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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE

A construção do discurso universal a partir da


perspectiva jornalística*

Luis Felipe Miguel


Flávia Biroli

Introdução permanecem em posição central na auto-imagem


dos jornalistas, na constituição dos esquemas
Imparcialidade, neutralidade, objetividade: práticos de atribuição de valor a seu trabalho, na
o valor-guia do jornalismo ainda é a pretensa defesa desse trabalho diante das pressões internas
capacidade de expor o mundo “tal qual ele é” a e externas ao campo jornalístico e na construção
seus leitores, ouvintes ou espectadores. No en- de um referencial ético compartilhado pelos pró-
tanto, os ideais de imparcialidade e objetividade prios jornalistas.
No caso do Brasil, pelo menos desde as refor-
* As discussões contidas neste artigo integram o proje-
mas “modernizantes” da imprensa, em meados do
to “Determinantes de gênero, visibilidade midiática
e carreira política no Brasil”, financiado pelo CNPq
século XX, este valor aparece, de forma recorrente.
e pela FAP-DF. Uma versão anterior foi apresentada Ainda que um certo tipo de crítica à noção de ob-
no XVIII Encontro Anual da Associação Nacional jetividade tenha se banalizado nas escolas de jorna-
dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação lismo e mesmo dentro das redações, o recurso a ela
(Compós), em Belo Horizonte, em junho de 2009. permanece central no entendimento que homens
Os autores agradecem aos participantes do encontro, e mulheres de imprensa têm sobre seu próprio fa-
pelas críticas e comentários, a Regina Dalcastagnè, zer, seja no Brasil (Hohlfeldt, 2001; Ribeiro, 2002;
pela leitura de uma versão inicial do texto, e aos pare- Sponholz, 2008), nos Estados Unidos (Johnstone,
ceristas anônimos da RBCS. Slwaski e Bowman, 1972; Mindich, 1998; Lane,
Artigo recebido em abril/2009 2001) ou na Europa (Donsbach e Klett, 1993; Spo-
Aprovado em maio/2010 nholz, 2004).
RBCS Vol. 25 n° 73 junho/2010

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Há, ainda, outra esfera em que a noção de im- de opressão que constituem o cotidiano das socie-
parcialidade se afirma como um ideal, condenando dades contemporâneas, permeando as condições
os interesses de indivíduos e grupos privados – e a (de fala, visibilidade e participação política) dos di-
ação parcial que resulta desses interesses – como ferentes grupos sociais. Em outras palavras, procu-
culpados pela deterioração da esfera pública e re- ramos enfrentar, no âmbito da mídia, o problema
baixamento da atividade política. Para o predo- com o qual a teoria crítica, tal como enunciada por
mínio dos ideais republicanos, seriam necessários Fraser (1994, p. 121), se confronta: o das desigual-
processos de decisão e deliberação pautados pelo dades que afetam esferas públicas formalmente in-
“bem comum”. Faz-se presente neste discurso a de- clusivas, constituindo as interações discursivas que
fesa, de um modo genérico, de um ideal de justiça nelas se dão. Para tanto, focamos, em especial, nos
que regularia as interações entre indivíduos liber- problemas relativos às rotinas produtivas no jorna-
tos de redes de interesses, afetos e paixões. Essas lismo e nas variáveis que compõem as posições so-
noções, por sua vez, vinculam-se a entendimentos ciais e o habitus dos jornalistas.
específicos do ideal de pluralidade nos meios de O artigo está dividido em três seções. Na pri-
comunicação de massa e dos instrumentos políti- meira, fazemos uma breve revisão das perspectivas
cos para o enfrentamento da concentração de po- pluralistas liberais na política e em estudos mais es-
der nesses meios. pecificamente voltados para a mídia. São discutidas
Neste artigo, procuramos indicar abordagens as posições de autores como Robert Dahl, Giova-
teóricas e hipóteses alternativas para a crítica à no- ni Sartori, Anthony Downs e Daniel Hallin, com
ção de imparcialidade no jornalismo. Em primeiro ênfase para as relações entre mídia, informação e
lugar, propomos uma abordagem crítica a perspec- democracia que se elaboram, de maneiras distintas,
tivas teóricas que legitimam o jornalismo como em seus escritos.
fiador do pluralismo político. Nelas, o jornalismo A segunda seção apresenta, também brevemen-
configura-se como esfera de competência que, uma te, a crítica às noções de universalidade e impar-
vez livre de restrições impostas pelo Estado e regu- cialidade a partir das obras de Iris Marion Young e
lada segundo os princípios de sua ética, seria capaz Nancy Fraser, com destaque para argumentos que
de garantir e promover o debate entre diferentes fundam a defesa da inclusão de grupos subalternos
perspectivas e interesses, estabelecendo os limites em conceitos alternativos de objetividade. Os con-
razoáveis para esse debate. ceitos de perspectiva e conhecimento situado são
Em um segundo momento, nossa proposta tem centrais à discussão.
como objetivo estabelecer um deslocamento em re- A terceira e última seção apresenta três hipóte-
lação à crítica liberal pluralista à imparcialidade (ou ses de trabalho desenvolvidas a partir da confron-
à ausência dela). Entendemos que a abordagem li- tação entre os posicionamentos teóricos discutidos
beral pluralista mantém a imparcialidade como um nas seções anteriores. Procuramos considerar, simul-
valor-guia. O problema estaria na realização imper- taneamente, as variáveis que compõem obstáculos
feita desse ideal e não em suas implicações políticas. para a integração de diferentes perspectivas sociais
Por isso, nessa abordagem, fica mantida a oposição ao discurso jornalístico, especificamente, e os pro-
entre parcialidade e objetividade para a avaliação do blemas referentes à promoção da presença efetiva
trabalho jornalístico e de seu grau de pluralismo – a da diferença e dos conflitos socialmente estabeleci-
saber, de sua competência para reproduzir, fielmen- dos nas esferas de representação, entre elas a mídia.
te e de maneira equilibrada, as vozes e os interesses As hipóteses são entendidas como um balizamento
que fariam parte, per se, dos debates e contendas para futuras pesquisas que avancem na compreen-
considerados relevantes o suficiente para compor o são da relação entre os meios de comunicação e o
noticiário. campo político. Uma breve conclusão, por fim, su-
Neste ponto, adotamos uma abordagem crítica gere que a noção de imparcialidade sustentada no
às formas atuais da convivência entre princípios e jornalismo é, em si mesma, um obstáculo para a
instituições democráticas liberais e os mecanismos ampliação da pluralidade.

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Pluralismo na mídia e na política varie – podem ser oito requisitos (Idem, [1956]
1989), podem ser vinte (Idem, 1971), podem ser
A afirmação do pluralismo como valor políti- quatro (Idem, 1989) –, o sentido geral permane-
co central é uma resposta à implantação de regimes ce. A democracia exige que os cidadãos sejam li-
que se apresentam como democráticos em condi- vres para participar da discussão política e tenham
ções de brutal divergência de interesses. A partir da peso igual no processo de tomada de decisões. Para
metade do século XX, o pluralismo torna-se uma tanto, impõem-se o acesso universal à franquia elei-
espécie de “índice” de democracia, o que se explica toral, a liberdade de informação, o direito de opo-
menos por alguma démarche teórica do que por cir- sição. Quanto mais plenamente tais requisitos se
cunstâncias políticas. No contexto da Guerra Fria, efetivam, mais aperfeiçoada é a poliarquia.
após a derrota do nazismo, a democracia tornou-se A abordagem processual indica duas dimen-
um valor político universalmente disputado. Se era sões da democratização: a inclusão política e o
fácil descartar como contrafacção o rótulo de “de- direito de contestação (Idem, 1971). Regimes “fe-
mocracias populares” aplicado às ditaduras comu- chados” democratizam-se na medida em que per-
nistas do Leste europeu, por outro lado os regimes mitem tanto a expressão da oposição ao governo
concorrenciais do Ocidente também pouco se ajus- (contestação) como a participação de mais cida-
tavam à idéia de “governo do povo”. O pluralismo dãos na política (inclusão). Cumpre observar que
ajudou a redefinir a compreensão da democracia, são dimensões da democratização e não da demo-
aproximando-a da realidade dos países ocidentais. cracia em si: o processo de inclusão e de abertura
A contribuição mais importante à teoria plu- à contestação leva à realização dos requisitos apre-
ralista da democracia vem da obra do cientista po- sentados na abordagem normativa. Graças à sua
lítico Robert Dahl. Rotulando de “poliarquia” o aparente simplicidade, o modelo bidimensional
modelo pluralista, ele o classifica como a melhor ganhou amplo curso, mas também recebe críticas
aproximação possível à democracia propriamente freqüentes, entre elas a ausência de uma terceira
dita, que permaneceria como um ideal inatingí- dimensão, social, que propicie o real usufruto dos
vel e como o horizonte normativo da organização direitos de participação e de contestação pelos ci-
política. Seu aporte para a construção do modelo dadãos (por exemplo, Weffort, 1992). Na formula-
está condensado, sobretudo, em duas obras teóricas ção de Dahl, a inclusividade é formal, limitando-se
(Idem, 1989, [1956] 1971), à qual se acrescenta um de fato ao direito de voto, sendo compatível com a
estudo empírico que objetivou mostrar a validade do exclusão política efetiva de grupos subalternos que
pluralismo para a compreensão do sistema político não dispõem de recursos materiais e simbólicos
dos Estados Unidos (Idem, 1961). Com o passar do para atuar na arena política.
tempo, Dahl tornou-se crítico das limitações da de- A compreensão corrente da democracia plura-
mocracia eleitoral, chegando a afirmar a incompa- lista, porém, corresponde àquilo que chamamos de
tibilidade entre o capitalismo e a soberania popular abordagem descritiva – e que está presente no pró-
(Idem, [1985] 1990), propondo arranjos institucio- prio nome da poliarquia, de polys (muito) e archés
nais inovadores, como a adoção de sorteios (Idem, (comando, poder). A poliarquia não seria o governo
1989), e denunciando o caráter antidemocrático da da maioria, um ideal inatingível por muitos mo-
Constituição estadunidense (Idem, 2002). Esta fase tivos, entre os quais a diversidade de interesses e a
de sua obra, porém, obteve menos repercussão na apatia política generalizada, mas o governo de mui-
ciência política. tas minorias. Em vez de haver um “bem comum”
De forma esquemática, é possível identificar que a maioria determina, há uma agregação de vá-
três abordagens na formulação do conceito de po- rios interesses localizados, resultante do fato de que
liarquia por Robert Dahl: normativa, processual e múltiplos grupos, dentro da sociedade, são capazes
descritiva. A abordagem normativa é marcada pela de influenciar no processo de tomada de decisões, o
determinação de um conjunto de requisitos para que é, em grande medida, conseqüência da compe-
a efetivação da democracia. Embora a formulação tição eleitoral:

