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Graduada em Ciências Sociais Licenciatura/Bacharelado pela Universidade Federal de Sergipe;
especialização em Didática do Ensino Superior e Mestranda em Antropologia pela UFS com participação
no Grupo de estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas. E-mail: liana.matos2@gmail.com
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Num passado recente, os preparativos e as celebrações características do ciclo junino concentravam-se
na véspera. Sobre a importância da véspera nesse ciclo, ver MORAES FILHO, 1999.
Nas primeiras décadas do século XX, o Batalhão 1º de São João era organizado
na noite do dia 31 de maio e assumia a forma de cortejo que percorria a cidade. A
concentração das pessoas ocorria na casa de Dona Filhinha3, no povoado hoje chamado
Ponto Chique, que ficava a alguns quilômetros da Igreja São João Batista. A fundação
do Batalhão é atribuída a ela e ao senhor Manoel Preto4. Tratava-se de uma senhora
carismática e muito respeitada entre os participantes e simpatizantes do festejo, grande
devota do santo padroeiro da cidade.
De acordo com Alba Zaluar (1983), nas festas de santo, a figura que mais se
destaca tanto na autoridade, no controle da multidão, quanto na legitimidade que o povo
concede à festa, é o festeiro. Sua função é de coordenar as ações do grupo e estabelecer
não somente a sequência ritual, mas também a ordem. Dona Filhinha comandava a
comunidade na organização do Batalhão e cedia a própria casa como ponto de encontro
para iniciar o cortejo, aspecto ressaltado no depoimento de um ex-integrante:
Fig. 1: Dona Filhinha ao centro, com xale e candeeiro na cabeça, cercada de companheiros.
Foto: Acervo de Zé Dil, década de 50.
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O nome original dessa senhora não era conhecido dos entrevistados, nem foi localizado em estudos
sobre a região.
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O nome completo desse senhor também não era conhecido dos entrevistados, nem foi encontrado em
estudos sobre a região.
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Entrevista realizada em 14 de julho de 2007.
Nesse contexto, a festa de São João, enquanto festa do interior, assim como os
ritos festivos e comemorativos das populações australianas estudados por Durkheim
(1989), favorece a criação de vínculos sociais, fortalece os laços sociais existentes e
contribui para afirmar tradições. A população acredita na eficácia do rito. No caso de
Areia Branca, acreditava-se que o ritual de acordar São João anualmente, na passagem
do dia 31 de maio para o dia 1o de junho, garantia a proteção do padroeiro durante todo
o ano.
A festa também era o momento de agradecer a chuva que garantia boa colheita.
No Brasil, mais especificamente no Nordeste, o milho é plantado no mês de março,
quando começam as primeiras chuvas, ou seja, três meses antes de colhê-lo. Por isso, os
componentes do cortejo do Batalhão traziam consigo ramos de diversos tipos de planta,
como a cana-de-açúcar e o milho, para agradecer o início da colheita. Alba Zaluar
(1983), em estudo sobre as festas do catolicismo popular, considera que as festas de
santo podem ser vistas como ritos de passagem associados às fases de produção
agrícola:
O grande cortejo passava e parava em várias casas, embalado pelos versos que
pediam entrada na residência para cantar e comer. Quando entravam na casa de algum
morador, este, se tivesse condições econômicas, oferecia às pessoas um banquete, para
que pudessem degustar algumas iguarias locais ou quaisquer alimentos como, por
exemplo, bolacha, bolo, pé-de-moleque. Para acompanhar a comida, a bebida mais
presente era batida de maracujá e de jenipapo. Em seguida, tiravam-se versos em
retribuição ao banquete doado.
A festa é um momento de exaltação máxima de um sentimento, da vida social
(CALLOIS, s/d). É ela que possibilita ao social uma renovação. O Batalhão
proporcionava aos brincantes um elemento rejuvenescedor para celebrar o São João.
Dessa maneira a população de Areia Branca vivia durante o ciclo junino um período de
comunhão, de consagração de sentimentos, trocas e reciprocidades, reconhecendo na
partilha de alimentos sua principal expressão, por meio da qual eram criadas e
reforçadas novas e antigas redes de sociabilidades. Todos encontravam uma forma de
participar direta ou indiretamente do cortejo, como relata a senhora Maria da Graça
Andrade Costa6, a Dona Dadaça, de 70 anos, moradora da cidade desde o ano de 1937.
