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O sagrado e o Belo

Ir. Laíde Inês Sonda- Vitória/ES. 15-16 de Junho de 2008


Não sou especialista na área da filosofia e portanto me apoio em estudiosos do
assunto para poder abordar o tema proposto .
Alguns anos atrás a revista espanhola Fase, trouxe um número especial sobre
Beleza e liturgia.
Quero restringir o assunto ao que nos interessa, a liturgia e o espaço de
celebração.
O que é a beleza? No livro de F. Dostoyewski; “Os Irmãos Karamazov”,há um
trecho que pode ser o pano de fundo:”Quando Alyosha viu a abobada
celeste, cheia de estrelas delicadas e brilhantes, que se estendia imensa e
insondável sobre ele, permaneceu de pé contemplando e de repente, se
prostrou por terra. Ele não sabia porque a abraçava. Não sabia explicar
porque desejava tão ardentemente beijar a terra, beija-la toda, porém a
beijava chorando, soluçando e regando-a com suas lágrimas e jurou
apaixonadamente amá-la e amá-la para sempre. Rega a terra com as
lágrimas de tua alegria e ama estas lágrimas, a sua alma repetia como um
eco.”
O belo é harmonia, proporção, ordem. O belo é o que agrada a vista ( São
Tomás); é o esplendor da ordem ( são Agostinho) é o esplendor da
verdade (Platão). A beleza transcende todo o ser; todo ser criado é belo, é um,
verdadeiro e bom. A beleza está intimamente relacionada com a bondade. Tudo
o que é bom é belo. Todos concordam em que beleza “não é ornamentação
que se sobrepõe, que se agrega, quando tudo está pronto, ela é inerente,
está no interior das coisas.“ Essa era a definição dada por Romano
Guardini.
O desejo de Deus inconsciente ou não, está inscrito no coração das pessoas.
A pessoa não cessa de buscar Deus por diferentes caminhos e modos, às
vezes, até por caminhos equivocados. A intimidade da pessoa grita ”tenho sede
de ti Senhor, como o salmista SL62.Esta sede de Deus, por vezes
inconsciente, é também a sede de transcendência, da verdade, do bem e do
belo. Temos nostalgia do paraíso perdido onde está o nosso verdadeiro ser.
Temos nostalgia da nossa beleza primeira, puro reflexo da beleza de Deus.
Como diz São Basílio: ”por natureza as pessoas desejam o belo Desejar o
belo, buscar e enamorar-se da Beleza Suprema, é amar e rastrear as
pegadas de Deus”.” A pessoa na sua essência , foi criada com a sede do
belo, ele é a sede mesma, dado que, como imagem de Deus, da raça de
Deus (Hb 17,29), está irmanado com Deus e, na sua semelhança , o
homem manifesta a Beleza divina (São Gregório de Nice). É mais, dirá
Dionísio: “Todas as coisas trazem dentro de si o desejo de formosura”.
Já Paulo VI, na mensagem aos artistas dizia: “O mundo em que vivemos tem
necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza como a
verdade conferem alegria ao coração das pessoas; é o fruto precioso que
resiste ao tempo, que une as gerações a as faz se comunicarem na
admiração...A beleza é a chave do mistério e apelo à transcendência. É
um convite para gostar da vida e sonhar o futuro. Por isso a beleza das
coisas criadas não pode saciar plenamente e suscita nostalgia de Deus,
que um enamorado da beleza como santo Agostinho, soube interpretar
de maneira inigualável. “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde
te amei!”. A beleza de Deus aparece como meta da vida cristã. Esta meta foi
chamada de ‘visão beatífica’, que por vez transmite a idéia de êxtase que nos
ultrapassa e nos transforma ao contemplar a indizível beleza de Deus. Porém
a beleza é também o início de tudo ‘a beleza atrai todas as coisas para si’.
Segundo Dionísio, “A esperança sempre conduz a alma da beleza visível para
o que esta além, sempre desperta o desejo de captar o oculto através do que
percebe constantemente. Portanto o amante ardente da beleza, apesar de
captar o que está visível, capta a imagem de quem deseja se identificar com o
verdadeiro selo do arquétipo. E a audaz petição que ascende às montanhas do
desejo pede isto: desfrutar da beleza não através de espelhos e reflexos, mas
face a face .
Sem dúvida a beleza é o fruto que resiste ao desgaste do tempo. Ao término do
segundo milênio e começo do terceiro, se queremos dar uma olhada aos sinais
dos tempos vemos uma humanidade cansada, apesar do avanço tecnológico e
científico; muitas vezes está desorientada, rodeada de sinais de violência e de
morte e em muitos casos desesperada. Esta civilização da morte é a civilização
da falsidade. Falsidade que submerge e endurece os nossos corações, feiúra
que nos separa de Deus. Cremos profundamente que nosso mundo tem
necessidade de ser salvo pela beleza; pela beleza refletida no bem e na
verdade. Pela beleza que surge de uma obra de amor realizada e pelo nosso
atuar em prol do reino de Deus. Nosso cristianismo tem que deixar-se
questionar pela beleza de Deus, devemos perguntar-nos se somos sinais de
beleza, se a irradiamos se deixamos que transpareça no nosso agir.
O Deus belo e a sua obra de redenção se tornam presentes na nossa vida do
dia a dia principalmente através da liturgia. Ela é o instrumento privilegiado e
eficaz para mostrar à todos os homens a beleza de Deus que salva. Por isso
queremos descobrir na liturgia a beleza do mistério da vida de Deus e deixar
que ele transpareça na celebração litúrgica.
Dostoyewski, no seu romance, o Idiota coloca na boca do ateu Hipólito a
pergunta ao príncipe Myskin: é verdade, príncipe que dissestes um dia
que o mundo será salvo pela beleza? Senhores - gritou dirigindo-se a
todos- o príncipe afirma que o mundo será salvo pela beleza....Que beleza
salvara o mundo? O príncipe fez silêncio...
E o mesmo Dostoyewski, responde à pergunta: “Não há e não pode haver
nada mais belo que Cristo”.
A beleza originária

