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Centros de

Convivência e
Cooperativa
CADERNOS TEMÁTICOS CRP SP
15 Centros de
Convivência e
Cooperativa
CADERNOS TEMÁTICOS CRP SP

1ª Edição - São Paulo - 2015


Caderno Temático nº15 - Centros de Convivência e Cooperativa

XIV Plenário (2013-2016) Organização do caderno


Marilia Capponi
Diretoria Odette Godoy Pinheiro
Presidente | Elisa Zaneratto Rosa
Vice-presidente | Adriana Eiko Matsumoto Revisão ortográfica
Secretário | José Agnaldo Gomes Adriana Tullio, por SOStexto
Tesoureiro | Guilherme Luz Fenerich

Conselheiros Projeto gráfico


Alacir Villa Valle Cruces, Aristeu Bertelli da Fonte Design | www.fontedesign.com.br
Silva, Bruno Simões Gonçalves, Camila de
Freitas Teodoro, Dario Henrique Teófilo Schezzi, Editoração
Gabriela Gramkow, Graça Maria de Carvalho Paulo Mota | Micael Melchiades
Camara, Gustavo de Lima Bernardes Sales,
Ilana Mountian, Janaína Leslão Garcia, Joari
Aparecido Soares de Carvalho, Livia Gonsalves
Toledo, Luis Fernando de Oliveira Saraiva,
Luiz Eduardo Valiengo Berni, Maria das Graças
Mazarin de Araujo, Maria Ermínia Ciliberti,
Marília Capponi, Mirnamar Pinto da Fonseca
Pagliuso, Moacyr Miniussi Bertolino Neto,
Regiane Aparecida Piva, Sandra Elena Spósito,
Sergio Augusto Garcia Junior, Silvio Yasui

___________________________________________________________________________
C755c Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Centros de Convivência e Cooperativa / Conselho Regional de Psicologia
de São Paulo. - São Paulo: CRP - SP, 2015.
96 p.; 21 x 28 cm. (Cadernos Temáticos CRP SP)

ISBN: 978-85-60405-27-5

1. Psicologia – Saúde Mental. 2. Centros de Convivência.


3. Movimento de Luta Antimanicomial. 4. Humanização da Assistência.
5. Relações interpessoais. 6. Inclusão Social. I. Título

CDD: 158.2
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo – CRB-8/8396.
Cadernos Temáticos
do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre
as ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos
do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho
em diversos campos de atuação da Psicologia.
Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar
um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogas(os); o segundo é o de identificar
áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetiva-
mente, garantir voz à categoria, para que apresente suas posições e questio-
namentos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção
coletiva de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância
como ciência e como profissão.
Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira a
apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que
contaram com a experiência de pesquisadoras(es) e especialistas da Psi-
cologia para debater sobre assuntos ou temáticas variados na área. Reafir-
mamos o debate permanente como princípio fundamental do processo de
democratização, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda
mais os caminhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desa-
fios presentes em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição
da singularidade humana como fenômeno complexo, multideterminado e
historicamente produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse
sentido, um convite à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida
a psicólogas(os), bem como aos diretamente envolvidos com cada temática,
criando uma oportunidade para a profícua discussão, em diferentes lugares
e de diversas maneiras, sobre a prática profissional da Psicologia.
Este é o 15º Caderno da série. O seu tema é o Centros de Convivência e
Cooperativa.
Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo,
para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições sobre temas re-
levantes para a Psicologia e para a sociedade.
A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita a
ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todas(os).

XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Os Cadernos já publicados podem ser consultados em www.crpsp.org.br:
1 - Psicologia e preconceito racial
2 - Profissionais frente a situações de tortura
3 - A Psicologia promovendo o ECA
4 - A inserção da Psicologia na saúde suplementar
5 - Cidadania ativa na prática
5 - Ciudadanía activa en la práctica
6 - Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 - Nasf - Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 - Dislexia: subsídios para políticas públicas
9 - Ensino da Psicologia no Nível Médio
10 - Psicólogo judiciário nas questões de família
11 - Psicologia e diversidade sexual
12 - Políticas de saúde mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
13 - Psicologia e o direito à memória e à verdade
14 - Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
Sumário

07 Apresentação Os Centros de Convivência


e Experiências de Economia
“A delicada arte de produzir
Solidária
encontros” - I Encontro
Estadual de Centros de 23 Rute Barreto Ramos
Convivência Os Centros de Convivência e
09 Juliana Maria Padovan Aleixo a Intersetorialidade
10 Marilia Capponi 27 Isabel Cristina Lopes
11 Milena Leal Pacheco Discussões em Grupos
13 Luzia de Oliveira Pereira 33 Grupo Verde
14 Regina Aparecida da Silva Ferreira 34 Grupo Vermelho
15 Kátia de Paiva 35 Grupo Azul
16 Adilson Rocha Campos 36 Grupo Amarelo

18 Carla Aparecida de Almeida Siqueira Anexos (pdfs)


Machado
37 Normatização das Ações nos Centros
Qual o lugar dos Centros de Convivência e Cooperativas
de Convivência na Rede Municipais
Substitutiva
89 Documento CECO Campinas
19 Maria Cecilia Galetti
93 Lei Municipal nº 2.466, de
31/05/2010 - Dispõe sobre a criação
do Centro de Convivên-cia Conviver de
Embu e das providências correlatas.
Apresentação 7

Centros de Convivência e Cooperativa


Cadernos Temáticos CRP SP
A partir de 2001, com a promulgação da Lei O CRP SP, entendendo o Centro de Convi-
10.216, uma série de transformações na assis- vência como lugar estratégico na rede substitu-
tência em Saúde Mental está em curso no país. tiva de saúde mental, promoveu o “I Encontro
O cuidado em liberdade, a inclusão social, a Estadual de Centros de Convivência – A de-
autonomia e o protagonismo dos usuários vão licada arte de produzir encontros”, realizado
permeando as ações e os serviços da rede subs- em setembro de 2011, em Campinas.
titutiva de atenção em Saúde Mental. Atividade criada no planejamento estratégi-
Os Centros de Convivência são dispositivos co do CRP, ao final de 2010, o evento foi or-
fundamentais integrantes dessa rede. No Esta- ganizado por uma comissão que contava com a
do de São Paulo, são 34 Centros concentrados presença de integrantes da Secretaria de Saúde
em quatro municípios apenas: 21 na Capital, de Campinas, dos Centros de Convivência de
11 em Campinas, 1 em Embu das Artes e 1 em Campinas, São Paulo, Embu das Artes e mem-
Mogi das Cruzes. bros do CRP SP, e teve apoio do Serviço de Saú-
Nos Centros de Convivência, são desen- de Cândido Ferreira e da CATI – Coordenadoria
volvidas atividades relacionadas a arte, edu- de Assistência Técnica Integral.
cação, lazer, cultura e economia solidária, A partir de falas individuais e produções co-
visando estreitar laços sociais e afetivos entre letivas (discussões em grupo), questões impor-
usuárias(os) do serviço e a comunidade. Os tantes para a estruturação desses serviços fo-
centros são abertos: qualquer pessoa pode fre- ram trazidas à tona. Nesse encontro, muito foi
quentar e participar das suas atividades e não contado, mostrado, pensado, refletido... Foram
há necessidade de encaminhamento nem res- trazidas ao debate práticas que respondem de
trições de acesso. maneira contra-hegemônica a patologização de
Da riqueza dessa experiência ímpar de in- toda forma de sofrimento e solidão, por meio
clusão social por meio do encontro das diferen- de linhas, tecidos, miçangas, dança e teatro.
ças, surge a necessidade de realizar um encon- Pudemos refletir e celebrar a práxis antimani-
tro para discutir e problematizar o que são os comial!
Centros de Convivência e que lugar de fato têm A Delicada Arte de Produzir Encontros ge-
ocupado na rede substitutiva. rou este 15º caderno temático que apresenta-
De que forma contribuem para a desinsti- mos agora.
tucionalização e a desconstrução do modelo e O evento, em Campinas, reuniu mais de 400
das práticas manicomiais? pessoas, entre usuárias(os) e profissionais da
Como estão construídas as experiências de Saúde de diversos municípios, interessados em
Economia Solidária nesses locais? conhecer melhor o debate que cerca os Centros
Qual construção possível com a rede inter- de Convivência e a importância desse serviço
setorial? na clínica antimanicomial.
“A delicada arte de produzir encontros” 9

Centros de Convivência e Cooperativa


I Encontro Estadual de
Centros de Convivência
Juliana Maria Padovan Aleixo
Coordenadora do Centro de Convivência
Rosa dos Ventos de Campinas - SP

Cadernos Temáticos CRP SP


Bom dia. Gostaria de agradecer a presença de to- mento e que possam ser parceiros na criação da
dos, em nome da comissão organizadora do I En- sua regulamentação na Secretaria de Saúde e no
contro Estadual dos Centros de Convivência. Essa Ministério da Saúde. Porém, é fato que pensar
comissão contou com a presença de integrantes
da Secretaria de Saúde de Campinas, do Centro de
Convivência de Campinas, São Paulo, Embu das Como buscar institucionalidade
Artes e membros da comissão gestora do CRP SP. saindo do informal, buscando garantir
Esse evento está sendo realizado em parceria com a qualidade de nossas ações, sem
a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas,
o CRP do Estado de São Paulo, com o apoio do perder a espontaneidade, a leveza e a
delicadeza dos encontros produzidos
no dia a dia de nosso trabalho?
Como criar uma política comum
de estruturação dos CECCOs sem
perder de vista tantas diversidades numa estruturação nos remete a grandes desa-
e especificidades, que, muitas vezes, fios: como criar uma política comum de estrutu-
foram conquistadas a partir da ração dos CECCOs sem perder de vista tantas di-
espontaneidade e da informalidade? versidades e especificidades, que, muitas vezes,
foram conquistadas a partir da espontaneidade e
da informalidade? Como regulamentar esses dis-
positivos garantindo recursos, sem burocratizar
Serviço de Saúde Cândido Ferreira e com o apoio e engessar nossas ações? Afinal, o diferencial de
da CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica nossas ofertas é pautado na não necessidade de
Integral. A realização do encontro de hoje se deu protocolos, burocracias, procedimentos formais.
pela necessidade de fortalecimento, legitimação Como buscar institucionalidade saindo do infor-
e construção de políticas públicas que estrutu- mal, buscando garantir a qualidade de nossas
rem os Centros de Convivência. Contamos que, ações, sem perder a espontaneidade, a leveza e
com as possibilidades de troca no dia de hoje, a delicadeza dos encontros produzidos no dia
possamos encaminhar alguns pedidos desse co- a dia de nosso trabalho? Como pensar o CECCO
letivo, que pensa, trabalha, usufrui e acredita enquanto estratégia de abertura das redes, legi-
no Centro de Convivência. Pedidos que apontam timando um dispositivo que inaugura uma nova
para a construção de diretrizes, caminhos, possi- forma de pensar o cuidado em saúde, colocando
bilidades, ações que regulamentem e estruturem em prática os princípios do SUS, a prevenção, a
os CECCOs, no sentido de garantir a qualidade de promoção e a integralidade do cuidado.
nossas ações, de nossa clínica, de nosso modo de
exercer e pensar o cuidado em saúde, criando,
assim, corresponsabilização e comprometimento
com todos aqueles que acreditam nesse equipa-
10 Marilia Capponi
Conselheira do Conselho Regional de
Psicologia São Paulo - 6ª Região

Programamos esse evento no planejamento


estratégico do Conselho no final do ano passa- A potencialidade desse serviço,
do. O CRP acredita no potencial do Centro de infelizmente, contrasta, na mesma
Convivência, no lugar estratégico que ocupa
na rede substitutiva, que faz parte da reforma
medida, com o não investimento
psiquiátrica brasileira. A potencialidade des- do poder público nos recursos
se serviço, infelizmente, contrasta, na mesma humanos necessários, nos materiais
medida, com o não investimento do poder pú- terapêuticos, na infraestrutura.
blico nos recursos humanos necessários, nos
materiais terapêuticos, na infraestrutura. No
intuito de fortalecer esses serviços, decidimos
realizar um primeiro encontro para que todos
pudessem começar a discutir a situação atual
dos Centros de Convivência. Em nosso texto
de apresentação, fazemos algumas perguntas:
que lugar têm, de fato, ocupado na rede subs-
titutiva, esses serviços? De que forma eles con-
tribuem para a desinstitucionalização? Qual o
papel que ocupam na desconstrução das prá-
ticas manicomiais? Como estão constituídas
as experiências de economia solidária desses
serviços? Acho que hoje é o momento de ini-
ciarmos essas discussões, digo iniciar porque
sei que um encontro não vai ser suficiente para
dar conta da diversidade que existe nos servi-
ços. Então, espero que esse seja o primeiro de
muitos encontros que ainda virão. Obrigada.
Milena Leal Pacheco 11
Assessora da Área Técnica de Saúde

Centros de Convivência e Cooperativa


Mental, Álcool e Outras Drogas
do Ministério da Saúde - psicóloga,
especialista em saúde mental, mestranda
em Psicologia Clínica e Cultura da
Universidade de Brasília

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Bom dia a todos e a todas. Primeiramente, gos- do sujeito, o combate ao estigma das pessoas
taria de agradecer o convite, em nome do Minis- com transtorno mental. E hoje esses parceiros
tério da Saúde e da equipe de coordenação de da intersetorialidade avançaram e já se con-
Saúde Mental, e parabenizar essa iniciativa que venceram de que essa é também uma questão
o Conselho Regional de Psicologia teve junto para eles. Então temos políticas públicas acon-
com os Centros de Convivência e a Prefeitura de tecendo na cultura, na educação, na assistên-
Campinas. Espaços como esse, encontros como cia social, e temos que estar, de fato, conver-
esse, são fundamentais para o fortalecimento sando com eles e vendo de que forma podemos
das políticas públicas e para os serviços, à me- garantir o financiamento e o apoio para esses
dida que podem estar reavivando os debates e projetos que têm se mostrado tão efetivos. Fize-
atualizando essa questão da interface da saú- mos um levantamento em 2008, e este apontou
de, da saúde mental, da cultura, da economia a existência de 51 Centros de Convivência já
solidária. O que nos chamou a atenção na or- implantados, 10 em fase de implantação e 21
ganização desse evento é que vocês estão jun- em projeto. É necessário um novo levantamen-
tando as pessoas para discutir a situação atual to para saber qual é a situação no país, porque
dos Centros de Convivência e dos projetos de esse último também mostrou um protagonismo
economia solidária e podem, à luz das propos- e um número maior de experiências aqui no Es-
tas que foram aprovadas na 4ª Conferência de tado de São Paulo. Então, provocar esse debate
Saúde Mental Intersetorial1, das quais 55 têm nos outros estados é fundamental. Em termos
relação direta com a economia solidária e com de financiamento e de apoio, tivemos a iniciati-
a cultura, fazer encomendas e propostas para va, em 2005, de elaborar uma Portaria para dar
as políticas públicas. O Ministério da Saúde vê as diretrizes para os Centros de Convivência,
isso de forma muito favorável, mas queria fa- mas essa Portaria, infelizmente, foi revogada.
zer uma provocação para vocês que é discutir Na 4ª Conferência, saiu também, proposta de
como podemos mobilizar e chamar o Ministério Portaria Interministerial que no momento pa-
da Cultura, a Secretaria Nacional de Economia receu o mais viável, para se constituir de fato
Solidária para esse debate. A 4ª Conferência um serviço nessa rede intersetorial. Portanto
já aponta esse caminho da intersetorialidade. poderíamos estar discutindo com o Ministério
De fato, a saúde, a saúde mental, no início do da Cultura como poderíamos financiar esses
processo da reforma, teve esse protagonismo e projetos. No Ministério da Saúde, o que temos
puxou muitos dos dispositivos, na época, en- conseguido é promover seleção de Projetos de
quanto projetos. Eram projetos de geração de Arte, Cultura e Renda. Em breve, no início de
trabalho e renda, e o Centro de Convivência outubro, deve sair a 3ª Chamada de Arte, Cul-
pegou para si o desafio de discutir a reabilita- tura e Renda na rede de saúde mental, pela Por-
ção psicossocial, a cidadania, a emancipação taria 1169 de 2005, aquela que destina cinco,
dez e quinze mil. Pensando que esse valor ain-
1 A 4ª Conferencia de Saúde Mental Intersetorial da é muito pequeno, dada a riqueza dos proje-
foi realizada em junho de 2010. O relatório final pode ser
consultado pela internet em www.conselho.saude.gov.br/
tos. Estamos discutindo, também, a possibili-
biblioteca/Relatorios/relatorio_final_IVcnsmi_cns.pdf dade de rever, no âmbito do Plano Crack, que
12

está sendo discutido no Governo, os valores da


rede substitutiva. A partir desse mote, podere- O Centro de Convivência pegou para
mos rever uma série de portarias, como custeio si o desafio de discutir a reabilitação
das residências terapêuticas e, também, rever o
valor da 1169 e passar para valores até 50 mil
psicossocial, a cidadania, a
reais de incentivo, o que sabemos não ser sufi- emancipação do sujeito, o combate
ciente. Essa questão do uso de álcool e outras ao estigma das pessoas com
drogas, especialmente o crack, é um desafio transtorno mental.
que está dado agora no campo da reforma. Há
uma disputa de modelo que está sendo coloca-
da. Recentemente houve a reunião do colegia-
do de coordenadores de saúde mental, com a
presença do Ministro Padilha, ocasião em que
houve intenso debate. Segundo o Ministério da
Educação, 17% dos adolescentes de 10 a 19
anos está fora da escola, e ficamos pensando
porque a saúde mental, através dos dispositi-
vos dos Centros de Convivência, não passa a
ocupar os espaços das escolas, porque, de fato,
as escolas não estão conseguindo dar conta de
atrair esses jovens e trabalhar com a comunida-
de de uma forma efetiva. São algumas pergun-
tas que eu gostaria de colocar: como garantir
um financiamento, pensar na questão da inter-
setorialidade, como legitimar essas experiên-
cias, e, se vai ser uma Portaria Interministerial,
como garantir a presença de outros parceiros
nesses eventos. Pensando nessas experiências
de intervenções na cultura e na economia so-
lidária, o Ministério lançou um curso de ges-
tão de empreendimento solidário, através de
um convênio que existe com a incubadora da
UFRJ, curso aberto para usuários, familiares e
trabalhadores que já participam dessas experi-
ências. Espero que neste encontro a gente pos-
sa tirar bons frutos e batalhar conjuntamente
nessa questão dos Centros de Convivência, da
economia solidária e me coloco à disposição.
Obrigada.
Luzia de Oliveira Pereira 13
Usuária do Centro de Convivência e

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Cooperativa / CECCO Campo Limpo de São
Paulo - SP

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Bom dia para todos. Eu quero relatar um pouco bem recebidos pelas instrutoras. Eu mesma,
das nossas necessidades nos Centros de Convi- quando eu cheguei lá, eu não tinha mobilidade
vência, porque, do mesmo modo que o mundo nas mãos, mesmo na cabeça, por um motivo de
aprendeu a conviver com os cancerianos, com uma queda que eu levei e fiquei… Tive que fa-
os tuberculosos, cuja história relata episódios zer um monte de quimioterapia e daí eu fiquei
de rechaçamento social, agora é a vez da lou- um pouco imóvel. A paciência das instrutoras
cura encontrar o seu lugar no mundo e não e das colegas foi que me levou a melhorar e,
mais no isolamento, que pode gerar ainda mais hoje, eu sou o que eu sou, participo do CECCO,
loucura, pois o homem, esteja ele em que con- participo do Centro de Gestor da Saúde do Cam-
dições esteja, é e sempre será um ser social, po Limpo, graças às instrutoras dos CECCOs e,
e no CECCO ao qual eu pertenço, a gente tem por isso, eu quero só pedir mais atenção, mais
orgulho de ver como essas pessoas são trata- condições de trabalho para os CECCOs, porque
das pelas professoras e por todos os usuários. nós precisamos. Muito obrigada a vocês.
Eles são tratados com muito amor e carinho,
eles participam de todas as atividades e a gente

Eu quero só pedir mais atenção, mais


condições de trabalho para os CECCOs,
porque nós precisamos.

elogia eles, as professoras elogiam: “Você tem


isso aqui tão bonito”, isso estimula eles, eles
são mais calmos dentro de casa, e para o mun-
do, né? Agora, falta muita coisa nos CECCOs,
coisas que não estão ao nosso alcance, está ao
alcance dos Governos nos dar estas condições.
Tem CECCO que falta até bebedouro de água,
tem CECCO que falta banheiro adequado para
as pessoas, então, eu estou hoje aqui, represen-
tando o CECCO do Campo Limpo e queria ser
ouvida das nossas necessidades lá nos CECCOs,
para que melhore o atendimento nosso e de to-
das as pessoas que frequentam lá, porque não
são poucas, tem muitas pessoas que frequen-
tam lá e são muito bem recebidos pelas instru-
toras, isso eu quero dizer que nós somos muito
14 Regina Aparecida da Silva Ferreira
Usuária do Centro de Convivência
Toninha - Campinas - SP

Bom dia a todos. Eu estou representando Cam-


pinas, o CECCO Toninha. A minha chegada ao Fui muito bem recebida no CECCO
CECCO Toninha foi através da perda de um fi- Toninha pelas psicólogas, pelas
lho, um dependente químico. Antes dele fale-
cer, eu já estava com problemas de depressão
terapeutas. Eu fui encaminhada
e tudo veio a culminar com o falecimento dele. pelo posto ao CECCO Toninha e lá
Fui muito bem recebida no CECCO Toninha pe- participei da terapia ambiental, de
las psicólogas, pelas terapeutas. Eu fui encami- relaxamento, de várias oficinas, do
nhada pelo posto ao CECCO Toninha e lá par-
ticipei da terapia ambiental, de relaxamento, letramento digital, o que me abriu
de várias oficinas, do letramento digital, o que uma visão maior para a amizade
me abriu uma visão maior para a amizade com com outras pessoas.
outras pessoas. Hoje, voltei ao trabalho numa
grande empresa, trabalho na Samsung, tenho
amizade na rede de internet com vários jovens,
na faixa da idade do meu filho, então, isso só
tendeu a crescer e o meu agradecimento a to-
dos os psicólogos, a todos os terapeutas que es-
tão cuidando da parte psicossocial também do
familiar do dependente químico, e Campinas
precisa, cada vez mais, do apoio do Ministério
da Saúde, para que possa continuar esse tra-
balho em prol dos dependentes químicos e de
todos os familiares. Obrigada.
Kátia de Paiva 15
Coordenadora de saúde mental da

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Secretaria de Saúde da Prefeitura
Municipal de Embu das Artes - SP

Precisamos de algo que dê uma identi-


dade, porque o Centro de Convivência
precisa ter essa identidade que foi

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construída pelos próprios usuários e
Bom dia a todas e a todos. Acho que é muito di-
fícil a minha fala após as falas anteriores, por-
pelos profissionais, mas também pre-
que, para mim, foi falado tudo o que tínhamos a cisamos ter um marco institucional.
dizer nessa Mesa. O que viemos falar é que não
dá mais para o Centro de Convivência não ter
um lugar institucional e não ser validado, quer Tem uma coisa que, a meu ver, precisa sair da-
seja pelo Estado, quer seja pelos Municípios, qui. Para além de propostas, temos que sair com
quer seja pelo Governo Federal. Nós tivemos um algumas questões bastante amarradas, não só no
grande avanço quando fomos para a 4ª Confe- que diz respeito ao financiamento, mas a docu-
rência e todos nós estivemos lá e fizemos reivin- mentações, puxando o projeto Geração de Renda,
dicações importantes. Penso que cada municí- a questão da intersetorialidade. Nós deveríamos
pio está conseguindo se organizar da forma que pensar enquanto gestão da saúde, chamando a
pode. No Município de Embu, nós fomos com os intersetorialidade, porque o medo é que o trans-
usuários e com os profissionais até a Câmara de torno mental não entre, porque é muito fácil dei-
Vereadores e fizemos a proposta de uma lei ins- xá-lo isolado. Nós deixamos a gestão na saúde e
tituindo o Centro de Convivência, porque, daqui eu, pelo menos é essa posição, eu acho que é o
a pouco, nós estaremos diante de uma nova elei- que deveria ser, diante da dificuldade de outros
ção, e o que não está legalizado pode não perdu- setores, acho que outros setores têm entrado,
rar. Precisamos de algo que dê uma identidade, principalmente porque nós temos provocado e eu
porque o Centro de Convivência precisa ter essa temo que a gente perca isso e de novo, a gente
identidade que foi construída pelos próprios perca todo um trabalho aí, de 30 anos. Obrigada
usuários e pelos profissionais, mas também pre- e bom trabalho a todos nós.
cisamos ter um marco institucional. Esse marco
que, de fato, não o enrijeça, porque ele pode
falar enquanto saúde, mas, quando se trata de
procedimentos, ainda segue a lógica da doença
e não da saúde. Nós não precisamos de um CID,
nós precisamos dos afetos, das trocas afetivas e
das relações que se dão. Outra coisa muito im-
portante que deu uma outra visão e alavancou
o Município de Embu em relação à saúde men-
tal foi deixar o Centro de Convivência como um
equipamento central no fluxograma. É ele que
organiza essa rede, é ele que convoca e chama
outros setores. Porque ele é contra-hegemônico,
porque ele não fala no lugar da doença e é ele
que tem essa possibilidade de sair dessa água,
desse mergulho, conseguir respirar e chamar,
inclusive, os profissionais.
16 Adilson Rocha Campos
Diretor do Departamento de Saúde
da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas - SP

Bom dia, pessoal. Eu não sou da área da men- seguimos dentro da área de saúde mental nos
tal, sou médico, sou sanitarista e transito en- últimos 30, 40 anos não é coisa fácil. Foram
tre duas áreas, a da Saúde do Trabalhador e a conquistas e mais conquistas, e, nesse sentido,
área de gestão, nas quais já estive em vários devemos nos sentir extremamente orgulhosos.
espaços. Área de Saúde do Trabalhador, uma Foi um processo de construção extremamente
área tão contra-hegemônica quanto a área da rico, extremamente salutar, no qual todos nós
mental, uma área onde há bastante luta, e a de crescemos, no qual todos nós mostramos nossa
gestão, uma área de intensos conflitos, em que força e construímos algo muito legal e extrema-
cumprimos geralmente duas tarefas. Uma, a mente contra-hegemônico.
tentativa, muitas vezes em vão, de suprir as ne- Agora gostaria de acrescentar alguma coi-
cessidades apontadas por vários setores, pelos sa, e o que eu gostaria de fazer é um chamado
usuários, por nós mesmos, pelos trabalhado- à continuidade da luta pelo SUS, à continui-
res da saúde, e, muitas vezes, dando murro em dade da luta pela cidadania e enxergo, nesse
ponta de faca, fazendo isso contra-hegemôni- momento, os CECCOs como um espaço extre-
cos, também. E, por outro lado, tentando abrir mamente privilegiado. Outro dia, eu estive no
espaços. Eu entendo esse espaço aqui como um CECCO Toninha, e fiquei, de fato, emocionado
espaço também contra-hegemônico, um espaço e impressionado com o nível de atuação, com o
de luta, um espaço de onde podemos sair forta- nível de articulação desse serviço. Temos que
lecidos, no sentido da defesa daquilo em que tratá-lo com todo carinho, temos que tratá-lo
sempre acreditamos: um SUS público, um SUS com toda dedicação, e eu falo isso a partir de
com controle social, um SUS enquanto políti- um cargo de gestão, no sentido de valorizá-
ca pública e não política de governo, um SUS -lo, no sentido de melhorar o financiamento,
com um financiamento adequado, um SUS com no sentido de institucionalizá-lo por um lado,
construção de cidadania. Sinceramente, enxer- mas mantendo esse caráter intersetorial, esse
go esse momento como um momento bastan- caráter de SUS extramuros, extramuro institu-
te importante nesse sentido. Quero agradecer cional, que vocês representam muito bem. Às
muito estar aqui presente, agradecer a nossa vezes, pensando no SUS, pensamos muito den-
coordenadora da área de saúde mental e agra- tro da instituição, e aí caímos na burocracia, no
decer a todos vocês pela oportunidade de estar economicismo, em algumas armadilhas, parti-
aqui. Não vou poder ficar durante o dia, mas cularmente, quando se está na gestão. Os CEC-
tenho certeza que o produto desse encontro vai COs, para mim, representam um espaço onde
ser extremamente positivo para todos nós. Que- se pode ir para além dos muros da instituição,
ro dizer que me sinto muito orgulhoso, apesar e o SUS é muito isso, o SUS tem que estar onde
de não ser da área da mental, acho que estive a vida acontece e o CECCO representa isso em
sempre presente de uma maneira ou de outra. todos os sentidos. O CECCO vai para além da
Faz anos e anos, décadas que nós (referindo- mental, vai para além do SUS, o CECCO vai para
-se a pessoas presentes) lidamos com a área da cidadania. E é nesse sentido que estou orgulho-
mental, uma área em que fomos extremamen- so de estar aqui. Outra coisa que eu queria falar
te bem sucedidos. Conseguir o que nós con- é o seguinte: gostaria muito de estar aqui feste-
17

Centros de Convivência e Cooperativa


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já, estar minando os pilares da universalidade,
Conseguir o que nós conseguimos da integralidade, da equidade e principalmen-
dentro da área de saúde mental nos te, do controle social e da gestão pública, visto
que pelo país a fora, particularmente no Estado
últimos 30, 40 anos não é coisa fácil. de São Paulo, o crescimento da atenção tem se
Foram conquistas e mais conquistas, dado muito em função de organizações sociais.
e, nesse sentido, devemos nos sentir Esse é um cenário que interessa a todos nós
extremamente orgulhosos. Foi um pessoalmente e enquanto coletivo. Um outro
cenário é o cenário da mental, onde estamos
processo de construção extremamente em um momento de inflexão muito negativa.
rico, extremamente salutar, no A história do crack, a história de outras dro-
qual todos nós crescemos, no qual gas e mas particularmente a do crack trazem
em si um apelo ao conservadorismo, o que é
todos nós mostramos nossa força um retrocesso muito grande. Temos que estar
e construímos algo muito legal e atentos, lidar com isso com bastante sabedoria,
extremamente contra-hegemônico. com bastante carinho, que foi o que fez com
que a gente crescesse nos últimos 30 anos. Não
quero fazer uma fala negativa, pelo contrário,
a minha fala é uma fala de reconhecimento de
jando hoje a aprovação da Emenda Constitucio-
tudo de positivo que fomos criando e que nos
nal 29 que passou no Congresso. Nós estamos
permite estar aqui e chamar todo mundo para
brigando por isso há pelo menos 11 anos e,
continuar lutando, continuar avançando e im-
no entanto, mais além da vontade de festejar,
pedindo o retrocesso que de fato, pode vir a
trazemos a imensa preocupação com o cenário
acontecer. Parabéns a todo mundo, espero que
do SUS nacional hoje, não por responsabili-
a cidade possa acolhê-los muito bem e volto
dade do Ministério da Saúde, mas da própria
a dizer que é com muito orgulho que eu estou
situação. E volto ao chamamento, afirmando a
aqui. Muito obrigado.
nossa disposição para conseguir botar as coi-
sas nos rumos que queremos. Nós aprovamos a
Emenda Constitucional 29 agora e corremos o
risco de haver mais desfinanciamento na área
de saúde, o que é uma coisa muito paradoxal.
Um dos financiamentos que já estão correndo,
que muitas vezes, justifica as situações de fal-
tas que a gente tem vivido nos últimos tempos,
um financiamento hoje da saúde que encontra-
-se com… são 62% de financiamento privado
e 38% de financiamento público, uma relação
absurda que pode, ao longo do tempo e desde
18 Carla Aparecida de Almeida Siqueira Machado
Coordenadora de saúde mental da
Prefeitura Municipal de Campinas.

Bom dia a todos e a todas. Em nome de Campi-


nas, em nome da equipe que compõe a coorde- Os Centros de Convivências
nação de saúde mental, queria dizer da nossa nos trazem uma visão e uma
felicidade em poder sediar esse espaço de con-
vivência e de muitas produções e reflexões. O
integração com a diversidade,
SUS nos propõe a questão da integralidade, mas com a intersetorialidade e a
a integração de saberes e setores é um grande interdisciplinaridade.
desafio e isso não é fácil. Isso requer um espaço
de muita convivência e eu acho que o Centro
de Convivência tem nos mostrado esse espaço
de muita potência e de muitos instrumentos, a fatizar aqui o papel do Centro de Convivência
integração para a promoção e a proteção à saú- na rede e na linha do cuidado e uma questão
de, do cuidado integral à saúde e à reabilitação fundamental para mim é a questão da potência
psicossocial. Penso também que ele promove a desses serviços no nosso sistema. Desejamos a
integração com a cultura, com a saúde, com a todos um dia de muita convivência produtiva,
educação, com o trabalho, com o lazer e tam- prazerosa, leve e circulante Queria dizer que
bém, a participação social. Acho também que vocês são muito bem-vindos ao nosso municí-
ele promove a integração com a ciência e com a pio e também que nós temos muita produção, e
arte, com os saberes e as sabedorias. Resumin- acho que é isso que nos fortalece. Quero agra-
do, os Centros de Convivências nos trazem uma decer a todos por esse dia que estamos conse-
visão e uma integração com a diversidade, com guindo propor nesse município, e espero que
a intersetorialidade e a interdisciplinaridade. E seja um primeiro encontro de outros muitos
esse é um papel muito importante. Queria en- que virão. Obrigada a todos.
Qual o lugar dos Centros de 19

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Convivência na Rede Substitutiva
Maria Cecilia Galetti
Terapeuta Ocupacional, mestre e doutora em Psicologia Clínica. Especialização em Psicanálise no
Instituto Sedes Sapientiae. Experiência nas áreas de Psicologia e Terapia Ocupacional, com ênfase em
Políticas Públicas de gestão e organização de serviços substitutivos em Saúde Mental.

