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REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano

Rua Álvaro Alvim, 21 - 16° andar


Centro - Rio de Janeiro
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Tel.: (21) 2262 - 1704 fax (21)2262 - 6454
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Um Rio de Mulheres
Rio de Janeiro
na história do estado
fluminenses
A participação das
Parcerias
de Mulheres
Realização

Um Rio
Realização Agradecimentos
Às pessoas que nos incentivaram e as
Um Rio
que nos deram inúmeras contribuições: de Mulheres
Amália Fischer, América Pires, Amilton A participação das
Carvalhal, Ângela Costa, Antônio José fluminenses
da Silva Martins, Aristolina Queiroz de na história do Estado
Almeida, Associação Thálamus, Áurea do Rio de Janeiro de
Pessoa, Baby Ahrends, Bruno Borges, SCHUMA SCHUMAHER E
Cláudia Ferreira, Crispiano Ribeiro, ÉRICO VITAL BRAZIL
Cristina Pierotti, Denise Brasil, Denise de COORDENAÇÃO GERAL
Parcerias Schuma Schumaher
Moraes Moreira, Dica de Lima, Eduardo
Monteiro, Frederick Engelhart, Geraldinho COORDENAÇÃO EDITORIAL
Érico Vital Brazil
Vieira, Hildézia Medeiros, Izadora Afrodite,
Schuma Schumaher
Jandira Fernandes Lima, Joana Angélica,
REDAÇÃO E EDIÇÃO
José Olyntho Contente Neto, Kassia Barros,
Érico Vital Brazil
Jovelina Protásio Ceccon, Lana Lage, Laila Schuma Schumaher
Melo, Leilah Borges, Lígia Lessa Bastos, Anna Luiza Pijnappel
Lívia Garcia Rosa, Lúcia Xavier, Luciana COLABORADORAS(ES):
Neto, Luiz Dias, Luis Fernando Schumaher, Ana Pessoa

Madalena Guilhon, Márcia Lemos, Maria


Inês Batista Medeiros, Isadora Afrodite,
Angela Freitas
Denise Viola
Fernanda Pompeu
Meri Damaceno
Visite http://www.mulher500.org.br
Maria José de Lima, Maria Regina Puri
Mônica da Silva Araújo
Arraes, Maria Terezinha da Luz, Mariluce Paulo Keller
da Silva, Mariangela Sedraz, Marta Rocha, José Marmo
Juliana Carneiro
Neusa das Dores Pereira, Paula Jonhs, Rita
Veiga, Roberto Burstin, Rogéria Peixinho, PESQUISA E PREPARAÇÃO DE TEXTOS
Apoio Carmen Margarida Oliveira Alveal
Rosângela Castro, Rosangela Paulino, Carolina P. de Araújo
Santinha, Silvana Lemos, Solange Dacach, Érica Bastos Arantes
Sônia Malheiros, Stella Van Werelt, Suely Érico Vital Brazil
Iolanda Janaína M. Machado
Oliveira, Thais Corral, Thays Vital Brazil Nadja Nicolaevski
Lobo, Vitória Grabois. Virgínia Albuquerque de Castro Buarque
Queremos, ainda, registrar profunda PESQUISA ICONOGRÁFICA
gratidão à equipe envolvida neste trabalho Érico Vital Brazil
Nadja Nicolaevski
e colaboradores (as), sem as quais esta
publicação não seria viabilizada. ENCARTE
Paulo Corrêa
LEITURA CRÍTICA
Cristiane Lasmar
Roberto Mansilla Amaral
IMAGENS
Acervo do Projeto Mulher 500 anos – Redeh
Acervo do Centro Documentação Pagu – Cemina
Claudia Ferreira
PROJETO GRÁFICO
Bete Esteves
Schumaher, Schuma Bruno Pugens
Um Rio de Mulheres: a participação das fluminenses na REVISÃO
história do Estado do Rio de Janeiro / Schuma Schumaher Elizabeth Roballo
e Érico Vital Brazil. - Rio de Janeiro : REDEH, 2003. EQUIPE DE APOIO
Ana Cristina Mesquita
100p. Il. Carlos Augusto Júnior
Elza Loures dos Santos
Inclui bibliografia
Hélio Araujo
Kátia Regina Pereira da Silva
ISBN Maria da Guia Oliveira Felix
1 - História. 2 - Mulheres. 3 - Estado do Rio de Janeiro. Regina Celi de Oliveira Silva
Sandra Infurna
4 - Vital Brazil, Érico.
Março de 2003
Para Angela Borba,
uma estrela no céu...
Um Rio
de Mulheres
Aparentemente seria desnecessário discorrer sobre a importância e o valor da participação
feminina no desenvolvimento e formação de nossa sociedade, não fosse a extensa e profunda lacuna na
memória nacional. Certamente os livros didáticos representam um dos maiores agentes deste silêncio,
que persiste ausentando as mulheres dos acontecimentos e episódios históricos brasileiros.
Com o propósito de contribuir para reverter esta situação, a REDEH – Rede de Desenvolvimento
Humano começou a formar e disponibilizar um amplo acervo sobre a atuação feminina na história do
país. Desde 1997, vem realizando um projeto de pesquisa sobre os mais diferentes temas relacionados
ao passado das brasileiras. Como primeiro resultado desta iniciativa, publicou o Dicionário Mulheres
do Brasil, lançado nacionalmente a partir de outubro de 2000.
Um Rio de Mulheres faz parte dos desdobramentos deste referido projeto, que produzirá uma série
com mais vinte e seis publicações, contemplando, assim, a atuação feminina em cada um dos estados
brasileiros.
Como já esperávamos, começar pelo Rio de Janeiro representou um desafio maior, considerando
que, durante mais de dois séculos, este estado foi o principal cenário dos acontecimentos políticos, sociais
e culturais do país. De fato, não foi menos prazeroso ou instigante para toda equipe. Multiplicaram-se
também o empenho e a motivação, a cada passo dado para a realização de nossas metas.
O principal objetivo foi traçar um panorama histórico enfocando as mulheres fluminenses, desde
os tempos coloniais até os dias de hoje. A partir de um roteiro de pesquisa específica, nos propusemos
relatar, mesmo que em síntese, diversas trajetórias femininas. Sem buscar compreendê-las como
seres excepcionais, inserimo-las em seus respectivos contextos. Muito embora algumas tenham sido
precursoras e ou protagonistas de feitos extraordinários, não foram as únicas. A grande maioria viveu
– várias ainda vivem – como tantas outras anônimas. São mulheres índias, brancas e negras, que por
diferentes maneiras, intencionalmente ou não, ajudaram a preparar o terreno social para que, a cada
novo período da história do estado do Rio de Janeiro, um número maior delas pudessem coexistir em
melhores condições.
Para viabilizar a edição de Um Rio de Mulheres contamos com as parcerias da Fundação Avina
e Boticário, que, como nós, reconheceram a importância de disponibilizar aos formadores de opinião
os feitos e fatos das mulheres na história fluminense. Juntos estaremos promovendo a ressonância nas
escolas, nas organizações não-governamentais, na imprensa e ou nos centros de estudo e pesquisa.
Com o desejo maior de estimular o uso desta publicação nas salas de aula, elaboramos um encarte
com sugestões de atividades para as/os professoras/es e alunas/os, que certamente poderão fazer novas
descobertas, trazendo à luz outras referências femininas que ainda estão em grande parte silenciadas
no cotidiano das realidades locais. Acreditamos que dessa forma, cada vez mais, partilharemos com as
novas gerações de um passado mais justo e comum.
A consciência das limitações e perigos de uma tarefa tão ambiciosa não nos impediu a ousadia.
Entretanto, precisamos registrar que Um Rio de Mulheres é uma publicação incompleta, pois a força da
história das mulheres fluminenses requisita a colaboração, as críticas e as correções de nossas leitoras
e leitores.
“Estácio de Sá, capitão-mor da armada que el-rei nosso senhor mandou
a correr a costa do Brasil, e a povoar o Rio de Janeiro, e nela estou ora Que seja esta a primeira de muitas outras edições aprimoradas.
fazendo a fortaleza em nome do dito senhor.”
1° de março de 1565 SCHUMA SCHUMAHER E ÉRICO VITAL BRAZIL
Data da fundação oficial da cidade do Rio de Janeiro MARÇO DE 2003
SUMÁRIO
Aconteceu na
Aconteceu na Colônia
A história fluminense vestindo saia
6
Assistir, um verbo conjugado no feminino
18
Colônia
Aconteceu no Período Imperial
Maria vai com as outras!
21
“Mulher que sabe latim, não tem marido nem bom fim”
34
Pelos laboratórios da vida
42
Imprensa feminina
44
As mulheres comerciantes da cidade do Rio de Janeiro
46
As imigrantes
48

Aconteceu no Século XX
Cantando, dançando e pintando o panorama cultural e artístico do Rio de Janeiro
52
Quando o passado ilumina o presente
66
Elas não fogem à luta
78
Mulheres no batente
82
Pintando o podium de rosa choque
86
O feminismo no palco da história – a contribuição fluminense
88
habitante do litoral fluminense. Mais não nos conta

A História fluminense o escrivão que documentou toda a viagem, a não


ser que Brígida sobreviveu à travessia do Atlântico
e chegou a Portugal como encomenda para certo
Francisco Gomes.
Em 1532, D. João III optou por dividir o território

vestindo em Capitanias, que seriam doadas a pessoas da


confiança da Coroa portuguesa para serem adminis-
tradas com seus próprios recursos. Como incentivo,

saia
receberam permissão para escravizar os indígenas,
úteis para o trabalho na terra e para a guerra con-
tra possíveis invasores. A escravidão indígena iria
perdurar até, pelo menos, 1755, data oficial de sua
Poucas são as referências à contribuição das proibição, embora o trabalho compulsório tenha
mulheres para o processo de colonização do continuado ainda por muito tempo.

Brasil e, mais escassos ainda, os registros de O Estado do Rio de Janeiro corresponde hoje à an-
tiga Capitania de São Tomé e parte da Capitania de
que dispomos sobre as mulheres indígenas São Vicente. Os primeiros grupos indígenas a entrar
que habitavam a região do atual Estado do em contato com os portugueses foram os de língua
Rio de Janeiro, quando os portugueses tupi-guarani, habitantes do litoral fluminense e, em
especial, os Tamoios (ou Tupinambás) e os Tupini-
aqui chegaram.
quins.

O
Os relatos de cronistas e viajantes da época, que
alguma luz lançam sobre os tempos coloniais, estão
permeados de concepções e clichês que, infeliz-
mente, mais afastam do que aproximam do conhe-
cimento da realidade das mulheres no período que
se estende do século XVI ao início do XIX.
Nos primeiros 30 anos de ocupação, a colonização
Os índios escravos ou “negros da terra” eram obtidos
através da “guerra justa” ou do resgate. Nas chama-
das guerras justas, as aldeias indígenas resistentes
à evangelização portuguesa eram invadidas, e mu-
lheres, homens e crianças eram brutalmente captu-
rados e destinados à escravidão. Depois de incen-
diada, a aldeia tinha suas terras repartidas entre os
colonos. Índios arredios ou hostis eram ainda arre-
foi praticamente inexistente. Apenas pequenas
gimentados nas ditas “missões de resgate”, quando,
feitorias foram criadas para funcionarem como de-
também, tribos negociavam com os portugueses a
pósito de produtos nativos, o principal deles, o pau-
venda de inimigos capturados. Nas missões, os in-
brasil. A exploração desta madeira logo se provaria
dígenas eram catequizados e qualquer tentativa de
bastante lucrativa, o que atraiu a pirataria para a
resistência era punida, muitas vezes, com violentos
costa brasileira, sobretudo de corsários franceses,
castigos físicos. O resultado foi uma aculturação
que chegariam a fundar, em 1555, uma colônia no
tão radical, que, segundo alguns historiadores,
Rio de Janeiro – a França Antártica.
poucos vestígios teriam restado em nossa cultura
Uma das principais regiões visadas para a explo- da presença das índias, além de contribuições à
ração e contrabando do pau-brasil era a região do culinária (o beiju e o mingau, os mais citados) e um
litoral norte fluminense, lugar da primeira feitoria ou outro artesanato (a rede, por exemplo). Sabe-se Apesar de séculos
no estado, a de Cabo Frio. É do escrivão da Nau hoje o quão pouco isto representa e o quão pouco de extermínio, os
Bretoa, Duarte Fernandes, um dos primeiros rela- a história oficial revela das inúmeras trajetórias povos indígenas
conseguem manter
tos sobre índias brasileiras. Através dele, tomamos desses povos. sua diversidade
conhecimento da “bem-sucedida” expedição de cultural.
Alguns grupos, chamados pelos portugueses de
mercadores portugueses ao litoral cabo-friense,
“índios amigos”, perderam suas antigas aldeias sem
que, em 1511, zarpou de volta a Portugal levando
possibilidade de resistir, sendo batizados e aldea-
em seus porões cinco mil toras de pau-brasil e 26
dos por missionários jesuítas que aqui chegaram
índias e 10 índios para serem vendidos na praça
em meados do século XVI.
de Lisboa. Brígida, ou Bu-y-syde, era uma dessas
Um Rio de mulheres

Nos primeiros 30 anos de


índias, escravizada e, prática comum de então, ex- Pouco mencionadas são as mulheres indígenas que
ocupação, a colonização foi plorada sexualmente pela tripulação, durante toda mostraram bravura nas lutas de resistência ou ain-
praticamente inexistente. a longa travessia. Ela pertencia à nação Tamoio, da as que personificavam ideais místico-religiosos.
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Infelizmente, a maioria das citadas nos registros escravas anônimas, destituídas de sua dignidade, pal serviço e trabalho é delas; os machos somente batalha que expulsou definitivamente os franceses
históricos ocupam quase sempre uma posição de sua cultura e de seus laços afetivos. O que dela roçam, e pescam, e caçam, e pouco mais...”. Como da Baía de Guanabara, lutava Iguaçu, índia casada
periférica e geralmente aparecem atreladas a uma sabemos é que vivia no planalto de Piratininga na remuneração pelo trabalho e nas guerras, era co- com Aimberê. Capturada e levada como escrava
figura masculina. capitania de São Vicente e, com a aprovação dos je- mum os índios receberem dos portugueses apenas para as terras de Piratininga, no planalto paulista,
suítas, uniu-se ao índio Pedro, porém sem receber o alguns metros de algodão, que seriam tecidos pelas foi libertada pelos tamoios, que a trouxeram de
Com o intuito de selar uma aliança com os nativos,
sacramento do matrimônio. O casal era propriedade próprias índias. volta ao Rio de Janeiro, para, pouco tempo depois,
algumas índias foram tomadas como esposas pelos
de Antônio Ribeiro Roxo e, com a morte deste, foi vir a morrer na batalha que deu vitória decisiva aos
portugueses. Foi o caso de Bartira, ou Mbcy, filha Em 1565, os portugueses haviam aliciado
separado pelos herdeiros sob a alegação portugueses, no dia 20 de janeiro de 1567, dia de
do cacique Tibiriçá, o mais poderoso líder indígena os índios tupiniquim e os temiminó
de que não eram casados. A sepa- São Sebastião, desde então homenageado como o
tupiniquim da região. Batizada com o nome de Isa- para lutarem na guerra contra os
ração de membros da mesma padroeiro da cidade.
bel Dias, uniu-se conjugalmente ao português João invasores franceses, que, por
família, lamentavelmente,
Ramalho, fato que teria sido determinante, segun- As tentativas de traçar a história das índias esbar-
não era prática incomum, sua vez, tinham a nação
do as autoridades coloniais, para a viabilização do ram em um conjunto de representações, intolerân-
como nos atesta o relato tamoio como aliada. Cer-
processo de colonização. O povoamento do planalto cias e julgamentos que povoam as fontes históricas.
da captura de novos tamente para os índios,
de Piratininga foi feito a partir do assentamento O grande desafio é o de criticar permanentemente
escravos, no caso, Ta- a maior conseqüência
luso-tupi comandado por Bartira, João Ramalho e os dados, para que não se aceite como certas, sem
moios, escrito por Frei da guerra não foi a
sua extensa prole. Joana Ramalho, filha do casal, questionamento prévio, as representações dos colo-
Vicente do Salvador: derrota francesa, mas
casou-se com Jorge Ferreira, capitão-mor de S. nizadores sobre as mulheres indígenas.
“apartando a mãe a grande perda popu-
Vicente e um dos fundadores do Rio de Janeiro. A
do filho e o filho da lacional indígena que A história que se escreve sobre os índios carece
neta de Bartira, Marquesa Ferreira, filha de Joana
mãe; uns iam para S. a ela se seguiu. Nos sempre de maiores esclarecimentos. Não é pos-
e Jorge, foi uma das primeiras colonizadoras da
Vicente e outros para confrontos, as índias sível, nestas poucas páginas, dar conta de todas
região. Com a morte do marido, Cristóvão Monteiro,
o Rio de Janeiro. E era as suas lacunas, mas procura-se, ao menos, deixar
tomou posse das sesmarias Iguaçu, atual baixada eram participantes ati-
tão grande o pranto que registrado que os povos indígenas não se extingui-
fluminense, e Guaratiba, por volta de 1574. Em vas. Conhecida é a histó-
quebrava os corações de ram de todo na época da Colônia, como parecem
testamento, Marquesa (nome próprio e não título ria da índia Potira, filha do
quem ouvia”. fazer acreditar tantos livros, nem tampouco foram
honorífico) doou à Companhia de Jesus metade das chefe tamoio Aimberê. Ainda
ou são incapazes de ação. O território brasileiro é
terras que possuía em Guaratiba. Outra parte de Nos aldeamentos, aos índios ca- menina, casou-se com Ernesto,
habitado hoje por cerca de 350 mil índios, perten-
suas propriedades, foram doadas ao Mosteiro de tivos cabia preparar a terra, caçar e francês, que integrou-se plenamente centes a 216 nações distintas. Apesar de séculos
São Bento, em 1596. pescar, sendo os demais trabalhos executados à vida tribal. Vale salientar que o casamen- de extermínio, estes povos conseguiram manter sua
No entanto, o caso de Bartira – uma das três mu- pelas mulheres índias, como nos conta carta de to de franceses com nativas, ao contrário do que diversidade cultural e, nas últimas décadas, vêm
lheres indígenas que ostentam o título de “mãe do Manoel da Nóbrega, de 10 de julho de 1557: “...A ocorria com os portugueses, era bastante estimu- se organizando politicamente em defesa de seus
povo brasileiro” – não espelha o destino da maioria causa porque se tomara fêmeas (indígenas) é por- lado como tática de ocupação de território. Potira direitos.
das índias durante a colonização. Mais emblemáti- que d’outra maneira não se pode ter roça nesta ter- morreu lutando contra as tropas de Estácio de Sá,
ca é a história de Branca, por ser uma entre tantas ra, porque as fêmeas fazem farinha, e todo o princi- ao lado do pai e do marido Ernesto. Na mesma

Bracuí é a que tem a maior população, em torno de 320 Mata Atlântica. Em 2002 conseguiram montar uma
indivíduos. Mais da metade é constituída por crianças escola indígena, onde as aulas são ministradas em
com menos de 14 anos. língua guarani, por um membro indígena empenhado no
resgate da cultura e a auto-estima de seu povo.
COMUNIDADES INDÍGENAS DO RIO DE JANEIRO Atualmente a Associação Indígena de Bracuí
administra, em parceria com várias instituições, As mulheres dessas aldeias são, na sua grande
Atualmente, após séculos de genocídio, o único povo os projetos que escolheram para desenvolver em maioria, as responsáveis pela produção e venda do
indígena que vive em terras fluminenses é o Guarani, sua comunidade: a publicação de um livro no qual
artesanato, contribuindo assim com grande parte
que na década de 1950 saiu da região sul do Brasil para registrarão, sob o ponto de vista deles, a história do
da renda familiar. Além disto, são elas que, através
erguer três aldeias no Estado do Rio de Janeiro: Bracuí, contato com os não-índios; uma escola bilíngüe, que
de histórias orais, da preparação dos alimentos, do
localizada no município de Angra dos Reis, Araponga e já produziu uma cartilha Guarani para alfabetização;
a construção de açudes para a piscicultura; produção conhecimento das propriedades medicinais das plantas
Paraty-Mirim, localizadas no município de Paraty.
de artesanato; instalação de um posto de saúde e a e do ensinamento dos rituais indígenas, têm ajudado a
Os Guarani, que há 500 anos vêm enfrentado o formação de agentes de saúde guarani, entre outros. preservar a cultura e as tradições da nação Guarani.
desafio de sobreviver de acordo com suas tradições,
Um Rio de mulheres

estão espalhados por todo território brasileiro e somam A comunidade de Araponga, é formada por três Em 1996, as terras indígenas de Bracuí, Araponga
Índia da nação
Guarani, habitante da hoje, aproximadamente, 5.000 pessoas. Nas três aldeias pequenas aldeias familiares ao todo são 62 pessoas e Paraty-Mirim tiveram o processo de demarcação
Aldeia de Bracuí.
citadas acima vivem cerca de 450 índios. A aldeia de e está localizada a 40 minutos de Paraty, em meio à concluído e foram homologadas pelo governo federal. 9

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Foi preciso ter bravura na luta pelos direitos dos cidadãos. As armas
da cidade de Campos atestam:
A triste e cruel condição imposta à população negra
pelos colonizadores foi um dos pilares sob os quais se
força, raça, gana, sempre! Ipse Matronae Hic Pro Jure Pugnant
assentaram e naturalizaram as desigualdades de gêne-
ro, raça e classe na sociedade brasileira.
(Aqui até as mulheres lutam pelos direitos).
Duas décadas após a expulsão dos franceses coman- Muitos historiadores afirmaram que poucos foram os
dada por Estácio de Sá, caberia a uma mulher branca, Os primeiros povoadores da Capitania do Rio de Janei- negros trazidos para o Rio de Janeiro, no início da
Inês de Sousa, a defesa da cidade do Rio de Janeiro, ro estabeleceram-se, principalmente, no morro do Cas- colonização, e mais raros ainda são os registros encon-
outra vez ameaçada por corsários. Esposa do governa- telo, no Rio, e no entorno do Recôncavo da Guanabara, trados sobre esses escravos. Motivos para tal seriam a
dor da Capitania, Salvador Correia de Sá, Dona Inês atual Baixada Fluminense. Muitos foram os agraciados própria omissão dos traficantes ao declarar o número
conseguiu impedir o desembarque de franceses na com sesmarias (lotes doados pelo rei) com o objetivo real de pessoas trazidas da África e a dispersão das
Baía de Guanabara. Estes pretendiam saquear a cida- de recompensar os colonos que ajudaram na expulsão
ELIANE POTIGUARA dos franceses, estimular o povoamento da região e o
atividades econômicas na região até o século XVIII.
de na ausência do governador, que saíra em expedição É sabido, no entanto, que, já em 1730, a cidade do
Escritora de ascendência indígena, acompanhado de grande contingente de homens. Inês cultivo das terras. Curioso constatar que as sesmarias Rio de Janeiro recebia um terço dos escravos do país.
mãe de três filhos, nasceu na cidade do de Sousa reuniu mulheres e crianças, vestiu-as com eram dadas ao casal e não podiam ser transferidas sem Eram 7.400 escravos por ano, metade deles vindos
Rio de Janeiro, em 1951. Sua família, armaduras masculinas e as fez simular manobras de a presença da esposa, mesmo analfabeta. Ana Barro- diretamente da África. Ao todo foram 850.000 afri-
que pertencia à nação Potiguara, defesa na praia. Os corsários, assustados, desistiram so, Ana Dias, Ângela Rodrigues, Catarina de Bittencourt, canos, a maior parte deles do grupo étnico conhecido
emigrou das terras paraibanas nos de assaltar a cidade, contentando-se em extrair lotes Francisca da Costa, Maria de Mariz são alguns nomes como Banto. Esta etnia incluía diferentes nações de
anos de 1920 para se livrar das de pau-brasil do litoral fluminense. de colonizadoras encontrados nas petições, ainda no Angola, sul do Congo e de Moçambique, além dos po-
ações violentas dos chamados neo- século XVI. Muitas delas, quando viúvas, acabaram vos cabindas, benguelas, e quilinames.
colonizadores. por doar suas propriedades aos religiosos. Vitória de
A distância não a impediu de ir Sá, natural do Rio de Janeiro, ficou conhecida por sua Esta população escravizada sofria com a falta de ali-
em busca da verdade e denunciar coragem ao percorrer a região pantaneira à procura de mentos e roupas. Era marcada a ferro quente e subju-
as conseqüências físicas e morais seu marido. Ao falecer em 1667, deixaria, em legado, gada por meio de açoites e mutilações. A mão-de-obra
da violência imposta aos seus terras, um Engenho e escravos aos padres beneditinos. africana era sobretudo destinada às regiões de lavoura,
antepassados. Sofreu ao longo de sua A herança de Vitória foi considerada uma importante sendo as duas principais as regiões de Campos de
trajetória toda sorte de ameaças, abuso contribuição ao patrimônio da Igreja. Goytacazes e do Vale do Paraíba. A primeira, hoje nor-
sexual e humilhação, por defender te fluminense, assistiu a partir do século XVII à grande
os povos indígenas do racismo e da
exploração. Morrer sim... entregar-se expansão da atividade agropecuária. Para isso teriam
contribuído motivos de ordem econômica e política,
Medalha comemorativa do
Foi indicada como uma das “Dez
Mulheres do Ano de 1988”, pelo
centenário de Benta Pereira. não! como a queda na produção canavieira do Recôncavo
da Guanabara (atual São Gonçalo) e, mais tarde, a
Conselho das Mulheres do Brasil, por A trajetória de Dona Inês se entrelaça com a de outra Relatar os diferentes papéis desempenhados pelas mu- transferência da capital da colônia, de Salvador para o
ter criado a primeira organização de heroína, Benta Pereira, líder da Revolta de Campos, lheres negras ao longo da História do Brasil, em parti- Rio de Janeiro, em 1763.
mulheres indígenas no país: Grumin dois séculos depois. O filho de Inês de Sousa, Martim cular em terras fluminenses, é acima de tudo louvar a Já nos últimos anos do século XVIII, com a proliferação
– Grupo Mulher e Educação Indígena Correia de Sá, foi o primeiro Visconde de Assecas, abrangente e definitiva herança africana na formação do cultivo do café, estimulado pela boa aceitação do
–, e por ter trabalhado pela integração
donatário da recém-criada Capitania do Paraíba do do estado do Rio de Janeiro.
das índias no processo social, político e produto no mercado externo, o Vale do Paraíba, até
Sul, no norte fluminense. O domínio dos Assecas na
econômico.
região foi extremamente atribulado. Uma disputa entre
Organizou em 1991, na cidade de a Câmara Municipal de São Salvador dos Campos de
Nova Iguaçu, o histórico Encontro Goytacazes e os herdeiros do terceiro Visconde de As-
Nacional de Mulheres Indígenas, que secas levou a uma revolta da população, que ficou co-
contou com a participação de mais
nhecida como a Revolta de Campos. Benta Pereira teve
MULHER SOLDADO
de 200 representantes de diferentes
importante atuação no conflito, e seus bens lhe foram Maria Úrsula de Abreu e Lencastre, nascida na Capitania
comunidades. Ao lado de Marcos
Terena e de outros líderes, ajudou a seqüestrados. Ela não desanimou e, em 1748, liderou do Rio de Janeiro, em 1682, ao completar 18 anos, disfarçada
fundar o Comitê Intertribal 500 anos as mulheres de Campos no cerco dos revoltosos à Câ-
de homem, fugiu para Lisboa, onde assentou praça como
(kari-oca), por ocasião da Conferência mara, então ocupada por tropas do Visconde. Consta
soldado em 1.º de novembro de 1700. Embarcou para a Índia,
Mundial sobre Meio Ambiente, no Rio que foram elas que comandaram a investida final,
de Janeiro. invadiram o plenário e algemaram os usurpadores, tor- destacou-se em numerosos combates, sem jamais revelar seu
nando possível, no dia seguinte, a posse dos legítimos sexo. Em 1714, resolveu tirar o disfarce, obteve baixa e casou-
Eliane tem participado freqüentemente
de fóruns nacionais e internacionais representantes. As forças a favor do donatário, porém, se com o oficial militar Afonso Teixeira Arraes de Melo.
e, como reconhecimento ao seu acabaram por derrotar os revoltosos. Benta teve a filha, Mereceu honras e distinções do rei português, D. João V, que
Um Rio de mulheres

incansável trabalho na defesa dos Mariana, condenada ao degredo e foi obrigada a aban- a beneficiou com uma renda regular. Nunca mais voltou ao
direitos humanos dos indígenas, tem donar a vila. Benta e Mariana são lembradas até hoje
Brasil.
recebido várias homenagens. como heroínas pelos campistas, que reconhecem sua
11

