode ser captado mediante o exa ¬
encontrar a referê ncia a uma totalidade abrangente já dada. Um exa¬ me das relações especí ficas que se estabelecem , no caso dado, entre
me mais atento, contudo, sugere uma conclusão mais radical: a de formas e conte údos , ou seja , entre os enquadramentos que se dese¬
que Simmel na realidade é indiferente a esse problema , não o temati-
nham para a expressão dos interesses ( na acepção mais ampla do ter ¬
za na sua análise (novamente em óbvio contraste com Weber ). Com mo) e estes mesmos. Portanto, o sentido é da configuração social ,
efeito, ele propõe que a seleção do objeto e sua análise são comanda ¬ não da ação individual de cada um dos parceiros das m ú ltiplas inte¬
dos pelo conceito segundo o qual o pesquisador se aproxima da reali ¬ rações envolvidas , nem da pura relação social entendida em termos
dade. Na citação acima, o exemplo seria o do conceito de “ politica ¬ weberianos, como ação de vá rios reciprocamente referida.
mente importante” . Não lhe ocorre, contudo, questionar -se sobre os É em consequência disso que Simmel se desvia de Weber (seria
fundamentos da seleção e construção do próprio conceito: afinal , em mais correto dizer o contrá rio, visto que a.obra de Simmel é ante ¬
nome do que tais ou quais eventos caem na categoria de politicamen ¬
rior ) num ponto metodológico importante. É que, enquanto Weber
te importante e , sobretudo, por que aproximar -se dos fenômenos busca sempre estabelecer conexões significativas individuais entre ti¬
munido desse conceito e não de outro? pos de ação social definidos pelo seu sentido , Simmel persegue mo¬
Isso enfraquece a ênfase que ele pr óprio d á ao car áter necessa¬ .
dalidades de correlação entre formas Em suma , busca localizar con¬
riamente unilateral do conhecimento hist órico-social , visto que isso é gruências sistemáticas entre formas, tal como o faz na passagem cita ¬
pensado como derivando simplesmente do car áter parcial em relaçã o da mais atrás, em que as formas correlacionadas são as de superordi-
à complexidade dos fenômenos que um ponto de vista particular im ¬ nação despótica e subordinação niveladora. Disso deriva , ainda no
prime ao seu conhecimento, mas não problematiza os fundamentos caso de Simmel , que nas suas análises os individuos comparecem
dessa unilateralidade em oposição a outros possí veis e concorrentes. não como agentes t í picos nem como meros portadores de papéis,
Em suma , nesse ponto Simmel não vai além da posição de Dilthey, mas se definem mais propriamente como a expressão da tensão em
embora lhe imprima sua marca pró pria, ao substituir um relativismo processo entre essas duas dimensões. Neles ganha corpo a dialética
de base historicista por uma concepção da gradativa integração do entre a vida e a forma. Por isso eles ocupam posição nuclear na sua
conhecimento formulada , por assim dizer , more geométrico: o unila ¬ análise, mas não t êm posição garantida nem como agentes nem mes¬
teral é visto como um lado entre outros existentes num objeto finito
— —
uma forma e basta girar o objeto para que os demais sejam
-
mo como sujeitos , basta lembrar o exame das consequências do pro¬
cesso de divisão do trabalho por Simmel, quando ele examina a “ tra¬
igualmente bem projetados no plano da análise. O mí nimo que se gédia da cultura ” .
pode dizer é que, se Weber fosse operar com analogias desse tipo, ele At é aqui apareceram mais diferenças que semelhan ças entre
não falaria de retas e planos , mas de vetores e entenderia aquilo que Simmel e Weber ; diferen ças essas que oferecem uma visão mais clara
Simmel chama de formas como um campo de forças , levando at é as e simultaneamente mais matizada do confronto, implícito naquela
últimas consequências o caráter relacional do conceito. Aqui nova ¬ ocasião, entre Dilthey e sua corrente de pensamento (à qual Simmel
mente se manifesta o contraste entre uma postura contemplativa e se filia de mais de um modo) e Max Weber . No entanto , o ponto co¬
uma participante. mum inquestionável entre Simmel e Weber é fundamental , e diz res-
48 — Simmel e a depuração das formas Simmel e a depuração das formas
— 49

peito ao uso do tipo como instrumento anal í tico básico no conheci ¬


propriamente metodológicos do que epistemol ógicos, a partir da de ¬

mento hist órico-social .


limitaçã o do campo teó rico especí fico da Sociologia. Essa posição,
por sinal , ser á levada avante da maneira mais conseq üente por We
Na apresentação do seu ensaio sobre a quest ão da objetividade ¬

nas ciê ncias sociais , Weber adverte que suas considera ções n ão t êm ber , que nunca se desviou do dom í nio estritamente metodológico
( “ l ógico ” , na sua terminologia ) ao refletir sobre a ciência.
pretensã o inovadora , pois
Uma distinção básica entre o tratamento que Simmel d á ao pro¬
“ quem conhece os trabalhos de lógicos modernos — apenas menciono
Windelband , Simmel e, para nossos propósitos, especialmente Heinrich
cedimento tipológico e aquele que viria a ser adotado por Weber
consiste em que, para este, não h á como encontrar umainstância in
Rickert — perceber á de imediato que em todos os pontos essenciais eles
constituem o apoio” . ( Weber , 1973:146.)
termedi á ria entre a multiplicidade de ações sociais e a constru ção dos
¬

tipos particulares de ação pelo pesquisador . Da perspectiva weberia-


Comentando essa passagem , Tennbruck assinala com razão que na a presen ça da forma como a concebe Simmel , como entidade a ser
os nomes de Windelband e Rickert podem-se justificar por uma sé¬ identificada pelo pesquisador na realidade antes de isolá-la como ti ¬

rie de motivos, mas seguramente não no que concerne a uma das pas¬ po, vicia a pr ó pria prá tica tipológica. Isso não se deve apenas a que o
sagens mais importantes do ensaio , referente à constru çã o e utiliza ¬ recurso à noção de forma já pressupõe a presença de regularidades
ção do tipo ideal (Tennbruck 1956: 609). Com efeito, nesse particu ¬ universais de ordenação .da interação social. É que também nesse
lar a contribuição de Simmel é decisiva , embora , como veremos mais ponto reaparece a diferen ça entre uma visão rigorosamente analí tica
adiante, não possa ser considerada isoladamente . O essencial dessa e dicotomizadora do real , que é a de Weber , e a de Simmel , que não
constribuição é que Simmel traz à luz a modalidade de abstração que persegue as unidades últimas da exist ência social nas suas expressões
logicamente se ajusta a uma análise que opera com aqueles pressu ¬ mais puras e contrapostas analiticamente entre si mas se det é m num
postos básicos que são comuns a ambos os autores . Esses pressupos¬
tos são os de que as unidades ú ltimas e fundamentais de exist ência
plano intermediá rio — precisamente o das formas — em que os po¬
los das dicotomias weberianas ainda se encontram imbricados, em
hist órico-social são indiv íduos envolvidos em processos de interação; oposições que n ão são concebidas como puramente anal í ticas mas
de que aquilo que convencionalmente é designado por sociedade é como reais.
um processo em fluxo e não uma estrutura dotada dos atributos de Nessas condi ções , a perspectiva da forma permite incorporar os
uma totalidade persistente; e, mais genericamente, de que as mani ¬ fenô menos de conte ú do na pr ó pria análise , n ão apenas geneticamen ¬
festações empíricas dos fenômenos são inesgotavelmente diversifica ¬ te mas també m como elementos persistentes de resist ê ncia às pró ¬

das e desprovidas de qualquer capacidade espont â nea ou já dada de prias formas, numa tensão cujas sedes são os indiv íduos envolvidos
antemão para estruturar -se fora do âmbito das interações correntes. nas interações. É ainda por isso que Simmel não estabelece uma dis ¬

Em Simmel essa modalidade de abstração corresponde ao isola¬ tinção que aparece claramente nas formulações programáticas de
mento e à depuração analítica de segmentos do transcurso empí rico Weber : aquela entre ação social e relação social . Aparentemente, a
da existência social. Isso é feito tendo em vista , inicialmente, identi ¬ ele apenas interessa a segunda , mas na realidade ele opera simulta ¬

ficar as suas formas para , em seguida , pelos motivos já expostos, neamente com ambas, sempre problematizando a primeira , isto é , o
submeter as próprias formas ao mesmo tratamento, visando a atingir sentido que sua ação pode ter para o agente num campo de intera ¬
aquilo que na sua terminologia é ainda ambiguamente designado por ções dado. Enfim , Simmel est á sempre atento para o intrincado jogo
“ tipo de forma ” . A idéia básica do recurso à construção tipológica entre as ações conscientes dos homens e suas objetivações e para os
est á aí exposta claramente, apesar da ambigiiidade terminológica , possí veis descompassos entre ambas, sem correr o risco de Weber , de
que de resto não é acidental. E que em Simmel a passagem da idéia ser apanhado de surpresa pelas manifestações disso.
de forma para a de tipo não é completamente realizada , pelo menos De qualquer modo , a noção de forma ainda ostenta uma forte
nas suas formulações explícitas. Isso se deve à circunst â ncia de que o marca empirista , na medida em que essa entidade é concebida como
seu pensamento, nesse particular , move-se a meio caminho entre pre¬ efetivamente dada na realidade, como objeto a ser trabalhado e não ,
missas de caráter empirista e uma adesão a princí pios rigorosamente como seria o caso de uma postura radicalmente idealista , como algo
idealistas. Digamos, esquematicamente , que sua solução de compro¬ semelhante a uma categoria do entendimento ordenadora do real . É
misso consiste em concentrar sua atenção sobre os problemas mais por isso que a ê nfase de Simmel , mais que na sua construçã o do ob-
50 — Simmel e a depuração das formas

jeto de análise , está no seu isolamento e depuração. Para ele , uma


vez corretamente realizada essa depuração , o conhecimento cient í fi ¬
co deixa de ser problem á tico quanto à sua validade universal ; mesmo
porque as próprias formas de interação, como objeto da an á lise so¬ 4
ciológica, são concebidas como tendo caráter universal , na medida
em que est ão presentes em conexão com os mais diversos conte ú dos.
É exatamente nesse ponto que sua concepção dos problemas do
conhecimento hist órico-social é insuficiente para dar conta da posi ¬ Windelband, Rickert e os valores
ção assumida por Weber . É que para este o problema se concentra
naquilo que Simmel é levado a negligenciar , vale dizer , na quest ão
dos crit érios que comandam as operações de isolamento e depuração
de aspectos da realidade hist órico-social. Em consonâ ncia com isso,
Weber dedica muito mais atenção que Simmel às quest ões relaciona ¬
Em que medida a contribuição de Windelband pode ser considerada
'

das com o caráter construtivo do tipo. É como se, no confronto entre fundamental para o desenvolvimento das idéias de Weber , tal como
ambos, Simmel se dintinguisse como o mais complexo e matizado este mesmo o sugere? A resposta imediata seria a de que isso decorre
nas análises concretas ao passo que Weber levasse vantagem na sofis¬ da sua célebre distin ção entre ciê ncias generalizadoras e ciê ncias indi -
ticação do tratamento de quest ões metodológicas. Nessas condições, vidualizadoras. Uma atenção maior ao tema sugeriria , logo em se ¬
é preciso ampliar desde já o quadro , coni o exame dos outros autores guida , que essa import â ncia advé m da introdu ção da problem á tica
mencionados por Weber na passagem citada acima. dos valores na consideração da especificidade das ciências históricas.
Com mais um passo, chegar íamos a assinalar o pró prio crit ério que
Windelband oferece, em seu cl ássico ensaio sobre Hist ória e ciência
da natureza, de 1894, para estabelecer a distinção entre essas modali ¬
dades de “ ciências da experiência ” (que ele distingue das “ ciências
racionais” , como a Matem á tica e a pró pria Filosofia , cuja relação
com a experiência é indireta ; no que se torna claro que ele utiliza o
termo “ ciência ” no seu sentido mais amplo e tradicional , de um “ sa ¬
ber ” , como parte da sua reação ao positivismo). Esse crit é rio é
“ puramente metodol ógico , fundado em conceitos l ógicos precisos ( . .. ) O
principio de classificação das ci ências é o caráter formal dos seus alvos de
conhecimentos . ” ( Windelband , 1970: 224. )
Quanto à classificação propriamente dita, vale recordar a passagem
mais citada da sua obra:
"Podemos então dizer : as ciê ncias da experi ência procuram no conheci ¬
mento do real quer o geral , na forma da lei natural , quer o singular , na
configuração historicamente determinada . Elas observam num caso o fa¬
to sempre idêntico , noutro o conteúdo único do evento real determinado
de per si . Umas são ciências de leis , outras são ciências de acontecimen ¬
tos; aquelas ensinam o que sempre existe , estas , o que existiu uma vez . O
pensamento cient í fico é ( . . . ) num caso nomoté tico e noutro idiográfico .
Se quisermos ater -nos às expressões usuais podemos falar , nesse sentido ,
da oposição entre disciplinas naturais e históricas , desde que se tenha em
mente que nessa concepção metodol ógica a Psicologia deve ser plenamen ¬

te inclu ída entre as ci ê ncias naturais . ” ( Windelband , 1970:224. )


52 — Windelband , Rickert e os valores Windelband , Rickert e os valores — 53

Diante dessa observaçã o final , n ã o admira que Dilthey tivesse rejei ¬ sador da natureza o objeto singular dado à sua observação jamais tem va ¬
tado vigorosamente a classificaçã o proposta e tivesse preferido man ¬
lor cient í fico como tal ; ele só lhe é de valia na medida em que o pesquisa ¬

ter como crit é rio o próprio objeto das ciê ncias para identificá -las . dor se sinta justificado a trat á-lo como tipo , como caso especial de um
Quanto à relev â ncia disso para o pensamento de Max Weber , conceito gen é rico , e desenvolver este ú ltimo a partir dele. Assim , a refle¬

ela ainda é bastante remota , at é aqui . Cumpre ent ã o acompanhar xão é apenas sobre aquelas caracter í sticas que se prestam à percepção de
mais o texto. A seqii ência da passagem acima talvez seja mais signifi ¬ uma generalidade conforme as leis. Para o historiador a tarefa consiste
em reavivar novamente para uma experiência contemporânea ideal qual¬
cativa . “ É poss í vel e verificá vel que os mesmos objetos possam ser quer constelação do passado na sua expressão mais individual . Compete-
submetidos a um exame nomot ético e também idiogr á fico ” , visto lhe fazer em relação àquilo que ocorreu algo an álogo ao que o artista faz
que essa distin çã o é relativa . Afinal , ela “ classifica o tratamento e com o que est á na sua fantasia . Nisso reside a afinidade do trabalho hist ó ¬

n ão o pró prio conteú do do conhecimento ” . Do ponto de vista subs ¬


rico com o estético e das disciplinas históricas com as belles lettres . ”
tantivo , Windelband est á preocupado com o predom í nio das ci ê ncias ( Windelband , 1970: 227 . )
nomot éticas nas constru ções l ógicas e epistemol ógicas suas contem ¬

At é aqui tudo indica que estamos nos afastando , ao invés de nos


por â neas . Seria desejá vel , diz ele , que “ a reflex ã o fizesse a mesma aproximarmos, daquilo que seriam as formulações de Max Weber. É
justiça à grande realidade hist ó rica , ( ... ) como o faz com as formas inequ í voco que o af ã de Windelband no sentido de livrar -se do “ na ¬

de pesquisa da natureza ” . Isto se justifica tanto mais quanto ambas turalismo ” e do “ positivismo ” leva-o a descuidar -se do componente
as modalidades de ciê ncia compartilham as mesmas modalidades de de historicismo tradicional que a todo momento adere às suas for ¬
demonstração: experiê ncias, dados sensoriais. Além disso, nenhuma mulações . Isso fica ainda mais nítido na seq úência da sua exposição.
delas se satisfaz com o que o senso comum oferece . “ Ambas necessi ¬
Para Windelband , as duas modalidades de ciência que propõe
tam para seu fundamento uma experi ê ncia cient í ficamente depura ¬ distinguem-se pelo lugar que a “ abstra çã o ” ocupa nas generaliza ¬
da , criticamente formada e provada no trabalho conceituai ” ( Win ¬
ções e , a “ plasticidade ” , no tratamento da experiência individualiza ¬
delband , 1970: 226) . da . Para perceber isso , diz ele, cabe comparar os resultados da pes¬
At é aqui temos uma distin ção que ainda promete chegar à espe¬ quisa. E , ao fazê-lo, tem o seguinte para dizer da historiografia:
cificidade decisiva dos seus componentes e que os associa sob o signo
de algo assim como um empirismo cr í tico. Na realidade, já se torna “ A sua meta final sempre é extrair com esmerada nitidez da massa de da ¬

n í tido nesse ponto que Windelband est á empenhado em encontrar dos a figura verdadeira do pret é rito. O que ela fornece sã o quadros de
uma solu çã o de compromisso , defin í vel no plano estritamente meto ¬
pessoas e vidas pessoais com toda a sua riqueza caracter ística , conserva ¬

dol ógico, entre as posições positivistas de cunho “ naturalista ” que dos em toda a sua vida individual . ” ( Windelband , 1970: 228.)
se encontravam ent ão em plena ofensiva e a consideração pela legiti ¬
midade e especificidade do conhecimento hist órico. Tratava -se , em Portanto, reprodu ção do objeto na sua integridade individual . Deci ¬
suma , de abrir um espaço para a historiografia e as á reas afins no didamente, quanto mais tentamos nos aproximar de Weber , mais
dom í nio das ciências. Nesse sentido, a preocupa çã o est á voltada nos afastamos dele . Est á claro, pelo menos, que Windelband tem
pouco ou nada para oferecer no tocante ao caráter construtivo do
mais para o modo de associa çã o poss í vel entre as duas modalidades
de ci ê ncias propostas que para o simples estabelecimento de uma dis ¬
conhecimento hist ó rico e à utilização do tipo como instrumento de
tin çã o entre elas ; e é por isso que o car á ter puramente formal da sua an á lise. Talvez a referência à avaliação como traço intr í nseco à ciên ¬
classificação desempenha um papel t ão importante no seu trabalho. cia hist órica nos d ê o ponto de contacto.
O passo seguinte , no entanto, já permite estabelecer melhor a base
Essa quest ão é posta por Windelband em termos de qual o valor
ú ltima da distinção proposta: que o conhecimento de um objeto tem ; e esse valor é dado pela possi ¬
bilidade de integr á-lo no conhecimento mais amplo, para o qual con ¬
“ A diferen ça entre pesquisa da natureza e hist ó ria somente começa quan ¬ tribuiria.
do se trata de ajuizar os fatos conforme o conhecimento . Aqui vemos: “ Assim , num sentido cient í fico , o pr ó prio fato já é um conceito ideológi ¬

uma ci ê ncia busca leis; a outra , configurações. Numa , o pensamento con ¬ co. Nem tudo o que é real , arbitrariamente dado , é fato para a ciê ncia ,
duz da constatação do particular para a capta ção de relações gerais, na mas só aquilo do qual — expresso em termos sum á rios — se pode apren ¬

outra ela se det é m na caracteriza ção atenta do particular . Para o pesqui ¬ der algo. ”

'Í L
54 — Windelband , Rickert e os valores Windelband, Rickert e os valores — 55

Aqui , portanto, reaparece o tema da identificação da liberdade com


É preciso ter -se em consideração que uma dimensão irracional da exist ência , que Weber rejeitaria resolu ¬
“ todo interesse e avaliação , toda determinação de valor humano refere- se tamente.
ao singular e ao único” . ( Windelband , 1970: 230, 231 . ) Na realidade, o ponto mais importante desse trabalho de Win ¬
Independente do tratamento que ainda se venha a dar , mais delband , para quem o encara da perspectiva de Weber , consiste na
adiante, ao ensaio sobre a objetividade e aos demais escritos metodo¬ sua sugest ão de que a diferen ça entre as ciências da natureza e da his ¬
lógicos de Weber , a mera recordação desses trabalhos já deixa paten ¬ t ória é fundamentalmente de car á ter formal , e diz respeito à perspec ¬
te a dist â ncia que os separa dessas posições de Windelband , tal como tiva pela qual nos aproximamos do objeto. Segue-se, de maneira per ¬
se apresentam no seu trabalho, que, à primeira vista, constituiria o feitamente coerente com essas ideias, que o mesmo objeto pode ser
melhor lugar para encontrar a justificativa de sua men ção pelo pr ó¬ I tratado tanto idiogr á fica quanto nomoteticamente, já que, nas pró¬
prio Weber . Na realidade, as passagens em que mais seguramente se prias palavras de Windelband , essa distin çã o é só “ relativa ” . Essa
poderiam estabelecer algumas convergências são precisamente aque¬ expressã o , aliás , é infeliz , bastando lembrar que o pr óprio cará ter
las que dizem respeito ao car áter não rigidamente excludente , n ão formal da distin ção proposta já conduz à conseqiiência apontada.
hermeticamente oposto, das duas modalidades de ciência propostas Essa car ê ncia de rigor , visí vel na pr ó pria linguagem , não é , de resto,
por Windelband. acidental . Ela trai o car á ter indeciso que ainda assume, nesse ponto,
Assim, pode-se reconhecer uma possível fonte da preocupação o confronto entre a posição de Windelband e a de Dilthey , favor á vel
weberiana com um conhecimento empírico de caráter mais geral , re¬ a um critério substantivo para a separação entre esses dom ínios da
lativo a regularidades observadas de ação, para se postularem cone¬ ciência. Será preciso esperar por Rickert para que as posições fiquem
xões causais particulares na Hist ória quando Windelband afirma: melhor delineadas e sua relevâ ncia para Weber possa ser também
melhor examinada .
“ As ciências idiográ ficas necessitam constantemente de enunciados ge¬ De qualquer maneira , a constatação de que esse texto clássico de
rais , que podem justificadamente tomar emprestados das disciplinas no- Windelband não é suficiente para justificar a referência que Weber
mot éticas . Qualquer explicação causal de um evento hist órico pressupõe faz a esse autor como um dos precursores de suas concepções meto¬
representações gerais sobre o decorrer genérico das coisas; e se queremos dológicas complica a nossa tarefa. Será necessário , agora , alinhar os
dar forma puramente lógica às demonstrações históricas , então elas sem ¬
pre terão por premissas últimas leis naturais do acontecer , especialmente
elementos que permitem uma reconstrução, naquilo que aqui é rele ¬
do acontecer espiritual ” , vante, do campo de idéias em que se move o pensamento de Windel¬
band , sempre tendo em vista a continuidade que , em pontos essen ¬

ou seja , acerca de como “ os homens como tais pensam ,- sentem e ciais mas não em todos , h á entre ele e Rickert .
querem” (Windelband, 1970: 232). No caso de Weber , as regularida ¬ Não é dif ícil assinalar a preocupação básica que norteia o seu
des de conduta envolvidas na explicação não são t ão genéricas e mui¬ pensamento e que caracteriza a chamada escola neokantiana de Ba ¬
to menos “ leis gerais” , mas pelo menos a linha de raciocínio é seme¬ den (mais precisamente, da capital dessa proví ncia, Heidelberg , onde
lhante. Da mesma maneira , na última passagem que nos interessa da Weber també m trabalhou ). Sua intenção manifesta é estender o
História e ciência da natureza, o in ício evoca Weber para logo em se¬ '
apriorismo kantiano do dom í nio do conhecimento da natureza para
guida o raciocí nio orientar -se no sentido oposto àquele que ele ado¬ o da história. Vale dizer, buscava-se estabelecer em moldes rigorosos
taria sobre o tema; neste caso, aliás, um tema central , o da relação as condições da possibilidade do.conhecimento hist órico-cultural. Is¬
entre causalidade e liberdade. Para Windelband , a cadeia da seqiiê n- so se fazia na luta contra três adversá rios de peso: o historicismo, o
cia causal que as ciências possam estabelecer não tem fim , não há psicologismo e o naturalismo positivista.
“ f órmula universal ” que explique o conjunto. Por isso Nessa linha de interesses, o pensamento de Windelband
“ sempre nos resta um resí duo de incompreens í vel em tudo que experi ¬
desenvolve-se numa trajet ória que não é uniforme, ao longo de 30
mentamos histórica e individualmente —algo inefável , indefiní vel ( . .. ): anos em que se preocupou diretamente com o tema. Uma tentativa
isso aparece à nossa consciência como o sentimento do caráter não causal digna de nota de fazer frente aos problemas dos quais também trata ¬
da nossa essência , ou seja , da liberdade individual” . (Windelband , 1970: ria no trabalho citado acima , sobre História e ciência da natureza,
254. ) aparece num ensaio um pouco anterior , de 1882, em que ele examina
56 — Windelband , Rickert e os valores Windelband, Rickert e os valores — 57

as relações entre “ normas e leis naturais ” . Nesse trabalho , ele ainda Na realidade, a fonte imediata das concepções de Windelband ,
est á claramente voltado para uma tentativa de conciliaçã o entre esses que ele mesmo aponta , é a obra de seu mestre , Hermann Lotze, um
dois dom í nios. O conceito de que ele se vale para isso é o de seleção filósofo atualmente esquecido mas que parece ter exercido forte in ¬
entre manifesta ções da realidade . flu ê ncia sobre seus contempor â neos. Para esse autor , o conhecimen ¬

“ As normas são sempre ( . . . ) formas especí ficas de realiza çã o de leis natu


¬ to jamais pode ser concebido como có pia ou sí mile de coisas , e a ver ¬
rais . O sistema das normas representa uma seleção entre a imensa multi ¬ dade consiste na descoberta de significados e na compreensão de al ¬
plicidade de formas e combinações das quais possam destacar -se as leis go dotado de sentido . Isso remete diretamente ao tema dos valores ,
naturais da vida ps í quica , com refer ê ncia às condições individuais de cada que sã o concebidos como tendo car á ter independente e defin í vel es ¬

caso . As leis da lógica são uma seleçã o entre as diversas .formas possí veis tritamente em termos de sua vig ência (Glockner , 1968: 974). Esse
de associações de ideias; as leis da é tica , uma seleçã o entre as formas de conceito de vigência passa a ocupar posição central no pensamento
motivação possí veis; as leis da est é tica , uma seleçã o entre as formas possí
¬
de Windelband , e o conduz a conceber toda a Filosofia como giran ¬
veis de nossos sentimentos e de seu modo de manifestar -se. ” Para que is ¬

so possa ocorrer , impõe-se que tais leis ou normas tenham validade uni ¬
do em torno da quest ã o dos valores. J á nas concepções de Lotze
versal . Assim , “ as normas são aquelas formas de realização das leis natu ¬ encontram -se os elementos d è uma espécie de “ hegelianização ” de
rais que devem ser aprovadas pressupondo-se que se ajustem ao fim da vi ¬ Kant , no sentido de uma busca da normatividade, de um “ espí rito ” ,
g ê ncia geral ” . ( Windelband , 1949: 266, 267 . ) se se quiser , imanente aos fen ômenos. Windelband leva essas suges ¬
Ao desenvolver essas id éias , Windelband chega à conclusão de que t ões at é o fim , e acaba propondo, num ensaio de 1910, uma “ reno¬
vaçã o do hegelianismo” .
“ a razão n ã o é engendrada , mas já est á contida no interior da variedade
infinita dos processos naturalmente necessá rios: cumpre reconhecê-la e , Esse ensaio est á explicitamente dedicado a um apelo para que se
ao revelá- la à consci ê ncia , convert ê-la em fundamento determinante . O considere a
reino da liberdade é aquela prov í ncia do reino da natureza na qual só rege
a norma . Nossa missão e nossa ventura consistem em instalarmo- nos nes ¬ “ responsá vel seriedade pela qual a filosofia hegeliana se esforça por com ¬
sa prov í ncia ” . ( Windelband , 1949: 284.) preender e trazer à tona conceitualmente ( .. . ) a razão dentro do mundo ,
nesses “ tempos espiritualmente agitados ” em que n ão se busca ‘uma filo ¬
Essa formulação é significativa quando nada porque sugere cla ¬

sofia que se dedique a indagar ou compreender os valores racionais , mas a


ramente que o r ó tulo de “ neokantismo ” aplicado a Windelband n ão criá -los normativamente com valores novos’ . ” ( Windelband , 1949: 208 . )
n ós deve levar a procurar diretamente em Kant a inspiraçã o ú ltima
das suas idéias. Na verdade , já nesse passo ele est á mais propriamen ¬
te a meio caminho entre Kant e Hegel (do contr á rio , como interpre¬ Constitui , portanto , uma tomada de posi ção de um pensador que
tar a idéia de que a razão não é engendrada, mas por outro lado , est á sempre esteve mais voltado para o compromisso. Seu ponto de parti ¬

contida nos “ processos naturalmente necessá rios? ” ). J á aqui encon- da é uma concepção muito particular do significado do pensamento
. tramos elementos para considerar plausí vel a observação de Haber - de Kant .
mas, feita em relação a Rickert mas igualmente aplicá vel a Windel ¬ “ Sua filosofia transcendental é, quanto aos resultados , a coerência dos
band , de que seu problema básico é precisamente haver formulado princípios de tudo o que hoje resumimos sob o nome de cultura .
um problema hegeliano mas ter sido “ incapaz de completar a transi ¬
Examinam -se nela os fundamentos conceituais do saber , da moral , do di ¬

ção entre Kant e Hegel ” ( Habermas, 1970:76). O “ problema hegelia ¬


reito , da hist ó ria , das artes, da religião , tendo em vista encontrar o que
no ” a que se refere Habermas é o da idéia de um “ espí rito nelas haja de evidência intr í nseca , independente de toda captação emp í ri ¬
objetivo” , que no entanto colide com a concepção da validade uni ¬ ca pela consciê ncia individual ou mesmo pela consciência hist ó rica co ¬

versal e incondicional dos “ sistemas de normas ” de que fala Windel ¬ mum , de tal modo que sejam vá lidos para todos os lugares e todos os
band . Enfim , em ambos os trabalhos examinados at é aqui , e tam ¬ tempos . Assim , e n ão de outro modo, deve ser interpretado o apriorismo
bém nos posteriores , Windelband oscila entre a id éia de uma consti ¬ kantiano. ” ( Windelband , 1949: 198.)
tuição transcendental do dom í nio da natureza e da cultura , em ter ¬ Essa interpretação est á diretamente fundada na noção de vig ência ,
mos das condições a priori para o seu conhecimento , e a idéia de sis¬ tomada de Lotze , que també m é aplicada ao pensamento pós-
temas normativos dados de fato embora com validade universal . kantiano , cujos desdobramentos o ensaio procura examinar .
58 — Windelband, Rickert e os valores Windelband , Rickert e os valores — 59

Para Windelband , os problemas legados por Kant encontram ser e o acontecer soltos , no tempo , em toda a sua variedade individual ;
duas grandes linhas de resposta entre seus sucessores: a de Fries , que não pensa nisso pela simples razão de que , embora quisesse fazê- lo , não o
conduz a um psicologismo , e a de Hegel , que conduz a um historicis ¬ * poderia . Também ele seleciona entre a massa infinita dos fatos historica¬
mo. Ambas carregam consigo o risco do relativismo , que Windel ¬
mente dados alguns , que em nada são determinados pelo destino da tradi ¬
ção , mas antes essencialmente pelo interesse que os diversos elementos do
band quer evitar . A saída que ele encontra é a de se separar nitida ¬
passado estão chamados a despertar . São incontáveis as coisas que ‘acon
mente os dom í nios do ser e do dever, da existê ncia e da validade . Por
¬

tecem ’ e que jamais entrarão na ‘hist ória’ . E o interesse que preside tanto
essa via , procura impossibilitar a solução relativista de derivar o nor ¬ a tradição quanto a seleção do historiador depende , nesse caso , dos con ¬
mativo do empiricamente dado. Em suma , ele propõe que se distin ¬ ceitos de valor da vida humana ; somente se reconhece como fato histórico
gam a esfera dos valores do campo de suas realizações , tomando-se aquilo que tem alguma import ância para a memória da espécie , para seu
aquela como dotada de vigê ncia universal e incondicional . No seu ' valioso conhecimento de si mesmo . E o próprio interesse determina , es ¬
entender , isso já se encontra em Hegel ( Windelband , 1949: 205 ), em ¬ sencialmente , as relações em que o historiador dever á vincular entre si os
bora envolva o risco de uma recaída em posições puramente metaf í ¬ fatos ; o que ele busca não são conceitos genéricos mas formas e comple ¬

sicas . xos de formas , condicionados- por essas relações de valor . A investigação


hist órica vale -se também , às vezes , do conhecimento de certas relações ge ¬
“ Esta vigência dos valores racionais ( . . . ) é o ponto extremo ao qual pode rais , tomadas em certas ocasiões das ciências normativas e em outras obti ¬

chegar a filosofia crí tica . Fazer valer de um modo efetivo ante a consciên ¬ das por ela própria para esse fim , mas sempre como meio para chegar a
cia empí rica sua evidência imediata mediante sua própria razão de ser compreender aqueles v í nculos . Portanto , também a ‘hist ória’ , considera ¬

imanente e objetiva; nisso consiste a missão do filósofo . E isso é o que a da como objeto da ciência , constitui uma conexão ordenada , que pode ¬

dintingue , a rigor , da nova metaf í sica . ” ( Windelband , 1949: 206 . ) mos extrair e preparar com base nos fatos dados , conforme o padrão dos
Essa é, ent ão, a saída proposta por Windelband : a Filosofia como interesses racionais necessá rios e da validade geral . Com efeito , a ciência
ciência cr í tica dos valores , entendidos esses não em termos de exis¬ histórica somente se distingue do relato individual por tomar como princ í ¬

pio de seleção e de relação entre os fatos , n ão o interesse pessoal do indi


tência mas de vigência. No entanto, como demonstra Andrew Arato
¬

v íduo , mas os valores necessários e de vigência necessá ria . ” ( Windelband ,


em importante ensaio de sí ntese sobre a “ defesa neo-idealista da sub¬ 1949: 111 - 112 . )
jetividade” , Windelband não tem condições, com esse esquema , de
fazer frente ao seu principal adversário , o positivismo; mesmo por ¬ A circunst â ncia de que essa tentativa de Windelband para sinte¬
que já sucumbe a ele ao sancionar a sua visão fragment á ria do uni ¬
tizar as idéias básicas de seu colega Rickert ocorre no mesmo ano em
verso teórico no momento em que concebe a Filosofia como ciência que Max Weber publica seu ensaio fundamental sobre esses mesmos
especializada (Arato, 1974:114). problemas é evidentemente significativo , embora nada nos permita
Entre esses dois momentos , contudo, há pelo menos um escrito concluir acerca da quest ão que nos interessa , que é a da real influ ên ¬
de Windelband em que sua posição é mais definida e formulada com cia dos neokantismos de Baden sobre as concepções de Weber . Te¬
maior rigor ; e coincide explícitamente com as formulações de Ric¬ mos que examinar um pouco mais a fundo as idéias do pr ó prio Ric¬
kert . O trabalho em questão é de 1904 (ano da publicação do ensaio kert . Para isso, recorrerei fundamentalmente a seu trabalho sobre os
sobre a objetividade nas ciências sociais, de Max Weber) e est á dedi ¬ 4 Problemas da Filosofia da História (cuja primeira edição, por sinal ,
cado à comemoração do centená rio da morte de Kant . Aqui ,
!
também é de 1904) e só secundariamente à sua exposição sobre Ciên-
apresenta-se uma concepção do conhecimento hist órico, cuja origem I cia cultural e ciência natural, de 1899, que é na realidade uma espécie
é atribu ída à filosofia kantiana , que constitui simultaneamente uma de obra de divulgação das id éias contidas na sua obra má xima nesse
espécie de resumo de idéias que vinha sendo desenvolvido por Ric ¬ campo, sobre os Limites da conceptualização na ciência natural , de
kert e uma prova das afinidades entre ambos os autores (ou de falta 1896. Esse procedimento justifica-se, a meu ver, porque no livro que
de originalidade de Windelband). usarei como base as idéias de Rickert sobre o tema apresentam-se na
“ A natureza , considerada como objeto da ciência , é um cosmos cuja or¬
sua forma mais sistemática e acabada (além de oferecer a vantagem
denação somente podemos representar-nos em idèias e em conceitos par ¬ nada negligenciá vel de serem de mais f ácil acesso que o livro sobre os
tindo das formas da nossa razão . Pois bem , o mesmo pode dizer-se da his¬ “ limites ” ).
t ória , mutatis mutandis. Tampouco o historiador propõe-se descrever o
60 — Windelband , Rickert e os valores Windelband , Rickert e os valores — 61