Ela particularmente nunca integrou o Batalhão, porque seus pais a educaram de maneira
rígida e a proibiram de participar. Porém o acompanhava de dentro de casa:
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Entrevista realizada em 03 de julho de 2007.
Eles saíam de lá, chegava na casa de seu Nilo, seu Nilo abria a porta
e servia eles com o que tinha ali, então serviam o que tinham e ali iam
reunindo, a cada rua que passava ia chegando mais gente, então rodava a
pequena Areia Branca toda.
Esses versos foram muito relembrados por ela e todos os outros entrevistados.
Eles ditavam a melodia a ser seguida por todas as outras criações espontâneas. Assim,
depois de percorrer todas as ruas, de trovar em cada casa visitada, o Batalhão chegava
então à frente da Igreja. As portas se abriam e se fazia a louvação ao santo padroeiro.
Nesse momento, os fogos eram mais uma vez parte integrante do cenário ao marcar a
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Pequena venda de secos e molhados muito comum nas cidades do interior.
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Entrevista realizada em 14 de maio de 2008.
chegada da comunidade ao seu destino. Nem todo mundo participava do louvor,
somente quem era devoto ou se dispunha a orar. Houve atuações do Batalhão em que,
além de instrumentos como porca, mais conhecida como cuíca, e violão, utilizava-se
uma zabumba para louvar o santo dentro da Igreja.
E assim continuaram durante anos essas comemorações com a liderança de Dona
Filhinha. Segundo o informante Zé Dil, na década de 70 a fundadora do Batalhão falece,
porém as comemorações não param e quem fica à sua frente é Dona Maria Isabel
Barbosa, conhecida como Maria de Zé de Sabino. Com a ajuda de Zé Dil e moradores
da cidade, ela continua a obra iniciada por Dona Filhinha, com o cortejo a sair de sua
própria casa, nas proximidades do povoado de que saía antes, o Ponto Chique. Alguns
entrevistados, como Dona Dadaça, enfatizam o período da transição como um momento
crítico devido à mudança da liderança.
[A nova líder] não tinha aquela devoção de pelejar com aquele povo,
sempre tinha aqueles atritos entre eles de noite, bebiam demais, e com Dona
Filhinha o povo respeitava e não tinha esse negócio de se embebedar, não.
Todo mundo tomava, todo mundo comia, mas não tinha esse negócio de
bebedeira demais.
Mais tarde, já no final dos anos 80 e início dos anos 90, a participação da
comunidade no Batalhão começa a decrescer. Em 1982, o então prefeito José Franco,
que fica no poder até 1986, implementa um novo modelo festivo de caráter mais urbano,
comercial e massivo, o “São João de Paz e Amor”. A nova festividade se realizou entre
os dias 23 e 29 de junho, ainda sem grandes repercussões, concentrada num único
espaço. Para esse empreendimento, ele contou com o auxílio de Ascendino Sousa Filho,
que se tornou, posteriormente, prefeito local, por meio da promoção da festa. Essa
gestão representou o processo de urbanização dos festejos juninos na cidade de Areia
Branca. Em 1990, foi criada a abertura dos festejos juninos no dia 31 de maio,
justamente no mesmo dia em que acontecia, num passado recente, o cortejo do Batalhão
1º de São João. Tem início um complexo jogo de permanências e mudanças capitaneado
pela prefeitura da cidade em parceria com o governo do Estado.
A implantação do novo modelo festivo não foi ignorada pela população da
cidade, em especial pelos antigos participantes do 1º de São João, que questionavam as
novas iniciativas. Mudanças dessa natureza são acompanhadas por um sentimento de
perda, a exemplo da interpretação de Dona Josefa Inocência9:
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Entrevista realizada em 02 de julho de 2007.
empolgada com as novas formas de comemoração. Segundo Zé Dil, esse novo quadro
sociocultural tem como consequência o esvaziamento seguido de suspensão das
atividades do Batalhão por alguns anos, mais precisamente entre 1990 a 1994.
