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Antiguidade Oriental e Antiguidade Clássica

Apesar de compartilharem características comuns pré-industriais e pré-


capitalistas, com cidades-Estados, Estados nacionais e Estados imperiais,
as civilizações antigas também podem ser enquadradas em dois modelos
distintos, cada um com aspectos específicos: a Antiguidade Oriental, as
civilizações baseadas no sistema oriental (monarquias despóticas
teocráticas, maior uso da servidão, forte dirigismo e coletivismo
econômico), e a Antiguidade Clássica ou Ocidental, as civilizações
baseadas no sistema clássico (governos republicanos eleitos, maior uso
da escravidão, individualismo e propriedade privada mais
desenvolvidos).

A Antiguidade Oriental

A Antiguidade Oriental foi constituída pelas antigas civilizações do Oriente


Próximo (Ásia Ocidental e Egito), do Paquistão-Índia e da China, cada
uma delas com suas particularidades lingüísticas e culturais. Na
Mesopotâmia, no Egito e no Paquistão surgiram as primeiras sociedades
com cidades, Estado e escrita da história, resultado dos desdobramentos da
revolução urbana ocorrida no final da Pré-História. Essas três
civilizações desenvolveram-se sob uma forte dependência de canais de
irrigação e de outras obras hidráulicas associadas às cheias de grandes
rios (Tigre Eufrates, Nilo, Indo). Por essa razão, ficaram conhecidas como
civilizações de regadio ou hidráulicas.
De uma maneira geral, as sociedades do Oriente Próximo organizadas em
Estados territoriais e em impérios caracterizaram-se pelo “sistema
oriental”. O sistema oriental foi mais típico nos dois principais centros de
civilização do Oriente Próximo – o Egito e a Mesopotâmia – mas ele
também existiu em outras sociedades da Ásia, da África e da América Pré-
Colombiana. Politicamente ele foi caracterizado pelo Estado teocrático1
despótico (o “despotismo oriental”2), combinando política e religião. Em
1
É um país ou nação que possui um sistema de governo que se submete às normas de
uma religião específica. As regras que gerem as ações políticas, jurídicas, de conduta
moral e ética, além da força policial deste modelo de governo estão baseadas em doutrinas
religiosas.
2
Logicamente, todas as terras pertenciam ao Estado, representado pelas figuras do
imperador, rei ou faraó, que se apropriavam do excedente agrícola, dividindo-o entre a
nobreza, formada por sacerdotes e guerreiros. Esse cenário caracterizava um estado
termos econômico-sociais, o sistema oriental foi caracterizado pelo modo de
produção estatal-aldeão3.

O Estado despótico teocrático

A estrutura política considerada típica do sistema oriental era um reino


centralizado encabeçado por um monarca absolutista e teocrático (rei
divino ou sagrado), considerado responsável pela ordem e o bem-estar dos
seus súditos, apoiado por uma burocracia de funcionários administrativos,
pelos militares e pelos sacerdotes. Não havia separação entre política e
religião – as duas esferas estavam combinadas, com os sacerdotes fazendo
parte do aparelho de Estado (combinação do “templo e palácio”). A religião
legitimava o poder despótico do monarca. Formas embrionárias desse tipo
de regime político existiram nas cidades-Estados do Oriente Próximo, mas
ele foi mais típico de Estados nacionais e de Estados imperiais.

centralizador, onde reis ou imperadores eram venerados como verdadeiros deuses, e por
isso mesmo, tinham o poder de controlar a produção de alimentos, favorecendo ou não o
seu povo, mediante satisfação de seus desígnios. Nos períodos entre-safras, era comum o
deslocamento de grandes levas de servos e escravos que iriam trabalhar nas imensas obras
públicas, especialmente canais de irrigação e monumentos. Este tipo de poder recebeu o
nome de despotismo oriental, e suas características principais eram a formação de grandes
comunidades agrícolas e apropriação do excedente de produção, tornando estas
civilizações as primeiras sociedades estratificadas, ou sociedades de classe. O ser humano
completava assim, um ciclo, de indivíduo nômade, coletor a membro de uma sociedade
de classes.
3
Modo de produção asiático, sendo elas: Teocracia: Os governantes eram representantes
dos deuses, ou, como no caso egípcio, um próprio deus vivo;
O governante detinha a propriedade das terras, e apropriava-se do excedente de produção
Agricultura hidráulica como principal base econômica;
Poder monárquico e centralizado;
Em sua maioria, religiões politeístas;
Servidão coletiva ao governante como modo de pagamento pelo uso das terras;
Sociedade hierarquizada.
O modo de produção estatal-aldeão

Chamado também de modo de produção tributário ou asiático, foi


caracterizado pelo dirigismo estatal, pela existência de uma classe
dominante burocrática e pela servidão coletiva.