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Eleições e competição política não significam O acesso à informação é um desses recursos.


governo de maiorias em qualquer maneira Numa de suas formulações dos requisitos da de-
significativa, mas aumentam imensamente o mocracia, Dahl estabelece que “todos os indivíduos
tamanho, número e variedade das minorias devem possuir informações idênticas sobre as alter-
cujas preferências têm que ser levadas em conta nativas [políticas]”, admitindo, em sua glosa, o “ca-
pelos líderes quando fazem opções de política. ráter utópico” da exigência e apresentando, como
Sinto-me inclinado a pensar que é nesta carac- aproximação razoável, a idéia de que a escolha dos
terística das eleições – não o governo de uma cidadãos não deve ser “manipulada por controles
minoria, mas de minorias – que temos que sobre as informações por qualquer indivíduo isola-
procurar algumas das diferenças fundamentais do ou grupo” (Idem, [1956] 1989, p. 73). Daí de-
entre ditaduras e democracias (Dahl, [1956] riva a compreensão, desenvolvida não pelo próprio
1989, p. 131). Dahl, mas por outros, de que o pluralismo no for-
necimento de informações – o pluralismo da mídia,
Assim, Dahl incorpora parcialmente a visão para colocar de forma sintética – é um componente
de uma massa apática e desinformada, central necessário do pluralismo político.
para a redefinição da democracia realizada no A compreensão do sentido deste pluralismo,
início dos anos de 1940 por Joseph Schumpeter. no entanto, é polêmica. Uma posição é emblema-
Mas a apatia não é completa, nem irreversível – os tizada por Giovanni Sartori, autor liberal que não
cidadãos são capazes de se mobilizar e pressionar é propriamente um adepto da vertente pluralista.1
quando algumas questões sensíveis para eles estão No curto trecho que dedica aos meios de comu-
em jogo. E o processo eleitoral é dotado de um nicação em seu A teoria da democracia revisitada,
sentido mais substantivo do que para o teórico Sartori expõe a tese de que a competição mercantil
austríaco, que via nele apenas um método para a gera o pluralismo necessário ao provimento de in-
seleção da elite governante. formações. Uma vez que, como ele diz, “um sistema
Portanto, na poliarquia haveria uma pluralida- de informação semelhante ao sistema de mercado é
de de centros de poder, isto é, inúmeras minorias um sistema de autocontrole, um sistema de con-
pressionando (e tendo que ser levadas em conta trole recíproco, pois todo canal de informação está
pelos líderes). Para que isso aconteça, os recursos exposto à vigilância dos outros” (Sartori, [1987]
de poder devem estar distribuídos entre diferentes 1994, vol. 1, p. 140), a concorrência mercantil ga-
grupos. Essa teoria busca contestar tanto a visão rantiria a qualidade da informação fornecida ao pú-
marxista de que há uma classe dominante como a blico. Omissões ou falseamentos da verdade serão
percepção crítica, emblematizada na obra de Wri- denunciados pelos competidores, isto é, a ação de
ght Mills, da existência de uma “elite do poder”. cada concorrente em busca de seu próprio provei-
Não há uma classe dominante, tampouco uma eli- to acaba por beneficiar o público. No mercado da
te governante. Os capitalistas formam apenas uma informação, como em qualquer outro, sob a ótica
minoria, entre outras, competindo pela influência liberal, a competição age em favor do consumidor.
sobre as decisões. Foi este o ponto que mereceu de Subjaz a essa perspectiva a crença de que o pro-
Dahl uma revisão mais profunda, no momento em blema do pluralismo na mídia é, no fundo, um pro-
que ele reconheceu que o controle sobre os meios blema relativo ao provimento de informação veraz
de produção gerava um desequilíbrio profundo e objetiva. O pluralismo é, assim, um valor instru-
na capacidade de determinar as decisões públicas mental. A existência de múltiplas fontes de infor-
(Dahl, [1985] 1990). A existência de uma plurali- mação, com o desperdício de recursos sociais que
dade de grupos de interesse, e mesmo a possibili- isto representa, é importante apenas para evitar que
dade de que tais grupos se manifestem e exerçam os jornalistas (ou as empresas jornalísticas) se ve-
pressão, não elimina a desigualdade de recursos jam tentados a abandonar aquela que é, no final das
materiais e simbólicos que cada um deles é capaz contas, a garantia real da boa informação: a “ética
de mobilizar. do respeito pela verdade” (Idem, p. 144). O ponto

