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ALBERTO VALTER VINAGRE MENDES

Guia para compreensão da performance “Passagem insólita”: uma


experiência de criação no ensino de artes cênicas na Escola Cristo
Trabalhador em Abaetetuba
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Dados internacionais de Catalogação na publicação (CIP)

Biblioteca do PPG Artes - Belém – Pará

MENDES, Alberto Valter Vinagre.

Guia para compreensão da performance “Passagem insólita”: uma experiência de


criação no ensino de artes cênicas na Escola Cristo Trabalhador em Abaetetuba –
Pa. / Alberto Valter Vinagre Mendes. Orientadora: Profª Drª Giselle Guilhon, 2018.
Produto Mestrado em Artes - PROFARTES – UFPA/Belém.

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“É a vida, o que sucede à nossa volta, que inevitavelmente constitui
uma influência. É isso, não diria que sou influenciada por fatores
propriamente ditos. Tento falar da vida. O que me interessa é a
humanidade, as relações entre os seres humanos” (Pina Bausch)
4

Sumário
Apresentação................................................................................................................5
1. Antecedentes:............................................................................................................6
2. Fase preliminar da performance...............................................................................8
1- Criando movimentos a partir de desafios:..............................................................10
2- Improvisação sobre os temas da mitologia:...........................................................13
3. Fase liminar:........................................................................................................... 14
Referências:................................................................................................................17
Anexos
5

APRESENTAÇÃO

O conteúdo apresentado neste guia como um processo criativo no ensino de artes


cênicas, envolve diferentes procedimentos consubstanciando-se em performance
artística. Este processo é resultado de atravessamentos de teorias, fruto de debates
em sala de aula, leituras e reflexões. Apresento inicialmente um breve relato de minha
relação com a arte, minhas experiências no campo das artes cênicas, e que de algum
modo influíram na elaboração desta proposta. Em seguida faço uma descrição do
processo criativo coletivo dividindo-o em 2 fases: fase preliminar, na qual descrevo
atividades realizadas com os alunos, como os encontros com artistas convidados e as
jam sessions, faço também neste item, algumas considerações a respeito da
experiência dos alunos com a dança que aconteceram antes da performance
propriamente dita.
Adiante descrevo exercícios que realizei com os alunos nos quais desenvolvo a
ideia de um questionamento para o movimento, constituído de desafios que os leva a
explorarem diferentes possibilidades de movimentos que posteriormente podem vir a
ser frases de uma coreografia. A seguir, na fase liminar, descrevo as atividades do
laboratório de improvisações sobre tema da mitologia grega, improvisações com
expressão corporal sobre os personagens mitológicos e já na fase liminar, teço
comentários descrevendo as improvisações sobre o tema da narrativa contemporânea
criada pelos alunos para ser apresentada no dia do happening.
6

1. Antecedentes:

Nasci numa família de músicos, meu pai tocava banjo, cavaquinho e violão, assim
como meus tios e irmãos e sempre havia música em casa. Ainda na infância fui
iniciado na dança ao participar de uma quadrilha na escola. Nas proximidades dessa
escola que eu estudava quando criança, havia o cabaré “Alabama protegida por
deus”, dirigido por uma mulher chamada Venuta, onde eu via casais dançando
merengue em plena manhã. São imagens da infância que nos marcam de algum
modo. Assistia também ballets de repertório na televisão e os filmes musicais de
Hollywood. Fui um ávido leitor de diferentes assuntos, entre os quais as narrativas da
mitologia grega compuseram meus interesse nos anos juvenis.
Minha formação foi eclética, porém incompleta e fragmentada e isso de certo modo
marcou minha trajetória artística sempre pontuada por interrupções e projetos
inacabados. Fiz de tudo um pouco mas sem aprofundamento, do ballet clássico ao
sapateado, passando pelo jazz dance, folclórico e teatro.
Tive uma nítida influência de artistas da cena teatral paraense: Marilene Melo 1,
Jaime Amaral2, Miguel Santa Brígida3 e Nazaré Lobato4. Meus trabalhos artísticos
foram durante algum tempo adaptações e colagens dessas influências ou
experimentações que partiam dessas referências.
Iniciei o trabalho com dança e teatro em escolas no ano de 1994 por meio de um
programa voltado para alunos com Altas Habilidades. Realizei muitas experiências
nesse âmbito caracterizado pela manifestação de muitos talentos artísticos em
ambientes escolares.
Desenvolver trabalho de dança e teatro em escolas públicas significa lidar com
espaços não convencionais, sem pisos apropriados, e a falta de quase todos os
recursos necessários para realizar uma produção de qualidade, porém mesmo com
essas limitações e adaptações forçadas, tem sido possível, e necessário, o exercício
da arte na escola.
Em 2011 fiz a Especialização em Estudos Contemporâneos do Corpo pela
ETDUFPA, e desenvolvi uma pesquisa sobre uma de minhas inquietações como arte-
educador que era o da possibilidade de fazer dança na escola, ou seja, o quê e o
porquê da dança na escola, pois eu ainda estava imbuído pela ideia de uma escola