São Francisco exclama: “Tu és a beleza! Tu és a beleza! “Meu Deus como


és grande, te vestiste de beleza e a majestade te envolve como num
manto.” (Sl 103) “te vestistes de beleza”.
A beleza é uma manifestação do divino, da sua glória. A beleza não é esteticismo
superficial, mas o fundamento e o atributo transcendental do ser, do SER dos seres
que é Deus, e de todos os seres que nele são criados. Assim como afirmamos que
Deus é belo, afirmamos também que só ele é um, bom e verdadeiro. A beleza é o
próprio ser de Deus, na harmonia e esplendor dos seus atributos. Só esta infinita
beleza pode satisfazer o coração humano. A origem de toda beleza criada é esta
infinita Beleza, sua fonte. Sem dúvida sendo sua fonte e sua origem, “toda formosura
das criaturas, comparada com a infinita formosura de Deus, é suma falsidade.
Isto não deve ser entendido no sentido de diminuir a formosura das criaturas, senão
como uma maneira de intuir o que não pode ser compreendido da inefável e
inexplicável beleza de Deus.
O pseudo-Dionísio diz que um dos nomes divinos é ‘Beleza’.
“O chamam de Formoso, Formosura, Amor, Amado. Lhe dom qualquer nome
divino que convenha a esta fonte de amor e plenitude de graça. Formoso e
Formosura se distinguem e unificam na Causa que a tudo unifica(...) Chamamos
de formosura à aquele que transcende a formosura das criaturas porque estas a
possuem como presente Dele , cada um segundo a as capacidades. Como a luz
irradia sobre todas as coisas, assim esta formosura tudo reveste irradiando-se
do seu próprio manancial. Formosura que atrai para si todas as coisas. Daí o
nome Kalós, quer dizer Formoso, que tem em si toda a formosura.
Chama-se Formoso, sob todos os aspectos: contém e excede toda formosura .
Formoso, eternamente invariável (...) Não é amável em um sentido e
desagradável noutro, por vezes formoso e outras não; para alguns formoso para
outros feio(...) Não.É constantemente idêntico a si mesmo, sempre formoso. Nele
estava em grau eminente toda a formosura, antes que ela existisse ele era sua
fonte”.
Basta observar como no Cântico dos Cânticos é celebrada a beleza: “Como és
formoso meu amado”! E Agostinho: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde
te amei”!

