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Eric W olf e
os "Povos sem História" *
G u s t a v o L i n s R ib e ir o
A con trib u içã o de Eric W olf para o estudo d o cam p en sin ato é
bastante con h ecid a (v e ja -se , por exem plo, W olf 1969; 1970). Parte
de sua obra v in cu la-se ao en ten d im en to das form ações sociais cria
das pela expan são colon ial, prin cipalm en te no Caribe e A m érica
C entral (W olf 1956; 1959a). Aqui entraram em cen a n oções com o
en com ien d as, haciendas, p lan tations, com u n idade corp orad a aberta
e com u n idade corp ora d a fech a d a , que m arcaram perspectivas e dis
cussões novas (W olf 1955; 1959b; 1983). A abran gência do interesse
e do con h ecim en to de Eric W olf, n o entan to, estende-se, p ra tica
m ente, a todas as àreas d o m undo.
Seu últim o livro, E urope and th e P eop le W ith ou t H istory (1982)
é um a d em on stração in equ ívoca disto. D enso volum e de quinhentas
páginas, d ivide-se em três partes. A prim eira, C on exões, d ed ica -se
a um a discussão teórica, a um a critica a diversas teorias de Ciências
Sociais, e à m on tagem do quadro — o m u n do no século X V — onde
a expan são européia se realizaria. Em term os de um a con tribu ição
original — que o distancia de obras com o a de W allerstein (1974)
— está u m a discussão co m o co n ce ito de m od o de prod u ção e a
ên fase n o im p a cto d iferen cia d o da expan são capitalista (v eja e n
trev ista ). Aqui seu con h ecim en to de h istória e a n trop ologia são
fu n dam en tais para realizar um a síntese que resulta n a prop osta
da existência de um m od o de p rod u çã o ord en a do via parentesco,
um m odo de p rod u ção tributário (en glob a n d o os m odos de p rod u çã o
asiático e feu d al) e, n aturalm ente, o capitalism o. Na segunda parte,
* Resenha e Entrevista com Eric W olff sobre Europe and The People
Without History. Berkeley; University o f California Press, 1982, 503 pp.
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A P rocura da Riqueza, o fo c o é a expansão m ercan tilista européia.
A presença espanhola n a A m érica é u m dos capítulos, ju n ta m en te
com o com ércio de peles na A m érica do Norte, o com ércio de escravos
e a relação entre o m ercan tilism o e a conquista d o Oriente. A ter
ceira parte, Capitalism o, d ivide-se em capítulos sobre a R evolução
Industrial, Crise e D iferen cia çã o n o Capitalism o, o M ovim ento das
M ercadorias e Os Novos T rabalhadores. Neste últim o, através da
n oçã o de seg m en ta çã o étn ica d o m ercado de trabalho — um a ex
tensão an trop ológica das discussões sobre criação, segm en tação e
con trole do m ercado de trabalho (cf., por exem plo, G ord on 1972;
B on a cich 1972) — W o lf m ostra com o a cen traliza çã o e com p lexi-
fica çã o in tegra cion a l p rom ovida pela expansão capitalista agrupam
diferentes populações para m an ter o m aior e m ais con stan te possível
in p u t do ou ro do cap italism o: o trabalho hum ano.
E urope and th e P eo p le W ith ou t H istory é um a síntese fascinan te
P ara um leitor não an trop ólogo, ou historiador, é um a espécie de
en ciclop éd ia fid ed ign a e erudita sobre a expan são européia a partir
d o século X V . Para um an trop ólogo, apresenta estim ulantes pers
pectivas e propostas teóricas, a cad a vez que se cruza co m a n e
cessidade irrecusável de se lan çar m ão de um con h ecim en to h istó
rico global sobre a natureza do fen ôm en o h um ano. Com efeito, é
um livro teoricam en te sofistica d o que n ão cai na ten ta çã o de a
priorism os. Pelo con trário, Eric W o lf tem a cap acid ad e de d iferen ciar
diversas histórias locais e in teg rá -la s no b o jo de um sistem a cen tral
que se con stitui em sofisticadas e diversificadas relações de ordem
econ ôm ica, política , social, cultural e ecológica.
C onsiderar o m un do co m o um a in trin cada relação de sistem as
econ ôm icos é um a discussão clássica (N ash 1981). W o lf toca nesta
vasta tem ática p or um a das vertentes m ais tradicion alm en te an
trop ológicas: a tentativa de recon stru ção da realidade social com o
resultado do que fazer de m últiplos e d iferen ciad os agentes sociais.
