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INTENSIVO I

Renato Brasileiro
Direito Processual Penal
Aula 01

ROTEIRO DE AULA

Noções introdutórias

1. Pretensão punitiva

I - Exemplo:

CP, art. 121: “Matar alguém:


Pena - reclusão, de seis a vinte anos”.

O Estado cria leis penais incriminadoras (como é o caso do exemplo acima) e a ideia é no sentido de que surja para o
Estado o direito de punir (abstrato).

No entanto, o Direito Penal não é um Direito de coação direta. Assim, caso um indivíduo mate outro, o Direito Penal não
poderá ser empregado diretamente. Para que a pena cominada no preceito secundário seja a ele aplicada é necessário
um processo penal.

II – Conceito de pretensão punitiva: consiste no poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à
sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado-Administração procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do
autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer
as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que
cumpre executar a pena. Porém, tal pretensão não poderá ser voluntariamente resolvida sem um processo, não
podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator submeter-se à pena. Assim sendo, tal pretensão já nasce
insatisfeita.

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2. Sistemas processuais

• Sistema inquisitorial.
• Sistema acusatório.
• Sistema misto (ou francês).

2.1. Sistema inquisitorial

Características:

I – Concentração das funções de acusar, defender e julgar numa única pessoa (juiz inquisidor). O grande problema desta
concentração é o comprometimento da imparcialidade do juiz.

II – Não há contraditório, pois não há contraposição entre partes antagônicas (acusação e defesa).

III – O juiz é dotado de ampla iniciativa probatória – à época do sistema inquisitorial trabalhava-se com a ideia de
verdade real. Portanto, o juiz poderia agir de ofício tanto na fase investigatória como processual. Em outras palavras, a
gestão da prova estava concentrada nas mãos do juiz.

IV – Verdade real.

É incorreto dizer que o processo penal é o “processo da verdade real” porque, em contraposição ao processo civil que
trabalha com a verdade formal, o processo penal somente se satisfaria com a verdade real. Há, portanto, uma ideia
equivocada de que seria possível reproduzir no processo penal tudo aquilo que teria ocorrido no dia do fato delituoso. A
ideia de verdade real é aquilo que sempre justificou o poder probatório do juiz.

A ideia de verdade real não mais subsiste, pois ela inexiste. O que há no processo é uma verdade processual ou
aproximativa, existindo uma tentativa de se reproduzir nos autos do processo aquilo que teria acontecido no dia do fato
delituoso.

2.2. Sistema acusatório


Características:

I – Presença de partes distintas:


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• Acusação: Ministério Público.
• Defesa: Defensor Público, defensor dativo ou defensor constituído.
• Julgar: juiz.

Em razão desta distribuição de funções, o sistema acusatório vem ao encontro da imparcialidade.

II – Quanto à gestão da prova há duas correntes sobre o tema:

• 1ª corrente: o juiz jamais pode agir de ofício.


• 2ª corrente (majoritária): o juiz pode agir de ofício, mas apenas durante a fase processual, desde que procure
fazê-lo de maneira residual ou secundária. Portanto, o juiz é dotado de iniciativa probatória. Exemplo (CPP, art.
212, parágrafo único):

CPP, art. 212: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que
puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
(Redação dada pela Lei n. 11.690/08).
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Observação n. 1: a segunda corrente fundamenta-se no sentido de que o juiz não é mero expectador, pois está diante
de dois interesses indisponíveis: liberdade de locomoção do acusado e a pretensão punitiva do Estado.

III – À luz da Constituição Federal nosso sistema é o acusatório. A partir do momento em que o texto constitucional
outorgou ao Ministério Público a titularidade da ação penal (CF, art. 129, I), ele optou por retirar do juiz a iniciativa da
ação penal.

IV – O sistema acusatório trabalha com a verdade processual (ou com a busca da verdade).

Quadro comparativo entre os sistemas processuais:

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Questão (TRF – 4ª Região - Juiz Federal substituto 2016):
(E) Em nosso sistema processual penal, que segue o sistema acusatório puro, não pode o juiz determinar de ofício a
produção de quaisquer provas.