Em 1992 verifica-se um uso político do ritual: o Batalhão passa a ser chamado
“Batalhão da minhoca”. A mudança na denominação se deu porque o prefeito
Ascendino Sousa Filho, durante um comício em 1992, identificou-se como “filho da
terra”, sublinhando estrategicamente suas raízes e seu compromisso com a cidade. Seus
opositores, para enfraquecer o impacto do discurso, passaram a se referir ao prefeito
como “minhoca”. Em resposta, ele mandou confeccionar e distribuir, durante os festejos
juninos, camisetas com a logomarca da prefeitura e o nome “Batalhão da minhoca”.
O Batalhão foi introduzindo novas normas de organização, novo padrão de
diversão, nova forma de louvar o santo padroeiro, com local específico e trajes
diferentes. Em 2007, ele foi organizado por Ará, um marcador de quadrilha local, que
tenta manter viva essa tradição. O Batalhão ainda atua, mas com uma quantidade de
pessoas bem menor, sem os batuques à base da cuíca, da sanfona e do violão.
Na visão dos moradores que vivenciaram essa celebração a partir da década de
50, o Batalhão está presente tanto na memória dos participantes quanto na memória da
cidade. Para Zé Dil, o Batalhão é uma lembrança:
Para Dona Dadaça, que foi privada de participar do cortejo, mas que assistia a
tudo com muito entusiasmo, aquela brincadeira “significava alegria, vontade de viver,
vontade de brincar”. Mesmo sem entender os significados devocionais relativos ao
louvor do santo, para ela o Batalhão representava alegria.
Dona Santinha afirma ter “saudades daquele tempo.” Já Dona Josefa Inocência,
que dele não participava, sublinha o compromisso com a tradição que a população
expressava:
Diante do exposto, pode-se afirmar que o Batalhão faz parte da história cultural
de Areia Branca, está vivo na memória de muitas pessoas que de algum modo
vivenciaram essa forma de celebração. A memória da festa permite que a população
local tome consciência de sua identidade, das suas formas características de celebrar
através do tempo (SOUZA, 1994). Quem viveu essa época sabe identificar a
importância do evento para a cultura local.
2. Os arraiais e as quadrilhas10
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A análise dessas comemorações em Areia Branca compreende as décadas de 60,70 e 80, período de
transição de povoado para município. Será apresentada uma noção geral com base nas entrevistas para se
compreender como a população celebrava o padroeiro antes da apropriação dos festejos juninos da cidade
pela prefeitura.
Chegado o dia 23 de junho, desde cedo os moradores se mobilizavam para
arrumar os arraiais, enfeitar a cidade, produzir as comidas típicas, preparar as fogueiras
e se prepararem para celebrar o nascimento de João Batista na passagem para o dia 24.
Como não havia financiamento da prefeitura, a festa era realizada pela comunidade, era
compromisso assumido pelos simpatizantes. No dia 24 de junho, ápice da festa,
geralmente se realizava uma quermesse para arrecadar fundos para a Igreja. Havia
diferentes tipos de barracas como a de comidas típicas e a de brincadeiras infantis.
O binômio casa-rua abordado por Roberto da Matta (1997) ajuda a compreender
tanto a divisão dos papéis sociais de homens e mulheres como a divisão sexual do
trabalho que se processavam nesses espaços. Na casa, iniciava-se a reunião familiar com
orações e preparação das comidas típicas. As atividades se estendiam pelas ruas, que se
transformavam em grandes arraiais, com dança e animação. No Brasil, a rua é, por
excelência, o espaço das grandes festas populares. A seguir, passa-se a descrever a
dinâmica dessas comemorações.
O primeiro passo era recolher matéria-prima para erguer os arraiais e arrumar a
cidade. Para isso, homens e mulheres, em especial os que participavam das quadrilhas,
adentravam a mata, geralmente de carroça, para retirar taboca, pedaços de madeira para
construir os arraiais. Outro material de grande importância era a palha de coqueiro,
utilizada para cobrir o local em que as quadrilhas iriam se apresentar e também para
enfeitar a cidade, fazendo portais de entrada para recepcionar os brincantes da festa e os
turistas.
