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Prevenção de Recaída:
Racionalidade Teórica e
Visão Geral do Modelo
G. Alan Marlatt

P
revenção de Recaída (PR) é um programa de automanejo que visa melhorar o
estágio de manutenção do processo de mudança de hábitos. O objetivo da PR é
ensinar os indivíduos que tentam mudar seu comportamento a prever
e lidar com o problema da recaída. Em um sentido muito geral, recaída refere-se a um
colapso ou revés na tentativa de uma pessoa para mudar ou modificar qualquer
comportamento-alvo. Baseada nos princípios da teoria do aprendizado social, a PR é
um programa de autocontrole que combina procedimentos de treinamento das
habilidades comportamentais, intervenções cognitivas e de mudança no estilo de vida.
Uma vez que o modelo PR inclui componentes tanto comportamentais quanto
cognitivos, é similar a outras abordagens cognitivo-comportamentais desenvolvidas
nos últimos anos como resultado de uma extensão dos programas de terapia
comportamental mais tradicionais. Descrições das pesquisas cognitivo-
comportamentais relacionadas e abordagens de tratamento com uma variedade de
problemas clínicos estão disponíveis em diversas publicações recentes (Beck, Rush,
Shaw & Emery, 1979; Foreyt & Rathjen, 1978; Kendall & Hollon,
1979; Mahoney, 1974; Meichenbaum, 1977).
O modelo PR descrito na Parte I deste livro foi desenvolvido, inicialmente, como
um programa de manutenção comportamental para uso no tratamento de problemas de
adicção, tais como dependências de álcool e de outras drogas (Marlatt & Gordon,
1980). Os objetivos típicos do tratamento para a dependência de drogas são abster-se
totalmente do uso da droga (por exemplo, abster-se de álcool) ou, em alguns casos,
impôr controles regulatôrios sobre o comportamento-alvo (por exemplo, controlar ou
moderar o uso de álcool). Embora grande parte do material apresentado neste livro
dirija-se ao tratamento de problemas de dependência de drogas, o modelo PR pode ter
aplicações que se estendem além das categorias tradicionais de "adicção a drogas".
Padrões de hábito, tais como ingestão alcoólica e alimentar excessiva, tabagismo ou
abuso de substãncias psicoativas, podem ser considerados como uma subclasse de um
conjunto maior daquilo a que nos referimos como comportamentos adictivos. A
categoria de comportamentos adictivos pode ser ampliada para incluir qualquer padrão
de hábito compulsi

3
4 Marlatt & Gordon

vo, no qual o indivíduo busca um estado de gratijkação imediata. Como muitos


comportamentos adictivos (especialmente dependência de droga), a experiência
imediata da gratificação (o prazer, "viagem", redução na tensão, ou alívio do sofri-
mento associado com o próprio ato) é seguida por conseqüências negativas retardadas:
desconforto ou doença física, desaprovação social, perda financeira ou auto-estima
diminuída. Além da dependência de drogas, outros exemplos de comportamentos
adictivos incluem certos transtornos alimentares (por exemplos, ingestão excessiva de
alimentos e orgia* alim entar [comilança)), jogo compulsivo e outros problemas de
"controle dos impulsos", incluindo alguns transtornos sexuais (por exemplo,
exibicionismo, pedofilia, fetichismo, etc.) e atos agressivos impulsivos (abuso de
crianças e estupro, por exemplo). Uma vez que muitos programas de tratamento para
estas espécies de problemas exigem que os clientes abstenham-se totalmente do
engajamento no comportamento problemático, a aplicação de um programa de PR
pode revelar-se uma abordagem apropriada e eficaz. Outros empregos possíveis do
modelo de RP são descritas na seção final deste capítulo.
Os procedimentos de PR podem ser aplicados tanto na forma de um programa
específico de manutenção para a prevenção de recaída ou como um programa mais
global de mudança no estilo de vida. No primeiro caso, os objetivos do programa são
(1) antecipar e prevenir a ocorrência de uma recaída após o início de uma tentativa de
mudança de hábito (por exemplo, para evitar que um ex-fumante recente volte ao
hábito anterior de fumar) e (2) ajudar o indivíduo a recuperar-se de um "deslize" ou
lapso antes de este transformar-se em uma plena recaída. Tais procedimentos de PR
podem ser usados não importando a orientação teórica ou métodos de intervenção
aplicados durante a fase inicial de tratamento. Uma vez que um alcoólico tenha
deixado de beber, por exemplo, os métodos de PR podem ser aplicados para a
manutenção eficaz da abstinência, não importando os métodos usados para iniciá -la
(por exemplo, comparecer aos encontros dos Ms, terapia de aversão, cessação
voluntária, ou algum outro meio). Na segunda aplicação mais geral do modelo PR, a
finalidade é facilitar mudanças globais nos hábitos pessoais e no estilo diário de vida,
de modo a reduzir o risco de doença física e/ou tensão psicológic a. Aqui, o objetivo
geral é ensinar ao indivíduo como adquirir um estilo de vida equilibrado e como
prevenir o desenvolvimento de padrões de hábitos menos saudáveis. O tema
subjacente desta faceta do programa de PR é o "caminho intermediário". Um estilo de
vida equilibrado é aquele centralizado no esteio da moderação (em contraste com os
extremos opostos de excesso ou restrição total). Vista a partir desta perspectiva mais
global, a PR pode ser considerada como um componente de movimentos em expansão,
tais como "psicologia da saúde" ou medicina holística (cf. Pelletier, 1979; Stone,
Cohen & Adler, 1979).
O material deste capítulo visa apresentar uma visão geral do modelo PR para as
aplicações tanto específicas quanto globais descritas acima. O capítulo inicia com uma
discussão genérica de questões relacionadas à manutenção da mudança de hábito,
incluindo uma discussão sobre os vários modelos teóricos de adicção. Os estágios de
mudança na modificação dos comportamentos adictivos são então discutidos,
juntamente, com a racionalização para a abordagem de autocontrole para a
manutenção. A racionalidade para o foco sobre a recaída, tradicionalmente
considerada uma indicação de fracasso no processo de manutenção, é descrita na seção
seguinte. É apresentado um modelo teórico do processo de recaída, aplicado
especificamente aos comportamentos adictivos. Também são os eventos precipitadores
imediatos que precedem uma recaída, bem como as reações cognitivas e

*
Binge, no original. (N.R.)
Prevenção de Recaída 5

afetivas associadas com sua ocorrência. Os fatores predisponentes (antecedentes


encobertos e padrão de estilo de vida) que podem preparar o terreno para a recaída ou
aumentar a sua probabilidade de ocorrência são descritos. A seção final, principal, dá
uma visão geral das estratégias de intervenção derivadas do modelo PR. A seção de
conclusão apresenta uma discussão rápida sobre o estado atual e rumos futuros do
modelo PR.

MODELOS TEÓRICOS DE ADICÇÃO

O Modelo de Doença e o Paradoxo do Controle


Atualmente, estamos chegando a uma encruzilhada em nossa abordagem ao en-
tendimento e tratamento dos problemas de comportamento adictivo. Até recentemente,
a abordagem primária salientava a importãncia dos parãmetros biológicos de adicção
com um foco sobre a droga ou substãncia psicoativa e seus efeitos farmacológicos.
Implícita a essa abordagem está a presunção de que o "adicto" não pode controlar
voluntariamente seu comportamento de consumo da droga devido à influência
sobrepujante das forças psicológicas internas, tais como compulsões, "fissuras" ou
premências* irresistíveis. O fato de a sociedade contemporãnea adotar esta visão é
refletido nas definições de dicionários sobre adicção. O Webster's New Collegiate
Dictionary (1983), por exemplo, define adicção como "a necessidade fisiológica
compulsiva por uma droga formadora de hábito"; a própria compulsão é definida
como "o estado de ser compelido" ou "um impulso irresistível para realizar um ato
irracional". Portanto, um adicto é, por definição, alguém que não consegue controlar
seu comportamento adictivo.
Será que é realmente o caso de o adicto ser incapaz de exercer controle sobre o
comportamento problemático? À primeira vista, os comportamentos tradicionalmente
definidos como adictivos parecem estar sob controle voluntário. Afinal. não são os
comportamentos tais como beber, comer, fumar ou usar outras drogas atividades que
escolhemos ou não realizar? O uso excessivo de qualquer substáncia (ou desempenho
excessivo de qualquer atividade que leve à gratificação ime diata) poderia ser visto
como um problema de "controle do impulso", no qual falta ao indivíduo,
aparentemente, força de vontade e ele, portanto, é incapaz de exercer controle
apropriado sobre o comportamento. Esta linha de pensamento culminou no "modelo
moral" de adicção, uma visão baseada na moralidade cristã que dominava o
pensamento na área até poucos anos atrás. De acordo com esta perspectiva, alguém
com adicção é alguém a quem falta "fibra moral" para resistir à tentação. No caso do
alcoolismo, a sociedade rotulou o "bêbado" como uma pessoa a quem falta caráter
moral ou força de vontade, incapaz de resistir à tentação para ceder ao álcool. A
condenação moral do alcoolismo alcançou seu ápice nos Estados Unidos há cerca de
um século, com a experiência fracassada de proibição nacional.
Apesar das críticas recentes ao modelo moral de adicção, declaradas por adeptos
do modelo de doença (descrito abaixo), ainda existem muitos indivíduos, em nossa
sociedade, que acreditam que transtornos tais como o alcoolismo são o resultado de
falhas morais. Muitos moralistas cristãos continuam definindo a ingestão de bebidas
como um ato pecaminoso. Em recente visita à seção de vinhos de um supermercado
local em Seattle, descobri uma nota impressa colocada entre duas garrafas:

Compulsions. cravings e urges, no original. (N.R.)


6 Marlatt & Gordon

CORREÇÃO: NÃO É DOENÇA; É ESTUPIDEZ!!! Centenas de colunas em jornais e


milhões de dólares têm sido usados na exposição e combate ao "abuso de drogas" e ao
"alcoolismo", "O abuso de drogas é aquilo que as pessoas infligem sobre si mesmas", de
acordo com um artigo publicado no Joumal of Nervous and Mental Disease, Em outras
palavras, considerando-se as conseqüências, é simplesmente o caso de as pessoas usarem
drogas - incluindo o álcool - para abusar de si mesmas. Obviamente. portanto,
deveriamos admitir que o que é tão comumente denominado de "abuso de drogas" e
"alcoolismo" não é doença, mas o resultado do exercício voluntário da estupidez. O
registro oIldal de Deus acrescenta estes fatos: "Você sabe que o indigno não herdará o
Reino de Deus? Não se engane; nem fornicadores, nem idólatras, nem adúlteros, nem
efeminados, nem aqueles que abusam de si mesmos, nem ladrões, nem mentirosos, nem
avarentos, nem beberrães, nem caluniadores, nem usurários, herdarão o Reino de Deus".
É chegada a hora do arrependimento!

Após O fracasso da abordagem moral, uma abordagem menos rigorosa à adicçào


começou a aparecer, na forma de modelo da doença. De acordo com essa abordagem,
os comportamentos adictivos estão baseados em uma dependência física subjacente e a
atenção é focalizada sobre fatores fisiológicos predisponentes. que se presume ser
geneticamente transmitidos, como a causa subjacente da adicção. A definição do
alcoolismo como uma doença exemplifica esta abordagem. Embora as origens do
modelo de doença do alcoolismo possam ser localizadas nos escritos do médico norte-
americano Benjamin Rush, do início do século, a versão contemporãnea deste modelo
foi apresentada pela primeira vez no final dos anos
40 por E. M. Jellinek e seus colaboradores, no Centro para Estudos do Álcool de
Yale (Jellinek, 1960). A posição de Jellinek recebeu sanção em 1956, quando a
Associação Médica Norte-Americana declarou oficialmente o alcoolismo como uma
doença. Desd~ então, o modelo de doença tem sido aceito por muitos grupos
prestigiados do Conselho Nacional sobre Alcoolismo da Organização Mundial da
Saúde. Certamente, o conceito do alcoolismo como doença oferece muitas vantagens
em relação ao modelo moral. Pela tentativa de remover os estigmas morais associados
com problemas de beber. o diagnóstico de alcoolismo como uma doença encoraja
muitos indivíduos a buscarem tratamento médico para seu transtorno. Talvez uma das
principais razões para o modelo de doença ter levado números crescentes de indivíduos
à busca de auxílio ou assistência para seu beber-problema seja que tal abordagem
absolve o alcoólico da aceitação de responsabilidade pessoal ou culpa moral para sua
condição. Em essência. o alcoólico recebe a informação de que sofre de uma doença
similar a outros transtornos biológicos. como diabetes. Será que os diabéticos são
culpados por sua condição? Não? Então. o alcoólico também não. O processo de
doença presumive lmente está latente mesmo antes de o alcoólico tomar a primeira
dose (devido à predisposição genética) e permanece ativo (embora temporariamente
"em remissão") mesmo se o rege
nerado não tomou um gole em anos. O alcoolismo freqüentemente é denominado uma
condição de "recaídas crónicas" dentro deste contexto.
Apesar de suas qualidades, existe um importante paradoxo no modelo de doença
do comportamento adictivo, envolvendo o conceito central de controle e como é
definido dentro do modelo. Por um lado. o modelo de doença presume que o alcoólico
é incapaz de exercer controle sobre o comportamento de beber, em razão da influência
vigorosa dos fatores psicológicos internos subjacentes à adicção. Por outro lado. diz-se
ao alcoólico que o único modo de evitar o problema éabster-se de beber, mantendo
total abstinência por um período indefinido. Certa
mente a intenção ou compromisso para abster-se é, em si mesmo. uma forma de
controle. Assim, um indivíduo pode apenas exercer controle enquanto mantém total
abstinência quanto à bebida; sofrer recaída é perder o controle. O modelo de
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doença, portanto, produz uma restrição dicotômica sobre a faixa possível de resultados
de tratamento: o indivíduo está ou abstinente (exercendo controle) ou apresentou
recaída (perdeu o controle). Assim, embora a etiologia do alcoolismo seja descrita
como um processo de doença além do controle ou responsabilidade da vítima, o
principal modo de tratamento freqüentemente assume a forma de um mandamento
moral: Não beberás! Embora possam parecer, á primeira vista, "companheiros
desconhecidos", o modelo moral e o modelo de doença formaram, nos últimos anos,
uma aliança. Os defensores dos Alcoólicos Anônimos (Ms) , por exemplo, endossam o
modelo de doença do alcoolismo enquanto, ao mesmo tempo, defendem a rendição do
controle pessoal a um "poder superior" como o primeiro passo no processo da
recuperação.
É irônico que a principal qualidade do modelo de doença, absolvendo o adicto de
responsabilidade pessoal para o comportamento-problema, possa ser também uma de
suas maiores fraquezas. Se os alcoólicos começam a ver seu comportamento de
ingestão alcoólica como o resultado de uma doença ou adicção fisiológica, podem
tomar-se mais propensos a assumir o papel passivo de vítima - sempre que se engajam
no comportamento de ingestão alcoólica - se vêem isto como um sintoma de sua
doença. Algumas pesquisas, por exemplo, mostram que indivíduos que recebem uma
explicação genética ou constitucional para a etio10gia de um transtorno sentem que
podem fazer menos, pessoalmente, para o enfrentamento de seu problema e estão mais
propensos a usar álcool e/ou outras drogas para o alívio do sofrimento emocional do
que os indivíduos que recebem uma
explicação etiológica de aprendizado social (Fisher & Farina, 1979). É possível, por
outro lado, que o conhecimento de estar geneticamente predisposto ao alcoolismo
possa motivar o indivíduo a compensar o alto risco C(l)m maior vigilância e absti-
nência. A extensão até onde a pessoa sente-se capaz de exercer controle voluntário
dentro de limites genéticos fIXOS (isto é-, quanto "espaço de ação" a pessoa crê
existir) é um fator significativo para explorar no trabalho com alguém geneticamente
em risco.
O modelo de doença pode ser efetivo, na medida em que convence o alcoólico de
que ele está doente, sofrendo de uma doença médica reconhecida, e não mais é capaz
de beber sem perder o controle. Se o alcoólico aceita este diagnóstico e concorda em
jamais tomar uma dose e não Jaz isso, tudo está bem. Infelizmente, a capacidade para
manter abstinência total do álcool é um resultado raro na área de tratamento do
alcoolismo. Um abrangente estudo recente, conduzido pela Rand
Corporation, determinou o resultado de mais de 700 pacientes alcoólicos, que
participaram de vários programas típicos de tratamento. Foi descoberto que menos de
10% dos pacientes eram capazes de manter a abstinência por um período de dois anos
após a alta do programa de tratamento (Armor, Polich & Stambul, 1978). Os dados
demonstram que a recaída é o resultado mais comum do tratamento para o alcoolismo.
A recaída é o tendão de Aquiles do modelo de doença. Se um alcoólico aceitou a
crença de que é impossível controlar sua ingestão de álcool (como incorporado no
slogan dos Ms de que se está sempre "uma dose longe de ser um bêbado"), então até
mesmo um simples gole pode precipitar uma recaída total e descontrolada. Uma vez
que beber, nessas circunstâncias, é equacionado com a ocorrência de um sintoma
significando a reemergência da doença, o indivíduo tende a sentirse tão impotente para
controlar este comportamento como ocorreria com qualquer outro sintoma de doença
(por exemplo, uma febre ou convulsão). A crença na inevitabilidade da perda do
controle ao beber como um sintoma patognomônico do alcoolismo é um dogma
firmemente mantido pelos adeptos do modelo de doença e
8 Marlatt & Gordon

é subjacente à grande parte do furor que atualmente cerca a menção da ingestão


alcoólica controlada como um objetivo alternativo de tratamento à abstinência, no
tratamento do alcoolismo (Heather & Robertson, 1981; Pendery, 1981; Pendery,
Maltzman & West, 1982; Sobell & Sobell, 1978). Em comentário recente
sobre a controvérsia da ingestão alcoólica controlada (Marlatt, 1983), discuti a
sobreposição entre o modelo de doença e o modelo moral como um fator subjacente
na disputa:
Para alguns observadores. o diagnóstico de alcoolismo carrega um estigma moral. Tais críticos
argumentam que o modelo contemporâneo de doença, do alcoolismo como doença. é pouco mais
do que o "modelo moral" (beber como um comportamento pecaminoso) vestido com roupas de
carneiro (ou, pelo menos, com um casaco branco). Apesar de as premissas básicas do modelo de
doença ainda deverem ser veríficadas cientificamente [por exemplo. a base fisiológica da doença
e seu sintoma primário. a falta de controle) e. embora exista falta de apoio empírico para a
eficácia de qualquer forma particular de tratamento para o alcoolismo (incluindo programas de
internação voltados para a abstinência). defensores do modelo de doença continuam insistindo
que o alcoolismo é um transtorno unitário, uma doença progressiva que pode ser apenas
temporariamente controlada pela abstinência total. A partir dessa perspectiva, o álcool, para o
alcoólico abstinente, simboliza um fruto proibido (uma maçã fermentada?) e um lapso da
abstinência éequivalente a uma queda aos olhos de Deus. Claramente, uma mordida no fruto
proibido é suficiente para ser expulso do Paraíso. Qualquer um que sugira a ingestão alcoólica
controlada é chamado de agente do demônio, tentando o alcoólico ingênuo a voltar ao pecado de
beber. Se beber é um pecado, a única solução é a salvação, uma rendição do controle pessoal a
um poder superior (Marlatt, 1983, p. 1107).

Comportamentos Adictivos como Padrões de Hábitos Adquiridos


Nos últimos anos, uma terceira abordagem emergiu como uma alternativa aos
modelos moral e de doença, de adicção. Derivado dos princípios da teoria do
aprendizado social, psicologia cognitiva e psicologia social experimental, o modelo
de comportamento adictivo apresenta várias premissas que diferem acentuadamente
tanto do modelo de doença quanto do modelo moral. A partir de uma perspectiva de
aprendizado social, os comportamentos adictivos representam uma categoria de
"maus hábitos", incluindo comportamentos tais como beber-problema, tabagismo,
abuso de substâncias psicoativas, ingesta excessiva de alimentos,
jogo compulsivo e assim por diante. Em termos de freqüência da ocorrência, pre-
sume-se que os comportamentos adictivos estão em um continuum de uso em vez
de serem definidos em termos de categorias isoladas ou fixas, tais como uso
excessivo (perda do controle) ou abstinência total. Em comparação, todos os pontos
ao longo deste continuum de freqüência e ocorrência, desde o uso infreqüente,
"normal" a excessivo, sâo, presumivelmente, governados por processos similares de
aprendizado.
Os comportamentos adictivos são vistos como hábitos hiperaprendidos que
podem ser analisados e modificados do mesmo modo que outros hábitos. Esta
posiçâo, entretanto, não implica que o envolvimento excessivo contínuo num hábito
adictivo esteja livre de quaisquer conseqüências fisicas negativas. Pelo contrário,
está plenamente reconhecido pelos adeptos do modelo de comportamento adictivo
que hábitos excessivos podem levar - e freqüentemente levam - ao desenvolvi-
mento de estados finais de doença (por exemplo, cirrose do figado em alcoólicos,
câncer pulmonar em fumantes, etc.). O fato de um estado de doença ser um produto
de um comportamento adictivo de longo prazo nâo implica, necessariamente,
entretanto, que o próprio comportamento é uma doença ou que é causado por um
transtorno fisioló gico subjacente. Será que o uso contínuo e excessivo do
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tabaco (juntamente com altas taxas de recaída entre aqueles que tentam parar de fumar)
implica, necessariamente, que o próprio hábito de fumar qualifica-se como uma
doença? Pode ser útil dirigir esta mesma questão ao uso habitual do álcool.
Aqueles que subscrevem o modelo de comportamento adictivo estão particu-
larmente interessados no estudo dos detenninantes dos hábitos adictivos, incluindo
antecedentes situacionais e ambientais, crenças e expectativas, história familiar
individual e experiências de aprendizado anteriores com a substáncia psicoativa ou
atividade. Ademais, existe um igual interesse pela descoberta das conseqüências
desses comportamentos, visando a um melhor entendimento tanto dos efeitos
reforçadores que podem contribuir para aumentar o uso quanto das conseqüências
negativas que podem servir para inibir o comportamento. Além dos efeitos da droga
sobre a própria atividade, é dada atenção ás reações sociais e interpessoais
experienciadas pelo indivíduo antes, durante e depois de se engajar num
comportamento adictivo. Os fatores sociais estão envolvidos tanto no aprendizado
inicial de um hábito adictivo quanto no desempenho subseqüente da atividade, uma
vez que o hábito tenha sido firmemente estabelecido.
Uma das suposições subjacentes centrais nesta abordagem é que os compor-
tamentos adictivos consistem de padrões de hábitos hiperaprendidos e mal-adaptativos.
Como mencionado anteriormente, tais padrões de hábitos em geral são seguidos por
alguma forma de gratificação imediata (o estado de prazer máximo ou redução da
tensão ou excitação). Em muitos casos, os comportamentos adictivos são realizados em
situações percebidas como estressantes (por exemplo, beber na tentativa de reduzir a
ansiedade social, fumar como um meio de "acalmar os nervos", comer muito quando
solitário ou aborrecido, etc.). Quando essas ativida des são realizadas durante ou antes
das situações estressantes ou desagradáveis, elas representam mecanismos de
enfrentamento mal-adaptativos. Os comportamentos adictivos são mal-adaptativos á
medida que levam a conseqüências negativas postergadas em termos de saúde, estado
social e auto-estima. O desempenho desses comportamentos, por si só, não é
necessariamente mal-adaptativo, desde que o indivíduo engaje -se nele de forma
ocasional, com moderação e prefira fazer isto com plena consciência das
conseqüências a longo prazo. O uso moderado e responsável de certas drogas, por
exemplo, pode ser acêitável, desde que o comportamento não se torne um hábito ou
um ciclo de comportamento adictivo (isto é, uso assíduo e repetitivo com consciência
mínima da atividade e suas conseqüências a longo prazo). O tópico da moderação
como uma alternativa á adicção édiscutido em maiores detalhes no Capítulo 5.
Os comportamentos habitualmente caracterizados pela gratificação imediata e
conseqüências negativas postergadas foram classificados por outros pesquisadores
como "armadilhas sociais" (Platt, 1973) e comportamentos "impulsivos" (Ain slie,
1975). Esses comportamentos não estão limitados ao uso de drogas e outras
substáncias psicoativas, uma vez que incluem atividades não-adictivas tais como jogo
compulsivo, padrões compulsivos de trabalho ("workaholism'1, certos proble mas
sexuais (por exemplo, exibicionismo) e algumas formas de relacionamentos sociais,
tais como amor "adictivo" (Peele & Brodsky, 1975). É importante notar que a fonte da
compulsão amiudemente é considerada como enraizada na química orgánica interna,
em especial experiências tais como "fissura" flSica por determinada droga. Uma ênfase
demasiada sobre fatores fisiológicos internos negligencia a possibilidade de esses
comportamentos serem altamente influenciado pelas expectativas do indivíduo ou a
antecipação dos efeitos desejados da atividade. Pesquisas recentes sugerem que fatores
cognitivos e ambientais, como contexto e ambiente, seguidamente exercem maior
influência na determinação dos efeitos da
10 Marlatt & Gordon