A questão está incorreta porque em nosso sistema processual penal o juiz pode determinar a produção de provas
durante a fase judicial – orientação dominante quanto à matéria. Ademais, grande parte da doutrina sustenta que o
CPP, art. 156, I seria inconstitucional em razão do vício de permitir que o juiz aja de ofício durante a fase investigatória.

2.3. Sistema misto ou francês

É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente
inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a
materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a
acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade.

Observação n. 1: há quem diga que o Código de Processo Penal brasileiro adota o sistema misto. No entanto, não é a
melhor orientação. Há em nosso sistema uma fase preliminar que se aproxima do sistema inquisitorial, mas se trata de
fase investigatória. Só poderíamos concluir que o Brasil adota tal sistema se toda a fase judicial fosse caracterizada pelo
sistema inquisitorial – e não é o que se verifica.

3. Princípio da presunção de inocência (estado de inocência ou presunção de não culpabilidade)

Observação inicial: em relação à terminologia, alguns doutrinadores preferem utilizar o termo “presunção de inocência”
ou “presunção de não culpabilidade”. Fundamento da terminologia distinta:
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• Convenção Americana de Direitos Humanos (presunção de inocência): CADH, art. 8º, § 2º: “Toda pessoa acusada
de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
• Constituição Federal de 1988 (presunção de não culpabilidade): CF, art. 5º, LVII: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Geralmente, os tratados internacionais sobre direitos humanos usam a palavra “inocência” e “presunção”. Assim,
normalmente fala-se em “presunção de inocência”. Assim, pelo menos enquanto o processo criminal não for concluído,
o indivíduo é presumido inocente.

Já na Constituição Federal a terminologia é um pouco diversa porque ela não usa o termo “inocente”. Ela é redigida de
maneira negativa dizendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória” – presunção de não culpabilidade.

Independentemente da terminologia, o ideal é tratar as duas expressões como se fossem sinônimas.

a) Conceito

Presunção de inocência é o direito que cada um de nós tem de sermos tratados como se fôssemos inocentes ou não
culpados, pelo menos até o momento em que houvesse o encerramento do processo criminal - o grande problema é
definir até quando o indivíduo é considerado inocente.

Em outras palavras, consiste no direito de não ser declarado culpado, senão após trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (ou, na visão do STF – HC 126.292 a ADC’s 43 e 44 e ARE 964.246 RG/SP –, após a prolação de acórdão
condenatório por Tribunal de Segunda instância), ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se
utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade
das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

b) Previsão constitucional e convencional

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c) Dimensões de atuação do princípio da presunção de inocência

Conforme alguns doutrinadores, a presunção de inocência trabalha em duas dimensões:

• Dimensão interna: dever que deve ser observado por todos, sobremaneira pelo juiz, dentro do processo.
Manifesta-se por meio de duas regras: probatória e de tratamento.
• Dimensão externa: a ideia é a de que o indivíduo deva ser tratado fora do processo como se fosse inocente.
Portanto, é necessário respeitar a presunção de inocência e entender que não é possível utilizar a mídia para
atentar contra a presunção e sujeitar o indivíduo a uma estigmatização perante a sociedade.

c.1) Interna ao processo

Internamente, a presunção de inocência desdobra-se em duas regras:

I – Regra probatória

II – Regra de tratamento

c.2) Externa ao processo

O princípio da presunção de inocência e as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade demandam


uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado, funcionando como limites democráticos à
abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial.

Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: “Caso J. x Peru”: a Corte Interamericana de Direitos
Humanos responsabilizou o Peru por violação
RATEIO ao estado de inocência, previsto no art. 8.2 da CADH:
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A Sra. J. foi presa durante o cumprimento de medida de busca e apreensão residencial. Processada criminalmente por
terrorismo e associação ao terrorismo, em virtude de suposta vinculação com o grupo armado Sendero Luminoso, foi
absolvida em junho de 1993. Logo após ser solta, deixou o território peruano. Em dezembro do mesmo ano, a Corte
Suprema Peruana cassou a sentença absolutória, determinou um novo julgado e decretou sua prisão.

