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Convivência e
Cooperativa
CADERNOS TEMÁTICOS CRP SP
15 Centros de
Convivência e
Cooperativa
CADERNOS TEMÁTICOS CRP SP
___________________________________________________________________________
C755c Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Centros de Convivência e Cooperativa / Conselho Regional de Psicologia
de São Paulo. - São Paulo: CRP - SP, 2015.
96 p.; 21 x 28 cm. (Cadernos Temáticos CRP SP)
ISBN: 978-85-60405-27-5
CDD: 158.2
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo – CRB-8/8396.
Cadernos Temáticos
do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre
as ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos
do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho
em diversos campos de atuação da Psicologia.
Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar
um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogas(os); o segundo é o de identificar
áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetiva-
mente, garantir voz à categoria, para que apresente suas posições e questio-
namentos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção
coletiva de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância
como ciência e como profissão.
Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira a
apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que
contaram com a experiência de pesquisadoras(es) e especialistas da Psi-
cologia para debater sobre assuntos ou temáticas variados na área. Reafir-
mamos o debate permanente como princípio fundamental do processo de
democratização, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda
mais os caminhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desa-
fios presentes em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição
da singularidade humana como fenômeno complexo, multideterminado e
historicamente produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse
sentido, um convite à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida
a psicólogas(os), bem como aos diretamente envolvidos com cada temática,
criando uma oportunidade para a profícua discussão, em diferentes lugares
e de diversas maneiras, sobre a prática profissional da Psicologia.
Este é o 15º Caderno da série. O seu tema é o Centros de Convivência e
Cooperativa.
Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo,
para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições sobre temas re-
levantes para a Psicologia e para a sociedade.
A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita a
ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todas(os).
Bom dia, pessoal. Eu não sou da área da men- seguimos dentro da área de saúde mental nos
tal, sou médico, sou sanitarista e transito en- últimos 30, 40 anos não é coisa fácil. Foram
tre duas áreas, a da Saúde do Trabalhador e a conquistas e mais conquistas, e, nesse sentido,
área de gestão, nas quais já estive em vários devemos nos sentir extremamente orgulhosos.
espaços. Área de Saúde do Trabalhador, uma Foi um processo de construção extremamente
área tão contra-hegemônica quanto a área da rico, extremamente salutar, no qual todos nós
mental, uma área onde há bastante luta, e a de crescemos, no qual todos nós mostramos nossa
gestão, uma área de intensos conflitos, em que força e construímos algo muito legal e extrema-
cumprimos geralmente duas tarefas. Uma, a mente contra-hegemônico.
tentativa, muitas vezes em vão, de suprir as ne- Agora gostaria de acrescentar alguma coi-
cessidades apontadas por vários setores, pelos sa, e o que eu gostaria de fazer é um chamado
usuários, por nós mesmos, pelos trabalhado- à continuidade da luta pelo SUS, à continui-
res da saúde, e, muitas vezes, dando murro em dade da luta pela cidadania e enxergo, nesse
ponta de faca, fazendo isso contra-hegemôni- momento, os CECCOs como um espaço extre-
cos, também. E, por outro lado, tentando abrir mamente privilegiado. Outro dia, eu estive no
espaços. Eu entendo esse espaço aqui como um CECCO Toninha, e fiquei, de fato, emocionado
espaço também contra-hegemônico, um espaço e impressionado com o nível de atuação, com o
de luta, um espaço de onde podemos sair forta- nível de articulação desse serviço. Temos que
lecidos, no sentido da defesa daquilo em que tratá-lo com todo carinho, temos que tratá-lo
sempre acreditamos: um SUS público, um SUS com toda dedicação, e eu falo isso a partir de
com controle social, um SUS enquanto políti- um cargo de gestão, no sentido de valorizá-
ca pública e não política de governo, um SUS -lo, no sentido de melhorar o financiamento,
com um financiamento adequado, um SUS com no sentido de institucionalizá-lo por um lado,
construção de cidadania. Sinceramente, enxer- mas mantendo esse caráter intersetorial, esse
go esse momento como um momento bastan- caráter de SUS extramuros, extramuro institu-
te importante nesse sentido. Quero agradecer cional, que vocês representam muito bem. Às
muito estar aqui presente, agradecer a nossa vezes, pensando no SUS, pensamos muito den-
coordenadora da área de saúde mental e agra- tro da instituição, e aí caímos na burocracia, no
decer a todos vocês pela oportunidade de estar economicismo, em algumas armadilhas, parti-
aqui. Não vou poder ficar durante o dia, mas cularmente, quando se está na gestão. Os CEC-
tenho certeza que o produto desse encontro vai COs, para mim, representam um espaço onde
ser extremamente positivo para todos nós. Que- se pode ir para além dos muros da instituição,
ro dizer que me sinto muito orgulhoso, apesar e o SUS é muito isso, o SUS tem que estar onde
de não ser da área da mental, acho que estive a vida acontece e o CECCO representa isso em
sempre presente de uma maneira ou de outra. todos os sentidos. O CECCO vai para além da
Faz anos e anos, décadas que nós (referindo- mental, vai para além do SUS, o CECCO vai para
-se a pessoas presentes) lidamos com a área da cidadania. E é nesse sentido que estou orgulho-
mental, uma área em que fomos extremamen- so de estar aqui. Outra coisa que eu queria falar
te bem sucedidos. Conseguir o que nós con- é o seguinte: gostaria muito de estar aqui feste-
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Bom dia a todos. Estou muito feliz de ver esse audi- cantamento do concreto. O desafio proposto para
Bom dia a todos e a todas. Inicialmente, eu que- as propostas de geração de renda, quer sejam
A primeira coisa que eu gostaria de falar é que trabalhar com o que já se tem produzido para
foi muito importante ter na Mesa da manhã as pensar quais coisas que já têm resultado, pen-
pessoas que foram as idealizadoras dos Cen- sar quantos profissionais precisaríamos para
tros de Convivência. Discutimos em nosso gru- formar um núcleo que fosse o ativador dessas
po porque os Centros de Convivência deram possibilidades de discussão. A partir desses
certo em São Paulo, sendo que são 16 anos de encontros, poderíamos definir o que seria o
Nosso grupo teve propostas muito viáveis, ba- lidária enfrentam na comercialização dos seus
seadas em relatos de experiência e de militân- produtos, pois não podem vender no espaço do
cia. Uma questão que surgiu seria a necessida- serviço. Como poder tornar isso, de fato, uma
de de poder estar saindo da questão da saúde política pública para que as pessoas possam,
mental, e estar articulando e sensibilizando sim, dar escoamento aos seus produtos e ga-
financiamento junto a outras áreas da saúde. rantir também uma melhor condição de vida?