droga d.o que os efeitos farmacológicos ou fisicos da própria droga (cf. Marlatt &
Rohsenów, 1980). A principal implicação destas pesquisas é que os processos
cognitivos tais como expectativa e atribuição são aprendidos e. portanto. estão mais
propensos à modificação e à mudança do que processos fisiológicos relativamente
fIXOS.
Um ponto final precisa ser discutido. com relação ao auto controle dos com-
portamentos adictivos. Algumas pessoas argumentam que aceitar o fato de os
comportamentos adictivos serem aprendidos equivale a "culpar a vítima", no sentido
de que um indivíduo com adicção é considerado, assim, responsável por sua
condição (cf. Sontag. 1978). Vista dessa perspectiva. a explicação de aprendizado
social representa uma regressão a um modelo moral anterior de adicção. Tal
argumento está baseado na falsa suposição de que os indivíduos são responsáveis por
suas experiências passadas de aprendizado - que "escolhem" engajar-se nessas
atividades talvez por causa de alguma falta de força de vontade ou fraqueza moral.
Inversamente. os teóricos comportamentais definem a adicção como um padrão de
hábito poderoso, um ciclo vicioso adquirido de comportamento autodestrutivo
perpetuado pelos efeitos coletivos do condicionamento clássico (tolerância adquirida
mediada, em parte. por respostas compensatórias condicionadas aos efeitos nocivos
da substància adictiva) e reforço operante (tanto o reforço positivo do efeito
máximo da droga quanto o efeito negativo associado ao uso da droga como um
meio de escapar ou evitar estados disfóricos fisicos e/ou mentais incluindo
aqueles associados com os efeitos posteriores negativos do uso anterior da droga).
Em termos apenas dos fatores condicionantes. um indivíduo que adqui
re um hábito adictivo não deve ser considerado mais "responsável" por este com-
portamento do que os cães de Pavlov seriam por salivarem ao som de uma cam-
painha. Além dos fatores de condicionamento clássico e operante. o uso de
drogas por humanos também é determinado. em grande parte. por expectativas e
crenças adquiridas sobre as drogas como um antídoto para o estresse e a ansiedade.
Os fatores de aprendizado social e de modelagem (aprendizado por observação)
também exercem uma forte influência (por exemplo. uso da droga na família
e grupo de amigos, juntamente com a exibição ampla do uso de drogas nos anúncios
e meios de comunicação). Simplesmente porque um problema comportamental po-
de ser descrito como um padrão de hábito aprendido, isto não implica que a pessoa
deva ser considerada responsável pela aquisição do hábito. nem que o indivíduo
seja capaz de exercer controle voluntário sobre o comportamento.
É importante notar, entretanto, que embora o hábito particular de um indi-
víduo tenha sido moldado e determinado por experiências passadas de aprendiza do
(pelas quais ele não deve ser considerado responsável), o processo de
mudança de hábitos envolve a participação ativa e a responsabilidade da pessoa
envolvida. Através do envolvimento num programa de automanejo. no qual o
indivíduo adquira novas habilidades e estratégias cognitivas, os hábitos podem ser
transformados em comportamentos sob a regulação de processos mentais
superiores, envolvendo conscientização e tomada responsável de decisões. À
medida que o indivíduo passa por um processo de descondicionamento.
reestruturação cognitiva e aquisição de habilidades. pode começar a aceitar maior
responsabilidade pela mudança do comportamento. Esta é a essência da abordagem
de autocontrole ou automanejo: pode-se aprender como escapar das muletas de um
ciclo vicioso de adicção, não importando como o padrão de hábito foi adquirido
originalmente (uma discussão adicional da adicção como um ciclo vicioso
aprendido é apresentada no Capítulo 5).
Prevenção de Recaída 11

Atribuições Diferenciais no Processo de Mudança de Hábitos


É importante salientar novamente a distinção entre o desenvolvimento inicial (e-
tiologia) de um comportamento adietivo e os fatores associados com a mudança desse
comportamento. Em contraste com o modelo de doença e sua ênfase sobre fatores
endógenos incontroláveis na etiologia da adicção, os teóricos do autocontrole têm
salientado que o indivíduo é capaz de exercer controle e assumir responsabilidade pelo
processo de mudança de um hábito adietivo. Pode-se assumir responsabilidade por
envolver-se ativamente no processo de mudança, do mesmo modo que na aquisição ou
domínio de qualquer nova habilidade ou tarefa. Essa abordagem endossa um
posicionamento proativo no processo de mudança de hábitos, em contraste com a
posição mais passiva e reativa de impotência pessoal inerente ao modelo de doença.
Uma premissa importante do modelo de comportamento adietivo é que as pessoas
podem aprender métodos efetivos de mudança de hábitos, quer o objetivo seja
abstenção ou moderação, não importando como o problema desenvolveu-se
inicialmente. Portanto, a tarefa enfrentada pelo alcoólico em abstinência é muito
similar à enfrentada pelo ex-fumante ou jogador compulsivo. Aqui, a ênfase muda de
"Por que" para "Como" - de "Por que sou um alcoólico e por que devo abster-me?"
para "Como saio desta armadilha? Como posso parar com este hábito antigo e
controlar sua ocorrência no futuro?"
A distinção entre a atribuição de responsabilidade pelo desenvolvimento de um
problema (quem deve ser culpado por um evento passado) e atribuição de
responsabilidade por uma solução (quem deve controlar os eventos futuros) foi
salientada em um excelente texto de Brickman e colaboradores (Brickman, Rabi-
nowitz, Karuza, Coates, Coohn & Kidder, 1982).(1) Os autores mostram quatro
modelos gerais que especificam as formas de comportamento quando as pessoas
tentam ajudar os outros ou ajudar a si mesmas. A essência de seu modelo quá druplo é
a seguinte:

No primeiro (chamado de modelo moral. em razão do uso passado deste termo), os


atores são considerados responsáveis tanto pelos problemas quanto pelas soluções e
acreditase que necessitam apenas de motivação apropriada. No modelo compensatório,
as pessoas são vistas como não responsáveis por problemas. mas responsáveis por
soluções. e acredita-se que necessitam de poder. No modelo médico. vêem-se os
indivíduos como não responsáveis nem pelos problemas nem pelas soluções e se cré que
precísam de tratamento. No modelo de esclarecimento. os atores são vistos como
responsáveis pelos pro blemas. mas incapazes ou relutantes quanto á oferta de soluções, e
acredita-se que precisam de disciplina (Brickman e cais., 1982, p. 368).

Examinemos as implicações dessa análise para a mudança do comportamento


adictivo. No modelo moral, as pessoas são consideradas responsáveis tanto pelo
desenvolvimento quanto pela solução de seus problemas. Os autores usam o hábito de
beber como um exemplo: "Sob o modelo moral, por exemplo, beber é
visto como um sinal de caráter fraco, exigindo que os bebedores exerçam força
de .
vontade e controlem a si mesmos, a fim de voltarem à sobriedade e à respeitabilidade"
(Brickman e cols., 1982, p. 370). A principal limitação do modelo moral, como
discutido na seção anterior, é que as pessoas são levadas a sentir culpa pelo

1. Material citado extraído de "Modes of Helping and Coping" por P. Brickman. V.C. Rabino-
witz, J. Karusa. D. Coates. E. Cohn, e L. Kindder. AmericanPsychologist. 1982.37,368-
384. Copyright 1982 pela American Psychologycal Association. Reimpresso com
permissão do editor e autores.
12 Marlatt & Gordon

desenvolvimento do problema e a pensar que, de alguma forma, falta-Ihes força de


vontade ou fibra moral se não conseguem alterar com sucesso seu comportamento.
O oposto do modelo moral, de acordo com Brickman e colaboradores, é o
modelo médico (idêntico ao modelo de doença, na discussão anterior), no qual nem a
doença nem o tratamento são responsabilidade da pessoa. "O modelo médico, em
nosso sentido, refere-se não apenas aos casos nos quais as pessoas supostamente são
vítimas da doença, mas a todos os casos nos quais as pessoas são consideradas como
estando sujeitas a forças que estavam e continuarão a estar alé m de seu controle"
(Brickman e cols., 1982, p. 372). A vantagem do modelo médico é que ele permite à
pessoa pedir e aceitar auxílio sem ser culpada por sua fraqueza; nessa abordagem os
mesmos sintomas que seriam punidos em outro modelo estão credenciados ao
tratamento. A deficiência desse modelo é que apóia a dependência de forças externas
no processo de mudança de hábitos. Em termos de tratamento da adicção, adeptos do
modelo podem vir a confiar no tratamento externamente aplicado (por exemplo,
hipnose ou terapia de aversão) como essenciais para a recuperação. Uma vez que o
tratamento termine ou que o indivíduo perceba o "desaparecimento" de seus
benefícios, a recaída pode ser iminente e não pode ser "controlada" pelo exercício dos
recursos do próprio indivíduo.
No modelo de esclarecimento, assim chamado porque a ênfase central é
colocada no "esclarecimento" dos participantes quanto à verdadeira natureza de seu
problema, as pessoas são consideradas responsáveis pela origem do problema (o que,
de outra forma, poderiam negar), mas não são responsáveis no sentido de autocontrole
pela solução do problema. Brickman e colaboradores (1982) citam os Ms como um
exemplo do modelo de esclarecimento:

Os Alcoólicos Anônimos (Ms)... exigem. explicitamente. que os novos adeptos assumam


responsabilidade por sua histôria passada de ingestão alcoólica (em vez de culparem um cônjuge.
o emprego. ou outras circunstãncias estressantes) e que admitam que está além de seu poder
controlar esta ingestão - sem o auxílio de Deus e da comunidade de exalcoólicos no Alcoólicos
Anônimos... Em consonância com as suposições do modelo de esclarecimento. os
alcoólicos que se juntam aos Ms têm um senso mais forte de culpa e responsabilidade
por seus problemas passados (Trice & Roman, 1970) e uma necessidade maior de
afiliação e comunidade (Trice. 1959). (Brickman e cols., 1982. p. 374).

Portanto, embora a ideologia dos Ms preste uma profissão de fé ao modelo de


doença em termos de etiologia, a ênfase subjacente, de acordo com Brickman, ainda é
a de aceitar responsabilidade pelo desenvolvimento do problema. O relevo sobre
erros passados, evidente no relato de episódios de embriaguez nos Ms,
provavelmente reflete esta tendência de culpar a si mesmo, assim como certos
"passos" no programa de 12 passos dos Ms (por exemplo, Passo nQ 5: "Admitimos a
Deus, a nós mesmos e a um outro ser humano sermos a natureza exata de
nossos erros" e Passo nQ 8: "Fizemos uma lista de todas as pessoas a quem
prejudicamos, e nos dispusemos a pedir perdão a todas elas"). Por que deveria alguém
com uma doença incontrolável sentir-se culpado e responsável por seus erros
passados? Por que existe tamanha insistência na admissão de ser um alcoólico (em vez
de aceitar o fato de ter experienciado problemas como resultado de ingestão
excessiva de álcool) e, ao mesmo tempo, em aceitar o véu do anonimato oferecido
pelos Ms ou outro de uma infinidade de outros grupos "Anônimos" (por exemplo.
Narcóticos Anônimos. Jogadores Anônimos, Adúlteros Anônimos, Pais Anônimos,
etc.)? Como Brickman aponta:

Representantes de todos os nossos modelos estão preocupados. até certo ponto. em


instruir as pessoas para que façam as atribuições apropriadas de responsabilidade pelas
Prevenção de Recaída 13

causas e soluções de seus problemas. No modelo de esclarecimento, entretanto, tais


atribuições exigem que a pessoa aceite uma imagem imensamente negativa de si mesma
e, a fim de melhorar, aceite um alto grau de submissão aos agentes do controle social.
Uma vez que as pessoas tendem a resistir a esta posição, a tentativa de esclarecê-Ios ou
socializá -Ios é a ênfase maior... A deficiência do modelo de esclarecimento reside no fato
de que ele pode levar a uma preocupação fanática ou obsessiva com certos problemas e a
uma reconstrução completa da vida da pessoa em tomo dos comportamentos ou rela-
cionamentos que visam a ajudá-Ia a lidar com os problemas. Essa é a crítica mais
freqüentemente pronunciada contra os Ms (por exemplo, Cummings, 1979)... e contra o
que a dieta significa para muitos que a ela se submetem. Os Alcoólicos Anõnimos reor-
ganizam a vida das pessoas, de modo a fazer com que permaneçam afastadas de seus
antigos locais e parceiros de bebida, mas elas retêm sua preocupação com o beber como
uma questão em sua vida e passam grande parte do tempo nos encontros dos Ms, com
novos amigos dos Ms... Aos convertidos é solicitado que repudiem seus antigos modos
de vida e realizem repetidamente atos que testemunhem este repúdio... Todas as cois as
ruins são atribuídas ao resíduo da vida de antes e todas as boas coisas creditadas à nova
vida: nessas circunstâncias, um enorme poder reside na ameaça de retirar o acesso à nova
vida e mandar as pessoas de volta à antiga. Na maior parte dos exemplos anteriores,
como no caso dos Alcoólicos Anõnimos, esse poder é difundido coletivamente por
grande número de amigos e companheiros de sofrimento. Em alguns casos, entretanto, é
concentrado em uma única autoridade carismâtica - um Charles Manson, um Jim Jones,
um Charles Dederich [o fundador da Synanon, uma das primeiras comunidades terapêu-
ticas para a reabilitação de adictos em narcóticos]- que busca formas progressivamente
maiores de compromisso dos seguidores... (Brickman e cols., 1982, p. 373-374).

o modelo final, que incorpora os princípios endossados no modelo da Prevenção


de Recaída, é o modelo compensatório. no qual as pessoas não são consideradas
responsáveis pelo desenvolvimento dos problemas (por exemplo, ter-se envolvido em
um padrão de hábito adietivo), mas são capazes de compensar suas
dificuldades. assumindo responsabilidade pela mudança no comportamento
mesmo em face de revezes ou "recaídas" aparentes. O tema subjacente deste modelo
tem sido vigorosamente articulado nos últimos anos pelo reverendo Jesse Jackson em
sua frase: "Você não é responsável por estar por baixo, mas é responsável por
levantar".

A força do modelo compensatório para o enfrentamento é que permite às pessoas dirigi-


rem suas energias para fora, trabalhando sobre a tentativa de solucionar problemas ou
transformar seu ambiente, sem se menosprezar por seu papel na origem desses proble-
mas, ou permitir que os outros os criem, em primeiro lugar. O modelo compensatório
também permite o auxilio para que seus receptores comandem o máximo respeito possí-
vel em seu ambiente social. Eles não são culpados por seus problemas, mas recebem
crédito por criar soluções. [Brickman e cols., 1982, p. 372).

Com relação a isso. vem-nos à mente a imagem dos indivíduos tipo "faça-você-
mesmo" que assumem responsabilidade ativa pelo entendimento e mudança das coisas
- incluindo seus próprios comportamentos. Na verdade, esta metáfora é boa para a
prevenção da recaída: podemos aprender a nos tornarmos nosso próprio "homem da
manutenção" no processo de mudança do comportamento adic tivo, em vez de
confiarmos em programas de tratamento externos ou na influência de um "poder
superior" como um agente de mudança. A pessoa torna -se um agente da mudança.
enquanto. ao mesmo tempo. evita tanto a culpa associada com o modelo moral quanto
a impotência e a perda de controle associados com o modelo de doença.
Os programas de autocontrole, embora freqüentem ente sejam identificados
como uma espécie de abordagem de "tratamento" comportamental. diferem da maioria
dos programas de tratamento baseados em fatores externos. no sentido de
14 Marlatt & GOrdOI1

ensinar o cliente a eventualmente tornar-se um agente da mudança. Essa distinção é


crucial ao entendimento do modelo PR. Aqui devemos recordar o antigo adágio
atribuído a Maimônides: "Dê a um homem um peixe e ele come um dia; ensine um
homem a pescar e ele come por toda a vida", Dar-lhe um peixe pode ser uma solução
temporária para o problema, mas ensiná -Io a pescar é, claramente, a melhor solução a
longo prazo. Nos programas de autocontrole, tais como o da PR, o objetivo é ensinar
aos clientes como "fazer as coisas" por conta própria. Como Brickman e seus
colaboradores concluem:

Finalmente, estamos inclinados a ver a terapia cognitivo-comportamental como incorpo-


rando as premissas do modelo compensatório. O terapeuta tem um papel limitado, mas
critico, de ensinar aos clientes como alterar processos cognitivos mal-adaptativos e con-
tingências ambientais... Uma vez ensinados a reconhecer e a controlar tais contingências,
espera-se que os clientes estabeleçam seus próprios padrões, monitorem seu próprio
desempenho e recompensem ou reforcem a si mesmos apropriadamente... (Brickman e
cols., 1982, p. 379-380).

Tópico Modelo de Autocontrole Modelo de Doença

Locus de controle . Pessoa é capaz de autocontrole . Pessoa é uma vítima de forças


além de seu controle

Objetivo do controle . Escolha de objetivos:


abstinência ou moderação
. Abstinência é o único objetivo

Filosofia de trabalho . Apóia distanciamento do


índivíduo quanto a seu
. Abordagem educacional

comportamento
. Equaciona o indivíduo com o
comportamento
. Abordagem médica/doença

Procedimentos de . Ensino de habilidades de . Confrontação e conversão .


tratamento
. enfrentamento comportamental
Reestruturação cognitiva .
Grupo de apoio
Dogma cognitivo

Abordagem geral
às adicções
. Busca de elementos comuns
entre os comportamentos
. Cada adicção é única

. adictivos
Adicção está baseada em
hábitos mal-adaptativos
. Adicção está baseada em
processos fisiológicos

Exemplos . Terapia
cogni tivo-comportamental
. Programas de tratamento
hospitalar (internação)
(ambulatório)
. Programas de autocontrole . . Tratamento de aversão
Programas de ingestão
controlada . AAs
Figura 1-1. Modelos de autocontrole e doença: abordagens alternativas ao tratamento dos
comportamentos adictivos.
Prevenção de Recaída 15

Comparações Entre os Modelos de Autocontrole e de Doença, na Adicção


Como um meio de resumirmos o material apresentado até aqui, vamos revisar as
principais diferenças entre o autocontrole compensatório e a abordagem mais
tradicional de doença no tratamento dos comportamentos adietivos. As diferenças são
apresentadas na Figura 1-1.

Locus de Controle
A essência do modelo de auto controle é que o indivíduo move-se de uma posição de
ser o "cliente", sob a orientação de um terapeuta, para uma posição na qual se torna
mais capaz de assumir responsabilidade pelo processo de mudança. Pode ser o caso de
uma preferência por um papel mais ativo no tratamento estar associada a uma
orientação de personalidade para um locus de controle interno (Lefcourt, 1976; Phares,
1976). O modelo de doença, por outro lado, vê o indivíduo como uma vítima de forças
além do controle pessoal. A adicção é vista como uma doença genética ou causada por
algum transtorno bioquímico, genético ou metabólico, forças que geralmente não são
consideradas sujeitas ao controle voluntário do indivíduo. Uma preferência por um
papel mais passivo no processo de tratamento pode refletir um loeus externo de
orientação do controle, no qual o indivíduo percebe o comportamento como estando
sob a regulação de impulsos internos incontroláveis, forças ou circunstáncias externas.

Objetivo do Tratamento
O modelo de doença defende vigorosamente a abstinência como o único objetivo
aceitável de tratamento. O compromisso com a abstinência, entretanto, não é
considerado uma cura, já que qualquer retorno ao uso da droga presumivelmente
desencadeia a doença latente. Em contraste com esta visão, o modelo de autocontrole
favorece uma seleção mais individualizada de objetivos de tratamento, que varia da
abstinência ao uso controlado ou moderado. Uma implicação-chave da abordagem de
autocontrole é que os comportamentos adictivos nem sempre são eficazmente tratados
pela insistência sobre limitações excessivas a tais comportamentos. A ênfase no
modelo de doença sobre a dicotomia de abstinência e excesso (controle absoluto x
perda do controle) tende a reforçar a oscilação dos comportamentos adictivos de um
para outro extremo, forçando o indivíduo a adotar um ou outro desses papéis
extremos. A partir da perspectiva do autocontrole. existe um "caminho intermediário"
alternativo ou posição de equilíbrio entre a limitação total e a indulgência total.

Filosofia de Tratamento
O modelo tradicional de doença freqüentemente tende a equacionar a pessoa
com seu transtorno; sua ingestão excessiva de álcool indica que você é um
alcoólico, ou seu uso de heroína indica que você é um adicto. Adeptos da
abordagem de autocontrole discordam da noção de que o comportamento de
uma pessoa (por exemplo, consumo alcoólico excessivo) deve ser tomado
como uma indicação de toda a identidade do indivíduo. Se não rotulamos uma
pessoa que tem cáncer como
I
16 Marlatt & Gordon

"cancérica", então por que deveríamos rotular uma pessoa que bebe em excesso de
"alcoólica"? No modelo de autocontrole, são feitas todas as tentativas para apoiar um
senso de distanciamento entre o comportamento-problema e a identidade ou
autoconceito da pessoa. Este distanciamento facilita uma abordagem objetiva e não-
crítica ao tratamento, no qual o cliente é treinado para tomar-se seu próprio cientista-
terapeuta pessoal, usando a observação objetiva do comportamento-alvo como os
"dados" essenciais com os quais trabalhar no tratamento (Mahoney, 1977). A ênfase
sobre os princípios de aprendizado social como base para a modificação de um
comportamento problemático ilustra a abordagem educacional do modelo de
autocontrole.

Procedimentos de Tratamento
o marco da abordagem de autocontrole ao tratamento é uma combinação de
habilidades de enfrentamento comportamental e técnicas de reestruturação cognitiva
(incluindo habilidades de enfrentamento cognitivo). Ademais, os procedimentos de
mudança no estilo de vida são freqüentemente incluídos nesta abordagem. Presume-se
que o paciente eventualmente será capaz de desempenhar habilidades e atitudes
recém-adquiridas sem a assistência de auxílios externos, tais como a disponibilidade
contínua do terapeuta ou algum grupo de apoio (por exemplo, os Ms). Em oposição, a
abordagem do modelo de doença seguido tenta mudar a orientação pessoal básica ou
sistema de crenças do "adicto" através de uma combinação de procedimentos de
enfrentamento e/ou técnicas de conversão (rendição do auto controle a um "poder
superior"). Em grupos tais como os Ms, o "poder superior" é de natureza religiosa ou
espiritual; em outros grupos, tais como o Synanon e algumas outras comunidades
terapêuticas para adictos, o poder é detido pela hierarquia organizacional do próprio
grupo. Uma vez que a mudança de comportamento exigida tenha ocorrido, ela é
reforçada por pressões de conformidade, exercidas por um grupo de companheiros.
Uma vez que os membros desses grupos oferecem apoio e estímulo para a adesão
contínua aos comportamentos exigidos e à filosofia da organização, qualquer
transgressão das regras freqüentem ente encontra punição e rejeição pelos iguais.
Freqüentemente é feita, nos grupos, uma tentativa para regular o comportamento dos
membros pelo uso de slogans simples, profecias e outros "dogmas cognitivos" (por
exemplo, "Você está sempre a apenas uma dose de ser um bêbado", "Bebo, bebido,
bêbado", etc).