Bom dia a todos. Estou muito feliz de ver esse audi- cantamento do concreto. O desafio proposto para

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tório cheio, bastante cheio. Em primeiro lugar, mim nessa Mesa, de pensar o lugar dos Centros de
gostaria de agradecer ao CRP, à equipe de organi- Convivência na rede substitutiva, necessariamen-
zação do encontro, à Secretaria Municipal de Saú- te, me faz entrar em relação com as políticas públi-
de de Campinas, pelo convite para participar des- cas de saúde mental, a partir da reforma psiquiá-
sa Mesa e das atividades grupais que ocorrem trica brasileira. Desde que foi criado, em 1989, na
nesse dia. É com muita alegria que estou aqui hoje, cidade de São Paulo, como um serviço que tinha
participando desse encontro que é pura produção como função prioritária na rede de saúde a inclu-
de desejo dos trabalhadores, usuários e simpati- são dos usuários de saúde mental no tecido social,
zantes dos Centros de Convivência. E é com muita os CECCOs vêm acompanhando importantes
tristeza que eu estou aqui hoje, sem ver nenhum transformações sociais no Brasil, que, como em
representante da cidade de São Paulo, da Secreta-
ria de Saúde da cidade de São Paulo. Compartilhar
as experiências do CECCO nas várias cidades do No encontro, a partir da distância,
Estado de São Paulo é fazer funcionar a axiomática podemos encontrar polidez,
fundante desse serviço, colocar as diferenças num delicadeza, gentileza, suavidade,
campo de relação. Quero afirmar também que con-
sidero uma posição ética política importante o ao mesmo tempo separação, vai
tema escolhido para esse encontro: “A delicada e vem, sobrevoo, contaminação,
arte de produzir encontros”, que nos direciona envelopamento, ressonâncias entre
para um modo de produção em que encontrar-se
não é colidir-se com o outro, mas experimentar,
alteridades, qualidades que sabemos
justamente, a distância que nos separa. No encon- caras para o trabalho dos CECCOs.
tro, a partir da distância, podemos encontrar poli-
dez, delicadeza, gentileza, suavidade, ao mesmo
tempo separação, vai e vem, sobrevoo, contamina-
ção, envelopamento, ressonâncias entre alterida- outros países, vivem na atualidade uma complexi-
des, qualidades que sabemos caras para o traba- dade marcada pelo colapso da esfera pública, da
lho dos CECCOs. Penso então, que essa temática expropriação do comum, além da precarização
do encontro trouxe para o debate coletivo a com- das condições de trabalho que impulsiona cada
plexidade que envolve a tarefa cotidiana dos Cen- vez mais processos de desvinculação social. O cita-
tros de Convivência na montagem da rede substi- dino moderno, na expressão de Slavoj Zizek, é um
tutiva de saúde mental que é a sustentação de ser isolado na cidade, na rua, em casa, e se protege
experiências coletivas que confere a marca da sin- com uma carapaça de indiferença como estratégia
gularidade nos mínimos gestos. A partir desse nos- de sobrevivência para suportar o esgotamento
so encontro e das questões levantadas aqui, talvez provocado pelo individualismo exacerbado. Fenô-
possamos desenhar políticas públicas comparti- menos tais como a globalização, o consumo de-
lhadas para os projetos desse complexo serviço, senfreado e, principalmente, a velocidade da in-
constituir novas formas de trabalho coletivo, no- formação são marcas definidoras da cultura
vas formas de vida em comum e, quiçá, alcançar o contemporânea. O avanço da tecnologia nos últi-
que Varella chamaria de uma experiência de reen- mos anos e o invento da internet obrigam-nos a
20 repensar a noção de encontro e os desdobramen-
tos subjetivos provocados por essa experimenta- São Paulo foi a primeira cidade do Brasil
ção virtual que fazem da própria tecnologia o meio a implementar, no final dos anos 80, os
ambiente e esfumaçam a noção de lugar, de corpo
e mesmo de encontro. Nesse sentido, as políticas
Centros de Convivência como serviços da
públicas de inclusão, integração, orientadas para rede substitutiva em saúde mental.
a diminuição da desigualdade social, devem estar
atentas para esses novos modos de subjetivação
do contemporâneo. Se um tecido social é constitu- dos CECCOs, puderam ser efetuadas através das
ído pelo conjunto das mediações sociais, não se propostas que foram sendo criadas na experiência
trata apenas de uma mera atuação nas brechas cotidiana de acolher, conectar, fazer redes, inven-
abandonadas das instituições. Isso não basta para tar saídas. Diferente de outras unidades de saúde,
recuperar o sotius para enfrentar a problemática que têm suas práticas cotidianas mais voltadas
da vulnerabilidade e da desvinculação social. Tra- para assistência em patologias, os CECCOs foram
ta-se, sim, de invenção e criação de novas estrutu- criados como um projeto hibrido de produção de
ras sociais, capazes de comportar a complexidade saúde, pois, aqui, produzir saúde é necessaria-
da contemporaneidade de seus sujeitos. São Paulo mente produzir encontros com outras esferas so-
foi a primeira cidade do Brasil a implementar, no ciais. Assim, os CECCOs operam na rede de saúde
final dos anos 80, os Centros de Convivência como no território onde se instalam como um dispositivo
serviços da rede substitutiva em saúde mental. As de conexão, de agenciamento. Mas, enfim, como
primeiras coisas que eu quero apontar são a rique- sustentar um coletivo que preserva viva a dimen-
za e a ousadia inovadoras desse projetos idealiza- são de singularidade? Como criar espaços hetero-
do pela companheira Isabel Cristina Lopes, na ges- gêneos com tonalidades próprias, atmosferas dis-
tão da Prefeita Luiza Erundina. Quero ressaltar, tintas, permitindo que cada um se enganche ao
também, as importâncias política, cultural, suas seu modo? Como manter uma disponibilidade que
inserções históricas no movimento coletivo de propicie os encontros, mas que não os imponha,
construção da rede pública no Brasil, de luta anti- uma atenção que permita o contato, mas que pre-
manicomial e de implantação da reforma psiquiá- serve alteridade? Como dar lugar ao acaso, sem
trica. A criação dos CECCOs como um serviço inter- programá-lo? Como sustentar uma gentileza que
setorial na saúde foi um acontecimento singular permita a emergência de um dizer onde cresce um
no plano das políticas públicas, pois não foi ape- deserto afetivo? É a partir dessas inquietações pro-
nas a implementação de mais um serviço substitu- vocadas pelo nosso cotidiano de trabalho que eu
tivo ao tratamento psiquiátrico. Assim pensado, o quero tratar a problemática do lugar dos CECCOs
Centro de Convivência nasceu com a vocação de
funcionar numa potência de desterritorialização
de cada território ao qual está ligado, ou seja, seu O Centro de Convivência nasceu com a
caráter intersetorial insere a cultura na saúde, a vocação de funcionar numa potência de
saúde nas áreas verdes, a ecologia nos esportes e,
atravessando tudo isso, as ideias de inclusão, con-
desterritorialização de cada território
vivência e criação. Um projeto que visava, desde o ao qual está ligado, ou seja, seu caráter
início, a conexão de pessoas não pelas suas pato- intersetorial insere a cultura na saúde, a
logias, mas pela experimentação da arte, do traba-
lho e do lazer. No projeto visionário dos CECCOS,
saúde nas áreas verdes, a ecologia nos
uma certa novidade contemporânea se apresenta- esportes e, atravessando tudo isso, as
va como anúncio de novos possíveis, uma política ideias de inclusão, convivência e criação.
pública que introduz uma insígnia: colocar juntos
os diferentes. Poderíamos avançar, fazer funcio-
nar as diferenças, promover encontros de cria- na rede substitutiva. Um serviço de inclusão não
ção, produção a partir dessas diferenças. Surpre- apenas com uma possibilidade de um convívio co-
endentemente, essa política cria um campo de munitário de trânsito mais espontâneo pela cida-
experimentação no qual vamos assistindo, no de, mas também, e principalmente, como uma es-
acompanhamento de sua cartografia, a virtuali- tratégia de composição, de avisinhamento,
dades, por estarmos presentes no campo da saú- experiências que podem reinventar a diferença
de mental e porque, naquele momento de criação entre isolamento e vida coletiva. Pensado assim, o
CECCO é um serviço que também é um modo de Nesse sentido, as redes podem agir na complexa 21
produção em saúde na medida em que retira o ser- tarefa de transversalizar o funcionamento dos ser-
viço de lugar de estrutura e o recoloca no territó- viços e, também, criar as instâncias que formulam

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rio, como uma máquina de subjetivação, um dis- as políticas públicas. Essa aposta na filosofia da
positivo de construção de redes no território. O rede faz com que a concepção de inclusão social
trabalho em rede que, direcionado para essa pers- fundante na criação desse serviço seja ampliada
pectiva de conexão, inverte uma certa lógica hege- pelas estratégias que criam zonas de comunidade.
mônica de atenção em saúde que iguala a rede ao Essa aposta numa atitude inclusiva que compõe
somatório de serviços. Diferente disso, o CECCO e relações por meio do cuidado é nossa arte de pro-
esses modos de produção na intersecção, essa po- duzir encontros. Entendendo arte assim como pro-
lítica da conectividade, da vizinhança, do colocar- põe Aristóteles em seu livro sobre a ética, que é a
-se ao lado de, já é uma possibilidade de trabalho composição entre poiesis e práxis, isto é, a compo-
em que rede não se define por um somatório, mas, sição de linhas de criação e linhas de ação. Assim
sim, por uma relação de ressonância que se esta- tomado, cada projeto existente no CECCO deve ser

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belece entre elementos de um dado território, num um articulador desses dois vetores: criação e ação.
movimento capaz de agitar as formas de produção As oficinas, nossa tecnologia de convívio social,
hegemônica em saúde, fazendo aumentar o quan- funcionam cada uma delas como uma rede de con-
tum de comunicação dos serviços. Nesse sentido, versação focada na relação do projeto com o fora
podemos pensar que esse modo de construção de da instituição, estabelecendo entre si, uma zona
de comunidade, mas cada qual com aberturas pró-
prias ao seu domínio. Frente a essa posição clíni-
Nesse tempo de globalização, de co-política, o caminho dos CECCOs pode ser ex-
alto nível de informação, cuja rede perimentado a partir de dois eixos fundamentais
hegemônica é de capital geradora que se distinguem, mas não se separam: o CECCO
serviço, que se caracteriza por todas as estraté-
de desvinculação social, a rede que gias que ocorrem a partir dos atendimentos dos
temos afirmado no CECCO é outra, usuários que frequentam essa unidade de saúde
é uma rede de resistência e criação, para os diversos trabalhos, como as oficinas, os
eventos culturais, as festas, os passeios; e os CEC-
aquela na qual as experiências sociais COs projetos-território, que são os projetos que se
podem se multiplicar, por onde desdobram do serviço ao território ou o inverso, e
crescem os saberes espontâneos. que fazem com que tanto o serviço como o territó-
rio possam se conectar. Esses dois vetores é o que
entendemos hoje como dispositivo CECCO, uma
redes nos leva a uma experiência de trabalho afeti- modulação do serviço que retira do lugar de cen-
vo, isso é, de produção de afetos no trabalho e na tro, de onde tudo emana e o relança para experi-
vida social. O trabalho afetivo representa, em si e mentação em rede. Assim, o CECCO é uma estra-
diretamente, a constituição de comunidades e tégia multifacetada, com uma riqueza de
subjetividades coletivas, produz sociabilidade e, aspectos, cada um dos quais colocando questões
finalmente, produz a própria sociedade. Mas, de muita complexidade e, nessa perspectiva, é
aqui, eu também quero colocar o operador de pru- um serviço que se coloca como um potente espa-
dência, quando falamos em constituição de redes. ço de experimentação e de efetuação da transdis-
Nesse tempo de globalização, de alto nível de in- ciplinaridade, entendendo essa prática na sua
formação, cuja rede hegemônica é de capital gera- possibilidade de experimentar as bordas e os li-
dora de desvinculação social, a rede que temos mites, criando com isso outras formas de subjeti-
afirmado no CECCO é outra, é uma rede de resis- vidade que podem subverter, ainda que parcial-
tência e criação, aquela na qual as experiências mente, os padrões majoritários de assistência em
sociais podem se multiplicar, por onde crescem os saúde. O CECCO é um dispositivo que, ao não se
saberes espontâneos, rede de produção de novas fixar no terreno exclusivo do atendimento em
ações e sociabilidade, de comunidade, de solida- saúde, invade e transita por territórios outros,
riedade, de afirmação diferencial, uma rede de re- como a arte, a rua, a cidade, colocando a clínica
sistência às formas de homogeneização à qual se de saúde mental em contato com a sua exteriori-
procuram criar aberturas para processos heteroge- dade. Esse projeto tornou-se assim, mais que um
néticos que afirmem novos modos de convívio. projeto de saúde, um projeto de vida para aqueles
22 Quero dizer que, ao longo do tempo que tenho
O CECCO é um dispositivo que, ao participado dos diferentes modos de existência
não se fixar no terreno exclusivo do do Centro de Convivência, tenho observado mui-
tas transformações no modo de intervenção dos
atendimento em saúde, invade e profissionais de saúde mental. A proposição de
transita por territórios outros, como situações de vida comum e coletiva, que no coti-
a arte, a rua, a cidade, colocando a diano dos profissionais do CECCO faz reverter ho-
clínica de saúde mental em contato rários antes contaminados pela dicotomia saúde
– doença a operar com conceitos não normaliza-
com a sua exterioridade. dores dos modos de existência. Nesse sentido, a
força dos CECCOs e a concretude das ações na
conexão que se estabelece com os vários campos
que o frequentam. Entendendo a vida para além extravasa as fronteiras entre os serviços e, por-
da simples ausência de doença, mas vida como tanto, eleva a experiência clínica ao seu mais alto
pluralidade, inauguração de novas possibilida- grau, isto é, rompendo a barreira que separa a clí-
des, como impossibilidade de totalizar-se em mo- nica do social e o tratamento da vida. Para finali-
delos. Com isso, quero afirmar que trabalhar tan- zar, quero dizer que os CECCOs, esses dispositi-
to no CECCO, onde eu sou coordenadora, como vos de atenção em saúde mental, vêm se
acompanhar como supervisora o trabalho de ou- mantendo ao longo do tempo com poucos inves-
tros CECCOs, tem sido para mim uma experiência timentos políticos, administrativos e econômi-
singular, pois trata-se de habitar um campo híbri- cos. A natureza intersetorial desse serviço depen-
do: a diversidade. Habitar um lugar onde aconte- de sempre dos agenciamentos possíveis de cada
cem as misturas e os encontros e, por isso, habi- território, pois ainda não está garantido como
tar um lugar fronteiriço dos agenciamentos dos política de Estado. Tanto o Ministério da Saúde
vários campos. Assim, é possível afirmar que os como os estados e municípios comprometidos
CECCOs são um dispositivo político de atenção com a reforma psiquiátrica investiram ao longo
em saúde mental, o político entendido como um dos últimos anos nos CAPS como centros de tra-
campo de encontros de alteridade, onde o encon- tamento de saúde mental. Embora a Portaria de-
tro é marcado por processos ininterruptos de di- termine que o CAPS deve funcionar segundo a
ferenciação. Ao se transportar para outras para- lógica do território, é uma lógica contrária à cons-
gens, invadindo sotius, apropriando-se de seus trução de uma rede de serviços, entendendo que,
recursos, o CECCO se inventa como um dispositi- no trabalho em rede, não há um serviço ou centro
vo e opera saídas para fora daqui. Nessa perspec- que organize esse território. Ao contrário disso, a
tiva, mais do que promover a inclusão das pesso- Portaria 336, portaria CAPS, propõe claramente
as que nos procuram, o CECCO promove, no para esse serviço CAPS, um papel de organização
território, uma saúde inclusiva. Esse modo de da demanda, da rede de cuidados em saúde men-
produzir saúde vai não somente indicar e abrir a tal do seu território, o papel de regulador da porta
vida para possibilidade de mistura, mas, tam- de entrada da rede de assistência, além de super-
bém, instaurar outro estatuto de cidadania, que visionar e capacitar outros serviços de saúde
não deixa as práticas de saúde isoladas da vida mental da rede. Essa lógica “CAPSlocêntrica” de
na cidade, mas, ao contrário, interfere e repercu- atenção criou, ao meu ver, várias distorções na
te na cidade, pois se conecta e se mistura a ela. cultura assistencial do SUS, que tem como porta
Penso que participar dessa aventura clínica é um de entrada do usuário do serviço, a Unidade Bási-
processo inclusivo também para profissionais e ca de Saúde. Nesse sentido, os usuários de saúde
usuários do CECCO, porque exerce uma provoca- mental não estão fora dessa lógica de atenção,
ção de vida em todos os participantes, na medida assim sendo, o regulador de atenção à saúde de
em que produz outros modos de subjetivação na cada território não pode ser o CAPS, mas, sim, a
clínica, como, por exemplo, na diversidade de rede básica de atenção à saúde. Quero chamar a
papéis para que somos convocados a ocupar. atenção para isso, pois, nesse encontro onde im-
Penso que isso é desejado nas intervenções da pulsionamos a construção de uma política de Es-
clínica de saúde mental, pois, a partir desses no- tado que legitime os CECCOs como serviços da
vos modos de subjetivação experimentados é que rede SUS, é importante que os outros serviços
podemos desertar a subjetividade dominante na também possam se reposicionar e transversalizar
saúde: doença, doentes, terapeutas, terapia. suas ações em atenção à saúde. Obrigada.
Os Centros de Convivência e 23

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Experiências de Economia Solidária
Rute Barreto Ramos
Assistente Social Sanitarista, trabalha no Centro de Convivência e Cooperativa de Santo Amaro (CECCO
Santo Amaro), tendo como principais atividades: coordenação do Projeto de Economia Solidária
“Criando Possibilidades” e desenvolvendo oficinas de convivência.

Bom dia a todos e a todas. Inicialmente, eu que- as propostas de geração de renda, quer sejam

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ro agradecer a organização do evento pelo con- as propostas desenvolvidas, ou que sonhamos
vite e, também, à rede de saúde mental, que foi que aconteçam, elas são sempre diferentes das
quem me indicou para estar apresentando a ex- propostas da produção capitalista, que coisifi-
periência do CECCO Santo Amaro. Inicialmente ca o trabalho e coisifica também o trabalhador,
cabe lembrar que o Centro de Convivência e Co- e não oferece espaço para novas alternativas
operativa surge na cidade de São Paulo em 89, nem para as diferenças, nem para os sonhos,
como já foi colocado, com a proposta de reinser- nem para os desejos, nem para as fantasias.
ção dos usuários no mundo do trabalho, consi- Entre as características da economia solidá-
derando as cooperativas como melhor forma de ria, destaco a autogestão. A autogestão é um
organização. Assim, no início, antes mesmo do ponto de grande intersecção entre a economia
casamento com a Economia Solidária, pensou- solidária e a saúde mental, e ao mesmo tempo,
-se que as novas habilidades desenvolvidas no é um grande desafio, pois é a autogestão que
serviço, o aprendizado do artesanato e mesmo sempre nos lembra de que é preciso garantir
as habilidades artísticas poderiam constituir aos participantes, aos trabalhadores, a possibi-
fontes de renda para os usuários. Um dos pon- lidade de exercitar as práticas, e que esses pro-
tos é que o trabalho nas cooperativas pode ser cessos de trabalho sejam sempre discutidos e
estruturante e não como ele é visto tradicional- nunca impostos. É o trabalhador que vai definir
mente dentro do mundo do trabalho, como fon- as estratégias e o caminho do empreendimento.
te de desequilíbrio e estresse. O trabalho é visto Para operacionalizar o conceito de autogestão,
também como possibilidade de reconhecimen- é preciso que as equipes dos Centros de Convi-
to social, tanto no contexto familiar como na vência compreendam que elas não têm o papel
sociedade sair do lugar do incapaz, aquele que de impedir e nem de substituir o protagonismo
não sabe mais nada, aquele que não tem mais dos verdadeiros sujeitos da ação.
nada a oferecer, o improdutivo. Uma possibi- Entender isso é uma tarefa extremamente
lidade de inclusão social, de acesso a bens e a difícil, entendendo que, ao abordar o coleti-
serviços e de aumento do poder de trocas so- vo, não devemos negar o singular. Vou apon-
ciais e de resgate da cidadania. Tem uma frase tar alguns desafios a partir do projeto “Criando
do Boaventura de Sousa Santos, um sociólogo Possibilidades”, desenvolvido no CECCO Santo
português de Coimbra, que diz “Temos o direito Amaro, que é um serviço que, desde 2004, vem
de ser iguais, quando a desigualdade nos infe- desenvolvendo ações relacionadas à economia
rioriza. Temos o direito de ser diferentes quando solidária. Vou destacar a Feira de Troca Soli-
a igualdade nos descaracteriza”. E essa é uma dária que nos permite, o tempo todo, lembrar o
frase que, além de ser usada no nosso cotidia- verdadeiro significado das feiras. Por exemplo,
no, cabe também quando pensamos no mundo na Idade Média, as guerras paravam para que
do trabalho. Por isso que o encontro da saúde acontecessem as feiras, um grande momento
mental com a economia solidária foi sempre de paz, um momento de festa, era feriado, era
bem-vindo, compreendendo que as caracterís- dia de descanso. A feira, enquanto um espaço
ticas que a economia solidária coloca no traba- para comercializar aquilo que é excedente, era
lho, que são as questões da cooperação, da au- o produto do trabalho valendo pelo seu uso,
togestão, da solidariedade, convergindo para eram as trocas se dando a partir das relações
24 ra de troca solidária abrange um clube de trocas
O encontro da saúde mental com a eco- (as pessoas vão para trocar coisas que elas pro-
nomia solidária foi sempre bem-vindo, duzem, coisas que elas fazem, coisas que elas
gostariam ou tenham em excesso em casa), gru-
compreendendo que as características pos de geração de renda e também, empreendi-
que a economia solidária coloca no mentos econômicos solidários, e também dela
trabalho, que são as questões da coope- participam pessoas que produzem individual-
ração, da autogestão, da solidariedade, mente e os prestadores de serviço, porque ela
é um espaço de aprendizado e de preparo para
convergindo para as propostas de gera- os empreendedores participarem do mercado
ção de renda, quer sejam as propostas externo. A feira, enquanto espaço protegido,
desenvolvidas, ou que sonhamos que favorece também aos participantes a descober-
ta da sua vocação. Nós já tivemos uma usuária
aconteçam, elas são sempre diferentes que começou a ir na feira e levar para troca um
das propostas da produção capitalista, bolo que ela comprava e levava para ser vendi-
que coisifica o trabalho e coisifica tam- do. Ela começou a sentir que participando de
algumas oficinas poderia produzir um bolo. En-
bém o trabalhador, e não oferece espa- tão, hoje, ela faz o bolo que está levando. Assim
ço para novas alternativas nem para as como tinha uma usuária que ia à feira por lazer
diferenças, nem para os sonhos, nem e depois viu a possibilidade de estar oferecendo
para os desejos, nem para as fantasias. serviços: serviço de manicure, limpeza de pele,
de massagem. Então aos poucos, as pessoas vão
descobrindo outros talentos, outras vocações,
descoberta que esse espaço protegido favorece.
imediatas entre os sujeitos que não eram vis- A Feira de Troca Solidária também contempla
tos como concorrentes. A Feira de Trocas é um uma cantina de culinária alternativa, que é um
espaço onde cabem todos, tem espaço para ar- dos empreendimentos, e o Armazém Solidário.
tesão, artista, os sem talento, os com talentos, Nesse armazém solidário, são comercializados
as crianças, os idosos, os deficientes, os solidá- produtos alimentícios oriundos de doações de
rios, os egoístas, os oportunistas, os alegres, os instituições parceiras: hoje se conta com Cári-
tristes, homens, mulheres, os com tetos, os sem tas, Instituto São Judas, uma empresa que fez
tetos, os desocupados e os ocupados. Acredita- a reforma do CECCO e se encantou com a pro-
mos que a feira é uma grande oficina de convi- posta do projeto e hoje é um parceiro também.
vência, e, ao mesmo tempo, ela é um espaço de O Armazém, antes de tudo, é um espaço de res-
formação e economia solidária para todos que gate da cidadania, porque ele se contrapõe às
dela participam, independente de serem pes- propostas assistencialistas, onde você dá algu-
soas que buscam a troca em si ou que queiram ma coisa. É um momento em que a pessoa com
ter futuros empreendimentos, ou que queiram o talento que tem, aquela moeda social que ela
estar participando enquanto espaço de lazer. tem, que adquiriu participando da feira, na tro-
A feira permite operacionalizar os princípios ca ou na comercialização, pode adquirir o pró-
da economia solidária, pois, nela, o valor não prio alimento, e achamos que é o momento em
está na moeda, mas na pessoa. Todos têm algo que se consolida o prossumidor, ou seja, ele é
a oferecer, independente do conteúdo que tem produtor e é consumidor.
no seu bolso. A equipe de montagem da feira é Uma tecnologia que foi desenvolvida com
formada inclusive por pessoas em situação de o apoio da incubadora de tecnologias de coo-
rua, as quais, marginalizadas do processo eco- perativas populares, vinculadas à Fundação
nômico através de seu trabalho, conseguem Getúlio Vargas, foi o Banco de Troca Solidária.
adquirir roupas, produtos de higiene pessoal, Então, no Banco de Troca Solidária, cada par-
o que lhes permite se ver como parte do grupo ticipante da feira tem uma conta corrente, eles
e necessários para a realização de um objetivo. já têm até o cartãozinho de conta corrente para
A possibilidade de trocar extrapola a questão fazer esse exercício de depositar os talentos,
de ter dinheiro ou não. Usa a moeda social, o podendo utilizar na feira ou no bazar terapêu-
talento, e visa ser exclusivamente um meio de tico Amoreira, que funciona no CECCO. O bazar
troca e não algo para ser acumulado. Hoje, a fei- funciona através de doações e com produtos
dos grupos de geração de renda ou dos empre- devemos estar ligando para isso. A rede exis- 25
endimentos e pode estar utilizando também, te desde 2004, e foi se discutindo qual seria o
fazendo essas compras. E o banco vai oferecer perfil dessa rede, como ela seria organizada, e,

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um financiamento para as pessoas, também hoje, viu-se que o desejo dos participantes da
em moeda social sem cobrança de juros. Para rede era ter uma rede de comercialização, onde
muitos, é a primeira vez que administram o seu cada um pudesse estar fazendo o seu produto
dinheiro e é para ter essa possibilidade de, pela com as suas características, ouvindo a opinião
primeira vez, assumir o controle sobre seus as- dos outros sobre este, mas o objetivo comum
suntos e levar a cabo as suas opções, decidir o que teriam era o de comercialização coletiva.
que vai fazer com o seu dinheiro. Assim, a feira Hoje, a Rede Prosol não é empreendimento no
constitui um espaço de construção e ampliação sentido da produção, do fazer o artesanato,
de capacidades que permite às pessoas e aos fazer todas as coisas junto, mas, sim, de um
grupos obter controle sobre si mesmos, sobre empreendimento que é coletivo no momento
os meios necessários para sua existência, faci- de pensar a comercialização, pensar em estra-

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litando através de ações estimulantes em um tégia, pensar em como se organizar para estar
ambiente amistoso, favorável, do jeito que nós participando, ou como foi: quem vinha para
gostaríamos de ser cuidados, do jeito que gos- Campinas, quem não vinha, que produtos ia
taríamos que a cidade fosse cuidada. O projeto trazer, quem ia selecionar o produto de todo
“Criando Possibilidades” de economia solidá- mundo, isso que é feito coletivamente. E isso
ria CECCO Santo Amaro inclui a incubação de acaba mostrando o quanto é importante, em
dois empreendimentos (Rede Prosol e o Reta- todos os empreendimentos, esse respeito pelas
lho Vivo), grupos de geração de renda, Oficina individualidades, sem perder o singular mes-
de Sonhos, decupagem, marcenaria, culinária, mo nos processos coletivos.
tecer, o Tramas e Fios, a Feira, o Banco de Tro- Um outro exemplo é o Retalho Vivo, Reta-
cas, o Armazém Solidário e o Bazar Amoreira. lho Vivo, Bolsas e Acessórios, um outro em-
Uma coisa que fomos aprendendo nesse projeto preendimento que se iniciou em 2010, com
é que a construção dos empreendimentos deve 10 pessoas. Hoje, ele está com três e durante
considerar diferentes desejos: aqueles que que- o momento de formação, tínhamos uma média
rem participar das feiras de troca, aqueles que de 8 participantes. Quando se começou a orga-
querem participar de feiras locais e aqueles que nizar o processo produtivo, o grupo se reduziu
querem entrar no mercado e aqueles que nem e poderíamos, num primeiro momento, achar
querem pensar nisso, por enquanto. O grande que houve um fracasso. Não consideramos
desafio é respeitar os desejos, mas tendo a pre- fracasso porque esse momento de participa-
ocupação de respeitar sem deixar de estimular. ção permitiu que as pessoas se inserissem em
Entender o processo de cada pessoa, de cada outros projetos dentro de suas comunidades,
grupo sem deixar de investir, de apoiar. Cada algumas, inclusive, atuando como voluntá-
grupo vai exigir um projeto singular que res- rias em outros grupos. E, então, lembramos:
ponda qual a possibilidade de trabalho e qual nós somos, antes de tudo, um Centro de Con-
desejo e, às vezes, parece-nos que a possibili- vivência, onde o que queremos é desenvolver
dade produtiva fica restrita às tradicionais ofi- as potencialidades, é pensar que é importante
cinas de artesanato. Ainda bem que a realidade que as pessoas descubram o próprio caminho.
nos contesta quando nos aponta saídas como O Retalho Vivo continua, continua a propos-
a própria prestação de serviços ou as artes e ta do empreendimento, essa possibilidade de
mesmo o artesanato, além dos produtos tradi- ampliação de redes sociais tem que sempre ser
cionais que se tem aí dentro de artesanato. bem-vinda e estimulada. Não podemos esque-
Vou comentar a experiência de dois em- cer que nós não somos uma empresa social,
preendimentos. Um é a Rede Prosol, Por mui- nós somos um Centro de Convivência. Pode-
to tempo se insistiu que a atividade produtiva mos afirmar que o CECCO dentro de seus fun-
deveria ser o grande projeto em termos da eco- dantes, a inclusão social e a geração de renda
nomia solidária, pensar só na produção em si. para a população em vulnerabilidade, ela deve
E o que aprendemos? Que as pessoas têm expe- ser sempre baseada na produção criativa, bios-
riências diferentes e que mesmo nessa questão sustentável, na gestão participativa. Isso nos
da produção há aqueles que querem produzir leva a algumas indagações: Qual é de fato a
individualmente ou em pequenos grupos, e não formação das equipes para exercer esse papel
26 para poder fomentar essas iniciativas? Qual é
o apoio técnico? Onde estão as incubadoras? Entendemos que a construção coletiva
A gente sabe de várias, tem contrato, tem isso, da intersecção entre saúde mental e
mas onde é que elas estão? Por quanto tempo
haverá incubação? Qual é de fato, o apoio do
economia solidária se dá no campo
poder público? Será um trabalho protegido? É da definição, enquanto política
um trabalho tutelado? Estamos, de fato, sendo pública adotada e priorizada em
fiéis aos princípios do cooperativismo? Quais todas as esferas de governo, mas se
as fontes de financiamento para os empreen-
dimentos? Qual é a política de crédito? Quais dá fundamentalmente no movimento
os espaços efetivos permanentes de comercia- organizado da sociedade civil, como
lização? Qual o momento para formalização vimos a participação efetiva nas
do empreendimento? A relação entre os tra-
balhadores deve ser mediada pelo serviço? A conferências de saúde mental, de
qualificação técnica dos trabalhadores, quem cooperativismo e de economia solidária.
garante? Onde sediar o empreendimento? A
solidariedade, enquanto princípio ético, está
incorporada em nosso cotidiano? Qual é a nos- porar essa proposta, esse projeto. Estamos na
sa capacidade de produzir novas tecnologias? primavera, na primavera da saúde. Então, eu
Qual o nosso potencial de escuta em relação acredito que tudo no mundo não é por acaso,
aos usuários, em relação aos outros serviços e acho que esse encontro estava escrito, tinha
em relação a nós mesmos? Estamos procurando que ser na primavera. Assim, eu espero que
algumas respostas para essas questões. A nos- esse encontro marque um novo desabrochar, e
sa opção foi a de não caminhar sozinho, inde- que esse projeto de geração de renda e traba-
pendente da política municipal. Entendemos lho floresça independente da boa vontade ou
que a construção coletiva da intersecção entre de iniciativas sociais, mas, sim, porque estão
saúde mental e economia solidária se dá no incorporados no cotidiano de serviços e nas
campo da definição, enquanto política públi- políticas públicas. Obrigada a todos.
ca adotada e priorizada em todas as esferas de
governo, mas se dá fundamentalmente no mo-
vimento organizado da sociedade civil, como
vimos a participação efetiva nas conferências
de saúde mental, de cooperativismo e de eco-
nomia solidária. É fundamental, hoje, o papel
que representam as redes de saúde mental e
economia solidária na formação técnico-polí-
tica dos profissionais de saúde, dos usuários
e dos trabalhadores dos empreendimentos, na
mobilização para criação e efetivação de uma
política pública que sustente as iniciativas de
geração de trabalho e renda. Pensar em CECCO
e economia solidária gera questões desafiado-
ras e as necessidades extrapolam as rotinas do
cotidiano dos serviços, rompe o papel silen-
cioso do usuário do serviço, aponta a necessi-
dade de articulação com outros atores sociais,
com outras organizações governamentais e
não governamentais, causa-nos desconforto,
não há porto seguro, não há pontes e outros,
temos novos horários de trabalho, à noite, no
final de semana, etc. É necessário solidarizar
como o próprio dicionário coloca, tornar-se so-
lidário, aderir a causa, ter interesse recíproco,
partilhar mais ainda, integrar juntos, incor-
Os Centros de Convivência 27

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e a Intersetorialidade
Isabel Cristina Lopes
Psicóloga, sanitarista, idealizadora do Centro de Convivência e Cooperativa da Cidade de São Paulo,
Coordenadora do Projeto Cidadãos Cantantes (oficinas de Coral Cênico e Dança na Galeria Olido
de São Paulo), assessora Legislativa na Câmara Municipal de São Paulo para o Projeto de Lei sobre
Centros de Convivência e Cooperativa e Coordenadora do Programa Você no Parlamento.

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Bom dia, é um prazer muito grande poder parti- porque é um estar acontecendo continuado.
cipar desse primeiro encontro e faço votos, Ele nasce nessa provocação de encontros, na
como todos aqui, que essa seja a primeira ini- transversalidade, na heterogeneidade, no en-
ciativa de um processo, e que a gente conquis- frentamento ao gueto, no desalinho, no desafi-
te, aqui, algumas vitórias. Todos aqui já relem- no. Aquilo que aparentemente pode ser consi-
braram a história do CECCO, que começa em 89 derado a contramão. A heterogeneidade
na cidade de São Paulo. Mas é bom frisar esse pressupõe pensar o não patologizante. Se ima-
nascedouro em função fundamentalmente de ginarmos o Centro de Convivência hoje, como
pensar que já tem maturidade para poder pen- um espaço sobretudo para os doentes, sejam
sar, propor e refletir acerca das políticas públi- eles com transtornos mentais, deficientes, com
cas. Chama minha atenção essa frase “Centros HIV positivo, todos os segmentos estigmatiza-
de Convivência, delicada arte de produzir en- dos e excluídos de uma participação mais ge-
contros”, e, nessa perspectiva, acho que pode- ral, corremos o risco de pensar a heterogenei-
ríamos ampliar essa ideia de pensar os Centros dade dentro de uma igualdade estigmatizada.
de Convivência como um provocador de encon- Esse é um grande risco. Já escutei de gerente de
tros, além de ser um produtor de encontros. Centro de Convivência, não do nosso estado,
Pensar essa provocação como uma ação que que dizia: “Trabalho com a heterogeneidade,
evoca desejo. Desejo no sentido do incômodo, porque cada pessoa sofre de um jeito diferente,
do desafio, da curiosidade e a produção como então o delírio de um é diferente do delírio do
uma ação presumida, uma meta, algo que care- outro, portanto, a heterogeneidade aí se encon-
ce de energia individual para imprimir criação tra”. Não é dessa heterogeneidade que fala-
e despertar núcleos desejantes. Digo isso por- mos, a heterogeneidade de que falamos tem
que, se pensar na provocação e na produção, que estar imbuída de muita dignidade, de mui-
tenho a impressão de que aí mora a grande cha- ta coragem de misturar histórias, dores, so-
rada do que é ou do que gostaríamos que fos- nhos, perspectivas. A identidade dos que se
sem os Centros de Convivência e Cooperativa misturam é uma identidade a partir do que so-
que assumem diferentes nomes nas diversas mos, de como nascemos, meu nome, minha fa-
cidades aqui representadas, mas que, na sua mília, minha linhagem, não necessariamente
essência, busca essa aproximação do que é o ou exclusivamente ou prioritariamente o meu
desejo e do que é produção, aquilo que é a cria- diagnóstico. Estar na saúde não significa que
ção e aquilo que é a prática. Entendo como o nos enclausuramos num espaço, no zoológico,
nuclear da nossa proposição convivência e tra- no espaço de epidemiologia, no espaço de so-
balho. Então, não é por acaso que esse casa- frimento. Estar na saúde é estar num espaço de
mento se propõe no Centro de Convivência, não emancipação, um espaço de liberdade. Como
é um nome e sobrenome, é uma identidade hí- fazer isso? Provocar encontros e produzir en-
brida. Ele não é híbrido só na formulação do contros parece que é uma pista importante para
seu “para quem”, ele não é híbrido só na for- essa conquista. A construção de um novo para-
mulação do seu “quem faz”, ele também é hí- digma de saúde reside portanto, fundamental-
brido na sua formulação do “o que é”. Está pre- mente, nesse “fazer junto”, nessa mistura,
sente no Centro de Convivência um “vir a ser” numa mistura que não é só de quem usufrui,
28 mas de quem trabalha. Mas podemos ir mais tal”, isso me chamou bastante atenção, porque
longe, uma mistura do locus improvável. O es- é assim que a gente se apresenta. Ele só foi
paço onde esse “conviver” - que produz e que porta-voz da fala de muitos de nós, tanto que
provoca encontros - acontece não dá para ser essa fala impregna ações de políticas, pois,
qualquer espaço. Agrupamentos não estratifi- quando essa não é a minha área, isso justifica o
cados, um fazer pouco usual e múltiplo, mere- meu menor envolvimento, o meu menor per-
ce um diferenciado. Ele não encerra em si to- tencimento. Morin nos chama para essa possi-
das as respostas, mas ele se baseia na bilidade de religação de saberes, na qual, prin-
experiência de viver com para produzir sujei- cipalmente, fazer Centro de Convivência e
tos, sentidos e produtos. O espaço, o mais pú- Cooperativa exige de todos nós um desnudar-
blico possível, altera essa relação de pertenci- -se das áreas, o que não significa jogar de lado
mento e do que eu tenho inscrito, mesmo que o que sabemos e as nossas especificidades, mas
indiretamente, como a tarefa do local. Se você é promover, de maneira generosa, um diálogo
esta produzindo encontros, provocando encon- dessas especificidades entre si e descobrir que
tros num parque, numa praça, numa casa de além de especificidades, temos saberes não es-
cultura, você provoca diferente e produz dife- pecíficos e, quando eles dialogam e se juntam,
rente do que se estiver num espaço alugado, eles promovem transformações. Os Centros de
uma casa específica para um determinado fim. Convivência estão na Saúde, mas eles são mui-
Isso é suficiente? Não, ninguém se vacina da to mais do que saúde, eles estão na Mental,
possibilidade de provocar o encontro das dife- mas eles são muito mais do que saúde mental.
renças, encontro produtivo, de produção de Esse “mais” não é melhor ou mais de acrésci-
novos sujeitos e de produção de sujeitos produ- mo, é no sentido de agrupar quem mais pode
tivos só com um locus diferenciado, mas isso ser agrupado nessa construção de conhecimen-
faz a diferença e muita. E isso a gente pode di- to, nessa tarefa de produção de novos sujeitos.
zer da experiência, do experimentar entrar Pensar o Centro de Convivência e Cooperativa
num parque ou numa casa de cultura, ou numa hoje para mim, é pensar em saúde coletiva,
praça onde você não precisa se apresentar para pensar num sentido de coletivo, em que o co-
passar no portão, onde você não precisa de nhecimento da mental, o conhecimento da saú-
uma carteirinha para dizer: “Olha, tô indo em de pública, da saúde sanitária, se juntam aos
tal lugar, tenho hora marcada, posso entrar?”, conhecimentos de cultura, meio ambiente, tra-
onde a recepção, muitas vezes, é um balcão de balho para construir esse espaço que provoca e
obstáculo. Pensar nessas delicadezas pode nos produz encontros. De outra maneira, me parece
dar, também, pistas de como fazer diferente. O bastante difícil conquistar essa premissa que
“inter” nasce aí, esse “inter” do interstício, do Morin nos aponta: de que a prosa da vida asse-
intervalo, do estrangeiro, o “inter” é muito gura a sobrevivência e a poesia estimula o vi-
maior do que o intersetorial governamental. ver. Muitas pessoas garantem a subsistência
Esse “inter” pressupõe a surpresa, o não insti- com determinado tipo de trabalho, sem deixar
tuído, o habitante de um mesmo território, cor- de investir em outras áreas que lhes dão mais
po subjetivo que não se reconhece no outro. prazer. A ideia é poder pensar essa aproxima-
Portanto, a equipe de saberes precisa estar ção no cotidiano desse “fazer”, provocando e
muito atenta a essa perspectiva do “inter” que produzindo encontros. O conceito de “nós” é
se dá no intervalo, naquilo que muitas vezes, é diferente do conceito de eu e o outro, implica
desconsiderado, é invisível. Edgar Morin nos como um abraço probiótico que mistura perfu-
presenteia com essa perspectiva de um “inter” mes dos corpos distintos quando esse abraço se
mais amplo. Ele diz que “É preciso reagrupar os dá. É desse “inter” que falo, necessário no nos-
saberes para buscar a compreensão do univer- so cotidiano para nos alimentar, dar força e po-
so”. Morin procura restituir o conhecimento der teorizar, justificar frente aos gestores a im-
que se encontra adormecido, um reagrupamen- portância singular dessa proposição que são os
to de unidade e diversidade. Com o passar do Centros de Convivência e Cooperativa. As se-
tempo, as teorias restringiram-se a estudos por cretarias, desde o governo da Luiza Erundina,
área e a complexidade das questões do homem bem no comecinho dessa proposição, elas par-
tem sido pouco compreendidas. Na Mesa de ticiparam de um fórum intersecretarial que
Abertura, o representante da saúde de Campi- juntou transporte, educação, esportes. Lembro
nas falava: “A minha área não é a saúde men- bem que a Cristiane, hoje coordenadora do
CECCO Mooca veio participar desse fórum como mas que nos demonstrou que existe a possibili- 29
representante da Secretaria de Transporte, dade de orçamento, que existe a possibilidade
acho que ela nem imaginava virar uma coorde- do inter, do encontro entre secretarias, e por-