Vemos o financiamento podendo sair pela ação Deve haver um debate articulado do Centro de
primária, na qual temos aqueles espaços de prá- Convivência com a Economia Solidária tam-
ticas esportivas, por exemplo. Como podemos bém para regularizar aquela situação de que se
estar sensibilizando outras áreas do Ministério tem UBPC, aí, sim, passa a ser cooperado, en-
da Saúde, da Secretaria de Saúde para serem tão, perde o benefício, então como que a gente
parceiras desse projeto de Centro de Convivên- pode, também, estar resolvendo essa questão?
cia, já que eles são muito mais do que a própria E aí, então se fala dessa questão de mudar a lei
saúde mental. Para isso, temos que legitimar e das cooperativas sociais. Em relação à Portaria
instituir esse dispositivo enquanto um dispo- escrita em 2005, temos que reconhecer que, de
sitivo em que a saúde tem um protagonismo e fato, muito se andou, e o cenário que está co-
que a saúde mental tem esse modo de fazer e locado hoje é diferente do cenário de 2005, em
essas experiências consolidadas, mas que tam- que se falava que um Centro de Convivência se-
bém tem que contar com outros financiamentos ria para municípios com acima de 200 mil ha-
e outros setores como cultura, educação. Em bitantes, e que teria que ter uma rede já forma-
relação a essa questão de conceituar e de ins- da. Discutimos então como poder estar usando
tituir os Centros de Convivência, o grupo pro- esses dispositivos nos municípios de pequeno
põe retomar o mapeamento que foi realizado porte. À medida em que temos um grupo, um
em 2008 para poder estar investigando as ex- fórum permanente de discussão, que vamos ter
periências em outros estados. A experiência de o mapeamento dos CECCOS atualizado, que vai
São Paulo é muito importante, mas temos que dizer como esse serviço funciona, quais são os
verificar como é que o Nordeste está funcionan- principais gargalos, poderemos rever essa Por-
do, como é que o Norte esta funcionando, para taria. Pensamos também em promover o encon-
que uma Portaria que possa instituir o Centro tro nacional de Centros de Convivência e Cul-
de Convivência esteja atenta às especificidades tura e, nessa mesma lógica de também trazer
de cada região. A outra proposta foi criar uma a Economia Solidária para ganhar força no ce-
rede de experiências de Centros de Convivên- nário macro e micro, para termos mais parcei-
cia, além de ter uma rede virtual, o que na eco- ros. E, por fim, foi também falado em um plano
nomia solidária deu certo As experiências arti- nacional de apoio aos Centros de Convivência.
culadas em rede propiciariam debates diários, Então, ter uma política clara do que se quer,
semanais em relação ao que estaria acontecen- para que. cada vez que se muda, seja no âm-
do, quais os principais gargalos, quanto custa bito federal, estadual ou municipal, seja des-
um Centro de Convivência, qual o recurso hu- necessário haver toda essa negociação de novo
mano necessário para o Centro de Convivência, (convencer, falar, explicar, à medida que isso
qual é o perfil desse profissional, mantendo o se tornar público). A última coisa que apareceu
caráter interdisciplinar, intersetorial, pois não no grupo foi como fazer para as pessoas co-
dá para se contar só com o pessoal da saúde. nhecerem experiências muito exitosas. Porque
Uma portaria tem que dar conta de todas essas aqui mesmo, no Estado de São Paulo, alguns
questões. Foi discutida também a possibilida- municípios receberam convite e não sabiam o
de do Centro de Convivência estar pautando que era um Centro de Convivência. Como dar
no âmbito municipal, no âmbito estadual, essa visibilidade a essas experiências?
questão. Esse debate deve ser constantemente
atualizado para se ter uma base política e poder
chegar a uma política mais macro. Foi retoma-
da também a questão da dificuldade que esses
grupos, assim como os grupos da economia so-
Grupo Azul 35
Implementação de um sistema efetivo de infor- ções de ensino que compõem a rede de saúde,
matização para o registro dos processos de tra- principalmente aquelas que usufruem do servi-
balho nos CECCOs; a criação de um documento ço, como campos de estágio; criar estratégias
que defina e esclareça a função dos CECCOs na de garantia de voz dos usuários nos encontros
rede, e nossas ações na cidade; criação de es- a partir do recolhimento dos depoimentos dos
tratégias de qualificação das equipes que com- mesmos, estratégia pensada para os próximos
põem os Centros de Convivência; articulação encontros; manter a regularidade de encon-
do CECCO por parte de organizações indepen- tros anuais de CECCOs e sair deste fórum com
dentes do Estado, compondo também, com as uma data e uma comissão organizadora para o
ações do próprio Estado; criação de redes inde- próximo evento; criação de um grupo de traba-
pendentes de acordo com seus eixos de ação: lho com representação de várias cidades para
trabalho, economia solidária, cultura e assis- a criação de um documento que proponha os
tência; garantir a implementação dos CECCOs CECCOs como política pública no SUS, tanto
em municípios que não possuem esses servi- para Câmara quanto para uma proposta inter-
ços; o orçamento dos CECCOs deve ser garanti- ministerial; encaminhar a produção desse Fó-
da pelo Ministério da Saúde para os municípios rum pra ABRASCO (outras pessoas vieram me
e também pelo estado e municípios; regula- procurar também para incluir a ABRAPSO e o
mentação legal do funcionamento do CECCO; Encontro Estadual de Saúde Mental promovido
criação de estratégias de divulgação; criação pela Associação Paulista de Saúde Pública);
de um documento norteador para a política dos esse documento que as pessoas sugeriram deve
CECCOs a partir desse evento; financiamento definir ou nortear quais são as ações do CECCO;
por parte do Ministério da Saúde para imple- uma proposta também que surgiu é diferenciar
mentação, e dos municípios para continuida- os CECCOs das Casas de Cultura e dos CAPS,
de, destinando parte do financiamento para porque nas falas que foram aparecendo, em
garantir articulações intersetoriais; a partir muitos municípios, isso ainda se mistura; criar
da explicitação quanti-qualitativa da essência estratégias que garantam a proteção de profis-
de cada CECCO, criar uma documento de arti- sionais que se aposentam ou saem e não são re-
culação com as esferas legitimadas de gestão; postos; criar conselhos locais nos CECCOs que
criar uma comissão a partir desse evento para tenham interlocução com os conselhos munici-
o levantamento de dados dos CECCOs para a pais e nacionais para criação de parceria com
criação desses diálogos; ampliar a produção a esfera de gestão participativa; e readequação
de conhecimento sobre os CECCOs a partir da do sistema de financiamento dos CECCOs para
solicitação de uma contrapartida das institui- a sua realidade de trabalho.
Anexo 1
Normatização das ações nos
centros de convivência e
cooperativas municipais
Coordenação dos Grupos de Trabalho: Centros de Convivência e Cooperativa
Digitação
Beatriz helena de Castro LLoret Pardos
Composição do Grupo de Trabalho Intersecretarial Cultura, Cidadania e Saúde Mental Portaria 112/92
(cujo relatório referente a Centro de Convivência e Cooperativa foi anexado às Normatizações)
38 Representantes de Secretarias e Órgão Municipais
. Secretaria Municipal da Saúde (Coordenação) SMS
. Secretaria Municipal do Abastecimento SEMAB
. Secretaria Municipal da Cultura SMC
. Secretaria Municipal da Educação SME
. Secretaria Municipal de Esportes, Turismo e Lazer SEME
. Secretaria Municipal de Habitação SEHAB
. Secretaria de Serviços e Obras SSO
. Secretaria Municipal de Transportes SMT
. Companhia de Engenharia e Tráfego CET
. Companhia de Habitação COHAB
. Companhia Municipal de Transportes Coletivos CMTC
. Corpo Municipal de Voluntários CMV
. Guarda Civil Metropolitana GCM
Às Personalidades
. Félix Guatarri, Suely Rolnik, Manuel Desviai, Gregório Kazi, Mario Tommasini, Marilena de Souza
Chata, Paulo Freire, José Américo Peçanha, Sonia Lins, Nacile Daud Jr., Cecília Vasconcelos Guaraná,
Soraia Inella Gazal, Marilze Terezinha de Araújo, Paulo Gianini, Renata Elza Stark, Boaventura Pereira,
Marco Antonio C. Ferreira, Caio Magri, Savério Lavoratto, João de Deus, Paulo Amarante, Domingos
Sávio do Nascimento, Lúcio Gregori.
