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RICARDO MAMEDE
1. Teoremas de Liouville
O Teorema Fundamental da Cálculo assegura que para uma qualquer função contı́nua
f no intervalo [a, b], a função
Z x
F (x) = f (t)dt, x ∈ (a, b),
a
é uma primitiva de f . Além disso, para uma vasto leque de funções existem técnicas que
permitem escrever a primitiva F (x) à custa de somas de funções simples, ou elementares,
tais como funções racionais, trigonométricas, exponenciais ou logaritmos. Um exemplo
deste tipo de funções é dado pelas funções racionais, cujo integral é ou uma função racional,
ou a soma de uma função racional com um número finito de múltiplos de logaritmos de
funções racionais. Laplace, em 1812, provou este resultado decompondo uma função
racional r(x) = p(x)/q(x), onde p(x) e q(x) são polinómios, em fracções parciais (veja-se
[7]),
m
X bj
r(x) = t(x) + ,
j=1
(x − cj )kj
onde t(x) é um polinómio e bj , cj , kj são constantes, e notando que a primitiva de um
polinómio é também um polinómio, e que a primitiva de um termo 1/(x − cj )kj é ou um
termo desta forma (se kj 6= 1), ou um logaritmo (se kj = 1).
No entanto, para algumas funções mais complicadas tais como
x2 ex x sin(x) ln x
(1.1) e , , ee , , ou 2 ,
x x x +1
já não é possı́vel exprimir as suas primitivas, que existem pelo Teorema Fundamental do
Cálculo, em termos de funções elementares.
Por função elementar na variável x designamos qualquer função que, num número
finito de passos, possa ser construı́da através de funções algébricas, da função exponencial
ou da função logarı́tmica, aplicando as operações de adição, subtracção, multiplicação, di-
visão e composição de funções. Optamos por considerar coeficientes complexos de forma
a incluir as funções trigonométricas elementares e suas inversas no leque de funções ele-
mentares, uma vez que, por exemplo,
eix − e−ix √
sin(x) = e arcsin(x) = −i ln(ix + 1 − x2 ).
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O que se aceita como integral de uma dada função tem variado ao longo do tempo.
Os dois “inventores”do cálculo, Newton e Leibniz, tinham abordagens diferentes rela-
tivamente à integração [6]: Newton aceitava integrais como séries infinitas mas rejei-
tava funções transcendentes, tais como exponenciais ou logaritmos. Já Leibniz favorecia
soluções em termos finitos, admitindo o uso de funções transcendentes. Ao longo do
século XVIII as preferências por uma ou outra abordagem dividiam-se, mas à medida
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que o conhecimento das novas funções aumentou, a preferência pelas expressões finitas
prevaleceu.
Foi Joseph Liouville (1809-1882) que estabeleceu a integração em termos finitos como
uma disciplina matemática numa série de artigos publicados entre 1833 and 1841. Após
ter considerado a questão de quando uma função algébrica possui um integral algébrico
[3], Liouville atacou o problema da identificação das funções algébricas que possuem um
integral elementar [4]. Para resolver esta questão, provou em 1834 o que é hoje em dia
designado
R por Teorema de Liouville (1834): se y é uma função algébrica na variável
x e y(x)dx é elementar, então
Z Xn
y(x)dx = t(x) + ki ln ui (x),
i=1
onde k1 , . . . , kn são constantes, e t(x), u1 (x), . . . , un (x) são funções algébricas. Este teo-
rema e as suas generalizações, são a base de praticamente todos os trabalhos feitos nesta
área (para uma visão global veja-se, por exemplo, [8]). A sua prova baseia-se no facto
da derivada de um termo exponencial ser exponencial e da derivada de um termo lo-
garı́tmico de ordem maior do que 1 ser também logarı́tmico. Assim, uma função algébrica
não pode ter termos exponenciais nem logarı́tmicos, excepto se estes últimos aparecerem
como combinações lineares (para mais pormenores veja-se [12, p. 21]).