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débil, na formulação de Sartori, é a compreensão de além do mero método competitivo para produzir
que o que está em jogo é a “verdade”. Além da cor- um governo legítimo, tal como apresentado por
reção factual, a disseminação da informação envol- Joseph Schumpeter ([1942] 1975). Mas eles diver-
ve valores, interesses, prioridades, visões de mundo, gem no entendimento do pluralismo. Dahl, já em
enquadramentos. Se a comunicação se processa suas formulações dos anos de 1950, tem na aber-
segundo mecanismos de mercado, seus provedores tura para uma pluralidade de grupos de interesse o
serão empresas que, justamente por esta condição, elemento crucial de sua visão poliárquica e avança
tenderão a assumir posições similares. na direção do reconhecimento da importância do
Décadas antes, Downs (1957) apresentara uma fluxo de informações – embora não chegue a vincu-
variante da concepção liberal, segundo a qual a lar de maneira efetiva os interesses em conflito, de
competição que garante a informação pública ade- um lado, e as informações disponibilizadas, de ou-
quada não ocorre no mercado da mídia, mas no tro. O fraco entendimento do peso das desigualda-
próprio campo político. Os diferentes grupos em des sociais nas práticas políticas é outro limite desta
disputa possuiriam interesse em divulgar informa- fase inicial de sua obra.
ções favoráveis a si ou desfavoráveis a seus adversá- Na mesma época, Anthony Downs, apoiando-
rios. Como resultado, os cidadãos passam a dispor se mais extensamente na concepção schumpeteria-
de informações relevantes, em especial as advindas na da democracia, reduz o pluralismo à concor-
do contraditório político. Ele reconhece que há dis- rência eleitoral, que seria a condição necessária e
paridade nos recursos informacionais detidos por suficiente para garantir que as preferências difusas
diferentes cidadãos, mas julga que isso é um efeito dos cidadãos fossem implementadas pelo governo.
da natureza humana (nem todas as pessoas teriam a A diversidade no fornecimento de informações é,
mesma capacidade intelectual) e não um problema no seu modelo, um reflexo desta concorrência. Sar-
vinculado à oferta de informações. Downs, portan- tori, por fim, escrevendo o que pretendia ser um
to, reconhece – ao contrário de Sartori – que as in- sumário da concepção hegemônica da democracia
formações se vinculam a posições e interesses, mas no final do século XX, julga que a concorrência
conclui que o pluralismo político resolve o proble- mercantil resolve o problema. Como sua concepção
ma do pluralismo comunicativo. preza não a manifestação de interesses divergentes,
Downs ignora a existência de desequilíbrios mas a seleção de uma elite, o estímulo à produção
no seio do próprio pluralismo político, que em seu de informação veraz é o que se deve garantir.
modelo se limita à competição bipartidária estadu- Os limites do pluralismo midiático, nas demo-
nidense. Ainda mais importante, do ponto de vista cracias liberais, são bem evidentes. Daniel Hallin
desta discussão, ele equivale informação política a observou que o (bom) jornalismo se move dentro
propaganda partidária e não leva em conta o papel do que chamou de “espaço da controvérsia legíti-
dos meios de comunicação de massa como agentes ma”. As diferentes vozes devem estar presentes, mas
na difusão destes conteúdos. As representações do vozes dissidentes ou desviantes de um consenso bá-
mundo social difundidas pela mídia, que possuem sico não precisam ser consideradas: a Fairness Doc-
um estatuto diferenciado diante do público (pois trine (regra de imparcialidade do jornalismo estadu-
são lidas como “imparciais”, ao contrário do discur- nidense, adotada como diretriz oficial entre 1949 e
so político, que é interessado), formam o ambiente 1997) não fora criada para dar espaço às posições
no qual ocorre a luta política, que é também uma comunistas (Hallin, 1986, pp. 116-117). No noti-
luta por dotar de sentido esse mundo. O pluralismo ciário político em sentido estrito, o pluralismo na
da mídia pode ser visto, assim, como uma condição mídia acaba refletindo o sistema partidário, isto é,
para o pluralismo político. as vozes relevantes são as dos principais partidos.
Os três autores discutidos sintetizam as posi- No caso dos Estados Unidos, onde, de acordo com
ções mais influentes da concepção liberal da demo- a blague de Gore Vidal, existe um partido único
cracia. Para todos eles, ainda que não se aproxime com duas alas de direita, o “espaço da controvérsia
do ideal de soberania popular, a democracia vai legítima” pode por vezes ser bem reduzido. À medi-

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da que as opções políticas se estreitaram no resto do ninguém (Rawls, [1971] 1997). Fica claro que a
mundo, com o colapso dos modelos da esquerda, imparcialidade, entendida como ausência de posi-
esta situação se generalizou. ção social, é um requisito para a construção de um
O pluralismo na mídia é comumente referido entendimento válido da justiça.
como “externo” ou “interno” – “isto é, imprensa A obra de Rawls vai suscitar uma série de deba-
que representa orientações políticas distintas ou tes no campo da filosofia política. Parte importante
imprensa que procura reportar as notícias de for- deles ataca, por diferentes flancos, a noção de indi-
ma equilibrada” (Hallin e Mancini, 2004, p. 14). víduo abstrato, separado de suas características dis-
Mais uma vez, o critério subjacente liga-se à repro- tintivas – pura encarnação da Razão –, que subjaz
dução do pluralismo no campo político. Trata-se de ao desenho da “posição original”. Este conjunto de
uma percepção redutora. Se o discurso da mídia é críticos inclui os chamados “teóricos da diferença”,
um espaço privilegiado de disseminação das dife- que questionam o ideal de imparcialidade rawlsia-
rentes perspectivas e projetos dos grupos em con- no.2 Entre eles estão pensadoras feministas como
flito na sociedade, isso significa, sim, que ele deve Iris Marion Young e Nancy Fraser. Ainda que sua
apresentar a voz dos vários agrupamentos políticos, contribuição se dê no seio das controvérsias desper-
permitindo que o cidadão, em sua condição de tadas, a princípio, pelo tratado de Rawls, ela ajuda
consumidor de informação, tenha acesso a valo- a iluminar os problemas desse ideal também no dis-
res, argumentos e fatos que instruem as correntes curso normativo sobre o jornalismo.
políticas em competição e possa, assim, formar sua Embora guardem diferenças entre si, as obras
própria opinião política. Mas significa também dar de Iris Marion Young e Nancy Fraser situam-se em
espaço à disseminação das visões de mundo associa- um mesmo campo teórico e político3. Em ambas,
das às diferentes posições na estrutura social, que é central a discussão sobre as formas de exclusão e
são a matéria-prima na construção das identida- de opressão que são reproduzidas no cotidiano das
des coletivas – que, por sua vez, fundam as opções sociedades capitalistas contemporâneas. A ênfase
políticas. É o que se pode chamar de “pluralismo recai sobre o papel do liberalismo que formaliza,
social”, que transcende os limites do pluralismo po- normativamente, a convivência entre igualdade for-
lítico (Miguel, 2003). mal e desigualdades efetivas, tornando-a não apenas
aceitável, mas também legítima.
O sistema jurídico e político garante direitos
A crítica à noção de imparcialidade igualmente estabelecidos para os diferentes indi-
víduos, sem levar em conta seu pertencimento de
A noção de imparcialidade, apresentada em ge- grupo, assim como garante ausência de coerção,
ral de maneira bastante chã pelos estudiosos da mí- veto ou discriminação (nas diferentes acepções dos
dia, ganha uma roupagem mais complexa na obra termos) impostos pelo Estado ou por um grupo
de John Rawls. Objetivando delinear os princípios social a outro. No entanto, como as autoras pro-
gerais de uma organização social eqüitativa, o filó- curam mostrar, mecanismos cotidianos produzem
sofo estadunidense postula que uma compreensão restrições e mantêm ativas as hierarquias mesmo
universalmente compartilhada sobre o que é a jus- nestas condições formais.
tiça só pode advir do banimento dos interesses vin- No caso específico do tema aqui tratado, per-
culados às situações sociais distintas. Ele apresen- manecem restrições à pluralização do discurso midi-
ta, então, o célebre artifício da “posição original”, ático mesmo quando não há censura, controle esta-
na qual os indivíduos não saberiam quais as suas tal ou impedimentos à livre concorrência. Trata-se,
próprias condições e características (sexo, geração, assim, de enfrentar a complexidade da produção dos
raça, orientação sexual, grau de inteligência, prefe- silêncios e dos modos de construção dos discursos,
rências políticas ou estéticas etc.) e, assim, despidos pensando-os como parte dos mecanismos de manu-
de qualquer interesse particular, poderiam buscar tenção, ou de enfrentamento, das formas de opres-
uma ordem que não privilegiasse ou prejudicasse são existentes nas democracias liberais contemporâ-

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neas. O questionamento desloca-se do problema do experiências a eles correlatas – foi legitimada por
acesso a informações relevantes para o lugar social de critérios supostamente neutros de divisão, hierar-
construção da relevância e do caráter público de de- quização e distinção. Está em pauta, por exemplo,
terminados eventos e experiências; do problema da a diferença entre uma abordagem que considera o
incorporação das diversas vozes que fariam, por elas acesso à cidadania (e à informação) como um pro-
mesmas, parte dos debates relevantes para o lugar so- cesso de universalização de direitos abstratos e indi-
cial de produção dos discursos e para os critérios ferenciados e uma abordagem que coloca em xeque
mobilizados na colocação das diferentes perspecti- os pressupostos que constituem as noções de cida-
vas em convivência (e em equilíbrio) no discurso dania e universalidade e, acima de tudo, as divisões
jornalístico. Nos dois casos, estão em questão os cri- sobre as quais se assentam – e que seriam reprodu-
térios tecnicamente orientados, apresentados como zidas na mesma medida em que são silenciadas.4
não situados, que podem constituir obstáculos à Destacam-se, na crítica feminista, dois eixos
visibilidade das perspectivas sociais de grupos que centrais: a exclusão das mulheres de esferas formal-
detêm pouca ou nenhuma condição de acesso aos mente inclusivas (considerando-se a inclusão formal
espaços de representação, entre eles a mídia. como um objeto importante das disputas, sem, po-
A crítica à autonomização da política é parte rém, limitar-se a ela) e a contraposição entre públi-
importante dessa abordagem e pode ser mobilizada co e privado, vinculada a compreensões específicas
para uma análise dos limites das representações do do que é público e do que é relevante o suficiente
campo político presentes na mídia e dos obstáculos, para tornar-se público. São entendimentos distintos
que lhes são correlatos, a uma ampliação das temá- da noção de publicidade, aos quais retornaremos
ticas e das vozes que comporiam o debate político. mais adiante.
Nas palavras de Nancy Fraser, Vale ressaltar que a solução para os problemas
destacados nessas abordagens não está na integração
[...] o liberalismo presume a autonomia da de mais vozes a um discurso supostamente univer-
política de maneira contundente. A teoria po- sal, que, na realidade, atualizaria as divisões men-
lítica liberal presume que é possível organizar cionadas. A solução não está, ainda, na promoção
uma forma democrática de vida política ten- da presença equilibrada entre diferentes vozes que
do como base estruturas socioeconômicas e são colocadas em convivência (elevadas ao patamar
sociossexuais que geram desigualdades sistê- de sujeitos de discurso) a partir de critérios de pu-
micas. Para os liberais, portanto, o problema blicidade, de relevância e de grau de interesse público
da democracia passa a ser o problema de como que se apresentam como neutros ou tecnicamen-
isolar os processos políticos daqueles processos te definidos. Nesse caso, as divisões socialmente
que são considerados não-políticos ou pré- existentes e que dão legitimidade a posições sociais
políticos, aqueles que são característicos, por hierarquicamente distintas seriam reiteradas: sua
exemplo, da economia, da família e da vida materialização e, em certo sentido, sua existência
cotidiana informal (Fraser, 1997, p. 121, tra- pública seriam possíveis na medida em que atuali-
dução dos autores). zam as categorias que constituem essas distinções.
Um exemplo, relacionado com pesquisas anteriores
Nesse ponto, vale ressaltar a filiação de Young por nós realizadas, diz respeito às fronteiras tênues
e Fraser ao debate feminista, que coloca em pauta a entre a exclusão das mulheres do noticiário políti-
relação entre as formas existentes de dominação e a co, o silenciamento de suas perspectivas e a pro-
apresentação de determinadas perspectivas, catego- moção de sua inclusão por meio de estereótipos
rias e julgamentos como universais. A noção de que que justificariam os termos dessa exclusão e desse
seriam desejáveis a busca e a promoção do “bem silenciamento.5
comum” é confrontada por abordagens que explici- O conceito de perspectiva em Young permite
tam os mecanismos históricos por meio dos quais a caracterizar adequadamente as formas de exclusão
exclusão de determinados segmentos sociais – e das que teriam impacto sobre um público ou uma es-