Às Instituições:
. Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)
. Ministério da Saúde - Coordenação de Saúde Mental
. Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP
INTRODUÇÃO 39
Michel Foulcault
Paulo Freire
40 O SENTIDO DO MANICOMIAL
Na perspectiva de defesa do direito à vida se ins- aos enfermos é a necessidade das pessoas não
creve a luta antimanicomial na política Oficial da se defenderem contra eles. Isso significa que o
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. doente é levado a se identificar com um estere-
Um compromisso de enfrentamento e substi- ótipo bem definido na estrutura física e psicoló-
tuição de modelos e contratos de relações mar- gica da instituição, o de um internado, “do qual
cadas pela violência, a alienação, o estigma, a as pessoas sãs se defendem”. Além desse cará-
marginalização e a segregação, ao qual denomi- ter coercitivo de natureza defensiva, a institui-
namos Cultura Manicomial. ção psiquiátrica total apresenta uma aproble-
A Cultura Manicomial características das ins- maticidade absoluta em um dos polos de sua
tituições totais e presentes na estrutura de fun- realidade (ao mesmo tempo causa e efeito de
cionamento, na filosofia e na qualidade das re- toda instituição coercitiva). O enfermo logo que
lações de muitas escolas, fábricas, unidades de internado no hospital, é definido como doente,
saúde, creches, famílias.... e emblematicamen- e todas as suas ações, participações e reações
te tendo como representante “mor” o Hospital são interpretadas e explicitadas em termos de
Psiquiátrico, se instala negando a expressão da doença. Logo, a vida institucional se baseia
subjetividade, negligenciando a manifestação sobre a negação de valores aprioristicamente
de desejos, disciplinando singularidades e nor- definida para o internado, que é considerado ir-
matizando desigualdades. reversivelmente objetivado pela doença, o que
Tecendo direta ou indiretamente o impediti- justifica, no plano pratico institucional, a rela-
vo ao exercício de cidadania. ção objetivante com ele instaurada.....”
Determinante vital desta cultura manicomial
está o cenário político-ideológico-econômico-social Franco Basaglia,
que através das más condições de vida (saneamen- A Instituição Negada, 1985
to, moradia, alimentação, transporte, educação...)
e das más condições de trabalho (turnos, pressão “Uma imensa reconstrução das engrenagens so-
de chefia, exposição a produtos tóxicos...) concorre ciais é necessária para fazer face aos destroços
na produção social do sofrimento psíquico. do Capitalismo Mundial Integrado. Só que esta
Mas, é justamente no hiato da vida desta pro- reconstrução passa menos por reformas de cú-
dução violenta de sofrimento que as relações pula, leis, decretos, programas burocráticos do
humanas se deterioram e se reparam dando fo- que pela promoção de praticas inovadoras, pela
lego aos indivíduos para questionarem e se re- disseminação de experiências alternativas, cen-
conquistarem cidadãos. tradas no respeito a singularidade e no trabalho
permanente de produção de subjetividade, que
“Uma Instituição Total, segundo a definição de vai adquirindo autonomia e ao mesmo tempo se
Goffman, pode ser considerada como o lugar articulando ao resto da sociedade.
onde um grupo de pessoas é condicionado por Dar lugar para as brutais desterritorialização
outras pessoas, sem ter a menor possibilidade da psique e do socius, em que consistem os fan-
de escolher o seu modo de viver. Fazer parte de tasmas de violência, pode conduzir não a uma
uma instituição total significa estar a mercê do sublimação miraculosa, mas a reconversões de
controle, do julgamento e dos planos dos outros, agenciamentos que transbordam por todos os
sem que o interessado possa intervir para mo- lados o corpo, o Ego, o Individuo.”
dificar o andamento e o sentido da instituição.
Félix Guatarri, As três Ecologias, 1990.
No caso da Instituição total da espécie de um
hospital psiquiátrico, a função de guarda do “Existem fenômenos que são considerados nor-
pessoal encarregado do tratamento condicio- mais ou anormais segundo a profissão, a cul-
na, em todos os níveis, o grupo de internados, tura, a renda, as possibilidades terapêuticas:
os quais são obrigados a considerar as medidas e a sociedade transforma essas avaliações em
de proteção contra eles tomadas como único motivo de exclusão ou de reprovação. Porém,
significado de sua existência. A única identifi- fazer coincidir anormalidade e patologia é fre-
cação que este tipo de instituição total oferece quentemente uma arbitrariedade” (....)
“A avaliação mistura, portanto critérios obje- das pessoas é ser pobre marginal é a probabi- 41
tivos com o comportamento, com as reações, lidade de que estas pessoas sejam definidas
com as ações desenvolvidas pela diversidade como anormais”.
A “aventura” consequente de rastrear o território ser epidemiológicos e sociais, não mais tutelados
e reconhece-lo a partir de seu próprio referencial, pelo modelo médico e com parceria da população
em consonância com a realidade da produção organizada na construção do novo sistema.
científica a serviço do homem, e o cuidado vigi-
lante frente aos novos signos manicomiais, irão “Entretanto, enquanto ampliação do concei-
representar o contorno da nova rede de atenção à to de direito à saúde mental nos deparamos
saúde mental na cidade de São Paulo. com a necessidade de reformulação profunda
Sob a influência da Reforma sanitária, das de toda legislação civil e penal em vigor, que
conferencias nacionais de saúde e de saúde men- sustenta a discriminação e a exclusão do do-
tal, as iniciativas do legislativo durante e após a ente mental, fundamentada nas noções de in-
constituinte a nível federal e estadual, as experi- capacidade civil absoluta e na periculosidade
ências de trabalhadores em saúde mental na rede como inerente a própria natureza da doença
pública, as pesquisas e produções acadêmicas a mental (...). Associada à inexistência de cida-
nível nacional e internacional, a criatividade de dania do doente mental e a consequente ação
muitos profissionais aliados a população organi- tuteladora do Estado, vê-se o desenvolvimen-
zada na “reinvenção do novo”, sob o referendo to de uma política privatizante que permite a
das organizações: Panamericana de Saúde, Mun- disseminação de um dos maiores parques asi-
dial de Saúde e Nações Unidas em torno da ques- lares do mundo, entre hospitais psiquiátricos
tão da Saúde Mental, vai se configurando o novo particulares e instituições publicas existentes,
modelo de Atenção à Saúde mental da cidade de consolidando um modelo assistencial asilar
São Paulo, subsídio concreto para a efetivação da completamente falido, excludente, discrimi-
Reforma psiquiátrica, ou melhor dizendo, da Re- natório, perverso e corrupto.”
forma em Saúde Mental Brasileira.
Assim a Reforma em Saúde Mental deverá flo- Francisco Drumond Marcondes de Moura Neto
rescer dos movimentos de massa buscando refle- e Outros, Saúde Mental e Cidadania, 1987
tir as mesmas considerações colocadas na Refor-
ma sanitária como sugere o texto: Considerando os pressupostos do Sistema
Único de Saúde no cenário real da politica de
“A Reforma Sanitária não poderá ser pensada Saúde Mental e os entraves legislativos, se inicia
como meras modificações técnicoadministra- ao mesmo tempo um resgate histórico politico e
tivas e organizacionais. Mas, sim, precisa dar uma reformulação na abordagem assistencial do
posição central a temas como a democratiza- sofrimento mental. A saber:
ção do Estado e da formulação de um proje-
to contra-hegemônico (no que a questão da • O investimento na Unidade de Saúde Mental
consciência sanitária e da ampliação do con- em Hospitais Geral Público, a inclusão dos
ceito de “direito à saúde” colocam-se como excluídos, ou seja, fundamentalmente a “in-
pontos vitais).” clusão” da subjetividade e do porta-voz mais
caricato da discriminação o “dito” louco/
Jaime A. Oliveira e outros, Demandas doente mental, através da dinâmica meto-
Populares, Políticas Publicas e Saúde, 1989 dológica-institucional do Hospital-aberto (a
inserção da subjetividade, a participação do
Neste caminho conjunto das reformulações acompanhante, o valor terapêutico da multi-
em saúde publica os avanços na constituição disciplinariedade...);
federal e as indicações das conferências nacio- • A Enfermaria e a Emergência de Saúde Men-
nais de saúde apontam para a formulação de um tal em hospital Geral, investimento na garan-
Sistema Único de Saúde sob o gerenciamento do tia de internação sem asilamento, violência,
município concebido sob pressupostos impres- perda de direitos, o respeito ao sujeito, a fa-
cindíveis a Reforma em Saúde Mental, como a mília e a manifestação do sofrimento:
equidade, a Universalidade, a Regionalização, a
Integralidade das ações. Os parâmetros deverão
• O investimento nas equipes de Referencia • A perspectiva de investimento em Lares- 43
em Saúde Mental em Unidades Básicas de -Abrigados para fora dos muros dos Hospí-
Saúde para ações ambulatoriais em conjunto cios, resposta aos sobreviventes do sistema
“Pouco importa que se trate ou não de utopia, te- (...) A subjetividade através das chaves trans-
mos aí um processo bem real de luta (....). (Michel versais, se instaura ao mesmo tempo no
Foucault). De luta pela vida, pela cidadania, pela mundo do meio ambiente, dos grandes agen-
contra hegemonia com responsabilidade tera- ciamentos sociais e institucionais e, simetrica-
pêutica e sustentação técnica. mente, no seio das paisagens e dos fantasmas
que habitem as mais intimas esferas do indivi-
“Por todos os lados impõem-se espécies de in- duo. A Reconquista de um grau de autonomia
vólucros neurolépticos para evitar precisamen- criativa, num campo particular invoca outras
te qualquer singularidade intrusiva. É preciso reconquistas em outros campos. Assim, toda
mais uma vez, invocar a história! No mínimo uma catalise da retomada de confiança da hu-
pelo fato de que corremos o risco de não mais manidade em si mesma está para ser forjada
haver historia humana se a humanidade não passo a passo e, às vezes, a banir dos meios,
reassumir a si mesma radicalmente. Por todos os mais minúsculos.”