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nadora de Centro de Convivência. Foi muito in- tanto, intersecretarial, mas que não foi sufi-
teressante porque eram pessoas de todos os ciente, mesmo com todo o impacto do que esse
cantos que vinham para pensar desde a locali- serviço representou na contratação de oficinei-
zação desses Centros de Convivência até o ros para os 20 Centros de Convivência e Coope-
transporte. Discutimos com a secretaria de rativa existentes na cidade, mesmo com todo o
Transporte onde é que o ônibus poderia mudar impacto de caminhadas que juntavam mais de
seus roteiros. E os ônibus que precisavam ter 200 pessoas em oficinas coordenadas por bai-
adaptação de degraus para subirem as pessoas larinos, por músicos, por artistas plásticos, por
capoeiristas, por pessoas que detinham sabe-
res muito distintos e qualificava, não só o tra-
Fazer Centro de Convivência e balho das oficinas, mas qualificava o trabalho

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Cooperativa exige de todos nós um dos profissionais de saúde que puderam, em
desnudar-se das áreas, o que não algum momento, estar mais protegidos na fun-
ção de mediadores dos conflitos, de trabalhar
significa jogar de lado o que sabemos com os grupos heterogêneos, o que não é um
e as nossas especificidades, mas é trabalho fácil, um trabalho de poder olhar o fe-
promover, de maneira generosa, um nômeno do grupo, do grupo operativo ocorren-
do e que, de alguma maneira, pudesse ter essas
diálogo dessas especificidades entre si e leituras amplificando, dando ressonância a
descobrir que além de especificidades, uma ação mais emancipadora e criativa dessas
temos saberes não específicos e, pessoas. O risco é a formalização excessiva das
relações. O risco nessa solidão de muitas equi-
quando eles dialogam e se juntam, eles pes é que, com a burocratização dos processos
promovem transformações. de compartilhamento e reconhecimento dos sa-
beres, os CECCOs devem ser, constantemente,
objeto de análise, sem o que correm o risco de
cadeirantes, e aí eu fico pensando: “Meu Deus, burocratizar e sucumbir às próprias questões
isso era em 89, 90, até 92, uma construção tão para cujo enfrentamento ele foi justamente
gigante, quanto tempo faz?”. Estamos em 2011 concebido. Neste sentido, eu fui beber da fonte
e, na verdade, toda essa construção se ampa- da 27ª Bienal Internacional de Artes de São
rou na determinação e no desejo governamen- Paulo, cujo tema foi: “Como viver junto, não é
tal dos que estavam e não se fundou, não se um lema para além da arte?”, era um questiona-
oficializou, não se cristalizou, no bom sentido, mento. Na ocasião, a curadora Lisette Lagnado
a não ser na vontade, no pulso firme dos traba- dizia: “Eu acho que a gente, antes de tudo, te-
lhadores que abraçaram a causa e o sonho e ria que ser mais generoso e isso não quer dizer
seguiram, independente dos ônibus que não ser menos criterioso com a definição de artista.
mais seguiram as mesmas rotas, independente Hoje, eu o chamaria, como o Hélio Oiticica cha-
dos degraus que não mais foram adaptados, in- mava, de o criador. Veja como as coisas são, a
dependente da Secretaria de Esportes que não Documenta de Kassel chamou Ferran Adriá,
mais ofereceu os seus educadores para com- um chefe de cozinha catalão para a próxima ex-
partilharem e fazer parte das equipes multidis- posição, porque ele é um criador. Nesta dire-
ciplinares, da educação, que não mais liberou ção, eu trabalho com a noção de artista como
os seus professores, principalmente os educa- um trabalhador criativo ou artista construtor,
dores artísticos. Podemos fazer uma lista imen- como pensava Oiticica. É arte? Não sei. Para os
sa dos não mais, que, de alguma maneira, en- puristas talvez não seja, mas eu sou do partido
tendem a força e a atuação desse serviço, mas de que a arte deve transformar o mundo. Isso
não mais tem força para fazê-lo sem a real ofi- passa pelos criadores. Eu acho que indo por aí,
cialização. De Erundina a Kassab, o que conse- o arquiteto é o artista, é criador. Pessoas que
guimos em São Paulo foi o ofício social por um trabalham em coletividade, sobre a coletivida-
ano, aparentemente, uma ilusão de ótica, algo de”. Nessa medida, como reflete o Peter Pál
que podia ser interessante que não se firmou, Pelbart e eu vou ler um pedacinho para vocês:
30 “Em vida capital, a invenção não é prerrogativa cia biopolítica”. Me ocorre arriscar que o que se
dos grandes gênios, nem monopólio da indústria propõe na perspectiva coletiva é uma rede cole-
ou da ciência. Ela é a potência do homem co- tiva de vida, na qual a saúde coletiva se insere.
mum. Todos e qualquer um inventam na densi- O Centro de Convivência e Cooperativa tem
dade social da cidade, na conversa, nos costu- essa missão, de participar dessa rede coletiva
mes, no lazer, novos desejos e novas crenças, de vida, um SUS de sujeitos integrais, um SUS
novas associações e novas formas de coopera- de sujeitos inter, um cuidar e um ressignificar
ção. Cada variação, por minúscula que seja, ao reinventando. Ocorre que essa reinvenção de
propagar-se e ser limitada, torna-se quantidade paradigmas de saúde, de cultura, de trabalho,
social e assim, pode ensejar outras invenções e ela não se dá só no nosso esforço, na nossa
novas limitações, novas associações e novas for- conceituação, na nossa criatividade, essa pro-
posição, ela carece feliz ou infelizmente, de le-
gislação. Daí, eu ter aceitado essa árdua, árida,
O risco é a formalização excessiva terrível tarefa de ir para a Câmara municipal de
das relações. O risco nessa solidão São Paulo. Lá, construímos um PL em muitas
de muitas equipes é que, com a mãos, um substitutivo, diga-se de passagem,
que passou na primeira instância e está há mui-
burocratização dos processos de to tempo esperando a sua possibilidade de
compartilhamento e reconhecimento aprovação. Um PL fundamentalmente inter,
dos saberes, os CECCOs devem que envolve inúmeras secretarias e inúmeros
saberes é o 762/07, que, assim como a Emenda
ser, constantemente, objeto de 29 de saúde, espero que não tenha que esperar
análise, sem o que correm o risco de mais de uma década para vê-lo aprovado, ape-
burocratizar e sucumbir às próprias sar de sabermos que isso não garante tudo,
mesmo porque a aprovação exige a sua aplica-
questões para cujo enfrentamento ele ção. O paradigmático, o que emaranha, o que
foi justamente concebido. mostra a saúde como potência e poder carecer
dessas formulações, carecer de um Ministério
da Saúde fundamentalmente sensível, não só à
mas de cooperação. Nessa economia afetiva, a necessidade desse serviço ter um Decreto, mes-
subjetividade não é efeito ou super estrutura mo porque a Portaria que foi construída está
etérea, mas força viva, quantidade social, po- muito longe disso tudo que a gente defende,
tência psíquica e política. Nessa perspectiva, as vive e constrói a cada dia. Que bom que ela não
forças vivas presentes por toda parte na rede so- foi aprovada, na minha opinião, para que ela
cial deixam de ser apenas reservas passivas à possa ser construída de forma mais autêntica,
mercê de um capital insaciável e passam a ser com a participação de todos, uma verdadeira
consideradas, elas mesmas, um capital ensejan- democracia participativa, que possa pontuar
do uma comunalidade de autovalorização. Em esse grau de complexidade dos Centros de Con-
vez de serem apenas objetos de uma vampiriza- vivência que têm, no Estado de São Paulo, sua
ção por parte do império, são positividade ima- maior expressão, mas não única, mas que abra
nente e expansiva que o império se esforça em para essa escuta muito mais ampla de um espa-
regular, modular, controlar todos e qualquer um ço que promove resolutividade na vida das pes-
e não apenas os trabalhadores inseridos numa soas, em termos de diminuição do seu sofri-
relação assalariada detém a força invenção. mento, que possibilita a ampliação de laços
Cada série do corpo é fonte de valor, cada parte sociais, como um indicador de saúde, que pos-
da rede pode tornar-se vetor de valorização e de sibilite o retorno à escola como um indicador
autovalorização. Assim, o que vem à tona, com de saúde, que possibilita o retorno ao trabalho
cada vez maior clareza, é a biopotência do cole- como um indicador de saúde, possibilite o trân-
tivo. A riqueza biopolítica da multidão é esse sito nessa polis imensa, urbana, como um indi-
corpo vital coletivo reconfigurado pela econo- cador de saúde. Indicador de saúde que ultra-
mia e material das últimas décadas que nos passa a epidemiologia, que ultrapassa o
seus poderes de afetar e de ser afetado e de diagnóstico, passa por ele, também, mas vai
constituir para si, uma comunalidade expansi- além e não porque sabemos mais, simplesmen-
va, desenha as possibilidades de uma democra- te, porque sentamos no chão, porque a gente
sentou na terra, porque a gente mergulhou jun- com o novo Centro de Convivência Andorinhas, 31
to com os sujeitos, porque a gente foi caminhar um espaço onde, mesmo no Tear, se constrói
nas cidades com os sujeitos, porque a gente foi música para todos os segmentos, sejam eles

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costurar, porque a gente foi bordar, porque a vulneráveis ou não, não dá para ser invisível e
gente foi dançar, porque a gente foi cantar, nem fechar os olhos para isso. Nesse sentido,
porque a gente foi trabalhar na marcenaria, eu fecho a minha fala dizendo que realizar sa-
porque a gente foi trabalhar na cozinha numa beres e poderes exige muita generosidade,
outra perspectiva, que não é a da laborterapia, mais do que tolerância, encontros e muita ge-
que não é da musicoterapia, em que o terapêu- nerosidade. Um resgate ao primitivo é necessá-
tico é um alcance, em que o terapêutico não é o rio, a nossa gênesis, como nos presenteia o po-
enquadre e isso não é mais ou menos, melhor eta Manoel de Barros, em Memórias Inventadas:
ou pior, é diferente, e esse diferente fez a dife- “Fomos formados no mato, as palavras e eu, o que
rença naquilo que a gente olha do sofrimento de terra a palavra se acrescentasse, a gente se
das pessoas, de passarem a sofrer diferente, de acrescentava de terra; o que de água, a gente se

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passarem a ter outro resultado dos mesmos co- encharcasse, a palavra se encharcava de água,
quetéis anti-HIV que um toma e participa só do porque nós íamos crescendo de ímpar; se a gente
espaço de um serviço clássico de saúde e o ou- recebesse oralidades de pássaros, as palavras re-
tro toma e participa do espaço não clássicos de ceberiam oralidades de pássaros; conforme a
saúde, tão inter que o faz fazer diferença. Essa gente recebesse formatos da natureza, as pala-
diferença dá para se computar, essa diferença é vras incorporavam as formas da natureza; em al-
que precisa ser olhada pelos gestores de saúde gumas palavras, encontramos subterrâneas de
e olhar para isso e falar: “Espera aí, isso faz caramujos e de pedras, logo, as palavras se apro-
economia, isso faz diferença na vida das pesso- priavam daqueles fósseis linguísticos; se a brisa
as, isso medicaliza menos, isso enlouquece me- da manhã despetalasse em nós, o amanhecer, as
nos, por que que eu não posso investir mais palavras amanheciam; podia-se dizer que a gente
nisso do que nas internações compulsórias? estivesse pregado na vida das palavras ao modo
Por que que eu não posso investir mais nisso e que uma lesma estivesse pregada na existência de
investir menos na entrega de serviços para or- uma pedra; foi no que deu a nossa formação, vol-
ganizações sociais que não têm expertise nessa tamos ao homem das cavernas, ao canto inaugu-
ação que temos? [palmas] Invisíveis somos ao ral; pegamos na semente da voz, embicamos na
Ministério, invisíveis somos ao Governo de Es- metáfora, agora, a gente só sabe fazer desenhos
tado e ao Governo Municipal, que infelizmente, verbais com imagens, tipo assim, hoje, eu vi outra
nem se fez presente. Essa invisibilidade que en- rã sentada sobre uma pedra ao jeito que uma gar-
clausura mais aos que não veem do que aos que ça estivesse sentada, de tarde, na solidão de ou-
estão na invisibilidade. Buscamos o potencial tra pedra; foi no que se deu a nossa formação, eu
criativo e ativo nosso e daqueles que fazem acho dela, eu acompanho”.
parte como sujeitos biopotentes desses espa-
ços, pensar no Ibirapuera, Centro de Convivên-
cia e suas parcerias, o Museu de Arte Moderna
ou o Museu de Arte Contemporânea ou a escola
de jardinagem e imaginar o quê que isso altera
de qualidade na vida das pessoas é inimaginá-
vel e não invisível. Imaginar o Centro de Convi-
vência Toninhas dentro de uma casa de cultu-
ra, da Casa de Cultura Tainá e enxergar ali,
toda a riqueza de um povo que estuda e mistura
as raças e que atrai todo um conhecimento de
Áfricas e de mundo, não dá para achar que isso
é pouco e pode ser invisível. Olhar para Santo
Amaro e ver, o quanto que se constrói nas tro-
cas justas e solidárias, não é possível isso ser
invisível na qualidade que traz na vida desse
sujeito. Pensar que em Campinas, no Tear das
Artes e imaginar o trabalho de aproximação
32
Discussões em Grupos 33

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Grupo Verde

A primeira coisa que eu gostaria de falar é que trabalhar com o que já se tem produzido para
foi muito importante ter na Mesa da manhã as pensar quais coisas que já têm resultado, pen-
pessoas que foram as idealizadoras dos Cen- sar quantos profissionais precisaríamos para
tros de Convivência. Discutimos em nosso gru- formar um núcleo que fosse o ativador dessas
po porque os Centros de Convivência deram possibilidades de discussão. A partir desses
certo em São Paulo, sendo que são 16 anos de encontros, poderíamos definir o que seria o

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grande dificuldade. Discutimos o seguinte: os Centro de Convivência, quantos profissionais
CECCOs de São Paulo são um grande exemplo seriam importantes e, a partir do que nós já
para se pensar a sobrevivência deles. O prin- temos de experiência, o que seria um financia-
cipal fator foi eles terem ocupado o espaço mento importante para esse tipo de trabalho.
público de convívio, e não ficarem reduzidos Resumindo a nossa proposta seria:
ao que acabou sendo na maioria dos Centros
de Convivência, um local feito para a saúde ou 1) agenda com os ministérios;
para a assistência que não estava colocado no
2) o nosso reconhecimento como ativador do
espaço de praças, da esquina da nossa casa ou
espaço público de convívio;
na calçada do CAPS. Esse encontro teve uma
importância grande não só por ser o primeiro, 3) promover os encontros, que será a nossa ma-
mas por ter na Mesa pessoas que simbolizaram neira de fazer ressoar, trabalhar e discutir;
o que é o grande mote do Centro de Convivên-
4) verificar qual o número necessário de profis-
cia, que é pensar que temos que ocupar espa-
sionais e as maneiras de financiamento.
ços públicos de convívio. E a primeira questão
nossa era organizar uma agenda não só com o
Ministério da Saúde, mas com alguns ministé-
rios, Secretaria Nacional de Economia Solidá-
ria etc..., para fazer algumas coisas, para sair
um pouco da nossa corda bamba, embora a
nossa corda bamba faça parte da proposta do
Centro de Convivência. Então, a primeira coi-
sa é reconhecer nessa agenda que o Centro de
Convivência deve ser reconhecido como um
ativador dos espaços públicos de convívio. De-
vemos tecer uma rede de ressonâncias, promo-
ver encontros, não só o primeiro, mas o segun-
do, o terceiro. O encontro deve ser realmente
o nosso mote do fazer, do organizar. São Pau-
lo tem uma experiência importante, anos de
experiência, Campinas tem outra, e devemos
34 Grupo Vermelho

Nosso grupo teve propostas muito viáveis, ba- lidária enfrentam na comercialização dos seus
seadas em relatos de experiência e de militân- produtos, pois não podem vender no espaço do
cia. Uma questão que surgiu seria a necessida- serviço. Como poder tornar isso, de fato, uma
de de poder estar saindo da questão da saúde política pública para que as pessoas possam,
mental, e estar articulando e sensibilizando sim, dar escoamento aos seus produtos e ga-
financiamento junto a outras áreas da saúde. rantir também uma melhor condição de vida?
Vemos o financiamento podendo sair pela ação Deve haver um debate articulado do Centro de
primária, na qual temos aqueles espaços de prá- Convivência com a Economia Solidária tam-
ticas esportivas, por exemplo. Como podemos bém para regularizar aquela situação de que se
estar sensibilizando outras áreas do Ministério tem UBPC, aí, sim, passa a ser cooperado, en-
da Saúde, da Secretaria de Saúde para serem tão, perde o benefício, então como que a gente
parceiras desse projeto de Centro de Convivên- pode, também, estar resolvendo essa questão?
cia, já que eles são muito mais do que a própria E aí, então se fala dessa questão de mudar a lei
saúde mental. Para isso, temos que legitimar e das cooperativas sociais. Em relação à Portaria
instituir esse dispositivo enquanto um dispo- escrita em 2005, temos que reconhecer que, de
sitivo em que a saúde tem um protagonismo e fato, muito se andou, e o cenário que está co-
que a saúde mental tem esse modo de fazer e locado hoje é diferente do cenário de 2005, em
essas experiências consolidadas, mas que tam- que se falava que um Centro de Convivência se-
bém tem que contar com outros financiamentos ria para municípios com acima de 200 mil ha-
e outros setores como cultura, educação. Em bitantes, e que teria que ter uma rede já forma-
relação a essa questão de conceituar e de ins- da. Discutimos então como poder estar usando
tituir os Centros de Convivência, o grupo pro- esses dispositivos nos municípios de pequeno
põe retomar o mapeamento que foi realizado porte. À medida em que temos um grupo, um
em 2008 para poder estar investigando as ex- fórum permanente de discussão, que vamos ter
periências em outros estados. A experiência de o mapeamento dos CECCOS atualizado, que vai
São Paulo é muito importante, mas temos que dizer como esse serviço funciona, quais são os
verificar como é que o Nordeste está funcionan- principais gargalos, poderemos rever essa Por-
do, como é que o Norte esta funcionando, para taria. Pensamos também em promover o encon-
que uma Portaria que possa instituir o Centro tro nacional de Centros de Convivência e Cul-
de Convivência esteja atenta às especificidades tura e, nessa mesma lógica de também trazer
de cada região. A outra proposta foi criar uma a Economia Solidária para ganhar força no ce-
rede de experiências de Centros de Convivên- nário macro e micro, para termos mais parcei-
cia, além de ter uma rede virtual, o que na eco- ros. E, por fim, foi também falado em um plano
nomia solidária deu certo As experiências arti- nacional de apoio aos Centros de Convivência.
culadas em rede propiciariam debates diários, Então, ter uma política clara do que se quer,
semanais em relação ao que estaria acontecen- para que. cada vez que se muda, seja no âm-
do, quais os principais gargalos, quanto custa bito federal, estadual ou municipal, seja des-
um Centro de Convivência, qual o recurso hu- necessário haver toda essa negociação de novo
mano necessário para o Centro de Convivência, (convencer, falar, explicar, à medida que isso
qual é o perfil desse profissional, mantendo o se tornar público). A última coisa que apareceu
caráter interdisciplinar, intersetorial, pois não no grupo foi como fazer para as pessoas co-
dá para se contar só com o pessoal da saúde. nhecerem experiências muito exitosas. Porque
Uma portaria tem que dar conta de todas essas aqui mesmo, no Estado de São Paulo, alguns
questões. Foi discutida também a possibilida- municípios receberam convite e não sabiam o
de do Centro de Convivência estar pautando que era um Centro de Convivência. Como dar
no âmbito municipal, no âmbito estadual, essa visibilidade a essas experiências?
questão. Esse debate deve ser constantemente
atualizado para se ter uma base política e poder
chegar a uma política mais macro. Foi retoma-
da também a questão da dificuldade que esses
grupos, assim como os grupos da economia so-
Grupo Azul 35

Centros de Convivência e Cooperativa


Propomos: 7. Viabilizar o financiamento dos oficineiros
como ofício social, uma vez que estão sen-
1. Articular politicamente nossa atuação para do priorizadas as ONGs em detrimento dos
legitimação e efetivação dos CECCOs como equipamentos públicos, como está ocor-
política pública, como experiência exitosa rendo no município de São Paulo.
no trabalho da saúde, que deve contar com
8. Os CECCOs devem ser pensados e viabili-
percentual de financiamento definido em
zados na perspectiva da intersetorialida-
lei para sua institucionalização.
de, da interdisciplinaridade e da geração
2. Discutir o projeto de lei municipal 76207 de renda.
de São Paulo, para garantir o lugar para os

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9. A estruturação dos CECCOs deve ser con-
CECCOs na rede substitutiva do serviço de
quistada, cuidando para não burocratizar
saúde mental. Essa legislação deve prever
os serviços, preservando as eventuais pro-
uma proporção de pessoal, espaço pró-
postas oportunistas que possam surgir.
prio, demais recursos necessários frente à
população dos territórios para efetivação 10. Questionar a direção da Secretaria Munici-
desse serviço. Além disso, esse projeto de pal de Saúde de São Paulo pela ausência
lei deve estabelecer a forma como as várias nesse encontro.
secretarias participam do financiamento
11. Os profissionais presentes nesse encontro
dos CECCOs.
devem se comprometer a ter uma ação ar-
3. Todos os atores que defendem o Centro de ticuladora em seus municípios de origem
Convivência devem tomar conhecimento quando retornarem ao trabalho.
do projeto de lei municipal 76207 de São
12. O Estado de São Paulo deve participar,
Paulo, disponível no site do vereador Police
efetivamente, da implementação dessa
Neto, a fim de instrumentalizar melhor os
política pública nos municípios paulistas.
movimentos, divulgando essa iniciativa e
viabilizando outras semelhantes. 13. Sorocaba pede apoio aos órgãos de contro-
le público para atuarem no enfrentamento
4. Os municípios devem se organizar para
do que diz respeito aos direitos humanos
coordenar, articular, legitimar, dar visibi-
amplamente divulgados pela imprensa,
lidade, fortalecer a política pública muni-
inclusive auxiliando o Flamas, que é um
cipal dos CECCOs. Em Campinas, essa ar-
coletivo de luta antimanicomial da cidade.
ticulação é feita pelo Fórum Municipal do
Centro de Convivência. 14. Superar formas de faturamento atuais, que
não representam o que a reforma psiquiá-
5. Solicitar ao Ministério da Saúde que convo-
trica defende como, por exemplo, ocor-
que uma comissão para revisão da Portaria
re em Campinas, onde os CECCOs atuam
que foi revogada, construindo novo texto
como ambulatório de saúde mental.
contemplando financiamento intersetorial
de forma a garantir um marco legal, nacio- 15. Mobilisar e fortalecer o controle social,
nal, para essa política pública, garantindo conselhos gestores, conselhos locais, dis-
as singularidades estaduais e municipais. tritais e municipais no apoio da luta pela
efetivação dos CECCOs como política pú-
6. Garantir que o CECCO seja um serviço fi-
blica de promoção de saúde.
nanciado pelo SUS, manter as gestões dos
CECCOs na saúde, como estratégia de pro- 16. Criar um fórum paulista de Centros de
moção de saúde, garantindo recebimento Convivência.
de verbas de outra secretaria, como já vi-
nha ocorrendo, melhorar a infraestrutura
física de pessoal e material mínima a todos
os CECCOs existente e na criação de novos.
36 Grupo Amarelo

Implementação de um sistema efetivo de infor- ções de ensino que compõem a rede de saúde,
matização para o registro dos processos de tra- principalmente aquelas que usufruem do servi-
balho nos CECCOs; a criação de um documento ço, como campos de estágio; criar estratégias
que defina e esclareça a função dos CECCOs na de garantia de voz dos usuários nos encontros
rede, e nossas ações na cidade; criação de es- a partir do recolhimento dos depoimentos dos
tratégias de qualificação das equipes que com- mesmos, estratégia pensada para os próximos
põem os Centros de Convivência; articulação encontros; manter a regularidade de encon-
do CECCO por parte de organizações indepen- tros anuais de CECCOs e sair deste fórum com
dentes do Estado, compondo também, com as uma data e uma comissão organizadora para o
ações do próprio Estado; criação de redes inde- próximo evento; criação de um grupo de traba-
pendentes de acordo com seus eixos de ação: lho com representação de várias cidades para
trabalho, economia solidária, cultura e assis- a criação de um documento que proponha os
tência; garantir a implementação dos CECCOs CECCOs como política pública no SUS, tanto
em municípios que não possuem esses servi- para Câmara quanto para uma proposta inter-
ços; o orçamento dos CECCOs deve ser garanti- ministerial; encaminhar a produção desse Fó-
da pelo Ministério da Saúde para os municípios rum pra ABRASCO (outras pessoas vieram me
e também pelo estado e municípios; regula- procurar também para incluir a ABRAPSO e o
mentação legal do funcionamento do CECCO; Encontro Estadual de Saúde Mental promovido
criação de estratégias de divulgação; criação pela Associação Paulista de Saúde Pública);
de um documento norteador para a política dos esse documento que as pessoas sugeriram deve
CECCOs a partir desse evento; financiamento definir ou nortear quais são as ações do CECCO;
por parte do Ministério da Saúde para imple- uma proposta também que surgiu é diferenciar
mentação, e dos municípios para continuida- os CECCOs das Casas de Cultura e dos CAPS,
de, destinando parte do financiamento para porque nas falas que foram aparecendo, em
garantir articulações intersetoriais; a partir muitos municípios, isso ainda se mistura; criar
da explicitação quanti-qualitativa da essência estratégias que garantam a proteção de profis-
de cada CECCO, criar uma documento de arti- sionais que se aposentam ou saem e não são re-
culação com as esferas legitimadas de gestão; postos; criar conselhos locais nos CECCOs que
criar uma comissão a partir desse evento para tenham interlocução com os conselhos munici-
o levantamento de dados dos CECCOs para a pais e nacionais para criação de parceria com
criação desses diálogos; ampliar a produção a esfera de gestão participativa; e readequação
de conhecimento sobre os CECCOs a partir da do sistema de financiamento dos CECCOs para
solicitação de uma contrapartida das institui- a sua realidade de trabalho.
Anexo 1
Normatização das ações nos
centros de convivência e
cooperativas municipais
Coordenação dos Grupos de Trabalho: Centros de Convivência e Cooperativa

G.T. Intersecretarial - Cultura Cidadania e Saúde Mental


Isabel Cristina Lopes

Composição dos Grupos de Trabalho


Representantes dos Cecco’s , Representantes de Secretarias e Órgãos Municipais

Reflexões iniciais, Embasamento Teórico. Considerações Técnicas e Redação Final


Isabel Cristina Lopes

Discussão e Elaboração das Normatizações Indicativas aos Cecco’s


Grupo de Trabalho Centros de Convivência e Cooperativa

Digitação
Beatriz helena de Castro LLoret Pardos

Montagem, Composição. Diagramação e Produção Visual


LP Engenheiros Consultores Ltda - Tel. 813.7787

Colaboraram na Produção deste trabalho:


Representantes dos Cecco’s:
. Praça Roosevelt
. Eduardo Leite - “Bacuri”
. Parque Previdência CDM Ermelino Matarazzo Parque Santa
. CEE V. Guarani Amélia CEE Freguesia do Ó Brasilândia
. Parque Ibirapuera Parque São Domingos Parque
. CEE Artur Friendereich Anhanguera* Interlagos
. Cohab I Anchieta Parque Guarapiranga Parque Santo Dias
. Parque do Carmo
. São Mateus*
. Parque Ecológico Chico Mendes
* Em processo inicial de implantação

Composição do Grupo de Trabalho Intersecretarial Cultura, Cidadania e Saúde Mental Portaria 112/92
(cujo relatório referente a Centro de Convivência e Cooperativa foi anexado às Normatizações)
38 Representantes de Secretarias e Órgão Municipais
. Secretaria Municipal da Saúde (Coordenação) SMS
. Secretaria Municipal do Abastecimento SEMAB
. Secretaria Municipal da Cultura SMC
. Secretaria Municipal da Educação SME
. Secretaria Municipal de Esportes, Turismo e Lazer SEME
. Secretaria Municipal de Habitação SEHAB
. Secretaria de Serviços e Obras SSO
. Secretaria Municipal de Transportes SMT
. Companhia de Engenharia e Tráfego CET
. Companhia de Habitação COHAB
. Companhia Municipal de Transportes Coletivos CMTC
. Corpo Municipal de Voluntários CMV
. Guarda Civil Metropolitana GCM

Agradecimentos Especiais a colaboração direta ou indireta no estímulo incentivador a invenção


de Utopias:

Às Personalidades
. Félix Guatarri, Suely Rolnik, Manuel Desviai, Gregório Kazi, Mario Tommasini, Marilena de Souza
Chata, Paulo Freire, José Américo Peçanha, Sonia Lins, Nacile Daud Jr., Cecília Vasconcelos Guaraná,
Soraia Inella Gazal, Marilze Terezinha de Araújo, Paulo Gianini, Renata Elza Stark, Boaventura Pereira,
Marco Antonio C. Ferreira, Caio Magri, Savério Lavoratto, João de Deus, Paulo Amarante, Domingos
Sávio do Nascimento, Lúcio Gregori.

Às Instituições:
. Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)
. Ministério da Saúde - Coordenação de Saúde Mental
. Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP
INTRODUÇÃO 39

Centros de Convivência e Cooperativa


Este documento servirá de referência normativa para os Centros de Convi-
vência e Cooperativa. As normatizações e reflexões aqui contidas resultaram
de um longo processo de discussão, em forma de grupo de trabalho, que en-
volveu representantes de todos os Centros de Convivência e Cooperativa, o
Colegiado de Saúde Mental, o CTA da Secretaria Municipal de Saúde e o Gru-
po de trabalho Intersecretarial “Cultura Cidadania e Saúde Mental” portaria
112/92 do Diário Oficial do Município de 31/03/1992).
É importante assinalar que tais contribuições técnicas normativas, não
se dão conta do serviço prestado. Esta se garante pelo investimento em re-
cursos (materiais, físicos, humanos) pelo preparo técnico dos profissionais

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em consonância com a realidade e as diversas demandas territoriais, e pelo
conhecimento e aplicação dos princípios políticos que regem as ações de
saúde mental antimanicomiais.

REFLEXÕES INICIAIS E EMBASAMENTO TEÓRICO

“Pouco importa que se trate ou não de utopia; temos aí um processo bem


real de luta: a vida como objetivo político foi tomada ao pé da letra e volta-
da contra o sistema que tentava controlá-la.
Foi à vida, muito mais do que o direito, que se tomou o objeto das lutas po-
líticas, ainda que estas últimas se formulem através do direito.
O “direito” à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessi-
dades, o “direito”, acima de todas as opressões ou “ alienações”, de encon-
trar o que se é e tudo o que se pode ser, esse “direito” tão incompreensível
para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política de todos esses novos
procedimentos de poder que, por sua vez, também não fazem parte do di-
reito tradicional da soberania.”

Michel Foulcault

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 15. ed. Trad. Maria The-


reza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro:
Graal, 1998

“Os Centros de Convivência e Cooperativa não transformarão o mundo mas


o mundo só se transformara com projetos deste tipo”.

Paulo Freire
40 O SENTIDO DO MANICOMIAL

Na perspectiva de defesa do direito à vida se ins- aos enfermos é a necessidade das pessoas não
creve a luta antimanicomial na política Oficial da se defenderem contra eles. Isso significa que o
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. doente é levado a se identificar com um estere-
Um compromisso de enfrentamento e substi- ótipo bem definido na estrutura física e psicoló-
tuição de modelos e contratos de relações mar- gica da instituição, o de um internado, “do qual
cadas pela violência, a alienação, o estigma, a as pessoas sãs se defendem”. Além desse cará-
marginalização e a segregação, ao qual denomi- ter coercitivo de natureza defensiva, a institui-
namos Cultura Manicomial. ção psiquiátrica total apresenta uma aproble-
A Cultura Manicomial características das ins- maticidade absoluta em um dos polos de sua
tituições totais e presentes na estrutura de fun- realidade (ao mesmo tempo causa e efeito de
cionamento, na filosofia e na qualidade das re- toda instituição coercitiva). O enfermo logo que
lações de muitas escolas, fábricas, unidades de internado no hospital, é definido como doente,
saúde, creches, famílias.... e emblematicamen- e todas as suas ações, participações e reações
te tendo como representante “mor” o Hospital são interpretadas e explicitadas em termos de
Psiquiátrico, se instala negando a expressão da doença. Logo, a vida institucional se baseia
subjetividade, negligenciando a manifestação sobre a negação de valores aprioristicamente
de desejos, disciplinando singularidades e nor- definida para o internado, que é considerado ir-
matizando desigualdades. reversivelmente objetivado pela doença, o que
Tecendo direta ou indiretamente o impediti- justifica, no plano pratico institucional, a rela-
vo ao exercício de cidadania. ção objetivante com ele instaurada.....”
Determinante vital desta cultura manicomial
está o cenário político-ideológico-econômico-social Franco Basaglia,
que através das más condições de vida (saneamen- A Instituição Negada, 1985
to, moradia, alimentação, transporte, educação...)
e das más condições de trabalho (turnos, pressão “Uma imensa reconstrução das engrenagens so-
de chefia, exposição a produtos tóxicos...) concorre ciais é necessária para fazer face aos destroços
na produção social do sofrimento psíquico. do Capitalismo Mundial Integrado. Só que esta
Mas, é justamente no hiato da vida desta pro- reconstrução passa menos por reformas de cú-
dução violenta de sofrimento que as relações pula, leis, decretos, programas burocráticos do
humanas se deterioram e se reparam dando fo- que pela promoção de praticas inovadoras, pela
lego aos indivíduos para questionarem e se re- disseminação de experiências alternativas, cen-
conquistarem cidadãos. tradas no respeito a singularidade e no trabalho
permanente de produção de subjetividade, que
“Uma Instituição Total, segundo a definição de vai adquirindo autonomia e ao mesmo tempo se
Goffman, pode ser considerada como o lugar articulando ao resto da sociedade.
onde um grupo de pessoas é condicionado por Dar lugar para as brutais desterritorialização
outras pessoas, sem ter a menor possibilidade da psique e do socius, em que consistem os fan-
de escolher o seu modo de viver. Fazer parte de tasmas de violência, pode conduzir não a uma
uma instituição total significa estar a mercê do sublimação miraculosa, mas a reconversões de
controle, do julgamento e dos planos dos outros, agenciamentos que transbordam por todos os
sem que o interessado possa intervir para mo- lados o corpo, o Ego, o Individuo.”
dificar o andamento e o sentido da instituição.
Félix Guatarri, As três Ecologias, 1990.
No caso da Instituição total da espécie de um
hospital psiquiátrico, a função de guarda do “Existem fenômenos que são considerados nor-
pessoal encarregado do tratamento condicio- mais ou anormais segundo a profissão, a cul-
na, em todos os níveis, o grupo de internados, tura, a renda, as possibilidades terapêuticas:
os quais são obrigados a considerar as medidas e a sociedade transforma essas avaliações em
de proteção contra eles tomadas como único motivo de exclusão ou de reprovação. Porém,
significado de sua existência. A única identifi- fazer coincidir anormalidade e patologia é fre-
cação que este tipo de instituição total oferece quentemente uma arbitrariedade” (....)
“A avaliação mistura, portanto critérios obje- das pessoas é ser pobre marginal é a probabi- 41
tivos com o comportamento, com as reações, lidade de que estas pessoas sejam definidas
com as ações desenvolvidas pela diversidade como anormais”.