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fera de representação constituída, restringindo sua as perspectivas. Quem permanece fora desta unida-
pluralidade e seu potencial democrático. Em pri- de transcendente é transformado em um “outro ab-
meiro lugar, os sujeitos analisados – que são objetos soluto”, o que significa eliminar a alteridade como
de exclusão ou favorecimento – não são indivíduos, integrante efetiva do espaço público. Por fim, a im-
mas grupos. Em segundo lugar, esses grupos não parcialidade legitima hierarquias baseadas na divi-
têm uma identidade permanente ou essencial, mas são entre público e privado, assegurando a opressão
existem justamente como função das relações e in- de alguns grupos e a despolitização de questões de
terações entre os diferentes grupos em uma dada poder relevantes.
sociedade. Trata-se, assim, de discutir processos que O deslocamento aqui proposto implica, assim,
revelam “uma rede de relações de reforço e restri- em uma compreensão de que a imparcialidade não
ção” que estabelecem diferentes condições de acesso é apenas inatingível. Ao ser ativada como um valor
às variadas esferas sociais, atuando “conjuntamente de referência para a avaliação do grau de democra-
para produzir possibilidades específicas e excluir cia, justiça e pluralidade presente nos meios de co-
outras” e operando em um “círculo de reforço” às municação, ou como um parâmetro para a avaliação
condições, posições e relações existentes (Young, do trabalho jornalístico pelos próprios jornalistas e
2000, p. 93, tradução dos autores). pelos críticos credenciados, não permite considerar
Esses processos fazem com que as divisões e uma parte relevante das dinâmicas de opressão. A
as formas de exclusão ativadas cotidianamente se- imparcialidade, como valor-guia, colabora para a
jam percebidas como naturais. A visibilidade di- ocultação dos lugares de enunciação dos discursos
ferenciada nos meios de comunicação é entendida e das redes de diferenciação que os caracterizam e
como parte desse “círculo de reforço” justamente fazem com que circulem por determinados espaços
por ser um mecanismo importante de ativação (ou e sejam aceitos como verdadeiros.
neutralização) das relações de opressão existentes. O conceito de perspectiva é proposto, aqui,
O silenciamento de determinadas perspectivas e a como contraponto adequado à noção de imparcia-
reprodução de estereótipos ligados a alguns grupos lidade justamente por explicitar que qualquer dis-
e posições sociais são considerados aspectos impor- curso, inclusive o midiático, é um discurso situado
tantes dessa dinâmica. Naturalizam-se juízos relati- e marcado por uma rede complexa de relações. Aos
vos às diferentes competências e habilidades de ho- lugares de enunciação desses discursos correspon-
mens e mulheres, às diferentes disposições morais dem, pelo menos, dois conjuntos complexos de
de ricos e pobres, à capacidade que os diferentes problemas: (1) as formas de distinção que consti-
indivíduos teriam para emitir opinião sobre assun- tuem a relação entre competências legitimadas (as
tos públicos, para citar alguns exemplos. dos jornalistas, dos políticos, dos intelectuais) e
Um ponto que deve ser ressaltado é que, nes- discursos legítimos e (2) as redes de restrição que
se quadro, como indica Young, a imparcialidade condenam determinados sujeitos ao silêncio, a uma
não é considerada apenas um ideal inatingível, mas presença estereotipada ou a um simulacro de vozes
um valor que serve a funções ideológicas precisas. socialmente aceitas e valorizadas. Nos dois casos, há
Ela dá suporte à idéia de Estado neutro e legitima tensões que merecem ser destacadas: no primeiro,
a autoridade burocrática e os processos decisórios as competências socialmente legitimadas conferem
hierárquicos, que são as manifestações desta neu- relevância e credibilidade aos discursos ao mesmo
tralidade. Além disso – e este é o ponto crucial para tempo em que permitem que eles sejam apresenta-
a discussão aqui traçada –, a imparcialidade refor- dos como não situados – tecnicamente orientados,
ça a opressão ao transformar o ponto de vista de construídos segundo os parâmetros do aceitável e
grupos privilegiados em uma posição universal. As do justo; no segundo caso, a marginalidade social
diferenças são reduzidas a uma unidade que não é reforçada pela percepção de que as experiências
apenas é artificialmente forjada como também é so- de determinados sujeitos têm pouco valor porque
cialmente situada. A pluralidade é negada, já que se oscilam entre uma explicitação de seu lugar de fala
postula uma moral transcendente capaz de totalizar (desvalorizado) e um esforço de adequação aos dis-

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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE  67

cursos aceitos (que reforça justamente os valores e duzido ou reproduzido de forma razoável pelos
os critérios sociais vigentes). meios de comunicação e a objetividade seja atin-
As perspectivas dos diferentes indivíduos e gru- gida, ignora o caráter conflitivo das relações so-
pos são entendidas como conhecimentos situados ciais e da política e, especialmente, silencia sobre
(noção trabalhada por Young a partir de Donna os critérios que definem quais as vozes relevantes.
Haraway), resultado de relações que posicionam os Afinal, os “dois lados” não são considerados a par-
indivíduos de maneira diferenciada. As perspecti- tir de um “não lado”, mas de uma posição que é
vas dos grupos subalternos seriam, assim, marcadas perspectiva porque está inserida em redes sociais
“negativamente” pelas formas de opressão vigentes de diferenciação e atribuição de competências que
e pelos limites impostos à sua atuação, ao mesmo devem ser analisadas.
tempo em que são, “positivamente”, a matéria de Na abordagem das autoras aqui discutidas, a
que se nutrem ações e discursos que seriam poten- noção de objetividade ganha um significado di-
cialmente capazes de deslocar as posições existentes ferente desse que acabamos de mencionar. Para
e os discursos hegemônicos a elas vinculados. Young, de um lado estão perspectiva e objetividade
O conhecimento situado e perspectivo não é e, de outro, imparcialidade e ponto de vista univer-
entendido, apenas, como o único possível, episte- sal. No primeiro campo, justiça envolve a conside-
mologicamente falando – como o que resta, uma ração e a negociação entre perspectivas variadas –
vez que se entende a imparcialidade como inatin- incorporando a diversidade e o conflito social e, por
gível –, mas o que é desejável para a promoção de isso, promovendo uma visão objetiva das relações
justiça social em uma democracia inclusiva. Essa sociais. No segundo, justiça envolve a promoção do
posição é acompanhada pelo entendimento de que bem-comum, superadas as particularidades – apre-
os conflitos devem ser explicitados e de que o co- sentando como neutras e universais as posições dos
nhecimento mais abrangente das relações sociais se grupos hegemônicos e, por isso, no limite, impondo
funda justamente na interação entre as diferentes o silêncio às perspectivas sociais de outros grupos.
perspectivas – uma interação entre “outros multi- A objetividade é entendida, portanto, como uma
plamente situados” (Young, 2000, 117). conquista da comunicação democrática que “inclui
Nas palavras da autora: todas as posições sociais diferenciadas”, mas não é
“simplesmente algum tipo de soma de seus pontos
A inclusão não deve significar simplesmente de vista diferenciados” (Idem, p. 114, tradução dos
a igualdade formal e abstrata entre todos os autores).
membros de um público de cidadãos. Ela sig- Essa interação não permitiria a superação dos
nifica considerar explicitamente as divisões e as conflitos estruturais, mas levaria a um alargamen-
diferenciações sociais e encorajar grupos diver- to do pensamento, a um melhor entendimento das
samente situados a dar voz a suas necessidades, demandas por justiça e a uma compreensão mais
interesses e perspectivas sobre a sociedade, de objetiva de cada posição e das relações entre elas.
maneira que correspondam a condições de pu- Ensinaria sobre as perspectivas de outros e explici-
blicidade e razoabilidade (Idem, p. 119, tradu- taria, a cada um, o quanto sua própria experiência é
ção dos autores). perspectiva (Idem, p. 117).
As noções de públicos e contrapúblicos, em
Sendo redundante, o que resulta dessa intera- Nancy Fraser, podem ser aqui atualizadas nesse
ção não é um equilíbrio entre as diferentes posições mesmo registro. Ela parte da percepção de que exis-
sociais, produzido segundo critérios supostamente tem grupos socialmente desfavorecidos e grupos
neutros e objetivos de justiça. A noção que per- socialmente privilegiados, o que implica numa si-
meia a prática jornalística e, em certa medida, as tuação diversa quanto à possibilidade de conferir
perspectivas teóricas consideradas na primeira se- publicidade a suas experiências e aos valores que
ção deste artigo, de que a consideração dos “dois orientam suas interações. De maneira sucinta, po-
lados” permite que o pluralismo social seja pro- demos considerar que, para a autora, os contrapú-