os meios possíveis, trata-se de conjurar o cres-
cimento entrópico da subjetividade dominante. Félix Guatarri
“Eu viúva, dona de casa, velha, nervosa e enfer- “Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de
rujada! Olhava para aquela oficina de teatro no si, para poder dar à luz uma estrela dançante”
Centro de Convivência, uma mistura, uma con-
fusão” (...) até que arrisquei e me descobri nova, Nietzsche
louca, solta, até entrevista pra jornal eu dei, re-
presentei em praça pública e de forma inesque- Linguagens se fazendo ouvir em oficinas de
cível dançamos no palco do Teatro Municipal... artes ou outra consígnia qualquer que oriente a
(....) minha idade hoje?? - Eu Alice! Do Movimento” construção de uma dada “obra” sem pré-requisi-
tos técnicos ou balizadores estéticos, mas antes
Fragmentos e Interpretação do tutelados pelo desejo de cada um e de um dado
discurso de uma usuária de Cecco. coletivo. A partir de um estimulo-tarefa com o
objetivo de aproximação do outro e gradativa tanto artísticas, cotidianas, místicas como pro- 47
convivência e aceitação do estranho/diferente, ir priamente pensantes. em que uma certa turbu-
construindo mais do que um novo conceito ético- lência é expressão de um tipo de relação com
A recepção - acolhida não significa “receber pes- dades que possam promover uma aproximação de
soas encaminhadas”, mas fundamentalmente vida, não burocrática, com quem procura.
um momento de “acolhimento” (amparo e hos- Toda recepção - acolhida deverá possibilitar
pitalidade) às pessoas que chegam para conhe- um conhecimento do local (caminhada, visi-
cer mais um serviço, muitas vezes após inúme- ta monitorada), e da proposta, para tanto todo
ros encaminhamentos anteriores marcados pela Cecco deverá possuir como material subsídio a
burocracia e a não-escuta, desprovidos portan- esta primeira e importante atividade de acolher
to, de afeto, de empatia, de possibilidade, con- o “novo” que chega, cartilhas, gibis e/ou bole-
sequentemente, do estabelecimento de vínculo. tins que esclareçam de forma simples e lúdica
No Cecco enquanto espaço aberto à escuta, o que é o serviço dos Cecco’s em geral, e o seu
ao olhar, a inserção imediata deverá ser facilita- papel no modelo de atenção à saúde como um
da sem “a priori”: de ficha de registro, entrevista, todo além do cronograma de atividades daquele
encaminhamento, papéis..., signos instituciona- Cecco especificamente. Também deverá ser esti-
lizadores típicos dos serviços públicos de saúde mulada a apresentação de filmes-vídeos, de cur-
que intermediam a escuta, o olhar, o “vinculo” e ta duração, que abordem a dimensão mais glo-
anteparam a responsabilidade na não absorção de bal da questão manicomial e os vários serviços
demanda - desejo - necessidade do outro. substitutivos às instituições totais manicomiais
Estando o Cecco estruturado fundamental- (Hospitais Psiquiátricos, Asilos,...) destacando
mente em ações abertas, poderá receber a quem exemplos de funcionamento e depoimentos de
chega de forma diferenciada, já proporcionando o alguns Cecco’s e em particular daquele em que
mínimo de contato interpessoal e oferta de ativi- se encontra o usuário.
Deverá se dar todos os dias úteis, em qualquer ho- Todo Cecco deverá ter exemplares de guias de
rário no período de 8:00 às 17:00 (média do ho- serviços de saúde mental da cidade, gibis sobre
rário de funcionamento da maioria dos Cecco’s). Cecco’s e outros materiais gerais informativos (saú-
• Plantão de um técnico da equipe para a ação de. educação, cultura,...) que deverão estar à dispo-
de recepção - acolhida diária sição da população para consulta e/ou distribuição.
• Utilização de um bloco de registro que conste O contato com este material deverá ser moni-
nome, endereço, idade, ocupação, procedên- torado pelo profissional da recepção - acolhida
cia, motivo, de todos que procurarem o Cecco como atividade oferecida ao usuário ou peque-
e a conduta do profissional. nos grupos de usuários que chegam (poderá se
• Realização de entrevista pormenorizada po- fixar rotineiramente alguns horários aglutina-
derá se dar no mesmo dia da acolhida ou ser dores para esta exposição).
agendada para outro dia, dependendo da si- O compromisso essencial deste serviço deverá
tuação (no mapa de atendimento individual ser com a não institucionalização dos indivíduos,
ou grupal). das diferenças, dos desejos, etc., não significando,
• Em caso de usuário em crise, na acolhida, de- entretanto ações desprovidas de planejamento,
ve-se intervir imediatamente com abordagem organização e limites (na ocupação de espaços/no
técnica seguida de encaminhamento, com cumprimento de contratos), mas que suponham
acompanhamento de um técnico se necessário. uma relação entre seres vivos com direitos e deve-
Para tanto pressupõe sensibilização e prepa- res sob o princípio da responsabilidade e da soli-
ração cuidadosa de todos profissionais do Cecco dariedade, portanto sob o princípio de uma nova
para a tarefa de recepção - acolhida (através de ética, que deverá estar marcado explicitamente
discussões, leituras e jogos). desde a chegada do usuário ao serviço.
ENTREVISTA INICIAL 53
ENTREVISTA DE ACOMPANHAMENTO
Deverá ser garantida a população alvo, uma (população alvo), a fim de possibilitar a vincu-
vez ao mês, entrevista de acompanhamento, lação e um melhor reconhecimento de participa-
ou seja, troca de impressões e informações do ção e evolução destes.
profissional do Cecco com usuário e familiares A equipe deve se organizar e se predispor
sobre a qualidade da participação, da oferta de para esta tarefa de “adoção qualificada”, onde a
serviços e o significado terapêutico na vida des- empatia recíproca deve ser considerada na efe-
tes. Esta entrevista poderá se dar individual ou tivação da tarefa, assim alguns técnicos serão a
coletivamente. referência para alguns usuários, não exclusivos
A indicação é que cada profissional da equi- responsáveis, mas antes referência para a própria
pe técnica tenha a responsabilidade de acompa- garantia de suporte e definição de atribuições na
nhar um determinado “montante” de usuários equipe, recriando códigos de vinculação.