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então produtor de algodão e cana-de-açúcar, tornou-se houve, sim, a constituição de laços familiares entre chegando, tornou-se “a rainha” do quilombo ao lado de Manuel
o destino da maior parte dos escravos que aportavam os que viviam na casa-grande, entre os escravos das Congo, “o rei”. Segundo depoimentos de soldados, quando a RAINHA DO CAFÉ
no Rio de Janeiro. A região que se estendia pelos atu- plantações, como também entre negras e brancos. guarda nacional chegou, Mariana, com cerca de 30 anos, resistiu Maria Benedita
ais municípios de Vassouras, Valença, Barra do Piraí, Exemplar é o caso da africana Justina Maria do Es- ao cerco com grande valentia e a seus companheiros esbravejava: Gonçalves Martins,
Barra Mansa, entre outros, de 160 arrobas de café, pírito Santo, comprada aos 13 anos pela proprietária “Morrer, sim, entregar-se, não!” filha da índia Puri,
em 1792, passou a mais de 3 milhões de arrobas ex- de terras Emerenciana Ribeiro do Espírito Santo, que a batizada como Ana
Presa, conseguiu ser absolvida, pois o código criminal distinguia a
portadas, em 1835. Já em 1789, metade dos 170 mil presenteou ao cônego João Carlos Monteiro, de Cam- Maria de Jesus,
mulher escrava do homem escravo, quanto à aplicação de penas,
habitantes da província do Rio de Janeiro era escrava, pos dos Goytacazes. Justina passou a viver na casa do e do comerciante
e era mais implacável com eles. Manuel Congo foi acusado de
sendo que três quartos destes se encontravam nas áre- pároco da cidade. No dia 9 de outubro de 1853, deu à português Manoel
homicídio e enforcado. Gonçalves Martins,
as rurais. Estas proporções permaneceram as mesmas luz um menino, filho do cônego. Este filho foi o desta-
Durante o século XVIII, o ciclo do ouro estimulou, nas zonas de nasceu a 7 de
até o início do século XIX. cado líder abolicionista José do Patrocínio.
mineração e nos centros urbanos, o crescimento do comércio março de 1809,
Segundo a pesquisadora Sonia Giacomini, as mulheres Dentre as inúmeras trajetórias de negras que se rebe- ambulante de gêneros alimentícios. Essa atividade, preponde- em Resende. Foi
cativas, apesar de inseridas, como os homens, em laram contra a opressão a que eram submetidas, as considerada a maior
rantemente feminina, era exercida pelas forras para seu próprio
tarefas produtivas, tinham a função de reprodutoras, que chegaram até nós são as de mulheres do século produtora cafeeira
sustento e pelas cativas, para seus senhores, sendo estas últimas,
o que não permitia a realização do lucro esperado por XIX. Assim conhecemos Júlia, que entrou na Justiça do Vale do Paraíba,
denominadas “escravas de ganho”. sendo chamada a
seus proprietários. Desta forma, eram freqüentemente em 1865 com o objetivo de conseguir a sua liberdade,
No final do século XVIII e início do século XIX registra-se a chega- rainha do café. Usou
destinadas às necessidades e solicitações da casa- visto que não mais morava com sua proprietária. Havia
da de grande quantidade de negras e negros daomeanos, nagôs e a grande fortuna que
grande, servindo, entre outros papéis, como objeto mais de sete anos, trabalhava como lavadeira e morava
haúças. Estes povos foram os principais responsáveis pela estrutu- recebeu de herança
sexual e ama-de-leite. num cortiço no bairro do Catete, zona sul do Rio de para promover o
Janeiro. Júlia perdeu a ação judicial, porém serviu de ração dos cultos africanos que predominaram no Brasil.
Em uma sociedade patriarcal, onde o poder e a von- desenvolvimento de
exemplo para muitas que, como ela, obtiveram auto- sua região, tornando-
tade dos homens era imperativo e os desejos sexuais
no casamento cerceados por regras morais e valores
rização de seus donos para viverem como alforriadas, ... Essas que acenderam todos os se uma das principais
e, mais tarde, com mais sorte, conseguiram legalizar responsáveis pela
religiosos, as escravas eram obrigadas a satisfazer a li-
bido, tanto do senhor quanto de seus filhos, sendo sub-
sua situação civil. Mariana, também escrava, vivia em tipos de velas... construção de sua
Iguaçu, atual Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. cidade, tanto no
metidas a todo tipo de vontades. As senhoras, por sua Para o resgate da memória das mulheres na colônia, talvez tenha
Apesar da idade avançada, fugia à vigilância de sua âmbito social quanto
vez, sentiam os laços abençoados e sacramentados da lugar privilegiado o espaço religioso. Índias, negras, brancas, cultural. Faleceu aos
família ameaçados por este tipo de prática, tornando- senhora, a viúva Gertrudes, recebendo dos negros or-
pobres ou ricas, as mulheres produziram no campo da espiritu- 72 anos, sendo até
se por vezes mais cruéis que os feitores. Essa condi- ganizados em quilombos na Baixada o sebo para fazer
alidade formas diversas de resistência pessoal e cultural. Talvez hoje constantemente
ção deu origem ao mito da negra ultra-sexualizada, que sabão que era comercializado no centro da cidade. homenageada
isso explique a presença maciça de mulheres atuantes em grupos
“ardilosamente seduz a todos”. Com o dinheiro das vendas, comprava mantimentos religiosos. pela população
para os quilombolas. resendense.
Durante muito tempo, propagou-se que os escravos No Rio de Janeiro colonial, as irmandades tornaram-se um
que trabalhavam na lavoura e moravam nas senzalas Mais famosa é a trajetória de Mariana Crioula, de importante espaço feminino. Ao contrário do que haveria de se
viviam em total promiscuidade. Essa idéia era alimen- Pati de Alferes, região do Vale do Paraíba. Em 1838, esperar, a instituição de conventos nem sempre representou para
tada pelo preconceito que ditava que os africanos se- ocorreu uma das maiores fugas de escravos registradas as mulheres recolhidas o ingresso em uma vida de devoção, de
riam “naturalmente” promíscuos e pela percepção de na história fluminense, liderada por Manuel Congo, ausência de contato com o mundo exterior, de ignorância e de
que, no cativeiro, os escravos não teriam condições de que arrebanhou revoltosos em diversas fazendas da absoluta falta de liberdade. Os recolhimentos funcionavam mais
se unirem em famílias. Estudos recentes, no entanto, região. Mariana juntou-se aos fugitivos, mais de 200, como um prolongamento dos “claustros” domésticos ou, ainda,
provaram que durante todo o período de escravidão que tomaram a direção da serra da Mantiqueira. Lá como abrigo para mulheres que, por circunstâncias diversas, se

ÓRFÃS DA RAINHA
Órfãs da Rainha foi o nome dado as meninas lusitanas, que com a morte ou afastamento permanente
dos pais, eram recolhidas em conventos ou casas de famílias, de onde saíam para contrair matrimônio. Em
sua grande maioria, eram filhas da pequena nobreza engajada nas expedições do além-mar. Ao mestruarem
“estavam prontas” para serem enviadas as colônias de Portugal, onde deveriam constituir família. Assim,
a coroa garantiria descendências legítimas para ocupar os territórios conquistados. Sob os auspícios
da rainha, ou do rei, levavam como dote aos futuros maridos a promessa de um cargo público na
administração colonial.
Um Rio de mulheres

Entre as órfãs que vieram para o Brasil, Maria Barbosa foi a única mandada para o Rio de Janeiro,
onde casou-se com Manuel Gonçalves. Este ganhou, do então governador Mem de Sá, a nomeação
para o posto de escrivão do campo, da cidade e da capitania. 13

12
encontravam fora de seus lares. O primeiro recolhimento feminino sediado na cidade do reforma na clausura, retirando todos os objetos de luxo
Rio de Janeiro foi o de Nossa Senhora da Ajuda, que e diminuindo o número de escravas que serviam no
É importante lembrar que a mulher branca de origem
teve sua fundação solicitada à realeza portuguesa por mosteiro.
portuguesa vivia na colônia, até o século XVIII, em
representantes da elite colonial. O principal agente Diferente era a imagem que os moradores do Rio de
rigoroso regime de reclusão em sua própria residência.
nesse processo foi uma mulher: D. Cecília Barbalho, Janeiro tinham a respeito do segundo recolhimento re-
Não lhe era permitido exibir-se a estranhos, nem
que teria oferecido recursos do seu próprio bolso às ligioso feminino existente na cidade, o de Santa Tere-
mesmo a hóspedes, como atestam depoimentos de
autoridades eclesiásticas locais para a construção da sa, emblema de religiosidade piedosa e ascética. Este
diversos viajantes estrangeiros que se espantavam
instituição que seria destinada a abrigar mulheres in- surgiu por iniciativa de duas órfãs, Jacinta e Francisca
com o fato de nunca serem apresentados à
fluentes da cidade. Assim, em 1678, junto à ermida da Aires, que obtiveram a concordância do padrasto e do
dona da casa. Muito lentamente, a mulher
Ajuda, localizada no distante Largo da Mãe do Bispo, irmão sacerdote. Em 1742, as duas jovens recolheram-
branca começou a freqüentar igrejas fora de
atual Cinelândia, ergueu-se a casa de recolhimento se à Chácara da Bica, no Caminho de Mata-Cavalos,
suas propriedades, tornando-se figura ativa
que abrigou, inicialmente, Cecília com suas três filhas atual Rua do Riachuelo. Na época, Jacinta de São
no calendário religioso e encontrando, desta
e outras duas meninas de famílias igualmente impor- José, como era chamada, devota de Santa Teresa,
maneira, o que seria, talvez, sua primeira forma
tantes da cidade. Em 1750, o recolhimento seria era conhecida na cidade por suas visões místicas.
de expressão na comunidade.
transformado em mosteiro por autorização da Com a autorização de Gomes Freire de Andrade,
Até 1732, a fim de garantir a predominância Coroa. governador da Capitania do Rio de Janeiro, e de
lusitana, a prática de casamentos com D. João da Cruz, bispo da diocese pertencente
O Convento da Ajuda ficou famoso por suas
mulheres brancas era estimulada e, portanto, à Ordem das Carmelitas Descalças, as duas ir-
reduziu a ida destas para os conventos. Os Incêndio do Recolhimento Nossa Senhora transgressões às regras monásticas de re-
mãs passaram a receber as primeiras internas,
interesses da metrópole, todavia,
do Parto – 23 de agosto de 1789 cato e austeridade. Como as monjas vinham
iniciando uma vida comunitária sob a Regra de
colidiam com as expectativas da dos altos extratos da sociedade colonial, Santa Teresa. Disputas pela liderança religiosa
sem licença canônica e, portanto, sem
elite colonial, desejosa de enviar suas elas reproduziam no convento os hábitos na cidade, porém, se seguiram – o novo bispo,
a obrigatoriedade dos votos de pobreza,
filhas para a vida monástica, fosse por socialmente incorporados: eram servidas Jacinta de D. Antonio do Desterro, franciscano, retirou a
castidade e obediência para as internas. São José
dificuldades na promoção de arranjos por escravas, vestiam jóias e roupas luxuosas autorização do convento – o que forçou Jacinta a
matrimoniais condizentes com a Desta forma, os recolhimentos coloniais acabaram e mantinham longas conversações com visitantes viajar em segredo à Europa para conseguir a concor-
origem social das famílias, fosse por servindo a finalidades bastante distintas: a eles eram nos locutórios, muitas vezes contando com apresen- dância real e a bula papal. De volta, Jacinta continuou
impossibilidade de constituição de dote, enviadas mulheres cujos pais ou maridos partiam em tações de peças de teatro e números musicais para a ser perseguida por D. Antôinio, que a acusava, entre
ou ainda para que o patrimônio familiar longas viagens, esposas acusadas de adultério e jovens entretê-las. Desta forma, as monjas revertiam a situa- outras coisas, de forjar suas visões e milagres e per-
não se fragmentasse. Frente ao impasse, suspeitas de relações ilícitas. Ali eram igualmente iso- ção em que se encontravam por decisão familiar. Não turbar a paz social. Jacinta morreu sem obter a ordem
a população colonial adotou a estratégia ladas as acusadas de prostituição e as que buscavam deixavam, contudo, de sofrer represálias pela conduta canônica para seu convento, o que só veio a ocorrer
de criação de casas de reclusão para refúgio de maridos violentos ou indesejáveis. Também desafiadora. em 1780. Até hoje, vê-se no outeiro de Santa Teresa,
mulheres. Embora construídos visando meninas órfãs eram para lá encaminhadas a fim de logo acima dos Arcos da Lapa, a imagem do convento,
a um posterior reconhecimento do Papa receberem educação adequada. Em 1761, Isabel Maria da Cruz foi eleita abadessa tombado em 1939 pelo Serviço do Patrimônio Histó-
e da Coroa, tais recolhimentos surgiram do convento. Favorável ao voto de pobreza, fez uma rico Nacional.

preservação dos rituais africanos e de suas tradições, no


MÃE BEATA DE IEMANJÁ estado do Rio de Janeiro, há mais de trinta anos. participar de obrigações internas, percebendo-a uma pessoa Essa sacerdotisa é reconhecida como uma grande liderança
capaz de dar continuidade ao saber da tradição. pela sua capacidade de articulação com os movimentos
As religiões afro-brasileiras recebem diversas denominações, Mãe Beata de Iemanjá nasceu em 20 de janeiro de 1931 sociais e com o governo, sendo convidada para participar
como candomblé, umbanda e omolokô, segundo suas em Cachoeira de Paraguassu, na Bahia, e foi iniciada no Em 21 de abril de 1980, Mãe Beata abre o seu próprio de vários eventos nacionais e internacionais. Atualmente é
características rituais e deuses cultuados. Apesar de no terreiro de Dona Olga do Alaketu, uma das figuras mais terreiro: o Ilê Omi Ojuarô, localizado em Miguel Couto, presidente de honra do grupo de mulheres negras Criola.
passado terem sofrido repressão por parte do Estado através expressivas do candomblé no Brasil. na Baixada Fluminense. É como sacerdotisa que Beata
do fechamento de vários espaços e, atualmente, sofrerem de Iemanjá desenvolve várias ações sociais paralelas às
Em 1969 vem ao Rio de Janeiro, convidada por Tião do
perseguição de outras religiões, o número de terreiros atividades religiosas que marcam sua trajetória de vida .
Irajá, para participar de seus rituais, tendo feito assim vários
continua crescendo e formando uma rede ainda invisível
contatos com sacerdotisas e sacerdotes da religião afro-
para muitos. Segundo pesquisadores, estima-se a existência Mãe Beata faz parte de uma linhagem de ialorixás que
brasileira local. Encantada com os vínculos estabelecidos,
de 10.000 terreiros de candomblé no Rio de Janeiro. conseguiram através de sua sabedoria unir tradição e
um ano depois, juntamente com os filhos, deixa a Bahia
Essa tradição religiosa se estabeleceu ao longo dos anos para viver em terras fluminenses. Mãe Regina Bambochê, modernidade sem perder a essência e os valores repassados
através de sacerdotes como João Alabá e das famosas tias Miguel Grosso, Tia Davina e Joãozinho da Goméia são pelos seus ancestrais. Sua participação nos movimentos
baianas Gracinda, Ciata, Josefa da Lapa, entre outras, alguns dos pais e mães-de-santo que fazem parte da história pela valorização da religiosidade afro-brasileira, na luta
Um Rio de mulheres

que possibilitaram a manutenção e preservação desses do candomblé carioca e com quem Mãe Beata manteve pela cidadania do povo negro, no intercâmbio das mulheres
espaços de resistência negra e de culto aos orixás. Assim contato freqüente, acompanhando as celebrações ocorridas dos terreiros com o movimento feminista, nos trabalhos de
como elas, Beatriz Moreira Costa, mais conhecida como nesses terreiros. Seu carisma e dinamismo fez com que promoção da saúde permitiu dar visibilidade aos terreiros e
Mãe Beata de Iemanjá, vem realizando um trabalho de muitas casas tradicionais de candomblé a convidassem para conquistar o apoio de outros segmentos da sociedade. 15

14
por razões diversas, que iam da prática de judaísmo
IRMÃ ADELINA .... E as que arderam nas à bigamia, passando por sodomia, homossexualismo,
Nasceu em 27 de novembro de 1896, fogueiras ... curandeirismo e adultério.
na vila operária da Companhia Têxtil Lourença Correia, escrava, foi denunciada pela esposa
Brasil Industrial, em Paracambi, no Rio Na década de 1490, por ordem de D. Manuel, rei de ciumenta de um rico proprietário do Rio de Janeiro. Em
de Janeiro. Filha de Marcelina Zanei e Portugal, os judeus foram obrigados a se converterem
Carlos Augusto Frambach. Tornou-se vão, a esposa tentara afastar Lourença de seu marido,
ao catolicismo, dando início à distinção entre cristãos-
irmã de caridade, adotando o nome obrigando-a a se casar com outro de seus cativos. Não
velhos e cristãos-novos. Estes eram considerados
de Maria Beatriz, sendo co-fundadora suportando os maus-tratos de sua dona, Lourença fu-
da Congregação Religiosa das Irmãs potencialmente perigosos, pois poderiam, depois de
giu para São João do Meriti, onde passou a viver com
Sacramentinas, ordem comprometida batizados, retomar suas antigas crenças e práticas.
outro escravo. Por fim, em 1745, foi presa pelo Santo
com os segmentos mais pobres da Muitos deles optaram por trocar Portugal pelo Bra-
Ofício, acusada de prática de bigamia e, mais tarde,
infância e da juventude. Faleceu em sil, na esperança de começar uma nova vida no novo
1979, aos 83 anos. continente, mas a Inquisição, preocupada com a fé no degredada para Angola.
além-mar, acabou seguindo-os até aqui. Em 1703, o Nem só as escravas foram visadas. Leonor Gomes de-
Tribunal do Santo Ofício começou a perseguição aos nunciou sua senhora Lourença Coutinho, cristã-nova,
ALÉM DAS FRONTEIRAS RELIGIOSAS cristãos-novos do Rio de Janeiro. Em 1711, um grande por observância às práticas de judaísmo, tais como
número de convertidos encontrava-se na prisão aguar- jejuar aos sábados e “no dia grande do mês de setem-
Em 1959 foi fundada a Liga Feminina
dando a frota que os levaria a Lisboa quando a cidade bro” passar o dia sem comer nem beber, “ceando coi-
Israelita do Brasil, no Rio de Janeiro.
foi invadida por franceses, e todos os prisioneiros liber- sas que não eram carne”. O processo contra Lourença,
Esta entidade se propõe a conscientizar
a mulher judia-brasileira da Prédio da Santa Casa de Misericórdia tados. Livres, mas com os bens confiscados, resolve-
seus três filhos e nora, resultou em prisão perpétua
necessidade de participar de todas as ram vingar-se da família Barros, proprietária de terras
para as duas mulheres e em morte na fogueira para
áreas da vida comunitária em prol do em Jacarepaguá, que, diferente das outras famílias de
o filho caçula, o teatrólogo Antônio José da Silva, que
bem comum. Ieda Rinder Benzecri de pai, visto que, na sociedade colonial, a ausência da cristãos-novos, não havia sido perseguida. Resolveram
passou à história sob a alcunha de “o Judeu”. O mo-
foi a primeira presidente desta Liga, figura paterna representava grande risco para a honra. que, se fossem novamente presos, denunciariam todos
atualmente substituída por Ester tivo oculto da acusação era a recusa de Lourença em
O estatuto do recolhimento, todavia, aceitava pensio- os membros daquela família, como foi o caso de Brites
Schwartz, que ocupa pela terceira vez conceder a liberdade a Leonor após esta ter servido à
nistas, o que acabou alterando o perfil da casa, pois de Lucena, neta de índia carijó, casada com Antonio de
este cargo. família por 18 anos como escrava.
o número de mulheres recolhidas por ordem de seus Barros. Assim o fizeram quatro anos mais tarde. Brites
familiares – para acobertar gravidez indesejada ou em foi presa aos 64 anos de idade e, sob tortura, denun- No final do século XVIII, o avanço das tropas napole-
represália a alguma relação amorosa “ilícita” – ultra- ciou seus filhos. ônicas em direção à Portugal mudaria definitivamente
passou largamente o número de órfãs. É exemplar o Até 1767, o Santo Ofício teria feito, segundo o historia- os rumos da história do Brasil. Com a transferência da
ocorrido com Maria José de Melo, que foi internada família real para o Rio de Janeiro, a vida deste lado do
No período colonial ainda, outros dois recolhimentos dor Varnhagen, cerca de 450 prisões no Rio de Janeiro.
pela própria mãe e, mesmo sob suspeita de gravidez, Atlântico nunca mais seria a mesma. Agora, a Corte
foram criados, porém, nunca foram destinados à vida Dentre estas, 221 eram de membros de uma mesma
conseguiu permanecer nesse recolhimento após inten- era aqui. Uma nova sociedade surgia rapidamente,
religiosa contemplativa. Por volta de 1750, foi criado família, a família do Vale, a que pertenciam Angela do
sas negociações com autoridades da época.
o Recolhimento de Nossa Senhora do Bom Parto, na Vale Mesquita e Helena do Vale, para citar apenas duas mais europeizada, e um novo contexto, lentamente, co-
Rua dos Ourives, atual da Assembléia, com o objetivo Na cidade de Niterói encontramos o Recolhimento de das dezenas de mulheres perseguidas e condenadas meçava a delinear-se para a participação da mulher.
específico de enclausurar mulheres leigas, cujas tra- Santa Teresa de Itaipu, de 1764, chamado de “Prote-
jetórias de vida eram consideradas “moralmente com- tor do Bem Comum”, destinado a mulheres de extrato
prometedoras”. Aqui destaca-se a figura de Rosa Maria social mais baixo e considerado de péssima reputação
Egipcíaca da Vera Cruz, ex-escrava de ganho, forçada à moral, de acordo com os padrões vigentes.
prostituição por seus donos e acusada de heresia pela
As casas de recolhimento serviram, também, como
Igreja. Internada no Recolhimento, tornou-o acessível
mais um instrumento de pressão social contra a mu-
a mulheres pobres, em sua maioria negras e ex-pros-
lher, durante o longo período que se estende da colô-
titutas. Rosa foi deportada para Lisboa, presa pela
nia até fins do século XIX. A ameaça de recolhimento O Santo Ofício visitou
Inquisição. Em 1789, o prédio foi alvo de um incêndio
lançada às mulheres, brancas ou negras, em caso de o Brasil, pela primeira
atribuído à ação de duas internas, Ana Campista e Ma-
qualquer desobediência doméstica, foi uma constante vez, em 9 de junho de
tilde, recolhidas contra sua vontade, acusadas de adul-
até o pensamento liberal-iluminista aqui chegar, com 1591, na Bahia.
tério por seus maridos. As duas conseguiram escapar
sua crítica à vida religiosa em clausura e à condição
às chamas, porém mais de uma centena de mulheres
social parasitária da mulher, o que levou os conventos
não tiveram a mesma sorte e morreram, uma vez que
e recolhimentos à acentuada decadência, sobretudo na
as portas do prédio permaneciam trancadas.
Um Rio de mulheres

capital. A não-obediência às rigorosas condutas com-


O segundo recolhimento para mulheres leigas na cida- portamentais também poderia resultar em denúncia
de foi o das Órfãs da Santa Casa, fundado em 1739, ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, presente no
pela Irmandade da Misericórdia. Destinava-se a órfãs Brasil a partir de 1591. 17