Abordagem Geral às Adicções


Na abordagem de auto controle é feita uma tentativa para buscar os elementos comuns
entre vários comportamentos adictivos (Levison, Gerstein & MaloIT, 1983). Uma vez
que os problemas de comportamento adictivo presumivelmente são adquiridos com
base em padrões comportamentais de aprendizado mal-adaptativo. existe uma
concordància geral, entre os proponentes desse modelo, de que fatores comuns estão
envolvidos na aquisição e manutenção de tais comportamentos. A atual tentativa para
o desenvolvimento de um modelo comum de comportamentos adictivos é consistente
com a busca por elementos comuns. Em contraste. o modelo de doença tende a
reforçar a idéia de que cada adicção deve ser tratada como um transtorno único e
isolado. A tendência para tratar cada problema de comportamento adictivo como uma
entidade única é refletida na atual política
Prevenção de Recaída 17

administrativa e na política geral norte-americana. que encoraja a separação e


independência das pesquisas e programas de tratamento com diferentes proble mas de
adicção. O estabelecimento de institutos nacionais separados para o alcoolismo
(National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism) e para adicção de drogas
(National Institute on Drug Abuse) é um exemplo dessa política. assim como a
tradição geralmente aceita de distribuir clientes com problemas com álcool. abuso de
drogas. tabagismo e controle de peso para diferentes tipos de programas de tratamento
para cada "adicção".
A partir da discussão acima. está claro que os modelos de autocontrole e de
doença diferem de várias formas fundamentais. Os dois modelos sustentam premissas
básicas contrastantes acerca da etiologia e tratamento de problemas de adicção em
vários níveis. Será que isto significa que uma teoria é mais "correta" do que outra, ou
que o modelo de auto controle está começando a substituir a abordagem médica
tradicional; que estamos experienciando os primórdios de uma mudança de paradigma
(cf. Kuhn. 1970) em nosso entendimento básico da adic ção? Talvez. O que parece
claro. pelo menos, é que estamos nos aproximando de uma nova síntese de fatores
comportamentais, psicológicos e fisiológicos que nos darão uma perspectiva mais
ampla e harmoniosa sobre a natureza básica dos comportamentos adictivos e de como
tratá-Ios. Esta síntese pode sinalizar uma nova era na área das adicções, caracterizada
por uma nova abordagem empírica que ouse desafiar a influência de mitos não
testados e a retórica do dogma que tem mantido um firme domínio sobre a área das
adicções nas últimas décadas.

QUESTÕES RELACIONADAS À MANUTENÇÃO DA MUDANÇA DE HÁBITOS

Estágios de Mudança na Modificação de Comportamentos Adictivos


Na seção anterior, foi feita uma distinção entre atribuições de responsabilidade pelo
desenvolvimento de um problema e para sua solução. A mesma distinção pode ser
feita entre os determinantes presumíveis de um transtorno (etiologia) e os fatores
associados com o tratamento desse problema. quer o tratamento seja aplicado
externamente ou auto-iniciado. Tomemos o alcoolismo como o caso em questão.
Debates sobre a etiologia do alcoolismo (isto é. se é uma doença biomédica
geneticamente determinada ou um comportamento adictivo adquirido) levaram a uma
pletora de abordagens divergentes de tratamento. Dadas as presunções do modelo de
doença. os adeptos dessa abordagem provavelmente concordariam que um consenso
de opinião relativamente à causa deste transtorno ofereceria uma base para o
desenvolvimento de programas de tratamento unificados e eficazes. Uma vez que a
causa de uma doença seja conhecida. a busca por um tratamento eficaz é imensamente
facilitada. Esta visão está emaizada na premissa de que existe uma correspondência
entre a descoberta de fatores etiológicos válidos e o desenvolvimento posterior de
procedimentos efetivos de tratamento. Muitos apoiadores do modelo de doença
mantêm a opinião de que uma "bala mágica" bioquímica. derivada logicamente da
descoberta da etiologia médica do alcoolismo. oferecerá uma cura efetiva - similar ao
modo como a tuberculose foi tratada eficazmente com antibióticos. uma vez
descoberto que a doença era causada por um microorganismo específico (o
bacilo da tuberculose).
Atualmente. entretanto, existe pouca concordància entre os adeptos do
modelo de doença com relação à base fisiológica subjacente do alcoolismo ou
de qualquer outra adicção. Apesar dessa falta de consenso ou de evidências
empíri
18 Marlatt & Gordon

cas apoiando o modelo de doença, essa abordagem continua tendo um profundo


impacto tanto sobre o processo como sobre os objetivos do tratamento. Como
indicado anteriormente, os adeptos dessa visão são uniformes em sua insistência de
que os alcoólicos ou outras pessoas com adicção jamais podem exercer controle
voluntário sobre seu comportamento de consumo da droga e que a abstinência é o
único objetivo aceitável de tratamento.
A ausência de uma etiologia de consenso para o alcoolismo é refletida na ampla
variedade de métodos de tratamento atualmente promovidos por profissionais e leigos
que trabalham na área. Pode-se encontrar defensores de quase qualquer abordagem de
tratamento, indo da aversão química á conversão religiosa. Os programas de
tratamento nos Estados Unidos caracterizam-se por uma ampla variedade de técnicas
de intervenção, incluindo psicoterapia individual, conjugal e de grupo, regimes de
dietas, aversão química e elétrica, confronto e pressão social. treinamento do auto
controle comportamental. treinamento para o relaxamento e manejo do estresse,
terapia racional-emotiva, doutrinação religiosa e assim por diante. Alguns programas
operam com uma base na internação, com os pacientes pagando milhares de dólares
por várias semanas de tratamento hospitalar intensivo, enquanto outros adotam a
hospitalização parcial (por exemplo, programas de tratamento diurno) ou são
primariamente programas ambulatoriais. Alguns programas tratam os pacientes
dependentes de álcool juntamente com outros problemas de adicção (por exemplo,
adicção a opiáceos ou cocaína), enquanto a maioria prefere trabalhar exclusivamente
com alcoólicos. Muitos defensores da abordagem dos Ms argumentam que nenhuma
forma de tratamento administrada por profissionais (por exemplo, psiquiatras ou
outros profissionais da saúde mental) é tão efetiva quanto a do grupo de apoio mútuo,
que consiste de indivíduos que experienciaram, eles mesmos, problemas com o álcool.
Um estudo recente (Orford & Edwards, 1977) apresentou evidências de que, pelo
menos para alguns alcoólicos, a participação de um programa de tratamento
abrangente para o alcoolismo não pode ser mais eficaz do que algumas sessões breves
de aconselhamento e orientação sobre como parar de beber!
Em relato de um congresso recente, patrocinado pelo Office oJ Technology
Assessment (Saxe, Dougherty, Esty & Fine, 1983), os custos e a efetividade
do tratamento para o alcoolismo foram avaliados em uma determinação da tecnologia
médica utilizada pelo programa do Federal Medicare. Com base em revisão completa
das evidências disponíveis, os autores concluem:

Apesar das limitações metodológicas, as evidências disponíveis de pesquisas indicam


que ê melhor qualquer tratamento do alcoolismo do que nenhum... Entretanto. há poucas
evidências definitivas de que qualquer tratamento ou arranjo de tratamento ê melhor do
que outro. Alêm disso, estudos controlados descobriram tipicamente poucas diferenças
no resultado, em termos de intensidade ou duração do tratamento... Com relação à forma
de tratamento, existem poucas evidências para a superioridade do tratamento com inter-
nação ou ambulatorial. embora existam algumas evidências que apontam para a impor-
tãncia de cuidados posteriores contínuos como um adjunto à reabilitação intensiva de
curto prazo (geralmente com intemação). São necessárias pesquisas adicionais para que
se possa especificar como combinar paciente com tratamento e arranjo e para se testarem
as afirmações divergentes quanto à eficácia (Saxe e cols., 1983, p. 4-5).

Em discussão relacionada sobre a ampla variedade de programas de tratamento


do alcoolismo atualmente disponíveis, o relatório Saxe observa: "Os tratamentos para
o alcoolismo são diversificados, em parte porque os especialistas têm diferentes
opiniões acerca das causas do alcoolismo" (1983, p. 4).
Prevenção de Recaída 19

Diferentemente do modelo de doença, a abordagem de autocontrole oferece um


modelo de etiologia que realmente tem implicações diretas para o tratamento e para o
processo de recuperação. Os comportamentos adictivos são definidos como padrões de
hábitos adquiridos que podem ser modificados através da aplicação de procedimentos
de novo aprendizado. Os indivíduos podem aprender a mudar e podem aceitar
responsabilidade pessoal por sua própria recuperação. Vendose a recuperação como
uma tarefa de aprendizado, é possível reestruturar o processo de mudança de
comportamento associado com o tratamento e manutenção da mudança ao longo do
tempo. Essa reestruturação envolve a adoção de novas premissas sobre o tratamento e
mudança comportamental: 1) que o desenvolvimento inicial de um hábito adictivo
(etiologia) e o processo de mudança comporta mental (isto é, abstenção ou uso
moderado) podem ser governados por diferentes fatores ou princípios de aprendizado;
2) que o processo de mudança de hábitos envolve pelo menos três estágios distintos -
compromisso e motivação (preparação para a mudança), implementação da mudança
comportamental específica (por exemplo, cessação do uso da droga) e manutenção do
comportamento a longo prazo); que o terceiro estágio, manutenção da mudança,
explica a maior proporção de variação associada com resultados do tratamento a longo
prazo. Examinemos cada uma dessas premissas separadamente.
A primeira premissa afirma que os fatores associados com o desenvolvimento
inicial de um comportamento adictivo podem ser independentes dos fatores associados
com a mudança do comportamento. Em comparação, se se acredita que o alcoolismo,
por exemplo, é causado por um defeito fisico, metabolismo disfuncional ou aberração
genética, pode-se vir a esperar que uma mudança no comporta mento de ingestão
alcoólica possa apenas ser causada por procedimentos de intervenção biomédica. Para
ilustrarmos esse modo de pensamento acerca do rela cionamento presumido entre
etiologia e tratamento, consideremos o exemplo seguinte. Durante uma visita recente a
um programa de tratamento do alcoolismo com internação hospitalar em Seattle,
fiquei surpreso por descobrir que aproximadamente 1/3 dos pacientes eram
diagnosticados como adictos a cocaína. Apesar da mistura da clientela, todos os
pacientes eram tratados pelo mesmo programa, com uma ênfase sobre os encontros
dos AAs e uma mudança para uma dieta baixa em açúcar e alta em proteínas (o
alcoolismo presumivelmente é causado por metabolismo anormal, neste programa
particular). Quando pedi que o diretor explicasse a racionalização para o tratamento de
adictos em cocaína e alcoólicos de um modo idêntico, ele disse que, já que é bem
conhecido que a maioria dos indivíduos que abusa de cocaína tem uma história
familiar de alcoolismo (etiologia genética comum), fazia sentido expô-Ios ao mesmo
programa de tratamento.
A motivação para a mudança pode ser prejudicialmente influenciada por essa
espécie de foco sobre fatores causais incontroláveis. Como uma alternativa a essa
visão pessimista, os clientes podem ser lembrados que a adicção em geral permanece
um problema de etiologia específica desconhecida, que todas as evidências existentes
apontam para esta ser uma coleção de transtornos psicossomáticos com múltiplos
determinantes (descobriu-se que fatores psicossociais, biológicos, desenvolvimentais,
comportamentais e ambientais exercem um papel). Muitos desses fatores etiológicos
são, na verdade, controláveis, enquanto que outros são menos suscetíveis ao controle.
Como um incentivo adicional à mudança, pode ser útil discutir outros transtornos
de etiologia desconhecida nos quais a mudança comportamental eficaz épossível, Um
exemplo é a gagueira: os indivíduos podem aprender a controlar ou erradicar um
problema de gagueira, embora a etiologia exata deste transtorno
20 Marlatt & Gordon

permaneça um mistério. Um outro exemplo é o tabagismo: muitos indivíduos


conseguiram parar de fumar, embora a etiologia da dependência do tabaco permaneça
uma questão sem resposta (por exemplo. adicção fisiológica à nicotina x um padrão de
hábito hiperaprendido). O importante. nestes exemplos. é demonstrar que as pessoas
podem realmente alterar, com sucesso. seu comportamento. e que um hábito adictivo é
um comportamento controlável. embora a etiologia seja de terminada por múltiplos
fatores. alguns dos quais não são passíveis de mudança (por exemplo. predisposição
genética).
A segunda premissa afirma que o processo de mudança de um padrão de hábito
envolve pelo menos três estágios distintos. Outros investigadores propuseram estágios
similares no processo de mudança de hábitos; em um documento recente sobre a
automudança no hábito de fumar, Prochaska e DiClemente (1983) descrevem cinco
estágios: pré-contemplação e contemplação (antes do abandono), ação (ato de
abandonar), manutenção e recaída (ver também Prochaska & DiCle mente. 1982). Em
nossa própria análise dos estágios de mudança, o primeiro estágio envolve a
motivação e o compromisso para mudar. Uma multiplicidade de fatores pode estar
envolvida no desejo de um indivíduo para abster-se ou controlar o consumo. incluindo
conscientização sobre conseqüências negativas a longo prazo (efeitos negativos sobre
a saúde. bem-estar pessoal. vida social e familiar. situação ocupacional, etc), o
fracasso do uso da droga para oferecer efeitos benéficos apesar de crescentes níveis da
dose (tolerància aumentada), confronto com outros significativos. contato com ex-
adictos bem-sucedidos, crise espiritual. mudança significativa no estilo de vida e
assim por diante. Uma vez que a motivação para parar tenha sido desenvolvida. o
indivíduo pode ou não formar um compromisso específico para mudar. decidindo
começar a abster-se ou a moderar o consumo em um determinado momento e local.
Com bastante freqüência. as pessoas tomam uma decisão impulsiva de cessar o
comportamento adictivo sem primeiro considerarem cuidadosamente todos os fatores
motivacionais envolvidos; como resultado, o compromisso pode ser fraco e de curta
duração. Os profissionais envolvidos no tratamento precisam prestar maior atenção ao
estágio de motivação e compromisso da mudança, a fim de melhorarem a "prontidão"
dos clientes para ingressarem programa específico de mudança. A menos que o
terreno seja firmemente preparado e o compromisso de mudança do indivíduo seja
sólido e baseado em uma decisão sensata, o compromisso prematuro pode levar a
experiências de autoderrotismo, de fracasso e a uma relutància em formar novo
compromisso com o processo de mudança.
O segundo estágio no processo de mudança de hábitos é a implementação da
própria mudança - o ato de abandonar ou a aplicação inicial de estratégias de controle.
Para aqueles que decidem buscar auxílio no processo de abandono da adicção, esse
estágio corresponde à fase básica de tratamento. Com demasiada assiduidade, os
clientes concentram-se sobre este aspecto da mudança até a explicação relativa dos
estágios de motivação/compromisso e manutenção. Para tais indivíduos, o ato de
abandonar a adicção toma-se uma preocupação central. como se a própria decisão de
mudar fosse equivalente a um resultado eficaz de tratamento. Na verdade. o ato de
abandonar é similar ao de embarcar para uma viagem quando se sai de casa pela
primeira vez para uma extensa jornada. Aqui, o ato da partida (abandono) é apenas o
primeiro passo da jornada, o limiar da partida (a metáfora de jornada, para a mudança.
é discutida em maiores detalhes no Capítulo 4). Embora exista uma variedade de
métodos que podem ser empregados para facilitar o início da abstinência ou controle
(por exemplo. aversão, contrato de contingência. métodos de diminuição. assumir uma
promessa solene
Prevenção de Recaída 21

ou voto de abandonar a adicção, controle do estímulo, etc.), é um engano enfatizar


demasiadamente nesse estágio do processo de mudança. Se o indivíduo acredita que a
mudança completou-se com sucesso após o uso da droga ter cessado, pouca atenção
será dada aos perigos e demandas da jornada à frente, durante o estágio de
manutenção. Como Mark 1\vain disse certa vez sobre sua capacidade de parar de
fumar, o abandono, em si, é uma tarefa fácil - ele fora capaz de fazer isso centenas
de vezes. Permanecer sem o tabaco, entretanto, é um empreendimento muito mais
difícil.
O estágio final e mais importante do processo de mudança é o estágio de
manutenção (que começa no momento após a iniciação da abstinência ou controle),
durante o qual o indivíduo deve lutar mais arduamente para manter o compromisso de
mudança ao longo do tempo. É nesse estágio que a pessoa enfrenta múltiplas
tentações, estressores e a pressão de poderosos padrões de hábito antigos. Como
relatado no trabalho de Rudolph Moos e seus colaboradores (por exemplo, Cronkite &
Moos, 1980; Moos & Finney, 198), a maior parte da variação associada com resultado
a longo prazo no tratamento do alcoolismo pode ser explicada pelos eventos que
ocorrem após o tratamento ter sido completado e o paciente ter recebido alta do
hospital. Muitos alcoólicos tratados em internação relatam que tiveram pouca ou
nenhuma "fissura" por beber enquanto hospitalizados. Esta ausência de "fissura" pode
levar à impressão ilusória de que o tratamento foi eficaz e que a vontade de beber foi
permanentemente erradicada. A volta ao ambiente pré-tratamento amiúde sacode esta
confiança ilusória, à medida que a "fissura" por beber retoma em resposta a velhos
estressores e sinalizadores* da bebida. O fracasso para antecipar e lidar com o retomo
tais anseios após o tratamento pode colocar a pessoa em risco para uma recaída
precoce.
Uma resposta típica à alta taxa de recaídas na área do tratamento da adicção tem
sido aumentar o número de técnicas de tratamento iniciais e construir um pacote de
tratamento multimodal ou abrangente e de amplo espectro. A premissa subjacente aqui
parece ser a de que, se acrescentamos suficientes componentes ao programa de
tratamento inicial, os efeitos sobre o resultado do tratamento de alguma forma durarão
mais tempo. Essa tendência tem-se tornado progressiva mente clara, nos últimos anos.
Com relação ao tratamento do alcoolismo, por exemplo, os programas de intervenção
comportamental têm mudado de um foco concentrado sobre uma ou mais modalida des
primárias de tratamento (por exemplo, terapia de aversão) para uma abordagem de
bombardeio, no qual todas as técnicas que possivelmente possam provar eficácia são
jogadas no terreno. Um pacote de tratamento comportamental multimodal para o
alcoolismo poderia incluir os seguintes componentes: contracondicionamento
aversivo, treinamento de relaxamento, dessensibilização sistemática, treinamento de
habilidades, técnicas de controle dos impulsos, autoconfrontação com gravação em
Videoteipe, treinamento para discriminação do nível alcoólico sangüíneo, biofeedback
por eletromiograma (EMG), enfrentamento e manejo de contingência, treinamento da
assertividade e tudo o mais, exceto o armário de bebidas. Tudo isto representa a
artilharia pesada - e, ainda assim, tudo o que isto pode fazer é projetar a bala de
canhão um pouco mais adiante antes de finalmente cair ao chão.
Há dois obstáculos importantes à abordagem multimodal de tratamento. Em
primeiro lugar, evidências recentes sugerem que quanto mais técnicas e procedimentos
aplicamos em qualquer caso tratado, mais difícil toma -se, para o cliente, manter a
adesão às exigências do programa (Hall, 1980). Em segundo lugar, mui

Cues, no angina!. (N.R.)


22 Marlatt & Gordon

tas, se não todas as técnicas de intervenção, dirigem-se primariamente apenas à


mudança inicial do comportamento, e não para a manutenção a longo prazo desta
mudança. Muitos programas atuais de tratamento para o tabagismo, para tomarmos
outro exemplo, administram a maior parte dos procedimentos antes da dataalvo para a
cessação.
Qual o melhor modo de conceitualizar o estágio de manutenção da mudança de
hábitos? Há dois modos de pensar sobre esse estágio. Uma abordagem é considerar o
estágio de manutenção como um período que segue o tratamento inicial durante o qual
os efeitos do programa de tratamento gradualmente desaparecem com o tempo. A
partir dessa perspectiva, o tratamento é efetivo ao máximo nos estágios iniciais, em
especial logo após o tratamento ter sido completado. Como uma nova camada de
verniz, os efeitos do tratamento parecem bons à primeira vista, e começam a
desaparecer apenas gradualmente, à medida que o tempo passa. Vistas desta maneira,
as taxas de recaída são baixas no início (quando os efeitos residuais do tratamento
presumivelmente são mais fortes) e aumentam em probabilidade à medida que
aumenta o tempo a partir do final do tratamento. Um bom exemplo desta abordagem é
a presumida eficácia da terapia de aversão para o alcoolismo (Cannon, Baker & WehI,
1981). Presumivelmente, os efeitos da aversão são mais fortes imediatamente após o
tratamento; à medida que o tempo passa, entretanto, a aversão condicionada começa a
desaparecer e a perder sua
eficácia (Marlatt, 1983). Poderíamos esperar que as taxas de recaída aumentassem
com o tempo, como um resultado desta erosão da resposta de aversão, a menos que
sessões de reforço fossem administradas para melhorar os efeitos do tratamento inicial.
As taxas de recaída, de acordo com essa abordagem, devem asseme lhar-se à curva de
queima (tecnicamente conhecida como uma distribuição de Weibul) para objetos
mecánicos, tais como lámpadas. Se pudéssemos traçar o tempo no qual as lãmpadas
queimam-se após o uso contínuo, a curva resultante mostraria que a maior parte das
queimas (ou recaídas, no nosso caso) ocorreriam ao final do período de tempo, muito
depois da fabricação da lámpada (ou período inicial do tratamento). Uma curva similar
poderia ser prevista para taxas de recaída após o tratamento para o alcoolismo,
especialmente se a maior parte do programa de tratamento é voltada para o estágio de
cessação (por exemplo, terapia de aversão).
Uma conceitualização alternativa para o estágio de manutenção é vê-Io como
uma oportunidade para a ocorrência de novo aprendizado. Se vemos a abstinência ou
moderação como formas aprendidas de controle, então o estágio de manutenção toma-
se um estágio no qual velhos hábitos são "desaprendidos" e novos comportamentos
adaptativos são adquiridos para substituírem a resposta proble mática anteriormente
dominante. A manutenção, a partir desta perspectiva. deve envolver um processo
gradual de novo aprendizado. O indivíduo engaja-se numa série de "experiências de
aprendizado" nas quais novos modos de resposta a velhas situações de tentação são
adquiridos de forma gradual. Como ocorre com qualquer novo aprendizado (em
particular quando se tenta substituir um comportamento antigo e bem enraizado por
novos padrões adaptativos), o aprendizado durante os estágios iniciais de manutenção
freqüentemente envolve um processo de tentativa-e-erro, à medida que o
comportamento recentemente adquirido torna-se estabelecido com o tempo. A tarefa,
durante a manutenção. não é diferente de aprender a dirigir um automóvel com cãmbio
comum na Inglaterra, quando se aprendeu a dirigir automóvel com câmbio automático
nos Estados Unidos - imagine um motorista norte-americano enfrentando o
aprendizado de novas respostas (demonstrando competência com o câmbio,
aprendendo a dirigir na pista ã es
Prevenção de Recaída 23

querda em vez da direita. etc.) enquanto ao mesmo tempo precisa inibir padrões de
respostas antigos e já dominantes, hiperaprendidos ao longo de anos de experiência
anterior. Como ocorre com qualquer tarefa de aprendizado nova e dificil. pode-se
esperar que o indivíduo cometa vários equívocos até que novos padrões de hábitos se
estabeleçam firmemente. Os lapsos na atenção podem resultar em situações de risco
(por exemplo. esquecer de permanecer na pista à esquerda) e os equívocos realmente
podem ocorrer. Com cada um desses equívocos, entretanto, o motorista aprende algo
novo - como manobrar eficazmente através de confusos desvios na Inglaterra. ou como
entrar à direita em um fluxo de tráfego contínuo. Cada equívoco leva consigo a
oportunidade para a ocorrência de novo aprendizado.
A extensão desta metáfora para o estágio de manutenção da mudança de hábitos
conduz a uma nova conceitualização do que se espera desse período. Diferentemente
do efeito de dissipação do tratamento descrito com referência aos efeitos do tratamento
de aversão. o presente modelo sugere que mais equívocos (lapsos) tendem a ocorrer
nos estágios iniciais da recuperação pós-tratamento, quando o indivíduo tenta
consolidar novas respostas a velhos estímulos. A taxa de equívocos ou recaídas
durante o estágio de manutenção assemelha-se a uma curva de aprendizado clássica. na
qual os primeiros equívocos são gradualmente reduzidos à medida que o indivíduo
domina um novo padrão de resposta. O curso do progresso é, portanto. gradualmente
crescente. à proporção que a taxa de equívocos começa a estabilizar-se, em contraste
com o fenõmeno da queima, com sua curva básica para baixo. ao longo do tempo. Na
curva de dispersão ou de dissipação do tratamento. a probabilidade de recaída aumenta
com o tempo, enquanto na curva de aprendizado. a probabilidade diminui enquanto o
tempo passa. Análises do processo de recaída ao longo do tempo. com vários
comportamentos adictivos (por exemplo. Hunt. Barnett & Branch. 1971) mostram que
a estabilização da taxa de recaída após o tratamento começa aproximadamente 90 dias
após o início da abstinência. Antes disso, as taxas de recaída são altas, sobretudo no
primeiro mês. A partir do quarto mês. entretanto, a probabilidade de permanecer em
abstinência durante todo o curso do ano estabiliza-se.
De importãncia central nesta análise é o que os pacientes ou clientes esperam em
relação ao curso de eventos durante o estágio de manutenção: será que esperam uma
melhora gradual ao longo do tempo ou uma deterioração da eficácia do tratamento?
Crenças acerca do curso do resultado do tratamento podem exercer um papel
significativo na determinação do resultado real. Se. por outro lado. as pessoas
acreditam que um lapso indica o colapso ou fracasso do tratamento orientado para a
abstinência (presumivelmente determinado por fatores de doença endógena
incontroláveis), podem estar mais propensos a abandonar os esforços por mudança e se
resignar ao curso inevitável para baixo. com recaída, como previsto pelo modelo de
doença. Por outro lado. se as pessoas vêem um lapso como um equívoco, como uma
oportunidade para novo aprendizado e crescimento pessoal. estarão menos propensas a
desistir do controle e para "ceder" à recaída.
O que parece crucial no processo de recuperação é o modelo teórico subja cente
do indivíduo para o "quadro completo" de como presumivelmente funciona o
tratamento e como ele se relaciona com o estágio de manutenção. Faz mais sentido.
assim. darmos aos nossos clientes uma visão otimista da recuperação. com espaço para
erros e deslizes como uma parte esperada do novo aprendizado durante o estágio de
manutenção. do que apresentarmos uma visão pessimista na qual altas taxas de recaída
presumivelmente são causadas por mecanismos internos de doença ou por uma
"chave" bioquímica que não pode ser controlada pelo indivíduo. Uma outra fonte de
expectativas negativas é que. de acordo com esta
24 Marlatt & Gordoll