As ideias básicas de Rickert sã o bem conhecidas . Segundo ele , a dotada de um conte ú do: precisamente o dos valores. Rickert insiste
realidade apresenta-se como um “ cont í nuo heterogé neo ” de eventos em que nesses valores importa exclusivamente a vigência , n ão a exis¬
discretos. tência. Essa concepção o levou , num certo momento da elaboração
“ Na realidade n ão existem objetos gerais , mas apenas individuais; so ¬ de seu pensamento , a conceber a id éia da definição de um sistema de
mente existe o ú nico, e n ão h á nada que realmente se repita . ” ( Rickert , valores universais que pudessem desempenhar , em relação ao conhe ¬

1961: 45.) cimento hist órico, o papel das categorias a priori no conhecimento
Fiel à orienta ção da sua escola , ele sustenta que o apriorismo kantia ¬ da natureza em Kant . A impossibilidade de derivar esse sistema da
no já forneceu uma resposta plenamente elaborada para um dom í nio multiplicidade de manifestações empí ricas de valores no mundo his¬
do real , que é o da natureza . Resta desenvolver de modo conseqiiente tórico levou-o a abandonar esse projeto, mas não conduziu à rejei¬
os conceitos correspondentes a outro dom í nio, que é o da hist ória. ção do princí pio de que os valores universais e suas formas historica ¬
No tocante ao primeiro ponto , a reflexã o de Rickert , assim co¬ mente dadas de realizaçã o constituem dois universos distintos. É em
mo a de Windelband , ajusta-se à definição contida no parágrafo 14 nome desse princ í pio que ele ganhou condições para sua distinção
dos Proleg ómenos a toda Metaf ísica futura, de Kant , segundo a qual fundamental entre avaliação pr á tica de um fenômeno e referência
“ natureza é a existência das coisas na medida em que é determinada teó rica a valores com vistas ao seu conhecimento.
conforme leis gerais ” . Isso lhe permite delimitar o campo das ciê n ¬ Essas considerações de Rickert permitem-lhe propor a exist ência
cias da natureza: ele se constitui quando o sujeito se defronta com o de uma categoria especí fica de objetos que não fazem parte nem da
real munido do conceito de lei geral , ou seja , busca o que é genérico realidade captada por via sensorial nem do mundo psíquico. São os
a uma multiplicidade, ou classe, de fenômenos. Por contraposiçã o, | complexos de sentido, entidades significativas acessíveis à compreen¬
delimita-se o campo das ciências hist óricas: ele se constitui pela apli ¬ são, de modo análogo ao que ocorre “ com uma palavrà ou o sentido
cação de conceitos individualizadores aos fenômenos. Portanto, a de uma proposição ” . Num primeiro momento, Rickert propõe cha ¬

diferença entre ci ê ncias da natureza e ciências hist óricas não é dada mar esse dominio de “ espírito” , para logo abandonar o termo, devi ¬
por quaisquer atributos intr í nsecos à realidade, mas esta se constitui do a suas ressonâ ncias hegelianas e também diltheyanas , e substitu í-
como natureza ou como hist ória conforme os interesses de conheci ¬ lo por cultura. Com isso, a história identifica-se como “ ciência da
mento do sujeito sejam de car á ter generalizador ou individualizador . cultura humana ” . Nesse ponto , fecha-se a distinção entre natureza e
Como também ocorre com Windelband , naquilo que este tem de hist ória:
kantiano, Rickert elabora à sua maneira id éias cuja expressão em “ A vida cultural apresenta-se sempre como um acontecer significativo e
Kant est á dada nas suas obras dedicadas à “ razão pr á tica ” , especial ¬ pleno de sentido, ao passo que a natureza se desenvolve sem significado e
mente a de que o conhecimento do mundo n ão lhe confere nenhum sentido.” ( Rickert , 1961: 36. )
valor de per si , mas apenas quando envolve a id éia de um fim . Este , A cultura refere-se , ent ão , ao universo significativo em que os ho¬
por seu turno, implica um interesse que, no caso do conhecimento ,
opera como o princí pio que aciona a própria vontade de conhecer ,
mens vivem, e se manifesta através de realizações individuais e irre
pet í veis, na história , de valores universais. O conhecimento da histó¬
-
em conformidade com a formulação na Fundamentação da Metaf ísi¬ ria consiste, portanto, em examinar precisamente esse caráter indivi¬
ca dos costumes, de que é pelo interesse que a razão se torna prá tica, dual e particular que valores universais assumem em configurações
ou seja, “ causa determinante da vontade” . É nesse contexto, de res ¬
concretas e irrepet í veis; daí o seu caráter necessariamente individua ¬

to, que faz sentido a observação de Windelband , em passagem citada lizador .


atr ás, de que a própria noção de coisa é teleológica. Um problema que se levanta imediatamente é o do papel de uma
No caso das ciências hist óricas, o que fundamenta esse interes ¬
ci ê ncia individualizadora no interior de uma realidade na qual nada
se? Para responder a isso, Rickert recorre à id éia , que já vimos em h á senão objetos individuais. Ocorre que , para Rickert , assim como
Windelband , da vigê ncia de valores universais e incondicionais. O para toda a escola de pensamento a que pertence, o conhecimento de
problema básico para Rickert consiste em vincular o existente ao sen¬ um objeto não pode ser concebido como uma có pia, símile ou ima ¬
tido da sua existência a partir de uma perspectiva n ão formal , mas gem da sua expressão integral . O conhecimento da individualidade
de um objeto, diz ele, n ão implica que conheçamos a
62 — Windelband, Rickert e os valores Windelband, Rickert e os valores — 63

“ multiplicidade íntegra do seu conte ú do , mas se realiza numa determina ¬ Nesse contexto esclarece- se uma observação de Rickert , ao dis ¬
da seleção e transformação , vale dizer , destaca-se num complexo de ele ¬ cutir a possibilidade de se operar com “ leis ” hist óricas .
mentos que nessa combinação particular só pertencem a um objeto deter ¬
minado ( ...) . Devemos distinguir ent ão a ‘individualidade’ que corres ¬ “ A cultura n ão é de modo algum uma realidade livre de concepções , que
ponde a todo objeto ou processo qualquer ( cujo conte ú do coincide com possa ficar sujeita a qualquer elaboração e transformação mediante con ¬

sua realidade e cuja cognição n ão é nem alcan çá vel nem desejá vel ) da in ¬ ceitos , mas aquilo que é concebido como cultura é, em primeiro lugar , um
dividualidade significativa para n ós (que consiste somente de determina ¬ determinado fragmento da realidade da qual n ão se sabe se valem justa ¬

dos elementos) e devemos entender com toda a clareza que a individuali ¬ mente para ele e somente para ele os conceitos da lei ; e, ademais, esse
dade no sentido mais estrito , à qual nos referimos comumente, assim co ¬ fragmento é uma realidade já estruturada e transformada em uma forma
mo o geral do conceito especí fico , n ão são elas pr ó prias uma realidade muito determinada atrav és de valores culturais . ” ( Rickert , 1961 : 101 . )
mas um produto da nossa interpretação da realidade , de nossa conceitua -
ção pré-cient í fica.” ( Rickert , 1961: 45.)
Essa idéia , de que o cientista encontra o seu objeto já estrutura
'
¬

do , é de import ância decisiva , não só para um confronto entre Ric ¬


No estudo dos fenômenos histórico-culturais , portanto , os con¬ kert e Weber , mas também para entender o próprio Rickert . Ela su¬
ceitos são mais pobres em conteúdo que as manifestações individuais gere claramente que , no desenvolvimento das suas concepções , ele
da realidade a que se aplicam; eles envolvem uma seleção , em busca caiu numa armadilha . Sua preocupação , tal como a de Windelband ,
daquilo que é “ essencial ” para o historiador no conteúdo dos seus era a de fundamentar uma concepção de ciências hist órico-culturais
objetos . Surge , assim , a questão do “ princ í pio que informa essa sele¬ que fosse imune tanto ao historicismo quanto ao positivismo . Ao
ção e modificação ” . A solução de Rickert é que mesmo tempo que ele sustenta que “ a Filosofia sempre terá que
combater o historicismo como visão do mundo ” ( Rickert , 1961 : 26) ,
“ o individual pode tornar -se essencial unicamente com relação a um va ¬
ele repele a idéia da existência de leis ou regularidades gerais na his¬
lor , e por isso a eliminção de toda conexão com valores traria consigo a
eliminação do interesse hist ó rico pela realidade, e a pr ó pria hist ó ria ” . tória e , numa clara manifestação de suas preocupações antipositivis ¬

[ Assim ,] “ a hist ó ria não só pressupõe seu pró prio fim cientifico como va ¬ tas , proclama que “ a afirmação da ‘unidade do método cient í fico’
lor , como o faz toda ciência, mas à sua essência lógica pertencem outros contradiz de modo absoluto os fatos” ( Rickert , 1961 : 53) . Aqui se
valores vinculados a seus objetos , sem os quais nem mesmo seria possí vel encontra a raiz do seu af ã por separar os dominios das ciências natu ¬
uma concepçã o individualizadora .” ( Rickert , 1961: 67-68.) rais e hist óricas , de uma maneira tal que “ as proposições de umas
não possam ser traduzidas para proposições das outras ” ( Habermas ,
Aqui aparece com toda força a exigência da distinção entre avaliação 1970: 74-75 ) . É nessa caminhada que se apresenta a armadilha a que
prática e referência teó rica a valores . aludi acima . É que , apesar de todos os seus esforços para evitar o
pró prio termo “ espí rito” , porque poderia evocar o “ esp í rito absolu ¬
“ A referência teó rica a valores na história n ão só é independente da valo ¬ to” hegeliano (ou a noção correspondente em Dilthey) ele acaba che ¬
rização positiva ou negativa como também deve ser livre de arbitrariedade
em mais outro sentido , a saber , acerca de quais são os valores a que os ob¬ gando perigosamente próximo do historicismo . Isso ocorre porque ,
jetos são referidos. Mas isso se consegue quando o historiador divide a a despeito de todos os seus esforços em contrário , ele tende a transfe ¬

realidade individual em elementos essenciais e n ão essenciais unicamente rir os sistemas de valores universais a priori que buscava definir no
mediante referê ncia e valores gerais, vale dizer , a valores tais como se en ¬ início da sua reflexão para a própria realidade empí rica . Os valores
contram materializados nos exemplos do Estado , da arte, da religiã o , que conferem significado ao objeto e orientam a sua seleção perten ¬
etc.” [Em termos sum á rios ,] “ a individualidade de um objeto obtem sen ¬ cem ao próprio objeto , ainda que como expressão de valores univer ¬

tido e significado na história devido a que se acha em relação com um va ¬


sais que o transcendem . O objeto (a cultura) individual é intrinseca¬
lor universal para cuja realização contribui mediante sua estruturação in ¬
mente significativa . Uma consequência paradoxal disso é que , para
dividual ” . [ Assim , ] “ as estruturas de sentido concretas que se podem não cair na idéia hegeliana da realização hist órica dos valores no
achar nos objetos reais n ão se encontram ent ão da mesma forma que os “ esp í rito ” , ele enfatiza tanto a sua contrapartida , que é a da realiza ¬
princí pios hist óricos da seleção , na esfera do real , mas na dos valores , e a
partir disso deve ser compreendida a conexão do método individualiza- ção dos valores na história , que acaba correndo o risco de “ desistori -
dor , referido a valores , com o material significativo e pleno de sentido da cizar ” a pró pria história , ao concebê- la como congérie de complexos
hist ó ria.” ( Rickert , 1961: 71 , 78, 79.) significativos individuais , retirando- lhe qualquer dinâmica própria .
64 — Windelband, Rickert e os valores Windelband , Rickert e os valores — 65

n ô menos discretos , é preciso mais uma vez individualizá-los para


Em suma , constr ó i uma espécie de “ historicismo sem hist ó ria ” , ao conhecê-los cientificamente e n ã o subordin á -los a leis gerais, como
identificar a realizaçã o dos valores na hist ória com a noçã o de siste ¬ faz o “ naturalismo ” positivista , partindo , por sinal , da mesma pre¬
mas culturais. Cabe lembrar , nesse contexto , a observa çã o de Haber - missa . Enfim , o grande problema com que Windelband e Rickert se
mas já mencionada com referência a Windelband , acerca da transi ¬

defrontam é o da relação entre o particular e o geral , entre o indivi ¬


çã o frustrada de Kant a Hegel .
dual e o universal . Sua solu çã o para isso é a mais radical poss í vel : fa ¬
É verdade que h á passagens em que uma concepçã o da din â mica zem um corte entre ambas essas dimensões , criando duas ordens he ¬

hist ó rica parece estar presente , como ocorre quando Rickert afirma terogé neas entre si de conceitos e de dom í nios do conhecimento cor ¬
que respondentes , e levam seu dualismo at é a sua consequ ência ú ltima ,
“ se tornam historicamente essenciais unicamente aqueles objetos que que é a de postular dois universos separados , o do ser e o do dever,
possuem significação com respeito á interesses de grupo ou sociais, ou cu ¬ entre os quais n ão há conciliação possível .
ja estrutura de sentido , à s quais servem de portadores , deixam -se com ¬ E comum ler -se que entre as duas principais escolas neo-
preender como constitu í dos por valores sociais. Disso decorre que o obje ¬ kantianas rivais da é poca , a de Baden e a de Marburgo, a primeira
to principal da investigação hist ó rica n ã o seja o homem pensado como
desligado da sociedade mas o homem como ser social , devido à conex ã o
orientava seu pensamento em termos do primado da “ razão
hist ó rica real das partes com o todo hist ó rico . Dever -se- á levar especial ¬
pr ática ” , e a segunda em termos da “ razão pura ” . Isso pode valer
mente em conta a medida em que [ele] participa da realiza çã o dos valores para um confronto ( que , evidentemente, n ão tenho condições para
que são importantes para a conex ã o social . ” ( Rickert , 1961: 87 . ) fazer ) entre, digamos, Wilhelm Windelband e Hermann Cohen .
Mas , é no grande representante da escola de Marburgo na á rea da re¬
-
É f ácil ver , contudo , que essa observaçã o mais refor ça que atenua a
presente argumenta çã o, sobretudo se atentarmos para a presen ça um
flexão sobre as ci ê ncias humanas , Ernst Cassirer , que encontramos
uma visão muito clara dos limites em que se debatiam seus colegas de
tanto insólita nesse contexto da quest ão do “ todo hist ó rico ” e das Baden . Cassirer , que elaborou toda uma fascinante teoria sobre os
rela ções necessá rias parte / todo, que envolvem primordialmente a problemas das relações entre exist ência , expressão e forma na hist ó¬
noçã o de sistema. Nesse ponto , e como já ocorrera com Windel ¬ ria e na cultura , e que soube fazer uso do estudo da linguagem para
band , n ã o estamos t ão longe de Dilthey . Al é m disso, e como adver ¬ elaborar uma concepção da forma que lhe permite evitar a visão
t ência fundamental , temos que considerar que , no esquema de Ric

——
¬

kert , os interesses que comandam o conhecimento sã o de ordem for¬


“ tr ágica ” da cultura presente num Simmel com o qual polemiza
expl ícitamente (Cassirer , 1972: 155-191 ) apresenta uma concep
mal , n ão substantiva . A quest ão da oposição de interesses, quando
¬

ção de conceito bastante mais flex í vel que aquela presente em Win ¬
aparece, diz respeito aos m óveis da orientaçã o do conhecimento para delband e Rickert . Após criticar , é verdade que de modo um tanto
o dom í nio da natureza ou para o da hist ória. sum ário , o car á ter arbitr á rio das distin ções que eles propõem , lem ¬

“ Uma divisão em ciê ncias naturais e ci ências culturais baseada na especial bra que
significação dos objetos da cultura poderia manifestar melhor do que
qualquer outra a oposição de interesses que separa os dois grupos de in ¬ “ todo conceito cient í fico é, na realidade , algo geral e particular ao mes
¬

vestigadores. ” ( Rickert , 1943: 44. ) mo tempo; sua missão consiste precisamente em realizar a sí ntese entre
um e outro ” . (Cassirer , 1972: 60.)
Para evitar uma concepção mais propriamente hist ó rica ou so ¬

Mas, entre a sí ntese e o dualismo , aqueles autores com que Weber te¬
ciol ógica dos valores (que implicaria precisamente buscar as condi ¬
ções empí ricas da sua vigê ncia ) Rickert redefine o problema da ex ¬
ve contato acadêmico mais direto seguiram a linha do dualismo.
pressão dos valores na hist ória . Ao invés de serem tomados como ex ¬

primindo as formas de organização da exist ê ncia dos homens , eles


são concebidos como expressão , na hist ória e através da cultura , de
algo que est á fora dela . No entanto, isso acaba revelando-se insufi ¬
ciente para dar conta do problema . De modo semelhante, na sua luta
com o naturalismo positivista , Rickert é levado a uma formulação
aparentemente paradoxal : se a realidade hist ó rica é constitu í da de fe¬
5
A contrové rsia metodoló gica

De modo geral e independentemente do confronto mais pormenori ¬


zado, /pode-se assinalar desde logo que naquilo que Max Weber in ¬
corporou das formulações desses autores , há uma decisiva mudança
de ênfase, no sentido de que sua preocupação primordial é com con ¬
siderações de ordem estritamente medotológica. Sua perspectiva, em
suma, é a do cientista pr ático, mais do que a do filósofo / Isso torna
tanto mais relevante a circunst ância de que a fase de formação do
seu pensamento acerca desses temas tenha sido marcada pela presen ¬

ça daquilo que se tornou conhecido como a “ contrové rsia


metodológica ” no interior de um campo cientí fico definido, o da
Economia. Cumpre ent ão passar em revista aqueles aspectos dessa
polêmica , que se estendem por quase 20 anos, até o início desse sécu ¬
lo e, conforme a observação característicamente ir ónica de Schum ¬
peter , extinguiu-se por cansaço dos seus participantes. Da perspecti ¬

va da formação do pensamento de Weber , contudo, os temas nela


tratados são de importância crucial , além de que é preciso levar em
conta que essa polêmica é contemporâ nea dos desenvolvimentos filo¬
sóficos que vimos examinando , quando não os precede. Tra¬
tava-se, em suma , de saber se a Economia deve ser concebida co¬
mo ciência hist órico-individualizadora e dotada de conteú do norma ¬
tivo ou como ciência valorativamente neutra e voltada para a busca
de determinadas regularidades gerais de ação humana. Temos aqui a
contrapartida , cient í fica e metodologicamente localizada , do persis¬
tente tema do pensamento alemão da época , do confronto entre
“ historicismo ” e “ naturalismo positivista ” .
A aplicação do pensamento historicista à Economia encontrou
terreno especialmente f értil na Alemanha do século XIX , n ão só por ¬
que havia uma tradição intelectual já firmada para apoiar -se mas
também pelas condições especí ficas da própria sociedade em que
ocorria. Desde meados do século autores como Wilhelm Roscher e
68 — A controvérsia metodoló gica A controvérsia metodoló gica — 69

Karl Knies polemizavam contra o pensamento econ ómico inglês, cu ¬ Não tenho condições , aqui , para deter-me no tema , que creio
jo racionalismo abstrato repeliam em nome de uma descrição daqui ¬ merecer atenção. De qualquer modo, e apesar de seu caráter reco¬
lo que os homens concretos em condições especí ficas “ tentaram e al ¬ nhecidamente sumário, a idéia de Bukharin , de que o marginalismo é
cançaram na vida econó mica ” , para usar a expressão de Roscher. expressão da “ psicologia do consumidor ” que caracteriza a condi ¬
Claro que teria que ser assim , comenta Werner Stark , pois ção de rentiers que se beneficiam do afluxo de excedente acumulado
“ os teó ricos da economia alem ã de 1840 não podiam admitir como corre¬ para seus bolsos de pessoas desvinculadas do mundo da produção
ta a doutrina dos seus colegas economistas ingleses, deduzida como era do através do desenvolvimento das formas de crédito (Bukharin , 1967:
princí pio do interesse pró prio, simplesmente porque esse interesse n ão 19-71), não me parece desprezível , como ponto de partida. Uma si¬
prevalecia em seu país [no qual] dois terços da população estavam entre¬
tuação desse tipo é bastante plausivel para os casos dos economistas
gues à agricultura numa economia feudal e tradicional. ” (Stark , 1961:
75 .)
continentais', e ocorre de fato no caso de Jevons, a julgar pelo teste¬
munho de um seu admirador que se destacou como economista e há¬
Daí a ênfase dos autores alemães na peculiaridade da estrutura insti ¬ bil investidor na Bolsa ( Keynes, 1956: 126). Por outro lado, não se
tucional na qual se dá a atividade económica. Daí também a tendên ¬
pode desprezar a advertência de Eric Roll, quando aponta (preten ¬
cia para conceber a ciência económica não só como uma historiogra ¬
dendo , sem êxito nesse ponto, refutar Bukharin) o dado complemen ¬
fia mas também, e principalmente, como uma sociologia. “ A Eco¬ tar de que, na época , a ciência económica já estava institucionalizada
nomia atualmente é uma ciência só na medida em que se expande nu ¬ como disciplina acadêmica exercida por intelectuais profissionais
ma Sociologia ” , sustentava Gustav Schmoller , o expoente dessa po¬ ( Roll , 1959: 339-340). De qualquer maneira, é visí vel que ainda há
sição na “ controvérsia metodológica ” , na qual seu principal adver ¬ muito no que pensar nessa á rea.
sário seria Cari Menger . Foi Menger quem desencadeou a controvérsia metodológica, ao
Cabe aqui Uma observação acerca da relação que Stark propõe en¬ publicar , em 1883, as suas Investigações sobre os métodos das ciên¬
tre o desenvolvimento das id éias econ ómicas e seu contexto social. cias sociais. Nessa obra , cuja influência sobre Max Weber não pode
Ela é plausí vel nesse ponto particular , mas revela-se bastante fr ágil ser subestimada (no entender de Friedrich Tennbruck , em seu impor ¬
quando se submetem suas formulações a um exame mais detido. Por tante ensaio sobre a génese da metodologia de Max Weber, ela é sim ¬
exemplo , ele procura dar conta do fato de que o pensamento margi- plesmente decisiva), Menger assinala e defende, de uma perspectiva
nalista desenvolveu-se, nos seus pontos essenciais, no período de muito pessoal , precisamente aquelas concepções que os membros da
1854 a 1874 porque esse foi (pelo menos na Inglaterra , presume-se) “ escola histórica ” mais abominavam . Seu ponto de partida é o clás¬
um per íodo em que algo próximo à “ concorr ência perfeita ” encon ¬ sico problema proposto de maneira alegórica por Mandeville e em
trou sua expressão mais acabada , o que obviamente é congruente termos de análise económica por Adam Smith na Inglaterra oitocen ¬
com uma concepção do processo económico atomicista e fundada na tista , qual seja, o da emergência de instituições socialmente benéficas
idéia do interesse individual. A data inicial , 1854, já envolve um fato de modo independente da vontade dos homens, que agem individual ¬
embaraçoso: ela assinala a primeira expressão coerente dessa teoria , mente em defesa de seus interesses pessoais. Com isso, fica descarta¬
nada menos do que produzida na Alemanha, por Hermann Gossen. da a prioridade para o exame das instituições (embora Menger não se
Quanto à data final , as obras relevantes de Menger e Jevons são am ¬ opusesse, em princípio, à pesquisa histórica ou sociológica) para
bas de 1871 e a de Walras é de 1874. No tocante à concentração de concentrar-se a atenção sobre o agente económico individual , toma ¬
representantes do pensamento marginalista na Á ustria , de 1870 ehi do como “ átomo ” da sociedade. Isso lhe permite tratar as categorias
diante, Stark argumenta que esse país já vinha ent ão “ desenvolven ¬ económicas sem consideração pelo contexto social em que se mani¬
do uma atmosfera comercial e capitalista” que lhe permitia oferecer festam , visto que esse é um simples resultado não intencional de um
“ uma ci ê ncia económica germâ nica para os ingleses” (Stark , 1961: conjunto de ações realizadas por indivíduos com vistas a seus fins
78). Vale lembrar aqui que os pressupostos ú ltimos do marginalismo pessoais. Do ponto de vista metodológico, sustenta Menger , essa
costumam ser apontados pelos comentaristas ( por exemplo, Myrdal , perspectiva coloca as ciências sociais em vantagem em relação às na ¬
1963: 54-77) como de origem inglesa , e encontram sua expressão turais, visto que nestas as unidades últimas de análise, os “ á tomos”
mais acabada na corrente filosófica “ utilitarista ” . Restaria explicar e “ forças ” , não são de natureza empí rica, ao passo que seus corres¬
o caso do su íço Léon Walras. pondentes nas ciências sociais , os “ indivíduos humanos e seus empe-
70 — A controvérsia metodoló gica A controvérsia metodoló gica — 71

nhos ” , o são. Assim , as dificuldades anal íticas nas ciê ncias sociais que portanto seja poss í vel estabelecer v í nculos inequ í vocos entre seu
são menores e não maiores do que nas ciê ncias naturais , ao contr á rio pensamento e o utilitarismo ingl ês da linhagem Adam Smith - Jeremy
do que julgava Comte, baseado na sua concepção de sociedade como Bentham . Afinal , a idéia de uma harmonia natural de interesses , que
um “ organismo ” real e especialmente complexo e não na concepção tanto fasc í nio ainda exercia sobre Bentham ( Halevy , 1966: 88- 150,
adequada para uma ciência social emp í rica , que é a da sociedade co¬ esp. 108) , parece sair um tanto prejudicada do seu confronto radical
mo agregado de ações e interesses individuais (Menger , 1963: 142, n ? com os desdobramentos sociais e políticos da noção de escassez , tal
51). como a vê Menger . É bem prová vel que os marginalistas de l í ngua
Menger , como fundador que foi , juntamente com Jevons e Wal ¬ alemã estivessem escrevendo para alemães e austr íacos mesmo. Vale
ras, da teoria económica da utilidade marginal , e como autor de uma dizer , suas id éias possivelmente fazem mais sentido no contexto de
apresentação considerada pelos especialistas como particularmente um capitalismo retardat á rio, estremamente desigual no seu padrão
vigorosa da teoria subjetiva do valor ( “ O valor dos bens é indepen ¬ de desenvolvimento e bem menos suscet í vel de interpretações amenas
dente da exist ê ncia da sociedade” , diz ele), é especialmente impor ¬ como as dos ideólogos da Revolu ção Industrial inglesa.
tante para a presente análise por dois motivos: pelo modo como traz A grande contribuição de Menger , no que nos interessa , é con ¬
à tona todas as implicações da noção central de escassez para uma tudo a constatação , não plenamente elaborada mas no entanto ob¬
teoria baseada na ação individual e pela sua capacidade de perceber servada com maior precisão do que por qualquer seu contemporâ neo
o papel central que deve ser atribu ído a procedimentos tipológicos (incluindo, portanto , Simmel ), de que a decisão metodológica de to¬
nessas condições. mar as ações e interesses individuais como unidades de análise impli ¬
Numa passagem realmente fundamental da sua obra sobre os ca necessariamente tratar os fenômenos mediante a construção de ti ¬

“ princípios da doutrina económica ” , de 1871, Menger escreveu: pos. A quest ão, aqui , ainda que tenha sido apenas entrevista por
“ O esforço dos membros individuais de uma sçtciedade para dispor ,
Menger e que ele talvez não tivesse plena consciê ncia do seu alcance ,
com exclusão de todos os demais membros , das quantidades adequadas é que há uma conexão lógica entre conceber o objeto de aná lise em
de bens tem ( . . . ) sua origem no fato de a quantidade de certos artigos à termos de agentes individuais e conduzir a análise em termos tipoló¬
disposição da sociedade ser menor que a demanda . Portanto , como sob gicos. Não se trata de uma opção metodológica entre outras possí ¬
tais condições é impossí vel a satisfação plena da demanda de todos os in ¬ veis, mas de uma necessidade inerente ao esquema metodológico
divíduos , cada qual tem o incentivo para prover o necessário à sua de ¬ adotado. Sem levar isso em conta é impossí vel entender o esquema
manda mediante a exclusão de todos os outros sujeitos económicos . En ¬ que seria posteriormente proposto por Weber .
tretanto , em virtude da competição de todos os membros da sociedade Para Menger a ciência económica se divide em tr ês ramos: o
por uma quantidade de artigos que sob nenhuma circunstância é comple ¬
pr á tico, o hist órico e o teórico. Quanto a este ú ltimo, pode-se ainda
tamente suficiente para satisfazer a todas as necessidades dos indivíduos distinguir entre uma orientação “ realista” e uma “ exata ” . Esta dis¬
( . . . ) uma solução prática do conflito de interesses que aqui se suscita uni ¬
tin ção é formal , posto que se trata do mesmo objeto, que pode ser
camente é concebí vel entregando-se ao indivíduo quantidades parciais da
quantidade total dispon í vel na sociedade em poder dos sujeitos económi ¬ encarado a partir daquelas duas perspectivas estritamente metodoló¬
cos individuais e protegendo-os em sua posse mediante a exclusão simul ¬ gicas. A perspectiva “ realista” busca encontrar regularidades e for ¬
tânea de todos os outros sujeitos económicos . ” (Stark , 1961 : 79. ) mas mediante a observação empírica , e seu resultado é a obtenção de
“ tipos reais ” . A perspectiva “ exata ” preocupa-se com leis gerais,
A importância de uma formulação como essa para o pensamen ¬ que precisam ser desentranhadas da multiplicidade dos fenômenos
to de Weber é muito grande, como logo veremos. O que fica patente empí ricos, e se apresentam como “ tipos rigorosos” . A questão, nes¬
desde logo é que as idéias de Menger , formuladas num registro pura ¬ te caso, consiste em
mente económico, trazem implicações sociológicas e mesmo pol íticas “ descobrir os elementos mais simples de toda a realidade, os quais , na
muito mais n ítidas do que se poderia esperar de um adversá rio do medida mesma em que são os mais Simples devem ser pensados de modo
historicismo e sociologismo de Schmoller e seus companheiros. Além rigorosamente t í pico . Por essa via a investigação teórica alcança qualitati ¬
disso, parece ser conveniente encarar com certa reserva a idéia de que vamente formas rigorosamente t í picas de manifestação dos fenômenos
autores como Menger e também Bõhm-Bawerk estivessem fazendo ( . . . ) . É verdade que essas não podem ser testadas na realidade empí rica
uma Economia em lí ngua alemã “ para ingleses ” , como quer Stark , e plena (pois as formas de manifestação de que aqui se trata em parte exis-
72
— A controvérsia metodoló gica A controvérsia metodológica
— 73

tem apenas na nossa idéia). De modo semelhante a investigação exata re¬ Daí a força do “ ju ízo de valor ético” , que deriva da “ crescente per -
solve a segunda tarefa das ciências teóricas: o estabelecimento das rela¬ cepção de todas as relações causais ” (von Ferber , 1967: 170, 172).
ções t í picas, das leis dos fenó menos (...). J á mostramos que leis dessa na ¬ Em suma , entre conhecimento e julgamento pr ático de valor haveria
tureza não são alcançá veis com referência à plena realidade empí rica dos uma continuidade indiscut ível.
fenômenos, devido ao caráter não rigorosamente t í pico dos fenô menos No in ício do século uma nova geração de intelectuais aderiu à
reais. A ciência exata também n ão examina , portanto, as regularidades Associação, entre eles Max Weber e Werner Sombart. Em 1905, es¬
nas sequências e nas demais formas de manifestação dos fenômenos reais. ses “ jovens” (Weber tinha então 41 anos) provocaram a ira dos vete ¬
Ela examina (...) como, a partir dos elementos mais simples e em parte di ¬
retamente n ão-empí ricos do mundo real , em seu isolamento (igualmente ranos, para os quais representavam a ala “ esquerda radical ” , ao de¬
n ão-empírico) de todas as outras influências , desenvolvem-se fenômenos fenderem a id éia de que a entidade deveria dedicar-se ao desenvolvi¬
mais complicados sempre levando em consideração a medida exata (igual¬ mento da teoria económica e sòcial , sem restringir -se ao exame empí ¬
mente ideal!).” (citado por Tennbruck , 1959: 588-589; cf . Menger , 1963: rico de problemas especí ficos para fins práticos diretos. Esse novo
60-61 .) confronto seria responsável , em parte, pela criação da “ Sociedade
É evidente que Weber não compartilharia da preocupação de Men ¬ Alemã de Sociologia ” , em 1909, da qual Weber participou intensa ¬
ger com a busca de leis gerais; mas, igualmente evidente é a proximi ¬ mente at é 1912, quando se retirou ao verificar que a nova querela ,
dade de ambas as linhas de pensamento, no plano que lhes é próprio, dessa vez sobre a quest ão da “ neutralidade valorativa” nas ciências
vale dizer , o metodológico, como demonstra a alusão favor ável que sociais, se desenvolvia sem esperanças para a sua posição, que era a
Weber faz a essa passagem de Menger (Weber , 1973: 35). da nítida separação entre a pesquisa cientí fica e avaliação e imple¬
Cabe lembrar , finalmente, como já foi assinalado de passagem , mentação de medidas imediatas. Enfim , na própria linguagem da
que a ‘.‘disputa metodológica” ofereceu importante material para as época, passava-se da “ disputa metodológica” para a “ disputa sobre
reflexões de Weber sobre a ‘‘objetividade ” nas ciências sociais, na ju ízos de valor ” . Em ambos os casos, a posição de Weber assumiu
medida em que envolvia o confronto entre a concepção favor ável a contornos que poderiam sugerir a busca de um compromisso entre as
um caráter neutro da teoria económica de Menger e a postura de posições em pugna , mas na realidade ela estava , mais do que nunca,
Schmoller , que defendia firmemente a idéia de uma ciência económi ¬ buscando o seu próprio caminho. É essa sua solução independente
ca diretamente voltada para as quest ões pr áticas e dotada de conteú ¬ que vai interessar-nos, nos seus pontos básicos, para os quais as to¬
do normativo intr í nseco. Como é sabido, Schmoller , juntamente madas de posição alheias servem de balizamento.
com outros representantes do chamado “ socialismo de cátedra” , co¬ Antes de passar a essa fase final do trabalho, é necessá rio lem ¬
mo Adolf Wagner e Georg F. Knapp, foi o fundador da “ Associa ¬ brar um ú ltimo ponto de interesse para se localizarem as fontes de
ção para Política Social ” , entidade voltada para a pesquisa e promo¬ inspiração para as soluções metodológicas de Weber. Até agora fo¬
ção de medidas pr áticas relativas aos grandes problemas da socieda¬ ram levantadas questões ligadas à formação de Weber como econo¬
de alemã da época. O período de existência dessa associação é signi ¬ mista e também como historiador . No entanto, outra área básica de
ficativo: vai do apogeu do Estado prussiano, em 1872, até as véspe¬ sua formação intelectual , a dos estudos jurídicos, também lhe propi ¬
ras da ascensão de Hitler , em 1932. ciou sugest ões importantes, sobretudo ño que se refere à concepção
Schmoller , como líder do seu grupo fundador, tinha posições do seu conceito de tipo ideal. A referência, no caso, é ao jurista
bem definidas a respeito do papel da- ciência económica. Ele a conce¬ Georg Jellineck , a quem vários comentaristas atribuem a paternida ¬
bia como uma espécie de função de assessoria do Estado, na busca de desse conceito e pelo menos um (Guenther Roth) atribui papel
da harmonização dos conflitos sociais latentes na sociedade. fundamental para a formulação da análise da dominação de Weber ,
Competia-lhe, no seu entender , formular “ ju ízos de valor que se inspiraria na sua teoria do Estado ( Roth, 1973: 312). Jellineck
objetivos” acerca das questões do dia, com o que suas conclusões ga ¬ fala , com efeito, do “ tipo ideal ” como um instrumento básico na
nhariam estatuto normativo. O car áter “ objetivo ” desses ju ízos de¬ análise jurídica, e o distingue do “ tipo empírico” , que seria aquele
rivaria da circunst â ncia de que realmente relevante para a reflexão de Weber .
“ os bons e elevados homens do mesmo povo e da mesma época cultural “ O tipo empí rico distingue-se do tipo ideal sobretudo por n ão pretender
cada vez mais se unem com respeito aos principais julgamentos práticos expor uma realidade objetiva mais elevada . Ele significa uma conjugação
de valor ” . de caracter ísticas dos fenômenos que depende totalmente da posição ado-
74 — A controvérsia metodológica

tada pelo pesquisador . Ele ordena a multiplicidade dos fen ó menos ao


destacar logicamente o que eles t êm em comum . Assim , ele é obtido atra ¬
vés de uma abstração que ocorre na cabeça do pesquisador , e em confron ¬
\
to com ele, a realidade persiste como a plenitude cont í nua dos fen ô me¬
nos” ,
escreve Jellineck em sua Teoria Geral do Estado.
São evidentes as analogias entre o que Jellineck chama de “ tipo
empí rico ” e o que Weber chamaria de “ tipo ideal ” , assim como é
obviamente significativa a mudan ça de terminologia , quando Weber
despreza totalmente aquilo que em Jellineck aparece como “ tipo
ideal ” , visto que em Weber o qualificativo “ ideal ” tem significado
estritamente metodológico e se refere ao car áter construtivo e n ão PARTE II '

objetivo (portanto, não impí rico) do tipo. Não falta , na bibliografia


sobre o tema , quem atribüa a Jellineck a influência mais direta sobre
a concepção do conceito weberiano (por exemplo, Fleischmann ,
Coerência e Compromisso
1964: 199, nota 24) ou quem conteste isso diretamente (Tennbruck ,
1959: 629, nota 24). Para os presentes propósitos as polêmicas desse
tipo são irrelevantes. Afinal , o objetivo deste trabalho não é traçar
um histórico minucioso da génese das idéias de Weber , nem expor o
seu pensamento no conjunto da sua obra, mas sim localizar as pers¬
pectivas intelectuais mais importantes a partir das quais seja possí vel
destacar o que é realmente especí fico e mesmo original no seu pensa ¬
mento. Weber , portanto, não comparece aqui nem como simples sis ¬

tematizador de id éias alheias ou como epígono de tal ou qual corren ¬


te de idéias isoladas, nem como uma espécie de criador de id éias a
partir do nada. Claro que isso envolve uma opção, quanto à organi ¬
zação do trabalho. Entre a posição de um Tennbruck , qué considera
impossível entender Weber sem estudar as idéias do seu tempo (é ver ¬
dade que com exigências que nas minhas condições de trabalho eu
não teria como cumprir , mesmo que tentasse), e a de um Runciman ,
que repudia explicitamente esse ponto de vista e procura concentrar ¬
se na análise interna dos escritos metodológicos de Weber ( Runci ¬
man , 1972: 3), penso que, apesar de tudo, deve-se dar preferência à
primeira (que, evidentemente, não exclui a segunda). Enfim , trata-se

de escolher na medida em que aqui se possa falar de escolha e não

simplesmente de competência profissional entre encarar Weber da
perspectiva do sociólogo interessado em esclarecer quest ões teóricas
relevantes para sua atividade ou daquela do especialista em metodo¬
logia da ciência, disposto a testar instrumentos analí ticos contempo ¬

râ neos na obra de um autor clássico. Tenta-se aqui , portanto, fazer


análise da teoria do ponto de vista do sociólogo, a despeito de todas
as armadilhas e problemas que isso possa envolver .
1
Racionalidade e compreensão