Dirigismo estatal. Nas antigas civilizações orientais, o Estado tinha uma


grande participação na economia e era o proprietário da maior ou de
uma grande parte das terras. A monarquia e sua burocracia eram vistas
como uma “comunidade superior”, acima da sociedade, com mais
privilégios e direitos sobre os recursos econômicos do reino. O Estado
também se destacou na organização de obras públicas, como nos canais de
irrigação, apesar de uma grande parte deles ter sido construída e controlada
diretamente pelas aldeias.

A nobreza burocrática. A classe dominante nas antigas civilizações


orientais era formada pelos grupos que possuíam os principais cargos no
Estado e o dirigiam (a alta burocracia ou nobreza de Estado): o monarca
e a família real, os comandantes militares, os sacerdotes e grandes
funcionários civis. Esses grupos controlavam as terras do palácio e dos
templos, e ficavam com a maior parte das riquezas obtidas com os tributos,
os arrendamentos de terras públicas e as pilhagens de guerra.

A servidão coletiva. A maior parte da população nas antigas sociedades do


Oriente era constituída por camponeses que viviam em comunidades aldeãs,
forçados a produzir excedentes na forma de tributos para o Estado. Os
camponeses estavam submetidos coletivamente a uma modalidade de
servidão: eram obrigados a pagar impostos in natura ao Estado e a
prestar serviços gratuitos (“corvéias”) em obras públicas, no palácio,
nos templos etc. Os escravos eram numerosos, utilizados mais na mineração
e nos serviços domésticos. No entanto, a escravidão não superou em
importância o trabalho servil dos camponeses.
Observações sobre o sistema oriental

O sistema oriental é um exemplo de modelo descritivo criado pelos


estudiosos para descrever aspectos centrais das sociedades do Oriente
Próximo e de outras regiões e tentar explicar sua dinâmica. Mas essas
sociedades foram mais complexas e diversificadas do que o sistema oriental
sugere e nem todas se encaixaram plenamente nesse modelo.
Nas regiões com uma grande concentração de cidades, o comércio privado e
o artesanato mercantil foram mais desenvolvidos, não raramente assumindo
importância internacional. Foram os casos da Fenícia (Líbano), da Síria,
do sul da Mesopotâmia e do litoral da Ásia Menor (atual Turquia), onde
cidades-Estados floresceram. A China e a Índia eram civilizações agrárias
com atividades econômicas urbanas que se destacavam pela riqueza e
variedade. Contudo, em quase todos os casos, as sociedades da Antiguidade
Oriental continuaram sendo fundamentalmente camponesas e acabaram
submetidas ao domínio de monarquias autoritárias, que exerceram um
grande controle sobre a economia dos seus reinos ou impérios. Nesses
aspectos gerais, elas foram caracterizadas pelo sistema oriental.

A Antiguidade Oriental e o Ocidente

Embora seja comum associar o Ocidente às realizações culturais da


Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), a civilização ocidental também é
herdeira de tradições desenvolvidas na Antiguidade Oriental, principalmente
no terreno da religião (monoteísmo ético do judaísmo, ideias dualistas e
escatológicas do zoroastrismo, conceito de livre-arbítrio). Veja a postagem
A Antiguidade Clássica ou Ocidental

A Antiguidade Clássica foi constituída pelas civilizações da Grécia,


Etrúria e Roma (e das demais comunidades latinas na Itália Central),
que costumam ser vistas como uma das origens mais remotas da civilização
ocidental. O Ocidente herdou dos gregos e dos romanos uma série de
ideias, valores e padrões culturais, como as noções de cidadania e de
república, o racionalismo, a filosofia, o estudo da história, o direito e
expressões artísticas na escultura, na literatura e no teatro.