1 Marilene Melo é coreógrafa e professora de dança em Belém do Pará.


2 Jaime Amaral é professor na ETDUFPA, bailarino e corégrafo.
3 Miguel Santa Brígida é diretor teatral e professor na ETDUFPA.
4 Nazaré Lobato foi escritora, dramaturga e diretora teatral em Abaetetuba.
7

que reprimia os movimentos corporais, uma escola sempre tradicional em seus rigores
e normas que impediam os alunos de expressarem pelo corpo o que haviam
aprendido nas aulas. Hoje vejo que indiferentes a quaisquer impedimentos
institucionais, os alunos fazem dança na escola, e a escola pode ser afirmativamente
um lugar para a dança, e os alunos atravessam os bloqueios à sua liberdade corporal
aproveitando brechas no cotidiano escolar para inventarem danças, ainda que sofram
influência da cultura de massa, mesmo assim tornam-se uma atitude de resistência à
rotina monótona. Neste estudo o foco volta-se para explorar a possibilidade de criar
dança-teatro na escola a partir de uma perspectiva compartilhada, na tentativa de
romper com a figura do professor-autor-coreógrafo como detentor do saber da dança
e como o único sujeito capaz de criar movimentos para uma coreografia.
No ano de 2011, iniciei minha participação como diretor artístico do projeto Educar
pela Pesquisa coordenado pela Prof.ª Nazaré Cardoso, professora de História na
Escola Cristo Trabalhador; este projeto, cuja adesão é de quase a totalidade dos
alunos da escola, é fundamentado na Lei 10639, que trata das relações étnico-raciais
na escola, e desse modo todos os anos produzimos um espetáculo de dança e teatro
sobre a temática da cultura indígena e afro-brasileira.
A partir desta breve descrição de minhas experiências artísticas, destaco uma das
premissas que desenvolvi a partir das reflexões que trago neste estudo, trata-se da
aproximação da arte com o contexto no qual estamos situados, isto é, a relação entre
arte e vida, noção que aparece em Dewey (2010), e nos aponta que seria uma falha o
distanciamento da arte de sua experiência vital, um empobrecimento do caráter de
“desenvolver e acentuar o que é caracteristicamente valioso nas coisas do prazer do
dia a dia” (DEWEY, 2010, p. 71). Se pensarmos no modo como a arte aparece na
escola, é geralmente como uma disciplina a mais no currículo da escola, e colocada
numa posição distinta e isolada. Embora não queira contestar a norma da
obrigatoriedade, concebo a arte como uma disciplina que atravessa a vida, nossa
condição como cidadão, nossas atitudes como sujeitos em uma sociedade que relega
este saber a um mero entretenimento. Passo agora a descrever a performance
concebida como pesquisa no ensino de artes cênicas.