tísticas normativas de resultados, pode-se esperar que o indivíduo tenha apenas cerca
de uma chance em cinco (taxa de sucesso de 20%) de atingir o sucesso (por exemplo,
abster-se com sucesso por um ano). Ao deparar-se com taxas esperadas de recaída de
80%, a maioria das pessoas compreensivelmente sente -se pessimista acerca de suas
próprias chances para o sucesso. Esses dados sobre taxas de recaída, entretanto,
freqüentemente são enganadores, já que estão baseados em dados tomados de
programas formais de tratamento e, portanto, não incluem taxas para aqueles que
abandonam espontaneamente a adicção, mas, em vez disso, com assiduidade
envolvem clientes que têm a menor chance prognóstica de sucesso (por exemplo,
casos crônicos). Finalmente, mesmo se as chances de sucesso são relativamente baixas
em qualquer tentativa de tratamento, esses núme ros não nos dizem qualquer coisa
sobre o efeito cumulativo de múltiplas tentativas para mudar, ao longo do tempo.
Se vemos cada tentativa de mudar um hábito adictivo como uma experiência
isolada, cada tentativa de mudar os efeitos cumulativos do aprendizado ao longo das
experiências pode trazer o indivíduo sucessivamente mais próximo ao limiar de uma
mudança duradoura de hábito. O indivíduo pode aprender, por exemplo, que certas
situações de alto risco para a recaída devem ser evitadas, ou que novos modos de lidar
com a pressão social para beber são necessários, ou que deve exercer vigiláncia
adicional enquanto está em viagens de férias e assim por diante, a cada ocorrência de
um lapso. À medida que este novo conhecimento acumula se ao longo do tempo e
novas respostas são praticadas Ú1 vivo, o indivíduo pode descobrir que o sucesso
eventual é provável - que a probabilidade de sucesso final aumenta com suas
tentativas. Este novo modo de conceitualizar o processo de mudança de hábitos
recebeu apoio em estudo relatado por Schachter (1982). Schachter entrevistou pessoas
em Nova Iorque, envolvendo suas histórias de sucesso a longo prazo para a mudança
nos hábitos de fumar ou comer em excesso. Em agudo contraste com as altas taxas de
recaída relatadas na literatura para tentativas isoladas de tratamento descobriu que
seus sujeitos relatavam uma taxa de sucesso final muito superior, ao examinarem
retrospectivamente suas vidasna faixa de 60 a 70%. Ao final. as pessoas relatavam
sucesso na cessação do hábito de fumar (em geral sem tratamento formal) ou perda de
peso. Embora não existam dados comparáveis disponíveis para pessoas que pararam
efetivamente de beber, algumas evidências sugerem que o mesmo padrão de
resultados pode ser obtido, pelo menos para aqueles que abandonam a bebida
espontaneamente (Tuchfeld, 1981).
Como abordagens teoricamente diferentes quanto ao tratamento e à manutenção
comparam-se, em termos de resultados do tratamento? Para ilustrar os diferentes
resultados, examinemos dois estudos de resultados de tratamento para alcoolismo
conduzidos em nosso laboratório (detalhes de ambos os estudos são oferecidos no
Capítulo 2). O primeiro estudo (Marlatt, 1973) foi uma investigação sobre a eficácia
da terapia de aversão elétrica conduzida com alcoólicos crônicos do sexo masculino.
Os pacientes receberam sessões diárias de terapia de aversão (o choque elétrico era
aplicado simultaneamente com a visão e odor de bebidas alcoólicas em experiências
repetidas) além de seu programa habitual de orientação para a abstinência, com
internação hospitalar. No segundo estudo, também conduzido com alcoólicos
masculinos crônicos (Chaney, O'Leary & Marlatt, 1978), os pacientes receberam
treinamento para a prevenção de recaída, além do programa habitual com internação
hospitalar (também voltado para a abstinência). No programa de prevenção de recaída,
os pacientes engajavam-se em dramatizações em grupo e em discussões nas quais
ensaiavam respostas adaptativas a situações de
Prevenção de Recaída 25

alto risco para a recaída (por exemplo, lidar com frustração e raiva, treinamento para a
recusa a bebidas em situações de pressão social, como lidar com anseios por bebida).
Em ambos os estudos, todos os pacientes foram acompanhados por, pelo menos, um
ano, após o tratamento. Embora em ambos os estudos o programa de tratamento
experimental (aversão ou treinamento para a prevenção de recaída) não produzisse
diferenças significativas nas taxas de abstinência durante o acompanhamento,
comparados aos grupos de controle, diferenças significativas foram obtidas, quando
examinamos as taxas de ingestão alcoólica dos pacientes que bebiam pelo menos uma
dose durante o período de acompanhamento. Como pode ser visto na Figura 1-2, as
taxas de ingestão alcoólica, associadas com o resultado dos dois programas, mostram
padrões acentuadamente diferentes.

Figura 1-2. Taxas de ingestão alcoólica pós-tratamento para pacientes e controles não-absti-
nentes. Os pacientes receberam terapia de aversão elétrica (lado esquerdo) ou treinamento de
habilidades para a prevenção de recaída (lado direito). As taxas representam a porcentagem de
ingestão alcoólica básica pré-tratamento. Extraído de 'The Controlled-Drinking Controversy: A
Commentary" por G. A. Marlatt, American Psychologist, 1983, 38. 1103. Copyright 1983 por
American Psychologican Association, reimpresso com permissão.

Os pacientes no grupo de aversão (lado esquerdo da Figura 1-2) mostram um


padrão de melhora significativa no período de acompanhamento inicial (três meses)
relativamente ao grupo-controle, mas esta diferença desaparece no próximo
acompanhamento conduzido um ano depois (15 meses). As taxas de ingestão alcoólica
para pacientes que receberam o programa de aversão realmente aumentaram
relativamente aos controle s no acompanhamento em 15 meses, um achado que apóia o
efeito de "dispersão" do tratamento descrito anteriormente. Uma vez que tais pacientes
não receberam quaisquer sessões de reforço do tratamento, após o programa inicial, os
efeitos positivos iniciais parecem deteriorar-se à medida que o tempo passa. Em
contraste, os pacientes que receberam treinamento para a prevenção de recaida (lado
direito da figura) mostravam uma melhora significativa durante o curso do ano após o
tratamento, embora suas taxas inic iais de ingestão alcoólica (em um mês após o
tratamento) realmente excedessem aquelas do grupo de controle que recebia apenas
tratamento regular com internação. Em outras palavras, as taxas de ingestão alcoólica
dos sujeitos que receberam treinamento de habilidades para a recaída mostram uma
melhora gradual ao longo do tempo - eles parecem ficar melhor ao longo do curso do
ano, presumivelmente
26 Marlatt & GOrdOI1

enquanto suas novas habilidades de enfrentamento se estabelecem com o tempo. Em


ambos os casos, o grau de "sucesso" do tratamento depende de que parte da fase de
recuperação pós-tratamento se observa: o tratamento de aversão parece ser mais eficaz
nos primeiros estágios, enquanto o treinamento de prevenção de recaída não se mostra
tão eficaz. até mais tarde no processo de recuperação. Se tais resultados forem
replicados, pode ser o caso de uma combinação de ambos os métodos de tratamento
mostrar-se mais efetiva do que qualquer um deles administrado isoladamente. A
aversão pode ser um estratégia de tratamento efetiva. durante o estágio de cessação
(para ajudar as pessoas a abandonarem o hábito inicialmente), enquanto o treinamento
de PR pode facilitar a recuperação a longo prazo, durante o estágio de manutenção.

Autocontrole como uma Abordagem à Manutenção


A última década presenciou um grande e renovado interesse pela aplicação de
programas de auto controle ou automanejo com uma ampla variedade de transtornos
de comportamento (por exemplo, Goldfried & Merbaum. 1973; Karol & Kanfer,
1982; Mahoney & Thoresen, 1974; Stuart, 1977; Thoresen & Mahoney. 1974).
Embora o trabalho inicial nesta área estivesse focalizado sobre o uso de procedimentos
operantes. tais como controle do estímulo e técnica de auto-reforço (Skinner, 1953),
abordagens mais contemporáneas salientam os componentes cognitivos (por exemplo,
reestruturação cognitiva, treinamento para a solução de proble mas e tomada de
decisões, etc.). A base cognitivo-comportamental do modelo PR promove a
combinação de componentes selecionados dos domínios tanto comportamental quanto
cognitivo, no desenvolvimento de um programa de manutenção efetivo.
Que elementos compreendem um programa ideal de autocontrole para a
manutenção da mudança comportamental? Embora as pesquisas sobre a eficácia de
várias combinações de procedimentos ainda estejam nos estágios iniciais de
desenvolvimento, a seguinte relação de características ideais pode ser tomada como
uma orientação geral:

1. O programa ideal deve provar ser eficaz para a manutenção da mudança de


comportamento por períodos clinicamente significativos de tempo, após o
tratamento inicial (como demonstrado no acompanhamento a longo prazo)
comparado com os melhores programas alternativos disponíveis.
2. O programa ideal deve melhorar e manter a adesão do indivíduo às exigências
do programa (por exemplo, continuação de técnicas exigidas. tais como
confecção de diário, treinamento para o relaxamento, ensaio de novas
habilidades, etc.).
3. O programa ideal deve consistir de um misto de técnicas comportamentais
específicas (por exemplo. treinamento de habilidades. enfrentamento de
contingências, etc.), procedimentos de intervenção cognitiva (por exemplo,
reestruturação cognitiva. maior atenção à ideação encoberta. como
racionalização e negação, uso de imagens mentais de enfrentamento, etc.) e
modificação global do estilo de vida para melhorar a capacidade geral de
enfrentamento (por exemplo, procedimentos e exercícios de enfrentamento
do estresse).
Prevenção de Recaída
27

4. Além de ensinar estratégias cognitivas, enfrentamento comportamental e


mudança no estilo de vida, o programa ideal deve também facilitar o
desenvolvimento de motivação e habilidades de tomada de decisões como
as aplicadas às mudanças contínuas que ocorrem durante a fase de
manutenção.
5. Para aumentar a adesão e eficácia geral, o programa ideal deve incluir um
equilíbrio de componentes de intervenção do "cérebro direito" e do "cérebro
esquerdo". As análises teóricas da especialização do hemisfério cerebral (d.
Ornstein, 1977) sugerem que os hemisférios esquerdo e direito estão
associados com diferentes "operações mentais" o hemisfério esquerdo
(dominante na maioria das pessoas destras) supostamente é o centro dos
processos lineares de pensamento (verbalização, pensamento lógico e
matemático, etc.), enquanto o hemisfério direito ou não-dominante está mais
associado com funções não-verbais (imaginação, habilidades artísticas,
padrões espaciais e intuição). Um dos preceitos centrais
do modelo PR é que uma combinação de procedimentos tanto verbais quanto
não-verbais (imaginação) oferece a melhor proteção contra a recaída.
6. O programa ideal deve substituir padrões de hábitos mal-adaptativos por
comportamentos e habilidades alternativos, com uma ênfase sobre atividades
substitutas que ofereçam ao indivíduo pelo menos algumas das conseqüências
reforçadoras (gratificação) associadas com o antigo padrão de hábitos. Por
exemplo, uma adicção negativa pode ser substituída por uma positiva,
sobretudo se o engajamento neste último comportamento também produz um
prazer subjetivo ou estado alterado de consciência (como parece ser o caso da
meditação e algumas formas de exercícios).
7. O programa ideal deve possibilitar ao indivíduo lidar efetivamente com novas
situações problemáticas, á medida que surgem, para reduzir a probabilidade
de recaída. Para tanto, um programa efetivo de autocontrole deve ter
componentes embutidos de generalização que visem ensinar o cliente a
identificar e a lidar com problemas que podem não ter sido especificamente
abordados no programa de tratamento inicial. O treinamento para a solução
de problemas gerais, tomada de decisões eficazes, habilidades de
comunicação e habilidades de assertividade são algumas das abordagens
mais globais que podem ser usadas para aumentar os efeitos de generalização
do tratamento. Além desses procedimentosge rais de enfrentamento, o uso
efetivo de engenharia do estilo de vida e habilidades de enfrentamento do
estresse (por exemplo, programas de
manejo do tempo, treinamento para o relaxamento, etc.) pode aumentar a
capacidade e a energia do indivíduo para lidar com novas situações
problemáticas.
8. Em acréscimo ao incremento dos efeitos de generalização em novas situações-
problema, o programa de autocontrole ideal deveria ensinar ao cliente formas
novas e adaptativas de lidar com experiências de fracasso. Deveria ser feita
uma tentativa de ensinar ao indivíduo que reveses podem ser vistos não
como fracassos, mas como equívocos que podem prover valiosas
informações possíveis de serem usadas no desenvolvimento de estratégias de
enfrentamento mais efetivas no futuro.
9. O programa ideal deve fazer uso dos sistemas de apoio do cliente para
melhorar os efeitos de generalização do tratamento. Devem ser feitas
28 Marlatt & Gordon

todas as tentativas para recrutar o apoio cooperativo de outras pessoas que


tendem a ter contato com o cliente. Membros de sua família ou indivíduos
de seu local de trabalho devem ser recrutados para oferecer apoio e estímulo.
Pesquisas recentes sobre a ação de cônjuges e outros membros da família
como provedores de apoio para clientes com proble mas de comportamento
adictivo mostram apresentam consideráveis da dos promissores (d. Brownell,
Heckerman, Westlake, Hayes & Monti,
1978; McCrady, Paolino, Longabaugh, & Rossi, 1979). Ademais, pacientes
com problemas similares que compartilham uma orientação teórica ou
filosófica podem ser encorajados a se reunirem em grupos de ajuda mútua,
para oferecerem uns aos outros apoio e estímulo na tentativa coletiva para
manter a mudança.

DETERMINANfES DA RECAÍDA E VISÃO GERAL DO PROCESSO DE RECAÍDA

Nesta seção, é apresentado uma visão geral do modelo teórico do processo de recaída.
Duas abordagens básicas ao entendimento da recaída são apresentadas: o modelo de
doença e a abordagem do próprio autor. As curvas de recaída para
vários comportamentos adictivos são discutidas e a noção de recaída, como um
denominador comum nos comportamentos adictivos, é enunciada. A influência de
situações de alto risco como precipitadores ou determinantes imediatos de recaída,
juntamente com o modelo hipotético de processo de recaída, são então descritos. A
apresentação do modelo básico de recaída é seguida por uma descrição dos fatores
gerais de estilo de vida que podem aumentar a vulnerabilidade de um indivíduo ao
impacto de situações de alto risco e que podem estar envolvidos no planejamento ou
"preparação" encoberta do episódio de recaída.

Recaída: Duas Definições Divergentes


Em uma oficina recente para consultores para alcoolismo e drogas, o autor pediu que
os membros da audiência compartilhassem suas associações subjetivas com o termo
recaída. Aqui estão algumas de suas respostas: "fracasso do tratamento", "retorno à
doença", "volta à adicção". "fracasso e culpa", e "colapso". Tais associa ções estão
refletidas em uma das duas definições de "recaída" dadas no Webster's New
Collegiate Dictionary (1983): "Uma recorrência dos sintomas de uma doença
após um período de melhora". Essa definição corresponde à visão dicotõmica do
resultado de tratamento apoiada pelo modelo de doença: ou o indivíduo está "curado"
(ou os sintomas estão em remissão) ou sofreu uma recaída (recidiva). É uma prática
comum, na área das adicções, ver qualquer uso de drogas após um programa de
tratamento orientado para a abstinência como uma indicação de recaída. Essa visão de
tudo-ou-nada é refletida na maior parte da literatura tradicional sobre resultados do
tratamento, onde os casos são relatados como sucessos (por exemplo, manutenção da
abstinência) ou como fracassos (qualquer violação da abstinência). A recaída é vista,
portanto, como um estado final. como o fim da linha, um beco sem saída.
Há vários problemas com esta abordagem bastante pessimista da recaída. Se a
dicotomia de branco-preto de abstinência -recaída é assimilada pelo indivíduo
enquanto está em tratamento, parece provável que isto estabelecerá uma expecta tiva
levando a uma profecia de autocumprimento na qual qualquer violação da
Prevenção de Recaída 29

abstinência remeterá o pêndulo para o extremo da recaída. De um lado desta


oscilação está o extremo de controle absoluto ou contenção total; o outro extremo é o
de perda do controle ou total indulgência. Um outro problema com a definição
tradicional de recaída é sua associação com o retorno ao estado de doença. A causa
da recaída geralmente é atribuída a fatores internos associados com a condição de
doença. Os comportamentos associados com a recaída são equacionados com a
emergência de sintomas que sinalizam a reativação da doença subjacente, de modo
muito similar â experiência de febre e calafrios, que serve como um sinal de recaída
na malária. Esta ênfase sobre a causação interna carrega a mensagem implícita de que
não existe muito afazer sobre o aparecimento dos sintomas: como
se evita o aparecimento de febre? Esse enfoque tende a ignorar a influência de, fatores
situacionais e psicológicos como determinantes potenciais no processo de recaída.
Também reforça a noção de que o indivíduo que experiencia uma recaída é uma vítima
indefesa das circunstâncias, além de seu controle.
De acordo com alguns teóricos tradicionais, a recaída é o resultado de "forças
negativas" que sobrepujam o indivíduo que perdeu o contato com a influência
protetora de um "poder maior". Considere, por exemplo, a seguinte citação de uma
publicação recente sobre recaída:

A sobriedade para o alcoólico é, portanto, um equilíbrio entre as forças que levam a


beber incontrolavelmente e a força recém-descoberta para comb até-Ias, para mantê-Ias
em cheque. A luta é consciente, de inicio, mas depois submerge para o inconsciente com
o potencial para reemergir em uma realidade amedrontadora. Pode ser desencadeada por
uma variedade de estimulos que energizam as forças negativas que levam a uma recaída
real. O estado essencial que precede a recaída parece ser de isolamento, de anomia. Os
vínculos existenciais ligando o indivíduo a seus companheiros humanos, ao assim cha-
mado "poder superior", à alegria misteríosa de viver, parecem perdidos ou dissolvidos. O
indivíduo està vagando desordenado e não consegue mobilizar as forças positivas que
até recentemente haviam sido empregadas para adquirir a abstinência. Como resultado,
as forças negativas tomam-se ascendentes e suficientemente poderosas para efetuarem
uma recaída. (Weissman, 1983, p. 26).

Aqui, a recaída parece ser o resultado de uma batalha entre o "poder superior" do
indivíduo e as forças negativas inconscientes que emanam de alguma espécie de
"poder inferior" (do próprio demônio?)
Há uma abordagem alternativa â questão da recaída, e esta é refletida na segunda
definição relacionada no W ebster' s: "Recaída é o ato ou süuação de reverter, piorar
ou sucumbir (1983)". Os itálicos são acrescentados aqui para salientar que uma
recaída pode ser vista como um ato isolado de reverter à situação anterior um erro
único, um engano, um deslize. Uma palavra melhor para referirmonos â ocorrência
singular do comportamento em questão (por exemplo, a primeira dose ou o primeiro
cigarro após um período de abstinência) seria o termo lapso* (como em um lapso da
atenção). O mesmo dicionário define "lapso" como "um leve equívoco ou deslize...
uma queda temporária, especialmente de um estado superior para outro, inferior",
Podemos pensar, aqui, em um patinador em competição que tropeça e cai no gelo. O
fato de o patinador levantar-se novamente e continuar ou não sua apresentação
dependerá, em grande parte, se a quedé!. é vista como um lapso ou como um recaída
- como um deslize úl)ico (equívoco) ou como uma indicação de fracasso total.
Permitindo-se espaço para a ocorrência de equívocos (opostamente a ver. qualquer
deslize como um sintoma de deterioração), pode-se ser capaz de evitar a oscilação
entre extremos nos quais o inqivíduo é percebido

*
Lapse, no original. (N.R.)
I
Marlatt & Gordol1 I
30

como no controle (de pé) ou fora de controle (caindo). Uma premissa primária do
modelo PR é que as reações cognitivas e afetivas ao primeiro deslize ou lapso após
um período de abstinência (especialmente a atribuição para a causa do lapso) exercem
uma influência significativa que pode determinar se o lapso é seguido ou não por um
pleno retomo ao comportamento ou hábito anterior (recaída).
Na abordagem da PR, a recaída é vista como um processo transicional, como
uma série de eventos que podem ou não ser seguidos por um retomo aos níveis
básicos do comportamento-alvo. Em vez de adotar uma visão pessimista na qual a
recaída é vista como um beco sem saída, fracasso do tratamento ou retomo ao estado
de doença, o modelo PR vê a ocorrência de um lapso como uma bifurcação na
estrada, com um trajeto retomando ao nível de problema anterior (recaída ou
colapso total) e o outro continuando na direção de uma mudança positiva. É
interessante notar, com relação a isso, que a origem do termo "recaída" vem da
palavra relabi em latim, que significa "deslizar ou cair para trás". Entretanto, nem
todo lapso é uma recaída. Em alguns casos, às vezes, obtemos beneficio de um
lapso. Exatamente como uma criança que está aprendendo a andar de bicicleta às
vezes beneficia -se de um engano ou queda (por exemplo, ela aprende a usar os
freios antes de fazer uma curva, na próxima tentativa), também um indivíduo que
tenta mudar um padrão de hábitos pode, ocasionalmente, descobrir que um lapso
oferece informações úteis acerca tanto da causa do evento (por exemplo, uma
situação estressante anteriormente desconhecida) quanto sobre o modo de corrigir
sua ocorrência no futuro (por exemplo, planejando ação saneadora). Nesses casos,
pode ser mais acurado definir o resultado como um prolapso (da palavra prolabi do
latim, significando "um deslize ou queda para a frente", um termo que em geral
refere-se ao deslizamento de uma parte corporal a partir de sua posição habitua!), já
que o resultado benéfico geral coloca o indivíduo em uma "posição avançada" (em
termos do novo aprendizado). Quer ou não um lapso seja acompanhado por uma
recaída ou, em alguns casos, um prolapso, isto depende, em grande parte, das
expectativas pessoais do indivíduo e do modelo subjacente do processo de mudança
de hábitos.
Muitas questões novas surgem quando se adota esta perspectiva alternativa de
recaída. Muitas dessas questões raramente chegam a ser indagadas por aqueles que
aderem ao modelo de doença, com sua ênfase exclusiva sobre determinantes
internos ou biológicos da recaída. Há quaisquer eventos situacionais específicos que
sirvam como gatilhos precipitadores para a recaída? Serão os determinantes do
primeiro lapso os mesmos que presumivelmente governam uma recaída total? É
possível que um indivíduo planeje uma recaída, de uma forma velada, preparando
uma situação na qual seja virtualmente impossível resistir à tentação? Em que
pontos do processo de recaída é possível intervir e alterar o curso dos eventos de
modo a prevenir um retomo ao padrão anterior de hábitos? Como o indivíduo reage
e conceitualiza os eventos precedendo e acompanhando uma recaída, e como essas
reações afetam o comportamento subseqüente da pessoa? É possível preparar as
pessoas em tratamento para anteciparem a probabilidade de uma recaída, de modo
que se engajem em comportamentos alternativos de prevenção? Tomando
emprestado o termo de Meichenbaum (1977), podemos desenvolver procedimentos
de prevenção que "inoculem" o indivíduo contra a inevitabilidade da recaída?
A fim de respondermos estas e outras questões, toma-se necessário o en-
gajamento em uma microanálise detalhada sobre o próprio processo de recaída. Esta
abordagem preciosamente planejada focaliza-se sobre os vários determinantes da
recaída, tanto em termos das circunstâncias precipitadores imediatas
Prevenção de Recaída 31

quanto da cadeia mais longa de eventos que podem ou não preceder o episódio de
recaída. Além do que o papel de fatores cognitivos. tais como expectativa e atribui-
ção, é examinado em detalhes, particularmente em termos das reações do indivíduo à
recaída. Uma microanálise do processo de recaída é justificada pela antiga máxima de
que podemos aprender muito a partir de nossos erros. Em vez de ser vista como uma
indicação de fracasso. uma recaída pode ser vista. com maior otimismo. como um
desafio, uma oportunidade para a ocorrência de um novo aprendizado.

o Processo de Recaída:
Um Denominador Comum nos Comportamentos Adictivos?
As taxas de recidiva são notoriamente altas no espectro de comportamentos adic tivos.
Além das altas taxas de recaída. o padrão temporal do processo de recaída também
mostra considerável consistência para uma variedade de problemas de adicção. Esta
consistência é notavelmente aparente a partir de um exame das curvas de recaída
exibidas na Figura 1-3. Este gráfico. publicado pela primeira vez no início dos anos
70 (Hunt, Barnett & Branch, 1971), mostra o padrão temporal da recaída (definida por
estes autores como qualquer uso de droga) após o término de programas de
tratamento para fumantes, alcoólicos e adictos em heroína.