16
senhoras das sociedades carioca e fluminense, entre

Assistir, elas a Baronesa do Bonfim, sua filha Jerônima Mesquita


AS CRIADEIRAS
e Stella Guerra Duval, formaram o grupo denominado Pelo menos no Rio de Janeiro e em Salvador, as
Damas da Cruz Verde. criadeiras eram recrutadas preponderantemente
na zona urbana, ao contrário da Europa, onde se

um verbo conjugado
Inicialmente prestaram auxílio no combate à gripe es- buscavam de preferência amas camponesas. Eram
panhola, que em 1918 assolava as cidades portuárias mulheres que, mediante um insignificante salário,
do Brasil. Dessa experiência nasceu o projeto de fun- prestavam-se a criar filhos dos outros, amamentá-los,
dar a maternidade Pró-Matre, no Rio de Janeiro. vesti-los, até a idade de três anos. Alguns casos, por

no feminino
Supostamente seria um contra-senso pensar em iniciativas assistenciais
Damas da Cruz Verde
um pagamento bem menor, conservavam consigo as
crianças até a idade de sete anos, ou mesmo por toda
a vida. Eram em sua maioria mulheres livres e que
viviam sós, solteiras ou viúvas. Mas houve escravas,
cujos senhores encaminhavam-nas à Misericórdia
A primeira reunião do grupo aconteceu no dia 1º de
em uma sociedade que escravizava seres humanos, fossem eles homens, abril de 1918 e contou com a presença de Laurinda para se inscreverem como amas-de-leite.
mulheres, crianças ou idosos. Embora a Igreja tenha fechado os olhos para Santos Lobo, Jenny Monteiro Amaral, Helena Figueiredo
a escravização de indígenas e africanos, foram as ordens religiosas que Araújo, Jerônima Mesquita, Ernestina Passos Bulhões
deram início ao assistencialismo no país. No começo, só havia congregações de Carvalho, Nair de Azevedo Teixeira, Maria Engrássia
Celso Carneiro de Mendonça e Lo Landbery, além do
masculinas; ao longo do tempo, porém, com a abertura dos primeiros As iniciativas desenvolvidas pelas Damas da Cruz
professor Fernando Magalhães, ginecologista e obs-
conventos de mulheres, as atividades de amparo passaram a fazer, cada vez tetra, e de Fernando Guerra Duval, marido de Stella,
Verde ganharam maior amplitude política com o surgi-
mais, parte do universo feminino. mento da FBPF – Federação Brasileira pelo Progresso
que conduziu o encontro. Decidiram pela implantação
Feminino, em 1922. A maior parte desse influente
de programas de proteção à mulher pobre e à infância

U
grupo ajudou a fundar essa organização, que incor-
Um dos episódios que marcaram a história do assis- As mulheres parturientes não tinham qualquer tipo de carente. Como primeiro passo, foram buscar o apoio
porou as reivindicações assistenciais a seu programa
tencialismo no país aconteceu no período colonial, atenção institucional. A gravidez e o parto eram con- do Presidente Wenceslau Brás, ao qual solicitaram
político. As militantes mantinham sempre um espaço
em 1693, quando uma autoridade pública enviou siderados absolutamente fisiológicos, não merecendo um casarão na avenida Venezuela para instalarem a
para debates sobre a proteção à maternidade e à in-
carta indignada à corte portuguesa solicitando um cuidados especiais, muito menos um acompanhamen- entidade.
fância, tanto nos congressos que realizavam, quanto
alvará para a criação da Casa dos Expostos no Brasil. to preliminar. A maternidade foi inaugurada em 9 de fevereiro de em suas ações públicas em defesa dos direitos da
Esse senhor estava revoltado com o crescente número 1919, com duas enfermarias, uma de obstetrícia e mulher.
Os serviços assistencialistas foram mudando progres-
de crianças encontradas nas ruas do Rio de Janeiro outra de ginecologia, num total de 40 leitos. O ambu-
sivamente, passando do exercício da caridade religio- Até bem pouco tempo, as esposas dos Presidentes da
que, mortas, acabavam sendo devoradas por animais. latório para atendimento às gestantes alcançou rapi-
sa para a filantropia. A partir de 1850 surgem projetos República, dos Governadores e Prefeitos, as chama-
Apesar da demora de trinta e três anos, em 1726 foi damente a média semanal de 162 consultas. Criaram
para a criação de Asilos de Educandos, Institutos de das primeiras-damas, eram estimuladas a promover
fundada a Santa Casa de Misericórdia em Salvador, ainda, logo a seguir, uma creche com capacidade para
Menores Artesãos, de Menores Artífices e Colônias a filantropia, geralmente ações caritativas, efêmeras
que na época era a capital da colônia. Essa entidade, abrigar 20 crianças. Em poucos anos ampliaram os
Agrícolas. e marcadas por interesses políticos circunstanciais,
pioneira no cuidado à infância abandonada, veio para postos de atendimento, bem como os serviços de as-
o Rio de Janeiro em 1738. A mortalidade infantil crescia bastante nas últimas como foram as Campanhas do Agasalho. Para manter
sistência à população feminina e a infância.
décadas do século XIX, e os dados alarmantes fizeram a boa imagem do marido, deveriam cumprir harmo-
Em algumas dessas instituições havia a chamada Neste mesmo ano, o governo criou o Departamento niosamente o papel de guardiã da família, do lar e da
proliferar as creches nas principais cidades do país.
roda dos expostos, um dispositivo medieval de origem Nacional da Criança, o qual passou a coordenar ati- população carente, além de anfitriã exemplar. D. Darcy
Em 1879, o periódico A Mãe de Família, editado no
italiana que inicialmente foi utilizada para manter o vidades de assistência às mães, às crianças e aos Vargas ocupou diferencialmente esse lugar, utilizou o
Rio de Janeiro, publicou artigos defendendo a creche
máximo de isolamento dos monges e freiras reclusas. adolescentes. aparato administrativo do Governo Federal e fundou
como um estabelecimento de beneficência para mães
Era um aparelho mecânico cilíndrico, fechado num entidades permanentes de assistência social. A pri-
que trabalhavam fora.
dos lados, que girava em torno de um eixo, e era fixado meira iniciativa inovadora foi a criação da Casa do
Jerônima Mesquita
em um dos muros dos conventos. Essas engenhocas O início do século XX foi marcado pela crescente Pequeno Jornaleiro, em 1940, no Rio de Janeiro. Dois
foram adaptadas para receber as crianças enjeitadas, urbanização das grandes cidades brasileiras e con- anos depois, em 1942, bem-sucedida nesse trabalho,
preservando-se o anonimato de quem as abandonava. sequentemente houve um significativo aumento dos encaminhou o projeto de implantação da Legião Brasi-
problemas sociais. Diante desta realidade, as mulhe- leira de Assistência – LBA, com o propósito de garan-
Muitas escravas foram obrigadas pelos seus senho-
res fluminenses organizaram-se e além de criar várias tir amparo contínuo aos pobres em âmbito nacional.
res a deixar seus filhos e filhas na roda. As crianças
instituições assistenciais, pressionaram o poder públi-
acolhidas eram criadas por amas-de-leite, geralmente Apesar de bastante criticado, o assistencialismo de
co a tomar iniciativas em prol da população carente,
mulheres sem instrução que ganhavam uma pequena cunho paternalista continuou mobilizando um grande
sendo a Cruzada pela Infância um dos principais
quantia pelos serviços prestados. Essa prática motivou número de pessoas. No final do século XX a socie-
exemplos desse período.
também muitas mães necessitadas a abandonarem dade brasileira testemunhou a mudança de concep-
Um Rio de mulheres

seus bebês e, logo em seguida, se apresentavam à O assistencialismo foi um importante espaço de atua- ção relativa ao trabalho assistencial. Organizações
instituição para cuidar dos mesmos, visando paga- ção pública feminina nessa época, já que as mulheres não-governamentais e movimentos civis começaram a
mento. A roda dos expostos existiu por mais de dois estavam vetadas a participarem diretamente da vida Stella Guerra Duval
se mobilizar e a exigir do estado políticas públicas que
séculos, até 1949. política do país. No final da década de 1910, algumas combatam as desigualdades e ampliem a cidadania. 19

18
Aconteceu no Maria vai
com as outras!
Período Imperial Ainda que interditada, D. Maria I era a rainha
de Portugal na época da vinda da família real para
o Brasil. Os historiadores se referem a ela com as
alcunhas “a piedosa” ou “a louca”. Governou de
fato por 15 anos, de 1777 até 1792, quando foi
declarada emocionalmente incapaz.

A
Ao nascer, em 1734, D. Maria recebeu o título de Prin-
cesa do Brasil. Era herdeira do trono luso e foi a pri-
meira mulher a ser proclamada rainha em Portugal; as
que governaram antes dela sucederam a seus maridos
por curtos períodos regenciais. Ao tomar posse, liber-
tou os presos políticos e destituiu o poderoso Marquês
de Pombal, seu grande opositor. Durante seu reinado, D. Maria I
apesar das suas convicções moralmente conservado-
ras, promoveu avanços nas relações diplomáticas e
comerciais, nas áreas do Direito, assistência social, Foi no calor destes acontecimentos, entre os vínculos
urbanismo e, sobretudo, foi responsável pela criação de dependência econômica com os ingleses e as ame-
de diversas instituições de educação e cultura. aças e investidas francesas, que a corte portuguesa
começou o embarque para o Rio de Janeiro durante a
Quando da Inconfidência Mineira, D. Maria I conce- noite do dia 27 de novembro de 1807.
deu, por motivos políticos, perdão aos revolucionários,
com a exceção de Tiradentes, condenado à forca. O D. João, o príncipe regente, havia planejado meses an-
tes a fuga para o Brasil. Resistiu até onde pôde. Sem
alferes havia sido preso em maio de 1789, no Rio de
muitas alternativas, deixou Portugal acompanhado por
Janeiro, onde recebera auxílio de Inácia Gertrudes de
cerca de 15.000 pessoas e a menos de 24 horas do
Almeida, que, por conta disso, foi severamente punida
avanço dos exércitos napoleônicos sobre Lisboa. Os
pelas autoridades portuguesas.
registros da época contam que as cenas da partida
Neste mesmo ano, o mundo ocidental vivia o estouro foram de muita tristeza, não havia lugar para todos e
da Revolução Francesa, que rapidamente difundiu uma quantidade enorme de gente desesperada tenta-
suas idéias liberais, tornando-se o grande marco do va embarcar à força. Muitos ficaram pra trás e foram
chamado período iluminista. Foi a época em que presos ou mortos. A reação de D. Maria I foi comoven-
ocorreram profundas transformações nos hábitos e te, da popa do navio ela gritava: “Deixem-me ficar
nos costumes, nas cabeças e nos corações de toda a que eu luto!”.
Europa. As relações humanas começavam a mudar,
mulheres e homens semeavam uma nova atitude, tan- Vieram os 14 membros da família real: a rainha
to no convívio privado quanto no coletivo. D. Maria I; suas duas irmãs, a infanta D. Maria Ana
e a princesa D. Maria Francisca; seu filho, o príncipe
Alguns anos mais tarde, os europeus sofreram com regente D. João e sua esposa D. Carlota Joaquina; os
as terríveis invasões francesas. Napoleão se auto-in- oito filhos do casal: a primogênita, princesa D. Maria
titulou imperador e avançou na conquista de todo o Teresa, que tinha 14 anos, e seu noivo D. Pedro Carlos
continente, não respeitando fronteiras nem tratados. da Espanha; os infantes D. Pedro, futuro imperador
Diante de tantas turbulências, a corte portuguesa do Brasil, e D. Miguel; as infantas D. Maria Isabel,
começou a questionar quem deveria deixar Portugal e D. Maria Francisca, D. Isabel Maria, D. Maria da Assun-
quem permaneceria no país. As opiniões eram muitas, ção e, a mais moça, D. Ana de Jesus, de apenas dois
porém a mais contundente foi dada por Dona Maria I, anos de idade. Eles se dividiram em quatro navios da
que, embora considerada louca, declarou com altivez: frota composta por dezenas de embarcações que zar-
“Ou vamos todos ou não vai ninguém!”. param ao amanhecer. 21
As milhares de pessoas experimentaram desconforto os padrões da época, exerciam diferentes ofícios. As go e conservador sistema patriarcal vigente. Algumas
e tédio durante a viagem, passaram por alguns sustos afrodescendentes alforriadas e as ciganas formavam
Mulheres no Império dezenas de mulheres aproveitaram para conquistar
com o mau tempo e foram atacadas por um surto de as camadas mais pobres. Trabalhavam especialmente espaços públicos e lugares até então proibidos a elas
Durante o século XIX as mulheres brasileiras
piolhos, fato que obrigou as mulheres a rasparem as no comércio ambulante e, desde então, tornavam-se na rotina da cidade. Dentre essas, destacavam-se as
começaram definitivamente a percorrer o longo
suas cabeças. A travessia do Atlântico durou em tor- as principais responsáveis pelo sustento e manuten- professoras, as parteiras e as modistas francesas, as
caminho para a transformação de seus destinos. Os
no de 54 dias; a nau que trazia D. Maria I e D. João ção de suas famílias. As escravas além de não terem comerciantes e as quituteiras.
capítulos mais representativos do prefácio oitocentista
rumou para Salvador, onde chegou em 22 de janeiro direito algum eram geralmente exploradas por seus foram redigidos no contraste de valores entre as Eva Maria do Bonsucesso era uma das muitas negras
de 1808. Dias depois, o príncipe regente, entre outras
senhores e senhoras, como se fossem elas próprias nativas e as recém-chegadas. O Rio de Janeiro se forras quitandeiras que diariamente armavam seus
importantes medidas, decretava a abertura dos portos
uma rentável empresa. Vendiam diferentes produtos transformou no principal cenário da nova forma de tabuleiros nas ruas do Rio de Janeiro. Em 16 de julho
brasileiros às nações amigas. Seguiram viagem no fi-
nas ruas, serviam como amas de leite de aluguel e atuação feminina no país. de 1811, foi esbofeteada por ter enxotado com vara
nal de fevereiro, e a 7 de março de 1808, entre salvas
ainda estavam constantemente sendo obrigadas a se uma cabra que avançava sobre seus produtos. Eva
de canhões, a esquadra real aportava no Rio de Janei-
prostituírem. Desde 1808, o poder, a política e a economia, o dito levou o caso a justiça, e trinta pessoas depuseram
ro. A maior parte da população foi às ruas recebê-los
universo masculino, passou por grandes agitações. A a favor dela, confirmando a agressão do responsável
e, durante dias, festejaram sua chegada. A população carioca surpreendeu-se com a grande
antiga rivalidade entre brasileiros e portugueses cres- pelo animal. Diante disso, o juiz mandou prendê-lo.
A transferência da corte para o Rio de Janeiro re- quantidade de mulheres e moças que chegaram com ceu expressivamente após os primeiros momentos de Fato raro para a época, uma mulher negra e ex-escrava
presentou um episódio inédito na história ocidental a corte. Embora sem poder opinar na escolha dos entusiasmo pela proximidade da nobreza. Enquanto conseguir, ainda que temporariamente, a condenação
e para o Brasil marcou, na prática, o fim da condi- maridos, pois eram os pais que a determinavam, elas os antigos habitantes da colônia eram tratados como de um homem branco e servidor da coroa.
ção colonial, fato reconhecido de direito, em 1815, foram responsáveis por um significativo aumento dos inferiores e normalmente excluídos dos novos empre- Maria, Carlota, Leopoldina, Amélia, Maria da Glória,
quando o país foi elevado a Reino Unido a Portugal e registros de casamento e, muitas delas, foram viver gos, o governo joanino protegia, sustentava e privile- Januária, Teresa e Isabel foram, direta ou indireta-
Algarve. no interior, o que possibilitou a giava abertamente os reinóis. Segundo Moraes Filho, mente, mulheres que também interferiram nos rumos
Não havia na cidade muitas opções para acomodar expansão do estado. “...Do interminável séquito da família real poucos do Brasil. Cada qual a sua maneira, umas mais, ou-
tanta gente. Como resolução, os funcionários re- Durante os primeiros anos prestavam para alguma coisa. Eram fidalgos e vadios. tras menos, desempenharam múltiplos e importantes
ais recorreram à chamada lei das aposentadorias, Aos fidalgos mandou-se dar pensões do tesouro... Os papéis na nossa história. Quis a história que fossem
do período monárquico
que obrigava os moradores a ceder suas residên- vadios foram empregados nas repartições que se cria- elas, juntamente com suas irmãs e filhas, as únicas
brasileiro, o prín-
cias aos monarcas e fidalgos da enorme comitiva. ram para esse fim...”. princesas, rainhas e imperatrizes a viverem na Améri-
cipe regente
A sigla P.R., representando “príncipe-regente”, foi ca pós-colombiana. Todas moraram no Rio de Janeiro,
organizou A população fluminense dobrou nas primeiras déca-
inscrita nas portas das casas escolhidas para de- sendo que Maria da Glória, Januária e Isabel são cario-
seu ministério e das do período monárquico, elevando a demanda dos
sapropriação. Logo o povo a interpretou com outro cas. Foram mulheres que, desde muito cedo, tiveram
deu início a uma mais diferentes produtos de consumo, assim como de
sentido: “ponha-se na rua”. mão-de-obra. Com isso aumentou significativamente o que aprender a ser protagonistas de um tempo no qual
série de reformas
desumano tráfico negreiro. O panorama do estado e da o texto e o contexto eram obrigatoriamente escritos no
O último censo, de 1799, havia registrado apenas administrativas,
capital mudou, tanto do ponto de vista arquitetônico masculino.
43.376 habitantes no Rio de Janeiro, e o panorama culturais e sócio-
urbano que a corte encontrou na capital do país em econômicas. En- e urbano como também do convívio social. Todos os Talvez por seu destemperamento e por sua personali-
1808 era bastante modesto comparado às metrópoles tre várias inicia- caminhos passavam pelo Rio de Janeiro, famílias che- dade viril, Carlota tenha sido a que representou, entre
européias. Apesar de já ostentar, na época, alguns gavam e ficavam, outras partiam para vários pontos elas, o maior contraste ao modelo de mulher virtuosa
tivas, promoveu
importantes marcos arquitetônicos, existiam somen- do Brasil. Da Europa continuavam vindo moças de e submissa que predominava nos cânones morais oi-
a instalação de
te algumas poucas dezenas de ruas, becos, largos e diversas nacionalidades, e abriram-se frestas no anti- tocentistas.
indústrias, deu
travessas. Os novos habitantes ficaram deslumbrados
início à constru-
com a exuberância da natureza, mas se assustaram
com a insalubridade e com a imensa população negra ção de uma siderúrgica, fundou instituições de ensino
que, ainda escravizada, transitava pelas ruas. superior, o Observatório Astronômico, a Imprensa Ré-
gia, a Biblioteca Nacional e o Jardim Botânico. Criou
Os códigos sociais relativos às mulheres se alteravam
ainda o Banco do Brasil, a Intendência da Polícia, o
em uma sociedade marcada pela tragédia da escra-
vidão e pelo injusto sistema patriarcal lusitano. As Arsenal da Marinha e a Fábrica de Pólvora. Na política
possibilidades econômicas, as características étnicas externa, anexou ao território brasileiro a Guiana Fran-
e a nacionalidade determinavam as diferenças das cesa e a Banda Oriental, atual Uruguai.
normas de conduta impostas ao feminino. As mulhe-
D. Maria I morou no Convento Carmelita até a sua mor-
res mais ricas, nobres e damas da corte, freqüentavam
te, em 20 de março de 1816. Durante os oito anos em
e promoviam festas e reuniões, tinham maior acesso à
que viveu no Rio de Janeiro, tornou-se figura folclórica
educação e usufruíam um pouco mais de liberdade e
na cidade. Um de seus passatempos prediletos era pas-
Um Rio de mulheres

escolha. As que pertenciam às classes intermediárias


estavam restritas às ordens paternas; o desejo do pai sear com suas damas de companhia e, ao vê-las, o povo
era lei e o preconceito, normalmente, a regra. Exceção gritava: “Maria vai com as outras!” – daí a origem
feita às imigrantes estrangeiras, que, contrariando deste tão conhecido dito popular. 23

22
Uma mulher
as novidades que a sociedade modernizada impunha, com a cumplicidade da coroa britânica, tentou impe-
têm que lutar para se inserir nas novas brechas que dir a vinda da nora. Tanto a rainha quanto os ingleses
se abriam. A conquista desses espaços gera tensões se empenhavam pelo retorno da corte lusitana a Por-
e conflitos pois impõe também a reformulação da tugal, porém D. Leopoldina, já a caminho do Brasil,
condenada pela História mulher sobre si própria. Não restam dúvidas de que
essa mutação dos papéis femininos exige audácia
manteve-se firme na decisão de continuar a viagem
para o Rio de Janeiro.
“Praticamente não há na história
das primeiras vanguardas. Os passos iniciais são, fre-
luso-brasileira personagem que tenha sido Após pressões e revoltas em várias cidades portu-
qüentemente, desconexos, hesitantes e, certamente,
guesas, D. João VI viu-se obrigado a regressar para
tão severamente criticada e pessoalmente incompreensíveis para os contemporâneos. ”
Lisboa. Em 1820, correntes liberais promoveram uma
desmoralizada quanto Carlota Joaquina.” Durante os 13 anos que D. Carlota Joaquina viveu no revolução na cidade do Porto e assumiram o governo
(Francisca Nogueira de Azevedo - Profª. Doutora do Rio de Janeiro, protagonizou muitos episódios que de Portugal através de uma junta. Logo se sentiria
Departamento de História - PEA- IFCS/UFRJ)
abalariam o prestígio e a confiabilidade da monarquia. as conseqüências no Rio de Janeiro, onde um grupo
Jamais se adaptou ao clima tropical e à distância da de adeptos dos revolucionários conseguiu obter de
Europa. D. João VI o juramento a uma nova e provisória cons-