Ainda pela manhã, à medida que os arraiais eram montados, a ornamentação
para eles também ia sendo confeccionada. Cortavam-se papéis coloridos em forma de
bandeirolas. Estendia-se um cordão de um lado a outro da pequena e única rua calçada,
a rua Heráclito Diniz, para que outras pessoas pudessem materializar o enfeite do
arraial, ou seja, pregar as bandeirolas no cordão. Quando já estava pronto, não somente
o arraial era enfeitado, mas também a rua referida acima. E com essa divisão de tarefas
a festa começava a se concretizar.
Entretanto, como já se mencionou, a festa iniciava em casa com a preparação de
comidas típicas como a pamonha, a canjica, o pé-de-moleque. Logo ao cair da noite as
fogueiras eram acesas, alguns mastros fincados nas portas das casas e toda família se
reunia para soltar fogos e brincar.
As adivinhações e simpatias estavam sempre presentes no ritual de acordar São
João naquela noite de véspera. Segundo a informante Zoraide Mota de Oliveira11, de 51
anos, uma das pessoas que estavam à frente da organização e ocupou função de noiva na
quadrilha, as simpatias eram um dos momentos mais esperados. Ela revela em sua fala
que uma dessas simpatias, por coincidência ou não, deu certo.
A cada fogueira acesa, a cada mastro erguido e todos os fogos anunciando a São
João que estava chegando o seu dia, a cidade se tornava um verdadeiro arraial ao ar
livre. Assim, depois do momento familiar, as pessoas já estavam preparadas e ansiosas
para dançar quadrilha nos arraiais, como descreve um participante da quadrilha, José
Aldemir de Almeida12, de 45 anos, que também esteve à frente da organização:
Quando era a noite de São João mesmo, que era o dia 23 e 24, que
era o dia-chave mesmo, aí pegava fogo a cidade. Todo mundo botava sua
fogueirinha na porta, foguetes, bombas, coisas de crianças. De noite tinha as
apresentações de quadrilha, um namoro como a pega que tinha.
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Entrevista realizada em 28 de maio de 2009.
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Entrevista realizada em 07 de junho de 2009.
teciam suas relações sociais e se reuniam para celebrar São João por meio da música e
da dança.
De acordo com os informantes, existiam três arraiais e cada um possuía suas
respectivas quadrilhas. É importante mencionar que sua existência e criação não foram
bem esclarecidas pelos informantes, e, de acordo com eles, esses arraiais atuaram
simultaneamente em alguns anos. O mais antigo era organizado pelo senhor José Reis,
conhecido por Zé Reis, erguido na rua Heráclito Diniz. Outro estava localizado onde
hoje é o centro da cidade, onde está a Paróquia São João Batista, na praça Joviniano
Freire de Oliveira. E um terceiro se erguia na casa do senhor Fausto, localizada na rua
Heráclito Diniz, onde se situa a praça da Capela Nossa Senhora da Conceição.
Assim, segundo os entrevistados, com a estrutura já montada a animação ficava
por conta das quadrilhas e do sanfoneiro. À noite começava a programação. Conforme a
informante e também organizadora das quadrilhas do arraial do centro, Adalci Almeida
Melo13, de 52 anos, existiam três quadrilhas nesse arraial: a das crianças, nomeada de
xodó, a dos adultos, Flor de Lis, e a dos adolescentes, de cuja denominação ela não se
recorda, mas lembra que era o nome de uma novela da época. As quadrilhas ensaiavam
e se apresentavam com o auxílio da sanfona tocada por uma moradora da cidade
chamada Nadja.
Fig. 2 - Arraial do centro da cidade: participantes da quadrilha. Da esquerda para a direita, José Araújo
dos Santos Filho; esquerda da noiva, Otávio Santos Cunha; direita da noiva, Zoraide Oliveira Mota e
Genival Araújo dos Santos.
Foto: Acervo de Luzimary Dias dos Santos
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Entrevista realizada em 17 de maio de 2009.
Logo após as apresentações, o público se deleitava com as músicas nordestinas.