E nfatiza, especialm ente, aqueles que n ão tiveram acesso ao registro
da sua exp eriên cia: “ os povos sem h istória ” . De fato, a discussão
cen tral desta obra leva ao en ten d im en to do m u n do co m o um a arti
cu la çã o orden ada de m últiplas (p orém esp ecífica s) histórias. Ao
m esm o tem po, W o lf expõe o eixo organ izador d o p rocesso: a ex
pan são do cap ital e de suas necessidades, cria n d o diversas arti
cu la ções de elites co m diferentes form as de exp lora çã o da fo rça de
trabalho, da corvéia ao puro salário. O “ o u tro ” , essa entidade da
análise an trop ológica, aparece com o aquele, ou aqueles, desprovidos
d e poder. T ra ta-se, sem dúvida, de outra con trib u içã o que os a n
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trop ólogos p od em ía zer: apresentar com o se form a m diferenciatía-
m ente as classes locais em determ inados sistem as p o lític o -e c o n ô
m icos. Europe and th e P eop le W ith ou t H istory, mais um a vez, coloca
a an trop ologia da fren te com um a an tiga relação sua: a história.
A gora, porém , tra ta -se de buscar, pelos m ais diversos m eios p os
síveis, as m aneiras de entender as diversas particip ações das dis
tintas p opulações hum anas n o surgim en to e reprodu ção do atual
sistem a em que vivem os. Novam ente se am plia a am bição do p ro je to
a n tropológico.
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tanto em term os da d iferen cia çã o interna a essas totalidade maiores,
quanto em term os de com o elas são construídas, m antidas e se
expandem . Esse tipo de interesses é con tin u o através da m inha obra.
C om eça com meu prim eiro trabalho de ca m p o em P orto R ico. Su
p on h o que seja p or isso que o trabalho de Julian Stew ard m e atraía.
Mais tarde, trabalhei no M éxico e parti daí para o estudo do ca m
pesin ato e rebeliões cam ponesas. O últim o livro faz parte da mesm a
trajetória. Sem pre tam bém acreditei que n ão é su ficien te fa la r de
interações sociais, ou interações num sentido sociológico, ou de
sistemas de sign ificado, mas que o orden am en to das relações é
feito via poder. É, então, m uito im portan te entender com o o poder
opera.
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que existe um a relação estruturada. Porque antes disso as pessoas
pensavam em term os de pop u lach o, gentalha, de classes baixas d e
sordenadas, desestruturadas. A cho que M arx estava ciente do cism a
que dividiria o proletariado na Inglaterra. Ele fa la sobre os c o n fli
tos entre operários ingleses e irlandeses. Mas pensava que, a longo
prazo, eles descobririam sua alien ação com um . A lon go prazo isso
pode ser verdadeiro. M as tam bém é verdade que o capitalism o tem
um a cap a cid a d e fora d o com u m de alterar a sua estrutura e, em
d ecorrên cia, alterar a estrutura das pessoas que vivem dentro dele.
P. V ocê ach a que essa abordagem teórica pode ser con stru ída
apenas con sid eran d o esse m ovim en to com p lexo entre “ isolados” e
uma “ tota lid a d e” m ais am pla que os in flu en cia ?
R. Penso que um a das dificu ldades é precisam ente que se com eça
supondo a existência de isolam ento, ou de que se pode dem arcar
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fronteira* em sua unidade de observação, e se usa isso com o um a
aupoilç&o. No en tan to, depois torn a -se um a prem issa real, uma
pressuposição d o trabalho de todos. Se pensarm os em term os de
forças em relações que n ã o têm , necessariam ente, fronteiras, p o d e -
se evitar esta questão. A fin a l de contas, nós, realm ente, n ão obser
vam os com unidades co m fron teira s físicas firm es. Nós vem os gente
fazen do certo tipo de coisas em certos con textos. P odem os con h ecer
15 pessoas bem, 30 pessoas razoavelm ente bem , e 100 o bastante
p ara recon h ecê-las. M as ainda existe um a grande quantidade de
pessoas que categorizam os em term os daquelas que conhecem os.
Creio que os tipos de suposições que M ax G lu ckm an d efin iu com o
sen do “ ingenuidade p rop osita l” em an trop ologia são realm ente p e
rigosas porque elas fazem v ocê ver cristais ou estruturas on de não
existem .
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particulares das m aneiras esp ecífica s com o as pessoas se in co rp o
ram nesta divisão, nem com o elas, de fato, reagem a isto. Am in,
creio que é a lgo m ais sofisticado. Ele tem um sen tido mais real de
que a p eriferia pode ter dinâm icas locais que lhes são próprias.
T odos esses, den tro da tradição m arxista, são um p ou co heréticos.
Seguem m ais os passos de R osa L uxem burgo do que os do m arxism o
clássico, ou ao m enos a tradição da Segunda e T erceira In tern a cio
nais, que via o m u n do com o determ in ado p or um tipo de seqüência
repetitiva que seguiria a lin hagem européia, ou um a seqüência de
estágios. Assim, via-se a periferia, ou o m un do colon ial, sim ples
m ente repetindo o que já tinh a a con tecid o na Europa.