Figura 1-3. Curvas de Recaída para Tratamento Individual devido à adicção em heroína, tabaco e álcool.
De "Relapse Rates in Addiction Programs" por W. A. Hunt, L. W. Bamett. and L. G. Branch, Journal of
CliniLal Psychology. 1971. 27. 355. Copyrigh1 1971 by Clinical Psychology Pyblishing Co., Inc.
Reproduzido com permissão.
32 Marlatt & Gordon

Essas curvas estão baseadas em estudos de resultados de múltiplos tratamentos; a


curva para fumantes, por exemplo, está baseada em uma média dos dados extraídos de
84 estudos separados de tratamento para fumantes. A coincidência de taxas de recaída
apresentada na Figura 1-3 é bastante clara: cerca de 2/3 de todas as recaídas ocorreram
dentro dos primeiros 90 dias após o tratamento.
Uma interpretação' tradicional dos dados mostrados na Figura 1-3 é que a
similaridade na forma das curvas é devida ao fato de essas substâncias serem
equivalentes de alguma forma, em termos de seu potencial adictivo. Pode-se chegar à
conclusão de que tabaco, álcool e heroína são igualmente ,adictivos, em termos de seus
efeitos. A aceitação desta perspectiva levou pesquisadores a uma busca dos
mecanismos adictivos subjacentes envolvidos.
Outros sugeriram que a forma das curvas de recaída lembra um processo de
"extinção" ou "esquecimento".subjacente descrito na literatura sobre o aprendiza do
(Hunt e cols., 1971; Hunt & Matarazzo, 1970). A partir desta perspectiva, o próprio
tratamento envolve a extinção dos comportamentos adictivos aprendidos que, então,
reemergem durante o declínio do período de extinção. Vários alertas devem ser feitos,
com relação aos modelos de recaída baseados na forma das curvas de recaída
apresentadas na Figura 1-3. Um possível problema é que, uma vez que essas curvas
representam recaídas entre indivíduos que participaram de programas formais de
tratamento, as curvas podem ser enganadoras, porque estão baseadas em resultados dos
casos mais difíceis (a maioria dos fumantes, por exemplo, abandona por vontade
própria, sem o benefício de programas externos de tratamento). Similarmente, as
curvas não mostram os resultados de sucesso ou fracasso a longo prazo em
experiências repetidas de tratamento, uma vez que estâo baseadas apenas em
resultados para uma única tentativa de cessação (cf. Schachter, 1982).
Ademais, como apontado por pesquisadores da Addiction Research Unit no
Maudsley Hospital, em Londres (Litman, Eiser & Taylor, 1979; Sutton, 1979), as
conclusões sobre a natureza teórica do processo de recaída com base nessas curvas
podem levar a erros pelas seguintes razões: 1) as curvas estão baseadas em médias de
grupos, e não representam, necessariamente, o processo de recaída ao longo do tempo
para qualquer indivíduo determinado. 2) As curvas são cumulativas, calcula das com
base na porcentagem de abstinentes que permanecem em intervalos ao longo de um
determinado período de tempo - levando à presunção freqüentemente errônea de que, uma
vez que a pessoa tenha se engajado em qualquer uso de droga após um período de
abstinência, não importando em que quantidade ou por quanto tempo consumiu, o uso
da droga continuará após este ponto (as curvas na Figura 1-4 representam o período de
tempo entre o término do tratamento e o "uso inicial" ou primeira recaída). 3) As
curvas cumulativas, como aquelas na Figura 1-3, representam a proporção da
população total (onde todos os indivíduos estavam abstinentes ao término do
tratamento) que ainda está abstinente em determinados pontos do tempo; por sua
própria natureza, os dados cumulativos sempre assumirão a forma de uma inclinação
para baixo, uma curva negativamente aceleradéOl. 4) Similarmente, dadas as
diferenças individuais de probabilidade de permanecer' abstinente por um determinado
período de tempo, a probabilidade de sobrevivência para o grupo como um todo
aumentará ao longo do tempo como resultado de um processo de seleção (em cada
intervalo sucessivo de tempo, aqueles indivíduos com uma probabilidade
relativamente baixa de sobrevivência apresentarão propensão à desistência, em favor
daqueles com uma proba bilidade relativamente alta de sobrevivência).
Prevenção de Recaída 33

Entretanto, muitos desses problemas podem ser superados pelo uso de pro-
cedimentos estatísticos de análise de sobrevivência, também conhecidos como "tabela
de vida" ou análises de "tempo e fracasso" (Elandt-Johnson & Johnson, 1980;
~albfleisch & Prentice, 1980). Pelo uso desses métodos estatísticos, os problemas
associados com curvas cumulativas são superados pelo uso da estatística de "taxa de
recaídas". A taxa de recaídas é avaliada durante determinado período de tempo (um
período de três meses, por exemplo) como a proporção de pessoas que apresentou
recaída durante este intervalo para o número de pessoas propensas a uma recaída no
início do mesmo período de tempo. Qualquer um com uma recaída antes deste
período não é incluído no cálculo. O uso de dados de taxas de recaída pode ter
implicações importantes para o timing das intervenções de tratamento durante o
estágio de manutenção do processo de mudança de hábitos, uma vez que indica o
risco relativo de recaída em diferentes períodos de tempo. Para uma descrição mais
pormenorizada do uso da análise de sobrevivência na avalia ção da recaída, os leitores
devem consultar o capítulo a ser lançado por Goldstein, Marlatt, Peterson e Lutton
(em produção).
Os dados sobre taxas de recaída, entretanto, confirmam os resultados essenciais
apresentados na Figura 1-3; em geral. cerca de 2/3 de. todos os lapsos iniciais ocorrem
dentro dos primeiros 90 dias após o início da tentativa de cessação entre vários
comportamentos adictivos. A conceitualização do autor sobre tais achados apresenta
uma possibilidade teórica alternativa na interpretação do processo de recaída. Eu
hipotetizo a existência de componentes cognitivos, afetivos e comportamentais
comuns associados com o próprio lapso inicial, não importando a substância ou
atividade "adictiva" específica envolvida. Embora a importância das propriedades
individuais de vârias substâncias ou atividades não possa ser ignorada, em particular â
medida que influenciam o desenvolvimento de padrões de abuso dentro de grupos de
usuários, o modelo PR tenta revelar os determinantes e reações comuns ao primeiro
lapso e entender como tais fatores afetam a proba bilidade de recaída ou recuperação
posterior.
No modelo a ser apresentado nas seções seguintes, um lapso é definido como
qualquer violação isolada de uma regra ou conjunto de regulamentos auto-impostos
governando a taxa ou padrão de um comportamento-alvo selecionado. O critério de
abstinência, a regra mais rígida e absoluta que se pode adotar com relação a isto, é
violado, por definição, por uma única ocorrência do comportamento-alvo. A partir
desta perspectiva absoluta, a ocorrência de um único lapso é fundamental para a
recaída (não se pode estar "um pouquinho" não-abstinente, exatamente como não se
pode estar "um pouquinho" grávida). Embora a violação da regra de abstinência seja a
forma primária de recaída, estudada nas pesquisas do autor, outras formas de recaída
também estariam incluídas na definição acima. A primeira violação das regras que
governam a ingestão calórica para alguém em uma dieta rígida também constituiria
um lapso, assim como a primeira ultrapassagem dos limites de consumo impostos em
um programa controlado para o álcool. Dentro deste quadro geral, portanto, é feita
uma distinção entre a primeira violação das regras (o lapso inicial) e os efeitos
secundários subseqüentes nos quais o comportamento pode ou não aumentar, na
direção dos níveis básicos originais pré-tratamento (uma recaída completa).

I
-'
34 Marlatt & Gordon

o Processo de Recaída:
Uma Visão Geral dos Determinantes Imediatos e Reações
o material a seguir apresenta uma visão geral do processo de recaída focalizando os
de terminantes imediatos (circunstãncias precipitadoras) e reações subseqüentes ao
primeiro lapso após um período de abstinência ou uso rigidamente contro
lado. Uma restrição importante ao modelo é que se aplica apenas àqueles casos nos
quais a pessoa fez uma opção ou tomou uma decisão voluntária para a mudança; as
implicações da teoria para a abstinência forçada 'ou involuntária ainda precisam ser
determinadas.
Na visão geral a seguir, apenas os pontos mais importantes do modelo são
apresentados, uma vez que detalhes adicionais são fornecidos em outro local deste
volume (ver Capítulos 2 e 3). As pesquisas e teorias que levaram ao desenvolvimento
deste modelo podem ser encontrados em outro trabalho (Cummings, Gordon &
Marlatt, 1980; Marlatt, 1978, 1979, 1982; Marlatt & Gordon; 1980; Marlatt & Parks,
1982). Uma representação esquemática do modelo de recaída é apresentada na Figura
1-4.
Em primeiro lugar, presume -se que o indivíduo experiencia um senso de
controle percebido (auto-eficácia) enquanto mantém a abstinência (ou aderência a
outras regras que governariam o comportamento-alvo). O comportamento está "sob
controle" desde que não ocorra durante este período; quanto maior o período de
abstinência, maior a percepção de auto-eficácia do indivíduo. Este controle percebido
continuará até que a pessoa encontre uma situação de alto risco. Uma situação de alto
risco é definida amplamente como qualquer situação que represente uma ameaça ao
senso de controle do indivíduo e aumente o risco de recaída potencial. Em uma análise
recente de 311 episódios iniciais de recaída obtidos de clientes com uma variedade de
comportamentos problemáticos (ingestão alcoólica, tabagismo, adicção em heroína,
jogo compulsivo e excesso alimentar). os pesquisadores identificaram três situações
primárias de alto risco associadas com quase 3/4 de todas as recaídas relatadas
(Cummings, Gordon & Marlatt, 1980). Uma tabela de situações de alto risco adaptada
da última fonte é apresentada na Tabela -l I. Uma descrição das três categorias
associadas com as mais altas taxas de recaída vem a seguir. Uma descrição completa
de todas as categorias, juntamente com regras de pontuação, é apresentada no Capítulo
2.
Estados Emocionais Negativos (35% de todas as recaídas na amostra): situações
nas quais o indivíduo está experienciando um estado emocional, humor ou
sentimento negativo (ou desprazeroso) tal como frustração, raiva, ansiedade, de
pressão ou tédio, antes ou no momento da ocorrência do primeiro lapso. Por exemplo,
um de nossos fumantes deu a seguinte descrição de um episódio de recaída: "Tudo ia
bem, até que fui reprovado em meu exame de estatística. Sentime deprimido e decidi
que um cigarro faria me sentir melhor". Em nosso sistema de pontuação, esta
categoria é classificada sob uma subdivisão maior chamada de de terminantes
intrapessoais, que inclui todas as situações primariamente associa das com fatores
intrapessoais (dentro do indivíduo) e/ou reações a eventos ambientais não-pessoais.
Situações envolvendo uma outra pessoa ou grupo de indivíduos que está
significatiamente envolvído no episódio de recaída são agrupadas sob a segunda
subdivisão maior, determinantes interpessoais; as duas categorias seguintes
encaixam dentro desta última subdivisão.
Conflito Interpessoal (16% das recaídas): situaçÇ">es envolvendo um
conflito em andamento ou relativamente recente associado com qualquer
relacionamento interpessoal, tal como casamento, amizade, membros
familiares ou relações em
Prevenção de Recaída 35

Figura 1-4. Um modelo cognitivo-comportamental do processo de recaida.

pregador-empregado. Discussões e confrontações interpessoais ocorrem freqüen-


temente nesta categoria.
Pressão Social (20% das recaídas): situações nas quais o indivíduo está res-
pondendo à influência de uma outra pessoa ou grupo de pessoas exercendo pressão
para que ele se engaje no comportamento-tabu. A pressão social pode ser direta
(contato interpessoal direto com persuasão verba.l] ou indireta (por exemplo, estar na
presença de outros que se engajam no mesmo comportamento-alvo, embora nenhuma
pressão direta esteja envolvida).

Tabela 1-1. Análise de Situações de Recaída com Alcoólicos" Fumantes, Adictos em Heroina,
Jogadores Compulsivos e Indivíduos em Dieta

Individuos
Adictos em com excesso
Alcoólicos Fumantes heroína Jogadores alimentar Total
Situação de recaída (n = 70 (n = 64) (n = 129) (n = 19) (n = 29) (n=31l)

Determinanles Intrapessoais
Estados emocionais negativos 38% 37% 19% 47% 33% 35%
Estados fisicos negativos 3% 2% 9% 3%
Eslados emocionais positivos 6% 10% 3% 4%
Tesle do controle pessoal 9% 2% 16% 5%
Desejos e tenlações 11% 5% 5% 16% 10% 9%

lDTAL 61% 50% 45% 79% 46% 56%

Determinantes Interpessoais
ConOito interpessoal 18% 15% 14% 16% 14% 16%
Pressão social 18% 32% 36% 5% 10% 20%
Eslados emocionais positivos 3% 3% 5% 28% 8%
lDTAL 39% 50% 55% 21% 52% 44%
36 Marlatt & Gordoll

Em nossas análises de episódios de recaída até o momento (Cummings, Gordon


& Marlatt, 1980; Marlatt & Gordon, 1980), descobrimos que existem mais
similaridades do que diferenças, nas categorias de recaída entre os vários compor-
tamentos adictivos que estudamos. Descobrimos que essas mesmas três situações de
alto risco estão freqüentemente associadas com a recaída, não importando o problema
particular envolvido (beber-problema, tabagismo, jogo, uso de heroína ou excesso
alimentar). Este padrão de achados apóia nossa hipótese de que existe um mecanismo
comum subjacente ao processo. de recaída entre diferentes comportamentos adictivos.
Se o indivíduo é capaz de executar uma resposta de enfrentamento cognitiva ou
comportamental eficaz na situação de alto risco (por exemplo, é assertivo no combate
às pressões sociais), a probabilidade de recaída diminui significativamente. O
indivíduo que lida eficazmente com a situação tende a experienciar um senso de
domínio ou percepção de controle. O domínio bem-sucedido de uma situação
problemática freqüentemente está associado com uma expectativa de ser capaz de lidar
eficazmente com o próximo evento desafiador. A expectativa de ser capaz de lidar com
sucessivas situações de alto risco à medida que se desenvolvem está intimamente
associada com a noção de auto-eficácia (Bandura, 1977), definida anteriormente como
a expectativa do indivíduo com relação à capacidade de lidar com uma situação ou
tarefa iminentes. Uma sensação de confiança nas próprias habilidades para lidar
efetivamente com uma situação de alto risco está associada com um aumento na
percepção de auto-eficácia, uma espécie de "Sei que posso lidar com isso". À medida
que a duração da abstinência (ou período de uso controlado) aumenta, e o indivíduo é
capaz de lidar efetivamente com mais e mais situações de alto risco, a percepção de
controle aumenta de uma forma cumulativa. A probabilidade de recaída diminui
proporcionalmente. A auto-eficácia como um fator no processo de recaída é discutida
em detalhes no Capítulo 3.
O que acontece se um indivíduo não é capaz de lidar eficazmente com uma
situação de alto risco? Pode ser que a pessoa jamais tenha adquirido as habilidades de
enfrentamento envolvidas, ou que a resposta apropriada tenha sido inibida por medo ou
ansiedade. Ou, talvez, o indivíduo não consiga reconhecer e responder ao risco
envolvido antes de ser demasiado tarde. Qualquer que seja a razão, se uma resposta de
enfrentamento não é executada, a pessoa tende a experienciar uma diminuição na auto-
eficácia, associada com freqüência a um senso de impotência e uma tendência a
render-se passivamente à situação. "Não adianta, não consigo lidar com isso" é uma
reação comum. À medida que a auto-eficácia diminui na situação de alto risco
precipitadora, as expectativas do indivíduo para lidar eficazmente com situações
problemáticas subseqüentes também começa a cair. Se a situação também envolve a
tentação para engajar-se no compórtamento proibido como um meio de tentar lidar
com o estresse envolvido, o terreno está preparado para uma provável recaída.
A probabilidade de recaída é aumentada se o indivíduo mantém expectativas
positivas quanto ao resultado dos efeitos da atividade ou substãncia envolvida.
Freqüentemente, a pessoa antecipa os efeitos positivos imediatos da atividade, com
base na experiência passada, enquanto, ao mesmo tempo, ignora ou não atenta para as
conseqüências negativas postergadas envolvidas. A sedução da gratificação imediata
toma-se a figura dominante na área perceptiva, enquanto a realidade das
conseqüências totais do ato é negligencia da. Para muitas pessoas, fumar um cigarro
ou tomar uma bebida é associado, há muito tempo, com lidar com.o estresse. "Uma
bebida me ajudaria a passar por isto" ou "Se pelo menos eu pudesse fumar, me
sentiria mais relaxado" são crenças comuns desta espécie.
Prevenção de Recaída 37

Expectativas positivas quanto ao resultado são um determinante primário do uso de


álcool e de outra formas de abuso de substâ ncias psicoativas (cf. Marlatt &
Rohsensow, 1980). As expectativas de resultado figuram proeminentemente como de
terminantes de recaída em nosso modelo e são discutidas em detalhes no Capítulo 3.
A combinação de incapacidade para lidar efetivamente com uma situação de alto
risco juntamente com expectativas de resultado positivos para os efeitos da antiga e
habitual forma de enfrentamento aumenta imensamente a probabilidade de ocorrência
de um lapso inicial. Por um lado, o indivíduo necessita enfrentar uma situação de alto
risco sem qualquer resposta de enfrentamento disponível; a auto-eficácia diminui
enquanto a pessoa sente-se menos capaz de exercer controle. Por outro lado, existe a
sedução do hábito adictivo. a bebida. a droga ou outra substãncia psicoativa. Neste
ponto, a menos que ocorra uma resposta'de enfrentamento ou uma súbita mudança na
circunstância no último minuto,' o indivíduo pode atravessar a fronteira da abstinência
(ou uso controlado) para a recaída (uso descontrolado). Se esta primeira excursão
sobre a fronteira na primeira recaída será ou não seguida por uma recaída total. isto
depende. em grande parte. das percepções da "causa" do lapso pelo indivíduo e das
reações associadas com sua ocorrência.
A exigência de abstinência é um veredicto absoluto. Uma vez que o indivíduo
cruze a linha. não há volta. A partir desta perspectiva de tudo-ou-nada, uma única dose
de álcool ou um único cigarro é suficiente para violar a regra da abstinência: uma vez
cometido, o erro não pode ser desfeito. Infelizmente. a maioria' das pessoas que
tentam cessar um hábito antigo. como fumar ou beber, percebe o abandono desta
forma, como "tudo ou nada". Para explicarmos a reação à transgressão de uma regra
absoluta, postulamos um mecanismo chamado de Efeito de Violação da Abstinência
(EVA) (Marlatt. 1978; Marlatt & Gordon. 1980). Postulamos que o EV A ocorre sob
as seguintes condições: antes do primeiro lapso. o indivíduo está pessoalmente
comprometido com um período extenso ou indefinido de abstinência. A intensida de
do EV A variará como uma função de vários fatores. incluindo o grau de justificativa
externa, a força do compromisso anterior ou esforço dispendido para manter a
abstinência, da duração do período de abstinência. da presença de outras pessoas
significativas, da percepção do lapso inicial como uma opção voluntária de uma
atividade pré-planejada. assim como do valor ou Ünportância subjetiva do
comportamento proibido para' o indivíduo. Hipotetizamos que a intensidade do EV A
é aumentada pela influência de dois elementos cognitivo-afetivos fundamentais:
dissonância cognitiva (conflito e culpa) e efeito de atribuição pessoal (culpar a si
mesmo como a causa da recaída).
De acordo com a teoria original de Festinger (1964), a dissonância cognitiva
presumivelmente desenvolve-se por uma disparidadeentre as cognições ou crenças do
indivíduo sobre si mesmo (por exemplo. como um abstêmio) e a'ocorrência de um
comportamento diretamente incongruente com esta autó-imagem (por exemplo,
engajamento no ato proibido). A dissonância resultante é experienciada como conflito
ou culpa ("Eu não deveria ter feito isso. mas fiz"). Este conflito interno age como uma
fonte de motivação para o engajamento nos comportamentos (ou cognições) que
visam reduzir a reação dissonante. Dependendo da extensão na qual o comportamento
problema foi usado como uma resposta de enfrentamento para lidar com o conflito e a
culpa no passado, é provável que o indivídÜo continue a engajar-se no
comportamento anteriormente proibido numa tentativa para reduzir as reações
desagradáveis. Um alcoóliCo que "não resiste à tentaçãó" pela primeira vez, por
exemplo, pode continuar a'beber após o primeiro lapso em de
tentativa de aliviaf'o conflito e a culpa associados coma própria transgressão
38 Marlatt & GOrdOI1

sobretudo se a pessoa costumava beber no passado quando sentia culpa ou conflito. A


ingestão alcoólica continuada em uma tentativa de reduzir sentimentos de culpa pode
ser mediada por reforço negativo (beber para escapar de estados emocionais
desagradáveis).
É possível também que o indivíduo tente reduzir a dissonáncia associada com o I
primeiro deslize alterando, cognitivamente, a auto-imagem, a fim de harmonizá-Ia com
o novo comportamento. Alguém que toma a primeira dose, por exemplo. pode rejeitar 1
a auto-imagem anterior de abstêmio em favor de uma nova imagem consistente com a
emergência do comportamento proibido: "Isto só mostra que, afinal de contas, sou um
alcoólico e que não consigo controlar minha ingestão alcoólica depois do primeiro
gole". De qualquer modo, o resultado é o mesmo, isto é, a probabilidade de que o lapso
transforme-se em uma plena recaída aumenta.
O segundo componente do EV A é um efeito de auto-atribuição. onde o indi-
víduo atribui a causa da recaída à fraqueza ou ao fracasso pessoal. Em vez de ver o
lapso como uma resposta única a uma situação particularmente dificil, a pessoa tende a
atribuir a culpa pela causa do ato a fatores como falta de força de vontade ou fraqueza
pessoal em face da tentação. Com assiduidade as pessoas retiram inferências pobre
seus próprios traços de personalidade, atitudes e motivos através da observação de seu
próprio comportamento (Bem, 1972). Se a pessoa sentese pessoalmente responsável
por "ceder". a teoria da atribuição prediz que ela atribuirá tal fracasso a causas internas
ou pessoais. Se o lapso é visto como um fracasso pessoal, a expectativa por reiterado
fracasso, pelo indivíduo, aumentará. Se ele se sente sem força de vontade ou impotente
para resistir à tentação do primeiro cigarro, por exemplo. a expectativa de resistir ao
segundo ou terceiro é proporcionalmente menor. Outra vez, o processo é o mesmo:
uma probabilidade aumentada de que o lapso logo se transforme em uma bola de neve,
terminando em uma plena recaída. A hipótese da relação entre o EVA e a recaída
subseqüente ao lapso inicial foi confirmado em um estudo recente de indivíduos que
tentam parar de fumar (Goldstein. Gordon & MarIatt, 1984).
O papel do EV A no processo de recaída é adicionalmente ilustrado na Figura 1-
5. Um modo de conceitualizar o processo de recaída (em particular a partir da
perspectiva dicotõmica tradicional de preto-branco, recaída-abstinência) é vê -Io como
um movimento ou transição entre dois extremos: controle absoluto (contenção). por
um lado. ou perda do controle (indulgência), por outro. Vista assim, a pessoa está em
um ou outro lado da "gangorra" ou no processo de oscilação entre esses dois extremos
(o conceito de "porta giratória" da recidiva). Os modelos tradicionais de recaída
salientam tal oscilação do controle percebido no qual o indivíduo com adicção está no
controle absoluto (isto é. mantendo uma abstinência irrepreensível) ou víolou este
controle e, portanto. experiencia "perda do controle". Um único deslize é tomado como
evídência de violação do controle; se esta violação é atribuída ao próprio indivíduo
(por exemplo, tomada como evidência de que ele não tem força de vontade), o
comportamento estará "fora de controle" (além dos limites da controlabilidade
pessoal). A recuperação da perda do controle, pela perspectiva tradicional, apenas
pode ser adquirida através da influência de pressões externas (por exemplo, tratamento
compulsório, sanções e ameaças pessoais, etc.) e/ou através do proc esso de "ir ao
fundo do poço" e passar o controle para um "poder maior" (conversão). A alternativa
para esta dicotomia de controle percebido oscilante envolve o conceito de um "ponto
de equilíbrio" ou uma posição intermediária entre os extremos de contenção e
indulgência. Através de uma combinação de maior consciência. habilidades de
enfrentamento e aceitação de res
Prevenção de Recaída 39

ponsabilidade e escolha pessoal pode ser possível escapar da gangorra da recaída. O


material apresentado nos capítulos 3 e 4 oferece uma elaboração do EVA no processo
de recaída.