Em 1935 Liouville generalizou o seu resultado para várias variáveis, aumentando a
classe de funções que se pode provar não ter integral elementar.
Teorema Forte de Liouville (1835). (a) Se f é uma função algébrica nas variáveis
x,y1 , . . .,ym , onde y1 , . . . , ym são funções de x cujas derivadas R dy1 /dx, . . . , dym /dx são
também funções algébricas nas variáveis x, y1 , . . . , ym , então f (x, y1 , . . . , ym ) dx é ele-
mentar se e só se
Z n
X
f (x, y1 , . . . , ym ) dx = u0 + cj ln(uj ),
j=1
Teorema Racional de Liouville. (Liouville R [5], Ritt [12]) Se f e g são funções algébricas
g
na variável x, com g não constante, e se f e dx é elementar, então
Z
f eg dx = Reg ,
para alguma função racional R(x). Derivando esta expressão, e dividindo-a por eg(x) ,
obtemos
1 = R0 (x) + R(x)g 0 (x).
Se R(x) = p(x)/q(x), com p(x) e q(x) polinómios primos entre si, a expressão anterior
implica que
(1.2) q(x)(q(x) − p0 (x) − g 0 (x)p(x)) = −p(x)q 0 (x).
Se o grau gr(q) > 0, então o polinómio q(x) possui uma raiz x = α de multiplicidade,
digamos k > 0. Além disso, p(α) 6= 0, pois p(x) e q(x) são primos entre si. Desta forma,
podemos concluir que x = α é uma raiz de multiplicidade pelo menos k do membro
esquerdo de (1.2), mas é raiz de multiplicidade no máximo k − 1 do membro direito de
(1.2). Esta contradição significa que q(x) é uma constante, que podemos assumir ser 1,
pelo que obtemos
g 0 (x)p(x) = 1 − p(x)0 .
Mas esta igualdade
R g(x) é impossı́vel pois gr(g 0 (x)p(x)) ≥ gr(p(x)) > gr(p0 (x)). Conclui-se
assim que e dx não é elementar.
Em particular, os integrais
Z Z
x2 2
e dx e e−x dx
Terminamos esta secção com outro caso especial do Teorema Forte de Liouville que
permite analisar funções da forma r(x) ln x, com r(x) uma função racional, obtido por
G.H. Hardy [1, p. 50] em 1905 (veja-se também [8]).
R
Teorema de Liouville-Hardy (1905). Se r(x) é uma função racional, então r(x) ln x dx
é elementar se e só se existe uma função racional g(x) e uma constante c tal que r(x) =
c/x + g 0 (x).
Exemplo 8.R Se r(x) = Πnj=1 (x − aj )−1 , com aj constantes não nulas e distintas duas a
duas, então r(x) ln x dx não é uma função elementar.
Demonstração. Pelo teorema anterior, temos de verificar se existe alguma função racional
g(x) e uma constante c tal que g 0 (x) = c/x + r(x). Usando a decomposição de r(x) em
fracções próprias, obtemos
n
X bj
g 0 (x) = c/x + ,
j=1
x − a j
para certas constantes bj . Concluı́mos assim que g(x) = c ln x + nj=1 bj ln(x − aj ) + C não
P
R
é uma função racional, quaisquer que sejam as constantes c e C. Portanto r(x) ln x dx
não é elementar.
Z Z Z
ln x ln x ln x
Em particular, os integrais dx, 2
dx e dx não são funções
x−a x −1 x2 +Z1
ln x
elementares, qualquer que seja a constante a 6= 0. Notemos que dx = (ln x)2 /2.
x
Este resultado não contradiz o Teorema de Liouville-Hardy uma vez que fazendo c = 1 e
r(x) = 1/x, a função constante g(x) = 0 satisfaz g 0 (x) = r(x) − c/x.