Centros de Convivência e Cooperativa


ou pelo desvio. Isto é típico de qualquer es-
pécie vivente e de toda historia humana, mas Giovanni, Berlinger, A Doença, 1998
nas sociedades desenvolvidas sãos sempre
maiores as reações e as interações institucio-
nais, que se ligam a economia, ao Estado, à http://www.cebes.org.br/internaEditoria.asp?id
cultura, ao poder. Mas a característica social Conteudo=1421&idSubCategoria=22

NOVOS SIGNOS MANICOMIAIS

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Comprometidos com a construção desta cidada- • A negação da determinação social do sofri-
nia a SMS vêm desenvolvido um exaustivo traba- mento mental;
lho que pretende alterar radicalmente o modelo • O modelo médico ao modelo de saúde pública;
hegemônico de atenção aos que sofrem mental- • A negação da subjetividade e do sofrimento
mente. Este modelo hegemônico marcado pelo psicossomático;
enclausuramento, o eletrochoque, enquanto te- • A objetivação pela doença (paciente) à com-
rapêutica de punição, a super-sedação, as longas preensão do outro enquanto poder de troca
internações, a continência pela ação de camisas (usuário).
de força e celas fortes. • A insensibilidade na escuta e decodificação
Apesar da natureza de tais praticas ser es- do pedido-desejo-necessidade “barrados”
sencialmente politico-ideológica por pretender no balcão-porta.
“preservar” a sociedade de seus “ditos loucos” • A negação do fenômeno saúde-doença en-
que denunciam através da loucura-sofrimento, quanto processo.
parte dos conflitos e contradições desta mesma • A ação guiada pelo quadro nosológico à
sociedade, ainda nos deparamos com quem as expressão- intensidade na manifestação do
justifiquem fundamentando-as através do dis- sofrimento;
curso científico. • O não investimento e o não reconhecimento
Entretanto se concebermos o sentido do ma- do vinculo enquanto função de vida.
nicomial para além dos hospitais psiquiátricos, • O “enclausuramento” no equipamento de
a construção de uma nova rede de serviços, con- profissionais sem asas e tentáculos para
ceitos e relações de atenção em saúde mental expiarem pelas frestas das “portas abetas”:
antimanicomial, deverá cuidar para não prota- a rua, a comunidade, os enclausurados em
gonizar outros signos manicomiais como: seus domicílios.
• A cronificação em leituras apriorísticas à
• A camisa de forças burocráticas; disponibilidade em se reciclar com os livros,
• A “desumanização” no acesso aos serviços; os movimentos populares, o transdiscipli-
• A normatização a serviço do “empurra- nar, o usuário;
-demanda”; • A desautorização em criar-recriar novas
• A “vaidade” na ação individualizada à trans- senhas e abordagens....
disciplinariedade;
• A negação da espiral de co-responsabilidade
(guetos protegidos) à espaços gerais de
saúde (convivência heterogênea contra-
-estigmatizante);
• O desejo do profissional à necessidade da
comunidade;
• O perfil do que bate a porta ao perfil epidemio-
lógico e social da realidade territorial-local;
42 A REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE SÃO PAULO.

A “aventura” consequente de rastrear o território ser epidemiológicos e sociais, não mais tutelados
e reconhece-lo a partir de seu próprio referencial, pelo modelo médico e com parceria da população
em consonância com a realidade da produção organizada na construção do novo sistema.
científica a serviço do homem, e o cuidado vigi-
lante frente aos novos signos manicomiais, irão “Entretanto, enquanto ampliação do concei-
representar o contorno da nova rede de atenção à to de direito à saúde mental nos deparamos
saúde mental na cidade de São Paulo. com a necessidade de reformulação profunda
Sob a influência da Reforma sanitária, das de toda legislação civil e penal em vigor, que
conferencias nacionais de saúde e de saúde men- sustenta a discriminação e a exclusão do do-
tal, as iniciativas do legislativo durante e após a ente mental, fundamentada nas noções de in-
constituinte a nível federal e estadual, as experi- capacidade civil absoluta e na periculosidade
ências de trabalhadores em saúde mental na rede como inerente a própria natureza da doença
pública, as pesquisas e produções acadêmicas a mental (...). Associada à inexistência de cida-
nível nacional e internacional, a criatividade de dania do doente mental e a consequente ação
muitos profissionais aliados a população organi- tuteladora do Estado, vê-se o desenvolvimen-
zada na “reinvenção do novo”, sob o referendo to de uma política privatizante que permite a
das organizações: Panamericana de Saúde, Mun- disseminação de um dos maiores parques asi-
dial de Saúde e Nações Unidas em torno da ques- lares do mundo, entre hospitais psiquiátricos
tão da Saúde Mental, vai se configurando o novo particulares e instituições publicas existentes,
modelo de Atenção à Saúde mental da cidade de consolidando um modelo assistencial asilar
São Paulo, subsídio concreto para a efetivação da completamente falido, excludente, discrimi-
Reforma psiquiátrica, ou melhor dizendo, da Re- natório, perverso e corrupto.”
forma em Saúde Mental Brasileira.
Assim a Reforma em Saúde Mental deverá flo- Francisco Drumond Marcondes de Moura Neto
rescer dos movimentos de massa buscando refle- e Outros, Saúde Mental e Cidadania, 1987
tir as mesmas considerações colocadas na Refor-
ma sanitária como sugere o texto: Considerando os pressupostos do Sistema
Único de Saúde no cenário real da politica de
“A Reforma Sanitária não poderá ser pensada Saúde Mental e os entraves legislativos, se inicia
como meras modificações técnicoadministra- ao mesmo tempo um resgate histórico politico e
tivas e organizacionais. Mas, sim, precisa dar uma reformulação na abordagem assistencial do
posição central a temas como a democratiza- sofrimento mental. A saber:
ção do Estado e da formulação de um proje-
to contra-hegemônico (no que a questão da • O investimento na Unidade de Saúde Mental
consciência sanitária e da ampliação do con- em Hospitais Geral Público, a inclusão dos
ceito de “direito à saúde” colocam-se como excluídos, ou seja, fundamentalmente a “in-
pontos vitais).” clusão” da subjetividade e do porta-voz mais
caricato da discriminação o “dito” louco/
Jaime A. Oliveira e outros, Demandas doente mental, através da dinâmica meto-
Populares, Políticas Publicas e Saúde, 1989 dológica-institucional do Hospital-aberto (a
inserção da subjetividade, a participação do
Neste caminho conjunto das reformulações acompanhante, o valor terapêutico da multi-
em saúde publica os avanços na constituição disciplinariedade...);
federal e as indicações das conferências nacio- • A Enfermaria e a Emergência de Saúde Men-
nais de saúde apontam para a formulação de um tal em hospital Geral, investimento na garan-
Sistema Único de Saúde sob o gerenciamento do tia de internação sem asilamento, violência,
município concebido sob pressupostos impres- perda de direitos, o respeito ao sujeito, a fa-
cindíveis a Reforma em Saúde Mental, como a mília e a manifestação do sofrimento:
equidade, a Universalidade, a Regionalização, a
Integralidade das ações. Os parâmetros deverão
• O investimento nas equipes de Referencia • A perspectiva de investimento em Lares- 43
em Saúde Mental em Unidades Básicas de -Abrigados para fora dos muros dos Hospí-
Saúde para ações ambulatoriais em conjunto cios, resposta aos sobreviventes do sistema

Centros de Convivência e Cooperativa


com as ações gerais de saúde recuperando a manicomial, desprovidos de laços familiares
integralidade, universalidade e fundamen- e com chances de reestruturação de vida;
talmente a equidade dos serviços e da abor- • E finalmente a invenção de espaços de convi-
dagem verdadeiramente holística frente ao vência e núcleos de trabalho cooperado que
fenômeno: sofrimento humano; Abrindo as reinventem consígnias e contratos não mais
portas para a “loucura” num espaço mais ge- sob a égide da doença e da “tutela”, os Cen-
ral e diversificado de saúde; tros de Convivência e Cooperativa. Utopia??
• A Criação de Unidades de Convivência Tera-
pêutica Intensiva (os Hospitais dia em saúde
Mental), espaço de suporte às necessidades
de intervenções intensivas e contínuas em

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liberdade e em co-responsabilidade com a
família e a comunidade;

CENTRO DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA

“Pouco importa que se trate ou não de utopia, te- (...) A subjetividade através das chaves trans-
mos aí um processo bem real de luta (....). (Michel versais, se instaura ao mesmo tempo no
Foucault). De luta pela vida, pela cidadania, pela mundo do meio ambiente, dos grandes agen-
contra hegemonia com responsabilidade tera- ciamentos sociais e institucionais e, simetrica-
pêutica e sustentação técnica. mente, no seio das paisagens e dos fantasmas
que habitem as mais intimas esferas do indivi-
“Por todos os lados impõem-se espécies de in- duo. A Reconquista de um grau de autonomia
vólucros neurolépticos para evitar precisamen- criativa, num campo particular invoca outras
te qualquer singularidade intrusiva. É preciso reconquistas em outros campos. Assim, toda
mais uma vez, invocar a história! No mínimo uma catalise da retomada de confiança da hu-
pelo fato de que corremos o risco de não mais manidade em si mesma está para ser forjada
haver historia humana se a humanidade não passo a passo e, às vezes, a banir dos meios,
reassumir a si mesma radicalmente. Por todos os mais minúsculos.”
os meios possíveis, trata-se de conjurar o cres-
cimento entrópico da subjetividade dominante. Félix Guatarri

Ao invés de ficar perpetuamente ao sabor da Parafraseando Guatarri: Meios minúsculos


falaciosa de “challenges” econômicos, trata- tal como se pretende, utópica ou não, esta con-
-se de se reapropriar de Universos de valor no tínua e coletiva invenção-(re)-invenção de pro-
seio dos quais processos de singularização tagonizar a vida, que denominados Centro de
poderão reencontrar consistência. Novas prá- Convivência e Cooperativa.
ticas de si na relação com o outro, com o es-
trangeiro, como o estranho: todo um progra-
ma que parecerá bem distante das urgências
do momento! E, no entanto, e exatamente na
articulação da subjetividade em estado nas-
cente, do socius em estado mutante, do meio
ambiente no ponto em que pode ser reinven-
tado, que estará em jogo a saída das crises
maiores da nossa época(...).
44 HISTÓRICO – CONCEPÇÃO – NASCIMENTO

Em tempos de mudança velhas terminologias, A escolha preferencial pelos espaços públi-


anunciadoras de novas posturas, se apressam em cos por excelência, ou seja aqueles onde o aces-
participar de nosso vocabulário apontando na di- so teoricamente é livre e aberto à necessidades
reção de reinvenções, reorganizações, reformas, menos estruturadas e portanto menos impe-
a partir de desconstruções e criações sustentadas ditivo à entrada, como os Parques Municipais,
por estudos, pesquisas, experiências de valor re- as Praças, os Centros Esportivos e Desportivos,
conhecido que vêm embasar tais terminologias, os Centros Comunitários da Cohab,....Públicos
mas fundamentalmente corroborando a capa- também enquanto conceito de apropriação da
cidade de empatia, vinculo e feeling de muitos população “o não privativo”.
“profissionais vocacionados”, diante da manifes- Sendo parte da perspectiva de ação dos Cec-
tação de vida, seja ela humana ou não. cos a alteração de perfil do usuário destes espa-
Coerente com este contexto encontramos ços públicos, tornando-o mais fiel a característi-
alguns pontos programáticos das diretrizes de cas da heterogeneidade do publico-população,
Saúde Mental do Programa de Governo da pre- e mais, tendo por perspectiva resgatar a vocação
feita Luiza Erundina que vêm referendando his- original destes espaços e explorá-la, de forma a
toricamente a abordagem de novas abordagens: potencializar o seu uso diário e introduzindo uma
vocação aliada e não concorrente: a terapêutica.
• “Priorizar o espaço de discussão junto à po- Assim a apropriação da coisa publica favore-
pulação nos bairros e às organizações po- ce um dado reconhecimento, a consciência das
pulares e sindicais, visando desmitificar a similaridades, das diversidades, a dialética da
loucura e o transtorno mental na reflexão de relação do homem com este micro-meio ques-
seus determinantes sociais; tionando e fazendo analogias, estimulando a
• As praticas em Saúde Mental deverão favore- analise e síntese.
cer a humanização das relações homem-ho-
mem, homem-natureza e homem-sociedade; (por exemplo)- “O fino riacho que corta deli-
impedindo que a medicalização e a técnica cadamente a pequena reserva de Mata Atlân-
oprimida mortifique o individuo; tica num parque municipal tombado. Reserva
• Reconhecer e valorizar os saberes e praticas esta preservada e vigiada para evitar meni-
culturais populares, como formas de equi- nos predadores que se aventuram entre as
líbrio social, relativizando o saber médico- arvores centenárias e descuidadamente pi-
-psicológico; sam no riacho e levam consigo dejetos fecais
• Favorecer através de suporte técnico e finan- que ali “preservados” têm passagem livre. No
ceiro, a criação de espaços culturais, educa- entanto, não são desconhecidos destes pe-
tivos e da integração social auto-geridas pela quenos pés, que conhecem intimamente seu
população que atenda as necessidades dos percurso, que não tão delicadamente cortam
diversos grupos que se caracterizam por dife- o quintal, quando não o próprio chão do bar-
rentes graus de deficiência física ou mental”. raco, onde a noite, estes mesmos meninos,
descansam o corpo exausto de driblar as nor-
Pontos do Programa de Governo Democrático mas e as leis do proibido...!”
e Popular para a Cidade de São Paulo
-Área de Saúde Mental – 1988 Este movimento chamaremos de processo
de convivência onde o individuo se reconhece
Necessários se fizeram a invenção de aborda- e se estranha, onde troca de lugar e conquista
gens e o pacto com um conceber de homem em novos ou velhos lugares... um processo com a
movimento em relação a dinâmica com o próprio natureza não só humana, instrumentalizando o
homem, com a natureza e com a sociedade. Rela- exercício de conviver, favorecendo um “se fla-
ção “espiralada e operativa” como nos inspira a te- grar”, ampliando repertórios, compreensões e
oria de Pichon Riviere, afim de promoverem o sur- potencialidades individual ou coletivamente.
gimento de um novo espaço, um novo setting de Este conviver crítico vai desnudando conceitos
apreensão e resposta holística ao sofrimento hu- como o da homogeneidade e da desigualdade,
mano: os centros de convivência e cooperativas. e do da diferença e o da igualdade. Pois bem o
que se objetiva é esta identidade de convivên- dominador-dominado, que concorrem para 45
cia questionadora e coerente com a amostra da delinear-sombrear uma “ecologia da subjetivi-
realidade da espécie humana, não natural, mas dade”. Onde o se perceber diferente poderá re-

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real, de diferença de acesso a bens e serviços, de meter a noção do estrangeiro, potencial interno
desenvolvimento, de acesso à saúde e de conse- desconhecido/potencial do outro reconhecido,
quentemente, forma de adoecer e morrer. tecendo novas relações que preservem a vida e
Pensar em diferenças pressupõe pensar em recriem papeis e direitos, num contínuo crítico
origem destas, para além do circunscrito no in- questionamento do desejo, da cidadania.
dividuo, em seus objetos internos, na relação Este exercício de convivência dos tidos dife-
familiar, mas pensar cuidadosamente na de- rentes, estruturado sob o eixo da solidariedade e
terminação social destas diferenças e na con- da não segregação dará contorno a uma aborda-
trapartida reativa desta mesma matriz-social, gem em Saúde Mental de ruptura com a cultura
impulsionando a culpabilização e a expiação, manicomial para a efetivação de contratos so-
metamorfoseando diferenças em desigualdades ciais anti-discriminatórios e anti-paternalistas,

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sociais e subjetivas. para nesta fratura conquistar relações democrá-
ticas e “desalienantes”.
“as diferenças e as assimetrias sociais e pesso-
ais são imediatamente transformadas em desi- Giovanni Berlinguer reflete:
gualdades e, essas, em relação de hierarquia,
mando e obediência(...) Os indivíduos se distri- “A presença de um doente em casa pode
buem imediatamente em superiores e inferio- agregar ou desagregar a unidade familiar,
res, ainda que alguém superior numa relação fortalecer ou destruir uma pequena comuni-
possa tornar-se inferior em outra, dependendo dade. A presença de uma criança deficiente
dos códigos de hierarquização que regem as na escola pode torná-la alvo do embaraço de
relações sociais e pessoais. Todas as relações todos, pode fornecer um álibi para as disfun-
tomam a forma de dependência da tutela, da ções educativas de cada dia, pode criar efe-
concessão, da autoridade e do favor, fazendo tivos embaraços se há falta de uma pedago-
da violência simbólica a regra da vida social e gia e de uma assistência especializada; mas
cultural. Violência tanto maior porque o invisí- pode também, fortalecer o grupo, aumentar a
vel sob o paternalismo e o clientelismo, consi- capacidade de reconhecer e aceitar “os dife-
derados naturais e, por vezes, exaltados como rentes”, ser um estímulo educativo no plano
qualidades positivas do caráter nacional” cientifico e moral(....)
(...) O movimento coletivo pela saúde pode ser
Marilena Chaui, Conformismo e Resistência: um dos estímulos mais fortes às modificações
Aspectos da cultura Popular no Brasil, 1989. daqueles fatores que não são somente morbí-
genos, mas também alienantes, ou de algu-
“... As Três Ecologias deveriam ser concebidas ma forma criaram obstáculos ao desenvolvi-
como sendo da alçada de uma disciplina co- mento da comunidade (...) afastar os efeitos,
mum ético-estética e, ao mesmo tempo, como segregar os doentes ou até rotulá-los como
distantes uma das outras do ponto de vista das perigosos para a coletividade impede de dar
praticas que as caracterizam. Seus registros atenção aquele que é um dos aspectos mais
são da alçada do que chamei heterogênese, interessantes da doença: o sinal, o fato de que
isto é, processo contínuo de re-singularização. o sofrimento individual é frequentemente a
Os indivíduos devem se tornar a um só tempo manifestação do coletivo”.
solidários e cada vez mais diferentes”.
As misturas das pessoas e de suas diferen-
Félix Guatarri tes chances de vida nos Cecco’s deverá se fazer
com orientação e supervisão técnica, visto que o
Assim Caberá ao Cecco possibilitar o en- objetivo não é meramente se juntarem em suas
contro dos diferentes, das assimetrias sejam mazelas comuns ou parecidas, pressupostos da
elas expressos na relação com a natureza, com formação de guetos. Antes e fundamentalmen-
o fenômeno do sofrimento humano, mental ou te, a heterogeneidade dos grupos deverá objeti-
não, expressas na chance de vida de determi- var a aglutinação pela tarefa, e será quem trará
nados grupos sociais, no resultado da relação a inscrição da identidade grupal.
46 A diferença enquanto desigualdade, expressa - é necessário organizar a sociedade de modo
no quadro nosológico e na ação descontextuali- a integrar as “anormalidades” criando obstá-
zada e medicalizante, marca da discriminação e culos à tendência a defini-las sempre como do-
dos resquícios da cultura eugenista, que pressu- enças, com as consequentes discriminações e
põe segregação e extermínio através fundamen- prejuízos, como aconteceu com frequência com
talmente da realização de experiências humanas as internações nos hospícios.
nos porões institucionais, não deverá banisar a A tendência à integração é tanto mais praticá-
formação de grupos o que destinaria a uma iden- vel quanto menos a sociedade é competitiva.
tidade estigmatizante e reprodutora de modelos Quando se tornar norma de vida a concorrên-
disciplinadores de repressão e segregação. cia desumana por qualquer meio, e tendência
A tarefa por sua vez também inovará com a será inevitavelmente aceitar no trabalho, na
consignia da produção conjunta, da capacidade escola, na coletividade somente os indivíduos
criativa, do prazer e da ousadia em fazer o novo, dotados de qualidades particulares chegar-se-
em arriscar contratos de barganha afetiva, inicial- -á a alargar o circulo das pessoas considera-
mente, entre os indivíduos e suas histórias muito das deslocadas ou anormais, e a encaminhá-
diferentes, para barganhas sociais mais amplas, -las, porém ao beco sem saída da internação
sob a escuta e a colaboração da pontuação técnica, forçada e do abandono(....)
visando à costura necessária para o outro lançar-se, (...) é valido considerar as doenças como di-
dando substrato a uma ação verdadeiramente tera- ferenças, não como desvios. Já que nem todas
pêutica e não aventureira. Onde o setting e contrato as anormalidades são doenças, seria errôneo
também se conjuguem diferenciados no processo. afirmar o contrário: que doenças sejam des-
A linguagem, enquanto facilitadora de expres- providas de objetividade e de substrato bioló-
são artística, musical, teatral, gestual, esportiva, gico ou psíquico. Por outro lado, é necessário
literária, artesanal, corporal... deverá proporcio- reconhecer as variações do equilíbrio que po-
nar um recriar de conceitos estéticos, e terapeuti- dem tornar-se nocivos, utilizando e somando
camente concorrer com uma visão diferenciada de os conhecimentos científicos, e reduzir para-
si e do outro, de perspectivas e potencialidades, lelamente, que sejam as causas de tais anor-
de visão de mundo e projetos de vida. Propondo malidades, quer seja a amplitude do conceito
uma relação também modificada com a “doença” de desvio quando a medida cultural e social se
num reintroduzir na sociedade de seus excluídos. sobrepõe à clinica.”
Possibilitando emergir o conceito vivo do Giovanni Berlinger
“diferente” ao desviante e ao anormal, reinscre-
vendo a “subjetividade da ressingularização” e Nos lancemos, portanto, a um entendimen-
o conceito de “limitação” em suas exigências de to de Linguagem enquanto “falas inteligentes”
diferenciação, em nome de uma sobrevivência da de outras tantas formas de “falas expressivas”,
humanidade, repudiando a morte lenta do “estig- mesmo que estas expressões se assemelhe aos
ma profetizante”: desigualdade-tutelada. Caos, ao destoante da norma vigente de beleza,
Assim todos (noção de heterogeneidade) po- de adequação, de verdade, de produtividade...
derão se consorciar em atividades expressivas
destas (re)inscrições, o “a priori” na maior parte Caos “esse lugar metafórico que organiza a de-
das vezes deverá ser “o desejo” individual e/ou sorganização”.
coletivo associado a ousadia em manifestá-lo. Blanchot

“Eu viúva, dona de casa, velha, nervosa e enfer- “Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de
rujada! Olhava para aquela oficina de teatro no si, para poder dar à luz uma estrela dançante”
Centro de Convivência, uma mistura, uma con-
fusão” (...) até que arrisquei e me descobri nova, Nietzsche
louca, solta, até entrevista pra jornal eu dei, re-
presentei em praça pública e de forma inesque- Linguagens se fazendo ouvir em oficinas de
cível dançamos no palco do Teatro Municipal... artes ou outra consígnia qualquer que oriente a
(....) minha idade hoje?? - Eu Alice! Do Movimento” construção de uma dada “obra” sem pré-requisi-
tos técnicos ou balizadores estéticos, mas antes
Fragmentos e Interpretação do tutelados pelo desejo de cada um e de um dado
discurso de uma usuária de Cecco. coletivo. A partir de um estimulo-tarefa com o
objetivo de aproximação do outro e gradativa tanto artísticas, cotidianas, místicas como pro- 47
convivência e aceitação do estranho/diferente, ir priamente pensantes. em que uma certa turbu-
construindo mais do que um novo conceito ético- lência é expressão de um tipo de relação com

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-estético, provavelmente um novo patamar de o Fora ou a Desrazão. São duas formas de se
trocas originais e de questionamentos acerca da relacionar com o Fora(...), enquanto à Loucu-
ordem estabelecida. ra transforma o Fora em-Dentro numa adesão
surda, o pensamento do Fora é capaz sie esta-
“Como diz Maurice Blanchot , a loucura tem belecer com ele um jogo e uma troca”.
a mesma função que a obra, pois permite à
sociedade, como a obra permite a literatura Peter Pál Pelbart, Da Clausura do Fora
manter – inofensiva, inocente, indiferente- a ao Fora da Clausura, 1989
ausência de obra entre os firmes limites de
um espaço fechado”. A ausência de obra fe- Será a própria experiência destes novos códi-
chada no asilo, esta emparedada também gos de convivência, onde cada dificuldade, cada

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na obra. E tal como a desrazão usa a loucura limitação possa ser compreendida num universo
para expressar-se, a ausência de obra usa a mais complexo do que a “culpa” individual ou a
obra, até às vezes a sua possibilidade extrema predestinação ao fracasso, ao sofrimento e a não
(isto é, arruinando-a), para manifestar-se(...) autonomia. A compreensão de que a “solidarie-
É o fora que, confinado à obra, a utiliza para dade consorciada”, ou seja, a complementarie-
vir “a luz”, e ao faze-lo a arruína, sem nunca dade das potencialidades e vocações de uns,
conseguir destruí-la. É assim que a obra exis- associadas as de outros formam cadeias, corren-
te como um movimento que de algum modo a tes, com elos fortes que patrocinam transforma-
anula sempre, levando-a de volta à ausência ções na concepção de homem, de mundo e de
de obra, mas nunca definitivamente(....) se estar no mundo, no olhar de cada indivíduo.
Códigos de convivência onde se exercita
Refletindo Postulados de Foucault, o autor um poder de barganha afetiva, e sendo o afe-
sugere: to não catalogado cientificamente como louco,
deficiente, marginal ou são; logo este código
“Desrazão e ausência de obra só podem ex- contribuirá na construção de um outro poder:
pressar-se na forma que os aprisiona: como de barganha contratual. Onde se exercita a as-
obra louca. Os poetas loucos não realizam a sociação indiscriminada anti-guetos, que busca
síntese entre um gênero literário e outro psi- desenvolver a façanha da “louca criação margi-
quiátrico, mas expressam a desrazão com as nal” reinventando o belo, a obra individual ou
máscaras que esse século e outros talvez lhes coletiva tendo a cidadania como tutora.
reservam: a arte e a loucura (...) A desrazão Inevitavelmente este exercício nos levará a
confinada na loucura ou na obra exigiria, quem outros campos e cenários mais áridos e impul-
sabe não psiquiatras, nem críticos de arte, mas sionará a realizações e inserções em outras es-
(...) pensadores do Fora. O pensamento do feras do mundo humano, para além dá esfera
Fora pode ocupar-se do Fora embutido na lou- da convivência, da solta associação dos afetos.
cura e na arte, na filosofia ou na política. Pou- A esfera do mundo do trabalho, onde residem
co importam, aqui, os territórios. O essencial é as balanças de precisão que equacionam virili-
que se trate de um pensamento que pratique, dade, produtividade e felicidade, maquiando a
como diz Blanchot em outro contexto, o aléa exploração do homem, de sua força de trabalho,
entre raison et déraison. Talvez o pensamento impedindo sua criatividade e crítica, alienando
do Fora permita um contato com a desrazão vocações, ... a experiência de convivência certa-
que não desemboque na loucura (...) mente questionará.
O trabalho enquanto espaço de produção de
(...) Ao longo de uma história da loucura sem- riqueza e de “loucura-sofrimento” precisa ser res-
pre estarão em questão as diferentes modali- gatado em sua essência oposta, ou seja, nas chan-
dades de relação com o Fora (confinamento, ces de se produzir e de se agrupar indivíduos dife-
exposição, a troca) segundo diagramas de rentes em suas potencialidades e habilidades, sob
poder, os estratos de saber e os modos de sub- um contrato de investimento e disponibilidade
jetivação sucessivos. Loucura e Pensamento cooperativa e não competitiva, segundo as possi-
do fora entendidos enquanto “experiências” bilidades máximas de cada um, e portanto, pres-
48 supondo uma divisão igualitária do ganho-lucro” (...) O deficiente é considerado um indivíduo
para produtos-produções finais diferentes, frutos que não pode trabalhar ou que pelo menos em
de processos acordados sobre bases iguais. uma capacidade de trabalho inferior à nor-
Assim a cooperação enquanto característica mal. Isso é absolutamente errado, porque na
dos núcleos de trabalho a se desenvolverem nos maior parte dos casos se aquele que tem al-
Cecco’s poderão propiciar (re)significado a seg- guma desvantagem é colocado numa função
mentos marginalizados que empunharão a pró- adequada pode produzir como todos. Admita-
pria defesa da liberdade e da dignidade de suas mos que um indivíduo seja completamente pa-
vidas, (re)conquistando uma senha, de singular ralítico dos membros inferiores, enquanto que
importância no nosso meio, nestes tempos: a de para o resto seja completamente normal, e
Ser sujeito de produção (produtivo) e portanto que a ele seja reconhecido um grau de 80% de
com efetivo poder contratual. diminuição da capacidade de trabalho. Veja-
Entretanto, a curto e médio prazo, serão ou- mos onde está o absurdo de que falei: este in-
tros os eixos sustentadores de tal empreitada tra- divíduo colocado para fazer um trabalho que
balhista: o incentivo a formação de grupos con- requer o uso quase perfeito das pernas, ou que
sorciados a se desenvolverem fora do Cecco mas também requeira esforço físico, será naquele
com a colaboração e assessoria facultativa deste: posto uma redução da capacidade de traba-
lho de 100%, se, ao invés disso, for colocado
• Estímulo ao desenvolvimento de economia para fazer um trabalho que requeira o uso das
popular autônoma, gerida pelo próprio grupo; mãos, ou da mente, ou da voz, o mesmo indiví-
• A discussão permanente do significado do duo produzirá no seu grau máximo (...)
trabalho, do lucro, da mais valia, da alie-
nação, do risco, da relação determinística (...) as tribos Kubu, da Ilha de Sumatra, das
das más condições de trabalho e sofrimen- quais fala Sigerist1, aceitam e integram no seu
to mental, etc.; grupo, normalmente, os casos de doenças (pe-
• A valorização de iniciativas espontâneas e a quenas doenças, feridas ligeiras) que não atra-
disponibilidade de profissionais em colabo- palham a vida comunitária. Por outro lado,
rar no sucesso das tentativas. quando a doença impede o indivíduo de fazer
parte da vida coletiva, eles rejeitam, com meios
“As doenças e as deficiências existem, seja no bastante enérgicos, aqueles que são afetados,
campo físico, seja no campo mental. Mas é ar- os afastam e os condenam a um fim prematuro.
riscado catalogar a saúde como ideal e o pato- Sigerist escreve que o “doente está morto so-
lógico como desvio, porque os dois fenômenos cialmente, muito antes que esteja morto fi-
são parte de um processo único; e porque a sicamente”. É necessário reconhecer que hoje,
doença, que se constitui sobre bases biológi- na sociedade industrial altamente competitiva
cas ou psíquicas, é revestida de um juízo social e desumana, ocorre algo de semelhante quan-
pelas consequências que provoca na vida co- do não intervém a assistência pública ou a soli-
tidiana. Daí derivam os comportamentos que dariedade das pessoas. Isto é, ocorre um retor-
podem agravar ao invés de atenuar os fenô- no às leis tribais, com o agravante de que estas
menos patológicos em ação. Entre-as Persona- talvez fossem necessárias para a sobrevivência
gens de Luigi Pirandello (1867-1936) existem, da tribo. Hoje não!’”
p.e., muitíssimas extravagantes e numerosas
loucas. Mas Pirandello nunca as coloca no Giovanni Berlinguer
manicômio. Num de seus romances, Um, Ne-
nhum, Cem Mil, mostra que, ao contrário, em “Seja na vida individual ou na vida coletiva, o
certas condições, pode acontecer a qualquer impacto de uma ecologia mental não pressu-
um de ser “considerado louco”. Temos cons- põe uma importação de conceitos e de práticas
tantemente diante de nós situações alienan- a partir de um domínio “psi” especializado.
tes, trabalhos incompatíveis com a vida muito Fazer face à lógica da ambivalência desejan-
mais que vidas incompatíveis com o trabalho, te, onde quer que ela se perfile - na cultura, na
sociedade para ser transformada muito mais vida cotidiana, no trabalho, no esporte, etc. -,
do que homens a serem rejeitados (...) reapreciara a finalidade do trabalho e das ati-
1 http://hist.library.paho.org/Spanish/EMS/
10435.pdf
vidades humanas em função de critérios dife- Entretanto, o trabalho também pode significar 49
rentes daqueles do rendimento e do lucro: tais escravidão, exploração, sofrimento, doença e
imperativos da ecologia mental convocam uma morte. A escravidão, oficialmente abolida na

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mobilização apropriada do conjunto dos indi- maioria dos países do mundo atual, deixava
víduos e dos segmentos sociais!! bem clara a delimitação entre os homens que
eram donos do poder e dos meios de produ-
Félix Guatarri ção e aqueles outros homens, utilizados como
ferramentas vivas na produção e no servir. O
“Mesmo que a realidade tratada nas descom- corpo e a mente do escravo eram propriedade
pensações psicóticas e neuróticas não tenha do senhor, existiam para obedecer e para pro-
nenhum poder patogênico, a não ser pelo con- duzir. A obediência e a ausência de liberdade
teúdo que veicula, admitamos que a realidade, do escravo constituíam, justamente, a garantia
mesmo sem nenhuma ocorrência específica, da realização do máximo de trabalho possível
pode favorecer o surgimento de uma descom- por cada escravo. Foucault mostra como este

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pensação. Deve-se levar em consideração três princípio da garantia da obediência, ainda em
componentes da relação homem-organização nossos dias, continua sendo mantido, através
do trabalho: a fadiga, que faz com que o apa- de sistemas de controle bem mais sofisticados
relho mental perca sua versatilidade; o sis- do que a escravidão.
tema frustração-agressividade reativa, que Assim, nas sociedades modernas, ditas evolu-
deixa sem saída uma pane importante da ídas e humanistas, foi criada toda uma estru-
energia pulsional; a organização do trabalho, tura que, explicitada como sendo de serviços
como correia de transmissão de uma vontade destinados a proteger os direitos e a saúde dos
externa, que se opõe aos investimentos das trabalhadores, surge em verdade também para
pulsões e às sublimações. O defeito crônico ocultar o processo de extração das energias
de uma vida mental sem saída mantido pela humanas e seus efeitos, podendo, é verdade,
organização do trabalho, tem provavelmente até suavizar este processo, contanto que a pro-
um efeito que favorece as descompensações dutividade não seja atingida.”
psicossomáticas (...)
Edith Seligmann Silva e outros,
(...) a organização do trabalho e, em parti- Cidadania e Loucura – Políticas
cular, sua caricatura no sistema taylorista e de Saúde Mental no Brasil – 1987
na produção de peças é capaz de neutralizar
completamente a vida mental durante o tra- Aos profissionais, fruto de uma dada concep-
balho (“Fantasmas” no sentido psicanalítico). ção de saúde - doença, construída sob o prima
Nesse sentido, o trabalhador encontra-se: de da história natural da doença, sob a proteção
certo modo, lesado em suas potencialidades do modelo médico, cabe um repensar de con-
neuróticas e obrigado a funcionar como uma ceito ético, particularmente, patrocinado pelo
estrutura caracterial ou comportamental. enfoque processual do fenômeno saúde-doença
Efetiva-se assim, artificialmente, pelo choque questionador de parâmetros rígidos que insis-
com a organização do trabalho, o primeiro tem em desconsiderar os nexos causais asso-
passo para uma desorganização psicossomá- ciados a determinação social deste sofrimento
tica experimental. (...) humano e negam uma compreensão dinâmica
de proposições como: adoecimento, cura, reso-
(...) Deste modo, a livre organização do traba- lutividade, eficácia, eficiência, modelo, ciência,
lho torna-se uma peça essencial do equilíbrio vínculo, sigilo, poder, responsabilidade, partici-
psicossomático e da satisfação.” pação, subjetividade, multidisciplinariedade,...