Figura 1-5. Recaída e oscilação do controle percebido.

Um fator final a ser considerado no processo de recaída é o efeito subjetivo da


substãncia ou atividade. experienciado pelo usuário após o primeiro lapso. Embora tais
efeitos possam diferir de acordo com o tipo de droga ou outra atividade. muitas drogas
produzem um pico inicial ou estado de excitação que é interpretado pelo indivíduo
como agradável ou eufórico. Tanto o álcool quanto o tabaco. por exemplo. produzem
um estado inicial de excitação fisiológica (taxa cardíaca aumentada ou outras reações
autõnomas) que pode ser subjetivamente experienciado pelo usuário como um
aumento na energia ou poder (cf. McClelland. Davis, Kalin & Wanner. 1972). Quando
este senso aumentado de poder é experienciado. o uso da substáncia psicoativa para
combater os sentimentos prévios de impotência pessoal (baixa auto-eficácia) na
situação de alto risco é imensamente reforçado.

o Processo de Recaída: Antecedentes Encobertos, Equilíbrio


do Estilo de Vida e "Preparações" para a Recaída
Na discussão anterior sobre os de terminantes e as reações imediatas à recaída. a
situação de alto risco é vista como a situação precipitadora ou desencadeadora
associada com o lapso inicial após um período de abstinência ou uso controlado. Em
muitos dos episódios de recaída estudados por nós, o primeiro lapso é precipitado em
uma situação de alto risco que o indivíduo encontra inesperadamente. Na maioria
desses casos, a pessoa não está esperando a ocorrência da situação de alto risco e/ou
está geralmente mal preparada para lidar eficazmente com as cir cunstáncias. quando
elas surgem. Com bastante freqüência. as pessoas descobrem-se em uma situação de
rápido progresso. Por exemplo. uma de minhas
40 Marlatt & Gordol1

clientes (descrito em detalhes no Capítulo 2), que tinha um sério problema com
bebidas, experienciou seu primeiro lapso após várias semanas de abstinência, quando
convidou uma nova amiga para almoçar. Uma mudança de planos de última hora
levou-as a comer em um restaurante que servia bebidas .alcoólicas. Poucos minutos
após entrarem no local, uma garçonete aproximou-se e perguntou-Ihes o que iriam
beber. A amiga pediu um coquetel, e então a garçonete virouse para nossa cliente,
perguntando: "E você?" Ela também pediu uma bebida, o primeiro de uma série de
eventos que culminaram em uma recaída plena. Como nossa cliente afirmou depois:
"Não planejd e não estava preparada para isto". Subitamente confrontada com uma
situação de alto risco (uma situação de pressão social, na qual foi influenciada pela
solicitação de bebida pela amiga e pela indagação da garçonete), foi incapaz de lidar
efetivamente com ela.
Em outros episódios de recaída, a situação de alto risco parece ser o último elo
em uma cadeia de eventos precedendo o primeiro lapso. Em um outro estudo de caso,
o cliente era um jogador compulsivo que buscou terapia para auxiliá -Io no controle de
seu hábito, que lhe causara numerosos problemas conjugais e financeiros. Antes da
terapia, conseguira abster-se de todos os jogos por um período de aproximadamente
seis meses, seguido por uma recaída e incapacidade para readquirir a abstinêncía. Pedi
que o cliente, residente em Seattle, descrevesse este último episódio de lapso. "Não há
muito o que dizer", começou. "Eu estava em Reno e comecei a jogar novamente".
Obviamente, Reno, no Estado norte-americano de Nevada, é uma cidade de alto risco
para qualquer jogador que tente manter a abstinência. Então, pedi-lhe que descrevesse
os eventos precedendo sua chegada a Reno. Após algum incentivo, revelou a seguinte
história: antes da recaída, mantivera seis meses de total abstinência de todos os jogos,
uma façanha que atribuiu à sua afiliação nos Jogadores Anônimos*, um grupo de
ajuda mútua norte-americano em estreita similaridade com o formato de "Doze
Passos" dos Ms. Nesses encontros de grupo dos GAs, ele contou que o jogo
compulsivo era uma doe nça ou enfermidade, e que a única esperança de recuperação
era absterse totalmente de todas as atividades de jogos. Mesmo a mais leve exceção a
esta regra, tal como girar uma moeda em uma aposta mínima de cara-ou-coroa, era
considerada uma violação à regra de abstinência e suficiente para precipitar uma
recaída total (ou, como um de meus colegas comentou ao ouvir sobre este caso,
"Mesmo um arremesso é um tropeço, nos GAs"). De qualquer modo, o cliente
conseguiu evitar todos os jogos até a ocorrência do acidente em Reno. Ele e sua
esposa decidiram fazer uma viagem de automóvel pela Costa Oeste, de Seattle a San
Francisco. Na viagem de volta, planejaram dirigir primeiro através da Califórnia
antiga, pelas cidades de mineração de ouro das Sierras, e depois continuar pelo norte,
passando pela zona leste do Oregon, indo até os estados de Washington
e Seattle. ."

Tudo prQsseguiu normalmente até entrarem na estrada que leva às montanhas a


leste de San Francisco. À medida que se aproximavam da dívisa dos estados da
Califórnia e Nevada, no p~rcurso da corrida do ouro, nosso cliente começou a sentir
alguma inquietação. Ele e sua esposa discutiam (icerca da rota de sua viagem. Ele,
afirmou que valeria o tempo e esforço extra se fizessem um ligeiro desVio e
passassem pelo Lago Tahoe ("Para vermos as incríveis águas azuis do lago",
racionalizou) no caminho para casa. Logo, estavam no trevo da autoestrada. Uma
curva à esquerda levaria a Placerville, na Califórnia e:Cidade Segu
ra"), um destino que estava no itinerário original; uma curva à direita levaria à
"I

Gamblers Anonymóus, GAs no original.


(N.R.)
Prevenção de Recaída .41

auto-estrada conduzindo à divisa de Nevada e ao Lago Tahoe e Reno. A


discussão continuou por algum tempo na junção da auto-estrada. antes de o
marido vencer e virar à direita. rumando para leste e para a divisa estadual.
Embora ele conseguisse chegar ao Lago Tahoe sem incidentes. não foi tão bem
quando finalmente chegaram a Reno. Ao longo da auto-estrada saindo de
Tahoe. ele observou vários anúncios de cassinos e lojas de máquinas de
apostas em Reno. Ele estacionou o automóvel no centro de Reno. diretamente
em frente a um dos maiores cassinos. Necessitando de dinheiro para o
parquímetro operado com moedas. aventurou-se a entrar no cassino para obter
t,roco para uma nota de 5 dólares. Recebeu de troco quatro moedas de 25
centavos e quatro moedas de prata de um dólar. Uma vez que necessitava
apenas de 25 centavos para o parquímetro. "decidiu" tentar sua sorte jogando
uma das moedas de prata de um dólar em uma máquina de apostas próxima à
saída do cassino. ao retomar ao automóvel. A máquina deu-lhe uma única
"cereja" na linha de premiação e ele ganhou três dólares de prata. Isto foi o
suficiente para desencadear um episódio de "perda de controle" no jogo - sua
esposa levou quase três dias para conseguir "arrastá-Io" da cidade e levá-Io
para casa. Então. ele já gastara todo o restante do dinheiro das férias e tiveram
de comprar combustível com cartão de crédito. A jogatina em Reno foi o início
de um período prolongado de jogos que continuou por alguns meses. até que
ele buscou novamente o auxílio profissional.
O caso do jogador oferece uma boa ilustração do papel dos antecedentes
cognitivos no planejamento encoberto de um episódio de recaída. Observando-
se a seqüência de eventos que o levaram a Reno. vários pontos significativos
de intervenção de PR podem ser vistos. O primeiro ponto de escolha
importante foi a encruzilhada na auto-estrada na Califórnia próximo à divisa
de Nevada. Antes de alcançar o trevo. o cliente discutiu com a esposa (uma
situação de alto risco em si mesma) acerca da rota pretendida. usando uma
racionalização de que o cenário do Lago Tahoe não podia ser perdido;
qualquer motivo envolvendo jogos era negado. Todos esses fenômenos
reuniram-se na encruzilhada da auto-estrada. tomando-a claramente uma
junção de aviso Ú1icial. Nesta confluência ou ponto de escolha. o cliente
engajou-se em uma decisão racionalizada: "decidiu" virar à direita. uma opção
que o colocou um passo mais próximo à situação de alto risco.
Uma análise desta cadeia de eventos levou-nos à conclusão de que este
cliente "preparara" ou "planejara" veladamente a recaída. Embora ele negasse
vigorosamente sua responsabilidade neste processo velado de planejamento.
existiam. claramente. vários pontos de opção (bifurcações na estrada)
precedendo a recaída. onde "preferiu" uma alternativa, que o levasse mais'
próximo à fronteira da recaída. A seqüência de pontos de escolha é ilustrada
no"mapa rodoviário cognitivo" exibido na Figura 1-6. o qual recria vários
pontos de escolha ao longo do caminho. alguns deles levando diretamente à
situação de alto risco. outros oferecendo várias rotas ,de fuga (ratas de retomo
e desvios). O cliente não se serviu das rotas alternativas. indo dar no centro de
Reno. enfrentando uma ~áquina de apostas. um evento que desencadeou, sua
aventura d,e fim-de-semana de jogos a dinheiro. É como se ele tiyesse posto a
si mesmo numa,situação tão arriscada que precisaria um Super-Hom~m moral
para resistir à tentação de continuar jogando.
Por que alguns clientes parecem planejar ou preparar sua própria recaída?
A partir de uma perspectiva de custo-beneficio. uma recaída pode 'ser, vista
como uma opção ou decisão racional para muitos indivíduos,(cf. Ainslie.
1975). O bene ficio é rápido: o h.lcro da gratificação imediata (e a
QPortunidade de quebrar a banca). Para muitos. a recompensa da gratificação
instantânea ultrapassa. de longe. o custo de efeitos negativos potenciais que
podem,ou não ocorrer em algum
42 Marlatt & Gordon

momento do futuro distante (especialmente se o indivíduo é um jogador dedicado).


Por que não aproveitar a chance - desta vez poderia ser diferente, e talvez isto
pudesse ser feito impunemente. As distorções cognitivas, tais como negação e
racionalização tornam muito mais fácil preparar o próprio episódio de recaída.
O indivíduo pode negar a intenção de sofrer recaída e a importãncia de
conseqüências negativas a longo prazo. Ademais. inúmeras desculpas podem
ser usadas para a racionalização do ato de indulgência.

Figura 1-6. O mapa rodoviário cognitivo de um jogador.


Uma das racionalizações mais tentadoras é que o desejo de ceder ao compor-
tamento adictivo é justijkado. Esta justificativa é exemplificada no título de um livro
que descreve os estilos de vida ligados à bebida, de alcoólicos inveterados, You Owe
YourselJ a Drunk ("Você Deve Um Bêbado a Si Mesmo") (Spradley, 1970). Minha
experiência no trabalho com uma variedade de problemas de comportamento adictivo
sugere que o grau de equilíbrio no estilo de vida diário de uma pessoa tem um
impacto significativo sobre o desejo de indulgência ou gratificação imediata. Aqui,
equilíbrio é definido como o grau de harmonia existente na vida diária da pessoa
entre aquelas atividades percebidas como "incômodos" externos ou demandas (os
"deveres") e aquelas percebidas como prazeres ou auto-satisfação (os "desejos"). *
Pagar contas domésticas, realiza( tarefas de rotina ou outras tarefas menores no
serviço seriam contados como "deveres", por muitas pessoas. No outro extremo da
escala estão os "desejos" - atividades que a pessoa gosta de executar, freqüentem
ente associadas com alguma forma de gratificação imediata (por exemplo.
pescar, reservar tempo para um almoço com um amigo. engajar-se em
trabalhos criativos, etc.). Outras atividades representam um misto de "dese
jos" e "deveres". Um estilo de vida com uma preponderãncia de "deveres"
freqüentemente está associado com uma maior percepção de autoprivação e
um desejo correspondente por indulgência e gratificação. É como se a pessoa
que passa seu dia inteiro engajada em atividades com intensas demanda
.externa tentasse equi
Shaulds e wants, isto é. "devos" e "queros", no original. (N.R.)
Prevenção de Recaída 43

librar esta desarmonia engajando-se em excessivos "desejos" ou auto-indulgências ao


final do dia (por exemplo. beber em excesso à noite). A fim de justificar a
indulgência, a pessoa pode racionalizá-Ia dizendo" Devo a mim mesma uma bebida
ou duas - mereço um descanso hoje!" A influência do desequilíbrio no estilo de vida
sobre o desejo por indulgência é ilustrado esquematicamente na Figura 1-7. O
desequilíbrio no estilo qe vida como um fator no processo de recaída é discutido em
maiores detalhes no Capítulo 5.

Figura 1-7. Antecedentes encobertos de uma situação de recaída.

Além do desejo por indulgência como uma resposta a incômodos ou demandas


percebidas da vida cotidiana, há outras fontes de desequilíbrio que podem servir como
determinantes encobertos da recaída. Um desses desequilíbrios pode envolver uma
reação contra a percebida imposição de regras ou regulamentos internos que governam
o comportamento proibido. Alguns individuos percebem um compromisso com a regra
de abstinência como uma ameaça à sua liberdade e arbítrio pessoal. Este efeito reativo
(Brehm. 1966) pode provocar uma forma de "motim" interno. no qual a pessoa tenta
livrar-se de uma carga opressiva de absoluto controle preparando uma recaída (ver
Capítulo 3). Essas reações de motim podem ser particularmente fortes em indivíduos
que se sentem obrigados a mudar, em resposta às exigências de outras pessoas
importantes ou a proibições sociais externas.
O desejo por indulgência como uma tentativa para restaurar o balanço ou
equilíbrio é freqüentemente mediado por processos tanto afetivos quanto cognitivos,
como indicado na Figura 1-7. No lado afetivo. o desejo por indulgência pode ser
experienciado em um nível somático como uma compulsão ou fissura* pela substãncia
proibida. Tanto a compulsão quanto a fissura manifestam-se primariamente como
impulsos não-verbais ou estados emocionais-afetivos. Compulsão é definida aqui
como um impulso relativamente súbito para engajar-se em um ato (por exemplo, um
impulso para fumar um cigarro). Fissura é definida. neste contexto, como o desejo
subjetivo para experienciar os efeitos ou conseqüências de determinado ato. As
experiências tanto de compulsão quanto de "fissura" presu

Urges e craving, no original. (N.R.)


44 Marlatt & Gordon

mivelmente são mediadas por uma gratificação antecipada (prazer ou satisfação


imediata) associada com o ato de indulgência e suas conseqüências afetivas, podendo
ser o produto tanto de condicionamento (por exemplo, desejo como uma resposta
condicionada obtida por estímulos associados com gratificação passada) quanto por
processos cognitivos (por exemplo, expectativa quanto aos resultados imediatos de
determinado ato ou substãncia psicoativa).
Em termos dos antecedentes cognitivos de um episódio de recaída, três conceitos
têm importância central: racionalização, negaçâo e decisões ou opções associadas com
a cadeia de eventos que precede o lapso inicial. Uma racionalização é uma razão
cognitiva ou uma desculpa ostensivamente legítima para o engaja mento em
determinado comportamento. Esta conceitualização é similar â teoria psicodinâmica
tradicional, que define a racionalização como um mecanismo de defesa que permite ao
indivíduo atribuir motivos racionais ou críveis para determinado ato sem uma plena
anâlise das razões "reais" ou subjacentes para este comportamento. Negação é um
mecanismo similar. O indivíduo nega ou recusase a reconhecer aspectos selecionados
da situação ou conjunto de eventos. A pessoa pode negar a existência de qualquer
motivo para engajar-se em uma recaída, por exemplo, ou pode negar a consciência das
conseqüências negativas retardadas de tal comportamento. A negação e a
racionalização são mecanismos de distorção cognitiva que freqüentemente andam lado
a lado no planejamento encoberto de um episódio de recaída.
"Fissuras" e compulsões nem sempre resultam em um ato impulsivo imedia to.
Em muitas situações, a resposta consumatória não pode ser realizada imedia tamente
devido a limitações situacionais, como indisponibilidade da substância psicoativa ou
presença de outros que podem impôr sanções negativas. O desejo pela gratificação
imediata pode ser temporariamente sublimado, disfarçado na forma de planejamento
encoberto ou fantasias relativas â execução da atividadetabu. Em vista do potencial
para conflito e culpa associado com esses esquemas e planos encobertos, o indivíduo
tende a engajar-se em racionalização e/ou nega ção, e esses dois mecanismos de
distorção cognitiva podem então combinar-se para influenciar certas escolhas ou
decisões como parte de uma cadeia de eventos levando, ao final, a uma recaída. Foi
formulada a hipótese de que uma pessoa rumo â recaída toma diversas minidecisões ao
longo do tempo, cada uma delas trazendo-a mais próxima ao desencadeamento de uma
situação de alto risco. Um
exemplo é o a1coolista abstinente que compra uma garrafa de conhaque para levar para
casa, "apenas para o caso de alguém me visitar". Um outro exemplo é o exfumante que
decide que seria seguro escolher um assento na seção de fumantes de um aviâo. No
estudo de caso do jogador, foi tomada uma decisão de expandir uma viagem de férias à
Califórnia para incluir uma visita às águas azuis do Lago Tahoe, a apenas alguns
quilômetros depois de Reno, Nevada. Um de meus colegas da Universidade de
Washington, Lee Beach (cuja área de especialização é a tomada de decisões) criou o
termo Decisão Aparentemente Irrelevante (DAI) para descrever tais escolhas.
Supostamente, a pessoa começa, lentamente, a preparar o terreno para uma possível
recaída, tomando uma série de DAIs, cada uma das quais move o indivíduo um passo
mais próximo à recaída. Uma vantagem final, na preparação de uma recaída desta
maneira, é que o indivíduo pode ser capaz de evitar assumir responsabilidade pessoal
pelo próprio episódio de recaída. Colocando-se em uma
Prevenção de Recaída 45

situação de extremo alto risco, ele pode afirmar que foi "sobrepujado" pelas cir-
cunstãncias que tomaram "impossível" resistir a uma recaída.

PREVENÇÃO DE RECAÍDA:
VISÃO GERAL DOS PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO

A maior parte dos programas tradicionais de tratamento tende a ignorar comple -


tamente a questão da recaída. Parece existir uma presunção geral, nesses programas,
de que até mesmo a discussão do tópico da recaída equivale a dar aos clientes
permissão para recidivar. Por exemplo, em uma recente palestra dada a alcoólicos
que estavam por receber alta de um programa de tratamento com internação,
observou-se que quase toda a palestra de duas horas foi dedicada a materiais sobre
efeitos nocivos do álcool sobre os sistemas biológicos do corpo, do figado ao cérebro.
A platéia recebeu informações seguras de que o alcoolismo era uma doença crônica
que jamais podia ser curada, apenas "detida" pela manutenção de abstinência total.
Como um comentário final, o palestrante aconselhou os ouvintes sobre o que fazer se
alguém lhes oferecesse uma bebida após terem deixado o hospital. A única sugestão
dada foi: "Diga-Ihes apenas que seu figado está bombardeado e que você não pode
beber". Todo aquela informação sobre o alcoolismo como uma doença e sobre a
necessidade de abstinência por toda a vida e apenas uma breve sugestão acerca de
como lidar com a tentação para beber! Isto nos lembra daqueles programas de
sobrevivência na selva, nos quais um voluntário é atirado de um avião nas
montanhas, a quilômetros da civilização mais próxi
ma, e deixado sozinho por vários dias apenas com um único palito de fósforo
exceto que, no último caso, o indivíduo envolvido recebeu treinamento sobre ha-
bilidades básicas de sobrevivência. Com a maioria dos alcoólicos, por outro lado, o
único "fósforo" oferecido consiste de um único imperativo moral: "Não beberás!"
Certa vez, o diretor de um centro de tratamento para alcoolismo em Alberta, no
Canadá, disse-me que o melhor meio de lidar com a recaída é dar ao paciente duas
bolinhas de gude quando de sua alta do programa de tratamento. "Por que as
bolinhas?", indaguei. "P or duas razões", ele explicou. "Número um, o paciente
carrega as bolinhas consigo como um lembrete de seus problemas com a bebida e do
tratamento que recebeu aqui. E, número dois, se ele alguma vez tomar uma dose,
deve jogar fora suas bolinhas de gude". Quando perguntei sobre a raciona lização para
isto, ele respondeu: "Para mostrar aos pacientes que, se tomarem uma dose, perderão
suas bolinhas de gude, é claro!"
A racionalidade que apresento a meus clientes (ou aos administradores que
mostram alguma relutáncia para um foco sobre questões de recaída em seus
programas de tratamento) é simples. Aponto que já temos, na sociedade, numerosos
procedimentos, que exigem nossa preparação para a possibilidade (não importando
quão remota) de surgimento de várias situações problemáticas e perigosas. Por
exemplo, temos exercícios contra o fogo que nos auxiliam a enfrentar a situa ção, se
um incêndio irrompe em prédios públicos ou escolas. Para aqueles com sorte o
bastante para ter um iate. há exercícios de salvamento. que ensinam aos passageiros o
que fazer na remota possibilidade de o iate ter problemas em altomar. Certamente,
ninguém acredita que, pela solicitação de que as pessoas participem em exercícios
contra o fogo, a probabilidade de incêndios futuros aumente; bem ao contrário, na
verdade, o objetivo é minimizar a extensão das perdas e danos pessoais, se um
incêndio surgir. A mesma lógica aplica-se no caso da prevenção de recaída. Por que
não incluir um "exercício de combate á recaída"
46 Marlatt & Gordon

como uma estratégia de prevenção integrando o programa de tratamento? O apren-


dizado de habilidades precisas de prevenção e estratégias cognitivas relacionadas
parece oferecer mais ajuda ao cliente do que confiar em conceitos vagos, tais como
força de vontade ou tentativa de adotar os conselhos embutidos em diversos slagans
proféticos do tipo: "Você está apenas a uma dose de ser um bêbado". Outros slogans
parecem muito mais apropriados à abordagem de PR, tais como "Melhor prevenir do
que remediar" ou, como qualquer bom escoteiro diria, "Sempre alerta!"