D
Em janeiro de 1817, após complexas negociações, tituição. Doravante, o monarca teria que repartir o po-
D. Carlota Joaquina de Bourbon nasceu em 1775. Era Carlota Joaquina ficou decidido o casamento do príncipe herdeiro der com um parlamento, representando oficialmente o
infanta da Espanha e com apenas 10 anos de idade D. Pedro com a arquiduquesa austríaca D. Leopoldi- fim do regime absolutista em Portugal e no Brasil.
casou-se com o príncipe D. João de Portugal, incor- na, sendo a união celebrada por procuração em Viena,
Em 25 de abril de 1821, sob um clima de muita
porando assim o título de Princesa do Brasil. Nunca a 13 de maio. Neste mesmo ano, dois meses antes,
tensão, a família real partiu acompanhada de 4000
contou com prestígio e consideração na família real eclodia a Revolução Pernambucana. A população de
brasileira, os compêndios didáticos e outros meios de cortesãos. Ao embarcar, D. Carlota Joaquina jogou
lusitana, tendo sido provocativamente chamada de “a Recife foi para as ruas, indignada pelo aumento dos
divulgação da história mantêm inalterado o modelo de os sapatos ao mar e disse: “Nem nos calçados quero
espanhola”. O casamento, determinado por interesses impostos e a tirania do governo provincial. O levante
mulher criado para Carlota Joaquina. (...) como lembrança a terra do maldito Brasil”.
políticos dos reinos ibéricos, só consumou-se após durou 74 dias e conquistou a adesão geral do povo,
cinco anos de convívio com o príncipe. Segundo os Para D. Carlota a imagem de mulher mordaz, debo- dos militares, do clero e dos senhores de terra, jun- O rei passou a regência do Brasil a seu filho, príncipe
estudiosos, a relação do casal foi desde o início muito chada, sensual e extravagante, em oposição a do rei, tando todos em torno das idéias iluministas, liberais e D. Pedro, que meses depois iria também começar
difícil; ela, uma criança sagaz sentenciada ao “exílio”, bondoso, mas fraco e débil, que sofre e se acabrunha republicanas. D. Carlota Joaquina aproveitou o clima a sofrer coação de Portugal para deixar o país com
e ele, um adolescente retraído. Ao longo dos 41 anos com o comportamento da esposa. (...) de apreensão causado pela rebelião no nordeste e, D. Leopoldina e seus filhos.
de vida a dois, travaram verdadeiras batalhas. A partir
O que se conclui, é que essas contradições são re-
de 1805, ainda em Lisboa, começaram a viver separa- veladoras das práticas, formas e subterfúgios que
dos, cada um no seu Palácio. Nessa ocasião, D. Carlo- implicam na atitude preconceituosa contra a mulher,
ta Joaquina, apaixonada pelo jogo político, articulou, ambigüidades que revelam o desconhecimento, ou
conquistou adesões e pôs em prática o primeiro de o propósito da negação de valores inerentes a uma
uma série de planos para interditar o marido, visando época. (...)
ocupar o trono português. Anos depois, já no Brasil,
tentou assumir o lugar de seu irmão Fernando VII, rei Entendendo que o mundo feminino é parte do mundo
da Espanha, tomar posse da coroa ibérica, unir os dois masculino, e vice-versa, que não há esferas diferen-
reinos e transformar-se na Imperatriz das Américas. tes, a diversidade de papéis é percebida como uma
construção cultural que determina funções apropria-
Após a morte de D. Maria I, em 1816, o príncipe re- das para homens e mulheres, é provável que possa-
gente tornou-se oficialmente o rei D. João VI, e D. Car- mos entender melhor porque Carlota Joaquina, como DIREITO À HERANÇA
lota Joaquina, a rainha de Portugal, Brasil e Algarve. outras mulheres da aristocracia ou do povo, muitas Durante muitos anos as mulheres não tiveram qualquer tipo de direito sobre os bens deixados com a morte de seus familiares.
A grande maioria dos cronistas da época e, conse- delas ainda no anonimato, são censuradas ao se re- Ainda no século XVII, a viúva Isabel de Pina, portuguesa de nascimento e moradora da cidade do Rio de Janeiro, solicitou
quentemente, os historiadores não pouparam citações belarem à condenação de passar a existência como ao Conselho Ultramarino a propriedade sobre os ofícios de contador, inquiridor e distribuidor de seu falecido marido. Mãe
pejorativas ao descrever D. Carlota Joaquina: horren- sombras, espectros, a não ser que optem por adornar de três filhos e grávida do quarto, alegou que não teria condições de sustentá-los e que sabia realizar os trabalhos de seu
da, devassa, perversa, ambiciosa, traiçoeira e inescru- as conversações dos salões ilustrados ou, quando po- companheiro, visto que, desde a morte dele, permanecera prestando os serviços próprios daqueles ofícios. Pelo fato de ser
bres, dividam a lida diária com os maridos. Por outro mulher, as autoridades negaram seu pedido, favorecendo João Antônio Corrêa, que fizera uma petição semelhante.
pulosa – esses são alguns dos adjetivos difamatórios
de uma longa listagem depreciativa. Exceção feita à lado, ao observarmos os autores prediletos de Carlota Dois séculos depois, uma outra habitante do Rio de Janeiro, Ana Benedita Rosa, precisou recorrer à Justiça para ter acesso
elucidatória tese da historiadora Francisca Nogueira Joaquina, percebemos que sua inquietude passa por aos bens deixados por sua mãe. O estatuto jurídico relativo às mulheres solteiras era extremamente frágil, sujeitando-as a
de Azevedo, uma rara contribuição ao entendimento uma formação intelectual em certa medida questiona- favores e interpretações das autoridades, especialmente nos casos de heranças e propriedades. De acordo com as Ordenações
da repulsa histórica que envolve esta personagem. Em dora. Talvez isso explique, em parte, suas respostas e Filipinas – conjunto de leis portuguesas vigentes na época – quando do falecimento da mãe, os juízes determinavam que o pai
Um Rio de mulheres

atitudes diante dos dilemas existenciais. (...) seria responsável pela administração e guarda dos bens dos menores. Embora Ana Benedita tivesse 35 anos, bem mais idade
seu trabalho a autora observa:
do que a lei estabelecia para a maioridade, viu-se obrigada a buscar os meios legais para garantir o direito a sua herança.
“ (...) Apesar do avanço da História das Mulheres, da (...) as mulheres, talvez mais do que os homens, so- A independência financeira, que a vpermitiria deixar o lar paterno e ter uma existência autônoma,
variedade de estudos sobre gênero, a historiografia fressem essas transformações pois, além de assimilar era algo inconcebível para as mulheres oitocentistas. 25

24
D. Leopoldina aceitou o matrimônio, pois esse era as fazendas de café que destruíam a floresta em torno Leopoldina teve sete crianças : a primogênita Maria da
o desejo de seu pai e certamente convinha aos in- da cidade. Usou ainda seu prestígio para estimular o Glória, nasceu a 4 de abril de 1819 e se tornou a rai-
Dona teresses austríacos, além de agradá-la a perspectiva início de um projeto de replantio, que mantivesse a nha D. Maria II de Portugal; Miguel, março de 1820,
Leopoldina da aventura de habitar em uma terra tão distante e preservação sistemática das matas, pois reconhecia faleceu ao nascer ; João Carlos, 6 de março de 1821,
em reunião morreu ainda bebê ; Januária Maria, 11 de março de
com o diferente da sua. Após a confirmação oficial do pacto, nelas uma das maiores riquezas do país. Na área de
Conselho começou a se preparar para a nova vida que teria no estudos científicos, foi co-responsável pela vinda de 1822 ; Paula Mariana, 17 de fevereiro de 1823 ; Fran-
de Estado
Rio de Janeiro. Realizou sucessivas reuniões com os célebres naturalistas como Spix e Martius, entre ou- cisca Carolina, 2 de agosto de 1824, e Pedro de Al-
naturalistas que já haviam estado no Brasil, aprendeu tros sábios que a antecederam, e, em abril de 1817, cântara, 2 de dezembro de 1825, que se tornou Pedro
começou uma vasta catalogação e classificação da II, herdeiro da coroa e segundo Imperador do Brasil.
português e dedicou-se mais ainda aos estudos de
música, pois sabia que era um dos grandes prazeres mineralogia, da flora e fauna do Brasil. Leopoldina or- Em novembro de 1826, Leopoldina assumiu pela
de seus futuros familiares. denou a reorganização da Casa dos Pássaros, que veio segunda vez a regência temporária do Brasil. Deveria
a ser o Museu Nacional, e fundou em uma pequena ocupar o trono enquanto o Imperador estivesse pelo
Chegou ao Rio de Janeiro na tarde do dia 5 de novem-
sala do Palácio de São Cristóvão o Museu de História sul, acompanhando de perto os conflitos cisplatinos.
bro de 1817, sendo saldada com fogos e tiros de ca-
Natural. Mas ela ficou profundamente doente. Estava grávida
nhões de todas as fortalezas. A família real aguardava
Seu séqüito era bem pequeno, a maioria dos que e teve convulsões devido a uma febre alta, seguida
no Arsenal de Marinha e, segundo relatos da época,
vieram em sua comitiva retornaram em menos de um de aborto, que causou um processo de septicemia. A
D. Pedro se decepcionou ao ver os traços germânicos
ano. Manteve sempre uma atitude cordial com todos Imperatriz padeceu ao todo duas semanas.
da esposa. Haviam planejado uma grande recepção
A paladina da para D. Leopoldina e toda a população a esperava an- da corte e se preservava das intrigas palacianas. Apro-
ximou-se dos artistas e intelectuais, conservando a
Durante sua agonia, vários boatos correram na corte;
uns diziam que ela havia sido envenenada, outros co-
siosamente. Ornamentaram as casas e ruas com flores
Independência e arcos magníficos, alguns de autoria de Grandjean de amizade de pessoas como José Bonifácio, com quem
partilhou momentos críticos da história brasileira.
mentavam as razões do aborto, que teria acontecido
em decorrência de um pontapé dado por D. Pedro I,
Montigny e Jean-Baptiste Debret. No dia seguinte, a
A transferência da sede de governo para o Rio de quando ela se recusara a entrar no mesmo salão do
Princesa desembarcou, tomou a carruagem luxuosa- Sua participação na política foi decisiva na defesa da
Janeiro, a abertura dos portos e a elevação do país a palácio onde Domitila estaria presente. Não existem
mente preparada e percorreu a cidade acompanhada soberania do Brasil. Nos dois principais episódios his-
Reino Unido fomentaram o processo de independên- provas históricas que comprovem tais fatos, porém é
por um enorme cortejo até a Capela Real, onde rea- tóricos de 1822, ela esteve na defesa da emancipação certo que o caso amoroso entre o Imperador e a Mar-
cia do Brasil. lizou-se a cerimônia de seu casamento, seguida de brasileira, sendo considerada a defensora do Fico e a quesa já abalava há muito tempo o estado de ânimo
Em poucos anos o país tornara-se, do ponto de vista comemorações que duraram dois dias. Paladina da Independência. Em 13 de agosto, D. Pe- de Leopoldina, sobretudo pela influência intrigante
administrativo, econômico e jurídico, superior a Por- Apesar do absoluto encantamento com a paisagem dro viajou para São Paulo, e Leopoldina assumiu pela que a amante oficial exercia na corte.
tugal. Os lusitanos da península, que desde o século primeira vez a regência do país. No curto período em
que encontrou, Leopoldina teve de início dificuldades Tanto a imprensa quanto a população mobilizaram-se
XVIII viviam praticamente à custa do Brasil – tanto que ocupou o governo, exatamente em 2 de setem-
em se adaptar ao clima quente, além de ter ficado consternadas com a aflição daqueles últimos dias de
pela exploração do ouro e diamantes, como também bro, presidiu a sessão do Conselho de Estado na qual
perplexa com a escravidão e com o hábito de alguns vida da Imperatriz. Pessoas das diferentes camadas
pelo comércio de diferentes produtos –, não supor- deliberou a separação entre os dois reinos, fazendo
padres freqüentarem tabernas e bordéis. Foi morar no sociais lotaram as igrejas com suas preces, faziam
tavam mais a decadência gerada pela inversão de registrar na ata a assinatura de todos os ministros. A
Palácio de São Cristóvão, onde D. João VI e D. Pedro promessas, vigílias e procissões nos portões do Palá-
papéis. independência foi então oficialmente decidida e cinco
viviam separados de D. Carlota Joaquina – que habita- cio de São Cristóvão.
dias depois proclamada por D. Pedro nas margens do
Após a chegada de D. João VI em Lisboa, não demora- va o Paço da Cidade com suas filhas. A primeira mulher a governar interinamente o Brasil
rio Ipiranga. Foi coroada Imperatriz do Brasil em 1° de
ria muito para que as cortes portuguesas começassem Gostava imensamente de andar à cavalo e vestia-se faleceu na manhã do dia 11 de dezembro de 1826,
dezembro desse mesmo ano.
a reivindicar o rebaixamento do Brasil à antiga condi- normalmente com trajes de montaria: botas, camisa no Rio de Janeiro. Foi sepultada três dias depois, com
ção de colônia, pressionando o retorno do príncipe re- Durante os nove anos de casamento experimentou as mais altas honrarias no Convento de Nossa Senhora
e gravatas masculinas. Por comodidade ou calor, não
gente D. Pedro e sua família. Foi no desenrolar destes a instabilidade amorosa do marido e sofreu com as da Ajuda. Sua morte causou grande comoção. Foram
usava colete ou espartilhos. Atirava muito bem, fre-
acontecimentos que D. Leopoldina se revelou uma das situações de humilhação que os romances extracon- inúmeras as manifestações de dor e pesar pela perda
qüentemente indo caçar. Em seus passeios diários co-
principais defensoras da independência brasileira. jugais produziam. Ficou especialmente transtornada da Imperatriz regente e a cidade acompanhou o en-
lhia flores, folhas, insetos e pedras. Pintava aquarelas,
depois de janeiro de 1823, quando D. Pedro I levou terro chorando. Muitos se revoltaram, preocupando
Leopoldina de Habsburgo-Lorena, primeira Imperatriz fazia versos, tocava piano e lia constantemente.
sua amante, Domitila de Castro do Canto e Melo, para a a polícia, que chegou a montar guarda na casa da
do Brasil, nasceu a 22 de janeiro de 1797, em Viena.
Nos primeiros anos, a aproximação com o marido se corte, concedeu a ela o título de Marquesa de Santos Marquesa de Santos, temendo possíveis atentados.
Era filha de Maria Teresa de Bourbon Nápoles e Fran-
deu especialmente por sua inteligência e cultura. O e, contra a vontade de Leopoldina, nomeou-a camarei- O Imperador não estava presente e ao regressar de
cisco I da Áustria, Rei da Hungria, da Baviera, chefe viagem, contrariamente ao que se supunha, afastou-
príncipe gostava de escutar as histórias das cortes ra-mor da Imperatriz. Posteriormente ele legitimou as
da Santa Aliança e último dos monarcas europeus a se de Domitila.
européias e aprendia um pouco da língua alemã, além filhas que nasceram dessa relação.
ostentar o título de Imperador do Sacro Império. Cres-
de ser apresentado aos pensamentos de autores que
ceu e se educou na poderosa corte austríaca, onde,
Leopoldina admirava. Faziam constantemente caval-
desde cedo, se interessou pelas ciências naturais,
gadas pela floresta da Tijuca, visitavam o Jardim Botâ-
estudando especialmente mineralogia e botânica.
nico e encontravam-se nas horas de música.
Um Rio de mulheres

Como todas as herdeiras e herdeiros reais da época,


estava destinada a um casamento dinástico, que visa- D. João VI era um de seus principais interlocutores. Enterro de
D.Leopoldina,
va sobretudo benefícios políticos e a preservação da Logo conquistou a consideração do sogro, o qual con- 1826
monarquia. venceu a desapropriar e acabar definitivamente com 27

26
julho de 1812, em Milão. Domitila Tendo o herdeiro do trono apenas cinco anos de ida- casou-se com o Imperador na capela real do Paço.
De passagem pela história Aos 17 anos, em outubro
de Castro
e Melo de, formaram-se as regências para administrar o país.
Marcou sua presença na corte com suavidade e dis-
de 1829, desembarcou no – Marquesa Inicialmente composta por três membros provisórios,
Após a proclamação da independência, estouraram de Santos crição, mantendo-se sempre informada dos aconte-
Rio de Janeiro, onde foi ce- sendo logo instituída uma junta permanente, a qual
várias lutas armadas no Brasil, e as contínuas crises cimentos políticos nacionais e internacionais. Esteve
lebrado o seu casamento com governou de 1831 até 1835, ano em que, pela pri-
financeiras acirravam ainda mais os conflitos sociais permanentemente ao lado de D. Pedro II, tanto em
D. Pedro I, que em sua home- meira vez no Brasil, sobe ao poder, eleito por seus
e políticos no país. As mortes de D. João VI e de suas viagens como em suas decisões e aparições públi-
nagem criou a Ordem da Rosa, pares, um único mandatário plebeu, Padre Diogo
D. Leopoldina, ambas em 1826, agravaram os proble- cas. Atuou assiduamente no amparo aos necessitados
uma das condecorações mais dis- Antônio Feijó. Dois anos depois, em 1837, Pedro de
mas de D. Pedro I. e em várias ocasiões intercedeu decisivamente na ida
putadas do período monárquico. Araújo Lima assumiu a regência, permanecendo como
de importantes artistas brasileiros para a Itália, onde
Nesta época, o soberano passou por momentos de chefe do governo até 1840.
A jovem Imperatriz viveu apenas complementariam seus estudos. Pioneira da arte do
hesitação, pois deveria retornar a Lisboa e assumir o 18 meses no Brasil e testemu- Durante esse período regencial, o Brasil atravessou mosaico, incrustou mostras de seu talento nos bancos
trono lusitano que havia herdado com o falecimento nhou os tumultuados momen- uma das fases mais conturbadas de sua história. A do jardim das princesas do Palácio de São Cristó-
de seu pai. Pressionado pela opinião pública brasilei- tos finais do 1º Reinado. pouca idade do príncipe herdeiro acirrava as disputas vão.
ra, que temia a possível reunificação das duas coroas, pelo poder entre as diferentes facções políticas, que
As tensões entre brasi- A maior parte dos historiadores se referem à es-
não o fez. Permaneceu no Brasil e abdicou em favor mantinham a população excluída da vida pública.
leiros e portugueses se tatura moral com que D. Teresa Cristina ocupou
de sua filha mais velha, D. Maria da Glória, ainda uma Tanto as várias revoltas regionais, como os motins mi-
intensificaram nessa o trono brasileiro durante os 46 anos que per-
menina de sete anos, que logo após a morte da mãe litares dessa época, foram energicamente reprimidos.
época, provocando vários distúrbios em diferentes maneceu no país. Admirada pelos políticos
foi mandada para Viena, onde seria educada para tor-
Províncias. O mais grave ocorre em 12 de março Alguns políticos defendiam a antecipação da maio- e amada pela população, foi chamada res-
nar-se Rainha.
ridade de Pedro de Alcântara, enquanto outros, por peitosa e carinhosamente
de 1831, quando as ruas do Rio de Janeiro trans-
D. Pedro I, na tentativa de solucionar os impasses oposição, levantavam a hipótese de substituí-lo pela de: “A Imperatriz Arqueó-
formaram-se em um verdadeiro campo de batalha.
sucessórios em Portugal, manteve temporariamente sua irmã mais velha, Princesa D. Januária. Ao que loga” e “A Mãe de Todos os
Esse episódio, que ficou conhecido como a Noite das
sua irmã D. Isabel Maria na regência lusitana, outor- tudo indica, a possibilidade de se ter uma mulher ocu- Brasileiros”.
Garrafadas, começou durante um ato político de de-
gou uma nova constituição aos portugueses e firmou pando permanentemente o trono brasileiro acelerou
sagravo ao governo. Aliados e opositores do imperador Do casamento com
o compromisso de casamento entre sua filha e seu ainda mais a mudança do artigo constitucional que
confrontaram-se violentamente, resultando em muitos D. Pedro II nasceram dois
irmão D. Miguel. Este deveria jurar os novos preceitos fixava em 18 anos a maioridade do futuro monarca.
feridos para ambos os lados. filhos e duas filhas: Pe-
constitucionais e ainda representá-lo junto às cortes Assim sendo, em 18 de julho de 1840, o jovem Pedro,
dro, em 1845, falecido
portuguesas até a futura Rainha completar a maio- As semanas seguintes foram marcadas por novos con- com apenas 14 anos de idade, foi coroado e sagrado
no ano seguinte; Isabel,
ridade. Entretanto, D. Miguel não cumpriu sua parte flitos e protestos, até que, isolado politicamente e sob Imperador do Brasil.
em 1846, que viria a
no acordo. Liderou um golpe, apossou-se do trono e forte pressão, D. Pedro I abdicou do trono em favor de Dois anos depois, após contornados os diversos levan- ser regente do Brasil;
restaurou o regime absolutista em Portugal. A peque- seu único filho homem. tes populares que se espalharam por todo país, havia Leopoldina, em 1847,
na princesa D. Maria da Glória foi expulsa do país e chegado a hora de consolidar o trono brasileiro. Era viveria até os 24 anos,
“Usando do direito que a Constituição me concede,
enviada para o exílio em Londres, onde passou alguns preciso encontrar uma nobre herdeira européia para e Afonso, em 1848,
declaro que hei muito voluntariamente abdicado na
meses, até setembro de 1829, quando embarcou com selar um contrato de união com o jovem governante, falecido ainda crian-
pessoa de meu muito amado e prezado filho o Senhor Imperatriz Teresa
sua futura madastra para o Brasil. D. Pedro II. A escolhida foi a princesa Teresa Cristina, ça, com dois anos de idade. Cristina
D. Pedro de Alcântara. - Boa Vista, sete de abril de mil
filha de Maria Isabel de Bourbon, Infanta da Espanha,
Após oito tentativas frustradas, D. Pedro I, viúvo e oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e
com má fama nas cortes européias, conseguiu do Império. Pedro.”
e de Francisco I, Rei das Duas Sicílias. “Quantos tronos houvesse
um novo contrato de matrimônio, salvan-
do-se provisoriamente do desgaste
Nesse mesmo dia, escreveu, despedindo-se do filho: A suave presença a cair, eu não deixaria de
(...) “me retiro para a Europa (...) para que o Brasil
pessoal e político que enfrentava.
Aceitou-o D. Amélia, neta de
sossegue, o que Deus permita, e possa para o futuro Teresa Cristina Maria de Bourbon das Duas Sicílias, 3º assiná-la”
chegar àquele grau de prosperidade de que é capaz. Imperatriz do Brasil, nasceu a 14 de março de 1822,
Josefine Bonaparte e filha de A princesa carioca Isabel Cristina Leopoldina Augusta
Adeus, meu amado filho, receba a bênção de seu pai, em Nápoles. Cresceu e foi educada na prestigiada
Augusta da Baviera e de Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bour-
que se retira saudoso e sem mais esperança de o corte napolitana, demonstrando desde muito cedo
Eugênio de Beauharnais, bon nasceu ao entardecer do dia 29 de julho de 1846,
ver.” uma peculiar sensibilidade pelas artes. Aos 21 anos,
D. Amélia vice-rei da Itália, duque no Palácio de São Cristóvão, na cidade do Rio de Ja-
– Segunda em 2 de julho de 1843, veio para o Brasil acompa-
Imperatriz de Leuchtenberg e prín- O Imperador partiu para o exílio na França acompa- neiro. Aos quatro anos de idade, em 10 de agosto de
nhada de seu irmão, príncipe D. Luiz, futuro marido de
do Brasil cipe de Eischstoedt. nhado por sua primogênita D. Maria da Glória e pela D. Januária, e de uma comitiva formada por cientistas, 1850, foi nomeada Princesa Imperial do Brasil, pois
D. Amélia Augusta Na- Imperatriz D. Amélia, que já estava grávida de sua intelectuais e artistas italianos. Trouxe na sua baga- tornara-se a herdeira do trono com a morte prematura
poleona de Beauhar- única filha, Maria Amélia, a qual viria a nascer em gem um patrimônio cultural incalculável para o país, de seus dois irmãos homens Pedro e Afonso.
nais, Princesa de Paris no dia 1º de dezembro de 1831. vieram obras de arte, documentos preciosos e diversas Cresceu na Quinta da Boa Vista, onde esteve sob os
Um Rio de mulheres

Leuchtenberg e 2ª Deixou no Rio de Janeiro, sob a tutela de José Boni- coleções. cuidados, até os dez anos, de D. Rosa de Sant’Anna
Imperatriz do Bra- fácio, seu filho Pedro de Alcântara e suas duas outras Desembarcou no Rio de Janeiro dois meses depois, em Lopes, Baronesa de Sant’Anna, ou “Minha Rosa” como
sil, nasceu a 31 de filhas, princesas D. Januária e D. Francisca. 4 de setembro, quando, após uma grandiosa recepção, era chamada afetuosamente pela princesa. Isabel e 29