Christophe Dejours, Felix Guatari reflete:


A Loucura do Trabalho, 1987
“A condição prévia a todo novo impulso da
“O trabalho é essa atividade tão específica do análise (...) consiste em admitir que, em geral.
homem que funciona como fonte de constru- e por pouco que nos apliquemos a trabalha-
ção, realização, satisfação, riqueza, bens ma- -los. Os Agenciamentos subjetivos individuais
teriais e serviços úteis à sociedade humana. e coletivos são potencialmente capazes de se
50 desenvolver e proliferar longe de seus equilí- cia. A colcha de retalhos que costurou para si
brios ordinários. Suas cartografias analíticas não foi capaz de ocultar a violência pedagógi-
transbordam, pois, por essência, os territórios ca e moralizaste que constituía sua natureza
existenciais aos quais são ligadas. Com tais mais íntima. Quanto ao resultado de seu esfor-
cartografias, deveria suceder como na pintura ço cientificizante, só pode ser visto como uma
ou na literatura, domínios no seio dos quais estridente ironia do destino. Ao tentar dar um
cada desempenho concreto tem a vocação de substrato anatômico à categoria recém-criada
evoluir, inaugurar aberturas prospectivas, sem de doença mental, aspirando ao reconheci-
que seus autores possam se fazer valer de fun- mento da comunidade médica e científica, tudo
damentos teóricos assegurados pela autorida- o que a psiquiatria conseguiu, em suas circun-
de de um grupo, de uma escola, de um conser- voluções edificantes, foi mostrar, ao contrário,
vatório ou de uma academia... que o patológico é fruto da civilização.
Fim dos catecismos psicanalíticos; comporta- Ao buscar um corpo para a loucura, encon-
mentalistas ou sistemistas. O povo “psi”, para trou a história (...)”
convergir nessa perspectiva com o mundo da
arte, se vê intimado a se desfazer de seus aven- Contribuir para o reconhecimento de novas
tais brancos, a começar por aqueles invisíveis concepções acerca do papel Terapêutico-Educa-
que carrega na cabeça, em sua linguagem e em tivo- Facilitador de Transformações dos profis-
suas maneiras de ser (um pintor não tem por sionais dos Cecco’s, aliado a efetiva participa-
ideal repetir indefinidamente a mesma obra...). ção popular, enquanto planejadora, avaliadora,
Da mesma maneira, cada instituição de aten- termômetro da ação dos serviços na compreen-
dimento médico, de assistência, de educação, são da produção social do sofrimento psíquico,
cada tratamento individual deveria ter como do processo saúde-doença, da dimensão da cul-
preocupação permanente fazer evoluir sua tura manicomial e da atenção em saúde mental
prática tanto quanto suas bases teóricas”. contrahegemônica, consolidará de forma estrei-
ta uma também nova e necessária concepção
Para Giovanni Berlinguer: de “Qualidade de Vida”, em que a expressão da
subjetividade e o exercício de cidadania sejam
“Além da pressão das indústrias e dos espe- singulares e imprescindíveis.
cialistas para o uso de instrumentos e de fár-
macos em excesso em relação às exigências Reflexões de Gigliola Lo Cascio:
do tratamento, além do abuso de internações
hospitalares, existe também a necessidade “(...) Do momento em que as causas do mal
de ser superada pela população a ideia de não são mais procuradas nos deuses, mas nos
que sejam preferíveis os tratamentos que pa- homens, inicia-se a caça aos “corpos de deli-
recem levar consigo uma expiação de culpa; to”: bruxas, bruxos, marginais e minorias são
dessa forma, os medicamentos amargos são perseguidos porque são considerados respon-
mais eficazes, as injeções são melhores que sáveis pelas causas do mal. Nasce além disso
as pílulas, a confissão dos pecados é necessá- a nova concepção da morte, não mais como
ria para a cura. Por outro lado, foi observado passagem para o além, mas como ameaça à
pelo estudioso francês Michel Foucault, que destruição da ordem social: e do momento em
a medicina moderna, prescrevendo ao doen- que não se consegue dar-lhe uma explicação
te de modo rigoroso e autoritário o que ele aceitável, a única reação possível é a de afas-
deve fazer para curar-se, rompe a sua rela- tá-la. aprisioná-la, separá-la. Os hospitais fun-
ção com o mal. Isto é. obriga-o a romper com cionam, assim, de um lado como antecâmara
uma parte de si, que ele, ao contrário, deve da morte, onde são recolhidos os doentes para
fazer emergir do inconsciente para decidir-se liberar a sociedade das doenças e dos contá-
voluntariamente a combater” gios. do outro lado, como prisão para os agi-
tadores da ordem civil, para os vagabundos,
Peter Pál Pelbart nos coloca: para os mendigos, para aqueles para os quais
as medidas de repressão são necessárias”.
“Em dado período da história da psiquiatria
vimos que o alienismo teve que vestir a roupa-
gem médica para legitimar-se enquanto ciên-
Reflexões de Peter Pál Pelbart: 51
A experiência Intersecretarial no Grupo de
(...)loucos são internados juntamente com os Trabalho “Cultura, Cidadania e Saúde Men-

Centros de Convivência e Cooperativa


doentes venéreos, os devassos, os libertinas, os tal” demonstrou ser possível praticar política
sodomitas e os alquimistas - todos transgres- pública social de forma integrada avançada
sores da nova ética do trabalho, nem propria- e criativa, desde que seus agentes institu-
mente miseráveis, nem doentes. “O que outrora cionais assumam a postura de colaboração
constituía um inevitável perigo das coisas e da fraterna acima dos interesses corporativos
linguagem do homem, de sua razão e de sua (...). A cultura de ações setoriais fragmenta-
terra, assume agora a figura de personagem”, das, com sobreposição de objetivos e dispo-
explica Foucault. sitivos dificultadores da ação Intersecretarial
A desrazão, antes inumana e onipresente, ago- que ainda impera no setor público municipal
ra não passa de uma galeria de tipos desvian- clama pela necessidade urgente da Reforma
tes, identificáveis e condenados. (...) Administrativa elaborada pela PMSP, “que-

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A desrazão era afetiva, imaginária e atemporal, sito” indispensável para um desempenho ad-
a loucura será temporal, histórica e social. É as- ministrativo menos burocrático e mais eficaz
sim que no próprio momento em que a desrazão na resposta às necessidades de humanização
é silenciada, a loucura é exibida de forma organi- das relações sociais em nossa cidade”.
zada e explícita, no escândalo de suas formas e,
por trás das grades, numa distância protegida”. Relatório do G.T.I. Cultura,
Cidadania e Saúde Mental, 1992
Um exercitar diário - cotidiano de inúmeros
resultados favoráveis vem fundamentar o inves- “Qualquer que seja o momento histórico em
timento articulado de vários setores de políticas que esteja a sociedade, seja a do viável ou do
públicas municipais - o Intersecretarial - nos Cen- inviável histórico, o papel do trabalhador so-
tros de Convivência e Cooperativa, buscando en- cial que optou pela mudança não pode ser ou-
tendimento comum na linha da complementarie- tro senão atuar e refletir com os indivíduos com
dade dinâmica e não da sobreposição setorizada, que trabalha para conscientizar-se junto com
apostando numa parceria de cunho não institu- eles das reais dificuldades de sua sociedade”.
cionalizador neste “fazer saúde” afim de tecermos
cuidadosamente uma “teia ecológica da subjetivi- Paulo Freire, 1982
dade” em defesa de uma vida com qualidade.
Será necessário um esforço conjunto, co-ge-
“A prática vivenciada em uma gestão demo- renciado paritariamente, com a participação da
crática e popular como a em curso no Muni- população, no cotidiano dos Cecco’s, na perspec-
cípio de São Paulo desde 1989, aponta para tiva da reorientação e reformulação de valores
o reconhecimento de que a determinação do onde o repertório de cada indivíduo se potencia-
que venha a ser Qualidade de Vida, deva ser lize e a abordagem de vários setores sociais sobre
definida através do postulado de participação estes indivíduos se dê holisticamente.
efetiva dos trabalhadores, mulheres, negros, Portanto a relativização de um dado saber e
homossexuais, jovens, idosos, portadores de um dado poder, o reconhecimento do território,
necessidades especiais... e todos os grupos que a relevância das condições de vida e da história
lidam por sua emancipação, na definição con- coletiva e individual determinando a forma de
junta de metas e prioridades, traduzindo estes ser e de adoecer das pessoas no mundo, aliados
interesses nas políticas públicas visando: a escuta sensível à ressingularidades; concorre-
rão para inaugurarmos um novo processo onde
• Ampliar e melhorar a qualidade dos servi- testemunharemos o desejo, a solidariedade, a
ços sociais, mas principalmente, crítica, a liberdade, a organização coletiva, o
• Incentivar, no interior da sociedade, a afeto, a cidadania... protagonizando o seu pró-
difusão de relações sociais alternativas, prio “script”.
objetivando a formação de pessoas ca-
pazes de decidirem, intervirem e se soli-
darizarem consigo mesmas e com os des-
tinos da cidade.
52 CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS E INDICAÇÕES NORMATIVAS:
RECEPÇÃO – ACOLHIDA

A recepção - acolhida não significa “receber pes- dades que possam promover uma aproximação de
soas encaminhadas”, mas fundamentalmente vida, não burocrática, com quem procura.
um momento de “acolhimento” (amparo e hos- Toda recepção - acolhida deverá possibilitar
pitalidade) às pessoas que chegam para conhe- um conhecimento do local (caminhada, visi-
cer mais um serviço, muitas vezes após inúme- ta monitorada), e da proposta, para tanto todo
ros encaminhamentos anteriores marcados pela Cecco deverá possuir como material subsídio a
burocracia e a não-escuta, desprovidos portan- esta primeira e importante atividade de acolher
to, de afeto, de empatia, de possibilidade, con- o “novo” que chega, cartilhas, gibis e/ou bole-
sequentemente, do estabelecimento de vínculo. tins que esclareçam de forma simples e lúdica
No Cecco enquanto espaço aberto à escuta, o que é o serviço dos Cecco’s em geral, e o seu
ao olhar, a inserção imediata deverá ser facilita- papel no modelo de atenção à saúde como um
da sem “a priori”: de ficha de registro, entrevista, todo além do cronograma de atividades daquele
encaminhamento, papéis..., signos instituciona- Cecco especificamente. Também deverá ser esti-
lizadores típicos dos serviços públicos de saúde mulada a apresentação de filmes-vídeos, de cur-
que intermediam a escuta, o olhar, o “vinculo” e ta duração, que abordem a dimensão mais glo-
anteparam a responsabilidade na não absorção de bal da questão manicomial e os vários serviços
demanda - desejo - necessidade do outro. substitutivos às instituições totais manicomiais
Estando o Cecco estruturado fundamental- (Hospitais Psiquiátricos, Asilos,...) destacando
mente em ações abertas, poderá receber a quem exemplos de funcionamento e depoimentos de
chega de forma diferenciada, já proporcionando o alguns Cecco’s e em particular daquele em que
mínimo de contato interpessoal e oferta de ativi- se encontra o usuário.

FUNCIONAMENTO RECEPÇÃO - ACOLHIDA

Deverá se dar todos os dias úteis, em qualquer ho- Todo Cecco deverá ter exemplares de guias de
rário no período de 8:00 às 17:00 (média do ho- serviços de saúde mental da cidade, gibis sobre
rário de funcionamento da maioria dos Cecco’s). Cecco’s e outros materiais gerais informativos (saú-
• Plantão de um técnico da equipe para a ação de. educação, cultura,...) que deverão estar à dispo-
de recepção - acolhida diária sição da população para consulta e/ou distribuição.
• Utilização de um bloco de registro que conste O contato com este material deverá ser moni-
nome, endereço, idade, ocupação, procedên- torado pelo profissional da recepção - acolhida
cia, motivo, de todos que procurarem o Cecco como atividade oferecida ao usuário ou peque-
e a conduta do profissional. nos grupos de usuários que chegam (poderá se
• Realização de entrevista pormenorizada po- fixar rotineiramente alguns horários aglutina-
derá se dar no mesmo dia da acolhida ou ser dores para esta exposição).
agendada para outro dia, dependendo da si- O compromisso essencial deste serviço deverá
tuação (no mapa de atendimento individual ser com a não institucionalização dos indivíduos,
ou grupal). das diferenças, dos desejos, etc., não significando,
• Em caso de usuário em crise, na acolhida, de- entretanto ações desprovidas de planejamento,
ve-se intervir imediatamente com abordagem organização e limites (na ocupação de espaços/no
técnica seguida de encaminhamento, com cumprimento de contratos), mas que suponham
acompanhamento de um técnico se necessário. uma relação entre seres vivos com direitos e deve-
Para tanto pressupõe sensibilização e prepa- res sob o princípio da responsabilidade e da soli-
ração cuidadosa de todos profissionais do Cecco dariedade, portanto sob o princípio de uma nova
para a tarefa de recepção - acolhida (através de ética, que deverá estar marcado explicitamente
discussões, leituras e jogos). desde a chegada do usuário ao serviço.
ENTREVISTA INICIAL 53

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Deverá possibilitar identificação de todo usuário A indicação é que esta primeira entrevista
e sua referência, quando houver, de acompanha- seja individual ou em grupo familiar realizada
mento de saúde em unidade especializada ou por profissional técnico, podendo ser agendada
não, dado fundamental para a população alvo. ou ocorrer no dia da chegada do usuário ao ser-
Deverá conter histórico de vida desde com- viço, entretanto sempre após a acolhida.
posição familiar, história ocupacional e de saú- A equipe técnica do Cecco deverá estar atenta,
de, habilidades específicas, projetos de vida, a partir da entrevista inicial, a inserção da popula-
interesses e expectativas. ção alvo em atividades/oficinas, devendo orientar a
Deverá identificar quanto ao Cecco como esta demanda, a partir de conhecimento de seu his-
soube e porque procurou. tórico de vida, quais atividades mais propícias e as

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Em se tratando de população alvo estes da- menos indicadas para um primeiro momento. Isto
dos serão imprescindíveis para um contato com significa que a equipe deverá ser vigilante quanto à
os serviços, principalmente de saúde, a fim de se escolha do usuário que não será de toda arbitrária,
efetivar a referência e contra referência. Deven- devendo ser monitorada e esclarecida quanto a pos-
do ser uma prática dos profissionais dos centros síveis cuidados ou riscos (Exemplo: usuário que faz
de convivência e cooperativas o contato pessoal uso de determinado medicamento que compromete
com os profissionais na unidade de saúde onde respiração ou excita o organismo quando de supe-
o usuário (pop. alvo) é acompanhado, possibili- restimulação por movimentos, neste caso ativida-
tando assim a integração necessária para uma des que exijam grande desempenho motor como
ação mais globalizante junto ao usuário e garan- dança, corrida, aeróbica... deverão ser evitadas ou
tia de retaguarda mútua. moderadas enquanto persistir a medicação).

ENTREVISTA DE ACOMPANHAMENTO

Deverá ser garantida a população alvo, uma (população alvo), a fim de possibilitar a vincu-
vez ao mês, entrevista de acompanhamento, lação e um melhor reconhecimento de participa-
ou seja, troca de impressões e informações do ção e evolução destes.
profissional do Cecco com usuário e familiares A equipe deve se organizar e se predispor
sobre a qualidade da participação, da oferta de para esta tarefa de “adoção qualificada”, onde a
serviços e o significado terapêutico na vida des- empatia recíproca deve ser considerada na efe-
tes. Esta entrevista poderá se dar individual ou tivação da tarefa, assim alguns técnicos serão a
coletivamente. referência para alguns usuários, não exclusivos
A indicação é que cada profissional da equi- responsáveis, mas antes referência para a própria
pe técnica tenha a responsabilidade de acompa- garantia de suporte e definição de atribuições na
nhar um determinado “montante” de usuários equipe, recriando códigos de vinculação.
54 REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
(Equipamentos de Saúde)

O centro de convivência e cooperativa poderá re- dependendo do quadro, no próprio hospital geral.
ceber encaminhamento de todos os equipamen- Necessária se faz a garantia a nível distrital e
tos de saúde, devendo em caso de população alvo regional de uma sistematização de remoção de
receber anexado um relatório, de histórico e tra- usuários do Cecco ao P.S., quando acionados pela
tamento de saúde, pelo profissional responsável equipe técnica, constituindo-se em prioridade.
pelo usuário encaminhado. Não obstante deverá se constituir em norma
A UBS (Unidade Básica de Saúde) é a porta de de conduta o acompanhamento, por no mínimo
entrada do sistema e, portanto deverá priorizar 1 (um) técnico do Cecco, aos usuários, população
a absorção da população alvo do Cecco, princi- alvo, encaminhados a qualquer outra unidade de
palmente em se tratando de grupos com menores saúde (UBS, P.S. Hospital-Dia...), na qualidade
“chances de vida psíquica” (alcoolistas, drogadi- de “acompanhamento terapêutico” que venha a
tos, psicóticos, suicidas). facilitar a inserção e a preservar o valor terapêu-
Constituirá pré-condição à participação no tico do vínculo, que gradativamente promova a
Cecco o acompanhamento em UBS dos P.T.M. ligação com um novo serviço (um novo espaço de
(portadores de transtorno mental) que careçam contrato) e também de forma gradativa se afaste
de atendimento ambulatorial em saúde mental. apostando no exercício de autonomia do usuário,
A fim de sensibilizar e desmistificar as ações de e na capacidade de acolhida terapêutica destes
saúde desenvolvidas pelo Cecco, através de novas outros equipamentos.
consígnias terapêuticas é indicado que o Cecco A avaliação para internação em enfermaria de
de forma sistematizada desenvolva junto às UBS saúde mental ou mesmo para tratamento inten-
oficinas livres (expressão corporal, confecção de sivo em regime de hospital-dia pressupõe uma
máscaras, vídeo, mímica, massagem, exploração avaliação técnica mais minuciosa e especializada
de cores através de papel e plantas, etc...) princi- em equipe multiprofissional, devendo, portanto
palmente junto às filas de espera de corredor, gru- não recair tal atribuição somente à equipe técni-
pos de 3ª idade, ... funcionários e técnicos, como ca do Cecco. Entretanto a equipe do Cecco deverá
possibilidade de ampliar horizontes de aproxima- apontar sempre que avaliar necessário tal condu-
ção e atração de usuários ao Cecco. ta em relatório e/ou discussão do caso ao P.S. em
Em casos de surtos, crises de pessoas acome- caso de indicação de internação em enfermaria
tidas de transtorno mental, frequentadores do de saúde mental, e ao hospital-dia em caso de in-
Cecco, caberá a equipe técnica sempre que avaliar dicação de atendimento intensivo.
necessár io somente após tentativas de resposta O Cecco deverá efetuar visita agendada a cada
no equipamento, encaminhar ao serviço de emer- equipamento de saúde, a fim de conhecer o ser-
gência psiquiátrica do P.S. do Hospital Geral de viço, os profissionais, o conselho gestor, a carac-
referência, o qual por sua vez deverá impedir o terística da demanda, ... e de discutir e esclarecer
encaminhamento para internação em hospital psi- sua normatização, objetivos, característica e ofer-
quiátrico, se a internação for indicada esta deverá ta, devendo fornecer material de esclarecimento e
se dar em leitos psiquiátricos ou de clínica médica, divulgação do trabalho a todos os equipamentos.

REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
(Outros Recursos Sociais)

O Cecco deverá manter contato estreito com os • Escolas


recursos sociais pertencentes ao seu território • Creches
de abrangência, e contatos gerais-pontuais com • Associações (de usuários, de bairro...).
instituições ou recursos da cidade como um todo; • Centros de Juventude
• Bibliotecas local com material de esclarecimento de pro- 55
• Centros Esportivos e Desportivos posta e de divulgação.
• Casas de Cultura Em se tratando de Escolas e Creches caberá a

Centros de Convivência e Cooperativa


• Teatros equipe dos Cecco’s visitas mais organizadas e sis-
• Cinemas e Cineclubes tematizadas que objetivem a sensibilização des-
• Rádios tes equipamentos, a fim de planejarem conjunta-
• Movimentos Populares mente a utilização do Cecco por esta população
• Sindicatos institucional e, em contrapartida, ações mais
• Centros Comunitários dirigidas de Educação Popular em Saúde Mental,
• Igrejas por parte dos Cecco’s, aos usuários e à estrutura
• Parques Municipais destas instituições educacionais.
• Fábricas Caberá ao Cecco à iniciativa de divulgação e
apoio, como também parceria privilegiada e in-
Objetivando tanto absorver demanda dos lo- condicional na viabilização do Projeto: Centro

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cais, conhecer a realidade destes e em alguns ca- de Apoio e Projetos que introduz nas Escolas e
sos, garantir a inserção de usuários dos Cecco’s Creches Municipais os considerados diferentes
nestes recursos; efetuar planejamento para ações (portadores de necessidades especiais em ge-
conjuntas e troca de subsídios. ral deficientes, doentes ...), em espaços comuns
(por exemplo) ser atividade curricular de de- (p.e.) em classes regulares, não especiais - sinal
terminada cadeira-escolar, a visita ao Cecco de nítido de segregação -, com a retaguarda de salas
classes de alunos para o desenvolvimento de de apoio com recursos materiais e humanos es-
determinada atividade dirigida pelo professor e pecializados para além do curso regular, aberta a
técnico do Cecco; empréstimo de livros pela bi- interessados em geral.
blioteca e desenvolvimento de oficinas de leitura) Todo Cecco deverá montar cadastro e arquivo
Ao Cecco cabe efetuar visitas aos recursos da de recursos da comunidade local e geral da cida-
região da qual é referência, a fim de conhecer de, constando identificação, endereço, objetivo,
o serviço prestado e se fazer conhecido em seu filosofia de trabalho, tipo de oferta, a quem se
objetivo de trabalho, para tanto subsidiando o destina, pessoa de contato-referência e telefone.

ATIVIDADES EXTERNAS COM MOVIMENTOS SOCIAIS,


INSTITUIÇÕES EM GERAL E UNIDADES DE SAÚDE

• Sendo o Cecco um espaço facilitador de ex- vida/de sonhos/de trabalho-vivo/de prazer-


pressão de heterogeneidades, de espelho da desalienação/de construção/de originalida-
sociedade manifesto na mistura dos inseri- de-criação...;
dos mais aceitos e menos aceitos; • Sendo o Cecco um espaço possibilitador de
• Sendo o Cecco um provocador de valores ao participação num mundo do trabalho a partir
arrogar para si a tarefa de colaborador na da equação:
reinserção social dos discriminados, explici-
tando na verdade uma concepção para além Convivência + Cooperação Poder
do jargão, força de expressão “reinserção so- Produção Singularizada Contratual
cial”, pois não há como reinserir o inserido,
antes e fundamentalmente procurará refletir • Sendo o Cecco um palco privilegiado como
e questionar o conceito de inserção e a qua- um “laboratório de vivências e modelos de
lidade desta, identificando o grau de perver- vinculação”, questionador de uma dada
sidade do lugar socialmente dedicado aos normalidade e de uma dada relação com a
“diferentes”; Natureza;
• Sendo o Cecco um defensor da qualidade • Sendo o Cecco um ousado instigador da atu-
de vida e não obstante entendendo o ser ação viva na vida, à mera contemplação da
humano enquanto um ser produtivo: de “natureza viva”;
56 • Propõe o constante agrupar e o consorciar Outro aspecto do trabalho externo será o ma-
de pessoas organizadamente, a fim de dis- peamento in loco das instituições em geral que
cutirem o mundo através dos óculos da arte existem na região (Biblioteca, Cinema, Teatro,
ou do estigma, mas sob a égide da convi- Escolas, Creches, Centros de Juventude, Fábri-
vência pacífica porém questionadora que a cas,...) a fim de:
frequência das trocas pode possibilitar.
• Como o mundo fora do Cecco também con- • Conhecer sua filosofia de funcionamento, ob-
vive, questiona e se organiza/desorganiza, é jetivos, história, população alvo ...;
de extrema importância aproximar e ampliar • Favorecer, quando interessar, o fluxo de refe-
horizontes dentro deste mundo comum. As- rência e contra-referência;
sim deverá constituir tarefa prioritária dos • Colaborar na descrição do perfil da região
profissionais do Cecco o contato para conhe- onde se inserem os usuários do Cecco;
cimento e troca com os Movimentos, Entida- • Possibilitar discussões sistemáticas do Senti-
des Sociais, outros da área a quem o Cecco do do Manicomial;
abrange e é referência como Movimentos de • Impressões gerais.
saúde, educação, mulheres, negros, índios, • A confecção de relatórios das visitas a estas
culturais, ambientalistas, Pastorais, Sindi- unidades/instituições deverão constituir ar-
catos, Sociedade amigos... Igrejas, Terreiros quivo valioso ao Cecco.
de Umbanda, Candomblé,..., a fim de dar
visibilidade a realidade local, promovendo Com relação às unidades públicas de saúde,
junto a estes segmentos discussões e refle- deverá caracterizar atividade inerente e condi-
xões sobre a cultura manicomial, ou seja, a cionadora ao bom funcionamento do Cecco, o
cultura da discriminação, da exclusão, da conhecimento das unidades de referência para a
marginalização, da segregação e extermí- população alvo, em particular para a população
nio do que incomoda, do que é diferente, do acometida de transtorno mental.
que não se enquadra nos padrões de norma- Para tanto a visitação destas unidades deverá se
lidade edisciplina. Como também detectar valer de ações organizadas e periódicas através de:
espaços e práticas de equilíbrio psicossocial
utilizados pela população. • Desenvolvimento de Seminários internos às
Unidades com discussão de casos exemplares;
Este processo de educação popular, onde se • Conhecimento e discussão das normatiza-
associa sofrimento mental e qualidade de vida ções de ambos os equipamentos; - Visitas
das pessoas, onde se associa manicômio com monitoradas ao cecco;
fábrica, escola, asilo, família..., onde se associa • Retorno sistematizado dos encaminhamen-
aculturamento e alienação, deverá ser protago- tos realizados de uma unidade à outra;
nizado pelos Cecco’s a fim de clarear cadeias • Planejamento e Organização conjunta de
explicativas e processuais de sofrimentos e mis- atividades comuns em qualquer uma das
tificações, e acima de tudo favorecer a inserção unidades (por exemplo: Gincanas de Arte
de outros indivíduos nos canais organizados de “Fazendo Arte”; Mostra Livre “O que se sabe
mobilização da sociedade, valorizando ações fazer”; Conversas dirigidas em filas de espera
que busquem preservar costumes, culturas, “Quem conta acrescenta uma ponta”; Almo-
crenças de populações migratórias, por exem- ço Comunitário; Roteiros para Educação Am-
plo, e, portanto diferenciadas. biental “Caminhada Ecológica”...)
Portanto deverão ser planejadas, organiza-
das e avaliadas ações que promovam o fluxo: Importante ressaltar a necessidade de proxi-
Cecco - Movimentos e Entidades Sociais - Cecco midade e troca entre os profissionais das várias
como atividade externa das mais fundamentais, unidades além de um conhecimento do local
que busquem resgatar as potencialidades e as (instalações e propostas) a fim de facilitar um
identidades abafadas nos cantos dos bairros, fluxo responsável e solidário, e não meramente
regiões, sinais de sanidade de um povo de seu burocrático.
nome e raiz, e a participação efetiva da comu- O vínculo deverá constituir algo não teórico,
nidade organizada na apropriação da coisa pú- portanto, quesito básico para o bom desenvol-
blica, principalmente do Cecco, via canais de vimento do trabalho articulado.
co-gerenciamento.
VISITAS E AÇÕES DOMICILIARES 57

Centros de Convivência e Cooperativa


As visitas e as ações domiciliares para o Cecco do do horário de trabalho dos “responsáveis”,
deverão ser uma prática pautada fundamental- afim de evitar o encaminhamento a instituições
mente na necessidade de garantir o acesso do totais: orfanatos, casas para deficientes, asilos,
usuário ao Cecco e de dar elementos para um hospícios, outros...).
melhor conhecimento das condições de vida de Sendo os indivíduos seres de múltiplas re-
uma determinada pessoa ou família, variável si- lações e inserções em variados contextos (fa-
nalizadora de recursos internos e externos dis- mília, trabalho, escola, comunidade...), o que
poníveis a facilitar ou não, o processo de con- refletimos acima se aplica enquanto princípio a
vivência, de cooperação e consequentemente de outros contextos mais fechados pela caracterís-
chances de vida de um indivíduo ou um coletivo tica institucional (por exemplo, fábricas), con-

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em que este se insere. siderando-se as devidas proporções e parcerias
Diferentemente da conhecida rotina da nesta ação (por exemplo, trabalho conjunto com
maioria das unidades de saúde, a visita e a ação Centros de Referência de Saúde do Trabalhador,
domiciliar para o Cecco deverá possibilitar in- Unidades Básicas de Saúde, Núcleo de Ação
tervenções diretas ou indiretas, sempre que ne- Educativa-NAE...).
cessárias, na dinâmica familiar diária e oferecer A visita ou a ação apesar de constituir uma
orientações, principalmente de cunho social rotina do Cecco, também poderá ser solicitada
de direitos a bens e serviços e propriamente o por usuários, familiares, movimentos popula-
exercício de cidadania (contribuição âncora do res, instituições para sensibilização e/ou até
serviço social articulado ao restante da equipe). avaliação de conduta.
A rotina do Cecco deverá estar marcada, de Poderá a visita caracterizar-se enquanto re-
forma sistemática e planejada, por esta ação curso importante na compreensão de afasta-
(visita e ação domiciliar), que carrega em sua mentos ou ausência de usuários da população
essência dois dispositivos imprescindíveis ao alvo ou não.
fenômeno Convivência - Cooperação, para além Portanto a visita e a ação domiciliar deverá
dos muros do Cecco: funcionar como elo mais direcionado e expres-
sivo de vinculação com indivíduos e contextos e
I. “Radar” identificador de situações gera- não com números, CIDs ou prontuários.
doras ou fatos explícitos de marginalização, O Cecco deverá se organizar para estar atento
maus tratos, segregação (por exemplo, “cár- e pronto a ir ao encontro de quem lhe pede aju-
cere privado”, abandono, violência, fome, da através de várias linguagens e formas, muitas
exploração de trabalho, classe especial em vezes através da própria ausência.
escola comum, ...);

II. “Modelo Estimulador” de Educação Po-


pular em Saúde Mental Comunitária e/ou de
Leitura do Adoecimento Patrocinado pela
Institucionalização, por envolver a vizinhan-
ça, referências da família, movimentos po-
pulares e sindicais, no compromisso coletivo
para soluções conjuntas diante de situações
geradoras de sofrimento.

Fator Desmistificador da “chamada loucura”,


identificando e questionando os determinantes
sociais do sofrimento mental, e Incentivador de
ações comunitárias solidárias em acolher quem
sofre mentalmente, potencializando os próprios
recursos da comunidade (por exemplo, famílias
substitutas à crianças, idosos, deficientes, doen-
tes ..., mesmo que durante parte do dia, quan-
58 OFICINAS
(A linguagem de artistas-obreiros)

A arte tem um dever social que é o Não obstante se pelo tipo de tarefa houver
de dar escape às angustias da época. um maior interesse de determinado grupo he-
terogêneo, isto não constituirá desobservância
Antonín Artaud às metas, estas são indicativas e provocadoras
de postura vigilante-crítica por parte do corpo
O Centro de Convivência a Cooperativa não de- técnico em relação ao risco dos guetos, pela sua
verá ser simplesmente sinônimo de oficinas, sua característica segregacionista, que paradoxal-
vocação não se assemelha a de uma escola profis- mente pode em dado aspecto significar “espaço-
sionalizante, ou de espaço de cursos vivenciais, -forma” de busca de “pseudo-proteção” em um
técnicos, ou ainda de espaço de lazer descompro- dado conjunto estigmatizado, opção pelo isola-
missado e aleatório. mento coletivo ao isolamento individual. Há que
O Centro de Convivência e Cooperativa investi- se cuidar de maneira hábil e delicada a fim de
rá numa auto-identidade de espaço propiciador à se discernir este mecanismo perverso do agru-
invenção de novas consígnias de expressão, rela- pamento dos iguais, significando perpetuação
ção, convivência, e poder de troca-barganha, con- de guetos à simples opção, por conta da senha
feccionados a partir do referencial próprio de cada - tarefa inspiradora e impulsionadora, de deter-
usuário, tendo como pano de fundo, a ser consi- minadas associações de pessoas com dadas ca-
derado, um mesmo arcabouço social-ideológico a racterísticas homogêneas.
que todos estamos diferentemente submetidos. Por exemplo: uma oficina de dança de salão
A conjugação de vários elementos para a cons- que agrega pessoas de 3ª idade (idosos) em sua
trução de novas consígnias se utilizará, na maior esmagadora maioria: poder ser entendido este
parte das vezes, do original ofício de “obrar” a fenômeno aglutinador homogêneo como um
própria vida à luz de sons, movimentos, cores, dado positivo ao processo de convivência e res-
toques, expressões, olhares, falas, grunhidos... gate histórico de identidade destes indivíduos,
ingredientes combinados à criatividade, a reno- numa provável manifestação de prazer.
vação e a descobertas vocacionais-críticas, cons- Portanto, o que há de novo e tecnicamente
tituindo experiência singular e incentivadora de relevante a se explorar na concepção de ofici-
coletivização e negação do isolamento. nas, além dos objetivos, da composição de seus
As oficinas enquanto atividades dos Centros participantes, da construção de consígnias refe-
Convivência e Cooperativas, internas ou exter- renciadas na manifestação da subjetividade e na
nas, deverão constituir espaço facilitador à con- ressingularização dos indivíduos, é propriamen-
vivência não objetivando em primeira instância te a forma que estas oficinas se apresentam.
o ensinar e o avaliar de um dado aprendizado, Assim deverá se trabalhar a preservação da
sendo que o desejo ou mesmo a apreensão de tarefa muito mais enquanto linguagem do que
determinada técnica ou conteúdo, poderão ser significação técnica com dado conteúdo progra-
inspirados ou mesmo facilitados a serem desen- mático a ser desenvolvido. Possibilitando uma
volvidos, como objetivo secundário, por vezes, aproximação de pessoas que queiram entrar
em outros espaços ou atividades a serem formu- em contato com a música, a dança, o teatro, a
ladas pelo Cecco. pintura sem exames pré-admissionais de apti-
As oficinas deverão se caracterizar enquan- dão e sem sabatinas periódicas de avaliação de
to aglutinadoras de pessoas diferentes (oficinas desempenho. Exercício este bastante singular
heterogêneas preferencialmente). O instrumen- que estará sob a coordenação e vigilância de
to facilitador desta aglutinação deverá ser a ta- um corpo multidisciplinar que também estarão
refa proposta pela oficina, fundamentalmente, em curso de um ressignificado da própria ação
evitando os “naturais” agrupamentos (cultural- profissional (postura, desenvolvimento, postu-
mente estimulados) por patologia, por dificulda- lados teóricos ...)
des comuns, ou seja, por característica estigma- Quando identificamos a linguagem como o
tizante (por exemplo: grupo de psicóticos, grupo aspecto qualitativo e diferenciador da oficina,
de deficientes, hipertensos, idosos ...) das atividades dos Cecco’s, identificamos um
dos aspectos fundamentais de sustentação da ou acompanham voluntariamente Os trabalhos, 59
proposta de convivência, pois a linguagem será sendo de responsabilidade do corpo técnico sub-
o instrumento guia de manifestação de signos, sidiar e supervisionar este desenvolvimento diá-

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a serviço da comunicação entre indivíduos que rio e promover discussões sistematizadas.
poderão utilizar diversos órgãos do sentido ou
mesmo elementos diversos, o próprio afeto para Por exemplo:
captar e expressar ideias, sentimentos, modos
de comportamento. • Trabalhador mutilado na máquina de uma
A convivência, assim, irá assumindo um firma ou com depressão psicótica “ocupa-
contorno de convivência tanto individual cional”- conviver com a diferença no Cec-
quanto coletiva, ou seja, de cada pessoa reco- co pressupõe fazer a relação das condições
nhecendo o seu próprio signo, decodificando o e organização do trabalho a que esteve ou
signo de outros indivíduos e resignificando um está submetido, a necessidade de horas ex-
signo(s) grupais de manifestação de sentimen- tras, o stress ... e o acidente, o sofrimento;

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tos, ideias, contatos; movimento este por si só • Criança portadora de determinada deficiên-
analítico-crítico no seu tempo, na sua forma cia mental - conviver com a diferença no Cec-
própria e bastante original pela simplicidade co pressupõe recuperar a história gestacio-
dos instrumentos utilizados. nal, acesso ao pré-natal ao leito obstétrico
Deveremos ir identificado processualmente e principalmente rememorizando condições
as pessoas se agruparem em torno de tarefas de assistência ao parto e a chance-probabi-
como dançar, cantar, dramatizar, pintar, ... pelo lidade das lesões ao nascer ... e o acesso ob-
prazer e/ou oportunidade que tais tarefas-lin- tido a esclarecimentos e orientações;
guagens proporcionam para a própria lingua- • Adulto suicida ou alcoolista - conviver com
gem do corpo, da história, do afeto de cada indi- a diferença no Cecco pressupõe considerar
víduo se fazerem ouvidas e fundamentalmente o desemprego, a decepção no amor, a auto-
trocadas na relação com o outra, como um pri- -estima ... e o desespero, a fuga;
meiro reexercitar de poder de troca subjetiva • Criança de rua - conviver com a diferença no
onde alguém se reconhece como determinador Cecco pressupõe considerar a migração, a
de algo próprio e original para poder oferecer, exploração de mão de obra barata, a expul-
mostrar a outrem: sinal de identidade e diferen- são da escola, a fome, a violência, o abando-
ciação, elementos imprescindíveis a idiossincra- no, o aliciamento, a corrupção e a aventura
sia, a construção de cidadania. da “pseudo-liberdade” ... concorrendo para
As oficinas deverão ter como alvo de preocu- a desconfiança, a formação de guetos e a in-
pação, por parte de seus profissionais responsá- sensibilidade afetiva relacional-reacional;
veis, a reflexão diária da determinação social do • Idoso hipertenso. choroso - conviver com a
sofrimento dos indivíduos manifesta principal- diferença no Cecco pressupõe considerar o
mente na diferença de oportunidades, nas limi- papel social da velhice caracterizado pela
tações impostas pelas condições de vida, de tra- desqualificação, improdutividade, abando-
balho, na qualidade das relações interpessoais. no, institucionalização ... carência de afeto,
Tal ação deverá objetivar um processo desmisti- psicossomatização, solidão”.
ficador e reorientador de nexos-causais na cadeia
determinística do sofrimento das pessoas. Em A convivência não poderá se furtar à leitura
se tratando de sofrimento psíquico patrocinado de mundo, a visão de homem, a história de cada
pelo estigma, pela segregação..., através da pro- um será a partir do que está fora: arte, música,
blematização da imagem e papel social veicula- o esporte... que cada um poderá aos poucos fa-
dos acerca do indivíduo acometido por transtor- lar (em diversas linguagens) do que está dentro,
no mental, do portador de deficiência, do idoso, desde potencialidades até preconceitos, dores,
das crianças e adolescentes de rua, ... se buscará culpas e sonhos, para novamente como numa
no dia a dia da convivência, o questionamento, espécie de espiral retornar ao fora e olhar sob
a reflexão e o enfrentamento conjunto, evitan- outro ângulo através de outros instrumentais,
do negação da realidade ou mesmo atitudes de talvez mais coletivos. Invariavelmente surpre-
compaixão, racionalização e/ou explicações re- endendo-se modificado em busca do delicado
ligiosas/místicas, principalmente por parte da- discernimento, incômodo necessário, entre a
queles que monitoram, assumem a coordenação desigualdade e a diferença.
60 CONSIDERAÇÕES PARA OPERACIONALIZAÇÃO:

O planejamento específico, execução e avaliação Dança de Salão; Artesanato; Roda de Conversa


diária destas atividades deverão ser feitas con- (histórias, casos, receitas, poesias); Tai-Chi-
juntamente pela equipe técnica, oficineiros, vo- -Chuan; Capoeira; Atividade de Circo; Leituras
luntários e usuários. de Contos Infantis; Jogos de Mesa; Caminhadas;
As oficinas a serem oferecidas deverão aten- Brincadeiras Infantis; Ginástica; Música; Coral;
der fundamentalmente a demanda da popula- Relaxamento; Ioga; Ikebana; Origami; Cerâmi-
ção, devendo os recursos humanos e materiais ca; Cozinha Experimental; Horta; Jardinagem;
se adequarem a tais necessidades. Embora algu- Plantas Medicinais e Ornamentais; Trabalhos
mas atividades despertem particular interesse Manuais (tricô, crochê, corte e costura); Tear;
de um grupo (por idade, sexo, característica de Papel Reciclado; Sucata: Teatro; Bonecos-Fan-
deficiência ou limitação, condição social, etc.) toches; Marcenaria; Cartonagem; Confecção
as mesmas não devem ser restritas a estes seg- de Máscara,- Pipas e Instrumentos Musicais;
mentos de pessoas. Todas as atividades devem Macramê, Argila; Jogos Esportivos; Massagem;
estar abertas a qualquer usuário que possa se Danças Populares e Folclóricas; Bocha: Artes
interessar por elas. Plásticas; Pintura; Expressão Corporal, etc. De-
Deve ser observada a norma que propõe in- ve-se cuidar e direcionar para que algumas ofi-
dicativamente um índice percentual para a ga- cinas, que por sua característica, propiciam um
rantia de heterogeneidade dos grupos-oficinas. se constituir enquanto embriões de núcleos de
(vide Metas). trabalho-cooperativas possam ser desenvolvi-
Cabe à equipe técnica estar atenta aos dife- das por iniciativa do Cecco, como é o caso:
rentes interesses, possibilidades e limitações
dos usuários, bem como estimular e favorecer a por exemplo: da marcenaria, hortas, jar-
integração orientada ao grupo e a atividade. dinagem, tear, cozinha, artesanato, carto-
Importante ressaltar uma cadeia na dinâmi- nagem, papel reciclado, etc.
ca das oficinas a ser observada a fim de não cor-
rer riscos, da ordem: Toda oficina-atividade deverá contar com a
participação atuante (não apenas de observa-
• Atividade pela atividade dor ou de provedor de infra-estrutura) de 1 (um)
• Descompromisso na vinculação profissional do corpo técnico enquanto suporte
• Usuários submissos (pacientes) a um dado específico ao oficineiro e/ou enquanto próprio
movimento técnico coordenador.
As atividades Eventuais como palestras,
Para tanto, deve-se considerar o processo de passeios, assembleias, festas, participação em
constituição e desenvolvimento de uma atividade eventos comemorativos, feiras culturais, etc.,
enquanto processo grupal, estimulando e acom- são assim denominadas por não se constituírem
panhando a característica da interação, troca e atividades diárias, entretanto devem ser fruto
comunicação que se estabelece entre os elemen- da discussão e organização conjunta através da
tos do grupo e o produto final desta atividade. comissão gestadora. Salientamos o grande valor
É imprescindível a sensibilidade e a escuta destas atividades que avançam para um espaço
para decodificar as senhas que facilitam ou não ainda menos protegido, pela sua amplitude pú-
a participação de determinadas faixas etárias ou blica, como o são os cinemas, os passeios em
funcionam como “iscas” para determinados seg- ônibus comuns, às feiras. a padaria, o mercado, a
mentos. Decodificar estas pistas contribui para praça, o teatro, os eventos culturais, o zoológico,
uma melhor compreensão das especificidades onde a questão da cidadania do diferente pode e
dos vários segmentos, estimula a empatia e a deve ser escancarada afim de tensionar e provo-
criatividade em atingir a ampliação de partici- car novas conquistas contratuais com a mesma
pação. Pressupõe, portanto pesquisa, estudo e “mater-sociedade”, genitora das desigualdades.
planejamento cuidadoso.
Destacamos alguns exemplos mais comuns
de “linguagens-senhas-iscas” facilitadoras de
aglutinação inicial de determinados grupos:
NÚCLEOS DE TRABALHO – COOPERATIVAS 61

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... Subiu a construção como se fosse máquina. mover, decide desenvolver a capacidade
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/Ti- de dançar. Estimular sua participação em
jolo com tijolo num desenho mágico. Seus olhos atividades de dança deverá proporcionar
embotados de cimento e lágrima ... Sentou pra fundamentalmente, a oportunidade de
descansar como se fosse um pássaro e flutuou reorientação do conceito de dançar, rom-
no ar como se fosse um príncipe ... pendo padrões pré-estabelecidos.