Abordagem Geral no Trabalho com os Clientes


Contrariamente às abordagens tradicionais no tratamento de problemas adictivos (em
especial aqueles derivados do modelo de doença), nos quais os terapeutas
freqüentemente iniciam o tratamento usando técnicas de confrontação que visam
"romper o sistema de negação" e forçar o cliente à aceitação de determinado rótulo
diagnóstico, o modelo PR tenta apoiar um senso de objetividade ou distanciamento na
abordagem de nossos clientes a seus comportamentos problemáticos. Ao relacionarmo-
nos com o cliente como um colega ou co-terapeuta, esperamos encora
jar um senso de cooperação e franqueza, no qual os clientes aprendam a perceber seu
comportamento adictivo como algo que Jazem, em vez de como uma indicação de algo
que são. Adotando esta abordagem objetiva e distanciada, os clientes podem ser
capazes de se libertar da culpa e defensividade que, de outra forma, colocariam
tendências em sua visualização do problema. Também encorajo os clientes a
assumirem um papel ativo no planejamento do tratamento e tomada de decisões ao
longo de todo o curso do tratamento. Em vez de tratá-Io como uma vítima passiva da
doença, facilito a participação ativa e o encorajo a assumir responsabilidade pessoal em
cada etapa do programa. O objetivo geral é aumentar a consciência e a escolha do
cliente com relação ao seu comportamento, desenvolver habilidades de enfrentamento
e capacidades de autocontrole, além de desenvolver, em termos gerais, um maior senso
de confiança, maestria ou auto-eficácia em sua vida.
Quais das várias técnicas de PR descritas abaixo devem ser aplicadas com um
determinado cliente? É impossível combinar técnicas em um "pacote" padronizado,
com cada sujeito recebendo componentes idênticos, se a finalidade é avaliar a
efetividade de um programa em forma de pacote. A maioria dos leitores, entretanto,
estará usando o modelo PR com clientes em um arranjo clínico aplicado. Em contraste
com as demandas de pesquisas de resultados de tratamentos, aqueles que trabalham na
área clínica tipicamente preferem desenvolver um programa de técnicas
individualizadas, feitas especialmente para determinado cliente. A abordagem
individualizada é a que recomendamos para a implementação com a maioria dos
clientes. A seleção de técnicas particulares deve ser feita com base em uma avaliação
cuidadosamente conduzida. Os terapeutas são encoraja dos a selecionar técnicas de
intervenção com base em sua determinação e avalia ção inicial do problema do cliente e
padrão geral de estilo de vida. A fim de determinar a eficácia de um determinado
programa de intervenção no contexto clínico, o uso de esquemas com sujeitos
individuais é recomendado (por exemplo,
Jayarante & Levy, 1979; Kazdin, 1976a). Ao monitorar o progresso contínuo com o
uso de metodologia de sujeito individual, o terapeuta deve ser capaz de combinar
procedimentos no programa de intervenção mais efetivo para qualquer cliente
específico.
Prevenção de Recaída 47

Para que o impacto geral da abordagem individualizada seja maior, várias


questões devem ser mantidas em mente. Em primeiro lugar, a fim de melhorar o papel
do cliente como um colega ou co-terapeuta, devem ser feitas todas as tentativas para
ajudá-Io a selecionar sua própria combinação de técnicas. A racionalização para a
seleção de uma técnica em detrimento de outra deve surgir logicamente da fase de
avaliação, na qual o cliente exerce um papel de participação ativa (por exemplo, no
automonitoramento do comportamento-alvo, etc.). Em segundo lugar, o terapeuta
pode facilitar a adesão geral do cliente com o programa de autocontrole, focalizando a
atenção e energia sobre umas poucas técnicas cuidadosamente selecionadas,
introduzidas uma após a outra. Os clientes tendem a sentir -se perplexos ao serem
solicitados a obedecer a uma multiplicidade de procedimentos introduzidos ao mesmo
tempo. Ao longo dessas mesmas linhas, a adesão ao programa PR pode ser melhorada
se o cliente é capaz de experimentar sucessos pequenos mas como incrementos
progressivos à medida que o programa desdobra-se. A auto-eficácia é melhorada,
portanto, através do progresso gradual do cliente, onde cada nova exigência ou tarefa
é executada "um passo de cada
vez". Inversamente, a expectativa para o desenvolvimento do autocontrole pode ser
destruída em um período relativamente curto, se o cliente é sobrecarregado com um
número muito grande de tarefas de uma só vez. Muitos componentes de tratamento de
uma única vez arruinam a adesão. Finalmente, o terapeuta deve tentar desenvolver um
programa de intervenção no qual exista um equilíbrio entre procedimentos verbais
prescritivos (por exemplo, obedecer a regras e instruções verbais) e técnicas não-
verbais (por exemplo, uso da imaginação, exercícios fisicos. meditação, etc.).

Estratégias de Avaliação e Intervenção


Esta seção apresenta os pontos mais salientes da avaliação de PR e estratégias de
prevenção descritas em profundidade nos quatro capítulos seguintes. Esta visão geral
contém uma discussão das estratégias que visam ensinar o cliente a antecipar e lidar
com a possibilidade de recaída - a reconhecer e a lidar com situações de alto risco
que podem precipitar um lapso, assim como e a modificar cognições e outras reações
de modo a evitar que um único lapso transforme-se em uma recaída plena. Uma vez
que tais procedimentos são explicitamente focalizados sobre os precipitadores
imediatos do processo de recaída, são chamados, coletiva mente, de estratégias
específicas de intervenção. A discussão estende-se além da microanálise do lapso
inicial e apresenta estratégias voltadas à modificação do estilo de vida do paciente e a
identificação e enfrentamento dos determinantes encobertos da recaída (sinais iniciais
de alerta, distorções cognitivas e preparações para a recaída). Tais procedimentos são
chamados de estratégias globais de autocontrole.
As estratégias de PR tanto específicas quanto globais podem ser colocadas em
três categorias principais: treinamento de habilidades, reestruturação cognitiva e
intervenção no estilo de vida. As estratégias de treinamento de habilidades incluem
respostas tanto comportamentais quanto cognitivas para o enfrentamento de situações
de alto risco. Os procedimentos de reestruturação cognitiva obje tivam oferecer ao
cliente cognições alternativas relativamente à natureza do processo de mudança de
hábitos (isto é, a vê-Io como um processo de aprendizado), introduzir a imaginação no
enfrentamento de compulsões e sinais iniciais de alerta, além de reestruturar as
reações ao lapso inicial (reestruturação do EVA). Final
r
48 Marlatt & Gordon

mente, as estratégias de intervenção no estilo de vida (por exemplo, relaxamento e


exercícios) visam reforçar a capacidade geral de enfrentamento do cliente e reduzir a
freqüência e intensidade de compulsões e fissuras que freqüentemente são o produto
de um estilo de vida desequilibrado.

Estratégias Específicas de Intervenção


A Figura 1-8 oferece uma visão geral esquemática de várias estratégias específicas
de intervenção. Os boxes ao longo da linha mediana desta figura representam os
estágios do processo de recaída descritos anteriormente (ver Figura 1-4), desde a
situação de alto risco até o EV A. Os círculos contêm vários procedimentos de
avaliação e tratamento que podem ser usados em estágios sucessivos na seqüência de
recaída.
Revisemos brevemente as estratégias de avaliação e intervenção nos círculos
da Figura 1-8, iniciando no lado esquerdo do diagrama. A primeira etapa na
prevenção de recaída é ensinar o cliente a reconhecer as situações de alto risco que
podem precipitar ou desencadear uma recaída. Quanto antes o indivíduo
conscientiza-se de estar envolvido em uma cadeia de eventos que aumenta a
probabilidade de um lapso ou deslize, mais cedo ele pode intervir executando uma
habilidade de enfrentamento apropriada ou reconhecer e responder aos estímulos
discriminatórios associados com o "ingresso" em uma situação de alto risco e usar
esses indícios tanto como sinais de alerta quanto como lembretes para engajar-se em
uma ação alternativa ou saneadora.
Para introduzirmos uma metáfora que será usada freqüentemente nesta apre-
sentação, imagine que o cliente envolvido em um programa de autocontrole é um
motorista iniciando uma viagem por uma auto-estrada. O itinerário da viagem (por
exemplo, mudar de uso excessivo da droga para a abstinência) inclui segmentos
tanto "fáceis" quanto "difíceis" da estrada (percurso entre planícies e montanhas). A
partir desta perspectiva metafórica, as situações de alto risco são equivalentes

Figura 1-8. Prevenção de recaída: estratégias específicas de intervenção.


Prevenção de Recaída 49

àquelas partes perigosas da viagem, nas quais o motorista deve usar cautela extra e
habilidades de pilotagem para manter o automóvel na estrada e evitar um acidente. Os
estímulos discriminatórios que sinalizam uma situação de alto risco podem ser
imaginados como sinais na auto-estrada, dando ao motorista informa ções sobre
perigos e riscos adiante, na estrada (por exemplo, "Curva perigosa àdireita:
"Devagar"). O motorista alerta e responsável é alguém treinado para manter um olho
nesses sinais e assumir a ação apropriada para evitar um acidente. Assim também
ocorre com a pessoa que tenta evitar o engajamento no comportamento adictivo: ela
deve estar sempre atenta a indicadores que denotam a proximidade de situações
potencialmente problemáticas. Tais indicadores podem servir como sinais iniciais de
alerta que lembram ao indivíduo para "Parar, Olhar e Escutar", antes de responder.
Quanto antes esses sinais são notados, mais fácil é prever o que está à frente da
próxima curva e assumir os passos apropriados para lidar eficazmente com a situação.
Diversos métodos diferentes podem ser usados para ajudar os clientes a
identificar suas próprias situações de alto risco. Muitas dessas situações são
relacionadas na Tabela l-I e já foram descritas. Detalhes adicionais sobre uma ampla
variedade de situações de alto risco são oferecidos no Capítulo 2. As situações de alto
risco que meus colegas e eu descobrimos como parte de nossas pesquisas oferecem
um exame geral das várias categorias de episódios de recaída; mas não refletem
necessariamente todas as situações que podem ser de alto risco para qualquer
indivíduo específico. Embora o terapeuta possa usar as categorias gerais de situações
de alto risco na Tabela l-I como um ponto de partida, é importante salientar a
necessidade de um procedimento de avaliação individualizado para identificar
situações únicas ou idiossincrásicas que podem representar um problema para
determinado cliente. Também é importante salientar que uma determinação das
habilidades de enfrentamento do cliente é uma parte integral do procedimento de
avaliação, já que qualquer situação específica pode ser considerada de alto risco
apenas até onde a pessoa é incapaz de responder com uma resposta apropriada de
enfrentamento.
Os procedimentos disponíveis para a identificação de situações de alto risco
diferem com base no fato de o cliente ainda estar ou não engajado no comporta mento-
alvo à época da avaliação. Com muitos clientes, é possível obter um registro básico
contínuo do comportamento-problema (por exemplo, fumar ou beber) antes da data da
cessação. No caso da maior parte dos contextos de tratamento para a adicção em
heroína ou alcoolismo, entretanto, o terapeuta tem pouco ou nenhum contato com o
cliente, até após a desintoxicação ter sido completada e o cliente já estar abstinente.
Na condição anterior, o uso de procedimentos de automonitoramento oferece um
método eficaz de identificação de situações potenciais de alto risco onde o acesso ao
comportamento em andamento está prontamente disponível. O automonitoramento,
descrito em maiores detalhes no Capítulo 2, é um procedimento no qual o cliente
mantém um registro contínuo do comportamento-alvo à medida que este ocorre (por
exemplo, pode-se pedir que um fumante registre cada cigarro fumado, juntamente
com uma indicação da hora e ambiente, nível de humor antes e apÓs fumar, etc.). O
automonitoramento pode também ser usado para monitorar compulsões ou intenções
de fumar, juntamente com registros de respostas de enfrentamento usadas (se existem)
e se a compulsão foi ou não seguida pelo ato adictivo. O automonitoramento pode
servir tanto como um procedimento de ava liação quanto como uma estratégia de
intervenção, já que a consciência do cliente quanto ao comportamento-alvo aumenta à
medida que a avaliação continua. A
50 Marlatt & Gordon

consciência de pontos de escolha e respostas alternativas na seqüência de com-


portamento adictivo pode ser uma das aliadas mais significativas no repertório de
enfrentamento do cliente. A maior parte dos comportamentos habituais, por defi-
nição, é caracterizada por um baixo nível de consciência. Os comportamentos
adictivos, tais como fumar ou beber, representam com freqüência respostas "au-
tomáticas" e hiperaprendidas. O automonitoramento reintroduz a consciência sobre o
processo e, portanto, apresenta um profundo efeito de desabituação.
Outros procedimentos de avaliação comportamental que podem ser utilizados
para a identificação de situações potenciais de alto risco são descritos no Capítulo 2.
Os métodos de observação direta podem ser usados ocasionalmente, incluindo a
observação do comportamento-alvo em contextos naturais e em tarefas analógicas
(por exemplo, o uso de tarefa de classificação de paladar como uma medição
comportamental direta do consumo de álcool). Uma das mais significativas medições
de avaliação por auto-relato para a identificação de situações de alto risco e auto-
avaliações da capacidade de enfrentamento para cada situação envolve o uso de
avaliações da auto-eficácia. Este procedimento envolve basicamente a apresentação
de uma lista de situações específicas de alto risco para a recaída ao cliente e a
solicitação para que ele avalie o grau de tentação que tende a experienciar e o grau de
segurança que sente acerca de sua capacidade para lidar efetiva mente (evitar um
lapso) em cada situação. Em uma variação deste método, o Teste de
Competência Situacional (TCS) descrito no Capítulo 2, os clientes são
solicitados a oferecer uma narrativa (escrita ou oral) sobre o que realmente fariam se
estivessem na situação de alto risco de scrita; tal procedimento também permite uma
avaliação de suas respostas de enfrentamento. As classificações de auto-
eficácia e respostas esperadas de enfrentamento podem então ser examinadas,
revelando um "perfil" geral dos recursos e fraquezas em uma variedade de
situações de alto risco. Procedimentos adicionais de avaliação para esta finalidade
incluem pedir que o cliente dê um relato de episódios passados de recaída
e/ou descrições de
fantasias de recaída (por exemplo, sonhos envolvendo o uso da droga ou
respostas à proposta: "Quero que você imagine o que seria necessário para
fazê-Io voltar ao antigo padrão do hábito"). Autobiografias que se focalizem
sobre o padrão de comportamento adictivo do cliente também podem oferecer
indicadores quanto às situações potenciais de alto risco. Tomado
coletivamente, este material de avaliação pode ser usado para localizar áreas
que exigem treinamento ou atenção especial durante os componentes de
treinamento de habilidades do programa de PR.
Uma vez que as situações de alto risco tenham sido identificadas, o
cliente pode aprender a responder a tais indicadores situacionais como
estímulos diseriminatórios (sinais na auto-estrada) para a mudança
comportamental. Em alguns casos, pode ser melhor simplesmente evitar as
situações de alto risco, se possível (fazer um desvio, para usarmos a metáfora
da auto-estrada). Na maioria dos casos, entretanto, as situações não podem ser
facilmente evitadas, e o cliente deve confiar nas habilidades de enfrentamento
ou estratégias alternativas para "atravessar" a situação sem uma recaída.
O componente fundamental da abordagem de PR é ensinar ao cliente
estratégias de enfrentamento com procedimentos de treinamento de
habUídades (por exemplo, Chaney, O'Leary & Marlatt, 1978). Para aqueles cujas
respostas de enfrentamento estão bloqueadas pelo medo ou ansiedade, o terapeuta
deve tentar desinibir o comportamento pelo uso de um procedimento apropriado de
redução da ansiedade, tal como dessensibilização sistemática. Para os que
mostram deficiências em seu repertório de habilidades, entretanto, o terapeuta tenta
ensinar novas habilidades, usando uma abordagem sistemática e estruturada. Procedi
Prevenção de Recaída 51

mentos de avaliação e treinamento para habilidades tanto cognitivas quanto de


enfrentamento também são descritos no Capítulo 2.
A abordagem preferida por este autor combina treinamento na capacidade
geral de solução de problemas com treinamento específico de habilidades. A
adoção de uma orientação para a solução de problemas em situações
estressantes (cf. Goldfried & Davison, 1976) dá às pessoas maior flexibilidade
e adaptabilidade em novas situações problemáticas, em vez de terem de confiar
apenas no aprendizado decorado de diversas habilidades isoladas que podem
ou não ser generalizadas para vários arranjos e situações. Os métodos de
treinamento de habilidades incorporam componentes de instrução direta,
modelagem, ensaio comportamental e orientação, bem como retroalimentação
pelo terapeuta. Também considero que a modelagem de sentenças auto-
instrutivas (cf. Meuchenbaum, 1977) é particularmente útil para ensinar-se
autodeclarações cognitivas aos clientes, a serem usadas independentemente ou
em conjunto com o desempenho de habilidades claramente comportamentais.
Nos casos nos quais não é prático exercitar novas habilidades de enfrenta-
mento em contextos ambientais da vida real, o terapeuta pode fazer uso da
imaginação para representar a situação de alto risco. Este procedimento,
chamado de ensaio da recaída, é similar à técnica de fantasia da recaída já
mencionada. No procedimento de ensaio da recaída descrito no Capítulo 2, o
terapeuta vai além do cenário imaginado relacionado com a situação de alto
risco e inclui cenas nas quais o cliente realmente imagina-se engajando-se em
respostas de enfrentamento apropriadas. Este procedimento, conhecido como
modelagem encoberta (Kazdin, 1976b), também pode ser usado para ajudar os
clientes a lidarem com suas reações a um lapso, pelo ensaio de técnicas de
reestruturação cognitiva.
Além de ensinar ao cliente a responder com eficácia quando confrontado
com situações de risco específicas, há uma série de procedimentos de
tremamento de relaxamento e manejo do estresse que o terapeuta pode
planejar para aumentar a capacidade geral do cliente de lidar com o estresse. O
treinamento de relaxamento pode prover o cliente de um aumento na
percepção global de controle, reduzindo, assim, a "carga" de estresse
desencadeada por uma situação qualquer. Tais procedimentos, como
treinamento de relaxamento muscular progressivo, meditação e várias técnicas
de manejo do estresse são extremamente úteis em auxiliar o cliente a lidar com
mais eficácia com as vicissitudes e as demandas da vida diária. Estes e outros
procedimentos de intervenção nos estilos de vida são descritos no Capítulo 5.
(O uso de imagmário para aumento da eficácia, também inserido na Figura 1-
8, é descrito na seção seguinte em Estratégias de Autocontrole Globa1.)
Expectativas de resultado positivo exercem um papel crítico no processo
de recaída e são descritas em maior profundidade no Capítulo 3. Após um
cliente ter estado abstinente por algum tempo, seguidamente ocorre uma
mudança nas atitudes e crenças sobre os efeitos da substância psicoativa ou
atividade usada anteriormente. Expectativas de resultado positivo para os
efeitos imediatos tornam-se uma força motivadora especialmente potente para
o retomo ao uso, quando o cliente precisa enfrentar uma situação de alto risco
ou está reagindo a um estilo de vida desequilibrado. Em qualquer dos casos, a
tentação para "ceder" e
abandonar o controle pela indulgência à atividade-tabu anterior é uma
poderosa influência a ser combatida. Como um lembrete de seus efeitos
potentes, chamo a isto de Problema da GratiflCação Imediata, ou fenômeno PGI.
A educação acerca dos efeitos tanto imediatos quanto retardados da droga ou
atividade envolvida pode ajudar a evitar a tendência a ver a "grama mais verde" no
52 Marlatt & Gordon

outro lado do muro da abstinência. Informações sobre os efeitos a longo prazo do uso
excessivo da droga sobre a saúde fisica e bem-estar social podem ajudar no combate à
tendência a pensar apenas nos efeitos iniciais agradáveis a curto prazo (isto é, o
fenômeno de PGI). Pesquisas e teorias recentes sobre o curso dos efeitos ao longo do
tempo após a ingestão de muitas substãncias psicoativas sugerem que a resposta geral
pode ser de natureza bifásica: o aumento inicial na euforia e excitação é
freqüentemente seguido por um efeito retardado na direção oposta (disforia aumentada
e outros estados afetivos negativos). Esta reação bifásica foi observada com o álcool e
outras drogas psicoativas, e freqüentemente é citada em associação com a teoria de
processo oponente de motivação para o uso da droga, recentemente melhorada por
Solomon e colaboradores (Solomon, 1977; Solomon & Corbit, 1974). O leitor deve
consultar o Capítulo 3 para uma plena discussão sobre a resposta bifásica e suas
implicações para o desenvolvimento de expectativas de resultado positivo.
Uma técnica considerada sobremaneira útil na avaliação das expectativas de
resultado é a matriz de decisões, ilustrada na Figura 1-9 e descrita em maiores detalhes
no Capítulo 4. A matriz mostrada aplica-se à cessação do hábito de fumar, mas pode
ser facilmente adaptada para outros comportamentos adictivos. O cliente recebe o
formato básico na forma de uma tabela tripla (matriz 2 X 2 X 2) com os seguintes
fatores: decisão para reassumir o antigo comportamento ou manter abstinência, efeitos
imediatos x retardados de qualquer decisão e, dentro de cada uma das categorias
anteriores, as conseqüências positivas e negativas envolvidas. O clie nte é, então,
solicitado (com o auxílio do terapeuta) a preencher cada uma das oito células da
matriz, relacionando os efeitos que supostamente têm o maior impacto. A matriz de
decisão deve ser administrada pela primeira vez nos estágios iniciais do processo de
mudança de hábitos. Pode ser um prático auxiliar na avaliação da motivação para a
mudança e pode servir como um lembrete dos objetivos e razões para embarcar na
jornada de mudança, para o cliente. Deve ser notado que os valores associados com
cada resultado específico provavelmente mudarão com o tempo (relativamente ao
ponto de mudança de comportamento inicial). O cliente, então, deve ser lembrado de
revisar a matriz em cada ponto significativo de escolha, no futuro, em especial se está
considerando reassumir o antigo comportamento. Os clientes à beira de uma recaída
freqüentemente atentarão apenas aos efeitos positivos imediatos neste ponto (fenômeno
PGI) e ignorarão ou negarão as conseqüências negativas, imediatas ou retardadas.
E se tudo o mais falha e uma recaída ocorre? O cliente pode ser preparado de
antemão para lidar com este possível resultado, e para aplicar alguns "freios"
cognitivos e comportamentais de modo que o lapso inicial não "saia do controle" e se
transforme numa recaída plena. Uma combinação de habilidades específicas de
enfrentamento e reestruturação cognitiva oferece a maior vantagem. Em primeiro
lugar, o terapeuta precisa ensinar habilidades comportamentais ao cliente, para que este
possa moderar ou controlar o comportamento, uma vez que este ocorra. Tais
comportamentos de enfrentamento podem ser especificados de antemão em um
contrato de recaída (ver detalhes do contrato de recaída no Capítulo 4). A finalidade
deste procedimento é estabelecer um contrato de trabalho ou contrato terapêutico para
limitar a extensão do uso, na ocorrência de um lapso.
O principal objetivo da reestruturação cognitiva é combater os componentes
cognitivos e afetivos do EV A. Em vez de reagir ao primeiro lapso como um sinal de
fracasso pessoal caracterizado por conflito, culpa e atribuição interna, o cliente aprende
a reconceitualizar o episódio como um evento isolado e independente e a vê -Io como
um engano, em vez de um desastre que jamais poderá ser desfeito.
Prevenção de Recaída
53

Vários procedimentos que podem ser usados para a reestruturação do lapso e


EV A são descritos no Capítulo 4. Como um auxilio adicional à
reconceitualização. o cliente pode receber um resumo do material de
reestruturação cognitiva na forma de um cartão-lembrete (ver Capítulo 4). Os
cartões-lembrete apresentam uma breve lista de "procedimentos de
emergência" a serem seguidos na ocorrência de uma recaída.
O procedimento final de intervenção indicado na Figura 1-8 é a recaída
programada. Nesta técnica paradoxal de intenção. o cliente deve consumir a
pri
meira dose, cigarro ou outra substãncia sob a supervisão direta do terapeuta. O
objetivo da recaída programada é ajudar os clientes (particularmente aqueles
que se sentem incapazes de manter a abstinência e planejam voltar ao antigo
padrão de hábito) a experienciar objetivamente o retomo inicial do
comportamento-alvo sob a orientação do terapeuta. Marcando-se a "recaída"
para um horário e local designados pelo terapeuta, exclui-se a possibilidade de
outra forma perigosa de que o cliente reassuma o hábito sob condições
altamente estressantes. Os detalhes sobre o uso deste procedimento são
apresentados no Capítulo 4.

CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS CONSEQÜÊNCIAS TARDIAS

POSITIVAS NEGATIVAS POSITIVAS NEGATIVAS

Parar de fumar auto-eficácia negação da gra - autocontrole negação da gra-


ou permanecer aumentada tificação des - aumentado me- tificação (toma-
abstinente aprovação conforto de abs- Ihor saúde (au- semenosinten-
social estado fi- tinência sência de doen- sal
sico frustração + ça)
melhorado ga - raiva ganho financei-
nho financeiro ganho de peso ro
ausência de de.
saprovação so-
cial

Continuar ou gratificação Culpa + atribui- gratificação autocontrole di-


retomar o hábi- imediata ção de ausência continuada minuído
to de fumar remoção do de controle riscos para a
desconforto da censura social saúde
abstinência efeitos fisicos perda financei-
consistente negativos ra
com auto-ima- perda financei- desaprovação
gem do passado ra social conti-
perda de peso nuada
Figura 1-9. Matriz de decisões para a cessação do hábito de fumar.