Contratava-se um sanfoneiro, às vezes pago pelo prefeito, única ajuda recebida, para
divertir os brincantes e o forró ia até o outro dia pela manhã, como descreve o
participante dessa quadrilha, José Aldemir de Almeida:
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Entrevista realizada em 17 de maio de 2009.
Fig. 3 - O Sr. Fausto (de pé) em sua residência (s/d)
Foto: Acervo de José Oswaldo Pereira
3. O casamento caipira
A segunda parte desse ciclo de festas ocorria no dia de São Pedro, 29 de junho.
Em Areia Branca, festejava-se esse santo com uma cavalgada seguida do casamento
caipira. Tudo começava cedo no dia 29, com a ornamentação das carroças e dos
cavalos. Era quase o dia inteiro dedicado a isso e, por volta das quinze horas, saíam
cavaleiros e personagens em cortejo pelas ruas e povoados circunvizinhos. Cada arraial
possuía seu casamento caipira. O cortejo do arraial do centro saía do mercado, do local
de ensaio das quadrilhas, em direção ao Ponto Chique e a Manilha15.
No percurso iam as carroças acompanhadas das vozes das damas e cavaleiros.
Como descreve um participante da quadrilha, Everaldo José de Souza16, que também
exerceu o papel de padre:
Dia 29 carroças enfeitadas, cavalos e meio mundo de gente nas ruas.
Saía da praça Joviniano, do arraial, quando era do período de Zé Reis, saía da
casa de Zé Reis, rodava a cidade e voltava pra lá, continuava a festa. Aqui, a
gente saía da praça aqui, ia pro Ponto Chique, voltava a Lagoa Seca e voltava
pro arraial e quando chegava ia pro forró, forró até de manhã no outro dia.
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Povoados circunvizinhos da cidade de Areia Branca.
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Entrevista realizada em 04 de junho de 2009.
Fig. 4 – Casamento em cima do caminhão (s/d) Fig. 5 - A hora do sim dos noivos (s/d)
Fotos: Acervo de Genival Araújo dos Santos
Era uma festa sem maldade, muito gostosa, como muitos a descrevem. E para
cada pessoa um sentimento de recordação diferenciado. Para uns saudades, para outros
uma evolução cultural. Para Aldaci Almeida Melo18, que esteve à frente da organização
das quadrilhas, “era um tempo assim, pra gente era maravilhoso, mulher, porque vinha o
pessoal e o forró amanhecia, amanhecia o dia, vinha o pessoal de Itabaiana e aqui ficava
cheio de carro e dançando a gente amanhecia o dia”.
Relata Maria da Conceição Mendonça Costa, que começou a brincar quando
criança a convite da esposa do Sr. Fausto:
Dá uma lembrança muito boa, era assim, vir pra aqui pra ensaiar
quadrilha era como você hoje ir pro shopping. Era meio que uma emoção que
você tinha na época, uma emoção de você paquerar, de você dançar, de você
se divertir, mesmo porque a dança é legal pra o espírito, pra mente, pro corpo
e aí, sim, era tudo muito legal. E o legal também quando terminava a
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Entrevista realizada em 06 de junho de 2009.
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Entrevista realizada em 17 de maio de 2009.
quadrilha, a gente já se reunia pra marcar o próximo ensaio mesmo que a
gente passava assim dois meses antes pra ensaiar a quadrilha, era um ensaio
que pra gente era uma festa, já se arrumava pra ensaiar.
As frases eram ditas, na entrevista, com muita emoção, também por Everaldo
José de Souza, que a todo o tempo gesticulava e se comovia ao recordar esse período da
vida:
Eu sinto muita saudade porque ao longo dos meus 53 anos eu
presenciei festa em Areia Branca desde os dez, então eu tenho 43 anos de
forró em Areia Branca, conheço um pouco do passado e do presente, dos dois
eu conheço bem.
Outra entrevista muito emocionante foi a de Maria Suzana dos Santos Sá20 que,
ao encerrá-la, culpou este pesquisador por estar chorando, por lembrar toda uma história
da cidade que é parte integrante da sua própria história; com os olhos cheios de água,
ela diz que tem “vontade de voltar tudo de novo” e relata a época em que viveu o
personagem da noiva. Por um desentendimento com o namorado da vida real, no
momento da quadrilha o personagem do noivo a beijou e, por esse motivo, o namorado
a procurou para reatar o compromisso.