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Uma vez que esta última equação ou tem grau menor do que n, ou contradiz a minimali-
dade de gr(pn (x)), obtemos uma contradição. Portanto, podemos concluir que ex é uma
função transcendente.
Corolário 2. Para qualquer b > 0 e b 6= 1, a função exponencial bx é transcendente.
Demonstração. Assumindo que bx é algébrico (com b 6= e), existem polinómios pn (x),
pn−1 (x), . . . , p0 (x), com n ≥ 1 e pn (x) 6= 0, tal que
pn (x) (bx )n + pn−1 (x) (bx )n−1 + · · · + p1 (x)bx + p0 (x) = 0,
ou, de forma equivalente,
n n−1
(2.3) pn (x) ex ln b + pn−1 (x) ex ln b + · · · + p1 (x)ex ln b + p0 (x) = 0,
é satisfeita para todo o x real. Fazendo a substituição t = x ln b na equação (2.3) obtemos
t t n
t t n−1
t t t
(2.4) pn e + pn−1 e + · · · + p1 e + p0 = 0.
ln b ln b ln b ln b
Considerando os polinómios qk (t) = pn (t/ ln b), k = 0, 1, . . . , n, temos que qn (t) 6= 0 e
qn (t)ent + pn−1 (t)e(n−1)t + · · · + q1 (t)et + q0 (t) = 0,
o que contradiz o facto de ex ser transcendente. Concluı́mos assim que bx é uma função
transcendente.
O próximo resultado mostra que um múltiplo não nulo de uma função transcendente é
igualmente transcendente.
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Teorema 6. As funções trigonométricas sin(x), cos(x), tan(x), cot(x), sec(x) e csc(x) são
transcendentes.
Demonstração. Vamos provar que sin(x) é transcendente. As provas para cos(x) e tan(x)
são semelhantes. Uma vez que a recı́proca de uma função transcendente é também trans-
cendente, concluı́mos então que cot(x), sec(x) e csc(x) são igualmente transcendentes.
Suponhamos então que sin(x) é algébrica. Então, existem polinómios pn (x), pn−1 (x), . . .,
p0 (x), com n ≥ 1 e pn (x) 6= 0, tais que
(2.7) pn (x) sinn (x) + pn−1 (x) sinn−1 (x) + · · · + p1 (x) sin(x) + p0 (x) = 0,
é satisfeita para todo o x real, com n o grau de sin(x).
Comecemos por supor que p0 (x) = 0. Se n = 1, a equação (2.7) fica reduzida a
p1 (x) sin(x) = 0, pelo que temos p1 (x) = 0 para todo o x 6= kπ, com k inteiro, pois
sin(x) anula-se nestes pontos. Um polinómio de grau, digamos m ≥ 1 tem, pelo Teorema
Fundamental da Álgebra, no máximo m zeros reais. Deste modo temos necessariamente
p1 (x) = 0, o que contradiz o facto de assumirmos que pn (x) 6= 0. Segue que temos de ter
n ≥ 2. Uma vez que estamos a supor que p0 (x) = 0, podemos destacar sin(x) da (2.7) e
obter
pn (x) sinn−1 (x) + pn−1 (x) sinn−2 (x) + · · · + p2 (x) sin(x) + p1 (x) = 0,
o que contradiz o facto de n ser o grau de sin(x). Concluı́mos assim que o polinómio p0 (x)
não pode ser o polinómio nulo, pelo que tem necessariamente um número finito de raı́zes.
Mas uma vez que sin(x) se anula para todo o x = kπ, a equação (2.7) fica reduzida a
p0 (kπ) = 0 para todo o inteiro k, o que contradiz o facto de p0 (x) ter um número finito
de raı́zes. Portanto, a suposição de que sin(x) é algébrico leva a uma contradição, pelo
que podemos concluir que esta função é transcendente.