Passemos ent ão ao exame direto das posições assumidas por Weber ,


sobretudo nos seus escritos metodol ógicos, sempre polêmicos, em
face das idéias que demarcaram o seu campo de preocupações. Dos
seus trabalhos na á rea de metodologia , interessam-nos diretamente
aqueles produzidos na fase decisiva do amadurecimento das suas
id éias, entre 1903 e 1906. Seus outros escritos serão utilizados apenas
subsidiariamente, naquilo que for diretamente relevante para chegar
à minha tese central quanto à contribuição de Weber à teoria socio¬
lógica.
Entre 1903 e 1905 , Weber publicou uma série de artigos em que
i)
assumia posição diante dos problemas do historicismo, representado
pela obra de Wilhelm Roscher , e da “ irracionalidade da ação” , exa ¬
minada na obra de Karl Knies. Paralelamente, desenvolvia uma cr í ti ¬
ca às concepções positivistas. No conjunto, esses ensaios represen ¬
tam uma definição de Weber em face da “ controvérsia metodológi ¬
ca ” examinada mais acima. Como ocorre com a maioria dos traba ¬
lhos metodológicos de Weber — sempre escritos a contragosto
trata-se de ensaios ocasionais, em que os mais variados temas e auto¬

res são tratados, praticamente ao correr de uma pena t ão infatigá vel
no autor quanto fatigante para o leitor . A vantagem desse procedi ¬
mento est á em que torna possí vel encontrar alguns dos fios mais im ¬
iI portantes da intrincada teia que o vincula ao pensamento de sua é po¬
ca.
Logo no in ício do seu exame das idéias de Roscher , Weber
» -
dirige lhe uma cr í tica muito reveladora. No contexto de uma consta¬
tação da incapacidade de Roscher para distinguir entre a formação
de conceitos nas ciências naturais e na história , Weber comenta que
esse autor estava empenhado em rejeitar a dialética hegeliana , e que
ele “ jamais se empenhou numa discussão com aquela forma de dia -
78 — Racionalidade e compreensão Racionalidade e compreensão — 79

lética hegeliana representada pelo CapitaI de Karl Marx ” ; além do sua Sociologia da Religi ã o, se sairmos dos limites da sua obra sobre a
que as referências a Marx no seu livro sobre a hist ória da economia ética protestante e o espí rito do capitalismo. Com uma ponta de exa ¬
pol í tica , em uma ú nica página , são de “ alarmante insuficiência ” gero, mas de maneira plausivel no geral , um comentarista contempo ¬

( Weber , 1973: 17). Embora Weber faça referência, mais adiante, ao râneo escreve:
fato de as formulações de Roscher serem vulnerá veis diante da “ nos¬ “ Cumpre parar de ver em Weber um ‘anti - Marx ’ , pois Weber chega , no
sa atual maneira de ver , orientada em relaçã o a Marx ” , o fato a ser conjunto da sua obra e em particular nos seus ensaios sobre Sociologia da
desde logo salientado aqui é que o pr ó prio Weber também jamais se Religião , a uma conclusão exatamente inversa daquela que formula na
dedicou a um confronto explícito com a dialética marxista. É preci¬ Ética protestante . Toda a sua obra está permeada por uma convicção: a
samente por isso que , apesar da ó bvia import ância de Marx
melhor , das concepções do marxismo que circulavam na época de
— ou organização de uma sociedade e as correntes de pensamento qué a ani ¬
mam são , em última análise , o produto da relação de forças entre as cá-
Weber — para as suas pr ó prias idéias, enquanto ponto de refer ência
negativo, não há necessidade , no presente trabalho, de estabelecer
madas que a compõem . Eis o que nos aproxima consideravelmente da
concepção de Marx ! ” ( Stern , 1971 . )
um confronto direto entre ambos esses pensadores. Primeiro , por ¬ Por sua vez, o pr ó prio Weber não regateava elogios à obra de
que isso não é diretamente relevante para uma análise preocupada Marx, que considerava de penetração quase prof ética na realidade
com o universo de idéias que efetivamente, através do estudo e do histórica que se propunha examinar . Já em 1920, numa das suas últi¬
contato direto , contribu íram para formar um esquema teórico origi ¬ mas apresentações em p ú blico , Weber opos-se energicamente às for ¬

nal , além de que tais confrontos já existem na bibliografia (por mulações depreciativas que Oswald Spengler dedicava a Marx, numa
exemplo, Ashcraft , 1964). Depois, porque parece estar suficiente ¬ conferência. “ Se Karl Marx saísse do t ú mulo hoje e olhasse em vol ¬

mente Comprovado que realmente Weber sempre trabalhou à mar ¬ ta, teria razão para dizer , apesar de algumas discrepâncias importan ¬
gem do pensamento de Marx, sem jamais atravessá-lo criticamente. tes: o que vejo é realmente carne da minha carne, sangue do meu

Pelo menos até 1906 ou seja, quando suas concepções metodoló¬
gicas já estavam cristalizadas — tudo indica, conforme estudiosos
sangue” (Baumgarten, 1964: 554).
De qualquer modo, é evidente que há um ponto em comum en ¬
autorizados, que Weber não havia feito uma leitura aprofundada de tre as preocupações de Marx e de Weber , e que não deve ser subesti ¬
Marx (Mommsen , 1974a ; 147 ; Giddens, 1972: 190 e seguintes). mado: a posição central atribuída aos problemas da sociedade capi ¬
Convém, de qualquer modo, advertir desde logo contra a ten ¬ talista na obra de ambos , ainda que com a diferença de que num caso
dência, encontradiça na bibliografia , de apresentar Weber como isso conduz a uma cr ítica revolucionária e no outro a uma crí tica
uma espécie de paladino antimarxista , preocupado basicamente com marcada pela resignação.
a formulação de uma contrapartida idealista ao materialismo hist óri¬ Na sua cr í tica a Roscher e especialmente a Knies, contudo, We-
co. Essa interpretação tem sido sustentada, em grande medida, por , ber est á mais preocupado com as implicações da posição historicista
autores mais interessados em apresentar Weber como um porta-voz i que eles assumem . Mais amplamente, suas objeções dirigem-se tanto
do antimarxismo que eles pró prios sustentam do que em realizar iao “ historicismo ” quanto ao “ psicologismo ” ou ao “ naturalismo”
uma aná lise séria da sua obra. E isso já ocorria durante a vida de ' como fontes supostamente legítimas de “ visões do mundo” (Weber ,
Weber , para seu desgosto. Segundo um ex*discí pulo e amigo seu , 1973: 63). Mas, no caso de Roscher e Knies o alvo principal é o histo¬
Paul Honigsheim , quando o historiador Hans Delbriick tentou di ¬ ricismo, representado por idéias desses autores como a de que os
fundir a id éia de que a tese de Weber sobre a relação entre calvinismo “ povos ” constituem “ unidades orgâ nicas ” impulsionadas por
e capitalismo constitu ía um caso exemplar de idealismo antimarxis¬ “ forças ” internas, e que o complexo orgâ nico mais abrangente é a
ta , este protestou dizendo: “ Não posso aceitar isso; sou muito mais “ humanidade” , ou por noções como a de “ condicionamento recí ¬

materialista do que Delbriick pensa” ( Honigsheim , 1968: 43). Dei ¬ proco” dos fenômenos (Weber, 1973: 142 e seguintes). Ao sustentar
xando de lado as conhecidas afirmações de Weber de que ele estava id éias desse tipo, por sinal, Knies está na mais direta linhagem que
mais preocupado com “ completar ” a obra de Marx do que com tem sua origem em Herder , que é afinal algo assim como o patrono
refutá-la através da inversão da sua perspectiva , e também ignoran ¬ das diversas variantes do pensamento historicista no século XIX, in ¬
do por ora a sua evidente e declarada oposiçã o prá tica ao socialismo, cluindo, em boa medida , Dilthey (Gregory, 1963). Nesse mesmo con ¬
cumpre reconhecer que essa sua observação tem fundamento até na texto est á a importante crítica que Weber dirige mais adiante contra
80 — Racionalidade e compreensão Racionalidade e compreensão — 81

a id éia , que també m jà vimos em Windelband , de que h á um compo¬ ser considerado uma espécie de sistematizaçã o e explicitaçã o progra ¬
nente fundamental de caráter imprevisí vel na ação humana , atribu í ¬ má tica das id éias contidas nos trabalhos sobre Roscher e Knies , em ¬
do à irracionalidade que a caracterizar ía e à qual ele vincula a liberda
¬ bora evidentemente não se reduza a isso.
de da ação. A isso Weber responde com uma formulação que ocuparia Um problema de especial import â ncia que é examinado intensi ¬

posi ção central no seu pensamento. É a de que a associação entre ir ¬ vamente nesse conjunto de ensaios é o da compreensào / interpreta -
racionalidade e imprevisibilidade não pode ser identificada com li ¬ ção da ação ou dos seus resultados como recurso anal í tico nas ci ê n ¬
berdade mas, ao contr ário, que esta só pode encontrar -se nas condi ¬ cias hist órico-sociais. O tratamento que Weber d á ao tema é caracte-
ções exatamente opostas , quando a racionalidade e a previsibilidade risticamente complicado , com in ú meras hesitações, at é terminol ógi ¬
ensejam opções entre linhas de ação alternativas ( Weber , 1973: 66, cas, e infindá veis digressões polêmicas, mas as id éias fundamentais a
69). Em suma , Weber est á enfatizando, neste ponto, que tanto a li ¬ que ele chega podem ser expostas de maneira razoavelmente integra ¬
berdade do sujeito quanto a possibilidade de explicação cientí fica da da , no que diz respeito aos pontos realmente fundamentais. O car á ¬
sua jtçãp n ão podem ficar subordinadas à id éia de acaso , que d á con ¬ ter tortuoso do raciocí nio de Weber não deve ser atribu í do, é claro , a
te ú do à associação entre irracionalidade e imprevisibilidade . limitações de ordem intelectual ou a puros cacoetes de estilo: é que
Do ponto de vista mais amplo, a tese de Weber é a de que a previsi ¬ ele estava lutando com problemas para os quais o repert ório concei ¬
bilidade do conhecimento cient í fico da ação humana é t ão possí vel , tuai dispon í vel não oferecia soluções. E , o que é pior , e normal nes ¬

ou mais, do que no caso dos fenômenos naturais . Enfim , a ação hu ¬ ses casos, o pr ó prio vocabulá rio do qual era obrigado a servir -se difi ¬
mana é explicável , ou seja, pode ser posta em consonâ ncia com nos¬ cultava a formulação n í tida dos problemas que o preocupavam .
so conhecimento “ nomológico” , referente a regularidades observá ¬ A pr ó pria noção de compreensão é um exemplo disso. Na tradi ¬
veis dos' eventos. Mas isso não conduz Weber ao campo de uma con ¬ ção de pensamento em que ela se insere a tendência é no sentido de
cepção positivista, segundo a qual o conhecimento de leis gerais é vincul á -la à id éia de vivência e concebê-la como uma reconstru ção,
possí vel , necessá ria e suficiente também no dom í nio das ciências mais ou menos enfaticamente pensada como ocorrendo pelo exercí ¬
hist órico-sociais. Seu argumento , neste ponto, é também da maior cio de uma “ empatia ” , das condições concretas da ação. Ora , We ¬

import â ncia, porque prefigura as idéias que norteariam todos os seus ber sustenta , contra o positivismo naturalista , que a compreensão é
trabalhos posteriores. Não adianta , sustenta ele, constatar da manei - recurso acess í vel e indispensá vel nas ci ências hist órico-sociais: “ sem
¬

ra mais precisa e rigorosa que, sempre que expostas a determinada si ¬ pre que pudermos , devemos usá-la ” . No entanto , ele dedica enorme
tuação, as pessoas reagirão de maneira indê ntica. Falta “ compreen ¬ esforço para demonstrar que essa compreensão, ou interpretação,
der ” (as aspas são de Weber ) porque sempre se reage assim . Vale di ¬ nada tem a ver com qualquer “ revivência empá tica ” de ações
zer , precisamos ter condições para uma “ reprodução interna ” da alheias, sempre que seu objetivo seja conduzir a um conhecimento
motivação dessas pessoas. cient í fico de fenômenos empí ricos. Nesse particular , sua argumenta ¬
Com isso, apesar das ó bvias hesitações e imprecisões de lingua ¬ ção segue duas linhas principais. Primeiro , toda vivência ( inclusive a
gem , est á dado um passo decisivo. A especificidade das ciências
,
de si pr ó prio) é vaga e confusa , sendo incapaz de ministrar crit érios
hist órico-sociais reside no caráter significativo (o exame desse termo analí ticos seguros para distinguir o significativo do irrelevante nos
não é empreendido por Weber nesse ensaio) dos fenômenos de que fenômenos. Para chegar -se à compreensão é preciso romper os limi ¬
tratam , embora Weber advirta também que a constatação disso não tes opacos da vivê ncia e convert ê-la em objeto da aná lise ( Weber ,
é suficiente para resolver o problema lógico dos procedimentos a se¬ 1973: 104). Segundo, a tentativa de captar o significado de um fenô¬
rem adotados no conhecimento dessa realidade e, sobretudo, não meno através de sua revivência acarreta o risco de confundir a vivê n ¬
responde à questão fundamental de como firmar a validade das con ¬ cia pr ó pria com a do sujeito da ação que se pretende conhecer . En ¬
clusões alcançadas. Com isso, todos os grandes temas est ão lan çados fim , o recurso à compreensão não envolve , de modo algum , qual ¬

e podem ser examinados tal como se desenvolvem nesse conjunto de quer modalidade de intuição e nada deve a qualquer tipo de psicolo-
ensaios, sempre levando-se em conta que na presente análise esses es¬ gismo.
critos, que se estendem de 1903 a 1906, estão sendo tratados como Na realidade, a compreensão envolve , antes de qualquer supos¬
formando uma unidade. Recorde-se que, de permeio, Weber publi ¬ ta “ evid ê ncia imediata ” , dois recursos anal í ticos fundamentais : o
cou seu ensaio sobre a objetividade, que, sob vários aspectos,- pode acesso a um conhecimento “ nomológico ” , referente a regularidades
H 2 — Racionalidade e compreensão Racionalidade e compreensão — 83

observáveis de conduta dos agentes, e a construção de tipos. Ambos idéia de que a causalidade não é a marca da servidão dos agentes às
esses recursos, por sua vez, envolvem a consideração por valores, co¬ exigências “ objetivas” , mas de sua pró pria liberdade.
mo princí pios ú ltimos orientadores da conduta: no primeiro caso , Isso nos remete ao papel que Weber sempre atribuiu , no seu es ¬

porque a observação de regularidades da conduta implica considerar quema anal í tico, à ação racional , que envolve o dom í nio da relação
as linhas alternativas de ação abertas para os sujeitos pelos valores entre meios e fins. Recorde-se que para ele a ação racional com refe¬
vigentes no contexto em que agem ; no segundo, porque é com refe¬ rência a fins é a ação compreensí vel por excelência. Uma das grandes
r ência a valores determinados , vigentes para o pesquisador , que se contribuições dos ensaios que estamos examinando consiste precisa ¬
terão os critérios para os procedimentos seletivos inerentes à constru¬ mente em levar isso at é as suas conclusões ú ltimas e, especialmente,
ção de tipos — e, sobretudo, que se despertar á o interesse pela busca -
em associá las a uma idéia de extrema importância , a saber , que a
de nexos causais entre os fenômenos. Longe de acompanhar a tese compreensão não incide simplesmente sobre a ação, nem muito me¬
intuicionista de que a compreensão permitiria captar uma “ persona ¬ nos sobre o agente, mas sobre a situação em que a ação se dá. No
lidade” ou um “ indiv íduo histórico” na sua integridade, a convic¬ fundo, compreendem-se cohiplexos , ou encadeamentos , de ações do¬
ção de Weber é a de que a unidade de tais entidades só pode ser obti ¬ tadas de sentido, das quais os agentes são portadores , para usar um
da por via construtiva e mediante a seleção de determinados atribu ¬ termo repetida e sugestivamente adotado pelo pró prio Weber. Aqui
tos seus , precisamente os que são significativos para o pesquisador , cabe uma longa citação, que exprime as idéias centrais de Weber com
com referência a determinados valores . relação ao tema. Ela õcorre no contexto da discussão da utilidade do
ínsecos aos fenômenos que permi¬
Assim , não há atributos intr esquema tí pico-ideal da aplicação, pelo agente, da relação adequada
tam o seu conhecimento pleno atrav és das supostas evidências ense¬ e portanto racional , da relação meios/ fins. Vale dizer, est á em jogo a
jadas por alguma forma de captação intuitiva . Definitivamente, e is¬ idéia de que , conhecidas certas regras do decurso dos fenômenos , é
so nunca ser á suficientemente enfatizado, a compreensão não diz possí vel estabelecer , como hipótese dotada de alta probabilidade de
respeito às personalidades dos agentes, muito menos a quaisquer confirmação empírica, qual a linha de ação que oferece uma conexão
“ vivências ” , mas às suas ações. A Weber n ão interessa a vivência
dos sujeitos, mas sua experiência. Vale dizer , também não lhe inte ¬
“ ótima ” — o termo n ão é de Weber —
entre os meios dispon í veis
para o agente e os fins por ele perseguidos. Trata-se, portanto, de
ressam suas ações de per si , mas sim o estabelecimento de nexos cau ¬ avaliar empiricamente a eficácia racional da ação.
sais entre várias ações do mesmo agente (t í pico) ou entre as ações de “ Confrontamos a ação efetiva com aquela que, do ponto de vista ‘teleo-
.
vá rios sujeitos diversos, num mesmo contexto Da í a import ância , lógico’ , é racional consoante regras gerais da experiência causal , seja para
nesse ponto, do conhecimento “ nomológico ” d ò pesquisador , pois o estabelecer um motivo racional que possa ter guiado o agente , e que pre¬
que importa é transcender a ação singular como puro evento. Daí tendemos conhecer , mediante a demonstração de que suas ações efetivas
também a import â ncia dos procedimentos construtivos envolvidos constituem os meios adequados para um fim que ele ‘pudesse’ ter perse¬
no tipo , pois do contr á rio não há como transcender a pura realidade guido , seja para tornar compreensí vel por que um motivo que conhece¬
empí rica vivida , que é um fluxo inesgotável de eventos singulares mos do agente tenha tido outro resultado que o esperado subjetivamente
por ele, devido à escolha dos meios . Em ambos os casos, contudo, não
( um “ cont í nuo heterogéneo” , para usar a linguagem de Rickert , que
empreendemos uma análise ‘psicológica’ da ‘personalidade’ mediante
aqui cabe). Tomado de per si o universo dos eventos singulares é pu ¬
quaisquer recursos peculiares do conhecimento, mas sim analisamos a si ¬
ramente contingente; mas, como os homens criam valores e são ca ¬ tuação ‘objetivamente’ dada com ajuda do nosso conhecimento nomoló¬
pazes , em função desses, de atribuir significado à sua conduta , est á gico . A ‘interpretação’ reduz-se aqui ao conhecimento geral de que pode¬
aberto o caminho não só para a racionalidade da ação como também mos agir ‘eficazmente’ , vale dizer , que podemos agir com base na ponde¬
para seu conhecimento pelas vias racionais pró prias ao m étodo cien ¬ ração das diversas ‘possibilidades’ de um decurso futuro no caso da reali ¬
t í fico. O estabelecimento de relações causais entre cursos de ação es¬ zação de cada uma das ações (ou omissões) pensadas como possí veis. Em
t á , portanto, intimamente ligado à quest ão da (racionalidade da pró¬ conseqiiência da eminente importância fatual da ação ‘consciente dos
pria açã o. Mas , como a circunst â ncia das ações terem causas não de¬ fins’ na realidade empírica, a racionalização ‘ideológica’ presta-se a ser
riva de quaisquer atributos objetivos intr ínsecos ao mundo mas da usada como meio construtivo para a formação de figuras de pensamento
pr ó pria capacidade dos homens de criarem a racionalidade como va ¬ dotadas do mais extraordinário valor heur í stico para a análise causal de
conexões históricas. E essas figuras de pensamento construtivas podem
lor e orientarem suas ações em consonância com isso, fica de pé a
84
— Racionalidade e compreensão Racionalidade e compreensão — 85

ser : ( 1 ) de cará ter puramente individual , como hipó teses interpretativas ção puramente racional de um evento hist ó rico singular , a presen ça do
para conex ões singulares concretas (como na an álise da pol í tica de Frede ¬ ‘livre-arbitrio’ em qualquer sentido possí vel do termo no plano
rico Guilherme IV , condicionada por seus fins e pela constelação de empí rico . ” ( Weber , 1973: 132- 133.)

‘grandes potenciais’ ] ; ( 2 ) ou ent ão
-

e isso nos interessa aqui podem
ser constru ções t í pico ideais de cará ter geral , como as ‘leis’ da economia
De maneira ainda mais incisiva essas ideias aparecem condensadas
quando Weber sustenta que
abstrata , que constroem as conseqiiências de situações econ ó micas deter ¬
minadas sob o pressuposto da ação rigorosamente racional . Em todos os “ as ‘leis’ econ ó micas são esquemas de açã o racional que são deduzidas
casos , contudo, a relação entre essas constru ções ideol ógicas e aquela n ã o da an á lise psicol ógica dos indiv íduos mas mediante a reprodu ção
realidade de que tratam as ciências empí ricas ( . . . ) é apenas a de um con ¬ t í pico-ideal do mecanismo da luta de preços a partir da situação objetiva
ceito t í pico-ideal , que serve para facilitar a interpretação empiricamente assim constru ída na teoria . Esta , quando se exprime de maneira ‘pura ’ ,
v álida na medida em que os fatos dados são comparados com uma possi ¬ somente deixa para o indiv íduo envolvido no mercado a opçã o entre a

bilidade de interpretação um esquema interpretativo ( .. .) També m n ão
ocorre que ‘conheçamos’ através da interpretação racional ( ...) a ‘ação
adaptação ‘teleológica’ ao ‘mercado’ ou ru í na econ ó mica . ” ( Weber ,
1973: 140. )
real’ mas sim conex ões ‘objetivamente possí veis’ . A evidê ncia teleológica Essa passagem final permite , numa observação circunstancial , lem ¬
tampouco significa , nessas constru ções , uma medida especí fica da valida ¬

de empí rica , mas a construção racional ‘evidente’ , quando corretamente


brar a razão pela qual a noção de “ mercado ” aparece com tanta in ¬
executada , pode precisamente tornar cognosciveis os elementos ideologi ¬
sist ência na obra weberiana , inclusive para a construção do conceito
camente não racionais da ação econ ómica efetiva , e por essa via torná- la de classe social . É que o mercado constitui uma área de interação , na
compreensí vel no seu transcurso real ( . .. ) É apenas pela circunst â ncia de qual os agentes se defrontam em termos do sentido das suas ações .
que js categorias ‘fim’ e ‘meios’ condicionam a racionalização da realida ¬ Trata - se de um caso t í pico de situação , em que os sentidos das ações
de empí rica que se torna possí vel construir tais esquemas [de “ formação de vários se entrelaçam ; sobretudo , constitui o caso mais extremo da

de conceitos t í pico -ideais ” ] . ” ( Weber , 1973: 129- 131 grifos meus .) situação marcada pela ação raciona! com referência a fins .
Com base nisso , Weber est á apto a sustentar sua rejeição da Para desenvolver a temática suscitada por esses ensaios , convépi
idéia “ romântico-naturalista ” do cará ter inef á vel e irracional da assinalar desde logo a í ntima relação que há , no pensamento de We¬
“ personalidade ” e da relação disso com a ação livre . Quanto mais a ber , entre as categorias de ação social , compreensão , situação , possi ¬
ação é livre de coerções externas ou internas , bilidade objetiva , conhecimento nomológico e causalidade . Passe ¬

mos ao exame disso , sem esquecer que o recurso metodológico que


“ tanto mais a motivação conforma -se , ceteris paribus, às categorias ‘fim’ informa todo esse entrelaçamento é o da construção dos tipos ideais
e ‘meios’ , tanto mais sua an álise racional e eventualmente sua inserção
num esquema de ação racional se torna possí vel , mas também é igualmen ¬ e que a premissa última , ou idéia diretriz , da reflexão weberiana nes ¬

te grande , em conseqiiência disso , o papel desempenhado pelo conheci ¬ se ní vel é a da racionalidade possí vel da ação .
mento nomológico, tanto para o agente quanto para o pesquisador , e tan ¬ Sabemos que para Weber a ação social é sempre significativa , e
to mais o agente está ‘determinado’ no tocante aos ‘meios’ . H á mais . que a relação social o é de maneira ainda mais profunda , posto que
Pois , quanto mais ‘livre’ , no sentido aqui empregado, é a ação , vale dizer , nela não interessa somente a orientação da conduta do agente con ¬

quanto menos traz em si o caráter do ‘decurso natural ’ , tanto mais se rea ¬ forme a de outro mas , sobretudo , que o sentido da sua ação está con ¬

liza finalmente aquele conceito de ‘personalidade’ que encontra sua ‘es ¬


dicionado pela sua orientação relativamente ao conteúdo significati ¬

sência’ na constância de sua relaçã o interior com determinados ‘valores’ e vo das ações de outro , ou outros . Aqui já desponta a razão metodo ¬

‘significados’ da vida ú ltimos, que se exprimem em suas ações e fins e as ¬


l ógica da distinção entre ação e relação social , que , como vimos ,
sim se convertem em ação teleol ógica - racional . ( .. .) Para o fabricante na aparece em Weber mas não em Simmel . A rigor , a noção de ação so ¬
luta concorrencial ou para o investidor na Bolsa a crença no seu ‘livre-
arbí trio’ é de bem pouca valia. Ele tem a opção entre a aniquilação econ ó¬
cial desempenha um papel diminuto na análise weberiana , se compa ¬

mica ou a obediê ncia a m áximas muito determinadas de conduta econ ó ¬


rada com a de relação social . Mas ela é necessária no seu esquema
mica . Se ele não as segue , para seu preju ízo, seremos levados a considerar porque lhe permite , desde logo , descartar qualquer perspectiva “ na ¬

— entre outras hipóteses possíveis — a explicação de que ele carecia de


‘livre-arbítrio’ . Precisamente as ‘leis’ da economia teó rica pressupõem ,
turalista ” desse esquema . Al ém disso , dá- lhe condições para susten
tar que o ú nico portador real de sentidos é o agente individual , o que
¬

necessariamente, tal como naturalmente ocorre com qualquer interpreta ¬


elimina qualquer “ historicismo” ou “ sociologismo” . Quanto à
86 — Racionalidade e compreensão Racionalidade e compreensão — 87

ameaça de um “ psicologismo ” , fica descartada, entre outros moti ¬ alternativas. Por outro lado, da mesma maneira como a constituição
vos (dos quais o principal é que a entidade compreensí vel é o sentido da situação limita internamente o campo de opções dos agentes, ela
da ação e não o próprio agente), precisamente pela circunst â ncia de limita externamente as possibilidades alternativas. Se associarmos a
que a análise efetiva incide mais sobre a relação social. Weber tinha isso a idéia de Weber , de que é possí vel observar, empiricamente e

n ítida consciência, tal como Simmel , de que as ações sociais mais —
não em princí pio, certas regularidades nas ações de sujeitos o que,

precisamente, os seus sentidos — condicionam-se reciprocamente,
conduzindo a um estreitamento da margem de opções dispon í veis
creio eu , implica tomá-los como já situados então abre-se o cami ¬
nho para trabalhar a idéia da “ possibilidade objetiva” das situações
para os agentes. Simmel derivou dessa idéia o seu conceito de forma, ou linhas de ação alternativas em termos daquela modalidade de
ao passo que em Weber ela se traduz na idéia de situação. A grande “ experiência mental ” à qual Weber atribu ía tanta importâ ncia nos
diferença entre ambos os autores, nesse ponto, é que Weber proble- estudos históricos e também sociológicos, na medida em que se possa
matiza aquilo que para Simmel era pacífico. afirmar que aquilo que para o historiador é um evento é uma situa¬
Essa diferença manifesta-se de duas maneiras fundamentais. A ção para o sociólogo. Tome-se o exemplo utilizado por Weber ao
primeira diz respeito à idéia da necessidade de operar com tipos , pre¬ discutir o caráter significativo e referido a valores da seleção de um
sente em ambos mas com uma distinção da maior importância. É fato histórico e ao elaborar o conceito de “ possibilidade objetiva” : a
que , se em Simmel o tipo é obtido através de um processo de depura¬ batalha de Maratona. Efetivamente, dado que gregos e persas com-
ção dos dados empíricos cuja unidade já est á presente, para Weber provadamente se envolveram nessa batalha , havia objetivamente a
trata-se de construí-los a partir de traços discretos tomados seletiva ¬ possibilidade de qualquer dos lados sair vitorioso, como também
mente de uma realidade que se apresenta como congérie de eventos eram objetivas as consequências prováveis que adviriam disso em ca ¬
singulares. Para Weber seria impossível partir , como Simmel , da da caso , admitindo-se a hipótese da persistência das orientações re¬
perspectiva de forma, pois só é possível imprimir alguma forma a gulares da conduta dos participantes observadas antes do seu con ¬
conjuntos de eventos com base nos seus conteúdos, vale dizer , nos fronto, pelo menos no tocante às relações com povos vencidos. O
sentidos das ações, ou nos seus portadores, vale dizer , nos agentes. A confronto entre o decurso histórico efetivo e o (objetivamente) possí ¬
segunda distinção permite mostrar como noções de fundo metaf ísico vel mas (subjetivamente) construído permite mostrar, ent ão, a im ¬
são sistematicamente transformadas por Weber em quest ões meto¬ portância do evento para quem o examina com a atenção orientada
dológicas. Em Simmel, as formas derivam da vida, como fluxo irra¬ para o confronto entre valores e formas de conduta de vida que os
cional de eventos, e se contrapõem a ela. Deixando de lado que a ex¬ oponentes representavam . Observe-se , no entanto, que, se a batalha
pressão desses eventos, em Simfnel , se dá no plano das vivências e de Maratona é um evento ú nico e irrepetível da perspectiva do histo¬
que Weber se recusa a atribuir a essa noção qualquer utilidade na riador , ela só ganha pleno sentido quando encarada sociológicamen ¬
análise científica, o essencial é que aquilo que em Simmel aparece co¬ te como uma situação, na medida em que envolve a presença de regu ¬
mo “ vida ” converte-se em Weber na noção muito mais específica de laridade de conduta dos participantes , influenciada pela pr ó pria re ¬

história,entendida também como fluxo de eventos, mas não como lação entre eles. Reciprocamente, uma situação especí fica de merca¬
intrinsecamente irracional e sim apenas como empiricamente inesgo¬ do, para ficarmos na área tratada por Weber na citação acima, pode
t ável, e a noção de forma converte-se na de situação. ser encarada como um evento: por exemplo, a promulgação das
A noção de situação envolve a idéia de um complexo de ações “ corn laws” na Inglaterra novecentista. De todo modo, o conceito
reciprocamente referidas (sem que isso implique a presença concreta de “ possibilidade objetiva” incorpora em sua formulação tanto a
dos agentes; basta que as ações sejam orientadas conforme outros perspectiva histórica quanto a sociológica , e permite demonstrar co¬
possíveis) que ganham seu caráter particular de algo assim como mo ambas são inseparáveis no pensamento weberiano.
uma matriz de sentido, presente em todas essas ações. A constituição Essas considerações permitem também pôr no seu devido lugar
e sobretudo a persistência de uma situação são, contudo, problemᬠo papel da compreensão no esquema weberiano. Como tantos ou ¬
ticas, porque ocorrem num contexto em princí pio aberto —
num caso limite, que é precisamente o que mais preocupou Weber ,
salvo tros , esse termo adotado por Weber é infeliz, porque traz consigo a
idéia de que se esteja procurando um recurso que assegure a evidên¬

ou seja, o da vigência plena da racionalidade da ação e são, por ¬
tanto, possíveis mas não determinadas nem necessárias; sempre há
cia dos fenômenos analisados, dispensando quaisquer outros proce¬
dimentos cientí ficos de controle dos seus resultados. Na realidade,
88 — Racionalidade e compreensão