Estratégias Globais de Autocontrole


Além de oferecer ao cliente um conjunto de habilidades específicas e
estratégias cognitivas para o enfrentamento de uma variedade de situações de
alto risco. várias estratégias cognitivas podem estabelecer um quadro mais
amplo para a
54 Marlatt & Gordon

prevenção de recaída. Não é suficiente ensinar o cliente a responder mecanicamente a


uma situação de alto risco após a outra. É impossível para o terapeuta identificar ou
trabalhar com todas as situações de alto risco possíveis que o cliente pode
experienciar. Ademais, as sessões de treinamento de habilidades descritas
anteriormente são, por necessidade, bastante específicas em conteúdo, e a gene-
ralização para outras situações diferentes nem sempre ocorre. O ensino de habilidades
gerais de solução de problemas e estratégias de pla nejamento do avanço melhorarão,
até certo ponto, o processo de generalização. A fim de se desenvolver um programa de
prevenção mais completo, entretanto, também é importante intervir no estilo de vida
geral do cliente, de modo a aumentar a capacidade geral para lidar com o estresse e
para enfrentar situações de alto risco com um senso aumentado de auto-eficácia,
treinar o cliente para identificar e responder a sinais de alerta situacionais e
encobertos, iniciais e para exercitar estratégias de autocontrole a fim de reduzir o nível
de risco de qualquer situação que, de outra forma, poderia desencadear um lapso. A
Figura 1-10 oferece uma visão esquemática dessas estratégias globais de autocontrole.
A seqüência de boxes no centro do esquema representa os antecedentes encobertos
levando a uma situação de alto risco, como ilustrado na Figura 1-7. Várias
intervenções ao longo desta seqüência de condições antecedentes são apresentadas,
dentro dos círculos.
Recentemente, o autor trabalhou com um cliente que ilustra o impacto do
desequilíbrio do estilo de vida sobre um problema de comportamento adictivo.
Tratava -se de uma mulher de 35 anos de idade que veio à terapia buscando ajuda para
seu beber-problema. Quando solicitada a descrever o padrão de sua ingestão alcoólica
diária, forneceu os seguintes detalhes. Era professora e atualmente vivia com um
homem que temia que ela desenvolvesse um problema de alcoolismo. Em vista dos
sentimentos do companheiro, a cliente sentia muita culpa e geralmente evitava ingerir
álcool na presença dele. Como resultado, a maior parte de sua ingestão alcoólica
estava confinada a um curto período à tarde, após a escola. Um dia típico de trabalho
para ela começava às 7 horas da manhã, quando se levantava para fazer o seu almoço
e o do companheiro. Uma vez que ela dormia até o último momento possível, a rotina
pela manhã era apressada e frenética. Ela dirigia velozmente para a escola para
comparecer à sua primeira aula, um grupo de alunos barulhentos da segunda série. Em
vez de aproveitar o período de repouso ao meio-dia, ela preferia monitorar a sala de
estudos durante a hora do almoço, já que fazendo isto ela podia sair do trabalho um
pouco mais cedo. As tardes eram muito similares às manhãs: ela lecionava drama e
freqüentemente trabalhava sob a pressão de prazos para a apresentação das peças
teatrais que dirigia. Ao sair da escola, às 15 horas, estava "uma pilha de nervos",
conforme sua própria descrição. Seu modo de lidar com este estresse era simples e
direto. Cultivava o hábito de manter um frasco com mais ou menos 250ml de vodca
no porta-luvas de seu automóvel e geralmente consumia todo o frasco no período de
meia hora até chegar em casa. Ela não queria arriscar-se a beber no serviço, e já que
seu parceiro via o fato de ela beber com críticas e desdém, a cliente "espremia" todo
seu consumo alcoólico neste breve período, todas as tardes. Desnecessário dizer que
freqüentemente chegava em cada intoxicada.
Como indicado anteriormente neste capítulo, um indivíduo cujo estilo diário
d.e vida ê caracterizada ~or uma ~re~onderànc\a ae "aeveres' e UIDa
e~~a~~e'L de "desejos" auto gratificantes , pode vir a crer que alguma forma de
indulgência é
justificada como um pagamento por responder às exigências externas e incômodos
da vida diária. A cliente ilustra este prinCÍpio: ela sentia que "devia uma dose a 81
mesma", já que esta era quase que a única forma de autogratificação a que se
Prevenção de Recaída 55

permitia em um dia típico de trabalho. Ela também afirmou que mal podia esperar
pela sensação de libertação que lhe vinha dos efeitos proporcionados pelos goles
apressados de vodca (para ela, o percurso até sua casa era verdadeiramente uma hora
de "rush", que esperava com ansiedade todos os dias).

Figura 1-10. Prevenção de recaída: estratégias globais de autocontrole.

Ao trabalhar com esta cliente, comecei por focalizar sobre dois aspectos
importantes seu problema com o álcool: as atitudes de seu parceiro com relação à sua
ingestão alcoólica e seu estilo de vida diá rio. Uma vez que ficou decidido, com base
em uma cuidadosa abordagem de avaliação, que a cliente seria boa candidata a um
programa de beber moderado, e já que ela não queria abandonar completamente o
beber, o objetivo da abordagem foi criar uma mudança acentuada em seu padrão de
ingestão alcoólica diária. Concordamos que um padrão de ingestão alcoólica
moderada envolveria a eliminação da ingestão alcoólica caótica, substituindo este
comportamento por um padrão moderado de ingestão alcoólica em casa e em outras
situações sociais (usando vinho em vez de destilados) e limitando seu consumo de
modo a evitar a intoxicação. A fim de preparar o clima para seu consumo de álcool
em casa, trouxe seu companheiro à sessão e discuti com ele a possibilidade de que
seus sentimentos acerca do comportamento de beber da cliente poderiam ter exercido
um papel importante no estabelecimento do padrão aberrante atual. Após alguma
discussão, ele começou a compreender como seus temores de que ela se tornasse uma
alcoólica faziam-na sentir culpa a ponto de ter de esconder completamente o fato de
beber, confinando-o a uma experiência isolada à hora de ir para casa. Ele, então,
concordou em permitir que ela bebesse vinho em casa em sua presença, sem reagir
negativamente. Quase que ime diatamente após o companheiro aceitar o fato de ela
beber sem responder de um modo punitivo, a cliente relatou sentir-se muito menos
culpada e preocupada sobre seu consumo de álcool. Seus dados de
automonitoramento quanto à bebida mostraram uma queda no consumo de cerca de
25% por semana, mesmo na ausência de qualquer intervenção adicional.
Apesar deste progresso, a cliente relatou que ainda sentia necessidade por
alguma forma de liberação após um dia típico de trabalho. Para lidar com este
,
56 Marlatt & Gordon

desejo por gratificação imediata, começamos a modificar suas atividades diárias para
restaurarmos o equilíbrio entre seus deveres obrigatórios (os "deveres") e outras
atividades que ela considerava mais autogratificantes (os "desejos"). Como
resultado, sua rotina diária mudou. Agora, ao invés de levantar em cima da
hora e correr para preparar o almoço do casal, ela começou uma nova rotina,
levantando-se uma hora e meia antes pela manhã, preparando seu almoço (seu
companheiro aprendera a fazer o dele) e depois parando a caminho da escola em
uma academia de ginástica, onde dava um mergulho na piscina, recebendo depois
uma massagem. Ela chegava á escola relaxada e refrescada, para o início de seu dia
de trabalho. No intervalo do meio da manhã, ela praticava meditação por 20
minutos, sentando-se em silêncio no auditório da escola. No horário do almoço, em
vez de monitorar os alunos na sala de estudos, ela dividia seu tempo com uma
amiga; ela e esta amiga almoçavam descontraidamente juntas, ou passavam o tempo
corren. do em tomo de um lago próximo.
Após as aulas da tarde, a cliente começou a dedicar uma hora àquilo a que
chamo de tempo para o corpo - um horário estabelecido exclusivamente para
exercícios físicos e/ou relaxamento. Em vez de aderir rigidamente a um regime de
exercícios externamente imposto (por exemplo, "Devo correr todos os dias, às 4 da
tarde, de qualquer modo"), ela primeiro sentava -se calmamente e meditava por
alguns minutos, a fim de intuir subjetivamente o que seu corpo "precisava" mais.
Dependendo de seu humor (e freqüentemente das condições climáticas), ela então
selecionava uma atividade dentre várias alternativas, consistindo de
aeróbica (correr, nadar ou andar de bicicleta) e exercícios de meditação-
relaxamento. Assim,
ela escolhia a atividade mais apropriada às suas necessidades em qualquer dia
determinado. Caso se sentisse tensa e esgotada pelas tarefas do dia de trabalho, podia
selecionar um exercício vigoroso, como a corrida. Por outro lado, se estivesse
obsessivamente preocupada, podia escolher a meditação (o uso do conceito de "tempo
para o corpo" é descrito em maiores detalhes no Capítulo 5). Uma vez que a cliente
fez tais alterações no estilo de vida e as incorporou em sua rotina em uma base
regular, seu desejo pela ingestão de vodca à tarde cedeu e foi substituído,
eventualmente, por uma necessidade por outras atividades, mais saudáveis. Sua
ingestão alcoólica diminuiu drasticamente e estabilizou-se em cerca de duas a três
taças de vinho à noite.
Este caso ilustra o desenvolvimento de um estilo de vida equilibrado.
Como indicado na Figura 1-10. a intervenção no estilo de vida é uma das principais
estratégias globais de autocontrole empregada na abordagem de PR. Um objetivo
importante da intervenção no estilo de vida é substituir a bebida ou outros com-
portamentos adietivos por uma atividade que se qualifique como uma adicção
positiva (Glasser, 1976). Se uma adicção "negativa" (por exemplo. uso excessivo de
uma droga) pode ser descrita como uma atividade que parece boa de início mas causa
danos a longo prazo, uma adicção "positiva" (por exemplo. correr) é uma atividade
que pode ser experienciada negativamente de início (sobretudo nos primeiros estágios
do exercício), mas é muito benéfica em termos dos efeitos a longo prazo. As adicções
positivas freqüentemente tomam-se "desejos" à medida que o indivíduo começa a
esperar com prazer pelo engajamento na atividade, e/ou sente falta dos efeitos
positivos se a atividade ou exercício não é praticada em uma base regular. Ademais.
uma vez que o indivíduo geralmente deve adquirir novas habilidades no
desenvolvimento de uma adicção positiva, a auto-eficácia freqüentemente aumenta
como um resultado disso. De modo similar, uma vez que a prática regular desses
comportamentos está associada com um maior senso de relaxamento ou maior bem-
estar físico, a capacidade geral de enfrentamento é aumen
Prevenção de Recaída 57

tada; as situações de alto risco podem ser mais facilmente enfrentadas, em vez
de servirem como desencadeadores que precipitam os comportamentos
excessivos. As adicções positivas, com uma ênfase sobre o relaxamento e
exercícios aeróbicos, são discutidas com maiores detalhes no Capítulo 5.
A programação de períodos de tempo livre durante o dia, quando o
cliente pode buscar seus próprios interesses (por exemplo, fazer compras,
almoçar com um amigo, etc.) também pode oferecer equilíbrio em um quadro
de outra forma lotado de "deveres". Indulgências substitutas, ou atividades
que proporcionem uma forma imediata de autogratificação (por exemplo,
submeter-se a uma massagem, atividade sexual, comer em um bom
restaurante, etc) também podem servir como alternativas de último minuto ou
formas substitutas de auto-indulgência, em especial quando a tentação para
"ceder" às promessas de ficar "alto" com drogas é sobremaneira intensa. A
intervenção no estilo de vida também pode envolver
programas terapêuticos que têm um impacto importante sobre a vida do cliente tais como terapia
conjugal, aconselhamento ocupacional ou mudanças no ambiente social ou fisico.
Um desejo por indulgência que se derive de um estilo de vida
equilibrado pode expressar-se em formas tanto afetivas (em geral somáticas) e
cognitivas. Na forma somática, o desejo pode expressar-se na forma de
respostas de compulsões e/ou fissuras (antecipação dos efeitos da gratificação
imediata). Alternativamente, o desejo pode tomar a forma de distorções
cognitivas que preparam o palco ou "dão permissão" para uma potencial
recaída, tal como uma racionalização, negação ou Decisões Aparentemente
Irrelevantes (DAls). Cada uma destas reações pode ser combatida com
estratégias de PR. Uma vez que as fissuras e compulsões surgem por
indicadores externos, tais como visão ou cheiro de cigarros, bebidas
alcoólicas ou outras substáncias psicoativas, o cliente pode exercer muito
controle pela simples remoção de tantos estímulos tentadores quanto possível
de seu ambiente de vida cotidiana. O objetivo geral deste controle dos
estímulos pode ser resumido no velho ditado: "O que não é visto não é
lembrado". As técnicas de controle do estímulo são particularmente
importantes durante os estágios iniciais da abstinência (ver Capítulo 4 para
uma discussão mais completa sobre os procedimentos de controle do
estímulo).
O principal ponto a salientar aqui é que as fissuras e compulsões
freqüentemente assumem a forma de respostas condicionadas. Como ocorre
com outras respostas interoceptivas (como a resposta emocional
condicionada), elas têm um curso específico de ação, com determinada
latência de aparecimento, intensidade e duração. A coisa mais importante a
ser lembrada pelos clientes é que tais respostas de compulsões e fissuras
surgirão, depois diminuirão e desaparecerão sozinhas. Os indivíduos que
cedem ou "identificam-se" com essas compulsões podem manter a presunção
equivocada de que a compulsão continuará aumentando em intensidade até
que se tome impossível resistir. Ceder à fissura ou àcompulsão no pico de sua
intensidade, entretanto, aumenta a probabilidade de que o antigo hábito ou
resposta ganhe força. Por outro lado, se o indivíduo é capaz de aguardar pelo
alívio e desaparecimento da fissura sem se engajar no antigo padrão de
hábitos, a pressão interna para a resposta eventualmente desaparecerá,
através do processo de extinção.
O modo mais eficaz de lidar com fissuras e compulsões é desenvolver
um senso de distanciamento com relação a elas. Em vez de se identificar com
a fissura (por exemplo, "Eu realmente desejo um cigarro neste momento"), o
cliente pode ser treinado para monitorar a fissura ou compulsão a partir do
ponto de vista de um observador distanciado (por exemplo, "Estou sentindo
vontade de fumar ago
58 Marlatt & Gordon

ra"). Ao extemalizar e classificar a fissura/compulsão e observar como vem e vai


através dos olhos de um observador (similarmente ao modo como alguém que medita
aprende a observar passivamente idéias, sentimentos e imagens enquanto passam por
sua mente), haverá uma tendência menor à identificação com a fissura e à sensação de
ser esmagado por seu poder. A situação é análoga àquela de um surfista: a fissura é
similar ao crescimento de uma onda que o surfista espera "montar" sem "levar caldo".
De um modo similar, esperamos treinar os clientes para que "montem" na crista de
uma fissura ou compulsão, mantendo o equilíbrio até que a crista finalmente quebre e a
onda dessa sensação desapareça.
Muitos clientes vêem experiências repetidas de fissuras como uma indicação de
que o tratamento foi ineficaz ou que a recaída é iminente. Esta atitude derrotista não
leva em consideração o fato de que tais respostas devem ser esperadas como uma parte
natural do processo de recuperação. Saber que essas respostas são condicionadas e que
sua intensidade gradualmente diminuirá à medida que continua o processo de extinção,
liberta o cliente da atribuição errônea de ser responsável, de alguma forma, por sua
ocorrência, devido à fraqueza pessoal ou à existência de uma petsonalidade "adictiva".
Os clientes podem aprender que o ponto de intervenção mais eficaz na cadeia de
eventos associados com um desejo ou fissura para a indulgência é a ligação associativa
entre a resposta à própria fissura e a subseqüente compulsão ou intenção por engajar-se
na resposta consumatória. Para uma discussão mais completa sobre as estratégias de
controle cognitivo da flSsura (incluindo técnicas de melhora na eficácia e imaginação
para o enfrentamento), o leitor deve consultar o Capítulo 4.
Uma vez que o cliente esteja treinado para reconhecer e classifl.Car as DAIs
como sinais de alerta iniciais, o que pode ser feito para alterar o curso dos eventos que
poderiam, de outra forma, levar a uma recaída? Em primeiro lugar, o cliente pode ser
instruído a ir mais devagar ou parar antes de dar qualquer outro passo, a "dar um
tempo" para obter uma perspectiva mais ampla sobre o rumo a que todas essas ações e
pensamentos estão levando. Para continuarmos com a metáfora da auto-estrada, o
cliente pode ser encorajado a responder aos sinais de perigo parando na primeira
oportunidade para reconsiderar o caminho à sua frente. Duas técnicas são sobremaneira
úteis como auxiliares na tomada de decisão nesses pontos importantes de confluência:
revisão da matriz de decisões e consulta a um "mapa rodoviário da recaída"
personalizado, para a localização da
própria posição atual com relação a vários pontos de chegada alternativos. Feliz-
mente, esta quebra na cadeia de eve ntos permitirá que o cliente veja o "quadro
completo" do rumo a que leva seu comportamento, e assuma uma ação corretiva (por
exemplo, faça um retorno, e volte a uma bifurcação anterior, ou planeje um
"desvio" que evitará situações de alto risco próximas ou por vir, etc.). O mapa
rodoviário da recaída (ver Figura 1-6) também é discutido na seção final do Capítulo
4. Exatamente como os ratos de Tolman supostamente faziam uso de "mapas
cognitivos" para encontrar a caixa pretendida ao final de um labirinto de aprendizado
(Tolman, 1948), os clientes podem ser treinados para usar os mapas rodoviá rios da
recaída para encontrar seu caminho no labirinto dos eventos do seu diaa-dia, a fim de
alcançarem seu objetivo eventual. Finalmente, os clientes podem receber instrução
quanto ao uso de estratégias comportamentais de evitamento como último recurso.
Será que existe algum "desvio" que possa ser usado para evitar os perigos de encontrar
uma situação de alto risco? Se existe, este deve ser claramente marcado no mapa
rodoviário do cliente, para uso em emergências. No caso de a situação de alto risco
não poder ser evitada ou uma fuga de último minuto ser impossível, é útil fazer com
que os clientes pratiquem modos de enfren
Prevenção de Recaída 59

tamento para quando estiverem em meio a uma situação estressante ou altamente


tentadora (ensaio da recaída; ver Capítulo 2).

O MODELO DA PREVENÇÃO DE RECAÍDA:


ESTADO ATUAL E RUMOS FUTUROS

o modelo PR delineado neste livro ainda está em seus estágios iniciais de desen-
volvimento. As pesquisas e trabalhos clínicos que apóiam este enfoque emergiram
amplamente na última década e, na maior parte, de 1980 em diante. Assim. apenas
alguns estudos de resultados de tratamento apareceram na literatura. comparando o
modelo PR com outros enfoques ao tratamento da adicção ou de prevenção da
recaída. Os estudos de resultado já lançados. juntamente com as pesquisas mais
básicas sobre o papel da expectativa (expectativas de auto-eficácia e de resultado) e
habilidades de enfrentamento no processo de mudança de hábitos, oferecem apoio
geralmente positivo ao modelo. A maioria desses estudos édescrita em outra parte
deste livro (com base em revisões da literatura desde meados de 1983). Apesar deste
emergente apoio empírico. muitos dos princípios básicos do modelo e a efetividade
da abordagem de PR com vários comportamentos adictivos ainda precisam ser
estabelecidos. A finalidade deste livro é oferecer aos leitores um relato de um modelo
teórico no processo de crescimento e desenvolvimento. O refinamento das presunções
básicas e aplicações clínicas do modelo ocorrerão, sem dúvida, com base nas
pesquisas futuras.
Neste ponto, muitas questões ainda permanecem sem resposta. Para citarmos
apenas algumas:

. Qual o papel da motivação na mudança de hábitos e como pode ser


melhorada? Se a prevenção de recaída foi planejada para o estágio de
manutenção ou "fase posterior" do processo de mudança de há bitos, existe
uma forte necessidade de uma ênfase correspondente na "fase inicial" da
motivação e melhora na auto-eficácia.
. Qual é o curso de tempo da recaída com relação a vários comportamentos
adictivos? Será que determinadas situações de alto risco ocorrem mais cedo
do que outras para a maioria das pessoas e, se assim qual o curso esperado
ao longo do tempo? O exame das taxas de recaída (com base em análise de
sobrevida de períodos de tempo precedendo os lapso inicial e/ou recaídas
subseqüentes) pode revelar uma distribuição de períodos de risco diferentes
(por exemplo. dentro de períodos semanais sucessivos após um compromisso
com a abstinência). Se assim é. pode ser que várias estratégias de
intervenção de PR sejam eficazes em diferentes períodos de tempo.
Qual o formato ótimo para as estratégias de PR? Até que ponto o auxílio de
. terapeutas profissionais treinados ou terapeutas para profissionais ou
consultores é necessário ou útil? Será que o modelo PR pode ser efetiva -
mente aplicado na forma de manuais de auto-auxílio. cursos por corres-
pondência ou outros tipos? E quanto ao aconselhamento individual. em
oposição a um formato de tratamento em grupo?
Talvez a questão mais intrigante, a partir da comparação dos modelos de
. auto controle e de doença da adicção seja esta: será que uma abordagem é
mais eficaz do que outra. para alguns clientes, e vice-versa? Os modelos de
auto controle e de doença refletem o princípio de "cada cabeça uma
!
60 Marlatt & Gordon

sentença"? Parece, realmente, que a população difere com relação à


orientação básica da pessoa relativamente à causação pessoal e local
de controle. Acumulam-se evidências de que as pessoas podem ser
colocadas ao longo de um continuwnde "causação pessoal percebida",
com aquelas em um dos extremos acreditando sendo capazes de
exercer escolha e livre arbítrio para determinarem a direção e o curso
de suas vidas, contrastando com aquelas, no outro extremo, que
acreditam que suas vidas estão sob o controle determinista de forças
externas, tais como destino, mudança e sorte (cf. Rotter, 1966). A
maioria das pessoas, naturalmente, encaixa-se em algum ponto entre
esses extremos de controle interno e externo. Ainda precisamos
determinar o grau em que tais diferenças pessoais no controle
percebido são modificáveis para qualquer indivíduo determinado. Será
que um terapeuta pode mudar a orientação de crença subjacente de um
indivíduo muito direcionado para o lado "externo" desta dimensão?
Será que um terapeuta pode facilitar uma mudança nessa pessoa, pela
aplicação cuidadosa de procedimentos que visam melhorar a auto-
eficácia? Nesse meio-tempo, é tentador considerar a possibilidade de
combinar uma determinada abordagem de tratamento com o sistema
de expectativas ou orientação para o local de controle do próprio
cliente. Para aqueles clientes que acreditam firmemente que seu
problema de adicção é primariamente uma adicção fisica, envolvendo
um comportamento "compulsivo" além do controle volicional, uma
abordagem de modelo tradicional, de doença, pode ser mais efetiva.
Em oposição, os clientes que rejeitam a noção de serem incapazes de
exercer controle sobre seu comportamento e que preferem, em vez
disso, aprender as habilidades e atitudes necessárias para a
modificação de seus hábitos de estilo de vida, podem ser mais
apropriados e adequados para a aborda gem de PR.
Uma questão final relaciona-se à faixa de aplicação do modelo PR. O
foco essencial, neste livro, está sobre a aplicação dos princípios de PR
à modificação dos comportamentos adictivos no sentido habitual do
termo: uso excessivo de álcool, tabaco, alimentos ou outros problemas
de "abuso de substâncias psicoativas". Entretanto, o modelo parece ter
aplicações em áreas outras que o comportamento adictivo ou abuso de
substáncias psicoativas. Uma delas é a área da agressão sexual. No
tratamento do agressor sexual (por exemplo, estupradores), o objetivo
geral éfreqüentemente o mesmo que no tratamento da adicção: abster-
se do engajamento no comportamento-tabu. Um capítulo recente,
escrito por Pithers, Marques, Gibat e Marlatt (1983) explora a
aplicação do modelo PR no tratamento da agressão sexual. Uma
segunda área de potencial aplicação é a do problema de "transferência-
de-treinamento": como os efeitos dos novos programas de treinamento
podem ser efetivamente transferidos para o contexto-alvo e ali
mántidos? Em um recente trabalho de revisão, Marx (1982) discute
sobre a aplicação do modelo PR a programas de treinamento de
gerência. Marx afirma: "Embora as organizações invistam
maciçamente em programas de treinamento para o aumento da eficácia
gerencial, pouca atenção é dada à transferência deste treinamento, da
oficina para o local de trabalho. Este texto descreve um modelo
cognitivo-comportamental que oferece uma abordagem sistemática à
manutenção do comportamento. As estratégias de prevenção de
recaída são discutidas e as implicações para o treinamento e pesquisas
sobre a ma
Prevenção de Recaída 61

nutenção são consideradas" (Marx, 1982, p. 433). Os problemas de trans -


ferênCia do treinamento também surgem na aplicação de outros proble mas
de intervenção, incluindo a terapia. Em um documento recente, por
exemplo, Berlin (1983) examina a efetividade das estratégias de PR
em um programa de tratamento cognitivo-comportamental que visa alterar a
autocrítica. Outras aplicações potenciais do modelo PR ainda aguardam
futura investigação.

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