28
sua irmã Leopoldina foram educadas guai. Diante das notícias, o Conde D’Eu, que recebera conservador e escravocrata, defendia a indenização lho de justificá-la. Realmente desnecessário, no dia
num rigoroso e abrangente programa a patente de Marechal do Exército Brasileiro, partiu e os interesses dos latifundiários, atrasando e afron- seguinte a lei foi aprovada por maioria esmagadora:
pedagógico, tinham aulas desde as imediatamente ao encontro do sogro e do concunha- tando publicamente os propósitos abolicionistas da 89 votos a 9. No domingo, 13 de maio de 1888, a
primeiras horas até o escurecer, do. Enquanto aguardavam a volta deles, a Imperatriz Princesa. Princesa Isabel assinava a tão esperada Lei Áurea.
durante seis dias por semana D. Teresa Cristina e as princesas D. Isabel e D. Leopol- Porém, um incidente policial, ocorrido nos primeiros Os festejos tomaram as ruas e o palácio, eram feitos
e, às vezes, também aos do- dina, entre outras atenções à guerra, costuravam para meses de 1888, na cidade do Rio de Janeiro, acele- discursos nas esquinas da cidade com salvas e vivas à
mingos. Os pais, D. Pedro II e os “voluntários da pátria”. Em novembro, o Imperador rou a abolição no país. Alguns funcionários da polícia Princesa e à liberdade. O Barão de Cotegipe foi uma
D. Teresa Cristina, participa- e seus genros regressaram, e D. Isabel e seu marido carioca haviam espancado oficiais da Marinha. Assim das centenas de pessoas a cumprimentá-la e ao bei-
vam assiduamente da forma- foram morar no Palácio das Laranjeiras, onde viveram que soube do episódio, D. Isabel chamou Cotegipe e jar-lhe a mão, disse: “Vossa Majestade redimiu uma
ção das filhas, que apren- por mais de vinte anos. pediu-lhe explicações. O Barão afirmou que já tinham raça, mas acaba de perder o trono”.
diam do latim às ciências,
Após o fim da guerra do Paraguai em 1870, a Princesa sido tomadas as providências necessárias e que or- Com o retorno do Imperador, em agosto de 1888, dei-
passando por diferentes lín-
Imperial substituiu D. Pedro II durante três períodos denara a punição de policiais subalternos. Diante xou a regência aclamada pelo povo, sendo chamada
guas, matemática, química
em que ele viajou para o exterior. Ao todo foram três dos frágeis argumentos, a de A Redentora. Ainda nes-
e história natural. As prince-
anos e 11 meses ocupando o trono. Embora a histo- regente foi enérgica, exi- se mesmo ano, em 28 de
sas eram acompanhadas por
riografia oficial trate com pouco destaque as regências gindo a demissão do chefe setembro, foi condecorada
vários professores, entre eles,
de D. Isabel, suas iniciativas à frente do governo re- de polícia, Coelho Bastos, pelo papa Leão XIII com a
os mestres Joaquim Manoel Rosa de Ouro. Ao longo de
vestem-se de grande importância para o Brasil. que ela sabia ser um dos
de Macedo e o Visconde de sua trajetória recebeu outras
homens de confiança do
Sapucaí, todos coordenados Além de sua comunhão com os movimentos abolicio- honrarias, entre elas a Grã-
Barão. O então presidente
pela enérgica e eficiente nistas que lutavam para acabar definitivamente com Cruz da Ordem Imperial do
do Conselho advertiu-a que
Princesa Isabel – a D. Luísa Margarida Borges a escravatura no país, foi a principal responsável pela Cruzeiro, a Ordem da Rosa,
primeira e única brasileira
o comandante agiu de acor-
de Barros, que a partir de aprovação dos decretos referentes ao estabelecimento a Ordem de Santiago da Es-
a governar o país. do com instruções do pró-
1856 assumiu a função de de relações comerciais com os governos vizinhos, a pada de São Bento de Avis
prio Ministério e demiti-lo
preceptora das meninas. naturalização dos estrangeiros, a organização do pri- e de N.S. Jesus Cristo; tam-
seria abalar a confiança no
D. Luísa foi uma mulher de múltiplas qualidades pes- meiro recenseamento do Império, o desenvolvimento gabinete. A Princesa man- bém lhe foram concedidas a
soais, nasceu em 13 de abril de 1816, em Salvador. da viação férrea e a solução de questões dos limites teve-se firme na decisão e Ordem de Santa Isabel de
Ficou conhecida como Condessa de Barral, porém, territoriais. Cotegipe, como resposta, Portugal, a Ordem da Cruz
Estrelada da Áustria e a Or-
possuía outros títulos, como os de Condessa da Pedra A I Regência estendeu-se de maio de 1871 a março já preparado e acreditando
dem das Damas Nobres de
Branca e Marquesa de Abrantes. Amiga de D. Januá- de 1873, durante o ministério conservador do Viscon- que comprometeria a re-
Maria Luísa da Espanha.
ria, tornou-se uma presença fiel e constante no coti- de do Rio Branco. Ao assumir o poder, com apenas 24 gente, apresentou a carta
diano de toda a família real, interagindo na corte com anos, ordenou a libertação de todos os escravos que de demissão coletiva de seu A abolição, porém, como
grande desenvoltura diplomática. Marcou o 2° Reina- gabinete. Para surpresa do esperado, não agradou à
pertenciam ao governo e sancionou a lei n.º 2.040,
do com sua inteligência e sólida formação cultural. Barão, o pedido foi aceito aristocracia rural, que exi-
chamada Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, de
com júbilo. Era tudo que gia do governo uma grande
Em 29 de julho de 1860, no dia em que completava 28 de setembro de 1871, declarando livres a partir
D. Isabel desejava. Empos- indenização pela perda
14 anos, Isabel apresentou-se diante do senado para desta data os nasciturnos das mulheres escravas, que
sou João Alfredo Corrêa de dos “bens”. Como isso não
prestar o juramento de herdeira presuntiva da coroa ficariam, porém, sob a tutela de seus senhores até
Oliveira, assim como o novo aconteceu, ela passou a
do Brasil, confirmando assim o título de Princesa atingirem a idade de 21 anos. Essa determinação foi apoiar a causa republicana,
Ministério, determinando a
Imperial. burlada inúmeras vezes, com a alteração da data de Princesa Isabel com os filhos que alcançou seus objetivos
imediata elaboração da lei
nascimento das crianças. e a Condesa de Barral em 15 de novembro de
Quatro anos depois, em 15 de outubro de 1864, que libertaria incondicional-
casou-se com o príncipe francês Luís Felipe Maria Após 11 anos de casada, Isabel sofria pela falta de mente os escravos. 1889.
Gastão de Orléans, Conde D’Eu. A cidade do Rio de filhos. Havia passado por dois abortos e diferentes Toda a família real foi banida, dois dias depois de pro-
Poucas semanas depois, estaria finalmente consu-
Janeiro parou; já antes, com os preparativos, durante, “tratamentos” frustrados para conseguir engravidar. clamada a República, sendo obrigados a abandonar
mado o longo processo iniciado décadas antes pelos
pelas celebrações e depois, com os inúmeros festejos. Aconselhada por um médico, resolveu fazer uma tudo e embarcar durante a noite, pois os políticos es-
negros e negras que se rebelaram contra a condição
Nesta ocasião, a jovem princesa libertou todos os tentativa com as águas das estâncias hidrominerais tavam com medo das manifestações populares a favor
escrava e pelos diversos movimentos abolicionistas
escravos que a serviram na adolescência, demons- do sul mineiro. O resultado foi o nascimento de três deles. A Princesa Isabel foi forçada a partir sem os
dos diferentes segmentos da população brasileira.
trando publicamente suas convicções humanitárias príncipes: Pedro de Alcântara, em 1875; Luís Felipe, filhos, que ainda estavam em Petrópolis.
Em 3 de maio, a Princesa declarou enfaticamente:
e abolicionistas. O casal seguiu em lua-de-mel para em 1878 e Antônio Gastão, em 1881.
“...Confio que não hesitareis em apagar do direito pá- Isabel foi a primeira e única mulher brasileira a gover-
Petrópolis e depois, em 10 de dezembro, embarcavam
A 2ª Regência ocorreu de março de 1876 a setembro trio a única exceção que nele figura, em antagonismo nar o país. Também primeira e única nas Américas,
para a Europa.
de 1877, nessa época governou com o gabinete do com o espírito cristão e liberal de nossas instituições. somente em 1988, cem anos depois, a Nicarágua
Ao retornarem, em junho de 1865, encontraram um (...) a extinção do elemento servil (...) é hoje aspiração elegeria Violeta Chamorro para chefe de governo.
Um Rio de mulheres

Duque de Caxias. Na década seguinte, assumiu o


clima de apreensão no Palácio de São Cristóvão; Império pela terceira e última vez, em 5 de janeiro aclamada por todas as classes”. Quatro dias depois, Questionada já no exílio, a Princesa declarou: “Quan-
D. Pedro II e o Duque Saxe, marido de Leopoldina, de 1887. Tinha 40 anos de idade, e o presidente do em 7 de maio, o novo ministro apresentou a proposta tos tronos houvesse a cair, eu não deixaria de
haviam ido para o sul supervisionar a Guerra do Para- Conselho de Ministros era o Barão de Cotegipe, que, abolicionista ao parlamento, não se dando ao traba- assiná-la”. 31

30
1871 A 28 de setembro, a Princesa Isabel sanciona a Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco. Na prática, essa lei
representou um golpe para os liberais abolicionistas, que tiveram suas reivindicações enfraquecidas.
1873 Abolição em Porto Rico.
1880 Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e outros criam, no Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira Contra a Escra-
vidão, que estimula a formação de dezenas de agremiações semelhantes pelo país. Da mesma forma, o jornal
O Abolicionista e a Revista Ilustrada servem de modelo a outras publicações antiescravistas. Profissionais
liberais, artistas, intelectuais, jornalistas e políticos engajam-se no movimento e arrecadam fundos para pagar
cartas de alforria.
“De maneira geral”, afirma a historiadora Emilia Viotti, “foram os elementos urbanos e as categorias não com-
prometidas diretamente com o sistema que participaram ativamente do movimento abolicionista quando esse

PASSOS ABOLICIONISTAS tomou força, o que coincidiu com o processo de urbanização incipiente, mas característico dos últimos anos
do Império. (...) Nas cidades, a propaganda ganhava forças. Desfilavam nas ruas da Capital, e outros centros
da Província, grupos de pessoas levando cartazes que representavam castigos infligidos aos escravos, fazendo
A perversa escravidão foi a principal forma de trabalho no Brasil. Durante mais de três séculos a população negra representou coletas em prol da campanha e chegando mesmo a incitar os escravos à violência e à rebelião. (...)”;
a única mão-de-obra, quer nas cidades, quer nos campos. As campanhas abolicionistas contribuíram para descredibilizar o Abolição em Cuba.
sistema escravista e forçou os senhores de escravos a pensarem em soluções alternativas para o trabalho em suas terras. Mas foi
apenas quando os cativos decidiram abandonar as senzalas, em número cada vez maior, que os fazendeiros se viram obrigados 1884 O Ceará decreta o fim da escravidão em seu território. O Brasil é tomado pela causa abolicionista.
a aceitar a abolição como inevitável. A libertação dos escravos no Brasil, último país no mundo a declará-la, foi um processo 1885 O Imperador D. Pedro II sanciona a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe, que tornou livres os escravos
lento e gradual... com idade igual ou superior a 65 anos, mediante compensações aos seus proprietários. Os escravos passam
a participar mais ativamente da luta pela alforria, fugindo das fazendas e buscando a liberdade nas cidades.
1791 A 28 de setembro é declarada a abolição da escravatura na França, onde já não havia escravos, de acordo com As campanhas abolicionistas misturam-se à causa republicana e ganham um reforço importante do Exército,
uma decisão anterior de Louis XIV. que pede publicamente para não mais ser utilizado na captura dos fugitivos. Do exterior, sobretudo da Europa,
1801 Napoleão restabelece a escravidão. chegam apelos e manifestos favoráveis ao fim da escravidão no Brasil.
1815 A 8 de fevereiro, o Congresso de Viena abole o tráfico de escravos; 1888 A 13 de maio, a Princesa Isabel assina a Lei Áurea. Entretanto, a abolição desagradou aos fazendeiros, que
exigiam indenizações pela perda de seus “bens”. Como não as conseguiram, aderiram ao movimento republi-
Portugal assina um tratado com a Inglaterra concordando em restringir o tráfico ao sul do Equador.
cano.
1823 José Bonifácio propõe que o Brasil substitua a mão-de-obra escrava por trabalhadores imigrantes europeus;
Abolição no Chile.
1824 Abolição na América Central;
Abolição no México.
1826 O Brasil se compromete em acabar com o tráfico em três anos;
1830 O Brasil assina um tratado imposto pela Inglaterra, comprometendo-se a abolir a escravatura no prazo de 15
anos. Entretanto, os britânicos admitiam o escravismo em suas colônias produtoras de gêneros de consumo.
Não podiam, contudo, aceitar o monopólio dessas regiões sobre o comércio metropolitano de açúcar, na medida A emancipação jurídica não mudou a condição subalterna dos ex-escravos, nem ajudou a promover a
em que asseguravam mercado estável e preços elevados a essas colônias, além de obrigarem os industriais cidadania ou ascensão social da população negra que até hoje sofre as conseqüências do preconceito e
a pagar maiores salários aos trabalhadores. Dessa maneira, a extinção do tráfico de escravos, apoiada pelos das práticas racistas. Libertos, mas invisibilizados pelas políticas públicas, esse segmento social e seus
industriais ingleses, não representava qualquer atitude humanitária, mas um meio de enfraquecer as regiões descendentes tornaram-se o grande grupo de excluídos no Brasil. Transcorridos mais de 110 anos do fim
coloniais e anular as leis que davam a essas áreas o monopólio do comércio de gêneros agrícolas. oficial da escravatura, a III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em 2001 em Durban, na
1831 Em 7 de novembro, o governo Regencial, pressionado por inúmeras insurreições de escravos e por interesses África do Sul, trouxe para a agenda nacional o debate sobre o mito da democracia racial, o reconhecimento
ingleses, promulgou a Lei Feijó, que proibia o tráfico negreiro para o Brasil. Essa lei, como tantas outras não das discriminações de raça e gênero, a necessidade de políticas reparatórias que possam efetivamente
cumpridas, tornou-se a origem do conhecido ditado “só para inglês ver”; corrigir os efeitos da discriminação praticada no passado e, sobretudo, a urgência na implementação de
Abolição na Bolívia. ações afirmativas que garantam de fato igualdade de oportunidades para todas as pessoas.
1838 Abolição nas colônias inglesas.
1845 A Inglaterra aprova o Bill Abeerden, que dá aos ingleses o poder de apreender os navios negreiros com destino
ao Brasil.
1850 O Brasil aprova a Lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico negreiro no país. Nesse ano, o chefe do Gabinete
Ministerial, Senador Eusébio de Queiroz, ordenou à polícia que localizasse escravos importados ilegalmente e
prendesse os negreiros e fazendeiros infratores. Os imigrantes europeus assalariados começam a substituir os
escravos no mercado de trabalho.
1854 Abolição na Venezuela.
1863 Abolição na Holanda.
1866 A sociedade abolicionista de Paris pede ao Imperador D. Pedro II que acabe com a escravidão no Brasil.
Um Rio de mulheres

1869 Manifesto Liberal propõe a emancipação gradual dos escravos no Brasil.


1870 O fim da Guerra do Paraguai impulsiona o movimento abolicionista. Milhares de ex-escravos que retornaram Paço Imperial
no dia 13 de
vitoriosos dos campos de batalha, muitos até condecorados, correm o risco de voltar à condição escrava por maio de 1888
pressão dos seus antigos senhores. 33

32
quês de Pombal. As populações indígenas que por inspirados nas idéias liberais francesas, tentaram ela-
“Que mal D. Isabel despediu-se aos prantos: ‘’É com o coração
partido de dor que me afasto de meus amigos, de aqui viviam foram as que efetivamente mais perderam borar um abrangente sistema educacional para o Bra-
fizemos todos os brasileiros e do país que tanto amei e amo, com os métodos pedagógicos dos jesuítas. Embora
possuíssem maneiras próprias de educar suas crian-
sil. O artigo 179 da Constituição de 1824, a primeira
do país, propunha o ensino primário gratuito extensivo
para cuja felicidade esforcei-me por contribuir e pela
nós ao qual continuarei a fazer os mais ardentes votos – Rio
ças, tiveram que obrigatoriamente assimilar a religio-
sidade, a moral e os costumes europeus.
a todos os cidadãos. Lamentavelmente, as populações
negra e indígena não foram incluídas nesse projeto.
Brasil?” de Janeiro – 16 de novembro de 1889 – Isabel, Con-
dessa d’Eu’’. Encontram-se alguns registros de iniciativas dos jesu-
Em 15 de outubro de 1827, a reforma da instrução
pública foi oficialmente apresentada pela assembléia
ítas em prol da catequização das meninas índias, po-
A Imperatriz Teresa A Imperatriz Teresa Cristina morreu em 28 de dezem- e chamou-se Lei Geral de Ensino. A partir de então,
rém foram os colégios para meninos índios e brancos
Cristina ficou extre- estava determinada a criação de escolas primárias em
bro de 1889, na cidade do Porto, quatro dias após o os que proliferaram; o interesse maior da igreja era
mamente abalada todas as cidades, vilas e povoados do Império e de
desembarque em Portugal. D. Pedro II viveu até os formar novos missionários e, para tanto, ensinava-se
e triste por deixar escolas secundárias nas localidades mais populosas.
66 anos de idade, falecendo em Paris no dia 5 de latim, retórica e álgebra aos futuros clérigos. Nas
o país, parou de se Essa lei ordenava, ainda, a abertura de colégios para
dezembro de 1891. raras “escolas” para moças, geralmente ligadas aos
alimentar e repetia meninas e normatizava o estatuto da classe docente.
conventos, os ensinamentos consistiam sobretudo em
“Que mal fizemos Naqueles tempos, os grupos escolares não possuíam
Chefe da Casa Imperial no exílio, D. Isabel utilizou “trabalhos de agulha”, ou seja, costura e bordado.
nós ao Brasil? - instalações próprias, as classes funcionavam na maior
seu prestígio internacional em favor dos interesses da Aprendiam também boas maneiras e muita reza para
Nunca mais verei parte das vezes em locais improvisados, como igre-
população brasileira. Faleceu em 14 de novembro de afastar os “maus pensamentos”. Dentro desses mol-
o meu Brasil?”. jas, prédios públicos, casas comerciais ou mesmo na
1921, aos 75 anos, em Paris. des, fundou-se no Rio de Janeiro, em 1793, o Reco-
Antes de embarcar própria residência dos professores e professoras. Na
lhimento de Órfãs, primeiro e, durante décadas, único
para o exílio, a Em 1920 foi revogada a lei de banimento, e os restos prática, muito pouco foi feito, o governo de D. Pedro I
estabelecimento na capital da colônia a se dedicar à
Imperatriz, aos 67 não conseguiu organizar e implantar um esquema de
Embarque da família
mortais da família imperial foram transladados para o educação feminina.
anos de idade, ajo- educação efetivamente popular.
real para o exílio. Rio de Janeiro. Os de D. Teresa Cristina e de D. Pedro II
elhou-se e beijou o A idéia de manter as meninas no berço da ignorância
chão. Fato que a imprensa da época registrou, com- vieram em 1921, e os da Princesa Isabel e do Conde
D’Eu, em julho de 1953. Hoje repousam na cripta da
foi a mesma que embalou o total desinteresse na al- Um longo e lento caminho
parando a diferença de atitude entre Teresa Cristina e fabetização da população escrava. Ainda no período
Carlota Joaquina, ao deixarem o país. catedral de Petrópolis. colonial, surgiram conhecidos ditos populares que re- No período regencial, houve a descentralização do ge-
velam essa cruel e preconceituosa visão: “Mulher que renciamento do ensino primário e secundário. Através
sabe latim não tem marido, nem bom fim” e “Escravos do ato adicional de 12 de agosto de 1834, o governo
que sabem ler acabam querendo mais do que comer.” transferiu a responsabilidade da educação para as as-
Os padrões de comportamento vigentes na classe do- sembléias provinciais, só mantendo a administração

“Mulher que sabe latim minante luso-brasileira sofreram um grande impacto nacional do ensino superior. Essa mudança sobrecar-
com a vinda da família real e seu numeroso séquito regou os já insuficientes orçamentos das províncias e
desorganizou ainda mais o frágil sistema educacional
para o Rio de Janeiro. Observaram-se, com isso, al-
vigente. Entretanto, essas mesmas alterações pos-
guns progressos na educação feminina, e a partir daí
sibilitaram a criação, em 1835, da primeira Escola
já há registros de colégios onde se ensinava português
Normal do país, em Niterói. Lastimavelmente, não

não tem marido,


e contas, além do habitual currículo doméstico. A
admitiram matrículas de moças nesta instituição.
portuguesa Maria do Carmo da Silva e Gama anunciava
na Gazeta do Rio de Janeiro, em 1813, o seu estabe- Ainda nesta época, surgiram algumas propostas para a
lecimento de ensino para as filhas de boas famílias. A ampliação e melhoria da educação feminina. Embora
proposta pedagógica desta professora é um exemplo não tenham saído do papel, cabe citá-las: em 1836,
nem bom fim” das mudanças curriculares daquele período, pois além
das sessões de trabalhos manuais, as meninas rece-
o deputado José Lino Coutinho propunha à Câmara a
criação de uma escola para meninas em cada conven-
Durante séculos predominou no meio social ibérico biam lições de leitura, escrita, aritmética elementar to do país, nas quais as alunas aprenderiam costura
a idéia de que as mulheres seriam intelectualmente e gramática. A influência das imigrantes foi também e bordado. Anos depois, o deputado Antônio Ferreira
importante neste processo e, em especial, das mes- França apresenta um projeto que indicava as mulheres
inferiores aos homens e, sendo assim, seria inútil tras francesas que ampliaram os estudos das jovens, como as mais aptas a ocupar o magistério nas escolas
oferecer-lhes qualquer tipo de ensinamento. acrescentando, tanto o aprendizado de sua língua na- públicas e, posteriormente, propõe a implantação da
tal, como noções artísticas em geral. Essa espécie de escola primária superior, exclusivamente para moças.

N
elevação cultural das moças fluminenses, sobretudo
No Brasil dos tempos coloniais, a chegada dos jesuí- Diante da ineficiência governamental e da ausência
as de famílias ricas, tinha dois objetivos muito claros:
tas, em 1549, é um marco na história da educação do de escolas públicas, algumas pessoas tomaram a
prepará-las para o convívio social e para o exercício
Um Rio de mulheres

país. Esses missionários e suas obras permaneceram iniciativa de criar colégios privados, propiciando a
futuro da maternidade.
como principais referências de ensino e aprendizado instrução elementar para as meninas. A escritora e
brasileiro durante 210 anos, até 1759, quando foram Novas perspectivas pedagógicas surgiram após a pro- educadora potiguar Nizia Floresta foi uma das pionei-
banidos de todas as colônias portuguesas pelo Mar- clamação da independência. Os políticos da época, ras; fundou no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1838, 35