54 REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
(Equipamentos de Saúde)
O centro de convivência e cooperativa poderá re- dependendo do quadro, no próprio hospital geral.
ceber encaminhamento de todos os equipamen- Necessária se faz a garantia a nível distrital e
tos de saúde, devendo em caso de população alvo regional de uma sistematização de remoção de
receber anexado um relatório, de histórico e tra- usuários do Cecco ao P.S., quando acionados pela
tamento de saúde, pelo profissional responsável equipe técnica, constituindo-se em prioridade.
pelo usuário encaminhado. Não obstante deverá se constituir em norma
A UBS (Unidade Básica de Saúde) é a porta de de conduta o acompanhamento, por no mínimo
entrada do sistema e, portanto deverá priorizar 1 (um) técnico do Cecco, aos usuários, população
a absorção da população alvo do Cecco, princi- alvo, encaminhados a qualquer outra unidade de
palmente em se tratando de grupos com menores saúde (UBS, P.S. Hospital-Dia...), na qualidade
“chances de vida psíquica” (alcoolistas, drogadi- de “acompanhamento terapêutico” que venha a
tos, psicóticos, suicidas). facilitar a inserção e a preservar o valor terapêu-
Constituirá pré-condição à participação no tico do vínculo, que gradativamente promova a
Cecco o acompanhamento em UBS dos P.T.M. ligação com um novo serviço (um novo espaço de
(portadores de transtorno mental) que careçam contrato) e também de forma gradativa se afaste
de atendimento ambulatorial em saúde mental. apostando no exercício de autonomia do usuário,
A fim de sensibilizar e desmistificar as ações de e na capacidade de acolhida terapêutica destes
saúde desenvolvidas pelo Cecco, através de novas outros equipamentos.
consígnias terapêuticas é indicado que o Cecco A avaliação para internação em enfermaria de
de forma sistematizada desenvolva junto às UBS saúde mental ou mesmo para tratamento inten-
oficinas livres (expressão corporal, confecção de sivo em regime de hospital-dia pressupõe uma
máscaras, vídeo, mímica, massagem, exploração avaliação técnica mais minuciosa e especializada
de cores através de papel e plantas, etc...) princi- em equipe multiprofissional, devendo, portanto
palmente junto às filas de espera de corredor, gru- não recair tal atribuição somente à equipe técni-
pos de 3ª idade, ... funcionários e técnicos, como ca do Cecco. Entretanto a equipe do Cecco deverá
possibilidade de ampliar horizontes de aproxima- apontar sempre que avaliar necessário tal condu-
ção e atração de usuários ao Cecco. ta em relatório e/ou discussão do caso ao P.S. em
Em casos de surtos, crises de pessoas acome- caso de indicação de internação em enfermaria
tidas de transtorno mental, frequentadores do de saúde mental, e ao hospital-dia em caso de in-
Cecco, caberá a equipe técnica sempre que avaliar dicação de atendimento intensivo.
necessár io somente após tentativas de resposta O Cecco deverá efetuar visita agendada a cada
no equipamento, encaminhar ao serviço de emer- equipamento de saúde, a fim de conhecer o ser-
gência psiquiátrica do P.S. do Hospital Geral de viço, os profissionais, o conselho gestor, a carac-
referência, o qual por sua vez deverá impedir o terística da demanda, ... e de discutir e esclarecer
encaminhamento para internação em hospital psi- sua normatização, objetivos, característica e ofer-
quiátrico, se a internação for indicada esta deverá ta, devendo fornecer material de esclarecimento e
se dar em leitos psiquiátricos ou de clínica médica, divulgação do trabalho a todos os equipamentos.
REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
(Outros Recursos Sociais)
A arte tem um dever social que é o Não obstante se pelo tipo de tarefa houver
de dar escape às angustias da época. um maior interesse de determinado grupo he-
terogêneo, isto não constituirá desobservância
Antonín Artaud às metas, estas são indicativas e provocadoras
de postura vigilante-crítica por parte do corpo
O Centro de Convivência a Cooperativa não de- técnico em relação ao risco dos guetos, pela sua
verá ser simplesmente sinônimo de oficinas, sua característica segregacionista, que paradoxal-
vocação não se assemelha a de uma escola profis- mente pode em dado aspecto significar “espaço-
sionalizante, ou de espaço de cursos vivenciais, -forma” de busca de “pseudo-proteção” em um
técnicos, ou ainda de espaço de lazer descompro- dado conjunto estigmatizado, opção pelo isola-
missado e aleatório. mento coletivo ao isolamento individual. Há que
O Centro de Convivência e Cooperativa investi- se cuidar de maneira hábil e delicada a fim de
rá numa auto-identidade de espaço propiciador à se discernir este mecanismo perverso do agru-
invenção de novas consígnias de expressão, rela- pamento dos iguais, significando perpetuação
ção, convivência, e poder de troca-barganha, con- de guetos à simples opção, por conta da senha
feccionados a partir do referencial próprio de cada - tarefa inspiradora e impulsionadora, de deter-
usuário, tendo como pano de fundo, a ser consi- minadas associações de pessoas com dadas ca-
derado, um mesmo arcabouço social-ideológico a racterísticas homogêneas.
que todos estamos diferentemente submetidos. Por exemplo: uma oficina de dança de salão
A conjugação de vários elementos para a cons- que agrega pessoas de 3ª idade (idosos) em sua
trução de novas consígnias se utilizará, na maior esmagadora maioria: poder ser entendido este
parte das vezes, do original ofício de “obrar” a fenômeno aglutinador homogêneo como um
própria vida à luz de sons, movimentos, cores, dado positivo ao processo de convivência e res-
toques, expressões, olhares, falas, grunhidos... gate histórico de identidade destes indivíduos,
ingredientes combinados à criatividade, a reno- numa provável manifestação de prazer.
vação e a descobertas vocacionais-críticas, cons- Portanto, o que há de novo e tecnicamente
tituindo experiência singular e incentivadora de relevante a se explorar na concepção de ofici-
coletivização e negação do isolamento. nas, além dos objetivos, da composição de seus
As oficinas enquanto atividades dos Centros participantes, da construção de consígnias refe-
Convivência e Cooperativas, internas ou exter- renciadas na manifestação da subjetividade e na
nas, deverão constituir espaço facilitador à con- ressingularização dos indivíduos, é propriamen-
vivência não objetivando em primeira instância te a forma que estas oficinas se apresentam.
o ensinar e o avaliar de um dado aprendizado, Assim deverá se trabalhar a preservação da
sendo que o desejo ou mesmo a apreensão de tarefa muito mais enquanto linguagem do que
determinada técnica ou conteúdo, poderão ser significação técnica com dado conteúdo progra-
inspirados ou mesmo facilitados a serem desen- mático a ser desenvolvido. Possibilitando uma
volvidos, como objetivo secundário, por vezes, aproximação de pessoas que queiram entrar
em outros espaços ou atividades a serem formu- em contato com a música, a dança, o teatro, a
ladas pelo Cecco. pintura sem exames pré-admissionais de apti-
As oficinas deverão se caracterizar enquan- dão e sem sabatinas periódicas de avaliação de
to aglutinadoras de pessoas diferentes (oficinas desempenho. Exercício este bastante singular
heterogêneas preferencialmente). O instrumen- que estará sob a coordenação e vigilância de
to facilitador desta aglutinação deverá ser a ta- um corpo multidisciplinar que também estarão
refa proposta pela oficina, fundamentalmente, em curso de um ressignificado da própria ação
evitando os “naturais” agrupamentos (cultural- profissional (postura, desenvolvimento, postu-
mente estimulados) por patologia, por dificulda- lados teóricos ...)