Para a CIDH, os distintos pronunciamentos públicos das autoridades estatais, sobre a culpabilidade de J. violaram o estado
de inocência, princípio determinante que o Estado não condene, nem mesmo informalmente, emitindo juízo perante a
sociedade e contribuindo para formar a opinião pública, enquanto não existir decisão judicial condenatória. Para a Corte, a
apresentação da imagem da acusada para a imprensa, escrita e televisiva, ocorreu quando ela estava sob absoluto controle
do Estado, além de as entrevistas posteriores também terem sido levadas a cabo sob conhecimento e controle do Estado,
por meio de seus funcionários.

A Corte acentuou não impedir o estado de inocência que as autoridades mantenham a sociedade informada sobre
investigações criminais, mas requer que isso seja feito com a discrição e a contextualização necessárias, de tal modo a
garantir o estado de inocência. Assim, fazer declarações públicas, sem os devidos cuidados, sobre processos penais, gera
na sociedade a crença sobre a culpabilidade do acusado.

d) Regras fundamentais que derivam do princípio da presunção de inocência (dimensão interna)

d.1) Regra probatória (“in dubio pro reo”)

Recai sobre a acusação o ônus de comprovar a culpabilidade do acusado, além de qualquer dúvida razoável, e não deste
de provar sua inocência.

Considerações:

I - A regra probatória é uma regra de julgamento dirigida ao juiz.

Ao juiz não é dado proferir o “non liquet” - o juiz se abstém de julgar por não saber como fazê-lo. Como no processo
penal o acusado é presumido inocente, o ônus de comprovar sua culpabilidade recai sobre o órgão acusador. Caso este
não se desincumba a contento desse ônus, o próprio acusado será beneficiado, já que ele é presumido inocente.

II – A dúvida razoável é o quanto basta para um decreto absolutório.

CPP, art. 386: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...) RATEIO É LEGAL

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VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28,
todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”.

Conforme o dispositivo, para um decreto absolutório não há necessidade de comprovação cabal de uma causa
excludente da ilicitude ou da culpabilidade.

III – A regra probatória é válida até o trânsito em julgado – ou até o esgotamento das instâncias ordinárias, conforme
orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 126.292.

Questão n. 1: qual é a regra probatória aplicável à revisão criminal? Não poderá ser a regra do “in dubio pro reo” porque
a revisão criminal só pode ser ajuizada depois do trânsito em julgado – não há mais falar em presunção de inocência.
Assim, muitos doutrinadores entendem que a regra probatória aplicada à revisão criminal é o “in dubio contra reo” – se
o indivíduo não comprovar aquilo que é dito na revisão, o pedido revisional será julgado improcedente.

d.2) Regra de tratamento

De acordo com a regra de tratamento, a privação cautelar da liberdade de locomoção, sempre qualificada pela nota da
excepcionalidade, somente se justifica em hipóteses estritas. Em outras palavras, a regra é que o acusado permaneça
em liberdade durante o processo; a imposição de medidas cautelares pessoais (v.g., prisão preventiva ou cautelares
diversas da prisão) é a exceção.

Portanto, o indivíduo deve ser tratado como se fosse inocente. A ideia é que durante o processo penal, em regra, o
indivíduo permaneça em liberdade. No entanto, em situações excepcionais, admite-se a decretação de medidas
cautelares pessoais, as quais precisam ter suas necessidades demonstradas pelo juiz de maneira fundamentada.

e) Limite temporal do princípio da presunção de inocência

I - O Supremo Tribunal Federal possuía um entendimento, firmado em 2009 no HC n. 84.078 por 7 votos a 4, no sentido
de que a presunção de inocência teria como limite temporal o trânsito em julgado de sentença condenatória. Assim,
conforme a regra de tratamento, o indivíduo só poderia ser preso definitivamente com o trânsito em julgado, a não ser
que, a título de prisão cautelar, fosse decretada sua prisão durante o curso do processo. Precedente:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637
do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os
autos do traslado, os originais baixarãoÉà LEGAL
RATEIO primeira instância para a execução da sentença. A Lei de Execução Penal
condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição

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do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem
constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do
trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode
visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por
isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa
pretensão. (STF, Pleno, HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, j. 05/02/2009).

Assim, o STF entendia pela inconstitucionalidade da execução provisória da pena - a execução recebia o nome de
“provisória” porque ela ocorria antes do trânsito em julgado.