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blicos resultam da interação com os mecanismos sal/imparcial, funda a legitimidade e a credibilidade


que produzem discursos e identidades hegemôni- de sua intervenção no espaço público.
cas, ao mesmo tempo em que são a matéria que
permite a reconfiguração das relações interpúblicos Ainda que uma leitura crítica da objetividade e
e intrapúblicos. da imparcialidade se tenha disseminado nas últimas
Os contrapúblicos são, nesse sentido, “arenas décadas, o discurso jornalístico continua a se apre-
discursivas paralelas onde os membros de grupos sentar como partindo de um ponto de vista “univer-
sociais subordinados inventam e fazem circular sal”. A adesão a esta forma de discurso é alimentada
contradiscursos para formular interpretações opos- pelas rotinas produtivas da profissão e é indispensá-
tas de suas identidades, interesses e necessidades”. A vel tanto para a consagração no campo jornalístico
afirmação e a multiplicação desses “contrapúblicos como para a legitimidade social do campo. A pre-
subalternos” levaria a uma ampliação da contesta- tendida universalidade de ponto de vista permitiria
ção discursiva (Fraser, 1997, pp. 123-124, tradução a identificação de posições parciais em conflito e
dos autores). sua reconstituição justa num espaço público unifi-
Um dos aspectos relevantes dessa ampliação e cado, do qual a imprensa seria o espelho e o agente
do alargamento do pensamento, no sentido traba- regulador, uma vez que o campo político, em seu
lhado por Young, diz respeito às ambigüidades na funcionamento, seria regido pelo embate entre in-
compreensão do que é público, mencionadas an- teresses e por uma consideração pouco rigorosa das
teriormente. A noção de que público é aquilo que fronteiras entre o público e o privado.
“diz respeito a todos” envolveria pelo menos dois A literatura sobre newsmaking, a partir, sobretu-
entendimentos. É aquilo que afeta ou tem impacto do, dos trabalhos de Gaye Tuchman (1972, 1973),
sobre todos, segundo a avaliação de uma perspec- mostra como a “objetividade” é um produto de es-
tiva externa – justamente a abordagem criticada tratégias discursivas do jornalismo. O treinamento
nesta seção –, mas também “o que é reconhecido do jornalista profissional consiste, em grande me-
como uma questão de preocupação pública pelos dida, em obter o domínio dessas estratégias. Elas
participantes” (Idem, p. 129, tradução dos autores). exigem que o profissional se coloque em posição de
A ampliação da contestação discursiva está relacio- distância ostensiva em relação aos grupos em con-
nada com a ampliação e a pluralização dos termos flito. A produção do equilíbrio entre as diferentes
da disputa sobre o que se estabelece como uma vozes às quais se concede espaço em situações que,
questão de preocupação pública. E os meios de co- reconhecidamente, envolveriam partes e interesses
municação são, atualmente, o espaço privilegiado distintos é correlata à produção de uma unidade
em que se dá essa disputa. forjada a partir de um conhecimento situado que se
apresenta como imparcial.
O discurso jornalístico assume, assim, uma
Hipóteses de trabalho perspectiva olimpiana.6 Ele é imparcial porque re-
constrói o todo incorporando as diferentes partes.
A partir dessa discussão, elaboramos três hipó- Mas é também capaz de falar em nome de valores
teses de trabalho, estritamente vinculadas entre si, universais – o progresso, a ética, a democracia. É a
sobre a relação entre o ideal de imparcialidade, a imparcialidade que diferencia o discurso jornalísti-
legitimidade do discurso jornalístico e seu impac- co do discurso de outros agentes, que podem tentar
to no campo político. Elas procuram explicitar a (e freqüentemente tentam) mobilizar tais valores,
conexão entre a pluralidade de vozes presentes na mas sempre o fazem a partir de uma posição inte-
mídia e o leque de temas e experiências que consti- ressada (porque parcial).
tui o debate público. O que ganha curso na sociedade como sendo
a verdade jornalística é o discurso produzido de
Hipótese 1: O ocultamento da posição de enunciação acordo com as estratégias de isenção descritas pela
do jornalismo, que ocorre graças a seu discurso univer- literatura sobre newsmaking. No entanto, este dis-

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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE  69

curso é socialmente situado, como qualquer outro. pos sociais, há uma rede de estímulos e restrições
Em primeiro lugar, pela origem social similar dos que impõe determinadas práticas e “visões de mun-
profissionais. Jornalistas podem diferir quanto a do” como aceitáveis.
posições ideológicas ou valores, mas ocupam posi- Com foco nas relações externas ao campo, é
ções similares no espaço social, fruto de trajetórias preciso considerar o vínculo entre o campo jor-
semelhantes e de padrões comuns de socialização, nalístico e outros campos sociais, com destaque
nas universidades e nas redações. Por isso, tendem para o campo político. As rotinas de produção e
a se acercar do mundo social de forma similar. De a socialização dos jornalistas definem, em grande
maneira muito simplificada, é possível dizer que, parte, sua relação com outros campos de produção
como os jornalistas estão na posição de “classe mé- de discursos. Pode-se considerar que as perspectivas
dia”, é natural que na imprensa haja também o pre- dos jornalistas são concebidas no interior de tramas
domínio de uma perspectiva de “classe média” (ver sociais que constituem as relações entre diferentes
Bourdieu, 1996; Fallows, [1996] 1997). As preo- campos ou perspectivas sociais estruturadas, legan-
cupações das classes médias ganham maior visibili- do temas e experiências (assim como os potenciais
dade, ao mesmo tempo em que a representação de discursos que lhes seriam correlatos) à relevância,
outros ambientes sociais é tingida de exotismo. Os à marginalidade e/ou à inexistência. A tensão en-
critérios que definem o que é importante e o que tre os diferentes campos, competências e discursos
é interessante – ou seja, o que é notícia – refletem faz com que essas relações sejam marcadas ora pela
esta perspectiva social. acomodação e complementaridade, ora por dispu-
Vale ressaltar que entendemos, como foi dis- tas e contradições.
cutido na segunda seção, que essas perspectivas são
correlatas a identidades sociais geradas em uma teia Hipótese 2: Ao buscar uma representação objetiva das
de relações com outros grupos sociais. Correspon- diferentes vozes, mas fazendo-o a partir de uma pers-
dem, portanto, a formas de valorização e temati- pectiva situada, o jornalismo produz um simulacro da
zação das experiências como menos ou mais rele- pluralidade.
vantes do que outras, a formas de diferenciação e
hierarquização dessas mesmas experiências. A no- Em disputa com o campo político e as ciências
ção de imparcialidade, mobilizada como ideal que sociais, o campo jornalístico busca “impor a visão
permite distinguir entre o bom e o mau jornalismo, legítima do mundo social” (Bourdieu, apud Fritsch,
não permite lidar adequadamente com essa condi- 2000, p. 22). Cada um a seu modo, as três áreas
ção (perspectiva) da produção do discurso jornalís- reivindicam um ponto de vista universal, seja na
tico e com os silêncios que ela produz. forma do Estado que transcende os interesses par-
Além da origem social dos jornalistas e de seu ticulares e zela pelo bem comum, da ciência que
pertencimento a diferentes grupos sociais, conside- produz conhecimento objetivo sobre o mundo em-
rados anteriormente, outros aspectos merecem ser pírico ou da imprensa que espelha a realidade para
destacados. Trata-se, ainda aqui, de considerar a seu público.
multiplicidade de variáveis que compõem as pers- Na segunda metade do século XX, nos Estados
pectivas dos jornalistas. Unidos e, por efeito mimético, em muitos outros
Com foco nas relações internas ao campo, é países também, o jornalismo minou a imagem do
preciso considerar as normas e os valores que cons- Estado como promotor do bem comum. O escân-
tituem as hierarquias dentro do campo profissional dalo de Watergate e, mais ainda, a cobertura da
do jornalismo. Aspectos relevantes das perspectivas Guerra do Vietnam indicam uma virada em que a
sociais dos jornalistas são forjados na interação com imprensa mostra o que seria seu dever para com o
os pares no cotidiano das redações e nas tensões en- público – o provimento de informações verazes e ob-
volvidas na reprodução ou na contestação das posi- jetivas – acima de seu compromisso com o Estado.
ções hierárquicas no interior desse campo. Também Se há aí o reconhecimento de que os interesses em
no cotidiano dessas relações, como em outros cam- conflito na sociedade não permitem que se estabe-