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Entrevista realizada em 06 de junho de 2009.
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Entrevista realizada em 07 de junho de 2009.
Para José Araújo dos Santos Filho21, a recordação é do caráter da festa: “Uma
festa familiar, era um encontro de todo mundo de Areia Branca porque todo mundo se
conhecia”. Para sua esposa, Luzimary Dias dos Santos22, era “uma farra, uma folia”. O
sentimento de Zoraide Oliveira Mota, em suas palavras e gestos, é surpreendente:
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Entrevista realizada em 06 de junho de 2009.
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Entrevista realizada em 06 de junho de 2009.
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Entrevista realizada em 28 de junho de 2009.
significativa. Com seu auxílio torna-se mais completa a análise de uma festa tida como
tradicional.
Depreende-se do que foi exposto que a festa é um espaço em que a memória
individual encontra-se com a memória coletiva (SOUZA, 1994). A memória individual
é insuficiente para o resgate de lembranças e vivências, sendo necessário ligá-la à
memória coletiva, à evocação dos fatos vividos na coletividade.
As narrativas apresentadas revelam ainda que, para um mesmo evento
vivenciado coletivamente, as pessoas têm recordações diferenciadas, a depender das
suas referências. Percebe-se a importância de se analisar o fenômeno com grupos de
pessoas, pois, ao se reunirem, elas podem lembrar um determinado fato, até sua
sequência e estrutura, à medida que conversam (HALBWACHES, 2006). Dessa forma,
tenta-se resgatar a construção e o significado desses festejos no cenário cultural da
cidade.
Durante as entrevistas, foi comum as pessoas recorrerem às experiências que
partilharam com amigos. Ao falarem sobre momentos do ciclo festivo da cidade,
incluíam a própria participação junto a um grupo de amigos na quadrilha, por exemplo.
Muito comum também nos relatos foi a presença da imagem, sob a forma de fotografias
antigas, para suscitar recordações de acontecimentos e pessoas, levando a descrições e
narrações de grande interesse para o estudo da memória coletiva das festividades. A
evocação dessa memória permite ao indivíduo resgatar no tempo suas raízes e
conscientizar-se de sua identidade.
No decorrer da pesquisa, desde os primeiros contatos até a elaboração deste
artigo, foi possível perceber quanto a manifestação cultural de Areia Branca, o São João
de Paz e Amor, é importante não apenas para a comunidade local, senão também para a
história dos festejos juninos do Estado.
O resgate da memória coletiva do Batalhão 1º de São João possibilitou conhecer
um período dessa história em que as festas tinham caráter mais religioso e comunitário.
Além disso, pôde-se constatar o processo de folclorização do Batalhão à medida que um
novo modelo festivo ia sendo criado: um modelo mais moderno, urbano e comercial,
voltado para o turismo, que assume a forma de um grande espetáculo. Nesse contexto,
os órgãos públicos, a prefeitura municipal e o Governo do Estado investiram
maciçamente na estrutura dos festejos, transformando o forródromo no grande ícone
dessa forma de celebração.
É possível, portanto, concluir que o São João de Paz e Amor de Areia Branca faz
parte da história cultural do Estado de Sergipe. Sua linguagem, seus símbolos, suas
práticas são expressões de um modo de celebrar os santo e a vida. Apresentam aspectos
comuns a outras formas de celebração existentes em várias cidades e municípios da
região Nordeste, e também sinais diacríticos responsáveis pela afirmação de uma
identidade festiva amplamente conhecida como São João de Paz e Amor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, Maria Alice. Os rituais pagãos do ciclo junino. In: BARRETO, José R. Paes
& PEREIRA, Margarida M. de Souza (org). Festejos Juninos: uma tradição nordestina.
Recife: Editora Nova Presença, 2002.
MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas.
In: Ensaios de sociologia. São Paulo: EPU, 1974.
SOUZA, Marina de Melo e. Parati: A cidade e as festas. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
ZALUAR, Alba. Os homens de Deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo
popular. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1983.