2. Fase preliminar da performance


Inicialmente descrevo os eventos que consistiram na fase preliminar,
destacando as performances de artistas convidados que fizeram apresentações
performáticas na escola. Esta ação foi resultado da influência de uma aula do Prof.
8

Graça Veloso5, que discorreu sobre a importância da formação do espectador no


ensino da arte. As apresentações aconteceram no pátio da escola, sempre no horário
do intervalo. Em seguida havia um momento de conversa com os artistas. Três
artistas participaram: Os bailarinos Jhonnata Costa, de Belém e Cleber Lobato e
Thiago Farias de Abaetetuba. Após as apresentações houve um momento de
conversa com os artistas e uma jam session5 na qual alguns alunos participaram.
Nesta fase preliminar aconteceram alguns encontros com os alunos, nos quais,
os mais diversos assuntos estavam em pauta. Havia nesses encontros um momento
para o diálogo e um segundo momento para a expressão artística. Destaco o diálogo
que se estabeleceu dentro das rodas de conversa, quando o tema foi sobre dança,
então o grupo enfatizou a presença dos alunos Mateus, Jefferson, Jailson e Fábio,
apontando-os como os “artistas da escola”, eram eles que em vários eventos do
calendário, como concursos de dança, estavam sempre presentes, mostrando
coreografias baseadas em videoclipes de cantores americanos e artistas do universo
hip hop6. Estes alunos faziam parte de uma cultura dançante que se desenvolveu na
cidade e que foi absorvida pela escola, e nesse contexto da Escola Cristo Trabalhador
havia duplas de dançarinos, ligados ao estilo break dance, tomando variações que
eles denominam dancing, free step e free style7. Havia, porém, peculiaridades na
dança executada por esses alunos. Percebi nas apresentações que aconteceram no
natal do ano anterior que eles inseriam elementos teatrais nas performances.
A dupla formada pelos alunos, Jailson e Fábio dançavam o que eles denominam
de “dancing” ou “modinha” que consiste em focalizar no movimentos das pernas que
se cruzam rapidamente em transferência de peso de uma perna para outra. Havia
ainda a dupla, formada pelos alunos Mateus e Jefferson, os quais têm a experiência,
do que eles denominam de free style que prioriza as ondulações de braços e poses
estáticas no contratempo da música. Essa formação em duplas me chamou atenção e
quis investigar o motivo, visto que acompanhando o desenvolvimento do movimento
hip hop em Abaetetuba e conhecendo os grupos de dança, fiquei curioso para
entender o porquê dessa formação de duplas de dança. Eles disseram que havia
muitas vantagens na formação de duplas: criam-se laços de amizade de forma mais

5 Jam session se refere, no universo da dança, a uma performance criada de improviso durante um
encontro de dança ou aula.
6 A expressão hip hop se refere a um movimento cultural que engloba diferentes linguagens artísticas
incluindo a música rap, o grafite e a dança que seria a princípio o break dance, porém em alguns
contextos a expressão hip hop passou a designar a dança urbana surgida no seio do movimento. (N.
do autor)
7 Dancing, free step e free style são variações surgidas nas danças urbanas a partir da difusão da
cultura hip hop apresentado diferentes formas de utilização do tempo e dos movimentos corporais.
9

fácil e não gera competição pelas posições de frente na hora da apresentação, fato
que é comum num grupo numeroso; outro motivo apontado é que a formação em
duplas traz mais facilidade de encontrar um espaço para ensaiar.
Outra peculiaridade que percebi na dupla formada por Mateus e Jefferson era o
ritmo dos movimentos mais lento, as músicas escolhidas eram diferentes do estilo
breaking que eu conhecia. Identifiquei os movimentos com traços do popping8, sendo
que havia mais ênfase nos aspectos de mímica, clown e quase nenhuma utilização do
nível baixo. Eles também usavam muita expressão facial nas performances que
faziam nos nossos encontros.
O grupo era formado por uma diversidade de alunos, com diferentes interesses,
muitos alunos participam de grupos de jovens na igreja e nesse ambiente
desenvolvem sempre atividades de canto, dança e teatro. Alguns aluno escreviam
poesias e faziam desenhos. Mesmo vivendo numa cidade na qual não existem teatros
ou museus, eles fazem da escola um lugar de vivência dessas experiências artísticas
ainda que sejam naif, termo que utilizo por empréstimo das artes visuais classificadas
como ingênuas, mas formam uma base interessante sobre a qual um professor pode
desenvolver uma aula explorando a tomada de consciência para que percebam o que
se constitui uma experiência artística.
É conveniente frisar que para adentrar nessa experiência dos alunos e poder
estabelecer um diálogo foi preciso me despir da ideia de conhecimento
preestabelecido e realizar o estranhamento, o que permitiu enxergar sentido naquelas
práticas.
Outra forma que encontrei para abordar a temática artística com os alunos foi
mostrando a eles, minha trajetória como artista. Mostro fotografias e vídeos e conto a
eles como aprendi a dançar e com quem aprendi a dançar e quem foram as pessoas
que exerceram influência em meu trabalho e à medida que contamos vamos
mostrando também ao aluno um pouco da história dessa arte. Mostro para eles o que
eu denomino de dança convencional, que é aquilo que as pessoas dizem “é esse o
jeito certo de fazer a dança, pois de outra forma estaria errado”. E assim dentro dessa
ótica, existem movimentos convencionais que estão ligados às convenções da
sociedade que tanto pode ser uma dança acadêmica como também pode ser uma
dança de salão. Exponho, então, a possibilidade de criar danças ou modificar algo
existente, introduzindo passos novos ou movimentos que não são exatamente
8 Conforme Ribeiro e Cardoso (2011) o popping é um estilo de dança que se baseia em contrações
da musculatura, fluidez, musicalidade além de se apropriar de momentos da dança indiana e de
mímica.
10