Faça-se a Beleza!

Quando Deus vê, no fim de cada dia da obra da criação que “Tudo era bom”, ele vê
que tudo é belo, pois a palavra grega usada é “Kalón”palavra usada para dizer que é
formoso, é belo e ao mesmo tempo dizer que é bom.
Paul Evdokimov diz: “ao criar o mundo do nada, o Criador, como poeta divino,
compõe sua sinfonia em seis dias e em cada um dos seus gestos “viu que era
belo”.
A potencia do amor divino contém o universo e do caos faz o Cosmos, a Beleza.
Normalmente, todo ser vivo, está direcionado para o Sol da Beleza divina(...)na sua
essência foi criado com sede de beleza, ele mesmo é a sede, porque imagem de
Deus”.
Deus se revelou por primeiro na obra da criação, e sua primeira palavra foi: “Faça-se a
luz”! Isto quer dizer também, faça-se a Revelação e com ela faça-se a Beleza!
O homem por sua vez criado a imagem de Deus, foi criado com sede de Beleza pois
sua origem é Beleza, Deus. “Façamos o homem a nossa imagem e semelhança”. (Gn
1,26). Imagem e semelhança não são sinônimas. Semen= imagem, cópia; demut =
semelhança, correspondência, parentesco. Somos do parentesco de Deus,portanto
somos belos. Deus criou o ser humano a sua imagem, criou-o com a sua mesma
beleza.
A imagem comporta a presença indestrutível da graça inerente à natureza humana.
Independente das fraquezas, do pecado que nos fez perder a semelhança, não
perdemos a imagem, diz São Gregório Palamas. A imagem perdura, sem mudanças
porem esta imagem é ineficaz; o mal destrói a capacidade de semelhança, que no-la é
restituída pelo caminho sobrenatural.Nenhum mal poderá apagar o mistério inicial da
criatura, pois nada apagará a marca indelével de Deus. Por isso aspiramos à Beleza, a
aquela beleza original, a beleza de Deus.
Nós somos imago dei. Este é o primeiro destino do ser humano.

A Beleza de Cristo

Sois belo, o mais belo dos filhos dos homens. (Sl45,3) ”Jesus é a beleza suprema”,
exclama o coração de Teresinha.
O Deus, aquele que ninguém pode contemplar o seu rosto sem morrer, mostrou-se na
face resplendente do seu filho Jesus Cristo. (conf II Cor 4,6).
O Deus que contém a beleza infinita e indizível, enviou o seu Filho, cheio de graça e
de verdade, e nós contemplamos a sua glória. Jesus, ‘imagem de Deus invisível’
reflexo da sua glória (2 Cor 4,4-6), é o mais belo dos homens, quem o viu, viu o Pai. A
beleza de Jesus é única e “todos nós recebemos de sua plenitude”. (Jo 1,16).
Santo Agostinho canta a beleza “formoso sendo Deus, o Verbo em Deus (...) És
belo no céu e na terra; ‘és formoso no seio, nos braços de teu Pai, belo nos
milagres, nos açoites, formoso no teu nascimento não preocupando-se com a
morte, belo dando a vida, belo retomando-a, belo na cruz, na sepultura e no céu.
Ouçam entendendo o cântico, e a fraqueza da sua carne, não afastem de seus
olhos o esplendor de sua formosura” Vita Consecrata n 24.
O homem coberto de vergonha e temor, se esconde do Senhor que passeia no jardim.
E Jesus passeia pelo jardim, o busca e o chama e grita: “onde estás?” (Gn 3,9).
“levanta te e vem, trago, para ti uma túnica de beleza”.
Jesus vem resgatar-nos da caída, nos salva, não somente expiando o pecado, mas
restabelecendo a natureza primeira. Ele é o bom Pastor, ou melhor dizendo, segundo
a tradução grega – ho poimén ho kalós- (Jo 10,14)- o Pastor belo, que vai em busca
da ovelha perdida, escondida e maltratada. Ele é o ser perfeito que devolveu à
descendência de Adão a semelhança divina, deformada pelo primeiro pecado
(Gaudium et Spes, 22).”Em Cristo redentor e salvador, a imagem divina, alterada no
homem pelo pecado, foi restaurada na sua beleza original, e enobrecida com a graça
de Deus” (Catecismo, 1701). Desde então o homem será realmente homem,
descobrirá o seu mistério, poderá ver a sua verdadeira imagem e assemelhar-se a ela;
verá o seu rosto verdadeiro no rosto de Jesus, como num espelho,. Cristão é aquele
que se reveste da beleza de Cristo. Encontra novamente uma túnica bela para se
revestir, e com ela, tapar sua nudez.
Para melhor entender porque somos chamados à BELEZA vamos saborear
este texto do Cardeal Paul Pouppard:” Evangelizar pela beleza”.