Chico Buarque Ninguém é deficiente mas antes “porta” ou


está acometido de uma determinada “não eficiên-
Cabe a equipe do Cecco estimular, facilitar e pro- cia”, para determinada ação ou tarefa, o que na

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mover a formação de núcleos de trabalho coope- verdade muitas vezes pode analogamente signi-
rado entre seus usuários, objetivando a retomada ficar diferenças da ordem das vocações. Portanto
de participação no mundo do trabalho e numa o mais “eficiente” poderia ser o mais vocacionado
dada produção: de bens, de serviços, de conhe- a desenvolver determinada tarefa. Há que se esti-
cimentos regidos pelo princípio da convivência e mular as eficiências às não eficiências a fim de am-
da cooperação. pliar chances de vida e de prazer aos indivíduos.
Entendemos por princípios de convivência e Consequentemente Os núcleos de trabalho,
cooperação, fundamentalmente uma nova quali- embriões de cooperativas se desenvolverão en-
dade de relações marcando contratos afetivos e de quanto espaços de construção conjunta, comple-
trabalho, ou seja, a decodificação do que são con- mentar e somatória no investimento de força, dis-
sideradas limitações e deficiências - em diferenças, ponibilidade e “vocação-eficiência” de cada um
e esta heterogeneidade gerando produções con- na produção de algo coletivo e não alienado, ten-
juntas, concebendo assim as pessoas num novo do como pano de fundo a discussão das condições
patamar de concepção de homem e de mundo. de trabalho (processo, organização, ambiente)
Ao reorientarmos códigos estigmatizantes enquanto determinantes do sofrimento mental.
com função social estabelecida na direção da Assim a cooperação se inscreve no processo
alienação, facilitadora da exploração e da manu- do Cecco como característica principal de iden-
tenção da relação dominadordominado, introdu- tidade, ou seja, será através da colaboração, do
zirmos uma possibilidade de também re-signifi- afeto, do respeito e do investimento somatório
carmos o olhar sobre cada um de nós e sobre um que se chegará a uma produção coletiva. A pro-
coletivo, relativizando parâmetros de potenciali- dutividade competitiva, o trabalho repetitivo, a
dades e limitações de cada um, portanto identifi- não apreensão do processo de forma globalizan-
cando-as de forma não globalizante na vida dos te e a não apropriação deste em sua organização
indivíduos, enquanto determinantes prévios do desenvolvimento, aspectos característicos de
fracasso ou êxito e sim enquanto características a um processo-organização de trabalho alienante,
serem questionadas, respeitadas e consideradas explorador e gerador de sofrimento, que deve-
no momento em que atividades de convívio e de rão ser mais que evitados, deverão ser comba-
trabalho forem se estabelecendo. tidos e constituir objetos de discussão explícita
Deverá assim ser estimulada a manifestação nos núcleos de trabalho.
das potencialidades e a utilização destas na re- A cooperação, por sua vez, sustentando a es-
lação com o mundo do trabalho. Caracterizando trutura de produção. possibilitará que cada in-
as limitações e/ou dificuldades enquanto parte divíduo contribua com o seu montante máximo
de um indivíduo e não a própria identidade de qualidade num contrato grupal de condições
deste. Superar “a prioris” culturais impeditivos “homogéneas” de disponibilidade, investimen-
a novas conquistas, delegando ao desejo e a ini- to, responsabilidade..., homogeneidade balisada
ciativa o poder de alterar pressupostos aparen- pelo repertório-medida-máxima de cada um, ma-
temente inquestionáveis nifestada através do compromisso individual.
Assim cada um produzirá um dado produto,
por exemplo: uma pessoa portadora de fruto de discussão e definição prévias acerca de
deficiência física, membros inferiores, um resultado a ser construído solidariamente a
que utiliza cadeira de rodas para se loco- partir da contribuição do melhor de cada um na
62 dada construção. Consequente e coerentemente a distância da padaria existente para os
com estas considerações e pacto, a divisão do potenciais consumidores.
lucro deverá ser igualitária, quando da comer-
cialização deste produto coletivo. Deverá, portanto caber ao Cecco esta delica-
da tarefa de facilitar a associação destes aspetos
Por exemplo: Em 03 (três) dias de núcleo e a definição do tipo de cooperativa em conjunto
de trabalho - cooperativa um indivíduo, com os usuários, não obstante, observando as
por suascaracterísticas e limitações pro- condições locais da unidade em poder favorecer
duziu 02 (dois) objetos da melhor forma o desenvolvimento da determinada opção.
que lhe foi possível e outro indivíduo pro- Assim os Cecco’s funcionarão como “Labora-
duziu 05 (cinco) objetos, também da me- tórios provisórios” deste ofício de convivência-
lhor forma que lhe foi possível, no mesmo -cooperativa com a ajuda e vigilância do corpo
grupo sob as mesmas condições de recur- técnico, principalmente na discussão de 04
sos de infra estrutura disponíveis, utili- (quatro) pontos fundamentais:
zando o mesmo tempo para execução. A
divisão do lucro na venda destes produtos 1) Concepção de trabalho, de lucro, de
será igualitária, mesmo porque não se tra- capital, de cooperação e convivência.
tou de um contrato grupal competitivo e 2) Papel do Serviço Público enquanto fa-
centrado na produtividade. cilitador inicial deste novo modelo.
3) O investimento em Economia-Popular.
Portanto, o termômetro sinalizador deste 4) Autonomia de Gestão e assessoria téc-
processo e contrato de trabalho, reside justa- nica do Cecco.
mente na homogeneidade de direitos em respei-
to às diferenças expressas muito mais na forma Laboratórios Provisórios, fundamentalmente,
do que na essência dos deveres viabilizadores da no que se refere à economia popular, autogestão
produção conjunta. Testemunhamos assim um e constituição de cooperativa, ou seja, aqui entra
verdadeiro exercício de democracia e convivên- em cena o papel do Serviço Público. Num primei-
cia responsável e indiscutivelmente muito mais ro momento caberá ao serviço público oferecer
difícil por sua característica contra hegemônica. material necessário ao desenvolvimento dos nú-
Nos núcleos de trabalho-cooperativas, dife- cleos de trabalho, embriões de cooperativas
rentemente das oficinas de convivência, onde o
produto final não é o mais importante, onde não (por exemplo) sementes, adubo, espaço
há a comercialização e onde o contrato é feito para a viabilização de hortas, quando da
objetivando outras metas, a participação dos produção das hortaliças; caberá aos téc-
usuários pertencentes à população alvo (acome- nicos coordenar as discussões sobre o que
tidos de transtorno mental, portadores de defici- fazer com a produção: consumir parte no
ências em geral, idosos, crianças e adolescentes próprio Cecco, dividir terça - parte com
de rua, portadores de necessidades especiais) quem plantou para consumo particular e a
poderão se dar em agrupamentos independente parte restante vender? ou a venda somente
da observância das mesmas taxas percentuais a das cenouras e o consumo da couve,?
serem cuidadas na composição das oficinas de
convivência, com relação à população “tida nor- Ou
mal”, pois a dificuldade de inserção no mundo
do trabalho é maior com os estigmatizados, por- (por exemplo) papel, tinta, cola, tesoura,
tanto deverão ter prioridade, mas não necessa- plástico, cera, para a confecção de cartões
riamente exclusividade nas cooperativas. e a comercialização destes, por exemplo,
Os agrupamentos poderão se dar associando por ocasião do Natal.
necessidade de trabalho - desejo de desenvolvi-
mento de determinada habilidade - resposta a Seja qual for a iniciativa todos terão o pri-
determinada carência territorial meiro investimento favorecido pela unidade
pública, sendo que a comercialização implicará
por exemplo; grupo de senhoras que na “devolução” deste investimento na forma de
desejam aprender a confeccionar pães materiais de consumo para outras atividades de
diversos, roscas e identificam na região continuidade dos núcleos de trabalho, e a dife-
rença de dinheiro recebido ser a possibilidade tal” para emancipação e incentivo em economia 63
concreta de se exercitar a divisão igualitária de popular. Este tempo processual também deverá
remuneração ao trabalho cooperado. colaborar na definição, conjunta e assessorada,

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Mesmo quando de materiais doados, mui- de normas, objetivos, investimentos e organi-
to comum de ocorrer nos Cecco’s, o raciocínio zação da nova qualidade de associação à luz da
deverá ser o mesmo de utilização, reinvestimen- cooperação e da convivência.
to e possibilidade de remuneração igualitária. O papel do corpo técnico será de inestimá-
Daí denominarmos laboratório pela caracte- vel importância para a leitura da dinâmica das
rística experimental e de laboratório-ensaio de relações, no estímulo a solidariedade, na abor-
um modo singular de associação, produção e dagem crítica frente ao mundo do trabalho que
emancipação gradativa, daí a provisoriedade do irá sendo constituído. Deverá assessorar a ex-
ensaio-experimento. periência de re-significado de autonomia e dig-
Esta passagem inicial para a constituição do nidade, durante o tempo que for necessário ou
grupo com identidade na tarefa, pactos claros solicitado, mesmo fora da unidade pública nas

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e iniciação na própria coordenação e condução cooperativas auto-geridas e expandidas.
das discussões será o sinal da sua caracteriza- Como incentivador do regime de economia
ção enquanto cooperativa propriamente, sinal popular o Cecco não promoverá convênio com
também da possibilidade real de desligamento fábricas, indústrias, etc. mas antes priorizará es-
do serviço público e apropriação de outros es- tímulo e assessoria ao consórcio de usuários na
paços de forma autônoma, enquanto sujeitos construção e invenção de suas foras de produção.
em defesa da própria liberdade, autonomia e Em se tratando de população alvo, principal-
dignidade (por exemplo) saída para a constru- mente os acometidos de transtorno mental, o va-
ção de hortas em terrenos cedidos pelo gover- lor na efetivação deste contrato associativo cons-
no, ou em terreno próprio. titui fator fundamental a sua resingularização, ou
O montante inicial de dinheiro para fazer seja, o resgate da valorização, do exercício de ci-
movimentar este empreendimento fora dos mu- dadania quando da apropriação, pelo então estig-
ros do serviço público deverá ser fruto das pri- matizado, do seu poder de troca, de barganha, de
meiras iniciativas nos núcleos de trabalho no compra e venda, de voz, vez e voto no jogo social.
Cecco, com lucro dividido e parte ou integral-
mente aplicado a fim de constituir “fundo-capi-

COMUNICAÇÃO, DIVULGAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR

É indicado que 01 (um) técnico em cada Cecco -oral e transcrição em manual do local - cantigas
seja responsável pela coordenação e educação de roda, brincadeiras, uso de ervas medicinais,
popular sobre a proposta e a vida diária do Centro estórias da história local, história da história -.....
de Convivência e Cooperativa. Os núcleos de comunicação alternativa como
Deverão ser constituídas em todos os Cecco’s jornal, rádio, da região em que se insere o Cecco, os
oficinas de jornal e comunicação com os usuários grandes jornais locais, os núcleos de comunicação
para a confecção de seus próprios boletins que e imprensa dos distritos de saúde ..., deverão cons-
possam ser utilizados como subsídio aos usuários tituir contatos sistematizados dos Cecco’s afim de
novos, aos visitantes e mesmo como veículo de favorecer o intercâmbio e a difusão das idéias, das
comunicação interno ao serviço e externo com a produções dos Cecco’s e da viabilização de uma
comunidade em geral e os equipamentos sociais. Cultura Antimanicomial contra-hegemônica.
Estas oficinas deverão possibilitar a confecção Deverá constituir atividades dos Cecco’s a rea-
de outros elementos de comunicação e difusão de lização de festas, feiras, debates, sóciodramas-pú-
produções literárias, poéticas,... dos usuários, que blicos ... Em elaboração conjunta com movimen-
promovam a manifestação da memória-histórica tos sociais e entidades locais, que venham a somar
territorial através de murais e painéis de poesia, com os eventos próprios, folclóricos ou não, de de-
cordéis, gibis, crônicas, contos infantis, memória- terminada região em que está inserido ou mesmo
64 que venham resgatar identidades locais adormeci- Deverá constituir atividades dos Cecco’s a co-
das (por exemplo concentração de nordestinos, in- ordenação dos eventos comemorativos relativos
terioranos ou imigrantes italianos, espanhóis...), a semana de luta antimanicomial por ocasião
inovando com propostas impulsionadoras de da comemoração do Dia Nacional de Luta 18 de
aglutinação e participação destes e outros mora- maio - e a participação e divulgação das ativida-
dores locais (por exemplo através de atividades de des comemorativas a nível da cidade.
rodas de ciranda, quadrilhas e fogueiras, festa da
macarronada, do tango e do sapateado..).

ALIMENTAÇÃO X ATIVIDADES COM ALIMENTOS

Considerando-se o Cecco como um espaço aberto Assim, pensar em alimentação num espaço
que não responde a “guarda” de seus usuários, como o Cecco. onde a convivência entre os dife-
guarda entendida como urna característica de rentes busca suscitar questionamentos e reflexões
rígida disciplinarização institucional, visto que sobre as desigualdades, sobre a cidadania e busca
a permanência e continuidade do usuário pode acima de tudo favorecer a organização das pesso-
ser, muitas das vezes, determinada pelo interesse as e sua auto-estima, pressupõe pensar a alimen-
e desejo do mesmo; tação como um instrumento tri-disparador:
Considerando-se a importância da construção
coletiva de experiências de convivência onde o • Disparador de reflexão do papel social que
processo de conhecimento, produção, cuidado o não acesso ao alimento, diversificado e de
possa ser fruto de um confeccionar conjunto en- boa qualidade, representa para o desenvol-
tre usuários e técnicos; vimento dos povos;
Entendemos que a questão da alimentação • Disparador de reflexão crítica sobre o ma-
merece urna reflexão de seu papel neste contexto. nejo paternalista-assistencialista utilizado
Ao analisarmos a importância da comida pelas instituições, e suas consequências no
na vida das pessoas como expressão da pró- comportamento e na formação de opinião
pria sobrevivência, identificamos a ligação do dos indivíduos;
ato de alimentar-se ao ato de manter-se vivo, • Disparador de “produção de auto-estima e
expressão ultima de auto-cuidado, não neces- solidariedade”, propiciando um exercício
sariamente auto-estima, mas inevitavelmente simples e original de cuidado de si e do ou-
preservação de vida. tro, reproduzindo, revivendo e recriando ex-
Num “ritual” mecânico e diário de ingerir al- periências absolutamente comuns a todos
guma coisa para saciar a fome ou mesmo para os indivíduos.
cumprir, um horário determinado culturalmente,
é mais difícil se observar o processo do alimentar- Este jeito de olhar o ato da alimentação nos re-
-se associado à convivência no agrupamento de mete a um cenário muito diferente do conhecido
pessoas como observamos em grupos de colegas cenário institucional assistencialista que apesar de
de trabalho ou de adolescentes que se juntam necessário, resguardadas as circunstâncias, a for-
para lanchar, para um café... e fazem daquele ma e o-momento histórico, aqui não está em avalia-
momento um verdadeiro encontro de trocas, de ção de mérito, pois efetivamente, em sua essência;
manifestação de ideias, afeto e prazer. colide com as intenções dos Cecco’s que deverão
A alimentação é a senha mais comum e pri- cuidar para direcionar e explicitar uma construção-
mitiva que favorece o agrupamento de pessoas e -processual-crítica de alimentação muito mais en-
aproximações íntimas. quanto atividade com alimentos do que compro-
Entretanto também é a alimentação um fator misso sistemático de prover refeições. Devendo tais
sinalizador das carências e das desigualdades atividades se constituirem enquanto consequência,
sociais a que está submetido um povo, por ser entre outras, de um dado trabalho conjunto.
uma necessidade básica dos seres vivos, portan- Assim caberá aos técnicos dos Cecco’s traba-
to acesso a ela constitui um direito de cidadania lharem junto aos usuários o valor das hortas e
e um pressuposto à vida. canteiros, desde a descoberta da terra, o conhe-
cimento de seu cio, do seu temperamento asso- descrito, assim como também impulsionadora 65
ciado ao tempo das estações, ao tempo do sol e de outras aquisições onde esta experiência po-
da chuva. derá ser pré-requisito, como a formação futura

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Conhecendo a terra seu pulsar e limitações, de núcleos de trabalhos cooperados na produ-
poder reconhecer nela e se aventurar enquanto ção e venda de alimentos de cozinha alternati-
transformador desta mesma terra. va, de hortas comunitárias,..
A responsabilidade no cuidado, o acompa- Entretanto onde não for possível o desenvolvi-
nhamento no processo de mudança da semente, mento das hortas poderemos pensar na transfor-
a tarefa coletiva não taylorista na construção do mação de alguns produtos básicos, em oficinas
produto final, serão elementos essenciais à con- dirigidas preparando alimentos simples, visto
fecção de uma comida cujo sabor tenderá a ser que o importante é a experiência em confeccio-
muito singular; não pelo segredo de cozinha na nar processual e coletivamente alimentos, símbo-
“pitada esperta” do sal, mas antes pela caracte- los concretos de sustentação de vida que propor-
rística do contrato coletivo, onde as diferenças cionem a vivência do cuidar de si e de outrem.

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associam-se em suas limitações e possibilidades Assim exemplarmente, apenas com a exis-
solidariamente efetivando uma produção. tência de pães doados poderemos com alguns
Assim as hortas e os pequenos canteiros pode- ingredientes mais e um forno de barro trans-
rão cumprir também este papel de auxiliador da formá-los em bolinhos, pudim de pão, etc. Ou
alimentação nos Cecco’s. mesmo com “todinho” de pacotinho e frutos
Entendendo, entretanto, que este cultivo é servidos nos Centros Esportivos transformálos
simbólico do processo de alimentarse, posto que em chocolate quente de bule, salada de frutas,
não será possível o plantio de todos os ingredien- torta de frutas, sorvete de chocolate ... Ou ainda
tes ou mesmo da maioria destes para a prepara- promover almoços comunitários onde além do
ção de uma sopa ou outro prato qualquer. que se produziu coletivamente possam se somar
Portanto deverá ocorrer previsão orçamen- contribuições trazidas da casa de cada usuário e
tária onde se garanta a compra de alguns ingre- funcionário, possibilitando um alimentar-se em
dientes básicos que auxiliem na viabilização de conjunto, um encontro comunitário.
uma sopa diária ou almoços coletivos semanais, Finalmente cabe ressaltar que não será atribui-
saladões, mexidos, sucos, chás, etc. ção da unidade fornecer alimentação de forma sis-
Vale ressaltar que tanto o plantio, a colheita, a temática e assistencialista, portanto, não deverá
preparação do alimento e a transformação deste ter em seu quadro de lotação de pessoal cozinhei-
num dado “prato” deverá ser a tarefa dos próprios ros ou auxiliares de cozinha. Não obstante deve-
usuários com a colaboração e sob a orientação de rá incluir em suas listagens de recursos materiais
técnicos da equipe do Cecco, a fim de poderem permanente e de consumo: fogão, geladeira, ar-
vivenciar a formação da coisa viva, a sua trans- mários, pia, gás, panelas, utensílios, ingredientes
formação e a sua utilização para preservar outras alimentares diferenciados, segundo a realidade de
vidas, numa cadeia simples mas que exige dedi- cada Cecco. Deverá ser viabilizada a construção de
cação, trabalho conjunto e disponibilidade. forno de barro para a confecção não só de massas
A horta é apenas um exemplo, apesar de re- em geral (bolos, pães,...) como de queima de barro
conhecida e altamente facilitadora do processo para oficinas de argila, e outras.

REUNIÕES
Reuniões Internas

REUNIÕES DE EQUIPE - onde deverão ser pla- das questões técnicas, distribuídas as tarefas:
nejadas e avaliadas as ações gerais do Cecco, comunicados os informes do CTA distrital, dos
discutidas as relações de equipe, as dificuldades encaminhamentos da comissão gestora, infor-
do trabalho, aspectos pertinentes à população mes gerais pertinentes, etc.
alvo; apontadas as propostas e mudanças a se- Deverão participar destas reuniões semanais
rem encaminhadas a comissão gestora; discuti- todos os profissionais do Cecco e de outras se-
66 cretarias presentes no dia a dia do serviço (por demandas dos usuários, dos funcionários e da
exemplo professores de SME, agentes culturais administração, a fim de serem avaliadas e enca-
de SMC desde que prestando serviços no Cecco). minhadas de forma deliberativa.
Poderão participar das reuniões os oficineiros e Deverão compor a Comissão Gestora de for-
os voluntários. ma paritária representantes da população usuá-
ria, dos funcionários, o Coordenador do Cecco e
REUNIÕES DA COMISSÃO GESTORA - onde representante de outras Secretarias Municipais
deverão ser apreciadas as propostas de plane- ou Movimentos Sociais que estejam ativamente
jamento da atividade do Cecco, as dificulda- participando da vida diária da unidade.
des rotineiras, de relação intersecretarial; as

Reuniões Externas

REUNIÕES ADMINISTRATIVAS - a equipe ou As indicações de tais Encontros-Seminários


um representante deverão participar de reuni- deverão em forma de relatórios subsidiar delibe-
ões administrativas convocadas pelo nível re- rações sobre os rumos do Projeto.
gional, local ou central, desde que avisados com
antecedência, por memorando ou ofício, caso FORUM DISTRITAL E/OU REGIONAL - indi-
contrário deverá ser responsabilidade do coor- ca-se a necessidade de se investir em reuniões
denador avaliar e responder pela saída de mem- quinzenais na forma de Fórum de Saúde Mental,
bros da equipe. aberto a todos os profissionais de saúde inte-
ressados na questão mental, juntamente com o
REUNIÕES DOS GRUPOS DE TAREFAS - de- segmento populacional representado nos Con-
verão ser incentivados Os espaços de discussão selhos Gestores, a fim de discutirem integração
e aprofundamento sobre o dia a dia de constru- de serviços e ações, fundamentalmente viabi-
ção do projeto - Cecco, através de grupos-tarefa, lizando o processo de referência e contra-refe-
ou seja, encontros no nível central de represen- rência, vital ao bom funcionamento do Cecco e a
tantes de funcionários e coordenadores de todos consequentemente desmistificação de seu papel
os Cecco’s sob a coordenação de SMS, afim de no Modelo Antimanicomial.
estudarem, aprofundarem conceitos e através
do cotidiano irem trocando e estruturando me- CURSOS, SEMINÁRIOS, SUPERVISÕES - a
lhor as ações nas cooperativas, oficinas de con- participação em cursos, palestras, seminários e
vivência etc. Indica-se que estas ocorram quin- supervisões visam o aperfeiçoamento do profis-
zenalmente, na forma de comissões de trabalho. sional e portanto do trabalho que está sendo de-
Como atribuição dos grupos tarefas conjun- senvolvido na unidade, devendo ser oficializada
tamente- com a comissão intersecretarial, fica a liberação pelo coordenador junto ao Distrito
indicada a realização de Encontros Abertos anu- de Saúde sem prejuízo do serviço.
almente para se discutir a realidade diária dos
Cecco’s, cumprimento de metas, o impacto do
serviço frente à Política Manicomial, a coerên-
cia com os princípios teóricos, éticos, ideoló-
gicos do projeto no cotidiano das atividades, a
real apropriação e participação da população na
execução diária, o investimento do intersecreta-
rial, etc. Os encontros deverão ser organizados
e abertos a vários segmentos: Funcionários de
Saúde em geral, Usuários dos diversos Serviços
de Saúde Mental, Movimentos Sociais, Entida-
des, Comunidade Científica, interessados em
geral e o Governo Municipal.
POPULAÇÃO ALVO 67

Centros de Convivência e Cooperativa


“De perto ninguém é norma!” Iguais enquanto homogeneidade de identi-
dade firmada a partir do aspecto que justamente
Caetano Veloso diferencia alguns segmentos populacionais.de
outros supostos normais, e portanto, “suposta-
Compreendemos por população alvo os segmen- mente” indiferenciados - pressuposto dos guetos.
tos populacionais com menores chances de vida, Assim ao observarmos agrupamentos por pa-
vida “física e psíquica”, nosso olhar deverá, por- tologia ou condição: drogados, idosos, deficien-
tanto incidir sobre as “chances” de manifestação tes, pobres, famintos, abandonados na rua, ...
de subjetividade, de autonomia, de cidadania. enquanto as senhas dos agrupamentos promo-
Alvo deverá significar tão somente o nosso vidas pela organização do serviço, identificamos

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ponto de mira, nosso objeto primeiro e mais de- que estas características qualitativa e ideologi-
licado, para onde deverão convergir esforços, camente funcionam como sinais de marginali-
planejadamente. zação para a exclusão de um dado convívio. Se
Identificamos que estes segmentos popula- consideradas tais características como aspectos
cionais com menores chances têm sua identida- de vida percebemos que os indivíduos podem se
de marcada pelo estigma que marginaliza e se- agrupar a partir de outras senhas, a tarefa, por
grega, anulando possibilidades de convivência exemplo, se agrupam independente e apesar
e troca, impedindo que a sociedade se incomode destas características “‘marginalizadoras”; um
com estes seus “produtos”, como o são destaca- exercício de individuação.
damente os indivíduos acometidos de transtor- Em outra vertente de homogeneidade obser-
no mental, os portadores de deficiência, os ido- vamos a senha que aglutina utilizando o acesso
sos, as crianças e os adolescentes de rua ... aos privilégios, a bens e a uma qualidade de in-
Assim num lugar como o Centro de Convivên- serção social - pressuposto da elitização.
cia e Cooperativa onde se pretende a aproximação Ambos os pressupostos sinalizados atuam
e troca de pessoas diferentes que possam reivin- como fomentadores da cultura manicomial. ou
dicar e conquistar chances de vida iguais, estes seja, o caldo de valores e pensamentos sociais
segmentos da população deverão ter seu acesso vigentes que escorre instigando relações de dife-
mais do que facilitado, diríamos garantido. renciação pelo estigma e não pela idiossincrasia.
Caberá, portanto, ao corpo de profissionais o Portanto, não há de persistir dúvidas quanto
constante trabalho de localizar esta população, a definição de população alvo: compromisso de
proporcionar fluxo dos serviços municipais, mo- sensibilidade em atrair e facilitar inserção res-
vimentos, entidades, a fim de convergir para a ponsável do que priorização na prestação de ser-
convivência em espaços públicos os indivíduos viço marginalizador e muitas vezes alienante.
propositadamente afastados do convívio e deposi- Foram os próprios movimentos organizados
tados em clausuras domiciliares ou institucionais. de pessoas portadoras de deficiências, idosas,
Não significa com isto que deverão, por ser etc. que reivindicaram no processo da história
alvo, serem exclusivamente o único objeto de atual a necessidade da convivência dos diferen-
preocupação. Deverá constituir preocupação fun- tes em busca de um patamar de igualdades de
damental Os usuários que correspondem ao seg- direitos, questionando e re-significando o con-
mento populacional classificado como “normal”, ceito de normalidade.
pois a dialética se fará aí neste encontro dos dois Portanto, será de vital importância, os
tipos de segmentos populacionais: os tidos nor- Cecco’s não se constituírem em espaços espe-
mais e os desiguais para em esforço conjunto de cíficos ou exclusivos de doentes, deficientes,
convivência e cooperação, sob o cuidado técnico, marginalizados, mas antes e fundamentalmente
transformarem-se num único alvo - os diferentes -. em espaços de encontros a partir das tarefas-fa-
A equipe técnica atentará para propiciar con- cilitadoras, encontros promocionais de uma ver-
dições favoráveis ao acesso, a inserção e ao con- dadeira contra-cultura de convivência em novas
vívio destes vários segmentos. Entretanto, sem- consignias de relações humanas.
pre vigilante, à convivência dos “diferentes” e
não dos “iguais”.
68 AÇÃO TERAPÊUTICA X AÇÃO ASSISTENCIALISTA:

“Uma coisa perdurará, que é a relação do Em não se tratando de um serviço que vise
homem com seus fantasmas, seu impossível. explorar intencional e demagogicamente a pro-
sua dor sem corpo, sua carcaça noturna: e, dução do “tido desqualificado” para exibi-la
uma vez colocado o patológico fora de circui- como o “fruto belo do ventre-lixo”;
to, a sombria vinculação do homem à loucura Em não se tratando de uma versão maquia-
será a lembrança intemporal de um mal de- da e modernizada de instituição de guarda e
saparecido em sua forma de doença, mas que assistencialista desenvolvida em espaços mani-
sobrevive como infelicidade” comiais, marcados pela violência da disciplina-
rização vigiada;
Michel Foucault Em não se tratando de invenção de servi-
ço para garantia de emprego a “malabaristas
“Toda espécie de amor é um descanso para “-profissionais comprometidos com a lógica he-
a loucura” gemônica de centralização de poder e autono-
mia estritamente técnica;
Guimarães Rosa Em não se tratando de aventura experimen-
tal em negar o saber técnico e a responsabili-
Há que se inscrever “a lei” enquanto função que dade do serviço público de saúde referenciado,
localize o “homem” dentro de seus limites de ex- sobre a saúde dos indivíduos;
pressão de si, enquanto sujeito coletivo. Em não se tratando de descientificizar a ação
Haverá um tempo em que a função de dar voz terapêutica inscrita em novo setting;
e significado ao código interno “inconsciente” Em não se tratando de mitificar ou converter
não será mais atribuição dos “facilitadores-ex- em espaços mágicos a possibilidade resultante
clusivos” que podemos denominar os “pensado- de transformação das chances de vida dos indi-
res de dentro” (psis), mas certamente o mundo víduos marginalizados;
poderá se instrumentalizar em seu cotidiano- Em não se tratando de concorrer setorial-
-relacional para fazê-lo de maneiras diversas e mente à autoria da reinvenção de novas formas
inventivas na busca maior de um resignificado de fazer saúde;
de papéis, sentimentos, impressões e manifesta- Vamos identificando oportunamente, após
ções de subjetividades. afirmativas elencadas, um contorno simples e
Como aponta Guatarri, a ressingularização bastante original que indica ao Centro de Con-
que carece de instrumentais também singulares, vivência e Cooperativa o papel de colaborador
apesar do arcabouço técnico-teórico indispen- diferenciado no processo terapêutico dos que
sáveis, se processará independente dos aventais sofrem psiquicamente e dos que sofrem pela
brancos, ou seja, independente de um modelo condição de estigmatizado. A terapêutica nes-
médico de compreensão e abordagem do fenô- te contexto se inscreve sob outro contrato, que
meno: sofrimento mental. se distancia do usualmente padronizado, tanto
Somos convidados, pois, a um exercício re- pela formação acadêmica quanto pela prática
flexivo com o projeto Centro de Convivência e profissional privada e a sua fiel reprodução nos
Cooperativa em que condiciona aos que se lan- espaços de saúde pública.
çam a ele, um desvencilhar de preconceitos e de As senhas que introduzem os profissionais
proposição técnicas cristalizadas na abordagem neste lugar “desprotegido” de divã, sala de espe-
do sofrimento humano. ra, distanciamento pessoal, cartões de retorno,
tempos cronometrados, portasfechadas, são se-
Assim: nhas antigas e conhecidas que de original trazem
tão somente o instrumental que utilizam para se
Em não se tratando de um serviço de encon- manifestarem, pressupondo em contrapartida,
tros “free-lance”, descompromissados em lazer interlocutores munidos de uma nova visão da
contemplativo e absorto; prática terapêutica frente ao sofrimento psíquico.
Em não se tratando de mais um exemplar de Tais senhas deverão localizar-se no Cecco já
depósito de discriminados, em massas homogê- a partir da dinâmica de relações onde a escuta,
neas, pelos suas desqualificações; a entrada, proporcionem o acolhimento do outro
e cuidem para que o afeto e a confiança proces- tal, toda ação verdadeiramente terapêutica de- 69
sem o vínculo sob novos dispositivos contratuais, verá ser antes não alienante, não encerrada na
valendo-se de cenários privilegiados e comuns leitura unilateral da fala dos desejos, dos obje-

Centros de Convivência e Cooperativa


como as oficinas, facilitadoras de coletivização e tos internos ..., mas alçar também para a leitura
individuação. do “fora” problematizando o lugar e o papel so-
A leitura da fala do desejo deverá se dar asso- cial de cada um, marginalizado ou não, e de um
ciada a outras falas, corno as linguagens varia- determinado grupo.
das nas oficinas-atividades, assim, longe de ser Entretanto apesar do leque de ações e cober-
uma “laborterapia” o que deverá se processar é a tura atribuídas ao Cecco, sua vocação é essencial-
terapêutica da vivência do “se relacionar”, mes- mente de Fomentador de Saúde. Seu objeto é a
mo que esta se faça intermediado por urna ação vida, a chance e a diversidade de manifestação
que poderá ser dançar, pintar, cantar ou mesmo desta, a qualidade desta vida em movimento e em
caminhar e apreciar um por do sol. Há de se con- interação com outras tantas expressões de vida.
siderar também o histórico vivencial asilar, ins- Ter a vida por objeto primeiro significa mui-