34
o Colégio Augusto. Nesse estabelecimento implantou dou a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração
suas idéias pouco ortodoxas em matéria de educação de Maria, no Rio de Janeiro, onde pregava uma vida
EUFRÁSIA TEIXEIRA LEITE
feminina. O currículo proposto por essa professora religiosa ativa, pautada no trabalho educativo, leigo e Nasceu em Vassouras, a 15 de abril de 1850,
incluía matérias nunca antes oferecidas às moças, assistencial. Barbara e as outras freiras não admitiam filha de Ana Esméria Corrêa e Castro e do
sendo considerado revolucionário para a época. nenhum tipo de discriminação; acolheram meninas rico fazendeiro José Joaquim Teixeira Leite.
negras, órfãs e mães solteiras, enfrentando assim a Passou a infância e a adolescência no Vale do
Encontram-se, ainda nesse período, outras referências
resistência, tanto do clero, quanto do Governo. Paraíba, onde teve o privilégio de ser educada
a proprietárias de escolas particulares para meninas.
por uma professora francesa, Mme. Grivet.
No livro O Rio de Janeiro Imperial, de Adolfo M. de Em 1854, começa a funcionar o Colégio da Imaculada Com a morte dos pais, tornou-se herdeira de
los Rios Fº, estão mencionadas(os): Baronesa do Ges- Conceição, sendo inicialmente dirigido pela irmã Ana uma grande fortuna, a qual multiplicou com
lin, Senhoras Tanière, Talouis, Halbout e Mallet, Tootal, Maria Saugère e mantido por mais 11 religiosas da sua capacidade administrativa. Viveu em
Wilfords e Donovan, Sr. e Sra. Lacombe, Sr. e Sra. Huet, Companhia das Filhas de Caridade de São Vicente de Paris, com sua única irmã, e nunca se casou,
Sr. e Sra. Hitchings, D. Maria Ludovina Pestana Cipriano Paula, que se dedicavam às atividades pedagógicas. embora ao longo da vida tenha guardado na
e D. Catarina Lopes Coruja. Essas freiras estavam mais voltadas para a educação privacidade as marcas de seu romance com o
das filhas da elite carioca e, com a conivência das abolicionista Joaquim Nabuco. Após a morte
A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro co- de Eufrásia, parte de seus bens foram doados a
meçou a preparar, em 1838, o Asilo de Santa Maria, famílias, utilizavam um método de ensino extrema-
uma série de obras sociais em Vassouras. Sua
mente comprometido com os rígidos padrões morais
onde, durante dois anos, planejou e construiu uma
lavanderia “industrial”, cujo objetivo era desenvolver da Igreja Católica Romana. Por uma educação laica residência, conhecida como Casa da Hera, é
hoje um importante Museu da região.
o primeiro curso profissionalizante para mulheres dos No interior do estado, o processo de implantação de Já se iam mais de trezentos anos de predomínio
segmentos populares. Esse estabelecimento começou escolas femininas aconteceu mais tarde. Destacam- absoluto da ideologia católica cristã na educação,
a funcionar a partir de 1840. se as iniciativas de dois municípios fluminenses. quando, em meados do século XIX, missionários
Na época, acreditava-se que as mulheres tinham uma
A educação feminina em terras fluminenses contou Em Petrópolis, foi fundado em l864 o Colégio Santa presbiterianos introduziram no Brasil novas práticas
capacidade inata para lidar com crianças. Sendo
com a dedicação de vários grupos de religiosas. Al- Isabel para meninas necessitadas. Anos depois, em pedagógicas, implementando classes mistas para assim, abriram-se as portas das Escolas Normais às
guns se destacaram especialmente pela significativa 1871, instalou-se o Convento do Amparo. Estes foram homens e mulheres, abolindo os castigos corporais e jovens alunas e, cada vez mais, para elas, foi esti-
contribuição dada ao ensino de meninas das camadas considerados os primeiros educandários destinados às incentivando o esporte. mulada a consolidação das profissões ligadas a área
mais pobres da população. A congregação formada moças petropolitanas. Em 1891, já na República, as da educação, consideradas adequadas aos “atributos
religiosas francesas de Notre Dame de Sion estabe- Em sintonia com essas práticas, a educadora mineira
pela irmã austríaca Barbara Maix é um exemplo. Essa naturais femininos”.
Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, que havia se
religiosa dirigia, em Viena, um pensionato voltado para leceram naquela cidade o renomado colégio da sua
especializado em métodos educacionais renovadores Outra opção foi a enfermagem, que desde os tempos
a instrução e a assistência de empregadas domésticas congregação. Em Itatiaia, duas escolas funcionavam coloniais era tida como uma atividade propícia às
nos Estados Unidos, fundou no Rio de Janeiro um
e mães solteiras, quando, aos 30 anos, foi perseguida, em 1885: uma, para meninos, com 59 alunos, e ou- mulheres, ficando, durante décadas e décadas, sob a
colégio para meninas, contrapondo a crescente im-
fugindo para o Brasil acompanhada de 21 mulheres. tra, para meninas, com 35 alunas, cabendo a duas responsabilidade de religiosas e suas auxiliares, geral-
plantação de escolas das congregações católicas nas
Ao desembarcar, anotou em seu diário: “Chegamos mulheres a direção dessas instituições. A professora mente escravas, índias ou negras.
últimas décadas do Império.
ao Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 1848, sem Jovina Eudóxia Rodrigues esteve a frente, desde o iní-
A ascensão do pensamento liberal, a prática dos mé- A primeira escola de enfermagem no Brasil foi criada,
dinheiro, sem conhecimento de ninguém, sem saber a cio, da escola para meninas, e a educadora Dulcinda
em 27 de setembro de 1890, no Hospital Nacional
língua, com muita fome, mas cheias de confiança...”. Cândida Jardim assumiu, em 1888, a regência do co- todos pedagógicos dos grupos protestantes, as reivin-
dos Alienados, fundado em 1842, no Rio de Janeiro.
Menos de um ano depois, em 8 de maio de 1849, fun- légio masculino. dicações das ativistas pelos direitos das mulheres e
Essa formação surgiu com a crise gerada pela abrupta
a utilização de parte significativa da imprensa foram
saída das irmãs de caridade, que, após 48 anos de
certamente as principais munições da crítica à inter-
poder dentro do estabelecimento, não se adaptaram
ferência e ao poder exercido pela Igreja Católica no
às mudanças implementadas no hospital por uma
ensino oficial. Conjuntamente, formaram a base para
nova direção. Romperam com a instituição e levaram
os grandes debates que se prolongariam por décadas,
com elas todas as serventes do sexo feminino, provo-
sobre a necessidade de se garantir uma educação lai- cando falta de pessoal disponível para o atendimento
ca no Brasil.
EDUCAÇÃO ESPECIAL dos pacientes. Diante disso, os médicos resolveram
organizar um curso profissionalizante, inexistente até
Na segunda metade do século XIX, duas educadoras Atividades adequadas à então no país, com o objetivo específico de preparar
fluminenses, ambas portadoras de deficiência visual, enfermeiros e enfermeiras para o trabalho em hospí-
dedicaram-se ao ensino de pessoas cegas. Adélia Sigaud foi “natureza feminina” cios e hospitais. O método adotado foi inspirado na
a primeira mulher brasileira a aprender o método Braille. Seu Escola Salpethière francesa.
A liberalização para o ingresso de moças nos cursos
exemplo incentivou D. Pedro II a criar no Rio de Janeiro, em
1854, o Instituto Benjamin Constant, onde ela inicialmente normais surgiu apenas a partir da década de 1870. Três décadas depois, em 1920, criou-se um curso para
complementou seus estudos e posteriormente se tornou a Aparentemente, a sociedade brasileira apresentava visitadoras sanitárias, mantido pela Cruz Vermelha no
Um Rio de mulheres

primeira professora da instituição. Anos depois, a educadora sinais de relativo amadurecimento quanto à instrução Rio de Janeiro. Essa foi a primeira iniciativa nacio-
Alina de Brito muito contribuiu para a divulgação do feminina, oferecendo às mulheres canais de acesso à nal de formação qualificada na área da enfermagem,
método, mobilizando-se para a expansão do aprendizado das educação média e conferindo a elas uma qualificação começando assim a capacitação de dezenas e mais
crianças cegas do estado. especial para o exercício do magistério. dezenas de mulheres para atuar na saúde pública. 37

36
ção do espaço público pelas mulheres. Na época, a riam apresentar licença de seus pais e, as casadas, o
A PRIMEIRA NORMALISTA Outras alternativas formação de uma mão-de-obra feminina voltada para consentimento por escrito de seus maridos.
a economia doméstica, a indústria e o comércio foi
Olímpia Francisca A difusão da educação feminina para o conjunto mais Embora oficialmente aceitas para a graduação, o nú-
fundamental para a integração e o desenvolvimento de
Proença do Couto amplo da sociedade deu-se simultaneamente ao sur- mero de mulheres inscritas nos cursos superiores foi
uma nova sociedade que surgia.
nasceu em 1867, gimento dos setores médios, que emergiram na esteira irrisório, assim permanecendo por bastante tempo. Al-
na cidade do Rio de das transformações da economia e da administração Já na República, em 1897, publicou-se um decreto gumas das principais razões para tanto originavam-se
pública. O aumento da exportação do café deu ensejo que criava o Instituto Profissional Feminino no Rio de
Janeiro, onde dirigiu no puro preconceito da sociedade. Na época, as mo-
ao crescimento de uma população urbana ocupada Janeiro, que, após 15 anos, em 1912, acrescentou
diversas escolas no ças estavam condicionadas a tornarem-se nada mais
com funções nas burocracias públicas e privadas, Orsina da Fonseca ao seu nome, em homenagem à
início do século XX. do que donas de casa educadas, boas esposas e mães
bem como na prestação de serviços. esposa do presidente Hermes da Fonseca. Depois de
Olímpia foi a primeira atravessar algumas reformas, a lei nº 1997, de setem- exemplares. Era inconcebível pensar em mulheres
mulher a terminar o Em 1881, houve a inauguração das classes profis- profissionais, pois essas teriam que necessariamente
bro de 1918, autoriza a separação entre o internato e
curso da Escola Normal sionalizantes para o sexo feminino do Liceu de Artes diminuir o tempo dedicado ao lar.
o externato, que a partir daí começam a funcionar au-
e Ofícios no Rio de Janeiro, 24 anos depois de sua
no então, Distrito tonomamente. Amália da Silva Quintas foi nomeada di-
fundação. Esses cursos eram especialmente voltados A impossibilidade das mulheres freqüentarem os me-
Federal. Tornou-se retora do internato, e Andréia Borges da Costa assumiu
para as jovens das camadas menos favorecidas da lhores cursos preparatórios representou ainda um ou-
uma educadora muito a direção do externato, permanecendo nessa função
população e tinham como proposta prepará-las tecni- tro empecilho determinante para dificultar a entrada
admirada e fez parte por 32 anos. Em 1919, o externato foi transferido
camente para exercerem as múltiplas ocupações que delas nas faculdades. O Colégio Pedro II,
do Conselho Superior para novas instalações e passou a chamar-se Es-
aquele momento oferecia. no Rio de Janeiro, bem exemplifica
da Instrução Pública, cola Profissional Paulo de Frontin. Nesse local,
A iniciativa de proporcionar cursos profissionalizan- ministrava-se tanto o Curso Comercial, com isso. Foi fundado em 1837 e duran-
a partir de 1902. Foi
tes, gratuitos e noturnos para as moças provocou uma as disciplinas de estenografia, datilografia, te 90 anos não permitiu o ingresso
casada com o professor
enorme repercussão na sociedade fluminense. Com o
Pedro do Couto e
objetivo de encampar o debate em torno da educação
faleceu aos 83 anos de feminina, o liceu convidou mais de uma centena de
idade, em 1950. intelectuais para escrever sobre o tema. Na inaugura-
ção das aulas, essas opiniões foram reunidas e publi-
cadas no formato de um livreto comemorativo, tendo
UNE MULHER como título Polyantheia. A maioria concordou que a
instrução da mulher contribuiria para a dignificação
Aos 22 anos de idade, da família, da nação e do mundo. Um dos principais
a estudante da UFRJ, defensores da causa foi Joaquim Nabuco, que escre-
veu: “... a indústria não conhece sexos; inteligência,
Clara Araújo, foi
aptidão e honestidade são grandes qualidades de
eleita presidente da
operário que a mulher possui em grau elevado...” Dos
União Nacional dos de nenhuma estudante do sexo feminino. Essa insti-
131 colaboradores, quatro eram mulheres. São elas: contabilidade e línguas, como também o Curso Profis-
Estudantes(UNE), sional, com as oficinas de chapéus, bordados, costura, tuição tinha o privilégio de garantir o acesso de seus
Adelina Lopes Vieira, Ana Machado Nunes Pena, Guilher-
tornando-se a primeira mina de Azambuja Neves e Laurentina Neto. flores, desenho e modelagem. Ainda que bastante cri- alunos aos cursos superiores, sem que eles precisas-
mulher a ocupar ticado pelas integrantes da Federação Brasileira pelo sem se submeter a qualquer tipo de “vestibular”. Yvo-
Apesar desses cursos ainda reforçarem os papéis
esse cargo, em 1982. Progresso Feminino, esse estabelecimento foi, duran- ne Monteiro da Silva foi a primeira mulher a concluir o
tradicionalmente vinculados às aptidões femininas,
Durante sua gestão, te décadas, uma das principais referências do ensino secundário nesse colégio, em 1927.
representaram uma alternativa valiosa para a ocupa-
conseguiu do governo profissionalizante para as moças fluminenses. No âmbito das atividades ligadas à saúde, a lei emiti-
do estado a doação
da em 3 de outubro de 1832 determinou a separação
de uma sede para a Da alfabetização à das áreas e propôs a implantação de cursos específi-
entidade, o antigo prédio
da faculdade de Direito faculdade cos, organizados de acordo com a seguinte divisão:
medicina, farmácia e partos. Assim sendo, ninguém
da UERJ, situado
De todas as lutas que as mulheres tiveram que enfren- mais poderia curar, ter botica ou partejar sem cursar a
na rua do Catete.
tar para ter acesso à educação, o ingresso nos cursos Faculdade. A partir daí, começaram a surgir as exce-
Atualmente é militante
superiores representou a mais difícil batalha. Apesar ções de mulheres freqüentando os cursos superiores.
do movimento feminista
de algumas poucas exceções anteriores, as jovens Em 1833, Marie Josephine Mathilde Durocher foi a pri-
e doutora em sociologia.
estudantes brasileiras foram obrigadas a esperar até meira e única mulher a matricular-se no recém-criado
Um Rio de mulheres

1879, quando finalmente o governo imperial se ren- Curso de Parteiras da Faculdade de Medicina do Rio
deu e permitiu, condicionalmente, a entrada do “sexo de Janeiro. Em 1837, já havia acompanhado cerca de
frágil” nas faculdades. As candidatas solteiras deve- 5.000 parturientes. 39

38
Embora essa regulamentação tenha aparentemente onde pôde realizar o seu Assim o ciclo se fecharia: por que as mulheres preci- Segundo os dados estatísticos disponibilizados no site
representado uma possibilidade de avanço educa- sonho, formando-se mé- sariam estudar, se seus trabalhos seriam sem especia- do Ministério da Educação – “(…) a década de 1990
cional para as mulheres, a obrigatoriedade de uma dica em 1881. lização e sem desafios? marca a virada das mulheres brasileiras, que ultrapas-
formação superior provocou a perda da autonomia, a saram os homens em nível de escolarização. A pro-
Esse episódio provocou Foi de uma jornalista e poetisa, nascida na cidade do
ilegalidade e, sobretudo, a exclusão social de cente- porção de pessoas analfabetas já é significativamente
uma estrondosa polêmi- Rio de Janeiro, Rosalina Coelho Lisboa, uma das vozes
nas delas. Durante gerações e mais gerações, o saber menor entre as mulheres do que entre os homens em
ca nos mais diferentes que se rebelaram com veemência contra o artigo 14
e a prática de partejar foram dos poucos domínios todos os grupos com até 39 anos de idade. As mulhe-
segmentos sociais bra- do Estatuto. Para Rosalina, impedir que a mulher pu-
essencialmente femininos, onde atuavam mulheres res também superaram os homens em número médio
sileiros, levando a im- desse competir leal e limpamente com os homens era
de diferentes níveis de instrução e classes sociais, de anos de estudo e, nas salas de aula, reinam absolu-
prensa a acompanhar e voltar atrás nas conquistas de emancipação feminina.
chamadas carinhosamente de “comadres”. tas: 85% dos 1,6 milhão de professores da educação
publicar diariamente os Ela tinha toda razão: o Plano Nacional de Educação e
básica em todo o país são do sexo feminino. Elas são
Na odontologia ocorreram algumas outras peculiari- passos de Maria Augus- o Estatuto da Família engessavam as mulheres. Feliz-
a maioria entre os alunos do ensino médio e do ensino
dades. Desde a década de 1840, encontram-se regis- ta. Tanto essa repercus- mente, esses dois projetos seriam modificados antes
tros da prática de mulheres dentistas no Brasil. A Sra. superior e entre os alunos de 5ª à 8ª série do ensino
são quanto o reconhe- da aprovação.
Arson, moradora da cidade do Rio de Janeiro, aparece fundamental. Entre os concluintes, elas também são
cimento da capacidade
como pioneira nesta área. Trabalhava ao lado de seu maioria; em 1998, eram do sexo feminino 53,6% dos
marido, com quem havia aprendido o ofício, quando,
intelectual e profissional
da futura médica foram
As mulheres viram a mesa alunos que concluíam o ensino fundamental, 58,5%
em 1848, ficou viúva e assumiu sozinha o gabinete do ensino médio e 61,4% do ensino superior.”
determinantes para que o poder público viesse a per- Durante a segunda metade do sé-
dentário na rua do Ouvidor, ampliando sua clientela. mitir, em 1879, o ingresso das mulheres nos cursos No Brasil, as mulheres ocupam atualmente 48,9%
culo XX, a presença das mulheres
Ainda neste período, aparecem duas outras mulheres superiores. cresceu enormemente na educa- dos assentos no ensino fundamental, 55,05% no
dentistas na lista de profissionais do Rio de Janeiro. ção, tanto no magistério quanto no ensino médio e 55, 6% no ensino superior. No Rio de
No Rio de Janeiro, a gaúcha Ermelinda Lopes Vascon-
Em 1850, Maria Arthot atendia em seu consultório aprendizado. Elas que começaram Janeiro, elas representam 49,5% dos estudantes do
celos foi a primeira mulher diplomada em Medicina,
instalado na rua do Sabão, e Francisca Beiral, em lutando para freqüentar os ban- ensino fundamental, 55,03% do ensino médio e 55,
sendo a segunda no Brasil. Em 1888, defendeu sua
1854, tratava de suas pacientes em um gabinete cos escolares, transformaram-se 6% no ensino superior. Embora os dados acima não
tese de formatura: “Formas clínicas da meningite na
dentário na rua dos Pescadores. na principal força de trabalho e estejam desagregados por raça, é necessário afirmar
criança”. Após a aprovação, seus colegas ergueram-
participação em todos os níveis que as mulheres negras, ainda hoje, não têm acesso
Em 14 de maio de 1856, foi emitido um decreto re- na nos braços e saíram comemorando pelas ruas da
de formação educacional. Após igualitário ao ensino público, especialmente à univer-
gulamentando a prática dos dentistas e sangradores cidade. Ermelinda foi saudada entusiasticamente por
conquistarem o acesso aos cursos sidade.
do Império. Essa nova lei determinava a obrigatorie- admiradores e populares que se aglomeravam para Nilcéia Freire
Normalistas no
dade de exames específicos para o exercício legal da vê-la e, ao passar pelo Palácio, recebeu congratula- superiores, continuaram virando a Instituto de Educação
odontologia; os candidatos aprovados receberiam um ções do Imperador D. Pedro II. mesa, defendendo e editando teses, tornando-se mes-
certificado de autorização. Elisa Elvira Bernard foi a tras e doutoras nas diferentes áreas do saber.
primeira mulher a obter esse título de “Dentista Apro-
vada”, tendo passado pelas provas em 1879.
Educar para servir Seria necessário preencher uma longa lista para citar
as milhares de educadoras fluminenses que com sua
Os primeiros cursos em odontologia foram criados em Durante a ditadura de Getúlio Vargas, que vigorou de dedicação modificaram a face do ensino no Estado.
25 de outubro de 1884, também na Faculdade de 1937 a 1945, o ministro da Educação e Saúde Pú- Entre tantas, destacam-se as cariocas Alba Caniza-
Medicina do Rio de Janeiro. Quatorze anos depois, blica, Gustavo Capanema, propôs um Plano Nacional res e Armanda Alvaro Alberto, a petropolitana Branca
em 18 de fevereiro de 1899, Isabella von Sydow de Educação que previa a existência de um ensino Fialho e Anália Franco, que embora tenha nascido em
completou o curso, tornando-se a primeira mulher médio feminino voltado para a economia doméstica. Resende, atuou na criação de mais de 70 instituições
cirurgiã dentista formada no Brasil. Nos anos Constavam dessa proposta as seguintes matérias: educativas em São Paulo e Minas Gerais. Mais recen-
seguintes, Silvia Gloria Novais e Alzira de Mello higiene e preparo dos alimentos; cuidados com pes- temente, Nilceia Freire se tornou a primeira reitora da
Machado também obtiveram o diploma nesta soas doentes e normas para receber bem. Ou seja, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma
área. educação da mulher era exclusivamente voltada para das mais prestigiadas instituições de ensino do país.
A formação em Medicina representou o prin- a casa e para os cuidados dos familiares. Trabalhos Também merecem menção as professoras Nilda Teles
cipal divisor de águas na luta das mulheres não remunerados! Ferreira e Lia Faria, que chegaram a ocupar Secretarias
pelo direito de acesso aos cursos superiores. do Estado do Rio de Janeiro.
Coerente com essa situação das mulheres, em 1941
Coube à carioca Maria Augusta Generoso Capanema propõe o Estatuto da Família: incentivando
Estrela o papel de protagonista nes- a prole numerosa, a chefia paterna reforçada e a cen- MARIA FELISBERTA
se capítulo da nossa história. Em sura moral em todos os níveis. Para conseguir isso,
1875, sabendo que seria impedi- Maria Felisberta de Oliveira Brunnet Dias de Andrade nasceu em Cachoeiras de Macacu, no Estado do Rio de Janeiro,
era necessário prender a mulher ao lar, condicionan-
no dia 12 de janeiro de 1880, filha de Alessandro Otto Brunnet e Francisca de Oliveira Brunnet, ambos professores. Maria
da de freqüentar a Faculdade do-a ao casamento e à maternidade como vocações Felisberta formou-se pela Escola Normal de Niterói e dedicou toda sua vida ao magistério, tanto público quanto particular.
de Medicina do Rio de naturais. O artigo 14 do Estatuto da Família previa:
Um Rio de mulheres

Foi diretora dos grupos escolares “Alberto Brandão” e “Pinto e Lima” até quando se aposentou, em 1950, ao completar
Janeiro unicamente pelo “as mulheres não poderão ser admitidas senão nos setenta anos. Foi também uma das primeiras professoras nomeadas, quando a Escola Profissional Feminina Aurelino Leal foi
fato de ser mulher, partiu empregos próprios da natureza feminina e dentro dos fundada, em Niterói. Mesmo após a aposentadoria, continuou lecionando em casa, até poucos dias antes de sua morte em
Maria Augusta para os Estados Unidos estritos limites da conveniência familiar”. 1963, aos oitenta e três anos de idade. 41
Generoso Estrela

40
tários, passaram a fazer pesquisas, produzir e publicar obra de Graziela Maciel Barroso é hoje referência dentro

laboratórios conhecimento nas mais diferentes áreas do saber. En-


tre elas, encontram-se as cientistas do Estado do Rio
de Janeiro, fluminenses por nascimento ou por opção.
e fora do Brasil. A alta qualidade de suas pesquisas
e publicações garantiu-lhe o lugar de primeira grande
dama da Botânica brasileira. Essa área contou ainda
com o talento e o conhecimento técnico das desenhis-
Em uma época que o funcionalismo público ainda era
tas e ilustradoras Margaret Mee e Maria Werneck de
proibido às mulheres, a cientista e líder feminista Ber-
Castro. Ambas atingiram o grau máximo de fidelidade
tha Lutz obteve, em 1919, o primeiro lugar de um con-
e precisão em seus trabalhos, tornando-as co-responsá-
curso para o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Após
veis pela formação de um dos mais belos e preciosos
grande polêmica em torno do fato, assumiu seu posto e
acervos de documentação científica no Brasil.
durante décadas dedicou-se à Zoologia, desenvolvendo
Johana Döbereine
inúmeras pesquisas. Ao longo de sua trajetória profis- A médica sanitarista carioca Sylvia Halssemann foi a
Mme. Durocher
sional, realizou um trabalho único e da maior importân- primeira mulher a freqüentar o Curso de Aplicação do
cia, descobriu e descreveu várias espécies anfíbias. Em Instituto Oswaldo Cruz, em 1931. Além de sua sólida

A
sua homenagem, o sapo-boi recebeu o nome - Eleuthe- formação em Medicina, especializou-se em Higiene e
rodactylus Hoehnei Lutz. Saúde Pública, recebendo ao concluir o curso a me-
Ao focalizar a presença feminina na história das
dalha de ouro do Prêmio Carlos Chagas. Trabalhou em
ciências, dois nomes são sempre recorrentes, Hi- Bertha Lutz Tanto o Laboratório de Ultraestrutura Celular da UFRJ,
importantes instituições, ocupando diferentes funções
pácia e Madame Curie. Dois exemplos de coragem como o Laboratório de Cultura de Tecidos da UFF, le-
e vários cargos de chefia. Aposentou-se em 1988,
e persistência que, embora separadas por muitos vam o nome da cientista Hertha Meyer, que foi a pionei-
Eloisa Biasotto Mano quando estava na direção do Departamento de Análises
séculos, vivenciaram experiências semelhantes: “Se a historiografia nos dizia que ra no cultivo de tecidos no Brasil. Na década de 1940,
Institucionais e Fatos Vitais da Secretaria de Saúde do
dedicaram-se à investigação científica e sofreram não valia a pena olhar do século tornou-se uma das principais responsáveis pela intro-
Estado do Rio de Janeiro.
com a discriminação. Hipácia de Alexandria, filóso- 20 para trás, porque ainda não dução e difusão da microscopia eletrônica no país.
fa, astrônoma e matemática grega do século IV da existia ciência, que dirá descobrir as A microbiologista Johana Döbereiner foi a primeira e
A Engenharia brasileira contou com o talento, a criativi-
era cristã, foi brutalmente assassinada por expor mulheres cientistas. Achá-las, na dade e a competência de Carmen Velasco Portinho, que
única mulher a ocupar a vice-presidência da Academia
sua sede de conhecimento. A ilustre física polo- História da Ciência, é o garimpo do foi a principal responsável pelo desenvolvimento de
garimpo” Brasileira de Ciências. Suas pesquisas alcançaram a
nesa Marie Sklodowska Curie, primeira mulher a experiências inovadoras na habitação popular no país,
unanimidade dos mais altos conceitos nos meios cien-
receber o cobiçado prêmio Nobel, não foi admitida Sílvia de Mendonça Figueirôa, pela construção do Museu de Arte Moderna do Rio de
Presidente da Sociedade tíficos e seus trabalhos provocaram mudanças radicais
pela Academia Real de Ciências da França porque Janeiro e pela fundação da Escola Supe-
Latino-Americana de História na produção de soja no Brasil, tornando esse produto
era do “sexo frágil”. das Ciências e da Tecnologia Carolina Martuscelli Bori rior de Desenho Industrial, a qual diri-
mais competitivo no mercado internacional.
giu durante 20 anos. Foram também
As trajetórias dessas duas grandes sábias são emble- Os passos inaugurais a caminho da inserção feminina A sensibilidade e a ousadia caracterizaram os passos pioneiras na Engenharia e Arquite-
máticas e traduzem o quanto, desde os primórdios da nas ciências foram dados pela imigrante francesa Ma- da médica alagoana Nise da Silveira. Imbuída de seus tura do país: Edwiges Becker, Maria
civilização ocidental, a “comunidade científica” se ria Josephina Matilde Durocher que, com sete anos de ideais humanitários, conseguiu ultrapassar as duras Ester Correia Ramalho, Berta Leitchic e
fechou à participação das mulheres. As caracterís- idade, em agosto de 1816, desembarcou com sua mãe fronteiras do preconceito e, no Rio de Janeiro, desen- Clara Steinberg.
ticas sexuais condicionavam quem iria ou não fazer no Rio de Janeiro. Em 1833, já viúva e com dois filhos volveu um trabalho que revolucionou o tratamento das
ciência. Na tentativa de justificar a inferioridade in- para criar, decidiu ingressar no curso de obstetrícia Ao longo do sécu-
doenças mentais, tornando-se uma importante referên-
telectual das mulheres, começaram a surgir, a partir prática da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, lo XX, as chama-
cia na Psiquiatria mundial.
do século XVIII, perversas e inconsistentes teorias das Ciências So-
destacando-se como primeira aluna da turma. Trinta
biológicas fundamentadas no tamanho craniano, na Beatriz Gonçalves Ferreira foi a primeira química brasi- ciais agruparam
e oito anos depois, em 1871, foi nomeada titular da
lateralização cerebral, nos níveis de testosterona e do leira e trabalhou na Casa da Moeda. A doutora Eloisa o maior número
Academia Nacional de Medicina e, durante as cinco
cromossoma X. Biasotto Mano graduou-se em Química Industrial em de mulheres que
décadas seguintes, nenhuma outra representante do
Considerando que ciência significa conhecimento 1947, tornando-se uma legenda nessa área. Foi agra- colaboraram para
sexo feminino ingressou nessa instituição. Coube ain-
e saber em sua mais ampla acepção, se faz neces- ciada com inúmeras homenagens e premiações por o desenvolvimen-
da a Mme. Durocher ser a primeira mulher no Brasil a
sário reconhecer o valor do minucioso e sofisticado suas pesquisas sobre polímeros, tendo sido seu nome to das pesquisas
publicar textos no campo da Medicina.
entendimento da fauna e da flora brasileira que as dado ao Instituto de Macromoléculas da Universidade acadêmicas e Graziela Maciel Barroso
populações indígenas sempre demonstraram possuir, Mais de um século depois, a psicóloga paulista Caro- Federal do Rio de Janeiro. Em 1998, obteve o reco- científicas no
mesmo antes da chegada dos primeiros navegadores lina Martuscelli Bori assumiu a presidência da Socie- nhecimento internacional com o prêmio The Polymer Brasil. Em 1925,
portugueses. dade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Science. Heloísa Alberto
O desenvolvimento das ciências no período monárqui- Carolina foi a primeira e única mulher a ocupar esse O complexo estudo das plantas foi amplamente benefi- Torres passou em
co foi marcado pelos impasses políticos. Os homens cargo, estando a frente dessa importante instituição ciado pelas investigações das incansáveis mestras Alda primeiro lugar no
do poder discutiam, sem muitas realizações, a neces- entre 1986 e 1989. Pereira da Fonseca e Graziela Maciel Barroso. Em 1917, concurso para
Carmen Velasco Portinho
sidade ou não de se investir em pesquisas. a carioca Alda rompeu com um tabu quando optou professor subs-
Um Rio de mulheres