des comuns, ou seja, por característica estigma- Quando identificamos a linguagem como o
tizante (por exemplo: grupo de psicóticos, grupo aspecto qualitativo e diferenciador da oficina,
de deficientes, hipertensos, idosos ...) das atividades dos Cecco’s, identificamos um
dos aspectos fundamentais de sustentação da ou acompanham voluntariamente Os trabalhos, 59
proposta de convivência, pois a linguagem será sendo de responsabilidade do corpo técnico sub-
o instrumento guia de manifestação de signos, sidiar e supervisionar este desenvolvimento diá-
É indicado que 01 (um) técnico em cada Cecco -oral e transcrição em manual do local - cantigas
seja responsável pela coordenação e educação de roda, brincadeiras, uso de ervas medicinais,
popular sobre a proposta e a vida diária do Centro estórias da história local, história da história -.....
de Convivência e Cooperativa. Os núcleos de comunicação alternativa como
Deverão ser constituídas em todos os Cecco’s jornal, rádio, da região em que se insere o Cecco, os
oficinas de jornal e comunicação com os usuários grandes jornais locais, os núcleos de comunicação
para a confecção de seus próprios boletins que e imprensa dos distritos de saúde ..., deverão cons-
possam ser utilizados como subsídio aos usuários tituir contatos sistematizados dos Cecco’s afim de
novos, aos visitantes e mesmo como veículo de favorecer o intercâmbio e a difusão das idéias, das
comunicação interno ao serviço e externo com a produções dos Cecco’s e da viabilização de uma
comunidade em geral e os equipamentos sociais. Cultura Antimanicomial contra-hegemônica.
Estas oficinas deverão possibilitar a confecção Deverá constituir atividades dos Cecco’s a rea-
de outros elementos de comunicação e difusão de lização de festas, feiras, debates, sóciodramas-pú-
produções literárias, poéticas,... dos usuários, que blicos ... Em elaboração conjunta com movimen-
promovam a manifestação da memória-histórica tos sociais e entidades locais, que venham a somar
territorial através de murais e painéis de poesia, com os eventos próprios, folclóricos ou não, de de-
cordéis, gibis, crônicas, contos infantis, memória- terminada região em que está inserido ou mesmo
64 que venham resgatar identidades locais adormeci- Deverá constituir atividades dos Cecco’s a co-
das (por exemplo concentração de nordestinos, in- ordenação dos eventos comemorativos relativos
terioranos ou imigrantes italianos, espanhóis...), a semana de luta antimanicomial por ocasião
inovando com propostas impulsionadoras de da comemoração do Dia Nacional de Luta 18 de
aglutinação e participação destes e outros mora- maio - e a participação e divulgação das ativida-
dores locais (por exemplo através de atividades de des comemorativas a nível da cidade.
rodas de ciranda, quadrilhas e fogueiras, festa da
macarronada, do tango e do sapateado..).
Considerando-se o Cecco como um espaço aberto Assim, pensar em alimentação num espaço
que não responde a “guarda” de seus usuários, como o Cecco. onde a convivência entre os dife-
guarda entendida como urna característica de rentes busca suscitar questionamentos e reflexões
rígida disciplinarização institucional, visto que sobre as desigualdades, sobre a cidadania e busca
a permanência e continuidade do usuário pode acima de tudo favorecer a organização das pesso-
ser, muitas das vezes, determinada pelo interesse as e sua auto-estima, pressupõe pensar a alimen-
e desejo do mesmo; tação como um instrumento tri-disparador:
Considerando-se a importância da construção
coletiva de experiências de convivência onde o • Disparador de reflexão do papel social que
processo de conhecimento, produção, cuidado o não acesso ao alimento, diversificado e de
possa ser fruto de um confeccionar conjunto en- boa qualidade, representa para o desenvol-
tre usuários e técnicos; vimento dos povos;
Entendemos que a questão da alimentação • Disparador de reflexão crítica sobre o ma-
merece urna reflexão de seu papel neste contexto. nejo paternalista-assistencialista utilizado
Ao analisarmos a importância da comida pelas instituições, e suas consequências no
na vida das pessoas como expressão da pró- comportamento e na formação de opinião
pria sobrevivência, identificamos a ligação do dos indivíduos;
ato de alimentar-se ao ato de manter-se vivo, • Disparador de “produção de auto-estima e
expressão ultima de auto-cuidado, não neces- solidariedade”, propiciando um exercício
sariamente auto-estima, mas inevitavelmente simples e original de cuidado de si e do ou-
preservação de vida. tro, reproduzindo, revivendo e recriando ex-
Num “ritual” mecânico e diário de ingerir al- periências absolutamente comuns a todos
guma coisa para saciar a fome ou mesmo para os indivíduos.
cumprir, um horário determinado culturalmente,
é mais difícil se observar o processo do alimentar- Este jeito de olhar o ato da alimentação nos re-
-se associado à convivência no agrupamento de mete a um cenário muito diferente do conhecido
pessoas como observamos em grupos de colegas cenário institucional assistencialista que apesar de
de trabalho ou de adolescentes que se juntam necessário, resguardadas as circunstâncias, a for-
para lanchar, para um café... e fazem daquele ma e o-momento histórico, aqui não está em avalia-
momento um verdadeiro encontro de trocas, de ção de mérito, pois efetivamente, em sua essência;
manifestação de ideias, afeto e prazer. colide com as intenções dos Cecco’s que deverão
A alimentação é a senha mais comum e pri- cuidar para direcionar e explicitar uma construção-
mitiva que favorece o agrupamento de pessoas e -processual-crítica de alimentação muito mais en-
aproximações íntimas. quanto atividade com alimentos do que compro-
Entretanto também é a alimentação um fator misso sistemático de prover refeições. Devendo tais
sinalizador das carências e das desigualdades atividades se constituirem enquanto consequência,
sociais a que está submetido um povo, por ser entre outras, de um dado trabalho conjunto.
uma necessidade básica dos seres vivos, portan- Assim caberá aos técnicos dos Cecco’s traba-
to acesso a ela constitui um direito de cidadania lharem junto aos usuários o valor das hortas e
e um pressuposto à vida. canteiros, desde a descoberta da terra, o conhe-
cimento de seu cio, do seu temperamento asso- descrito, assim como também impulsionadora 65
ciado ao tempo das estações, ao tempo do sol e de outras aquisições onde esta experiência po-
da chuva. derá ser pré-requisito, como a formação futura
REUNIÕES
Reuniões Internas
REUNIÕES DE EQUIPE - onde deverão ser pla- das questões técnicas, distribuídas as tarefas:
nejadas e avaliadas as ações gerais do Cecco, comunicados os informes do CTA distrital, dos
discutidas as relações de equipe, as dificuldades encaminhamentos da comissão gestora, infor-
do trabalho, aspectos pertinentes à população mes gerais pertinentes, etc.
alvo; apontadas as propostas e mudanças a se- Deverão participar destas reuniões semanais
rem encaminhadas a comissão gestora; discuti- todos os profissionais do Cecco e de outras se-
66 cretarias presentes no dia a dia do serviço (por demandas dos usuários, dos funcionários e da
exemplo professores de SME, agentes culturais administração, a fim de serem avaliadas e enca-
de SMC desde que prestando serviços no Cecco). minhadas de forma deliberativa.