convencionais e como foi essa atitude que provocou na história uma reviravolta na
concepção que se tinha dessa arte.
No caso do teatro especificamente, para introduzir o trabalho que desenvolvi
com esses alunos, expus para eles, de uma forma simplificada, que há duas formas
teatrais: um teatro com texto para ser encenado, com as deixas bem definidas, e um
outro tipo que é mais físico e que não necessariamente necessita de palavras
exatamente colocadas pelo dramaturgo. Passamos então a exercitar possibilidades de
dizer as coisas sem necessidade de verbalização. A partir daí começamos a mostrar
que as fronteiras entre dança e teatro foram ficando ou em certo ponto sempre foram
muito tênues e que por isso podemos usar a expressão dança-teatro ou teatro-dança
para se referir a um trabalho onde essas formas artísticas encontram-se muito
próximas. Há porém uma sutileza quando partimos da perspectiva de fazer uma dança
com ênfase em uma dramaturgia, havendo assim a necessidade de explorar mais os
aspectos expressivos combinados aos movimentos. Neste sentido há que se
considerar o movimento como algo pré-expressivo ou que prepara o corpo num nível
que possibilite a passagem das emoções.
Porém quando passamos para exercícios práticos demonstrando uma
coreografia de determinado estilo vinha sempre a pergunta: mas isso seria uma dança
somente, sem teatro? (sem os elementos propriamente dramáticos) Ou ao contrário
quando usamos apenas mímica9 para compor uma cena e essa mímica vem
acompanhada de música isso se constituiria em dança?
Citarei aqui alguns exercícios que aconteceram nesses encontros.

1 - Criando movimentos a partir de desafios:

A ideia que venho propondo de improvisação em dança, tem em certo aspecto,


fundamento nos princípios de Laban, e portanto não é baseada no espontaneísmo,
mas no reconhecimento das possibilidades do corpo em descobrir formas de
expressão, de fazer desenhos com partes do corpo em movimento, reunir esses
movimentos numa coreografia de modo a mostrar o potencial que esse exercício pode
trazer. Há portanto, uma ordem que inicia com um questionamento, induzindo a uma
reflexão sobre o corpo na dança. Trata-se de uma prática que não está filiada a
nenhuma técnica específica, mas pretende ser uma recriação de certos experimentos