II - A orientação firmada no HC n. 84.078 vigeu por sete anos. Mais recentemente, o Tribunal alterou sua orientação, em
um primeiro momento, no HC n. 126.292 por 7 votos a 4 (2016). Após essa decisão, a matéria foi reiterada pelo
Supremo em duas cautelares indeferidas nas ADCs n. 43 e 44 e alterada, posteriormente, pelo Plenário virtual na análise
do ARE n. 964.246 (com repercussão geral reconhecida e, portanto, deve ser aplicados aos demais processos).

A partir do HC n. 126.292, o Supremo passou a admitir a execução provisória de acórdão condenatório proferido por
Tribunal de 2ª instância, ainda que sujeito a recursos extraordinários. Observações:

• Fala-se em prisão provisória porque ainda não houve o trânsito em julgado.


• O que será executado é uma prisão-penal (e não prisão cautelar).

Principais argumentos empregados pelo STF no HC n. 126.292:

• Os recursos extraordinários não são dotados de efeito suspensivo. Portanto, ainda que seja interporto, por
exemplo, um recurso extraordinário contra um acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de Justiça da
Bahia, o acórdão já poderá ser executado de imediato. Na visão dos Ministros, o Novo Código de Processo Civil
teria tacitamente revogado o CPP, art. 283, pois segundo o diploma processual civil os recursos extraordinários
não tem efeito suspensivo.
• São nas instâncias ordinárias que se discutem fatos e provas produzidas no processo. Na visão dos Ministros,
quando um recurso extraordinário ou especial é interposto não há falar em reanálise da matéria de fato e
probatória. Portanto, não haveria porque se procrastinar a execução provisória daquela pena.
• Em nenhum outro País do Mundo uma decisão fica sujeita a três ou quatro graus de jurisdições.

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• A presunção de inocência e os recursos extraordinários vinham sendo utilizados de maneira abusiva. Em outras
palavras, RE e REsp eram interpostos exclusivamente para obstar o trânsito em julgado e assim retardar o início
do cumprimento de uma prisão penal.

III – A orientação do STF vem ao encontro da CADH. De acordo com a Convenção Americana, “Toda pessoa acusada de
delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa (...)”. Assim, a
Convenção difere da Constituição porque ela não exige o trânsito em julgado. Questiona-se: o que significa “enquanto
não se comprove legalmente sua culpa”? Conforme uma interpretação sistemática dos dispositivos da CADH, conclui-se
que o momento legal da comprovação da culpa ocorre com o esgotamento das instâncias ordinárias – há menção
expressa ao duplo grau de jurisdição na Convenção Americana.

IV - Em suma, em 17/02/16, por maioria de votos (7 a 4), o Plenário do STF entendeu que a possibilidade de início da
execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional
da presunção de inocência. Isso porque a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a
análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena, até
mesmo porque os recursos extraordinários ao STF e ao STJ comportam exclusivamente discussão acerca de matéria de
direito. Argumentos:

• Deve ser buscado o necessário equilíbrio entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da função
jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade;
• É no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse
aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer, os recursos de natureza
extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de
ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fática probatória;
• Se houve, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de
reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria
inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado;
• A Lei da Ficha Limpa (LC n. 135/2010) expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de
sentença condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas por órgão colegiado;
• Em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação
fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema;
• A jurisprudência que assegurava a presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença condenatória
vinha permitindo a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais variada espécie, com indisfarçados
propósitos protelatórios, visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória, já
que o último marco interruptivo do prazo prescricional antes do início do cumprimento da pena é a publicação
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da sentença ou do acórdão É LEGAL
recorríveis (CP, art. 117, IV).

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• Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença
condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão foram revogadas pelo art. 283 do CPP,
com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no
art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão
seria pela prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal
de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC têm vigência
posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra
que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação;
• Quanto a eventuais equívocos das instâncias ordinárias, não se pode esquecer que há instrumentos aptos a
inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a execução provisória da pena,
como, por exemplo, medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao RE e ao Resp, e o habeas corpus.

V – STF (ADCs n. 43 e 44): em 05/10/2016, por maioria de votos (6 a 5), o Plenário do STF entendeu que o art. 283 do
CPP [tacitamente revogado pelo NCPC] não impede o início da execução da pena após condenação em segunda
instância. Por isso, indeferiu as cautelares pleiteadas nas ações declaratórias de constitucionalidade.