Weber sempre pretendeu , na sua concepção desse recurso metodoló¬


gico, demonstrar precisamente o contrário. Como já demonstrou
Tennbruck , uma das conclusões básicas que se podem tirar dos en ¬
saios sobre Roscher e Knies é a da separação n ítida entre evidência e 2
validade cient í fica. A compreensão de que fala Weber é um instru¬
mento de análise recomend á vel porque o universo histórico-social
lhe é acessí vel dado o caráter significativo da ação social. Sua função
especí fica é a de auxiliar na formulação de hipóteses a serem verifica¬
das empiricamente. Além disso, longe de ser “ intuitiva ” , ela depen ¬
Cultura e sentido
de, para ser utilizada com alguma eficácia, de um certo grau prévio
de conhecimento de regularidades empí ricas ( “ nomol ógico ” ) e da si ¬
tuação em que ocorre. Do contrá rio, cai-se no vazio, porque em
princí pio qualquer sentido pode ser atribu ído a uma ação singular
observada; o que equivale, nesses termos, a ' neutralizar a pró pria Tudo isso relaciona-se com um problema particularmente espinhoso
idéia de compreensão, porque se uma ação tiver qualquer sentido para Weber , que é o da causalidade. Sua idéia é a de que podemos es¬
não ter á nenhum em particular . tabelecer relações causais nas ciê ncias hist órico-sociais. Mas, como
Em suma, também na análise o sentido da ação não pode ser fazê-lo, se os fenômenos a serem relacionados causalmente ocorrem
— —
concebido e compreendido independentemente da situação em
que ocorre. Essa situação, diga-se de passagem , presta -se mesmo a
num universo mais ou menos marcado pela contingência? A solução
imediata de Weber consiste em não falar diretamente de causalidade
ser entendida em termos de uma “ lógica das interações” que ocor ¬ mas de atribuição causal a nexos particulares entre fenômenos. Por¬
rem no interior de determinados “ campos” de representações, tal tanto, também a análise, embora causal, move-se no campo do pos¬
como o faz Pierre Bourdieu na sua tradução do esquema weberiano sível ou , para usar terminologia também adotada por Weber , do
para uma versão bastante sofisticada do chamado “ interacionismo prová vel . Conhecemos o peso que as noções de “ chance” e “ proba ¬

simbólico” e sua aplicação à Sociologia da Religi ão ( Bourdieu , 1974: bilidade” têm no pensamento weberiano. Elas referem -se à ocorrên ¬
-
79-98, esp. 81 82). Weber sempre desconfiou das “ evid ências” já da¬
das sem mais (embora elas constituam meta do conhecimento), assim
cia de certos nexos entre fenômenos sociais e, sobretudo, à sua per ¬
sist ê ncia. E isso nos conduz a alguns aspectos centrais do seu pensa¬
como rejeitava qualquer busca de uma “ visão de essências ” de raiz mento. Dadas as premissas da análise weberiana, seu problema bási ¬
fenomenológica (com a explícita restrição a Karl Jaspers, cujas ten ¬ co nunca poderia ser posto em termos da questão da mudança de
tativas apoiava). É contra isso que se dirige sua observação, na intro¬ condições est áveis e estruturadas da existência social (salvo no caso,
du çã o à Ética protestante e o espírito do capitalismo , de que “ quem muito mais radical , da criação de condições totalmente novas , atra¬
quer ‘visões’ que vá ao cinema ” . Da mesma forma , nada queria ter a vés da formulação de novos valores, que se vincula sobretudo à sua
ver com qualquer forma de “ empatia ” , pelo contrá rio: sempre pre¬ análise da ação carismática, e que não ser á examinado mais detida-
conizou ú m certo distanciamento entre o cientista e os fenômenos mente aqui ). Seu problema mais amplo é precisamente o oposto, re¬
observados, que ele afinal converte em objetos de análise. Na mesma lativo às condições de persist ência de formas de ordenação social.
passagem da Ética encontra-se também uma clara referência cr í tica à
“ falta de distanciamento ” (ou de “ perspectiva ” , na tradu çã o brasi¬ A que se deve essa persist ência , que afinal se traduz na continui¬
leira ) em relação àquilo que se estuda. dade cotidiana de certas linhas de ação por uma pluralidade de agen ¬
tes individuais? Como já foi apontado da maneira mais explícita por
Guenther Roth , essa persist ência deve-se ao fenômeno da dominação ,
ou , mais amplamente , à conexão dominação / legitimação ( Roth ,
1968: 82 e seguintes). Isso significa que não é casual a grande aten ção
dispensada por Weber a esse fenômeno, nem a posição nuclear ocu ¬
pada pelos conceitos correspondentes, em sua análise. Pelas suas
90 — Cultura e sentido Cultura e sentido — 91

pró prias premissas , a sociologia weberiana é necessariamente centra ¬ pria para compreender a ação , sem precisar preocupar -se com a
da no estudo da dominação e na construção dos seus tipos. Mas o “ personalidade” singular do agente , nem com quaisquer processos
mesmo Roth também assinala que o conceito de dominação em We¬ psíquicos internos a ele, salvo como fontes de desvio do tipo , o que
ber é precedido por um outro, que julgo poder ser considerado seu os converteria em novos objetos para a formula ção de hipóteses e
fundamento ú ltimo. Trata-se do conceito de apropriação ( Roth , aná lise.
1968: 44). Esse conceito faz sentido no seu esquema porque ele opera Nesse sentido , é interessante a observaçã o de Talcott Parsons,
com a premissa de que, na sua exist ê ncia concreta , os homens sem ¬ em seu livro sobre o sistema social , quando afirma que a racionaliza ¬

pre agem num contexto de carência , de escassez . A dominação deri ¬ ção “ é uma ‘direcionalidade’ inerente ao processo de ação, como â
va da apropriação diferenciada, e tornada legí tima em determinadas entropía na mecâ nica clássica ” , e que isso diz respeito ao pr ó prio es ¬
condições sociais , de bens materiais e /ou simbólicos escassos. É por quema conceituai adotado e n ão a uma generalização empírica ( Par ¬
isso que me parece de tanta import â ncia a formulação de Cari Men - sons , 1964: 352). O esquema conceituai em questão é o do próprio
ger , citada mais acima , acerca do tema. Relida à luz das presentes Parsons, que nesse ponto se apoia em Weber , e a referê ncia cabe
considerações, ela se revela plenamente como uma reflexão apenas também para o que estou argumentando a respeito do pró prio We ¬

aparentemente económica mas na realidade com implicações para ber . Tenho plena consciência de que esse uso por Parsons de um con ¬

uma teoria sociológica e polí tica perfeitamente congruente com ceito muito complexo, desenvolvido no século passado nos estudos
aquela desenvolvida por Weber . da Mecâ nica estat ística e sobretudo da Termodin â mica , é obscuro e
É nesse contexto que me parece fundamental destacar que a só nos pode servir como elemento sugestivo no exame de certos pro¬
idéia de probabilidade (ou de “ chance” ) de ocorr ê ncia efetiva de de ¬ blemas centrais do tratamento do processo de racionalização no es¬
terminada ação com sentido desempenha em Weber , ainda que de quema weberiano, a serem tratados mais adiante .
modo jamais explicitado por ele, um papel de instrumento de medida Cabe apenas lembrar , no plano puramente intuitivo que me é
informal (portanto não “ estat ístico ” , apesar de Weber ter contem ¬ acessí vel , que a “ entropí a ” , na sua acepção original , pode ser enten ¬
plado explícitamente a possibilidade de, nos casos-limites, torná-la dida como uma medida da homogeneidade da distribuição de ener ¬
quantitativamente mensurá vel ) das condições de persist ência de rela ¬ gia em sistemas fechados. Referida à dinâmica dos processos t érmi ¬
ções sociais. Vale dizer , opera como um índice da presença e da efi¬ cos , ela se aplica a um processo, ou tendência, que pode ser expresso
cácia do processo de dominação / legitimação , na medida em que é em termos da passagem de estados “ menos prováveis” para “ mais
nesse processo que encontramos a forte conversão de linhas de ação prová veis ” do sistema. Isso porque, encarados de uma perspectiva
em condutas cotidianas (embora o próprio Weber também aponte a dinâmica , os elementos de um sistema definem-se como variáveis (is¬
pura inércia dos hábitos como contribuindo para isso). to é, podem assumir diferentes valores quantitativos), e o conjunto
Pode-se avançar mais um passo e sugerir que ela também permi ¬ de valores assumidos por essas variá veis num momento dado define
te “ medir ” o grau de racionalização das ações. A ação perfeitamente o seu estado. A id éia básica, aqui , é a de que, num sistema fechado,
racional é plenamente previsí vel (e “ desencantada” , diria Weber ). -
esses valores vão se equalizando, at é que, no ponto de entropía má ¬
Ela oferece probabilidade máxima de previsão correta de sua ocor¬ -
xima , tenha se um sistema no interior do qual não há mais variedade
rência. Quanto aos outros tipos de ação social constru ídos por We¬ nem mudança; um estado estacioná rio , em que a probabilidade de
ber , eles t êm , conforme esse raciocínio, probabilidades decrescentes ocorrência de Um “ fato novo ” é m í nima e, no limite, nula. Isso sig¬
de previsão correta de sua ocorrência , at é chegar no caso limite da nifica que o grau de previsibilidade dos eventos no interior do siste¬
ação de tipo “ afetivo” , que quase já não é social. Observe-se a rela ¬ ma é máximo, ou , em termos do processo, que ela aumenta na mes¬
ção que há entre o grau de probabilidade de acerto na previsão da ma proporção que a entropía. Devido a essas características, o con ¬
ação afetivamente realizada pelo agente e o seu grau de compreen¬ ceito de entropía tem sido interpretado mais genericamente, fora do
.
são A ação racional, a mais previsí vel , é também o caso privilegiado seu dom í nio de origem , como uma medida de ordem ou de organiza¬
da ação compreensí vel: basta que o observador conheça o fim visa¬ ção , ou de informação (nesses casos em termos negativos, visto que
do, os meios dispon íveis e que leve em consideração que existe uma e todas essas noções t êm em comum a idéia da variedade de eventos).
apenas uma forma de maximização dos resultados, nas condições Parece que, ao fazer essa analogia , Parsons pretendia simplesmente
dadas. Vale dizer , basta que ele conheça a situação e sua lógica pró- dizer que, num sistema (social) dado, a racionalidade da ação tende
92 — Cultura e sentido Cultura e sentido — 93

necessariamente a crescer do mesmo modo como a entropía tende a mente em Wittgenstein e nos seus desdobramentos ( Runciman , 1972;
aumentar em sistemas í f sicos; daí a referência à “ direcionalidade” Winch , 1967). Weber exprime id éias que vão nessa mesma orientação
da racionalização. Convém lembrar que isso tudo só faz sentido para ao definir o que entende por gest ão económica, no segundo capí tulo
sistemas fechados , sem interação com o ambiente, o que n ão se apli ¬ dos fundamentos metodol ógicos de Economia e Sociedade.
-
ca a sistemas sociais. ( Recordem se, de passagem , as idéias de Luh - “ A definição de gest ão econ ómica deve ser a mais geral possí vel e expres¬
man examinadas em outra passagem deste trabalho, segundo as sar claramente que todos os processos e objetos econ ó micos adquirem es¬
quais o sentido é um processo redutor da variedade e complexidade
do ambiente no qual operam sistemas de ação. Segundo a analogia
se caráter enquanto tais pelo sentido que nele põe a ação humana — co¬
mo fim , meio, obst áculo, resultado , acessó rio. Só que isso n ão se pode
de Parsons, o processo de sentido seria , ent ão, gerador da “ entro¬ expressar, como ocorre com freqiiê ncia , dizendo que a Economia é um
pía” .) De qualquer forma , a idéia básica de Parsons é importante, e fenômeno ‘psíquico’ . De modo algum se pode dizer que são ‘psíquicos’ a
envolve uma advertência que é diretamente relevante para o entendi ¬ produção de bens, o preço ou mesmo a ‘avaliação subjetiva’ dos bens ,
mento do problema com que Weber se defronta no seu esquema. É embora eles sejam , por sua vez , processos reais. No entanto, nessa expres¬
que não se pode introduzir impunemente a idéia de um processo de são aponta-se algo justo: que eles possuem um sentido subjetivo peculiar
racionalização num esquema anal ítico: uma vez instalado, ele se ex¬ e que só esse constitui a unidade dos processos em questão e os torna
compreensíveis.” ( Weber, 1975: 31, final grifado por mim ).
pande inexoravelmente, e leva de roldão todos os obst áculos empíri ¬
cos e teóricos , e pode comprometer também as próprias premissas A unidade compreensível da ação é , ent ão, dada pelo seu senti ¬
metateóricas. do. Resta saber onde se localiza esse sentido, posto que Weber não
Aqui, no entanto, interessam as idéias de Weber , e não seus des¬ opera com a idéia de sistemas significativos objetivos já dados. Só há
dobramentos em Parsons, por sugestivas que sejam . Cumpre ent ão uma resposta possí vel , no esquema de Weber. A ú nica sede efetiva ,
prosseguir no exame das suas noções centrais. Se o que é próprio da empirica , possivel do sentido é o agente, o sujeito, que comparece as¬
ação social é ser dotada de sentido para o agente, ou seja, ter um sen ¬ sim , para usar o sugestivo termo do próprio Weber , como seu porta¬
tido subjetivo , temos que nos deter um pouco mais nos problemas
que isso envolve. Uma ação não é uma entidade simples , embora a
análise de Weber encontre nele o seu elemento mí nimo. Realizar uma
dor. É por isso, e apenas por isso
“ psicologismo ” — —longe, portanto, de qualquer
que Weber insiste no caráter subjetivo do sentido
da ação. O sujeito individual constitui , para ele, o limite “ para cima
ação envolve o encadeamento de um conjunto de atos de tal modo e para baixo” da realização do sentido. A noção de sujeito desempe¬
que formem uma unidade , que , pelo menos no universo social, é nha um papel absolutamente fundamental no esquema weberiano
sempre teleológica: busca um fim , aponta para algo, enfim tem um por mais uma razão, ligada à anterior. É que ele é portador simult â ¬
sentido. E é precisamente o sentido detectável na ação que funda a neo de múltiplos sentidos e, o que é decisivo , forma uma unidade , é
sua unidade. Por isso mesmo podemos dizer que a compreendemos, verdade que n ão necessariamente homogénea e at é contraditória, cu ¬
e a reconstruí mos como unidade de atos singulares; unidade apenas jos elementos componentes são precisamente os diversos sentidos
possível entre outras , e portanto a compreensão não nos fornece evi ¬ possí veis de suas ações. Não que o sujeito, enquanto agente social ,
dências mas somente material para hipóteses. Não há condições, preexista como unidade já constitu ída aos sentidos das suas ações.
aqui, para desenvolver mais a fundo essas considerações muito su ¬ Pôr a quest ão nesses termos equivaleria a perguntar pela génese indi ¬
márias. Isso demandaria não só maior estudo dos textos relevantes vidual dos sentidos, quando o problema é o de sua orientação. O
em Weber como o exame crítico de ampla bibliografia secundá ria, sujeito/agente constitui-se no próprio exercício da ação com sentido.
da qual não se poderia excluir a análise desses tó picos feita por Al ¬
fred Sch ü tz com uma perspectiva “ fenomenológica ” . Em Sch ü tz, de Importa enfatizar desde logo algo que me parece decisivo para
resto, os termos “ ato” e “ ação ” aparecem com sentido bem diferen ¬ entender o esquema de Weber: o sujeito / agente é a única entidade na
te e at é oposto do adotado por mim (Sch ü tz , 1972: esp. p. 61). Seria qual se podem efetivar relações entre sentidos diferentes de ações,
necessá rio, também , examinar comparativa e criticamente as contri ¬ nas suas múltiplas esferas de existência. No sujeito cruzam-se e inter ¬
buições nessa á rea apresentadas por W .G . Runciman , que adota agem (causalmente ou não) sentidos particulares e diferentes. Ele
uma linha inspirada na filosofia analí tica inglesa e nos desenvolvi ¬ não é apenas o ú nico portador efetivo de sentidos mas també m é a
mentos recentes da Lógica , e por Peter Winch , que se apóia direta- única sede possível do estabelecimento de relações entre eles, pois é
94 — Cultura e sentido Cultura e sentido — 95

nele que eles se encontram . Claro que, na análise de temas especí fi ¬


zaçâo dos resultados da pesquisa mas também , e sobretudo , com os
-
cos, o sujeito é sempre construído em termos t ípico ideais, mas o im ¬
limites da validade dos próprios conceitos que a informam e, mais
portante é que m ú ltiplas constru ções podem ser feitas com base nele. profundamente , dos pró prios problemas que lhe d ã o sentido. Uma
Por outro lado , o sujeito não é simultaneamente portador . Essa si ¬ formulação no seu ensaio sobre a objetividade pode dar -nos o ponto
-
tuação define se como um complexo de relações , e isso també m é im ¬ de partida para esse exame:
portante. Cada açã o individual orientada pelo sentido esperado da “ O amadurecimento da ci ência sempre significa , como efeito , a supera¬
ação de outro compromete de alguma forma os agentes em presença; ção do tipo ideal , na medida em que seja concebido como empiricamente
e esse compromisso é tanto mais forte quanto mais intensa for a pre¬ válido ou como conceito gené rico [ou seja , como conceito que enfeixa
sença da racionalidade. num todo coerente determinados traços retirados da realidade empí rica]
( . .. ) Há ci ências destinadas à eterna juventude , e isso vale para todas as
Examinemos isso sob um prisma mais amplo. Nas suas an á lises , disciplinas hist óricas , às quais a corrente eternamente em fluxo da cultura
Weber n ão opera apenas com individuos no sentido estrito do termo , constantemente apresenta novos problemas . Nelas , o caráter transitório
mas também se ocupa de “ individualidades hist óricas ” ; vale dizer , de todas as construções t í pico- ideais mas também a inevitabilidade de
da construção de um todo unitário a partir de traços selecionados do construções sempre novas est á na essência da sua tarefa . ” ( Weber , 1973:
próprio decurso histórico. O exemplo mais acabado disso é o da “ ci ¬ 206.)
vilização ocidental ” ou , mais particularmente, do capitalismo . Sabe¬
O tipo ideal é instrumento indispensá vel mas intrinsecamente
mos que, na realidade, é a busca e a an álise da especificidade dessa provisório e de vigência limitada na trajet ória do empreendimento
configuração hist órica individual que est á no centro de toda a refle¬
cient í fico. Indispensá vel na medida em que, tomado na sua acepção
xão weberiana. E o n ú cleo de sentido que permite articular essa indi¬ mais pobre a que Weber alude acima, de “ conceito gené rico ” com
vidualidade é o processo de racionalização . E , nesse ponto, torna-se
poss í vel estabelecer uma aproximação importante entre Weber e o
forte referê ncia empí rica , ele opera como “ porto de emergência , at é
que tenhamos aprendido a nos orientar no formidá vel oceano dos fa ¬
historicismo, apesar da sua firme e consistente recusa dessa postura. tos empí ricos ” . Nesse particular ele opera como referência precisa
É inegá vel que Weber repudiou a posi ção antiteórica do historicis¬ para a localização dos fen ômenos reputados significativos, permitin ¬
mo clássico , e que sempre enfatizou a necessidade de um esquema do a identificação da sua presença ou ausência mediante o confronto
analí tico capaz de ministrar a explicação causal dos fenômenos, at é
entre as características do tipo constru ído e os dados observá veis.
em termos de uma recusa da distinção entre “ ciência natural ” e Mas, por mais importante que seja essa sua fun ção preliminar , ela
“ ciência cultural ” , que substituiria pela distinção mais radical entre não esgota a natureza do tipo como conceito-chave na metodologia
“ ciência e não-ciência” (Parsons, 1971: 35). É também da maior im¬ das ciê ncias histórico-sociais, e na realidade apenas nos conduz ao
port â ncia apontar que, se há uma absorção de um componente histo-
umbral da sua tarefa básica. É que, antes de ser um instrumento na
ricista por Weber , esta se d á , como de costume nele, principalmente pesquisa empí rica , ele é indispensável para a formulação rigorosa
no plano metodológico. A expressão disso, que Florestan Fernandes dos problemas de que ela pr ó pria tratará. E é o cará ter intrinseca ¬
considera “ porventura a mais importante contribuição de Max We¬
mente hist órico desses problemas que define mais profundamente os
ber à lógica indutiva da Sociologia moderna ” , encontra-se, nas pala¬
limites da validade dos tipos , tomados já agora na sua acepção mais
vras do mesmo autor, em que plena , em que eles não aparecem simplesmente como “ conceitos ge¬
“ embora os conceitos possam ser aplicados universalmente , por seu cará ¬ néricos ” mas como conceitos genéticos.
ter geral e uní voco , e apesar da Sociologia ser uma ci ência generalizadora Aqui atingimos o ponto fundamental , que permite dar a real di ¬
( . . . ) , na explicação de situações concretas o sociólogo precisa respeitar os
limites da abstração impostos pelo universo empírico considerado” . ( Fer¬
mensão do modo pelo qual Weber incorpora a problemá tica histori
cista. É que nele encontramos uma í ntima relação entre os limites
-
nandes , 1959: 100 . ) empiricamente dados para a generalização dos resultados da pesqui¬
Isso remete a um ponto fundamental da contribuição de Weber , sa e os limites da validade dos próprios conceitos e, sobretudo, os li¬
que merece ser melhor examinado. Nesse exame as considerações fei ¬ mites da vigência dos problemas que exprimem os interesses dos pes¬
tas acima deverão ser matizadas. Desde logo é preciso assinalar que quisadores. A sí ntese disso est á dada precisamente pelo cará ter gené¬
Weber não est á preocupado somente com os limites para a generali - tico do tipo, que remete aos pressupostos valorativos da atribuição
% — Cultura e sentido Cultura e sentido — 97

de um caráter significativo ao campo do real selecionado para exa¬ ticas que permite formular . Isso possibilita introduzir uma ressalva
me . O car á ter gen ético do tipo deriva da circunst â ncia de que sua importante em qualquer aproximação que se faça entre a postura we-
construção est á subordinada à import â ncia significativa que os tra¬ J beriana e o historicismo. E que Weber repudia da maneira mais ené r ¬

ços dos eventos ou dos processos empí ricos selecionados para gica um componente básico das correntes historicistas com que se de¬
compô-lo assumem para o pesquisador em termos das suas conse¬ frontou , que é o seu empirismo radical (que, para ele, é també m um
quências aqui e agora (não importa, aqui, se se trata de eventos ocor ¬ traço do “ naturalismo ” positivista , igualmente repudiado). Impor ¬

.
ridos no passado ou de processos que ocorrem no presente) Tomado ta , reitera ele seguidamente, n ão confundir conceito e história. Recu ¬
na sua acepção plena o tipo é, portanto, a expressão metodológica sa, portanto, a simples subordinação dos conceitos à experiência em ¬
da orientação do interesse dos cientistas que o constroem e aplicam . pírica, assim como a idéia de que se possa construir um sistema con ¬
( Isso no caso “ ideal ” : não estou considerando os casos, efetivamen¬ ceituai abrangente, de natureza dedutiva. Portanto, nem imersão
te freq ü entes , em que a tentativa de aplicação não leva em conta o dos conceitos nos fatos, nem absolutizaçâo dos pró prios conceitos.
caráter genético do tipo e o toma meramente como conceito genéri¬ Estes retiram sua autonomia metodológica em face da história do
co .) Assim , os limites da sua aplicação são dados sobretudo pela vi ¬ seu vínculo com os problemas que constituem a ciência, mas essa au ¬
gência dos problemas que o informam e, por conseguinte , do interes¬ tonomia é limitada pela natureza histórica desses mesmos proble¬
se de conhecimento especí fico que presidiu à formulação dos pró¬ mas.
prios problemas. É por isso que é totalmente equivocado conceber o “ Precisamente porque o conteúdo dos conceitos históricos é variável é
tipo como um “ esquema ” ou “ modelo ” aplicável a qualquer análi ¬ preciso formulários cada vez com maior precisão . [É necessário] apenas
se, independenteménte dos seus pressupostos ou , pior ainda, como que ao utilizar tais conceitos , se mantenha cuidadosamente o seu caráter
livre de pressupostos, visto que estes são inerentes ao pró prio concei¬ de tipo ideal , e que não se confunda tipo ideal e história. Dado que, devi¬
to. São os problemas e seus pressupostos, e não um dom í nio empíri ¬ do à inevitável variação das ideias de valor básicas , não há conceitos his¬
co de fatos, que primordialmente definem o campo histórico e social t óricos verdadeiramente definitivos suscet í veis de serem considerados co¬

da validade dos próprios conceitos e, pòr extensão, dos resultados da mo fim último geral , [segue-se] que , precisamente por se formarem con ¬

pesquisa. Enfim , não se trata somente de uma questão relativa à cor¬ ceitos rigorosos e un í vocos para o ponto de vista singular que orienta o
reta aplicação do m étodo indutivo, embora esse aspecto seguramente trabalho , será possí vel dar-se conta claramente dos limites da sua valida¬
não seja negligenciá vel , mas de um problema mais amplo , visto que de . ” ( Weber , 1973 : 209 . )
em Weber a questão universal de método relativa à generalização dos Importa , portanto, manter -se nos limites do objeto tratado e da vali ¬

resultados da pesquisa portanto, da sua validade empírica est á —
inextricavelmente ligada à quest ão particular da validade significati¬
dade dos conceitos pertinentes. Ora, definir o objeto primordial da
análise em termos de uma “ individualidade histórica” cujo sentido
va dos pressupostos da própria pesquisa. nuclear e específico é o da racionalização, tem conseqiiências que,
associadas à ênfase posta na ação racional com referência a fins co¬
Nesse ponto, convé m tomar essa mesma quest ão por um outro mo a ação social por excelência (vale dizer, compreensível pelo seu
â ngulo, que concerne à relação entre conceito e realidade no pensa¬ sentido uní voco), comprometem as pr ó prias premissas teóricas e
mento de Weber . Para ele, a ciência não se constitui em termos da também metateóricas de Weber .
articulação objetiva entre “ coisas” , mas da articulação conceituai Para que isso possa ser demonstrado em suas implicações fun ¬
entre “ problemas” ; e já vimos como o tipo ideal desempenha um pa ¬ damentais, no entanto, é ainda necessá rio delinear melhor aqueles
pel fundamental nisso, ao permitir uma formulação rigorosa dos outros aspectos do pensamento weberiano que são relevantes para a
problemas para a pesquisa , ao mesmo tempo que enseja a identifica ¬ presente an álise. É impossí vel , desde logo, passar por alto os proble ¬
ção das suas referências empí ricas quando da sua aplicação a casos mas suscitados pela concepção de Weber acerca da relação entre
particulares. O importante é que, uma vez constru í do , o tipo passa a ciência e valores e os temas correlatos, como os das suas noções de
operar como conceito a ser relacionado com outros conceitos. Não cultura e de sociedade.
lhe cabe “ retratar ” o real e , por isso mesmo, ele n ão tem valor se to¬
mado isoladamente na pesquisa: um tipo só tem utilidade cientifica “ O pressuposto transcendental de toda ciência da cultura não consiste em
no confronto com outros tipos e através das relações causais hipot é- que consideremos valiosa uma cultura , determinada ou qualquer , mas em
98 — Cultura e sentido Cultura e sentido — 99

que somos homens de cultura , dotados de capacidade e de vontade de as¬ pensar . Torna plausível a hipótese de que o débito das suas idéias em
sumir conscientemente uma posição perante o mundo e conferir-lhe um relação a esses “ lógicos modernos” não vá mais longe do que isso.
sentido” , Mas a coisa ainda é pior . Weber não respeita rigorosamente essa ter ¬
minologia, pois, enquanto Rickert fala de “ valores ” ou “ valores
escreve Weber numa das passagens mais célebres sobre a “ objetivi ¬
culturais ” , Weber fala de “ idéias de valores ” ou “ idéias de valores
dade” (as aspas são dele, convém lembrar) do conhecimento na ciên ¬

culturais” . Só isso é suficiente para romper qualquer adesão à con ¬


cia social . D seu exame permite distinguir , já nesse ponto, a posi ção cepção da vigência de valores absolutos, e converter essa vigência em
de Weber daquelas de Dilthey e de Rickert , que sustentam , cada qual matéria de idéias , ou representações acerca da validade de uma linha
à sua maneira , posições formalmente semelhantes. da conduta sustentadas concretamente e em confronto entre si por
Para Dilthey, o conhecimento hist órico nos é acessível porque homens historicamente situados. Sublinho a expressão “ homens ”
participamos da história , estamos entre os seus autores. Por isso porque Weber também o faz na sua formulação do pressuposto das
mesmo, a questão da objetividade do conhecimento histórico não o ciências culturais. (Pouco importa, aqui, se no título do seu ensaio
perturba. Afinal , para ele, estamos à vontade no universo das “ obje- apareça a expressão “ ciências sociais” , completada , de resto , pela de
tivações da vida” , e “ a história não é algo separado da vida , algo “ polí tica social ” ; afinal, trata-se da apresentação programática de
isolado do presente pela dist â ncia temporal: ela permeia a nossa coe¬ uma revista cujo título, já existente, demandava isso.) O que me inte¬
xistência; até mesmo no modo pelo qual os objetos se dispõem e se ressa salientar é que, ao sublinhar o primeiro termo quando diz que
apresentam para os nossos sentidos ” ( Dilthey , 1968: 147- 148). En ¬ somos homens de cultura (nas traduções, ambos os termos costu ¬
fim , o mundo hist órico é um dado , e estamos em casa nele. A id éia mam aparecer grifados, o que é um erro) ele não só está evitando
de tomãr posição diante do mundo é totalmente estranha a Dilthey. uma recaída em Dilthey através da reintrodução do tema da partici¬
À primeira vista , é essa mesma idéia que permitiria aproximar Weber pação como fundamental no conhecimento hist órico-cultural, como
de Rickert . Afinal , não é ele quem afirma que nossa relação com os está descaracterizando qualquer caráter substantivo que se pudesse
objetos do mundo hist órico-social passa necessariamente por valores atribuir à cultura. Nesse contexto, a passagem citada pode ser lida
e, mais amplamente, por “ valores culturais” ? Sabemos, no entanto, - como se fora uma resposta direta, até na escolha dos termos, à se¬
que Rickert e Weber falam de coisas diversas quando se referem a guinte formulação de Rickert .
valores: no primeiro, um sistema atemporal de valores dos quais só “ Toda história trata no essencial não somente dos homens de cultura co¬
interessa a vigência e a partir do qual o mundo empírico ganha senti ¬

mo também é escrita exclusivamente por homens de cultura. Os valores


do; o segundo, de valores historicamente concretos e particulares. que o homem de cultura reconhece em geral devem ser , segundo parece ,
Mas , isso não é tudo, nem talvez o mais importante. Na passagem de ao mesmo tempo os princí pios de uma história universal da humanidade
Weber que estamos examinando , a expressão “ transcendental” , que cultural . Assim , seria possível pensar em uma psicologia social que inves ¬

pode causar alguns embaraços para uma interpretação não “ neo- tigue a totalidade dos valores culturais gerais e os apresente sistematica¬
kantiana ” , é, segundo Weber , a expressão “ puramente lógico- mente , oferecendo assim simultaneamente um sistema dos princí pios do
formal” correspondente à idéia de que “ a ‘cultura’ é um segmento decurso histórico , sistema no qual caibam e encontrem seu lugar todos os
finito da infinidade carente de sentido dos eventos no mundo, conce¬ sistemas de valores obtidos através da análise das obras históricas e
bido do ponto de vista do homem como tendo sentido e histórico-filosóficas , e com respeito ao qual devam ser avaliadas. ” ( Ric¬
significado” . Interessam as “ idéias de valor ” com que encaramos a kert , 1961: 121. )
“ cultura” (as aspas são de Weber) em cada caso singular. Enfim , “ o O ponto fundamental em tudo isso é que, enquanto Rickert con ¬
conceito de cultura é um conceito de valor” (Weber , 1913: 175 e cebe os valores como constituindo o mundo cultural pela sua vigên ¬
180). cia incondicional , Weber vê nos pró prios homens historicamente
Além disso, Weber adverte, de passagem , que quando fala do concretos a entidade que confere valores a segmentos da realidade e
condicionamento do conhecimento da cultura por idéias de valor ele a constitui como “ cultura” . Isso coloca-o praticamente nos antípo¬
está-se valendo da “ terminologia dos lógicos modernos” . Sabemos das de Rickert e sugere que devem ser levadas a sério as reservas con ¬
que entre os “ lógicos modernos” a que ele est á aludindo inclui-se o tidas nas suas formulações acerca do simples uso da terminologia ou
nome de Rickert . Essa referência ao uso da terminologia já dá o que ent ão de que os seus ensaios sobre Roscher e Knies deveriam servir ,
100 — Cultura e sentido

entre outros fins, para “ testar a utilidade ” das idéias de Rickert


( Weber , 1973: 7, nota 1 ). A tese que sustenta ser diminuta a impor ¬
t â ncia substantiva das concepções de Rickert para Weber já est á, de
resto, amplamente documentada , e os testemunhos nesse sentido 3
encontram -se em comentaristas contemporá neos como Friedrich
Tennbruck e, sobretudo, Eugène Fleischmann , que os cita abundan ¬
temente em seu ensaio sobre Weber e Nietzsche ( Fleischmann , 1964).
É verdade que a tese oposta , de que Weber é basicamente um conti ¬
nuador de Rickert no plano metodológico, tem pelo menos um vigo¬
Weber, Nietzsche e a crí tica
roso defensor sistemático na bibliografia recente, Thomas Burger
( Burger , 1976.)
dos valores
O artigo de Fleischmann teve o mérito de chamar a atenção de
maneira especialmente enf ática para uma circunst â ncia curiosamen ¬
te negligenciada na maior parte da bibliografia sobre Weber . Trata ¬ Um exame mais completo e aprofundado do tema ainda est á por ser
se da n í tida afinidade entre seu pensamento e certos temas centrais feito, no tocante às relações entre Weber e Nietzsche. É possível de¬
em Nietzsche. Devo corrigir me, aliás: a negligência em relação a es¬
- monstrar , em numerosas passagens, sobretudo da sua obra de matu ¬
se fato não é simplesmente curiosa nem casual, mas é congruente ridade, como Weber praticamente copia o estilo de Nietzsche. Claro
com a tendência , dominante durante longo tempo, de tentar firmar que isso não é suficiente, pois quem garante que não se trate nova¬
uma imagem de Weber como um liberal pouco preocupado com um mente de uma simples manifestação do gosto de Weber pelo uso da
tratamento mais duro do problema do poder na sociedade. O con ¬ terminologia mais à mão para exprimir suas idéias? Afinal, o uso de
senso t ácito a esse respeito só foi rompido em 1959, com a publica ¬ termos como “ infraestrutura ” e “ superestrutura” em seu ensaio de
ção do livro já clássico de Wolfgang Mommsen sobre a evolução do juventude sobre as causas da decad ência da cultura antiga não o con ¬
pensamento político de Weber entre 1890 e 1920 e, após isso, por ar ¬ verteram num marxista , assim como o recurso a uma terminologia
tigos como esse de Fleischmann e alguns do pr óprio Mommsen , para emprestada de Rickert não o define como “ neokantiano” . Como
explodir de vez no Congresso Alemão de Sociologia, de 1964, dedi ¬ lembra Aron , “ é claro que se poderia substituir o vocabul á rio neo¬
cado ao centená rio de Weber , com as polêmicas provocadas pelos kantiano dos valores por um outro, sem pôr em quest ão as idéias
trabalhos de Raymond Aron , sobre a polí tica do poder , e de Herbert fundamentais de Weber ” ( Aron , 1964: 272.) É igualmente verdade,
Marcuse, sobre industrialização e capitalismo na obra de Weber . creio eu , que não se pode falar num Weber “ nietzscheano ” , pois ele
sempre usou id éias , terminologias e estudos alheios como meros ins¬
trumentos (toscos, no mais das vezes) para tentar abrir seu caminho.
Weber é, teoricamente e praticamente, um mestre na visão instru¬
mental das coisas. Para ele, as obras alheias, a sua pró pria , as noções
de compreensão e sentido, os tipos ideais, a descoberta de regulari ¬
dades na hist ória , e, no final, a pró pria ciência e a racionalidade
se acompanharmos interpretações como a de Marcuse ( 1971: 133-