R . Ele tam bém tem um a con cep çã o de que a p eriferia está num a
relação p roblem ática com o centro. Não é um a relação que se possa
sim plesm ente supor. Sua crítica a A ndre G u n der Prank me parece
totalm en te correta: de que existem con stelações de possibilidades
n o m undo p eriférico que n ão são exauridas pelo m odelo estreito
cen tro-p eriferia , ou m etrópole-satélite.
P. Uma das áreas tradicion ais da in terp retação a n trop ológ ica é
o que v ocê ch a m a de m od o de p rod u çã o ord en a d o via parentesco.
Um dos p on tos prin cipais é a idéia de que a m u d an ça ocorre a tra
vés da articulação destes arran jos ord en a dos via paren tesco, com
sistem as mais am plos, os m odos de p rod u çã o tributário ou c a p i
talista. O ch e fe é um a figura fu n d a m en ta l aqui, porque colabora
co m os representantes do m od o de p rod u çã o que se expande. No
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entan to, existem diversos grupos que querem perm an ecer com o
índios e n ão querem colaborar, digam os assim. Neste sentido, com o
se pode falar da resistência das populações in dígen as?
R. O ch efe pode não ser bom m ediador tam zém , e isso pode cu sta r-
lhe o apoio que tem. O grupo pode tam bém dividir-se. P ode existir
fissão. A lgum as pessoas vão com ou tro líder possível que n ão d e
sem penha o papel de m ediador. E creio que existem m uitas res
postas diferentes a esta situação. Eu pensaria tam bém que resistên
cia é um a m aneira útil de se fa la r sobre certos fen ôm en os, mas
tam bém n ão é um a categoria que explique m uito. Quero dizer, se
as pessoas resistem ou não, depende de suas situações e interesses
reais. Assim, a resistência pod e tom ar qualquer form a : desde em
bebedar-se, exclu in d o-se, a queim ar a caban a do ch efe. Devíam os
pensar a resistência com o um con tin u u m de ações e não um tipo
p articular de estratégia rápida e palpável.
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de fato, realizar inven ções sociais para vigiar o que elas fazem com
estes recursos. Não estou dizendo que isso seja im possível, apenas
que é problem ático.
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sócios especializados num a divisão de trabalho m ais am pla, e passam
a depender mais e m ais dos bens externos. Em torn o de 1750, os
in dios das florestas do leste am erican o p raticam en te não reprodu
zem m ais seu aparato produtivo. V ivem de peles, obten d o bens de
consum o que são produzidos em ou tro lugar. P ara a vida em qual
quer p on to determ in ado existe um a razão entre esses dois p ro
cessos: sua p rópria p rod u çã o e capacidade de reproduzir sua vida
e uma dependên cia externa. Esta é m ais Im portante para org a n i
zar as pessoas em term os de fa zê-la s en ten der onde estão, quem
elas são.
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co m o fa to que tipos distintos de em preen dim en tos la n ça m m ão de
diferentes fon tes de força de trabalho. Isso é assim em u m tem po
determ in ado, m as tam bém m uda co m o passar do tem po. As classes
operárias resultam d iferenciad as p or este processo, o que leva a
um a d iferen cia çã o de van tagen s e desvantagens den tro da p op u la
çã o da classe operária. A ch o que identidade, identidades de todos
o s tipos — n ão é necessários que seja m étnicas, p odem ser de outra
ordem — se desenvolvem em relação a este processo de d ife re n cia
ção. A a ristocracia do trabalho, co m o se costum ava ch am ar, tem
interesses e identidades bastante d iferentes das d o trabalhador n ã o -
qu alificado, oca sion a l, sem em prego estável. A ch o que a m aneira
co m o se relacion a m entre si e entre os m em bros da m esm a ca te
goria é um a causa de d iferen cia çã o que, m uitas vezes, tom a a form a
de etnicidade.
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pam entos em sociedades industrializadas, entendidos, con tu do, não
apenas no con tex to da m odern ização ou da u rbanização, m as em
term os das posições den tro d o m od o de p rod u çã o capitalista. Creio
que podem os ju n ta r estudos dem ográficos sobre o m ercado de tra
balh o, história econ ôm ica, an trop ologia urbana, sociologia urbana,
de um a m an eira que ain d a n ã o fizem os. U m a situação industrial
poderia tam bém ser a de pla n ta tion s, ou de classes trabalhadores
em áreas rurais, ou cam pesinatos que existam em certos tipos de
relações co m este processo. A ou tra coisa é que m e p arece que
necessitam os pensar cultura teoricam ente, b u sca n do e x p licá -la se
gu in do a n oçã o de id eologia que vincula, de fa to, a prod u ção de
idéias a questões de poder. Isso é o que fa lta na discussão de
cultura.
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BIBLIOGRAFIA
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