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leça um “bem comum” unívoco, ao mesmo tempo situados socialmente – e também na ignorância de-
se vende a idéia de que aquilo que serve a todos é liberada da reflexividade do trabalho jornalístico,
a “verdade”, o produto que (apenas) os jornalistas isto é, dos efeitos que exerce sobre o mundo social
podem fornecer. É por apresentar a verdade que o que é seu objeto.8
jornalismo é imparcial; é por apresentar a verdade Para a manutenção do jornalismo como espaço
que ele serve à sociedade em geral, para além dos diferenciado e legítimo de difusão dessa verdade, é
interesses específicos. mobilizada a noção de que a objetividade possível,
A “verdade” a ser apresentada não consiste ainda que reconhecidamente limitada, consistiria
apenas na aderência a uma realidade objetiva que na reprodução das diferentes opiniões sobre temas
é narrada. Consiste, sobretudo, na determinação cuja relevância é pressuposta a partir de critérios
de quais aspectos desta realidade merecem ganhar profissionais “neutros”. As vozes tornadas públicas
a atenção do público. Dentro do próprio jornalis- são justamente aquelas que se inserem em uma con-
mo, há o reconhecimento de que esta decisão não figuração prévia dos discursos, que permite a ex-
é simples. Questiona-se o predomínio do fait divers pressão dentro dos limites daquilo que os jornalistas
em detrimento do noticiário de interesse público consideram publicamente relevante e politicamente
(ver, por exemplo, Ramonet, 1999; Arbex, 2001) razoável. O “equilíbrio” constituído é, portanto, a
ou ainda os critérios de seleção do noticiário políti- reiteração das perspectivas sociais dos jornalistas, a
co (cf., entre outros, Fallows, [1996] 1997; Cappe- partir de um conjunto específico de vozes chama-
la e Jamieson, 1997; Halimi, [1997] 1998; Sartori, das a compor uma ordem discursiva fundada nos
[1997] 1998). Mas, como regra, permanece intoca- valores sociais compartilhados pelos integrantes do
da a crença de que cabe aos jornalistas esta tarefa, campo jornalístico em um dado momento.9
caso façam de maneira correta o seu trabalho. Assim, a diversidade social é mal representada
A afirmação de critérios profissionais, tecni- no jornalismo, que universaliza a perspectiva social
camente orientados, combina-se com a crença de de seus agentes, apresentando-a como neutra. Mas
que o jornalismo reflete a realidade que o circunda. há outro aspecto, vinculado à representação dos
A justificativa para a visibilidade maior (e diferen- diferentes discursos políticos. A imposição de um
ciada) de indivíduos e grupos que detêm posições padrão expressivo como condição para participação
sociais de prestígio ou características socialmente no debate é uma das formas fundamentais de ne-
valorizadas é, nesse caso, a de que corresponde à gação do acesso do campo político aos integrantes
realidade social – se há poucas mulheres em cargos dos grupos dominados (Bourdieu, 1979; Bickford,
importantes, haverá poucas mulheres no noticiário 1996). O jornalismo reforça decisivamente esse
político, por exemplo. Para além da questão relati- fenômeno. Afinal, o domínio da linguagem é, ao
va à existência, de fato, de correspondência entre lado do acesso a indivíduos em cargos de decisão,
valorização no noticiário e distinção social, é inte- um dos principais capitais de que os jornalistas
ressante observar a oscilação entre um argumento dispõem. Ao reforçar a importância deste capital,
que destaca a autoria e a escolha dos profissionais e a imprensa contribui para rejeitar as tentativas de
outro que consagra a idéia de que o bom jornalista, ingresso, no debate público, daqueles que escapam
o jornalista disciplinado, capta e reproduz a reali- das normas dominantes de produção do discurso.
dade tal como ela lhe é apresentada.7 De um lado, Os agentes sociais interessados em participar
ressaltam-se critérios profissionais; de outro, desta- da discussão pública ganham, assim, fortes incenti-
ca-se uma realidade que existiria de maneira inde- vos para a adaptação às expectativas do jornalismo,
pendente em relação aos critérios de valorização e quer na forma lingüística, quer na agenda, quer no
publicização que constituem a prática jornalística. enquadramento. A quem está desprovido de con-
As duas posições se complementam porque estão dições de adotar o discurso dominante restam três
ancoradas na idéia de que é possível, ao bom jorna- opções. Se insistir na sua dicção própria, tende a
lista, colocar-se em uma posição não perspectiva e ser marginalizado, isto é, ignorado ou apresentado
mobilizar, na produção do noticiário, critérios não como “folclórico”.

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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE  71

Buscar a adaptação ao modelo esperado – a se- adaptação aos critérios de relevância aceitos por eles
gunda das três opções – significa trair a vivência e os como auto-evidentes (e portanto inquestionáveis),
interesses que se desejava expressar. Ao mimetizar o bem como a utilização do padrão discursivo impos-
padrão discursivo dominante, recaindo naquilo que to como adequado, é condição para o ingresso no
Bourdieu chamou de “fala enguiçada”, os porta-vo- debate. O pluralismo de vozes resultante parte de
zes dos grupos subalternos tornam-se incapazes de uma posição não plural, que o limita e condiciona:
transmitir sua experiência vivida. Ao curvarem-se à por isso se fala de um “simulacro de pluralidade”
imposição de um certo registro, reconhecem impli- no noticiário jornalístico.
citamente que não possuem legitimidade para estar
ali, que são estranhos ao debate público. Hipótese 3: O jornalismo assume a posição de fiador
A terceira opção é aceitar o silêncio. Os gru- do pluralismo político, estabelecendo, a partir de sua
pos em situação de maior subalternidade vão, com própria prática, os limites deste pluralismo.
freqüência, “ser falados” por outros. Seus interesses
presumidos são vocalizados na esfera pública por A legitimidade do campo jornalístico é funda-
outros agentes, como lideranças políticas, organi- da no reconhecimento disseminado da competência
zações não-governamentais ou ainda especialistas específica de seus profissionais, que se manifesta no
universitários (advogados, assistentes sociais, soció­ discurso imparcial e universal. Com isso, o jornalis-
logos, psicólogos, médicos). mo assume a posição de fiador do pluralismo políti-
Por outro lado, o padrão discursivo domi- co, estabelecendo, a partir de sua própria prática, os
nante na imprensa deslegitima outras formas de limites deste pluralismo. O papel de gatekeeper da
produção de informação. Formas alternativas, que discussão pública implica em avocar a competência
se assumem como socialmente situadas, podem para julgar a relevância e a adequação das diferentes
possuir público e mesmo alguma influência, mas contribuições ao debate.
seu estatuto é diferenciado e tendem a ocupar uma Os critérios para a definição de quem estará
posição complementar em relação à mídia conven- presente no noticiário nascem das rotinas e das
cional. Há um forte incentivo, para qualquer gru- perspectivas dos jornalistas. Isso não significa que
po que se disponha a fornecer informações, a mi- outros campos, como o da política, não exerçam
metizar as estratégias dominantes no jornalismo. influência sobre as escolhas que são feitas e que os
A multiplicação, especialmente com o advento interesses empresariais, em circunstâncias especí-
da internet, de espaços em que o jornalismo não- ficas, não determinem essas escolhas. Não signi-
profissional é proposto como uma espécie de antí- fica, também, negar que “permutas” – em que a
doto ou contraditório da mídia comercial acaba, visibilidade é moeda corrente – fazem parte dos
por vezes, colaborando para a legitimidade social mecanismos de distinção dos profissionais do jor-
do jornalismo profissional ao assumir seus critérios nalismo e da política em seus respectivos campos.
e valores. Sem deixar de lado a importância des- No cotidiano do trabalho nas redações, a escolha
ses espaços de produção e difusão de informação, das personagens que compõem o noticiário é, no
é importante ressaltar que a mídia convencional entanto, entendida como uma prerrogativa dos
continua a ser o ambiente privilegiado de confor- jornalistas, destacada quando há tensões e impas-
mação do debate público, daí a importância de ses com outros campos (especialmente o político)
torná-la mais plural. e com os imperativos econômicos das empresas
O problema destacado aqui é, portanto, o de que os empregam.
que o equilíbrio entre as diferentes tendências, cons- Tal prerrogativa se estabelece graças a um du-
truído no noticiário, é a reiteração das perspectivas plo movimento. O jornalismo apresenta-se como
dos jornalistas – constituídas por sua posição na portador de um discurso tecnicamente diferen-
pirâmide social, pela ideologia profissional compar- ciado, algo que ele possui em comum com outros
tilhada, pelas pressões e imposições das empresas, discursos de competência – considerando-se que
pelas relações com os agentes do campo político. A a distinção entre profissionais e não-profissionais