VI – Precedente: STF: “(...) Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que
sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência
afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o
reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria”. (STF, Pleno, ARE
964.246 RG/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10/11/2016, DJe 251 24/11/2016).

VII – Observações finais:

1 - A decisão do Supremo ficou restrita à pena privativa de liberdade. Portanto, a pena privativa de liberdade já pode ser
executada quando houver o esgotamento das instâncias ordinárias.

No entanto, a decisão do STF não se referiu às penas restritivas de direitos, as quais ainda estão condicionadas ao
trânsito em julgado, segundo algumas decisões do STJ.

2 - A execução provisória será cabível quando houver o esgotamento das instâncias ordinárias: ainda que o Tribunal de
2ª instância tenha condenado o indivíduo, a depender do caso, é possível a interposição de recursos ordinários, como
embargos infringentes e de nulidade e embargos de declaração. Assim, tais recursos podem mudar o sentido daquele
acórdão condenatório.
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3 – O professor não concorda com a orientação do Supremo. Argumentos:

• A Constituição Federal não dá margem a nenhuma outra interpretação, se não aquela que exige o trânsito em
julgado.
• O CPP foi alterado em 2011 e o art. 283 é categórico ao dizer que prisão é ou cautelar ou depois do trânsito em
julgado.
• Quando há um conflito aparente entre a Constituição e a Convenção Americana deve-se trabalhar com o
chamado princípio “pro homine”, segundo o qual prevalece a norma que for mais favorável (que no caso é a da
Constituição que estende a presunção de inocência até o trânsito em julgado).

4. Princípio do “nemo tenetur se detegere”

I – A expressão “nemo tenetur se detegere” pode ser traduzida como “ninguém é obrigado a contribuir para sua própria
destruição”. Trata-se do princípio que veda a autoincriminação, no sentido de que “ninguém é obrigado a produzir
prova contra si mesmo”.

II – A ideia do princípio é a de que o acusado não é mais tratado como objeto de investigação.

Antigamente, quando um indivíduo era suspeito da prática de um delito, ele poderia ser inclusive torturado, sob a
justificava da busca por uma verdade real. Atualmente, vivenciamos o Estado Democrático de Direito, no qual o Estado
não pode tratar um suspeito como inimigo, pois este é dotado de direitos e garantias individuais (sujeito de direitos).
Exatamente por isso, o indivíduo não pode ser obrigado a contribuir para sua própria destruição, pois do contrário
resultaria em exigir do investigado um comportamento que não é natural do ser humano (defesa).

4.1. Previsão constitucional e convencional

CADH, art. 8º. Garantias judiciais.


(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente
sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
(...)”.

CF, art. 5º: “(...).


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LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado [direito ao silêncio], sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado;
(...)”.

Observação n. 1: não interpretar o direito ao silêncio como sinônimo de “nemo tenetur se detegere”. Tecnicamente, o
direito ao silêncio é apenas um dos desdobramentos do princípio em questão.

4.2. Titular do direito a não-autoincriminação

I - Quando a Constituição Federal entrou em vigor em 1988 houve quem dissesse que o direito ao silêncio (CF, art. 5º,
LXIII) seria um direito exclusivamente de quem estivesse preso. Não é a melhor interpretação, pois não há nenhuma
razão lógica em dizer que o preso teria o direito e o indivíduo solto, não.

O ideal é interpretar a expressão “preso” como “imputado” – imputar é atribuir a alguém a autoria de uma infração
penal.

Portanto, o titular do direito a não-autoincriminação é o imputado (suspeito, investigado, indiciado, denunciado) - o


imputado pode estar preso ou em liberdade.

II - Questão n. 1: a testemunha tem direito a não autoincriminação? Para responder a questão, inicialmente é
importante citar que quanto a ela há um crime previsto no Código Penal:

CP, art. 342: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº
10.268, de 28.8.2001)
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa (Vide Lei nº 12.850, de 2.013) (Vigência).
(...)”.