9 Esclareço aqui que a mímica à qual me refiro neste trecho não se filia a uma técnica específica do
teatro, mas a uma improviso de movimento corporal baseado na mimese de ações do cotidiano.
11

que tenho realizado ao longo dos anos dessa prática pedagógica, embora para expor
certas sequências eu faça comparações ou sugira que possam ser assimilações
oriundas de algum estilo ou linhagem. Esta proposta, é baseada na problematização
do movimento, no questionamento sobre como encontrar saídas quando se chega
numa certa etapa do movimento e daí explorar movimentos para continuar o fluxo:
“É possível dançar sentado? É possível dançar sem música? Como seria dançar
somente usando os braços? Como encontrar o ritmo combinando movimentos de
braços e pernas? Para onde devo ir agora? Como manter o foco utilizando uma parte
do corpo para conduzir o movimento? Como levantar de uma posição deitada sem
perder o fluxo?”
Diante de cada uma dessas questões estou provocando o aluno a tentar
mostrar na prática a resposta. Um outro modo de fazer este exercício é propor uma
sequência, mas deixar uma lacuna para o aluno dar continuidade:
Um dos exercícios começa num movimento de rotação do tronco para uma
certa direção, direita ou esquerda, mantendo o alinhamento da coluna e o foco vai
para trás alterando o nível para o médio 10 e para baixo até ficar na posição sentado
com as pernas na quarta posição no solo 11, e então vem o questionamento: como
posso continuar o movimento? Como sair dessa posição para não perder o fluxo? E
assim passamos a experimentar.
A relação entre o movimento e a música é outro ponto interessante a ser
experimentado. Pode-se improvisar na música ou sem música. Com música de ritmos
variados. Um fato a ser destacado aconteceu durante um desses exercícios e anotei
no meu diário de bordo:
Quando propus que dançássemos sem música, criando uma
coreografia sem nenhum tipo de som, o aluno Mateus me olhou
espantado e em seguida quando propus que fizéssemos uma
composição coreográfica sem música apenas contando. Ele me disse
que ele não conseguiria pois estava acostumado a só dançar pelo
efeito da música. Ele e outros alunos tinham somente a experiência
das danças urbanas que não tinham conhecimento da contagem e
nem de experimentar compor uma frase de movimentos sem a
música. Eles usam a memória visual e a música vai ficando também
na memória e o ritmo é incorporado. (Diário de bordo, 25 de maio).

Essa exemplificação que mencionei seria de uma improvisação de movimentos


sem um tema buscando somente o ritmo e o desenho dos movimentos do corpo. Uma

10 Nível médio é uma expressão da terminologia de Laban que se refere a posição do corpo com relação ao
espaço, podendo ser mais próxima do chão (nível baixo) ou mais distante (nível alto) e a intermediária que seria
o nível médio.
11 Quarta posição no solo: na posição do corpo sentado, pernas dobradas no chão sendo uma na frente e outra
atrás.
12

segunda forma de improvisação utilizamos música ("Lilies of the Valley" de Jun


Miyake). Porém a improvisação, neste primeiro caso, não é completamente livre mas
induzida a partir de uma sequência que considero simples para iniciar o trabalho de
ritmo
A movimentação começava pelos braços que fazem uma flexão nos cotovelos
voltados para cima e depois estirando os braços na mesma direção numa sequência
em 4 tempos para o lado direito e depois 4 tempos para o lado esquerdo. Esta
sequência pode ser uma assimilação do isolation12 da técnica jazz dance ou mesmo
ao locking13 das danças urbanas. Depois de repetir a sequência com os braços
podemos dar continuidade com caminhadas para frente e para lateral, e aí entra a
improvisação quando pergunto “E agora o que podemos inventar? o que podemos
fazer? para onde vamos? como continuar essa sequência no solo?”
Posteriormente a essa indução a partir de uma sequência proposta os alunos
podem criar suas próprias sequências. Obviamente que há sempre alunos mais
tímidos e travados que sentem receio de experimentar outros mais ousados que
inventam movimentos de acordo com seu repertório que pode ser o tecnobrega14 ou
mesmo o free style ou o que eles denominam de “danças de igreja”.
Outro exercício foi realizado com o poema E agora José, de Carlos Drummond
de Andrade, é o que denomino de “dançar com poesia”. Inicialmente memorizamos
uma estrofe do poema e cada aluno repete no centro do círculo, improvisando
movimentos. Em seguida eu proponho e faço com eles uma sequência de
movimentos no plano roda, torcendo a coluna que vai para frente e para baixo,
mantendo um foco contínuo começando a sequência movendo a cabeça, depois
ombros, quadril e o tronco vai para a frente mantendo o controle da lombar e em
seguida relaxa o tronco vai abaixo mãos no chão (contagem 4) e depois vai
recompondo o movimento para cima, a partir da cabeça até a contagem 8. Um aluno
vai declamando o poema ou às vezes utilizo uma versão gravada e com fundo
musical. Este exercício é uma adaptação de uma sequência da técnica Horton15.
Um jogo que tem a intenção de desenvolver o senso rítmico, o pulso e as
peculiaridades da concentração é uma brincadeira com a cantiga tradicional Escravos