O mais belo dos filhos dos homens.

A Igreja contempla continuamente a face do Redentor. Ela se deixa


impregnar da beleza de seus traços, da profundeza de seu olhar. Assim,
tocada pela graça de suas palavras e de seus gestos, ela deixa elevar-se
de seus lábios um imenso canto de louvor que igreja nenhuma do mundo,
catedral alguma poderá conter. Sob a cúpula estrelada de nosso mundo,
há dois milênios de história cristã, eleva-se para o Pai o canto
reconhecido de seus filhos. Esse canto do povo cristão não rejeita, mas
assume os cantos de todos os povos da terra, de todas as culturas do
mundo que se deixam fecundar pelo sopro do Espírito.
O Espírito Santo é a alma de todo apostolado. Se a Igreja deve,
mais que nunca, evangelizar pela beleza, ela jamais o fará sem Ele. Ele é a
Pomba do Evangelho, pura e frágil, discreta como a brisa da manhã. É Ele
que se apaga eternamente diante das Pessoas que Ele une. Louvor
incriado que eternamente alça seu vôo para encontrar o coração do Um
falando-lhe do Outro e vem apossar-se do coração dos homens para
introduzi-los na comunhão do Pai. É Ele que revela a Pedro a verdade
sobre o Cristo. É Ele que inunda de luz o Cristo no Tabor e inspira o
maravilhamento dos discípulos: “Como é belo para nós ficar contigo”. A
cada um de nós ele faz exclamar: Como é belo para nós ficar contigo, dar-
nos a Ti, concentrar toda a nossa existência em Ti!”
Aquele que, pelo Espírito Santo, recebeu a graça dessa comunhão
de amor com o Cristo, sente-se tomado por seu esplendor: Ele é “o mais
belo dos filhos dos homens (Sl 45,3), o Incomparável. No íntimo de nosso
ser, nós nos deixamos tocar por sua beleza. Ela provoca nossa emoção e,
quando ela não guarda nada para si, nos transporta para Deus. Porque
Deus é belo!
O Santo Padre termina sua Carta aos artistas: “No limiar do terceiro
milênio, eu vos desejo a todos ... serem tocados por essas inspirações
criadoras com uma particular intensidade. Possa ser tal a beleza que
transmitireis às gerações de amanhã que nelas suscite o maravilhamento!
Diante do caráter sagrado da vida e do ser humano, diante das maravilhas
do universo, a única atitude adequada é a do maravilhamento.
Desse maravilhamento poderá brotar o entusiasmo... Os homens de
hoje e de amanhã necessitam desse entusiasmo para enfrentar e
ultrapassar os desafios cruciantes que despontam no horizonte... É nesse
sentido que se disse, com uma profunda intuição, que “a beleza salvará o
mundo”.
A beleza é a chave do mistério e ela remete à transcendência. Ela é
um convite a saborear a vida e sonhar com o futuro. Por isso a beleza das
coisas criadas não pode satisfazer e desperta essa secreta nostalgia de
Deus, que um apaixonado do belo como Santo Agostinho soube
interpretar com palavras inigualáveis: ‘Bem tarde te amei, ó Beleza tão
antiga e tão nova, bem tarde te amei!’ Possam vossos múltiplos
caminhos, artistas do mundo, conduzir-vos todos ao Oceano Infinito de
beleza onde o maravilhamento se torna admiração, embriaguez, alegria
indizível!”