Poderão participar das reuniões os oficineiros e Deverão compor a Comissão Gestora de for-
os voluntários. ma paritária representantes da população usuá-
ria, dos funcionários, o Coordenador do Cecco e
REUNIÕES DA COMISSÃO GESTORA - onde representante de outras Secretarias Municipais
deverão ser apreciadas as propostas de plane- ou Movimentos Sociais que estejam ativamente
jamento da atividade do Cecco, as dificulda- participando da vida diária da unidade.
des rotineiras, de relação intersecretarial; as
Reuniões Externas
“Uma coisa perdurará, que é a relação do Em não se tratando de um serviço que vise
homem com seus fantasmas, seu impossível. explorar intencional e demagogicamente a pro-
sua dor sem corpo, sua carcaça noturna: e, dução do “tido desqualificado” para exibi-la
uma vez colocado o patológico fora de circui- como o “fruto belo do ventre-lixo”;
to, a sombria vinculação do homem à loucura Em não se tratando de uma versão maquia-
será a lembrança intemporal de um mal de- da e modernizada de instituição de guarda e
saparecido em sua forma de doença, mas que assistencialista desenvolvida em espaços mani-
sobrevive como infelicidade” comiais, marcados pela violência da disciplina-
rização vigiada;
Michel Foucault Em não se tratando de invenção de servi-
ço para garantia de emprego a “malabaristas
“Toda espécie de amor é um descanso para “-profissionais comprometidos com a lógica he-
a loucura” gemônica de centralização de poder e autono-
mia estritamente técnica;
Guimarães Rosa Em não se tratando de aventura experimen-
tal em negar o saber técnico e a responsabili-
Há que se inscrever “a lei” enquanto função que dade do serviço público de saúde referenciado,
localize o “homem” dentro de seus limites de ex- sobre a saúde dos indivíduos;
pressão de si, enquanto sujeito coletivo. Em não se tratando de descientificizar a ação
Haverá um tempo em que a função de dar voz terapêutica inscrita em novo setting;
e significado ao código interno “inconsciente” Em não se tratando de mitificar ou converter
não será mais atribuição dos “facilitadores-ex- em espaços mágicos a possibilidade resultante
clusivos” que podemos denominar os “pensado- de transformação das chances de vida dos indi-
res de dentro” (psis), mas certamente o mundo víduos marginalizados;
poderá se instrumentalizar em seu cotidiano- Em não se tratando de concorrer setorial-
-relacional para fazê-lo de maneiras diversas e mente à autoria da reinvenção de novas formas
inventivas na busca maior de um resignificado de fazer saúde;
de papéis, sentimentos, impressões e manifesta- Vamos identificando oportunamente, após
ções de subjetividades. afirmativas elencadas, um contorno simples e
Como aponta Guatarri, a ressingularização bastante original que indica ao Centro de Con-
que carece de instrumentais também singulares, vivência e Cooperativa o papel de colaborador
apesar do arcabouço técnico-teórico indispen- diferenciado no processo terapêutico dos que
sáveis, se processará independente dos aventais sofrem psiquicamente e dos que sofrem pela
brancos, ou seja, independente de um modelo condição de estigmatizado. A terapêutica nes-
médico de compreensão e abordagem do fenô- te contexto se inscreve sob outro contrato, que
meno: sofrimento mental. se distancia do usualmente padronizado, tanto
Somos convidados, pois, a um exercício re- pela formação acadêmica quanto pela prática
flexivo com o projeto Centro de Convivência e profissional privada e a sua fiel reprodução nos
Cooperativa em que condiciona aos que se lan- espaços de saúde pública.
çam a ele, um desvencilhar de preconceitos e de As senhas que introduzem os profissionais
proposição técnicas cristalizadas na abordagem neste lugar “desprotegido” de divã, sala de espe-
do sofrimento humano. ra, distanciamento pessoal, cartões de retorno,
tempos cronometrados, portasfechadas, são se-
Assim: nhas antigas e conhecidas que de original trazem
tão somente o instrumental que utilizam para se
Em não se tratando de um serviço de encon- manifestarem, pressupondo em contrapartida,
tros “free-lance”, descompromissados em lazer interlocutores munidos de uma nova visão da
contemplativo e absorto; prática terapêutica frente ao sofrimento psíquico.
Em não se tratando de mais um exemplar de Tais senhas deverão localizar-se no Cecco já
depósito de discriminados, em massas homogê- a partir da dinâmica de relações onde a escuta,
neas, pelos suas desqualificações; a entrada, proporcionem o acolhimento do outro
e cuidem para que o afeto e a confiança proces- tal, toda ação verdadeiramente terapêutica de- 69
sem o vínculo sob novos dispositivos contratuais, verá ser antes não alienante, não encerrada na
valendo-se de cenários privilegiados e comuns leitura unilateral da fala dos desejos, dos obje-
PARTICIPAÇÃO POPULAR
(O controle social através do co-gerenciamento)
70% - das atividades deverão ser internas ao Cecco Exemplo da média por atividade:
Oficina com 20 (vinte) participantes:
Indicações de distribuição: 06 (seis) P.T.M.
04 (quatro) outros da População Alvo
45% - coordenação ou acompanhamento de ofi- 10 (dez) População Geral
cinas, cooperativas, atividades dirigidas e não
dirigidas (vídeo, brinquedoteca, biblioteca ou Importante ressaltar que é aproximadamente
cantinho de leitura, abordagens livres) (=), pois a realidade localterritorial, o processo
de implantação e fundamentalmente a sedimen-
25% - atividades de rotina eventuais: - recepção tação de uma nova cultura antimanicomial:
e acolhida;
• tanto nos serviços - expressas no sucesso de
• Entrevistas; uma rede de referência e contra referência
• “atendimentos” individuais ou familiares - • tanto na comunidade - expressas na quali-
plenárias de usuários dade e intensidade de apropriação da coisa
• Almoço comunitário -festas pública e do acesso para exercício de cida-
• palestras dania de usuários em geral (população alvo
• reuniões internas ou não) no Cecco;
ATIVIDADES EXTERNAS
30% das atividades deverão ser externas ao Cec- 5% - Visitas e Ações Domiciliares
co. Indicações de distribuição:
5% - Passeios ou Atividades Externas de Sociali-
20% - Atividades com movimentos sociais e zação (pic-nic, zoo, cinema, teatro, feira
populares, entidades em geral, instituições de andar de ônibus, mercado, visitas a outros
saúde, reuniões administrativas, grupos de ta- Cecco’s, bibliotecas, etc).
refa, fóruns.
OFICINAS E NÚCLEOS DE TRABALHO - COOPERATIVAS 75
Portanto deverá responder ao seguinte O Cecco deverá estar aberto com atividades
parâmetro indicativo percentual: diariamente, não justificando seu fechamento
para fins de reuniões de rotina (por exemplo).
24 (vinte e quatro) horas atividade interna: 60% A coordenação da Unidade e a equipe de-
06 (seis) horas atividade externa: 15% verão se organizar a fim de, na ocorrência de
10 (dez) horas reunião/supervisão/curso: 25% reuniões que envolvam muitos componentes do
Cecco, viabilizarem rodízio ou outro recurso que
Metas em Estimativas de “Potenciais” a possibilite a continuidade do serviço prestado à
serem construídos população, com qualidade.
(porém condicionados a investimentos em
Recursos Materiais, Humanos e Espaço Físico)
“A Felicidade morava tão vizinha que detolo cido” concorre para uma apropriação histórica
até pensei que fosse minha” do mundo e de si, e neste apropriar reorientar
papéis e verdades a partir de referenciais outros,
Chico Buarque mais individuais e coletivos, pela dialética da
ação, sinal inquestionável de qualidade de vida.
“Nada a temer senão o correr da luta nada a Portanto como manifesto de afronto aos mé-
fazer senão esquecer o medo abrir o peito a todos coercitivos, medicalizantes e segregado-
força de uma procura fugir as armadilhas da res o Centro de Convivência e Cooperativa vem
mata escura ... Vou descobrir o que me faz sen- de um lado possibilitar esta idiossincrasia - si-
tir eu caçador de mim” nal de criatividade e individualidade, e de outro
possibilitar a coletivização organizada na con-
Milton Nascimento quista de saberes e de poder capaz de barganhar
com o mundo sua própria transformação.