151) comparecem sistematicamente na condição de instrumentos.
Quanto aos fins a que esses meios servem , podem estar no dominio
da racionalidade, como no uso dos conceitos no processo de conheci¬
mento cient í fico, ou também fora dele, como ocorre com as decisões
que se tomarão em face das indicações propiciadas pela própria ciên ¬
cia, ou como no recurso a valores equivalentes entre si no confronto
constante entre os homens na sua disputa por bens materiais ou sim ¬
bólicos escassos.
102 — Weber, Nietzsche e a crítica dos valores Weber, Nietzsche e a critica dos valores — 103

Em suma , Weber est á sempre mais preocupado com a discussão pretação, não texto” . E levanta a id éia de que “ algu é m , com a inten ¬
dos meios que dos fins , mesmo porque estes, embasados em valores ção e a arte da interpretação opostas ” , concluisse, com base nos fe¬
entre os quais não se pode estabelecer qualquer hierarquia ou crit ério nômenos , que o mundo
“ objetivo ” de.seleção, não se prestam ao exame sistemá tico. Pode- “ tem um decurso ‘necessário ’ e ‘calculá vel’ , mas não porque nele reinam
se, é claro, defender aqueles a quem se adere, e seguramente Weber leis , mas porque absolutamente faltam as leis, e cada potência , a cada ins
¬

tem os seus, pelos quais est á disposto a combater , e que também in ¬ tante , tira sua ú ltima conseqiiência” . ( Nietzsche, 1974: 280 . )
formam a sua obra cient í fica , como premissas metateóricas: a auto ¬
Esse “ algu ém ” é o próprio Nietzsche, claro. Em suas passagens
nomia do indivíduo, a razão, a liberdade, a verdade, a responsabili¬ mais radicais Weber desenvolve suas idéias numa linha sugestiva ¬
dade e assim por diante. É em nome desses valores que ele assume
mente semelhante. Mas, isso não ocorre sistematicamente. Se há
uma postura cr ítica em relação ao sçu tempo e, freq üentemente, aos uma presença de Nietzsche em Weber , ela é sem d ú vida incompara ¬

seus int é rpretes por exemplo, quando repudia a “ forte veia buro¬
cr ática ” dos componentes da escola histórica da Economia alem ã ,
velmente mais forte e mais fecunda que a de qualquer “ neo-
kantiano” , mas ainda é filtrada e atenuada, sem ir às últimas conse-
como Schmoller. E é no mesmo sentido que ele se dedica à ciência
por exemplo, quando escreve em 1920, numa carta ao economista
— q úê ncias. O que vou tentar demonstrar é que, mesmo que se possa
argumentar , e nesse caso voltando contra mim minhas próprias con ¬
Robert Liefmann, que siderações , que as id éias de Nietzsche afinal não passavam de outros
“ se agora tornei-me oficialmente sociólogo , é essencialmente para pôr tantos meios para Weber em sua caminhada própria, é patente que se
fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos . Em outras pala¬ tratava de meios especialmente privilegiados na constituição do seu
vras , também a Sociologia só pode ser realizada a partir da ação de indiví ¬ esquema teórico.
duos mais ou menos numerosos , portanto de modo estritamente ‘indivi ¬ É fora de d ú vida que Weber conhecia a obra de Nietzsche e
dualista’ quanto ao método . ” ( Mommsen , 1965: 44, nota 2. ) dedicou -lhe considerável atenção. Não lhe faltaram , também , as
A questão é saber como se articulam essas duas .dimensões no em ¬ mais variadas vias indiretas de acesso a esse pensamento, no clima
preendimento de Weber: a prática, na qual seus valores são explicita ¬ intelectual em que vivia. Est á amplamente demonstrado o cuidado
dos, e a teórica , na qual persistem na condição de pressupostos ne¬ com que ele leu e releu o livro de Simmel sobre Schopenhauer e
cessários, considerando-se ainda que o seu pensamento é permeado Nietzsche, além de que entre os cí rculos intelectuais com que manti¬
pela convicção da necessidade de separarem-se rigorosamente ambas nha contato pessoal inclu íam -se literatos fortemente influenciados
as esferas. por Nietzsche. Deixando de lado o exemplo do poeta Stefan George,
As afinidades de Weber com o pensamento de Nietzsche e seu cuja obra ele chegou a apreciar mas com cuja postura básica nunca
afastamento de posições aparentemente mais próximas vai mais fun ¬ se identificou , há o caso , muito mais sugestivo, do seu interesse pela
do, no entanto, do que o n ível apenas formal. Uma passagem de seu poesia de Rainer Maria Rilke (Mitzmann , 1971: 262 e seguintes, esp .
texto que estou comentando , na qual de resto se torna particular ¬ 265). Se aceitarmos, apesar das polêmicas envolvidas, a interpreta¬
mente agudo o contraste com Rickert , é aquela na qual Weber enfa ¬ ção de um crítico literário influente, segundo a qual há grande afini ¬
tiza o car áter radicalmente destituído de sentido intrínseco do “ mun ¬ dade entre a poesia de Rilke e temas nietzscheanos, ainda que esses
do” e que, portanto, compete aos próprios homens outorgarem sig¬ apareçam atenuados nele ( Heller , 1961: 109-155), ent ão o quadro
nificado a alguns entre os infinitos eventos que o constituem , como torna-se mais completo. Para Heller , o principal ponto de contato
condiçã o prévia para o seu conhecimento e também para agirem ne¬ entre Nietzsche e Rilke est á na idéia da necessidade da “ audaz expe¬
le. É imposs í vel, nesse ponto decisivo, não pensar em Nietzsche. Por riência ” de atribuir ao pr ó prio homem o papel de redentor , num
exemplo, quando este critica , no parágrafo 22 de Para além do bem e mundo secularizado e med í ocre, já que Deus est á morto (Heller ,
do mal , a concepção oficial da natureza em termos da sua “ legalida¬ 1961: 148). O tema clássico do “ desencantamento do mundo” , in ¬
de” . Após identificar nessa posição a id éia de que h á “ por toda par ¬ corporado por Weber encontra aqui o seu pathos mais radical. Afi ¬
te igualdade diante da lei —
nisso a natureza não está de outro modo
nem melhor do que nós ” , e de criticá-la como exemplo dos “ instin¬
nal , somos “ homens de cultura” : só a nós compete instaur á-la , na
luta com outros homens portadores de outros valores e na persistente
tos democr áticos da alma moderna ” , ele adverte que “ isso é inter ¬ recusa da mediocridade (noção que em Weber ganhava corpo naque-
104 —
\
Weber, Nietzsche e a crítica dos valores Weber , Nietzsche e a crítica dos valores — 105

la figura que ele chamou , certa feita , de “ santo Burocr ácio ” ). É ver ¬ tatos com o jovem Luk á cs , que na época estava às voltas com preo ¬

dade que já aqui desponta o momento básico em que Weber eviden ¬ cupações semelhantes ( Mitzmann , 1971: 272-273). Isso, por sinal ,
temente deixa de acompanhar Nietzsche. É o da emergê ncia do “ no¬ suscita um aspecto muito interessante do clima intelectual em que
vo homem ” , que lhe é t ào estranha quanto a id é ia marxista da emer ¬
Weber se movia e da forma ção da sua própria personalidade .
gencia da “ nova sociedade ” . Poder -se-ia argumentar que pelo me ¬ Em contrapartida , n ã o encontrei ind ícios de qualquer interesse
nos traços disso existem na sua noçã o de “ carisma ” , o que já me pa ¬ de Weber por Thomas Mann , a despeito das afinidades que se pode ¬
rece um pouco forçado , apesar do inegá vel ponto em comum que é a riam apontar entre eles quanto à problem á tica das suas obras e , so¬
preocupação dos dois autores com o problema da criação de novos bretudo, à circunst â ncia mais geral de que ambos estavam , na ex ¬
valores. De qualquer modo, ambas as ideias soam -lhe como utopias , pressão de Luk ács acerca de Thomas Mann , “ em busca do
incongruentes com sua visão “ realista ” (ou resignada? ) do mundo. burguês” , numa sociedade que sequer teve condições para desenvol¬
Cabe lembrar que, muito caracteristicamente, Weber só admite a ver o equivalente ling üístico para citoyen ( Lukács, 1967: 223, 235).
utopia num n ível, precisamente o metodológico, e n ão hesita em usar Claro que a obra de arte e a obra cient í fica não são compará veis ter ¬
afirmativamente o termo para caracterizar esse instrumento analí tico mo a termo. Basta lembrar que , a despeito de toda a sua recusa de
que é o tipo ideal. qualquer id éia de identificação do pesquisador com o objeto de aná ¬
A postura de Weber em relação à literatura , aliás, é também lise, e da sua ê nfase no distanciamento como atitude metodol ógica , é
bastante caracter ística do seu modo total de ser . H á claros indicios totalmente inacessível a Weber, enquanto cientista , o recurso liter á ¬
de que seus interesses por autores e obras sempre estiveram forte¬ rio da ironia , que é central em Thomas Mann . É verdade, por outro
mente marcados por suas preocupações intelectuais mais imediatas lado, que o distanciamento que Weber preconizava dizia respeito ex¬
e , mais amplamente, pela referência aos seus “ valores ú ltimos ” ; ou , clusivamente ao exercício da atividade cient í fica . Quanto às quest ões
já que estamos num parênteses liter á rio , por aquilo que ele chamava pol í ticas , ele n ão só n ão a recomendava como a repudiava na prá ti ¬
de os “ demónios ” que detinham em suas m ãos os fios da sua vida . ca . Nisso reside uma diferença básica e talvez decisiva entre ele e o
Est á claro, e não só por essa refer ê ncia , que ele leu e releu o seu Goe¬ Thomas Mann seu contempor â neo , que ainda em 1918 (quando We ¬
the e que tinha a boa formação liter á ria peculiar a um intelectual do ber preparava sua confer ê ncia sobre “ Pol ítica como vocação” ) es ¬
seu meio e da sua época. Mas, no geral , parece que, tal como fre- crevia suas “ Considerações de um apolitico” e vinculava expressa ¬
qiientemente ocorre com grandes intelectuais fortemente envolvidos mente o afastamento irónico, que defendia també m no dom í nio pol í ¬
numa linha de idéias (é também o caso de Freud , por exemplo), ele tico, a uma postura conservadora . “ A ironia e o conservantismo são
procurava na literatura o prolongamento das suas preocupações do intimamente afins” , escrevia ele. “ A ironia é uma forma de intelec¬
dia. Assim , não é de surpreender que um dos seus autores favoritos, tualismo e o conservantismo irónico é um conservantismo intelectua-
segundo Honigsheim , fosse o su íço Conrad Ferdinand Meyer , no lista. 'Nele contrapõem -se de certo modo o ser e o agir , e é possí vel
qual “ admirava a habilidade para compreender o mundo do passado que ele fomente a democracia , que estimule o progresso pelo modo
e para retratar os aspectos tr ágicos do uso do poder ” ( Honigsheim , como o combate ” (Mann , 1977: 53-54).
1968: 78). Além disso , Meyer , escrevendo no clima pós-1848, Em face disso, a rela ção entre Weber e Nietzsche deve ser exa ¬
preocupava-se intensamente com os problemas da unidade e inde¬ minada de maneira matizada. Não se trata de uma continuidade di ¬

pendência nacionais, embora não estivesse imune à “ ideologia abs¬ reta e explícita na obra de Weber , embora em situação mais informal
trata do poder e da missão mística e fatalista de grandes homens” , ele tivesse identificado Marx e Nietzsche como os pensadores decisi ¬

marcados pela sua “ solid ão ” ( Lukács, 1963: 222, 224). É Meyer , por vos para a sua época ( Baumgarten , 1964: 554-555); o que, traduzido
sinal , quem atribui a um personagem seu , o rebelde protestante von para o seu universo de discurso, significa que Weber considerava in ¬
Hutten , uma frase que dificilmente deixaria Weber indiferente: “ Eu dispensá vel tomar posição perante eles. Ressalvado, no entanto, um
não sou um livro bem raciocinado; sou um homem , com suas contra ¬ problema particular (o da intepretaçã o da religião em termos de
dições ” . Por outro lado, seu contato com a literatura russa parece “ ressentimento ” ) , ser á dif ícil encontrar uma tomada de posição cla ¬
ter sido bastante intensa. Além de suas repetidas referências a Tols¬ ra e vigorosa de Weber em relação a Nietzsche, diversamente do que
toi, há indícios de que Dostoievski exerceu consider ável fascínio so¬ ocorre com Marx . É que sua relação com Nietzsche é mais sutil , e
bre ele, tanto assim que forneceu temas para boa parcela de seus con- mais de afinidades que de contrastes. É possí vel que ela tenha passa-
106 — Weber, Nietzsche e a crítica dos valores Weber, Nietzsche e a crítica dos valores
— 107

do mais pelo dom í nio da experiê ncia est ética que pelo da reflexão fi ¬ blemas semelhantes, mas em escala muito atenuada, referente ao uso
losófica . Assim , suas afinidades reforçam-se , enquanto as diferen ¬ da terminologia cient í fica e filosófica corrente. Sua postura é mais
ças , que são profundas, tornam-se secund á rias. Isso significa que, de reserva , de hesitação diante dos termos, que n ão são contestados
no caso especí fico de Nietzsche, a absorção por Weber de um estilo e a fundo e, portanto, ameaçam constantemente carregar consigo os
de certos temas não é algo superficial e negligenciável, justamente significados já acumulados neles, na medida em que são apenas pos¬
porque não é submetida ao controle sistemático por ele, ao contrário tos entre aspas.
do que ocorre em relação à terminologia e aos temas dos “ lógicos Nisso revela-se o quanto Weber é afinal uma espécie de Nietz ¬

modernos” que invoca. sche tornado “ positivo ” , at é mesmo no sentido de que , quando h á
Comum a ambos os autores, desde logo , é a postura de distan¬ ameaça de limites críticos do pensamento serem atingidos, ele recua
ciamento , na análise, expressa na exigência nietzscheana , em Ecce onde Nietzsche prossegue; o que, de resto, o livra de cair no irracio¬
Homo, de ter “ um senso de distância, de ver em todo lugar a hierar ¬ nalismo. Isso pode ser observado através da sua atitude em face da
quia, a graduação, a ordenação entre homem e homem , de distin¬ hist ória e da historiografia. Sua visão é “ poli -hist ó rica ” ( Hirano ,
-
guir" , o que não elimina em nenhum deles a paixão pelo conheci¬
mento, antes a exacerba. Eles também compartilham uma atitude
1975: 16, 20 e seguintes): há uma multiplicidade de histórias possí¬
veis, cada qual correspondendo a uma ordenação de um conjunto de
aberta , experimental em relação ao mundo, alheia à busca de siste¬ eventos conforme determinados interesses de conhecimento valorati-
mas fechados , sempre pronta para novas tentativas e para descartar vamente fundados. At é aqui , falar de uma hist ória ou de outra é
as anteriores. Com uma diferença profunda , contudo: Nietzsche est á uma questão de “ perspectiva ” , de interpretação, no que ainda esta¬
disposto a submeter tudo às suas experiências de pensamento, ex ¬ mos próximos de Nietzsche. Mas, Weber jamais chega. ao ponto de
pressas em seus aforismas, ao passo que Weber pá ra num ponto, que negar a idéia de que se possa alcançar uma verdade cientí fica a res¬
é o da validade do empreendimento cient í fico metódico e racional. peito da hist ória e da sociedade, ainda que particularizada. Não
A id éia de Nietzsche, em Para além do bem e do mal , de que os acompanha a visão irracionalista de Nietzsche, pela qual no fim das
“ filósofos do futuro” poderiam ser chamados, com todos os jogos contas só há interpretações mas nenhum texto (Habermas, 1973:
de palavras envolvidos nisso, de “ tentadores” e de que mesmo essa 260), e muito menos essa forma sofisticada de naturalização e elimi¬
designação é uma “ tentativa , uma tentação” , vai além de tudo que nação da história que é a noção de “ eterno retorno” . A idéia da ver ¬

Weber pudesse assimilar . Termos como “ tentativa” e “ experimenta¬ dade do conhecimento histórico reaparece em Weber , rebatida sobre
ção” só podem ser levados ao pé da letra , por ele , na sua á rea especí¬ o plano da verdade do conhecimento cientí fico de tal ou qual hist ória
fica de preocupações. Afinal , sua ciência nada tem de “ alegre” , nem particular . É que Weber não est á empenhado em desmascarar radi ¬
ele é um “ espírito livre” . O cientista como vocação , vá lá; mas co¬ calmente os valores e suas manifestações hist óricas, não está procu ¬
mo tentador , também no sentido de homem de tentação? Diante das rando uma resposta genérica sobre o que valem afinal os valores,
-
implicações disso, ambos separam se, mesmo porque Nietzsche está mas parte da vigência empírica e particular deles, para preocupar-se
disposto a ir até o fim , e reivindicar para o filósofo a condição de le¬ com o método adequado para estabelecer relações entre eles que pos¬
gislador , que é exatamente o que Weber quer vedar ao cientista. sam ser aceitas como válidas por todos os que aceitam a verdade co¬
( Não que haja um desacordo direto entre ambos quanto a este último mo valor legítimo , e a ciência como um modo de atingi-la. Nesse
ponto, visto que Nietzsche seria o último a conceber um cientista , tal ponto ele move-se exatamente dentro do universo que Nietzsche está
como Weber o entende, como “ legislador ” . São precisamente as di ¬ procurando aniquilar pela cr í tica imanente. É que aqui aparece a afi ¬
ferenças de perspectivas entre eles que estão em jogo.) Essas diferen ¬ nidade básica de Weber com o positivismo: existem muitas histórias,
ças refletem-se diretamente num aspecto importante dos seus estilos mas somente uma ciência legí tima , ou , mais precisamente, existe a
de exposição. Em Nietzsche, “ o uso ocasionalmente frenético da dic¬ unidade do método cientí fico. Diante disso, Nietzsche provavel ¬
ção poética, do ‘ditirambo’ , pode ser tomado como tentativa para mente o incluiria entre aqueles que, desde o século XIX, assegura ¬
desvencilhar-se dos há bitos ling üísticos ” , no contexto de uma refle¬ ram “ não a vitória da ciência, mas a vitória do método cient í fico so¬
xão obrigada a exprimir-se com o repert ório lingüístico dispon í vel bre a ciência ” .
mas que luta por firmar uma crítica radical à pró pria linguagem e Tanto Nietzsche quanto Weber est ão de acordo em que o mun¬
aos seus pressupostos ” ( Danto, 1964: 389). Weber é sensí vel a pro¬ do não é intrinsecamente dotado de sentido e que não há um sistema
108 — Weber , Nietzsche e a crítica dos valores Weber, Nietzsche e a crí tica dos valores — 109

de valores já dado , independente da luta entre os homens. Ambos “ o artigo de fé mais antigo é o conceito de ego como uma identidade . Es ¬

també m coincidem em conceber a vigê ncia de determinados valores sa identidade é projetada sobre todas as coisas , e é somente assim que
como expressão da dominação de grupos humanos sobre outros ; ou emerge a categoria de ‘coisa’ , à qual se podem predicar atributos ( . . . ) Na
seja , vinculam estreitamente a tem á tica dos valores à do poder . Cla ¬
forma gramatical primordial da sentença , a relação sujeito- predicado
cristalizou -se num esquema geral de explicação . Da mesma forma , a dis
ro que as ê nfases das suas an á lises sã o diferentes . Enquanto Nietz ¬ tinção fict í cia entre o agente ativo e a ação est á fixada como forma gra
¬

sche est á mais empenhado em trazer à tona os mecanismos psicol ógi ¬


¬

matical . Ela traz consigo as categorias de causa e efeito , pois a causalida¬


cos mais profundos que conduzem os homens a conceberem seus va ¬ de é representada conforme o modelo de uma obediência dos sujeitos
lores como verdadeiros, Weber busca a caracterização em termos so¬ agentes perante leis . ” ( Habermas , 1973 : 253 . )
ciais e hist óricos dos processos que engendram as pr ó prias estruturas
de dominação. Por isso mesmo um termo como “ racionalização ” No tocante ao papel das noções de a ção , motivo e conseqiiência
para o conhecimento , Nietzsche tem passagens muito taxativas :
ganha sentidos totalmente diversos nas obras de cada qual . Persiste ,
no entanto , a id éia comum a ambos de que, fora de condições especí ¬ “ Desconhecemos os motivos da ação ; desconhecemos a ação que
execu ¬

ficas de dominação , não h á como encontrar qualquer hierarquia tamos ; desconhecemos o que resultará dela . Mas cremos o contrário a res¬
“ objetiva ” de valores; tomados como tais , eles são todos equivalen ¬ peito de todos os três . O suposto motivo , a suposta ação e as supostas
conseqii ências pertencem à hist ória que conhecemos , mas elas também
tes . Cabe també m propor a idé ia de que Weber acompanha Nietz ¬

fazem parte da sua hist ória desconhecida , enquanto soma , em cada caso ,
sche quando este inverte a problem á tica cl ássica , ao de três equ í vocos . ” ( Nietzsche , 1969: 567 . )
“ sobrepujar a quest ã o deixada aberta da verdade do valor para propor
aquela que lhe parece mais radical , sobre o valor da verdade ” . ( Fink ,
Ações , motivos, intensões n ã o podem , portanto, ministrar qualquer
'
1973 : 127 . ) base para o conhecimento objetivo do mundo humano pelos pr ó¬
prios agentes ; mas, tampouco podemos recorrer a uma noçã o de
Isso inclui a própria ciência; só que aquilo que para Nietzsche é uma sujeito-agente que as articule para convertê-las em objetos de conhe¬
quest ão crítica fundamental converte-se , em Weber , num problema cimento leg í timos. Tudo indica que é dif ícil superar o hiato que sepa ¬
metodol ógico. ra isso de uma aná lise baseada no sentido visado da ação de sujeitos-
Creio que é nessa ordem de id éias , e não nas pá lidas concepções agentes, como ocorre .em Weber , ainda mais porque tampouco é pos ¬

de um Rickert , cuja terminologia ele insiste em adotar , que devemos s í vel recorrer à noçã o de causa e que tudo isso evidentemente tem a
procurar a razão ú ltima da exigê ncia metodológica de Weber , segun ¬ ver com a problemá tica da compreensã o e da interpretação.
do a qual a seleçã o do objeto particular de análise só pode ser feita Na realidade , a categoria de causalidade cria tantos embaraços
com refer ência a determinados valores, posto que do contr á rio só ao pr ó prio Weber , obrigando-o mesmo a recorrer a f ó rmulas alter ¬

restaria o ceticismo total ou o puro arbí trio irracionalista . A Weber , nativas menos precisas como aquela , do maior interesse , de “ afini ¬
contudo, interessava fazer ciência; e mais nitidamente , fazer uma dades eletivas ” entre ordens diversas de sentidos da açã o , que ocorre
ciência da realidade . E isso conduz-nos de volta a um tema que agora mesmo perguntar pela razão dessa insist ê ncia nela. Com efeito, con ¬
-
ganha novos contornos. Trata se da insistência de Weber no caráter sideremos suas principais concepções acerca do tema: qualquer fenô¬
causal da explicação em ciê ncias sociais. É talvez esse o ponto em meno singular resulta de uma infinidade de causas; a an á lise causal
que ele mais se afasta de Nietzsche , na medida em que este submete só adquire car á ter empiricamente verificá vel quando toma como uni ¬

ambas as noções a de causalidade e a de sujeito como um ego inte ¬ dades as ações de sujeitos individuais; é impossí vel encontrar uma
grado
— a uma critica intensa , fundada na idéia de que se trata de
ficções, de “ met á foras ” fundamente entranhadas na pr ó pria estru ¬
tura da linguagem de que se valem tanto o senso corqum no trato co¬
causa final ou sequer fundamental em relaçã o às demais para a hist ó¬
ria ou para sociedades tomadas como um todo; e , como consequ ê n ¬
cia mais drástica disso tudo, uma relaçã o causal estabelecida para re ¬
tidiano quanto a metafísica nas suas cogitações. Um dos corol á rios lacionar processos hist óricos ( no exemplo cl ássico , a relação calvinis¬
dessa cr í tica é a rejeição da id éia de que se possam tomar noções co¬ mo / capitalismo) n ão é un í voca , mas pode ser lida nos dois sentidos
mo as de “ motivo ” ou de “ vontade” como tendo qualquer cará ter possí veis, vale dizer , pode aparecer invertida em outra an á lise igual ¬

causal ( Danto, 1964: 388 e seguintes , esp . 389-90) . Conforme comen ¬ mente leg í tima . Elas sugerem dificuldades metodol ógicas apreci á ¬
ta Habermas, veis. No entanto, a resposta para a quest ão formulada é simples, e
110 — Weber, Nietzsche e a crítica dos valores Weber, Nietzsche e a crítica dos valores — 111

permite ao mesmo tempo ajudar a esclarecer por que as reflexões de que a ação concreta de indiv í duos reais raramente ocorre com plena
Weber se concentram sistematicamente sobre o plano metodológico. consciê ncia dos elementos envolvidos e das suas implicações.
É que a exigência da an á lise causal prende o pesquisador às regras Desta segunda idéia há um desdobramento importante, que por
universalmente aceitas do m étodo cient í fico, e assegura o car á ter sinal também evoca um tema nietzscheano , que é o da relação entre
també m universal (o que, neste contexto, significa: válido como co¬ memória e esquecimento (ou faculdade de reprimir a memória). Em
nhecimento para todos os interessados) das suas conclusões. Em su ¬ consonâ ncia neste ponto com Nietzsche e em direto confronto com
ma , Weber apóia essas considerações de método na categoria de cau - essa categoria central do historicismo que é a da memória, Weber le¬
sà lidade porque, já que não há garantia alguma de universalidade vanta , no ensaio sobre a objetividade , a quest ão de que, no seu coti ¬

(vale dizer , no caso, de intersubjetividade) para os fins, que ao me¬ diano concreto, os homens freqiientemente agem esquecidos da
nos ela exista para a ciência enquanto meio. “ idéia ” historicamente original que fundamenta os princí pios orien ¬

Isso lhe permite ser congruente com a advertê ncia de Nietzsche , tadores das suas ações, seja porque essa idéia já pereceu , seja porque
na Genealogia da moral, de que a ciê ncia apenas se difundiu através das suas consequências ( Weber , 1973:
“ necessita , sob todos os aspectos, de um ideal de valor , de uma pot ência 198). E , completando isso, adverte, em sua conferência sobre a ciê n ¬

criadora de valores, a serviço da qual ela pode acreditar em si pró pria


ela mesma nunca é criadora de valores” ( Nietzsche , 1974: 328) ,
— cia como vocação, contra o desconhecimento dos valores ú ltimos en ¬
tre os quais as opções se fazem necessá rias, pois “ é fraqueza n ão sa ¬
sem no entanto acompanhá-la até as ú ltimas consequências. Pois , ber encarar de frente a face severa do destino da época” ( Weber ,
Weber limita-se a tirar disso a conclusão de que não se podem con ¬ 1973: 605). As consequências diretas disso são, primeiro , de ordem
verter diretamente os resultados da atividade cient ífica em crit érios
normativos para a ação. A ciê ncia pode informar -nos sobre algumas
puramente metodológica —não é possível fazer ciência com base no
imediatamente vivido pelos agentes , cumpre construir tipos e, de¬ —
pois , numa perspectiva mais ampla , que compete à ciência operar co¬
implicações das nossas decisões poss í veis em relação aos temas de
que trata , mas n ão pode dizer qual delas deve ser adotada. Enfim , mo órgão de uma memória que não é espont ânea, ao chamar a aten ¬
ção dos homens para os reais valores ú ltimos que orientam as suas
deve ser assumida pelo que é: um instrumento. Mas, Nietzsche vai
mais longe. Para ele, a ciência é impotente para responder à pergun ¬
ações e para indicar consequências disso.
ta decisiva , que, no caso dessa passagem da Genealogia da moral, diz Essa idéia de destino ganha toda a sua força quando reposta no
respeito a encontrar-se “ o antagonista natural do ideal ascético ” e centro das preocupações weberianas, no qual a dominação do ho¬
que se traduz na quest ão mais geral: “ Onde está a vontade adversá- mem sobre o homem num contexto burocrá ticamente racionalizado
ria , em que se exprime o ideal adversário?" aparece como convertendo-se numa força fatal , que fecha os homens
Esse t ó pico pode ser discutido em relação a Weber tomando-se na “ prisão de aço ” que eles pró prios constru íram enquanto busca ¬
como ponto de referência um tema que comparece reiteradamente em vam outros objetivos.
suas análises, desde a conclusão da Ética protestante e o espírito do
capitalismo at é a conferência sobre “ Ciência como vocação ” : o te¬
ma do destino. A id éia básica é a de que as ações investidas de senti ¬ —
“ O puritano queria ser homem de vocação n ós somos forçados a sê-lo .
Porque quando o ascetismo saiu das celas mon ásticas para a vida cotidia ¬
dos e reciprocamente referidas dos sujeitos desenham , para além da na e começou a dominar a moralidade intramundana , ele contribuiu com
sua vontade, do seu controle e mesmo da sua consciência , as figuras sua parte para a constru ção do formidá vel cosmos da ordem econ ómica
fixas no interior das quais as ações futuras estarão condenadas a se moderna. Essa ordem est á atualmente ligada aos pressupostos t écnicos e
moverem , sempre repetidas, tornadas cotidianas. Intimamente liga ¬ econ ómicos da produ ção mecanizada que hoje determinam com força ir ¬
resist í vel o estilo de vida de todos os indiv íduos nascidos nesse mecanis ¬
das a essa est ão duas outras id éias. A primeira é a do “ paradoxo das mo, n ão somente daqueles diretamente ocupados com a atividade lucrati ¬
consequências ” , vale dizer , a de que os homens engendram nas suas va . Talvez continue a fazê- lo at é que se queime a ú ltima tonelada de car ¬
ações resultados que não correspondem necessariamente ou mesmo vão fóssil. Nas palavras o cuidado com os bens externos deveria repousar
se contrapõem às intenções que originalmente os moveram . (Os puri ¬ sobre os ombros dos seus santos como um leve manto, que pode ser posto
tanos buscavam ind í cios da salvação e viram-se convertidos em bur ¬ de lado a qualquer momento. Mas quis o destino que o manto se conver ¬
gueses racionais e met ódicos , e assim por diante.) A segunda é a de tesse em fé rrea prisão.” ( Weber , 1972a: 203.)
112 — Weber, Nietzsche e a crítica dos valores Weber, Nietzsche e a crítica dos valores — 113

Numa aná lise da concepção de destino na antigiiidade , citada por em Nietzsche nesse ponto . No entanto , nessa linha de raciocinio e
Walter Benjamin em seu ensaio “ Cr í tica da viol ência ” , o fil ósofo poss í vel , mesmo admitindo- se as diferen ç as entre o fil ósofo e o so ¬

Hermann Cohen (em obra cuja leitura Weber recomendava a Robert ci ó logo preocupados com quest ões de método , sugerir que a critica
Michels , numa carta ) , define-o como “ um conhecimento que se tor ¬ de Taubes , tal como é formulada , talvez seja correta para o t ó pico
na inescapá vel e cujos pró prios mandamentos parecem originar e particular a que se aplica , mas no geral é discut í vel . Ocorre que pre ¬
produzir essa infração , esse desvio ” ( Benjamin , 1965 : 58 ) . A formu ¬ cisamente Weber enseja , talvez com mais forç a que qualquer outro
lação é interessante , mesmo quando , a rigor , est á sendo retirada do cl ássico da Sociologia , a quest ão sobre quem .
seu contexto . Pode sugerir algo a respeito do modo como a própria " Interesses ( materiais ou ideais ) e n ã o ideias dominam
diretamente a a çã o
ci ência acaba sendo simultaneamente reveladora e c ú mplice do “ des ¬ dos homens. Mas: as ‘imagens do mundo ' criadas por ideais muito fre-
tino ” do homem moderno em Weber . Numa aná lise cr í tica dessa qiientemente determinaram , como guarda - trilhos , os rumos pelos quais a
concepção weberiana , o teólogo e soci ó logo Jacob Taubes fecha o din â mica dos interesses impulsionou a ação" ( Weber , 1972 : 252 ) ,
c í rculo ao comentar que um autor como Weber , que t ão bem conhe ¬ escreve Weber em seu ensaio sobre a é tica econ ómica das religi ões
cia os perigos dos conceitos coletivos , como o atesta sua insist ência mundiais ( e n ão “ Psicologia social das religi ões mundiais ” , como
em que as entidades coletivas reduzem - se às “ chances ” de que ações traduzem Gerth e Mills , numa concessão à tend ê ncia norte-america ¬

determinadas sejam executadas por indiv í duos determinados , “ deve ¬ na para incorporar Weber num registro psicologista ) . Basta ir aos
ria , sempre que fala do destino , dar os nomes" (Tauber , 1969 : 129- textos para comprovar que a “ dinâmica de interesses ” que Webcr
30 , grifos meus) . Isso parece atingir em cheio a incoerência fatal ( o buscava conhecer para cada caso não pode ser discutida sem “ dar os
termo é intencional ) do pensamento weberiano , e permite ver por ou ¬ nomes ” . O que se pode questionar é se ele realmente conseguiu dar
tro ângulo um tema nuclear do presente trabalho , que é o de como o os “ nomes certos ” em determinadas aná lises . E isso é apenas uma
próprio esquema de Weber ameaç a constantemente fechar -se sobre maneira de propor a quest ão mais profunda , sobre se , no seu esque ¬

ele , de maneira análoga ao que ocorre com os agentes que ele de ¬ ma , Weber tem condições para ir além do ato de “ dar os nomes ” em
monstra , em suas aná lises , serem v í timas do “ paradoxo das conse ¬ cada caso ; pois é disso ( que n ào é simplesmente uma d ú vida empí ri ¬
quê ncias ” . ca ) que se trata , pelo menos se a cr í tica busca sua inspiração no mar ¬
No entanto , de certo modo a quest ão de Taubes é “ nietzschea - xismo .
na” , embora formulada com uma inspiração marxista . Com efeito ,
para Nietzsche é fundamental a substituição da quest ão sobre o que
pela pergunta sobre quem , sempre que se queira chegar à essência
das coisas .
“ A interrogação: ‘Quem ? ’ , segundo Nietzsche , significa isso : consideran ¬
do-se uma coisa , quais são as forças que dela se apoderaram , qual a von ¬

tade que a possui ? Nós apenas somos conduzidos à essência pela pergun ¬
ta : Quem ? Pois , a essência é somente o sentido e o valor da coisa; a essên ¬
cia é determinada pelas forças em afinidade com a coisa e pela vontade
em afinidade com essas forças ( . . . ) A arte pluralista não nega a essência:
ela a torna dependente em cada caso de uma afinidade entre fenômenos e
forças , de uma coordenação entre essas forças e vontade . ” ( Deleuze ,
1973: 87.)
Est á claro que essa não é diretamente a ordem de preocupações de
Weber , sobretudo se considerarmos que a resposta final de Nietzsche
e essa questão não diz respeito a tais ou quais agentes sociais , mas a
essa entidade impessoal que é a “ vontade de pot ência” . Também é
patente que Weber nada tem a ver com qualquer variante de “ filoso¬
fia da vida” , no que difere de Simmel , que buscou muita inspiração
4
I