Enquanto testemunha - terceiro que tem conhecimento sobre o fato delituoso – não há direito ao silêncio. Se negada a
verdade, a testemunha responderá pelo crime de falso testemunho. O grande problema é que o indivíduo pode ser
chamado a depor em juízo na condição de testemunha, mas ele não a é – considerado suspeito ou investigado, por
exemplo. Das perguntas que lhe forem formuladas, nessa condição, poderia resultar em uma autoincriminação.

Em suma, enquanto testemunha, o indivíduo tem a obrigação de dizer a verdade, porém se das perguntas que lhe
forem formuladas puder resulta uma autoincriminação, a testemunha deixa de ser testemunha e passa a ser tratada
como imputado ou investigado, tendo direito
RATEIO ao “nemo tenetur se detegere”. Precedente:
É LEGAL

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STF: “(...) Paciente que, embora rotulado de testemunha, em verdade encontrava-se na condição de investigado. Direito
constitucional ao silêncio. Atipicidade da conduta. Ordem concedida para trancar a ação penal ante patente falta de
justa causa para prosseguimento”. (STF, 2ª Turma, HC 106.876/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/06/2011, DJe 125
30/06/2011). No mesmo contexto: STF, Pleno, HC 73.035/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13/11/1996, DJ 19/12/1996;
STF, 2ª Turma, RHC 122.279/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12/08/2014, DJe 213 29/10/2014.

4.3. Dever de advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo

I – Questão n. 1: existe um dever de advertência quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo?

• 1ª corrente (minoritária): não existe tal dever. Fundamento: ninguém pode alegar o desconhecimento da lei.
• 2ª corrente (dominante): a Constituição Federal impõe o dever de advertência: CF, art. 5º, LXIII: “o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)”.

II – No direito norte-americano o dever de advertência é conhecido como “aviso de Miranda” (“Miranda


rights”/”Miranda warnings”).

Os Miranda rights ou Miranda warnings têm origem no famoso julgamento Miranda V. Arizona, verificado em 1966, em
que a Suprema Corte americana, por cinco votos contra quatro, firmou o entendimento de que nenhuma validade pode
ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1)
que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à
assistência de defensor escolhido ou nomeado.

III – A não observância desse dever pode acarretar a ilicitude das provas. Observações:

• O indivíduo pode não ter sido advertido, mas mesmo assim ele permanece calado: a despeito da inobservância
do dever, não foi causado nenhum tipo de prejuízo.
• Gravações clandestinas em que o indivíduo não tenha sido advertido de seu direito ao silêncio: caso ele forneça
provas contrárias aos seus interesses, tais provas serão ilícitas (e eventualmente as derivadas das ilícitas).
Jurisprudência:

STF: “(...) Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais. Ilicitude decorrente - quando não da
evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à
gravação ambiental - de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub- reptício, o qual - além
de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o
RATEIO
indiciado seja advertido do seu direito aoÉsilêncio.
LEGALO privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -,

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erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art.
186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito
ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o
indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou
não. (...)”. (STF, 1ª Turma, HC 80.949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14/12/2001).

IV – O dever de advertência vale para as autoridades estatais.

Questão n. 2: o dever de advertência também é válido para particulares (imprensa, por exemplo)? Há doutrinadores que
entendem que o dever de advertência vale para todos, inclusive para a imprensa (eficácia horizontal dos direitos
fundamentais). No entanto, essa não é a orientação do Supremo, o qual entende que o dever de advertência só é válido
para as autoridades estatais:

STF: “(...) Alegação de ilicitude da prova, consistente em entrevista concedida pelo paciente ao jornal “A Tribuna”, na
qual narra o modus operandi de dois homicídios perpetrados no Estado do Espírito Santo, na medida em que não teria
sido advertido do direito de permanecer calado. Entrevista concedida de forma espontânea. Constrangimento ilegal não
caracterizado. Ordem denegada”. (STF, 2ª Turma, HC 99.558/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/12/2010).

4.4. Desdobramentos do princípio

a) Direito ao silêncio ou de permanecer calado

Observações:

• Trata-se de um comportamento passivo.


• O exercício desse direito não pode ser interpretado em detrimento do acusado. Portanto, é necessário atenção
na leitura do dispositivo abaixo:

CPP, art. 198: “O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do
convencimento do juiz”.