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titucionalizado ou não em cada indivíduo, a fim to mais do que a preservação desta, comumente
de que o rendimento da intervenção terapêutica exemplificada na ausência da doença ou da assis-
possa proporcionar ao usuário do Cecco a inter- tência à doença, mas antes e fundamentalmente
nalização de vivências novas, de contato com os é a qualidade desta vida o que está em cena em
desejos próprios e alheios, e a reeducação para suas características mais diversas, desde o acesso
novos hábitos e desempenhos sociais. a bens, a cultura, a educação, ao trabalho, a con-
Assim o que,observamos, na ação dos profis- vivência, a história... até o direito de cada indiví-
sionais, é o surgimento de um novo postulado: a duo se exercitar sujeito de seu próprio “destino”,
ação terapêutica-educativa, por sua intensidade patamar máximo de respeito a vida, o direito de
e ampla abrangência junto à vida psíquica, a vi- cidadania, uma espécie “rara” de saúde.
são de mundo e ao desempenho de um novo pa- Se avançarmos na direção do concreto coti-
pel social dos então marginalizados-segregados, diano do serviço poderemos nos deparar com si-
e dos coadjuvantes-parceiros deste processo os tuações que inspiram um tipo de assistência não
“tidos normais’, numa clara ação pedagógica. à doença, mas de proteção à vida, esta mesma
O terapêutico enquanto setting no Cecco, en- vida protagonista primeira do Cecco.
tretanto, deverá se diluir para além da oficina Trocando em miúdos será comum até como
(tarefa circunscrita), se pretende manifesto des- parte, esteriotipada ou não, da identidade do es-
de a mais simples e primária vivência de circu- tigmatizado-segregado, se apresentarem ao con-
lar neste espaço, de conviver com suas normas vívio acompanhados de diferentes “elementos”,
construídas conjuntamente, de se misturar em que por sua concretude e sinal absoluto de “mi-
ações rotineiras e comuns como comemoração séria e risco”, introduz não só a possibilidade
de aniversário, tomar um lanche, ir ao cinema de reflexão acerca de seu significado simbólico
... sendo que nas oficinas, pela característica ou não, na ordem da auto-estima, de expressão
da problematização de questões e ações, toda de abandono e animalização ... mas inevitavel-
retaguarda a. dificuldades no relacionamento, mente introduz o risco real de convivência pelas
inadaptação ou conflito, deverão ser objetos da características concretas não subjetivas, impe-
ação profissional-técnica. ditivas ao franco convívio humano.
Será no encontro do indivíduo consigo mes- Assim o usuário da população alvo, princi-
mo em seus ensaios de singularização. No en- palmente, que se apresenta
contro com o outro explicitamente diferente,
que deverá residir à essência do terapêutico, (por exemplo) com piolhos, unhas com-
promovendo um sentir e um pensar resignifi- pridas e sujas ... e de certa forma provoca
cados num processo verdadeiramente Terapêu- no grupo reações de afastamento, comu-
tico-Anárquico, por não se constituir enquanto nica uma mensagem que precisa ser deco-
psico, ocupacional, fono ... terapias em seus pa- dificada e não psicologizada ou negada,
radigmas mais convencionais. desde dificuldade concreta de cuidado,
A fim de sintonizar coerentemente com a até dificuldade da ordem da auto-estima.
proposição da determinação social do sofrimen-
to psíquico, uma prerrogativa que não constitui
privilégio dos acometidos por transtorno men-
70 Entretanto seja no nível do grupo de usuários, pecificidade técnica, estas assumem o caráter de
seja no nível do corpo técnico as ações deverão ser senhas reais de defesa crítica da vida, que rein-
tão concretas quanto à situação exemplificada. ventem um modo de fazer saúde, fomentando o
exercício de cidadania.
• Como realizar tal ação sem perder o cará- Entendendo o fluxo de referência e contra-
ter terapêutico-educativo e sem recair na -referência no modelo de atenção à saúde men-
caracterização assistencialista? tal, vale ressaltar que apesar das vocações com-
plementares e não nivelares dos vários serviços,
A opção poderá ser de transformar as ações em deve-se observar os princípios de equidade,
atividades onde a tarefa focal possa ser, por exem- universalidade, integralidade e regionalização
plo, o cortar a unha, o limpar os cabelos, o escovar nas ações, porém, quanto ao princípio da hie-
os dentes, ... o cuidado de si e do outro, na forma rarquização não será aplicado à saúde mental.
de oficina que discuta estas questões em suas ne- Pois bem, isto deverá significar que o fenômeno
cessidades, dificuldades e significados onde todos sofrimento mental nas formas mais variadas que
participem inclusive os profissionais técnicos; e/ se apresente carece de abordagens que conside-
ou ainda a opção poderá ser dos profissionais do rem o valor terapêutico do vínculo, vínculo-refe-
Cecco investigarem e proporem intervenções da rência a pessoas, local, experiências.
própria família, problematizando a questão com Consequentemente, no que diz respeito ao
eles no espaço do Cecco ou no domicílio. cecco, mesmo em momentos de crises, surto, de-
Outra situação exemplar e também impedi- lírios, uma outra conduta deve entrar em cena
tiva de convívio numa outra ordem, poderá ser que não a burocracia do encaminhamento e a
descrita pela necessidade de: aplicação cindida e automática de um modelo
de fluxo tomado ao avesso e rigidamente, de-
(por exemplo) viabilizar a feitura de car- sarticulado de afeto e de avaliação prognostica
teira de identidade, companhia para ir relacional-circunstancial.
ao banco receber direitos, para ir ao tra- Assim sendo, muitas serão as vezes que deve-
tamento na UBS, dar encaminhamento rá constituir ação dos diversos serviços de saúde
a questões judiciais, participar do Coral- mental e particularmente do Cecco, o suporte,
-Cênico da Saúde Mental, conseguir vaga a continência técnica-afetiva à situação de so-
em escola pública regular... frimento extremo, a orientação familiar, e/ou
acompanhamento individual enquanto facilita-
Além de surgirem muitos elementos de aná- dor de participação, ocorrendo em nome de uma
lise e compreensão da dinâmica de vida do in- compreensão mais dialética do sentido do tera-
divíduo ou grupo de indivíduos, sem sombra pêutico e do assistencial, do fluxo, da referência
de dúvidas, deverá constituir papel do Cecco e e contra-referência da atribuição vocacional de
consequentemente da equipe de profissionais, a cada serviço de atenção..., instrumentais a ser-
facilitação destas conquistas tanto na localização viço do bem estar do homem e não o contrário.
de soluções fora do Cecco e portanto devendo Deve-se, portanto relativizar preposições
informá-las, quanto na disponibilidade do profis- através do bom senso, da responsabilidade co-
sional do Cecco em desempenhar o papel deste letiva e do exercitar miúdo e diário de um, tam-
acompanhante qualificado “provisório”, também bém, novo feeling terapêutico.
facilitador de uma conquista - das mais singula-
res, de autonomia e poder contratual.
O importante a ser frisado é que tanto no
primeiro quanto no segundo exemplo descrito
acima toda ação deverá estar revestida de valor
terapêutico-educativo tanto para os usuários
quanto particularmente para os profissionais, ou
seja, problematizá-las e, preferencialmente de
forma coletiva, buscar resposta no próprio grupo
de convívio e no seio da família, quando houver.
Assim, mesmo tendo como atribuição no
papel dos profissionais ações aparentemente
assistencialistas e desqualificadas pela não es-
EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NO CECCO 71
(Um Ensaio a Transdisciplinariedade)

Centros de Convivência e Cooperativa


A utopia que perseguimos com o projeto Centro talizado, constituirá adubo necessário a cons-
de Convivência e Cooperativa é basicamente a trução de uma transdisciplinariedade, ou seja,
conquista de uma nova qualidade nas relações analogamente a convivência dos diferentes no
entre os seres vivos, relações que possam estar Cecco, a conjunção de vários e diferentes sabe-
marcadas pela expressão dos desejos e a disponi- res produzindo cooperadamente um novo saber.
bilidade em se “empatizar” com o outro em suas Não constitui opção aleatória a composição
singularidades e diferenças. da equipe técnica profissional deste projeto, en-
Este tipo de conquista deverá, quiçá um dia, tretanto, não podemos deixar de admitir que tais
não carecer de corpo técnico especializado para categorias não são exclusivas ou insubstituíveis.

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facilitar, nada mais nada menos, do que um pa- Não se faz necessária uma aventura na argumen-
tamar simples, original e pouco difundido entre tação do porque não outras categorias profissio-
os “homens” que é a predisposição à fraternida- nais, exercício insólito, mas sim na argumenta-
de, ao encontro crítico consigo e com o mundo, ção objetiva e básica do porque estas categorias.
a uma espécie de convivência não alienada e Dentro do quadro da saúde as disciplinas que
não discriminadora. por excelência trabalham o indivíduo enquanto
Entretanto consolidar esta conquista pressu- ser social em relação consigo (objetos internos,
põe processo lento e trabalhoso onde um corpo desejos) e em relação com o mundo (socieda-
técnico especializado ocupa papel de indiscutí- de, direitos, trabalho, educação, comunicação,
vel e indispensável valor. relações interpessoais...), foram convidadas a
Na mesma medida da necessidade deste compor o quadro do Cecco a fim de contribuírem
corpo profissional, polariza-se um outro ponto para a leitura e ação sobre o fenômeno do sofri-
de valor que é a especificidade e as armadilhas mento psíquico, do sofrimento humano.
que esta representa, pela trajetória histórica que Adequando instrumentais, revendo aborda-
as disciplinas “do humano”, preocupadas com gens, setting ... cada especificidade deverá contar
a leitura das falas do mundo, travam com a ci- fundamentalmente com a sensibilidade individu-
ência afim de se legitimarem; e neste vão de in- al de cada profissional e a disposição em se alterar
sensibilidade na percepção da vida acabam, por como pessoa a partir de um patamar de conheci-
vezes, se prostituindo frente a história. mento e acúmulo reconhecidos e valorizados.
Mas deverá se apostar e investir na contribui- Assim num campo como o Cecco onde as di-
ção e na constante reciclagem dos multiprofis- versas linguagens são as senhas facilitadoras
sionais imprescindíveis a uma reformulação da na subjetivação de relações e trocas que ousam
saúde pública e no resgate da seriedade e reso- questionar, em exercício de análise e síntese,
lutividade desta. conceitos e preposições pré-estabelecidas na di-
Assim, uma equipe básica de profissionais de reção da autonomia e da reinserção no mundo
categorias diversas, não médica, pela vocação do trabalho construindo poder de barganha ....
mais promotora de saúde dos Cecco’s, deverá não é difícil se tecer exemplarmente uma Liga:
atuar integradamente revendo posturas básicas
que a academia postulou. • Entre o fonoaudiólogo e a sensibilidade jun-
Não se realizarão contratos para psicotera- to à consígnia dada pela fala concreta, da
pias, terapias ocupacionais, terapia fonoau- comunicação. do cantar e se identificar com
diológica ... mas antes e fundamentalmente a os sons que contam e reorientam histórias,
partir do singular de cada um destes lugares posturas e relações...;
(de construção de conhecimentos) se desenhará • Entre o psicólogo e a sensibilidade junto à
um novo lugar de construção de conhecimento consígnia dada pela fala do desejo, do sub-
onde as diferentes contribuições específicas se jetivo entremeando relações, do diferente e o
consorciem em torno de um mesmo objeto: “a estigma, indicando hiatos na convivência a
vida em convivência e em cooperação com suas serem amparados e lidos...;
multi-caras”. Superar um modelo de relações e
trabalho comumente vertical e compartimen-
72 • Entre o terapeuta ocupacional e a sensibili- pensadores-leitores do fenómeno humano (corpo
dade junto a consígnia dada pela fala cons- técnico), e se agregarão na construção da trans-
truída de elementos históricos e internos disciplinariedade.
manifesta na ação produtiva individual e co- Caberá a estes profissionais também um re-
letiva de caráter crítico-questionador ...; pensar de suas práticas enquanto programáticas,
• Entre o assistente social e a sensibilidade avaliativas a avançarem para práticas fomenta-
junto a consígnia dada pela fala do fora, do doras de vivências livres que estimulem o des-
acesso a informação de direitos e deveres, pertar de repertórios não padronizados e referen-
do acesso a uma compreensão crítica de um ciados, particularmente, em critérios individuais
mundo normativo em movimento ...; próprios, relativizando valores maniqueístas e
• Entre o educador em saúde pública e a sensi- não facilitadores de ressubjetivação corno o feio
bilidade junto a consígnia dada pela fala de e o bonito, o certo e o errado, o bom e o ruim...
uma produção de sofrimento humano, entre- Assim, estes obreiros da arte, da música, da
laçando cadeias explicativas que introduzam dança, do plantio, do esporte, da literatura, do
a determinação social do dado sofrimento e tear, do teatro ... trarão ao alcance de todos a se-
as suas brechas de transformação ... nha específica, em forma de linguagem solta, de
instrumentais valiosos e caros a um garimpo pro-
Este exercício em identificar as Ligas é pura- cessual: de se fazer criativo, de se fazer singular,
mente didático, estático e exemplar, visto que a coordenando oficinas temáticas sob o princípio
dinâmica deverá ser em movimento espiral e como da convivência, contando com o apoio do corpo
tal, muitos trocarão de lugar com outros e se sur- técnico especializado e captando a “arte” popu-
preenderão em ações novas, porém, revestidas de lar-local, afim de transportá-la para a atividade
um referencial interno e de (armação peculiares. da oficina, num processo de valorização do refe-
Caberá aos outros profissionais de apoio técni- rencial do outro e de despertar de novas vocações
co: auxiliar de enfermagem, vigia, auxiliar admi- e potencialidades.
nistrativo da saúde, serventes ... a possibilidade Portanto contar com estes personagens-pro-
também de reciclarem e se arriscarem neste espa- fissionais no trabalho diário do Cecco, impulsio-
ço diferenciado de trabalho como colaboradores na a otimização do papel da equipe técnica no
deste processo de re-significado das relações. trato mais subjetivo da qualidade da convivência
OFICINEIROS E VOLUNTÁRIOS: o interse- nas atividades em geral; e traz escarradamente a
cretarial deverá tornar realidade a entrada des- beleza cia diversidade: trampolim disparador de
tes novos e importantíssimos personagens que vivências arriscadas, pelo “generoso” grau de li-
trarão efetivamente fôlego a intervenção dos berdade na direção da (re)invenção.

PARTICIPAÇÃO POPULAR
(O controle social através do co-gerenciamento)

“O verdadeiro Poder segreda, em sua essência, Sinal expressivo de democracia, coerência


o hábil exercício da parceria e da relativização” com as deliberações das Conferências de Saúde
e compromisso com urna forma descentraliza-
I. C. L da e popular de administrar o bem público, é
o investimento aberto nas formas de Conselhos
O pressuposto básico para a definição das ativi- Gestores Tripartites.
dades a serem organizadas e propostas pelo Cec- Nos Conselhos Gestores Tripartites a pari-
co é o planejamento e a avaliação conjunta entre dade e a identidade deliberativa, acerca do pla-
as secretarias existentes no local (podendo ser nejamento, segundo características territoriais,
diferente a composição em cada Cecco), a repre- encaminhamentos e avaliação, configuram o
sentação dos funcionários e a população usuária contorno necessário à viabilidade do controle
organizada. Compondo assim o Conselho Gestor. social sobre o serviço público.
Logo, deverá constituir prioridade por parte mente (trimestral ou semestralmente) plenárias 73
dos Cecco’s, com a assessoria distrital, a forma- abertas que possam discutir as mesmas questões
ção dos Conselhos Gestores observando a pari- de relevância do Conselho Gestor, afim de:

Centros de Convivência e Cooperativa


dade e a singularidade deste serviço onde as três
partes: Administração, Funcionários e Usuários • viabilizarem um canal legítimo de participa-
apareçam de forma pluralista, ou seja, pela natu- ção de segmentos tão variados;
reza intersecretarial, tanto administração quanto • subsidiarem a própria discussão do Conse-
funcionários possam vir de vários setores-secre- lho Gestor na qualidade de indicadores de
tarias diferentes, e mesmo o segmento usuário, propostas.
por sua característica múltipla, pela expressiva
participação de movimentos organizados, como O modelo adotado enquanto composição tri-
meta, enquanto “usuários” dos Cecco’s além dos partite-paritária pela PMSP respeita o delibera-
individualmente representados. do pelas Conferências Municipal e Nacional de
Portanto, caberá em cada unidade a avalia- Saúde a saber:

Cadernos Temáticos CRP SP


ção de seu perfil e a partir daí a adequação qua-
litativa na composição do Conselho. Administração ...................................... 25%
Indicamos que pela importância da partici- Funcionários ........................................ 25%
pação do segmento organizado: movimentos so- Usuários ............................................... 50%
ciais, de entidades, outros, se realizem periodica-

ATRIBUIÇÕES DAS VÁRIAS SECRETARIAS


AUTARQUIAS, EMPRESAS ... MUNICIPAIS NOS CECCO’S

A viabilidade da abrangência do serviço que o CTA da Secretaria Municipal de Saúde acatam


Centro de Convivência e Cooperativa propõe o deliberado pelo relatório do Grupo de Traba-
está intrinsecamente ligada a ação conjunta de lho Intersecretarial: Cultura, Cidadania e Saúde
natureza singularmente intersecretarial, pelo Mental que discorre, entre outras coisas, as atri-
pioneirismo da ação, que requer atribuições di- buições de cada segmento municipal em relação
ferenciadas e explicitadas na vontade política e à viabilização Intersecretarial do serviço Centro
na previsão orçamentária de cada setor. de Convivência e Cooperativa, condição que
O Grupo de Trabalho Centro de Convivência visa assegurar as ações cotidianas do projeto
e Cooperativa, o Colegiado de Saúde Mental e o (vide Relatório em anexo).

METAS E PERCENTUAIS INDICATIVOS PARA O FUNCIONAMENTO DOS


CENTROS DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA

Composição da Equipe: 02 (dois) Auxiliares Administrativos da Saúde


02 (dois) Psicólogos 01 (um) Atendente ou Auxiliar de Enfermagem
02 (dois) Terapeutas Ocupacionais 02 (dois) Serventes
02 (dois) Assistentes Sociais 02 (dois) Vigias
0l (um) Fonoaudiólogo
01 (um) Educador em Saúde Pública. Obs.: Como .uma conquista técnica da própria
01 (um) Coordenador (nível universitário) categoria foi contemplado a nível de composição
de equipe 01. (um) Educador em Saúde Pública
Totalizando 09 (nove) Profissionais Técni- para cada Cecco com jornada de trabalho de 20
cos em sua maioria com jornada de 40 horas/ horas/semanais.
semanais
74 ATIVIDADES INTERNAS

70% - das atividades deverão ser internas ao Cecco Exemplo da média por atividade:
Oficina com 20 (vinte) participantes:
Indicações de distribuição: 06 (seis) P.T.M.
04 (quatro) outros da População Alvo
45% - coordenação ou acompanhamento de ofi- 10 (dez) População Geral
cinas, cooperativas, atividades dirigidas e não
dirigidas (vídeo, brinquedoteca, biblioteca ou Importante ressaltar que é aproximadamente
cantinho de leitura, abordagens livres) (=), pois a realidade localterritorial, o processo
de implantação e fundamentalmente a sedimen-
25% - atividades de rotina eventuais: - recepção tação de uma nova cultura antimanicomial:
e acolhida;
• tanto nos serviços - expressas no sucesso de
• Entrevistas; uma rede de referência e contra referência
• “atendimentos” individuais ou familiares - • tanto na comunidade - expressas na quali-
plenárias de usuários dade e intensidade de apropriação da coisa
• Almoço comunitário -festas pública e do acesso para exercício de cida-
• palestras dania de usuários em geral (população alvo
• reuniões internas ou não) no Cecco;

Taxa Percentual - indicativa de distribuição de Sinais de compreensão e convencimento de


usuários por oficina/atividades dirigidas: novas senhas para o relacionamento humano e
cuidado da saúde, independente de taxações fi-
População Alvo - compor 50% das oficinas/ati- xas normativas.
vidades Sem dúvida, constituirá fruto de longo pro-
cesso de trabalho, imprescindível criativo. in-
Indicação de distribuição a fim de se privile- tenso, dedicado, e não discriminador, de um
giar os acometidos de transtorno mental: corpo técnico articulado a outros profissionais e
segmentos populacionais.
30% - Portadores de Transtorno Mental (P.T.M.) Portanto esta indicação em taxa percentual
é puramente aproximativa, pois acima de tudo
20% - Idosos, Crianças e Adolescentes de rua, pretende ser um termômetro para garantia de não
Portador de Deficiência, Portador de Necessida- guetos (apenas doentes, ou acometidos de trans-
des Especiais (I./CR/AR/PD/PNE) torno mental ou apenas população geral prin-
cipalmente na composição das oficinas), e não
50% - População Geral constituir camisa-de-força normativa, um contra-
senso aos princípios do próprio projeto Cecco.

ATIVIDADES EXTERNAS

30% das atividades deverão ser externas ao Cec- 5% - Visitas e Ações Domiciliares
co. Indicações de distribuição:
5% - Passeios ou Atividades Externas de Sociali-
20% - Atividades com movimentos sociais e zação (pic-nic, zoo, cinema, teatro, feira
populares, entidades em geral, instituições de andar de ônibus, mercado, visitas a outros
saúde, reuniões administrativas, grupos de ta- Cecco’s, bibliotecas, etc).
refa, fóruns.
OFICINAS E NÚCLEOS DE TRABALHO - COOPERATIVAS 75

Centros de Convivência e Cooperativa


Caracterização em Estimativa (frequência, du- de ação específica junto à dinâmicas geradoras
ração, atribuição, participação) 20 (vinte) ofici- de sofrimento individual ou coletivo no grupo e
nas por semana: efetuar intervenção direta ou indireta.
As oficinas deverão ser realizadas em duplas
Sendo: (técnico/oficineiro, técnico/técnico, técnico/vo-
luntário).
04 - (quatro) oficinas por dia (24 à 6a feira) As atividades ordinárias ocorrerão de 2ª a 6ª
feira, na maior parte dos locais, em períodos de
08 - (oito) oficineiros por semana, sendo que 08 (oito) horas diárias. Deverão ser organizados
cada oficineiro poderá desenvolver 02 ofici- plantões, com cada 3 (três) profissionais. Por sá-

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nas por semana sobre a mesma temática, de bado ou domingo, 1 vez por mês.
preferência. Cada profissional deverá se dispor a um
“plantão-final de semana” de 06 (seis) horas/
05 - (cinco) Núcleos de Trabalho - Coopera- bimensais, entretanto estes plantões deverão
tivas (proposta de serem cinco núcleos dife- ocorrer com planejamento e em consonância
rentes com temáticas também variadas, com com a característica e realidade local que justifi-
frequência a ser definida pelo grupo interes- que a importância deste investimento.
sado. Poderá ter frequência diária). Atividades extraordinárias poderão ser pro-
postas respeitando-se o mesmo princípio ante-
Média de duração das Oficinas: rior de necessidade local-territorial associada a
02 (duas) horas de execução possibilidade e interesse do Cecco.
01 (uma) hora para planejamento e registro/
semanal Média de Plantões de Recepção-Acollhida:
Contando com a equipe de 08 (oito) técnicos,
Média de duração dos Núcleos de Trabalho- excluindo o coordenador, cada técnico deverá
-Cooperativas: ter em média 05 (cinco) plantões/mensais (ma-
03 (três) horas de execução nhã e/ou tarde).
01 (uma) hora para relatório e discussão/diária
Média de Passeios ou Atividades Externas
Média de acompanhamento ou coordena- de Socialização:
ção de Oficinas e/ou Núcleos de Trabalho- 01 (um) mensal
Cooperativas por profissional universitário:
05 (cinco) por semana Média de Visitas-Ações Domiciliares:
04 (quatro) ao mês (deverá ser realizada por
Média de participantes por Oficina: uma dupla de profissionais. considerando a
20 (vinte) participantes equipe de 09 (nove) profissionais).

Média de participantes por Núcleo de Tra- Média de reuniões:


balho-Cooperativa: Reunião de Equipe: 01 semanal/4 horas du-
15 (quinze) participantes ração Reunião de Planejamento: 01 quinzenal/2
horas duração Reunião de Supervisão - 01 quin-
Será atribuição do corpo técnico acompa- zenal/3 horas duração
nhar todas as oficinas na qualidade de coorde-
nação ou de co-coordenação, quando da exis- Divisão de Atividades em horas semanais
tência de oficineiro-coordenador. Este corpo por profissional universitário
especializado de profissionais terá a clara atri- Carga horária calculada por profissional - (40
buição técnica de leitor-interventor-facilitador horas/semanais)
da convivência dos diferentes, cuidando para 15 (quinze) horas - oficinas e núcleos de tra-
que a tarefa não se esvazie de significado, per- balho - cooperativa
petuando alienação. Assim como, não obstante, 04 (quatro) horas - recepção - acolhida e en-
deverá atentar, para quando da necessidade, trevista
76 05 (cinco) horas - atividades dirigidas, não • Estima-se a capacidade “potencial de absor-
dirigidas e eventuais. ção”, aproximadamente de 120 pessoas/dia
03 (três) horas - atividades com movimentos utilizando o Cecco.
sociais, instituições em geral, unidades de • Pesquisamos e avaliamos que a média esti-
saúde. mada de “potencial na frequência” do mes-
02 (duas) horas - passeios ou atividades ex- mo usuário seja de 04 (quatro) horas/diária
ternas de socialização em 03 (três) vezes por semana.
01 (uma) hora - visitas e ações domiciliares
10 (dez) horas - reuniões internas e externas, Os usuários podem utilizar o Cecco todos os
supervisão e cursos. dias, pelo período que desejar.

Portanto deverá responder ao seguinte O Cecco deverá estar aberto com atividades
parâmetro indicativo percentual: diariamente, não justificando seu fechamento
para fins de reuniões de rotina (por exemplo).
24 (vinte e quatro) horas atividade interna: 60% A coordenação da Unidade e a equipe de-
06 (seis) horas atividade externa: 15% verão se organizar a fim de, na ocorrência de
10 (dez) horas reunião/supervisão/curso: 25% reuniões que envolvam muitos componentes do
Cecco, viabilizarem rodízio ou outro recurso que
Metas em Estimativas de “Potenciais” a possibilite a continuidade do serviço prestado à
serem construídos população, com qualidade.
(porém condicionados a investimentos em
Recursos Materiais, Humanos e Espaço Físico)

QUALIDADE DE VIDA E A CONSTRUÇÃO DE UMA ECOLOGIA DA


SUBJETIVIDADE (A Utopia do Cecco)

“A Felicidade morava tão vizinha que detolo cido” concorre para uma apropriação histórica
até pensei que fosse minha” do mundo e de si, e neste apropriar reorientar
papéis e verdades a partir de referenciais outros,
Chico Buarque mais individuais e coletivos, pela dialética da
ação, sinal inquestionável de qualidade de vida.
“Nada a temer senão o correr da luta nada a Portanto como manifesto de afronto aos mé-
fazer senão esquecer o medo abrir o peito a todos coercitivos, medicalizantes e segregado-
força de uma procura fugir as armadilhas da res o Centro de Convivência e Cooperativa vem
mata escura ... Vou descobrir o que me faz sen- de um lado possibilitar esta idiossincrasia - si-
tir eu caçador de mim” nal de criatividade e individualidade, e de outro
possibilitar a coletivização organizada na con-
Milton Nascimento quista de saberes e de poder capaz de barganhar
com o mundo sua própria transformação.
A vida aqui protagonizada é a vida plena em Uma delicada e fina costura que dá Liga e
suas manifestações mais diversas, num encon- Substrato ao surgimento de uma Ecologia da
tro de olhares, sons, movimentos, projetos, Subjetividade, que encadeada em espiral dinâ-
cheiros ... uma espécie de “natureza”. mica vai operando sobre os desejos, convívio e
A “natureza” do humano, a “natureza” do produções; Criando uma atmosfera de cumplici-
animal, a “natureza” da natureza. Naturezas que dade entre todos os “tecelões desta imensa teia
deixam de ser naturais (pré-determinadas e ho- qualificada pelo respeito à vida; na busca de
mogêneas) para se singularizarem diferenciadas promover aos indivíduos o encontro desaliena-
em confronto direto com o Estabelecido. do “do que se é e de tudo que se pode ser”.
Esta preposição de reinventar o olhar co- Assim há que se explicitar e valorizar Os mais
mumente lançado sobre o “conhecido-estabele- tímidos sinais de subversão de uma ordem dis-
ciplinadora de energia libidinal, de energia cria- Tantos poderiam ser, exemplarmente, os si- 77
dora, mantenedora de um status quo. nais concretos de construção desta tão persegui-
O que dizer de uma subjetividade manifestada da qualidade de vida, onde o prazer de conduzir

Centros de Convivência e Cooperativa


e processada na vida de indivíduos que mesmo os desejos de construção de uma “espécie” de
que temporariamente trocam: felicidade própria em conjunto com outras es-
pécies de felicidades alheias possam eleger a
• o efeito alucinógeno de uma droga como a fantasia como parceira não alienígena mas an-
cola, o esmalte, o craque, pela atividade de tes indicadora de singularidade, sob a égide da
em conjunto constituírem outras viagens liberdade e da solidariedade.
com pipas, bonecos, teatro, malabarismos... Um sinalizador muito caro e de valor histó-
se aventurando a um autorizar-se de resgate rico ao processo de elaboração deste arcabouço
de infância, de releitura da própria trajetó- teórico-prático do sentido da convivência coo-
ria-histórica-pessoal, de dribles com a sorte perada, foi o nascimento do CORAL -CÊNICO DA
para garantia de vida. SAÚDE MENTAL. Um ensaio intersecretarial, um

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• a condição de descartáveis humanos, na su- ensaio acima de tudo de intersubjetividades que
posta improdutividade, nos moldes produti- a essência do projeto diário-concretizado dos
vos do capital, pela chance auto-concedida centros de convivência e cooperativas impulsio-
de produtores-criativos de ações adorme- naram a partir de ideias ousadas e solitárias que
cidas, vitais a outros indivíduos, gerando consorciadas germinassem um exemplar de Co-
as cadeias complementares, (por exemplo operativa de Arte. Onde a beleza e a sonoridade
através de: rodas de contos de história/co- ocupam partituras e cenários muito primitivos
ral), possibilitando manifestação de desejos por sua característica comum e emocionante-
e potencialidades mente surpreendentes por sua singularidade em
reinventar o agradável talvez uma espécie tam-
bém comum de utopia e, consequentemente, de
uma “espécie” de qualidade de vida.

RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO INTERSECRETARIAL


SOBRE CULTURA, CIDADANIA E SAÚDE MENTAL
(Referente a1ª Parte do G.T. - Centro de Convivência e Cooperativa) JUSTIFICATIVA
(Análise e Considerações)

PROPOSTA DE UM PROJETO DE LEI-CECCO (Texto e Anexos)


CENTRO DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA
Justificativa

Entendendo a questão da Saúde Mental num tentação das instituições em geral, como “nor-
prisma mais globalizante, identificamos como teadores mor” de um processo de instituciona-
cenário privilegiado de determinação do sofri- lização, ou seja, impeditivo da expressão e do
mento mental, as más condições de vida e de exercício de cidadania valendo-se portanto da
trabalho, a teia de relações que se estabelecem discriminação, da marginalização, da segrega-
culturalmente na promoção da discriminação, ção e exclusão do diferente, do “desviante”, sob
da desvalorização da expressão de subjetivida- o parâmetro da disciplina e da norma vigente,
de dos indivíduos, na valorização da relação de expressos na lógica da “pseudo-verdade” das
castas e perpetuação de desigualdades, e deses- dinâmicas escolares, do acesso e assistência à
tímulo à produção coletiva. saúde, das políticas de urbanização.
Observamos a difusão dos pressupostos das Portanto fazer saúde mental, pensar saúde
instituições totais, presentes na matriz de sus- mental, pressupõe um desmonte de estruturas
78 determinantes de sofrimento, exige ações múl- tamento à discriminação, à marginalização e à
tiplas e conjugadas de vários setores governa- segregação, expressas, exemplarmente, em si-
mentais, condição básica ao enfrentamento da tuações como: a criança abandonada, a mulher
cultura manicomial, a cultura de segregação que desrespeitada, o jovem desempregado, o vicia-
gera sofrimento, adoecimento e morte física-psí- do, o idoso sem sonhos e sem vez, o indivíduo
quica, sustentadas pelo pensamento eugenista sem prazer, sem possibilidades de projetos de
impregnado na história e cultura de nosso povo. vida, sem direito de cidadão.
Assim, uma Política Municipal de intervenção Para realização deste trabalho os Centros de
na área de saúde mental deverá ser implementa- Conveniência e Cooperativa foram idealizados e
da por uma ação intersecretarial que garanta o instalados em espaços públicos (Parques, Pra-
trabalho multidisciplinar que a tarefa exige. ças, Centros Esportivos ou Desportivos e Centros
Esta ação se traduziu na atuação do Grupo de Comunitário de Cohab ou Espaços que se carac-
Trabalho Intersecretarial “Cultura, Cidadania e terizam como públicos), corno um serviço que
Saúde Mental”, constituído pela Portaria 112, valorize a vocação destes espaços e amplie suas
de 30.03.92, pela Senhora Prefeita, composto potencialidades possibilitando a população em
por representante das secretarias, autarquias e geral a real apropriação no uso destes locais de
empresas municipais (SMS, SME, SMC, SEME, forma organizada, crítica e criativa, assesso-
SSO, DEPAVE, SEHAB, SEMAB, SMT, COHAB, rada pelo serviço público na facilitação de um
CMTC, Guarda Metropolitana e Corpo Municipal uso amplo, na interlocução entre comunidade e
de Voluntários) coordenado pela SMS, que rea- suas formas de organização.
lizou reflexão coletiva sobre a questão da saúde As atividades desenvolvidas integrarão
mental, buscando compatibilizar as especifici- necessidades diversas sistematizandoas, em
dades de cada área em uma intervenção mais propostas diárias que objetivem a construção
integrada na cidade. conjunta de uma nova qualidade de vida., moni-
Contribuindo dessa forma no processo de re- toradas responsavelmente por equipes técnicas
-significação do conceito de saúde mental, coe- e equipes de apoio.
rente com a abrangência que se tem imprimido Vale destacar a potencialização dos espaços
à noção de cidadania, cumprindo assim o poder externos como áreas verdes, áreas livres, qua-
público municipal sua tarefa educativa, em sua dras, ... enquanto cenário privilegiado de ati-
interlocução com o munícipe e com o servidor. vidades e utilização dirigida. No entanto, deve
Concretizando na disponibilidade de espaços ser considerada a necessidade de utilização
físicos, recursos humanos e materiais a viabiliza- de espaços existentes ou a serem construídos
ção, de fato, desse trabalho junto à população. que viabilizem ações de convivência em salas
Na concretização dessas diretrizes desta- de múltiplo uso, ateliês, galpões e quiosques,
camos, entre outras ações, o Centro de Convi- sinal circunscrito de urna intencionalidade de
vência e Cooperativa que se caracteriza como ação em oferta planejada, não espontaneísta,
um espaço alternativo-substituto, ao modelo mas aberta ao uso livre e organizado de todos
manicomial assistencialista, segregacionista, os interessados.
hegemônico em nossa cidade representado pelo É importante ressaltar a característica das
Hospital Psiquiátrico. atividades enquanto expressão da necessidade
Nos Centros de Convivência e Cooperativas da população usuária, enquanto resgate de sua
são desenvolvidas atividades coletivas de cunho cultura, o que vem de encontro à valorização da
cultural, artístico, esportivo ou educacional história e da identidade desta mesma população.
com a finalidade de modificar as relações sociais Num primeiro momento favorecendo a con-
e também pessoais, no cotidiano de segmentos veniência através da riqueza que é a linguagem
populacionais: doentes mentais, portadores de artística (dança, artesanato, música, teatro,
deficiências, idosos, crianças e adolescentes de artes plásticas...), da linguagem esportiva, cul-
rua, portadores de necessidades especiais, num tural ... (jogos de mesa, jogos de quadra, rela-
convívio direto em agrupamentos heterogêneos, xamento, massagem, ... rodas de conversa, fol-
juntamente com a população tida como “nor- clore local, culinária, utilização da terra, prática
mal”; com vistas a uma reinserção na sociedade. orientais milenares...) para, processualmente
As ações de convivência através da inten- favorecer a organização destas pessoas e o seu
sificação dos contatos interpessoais de grupos despontar em ações cooperativas de cunho pro-
diferenciados constituirão a tradução do enfren- dutivo e de reinserção na economia popular.
Compatível com os princípios da não discrimi- funcionários e usuários deliberarão sobre pla- 79
nação e da convivência dos diferentes, as ações nejamento e avaliação das atividades a serem
cooperativas devem integrar, na produção e co- oferecidas, de modo a facilitar integração, ações

Centros de Convivência e Cooperativa


mercialização, indivíduos cuja sobrevivência não conjuntas e garantia de acesso e participação de
pode estar submetida aos princípios da avaliação toda a população interessada.
de mérito e da produtividade. Tanto a produção Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa
junto a comercialização, deverão se subordinar a um serviço que objetiva fundamentalmente a ou-
capacidade e limitações de cada um nas suas di- sada tarefa de reorientar valores contratuais a ní-
ferenças, sendo assim coerente com os princípios vel social e cultural dos considerados “diferentes,
básicos do processo de convivência. desviantes, deficientes, incapazes, perigosos ou
As atividades de convivência e de cooperati- insanos”, com o restante da população conside-
va se constituem dessa forma, em irradiadoras rados “adequados, sadios, produtivos, normais”.
nos espaços comunitários e nas sociedade em Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa
geral, de uma nova concepção e prática de rela- um serviço que utiliza como instrumento de tra-