Dominação e dialética

A referência ao marxismo sugere, nesse contexto, que talvez se en ¬


contre , na concentração das suas preocupações na pergunta sobre
quem, uma das ra í zes da aversão de Weber pelo que chama de “ con ¬
cepção económica da hist ória’ ’ . Isto porque , para ele , tal concepção,
fundada numa visão do mundo “ monocausal ” , teria uma ú nica e
obsessiva resposta para ela , aplicada a todos os casos concretos: os
“ interesses económicos ” . Claro que isso é uma caricatura , mas a re¬
fer ência a ela serve para advertir o quanto Weber , como de resto
Nietzsche, nada tem em comum com qualquer tipo de reflexão dialé¬
tica , opondo-se mesmo resolutamente a ela. É por isso que dificil ¬
mente se poderá encontrar equ í voco maior que tentar estabelecer
quaisquer v ínculos que não puramente circunstanciais entre Weber e
Hegel , como o faz , por exemplo, Reinhard Bendix , em sua “ biogra ¬

fia intelectual ” de Weber ( Bendix , 1962: 387-388 e 490-493) . Essas


relações estabelecidas por Bendix são corretamente caracterizadas
por Fleischmann , em seu artigo sobre Weber e Nietzsche, como “ pu ¬
ramente imagin á rias ” . O curioso é que, no livro que dedica à Filoso¬
fia do Direito de Hegel , o pr óprio Fleischmann pague seu tributo a
uma tendência comum aos comentaristas contempor âneos dessa
obra e vá encontrar nela a prefiguração de idéias weberianas. Para
isso, ele cita uma parte do parágrafo 198 da Filosofia do Direito, no
1 qual Hegel sustenta que “ o universal e o objetivo no trabalho repou ¬
sa na abstração produzida pela especificação dos meios e das necessi ¬
dades, da qual també m resulta a especificação da produção e a divi¬
são do trabalho” , para comentar que isso “ é o que Max Weber cha ¬
— —
mar á mais tarde muito mais tarde de ‘racionalização’ da vida
social ” ( Fleischmann , 1964: 219). Deixando de lado o seu cará ter
ainda discut í vel , a observação de Fleischmann é matizada e sugestiva
— lembra um pouco o modo como Luk ács trabalha o tema alé m
de não envolver a afirmação de afinidades mais fundas nos pensa- —
116 — Dominação e dialética Dominação e dialética — 117

no direito e no estado) e de um “ espí rito absoluto” (arte, filosofia ,


mentos de ambos os autores. Nisso ele leva vantagem sobre os nume ¬
religi ão). Ainda mais, é fundamentalmente diversa a concepção da
rosos comentaristas que , fascinados pela forte presença de temas co¬ "negaçã o ” em ambas as linhas de pensamento . Em Hegel , ela apare ¬

mo o da burocracia em Hegel e Weber, acabam indo além das seme¬ ce como imanente ao próprio movimento do real , ao passo que em
lhan ças tem á ticas para afirmarem a identidade dos fundamentos das Weber ela é externa , reflete uma recusa subjetiva de tal ou qual as¬
id êias de ambos, pelo menos nesse particular . Isso pode conduzir a pecto do mundo. Isso tem seu desdobramento na concepção de cr í ti¬
verdadeiras caricaturas, como ocorre na observaçã o cr í tica feita por ca, que em Hegel se refere à pró pria coisa e em Weber aplica-se ao
Nicos Poulantzas, nesse contexto : modo de conhecê-la , no plano metodológico, ou ent ão reaparece co¬
mo simples recusa estribada em certos valores que se contrapõem a
“ Conforme seu papel próprio a burocracia intervém assim na autonomia outros equivalentes, no plano substantivo; ou ajnda , neste mesmo
relativa do Estado capitalista: mas, seu papel não é nem a causa nem o fa ¬ plano, pode assumir uma acepção neutra , de exame da eficácia da
tor principal dessa autonomia , como o apresentam o conjunto das con ¬
cepções idealistas, que apanham o Estado como sujeito e que vinculam
articulação entre meios e fins num tipo particular de conduta.
sua ‘autonomia’ à sua ‘vontade racionalizadora’ , da qual a burocracia se¬ Uma outra distin ção entre ambas as orientações, que conduz a
ria a encarnação ( Hegel , Weber etc . ) . ” ( Poulantzas , 1974: 201, nota 1.) um aspecto especialmente interessante do pensamento de Weber , re-
fere-se às idéias de “ mediação” em Hegel e de “ elo mediador ” em
No meu entender essas aproximações são equivocadas, sempre Weber . Em Hegel , a mediação refere-se à determinaçã o da negação
que n ão se limitem a apontar semelhan ças temá ticas (o que è trivial ) recí proca entre dois termos opostos, no seu movimento constitutivo
mas sugiram analogias nos pró prios fundamentos das linhas de pen ¬
de uma unidade , na qual esses pró prios termos deixam de ser isola ¬
samento envolvidas. O problema ó bvio é que qualquer aproximação dos , abstratos , indeterminados para se apresentarem como determi ¬
com Hegel tem que passar pela quest ão da dial é tica. Procurarei apre¬ nados no interior dessa unidade nova, que desencadeia já em outro
sentar em seguida alguns pontos básicos de discordâ ncia entre as li ¬ n ível o movimento mediador. Isso, que é central em qualquer refle¬
nhas de pensamento em exame, para em seguida deter -me num pon ¬
xão de tipo dialético, é totalmente estranho a Weber. Nele temos,
to especí fico e especialmente sugestivo. contudo, a noção de “ elo mediador ” , no sentido não-dialético de
A lista sumária das diferen ças naturalmente começa pelo modo “ intermediário ” (convé m insistir , nesse ponto, em que a mediação
como se concebe o conceito e sua relação com o real . Na posição es¬ dial ética não é um terceiro termo, mas o pró prio movimento que per ¬
tritamente metodológica assumida por Weber o conceito é o instru ¬ passa os termos opostos e os determina na sua unidade).
mento que o pesquisador forja para ordenar um segmento da reali ¬ Ao discutir , por exemplo, a ética económica da religião chinesa ,
dade e construir seu objeto. Entre o conceito e o real estabelece-se Weber observa que “ nenhum elo intermediá rio conduzia do confu-
uma enf á tica separação. Na perspectiva hegeliana o conceito , em sua cionismo para um método de vida burguês” ( Weber , 1972a: 524).
acepção mais ampla, é o pr ó prio real no seu processo de constitui ¬ Nisso ele retoma uma linha de preocupações que já estava presente
ção, ou ent ão cada manifestação particular do conceito capta um em seu trabalho sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo,
momento desse processo . Cabe ao pensamento acomodar-se a esse no qual a idéia de “ vocação” pode ser interpretada como desempe¬
movimento do real , acompanhá-lo e captar suas determinações (o nhando esse papel mediador entre a ética religiosa e a conduta meto ¬

que , naquilo que é mais que um mero jogo de palavras com a expres ¬ dicamente racional na esfera econ ó mica. Numa análise ousada e esti ¬
são alem ã bestimmung , significa invocar o real pelo seu nome, que é mulante um especialista em teoria liter á ria , Fredric Jameson , subme ¬

o conceito). Além disso, n ão encontramos em Weber nada que se as¬ te a exame a estrutura narrativa da obra de Weber e sustenta que essa
semelhe à dialética entre o geral e o particular , sempre presente no idéia de elo mediador desempenha um papel especí fico e central nela ,
-
pensamento hegeliano . Ao contrá rio, Weber restringe se ao particu ¬ na medida em que sua função na análise consiste precisamente em
desaparecer no seu final . Assim , o conceito com que Weber efetiva¬
lar , tomado explicitamente de modo unilateral ( “ abstrato” , diria
Hegel ), e repele qualquer referência ao geral . Por outro lado , Weber mente trabalha , ainda que implicitamente, seria o de “ mediador eva ¬
trabalha sempre com conte ú dos subjetivos da consci ê ncia empí rica nescente ” , que caracterizar í a “ todo o pensamento sociológico e his¬
dos agentes e jamais acompanharia a caminhada hegeliana em busca t órico weberiano e pode ser visto como a estrutura dominante da sua
da constituição de um “ espí rito objetivo ” (corporificado na moral . imaginação ” ( Jameson , 1974: 136). Na interpretação que Jameson
118
— Dominação e dialética Dominação e dialética
— 119

propõe para o estudo de Weber sobre a ética protestante e o espí rito dos seus temas essenciais para a presente discussão, com base estrita ¬
do capitalismo, a primeira desempenha o papel de “ mediador eva ¬
mente nessa parte da obra ( Hegel , 1952: 133-150).
nescente” entre o mundo “ tradicional medieval ” de que emergiu e o A descrição hegeliana fala do “ senhor ” e do “ servo” e busca
mundo “ moderno e secularizado” que ajudou a preparar . Sua im ¬
apanhar as relações dialéticas que os vinculam numa unidade. Essa
port â ncia estaria num aspecto paradoxal da narrativa weberiana , e - unidade é uma figura da consciência que deve ser entendida como
essencial nela: é que n ão encontramos nela a exposi ção um tanto tri ¬ um todo e que trata especí ficamente n ão do servo e do senhor como
vial de uma transição para o “ desencantamento” racional do mundo entidades que comportem tratamento separado, mas da dominação e
através do enfraquecimento da religi ão mas , ao contrá rio, é a inten¬ da servidão como momentos inseparáveis na formação da consciên ¬
sificação do caráter religioso da vida pelo calvinismo que, ao conver¬ cia de si independente e, em seguida , livre. Assim , quando se fala do
ter o mundo todo no equivalente a um monastério, ajuda a desenca ¬ senhor e do servo a refer ência é à consciência senhorial e à consciên ¬

dear as transformações cujo ponto final é o capitalismo moderno . É cia servil , e não diretamente a indiv íduos ou categorias sociais.
apenas ao reforçar sua presença histórica que a ética protestante pro¬ Trata-se, portanto, de examinar a formação da consciência de
move a coerência entre os fins e sentidos religiosos e a organização si ; e esta somente se realiza á través de uma outra consciência de si .
racional dos meios. E ao fazê-lo, cria , de maneira não-intencional Ela é “ uma consciê ncia de si para uma consciência de si ” . Para reco-
nos seus agentes, as condições para o seu desaparecimento da cena nhecer-se a si própria ela carece do reconhecimento por outra e, para
hist órica no que diz respeito à organização e persistência do mundo tanto, precisa reconhecer a outra. Mas esse reconhecimento precisa
racionalizado em moldes capitalistas. O capitalismo triunfante dis¬ ser especí ficamente humano e não meramente natural: não pode fi ¬
pensa o apoio da ética religiosa , como diz Weber . car limitado ao desejo imediato e à sua satisfação. O senhor tornou -
Para além do interesse específico da sua análise (e contraria¬ se tal justamente por ter superado, no combate, o â mbito meramente
mente, talvez, a algumas de suas inten ções) o trabalho de Jameson
permite ilustrar como a idéia de “ elo mediador ” em Weber , por im ¬
natural da vida e ter afrontado heroicamente — isto é, em nome de

exigências e necessidades que escapam ao mundo natural a morte,
portante que seja no seu pensamento, nada tem em comum com a o “ senhor supremo” . O servo, vencido, torna-se tal ao aceitar sem
“ mediação” hegeliana, que jamais é concebida como intermediá ria e mais a vida , na qual é mantido em troca da servidão. Na primeira re¬
muito menos como “ evanescente” nos processos em que figura. Es¬ lação entre ambos o senhor aparece como capaz de atingir a indepen ¬
sa mesma distinção pode também ser examinada com apoio num ou ¬ d ência e a consciência de si , e o servo surge como inteiramente de¬
tro tema que apanha aspectos centrais das obras de Hegel e Weber. pendente dele, que dispõe sobre sua manutenção em vida , e subordi ¬
Trata-se do confronto entre a idéia hegeliana da “ dialética entre o nado à pura exterioridade natural. Sua relação com o senhor é de pu¬
senhor e o servo ” e a idéia weberiana da “ dominação ” como relação ro temor. Mas, as relações entre ambos se desdobram num movi¬
social fundamental. Parece-me que é a í que encontraremos o ponto mento complexo que acaba invertendo a posição inicial, sem no en ¬
de partida mais rico para o exame das eventuais afinidades e , sobre¬ tanto anulá-la. O senhor n ão reconhece o servo como outra cons¬
tudo, das fundas diferenças entre essas linhas de pensamento, de pre¬ ciência de si. Ele é o seu instrumento para satisfazer seus desejos , e
ferência ao de burocracia , que afinal est á subordinado à temática da suas relações com as coisas desejadas passam sempre por ele. Mas , o
dominação. senhor depende para seu reconhecimento como consciência indepen ¬
A secção sobre “ dominação e servidão ” constitui uma das pas ¬ dente da consciência dependente e n ão reconhecida por ele do servo.
sagens mais célebres da Fenomenología do espírito, de Hegel . Na Nesta caminhada o senhor não tem como atingir a consciência de si,
descrição do movimento do espí rito para si pr ó prio através de figu ¬ e a consciência dependente do servo passa a ser a verdade da cons¬
ras de consciência que se desdobram e vão ganhando conteú do con ¬ ciência do senhor . A consciência do senhor est á subordinada ao de¬
sejo; a do servo, às coisas com que se relaciona para servir ao amo.
creto nesse processo de formação que constitui o tema geral da Feno¬
menología , o exame da dominação e da servidão aparece na segunda Entre o senhor e as coisas interpõe-se a consciência servil ; e entre o
parte da obra , dedicada à “ consciência de si ” , e refere-se mais dire¬
servo e a consciência senhorial interpõem-se os objetos da sua ativi¬
tamente à “ independência e dependência da consciência ” . Não te ¬ dade servil. Mas na atividade do servo realiza-se algo inacessí vel ao
nho condições para pretender oferecer um coment á rio desse texto, e senhor: a mediação do desejo e da satisfação, que é o trabalho. O
nem seria este o lugar para isso. Vou limitar -me a assinalar alguns trabalho é “ desejo reprimido” e persistência da satisfação, ele é
120
— Dominação e dialética Dominação e dialética — 121

“ formador ” : sua relaçã o com o objeto é negativa , ele o nega ao N ã o se trata aqui , é claro , de caricaturar a reflex ão hegeliana ,
impor -lhe uma forma , e esta permanece . Nisso o trabalhador forma reduzindo-a à sociologia ou à historiografia , quando sua preocupa ¬
o objeto e se forma a si pr ó prio, como ser para si . Mas o trabalho so ção é mais propriamente com os fundamentos ú ltimos da sociedade e
da hist ória . A quest ã o é sobre a possibilidade de reconhecer -se nisso
¬

bre as coisas abre també m o caminho para que o servo negue , atrav és
da negação do objeto imediato no seu trabalho sobre ele , o pr ó prio algo da orientaçã o das id éias de Weber acerca da dominação; pois,
senhor que se contrapõe à sua consci ê ncia de si , e caminhe para se isso n ã o ocorrer aqui dificilmente ocorrer á em outro ponto , salvo
ela. O confronto com o objeto rio trabalho é també m seu confronto no plano da mera semelhança tem áfica .
interno com seu temor e a abertura para sua supera çã o , pela qual ele Em Max Weber a ¡uta é uma dimensão sempre presente nas rela ¬
se torna formalmente (subjetivamente ) livre e pode reencontrar o seu ções entre os homens , que “ n ão pode ser eliminada de toda a vida
senhor nesse mesmo plano, nos momentos posteriores do desenvolvi ¬ cultural ” ( Weber , 1973: 517 ) e “ atravessa potencialmente toda e
mento do processo . qualquer modalidade de ação [social] ” ( Weber , 1973: 463). Mas, pa ¬
Isso já permite trazer à tona o que efetivamente interessa apon ¬
ra alé m disso , a dominação constitui processo fundamental na sua
tar aqui , que é o car á ter assumido pela domirfação na relaçã o entre o caracterização da vida social e no seu esquema analí tico, como se vê
servo e o senhor . É verdade que esta formulação já é viciada pelo em v á rias passagens do presente trabalho. Neste momento interessa
empenho no confronto com as id éias de Weber , porque apanha uni ¬ o confronto entre a concepçã o weberiana dessas quest ões e a hegelia ¬
lateralmente a dominação, quando em Hegel o processo é descrito de na, esboçada acima .
tal modo que dominação e servid ã o atravessam -se mutuamente nu ¬ A luta a que Weber se refere não diz respeito a uma configura ¬

ma unidade inextricá vel . O importante , contudo , é assinalar como çã o de uma consciê ncia que transcende os homens empí ricos , mas
em Hegel a dominação / servid ão perpassa ambos os termos opostos, sim a uma orientação básica nas condutas reciprocamente referidas
o senhor e o servo, determinando-os numa unidade em que cada ter ¬
de agentes sociais. Refere-se estritamente a conteú dos subjetivos da
mo també m assume um car á ter contradit ório. Nesse movimento o ação de cada qual e n ão tem qualquer desenvolvimento fora das suas
senhor é também servo do servo e o servo é també m senhor do se¬ ações efetivas. Quanto à dominaçã o, trata-se de conceito fundamen ¬

nhor . Ao mesmo tempo, senhor e servo est ã o envolvidos nã o apenas tal em Weber , quando nada porque permite associar duas premissas
num confronto externo mas também interno a cada qual: trata-se de do seu esquema anal í tico: a da exist ê ncia na vida social de uma mul ¬
tornar -se senhor de si pró prio. Assim , a dominação est á na relação tiplicidade de valores equivalentes , entre os quais não se podem esta ¬

entre os termos e nos pr ó prios termos. Ao cabo do processo descrito belecer critérios estritamente racionais , objetivos e , muito menos,
por Hegel fica claro que, na dialé tica da dominaçã o e da servid ão, é universais de escolha , e a da escassez como pano de fundo de toda
ao servo que cabe efetivamente determinar -se como sujeito , em am ¬ ação social . Da associação entre ambas deriva a idéia de uma apro¬
bos os sentidos do termo. Vale, no entanto, frisar que em Hegel esse priação diferencial de bens valorizados materiais e simbólicos , que se
processo todo corresponde à descrição de uma figura particular da tornam objetos de uma disputa , latente ou aberta , acerca da sua dis ¬

consciência , no interior de um movimento em que ela se desdobrará tribuição social e da sua persist ê ncia na condição de valorizados em
em outras e que só ganha sentido da perspectiva mais desenvolvida detrimento de outros possí veis . Mais especí ficamente , a dominação ,
( na acepção dialética do termo, de desentranhamento das diferenças ) que envolve a possibilidade de obter -se obedi ência , repousa na legiti ¬
que é o “ saber absoluto ” , do conceito constitu ído plenamente , no mação pelos dominados dos valores que fundamentam a capacidade
qual se estabelece a unidade consciente do subjetivo e do objetivo ; de mando dos dominantes . A legitimaçã o implica , portanto, omis ¬

ou seja , da perspectiva da conciliação entre o conceito e o real , na são, ou repressão , da busca de valores alternativos pelos dominados.
qual , para lembrar a formulação célebre da Filosofia do Direito , a O exame dos motivos subjetivos para a legitimaçã o permite construir
realidade tornada concreta , efetiva , é racional e o racional é realida ¬ uma tipología da dominaçã o , relativamente vazia de conte ú dos his¬
de efetiva. Não faz muito sentido , assim , perguntar -se sobre quem é t ó ricos e portanto aplicá vel a situações concretas bastante diversas,
decisivo, o senhor ou o servo, e n ão faz sentido algum conceber essa conforme a orientação do interesse do pesquisador . Vale assinalar
relação como eterna e imut á vel , pois, como momentos de uma figura aqui que Weber constr ói tipos de dominação, dos quais os motivos
da consciência que é uma etapa na formação do espí rito , ambos de ¬ de legitimação são complementares. N ã o é possí vel estabelecer uma
ver ão ser superados. analogia entre o par conceituai dominação / legitimação e a oposi-
122 — Dominação e dialética Dominação e dialética — 123

ção hegeliana consci ê ncia senhorial / consci ência servil , visto que , no tendo em vista a tend ê ncia de Weber para operar com dicotomias r í ¬

caso weberiano, os termos n ão se interpenetram e se desdobram na gidas , entre as quais não h á concilia çã o nem terceiro elemento inter ¬
formaçã o de uma unidade nem , muito menos, são suscet í veis de medi á rio. Mas isso n ã o invalida a quest ão , antes a refor ça , pois o
qualquer inversão. Mas , o ponto decisivo para caracterizar o modo conceito de dominação ocupa posi ção nuclear no esquema de Weber
como Weber separa o que em Hegel são momentos de uma unidade e , portanto, merece tratamento muito particular da sua parte . O fato
— —
e o faz assumindo uma perspectiva senhorial consiste em que
sua grande quest ão est à na criãfcão de novos valores e n ão na mera
é que h á um mediador entre
dominantes e dominados no esquema
weberiano , e com caracter í sticas muito peculiares . Trata -se do “ qua ¬

opção entre os possí veis existentes. E isso cabe exclusivamente aos dro administrativo ” , que é assinalado por Weber como componente
dominantes ( mais precisamente, a um tipo particular de dominante, de qualquer tipo de dominação que tenha vigê ncia ao longo do tem ¬
o líder carism ático) e nunca aos dominados; o que contrasta forte ¬
po. A peculiaridade do quadro administrativo consiste em que , se
mente com a imagem hegeliana do senhor ocioso e confinado no mo ¬
considerarmos a an á lise de Jameson citada acima , ele é um mediador
mento do desejo. Se observarmos esse contraste e considerarmos que não evanescente. Ao contr á rio , quanto mais Weber enfatiza a eficá ¬

a criação de novos valores , que para Weber define o que h á de mais cia de um tipo de dominação , ou seja , quanto mais ele se aproxima
'

fundo na dinâ mica hist órica , é concebida por ele como irracional ( no do exame da dominação de tipo racional -legal , cujo quadro adminis ¬

sentido de irredut í vel a considerações puramente racionais fundadas trativo e de tipo burocr á tico , mais se acentua a consist ê ncia interna e
em quaisquer condições objetivas já dadas), transparece o peso que a durabilidade desse mediador privilegiado, que é o quadro adminis ¬
tem , para a formação do seu esquema , o abandono do tema do tra ¬
trativo intercalado entre dominantes e dominados. O quadro admi ¬

balho, t ão presente nas considerações hegelianas sobre a dominação nistrativo n ão é uma mediaçã o dial ética mas é estritamente concebi ¬
(e depois incorporadas criticamente por Marx). Como é sabido, o do como um intermediá rio , externo aos termos que vincula . Como
pensamento weberiano move-se no campo da apropriação e da dis ¬ tal , figura como instrumento para assegurar a adequada efetivaçã o
tribui ção e n ã o do trabalho e da produ ção; e aqui manifesta -se sua dos mandatos dos dominantes . Mas , como ele n ão se limita a estabe ¬

diferen ça não só em relaçã o a Marx mas já em relação a Hegel , ex ¬ lecer a passagem entre os termos e depois desaparecer , introduz-se o
pressa ambas as vezes na rejeição de qualquer perspectiva dialética , risco sempre presente de que o instrumento venha a usurpar a com ¬

que, no concernente a Hegel , ele caracterizava negativamente como pet ê ncia daqueles que o usam , e a pô r em xeque o pr ó prio controle
uma visão “ emanatista ” e “ panlogista ” da hist ória. A isso também externo sobre ele por parte dos dominantes , ao mesmo tempo que se
se vincula a concepção weberiana da luta e da dominação como di ¬
mensões sempre presentes na vida social , sem qualquer perspectiva
-
afasta ainda mais dos dominados ; e isso ocorre com maior força no
caso da burocracia ( recordem -se as análises weberianas sobre o con ¬

de superação. flito entre o pol í tico e o burocrata , por exemplo ) . Atingimos aqui
Um último ponto , que me parece especialmente sugestivo, diz um ponto em que já não se trata somente de demonstrar as diferen ¬

respeito ao modo como aparecem , no tratamento do tema da domi ¬ ças entre o pensamento weberiano e outros , mas no qual um dos pro ¬

nação, a idéia hegeliana de “ mediação ” e a weberiana de “ elo me ¬


blemas mais fundos desse pr ó prio pensamento vem à tona . Trata-se
diador ” . Como vimos no exame da dialética da consciência senho¬ do empenho, sempre presente nele, no sentido de definir certas enti

¬

rial e da consciência servil que são ambas formas da “ consciê ncia



dades como instrumentos subordinados a fins externos a elas —a
alienada ” o movimento dominação/ servidão pode ser interpreta ¬
do como sendo a mediação na unidade desses momentos opostos , no

burocracia , a ciência , a pr ó pria razão que entra em choque com a
tend ê ncia de vê-los oscilar entre a usurpa çã o dos fins e o simples de-
interior do processo de constituição da consciê ncia de si . E quanto | saparecimento , através da incorporaçã o das suas fun ções por um dos
ao mediador na aná lise weberiana da dominação? A quest ão pode termos que intermediavam . Esse problema retornará mais adiante ,
parecer um tanto artificial , pois a busca de um elo intermedi á rio en ¬ após um exame de alguns aspectos importantes do tipo-ideal como
tre tipos contrastantes foi apontada antes como ocorrendo nas an á ¬ recurso metodológico básico em Weber .
lises hist ó ricas concretas de Weber e sequer foi sugerido , e muito me ¬

nos demonstrado, que ela també m se encontre nas demais dimensões


do empreendimento weberiano, incluindo o seu esquema analí tico. E
possivelmente nem se poderia cogitar dessa generalizaçã o , sobretudo
5
Caráter, destino e hist ória

Vimos que as afinidades entre o pensamento de Weber e o de Hegel


são superficiais e no m á ximo de natureza tem á tica . A busca de linhas
de pensamento que revelem semelhan ças mais profundas com a de
Weber , relativas , portanto , aos seu pr ó prios fundamentos metodol ó ¬

gicos , nos conduziria para al é m de Hegel , a autores que n ã o eram in ¬


diferentes , a ambos , quanto à tem á tica , como Montesquieu , por
exemplo. A propósito, Ernst Cassirer sustenta , em seu livro sobre a
filosofia do lluminismo , que
“ é possivel dizer acerca de Montesquieu que ele ê o primeiro pensador a
captar e exprimir claramente o conceito de ‘tipos ideais’ na hist ó ria ; O es¬
pírito das leis é uma doutrina pol í tica e sociológica de tipos” ( Cassirer ,
1955: 210).
Cassirer cita como exemplos disso as formas de governo analisa ¬
das por Montesquieu e , embora considere a capacidade de “ exprimir
uma certa estrutura ” uma caracter í stica central dos tipos, sua inter ¬
pretação n ão é irrelevante para o exame do tema em Weber .
“ Montesquieu est á plenamente consciente da natureza l ógica peculiar dos
conceitos básicos introduzidos dessa maneira . Ele n ão os considera sim ¬

plesmente conceitos abstratos de cará ter puramente gen é rico, concebidos


apenas para destacar e cristalizar certos traços comuns encontrados entre
os fen ô menos reais. Montesquieu tenta estabelecer , mediante esses con ¬

ceitos , para al ém de qualquer generalidade emp í rica dessa natureza , uma


universalidade de sentido que se exprime nas formas individuais de gover ¬

no; ele est á empenhado em trazer à tona a regra interna pela qual esses go ¬

vernos são guiados. O fato de essa regra n ã o encontrar expressão perfeita


em nenhum caso particular de governo e n ão poder realizar -se completa e
exatamente em caso hist ó rico algum em nada diminui sua import â ncia . Se
Montesquieu atribui a cada uma dessas formas de governo seu pró prio
princí pio (...) a natureza de cada qual jamais pode ser confundida com a
exist ê ncia empí rica concreta , pois exprime mais um ideal que uma realida ¬

de. ” (Cassirer , 1955: 211 . )


126 — Caráter, destino e história Caráter, destino e história
— 127

Claro que essa caracterização nào diz respeito diretamente ao modo saio sobre a objetividade. Na realidade, trata-se de trecho do comen ¬

como Weber concebe o tipo ideal, mas ela não deixa de assinalar cer ¬ t á rio que George Sabine dedica á célebre frase de Hume , de que “ a
tos aspectos relevantes, como o seu cará ter particularizador , razão é e deve limitar-se a ser escrava das paix ões e jamais pode aspi ¬
“ irreal ” , comparativo, e a circunst â ncia de ser constru í do com base - -
rar a outra tarefa sen ã o servi las e obedecê las” ( Sabine, 1973: 551 -
em um princí pio que o articula e lhe d á sentido. Este ú ltimo ponto é 552). Entre as “ pequenas adaptações ” a que aludi para tornar essa
defendido vigorosamente como constituindo traço essencial do tipo passagem congruente com as idéias de Weber estaria a substitui ção
ideal nos trabalhos de Maria Sylvia de Carvalho Franco (Carvalho de “ razão ” por “ ciência ” e de “ paixões” por “ valores ” , o que ,
Franco , 1972: 23-24). A propósito , essa circunst â ncia pode ser ú til bem examinado , revelaria n ão ser pouco; mas as semelhan ças entre
també m para explicar a perturbadora freqiiê ncia do termo “ estrutu ¬ as linhas de pensamento saltam aos olhos, e talvez, pudessem ser des ¬
ra ” nas análises de Weber , especialmente em Economia e Sociedade. de logo acentuadas, para al é m das diferen ças, se considerássemos o
Assim , quando ele escreve que “ em conson â ncia com seu princí pio forte papel desempenhado em ambos os casos por noções como as de
estrutural o patrimonialismo foi o lugar especí fico do desenvolvi ¬
escassez e interesse. Efetivamente, seria possí vel assinalar vá rios
mento da figura do ‘favorito’ ” ( Weber , 1972: 646), isso poderia ser pontos de afinidade entre o pensamento de Weber e aquele que tem
lido em termos de que segundo o princí pio que informou a constru ¬ Hume como seu ponto de referê ncia , ou seja , a melhor linhagem po