Sagrado

Podemos definir sagrado de muitas maneiras. O termo em si também pode ser


ambíguo.
Sagrado pode significar separação.
O sagrado é o inviolável. No antigo Testamento Israel vivia entre duas
realidades ou entidades: o sagrado e o profano.
Sagrado é o que é separado, subtraído, não disponível ao ser humano,
mas ao transcendente.
O sagrado é uma força que sacraliza, uma força presente, atuante, que
expulsa o profano, o elimina.
O homem primitivo aspirava entrar em contato com esta força, ao menos
em algum momento ou espaço de sua vida.
Ainda hoje, alguns povos setem o desejo de sacralizar momentos importantes
da vida, nascimento, morte, matrimônio, puberdade. Há ritos que marcam estes
momentos, basta lembrar umas tribos indígenas: festa do Kuarup etc.
Existe o sagrado religioso-mágico que fascina e aterroriza.
Sagrado tido como um poder benéfico para as pessoas, mas também como
possessão do mal. Alguém que praticasse atos horrendos podia ser
considerado sagrado no sentido de excluído, separado, possuído por uma
entidade.

Para o cristão só Deus é santo. No âmbito das relações humanas, o sagrado, o


santo se resume em Cristo Jesus.
Pelo batismo é que os cristãos participam da santidade de Deus, e podem ser
santos. Não se usa o termo sagrado no Novo Testamento. O termo ágios,
santo, substitui o termo hieros, sagrado, usado no Primeiro Testamento. Porem
usa-se no âmbito cristão os termos sagrado, sacro, consagrado.
O ato de consagrar algo ou alguém significa subtrair a coisa ou a pessoa do
“comum”, do corriqueiro.
Portanto diz-se que um bispo é consagrado, um objeto é consagrado etc...

Segundo Mircea Eliade, sagrado é o que de certa forma foi eleito, foi
escolhido e por isso difere do homogêneo, do igual. Por exemplo: Um
espaço é sagrado quando nele se faz uma experiência que remete ao
transcendente, ao totalmente outro, ao inexplicável. Por outro lado
podemos também dizer que existem experiências muito fortes que nos
conectam com realidades não totalmente explicáveis que recortam, marcam
espaços. Pode ser o lugar do primeiro beijo, para os namorados, pode ser o
lugar, numa estrada onde morreu alguém querido, pode também perfeitamente
ser uma paisagem que nos tocou em determinada situação, de dor, de alegria,
de encontro, de partida.
Ainda Eliade diz que a pessoa a partir destas experiências marca,
estabelece centros que correspondem quase que a uma nova criação do
mundo; refundação do mundo. “Para viver no mundo é preciso fundá-lo-
e nenhum mundo pode nascer no “caos”da homogeneidade e da
relatividade do espaço profano. A descoberta ou a projeção de um ponto
fixo-o “Centro”- equivale à criação do mundo...Em contrapartida , para a
experiência profana, o espaço é homogêneo e neutro: nenhuma ruptura
diferencia qualitativamente as diversas partes de sua massa.”
O espaço de celebração, uma igreja para uma pessoa religiosa, é um espaço
diferente, não é o espaço da rua onde ela mora, da sua casa, ou do sítio.
No caso do espaço sagrado, diz-se que é tal porque é um espaço destinado à
uma comunidade que é santa, santificada pelo batismo e porque é neste
espaço, mesmo que não exclusivamente,ela faz a experiência de entrar em
comunhão com a divindade, através da liturgia, dos sacramentos.
A rigor todo o cosmos é sagrado, manifesta a presença da divindade, mas
existem espaços que de forma mais eminente falam de Deus, fazem
transcender.
Há lugares que podemos considerar do ponto de vista, bem seculares mas,
que para alguns podem parecer sagrados. O Mysterium Tremendum,
reconhecer-se criatura e que se está diante de algo tremendamente maior, que
merece honra, glória louvor.
Quem já não sentiu isso na contemplação de algum entardecer, na aurora, em
alguma paisagem. Pois é, um espaço aparentemente profano, torna-se
sagrado a partir da experiência que ele provocou.
“O homem se encontra configurado pela experiência do sagrado, o
mundo religioso, em sentido arcaico. Esta ordem se vê continuamente
ameaçada e violada por aquilo que se lhe opõe e complementa, o profano,
que a dessacraliza e a erode e lhe subtrai zonas de poder e de pureza’’.
(Francisco Garcia Bazán).
É desta dessacralização que sofremos hoje. O mundo, a ciência em constante
evolução faz-nos pretensos deuses incapazes de perceber dentro de nós a
emergência do sagrado. Ele existe mas está mal configurado e necessitamos
recuperar a capacidade de percebe-lo.
No caso do espaço sagrado que a comunidade estabeleceu como um
lugar especial, separado, recortado, sempre deverá ser possível fazer a
experiência da transcendência,de Deus.
É o que aconteceu com os nossos pais na fé, Jacó, Moisés, Abraão.
“Quão terrível é este lugar! Em verdade é aqui a casa de Deus: é aqui a
Porta do céus! Agarrou a pedra de que fizera cabeceira, erigiu-a em
monumento e verteu azeite sobre ela. A este lugar chamou Betel, que quer
dizer “Casa de Deus”( Gn 28,12-19).
Há prerrogativas, no espaço que poderão ajudar a comunidade fazer a
experiência da transcendência.