O processo de consolidação da experiência científica


É importante registrar que as atividades e viagens dos no país contou com a participação de centenas de por um campo de trabalho até então eminentemente tituto em
naturalistas, do começo do século XIX, contaram com mulheres. Inicialmente, exerciam funções auxiliares e, masculino. Profissional dedicada, defendeu teses e Antropo-
o apoio e o entusiasmo da Imperatriz Leopoldina. à medida que foram tendo acesso aos bancos universi- representou o país em congressos internacionais. Já a logia do Margaret Mee 43

42
E
Museu Nacional do Rio de Janeiro. Atuou intensa- co-responsável pela formação de celebridades da
Esses periódicos foram editados em dife-
mente na luta pela preservação da cultura indígena, economia do país. rentes formatos. Tratavam dos mais variados
sendo uma das idealizadoras da Fundação Nacional
Desde o final da década de 1940 até 1957, Dinah temas e alcançavam um diversificado públi-
do Índio. Marina de Vasconcelos, foi co-fundadora da
Vianna Brazil esteve à frente da administração do co leitor. De modo geral, a imprensa feminina
Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia e
ocupou a direção do Instituto de Filosofia e Ciências Instituto Vital Brazil, em Niterói. Anos depois, já no mesclava reflexões sobre assuntos fervilhantes
Sociais – IFCS. A geógrafa e historiadora Isa Adonias século XXI, outra mulher, Elizabeth Moreira dos Santos, naquele momento, como a Abolição e a Repú-
foi a primeira mulher a ser admitida como sócia assumiu a presidência dessa instituição. blica; vinculava textos literários; escrevia sobre
efetiva do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro comportamento, direito, saúde, cultura, reli-
– IHGB. Eulália Lahmeyer Lobo foi a primeira mulher a Em 1996, as mulheres do Estado do Rio de Janeiro gião, moda, entretenimento e, ainda, prestava
defender uma tese de doutorado em História no país. estiveram representadas nas solenidades pelos 80 consultoria às leitoras.
Maria Yedda Linhares e, mais recentemente, anos da Academia Brasileira de Ciências. Entre ou-
O cotidiano das primeiras jornalistas
Ângela de Castro Gomes deram valorosas tras presenças femininas, o catálogo comemorativo
não foi nada fácil. Eram continuamente
contribuições à historiografia nacio- registra os nomes das cientistas: como membros ti-
ridicularizadas em público, acusadas de
nal. Em Saquarema, a arqueóloga tulares – Aída Hassón-Voloch, nas ciências biológicas;
Lina Maria Kneip desenvolveu um intromissão em “ofícios masculinos”, e
Anita Dolly Painek e Eloisa Biasotto Mano, nas ciências suas colaboradoras, sentindo-se ameaçadas,
significativo trabalho de pesquisa e
químicas e Belita Koiller, nas ciências físicas. Como impunham geralmente o anonimato como
educação, preservando assim parte
membros associados: Dyrce Lacombe de Almeida, nas condição para participar nos jornais.
importante do patrimônio arque-
ológico brasileiro. ciências biológicas; Elisa Esther Maia Frota-Pessoa, nas
O primeiro periódico brasileiro feito exclusiva-
ciências físicas; Lélia Duarte da Silva Santos, nas ciên-
Reconhecidamente a pro- mente por mulheres foi O Jornal das Senhoras,
cias da terra e Fernanda Margarida Barbosa Coutinho e
fessora Maria Conceição fundado pela argentina Joana Paula Manso de
Tavares é uma das vozes Ottilia Rodrigues Affonso Mitidieri, nas ciências quími- Noronha, em 1852, no Rio de Janeiro. Em seu
mais expressivas e polê- cas. Após aquela data, a Academia recebeu mais duas edital de lançamento, propunha-se a trabalhar
micas na área econômica. associadas fluminenses, Eliane Volchan e Vivian Rumja- pelo melhoramento social. Afirmava ainda que,
Consultora da Cepal, foi nek, ambas pesquisadoras nas ciências biomédicas. para as mulheres gozarem de seus direitos, era
necessário tanto o aprimoramento da educação
feminina, como a conscientização dos homens de
Acima, Maria da Conceição Tavares. que as mulheres não faziam parte de suas proprie-
Ao lado (da esquerda para direita): dades. Anos depois, surgiram vários outros jornais
Aída Hassón-Voloch,Heloísa Alberto
Torres,Elisa Esther Maia Frota-Pessoa, no Rio de Janeiro.
Belita Koiller, Lélia Duarte da Silva
Santos, Ottilia Rodrigues Affonso O Belo Sexo foi lançado em 1862 por Júlia de Al-
Mitidieri
Graziela Maciel Barroso buquerque Sandy Aguiar, que tinha o hábito de reunir
o seu conselho editorial semanalmente. Nesses en-
contros, debatia-se aberta e livremente os assuntos

Imprensa
inerentes às mulheres.
A mineira Francisca Senhorinha da Motta Diniz foi uma
das vozes mais veementes da época. Em suas maté-
rias, incitava as mulheres a buscarem uma identidade

Feminina própria e a defenderem seus direitos. Estimulava


ainda a luta por uma autonomia financeira através da
educação e do trabalho. Em 1873, editou O Sexo Fe-
minino em Campanha (MG) e dois anos depois, trans-
ferindo-se para o Rio de Janeiro, passou a publicar
além de debaterem entusiasticamente sobre os novos
caminhos políticos da nação.
Entre as jornalistas que lutaram pelo sufrágio femini-
A partir de meados do século XIX, algumas corajosas também a revista semanal A Primavera e o periódico A
no no início do século XX, destaca-se Eugenia Álvaro
pioneiras dispuseram seus talentos, suas inteligências e voz da Verdade, ambos na década de 1880.
Moreira, que foi considerada a primeira mulher repór-
criatividade em prol da emancipação feminina. Começaram Amélia Carolina da Silva Couto foi responsável pela ter do país. Nesse período, as redatoras militantes
a produzir, redigir e distribuir revistas e jornais onde se criação do Eco das Damas, em 1879. Dez anos de- incluiram em seus textos as reivindicações quanto à
expressavam politicamente e, de maneira ampla, expunham pois, na época da instalação do regime republicano, formação profissional das mulheres e à regulamenta-
as suas percepções de mundo. O conjunto desses periódicos chegava ao Rio de Janeiro o jornal A Família, fundado ção do trabalho feminino.
certamente representa um dos principais acervos sobre os por Josefina Álvares de Azevedo. Esse periódico trans-
Um Rio de mulheres

formou-se no principal veículo de expressão para de- A partir da conquista do acesso às urnas em 1932 e
sentimentos, as experiências, as aflições e as expectativas
zenas de mulheres em todo o país. As colaboradoras do golpe de 1937, houve uma espécie de refluxo na
daquelas mulheres, que foram co-responsáveis pelas grandes
escreviam em defesa do direito ao voto e ao divórcio, imprensa feminista, só retornando dez anos depois
mudanças sociais do Brasil oitocentista. 45

44
com o bem-sucedido Momento Feminino, fundado tados, alcançaram expressão nacional: Brasil Mulher zéns de comestíveis, vendas de carne-seca, depósi- limões doces, cana-de-açúcar, sonhos, angu, pão-
pelo movimento de mulheres comunistas, em 24 de e Nós Mulheres. Três anos depois, começou a circular tos de café, molhados, queijos, toucinho, fumo, de-ló, pé-de-moleque, cuscuz, cocada.
junho de 1947, no Rio de Janeiro. Esse periódico, no Rio de Janeiro o transgressor Lampião da Esquina, louça, objetos de metal, cordoalha e materiais de
Havia ainda intensa movimentação de grupos es-
além de defender a cidadania feminina e a paz, lutava voltado prioritariamente para a defesa dos homossexu- construção.
contra a carestia. trangeiros no comércio, sobretudo das francesas,
ais, abriu grande espaço em suas páginas para o deba- As mulheres estiveram presentes em dife- que se aventuravam com mais facilidade na
Nos anos 60, a jornalista gaúcha Carmem da Silva te sobre os direitos sexuais das mulheres. Entre suas rentes ramos de negócios, até mesmo no
vida pública. O requinte e a elegância dos
mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro, onde principais colaboradoras, destaca-se a escritora Leila mais lucrativo e desumano deles, o per-
vestidos, roupas e uniformes, a perfeição
publicou, durante décadas, na revista Claudia, a co- Micolis. Ainda nessa nova leva de periódicos, nasce verso comércio de pessoas escravizadas.
das cabeleiras e penteados femininos foi
luna A Arte de Ser Mulher, que revolucionou o pensa- O Mulherio, que desde seu lançamento, em 1981,
O comércio ambulante era feito predomi- possível graças a elas. Entre as várias ca-
mento de gerações de brasileiras. Carmem participou contou com o apoio da equipe de pesquisadoras da
nantemente pelas mulheres negras, que sas de moda instaladas na rua do Ouvidor
intensamente da causa feminista. Fundação Carlos Chagas, de São Paulo. Circulou por quando alforriadas não tinham acesso a e na rua Direita, atual Primeiro de Março,
Em 1963, a baiana Niomar Muniz Sodré assumiu a di- mais de cinco anos, durante os quais transformou-se outra possibilidade de sobrevivência
numa leitura obrigatória das feministas brasileiras. destacavam-se a de Mademoiselle Lucy e a de
reção do Correio da Manhã e sua resistência às inge- e sustento de suas famílias. Geral-
Madame Josephine, modista da 1ª Imperatriz.
rências dos militares no jornal carioca ficou conhecida É importante registrar que, em junho de 2002, a jor- mente com os filhos encaixados
Além das vestimentas, negociavam calçados
nos meios da imprensa. nalista e escritora Ana Arruda Calado assumiu a presi- nas costas, vendiam nos lo-
gradouros públicos, em seus e acessórios, tanto a sapataria de Madame
Após 1975, Ano Internacional da Mulher, surgiram dência do Conselho de Administração da Associação Bérard, como a loja de coletes de Madame
tabuleiros trazidos no alto da
dois importantes jornais que, editados em outros es- Brasileira de Imprensa – ABI. Haugonté eram assiduamente freqüentadas
cabeça, frutas, bugigangas,
brinquedos, café torrado, pelas nobres e mulheres ricas da corte.

As mulheres comerciantes
LATA D’ÁGUA NA CABEÇA OLÉ MULHER RENDEIRA
As atividades comerciais da cidade do Rio Maria da Conceição Otólia
de Janeiro iniciaram-se na época de sua nasceu no dia 1 de abril Fernandes da
de 1891, em Conceição Silva nasceu no
fundação. O primeiro negócio montado dia 2 de setembro
de Macabú. Filha de pai
por uma mulher foi aberto nesse período. desconhecido, foi registrada de 1909, filha
Isabel Dias, que era casada com em Cabo Frio, onde viveu da rendeira
com sua mãe, Cantialina Eugênia Joana
Lourenço Fernandes, porteiro da Cidade da Conceição
da Conceição, até os onze
e do Conselho, procurou ficar legalmente anos. Desde pequena, e de Antonio
José Fernandes, pescador em Arraial do Cabo, Rio de
estabelecida, como comprova sua petição ajudava no sustento
Janeiro. Otólia cresceu observando a mãe trabalhar
familiar, acompanhando a
datada de 4 de agosto de 1576. e, por volta dos dez anos de idade, tornou-se também
mãe nos trabalhos da roça e nos serviços domésticos que
“profissional” na arte de fazer renda, passando a ajudar
prestava. Após passar inúmeras dificuldades, voltou
no orçamento da família. Diante das dificuldades

C
para sua terra natal, onde sofreu um grave acidente
financeiras para a compra de material, improvisava
ao se queimar no fogão à lenha. Anos depois, já
Contudo, o comércio urbano só se dinamizou após a comércio foram sendo regulamentados nos primei- criativamente os instrumentos necessários para a sua
novamente morando em Cabo Frio, produção. Entre tantas soluções, substituía a falta de
descoberta do ouro nas Minas Gerais e cresceu, mais ros anos da instalação da corte no Rio de
D. Maria sobrevivia carregando água na cabeça, alfinetes por espinhos de cardeiros retirados da restinga.
ainda, no início do século XIX, a partir da instalação Janeiro.
andava vendendo de porta em porta a todos as pessoas Além do artesanato, vendia também os doces caseiros
da família real no Brasil, em 1808. As várias leis que que lhe podiam pagar dois tostões a lata. Trabalhou
No início da década de 1820, os que fazia, sendo que seus melhores fregueses eram os
restringiam as negociações de determinadas mercado- também como lavadeira e depois salgadeira de peixe.
vendedores ambulantes conseguiram tripulantes dos navios ancorados no porto da cidade. D.
rias foram sendo extintas. Montaram-se muitas lojas e A única coisa da modernidade que D. Maria não
garantir seus direitos, e os estabe- Otólia foi ainda exímia dançarina de fado, ritmo típico
prosperou a livre transação de gêneros. Houve intensa aprovou, em seus 111 anos de idade, foi o uso de e tradicional português muito comum em Arraial do
lecimentos comerciais estavam
circulação de dinheiro com a chegada dos mercadores qualquer tipo de sapato ou sandália. Cabo.
espalhados pela cidade, ao
e vendedores de toda a sorte de produtos.
Um Rio de mulheres

todo 1.619 casas de negócio,


Embora houvesse bastante comércio ambulante que das quais 1.032 eram tavernas.
escapava do fisco, os impostos sobre as casas de As demais compreendiam arma-
47

46
Partiram em sete navios, no dia 4 de julho de 1819, A Sociedade Promotora de Colonização do Rio de

As Imigrantes 2.006 pessoas oriundas da região oriental da Suíça,


com destino ao Rio de Janeiro. Traziam a esperança
como único patrimônio para reconstruírem suas his-
tórias no Brasil. Muitas vidas se perderam na viagem,
Janeiro, primeira companhia brasileira de agencia-
mento de imigrantes, fundada em 15 de janeiro de
1836, instalou seus escritórios na rua do Passeio e
os alojamentos para os colonos no Largo da Lapa.
“ …todo Certamente, o mosaico étnico e cultural representa cerca de 390 óbitos foram registrados. Marianne Joset Nesta época, já não havia necessidade de tantos
brasileiro é uma das maiores riquezas do nosso país. A era uma das centenas de adolescentes que embarca- esforços para atrair trabalhadores europeus para o
Brasil, chegavam cada vez mais homens e mulheres
mestiço, se não população brasileira foi fundamentalmente gerada ram com seus familiares, tinha apenas 13 anos e per-
em busca de oportunidades no Novo Mundo. A tarefa
no ventre das mulheres indígenas, portuguesas e deu a mãe e o irmão nessa travessia do Atlântico.
é mestiço no desses agentes consistia em adiantar os recursos para
sangue, o é na africanas que aqui viveram nos primeiros séculos As embarcações foram ancorando em datas diferen-
o pagamento das passagens e despesas de viagem,
de colonização. Somou-se a essa multiplicidade tes, o último veleiro demorou 146 dias para chegar
alma...” ao porto do Rio de Janeiro. As famílias suíças foram
abrigar os imigrantes nos primeiros dias e intermediar
Silvio Romero embrionária o vigor das imigrantes de outros encaminhadas para uma localidade a 24 léguas de
os contratos de emprego. Cobravam esses serviços dos
portos do planeta, que chegaram, permaneceram e recém-chegados, negociando com eles várias formas
distância da corte, a fazenda Morro Queimado, atual de pagamento.
contribuíram decisivamente para o desenvolvimento Nova Friburgo. Durante vários séculos as populações
A região de Petrópolis também deve grande parte do
da jovem nação. indígenas ocuparam essa região. A partir de 1767,

D
foram se instalando as primeiras fazendas de colonos seu desenvolvimento ao esforço e persistência de al-
Desde o início da colonização, a sociedade brasileira suportáveis, e a necessidade de diminuir a pressão luso-brasileiros e também alguns quilombos de escra- guns grupos de imigrantes. Desde 1837, começaram
vos rebelados. a chegar os primeiros alemães que foram contratados
encontrava-se injustamente dividida em duas classes demográfica fez com que o governo daquele país soli-
para trabalhar na construção da Estrada da Estrela.
bem distintas: a dos senhores e a dos escravos, índios citasse o assentamento de famílias em terras brasilei- Após mais 12 dias de viagem, em novembro de 1819, O início da colônia se deu um ano depois e contava
e negros. A uma cabia mandar; à outra, executar. ras. Através do decreto de 16 de maio de 1818, o Rei Marianne Joset e as milhares de pessoas chegaram à com 51 famílias germânicas que habitavam na fa-
Em conseqüência dessa desigualdade, todo trabalho autorizou e financiou a vinda dos imigrantes suíços, fazenda Morro Queimado. Os aspectos geográficos e zenda do Itamarati. Esse local, em 1845, já havia se
manual passou a ser identificado como serviço de es- dando início aos trâmites legais para a instalação da climáticos da região eram comparáveis aos do lugar transformado em sede administrativa de importantes
cravo. Ao longo dos anos, o preconceito tornou-se tão primeira colônia de europeus não oriundos dos reinos de onde provinham, facilitando um pouco a adaptação obras provinciais; transitavam por ali engenheiros,
forte que, apesar de ser cada vez maior a população ibéricos no Brasil. desses novos colonos. Entretanto, durante os primei- imigrantes açorianos e alemães, trabalhadores livres e
livre nas cidades, e em especial no Rio de Janeiro, fal- ros tempos, as famílias de imigrantes se dispersaram. escravos. Nesse mesmo ano, o povoado recebeu quase
Abriram-se oficialmente os portos e as portas para o
tava mão-de-obra, tanto para a agricultura como para Não falavam português e sofriam com a hostilidade 600 famílias oriundas da Alemanha, cerca de 2.300
fluxo migratório que, ao longo do século XIX, esculpiu
as manufaturas. Quem era livre preferia se dedicar ao dos antigos habitantes, que além de já ocuparem pessoas.
uma face a mais na formação da sociedade brasileira.
comércio, ou até mesmo mendigar, para não ter que grande parte das melhores terras, como as de São
O país ganhou em força e vida com as múltiplas ca- A partir de 1860, começavam a chegar os primeiros
fazer “trabalho de escravo”. José do Ribeirão, atual distrito do município de Bom
racterísticas culturais dos diferentes grupos humanos grupos árabes. Na sua maioria, eram sírios e libaneses
A mudança da corte portuguesa para o Rio de Janei- Jardim, mantinham o poder político local. católicos, que curiosamente eram chamados de tur-
que acolheu. A maior parte das mulheres imigrantes
ro agravou ainda mais os problemas de produção. O trouxeram mais do que sotaques e temperos variados; A Freguesia de São João Batista da Vila de Nova Fri- cos, pois na época o império otomano dominava a re-
príncipe regente, D. João, logo ao chegar, resolveu vieram propondo novos jeitos de lidar com as regras burgo foi fundada em 3 de janeiro de 1820. Quatro gião de onde provinham. Geralmente desembarcavam
fomentar a vinda de homens e mulheres livres que do patriarcalismo. anos depois, em 1824, chegava um novo grupo com sem suas famílias e pensavam em voltar rapidamente
não se opunham ao esforço braçal. Visava sobretudo 342 imigrantes. Eram famílias germânicas que forma- a seus países de origem. Evitavam o trabalho na la-
os grupos de colonos europeus, pois também intencio- Durante as primeiras décadas da corte no Rio de Ja- voura, preferindo o comércio ambulante, que produzia
ram ali a primeira comunidade protestante no Brasil.
nava implementar uma política de embranquecimento neiro, chegaram isoladamente mulheres de várias na- resultados mais imediatos. Aqueles que resolviam
cionalidades. Geralmente desembarcavam com suas Marianne Joset casou-se oficialmente com Guillaume
do povo. Inicialmente emitiu um decreto, em 25 de permanecer no Brasil definitivamente instalavam-se
famílias e muitas já se dedicavam a diferentes ofícios. Salusse em 1830, porém já vivia com ele e tinham
novembro de 1808, no qual considerava um dever nas cidades mais populosas. No Estado do Rio de
Além das portuguesas e espanholas, vieram também dois dos seus oito filhos. O casal instalou uma modesta Janeiro, as comunidades árabes foram abrindo casas
público incrementar a agricultura e fazer aumentar
viver em terras fluminenses imigrantes francesas, in- hospedaria, que com o passar dos anos transformou- de comércio dos mais variados produtos, onde normal-
a população; para tanto, doaria terras aos imigrantes
glesas e italianas, entre outras. se no hotel mais sofisticado da cidade. Trabalhavam mente as mulheres tinham um espaço para vender as
que viessem residir no Brasil. Porém, isso não surtiu
também como corretores e
efeito. Anos depois, em 16 de fevereiro de 1812, atra- Logo no início, os contratos para imigração dos gru- juntos construíram um ex-
vés de um novo decreto, ordenou a vinda de inúmeros pos de trabalhadores brancos exigiam que todas as pressivo patrimônio. D. Ma-
casais açorianos para o trabalho na lavoura. Não foi famílias fossem católicas e deveriam habitar em uma riana Salusse, como ficou
suficiente; o crescimento acelerado do consumo, pro- localidade que tivesse uma Igreja. A Coroa concede- conhecida, se tornou um
vocava mais e mais demanda de mão-de-obra. Sem ria a assistência de padres, médicos e professores e símbolo de persistência
muitas opções, o governo voltou-se avidamente para a doaria terras, sementes e animais para cada núcleo. e dedicação ao trabalho,
África, fazendo com que o tráfico negreiro, uma espé- Como estímulo à produção agrícola, os novos colonos sendo considerada, por
cie de imigração às avessas, aumentasse sobremanei- receberiam ainda, durante o primeiro ano, 160 réis
Um Rio de mulheres

suas iniciativas, uma das


ra durante os primeiros anos do período monárquico. por dia e por pessoa, e 80 réis, no segundo ano de responsáveis pelo desen-
Em 1817, houve uma coincidência de interesses: permanência no país, ficando isentos de impostos volvimento e urbanização
lamentavelmente a fome na Suíça atingiu níveis in- pelo prazo de 10 anos. de Nova Friburgo. 49