Enquanto os grandes centros de civilização do Oriente Próximo costumam


ser descritos em termos de um “sistema oriental”, as civilizações da Grécia,
Etrúria e Roma são caracterizadas, em suas linhas gerais, pelo sistema
clássico, que alcançou o apogeu nos séculos VII-I a.C. Seus principais
elementos são a maior importância econômica das cidades e do comércio,
o maior desenvolvimento da propriedade privada, o uso mais intenso do
trabalho escravo (o chamado modo de produção escravista antigo) e uma
organização política baseada nos ideais de cidadania e de governos eleitos e
representativos, sem a legitimação religiosa típica das civilizações orientais.
Como no caso do sistema oriental, o sistema clássico é um modelo
descritivo, uma referência para o estudo das civilizações grega e romana
que, apesar de compartilharem elementos comuns, possuíam suas
especificidades e diferenças.

a) A estrutura econômica e social clássica

A economia clássica era pré-capitalista e agrária, com um grande


desenvolvimento das cidades, do comércio e do conceito de propriedade
privada. Apesar da grande importância econômica do setor urbano-
mercantil, a terra era o bem mais importante e visado do mundo greco-
romano. A agricultura era a atividade da maioria absoluta da população. Os
itens mais comercializados na Antiguidade Clássica eram de origem
agrícola: trigo, azeite e vinho. As relações sociais estavam baseadas na
posse de riquezas, no parentesco, nos direitos políticos e no direito de
liberdade.
A aristocracia

A classe dominante no sistema clássico era a aristocracia, constituída


pelas famílias tradicionais patriarcais, com mais privilégios políticos,
grandes proprietárias de terras e de escravos. A aristocracia liderava
contingentes de agregados e dependentes (empregados livres, protegidos)
que os romanos chamaram de clientela. O chefe das famílias aristocráticas
era o pater (o pai natural ou seu herdeiro masculino), com poderes quase
ilimitados. As famílias aristocráticas aparentadas ou unidas por um culto
comum formavam associações conhecidas como genos (em grego, plural
genoi) ou gens (em latim, plural gentes). Embora o seu poder fosse derivado
em grande medida de atividades agrícolas, de uma forma geral a
aristocracia clássica residia nas cidades, onde ela tinha mais influência
política do que os comerciantes urbanos.

As camadas livres não-aristocráticas

As sociedades antigas da Grécia e de Roma são classificadas como


“escravistas” não porque os escravos fossem a maioria da população, mas
porque, de uma forma geral, eles foram os principais trabalhadores
empregados pela aristocracia durante o apogeu do sistema clássico. Os
dados estatísticos são difíceis, mas, possivelmente, a maioria da população
era composta por homens livres com status inferior e menos privilégios do
que a aristocracia.
A maior parte das camadas livres vivia no meio rural e era composta
por camponeses pequenos proprietários e arrendatários, muitos
dependentes da aristocracia por motivos econômicos ou de auxílio
jurídico – fundamentos do clientelismo político.
Nas cidades, o contingente de homens livres também devia superar o dos
escravos. Os comerciantes constituíam um grupo economicamente
importante, mas mesmo os mais ricos, se não fossem da aristocracia, tinham
relativamente pouco poder político. Trabalhadores livres eram utilizados
em todas as atividades, porém a grande oferta de escravos reduzia as
chances de emprego para o não-escravo. O resultado foi a formação de
uma expressiva massa de homens livres pobres semi-empregados ou
desempregados – um importante fator de distúrbios políticos, muitas vezes
fruto de manipulação demagógica por parte de lideranças populares.

Os escravos

Os escravos constituíam a principal mão-de-obra empregada pela


aristocracia em grande parte dos Estados clássicos. Os escravos eram
obtidos, geralmente, nas guerras: os inimigos derrotados eram aprisionados
e escravizados pelo lado vencedor, que muitas vezes os revendiam para outro
povo (o comércio ou tráfico de escravos). Pessoas raptadas por piratas eram
também freqüentemente escravizadas e engrossavam as fileiras do tráfico.
Outras fontes importantes de escravos na Antigüidade foram o costume
dos pais pobres de venderem seus filhos e a prática da escravidão por
dívidas – neste caso, uma pessoa livre endividada não conseguia pagar os
seus compromissos, o que a tornava escrava do seu credor. É importante
notar que a maioria esmagadora dos escravos nas civilizações antigas fora da
África subsaariana não era negra, ao contrário do que aconteceu na
América nos séculos XVI-XIX. Em geral, eles eram brancos (caucasianos)
originários da Europa, Oriente Médio e Norte da África. Não existia na
Antigüidade uma ideologia racista que justificasse a escravidão pela cor da
pele. Além da escravidão, formas de servidão chegaram a predominar em
algumas sociedades clássicas, como em Esparta.