¬

ção do tipo de dominação patrimonial, destacam-se determinados sitivista entendida aqui não em termos comteanos mas como
fen ômenos, entre os quais o apontado. aquela que vai precisamente de Hume a tend ê ncias contemporâ neas ,
O conceito de tipo ideal aparece inicialmente como a expressão como o empirismo l ógico e o pragmatismo. As reiteradas objeções
mais n í tida da solu ção dada por Weber aos problemas suscitados pe¬ de Weber ao “ naturalismo” (que interpretava basicamente como
la sua concepção de ciência hist órico-social . Essa solu ção consiste uma concepção do conhecimento que atribui à ciê ncia a faculdade de
em assumir da maneira mais conseqiiente o car á ter fictício dos con ¬ legislar diretamente sobre a conduta) não devem obscurecer sua pro ¬

ceitos com que operam essas ciências. Com isso, eles sã o entendidos ximidade em relação ao positivismo em vá rios pontos importantes.
estritamente como instrumentos para análises empí ricas e particula ¬ Entre estes cabe assinalar: seu nominalismo, expresso na recusa em
res , no â mbito portanto de uma “ ci ê ncia da realidade ” , como de res¬ admitir outras referências que n ã o individuais para quaisquer con ¬
to fica expl ícito no ensaio sobre a objetividade. Vale dizer , de uma ceitos; sua cren ça , mantida apesar das interpretações em contrá rio,
ci ência preocupada unicamente com o modo de apresentação dos fe¬ na unidade do mé todo cient í fico; sua preocupação com distinguir ni ¬
nômenos e com as relações entre eles, sem questionar seus pressupos¬ tidamente entre enunciados sobre o “ ser ” e sobre o “ dever ser ” . Es¬
tos para alé m do plano metodológico e sem preocupar-se com a bus ¬ te ú ltimo ponto, é claro, já está também presente em Hume , com o
ca de quaisquer “ essências” não acessíveis à experiência empírica. É qual o pensamento de Weber também guarda outras afinidades mais
nesse ponto que, demais das eventuais inspirações neokantianas ou especí ficas. Apontarei somente uma , sempre com a ressalva de que
mesmo nietzscheanas , ganha sentido a idéia de que há pelo menos não se trata de raciocinar em termos de “ filiações ” ou “ influências ”
tanto de Hume quanto de Kant incorporado ao pensamento weberia- diretas , mas sugerir que determinados problemas relevantes para o
no ( Jonas, 1964: 34). entendimento de Weber podem ser descritos proveitosamente com
“ A razão enquanto tal não prescreve qualquer forma de agir. referê ncia à orientação classicamente representada por Hume.
Ela pode mostrar , mediante um conhecimento de causas e efeitos, O ponto em quest ão diz respeito à atenção que ambos os autores
que o resultado de agir de uma certa maneira será este ou aquele; ain ¬ dedicam às caracter ísticas da ação individual , num contento de ênfa ¬
da persistirá a quest ão sobre se, ao cabo do raciocí nio , o resultado se nos processos particulares e de desconfiança diante das generaliza ¬
será aceit á vel ou não para a inclinação humana . A razão é um guia ções sumá rias, mas sobretudo àquilo que concerne à idéia da regula ¬
para a conduta na estrita medida em que mostra quais meios atingi ¬ ridade das condutas humanas. Em ambos os casos a concepção da
r ão uma meta desejada ou como pode ser evitado um resultado desa ¬ tendência humana para persistir numa orientação da conduta torna ¬
gradá vel ( ...) ” . da habitual desempenha papel importante, tanto no trato com ques¬
A citação acima , com algumas pequenas adaptações, poderia tões substantivas (como a da estabilidade da vida social) como na or ¬
apresentar -se como uma descrição sumá ria do papel da ciência social ganização do pró prio esquema analí tico. No caso de Weber isto se
segundo Max Weber , tal como ele o expõe na introdução ao seu en- manifesta na sua idéia de que o conhecimento de regularidades empí -
128 — Caráter, destino e história Caráter, destino e história — 129

ricas da conduta ( o conhecimento "nomol ógico ” ) é importante para porque permite formular hipóteses acerca da sua influ ê ncia causal
a explicaçã o hist ó rico-social , e constitui mesmo o fundamento da sobre o modo como se apresentam contemporaneamente certos \ alo ¬

aplica çã o do conceito de " possibilidade objetiva ” , pela qual se bus ¬ res a que o pesquisador adere ; em suma , trata -se de examinar a res ¬

ca "apreender conex ões causais reais mediante a construçã o de cone ¬ ponsabilidade hist ó rica do tipo em face daquilo que importa ao pes ¬

xões irreais” ( Weber , 1973: 287 ) ; e essa constru çã o só é vi á vel quan


¬ quisador .
do se associa a id éia de decursos hist ó ricos alternativos poss í veis à de Em seu ensaio sobre " Destino e car á ter ” Walter Benjamim le ¬

que as regularidades emp í ricas de conduta observadas no curso efeti ¬


vanta , evidentemente em outro contexto , certas quest ões que sã o
vo se manteriam no curso alternativo constru í do pelo pesquisador . muito sugestivas para o nosso tema . Numa passagem , ele comenta
Essa id éia , da tend ê ncia dos motivos e das orientação da a çã o para se uma f ó rmula de Nietzsche — "Se algu é m tem um car á ter , ele tam ¬

manterem constantes , permite aproximar Weber da concepçã o de


Hume , de que esses motivos básicos sã o constantes e em n ú mero re ¬
bém tem uma experiê ncia vivida , que sempre recomeça ” — e a inter
preta da seguinte maneira : “ se ele tem um car á ter , ele est á submeti
¬

duzido (o que n ã o implica que as formas das suas combinações e da do , por isso m ésmo , a um destino que , no essencial , permanece cons ¬

sua manifestação emp í rica sejam suscet í veis de an á lise exaustiva ). O tante ” ( Benjamin , 1959: 49 ) . Ora , se transcendermos a experi ê rlcia
essencial , em Weber , é que o conhecimento "nomol ógico ” refere-se vivida e tomarmos esse algu é m estritamente pelo que tem de caracte ¬

a regularidades observadas que sã o insuficientes para estabelecer leis r í stico, isso equivale a tom á - lo como tipo. Nada fazemos , ent ã o , se ¬

gerais mas ensejam infer ê ncias plaus í veis , que assentam na probabi ¬
n ã o definir univocamente e fixar sua experi ê ncia , isto é , entend ê- la
lidade de se repetirem as conexões entre motivos e condutas j á reite ¬
como destino . "O tempo do destino é um tempo fixo , e disso adv é m
radamente observadas . essa transpar ê ncia das coisas que favorece a tarefa dos videntes ” ,
No geral , contudo , a posi çã o básica de Weber acerca dessas diz Benjamin ; e favorece també m a tarefa dos soci ólogos weberia -
quest ões é clara . Ele est á perfeitamente disposto a pagar o preço de nos .
operar com constru ções explicitamente fict ícias , desde que isso crie O tipo ideal sociol ógico refere-se , contudo , sempre a indiv í ¬

condi ções para tornar cognosc í veis e control á veis determinados seg ¬
duos , sejam eles agentes ou constelações hist ó ricas. Mas , é nesse
mentos da realidade emp í rica , quando nada porque esse , mais que a ponto que o termo “ indiv í duo ” revela sua ambigiiidade enganadora ,
vocação, é o destino do homem de ci ê ncia. Dificilmente seria possí ¬
pois o pr ó prio do tipo é tornar impessoal a ordem de fen ô menos a
vel associar um exame do pensamento de Weber à discussão do ceti ¬
que se refere, e isso ele també m compartilha com a noçã o de destino .
cismo, como costuma ocorrer com relação a Hume. E essa diferen ça “ O sujeito do destino permanece indetermin á vel ” ( Benjamin , 1965 :
est á presente, entre outros pontos , no papel de relevo que ocupa no 72 ) .
esquema weberiano a id éia de destino, que exprime a raiz ética do A identificaçã o destino-car á ter assim concebida , que Walter
seu pensamento, em contraste com a .postura mais propriamente es¬ Benjamin critica , vincula atributos dos sujeitos a um veredito sobre
t ética de Hume (que se manifesta na sua concepção da hist ória como eles ; ambos são despojados de qualquer conte ú do moral , sã o como
espet áculo) e que afinal est á na base da atração que ele exerce sobre o ' que naturalizados. As qualidades dos sujeitos sã o mat é ria de consta ¬

pensamento conservador . E essa pr ó pria id éia de destino pode aju ¬


tação, n ão de julgamento moral . Mas , “ somente as condutas t ê m
dar - nos també m a examinar alguns aspectos diretamente relevantes significaçã o moral , n ão as qualidades ” , lembra Benjamin . O tipo
para a an á lise do problema da constru ção e aplicação dos tipos | ideal lida com condutas , com linhas de açã o dotadas de sentido;
ideais. mas , não só se trata dos sentidos para os sujeitos como , no processo
O tipo ideal é um conceito fundamentalmente caracterizador. mesmo de construir os tipos , as condutas convertem -se em traços dos
Ele n ão se aplica aos traços m édios ou genéricos de uma multiplici ¬ s agentes , em qualidades. Assim , també m o tipo é valorativamente va -
dade de fen ômenos , mas visa a tornar o mais univoco poss í vel o ca ¬
f zio.
r á ter singular de um fen ômeno particular . Seu princí pio básico de Separemos, contudo , o car á ter do destino — do “ sistema de re ¬

construçã o é genético : tais ou quais traços isolados da realidade são lações que liga o homem ao erro ” — e examinemos a sua expressã o
mais pura. As com édias de um Moli è re , por exemplo , mostram - nos
selecionados e associados no tipo na estrita medida em que a ordem
de fenô menos a que ele se refere é significativa para o pesquisador , isso em sua plenitude . O que ocorre ? Continua o car á ter amoral , ou
130 — Caráter, destino e história Caráter, destino e história
— 131

pseudo- moral, do tratamento. As qualidades do car á ter có mico em


nar que toda e qualquer modalidade de an á lise cient í fica no dom í nio
quest ão —
a avareza , a hipocondria —
n ão são analisadas , e nada
aprendemos sobre elas. Nos personagens de um Moliere ,
hist órico-sociaEopera , ainda que espontaneamente , com tipos , e n ã o
se dar conta de que o esquema metodol ógico que propõe pode ser
considerado ele pró prio um “ tipo ideal ” ( Ashcraft , 1971 : 165 , nota
“ O car á ter se exibe qual um sol ; o brilho do seu ú nico traço é t ã o podero- ! 169).
so que ao redor dele os outros tornam -se invis í veis . O que torna sublime a
com édia de car á ter é que o homem , como sua moralidade , nele permane
ce an ó nimo , no momento mesmo em que , no seu ú nico traço de car á ter ,
¬
Creio que essa ordem de considera ções — que faço porque We ¬
ber não era um simples metod ólogo e pesquisador emp í rico , mas um
homem integralmente voltado para o seu tempo e cujo pensamento
v ê-se o individuo chegar ao seu á pice. Enquanto o destino desenrola a
imensa culpabilidade da pessoa culpá vel , o m ú ltiplo encadeamento de lia ¬ —
se nutriu de todas as fontes a que teve acesso poderia ajudar tam
bém a esclarecer um t ó pico que n ã o ser á mais examinado aqui . Tra
¬

mes que se tecem ao redor do seu erro ( ... ) , o car á ter traz a resposta do gê¬ ¬

nio. Ao complexo sucede o simples , o factum torna-se liberdade. O car á ¬ ta-se dessa conjugação de opostos representada pela presen ça de
ter do personagem có mico n ão é o espantalho que os deterministas for ¬ uma “ ética da convicção ” e uma “ ética da responsabilidade ” em
jam ; ele é a tocha que ilumina a liberdade dos seus atos. ” ( Benjamin , Weber .
1965: 76.) Enquanto instrumento caracterizador o tipo ideal não se con ¬
funde com conceitos generalizadores ou classificat órios . Ele particu ¬

Em seu ensaio , Walter Benjamin est á empenhado em distinguir lariza certas modalidades de ações com sentido ou de seus agentes
as ideias de car á ter e destino , em repô-las nos seus devidos lugares. portadores precisamente ao torn á -los “ an ónimos ” , de tal modo que
No tipo ideal , contudo, elas aparecem entrelaçadas e privadas de sua presença , ou ausência , sem deixar de ser singular , possa ser loca ¬
quaisquer motivos éticos ou religiosos. O que faz com que o conceito lizada pela pesquisa empí rica em tais ou quais manifestações da rea ¬
sociol ógico de tipo , tal como o é concebido por Weber, vincule , nu ¬
lidade hist órico-social. Nesse sentido, ele exprime também o esforço
ma constru çã o un í voca , a id éia da liberdade do sujeito, ao caracteri - de Weber para operar uma s í ntese , mais do que uma contraposição
zá-la unilateralmente para ressaltar seus traços mais caracter í sticos , e r ígida , entre um conhecimento individualizador e um generalizador
a da trama inexorá vel do seu destino? É o procedimento genético en - ¬
no dom í nio hist ó rico-social . A constru çã o do tipo pressupõe um cer ¬
volvido na sua constru ção. Na medida em que apenas se tornam sig ¬
to grau de conhecimento de uma realidade espec í fica , para a qual ela
nificativos os traços individuais (e pouco importa que se trate do fornece os elementos básicos , além de demandar , em maior ou me ¬

agente, como , por exemplo, o “ puritano ” , ou de um indivíduo his ¬


nor grau , o recurso ao “ conhecimento nomol ógico ” . Este segundo
t órico, como o “ esp í rito do capitalismo ” ) que t ê m a ver com o modo ponto é salientado de maneira expressiva por Guenther Roth :
como influ í ram ou influem sobre determinados valores contempor â ¬

neos nã o questionados , seus desdobramentos no tempo já est ã o pre- “ Os tipos ideais são constru ídos com a ajuda de regras da experiê ncia his ¬
figurados na sua pr ó pria constru ção. Isso persiste mesmo quando o | t ó rica , que são usadas como proposições heur í sticas . Por exemplo , a teo¬
propósito em jogo é expl í citamente o de formular hipóteses acerca ria da monarquia de Weber inclui a observação de que os monarcas , ao
dessas relações causais , pois assim apenas se torna condicional e su -
J longo do tempo, desde a Mesopotamia antiga at é a Alemanha imperial ,
| t ê m -se preocupado com o bem -estar dos seus s ú ditos, porque necessita ¬
jeita a met ódica verificação emp í rica a relaçã o estabelecida . 1 vam do apoio dos estratos inferiores contra os superiores ; entretanto , es¬
O conceito de tipo ideal incorpora , na sua expressão mais pura , 1 ses estratos superiores , a nobreza e o clero , normalmente mant ê m -se im ¬
as ambig ü idades do empreendimento weberiano. Ele combina , num I portantes para a manuten ção do poder e legitimidade mon á rquicos . Em
“ todo n ã o contradit ó rio ” , a concepçã o da liberdade e da autonomia consequ ê ncia , a estabilidade da monarquia repousa em parte na habilida ¬
do sujeito com a de que suas ações t ê m consequ ê ncias que poder ã o de do chefe em equilibrar ambos os grupos. É a partir de observações co ¬
questionar pela base esses mesmos atributos . Vale dizer , toma o indi ¬ mo essas , que permitem a especificação necessá ria , que emerge o tipo
viduo como “ car á ter ” , mas o faz mediante um procedimento que ideal do patrimonialismo . ” ( Roth , 1968: 33.)
desde logo o vincula ao seu “ destino ” . Isso permite lembrar , tam ¬
Uma vez constru í do o tipo , ele pode ser aplicado a todos os casos em
bé m , que dadas as premissas gerais e a postura básica de Weber , o que fen ô menos compar á veis àqueles que comandaram sua constru
conceito de tipo ideal é necessário ao seu esquema , mas ao mesmo
¬
í>
ção se apresentam . Desde , naturalmente , que se considere que cada
tempo o particulariza. O equ í voco de Weber , nesse ponto , foi imagi - „
132 — Caráter, destino e história Caráter, destino e história — 133

um desses casos será, por sua vez, individual e particular. Por essa Como vimos,' no entanto , Weber é suficientemente tributário de
via Weber tenta superar os impasses entre o historicismo e o positi ¬ uma concepção positivista sobre a unidade do método cientí fico para
vismo. insistir , no ensaio sobre a objetividade, em que a ciência é constitu í ¬
Significa isso que os tipos constru ídos por Weber , ou em conso¬ da não pela articulação objetiva entre “ coisas” , mas pela articulação
nância com seu método, são a-históricos? Seguramente não. É verda¬ conceituai entre “ problemas” . Pode-se, ent ão, pensar numa ciência
por exemplo — —
de que os tipos ideais propriamente sociológicos os de dominação,
sã o relativamente vazios de conte údo hist órico, no
histórico-social unificada como conjunto de problemas? Não vejo
como, se os próprios fundamentos para a formulação dos problemas
que se diferenciam dos tipos caracterizadores de “ individualidades e dos conceitos são heterogéneos e est ão em constante mudança. Na
históricas” — —
a ética protestante, por exemplo em que o pr ó prio
conteúdo é historicamente saturado. Para todos os casos, porém , va¬
realidade, nem mesmo no plano estritamente metodológico Weber
tem como sustentar a idéia da unidade da ciência histórico-social ,
le a consideração decisiva de que a natureza histórica do tipo ideal contraposta à idéia da multiplicidade de histórias. Se o faz, é para
não est á no seu conteúdo, mas no seu próprio procedimento de cons¬ não cair num relativismo irracionalista , mesmo que à custa de hesita ¬
trução. Sua historicidade intrínseca reside no seu car áter genético, ções e incongruências . Convém ressaltar que não estou empenhado
que lhe é essencial , como vimos. É verdade também que o pró prio aqui em contrapor a Weber esquemas que lhe são alheios; interessa-
modo de exposição adotado por Weber (ou pelos responsáveis pela me apenas acompanhar sua posição até o fim . E ele conhece muito
publicação de suas obras póstumas) possa por vezes sugerir o contrᬠbem os riscos que corre, pois dirige-se explicitamente àqueles que
rio. Com efeito, nas passagens sistemáticas, sobretudo as introduzi ¬ querem fazer ciência , que compartilham à sua maneira os valores da
das de Economia e Sociedade, pode-se ter a impressão de que Weber verdade e da razão. Mas ele não tem nenhuma garantia contra o peri ¬
estaria 'buscando formular um sistema de tipos puros de ação e de go do isolamento. Talvez daí advenha , em parte, sua preocupação
dominação, com validade geral; em dado momento ele próprio le¬ constante com a coerência. Diante do risco, percept ível já na sua
vanta a idéia de uma “ casuística ” , que implicaria ir tratando, passo época, de um isolamento real nas suas posições, ele age conforme a
a passo, de todos os casos possíveis, para logo abandoná-la. expressão de Lutero sobre o homem solitá rio, que “ sempre deduz
Ambas essas idéias, contudo, entram em choque direto com as uma coisa da outra e pensa tudo até a sua mais amarga conclusão”
premissas básicas do seu pensamento , no tocante ao conhecimento (Arendt , 1960: 477).
cient í fico. Com referência à primeira ainda é possí vel fazer uma con ¬ Na realidade, o modo de exposição dos tipos puros em Econo¬
cessão, e admitir que um pesquisador individual, ou um conjunto de¬ mia e Sociedade que, na parte introdutória, segue a forma da defini¬
les com a mesma orientação, pudesse elaborar um esquema tipológi ¬ ção, induz facilmente a equ ívocos graves. Muitos já foram levados a
co fechado e exaustivo, entre outros possí veis, e não é imprová vel operar com os tipos weberiahos em suas pesquisas empíricas como se
que algo assim estivesse na mente de Weber , ao realizar a sua obra. eles fossem modelos (tanto no sentido de exemplar como na sua
Feita essa ressalva , as objeções permanecem . Primeiro, porque o acepção analítica), tomando-os mesmo em numerosas ocasiões co¬
fundamento valorativo da seleção do objeto, num universo de valo¬ mo se fossem paradigmas já prontos para utilização sobre qualquer
res equivalentes e irreconciliáveis, torna inconcebível a articulação -
objeto e livres de pressupostos. No limite , questiona se a própria le¬
da multiplicidade de tipos possí veis caracterizadores desses objetos gitimidade do uso de tipos, com base numa análise em que esse as¬
em termos sistemáticos, pois eles são essencialmente heterogéneos pecto n ão é devidamente levado em conta ( por ex. , Blau, 1963: 306-
quanto ao princí pio de seleção. Tentar conjugá-los num sistema 316).
abrangente permitiria , ao máximo, reproduzir no plano analitico as É preciso, contudo, ter em mente que, se os tipos ideais, incluin¬
pugnas entre valores presentes no mundo histórico-social concreto. do o mais notório que é o de dominação burocr ática, já aparecem
Quanto à “ casuística” , é evidentemente incompat í vel , salvo como prontos na obra sociológica de Weber , isso n ão deve levar-nos a es¬
tarefa infinita, com as id éias weberianas sobre o car áter inesgotá vel quecer que para tanto eles tiveram antes que ser constru ídos. E cons-
dos nexos no universo empí rico em cada momento e sobre o caráter truidos.com base em premissas que os tornam inerentemente hist óri ¬
histórico do próprio conhecimento, que se redefine à medida que no¬ cos, no sentido forte do termo, dado pelo seu caráter genético. Por
vos problemas e perguntas vão emergindo. outro lado, há uma distinção fundamental a ser feita neste ponto,
134 — Caráter, destino e história

sem a qual tanto o cará ter genético do tipo quanto a relação entre
conceito e realidade em Weber ficam ininteligí veis. Pois, o fato de o
tipo ser intrinsecamente hist órico na sua construção não implica que
ele se confunda com a hist ória empí rica. É preciso distinguir o decur ¬
so histórico/empí rico, do qual se extraem os traços que comporão o
6
tipo e ao qual este se aplica como instrumento de pesquisa , da histo¬
ricidade do próprio tipo. Esta só se realiza na sua relação com outra
historicidade, a do pesquisador . É nessa segunda relação que se ma ¬
nifesta a natureza genética do tipo, na medida em que ele é construí ¬
As armadilhas da coerência
do e aplicado tendo em vista a clara formulação de problemas que
sã o significativos para o pesquisador , no momento e no contexto em
que ele se move. É essa distinção que fundamenta a diferença mais
profunda estabelecida por Weber neste particular , que está entre a
sucessão empí rica dos eventos e a sucessão genética típico-ideal; sem ¬ De modo geral, portanto, fazer sociologia “ weberiana ” n ão se reduz
pre considerando-se que o termo “ genético” não se refere aqui à gé¬ a fazer a sociologia de Weber. Não é simplesmente usar os seus tipos
nese do próprio tipo, mas ao papel que lhe pode ser imputado na gé¬ e alguma versão do seu método (salvo, no primeiro caso, se o pesqui¬
nese de situações ou eventos significativos nos quais possa figurar sador assumir explícitamente posição idêntica à de Weber em face da
como fator causal. Em suma, genético como atributo do tipo ideal realidade estudada e demonstrar que isso é empiricamente válido). O
deve ser entendido como causalmente significativo; e isso é equiva¬ requisito básico, no caso, é ter condições e disposição para construir
lente a historicamente relevante; e, por fim , a relevância histórica é os tipos adequados às situações cujo conhecimento se procura e in ¬
definida em termos da historicidade do pesquisador. A distinção bá ¬ corporar , na sua aplicação, as propostas metodológicas fundamen ¬
sica proposta por Weber transparece, por exemplo , quando ele escre¬ tais de Weber . Surge por vezes na literatura a crítica a Weber no sen ¬
ve, numa passagem da sua apresentação das “ categorias sociológicas tido de que seu tipo ideal de dominação burocrá tica é demasiada ¬
fundamentais da vida económica ” , em Economia e Sociedade, que, mente calcado nas condições dos serviços pú blicos prussianos da sua
no estádio ainda preliminar de elaboração de um arcabouço de con ¬ época e que isso diminui ou mesmo elimina sua utilidade para o estu ¬
ceitos uní vocos indispensáveis para a pesquisa em que a análise se en ¬ do de condições diferentes. Mas , supondo que seja o caso, isso não é
contra naquela passagem , “ é evidente que não apenas a sucessão em¬ uma cr ítica a Weber e sim àqueles que imaginam ser possível , ou até
-
pírico-histórica como também a sucessão típico genética das formas
[de ação social orientada economicamente] não são tratadas de mo¬
necessário, tomá-lo ao pé da letra. São numerosos os equívocos en ¬
do satisfatório” ( Weber , 1972; 63, grifo meu ).
contradlos tanto nas tentativas de aplicação dos tipos ideais à pes¬
quisa empí rica como em críticas e comentários a seu respeito. No
Entre as premissas da tipología weberiana é essencial a da ênfase mais das vezes, eles derivam da insuficiente consideração pelo cará¬
na racionalidade da ação e no processo de racionalização como ca¬ ter construtivo e genético do tipo; ou , em outras palavras , esquece-se
racterísticas do universo cultural europeu , vale dizer , do mundo de que, para Weber , n ã o são as qualidades objetivas de uma realidade
Weber . Basta considerar isso para perceber que at é mesmo os tipos já dada que comandam a constru ção e utilização dos tipos , mas os
aparentemente mais genéricos e vazios historicamente
tipos ideais de ação social — — os quatro
são construidos rigorosamente em ter ¬
interesses especí ficos do conhecimento, em condições e com pressu ¬
postos também especí ficos. Três exemplos, sumariamente apresenta¬
mos dessa premissa. Eles se articulam , com maior ou menor afasta ¬ dos, são: (1) supor que apenas um ú nico tipo possa ser construído
mento, em torno do núcleo constituído pela ação racional com refe¬ para cada objeto , esquecendo-se de que, afinal , o tipo é constitutivo
rência a fins. E por que somente essa construção seria possível? do objeto e de que, para cada segmento da realidade, tantos tipos
podem ser construídos quantos forem os interesses da pesquisa en ¬
volvidos; (2) operar com um tipo isolado, esquecendo-se de que se
trata de instrumento caracterizador e comparativo ú til para formular
hipóteses e de que isso implica operar com pelo menos dois deles, pa-

(
136
— As armadilhas da coerência

ra poder estabelecer as relações hipot éticas entre fenômenos relevan ¬


As armadilhas da coerência — 137

O que interessa salientar , nesse ponto, é o importante aspecto


tes para o caso; (3) confundir o conceito de tipo com o de modelo , ou metodológico aqui envolvido , que é o da distinção entre uma análise
-
seja , tomá lo como se fosse um sistema de variá veis que, pela mani ¬ centrada numa dimensão analiticamente determinante ( no sentido de
pulação dos seus valores quantitativos, permite a simulação das ca ¬ que a determinação é real mas não imediatamente observá vel ) e ou ¬
ísticas do objeto real.
racter tra , como a de Weber , que opera em termos de uma dimensão empi¬
De qualquer modo, é inegá vel que o recurso aos tipos ideais é in ¬ ricamente dominante na ordem dos fenômenos considerados . Negar
dispensá vel e necessá rio sempre que se opere com as premissas webe- a primeira perspectiva significa enfatizar a segunda . E isso implica
rianas, referentes à concentração da análise no sentido da ação indi ¬ que, se nada é determinado intrinsecamente, somente resta a capaci ¬
vidual e no car áter inesgotável e indeterminado da multiplicidade de dade efetiva de dominação e de exercício do poder por alguns para
eventos que constitui a realidade empírica . Os tipos são imprescind í ¬ dar forma aos eventos , em cada caso particular.
veis , nessas condições, para introduzir uma certa ordem em segmen ¬ Dadas as premissas weberianas da multiplicidade de valores
tos da realidade no plano analitico, ou seja , para que se possa estabe¬ equivalentes , da ausê ncia de determinação objetiva dos fenômenos e
lecer relações entre modalidades diferentes de fenômenos. da escassez de recursos materiais e simbólicos valorizados, é inevit á ¬
Essa ordem nós sabemos de onde provém , na medida em que se vel que a dominação ocupe posição central em seu esquema . Em ter ¬
encontre na realidade: da dominação entre os homens e sua legitima ¬ mos das id éias expostas acima , pode-se dizer que a dominação é afi¬
ção. Em contrapartida , sabemos de onde ela não provém , para We¬ gura concreta assumida pelo “ destino” na hist ória, visto que è o
ber : de qualquer modalidade de determinação objetiva de uma esfera processo responsá vel pela persist ência de linhas de ação e de sentidos
do real por outra ou de todas elas por uma ú nica. A importâ ncia e , portanto, pela imposição de uma certa ordem (sempre singular e
analí tica do conceito de dominação é tanto maior em Weber quanto apenas poss í vel ) aos fenômenos.
mais fortemente ele rejeita o conceito alternativo, de determinação; É verdade que seria simplificar demais as coisas se interpret ásse¬
pois, são essas as categorias que realmente se opõem no seu pensa ¬ mos o conceito de dominação apenas pelo seu viés perpetuador de si¬
mento e não, como alguns parecem supor , as de dominação /conflito tuações, mesmo porque também nesse ponto a an álise weberiana es ¬
e consenso / harmonia, visto que esses dois pares, longe de serem in ¬ t á preocupada fundamentalmente com a dinâ mica especifica dos fe¬
trinsecamente incompat í veis, podem ser vinculados entre si pela nômenos, que examina enquanto processos. Deixando de lado o caso
idéia de legitimação. No pensamento de Weber esse confronto est á
marcado pela ú nica concepção de determinação que parece ser-lhe
da dominação carismá tica — a “ grande força revolucioná ria da his¬
tória ” , porque cria as condições para a emergência de novos valores
acessí vel , segundo a qual , tomado qualquer aspecto da realidade mas que , convém lembrar , també m se “ rotiniza” — já foi demons¬
trado por Bendix que na pr ó pria formulação dos tipos de dominação
hist órico-social, a aná lise sempre revelará que seu modo de
apresentar-se pode ser derivado, desde que se estenda conveniente¬ est á envolvido um componente dinâ mico. Esse componente deriva
mente a cadeia causal , da forma simultaneamente vigente de organi ¬ da “ dualidade de regras” a que os pró prios dominantes est ão sujei ¬
zação das atividades económicas. É inegável que o caráter polêmico tos, e que compromete constantemente a continuidade da legitima ¬
de sua obra contra Marx reforça sua ênfase sobre a categoria de do¬ ção dos seus mandatos. O exemplo mais sugestivo é o da dominação
minação e, em consonância com isso, sobre o nível polí tico- tradicional , no qual há uma tensão constante entre as exigê ncias do
ideológico da análise. Mas isso não é suficiente para explicá-la, nem, respeito à tradição e da iniciativa pessoal por parte da chefia ( Ben ¬
a rigor , necessário. Ela deriva logicamente das suas premissas. Claro dix, 1965: 21). Por outro lado, situações especí ficas de disputas gru ¬
que se poderia argumentar que as próprias premissas são antimarxis¬ pais pelo acesso à condição de portadores do poder de mando podem
tas. É inquestionável que são opostas às do materialismo histórico e ser decisivas para as opções práticas realizadas entre valores equiva¬
que entre ambas não há , em princí pio, conciliação possível , apesar lentes entre si, como sugere Terry Lowell para o caso da escolha en ¬
dos esforços de um Merleau-Ponty para construir um “ marxismo tre jansenismo e puritanismo na França seiscentista ( Lowell, 1973:
weberiano” , nas suas Aventuras da dialética. Mas, pessoalmente, 304-323). Uma tensão mais funda deriva do conflito entre os interes¬
não vejo como afirmar sem mais que elas foram concebidas e adota ¬ ses dos dominantes e os dos membros do quadro administrativo in ¬
das com esse fim específico em vista. Como de h ábito, a hist ória é dispensá vel para a manutenção do seu dom ínio. “ Parte da realiza ¬
mais complexa; Lukács que o diga. ção de Weber repousa no fato de que ele tratou empiricamente a ‘va-
138
— As armadilhas da coerência As armadilhas da coerência — 139

lidade’ dos modos de legitimação em relação às perenes lutas pelo nais para cada caso, são contraditórias quanto ao seu sentido mas são si ¬
poder entre os dominantes e o staff (e parcialmente também os domi ¬ multaneamente ‘vigentes’ empiricamente” . ( Weber , 1913: 445.)
nados) ” ( Roth , 1976: 312). Essa tensão interna ao próprio processo No entanto, as dificuldades suscitadas por essa id éia de sujeito
de dominação/ legitimação pode, contudo, ser interpretado como vêm à tona quando consideramos os seus estreitos v í nculos com as
mais propício à sedimentação que à disrupção das relações sociais .
noções de compreensão e de sentido Na realidade , Weber jamais
que sustenta. conseguiu dar conta de maneira inequ í voca desses conceitos, supos-
O mesmo tema permite examinar por outro ângulo a questão do tamente centrais na sua aná lise. O mais claro sintoma disso é o cará ¬

car áter hist órico dos conceitos weberianos. Tomemos os seus tipos ter inconclusivo e logicamente viciado por um raciocí nio circular da
ideais de dominação: são a-históricos? Visivelmente não, a despeito sua definição de sentido, no in ício de Economia e Sociedade. “ Por
de serem relativamente vazios de conte údo, pois não são indepen ¬ sentido entendemos aqui o sentido visado e subjetivo do sujeito da
dentes entre si no que diz respeito à sua construção e suas relações ação.. .” ; e segue-se uma enumeração de formas de manifestaçã o de
m ú tuas não se reduzem ao plano sistemático-formal. Eles não são sentidos , sem que o termo mesmo seja melhor examinado. Procedi ¬
concebidos como equivalentes. Um deles é dominante em face dos mento semelhante é realizado com referência à compreensão , que de
demais, tanto porque estes são constru ídos em função dele como .
resto não é claramente distinguida da interpretação Num autor rigo¬
porque esse predom í nio é concebido como se exprimindo na forma roso como Weber isso d á o que pensar. O problema , do qual essa im ¬

de uma tendência efetiva no interior de uma hist ória que precisamen ¬ precisão é um sintoma , é, em termos sumários, o seguinte: dadas as
te ele permite caracterizar . Trata-se da dominação racional-legal, condições examinadas antes, e sobretudo o papel nuclear reservado
aquela que particulariza a “ cultura ocidental ” . Isso tem uma conse¬ para a dimensão racionalizada dos processos, o procedimento meto¬
quência importante. É que, nessa linha de raciocí nio, fica patente dológico associado às idéias de sentido e sujeito , ou seja , a com ¬
que a idéia de dominação é responsável não somente pela ordem preensão, tende a ficar irremediavelmente comprometido. Isso por ¬
substantiva dos eventos no esquema weberiano como também pela que, para o caso puro de ação racional referente a fins, é perfeita¬
pró pria ordem lógica desse esquema. mente plausí vel o argumento de que, conhecidos os fins, os meios e
É na ênfase na racionalidade e no processo de racionalização as máximas de ação correspondentes , o sentido mais adequado da
que reside a fraqueza , mas também a força do pensamento weberia¬ ação pode ser derivado inequivocamente sem passar pelo sujeito,
no, como revela o seu exame imanente. Cumpre, ent ão, completar n\esmo porque só há um ú nico curso de ação que maximiza os resul ¬

esse exame. tados da relação meios-fins.