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está na base da divisão do trabalho e das formas nalismo poderia avaliar os desvios da política de-
de concentração do poder de produção do discurso mocrática liberal – em especial, a colonização de re-
legítimo em diversos campos sociais. O jornalis- cursos e espaços públicos por interesses privados e,
mo apresenta-se também como portador de uma de modo inverso, mas não contraditório, a restrição
posição de exterioridade em relação aos conflitos à liberdade e à inventividade dos agentes privados
sociais  – diferentemente de certos discursos que pelo Estado. Mas essa posição pode ser apresentada
também têm sua competência legitimada social- como não situada, justamente porque ela incorpo-
mente (os discursos dos políticos profissionais ou ra e ativa os pressupostos que naturalizam a ordem
dos representantes e advogados de interesses sociais social e política estabelecida. Em especial, participa
específicos, por exemplo) e de maneira correlata ao da neutralização dos conflitos por meio da margi-
que se dá em outros campos, como o científico.10 nalização de perspectivas sociais que colocam em
Estes mecanismos de diferenciação – distinção relevo uma sociedade dividida.
entre profissionais e não-profissionais e sustenta- Ao definir os limites do pluralismo político, o
ção de uma posição supostamente universal e de jornalismo delimita também o espaço de contestação
exterioridade – não são específicos do jornalismo. discursiva. A ampliação do “espaço da controvérsia
O Estado apresenta-se assim e a ciência também, legítima” (Hallin, 1986) depende da possibilidade de
para citar apenas dois exemplos. A questão que se que contradiscursos circulem em condições de dis-
coloca, portanto, diz respeito às razões pelas quais o puta e diálogo com os discursos hegemônicos. Nos
jornalismo, em sua relação com a política, é capaz padrões convencionais do jornalismo, os discursos
de manter a imparcialidade como o valor que res- hegemônicos são reproduzidos como portadores de
palda sua competência específica, como o valor que valores “universais”. Os contradiscursos, por sua
provê os recursos que o caracterizam como fiador vez, são silenciados ou não se tornam públicos a
do pluralismo político. não ser como estereótipos verbais, oscilando entre a
Como já foi dito neste artigo, a democracia se mimese dos padrões dominantes de expressão e sua
estabelece como valor hegemônico dentro dos li- apresentação como “outros” absolutos.
mites de uma compreensão restrita da igualdade.
Nela, a igualdade formal convive com a exclusão
dos grupos subalternos das esferas de decisão e com Considerações finais
a exclusão de suas perspectivas da agenda pública.
O jornalismo, por sua vez, constitui-se como cam- A pluralidade necessária, portanto, não é ape-
po em que se configura a crítica legítima às distor- nas a pluralidade de controladores da mídia – a fór-
ções do ideal democrático. Isso se dá porque ele se mula liberal da concorrência. Tampouco se reduz à
apresenta como detentor de uma “verdade” não pluralidade de formas de financiamento – quando
parcial – diferentemente dos agentes entendidos se assume que um jornalismo não-mercantil, liber-
como propriamente políticos e dos representantes to das pressões econômicas, seria capaz de empu-
dos grupos sociais em conflito –, mas também por- nhar, sem contaminações, os valores redentores da
que as práticas jornalísticas tendem a se acomodar ética profissional.
em representações da política, da democracia e dos A promoção da interação entre “outros mul-
conflitos sociais que correspondem à manutenção tiplamente situados” (Young, 2000) não se dará
da política dita democrática dentro dos limites an- dentro dos limites das representações da política
tes mencionados. O jornalismo apresenta-se como como consenso ou gestão neutra dos interesses co-
fiscal de uma ordem que ele não contesta. muns. É preciso que os diferentes grupos sociais
Aquela que pode ser considerada sua prática tenham possibilidade de produzir informações a
política por excelência, a de estabelecer os termos partir de suas próprias perspectivas, o que implica
do debate público e os limites do pluralismo políti- no descentramento do padrão de profissionalismo
co, é apresentada como exterior à própria política. jornalístico e dos padrões de hierarquização da ex-
É dessa posição de suposta exterioridade que o jor- pressão – sobretudo, dos discursos políticos. Não

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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE  73

se trata, no entanto, de acenar com uma solução regimes representativos, e a capacidade técnica de
que se daria pela substituição de uma perspectiva produzir informação, exigida pelo jornalismo, são
dominante por outra, dominada, que lhe seria éti- geradoras de desigualdade.
ca ou cognitivamente superior. As perspectivas dos É possível, aqui, trazer à baila uma diferencia-
grupos subalternos não podem ser consideradas a ção que, em outro contexto, Nancy Fraser faz entre
fonte de onde emanariam posições políticas “não estratégias “afirmativas” e estratégias “transforma-
contaminadas”, exteriores às disputas, aos constran- doras” (Fraser, 2003, p. 75). As primeiras visam in-
gimentos impostos pelos campos e, em especial, aos corporar mais grupos aos espaços sociais de poder
padrões legitimados historicamente para a verbali- e status, questionando as hierarquias vigentes, mas
zação das opiniões políticas e a representação dos não pondo em xeque a existência de hierarquias.
interesses em disputa. As segundas, mais ambiciosas e utópicas, busca-
As representações da política que imperam no riam “desconstruir” tanto as oposições binárias que
campo jornalístico não são restritas a esse campo fundam as identidades de grupo como as próprias
ou compartilhadas apenas por aqueles que estão em estruturas da desigualdade social. Sob este prima, a
posições socialmente privilegiadas. As categorias que pluralização das perspectivas no jornalismo é uma
dão legitimidade às hierarquias e às formas de dis- proposta de natureza afirmativa. Ela obrigaria o
tinção e de marginalização existentes podem estar, campo a se redefinir de maneira potencialmente
também, na base da compreensão que os grupos mais democrática, mas manteria a separação entre
subalternos têm de sua própria experiência. Isso sig- produtores e consumidores de informação.
nifica que “dar voz” – ou conquistar posições – não Porém, cumpre observar que, quanto mais dis-
implica, necessariamente, na afirmação de perspec- tante o grupo está do campo – e quanto menos os
tivas que contestem as formas atuais de hierarqui- integrantes do grupo dominam os códigos discur-
zação social, inclusive as que estão na base do mo- sivos considerados legítimos –, mais a exigência de
nopólio da política democrática por determinados incorporação encontra resistências e mais mudan-
grupos e indivíduos. ças na estrutura do campo requer para ser atendi-
Por outro lado, a incorporação de perspectivas da. A reivindicação da pluralidade de perspectivas,
reconhecidamente diversas pode consistir na aco- assim, tensiona as formas estabelecidas de exclusão
modação das diferentes trajetórias e posições sociais e dominação. Se não há um “ponto de chegada”,
por elas representadas à lógica predominante nos uma situação ideal em que todas as perspectivas so-
campos político e jornalístico. O fato de que essa ciais estejam igualmente presentes, uma vez que o
incorporação envolva conflitos não elimina a ten- campo reinventa seus princípios de hierarquização,
dência à concentração de recursos e à reprodução a consciência da exclusão pode forçar permanente-
ou recomposição das hierarquias. Entendidos con- mente a redefinição dos seus limites.
forme a definição de Bourdieu, os campos sociais – Em suma, a incorporação de perspectivas dife-
tanto o político como o jornalístico – exercem um renciadas convive com a reprodução de concentra-
efeito homogeneizante, impondo uma matriz de ção de poder que caracteriza esses campos, mas im-
comportamentos e formas de apreender o mundo põe novos desafios às formas como essa reprodução
(o habitus) que é condição para o ingresso em si se dá. A afirmação da pluralidade social ou a defesa
e exclui maneiras alternativas de agir e pensar. Por da ampliação das perspectivas sociais presentes não
mais que, como o próprio Bourdieu indica, os in- encerra, portanto, nenhuma panacéia, mas expõe
tegrantes do campo ajam de forma estratégica para os limites da crítica pluralista e das representações
reconfigurá-lo, buscando torná-lo mais favorável à da pluralidade presentes no discurso jornalístico. O
sua própria posição e trajetória, uma eventual plu- percurso teórico assumido neste artigo contribui,
ralidade de perspectivas de origem sempre esbarrará assim, para a análise das conexões existentes entre
na exigência uniformizadora da posse de um ha- as formas de reprodução das estruturas sociais (no
bitus adequado para a permanência naquele espa- caso, especificamente das estruturas dos campos
ço. A concentração do capital político, própria dos político e jornalístico) e os conflitos que se impõem

