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Kakata requereu a 01 de Novembro de 2015, uma licença de construção para um bar

em Maputo. O Conselho Municipal da Cidade de Maputo não se pronunciou. Enquanto


Kakata esperava, gastou todas as suas poupanças no seu estudo de mercado “as melhores
bebidas Moçambicanas” tendo de voltar a viver em casa da sua mãe. Certo dia, ao ganhar o
LOTTO decide retomar o seu projecto e lembra-se de duas coisas: que o Município nunca lhe
tinha dado qualquer resposta, e que nos seus tempos de estudante de direito aprendeu que era
possível impugnar a omissão ilegal da Administração. Contratou então o seu amigo Cagado,
advogado, que interpôs uma acção de impugnação, pedindo ainda uma indemnização pelos
danos que incorreu em voltar a viver com a mãe. A acção foi interposta contra o Presidente
do Município, também conhecido por Sr. Pega e deixa, no Tribunal Administrativo da Cidade
de Maputo 02.Março de 2017.
Não é que, coincidência das coincidências o Sr. Pega e deixa e Kakata cruzam-se na
rua, onde o primeiro diz ao segundo “AH AH AH! Tu e o teu amigo Cagado deviam ter ido a
menos festas de impala (bebida feita de mandioca) e deviam ter estudado mais contencioso
administrativo como eu vos disse!”. Kakata sem perceber porque razão tinha o seu ex-
professor dito tal coisa, encolheu os ombros e seguiu o seu caminho.
A Juíza, que por sinal era apaixonada por Cagado desde a primeira e única vez que
viu o rebelde na biblioteca da faculdade, decidiu impressioná-lo, e passou imediatamente para
a decisão final que tinha o seguinte conteúdo “ O Conselho Municipal terá de permitir a
construção do bar para aprender a não ser mal-educado quando as pessoas lhes
perguntam/pedem alguma questão”.

1.Explique porque razão teve o Sr. Pega e Parte aquela reacção.


2.A juíza agiu correctamente?

1. O Sr. Pega e Parte teve aquela reacção tendo em conta as numerosas irregularidades
que foram cometidas ao longo do processo que passaremos de seguida a explicar.
Cagado (doravante “C”), propôs acção de impugnação de acto administrativo provavelmente,
porque concordou com Kakata (doravante “K”) na existência de um indeferimento tácito.
Assim sendo, C, devia ter interposto uma acção de condenação à prática do acto devido, pois
o art. 124/1 da LPAC determina que é possível obter a condenação quando um acto seja
ilegalmente omitido, o que era o caso.
O regime estabelecido para existir condenação da administração exige que haja uma
omissão ilegal, que ocorrerá quando a administração esteja investida no dever legal de
decidir. Para que a mesma esteja investida nesse encargo, o interessado tem de lhe ter
apresentado um requerimento, o que K fez no dia 01.11.2015. A razão de ser desta imposição
deve-se à circunstância de para haver condenação de alguém por um tribunal, é necessário
que exista uma necessidade de tutela judicial. Se K não tivesse requerido a licença, ele não
carecia de protecção judicial, não preenchendo o requisito do interesse processual.
A situação do presente caso, a administração estaria investida no dever legal não só de
apreciar, como de responder ao pedido de licenciamento.

Quanto à legitimidade activa, esta encontrava-se preenchida pois K tinha interesse na


emissão da licença (127) LPAC).

Relativamente ao pedido de indemnização, teríamos de verificar se haveria algum


impedimento quanto à cumulação deste pedido com o primeiro. Com base nos art. 24/1 a) e f)
ambos do LPAC, nada obstava a esta cumulação uma vez que a causa de pedir era a mesma e
os pedidos se encontravam numa relação de dependência.

C propôs a acção contra o Presidente do Município, o que é errado, pois os art. 49, e o
artigo 127 da LPAC determinam que quem deve ser demanda é a pessoa colectiva que era o
Município de Maputo, e não o Presidente do Município. Apesar desta triste circunstância, a
mesma não tem consequências processuais profundas no sentido em que a secretaria do
tribunal irá corrigir esta imperfeição (63/1 LPAC).