Beleza e liturgia

35. A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de


modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza. De facto, a liturgia, como
aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor
da verdade (veritatis splendor). Na liturgia, brilha o mistério pascal, pelo qual o
próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. Em Jesus, como costumava
dizer São Boaventura, contemplamos a beleza e o esplendor das origens.(106)
Referimo-nos aqui a este atributo da beleza, vista não enquanto mero
esteticismo, mas como modalidade com que a verdade do amor de Deus em
Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e
atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor.(107) Já na
criação, Deus Se deixa entrever na beleza e harmonia do universo (Sab 13, 5;
Rm 1, 19-20). Depois, no Antigo Testamento, encontramos sinais grandiosos do
esplendor da força de Deus, que Se manifesta com a sua glória através dos
prodígios realizados no meio do povo eleito (Ex 14; 16, 10; 24, 12-18; Nm 14,
20-23). No Novo Testamento, realiza-se definitivamente esta epifania de
beleza na revelação de Deus em Jesus Cristo: (108) Ele é a manifestação
plena da glória divina. Na glorificação do Filho, resplandece e comunica-
se a glória do Pai (Jo 1, 14; 8, 54; 12, 28; 17, 1). Mas, esta beleza não é
uma simples harmonia de formas; « o mais belo dos filhos do homem »
(Sal 45/44, 3) misteriosamente é também um indivíduo « sem distinção
nem beleza que atraia o nosso olhar » (Is 53, 2). Jesus Cristo mostra-nos
como a verdade do amor sabe transfigurar inclusive o mistério sombrio
da morte na luz radiante da ressurreição. Aqui o esplendor da glória de
Deus supera toda a beleza do mundo. A verdadeira beleza é o amor de
Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal.

A beleza da liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da


glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra. O
memorial do sacrifício redentor traz em si mesmo os traços daquela
beleza de Jesus testemunhada por Pedro, Tiago e João, quando o
Mestre, a caminho de Jerusalém, quis transfigurar-Se diante deles (Mc
9, 2). Concluindo, a beleza não é um factor decorativo da acção
litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio
Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há-de tornar conscientes da
atenção que se deve prestar à acção litúrgica para que brilhe segundo a
sua própria natureza.

Espaço Belo

Um espaço é belo quando?


Quando há unidade
Quando há verdade-Sinceridade
Quando há simplicidade-Essencial
Quando há funcionalidade

Unidade
Unidade nos elementos, ver e conceber o espaço na sua totalidade.
As partes têm que estar em harmonia.
Os materiais também devem combinar entre si, falar a mesma linguagem
quanto ao design.
Se a reunião da comunidade é para fazer memória do mistério Pascal e a
formar um ‘CORPO’, é fundamental que o espaço também fale a linguagem da
UNIDADE.
Como conceber espaços unitários, que revelem o DEUS UNO; comunitários,
DEUS-TRINO?
Não há mágica, mas precisa despojar-se, deixar de lado o subjetivismo para
que na nudez nossa possa falar a plenitude.