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e participam de potenciais reconfigurações dessas Notas


mesmas estruturas.
A noção de imparcialidade, que legitima a com- 1 Enfático na defesa do caráter “seletivo” da democracia
preensão de que práticas jornalísticas tecnicamente eleitoral, cujo objetivo é escolher uma minoria qua-
orientadas são capazes de produzir um espaço dis- litativamente superior ao demos para exercer as fun-
cursivo plural, não permite lidar adequadamente ções de governo, Sartori é antes um elitista do que um
pluralista.
com as formas de inclusão restrita da diversidade e
do contraditório que se apresentam nos noticiá­rios. 2 O próprio Rawls vai repensar seu modelo à luz de al-
gumas destas críticas, embora não o suficiente para
Essas práticas produzem, na realidade, um equilí-
distanciá-lo do ideal de uma “razão pública” essencial-
brio que consiste em simulação controlada dos con-
mente imparcial (cf. Rawls, [1993] 2000).
flitos sociais.
3 Ver o debate sobre suas categorias de análise centrais
Apresentando-se como fiadores do pluralis-
(Young, 1997; Fraser, 1997), bem como as posições que
mo político, os meios de comunicação delimitam sustentam em relação à obra de Habermas e às questões
o debate público e confirmam os critérios ativos relativas à identidade dos grupos sociais na política.
para a diferenciação entre opiniões razoáveis e não- 4 Para abordagens representativas, cf. Pateman ([1988]
razoáveis e para a avaliação dos níveis aceitáveis de 1993) e Okin (1998).
conflito em sociedades democráticas. A unidade
5 A esse respeito, cf. Miguel e Biroli (2008) e Biroli
que daí resulta é forjada a partir de critérios que (2008).
se acomodam às representações hegemônicas da
6 Essa é a posição “natural” do jornalismo, o que é ilus-
democracia – a convivência legítima entre direi- trado pelo fato de que experiências alternativas, como
tos formais igualitários e práticas que restringem o new journalism, têm seu caráter desviante assinala-
a participação política de determinados grupos so- do exatamente por se assumirem como perspectivas
ciais. Ao apresentar-se como um discurso fundado localizadas.
em categorias universais, o discurso jornalístico 7 O ideário da isenção é parte dos mecanismos de dis-
contribui para tornar invisíveis as discordâncias e ciplinamento do trabalho jornalístico ao longo do sé-
as diferenças que constituem um público efetiva- culo XX, como atestam os manuais de redação que se
mente plural. Ao apresentar sua posição como não multiplicaram a partir dos anos de 1940. O discipli-
situada socialmente, os jornalistas ocultam o fato namento do olhar e da escrita do jornalista garantiu
de que sua perspectiva incorpora e ativa os pressu- um maior controle das empresas sobre as rotinas pro-
postos que naturalizam a ordem social e a política dutivas, ao delimitar a autonomia do jornalista como
autor. Ao mesmo tempo, está na base de uma defesa
estabelecida.
da ética no jornalismo diante das pressões exercidas
O resultado é que a política democrática é pelas próprias empresas e por agentes pertencentes a
apresentada sob dois prismas. É incompleta e insu- outros campos sociais. Não se trata de uma contradi-
ficiente diante de um ideal normativo que projeta ção, uma vez que a imparcialidade é o valor que guia
o público como interação equilibrada entre os di- as duas orientações (cf. Biroli, 2007).
ferentes interesses, com vistas a um bem comum. 8 Boorstin (1961) já observava como a mera existência
É, ao mesmo tempo, a celebração dos limites que da imprensa, com seus critérios de noticiabilidade,
permitiriam uma convivência razoável entre as di- suas rotinas produtivas e seu impacto na constitui-
ferenças, afirmando as vantagens de um pluralis- ção do espaço público, altera o comportamento dos
mo restrito que não fere a “governabilidade” e os agentes sociais. Curiosamente, a reflexividade de sua
pressupostos da ordem social vigente. Em seu fun- prática é negada pelo mesmo jornalismo que exalta
cionamento convencional, o jornalismo colabora seu papel moralizador (por exemplo, denunciando e
cobrando a punição de maus governantes).
para a afirmação de que a boa política permite o
livre curso do debate público e garante sua razoa- 9 Sem que se neguem as pressões e as influências de ou-
bilidade ao neutralizar as vozes que explicitam fra- tros campos sociais (cf. Miguel, 2002).
turas e conflitos sociais. Incorporá-las significaria 10 Essas mesmas características podem ser atribuídas ao
situar os conflitos no cerne da política. discurso dos “especialistas” que são chamados a con-

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A PRODUÇÃO DA IMPARCIALIDADE  75

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174  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 25 N° 73

A PRODUÇÃO DA PRODUCTION OF IMPARTIALITY: la production de


IMPARCIALIDADE: A THE CONSTRUCTION OF l’impartialitÉ : la
construção do discurso A UNIVERSAL DISCOURSE construction du discours
universal a partir da FROM THE JOURNALISTIC universel À partir de la
perspectiva jornalística PERSPECTIVE perspective journalistique

Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli Luis Felipe Miguel and Flavia Biroli Luis Felipe Miguel et Flávia Biroli

Palavras-chave: Jornalismo; Imparciali- Keywords: Journalism; Impartiality and Mots-clés: Journalisme; Impartialité et
dade e objetividade; Perspectiva social. objectivity, Social perspective. objectivité; Perspective sociale.

Neste trabalho, procuramos indicar abor- In this paper we aim at pointing out Ce travail se propose d’indiquer des abor-
dagens teóricas e hipóteses alternativas theoretical approaches and alternative dages théoriques et des hypothèses alter-
para a crítica à noção de imparcialidade hypotheses to the critique of the notion natives à la critique de la notion d’impar-
no jornalismo. A proposta consiste em of fairness in journalism. The proposal tialité dans le journalisme. La proposition
uma abordagem crítica a posições teó- consists of a critical approach to theoreti- consiste en un abordage critique aux
ricas que legitimam o jornalismo como cal positions that legitimate journalism as positions théoriques qui légitiment le
fiador do pluralismo político. A partir a guarantor of political pluralism. Based journalisme comme garant du pluralisme
das noções de perspectiva e conhecimen- on the notions of perspective and situat- politique. À partir des notions de pers-
to situado, trabalhadas por Iris Marion ed knowledge worked out by Iris Marion pective et de savoir situé, travaillées par
Young e Nancy Fraser, estabelecemos um Young and Nancy Fraser, we establish a Iris Marion Young et Nancy Fraser, nous
deslocamento em relação à crítica liberal shifting in relation to the liberal plural- établissons un déplacement par rapport
pluralista que mantém a imparcialidade ist critique that maintains impartiality as à la critique libérale pluraliste qui main-
como um valor-guia. Com base nessa some value guidance. Based on this dis- tient l’impartialité comme valeur guide.
discussão, apresentamos, por fim, três cussion, we finally present three strictly En nous appuyant sur cette discussion,
hipóteses de trabalho, estritamente vin- bound working hypotheses on the rela- nous présentons, en conclusion, trois
culadas entre si, sobre a relação entre o tionship among the ideal of impartiality, hypothèses de travail, étroitement liées
ideal de imparcialidade, a legitimidade legitimacy of the journalistic discourse, entre elles, sur la relation entre l’idéal
do discurso jornalístico e seu impacto no and its impact on the political field. d’impartialité, la légitimité du discours
campo político. journalistique et son impact sur le champ
politique.

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