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ções sociais realmente humanas, democráticas balho da linguagem artística, esportiva, cultural,
e superadoras das desigualdades. artesanal ..., enquanto facilitadora de convivên-
Pela sua vocação de facilitador de relações, cia e produções, carecendo portanto de orienta-
de promotor de convivência e estimulador de ção dirigida eassessoria técnica permanente.
organização coletiva e valorizador de manifes- Por ser o Centro de Convivência e Cooperati-
tações artísticas e culturais da população local, va um serviço impulsionador de reflexão e ques-
independente de sua condição social, de saú- tionamento de valores, estimulador da organi-
de, econômica, raça, cor, idade, sexo, religião, zação e desenvolvimento de potencialidades,
..., deverá contribuir na construção de uma nova que busca a mistura dos diferentes de forma a
qualidade de vida. não favorecer “guetos”.
Por ser o Centro de Convivência e Cooperati-
PROPOSTAS: va um serviço que necessita de aparato técnico
específico afim de viabilizar responsavelmente a
Elaboração de um Projeto de Lei que cria os execução e acompanhamento diário do projeto
Centros de Convivência e Cooperativas como como garantia de vigilância crítica à integração
serviços intersecretariais idealizados para espa- dos serviços de saúde, ao desenvolvimento indi-
ços públicos como Parques Municipais, Centros vidual e coletivo, a convivência dos diferentes
Esportivos, Centros Comunitários de Cohab’s, e de retaguarda técnica a situações novas em
Centros Desportivos Municipais, Praças ou ou- grupos heterogêneos ou não, que envolvem re-
tros espaços públicos e adequados aos princí- lações interpessoais e necessidade de suporte a
pios do projeto. momentos mais suscetíveis de crises, surtos ou
O Centro de Convivência e Cooperativa deve- dificuldades específicas.
rá se caracterizar enquanto um serviço de espa- Faz-se indiscutivelmente necessária a for-
ço público, no qual está inserido. Portanto será mação de uma equipe técnica multiprofissional
parte integrante das ações que caracterização o capacitada a orientar, dirigir, acompanhar, esti-
próprio espaço público devendo o planejamento mular, integrar, ou mesmo assessorar o desen-
de suas atividades estar em consonância com as volvimento diário das ações em cada Cecco da
necessidades e perfil da demanda da comunida- cidade, bem como uma equipe de apoio; impli-
de local, para a qual será referência. cando na criação de cargos, conforme quadro de
Quando da existência de uma administração pessoal anexo (Anexo A)
local, no dado espaço público, o serviço no cen- Esta equipe deverá estar subordinada a um
tro de conveniência e cooperativa estará subme- técnico de nível universitário, que desempenha-
tido a esta administração, no que diz respeito a rá a função de coordenação das ações do Cecco,
gerenciamento geral, -do local como um todo. administrando a vida funcional da equipe técni-
Em centros comunitários da Cohab/SP esta prer- ca e da equipe de apoio.
rogativa não será observada. Deverá ser cons-
tituído em todos os locais, um conselho gestor
no qual as secretarias envolvidas na execução
local, o coordenador do Cecco, a administração
do espaço, quando houver, e representantes de
80
Anexo A 81
Quadro de Pessoal

Centros de Convivência e Cooperativa


Total Cargos
Cargo Categoria Proviment
1992 1993(-92)
01 Coordenador (*) SMS 19 11
02 Psicólogo SMS 38 22
02 Terapeuta Ocupacional SMS 38 22

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02 Assistente Social SMS 38 22
01 Fonoaudiólogo SMS 19 11
01 Educad. em Saúde Pública SMS - 30
01 Auxiliar de Enfermagem SMS 19 11
01 Agente Cultural SMS 19 11
03 A.A. SMS 57 33
01 Prof. Ed. Física(**) SMS 19 11
01 Prof. Ed. Artística(**) SMS 19 11
02 Vigia SSO-SEPAVE 38 22
e/ou SMS
03 Servente 57 33
e/ou SEME
02 Aux. Adm. da Saúde SMS 38 22
TOTAL PARCIAL 418 242
TOTAL GERAL CARGOS 660

(*) Nível Universitário etc ..., com aptidão e conhecimento de técnicas


(**) Estes Profissionais desenvolverão atividades específicas de dança, artesanato, mímica, canto,
educacionais, ou seja, de cunho educativo nos marcenaria, cerâmica, costura, conto de história,
Cecco’s, estando amparados pelos princípios vi- tear, grafitagem, mágica, confecção de bonecos,
gentes no Estatuto do Magistério publicado em malabarismo, tai-chi-chuan, culinária, etc, que
DOM de 27/06/92. através da realização das oficinas de convivên-
cia, usem estas linguagens, não como curso, mas
OBS: Deverão ser contratados oficineiros, como sim como instrumentos que objetivem aglutinar
trabalho temporário. Pela característica da de- e coletivizar as pessoas e seus mundos internos.
manda o tipo e a frequência de oficinas deve Deverão ser em média 08 (oito) oficineiros por
variar dando oportunidade a diversificação - in- Cecco, considerando a característica local de real
dicada pelos usuários, como forma de aglutinar necessidade de cada Cecco, durante o período de
pessoas numa determinada tarefa. Caberá, por- no máximo 06 (seis) meses, e possível renova-
tanto, a SMS repassar a verba a SMC para a con- ção, sem contanto caracterizar vínculo empre-
tratação de oficineiros, ou seja, artistas, artesãos, gatício com o Serviço Público.
82 ATRIBUIÇÕES INTERSECRETARIAIS:

CABERÁ AO CORPO MUNICIPAL DE VO- CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE


LUNTÁRIOS manter corpo de voluntários nos EDUCAÇÃO contratação de 01 (um) Professor
Cecco’s. Para isto deverá fazer recrutamento e o de Educação Artística e 01 (um) Professor de
cadastramento constante de voluntários junto à Educação Física para cada Cecco da cidade;
sociedade bem como, em trabalho conjunto com Promoção e intercâmbio entre profissionais
os técnicos dos Cecco’s, treinar os inscritos, ga- das Unidades Escolares e dos Cecco’s;
rantindo a avaliação e reciclagem dos mesmos, Planejamento Escolar das EMEIS/EMPG’s/
capacitando-os a lidarem com a heterogenei- EDA’s/ED. DE ADULTOS, que inclua a participação
dade dos usuários. Cabendo ainda ao C.M.V.. o de alunos e docentes nas atividades dos Cecco’s;
investimento em campanhas de esclarecimento Integração direta de ações entre CAP (Cen-
e informação sobre o papel dos Cecco’s e dos vo- tros Públicos de Apoio e Projetos) e os Cecco’s;
luntários neste serviço. Discussão da questão “Convivência dos Dife-
rentes” como tema incluído no programa curri-
CABERÁ À GUARDA CIVIL METROPOLITA- cular. Campanhas escolares de esclarecimento e
NA a lotação de guardas metropolitanos fixos discussões do serviço dos Cecco’s;
nos equipamentos onde existam os serviços dos Compete ainda a SME o suprimento de mate-
Cecco’s, se responsabilizando em parceria com a riais gráficos em geral, brinquedos de estimula-
S.M.S. por treinamento e reciclagem específicos ção e recreação e materiais de sucata diversos,
de forma a atender as necessidades do serviço e a serem utilizados nas oficinas e Cooperativas.
da heterogeneidade de seus usuários.
Equipe técnica, equipe de apoio, agentes CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE
culturais, professores, voluntários, guarda me- ESPORTES, TURISMO E LAZER viabilizar a
tropolitano, etc. comporão um mesmo corpo de implantação de Cecco’s em alguns Centros Edu-
trabalho, uma mesma equipe com atribuições cacionais e Esportivos da cidade. Deverá prio-
diferenciadas. rizar e facilitar, entretanto, a implantação em
CDM’s, desde que seja de interesse comum da
CABERÁ À COMPANHIA DE HABITAÇÃO/ unidade e da comissão intersecretarial (Decre-
SP o repasse dos Centros Comunitários ou áre- to 0126.137 de 13 de junho de 1988. Dispõe
as para a implantação de Cecco’s nos conjuntos sobre Cambes Desportivos Municipais, e dá
habitacionais, cabendo às-demais Secretarias a outras providências), amparados no artigo 11
implantação, administração e manutenção dos deste Decreto que diz Os CDM’s, inclusive os já
Cecco’s. implantados, ficam obrigados a atender os re-
Caberá também o investimento em campa- quisitos da prefeitura, previamente comunica-
nhas de esclarecimento e informação junto aos dos, quanto a utilização do imóvel, de forma a
moradores dos conjuntos habitacionais sobre a permitir o máximo aproveitamento do local e de
proposta e funcionamento dos Cecco’s em geral. sua capacidade de atendimento;
Compete ainda a SEME facilitar a utilização
CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE das dependências de todas as suas unidades
ABASTECIMENTO auxiliar na implantação e para a realização de eventos e atividades espor-
dar assistência técnica às hortas comunitárias tivas contidas num cronograma de atividades
nos Centros de Convivência e Cooperativas, ou compatibilizando com o calendário da SEME e
por eles acompanhadas; através de cursos de da Unidade em questão. Como também viabili-
olericultura, fornecimento de ferramentas, se- zar a divulgação das atividades dos Cecco’s em
mentes e adubos orgânicos, sendo este último todos os seus equipamentos;
em conjunto com as administrações regionais Também como competência a SEME se res-
de SAR que fornecerão transporte próprio para ponsabilizará pelo material de consumo específi-
os locais interessados; co para a prática de esportes (bolas, redes, jogos
Compete ainda a SEMAB, estudar a possibi- de salão, etc), devendo oferecer apoio técnico em
lidade e viabilidade de colocação da produção eventos esportivos e recreativos, organizar e mi-
das hortas em equipamentos municipais de nistrar cursos e treinamentos sobre ginástica res-
abastecimento. piratória, recreação, estimulação, etc;
Deverá caber a SEME em parceria com SAR especial e o serviço dos Cecco’s em seu jornal do 83
a manutenção da instalação dos Cecco’s como ônibus e/ou em outros instrumentos disponíveis
parte integrante do próprio Centro Educacional e para este fim, principalmente em pontos de para-

Centros de Convivência e Cooperativa


Esportivo e/ou Centro Desportivo Municipal, e a da de ônibus.
superação dos bloqueios arquitetônicos, e iniciar
prioritariamente nos equipamentos onde se en- CABERÁ À COMPANHIA DE ENGENHARIA E
contram instalados os serviços dos Cecco’s; TRÁFEGO viabilizar sinalização na cidade atra-
Caberá a SEME a regulamentação de normas, vés de plaqueteamento de modo a possibilitar o
regimentos internos, nos Centro Educacional e Es- conhecimento e acesso aos Cecco’s de todos os
portivo e Centro Desportivo Municipal afim de per- interessados e promover junto as Escolinhas de
mitir a execução de atividades tipo: festas, eventos Trânsito e ao Projeto Vivencial de Trânsito e in-
com a comercialização de produtos, sob a super- clusão de esclarecimentos sobre o serviço Cecco
visão de todas as secretarias envolvidas no local, e o transporte especial que o atende;
afim de viabilizar as cooperativas nos Cecco’s. Cabendo ainda à CET um estudo diagnóstico,

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nas imediações de cada Cecco, a fim de verificar
CABERÁ A SECRETARIA MUNICIPAL DE adequação de semáforos, travessias, sinalizações
TRANSPORTES o investimento em uma Política gerais, etc. e viabilização prioritária com relação
de transporte adaptado a portadores de necessi- à reformulação e adaptação.
dades especiais que facilite o acesso da popula-
ção alvo dos Cecco’s aos espaços da cidade, em li- CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE
nhas próprias conectadas com metrôs, nucleados HABITAÇÃO a viabilização de integração de suas
por serviços essenciais a fim de facilitar funda- equipes técnicas de Habi-Regionais às equipes
mentalmente a utilização dos Cecco’s pelos por- técnicas multiprofissionais dos Cecco’s nos tra-
tadores de deficiências em geral, principalmente balhos junto à população de abrangência destes
os deficientes físicos que utilizam cadeiras de serviços afim de facilitarem ações conjuntas a ní-
rodas, portadores de transtorno mental, idosos vel externo ou interno aos Cecco’s;
( + 50 anos), gestantes, crianças e adolescentes Cabendo ainda à SEHAB o investimento em
de rua sendo respeitado o caráter aberto destas processos de esclarecimento e informação junto
linhas ao passageiro comum; aos mutirões de habitação sobre os serviços dos
Cabendo ainda a SMT a constante vigilância Cecco’s e a importância do espaço de convivência
e investimento em campanhas de esclarecimento e de cooperativa para toda a população, princi-
de uso e objetivo das linhas. palmente aqueles segmentos mais marginaliza-
dos por suas diferenças expressadas na idade, na
CABERÁ, À COMPANHIA MUNICIPAL DE condição de saúde ou capacidade produtiva.
TRANSPORTES COLETIVOS a operacionaliza-
ção de transporte adaptado aos portadores de CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE
necessidades especiais que deverão ter no servi- CULTURA a contratação e provimento de 01
ço Cecco’s um de seus principais nucleadores de (um) agente cultural que terá como atribuição no
itinerário e funcionamento; trabalho comunitário a pesquisa sobre cultura
Cabendo também à CMTC em parceria com a local e a organização de eventos artísticos e ati-
SMS, o investimento em treinamento e capacita- vidades culturais em geral, planejadas conjunta-
ção constante de seus motoristas e cobradores, mente; e 03 (três) A.A. (de arte, música, teatro)
devendo contratar monitores para cada carro para serem lotados em cada Cecco, compondo a
com o papel de auxiliar embarque, desembarque, equipe técnica;
ciceronear o trajeto, funcionando como guia de A SMC deverá possibilitar a integração dos
informações e esclarecimentos de questões da Cecco’s com as casas de cultura favorecendo
ordem operacional e dos serviços ao qual este um mesmo fluxo e infra-estrutura para efetiva-
transporte acessa, principalmente esclarecendo ção regular de ciclos de vídeos, eventos artísti-
e informando sobre o funcionamento e objetivo cos e atividades culturais em geral planejados
dos Cecco’s e dos Centros Públicos de Apoio e em conjunto;
Projetos (CAP-SME); Caberá também a parceria com a SMS no que
Caberá ainda à CMTC o investimento em cam- se refere a contratação de oficineiros onde a SMS
panhas periódicas sobre a questão dos portadores repassará recurso, executará escolha e SMC efe-
de necessidades especiais, o papel do transporte tuará contratação;
84 Caberá ainda a SMC viabilização de partici- Compete também a SSO-Depave o apoio téc-
pação e integração dos portadores de necessida- nico à execução de oficinas de jardinagem e a
des especiais em seus equipamentos (casas de viabilização em seus espaços de hortas e jardins
cultura, bibliotecas, teatros, etc), como também que possam favorecer a organização de núcleos
o investimento em campanhas de esclarecimen- de trabalho-cooperativas;
tos, informação e divulgação sobre os serviços Compete também a SSO-Depave em parceria
dos Cecco’s. como também deverá caber aos com a SAR das instalações dos Cecco’s como par-
setores de SMC ao qual competem a pesquisa, te integrante do próprio parque e a superação dos
acompanhamento e registro, estudos da impor- bloqueios arquitetônicos prioritariamente nos
tância dos Cecco’s no resgate da identidade his- parques onde se encontram instalados os servi-
tórico-cultural dos seus usuários em geral. ços dos Cecco’s;
Cabendo ainda a SSO-Depave em parceria
CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE com SMS a construção ou ampliação de-espaços
SAÚDE a coordenação do Centro de Convivên- para Os Cecco’s, quando necessário, respeitando
cia e Cooperativa; as características ambientais dos parques, por in-
Caberá ainda a SMS a contratação e provi- dicação do ‘Conselho Gestor (vide anexo B).
mento, para cada um dos Cecco’s, de equipe téc-
nica composta por Psicólogos, Terapeutas Ocu-
pacionais, Assistentes Sociais, Fonoaudiólogos,
Educador em Saúde Pública, Auxiliar de Enfer-
magem e de um profissional nível universitário
para o papel de coordenação do serviço;
Deverá caber também a SMS o investimento
em reciclagem e supervisão destas equipes a ní-
vel programático e institucional-relacional, como
também a viabilização de integração de referên-
cia e contra-referência dos equipamentos de saú-
de mental e de saúde geral com os Cecco’s;
Caberá a SMS o suprimento de todo material
administrativo e de material de consumo, e de
uso nas oficinas, exceto os de competência de
outras secretarias;
Compete também efetuar reserva orçamen-
tária a fim de repassar a SMC para contratação
semestral de oficineiros para todos os Cecco’s;
Caberá ainda a SMS em parceria com SMC e
SME a viabilização de campanhas de esclareci-
mentos e a confecção de material educativo e
informativo sobre os Cecco’s e a sua comple-
mentariedade de serviço ao público associada
a ações de outros serviços de saúde, educação.
cultura. etc.

CABERÁ À SECRETARIA DE SERVIÇOS E


OBRAS - DEPARTAMENTO DE PARQUES E
ÁREAS VERDES a viabilização de implantação
dos serviços dos Cecco’s nos parques municipais
da cidade, considerando interesse da comunida-
de e viabilização intersecretarial;
Deverá caber a SSO-Depave favorecer a in-
tegração do serviço dos Cecco’s aos serviços de
educação ambiental e das equipes técnicas cor-
respondentes;
Anexo B 85
Organograma de funcionamento do CECCO

Centros de Convivência e Cooperativa


Vem esboçado na proposta de SMS, como uma sessão técnica que define a lotação do corpo técnico e
parte das atribuições:

Organograma de Funcionamento do CECCO

Conselho Gestor

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Tripartite

Coordenação

Setor Técnico de
Atividades Sócio- Setor Setor Técnico
culturais, Esportiva, Administrativo de Cooperativas
Educativa

Composição do Conselho Gestor Tripartite ou Paritário:

• administrador do local onde o Cecco está inserido


• coordenador do Cecco
• representante de outras secretarias existentes no local
• representante dos funcionários em geral
• representante dos usuários

Esta sessão técnica deverá estar ligada diretamente ao Distrito de Saúde


correspondente à localização do equipamento público, onde o Cecco esti-
ver inserido.
Caberá às outras Secretarias adequar às suas estruturas organizacionais
a inserção do serviço Centro de Convivência e Cooperativa, para efeito de
alocação de pessoal e procedimentos administrativos.
Por entender o pioneirismo deste trabalho em âmbito intersecretarial e
a delicadeza da proposta de integração dos diferentes para o exercício de
cidadania, justifica-se o cuidado no acompanhamento continuado e inter-
secretarial, na vigilância por um bom resultado.
Portanto deverá ser criada uma Comissão Intersecretarial de Centro de
Convivência e Cooperativa formada por 01 (um) representante de cada se-
86 cretaria, empresa ou autarquia envolvida. representantes de movimentos
sociais, de usuários, de trabalhadores dos Cecco’s de forma paritária com
as seguintes funções:

• acompanhar implantação de novos Cecco’s;


• supervisionar o processo diário do trabalho e o cumprimento das dire-
trizes;
• assessorar nas dificuldades programáticas e relacionais das equipes;
• garantir a efetivação intersecretarial do serviço;
• acompanhar o cumprimento no disposto na Lei, coordenar e participar
de uma pesquisa e estudo da resolutividade e abrangência do serviço
dos Cecco’s junto à população alvo e a repercussão e contribuição junto
à população geral, no que se refere aos objetivos básicos do serviço.

Esta comissão deverá realizar:

• reuniões periódicas de planejamento e avaliação;


• visitas ordinárias aos serviços agrupados por zonas-pontos cardeais da
cidade a saber: (Norte/Sul/Leste/Oeste/Centro)
• encontros bimensais da comissão com os coordenadores dos equipa-
mentos e seus distritos de saúde;
• seminários promovidos intersecretarialmente, sobre centros de convi-
vência e cooperativas
• A Comissão Paritária Intersecretarial deverá estar sob a coordenação
da SMS

DIMENSIONAMENTO DO MÍNIMO ESPAÇO FÍSICO NECESSÁRIO AOS


CECCO’S

01 sala para Equipe e Administração;


01 cozinha comunitária;
01 salão grande para atividades múltiplas (dança, teatro, música, exposições, etc);
02 salas de convivência (biblioteca, leitura, vídeo, sala de estar com almofadas ...);
01 sala de múltiplo uso (oficinas, atendimento individual, grupal, ...);
01 quartinho para almoxarifado;
02 banheiros (01 adaptado e com chuveiro);
01 galpão para cooperativa (marcenaria, cerâmica, silkscreen ...);
02 quiosques grandes semiabertos para ateliê de artes, artesanato, tear ...;
01 forno de barro;
01 mesa de alvenaria (oval e grande bancos de alvenaria em torno desta ao ar livre)
Espaços pequenos/médios e/ou grandes para o desenvolvimento de hortas e jardinagem
Anexo C 87
Grupo de Trabalho Intersecretarial “Cultura, Cidadania e Saúde Mental”

Centros de Convivência e Cooperativa


Projeto: Centro de Convivência e Cooperativa
Proposta de Política de Desenvolvimento de Pessoal

No transcorrer da História, o tema da Saúde Mental foi, inicialmente, objeto


de reflexão da área da Filosofia, passando pouco a pouco a ser apropriado
pela área médica. No entanto foram se desenvolvendo estudos que indicaram
a influência recíproca do meio ambiente, arquitetura, alimentação, cultura,
educação, saúde física, etc. em relação à saúde mental. Assim, na visão ho-

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lística do ser humano, a saúde mental só pode ser investigada como uma
questão interdisciplinar, na medida em que exige a contribuição de todas as
áreas do conhecimento para seu enfrentamento. O conceito norteador desta
nova postura é a visão anti-cartesiana que considera corpo e alma como uma
coisa só, constituindo ambos um organismo global.
Portanto, uma política municipal de intervenção nessa área deve ser im-
plementada por uma ação intersecretarial que garanta o trabalho multidisci-
plinar que a tarefa exige. Os Cecco’s entre outros, constituem-se dessa forma,
em um espaço alternativo de convivência dos diferentes que com objetivo
de combater a discriminação, segregação e marginalização de grupos sociais
com maior risco de institucionalização, busca responder a este desafio.
Instalados em Parques Públicos, Centros Esportivos e Desportivos Mu-
nicipais, Praças, Centros Comunitários “pretendem, através de atividades
coletivas de cunho cultural, artístico, esportivo, educacional etc., modificar
qualitativamente as relações sociais através da apropriação da coisa públi-
ca pela comunidade, pelas pessoas consideradas normais ou não, enquanto
sujeitos autônomos de um processo singular num espaço de convivência”.
Para tanto, conta com uma equipe multiprofissional composta por Psicólo-
go, Assistente Social, Terapeuta Ocupacional, Fonoaudiólogo, Educador em
Saúde Pública, Auxiliar de Enfermagem, Professor de Educação Artística e
Educação Física, (da Secretaria Municipal da Educação), Oficineiros e Agen-
te Cultural (da Secretaria Municipal da Cultura) e monitores voluntários da
própria comunidade.
Envolve, portanto direta e indiretamente, por sua natureza intersecreta-
rial, profissionais não tradicionais à área de Saúde.
Justifica-se assim, a criação de um programa especial de formação profis-
sional que oriente a atuação desses servidores em consonância com o novo
significado que o conceito e as práticas em saúde mental vêm assumindo e
que se explicitam na política traçada pela SMS, para a área. Essa tarefa edu-
cativa, por sua complexidade, exige a ação conjunta dos R.H. de cada Secre-
taria envolvida, cabendo ao R.H. da Secretaria da Saúde papel de destaque
na execução do mesmo. Os primeiros subsidiarão o trabalho de planejamen-
to do programa, com o conhecimento que detêm acerca da especificidade dos
servidores envolvidos. Ao R.H. da Saúde delega-se a responsabilidade pela
implementação tendo em vista sua estrutura descentralizada já se encontrar
consolidada nas administrações regionais de Saúde e ainda pela competên-
cia técnica de que dispõe para formação nessa área.
Tendo em vista, Os vários níveis gerenciais implicados nesse projeto, o
programa deverá contemplar ainda, um espaço especial para formação ge-
rencial que, problematizando as várias alternativas de organização do tra-
88 balho, contribua para o equacionamento daquela que seja a mais adequada
para uma ação intersecretarial, redundando em relações de trabalho que se
caracterizem pela integração entre o vários projetos específicos de cada se-
cretaria e o Projeto Cecco. O objetivo é que, do vigia ao técnico especializado,
todos se percebam como sujeitos do processo de trabalho, responsáveis pelo
sucesso ou fracasso do mesmo.
Aos R.H. das secretarias, caberá ainda o engajamento em campanhas so-
ciais de sensibilização e informação, especialmente no que se refere aos fun-
cionários municipais. Na qualidade de servidores e munícipes, constituem-
-se em público privilegiado tanto no acesso à informação como enquanto
usuário dos recursos municipais. Exemplo bem sucedido de servidores-usu-
ários, têm sido as experiências que vêm sendo realizados pela SMS, através
das equipes de Saúde Mental, com funcionários municipais alcoolistas. São
parceiros, por excelência, dos R.H. nesse trabalho, a CIPA, através de suas
comissões internas de prevenção de acidentes.

Sugestão de temas para o Programa de formação profissional:

• Saúde x Doença - Qual o limite?


• A cultura manicomial
• O direito à cidadania e à diferença
• Visão holística do ser humano
• O significado de um trabalho intersecretarial
• O trabalho em co-gestão
• Relações de trabalho nas equipes multi-profissionais
Anexo 2 89

Centros de Convivência e Cooperativa


Documento CECO Campinas
Conceituação 4. Fomentar experiências de geração de renda
a partir da experimentação de atividades
São dispositivos comunitários que compõem a grupais que resultam em um produto apre-
rede de atenção substitutiva de saúde mental, sentável e comercializável na sociedade.
que convida os usuários dos serviços de saúde 5. Estimular práticas potencializadoras de
e comunidade em geral a vivências de laços so- resiliência para pessoas, grupos e/ou co-
munidades em situação de vulnerabilida-

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ciais e afetivos.
de social.
6. Fomentar espaços de discussão e ação que
População alvo propiciem visibilidade para a temática da
Reforma Psiquiátrica contribuindo para
As práticas são destinadas a toda a comunidade, uma crescente transformação cultural.
abrangendo com isso diferentes faixas etárias e
realidades, com atenção especial a populações
Metodologia
com vulnerabilidades diversas.
I) Gestão
Acesso
Observa-se que a coordenação local destes dis-
É um espaço aberto a quem quer que manifeste positivos tem papel essencial nas seguintes
o desejo por alguma prática. No caso de pessoas questões:
com necessidades de atenção específica, menos
autonomia, propõe-se participação das redes: fa- 1) Participar dos fóruns pertinentes com os
miliar, saúde e intersetoriais. gerentes locais das Unidades Básicas de
Saúde, Centros de referência e CAPS vi-
Objetivos sando articular ações, em parceria, que
contemplem as diferenças e promovam a
Geral inclusão.
2) Conhecer e articular ações entre as di-
Construir coletivamente espaços de convivência versas secretarias, garantindo que haja a
nos territórios capazes de operar no fortalecimen- entrada e permanência de práticas inter-
to de vínculos solidários, através de práticas que setoriais nos CECOs e no território.
promovam cultura, educação, saúde e lazer, ga- 3) Garantir a gestão participativa e democrá-
rantindo a singularidade de cada um, acolhimen- tica dos CECOs através dos fóruns: assem-
to e desenvolvimento das potencialidades. bleia, reunião de equipe, conselhos, etc.
4) Fazer a gerência dos recursos humanos,
Específicos financeiros e físicos dos CECOs, tais como:

1. Propiciar, nos espaços de convivência, • Propor parcerias de RH com as diver-


ações que potencializem a apropriação e sas secretarias, voluntariado, etc
as trocas de habilidades, saberes e afetos. • Construir caminhos possíveis de cor-
2. Possibilitar, nos espaços de convivência, responsabilização de outros setores no
ações que favoreçam a apropriação e pre- custeio deste dispositivo
servação do meio ambiente e do espaço • Prezar pelo cuidado e manutenção do
público. espaço dos CECOs
3. Fomentar o exercício da cidadania com o
consequente aumento do poder contratual.
90 5) Realizar a gestão cotidiana comparti- IV) Intersetorialidade e Parcerias
lhando responsabilidades pelas diversas
ações desenvolvidas no dia-a-dia, no que O princípio da intersetorialidade deve ser pre-
tange aos objetivos dos CECOs missa da construção cotidiana dos CECOs, no
6) Os gestores dos CECOs devem participar sentido de orientar ações internas e externas
das reuniões de Coordenadores nos Dis- que busquem o desenvolvimento do convício
tritos de Saúde auxiliando na construção entre as pluralidades de discursos e práticas.
da integralidade da rede. Considera-se que a saúde, a cultura, a edu-
7) Os Coordenadores dos CECOs devem re- cação, o esporte, a habitação são diálogos trans-
ceber Apoio Institucional dos Distritos e versais na vida da população que circula nos
avaliados no cumprimento de sua mis- CECOs e que nas práticas ali ofertadas transfor-
são no território, na intersecção com os mam seus saberes.
CAPS e Unidades Básicas de Saúde. Para As parcerias podem ser feitas com diversas
tanto, deve ser assegurado aos Distritos instâncias e equipamentos, tais como: equipa-
acesso a todas as dependências do esta- mentos de saúde (Unidades Básicas de Saúde,
belecimento e mantida à disposição toda Módulos, CAPS, ESF), equipamentos de educa-
a documentação pertinente (livro de aco- ção (creches, escolas de ensino fundamental e
lhimento, ofertas intersetoriais, planilhas médio, escolas para jovens e adultos), ONGs,
do Sigab, entre outros), respeitando-se o empresas privadas, entidades e grupos do terri-
sigilo e a ética, necessários ao acompa- tório (igrejas, conselhos locais, etc).
nhamento dos processos de trabalho.
8) Garantir Supervisão Sistematizada pra V) Práticas Mínima e de Pertinência
contribuir com o processo de trabalho
dos CECOs. 1) Receptividade e acolhimento:

II) Faturamento Esta prática consiste em cotidianamente receber


a população que chega nos CECOs e promover
Os CECOs reconhecidos na Secretaria de Saúde encontros.
como dispositivos da rede substitutiva da Saúde Os encontros podem se dar em pequenos ou
Mental, podem se cadastrar e passar a ter centro grandes grupos, através ou não de atividades
de custo e profissionais inscritos no CNES. ofertadas.
O faturamento nos CECOs perpassa pela rela- O fato de estar no CECO muda o próprio
ção entre o recurso humano inscrito no CNES, as CECO! Daí a importância do RH dos CECOs estar
práticas produzidas por eles ou sob sua supervisão atento para facilitar este trânsito de pessoas/sa-
e o número de participantes das práticas ofertadas. beres/fazeres que transforma.
Os CECOs devem planejar na FPO (Ficha de
Previsão Orçamentária) os tipos e número de 2) Práticas Coletivas:
práticas resultantes destes três elementos, e des-
te modo produzir o faturamento de suas ações. Consistem em pequenos ou grandes projetos de
ação coletiva que se realizam com dia e local mar-
III) Modos de registro e avaliação cado. O local pode ser dentro ou fora do CECO.

Os CECOs devem organizar formas de registros Podemos destacar:


que garantam que se possa observar interesses
e participação da população alvo nas práticas • Atividades Verbais: como assembleia, rodas
ofertadas. de conversa...
Propõe-se que Cadernos de acompanhamen- • Atividades esportivas e de lazer: jogos de
to das atividades sejam realizados por todos os mesa, de quadra, de memória, entre outras.
que coordenem práticas nos CECOs, constando • Atividades artísticas e culturais: rádio, jor-
nome dos participantes, observações gerais de nal, teatro, biblioteca, música, dança, pin-
como interagiram durante o fazer e/ou breve re- tura, desenho, festas temáticas, eventos co-
lato dos participantes sobre o dia deles no CECO memorativos, etc.
e assinatura dos participantes.
• Atividades de Educação e Cidadania: FU- Grupo de Trabalho: 91
MEC, história e projetos de intervenção so-
bre cultura popular, preservação do meio Camila Cristina de O. Rodrigues - CAPS Estação

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ambiente, hortas e jardins comunitários, e Centro de Convivência Armando Veloso
reciclagem, orientações sobre recursos da Carolina H. A. Moraes Sombini - Centro de
comunidade, oficinas de educação em saú- Convivência e Cooperação Tear das Artes
de, entre outras. Gal Soares de Sordi - Centro Cultural Cândido/
• Práticas Integrativas: Terapia Comunitá- FUMEC, Centro de Convivência Espaço das
ria, Massagens, Ginástica Harmônica, Lian Villas, Centro de Convivência Rosa dos Ventos
gong, entre outras. Karine Cambuy - Espaço de Convivência
• Atividades de incubação de geração de renda. Bem viver
Rogéria Misorelli - Apoio Institucional de Saú-
Em todas as atividades é mister termos a in- de Mental Distrito Sudoeste
clusão de diferentes saberes e potencialidades,

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Sibele Ribeiro Campos Martins - Espaço de
a fim de que trocas aconteçam. Convivência Portal das Artes
A questão da pertinência de diferentes ativida- Sylbene Maria Siqueira Frigéri - Centro de
des no CECO perpassa pela análise do objetivo da Convivência Armando Veloso
oferta em consonância aos objetivos dos CECOs. Taluana Nunes Ferreira - Centro de Convi-
Tratando-se dos CECOs como espaços poten- vência e Cooperativa Toninha
cializadores da convivência humana e inclusão
das diferenças, as ofertas devem ser preferencial- Documento apresentado ao Colegiado da
mente grupais e os mais heterogêneos possíveis. Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde
de Campinas em novembro de 2008 como parte
VI) Horário de Funcionamento e Recurso do Planejamento de Gestão 2009-2012
Mínimo:

1) Quanto ao horário de funcionamento:

Os CECOs devem funcionar das 8:00h às 17:00h


de segunda a sexta-feira, podendo ampliar seu
horário e/ou dia de funcionamento caso haja re-
curso disponível.

2) Quanto ao recurso mínimo:

1 Gestor
1 Assistente Administrativo
1 Auxiliar de Limpeza
1 Técnico Universitário - Terapia Ocupacional
ou Psicólogo
2 Monitores -
Sistema de Segurança

3) Quanto ao Espaço Físico:

Preferencialmente em espaços públicos que ga-


rantam adequações para receber deficientes físi-
cos (segundo Lei Municipal) e que possibilitem
que as práticas coletivas sejam desenvolvidas
com qualidade.
92
Anexo 3 93

Centros de Convivência e Cooperativa


Lei Municipal nº 2.466,
de 31/05/2010
Dispõe sobre a criação do Centro de Convivência Conviver de Embu e
das providências correlatas.

FRANCISCO NASCIMENTO DE BRITO, Prefeito, no uso de suas atribuições

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legais:

FAÇO SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL, APROVOU E EU PROMULGO A


SEGUINTE LEI:

Art. 1º Fica criado o Centro de Convivência Conviver de Embu, Órgão inte-


grante da estrutura da Secretaria de Saúde e ao qual está submetido, para
atenção e atendimento aos munícipes.

Art. 2º Compete ao Centro de Convivência Conviver de Embu:


I - promover a aproximação da população com pessoas que vivem situa-
ção de exclusão, oferecendo fora do marco institucional práticas que visem
modificar qualitativamente as relações sociais;
II - ofertar oficinas e atividades que tenham como prioridade o acesso
aos usuários dos serviços de saúde mental; portadores de deficiência física,
mental ou sensorial; pessoas em situação de rua; pessoas com HIV e outros
em situação de vulnerabilidade física ou mental;
III - organizando grupos a partir dos interesses e disponibilidades dos
usuários, respeitando a heterogeneidade dos grupos sociais;
IV - promover saúde através de ações coletivas e diversificadas, com
ênfase em atividades que promovam qualidade de vida e hábitos saudáveis
como: dança, arte, música, artesanato, biodança, esporte, entre outros, em
espaço público com ações intersecretarias e gestão da saúde;
V - criar uma cultura de apropriação do espaço saudável, onde a arte, o
lazer e o convívio estejam presentes no cotidiano da população da Cidade
e entorno, possibilitando o protagonismo dos usuários nas atividades da
unidade;
VI - ampliar para outras situações e espaços o centro de convivência;
VII - desenvolver as atividades proporcionando encontros setoriais
dentro dos segmentos específicos da saúde mental, criando oportunidades
para reflexões e ações, preparando os usuários para o exercício pleno de
seus direitos de cidadão;
VIII - contribuir para a criação de políticas públicas para saúde mental
de forma intersetorial: trabalho, transporte, lazer, cultura, meio ambiente,
assistência social e educação, garantindo a inclusão social;
IX - fomentar discussões, pesquisas e projetos de geração de renda e
trabalho, priorizando grupos que vivem maior situação de vulnerabilidade,
contribuindo para a autonomia, redução de crises, e melhora na autoesti-
ma dos usuários.
94 Art. 3º Da Estrutura e Funcionamento:
I - o Centro de Convivência Conviver de Embu será representado pelo
Secretário de Saúde para todos os fins;
II - a estrutura administrativa do Centro de Convivência Conviver de
Embu compreende:
a) Gerente com nível superior na Área da Saúde Mental;
b) Terapeuta ocupacional;
c) Profissional de nível superior na Área da Saúde Mental;
d) Oficineiros;
e) Assistente administrativo;
f) Serviços gerais.
III - poderá ser instalado em variados espaços da Cidade, que sejam
facilitadores do convívio de diversos grupos sociais, tais como: parques,
centros culturais, ginásio de esportes, e outros convenientes e adequados,
que possibilitem a construção de laços sociais e a inclusão de pessoas que
por fatores físicos mentais e sociais, encontram-se em maior situação de
vulnerabilidade.

Art. 4º Fica o Centro de Convivência Conviver de Embu, ora criado, autoriza-


do a celebrar convênios, contratos e parcerias com órgãos governamentais e
não governamentais, mediante projetos específicos e nos termos legais.
§ 1º A celebração de convênios, contratos ou acordos de parceria, ficará
sujeita à apreciação e aprovação do Projeto pelo Conselho Municipal de Saú-
de e pela deliberação e implementação pela Secretaria Municipal de Saúde.
§ 2º No caso de eventual celebração de convênios, contratos e parcerias,
que onerem o Município, ficará sujeito à apreciação e aprovação do Projeto
pela Câmara Municipal.

Art. 5º A regulamentação da estrutura de funcionamento do Centro de Con-


vivência de Embu Conviver será procedida através de decreto do Executivo.

Art. 6º Ficam criados no quadro de pessoal da Prefeitura Municipal, os


Cargos constantes no Anexo I, parte integrante desta Lei na quantidade,
regime, forma de provimento, carga horária, referência de vencimento e
demais características.

Art. 7º As despesas decorrentes da execução desta Lei, ocorrerão por verbas


próprias do Orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as dis-
posições em contrário.

Estância Turística de Embu, 31 de maio de 2010.

_________________________________
FRANCISCO NASCIMENTO DE BRITO
Prefeito

Registrada e Publicada por fixação, nos termos do que dispõe a Lei Orgânica
do Município, em 31 de maio de 2010.

___________________________
FELIPE ALVES MOREIRA
Assessor Jurídico - Gabinete
Cadernos Temáticos CRP SP Centros de Convivência e Cooperativa
95
96
realização

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