Verdade – Sinceridade
Cada vez mais precisamos respeitar a matéria.
Diz Merleau Ponti: “A matéria de per si está grávida da forma”.
“Daí o caráter espúrio e inartístico que apresenta toda adulteração dos
materiais, por ser um atentado contra o direito de a matéria mostrar o seu
poder expressivo peculiar”.
A beleza dos materiais está em si, na madeira, na pedra, no tijolo, no barro.
Vivemos num mundo de falsificações, fazer de conta; marmorizados, folhados,
fórmicas e agora o porcelanato... etc.
Fazer de conta é contar mentira e este ato não combina com o lugar da
VERDADE.

Simplicidade - Essencial

Tudo aquilo que está a serviço da comunidade deve ser feito não para glorificar
a si mesmos com preciosismos e rebuscamentos. Também não é o caso de
transcender a realidade pessoal e o que somos para poder trabalhar com o
espaço sagrado.
Buscar em tudo o essencial, através das formas puras, que nunca passam com
o tempo.
“O simples não é o pobre, mas aquilo que tem poder de domínio sobre a
diversidade amorfa do múltiplo, e que o decisivo não é o esforço da busca, mas
a realidade que constitui a meta e, portanto, o impulso de buscar”.
“A pobreza é verdadeiramente transparente, rasga a opacidade de tanta
presunção acumulada progressivamente, liberta as formas da espessura
asfixiante e parasita da matéria morta, e sobre a forma nua faz descer o fulgor
do mistério que brilha tanto mais quanto sua presença se aproxima de nós
mais desembaraçada, mais indefesa”.
(F. Pérez Gutiérrez)
Onde há o essencial há epifania do mistério.

Ex. Como arrumamos os espaços para as festividades natalinas?


Será que passamos a mensagem pura e simples do Natal: O Verbo se fez
carne e habitou entre nós?
Ele veio habitar na nossa carne, no nosso chão, historicamente em Belém,
hoje, nas nossas comunidades, na nossa cultura.

Funcionalidade
Não é o funcionalismo, que seria uma renúncia até do estético. O espaço de
celebração deverá atender às necessidades do rito, daquilo que se celebra.
Encantam as coisas simples, precisas, eficazes, oportunas. No entanto, o
funcional deve proceder de dentro para fora, só assim será acompanhado de
beleza.
Perguntar-se antes, para que serve, não significa renunciar à criatividade, à
poesia, mas,
partir delas para criar o belo, o funcional. “Há um vínculo muito grande entre a
obra bem feita e a obra bela, vínculo que revela as profundas e misteriosas
raízes ontológicas da beleza.” (Afonso López Quintás).

Na tese de doutorado de Irena Wojnar ela fala do papel da experiência estética


na formação.
Sabemos que a arte muda os indivíduos. Não precisamos ir muito longe e ver
como tem dado grandes resultados as diferentes ações em favelas, em áreas e
situações de risco para os jovens. Onde foram instituídas escolas de ballet,
aulas de música, de teatro, atelier de arte, reverteram-se os quadros de
violência.

Experiência estética

A Experiência estética tem o poder de:

Mudar a maneira o modo de percepção das pessoas. A experiência estética faz


com que a pessoa adquira uma percepção mais aguda da realidade. Ela passa
a captar a realidade na sua totalidade. Torna-se mais sensível e vigilante a
todo objeto e todo o acontecimento. A arte faz entrar num processo de busca,
para fora e para dentro.
( a liturgia trabalha com o simbólico )

Muda a maneira de sentir. Compreende a descoberta do eu, seu interior, e do


mundo exterior fazendo experiência, vivendo as experiências. Amplia o seu
conhecimento através de experiências vividas.( liturgia é vivêncial, fazer a
experiência do mistério)

Muda o intelecto. Há um despertar, por mediação da obra-de-arte dos interesse


mais profundos, da paixão de buscar, de levantar questões , de mergulhar na
realidade a fim de compreende-la mais a fundo. (liturgia é compromisso
pessoal e comunitário-missão).

Neste sentido podemos dizer que a Beleza salvará o mundo.


Temos no Filho de Deus, em Jesus a beleza que salva, ele viu, nos viu, nos vê.
Ele nos ama não porque somos bons e belos, mas nos faz bons e belos porque
nos ama.
Se trata de entrar dentro deste dinamismo que pode ser provocado pela
experiência da celebração litúrgica que sempre acontece dentro de um espaço.

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