O trecho tachado acima não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

b) Direito ao silêncio no Tribunal do Júri e sua utilização como argumento de autoridade

RATEIO É LEGAL

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O acusado também tem direito ao silêncio no Tribunal do Júri – a Constituição confere a todos o direito de não produzir
prova contra si mesmo e não restringe a determinado procedimento. No entanto, no Tribunal do Júri o indivíduo é
julgado por pessoas do povo, as quais não poderiam compreender com exatidão o exercício do direito ao silêncio, pois
não necessariamente possuem formação jurídico.
A Lei n. 11.689/08 passou a permitir o julgamento pelo Plenário do Júri sem a presença do acusado,
independentemente da natureza do delito - caso o indivíduo deseje exercer o direito ao silêncio há tal previsão.
Ademais, a Lei n. 11.689/08 passou a dizer de maneira explícita que o exercício do direito ao silêncio não pode ser usado
como argumento para convencer os jurados:

CPP, art. 478: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de
algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo”.

c) Direito à mentira ou inexigibilidade de dizer a verdade

• 1ª corrente: direito à mentira. Fundamento: não há no Brasil o crime de perjúrio (mentira do próprio acusado
em juízo).
• 2ª corrente: a verdade não é exigível do acusado.

Observação n. 1: “mentiras agressivas”: é ir além de uma mera defesa para incriminar terceiros inocentes. Nesse caso, o
indivíduo poderá responder por calúnia ou denunciação caluniosa, por exemplo.

Jurisprudência: STF: “(...) O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional
do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o
acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal”. (STF, 1ª
Turma, HC 68.929/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/08/1992).

d) Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo

I - Caso se trate de um meio de obtenção de prova que demande do indivíduo um comportamento ativo há a incidência
do “nemo tenetur se detegere”. Exemplos: material para exame grafotécnico, padrão de voz para exame pericial e
reconstituição do crime. Caso o indivíduo se negue a produzir essas provas é necessário buscar outros caminhos.

II – Caso se trate de meio de obtenção de prova que demande um comportamento passivo não há a incidência do
RATEIOreconhecimento
“nemo tenetur se detegere”. Exemplo: É LEGAL de pessoas e coisas.

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Jurisprudência: STF: “(...) O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o
exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a
subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a
medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e
documentado pela autoridade designada para a realização da perícia”. (STF, 2ª Turma, HC 83.096/RJ, Rel. Min. Ellen
Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89).

e) Direito de não permitir a prática de prova invasiva

Distinção:

• Prova invasiva (está protegida pelo “nemo tenetur se detegere”): implica na penetração no organismo humano.
Exemplo: amostra de sangue.
• Prova não invasiva (não está acobertada pelo “nemo tenetur se detegere”): mera inspeção corporal (não há
penetração no corpo humano). Exemplo: exame de raio-x.

Observações:

1 – Bafômetro.

O bafômetro envolve um comportamento ativo, portanto o indivíduo não está obrigado a soprar. No entanto,
“etilômetro passivo” não demanda nenhum comportamento ativo.

2 – Lixo.

Enquanto o lixo estiver no interior do domicílio ele goza da proteção domiciliar. No entanto, a partir do momento em
que o lixo é descartado, o indivíduo está renunciando à proteção da intimidade e da vida privada. Nesse caso, o lixo
pode ser apreendido.

Jurisprudência: STF: “(...) Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para
averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. (....) Mantida a determinação ao Diretor
do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. (...) Bens jurídicos
constitucionais como “moralidade administrativa”, “persecução penal pública” e “segurança pública” que se acrescem, -
como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim
direito à honra e à imagem RATEIO
de policiaisÉfederais
LEGALacusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia

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Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a
preservar a identidade do pai de seu filho. (...) Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e
deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta
recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do “prontuário médico” da reclamante”.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003 p. 31)”.

4.5. “Nemo tenetur se detegere” e a prática de outros ilícitos

Nenhum direito tem natureza absoluta ou pode ser exercido de maneira irregular e abusiva. O direito de não produzir
prova contra si mesmo não resultada no direito de incriminar terceiros inocentes ou no de falsear a identidade, por
exemplo.

S. 522 STJ: ““A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de
alegada autodefesa” (Terceira Seção, aprovada em 25/3/2015, DJe 6/4/2015).

RATEIO É LEGAL

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