12 Isolation é uma técnica do jazz dance que consiste em movimentar somente uma parte do corpo
enquanto o resto permanece imóvel
13 Locking é uma das variações das danças urbanas que consiste em movimentos que enfatizam as
articulações de braços.
14 Tecnobrega se refere a um ritmo musical e a uma dança de salão muito popular no estado do
Pará durante a década de 90 e início dos anos 2000.
15 Horton é uma técnica de dança moderna.
13

de Jó, movimentando no chão objetos que podem ser sandálias, pedras, etc. e
posteriormente a variação do jogo desenvolve-se com os alunos colocados em círculo
e criando movimentos de acordo com a letra cantada. Neste exercício
experimentamos variações com palmas e percussão corporal.

Improvisação sobre os temas da mitologia:

Enquanto nos exercícios anteriores havia uma contagem, nesta improvisação


deixamos de lado a contagem e seguimos a um ritmo interno, focando um tema ou
numa música que fica a critério do aluno. Na improvisação sobre tema de Narciso e
Eco, o foco do personagem Narciso é indireto, flexível, ele porta um arco e pode olhar
em várias direções enquanto Eco mantém um foco direto somente numa direção que
é o corpo de Narciso, seguindo-o sempre, havendo o momento do desencontro.
No segundo exercício de improvisação sobre o tema de Perséfone e Hades.
Perséfone tem um ramo de flores na mão e seu foco é indireto procurando mais flores,
aparece Hades e a persegue, carrega-a. O movimento de Hades tem peso firme,
pisadas fortes e decididas e foco direto no corpo de Perséfone.
No terceiro exercício Ícaro e Dédalo. Dédalo tem de ensinar Ícaro a voar de
modo seguro, seus movimentos devem ser imitados por Ícaro, o olhar direciona o
movimento, olha para o braço direito e ondula e olha para o lado esquerdo e ondula e
depois olha para Ícaro e acomoda as asas nas costas do filho. Podemos usar mais de
uma referência nestes casos. Uma imagem de pintura pode ajudar na criação dos
movimentos porém de modo simples e direto.
Improvisação para gerar diferentes efeitos de voz para declamação poética: A
partir de um trecho de um poema (no caso deste exercício fizemos com o um poema
de Leminski sobre o mito de Narciso). A metodologia que antes eu empregava para
ensinar os alunos a fazerem declamação era centrada na repetição, de uma maneira
que eu determinava como gostaria que fosse a entonação de voz. Nesta experiencia,
fiz um desafio para que os alunos encontrassem a voz adequada: os alunos Vinicius,
Felipe Albuquerque e Felipe Garcia participaram deste exercício que incluiu também a
criação poética sobre os mesmos temas da performance.
A observação que faço é que no caso da improvisação tais orientações devem
ser meras sugestões e não devem conduzir o movimento dos alunos de modo rígido.
Algumas reações dos alunos, eu fui percebendo durante a realização destes
exercícios. Em se tratando daquelas sequências somente com movimento corporal
14

com ou sem som musical a reação deles podia ser tranquila na medida que todos
participam, porém quando se trata de um exercício que exija expressão oral, aí ocorre
uma certa dificuldade por parte daqueles que são mais tímidos então o caminho pode
ser iniciar sempre com atividades de movimentos corporais. Outro problema
identificado foi a competitividade entre os alunos mais adiantados ou experientes,
todos estes querem um papel de destaque e quando não são contemplados tendem a
não querer participar constituindo um desafio convencê-los a participarem.