Vamos agora mostrar que a função inversa de uma função transcendente é também
transcendente (evidentemente se esta existir). Como consequência deste resultado, con-
cluı́mos que as funções trigonométricas inversas arcsin(x), arccos(x), arctan(x), bem como
a função logaritmo logb (x) são transcendentes.
Teorema 7. Uma função f é transcendente se e só se a sua função inversa f −1 é trans-
cendente.
Demonstração. Seja y = f (x) uma função transcendente com função inversa f −1 (y) = x,
e suponhamos que f −1 é algébrica. Então, existem polinómios pn (y), pn−1 (y), . . . , p0 (y),
com n ≥ 1 e pn (y) 6= 0, tais que
n n−1
pn (y) f −1 (y) + pn−1 (y) f −1 (y) + · · · + p1 (y)f −1 (y) + p0 (y) = 0,
é satisfeita para todo o y no domı́nio de f −1 . Como y = f (x) se e só se f −1 (y) = x, temos
pn (f (x))xn + pn−1 (f (x))xn−1 + · · · + p1 (f (x))x + p0 (f (x)) = 0,
para todo o x no domı́nio de f . Se pk (y) = akmk y mk + akmk −1 y mk −1 + · · · + ak1 y + ak0 , para
k = 0, 1, . . . , n, então
(2.8) pk (f (x))xk = akmk f mk (x)xk + akmk −1 f mk −1 (x)xk + · · · + ak1 f (x)xk + ak0 xk .
Somando as n + 1 igualdades (2.8), temos que o membro esquerdo é zero. Quanto ao
membro direito, após factorizarmos as potências de f com o mesmo expoente, obtemos
uma expressão da forma
0 = qm (x)f m (x) + qm−1 (x)f m−1 (x) + · · · + q1 (x)f (x) + q0 (x),
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Referências
[1] G. H. Hardy, The Integration of Functions of a Single Variable, 2nd ed., Cambridge University Tracts
in Mathematics and Mathematical Physics, no. 2, Cambridge, England, 1916.
[2] T. Kasper, Integration in Finite Terms: the Liouville Theory, Mathematics Magazine 53 (1980), pp.
195–201.
[3] J. Liouville, Mémoire sur la détermination des Intégrales dont la valeur est algébrique, J. Ecole
Polytechnique, vol. 14, cahier 22, pp. 124–193, Paris.
[4] J. Liouville, Mémoire sur les Transcendantes Elliptiques de première et de seconde espéce considérées
comme fonctions de leur amplitude, J. Ecole Polytechnique, vol. 14, pp. 37–83, Paris.
[5] J. Liouville, Mémoire sur l’integration d’une classe de fonctions transcendantes, J. Reine Angew.
Math., vol. 13 (1835), pp. 93–118.
[6] C. H. Edwards Jr., The Historical Development of the Calculus, Springer-Verlag, New York, 1979.
[7] R. Mamede, Expansão de uma função racional em fracções parciais. Coimbra 2010. (Disponı́vel em
http://www.mat.uc.pt/ mamede/Artigos/fraccoesparciais.pdf).
[8] E. A. Marchisoto and G-A Zakeri, An invitation to Integration in Finite Terms. The college Mathe-
matics Journal, Vol 25-4 (1994), pp. 295-308.
[9] D. G. Mead, Integration. The American Mathematical Monthly, Vol. 68, No. 2 (1961), pp. 152–156.
[10] R. H. Risch, The problem of integration in finite terms, Transactions of the American Mathematical
Society 139 (1969) 167–189.
[11] R. H. Risch, The solution of the problem of integration in finite terms, Bulletin of the American
Mathematical Society 76 (1970) 605–608.
[12] J. Ritt, Integration in Finite Terms, New York, 1948.
[13] M. Rosenlicht, Liouville’s theorem on functions with elementary integrals, Pacific Journal of Mathe-
matics 24:1 (1968) 153–161.
[14] M. Rosenlicht, Integration in finite terms, American Mathematical Monthly 79:9 (1972) 963–972.