b) A estrutura política clássica

A civilização clássica foi baseada, inicialmente (séculos VIII-I aC), na


cidade-Estado clássica (polis em grego, civitas em latim), um Estado
constituído por uma comunidade de cidadãos controlando um pequeno
território, que manteve a Grécia e a Itália fragmentadas politicamente
durante séculos. Os cidadãos eram os indivíduos com direitos e deveres
políticos (poder votar, ser eleito e ser proprietário de terras, dever de lutar
pela comunidade). Não eram cidadãos as mulheres, os escravos e os
estrangeiros.
Regimes republicanos

As cidades-Estados clássicas eram repúblicas (governos eleitos pelos


cidadãos e limitados pela lei) com oligarquias e democracias, em uma
situação de relativa secularização da política (menor presença da religião na
política). Grosso modo, as cidades-Estados republicanas clássicas eram de
dois tipos:

Oligarquias: governo de poucos cidadãos, isto é, de uma minoria de


cidadãos privilegiados (a aristocracia).

Democracias: governo do “povo”, ou seja, de todos os cidadãos


(aristocratas e não-aristocratas).

Em épocas de crise política e de guerra civil surgiam governos pessoais


autoritários, muitas vezes com apoio popular. Na Grécia, foi o caso das
tiranias, que possuíam um caráter “inconstitucional” ou “ilegal” (o tirano
não era eleito e tomava o poder pela força). Em Roma, foi o caso das
ditaduras, que eram governos com amplos poderes emergenciais
reconhecidos pela lei, quer dizer, previstos na constituição.

Características gerais das cidades-Estados clássicas

As cidades-Estados clássicas do mundo grego, etrusco e latino possuíam


as seguintes características comuns:

Divisão tripartite do Estado. Um pequeno (territorialmente) Estado


republicano organizado com três instituições: os magistrados (o governo
eleito), o Conselho (eleito ou hereditário, aconselhava o governo e cuidava
de alguns casos de justiça) e a Assembleia (reunião dos cidadãos para eleger
o governo e votar assuntos de interesse coletivo, como a declaração de
guerra)
Ideal de cidadania. Baseado em um espírito de coletividade política, quer
dizer, na ideia de que um grupo de pessoas compartilhava os mesmos direitos
de eleger e de ser eleito para cargos públicos, e que não deveriam mais ficar
submetidos ao poder hereditário de uma única pessoa.

Participação direta dos cidadãos no processo político. Decisões coletivas a


partir da livre discussão e votação nas assembleias compostas pelos
cidadãos, sem representantes (deputados), com noção de soberania
popular (dos cidadãos)

Inexistência de corporações fechadas como exército e instituições


religiosas. Os comandantes militares eram eleitos (muitas vezes constituídos
pelos próprios magistrados) e o exército era uma milícia de cidadãos-
soldados que se armavam por conta própria de acordo com seus recursos,
convocada em época de guerra (Esparta era a grande exceção, possuindo
um exército profissional de tempo integral); os sacerdotes eram
funcionários do Estado e muitos magistrados possuíam responsabilidades
religiosas.

Poder político legitimado pela lei. Baseada nas tradições e costumes


antigos (a “constituição ancestral”), transmitidos principalmente pela
educação. Era a ideia de que o governo na cidade-Estado clássica é da lei
e não do poder pessoal dos homens que governam. Isso enfraqueceu o
papel do mito como sustentáculo das práticas de governo, embora não o
tenha eliminado. A religião continuou tendo um papel político: existiam
cultos oficias das divindades protetoras da cidade-Estado e festivais
religiosos que serviam para reforçar a identidade e a unidade da comunidade
de cidadãos.

A cidade-Estado clássica entrou em declínio na Grécia no século IV aC e em


Roma no século I aC, sendo substituídas pelo Estado imperial (monarquia
centralizada dominando vários povos).

Sugestões de leituras. Uma boa comparação entre as civilizações orientais e


as civilizações clássicas está em dois livros de Ciro Flamarion Cardoso:
Sociedades do Antigo Oriente Próximo (Ática, 1986) e A Cidade-Estado
Antiga (Ática, 1987). Para os aspectos gerais da Antiguidade Clássica, veja
também Passagens da Antiguidade para o Feudalismo, de Perry Anderson
(Brasiliense, 2001).

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