Fase liminar:
Passemos então para a descrição da fase liminar da performance propriamente
dita. Considerei que esta performance foi um evento experimental, como um esboço
para um evento maior, por isso denominei esse experimento de “zigoto” ( a primeira
célula). A performance conforme concebo faz um recorte no cotidiano, retira elementos
de ações humanas que de outro modo seriam somente miméticas, porém aparecem
outros movimentos que não fazem referência a movimentos do cotidiano ou até
veladamente podem fazer parte, mas se ganham outro sentido ao assimilarem
marcadamente um conteúdo rítmico seguem padrões de um estilo reconhecido pelo
público e assim opera-se uma transposição de um universo para o outro.
Poderia acrescentar que um conjunto de ações do cotidiano, como por exemplo
pegar um copo para tomar uma bebida, caminhar ou correr podem ser acrescentados
ou combinados a outros que ampliem o sentido das emoções que são apropriadas
como por exemplo, o olhar de admiração com olhos arregalados e o caminhar lento do
jovem que se apaixona pela garota evolui os seus passos, como em qualquer pas-de-
deux, até atingir o clímax quando a toma em seus braços e depois ela é carregada em
um só impulso, constituindo o timing que na linguagem cênica denominamos de
musicalidade16.
Outro aspecto que gostaria de ressaltar se refere ao fato de que os
participantes desta experiência serem adolescentes e demonstram estarem aptos ao
estado de “jogo” da performance. Esse jogo se constitui na capacidade de poder,
ludicamente, assumir um personagem de uma narrativa. Os adolescentes encaram
essa proposta do jogo da cena, a ação de “fingir ser” com muita naturalidade. Porém
este jogo que propus a eles pode ter sido um desafio, que sob certo aspecto, ia além

16 Segundo Oliveira (2008) a musicalidade pode ser compreendida “como um conjunto de signos e
sentidos é agrupado, quer “soe” agradável ou não aos sentidos do receptor” (CASTILHO, 2008, p.16).
15

dos limites que alguns estabeleceram para uma performance, pois tratava-se de fazer
a cena de improviso em frente ao público como um ensaio. Assim ocorreram alguns
atropelos, que considerei compreensíveis neste processo. Enquanto alguns
participaram de todo o processo, e fizeram os exercícios outros não puderam
comparecer de modo frequente, porém no dia do Happening estavam sempre “à
espera do revezamento”, pela sua vez de participar. Somente os personagens do
“drama contemporâneo”, assumidos pelos alunos Jefferson e Mateus, não tiveram
outros intérpretes naquele momento.
A minha participação no processo criativo compartilhado foi baseado na
espera pela manifestação das demandas dos alunos, ou seja, como é óbvia a relação
de poder e hierarquia que existe na escola, eu não poderia num processo que
almejava a manifestação autêntica do desejo de participar da performance, influir de
modo incisivo nas experimentações, procurava sempre elogiar e estimular o que
estava sendo criado, porém houve momentos em que eles se sentiam inseguros ou
incapazes de continuar uma composição de movimentos, então eu intervia como um
orientador. Para exemplificar este procedimento, descreverei dois momentos que
anotei em meu diário de bordo.
Um dos momentos em que me solicitaram ajuda para executar um movimento
foi no “pas-de-deux” em que o rapaz se apaixona pela garota. O aluno Mateus que
fazia o rapaz escolheu a música e deu sugestões para as alunas Beatriz e Tamillys
como poderia ser a movimentação da personagem que era uma garota que na sua
interpretação seduziu um rapaz tímido e religioso. O personagem rapaz entrava em
cena e resistia por um certo tempo à atração exercida pela garota e depois não
suportava e se entregava a paixão aproximando-se dela, nesse momento da
aproximação o aluno queria fazer um movimento de porté (carregada), mas não
conseguia encontrar a execução adequada, foi então que pediu o meu auxílio,
experimentamos diversas poses e movimentações até chegar no ponto que
combinava com aquilo que ele tinha em mente.
Um segundo momento que posso descrever que houve essa demanda por
orientação foi na cena de luta. Os alunos não tinham experiência com movimentos no
nível baixo, embora Mateus já tivesse participado dos exercícios de improvisação em
que abordamos os movimentos no solo, ele sentiu dificuldade de aplicá-los numa
coreografia de luta. Então exploramos quedas de costas, rolamentos e acrobacias
com impulsos básicos e apoios.
16