Do que foi visto até agora, transparece que sujeito e dominação Isso não elimina a import ância do recurso à compreensão no es ¬

são categorias fundamentais do esquema analí tico weberiano. No in ¬ quema weberiano , mas sugere claramente o modo pelp qual suas
terior do seu quadro analítico elas estão estreitamente articuladas constru ções analí ticas se contrapõem , em suas implicações ú ltimas,
através da construção de tipos, mas, se tomadas cada qual de per si, aos valores a que ele adere. Com efeito, só se justifica a exigência à
revelam-se as diferenças de papéis que desempenham no conjunto. compreensão quando a margem de autonomia do agente não permite
Se a dominação pôde ser identificada antes com a figura do “ desti ¬ outra via mais direta de acesso a hipóteses adequadas sobre os seus
no” , então o sujeito se apresenta como a tradução para o plano ana ¬ cursos de ação. Lembro que Weber associa a racionalidade da açã o à
lítico da idéia de “ car áter ” . Em outras palavras: se uma exprime a liberdade . Por que, ent ão, no final, a racionalização da ação acaba
visão “ realista” e “ desencantada ” de Weber , a outra incorpora os imprimindo rumos un ívocos às linhas de conduta dos agentes, mes¬
valores básicos aos quais adere, sobretudo os de autonomia e liber¬ mo dentro do esquema weberiano? A resposta mais plausí vel é a de
dade. Já vimos que a noção de sujeito-agente é indispensável no es¬ que isso resulta da sua concentração na ação racional de caráter ins¬
quema weberiano, porque def íne a ú nica entidade na qual os diver ¬ trumental, voltada para a eficácia de uma relação entre meios dados
sos sentidos possí veis nas diferentes esferas de ação se encontram e se e fins não questionados; ou seja , da racionalidade formal. Por outro
relacionam . É mesmo fundamental que lado, é verdade que Weber também fala de uma racionalidade mate ¬

“ a ação real de indivíduos pode ser orientada com sentido subjetivo con ¬ rial, que abrange o tratamento dos fins, mas essa passa para posição
forme várias ordens que, conforme os há bitos do pensamento convencio ¬ secund á ria no decorrer da sua obra , salvo na idéia de que, no dom í-
140 — As armadilhas da coerência As armadilhas da coerência — 141

nio da ação orientada economicamente , é imposs í vel incrementar si ¬ ca . Weber combateu com todas as forças , sem ser ouvido , a extensã o
multaneamente ambas essas formas de racionalidade . Temos ai a da guerra submarina pela Alemanha , durante a 1 Guerra Mundial ,
“ irracionalidade básica e inexor á vel da economia ” ( Weber , 1972: advertindo sempre que isso acabaria envolvendo os EUA , o que seria
60) que reforça , para Weber , sua polê mica com o socialismo . Isso desastroso para a causa alem ã . Quando , no entanto , soube que o fa ¬

não impede que muitos autores , a começar pelo texto cl ássico publi ¬
to que temia estava consumado , seu coment á rio foi : " Ent ã o , agora è
cado em 1932 por Karl Loewith sobre W'eber e Marx ( Loewith , o destino , e com ele n ós nos arranjamos ” . Ou seja , enquanto esta ¬

1970) , tenham enxergado na tensão entre essas duas modalidades de mos envolvidos num processo em curso , agimos , criticamos e com ¬

racionalidade a fonte da dinâ mica da aná lise weberiana , o que , no batemos , mas , diante dos fatos consumados , resignamo- nos. Em fa ¬
meu entender , é insuficiente para caracterizá-la . ce disso , n ão seria o caso de perguntar se , na l í mpida separação que
No tocante à noção de compreensão , cabe assinalar que, al é m Weber faz entre ci ê ncia e ação pr á tica , nã o caberia à ci ê ncia o dom í
¬

do seu papel estritamente anal í tico , ela desempenha algo como um nio da resignação , do conhecimento distanciado dos fatos que , pela
papel ideol ógico no pensamento weberiano. É que, apesar de todos pr ó pria natureza do esquema anal í tico adotado, est ã o, sen ã o consu ¬
os problemas e ambig ü idades envolvidos no seu uso , é nela que se ex ¬
mados , pelo menos prefigurados ?
primem da maneira mais profunda os valores básicos que informam Por outro lado, Jaspers tem razão quando diz que Weber fra ¬

as concepções metodológicas de Weber , sobretudo a id éia de que os cassou no seu empreendimento total , mas que se trata de um malo¬
agentes são sujeitos, vale dizer , entidades aut ó nomas capazes de in ¬ gro fecundo. A prova disso est á num aspecto do seu trabalho cient í ¬

vestir seus atos de sentido. Aqui , novamente, aparece uma dificulda ¬


fico que , no meu entender , constitui sua contribuição mais pessoal e
de reveladora . Os agentes individuais (ou os grupos, na medida em decisiva para a reflexã o no dom í nio hist órico-social . Passemos , en ¬
que são. redut í veis a eles) são caracterizados como portadores de sen ¬ t ão , a esse ú ltimo t ó pico .
tido. Simultaneamente , a insist ê ncia na necessidade da compreensão Em repetidas oportunidades , como vimos , Weber adverte que,
desses sentidos “ subjetivos ” não serve apenas para advertir que o nas hipóteses que formulamos para dar conta de eventos particula ¬

que está em jogo não é a subjetividade dos agentes mas unicamente a res , valemo- nos de um “ conhecimento nomol ógico ” , referente a cer ¬

referência a sujeitos (aqui o raciocí nio é análogo ao da distinção en ¬ tas regularidades da ação observ áveis ao longo do tempo. Com isso
tre valorização e referência a valores ). Serve també m para marcar a -
ele procura assegurar a possibilidade geral de fazer se ciência, ao im ¬
adesão à idéia de que esses portadores são, afinal , sujeitos, e n ão pedir a confusão entre a idéia de car á ter não determinado dos fenô¬
simples suportes empí ricos de sentidos analisá veis sem consideraçã o menos com a de simples acaso. O que desejo apontar , em relação a
pelas suas vontades, intenções e opções. Weber tinha plena consciê n ¬ isso , é que por essa via alcan çamos a idéia mais importante de todas
~

cia de que, com o avanço do processo de racionalização , os sujeitos em Weber , aquela que permite articular todas as demais e reduzi-las
convertem-se cada vez mais em meros portadores de sentidos e suas às suas devidas proporções no conjunto. É que essas regularidades
opções cada vez mais definem-se univocamente e de modo indepen ¬
ocorrem no interior de esferas especí ficas da ação social . Avançando
dente deles, nas situações em que est ão envolvidos. Mas , sua postura mais um passo, chegamos à idéia, totalmente decisiva em Weber , da
critica básica em relação a isso acaba exprimindo-se nas ambig ü ida ¬ autonomia das esferas da ação , tomando-se o termo autonomia no
des das suas formulações e conceitos. seu sentido exato , de legalidade própria (que é, aliás, a tradu ção
É também em boa medida disso que deriva o cará ter dualista do mais aproximada do termo originalmente usado por Weber). Vale
seu pensamento, que opera sistematicamente com pares opostos: ra ¬ dizer , cada esfera da ação desenvolve-se, enquanto processo, confor ¬
cional / não-racional, cotidiano / extra-cotidiano e assim por diante. me sua lógica imanente particular, ao mesmo tempo que entra em
Weber est á consciente dos dilemas com que seu pensamento se de ¬
contato e estabelece relações com as demais, através dos sujeitos in¬
fronta , mas assume essas dualidades at é o fim , inclusive no tocante à dividuais .
oposiçã o entre conhecimento cient í fico e ação pr á tica . Isso introduz Não h á condições aqui para examinar passo a passo a id éia; isso
uma tensão constante e fecunda no seu pensamento e, ao mesmo exigiria um estudo especial . Tenho que limitar-me a apontar algumas
tempo, sugere muito acerca da sua postura básica enquanto cientista de suas implicações.
e homem de ação, preocupado com os problemas do seu tempo. Um Os textos de Weber em que essa id éia é mais intensivamente ex ¬
episódio narrado por Karl Jaspers pode ilustrar isso de forma sint éti ¬ plorada são os da Sociologia da Religião, a partir da Ética protestan-
142 — As armadilhas da coerência As armadilhas da coerência — 143

te e o espirito do capitalismo, e as refer ê ncias mais explicitas qualquer apreensã o ou mesmo descriçã o exaustiva . Assim , ter o do¬
encontram -se no ensaio sobre “ Orientações e etapas da rejei ção reli ¬ m í nio do sentido das pr ó prias ações singulares (ou poder t ê-lo: a ri ¬
giosa no mundo” . Não admira que assim ocorra : é nesses estudos gor , isso só é plenamente acess í vel ao agente t í pico-ideal ) envolve
que Weber examina da maneira mais minuciosa e consequente o pro¬ uma participação na trama significativa da hist ória , mas n ão implica
blema das afinidades ou tensões entre sentidos da ação em esferas di ¬ fazê-lo conscientemente. H á um sentido na açã o , mas n ã o h á um
ferentes da exist ência dos sujeitos . Para tomar uma passagem , entre sentido imanente à hist ó ria , n ão porque ela seja insensata ( assim for ¬

muitas possí veis: mulada , esta quest ão nem se coloca para a ci ência ), mas porque n ã o
“ A racionalização e sublimação conscientes das rela ções do homem para
tem um sentido ú nico e inequ í voco . Os m ú ltiplos sentidos da hist ória
com as diversas esferas da propriedade de bens exteriores e interiores , reli
¬
constituem -se atr ás das costas dos agentes , a partir de ações que para
giosas e seculares , presssionaram no sentido de tornar conscientes as au ¬
eles esgotam seu significado em suas realizações singulares. Entre
tonomias [legalidades pró prias] internas das esferas singulares pelas suas sentido da ação e sentido da hist ória há um hiato insuper á vel ; e , co ¬

consequências , permitindo que entrassem naquelas tensões mútuas que mo não h á sentido sen ão na ação efetiva , n ão há como realizá -lo no
estavam ocultas para a primitiva relação ingénua com o mundo exterior . ” plano totalizador de uma hist ória da humanidade, pois esta simples ¬
( Weber , 1972a: 541 -542 . ) mente n ão existe ( nem vale argumentar que possa vir a existir , pois
O quadro que se desenha , à luz dessas idéias de autonomia , é o não cabe à ci ê ncia propor utopias salvo como instrumentos metodo¬
de linhas da ação com sentido , cada qual correspondendo a uma es¬ lógicos). O que existe efetivamente é um fluxo de eventos recortado
fera da exist ência hist órico-social , que seguem suas legalidades pró¬ internamente por ordens heterogéneas de sentidos. Enfim , se quiser ¬
prias , sua lógica interna , mas que n ão sã o indiferentes umas às ou ¬ —
mos falar de hist ó ria e Weber evitava fazê-lo com qualquer cono¬
tação substantiva , e preferia falar em “ decurso das coisas” , “ acon ¬
tras naquilo que realmente interessa , que é a orientaçã o das ações
dos sujeitos. É nele que elas se cruzam , aproximando-se ou tecimentos no mundo ” ou termos semelhantes, procurando sempre
repelindo-se . É em termos delas que podemos estabelecer relações evitar a confusão entre a hist ória como ordenação conceituai de
uma certa ordem de eventos, como análise histórica , e o pr óprio de
que Weber , à falta de melhor termo , chama de causais mas que são

¬

bem melhor caracterizadas por uma expressão que ele também usa curso empí rico dos fenômenos há tantas histórias quanto valores
— significativamente, tomada da literatura e não da bibliografia fi ¬
losófica ou cient í fica — e que é a de afinidades eletivas.
ú ltimos e equivalentes que fundamentem a atribuição de import â ncia
a determinadas configurações de eventos e situações. Isso, no entan ¬

A contrapartida disso, fundamental mas só implicita em Weber , to, n ão conduz sem mais ao relativismo, porque , embora n ão haja
é a premissa da unidade do sujeito. Sem ela a visão atomística dos crit érios universalmente válidos e objetivos para hierarquizar os va ¬

——
eventos no universo hist órico-social empí rico conduziria a um irra ¬
lores e , portanto, as m ú ltiplas histórias que eles permitem articu ¬

cionalismo incompatí vel tanto com as quest ões de m étodo como com lar os há subjetivos: eles são hierarquizados praticamente por ho ¬

os princí pios ú ltimos que preocupavam Weber . O recurso aos tipos mens concretos , que sustentam valores específicos e combatem em
ideais de ação com sentido pressupõe o caráter dividido do sujeito- seu nome, e buscam mesmo tornar efetivamente dominantes. Para
agente; mas , o estabelecimento de relações entre eles e o recurso à Weber , a multiplicidade dos valores não conduz à indiferença relati ¬
compreensão pressupõem a sua integridade, embora tensa e mesmo vista, mas exacerba o compromisso com a luta por aqueles a que se
contradit ória. Dificilmente haver á caso mais n ítido de tradução dos adere e impõe aos agentes sociais concretos uma carga tanto maior
dilemas de uma época e de uma formação social para o plano concei ¬ de responsabilidade (outra idéia central nele) pelas conseqiiê ncias
tuai . dos seus atos.
A isso vincula -se a questão da autonomia como atributo básico
do sujeito . Na concepção weberiana o agente social é identificado sujeito
Assim , a autonomia do agente
— — ou seja, sua constituição em
não pode ser concebida como sendo conquistada na cons¬
com o conjunto das suas ações , de cujos sentidos é portador. Essas trução prática da história de todos os sujeitos, mas na luta com ou ¬

ações, tomadas cada qual de per si , são dotadas de sentido para ele tros agentes. Portanto , n ão pode haver autonomia generalizada ,
mas constituem , no conjunto de relações que estabelecem entre si nas emancipação do gê nero humano . A autonomia é um ponto de fuga ,
m ú ltiplas situações em que se realizam , uma rede significativa que um valor particular entre outros ( ao qual Weber adere e que informa
escapa ao seu alcance e que , nas suas inumer á veis conexões, desafia o seu pensamento , de tal modo que é imposs í vel usar o seu esquema
144 — As armadilhas da coerência As armadilhas da coerência — 145

anal í tico sem incorpor á-lo també m ) sem o qual n ão é poss í vel falar “ Nenhuma é tica econ ómica foi jamais determinada só religiosamente . É
em sujeitos. Sua realização, contudo, é problemá tica , devido à exte ¬ evidente que ela possui , em face de atitudes perante o mundo determina ¬

rioridade entre a ação significativa individual e o decurso coletivo e das por componentes religiosos ou outros de cará ter ‘interno’ ( nesse senti¬

tornado objetivo dos eventos. E é essa exterioridade que provoca o do do termo ). Mas , de todo modo a determinação religiosa da conduta de
descompasso entre as metas perseguidas pelos agentes individuais e vida també m se inclui como uma — bem entendido : somente uma das—
determinantes. da é tica econ ó mica . Esta mesma , por seu turno , natural
as efetivamente realizadas no decurso hist órico , naquilo que Weber ¬

mente sofre profundas influ ências de componentes econ ó micos e pol í ti


chamou de “ paradoxo das conseqiiências ” . E é també m ela que con ¬ cos no interior de limites geogr á ficos , pol í ticos , sociais e nacionais
¬

duz Weber a reintroduzir a categoria de causalidade na aná lise dados. ” ( Weber , 1972a: 238- 239. )
hist órico-social , contra toda a herança kantiana , para a qual a id éia
de autonomia só é compat í vel com uma concepção teleol ógica da Nesses termos , é poss í vel propor algo que creio ser mais do que
ação , voltada para um “ reino dos fins ” livremente perseguidos. Fi ¬
um jogo de palavras. O pensamento de Weber est á centrado na id éia
nalmente, é a preocupação com não perder de vista , apesar de tudo, de uma sobredeterminação dos eventos e situações , sem qualquer de ¬

a id éia de autonomia que em boa medida est á na base das ambigiii- terminação final , geral ou un ívoca .
dades.do tratamento da causalidade por Weber . O aparente jogo de palavras envolvido nessa id éia de uma “ so-
Na realidade, a categoria de causalidade, tomada no seu sentido bredeterminação sem determinaçã o ” na realidade repousa numa dis¬
estrito de uma sequência linear e uní voca com validade universal , tinção conceituai importante . É que nos defrontamos aqui com duas
pouco tem a ver com o esquema analí tico weberiano. Para ele inte¬ acepções distintas de “ determinação ” . A primeira delas é compat í ¬

ressa saber como, em situações particulares, as legalidades pr ó prias vel com o esquema weberiano , na medida em que é pertinente a uma
das divêrsas esferas da ação se articulam para resultar numa orienta ¬
análise de natureza causal , na qual o termo determinado figura como
ção específica das ações de muitos agentes, e como essas configura ¬ efeito ou modo de expressão de um termo determinante que lhe é ex ¬
ções singulares podem dar origem a linhas de ação, a sentidos ou en ¬
terno, ou de vá rios simultaneamente, quando ent ã o ocorre a “ sobre-
t ão a valores novos , que por su á vez possam ser reincorporados na determinaçâo ” . A segunda , que é incompat í vel com ele, quando na ¬

dinâ mica das diferentes esferas da exist ê ncia hist órico-social . Por da porque tem como n ú cleo a id éia de uma totalidade determinada ,
exemplo: em que condições foi possí vel ao judaísmo antigo (que We ¬
est á associada à dialética marxista . Numa formulação muito sum á ria
ber toma como o n ú cleo histórico do “ desencantamento do mun ¬ ela pode ser definida como a especificação das diferenças no interior
do ” ) ou ao protestantismo ascético desdobrarem-se em significados e de um processo tomado como um todo, no qual um dos termos no —
orientações da conduta novas no conjunto da exist ência de m últiplos
indiv íduos? Nos estudos em que procurou responder a isso Weber

caso , o momento da produção figura como determinante na me ¬
dida em que necessariamente est á presente no interior do conjunto
utilizou sistematicamente sua id éia da autonomia , não dos sujeitos , | das formas também necessá rias assumidas pelas demais , passando
mas das diversas esferas da ação. Na realidade, para Weber as ações no entanto pela especificidade de cada qual; sendo que “ necessá rio ”
sociais não são nem contingentes nem univocamente determinadas , significa aqui que somente se realizam as formas adequadas à dimen-
nem tribut á veis a causas isoladas. Dada a presença decisiva da auto¬ I são determinante e que esta , por sua vez , não se realiza senão através
nomia das esferas de ação e a circunstância de que elas entram em dessas formas, e que o processo todo não tem como assegurar a sua
contato através dos agentes e em configurações sempre particulares , continuidade senão pelo retorno ao seu momento determinante. A
o curso efetivo dos eventos n ão é determinado somente pela legalida ¬
sugest ão, portanto , é que a id éia da autonomia das esferas da açã o
de pr ó pria da esfera em que ocorrem , nem por alguma determina çã o em Weber , associada à sua preocupação com a an álise causal , é emi ¬

sempre presente em ú ltima inst â ncia , nem muito menos por alguma nentemente compat í vel com a noção de “ sobredeterminaçã o ” con ¬

determinação inerente a alguma totalidade de que façam parte , mas forme a primeira das acepções acima , mas claramente elimina a pos ¬

pela conjugação conjuntural ( mas “ rotinizá vel ” nos seus efeitos ) e sibilidade de cogitar -se da “ determina çã o ” na segunda delas . É esse,
significativa de esferas de ação diferentes . É nesse espí rito que ele es
¬
aliás , o ponto básico em que Weber se opõe a Marx .
creve , nas páginas iniciais do seu estudo sobre a “ é tica econ ó mica Num texto recente encontra -se uma referê ncia a essa quest ã o ,
das religi ões mundiais ” ' que merece coment á rio. Nele , l ê-se que “ Miriam Glucksmann [em
146 — As armadilhas da coerência
As armadilhas da coerência — 147
seu livro Structuralist Analysis in Contemporary Thought ] aludiu à
possibilidade de que a noçã o estruturalista de sobredetermina çã o po ¬
aspectos “ vergonhosos ” de sua vida , quando poderia muito bem
deria ser simplesmente outro termo para descrever as explica ções fazê - lo se quisesse , e procura o “ div ã de Freud ” para tanto , nada ga ¬
multicausais de Weber ” ( Turner , 1977 : 12 ). Mas , como é sabido , a nhar á com isso do ponto de vista é tico , sustenta Weber numa carta
id éia de sobredeterminaçã o n ão é originalmente “ estruturalista ” , e na qual vetava a publica çã o de um artigo de um adepto de Freud nos
talvez valha a pena ir à sua fonte , ou seja , a Freud . Numa exposi çã o Arquivos para a Ciência Social , e da qual estou retirando os dados
de 1901 acerca do seu estudo sobre a interpreta çã o dos sonhos , da presente exposi çã o ( Baumgarten , 1964: 644-648; Mitzmann ,
Freud escreve: 1971 : 281 - 282 ).
Cada elemento do conte ú do [ manifesto ] do sonho est á sobredeterminado
Quanto à convergê ncia metodol ógica — na medida em que se
pelo material das id éias on í ricas [ que formam o conte ú do latente do so ¬
d á , pois n ão vou estender minhas considerações al é m desse ponto
o apoio mais direto para minha argumentaçã o consiste em que tanto

nho e somente s ão acessí veis à an á lise ) . Ele n ão se filia a um ú nico ele¬

mento dessas id éias mas a toda uma sé rie deles , que de modo algum preci ¬
na id éia freudiana de sobredeterminaçã o quanto na weberiana de au ¬

sam estar próximos nelas mas podem pertencer aos dominios mais diver ¬ tonomia das esferas da a çã o estamos diante de esquemas anal í ticos
sos da trama de id éias . O elemento on í rico é, no sentido exato , a represen ¬ preocupados com procedimentos de interpretação . Al é m disso , em
tação substitutiva no conteúdo do sonho para todo esse material d í spar . ambos encontramos a id éia de que esses motivos normalmente ( para
Mas , a an álise ainda revela uma outra faceta das relações complexas entre Freud , necessariamente ) n ã o est ã o presentes na consciê ncia dos su ¬

o conte ú do on í rico e as id éias on í ricas . Assim como cada elemento on í ri


¬
jeitos empí ricos . Esta id éia é evidente em Freud , mas també m se en ¬
co se vincula a v á rias id éias on í ricas , també m em regra uma idéia onírica contra em Weber , à sua maneira . J á vimos antes como ele considera
est á representada por mais de um elemento oní rico; as linhas de associa ¬
o esquecimento dos motivos originais da ação pelos agentes; cabe
ção n ão convergem simplesmente da id éia do sonho para o conte ú do do
agora lembrar que , para ele , o pró prio sentido da ação deve ser ana ¬
sonho , mas cruzam -se e entrelaçam -se m ú ltiplamente no caminho . ”
( Freud , 1972: 26. ) lisado de modo an á logo: “ A ação real transcorre no mais das vezes
na obscura semiconsci ê ncia ou inconsciência do seu ‘sentido
Pode-se sustentar , em face dessa formulação, que essa noçã o visado’ ” , escreve ele nas páginas iniciais de Economia e Sociedade
original de sobredeterminação (deixando-se de lado, portanto, suas ( Weber , 1972:10). A isso soma -se que , em ambos, os encadeamentos
elaborações mais recentes ) tem algo a ver com o esquema weberiano? dos motivos para a formação do sentido (impulsos ou interesses ) fi ¬
Do ponto de vista estritamente metodol ógico , creio que sim , como guram como uma cadeia causal , ou melhor , como um conjunto de ca ¬
també m acredito que essa aproximação pode suscitar quest ões muito deias causais em relação a estes. De todo modo, temos aqui uma pis¬
interessantes; do ponto de vista mais amplo, que implicaria identifi ¬ ta para explorar os possí veis desdobramentos dessa id éia central em
car as orientações mais profundas de ambas as linhas de pensamen ¬ Weber , de que as configurações significaticativas singulares são en ¬
to, já nã o seria poss í vel responder afirmativamente, pois h á diferen ¬ gendradas pela presença simult â nea de m ú ltiplas cadeias motivacio-
ças insuperáveis entre elas . Freud nunca abandonou , pelo menos em
sua concepçã o da ciência que criara , a idéia de um determinismo
nais — e portanto causais
nomas da ação.
— pertencentes a esferas diversas e aut ó¬
causal radical , que Weber somente poderia repudiar como uma for ¬
Diante disso tudo faz sentido a aspiração de Weber , referida no
ma de “ naturalismo ” monocausal que, como todo naturalismo , en ¬ in ício deste trabalho , de ter acesso a uma forma de escritura seme ¬
gendra uma “ visão do mundo” e regras éticas em nome da ciência .
lhante à musical , “ para poder dizer vá rias coisas ao mesmo tempo ” ;
J á em 1907 Weber sustentava ter lido as “ principais obras ” de Freud e para poder mostrar como as sequências de eventos na complexa
e prestava homenagem ao seu valor cient í fico, valor que, no entanto, pauta da realidade hist órico-social formam composições sempre no¬
restringia à contribuiçã o que poderia dar ao estudo da cultura ,
negando-o totalmente no aspecto terapê utico, visto que este lhe pare
vas , somente possí veis porque não correm numa ú nica linha mas
também não seguem vias paralelas e indiferentes entre si.
¬

cia envolver postulados éticos inadmiss í veis: os de uma “ ética da me ¬

diocridade” , cujo lema é “ admite o que és e o que desejas ” e que por Creio que é nessa concepção que se encontra o cará ter especí fico
isso contrasta com a “ ética heroica ” defendida por Weber , pela qual do pensamento weberiano, e a id éia que permite articular os compo ¬

cada homem deve defrontar-se sempre com tarefas acima das suas nentes de suas aná lises , e não nos conceitos de “ compreensão ” , de
forças no cotidiano. Quem n ão tem condições para lembrar -se dos “ sentido ” ou mesmo de “ tipo ideal ” . Por outro lado, é inegá vel que
també m essa id éia é afetada pela ê nfase weberiana no processo de ra-
148 — As armadilhas da coerência As armadilhas da coerência — 149

cionaliza çã o, visto que ele se distingue precisamente por imprimir sua mas não são cient í ficas ; para fazer ci ência cumpre assumir essa . A
l ógica pr ó pria a todas as esferas da existencia , comprometendo , por ¬ ética da responsabilidade também tem vigê ncia no interior do dom í ¬

tanto , e pela base , sua autonomia . No entanto , penso que vale a pe ¬


nio cient í fico ; é nisso que Weber incansavelmente insiste .
na pelo menos sugerir , j á que isso n ã o ser á examinado aqui , que o es ¬
O essencial nisso tudo é novamente a id éia da autonomia das es¬
quema weberiano , tal como foi exposto, constitui poderoso instru ¬ feras de ação, que agora aparece no seu significado mais pleno no
mento de an á lise sempre que se trate de trazer á tona a din á mica de pensamento weberiano. Na sua luta contra a confusão entre o conhe ¬
interesses , de orienta ções da açã o e de rela ções de força num mo ¬
cimento cient í fico e as “ visões do mundo ” orientadoras da ação pr á ¬
mento particular de um processo em curso , sobretudo em situações tica , ele via nela a causa tanto da ilusão de que a ciência enquanto tal
de crise , ou seja , quando as legalidades pr ó prias de diferentes esferas possa servir como guia da ação quanto da recusa irracionalista da
de açã o apresentam descompassos que demandam decisões fortes ciê ncia em nome de algum decisionismo ou voluntarismo arbitrá rios.
dos agentes sociais . Tanto as suas aná lises particulares no campo da Só h á para ele uma maneira de escapar disso, que consiste em enfati ¬
Sociologia da Religi ão revelam isso quanto , talvez mais ainda , os zar e respeitar a legalidade pr ó pria , a autonomia das esferas da ação,
seus exames de conjunturas pol í ticas . No geral , pode-se dizer que no e localizar o dom í nio espec í fico da ciência nesse contexto. Sua preo¬
esquema de Weber as diferentes dimensões do real cruzam -se e rela - cupação com problemas metodol ógicos pode ser pensada como um
cionam -se entre si em tr ês n í veis : em termos das suas premissas ge¬ esforço para explicitar essa legalidade pró pria da ci ê ncia , contra as
rais, no sujeito-agente; metodologicamente , no tipo ideal; empirica ¬
distor ções oriundas de fora e sobretudo de dentro dela. Com isso fi ¬
mente , na situação , sobretudo nos momentos de crise . ca marcada a coer ê ncia interna da sua obra , articulada em torno des¬
O pensamento de Weber tematiza o particular sem ter como sa idéia básica. Por outro lado, cabe lembrar que concentrar a aten ¬

articulá -lo ao geral , que repele . Sua cr í tica cient í fica é metodol ógica ,
n ã o é do objeto nem o transcende . Da í a ê nfase na dimensã o do po ¬
ção sobre a autonomia da esfera de ação cient í fica — vale dizer , em
termos weberianos , daquela pertinente à ação orientada para o co¬
der em suas an á lises . O objeto particular apresenta-se assim e n ã o de
outro modo , igualmente poss í vel , porque h á uma for ça que o cons ¬
nhecimento racional e met ódico dos fenômenos — somente acentua
a circunst â ncia de que, como toda modalidade de ação social , tam ¬
trange a ser assim, e essa for ç a é social e també m particular : domina ¬
bé m o conhecimento cient ífico est á sobredeterminado; tanto mais
çã o , poder . Da í també m a contrapartida valorativa disso , no que quando ocorre em contextos institucionais definidos, como divisão
concerne à tomada de posi çã o extracient í fica , que é a negaçã o heroi ¬
de trabalho, quadros administrativos e tudo mais que diga respeito à
ca , individual , marca de adesã o à id éia de uma autonomia cuja reali ¬
dominação racional -legal , da qual é insepar á vel .
zação efetiva não se concebe em termos universais mas que n ão se Weber procurou sempre fazer frente ao grande dilema a que seu
admite ver sufocada no particular . Nesse contexto a ciê ncia é o do ¬
pensamento o conduzia : aquele entre a crítica que se traduz na açã o e
m í nio da resignaçã o , mas é preciso lembrar que , se ela n ã o pode a resignação que se traduz no conhecimento neutro nos seus resulta ¬
prescrever formas espec í ficas de a çã o , tampouco prescreve a resigna ¬ dos, vale dizer , dispon í vel para quaisquer fins. Talvez se possa sus ¬

çã o. Ela n ã o prescreve nada fora do seu dom í nio . Weber n ão quer a tentar que ele incorporava algo como o “ má ximo de consci ência pos¬
resignaçã o , mas també m n ã o quer abrir m ã o da racionalidade; e n ã o sí vel ” nos quadros do pensamento liberal - burguês da sua é poca , na
tem como conceber uma cr í tica racional com validade objetiva e ca ¬ qual ele apareceria como uma espécie de Maquiavel tardio, que enfa ¬
paz de ministrar diretrizes pr á ticas . Assim , a cr í tica racional fica tiza tanto mais a noção de virt ú quanto mais a de fortuna é substitu í ¬
confinada ao dom í nio do conhecimento. Cumpre, portanto , n ão ter da pela de destino. Ocorre que essa é poca ainda não está superada ,
ilusões quanto ao alcance da ci ê ncia e ficar atento para as lutas que no essencial , e portanto ele permanece atual, para quem se dispuser a
se desenrolam na arena dos valores e dos interesses inconcili á veis , assumir o desafio das consequências do seu estilo de pensamento.
n ã o para ficar inerte , mas para tomar posiçã o de maneira adequada . Creio que Weber apreciaria a formulação do poeta Novalis , de
Na realidade , a ci ê ncia n ã o prescreve nada salvo fazer ciência . A que “ um impulso absoluto para o terminado e o completo é uma
neutralidade valorativa do cientista enquanto tal n ã o significa subor ¬ doen ça , t ão logo se revela destrutivo e hostil contra o incompleto , o
dina çã o ao objeto dado nem indiferen ça ao móveis e às consequ ê n ¬ inacabado ” . Se sua obra ficou incompleta e permanece como um de ¬

cias do empreendimento cient í fico , mas implica uma tomada de po¬ safio, não compete a nós assumirmos uma doença contra a qual sem ¬

si çã o: aquela que é compat í vel com a ci ê ncia . H á outras poss í veis , pre lutou e que não é dele, mas do seu e do nosso tempo.
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Indice onomástico

Adorno , Theodor , 4,5 Ciência cultural e ciência natural


Alemanha imperial e a revolução ( Rickert), 59
industrial, A ( Veblen ), 12 Cohen , Hermann , 65, 112
Ararto, Andrew , 58 Comte, Auguste, 22, 70
Arendt , Hannah , 133 Coser, Lewis A., 35, 36
Aron , Raymond , 15, 40, 41, 100, Cunha, Mário Wagner Vieira da,
101 XIV
Ashby, Ross, 32, 34
Ashcraft , Richard , 78, 131 Dahrendorf , Ralf , 12, 25
Aventuras da dialética Danto, Arthur , 106, 108
( Merleau-Ponty), 136 Debrun , Michel , XIV
Delbrilck , Hans, 78
Baumgarten , Eduard , 3, 79, 105, Deleuze, Gilíes, 112
147 Diário (Gide), 45
Bendix , Reinhard , 115, 137 Dilthey , Wilhelm , 15-34, 37 , 39, 43,
Benjamin , Walter , 112, 129, 130 46, 47, 52, 55, 63, 64 , 79, 98, 99
Bentham, Jeremy, 71 Dostoievsky F., 104
Berger , Peter L . , 30 Durkheim , Emile, 5, 25 , 30
Bertalanffy, Ludwig von , 32
Bismarck , 8 Ecce HomO ( Nietzsche), 106
Blau , Peter , 133 Economia e Sociedade, 3, 47, 93,
Blummer , Herbert , 44 126, 132, 133, 134, 139, 147
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Bormann , Klaus von , 28 Espírito das leis, O (Montesquieu ),
Bourdieu , Pierre, 88 125
Bukharin , Nicolai, 69 Ética protestante e o espírito do ca¬
Burger , Thomas, XII , 100 -
pitalismo, A , 3, 5 , 79 , 88 , 110, 141
Burke, Kenneth , 45 2
Capital,O ( Marx ), 78 Faoro , Raymundo , XIV
Carvalho Franco , Maria Sylvia , 126 Fenomenolog ía do espírito ( Hegel ) ,
Cassirer , Ernst , 16, 65, 125 118

JL
160 —í
ndice onomástico índice onomástico — 161

Ferber , Christian von , 73 Humboldt , W. von , 16 Mill , John Stuart , 15 Sabine, George, 127
Fernandes, Florestan , 94 Hume, David , 126-128 Mitzmann , Arthur , 103, 105 , 147 Schleirmacher , Friedrich , 34
Filosofia do Direito ( Hegel ), 115 Molière, 129, 130 Schmoller , Gustav , 68, 70, 72, 102
Fink , Eugen , 108 Investigações sobre os métodos das Mominsen , Theodor , 11 Schopenhauer , A . , 103
Fleischmann , Eugè ne, 74, 100, 115 ciências sociais (Menger), 69 Mommsen , Wolfgang, 8, 11 , 78 , Schumpeter , Joseph A . , 67
Frederico II, 42 100, 102 Sch ü tz, Alfred , 41 , 92
Frederico Guilherme IV, 10, 84 Jameson , Fredric , 117, 118, 123 Montesquieu , 125 Sim ão , Azis , XIV
Freud , Sigmund , 104, 146, 147 Jaspers, Karl , 88, 140, 141 Morte em Veneza ( Mann ), 45 Simmel , Georg, 18, 19, 24 , 30, 33,
Freyer , Hans, 34 Jellineck , Georg, 73, 74
Jevons, William Stanley, 68-70
Myrdal , Gunnar , 68 -
34, 35 50, 65 , 71 , 85 , 86, 103 , 112
Simon , Herbert A . , 32
Fries, Jakob Friedrich , 58 Nietzsche , Friedrich , 4 , 7 , 8 , 15 , 24,
Fundamentação da metaf ísica dos Jonas, Friedrich, 36, 126 37 , 100- 113, 115 , 129
Sistema de Lógica ( Stuart Mill ) , 15
costumes (Kant ), 60 Smith , Adam , 69 , 71
Novalis , 149
Kafka, Franz, 23 Sociologia da Religião, 79, 88 , 141
-
Gadamer , Hans-Georg, 27 30 Kant , Immanuel , 13, 23, 56-58, 60, Oliveira Filho , José Jeremias , de, Sombart , Werner , 34, 73
Gehlen , Arnold , 29, 30 61, 64, 126 XII Spengher, Oswald , 79
Genealogia da moral (Nietzsche), Keynes, John Maynard , 69 Stark , Werner , 68, 70
Knapp, Georg F. , 72
Para além do bem e do ma! ( Nietz¬
110 Stern , Henri, 79
sche) , 102, 106
George, Stefan , 103 Knies, Karl, 68 , 77, 79, 81, 88, 99
Park , Robert E . , 44
Giddens, Anthony , 78 Taubes, Jacob, 112, 113
Parsons, Talcott , 30, 31 , 33, 91 , 92,
Gide, André, 45 Landmann , Michael, 39 94 Tennbruck , Friedrich H . , 42 , 43 ,
Glockner , Hermann , 15, 23, 37, 57 Liefmann , Robert , 102 Plessner , Helmuth , 8
48 , 69, 72, 74 , 88, 100
Glucksmann , Miriam , 145 Limites da conceptualização na Poulantzas, Nicos, 116
Teoria geral do Estado ( Jellineck ) ,
Goethe, Wolfgang, 4, 7, 104 ciência natural (Rickert), 59 74
Problemas da Filosofia da Hist ória
Goffman , Erving G., 45 Lotze, Hermann , 57 ( Rickert ),59
Toennies , Ferdinand , XI
Gossen , Hermann , 68 Lowell, Terry , 137 Proleg ómenos a toda Metafísica fu ¬
Tolstoi , L , 104
Gregory, James, 79 Luckman , Thomas, 30 tura ( Kant ) , 60
Trist ão e Isolda ( Wagner) , 3
-
Luhman , Niklas , 30 34 , 92 Turner , Bryan , 146
Habermas, J ürgen , 19, 32, 33, 56, Lukács , Georg , 6, 12, 37, 40, 45, Rammstedt , Otthein , 35
-
63, 64, 107 109 46, 104, 105 , 115, 136 Ranke, Leopold von , 10, 23 Veblen , Thorstein , 12
Halevy , Elie, 71 Lutero, Martinho, 17, 133 Regras do método sociológico, As Virchow , Rudolph , 11
Hamerow , Theodore S., 10, 11 ( Durkheim ) , 25
Hegel , Friedrich , 22, 56, 58, 64, Mach , Ernst , 12 Rickert , Heinrich , XII, 48, 51, Wagner , Adolf , 72
115-122, 125 Mandeville, Bernard , 69 55-65, 82, 98, 100, 101 , 102 , 108 Wagner, Richard , 3- 5
Heidegger , Martin, 28 Mann , Thomas, 4, 45 , 105 Ricoeur, Paul, 28 Walras , Léon , 68, 70
Heller , Erich , 103 Mannheim , Karl, 10 Rilke, Rainer Maria , 103 Weffort , Francisco C. , XIV
Helmholtz, Hermann von , 12 Maquiavel , 149 Roll, Eric, 69 Winch , Peter, 92 , 93
Hempel, Carl , XI -
Marcuse, Herbert , 100, 101 Roscher , Wilhelm , 67 , 68, 77- 79, Windelband , Wilhelm , 48 , 51-65 ,
Header , J.G. von , 23, 79 Marx , Karl, XI, 4, 8, 39, 78, 79, 81 , 88, 89 80
Hertz, Heinrich , 12 105 , 122, 136, 145 Roth , Guenther , 73, 89, 90, 131 , Wittgenstein , Ludwig, 93
Hirano, Sedi , 107 Mead , Herbert George, 44 138 Wolf , Kurt H . , 43, 45
História e ciência da natureza (Win- , Meinecke, Friedrich , 10 Runciman , W .G . , 74, 92 , 93 Wright Mills, Charles, 20, 113
delband ) , 51 , 54, 55 Menger , Carl, 68-72, 90
Hist ória e consciência de classe Merleau- Ponty , Maurice, 136
( Lukács), 6 Merton , Robert K . , 45
Hitler , Adolf , 72 Mestres cantores, Os ( Wagner) , 4
Honigsheim, Paul, 78, 104 Meyer, Conrad Ferdinand , 104
Hughes, H. Stuart , 15 Michels , Robert , 112

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