A vida aqui protagonizada é a vida plena em Uma delicada e fina costura que dá Liga e
suas manifestações mais diversas, num encon- Substrato ao surgimento de uma Ecologia da
tro de olhares, sons, movimentos, projetos, Subjetividade, que encadeada em espiral dinâ-
cheiros ... uma espécie de “natureza”. mica vai operando sobre os desejos, convívio e
A “natureza” do humano, a “natureza” do produções; Criando uma atmosfera de cumplici-
animal, a “natureza” da natureza. Naturezas que dade entre todos os “tecelões desta imensa teia
deixam de ser naturais (pré-determinadas e ho- qualificada pelo respeito à vida; na busca de
mogêneas) para se singularizarem diferenciadas promover aos indivíduos o encontro desaliena-
em confronto direto com o Estabelecido. do “do que se é e de tudo que se pode ser”.
Esta preposição de reinventar o olhar co- Assim há que se explicitar e valorizar Os mais
mumente lançado sobre o “conhecido-estabele- tímidos sinais de subversão de uma ordem dis-
ciplinadora de energia libidinal, de energia cria- Tantos poderiam ser, exemplarmente, os si- 77
dora, mantenedora de um status quo. nais concretos de construção desta tão persegui-
O que dizer de uma subjetividade manifestada da qualidade de vida, onde o prazer de conduzir
Entendendo a questão da Saúde Mental num tentação das instituições em geral, como “nor-
prisma mais globalizante, identificamos como teadores mor” de um processo de instituciona-
cenário privilegiado de determinação do sofri- lização, ou seja, impeditivo da expressão e do
mento mental, as más condições de vida e de exercício de cidadania valendo-se portanto da
trabalho, a teia de relações que se estabelecem discriminação, da marginalização, da segrega-
culturalmente na promoção da discriminação, ção e exclusão do diferente, do “desviante”, sob
da desvalorização da expressão de subjetivida- o parâmetro da disciplina e da norma vigente,
de dos indivíduos, na valorização da relação de expressos na lógica da “pseudo-verdade” das
castas e perpetuação de desigualdades, e deses- dinâmicas escolares, do acesso e assistência à
tímulo à produção coletiva. saúde, das políticas de urbanização.
Observamos a difusão dos pressupostos das Portanto fazer saúde mental, pensar saúde
instituições totais, presentes na matriz de sus- mental, pressupõe um desmonte de estruturas
78 determinantes de sofrimento, exige ações múl- tamento à discriminação, à marginalização e à
tiplas e conjugadas de vários setores governa- segregação, expressas, exemplarmente, em si-
mentais, condição básica ao enfrentamento da tuações como: a criança abandonada, a mulher
cultura manicomial, a cultura de segregação que desrespeitada, o jovem desempregado, o vicia-
gera sofrimento, adoecimento e morte física-psí- do, o idoso sem sonhos e sem vez, o indivíduo
quica, sustentadas pelo pensamento eugenista sem prazer, sem possibilidades de projetos de
impregnado na história e cultura de nosso povo. vida, sem direito de cidadão.
Assim, uma Política Municipal de intervenção Para realização deste trabalho os Centros de
na área de saúde mental deverá ser implementa- Conveniência e Cooperativa foram idealizados e
da por uma ação intersecretarial que garanta o instalados em espaços públicos (Parques, Pra-
trabalho multidisciplinar que a tarefa exige. ças, Centros Esportivos ou Desportivos e Centros
Esta ação se traduziu na atuação do Grupo de Comunitário de Cohab ou Espaços que se carac-
Trabalho Intersecretarial “Cultura, Cidadania e terizam como públicos), corno um serviço que
Saúde Mental”, constituído pela Portaria 112, valorize a vocação destes espaços e amplie suas
de 30.03.92, pela Senhora Prefeita, composto potencialidades possibilitando a população em
por representante das secretarias, autarquias e geral a real apropriação no uso destes locais de
empresas municipais (SMS, SME, SMC, SEME, forma organizada, crítica e criativa, assesso-
SSO, DEPAVE, SEHAB, SEMAB, SMT, COHAB, rada pelo serviço público na facilitação de um
CMTC, Guarda Metropolitana e Corpo Municipal uso amplo, na interlocução entre comunidade e
de Voluntários) coordenado pela SMS, que rea- suas formas de organização.
lizou reflexão coletiva sobre a questão da saúde As atividades desenvolvidas integrarão
mental, buscando compatibilizar as especifici- necessidades diversas sistematizandoas, em
dades de cada área em uma intervenção mais propostas diárias que objetivem a construção
integrada na cidade. conjunta de uma nova qualidade de vida., moni-
Contribuindo dessa forma no processo de re- toradas responsavelmente por equipes técnicas
-significação do conceito de saúde mental, coe- e equipes de apoio.
rente com a abrangência que se tem imprimido Vale destacar a potencialização dos espaços
à noção de cidadania, cumprindo assim o poder externos como áreas verdes, áreas livres, qua-
público municipal sua tarefa educativa, em sua dras, ... enquanto cenário privilegiado de ati-
interlocução com o munícipe e com o servidor. vidades e utilização dirigida. No entanto, deve
Concretizando na disponibilidade de espaços ser considerada a necessidade de utilização
físicos, recursos humanos e materiais a viabiliza- de espaços existentes ou a serem construídos
ção, de fato, desse trabalho junto à população. que viabilizem ações de convivência em salas
Na concretização dessas diretrizes desta- de múltiplo uso, ateliês, galpões e quiosques,
camos, entre outras ações, o Centro de Convi- sinal circunscrito de urna intencionalidade de
vência e Cooperativa que se caracteriza como ação em oferta planejada, não espontaneísta,
um espaço alternativo-substituto, ao modelo mas aberta ao uso livre e organizado de todos
manicomial assistencialista, segregacionista, os interessados.
hegemônico em nossa cidade representado pelo É importante ressaltar a característica das
Hospital Psiquiátrico. atividades enquanto expressão da necessidade
Nos Centros de Convivência e Cooperativas da população usuária, enquanto resgate de sua
são desenvolvidas atividades coletivas de cunho cultura, o que vem de encontro à valorização da
cultural, artístico, esportivo ou educacional história e da identidade desta mesma população.
com a finalidade de modificar as relações sociais Num primeiro momento favorecendo a con-
e também pessoais, no cotidiano de segmentos veniência através da riqueza que é a linguagem
populacionais: doentes mentais, portadores de artística (dança, artesanato, música, teatro,
deficiências, idosos, crianças e adolescentes de artes plásticas...), da linguagem esportiva, cul-
rua, portadores de necessidades especiais, num tural ... (jogos de mesa, jogos de quadra, rela-
convívio direto em agrupamentos heterogêneos, xamento, massagem, ... rodas de conversa, fol-
juntamente com a população tida como “nor- clore local, culinária, utilização da terra, prática
mal”; com vistas a uma reinserção na sociedade. orientais milenares...) para, processualmente
As ações de convivência através da inten- favorecer a organização destas pessoas e o seu
sificação dos contatos interpessoais de grupos despontar em ações cooperativas de cunho pro-
diferenciados constituirão a tradução do enfren- dutivo e de reinserção na economia popular.
Compatível com os princípios da não discrimi- funcionários e usuários deliberarão sobre pla- 79
nação e da convivência dos diferentes, as ações nejamento e avaliação das atividades a serem
cooperativas devem integrar, na produção e co- oferecidas, de modo a facilitar integração, ações
Conselho Gestor
Coordenação
Setor Técnico de
Atividades Sócio- Setor Setor Técnico
culturais, Esportiva, Administrativo de Cooperativas
Educativa
1 Gestor
1 Assistente Administrativo
1 Auxiliar de Limpeza
1 Técnico Universitário - Terapia Ocupacional
ou Psicólogo
2 Monitores -
Sistema de Segurança
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as dis-
posições em contrário.
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FRANCISCO NASCIMENTO DE BRITO
Prefeito
Registrada e Publicada por fixação, nos termos do que dispõe a Lei Orgânica
do Município, em 31 de maio de 2010.
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FELIPE ALVES MOREIRA
Assessor Jurídico - Gabinete
Cadernos Temáticos CRP SP Centros de Convivência e Cooperativa
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realização