Quando interrogado sobre o processo de criação, o aluno Mateus respondeu:


“primeiro veio a história, depois escolhemos as músicas e depois veio a coreografia,
nesta mesma sequência”. Posso dizer que esta forma, significou que as experiências
que tivemos durante o processo no qual experimentamos movimentos sem música
não tiveram um impacto evidente para os alunos pois já estavam acostumados a esse
jeito, porém eu via que no meio desse processo há uma pausa na percepção do ritmo
musical e o corpo executa os movimentos que são retirados do cotidiano e
posteriormente tentam-se adequá-los ao ritmo musical.
Outro ponto do processo é sobre quais os alunos que participariam como
integrantes do elenco no dia do evento. Esclareço que o projeto trazia a ideia de
revezamento de personagens, vários alunos poderiam compor os mesmos
personagens e considerando que as apresentações aconteceram durante o dia todo,
contemplando os turnos da manhã e da tarde, todos teriam a oportunidade de
participar. Porém houveram problemas. Como o evento do Happening aconteceu no
último dia de aula, muitos alunos faltaram, outros não quiseram fazer certas cenas por
razões pessoais, como a questão de ciúmes de namorados, etc. Porém na montagem
que estamos fazendo como continuidade desse primeiro experimento estou utilizando
outras estratégias para envolver um número maior de alunos.

Referências:
.DEWEY, John. Arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
17

LEMINSKY, Paulo. Metaformose: uma viagem pelo imaginário grego. São Paulo:
Iluminuras, 1994.

OLIVEIRA, Jacyan Castilho. O ritmo musical da cena teatral: a dinâmica do


espetáculo de teatro. Salvador: UFBA, 2008.

RIBEIRO, Ana Cristina. CARDOSO, Ricardo. Dança de rua. Campinas,SP: Editora


Átomo, 2011.
SCHECHNER, Richard. 2005. “O que é performance?”, em Performance studies: an
introduccion, second edition. New York & London: Routledge, p. 28-51. tradução de r. l.
almeida, publicada sob licença creative commons, classe 3. abril de 2011.

SETENTA, Jussara. O fazer-dizer do corpo. Dança e Performatividade. Salvador:


Editora da Universidade Federal da Bahia, 2008.

VELOSO, Graça. Pedagogia do teatro, vídeo-aula 4.CEART – PROFArtes, 2016.


Disponivel em https://www.youtube.com/watch?v=YrRLsk76VOI Acesso em
07/06/2016.

ANEXOS
18

Figura 1-Cartaz de divulgação do workshop Passagem insólita. Foto de arquivo pessoal

.
Figura 2-Roda de conversa como estratégia do processo criativo. Foto de arquivo pessoal
19

Figura 3-Pausa para improvisação durante as rodas de conversa. Convergindo várias linguagens alguns alunos
improvisam uma coreografia, um outro aluno toca violão e uma aluna declama um poema. Foto de arquivo
pessoal

Figura 4- Explorando movimentos em vários níveis. Nesta imagem o movimento vai do nível médio para o baixo.
Foto de arquivo pessoal
20

Figura 5- Desafios para criação de movimentos é uma das atividades propostas durante o workshop. Foto de
arquivo pessoal

Figura 6-Composição de movimentos para a cena de Ícaro e Dédalo com os alunos Mateus e Jefferson. Foto de
arquivo pessoal.
21

Figura 7- Cena da performance apresentada no Happening de encerramento do workshop. Foto de arquivo


pessoal.

Figura 8- Cena de Ícaro e Dédalo, utilizando o recurso da sombra. Foto de arquivo pessoal.
22

Figura 9- Improvisação de movimentos para a pas-de-deux. Foto de arquivo pessoal

Figura 10- Cena de Narciso na performance apresentada no auditório do PPG Artes da UFPA na ocasião de minha defesa de
Mestrado. Foto de arquivo pessoal
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Figura 11- Cena de ìcaro e Dédado na performance apresentada na ocasião da minha defesa do Mestrado no
auditório do PPG Artes da UFPA. Foto de arquivo pessoal.

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