C deveria ter interposto a acção no Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo nos


termos dos art. 51 e 52 da LOJA e ainda nos termos dos art. 1 nº 2 da LPAC, não havendo
necessidade remissão oficiosa ou envio da petição a outro tribunal.

Quanto aos prazos, regra geral, a administração deve-se pronunciar em 10 dias


(92/1LPA). No entanto, o RLOP (Decreto 2/2004, de 31 de Março) prevê que perante um
pedido de licenciamento a Câmara municipal tem 30 ou 45 dias úteis para tomar uma decisão
(art. 12). Estes prazos são importantes para aferir até quando pode ser proposta a acção de
condenação, uma vez que o art. 126/1 LPAC determina que a mesma pode ser proposta até
um ano depois do termo do prazo legal para a emissão do acto devido. Segundo MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA “esta disposição é para evitar que a administração possa ser
demandada em tribunal vários anos após a verificação da situação de incumprimento do
dever de decidir, com fundamento na apresentação de um requerimento de que pode já não
haver memória”.

O requerimento, foi pedido a 01.11.2015 pelo que o Conselho Municipal devia ter
dado resposta no máximo até 5 de Janeiro de 2015. Consequentemente, o prazo que K tinha
para reagir terminou em a 6 de Janeiro de 2016, e portanto tendo sido a acção proposta em
02.03.2017, ela mostrava-se intempestiva, que constitui uma excepção dilatória prevista no
art.58/2/i) LPAC.

2. A juíza não agiu desde logo correctamente porque “passou imediatamente para a
decisão”, onde deveria ter tomado certas providências prévias à decisão. Em primeiro lugar,
devia ter emitido despacho liminar uma vez que a acção ser intempestiva nos termos do
58/2/i), obstava à Juíza de conhecer do mérito da causa, pelo que a mesma deveria ter
absolvido da instância o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (52/2/1ª parte LPAC).
Ora isso não obstava que K apresentasse uma nova petição em substituição da que foi
liminarmente rejeitada (no prazo de 15 dias).

Em segundo lugar, creio que a juíza agiu erradamente também no conteúdo da


decisão. Colocando-se o problema de que poderes tem um tribunal aquando da condenação à
pratica do acto devido pela administração.

Esta questão é de elevada importância, pois, permite evitar que se incorra na violação
do Princípio da Separação de Poderes previsto no art. 134 da CRM, no sentido dos tribunais
defenderem a legalidade, pronunciando-se e aplicando o Direito, e não têm como função
administrar. O tribunal, no âmbito da acção de condenação, só deve condenar a administração
à prática de um acto com determinado conteúdo em duas situações: i) quando a lei impuser
uma única solução ii) quando exista uma redução da discricionariedade a zero. Em todos os
restantes casos, ao abrigo da separação de poderes, o tribunal não se poderá substituir à
administração, apenas poderá impor que a administração, no âmbito da sua
discricionariedade, pratique o acto tendo em conta certas vinculações legais. No presente caso
encontrávamo-nos na segunda situação descrita, pois a Câmara ao reapreciar o pedido, teria
discricionariedade para conceder ou não a licença conforme se encontrassem preenchidos os
requisitos exigidos. A Juíza ao determinar que a Câmara deveria emitir a licença para
“aprender a não ser mal-educada” não se limitou a“uma condenação genérica com as
condições vinculativas que puder retirar das normas jurídicas aplicáveis, sem pôr em causa
a autonomia da decisão do órgão administrativo”, estando em clara violação do Princípio da
separação de Poderes e por ter julgado a conveniência e oportunidade da actuação da
administração.

A juíza devia ter aplicado o direito e não se deixar levar pela emoção. Devia para
além de ser independente, neutra devia ser imparcial.

Nota: Se o estudante fizer reflectir 50% disto por exemplo num teste já tem cotação
máxima.

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