48
comidas típicas que faziam, como as famosas esfirras seguiu inaugurar o cemitério comunal de Inhaúma,
e quibes.
Já na República, as estrangeiras que não faziam
parte dos grandes grupos étnicos, religiosos ou de
exclusivamente para elas.
Entre as dezenas e mais dezenas de afiliadas, qua-
tro mulheres desempenharam um importante papel
Aconteceu no
Século XX
uma mesma nacionalidade passavam por diversas na vida da associação e foram chamadas de irmãs
dificuldades. Eram geralmente mulheres simples que superioras: Emmy Zusman, Amália Schkolnik, Angelina
viviam praticamente isoladas e se auto-sustentavam. Schaffran e Rebecca Freedman. Outra mulher que se
A costureira Lola Abitbol foi uma dessas imigrantes, destacou foi a imigrante russa Estera Gladkowicer. Em
que por pertencer a uma comunidade bastante redu-
1927, chegou ao Rio de Janeiro, onde se tornou a
zida, encontrou vários obstáculos para inserir-se no
sócia n.º 65 da ABFRI e, durante 18 anos, namorou o
cotidiano carioca. Judia magrebina, nasceu em 1871,
sambista e compositor Moreira da Silva, que lhe dedi-
na cidade de Arzila, no Marrocos. Foi mãe solteira e
cou o samba Judia Rara.
chegou com 23 anos ao Rio de Janeiro, onde morou,
na rua do Riachuelo, com sua filha. Apesar de se con- Essa entidade se manteve ativa durante oito décadas,
siderar analfabeta em português, após dois anos, em até que, no início dos anos 70, as obras do metrô do
1897, tentou obter a nacionalidade brasileira. Duran- Rio de Janeiro desapropriaram as casas onde viviam
te seis meses, foi obrigada a voltar diversas vezes à as prostitutas da área do Mangue, no centro da cida-
repartição pública da imigração, sofrendo tanto com a de. A sede da associação acabou sendo destruída, a
burocracia quanto com o preconceito. Mulher sozinha, despeito da reação ensaiada pelas mulheres, indig-
mãe solteira e autônoma, foi tratada como meretriz, e nadas pela perda de seu espaço. Lamentavelmente
negaram-lhe o pedido com o carimbo: Arquive-se! elas não encontraram apoio na sociedade para as suas
Desde finais do século XIX, começaram a chegar reivindicações.
outras mulheres judias, que escreveram um capítulo
A imigração finlandesa para a região do médio Paraíba
muito peculiar na história das imigrações para o Brasil.
do Sul se diferencia de todas as outras. Um pequeno
Vinham da Europa oriental e tinham em comum, além
grupo de luteranos e amantes da natureza, liderados
da origem, a mesma religião. No Rio de Janeiro, foram
trabalhar na zona do meretrício da Praça Onze, região pelo casal Toivo e Liisa Uuskallio, desembarcou no Rio
portuária da cidade e ficaram conhecidas como as de Janeiro, em 1927. Foram imediatamente aprender
‘polacas’, termo empregado pela população fluminen- português e procurar um lugar agradável para se ins-
se como sinônimo de prostitutas. talarem. Dois anos depois, em 1829, compraram dos
monges beneditinos a antiga sede da fazenda Penedo,
Em 10 de outubro de 1906, criaram a Associação
que havia originalmente sido uma das muitas proprie-
Beneficente Funerária e Religiosa Israelita – ABFRI.
dades de Maria Benedita Gonçalves Martins, a Rainha
Pobres e menosprezadas pela própria comunidade ju-
do Café. As famílias imigrantes introduziram, entre
daica, uniram-se a alguns homens, também imigran-
tes europeus, para constituir essa entidade de seguro outras, a prática do artesanato feito em teares e foram
mútuo, com a finalidade de prestar assistência às suas co-responsáveis pela divulgação do uso da sauna em
associadas. O ato de registro oficial foi realizado por todo o país. D. Liisa abriu e administrou a primeira
sua primeira secretária, Matilde Hüberger, e os estatu- pousada do local, iniciando uma tradição que chegou
tos originais previam, além da pratica filantrópica, a até os dias de hoje; o comando feminino da maior
criação de uma sinagoga onde pudessem assistir ce- parte dos empreendimentos turísticos do município.
rimônias religiosas, repudiadas que eram pelos outros D. Eva Hilden fundou o Museu Finlandês na cidade,
templos da cidade. em 1982.
Se para os trabalhadores regulamentados a sociedade Segundo dados oficiais, de 1819 até 1859 migraram
brasileira não oferecia qualquer forma de aposentado- para o Brasil 5,3 milhões de pessoas. Não estão con-
ria, sequer assistência primária à velhice, o que dizer tabilizados nesse levantamento os milhões de africa-
da comunidade das prostitutas que convivia com as nos, trazidos forçosamente, ao longo de três séculos,
doenças próprias do ofício e a repressão da polícia? para o trabalho escravo. Calcula-se que as mulheres
Em 1916, Fanny Nusman era a presidente da ABFRI representaram no mínimo 50% desse fluxo de imi-
e, de acordo com os interesses das associadas, con- grantes.
Um Rio de mulheres

50
Tradicionalmente, diz-se que a tes estrangeiros. A. de Saint-Hilaire conta raramente
Cantando, dançando história da arte e cultura no Brasil
se inicia tardiamente, somente no
ter tido, nas suas passagens pelo Brasil, o prazer de
repousar os olhos sobre um rosto feminino, tanto nas

e pintando o século XVIII. Antes disso, a luta


pela sobrevivência na colônia e a
ruas quanto nas casas em que se hospedava. Apesar
deste sombrio cenário, encontra-se ainda no século
Maria Graham
XVIII, em 1752, a poetisa carioca Ângela do Amaral

panorama grande distância até a metrópole


teriam criado um vazio cultural
que só seria preenchido com o
nascimento do barroco brasileiro.
Rangel, como membro da Academia dos Seletos, ex-
clusivo salão literário da cidade do Rio de Janeiro.

Inaugurando outros
MULHERES VIAJANTES
Durante o século XIX, algumas mulheres estrangei-
ras passaram pelo Brasil e posteriormente registra-
Isto só é verdadeiro para quem ram importantes testemunhos de suas estadias. Os
cenários
cultural e
escritos sobre as impressões que tiveram do cotidia-
acredita que cultura é sinônimo no brasileiro tornaram-se fontes preciosas para o
de cultura européia. Mas, se, ao entendimento de uma época. Maria Graham foi a
A chegada da família real e de seu numeroso séquito,
contrário, levar-se em conta a riqueza mais conhecida dessas viajantes. Por volta de 1823,
em 1808, provocou verdadeira revolução cultural.
das tradições dos povos indígenas morava no Rio de Janeiro, onde prestou serviços à

artístico do que aqui estavam e africanos que


posteriormente chegaram, a história
da cultura e das artes brasileiras
passa a ser outra, bem mais antiga e,
Nesse mesmo ano, surge o primeiro jornal publica-
do no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro e, ao longo
da primeira década da corte no Rio de Janeiro, são
criadas importantes instituições como a Biblioteca
Imperatriz Leopoldina. Além dela, outras quatro
viajantes deixaram importantes manuscritos sobre o
país: as francesas Rose de Freycinet, Langlet Du-
fresnoy e a Baronesa de Langsdorff e a austríaca

Rio de Janeiro
Nacional. Através do decreto de 28 de maio de 1810, Ida Pfeiffer.
certamente, tendo as mulheres em D. João VI reconheceu a necessidade da construção
lugar de destaque. de “teatros decentes”. Com isso, em 1813 foi inaugu-
rado o Real Teatro de São João, projetado à semelhan- de imigrantes de diferentes nacionalidades, sobretudo

I
Infelizmente, porém, durante muito tempo, pouco De fato, os manuais da história da cultura ça do Teatro São Carlos de Lisboa. europeus que vinham tentar a sorte no novo mundo.
reconhecimento se deu à contribuição dos costumes e enfocam o barroco brasileiro como sendo o Nesse período, além das dezenas de professoras de
O costume das danças aristocráticas dos salões eu-
das tradições tanto indígenas como africanas no Bra- primeiro movimento artístico nacional, com música e canto que se instalaram no Rio de Janeiro,
ropeus instalou-se na cidade, tornando-se um dos
sil. No período colonial, a chamada aculturação das sua arquitetura, pintura, música e escultura chegaram também várias companhias de ópera que
passatempos preferidos dos palacianos. Em 1811, aportavam na cidade para longas temporadas.
populações nativas – essas, as principais visadas pela de cunho religioso. Nesse período encon-
chegou o professor L. Lacombe para ensinar as “no-
ação dos jesuítas – foi tão radical que, praticamen- tram-se as mulheres, confinadas aos espaços Tanta efervescência causaria mudanças na vida e no
do lar e da igreja, ocupando-se da decoração vas coreografias” aos cortesões cariocas. Dois anos
te, eliminou suas referências na história da cultura cotidiano das mulheres, que começavam a freqüentar
e da ornamentação dos altares e dos santos depois, em 1813, esse mestre montou e dirigiu o
brasileira. Restou ao menos a valorização da peculiar os espaços públicos, como as ruas e os teatros, e de-
estética de uma variedade de utensílios e objetos – com trabalhos muitas vezes realizados com primeiro espetáculo de dança clássica no país, lo-
dicavam-se à leitura, à música e ao estudo de outros
utilizados por esses povos. Entre outros, os potes e ricos objetos de ourivesaria – e da organização tando a platéia do recém erguido Real Teatro de São
idiomas.
vasos de cerâmica, os adornos pessoais, os cestos, de bailes pastoris. João. Foi também nesse palco que, em 1815, o jovem
herdeiro do trono, D. Pedro, conheceu e se apaixonou
as redes para pescar e dormir, as armadilhas para
caça, os abanos e alguns instrumentos musicais. Em Foi preciso ousadia perdidamente pela dançarina francesa Noemi Thyerri.
Um brado retumbante
relação às mulheres, sabe-se, por exemplo, que cabia Segundo relato da época, o termo balé só veio a ser
Nesta época era comum encontrar escravos tocando
especialmente às índias preservar a tradição contan- Em terras fluminenses, o panorama não poderia ser di- mencionado na corte brasileira em 1821, pela inglesa violinos em barbearias, participando das orquestras ou
do as façanhas dos antepassados, acompanhadas de ferente. Foi somente a partir do século dezoito – e, so- Maria Graham. formando as bandas e coros das igrejas. As mulheres
música e dança, daí os missionários tanto se servirem bretudo, depois da cidade do Rio de Janeiro se tornar negras, cativas ou forras, que trabalhavam no comér-
Em 1916, desembarcava no Brasil a missão artística
de peças de teatro como meio de catequese. Em a nova capital da colônia em 1763 – que um maior cio ambulante das ruas do Rio de Janeiro, anunciavam
francesa, da qual participavam J. B. Debret, Grande-
princípios do século XVII, porém, os papéis femininos número de manifestações artísticas são registradas. as suas mercadorias por meio de cantos e melodias,
jean de Montigny, os irmãos Ferrez, entre outros. Esse
foram proibidos nos teatros da Companhia de Jesus Surgiram os primeiros espaços teatrais, e o mais anti- tanto em suas línguas de origem como em português.
grupo iria constituir o núcleo principal da futura Aca-
sob a alegação de que a presença de mulheres poderia go elenco profissional brasileiro de que temos notícia Dançavam e criavam rimas, verdadeiros jingles publi-
demia de Belas-Artes, criada sob o nome temporário
excitar os homens. foi criado durante o mandato do vice-rei Luís de Vas- citários.
concelos, entre 1779 a 1790. O grupo era formado de Escola Real de Ciência, Artes e Ofícios e que seria
Já as tradições africanas fortificavam-se com as su- oficialmente inaugurada em 1826. Sob a influência Qualquer que fosse o tema ou motivo, a população
por cantores, dançarinos e cômicos, e dele constavam
cessivas vindas de navios negreiros, alcançando, as- da cultura francesa representada pela missão, acele- negra improvisava seus passos e sons, utilizando di-
os nomes de Francisca de Paula, Luísa, Rosinha, Maria
sim, mesmo que gradativamente, maior penetração na ra-se o processo que irá separar permanentemente as ferentes objetos para marcar o ritmo. Batiam palmas,
Jacinta e Joaquina da Lapa, mais conhecida como Lapi-
incipiente cultura luso-brasileira. Apesar da perversa artes da religião. assobiavam e requebravam no compasso dos ataba-
nha, a contralto carioca que causou furor em Portugal,
condição escrava, dos terríveis e sucessivos castigos ques e das pequenas marimbas, um instrumento afri-
na virada do século XIX. O Rio de Janeiro manter-se-ia na liderança intelectual,
Um Rio de mulheres

sofridos e da proibição oficial de seus ritos, a popu- cano feito com meia parte de um coco. Registros po-
lação negra conseguiu, entre tantas outras contribui- O regime de reclusão a que os costumes condenaram cultural e econômica do país, durante todo o século liciais afirmam que havia aglomerações de até 1.800
ções, enraizar no país a sua extraordinária diversidade a mulher no período colonial manteve-se até princí- XIX. Desde as primeiras décadas a população flumi- escravos no Campo de Santana, onde formavam gran-
artística. pios do século XIX, como atestam os relatos de viajan- nense foi multiplicando-se, desembarcavam grupos des círculos para cantar e dançar. Em 1833, um juiz 53

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decretou a proibição das performances, alegando que mulheres tiveram que aguardar mais de oito décadas O chamado teatro de operetas e revistas começou no
o som dos tambores atraía cativos de fazendas mais até que a cearense Rachel de Queiroz se tornasse a pri- Brasil por volta de 1859, com a fundação do Alcazar
distantes. Para a felicidade e engrandecimento da meira mulher a integrar a seleta galeria dos imortais, Lírico, onde as peças francesas – vaudevilles – foram
cultura brasileira, a população afro-carioca continuou, assumindo a cadeira de n.º 5, em 4 de novembro de sendo adaptadas e recriadas, assimilando outras
apesar das perseguições, contagiando a cidade com 1977. influências. A partir de então, o teatro musicado foi
os lundus e os batuques, que antecederam o samba. A carioca Ana Barbosa de Lossio e Seiblitz se aventurou transformando-se no gênero de espetáculo popular
como escritora na década de 1850, depois de traduzir característico do Rio de Janeiro. Muitos talentos femi-
E não parou mais... um texto de Corneille, autor do século XVII. Narcisa ninos foram revelados nos elencos dessas montagens.
Amália de Campos, nasceu em 3 de abril de 1852, em Quando a artista franco-russa Blanche Grau chegou em
Durante todo o período monárquico, ainda que con- São João da Barra, região norte-fluminense, de onde 1882, havia a chamada boêmia dourada nas noites
sideradas exceções, surgiram expressões femininas saiu ainda criança, mudando-se com a família para cariocas. Funcionavam 16 cafés-concerto e 28 teatros
Chiquinha Gonzaga
de muito talento nas diversas áreas da cultura e das Resende. Em 1872, publicou o seu livro de poesias, o na cidade. Tinha 19 anos de idade e, durante duas
artes. Nas letras, entre algumas dezenas de nomes, romântico Nebulosas, que recebeu excelentes críticas décadas, foi um dos nomes mais aplaudidos desses
quatro ilustram bem os registros oitocentistas: Bea- nos meios literários. Júlia Lopes de Almeida estreou palcos. A carioca Cinira Polonio desfrutou também de
triz Brandão, Ana Lossio Seiblitz, Narcisa Amália de nas letras em 1881, redigindo para jornais. Sua obra muito prestigio. Além de ocupar o posto de primeira Nair de Tefé
Campos e Julia Lopes de Almeida. Todas viveram na literária foi bastante ampla, publicou romances, con- atriz na Companhia de Revistas e Burletas do Teatro
cidade do Rio de Janeiro, onde foram intelectuais res- tos, literatura infantil, teatro, crônicas e obras didáti- em 1867, aos oito anos de idade, deu seu primeiro
São José, construiu uma carreira bastante diversifi-
peitadas, e, como tantas outras mulheres da época, cas. Manteve durante mais de 30 anos uma coluna no concerto ao piano diante do imperador, que, entu-
cada. Foi intérprete, dona de companhias teatrais,
colaboraram também com diversos jornais, muitas prestigiado periódico O País, na qual fazia campanhas siasmado, concedeu-lhe uma bolsa de estudos para a
dramaturga, compositora e maestrina.
vezes se servindo de pseudônimos. em defesa dos direitos femininos. Europa, onde ela exerceria a sua carreira de musicista
Entre as inúmeras artistas estrangeiras que, no século e compositora. Voltou ao Brasil em 1885, mas desilu-
A mineira Beatriz Brandão, autora de vários livros de É importante registrar que a exclusão das mulheres
XIX, elegeram o Rio de Janeiro sua cidade, desta- dindo-se com o meio musical do país, tornou-se atriz,
poesia e de um drama encenado durante a coroação dos círculos literários tradicionais teve como conse-
cam-se a prima-dona Augusta Candiani e a dançarina escritora e jornalista. Amélia de Mesquita, também
de D. Pedro I, foi cogitada, em 1850, aos 71 anos, qüência o florescimento de uma cultura informal de
francesa Maria Baderna. Augusta, que veio em 1843 pianista e compositora, além de organista, completou
para sócia-honorária do Instituto Histórico e Geográfi- vigor surpreendente. A imprensa dirigida e editada ex-
clusivamente por elas proliferou na segunda metade com a Companhia Italiana de Ópera, arrebatou as pla- seus estudos em Paris, e, de volta ao Rio de Janeiro,
co do Brasil, mas sofreu oposição dos escritores Gon-
do século XIX, quando se tornou espaço decisivo para téias como cantora lírica e tornou-se, pioneiramente, em 1886, com vinte anos de idade, acompanhou as
çalves Dias e Joaquim Manoel de Macedo pelo fato de
as reivindicações e luta pela emancipação feminina. compositora e intérprete dos lundus e modinhas bra- principais orquestras da época, apresentando-se nas
ser mulher. Esses escritores sugeriram o ingresso da
sileiras. Maria conquistou o público carioca na década salas de concerto da cidade sob a regência de impor-
poetisa na Academia de Letras – “quando esta viesse No teatro, entre as dezenas de artistas que movimen- de 1850, sobretudo os rapazes, que encantados com tantes maestros.
a ser criada”. A fundação da Academia Brasileira de taram as platéias do século XIX, destacam-se as pio-
suas performances, brigavam por sua atenção. Essas
Letras, no Rio de Janeiro, aconteceu em 1896, tendo neiras: Estela Sezefrida, atriz e bailarina que estreou Francisca Edwiges Neves Gonzaga, Chiquinha Gonzaga,
confusões perpetuaram o termo francês baderna na
a escritora carioca Júlia Lopes de Almeida participado aos 12 anos, em 1822, como corista no Constitucio- nasceu em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro.
língua portuguesa.
das reuniões preliminares, mas foi também precon- nal Fluminense, e Maria Ribeiro, primeira dramaturga Sua obra representou um divisor de águas na música
ceituosamente excluída da “nova” instituição. As a alcançar prestígio nos meios teatrais brasileiros. Desde 1827, foram criadas algumas associações brasileira. Escreveu dezenas de partituras teatrais,
de amparo e estímulo aos artistas do desenho e da operetas, revistas e compôs cerca de 2.000 peças.
pintura no Rio de Janeiro. Entre estas, encontra-se o Entre vários sucessos, foi autora do marco da música
registro da Sociedade de Pintores, fundada em 1831 carnavalesca, Oh, abre alas, feita para o cordão Rosa
por Constância Correia da Silveira, em sua residência, de Ouro, em 1899.
na rua dos Pescadores. Entretanto, as artes plásticas
Certamente a carioca Nair de Tefé encarnou exem-
ganharam impulso com os salões da Academia Real,
plarmente o espírito do século que estava para
mais tarde Escola Nacional de Belas Artes. O impera-
começar. Além de ter sido a primeira caricaturista
dor D. Pedro II era entusiasmado amante da pintura
Júlia Lopes Augusta Candiani brasileira – assinava Rian, anagrama de seu prenome
e desde que subiu ao trono, em 1840, as exposições
Narcisa Amália
Blanche Grau
–, cantava, escrevia e atuava, tendo formado a Troupe
tornaram-se constantes. Décadas depois, as cariocas Rian. Com 27 anos de idade, em 1913, casou com o
Estela Sezefrida Abigail Andrade e Ana da Cunha Vasco conquistavam o
MARIA RIBEIRO reconhecimento de seus talentos. Abigail conseguiu
presidente Hermes da Fonseca, tornando-se primeira
dama do país. Quebrou protocolos e escandalizou os
Maria Angélica de Sousa Rego nasceu em 1829, em Angra dos Reis. Aos 14 anos de idade, casou-se com seu professor de expor, com sucesso de crítica, nos Salões de Belas- meios políticos, ao introduzir a música popular e o
desenho, o cenógrafo João Caetano Ribeiro. Já nessa época colaborava com algumas revistas, adotando o pseudônimo de Artes de 1884 e 1885. A aquarelista Ana da Cunha teatro nos saraus dos Palácios do Catete e do Rio Ne-
Nenia Silvia. Em 1855, escreveu a primeira das mais de vinte peças que compõem sua obra dramática. Os temas principais Vasco estreou, com 13 trabalhos, na Exposição Geral gro. Em 1927, morando em Petrópolis, ingressou na
dos textos de Maria Ribeiro são a emancipação feminina e a abolição. Posicionou-se a favor da idéia de que o desquite não de Belas Artes de 1898, voltando a participar nas sete Associação de Ciências e Letras, atual Academia Pe-
significaria a perda das virtudes femininas e defendeu com muito sentimento a causa das mulheres negras escravizadas. mostras seguintes, sempre com telas que registravam tropolitana de Letras, da qual foi presidente de 1928
Pioneira da dramaturgia nacional, estreou com o texto “Gabriela”, em 1863, apresentada no Ginásio Dramático, um dos os bairros e recantos pitorescos do Rio de Janeiro. até 1932. Ao retornar para o Rio de Janeiro, fundou
Um Rio de mulheres

mais importantes teatros do Rio de Janeiro na época. Dois anos depois alcançou o sucesso com a peça abolicionista “Cancros
Sociais”, encenada no mesmo teatro. Foi aplaudida calorosamente pelo público e pela imprensa, merecendo os melhores Na música, Luísa Leonardo e Amélia de Mesquita fo- o Cinema Rian, na Praia de Copacabana. Faleceu no
comentários de Machado de Assis. A partir daí, Maria Ribeiro transformou-se numa autora de muito prestigio no meio ram dois dos grandes talentos cariocas do período dia em que completava 95 anos de idade, em 10 de
teatral, como até então nenhum outro nome feminino o fora. Faleceu com 51 anos, no Rio de Janeiro, em 1880. pré-republicano. Menina prodígio, Luísa Leonardo, junho de 1981. 55

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ra de diversos monumentos e bustos que embelezam levar várias peças para os subúrbios cariocas, per-
RASGANDO OS PANOS “A vida só é possível se o cenário urbano carioca. Margarida Lopes de Almeida, correndo depois outras cidades do país. Faleceu aos

Cândida Terra Ruckert reinventada....” Cecilia Meireles que além de escultora, foi considerada a maior ex-
pressão nacional na arte de declamar, tendo recebido,
50 anos de idade, em 1948 – ano em que surgia a
célebre companhia do Teatro Brasileiro de Comédia
nasceu em Cabo Frio, no
O século XX, não por acaso, é chamado o século das entre outras condecorações, a Legion d’Honner da – TBC.
dia 20 de dezembro de 1908,
mulheres. Com o passar das décadas, elas foram França. Nem o mais extenso dos palcos ou a mais ampla das
filha de Rosalina Trindade
e Antonio Garcia Terra, conquistando novos espaços de expressão e partici- A figura feminina de maior destaque na fotografia ar- telas poderia conter a totalidade das grandes intér-
líder político da região. Aos Joanídia Sodré
pação na vida pública, tendo as artes constituído um tística do país foi sem dúvida Hermínia Nogueira Bor- pretes, como Alda Garrido, Dercy Gonçalves, Dulcina
16 anos iniciou sua carreira dos principais caminhos emancipatórios. Os talentos ges, que filiou-se ao Photo Club Brasileiro, na década de Moraes, Bibi Ferreira, Elza Gomes, Ruth de Souza,
como atriz e cantora lírica. femininos projetaram-se, e não foram poucas as que de 1920. As vestimentas tornaram-se arte pelas mãos Tônia Carreiro, Fernanda Montenegro, Chica Xavier...as
Cândida ficou conhecida questionaram os cânones vigentes, impulsionando criativas das precursoras do estilismo brasileiro, Mena muitas Evas, Cacildas, Marias, Henriethes, Cleydes,
como uma mulher a frente verdadeiras revoluções nos hábitos e costumes das Fiala e Zuzu Angel. Rositas, Odetes, Nathalias, Beatrizes, Maras, Virgínias,
de seu tempo, principalmente brasileiras. Leas, Carmens, Célias, Zilkas, Elianas, Lolitas, Glórias,
para uma cidade do interior. A jornalista Eugênia Moreira e seu marido, impreg- Teresas, Nicetes, Lauras, Lilians, Aracis, Arletes, Rosas,
Magdalena Tagliaferro As diversas manifestações culturais: canto, dança, nados pelas aspirações que eclodiram na Semana Ionas, Joanas, Zezés, Dinas, Reginas, Sônias, Renatas,
Uma de suas primeiras
teatro, literatura, artes plásticas, fotografia, cinema e, de Arte Moderna, iniciaram no Rio de Janeiro um Marílias, Beths, Lucélias, Suzanas... e muitas, muitas
facetas, bastante censurada,
foi aparecer fumando em sobretudo, a música e a televisão – esta, a partir dos movimento de renovação do teatro brasileiro. Em outras atrizes que talentosamente incorporaram as
cena, num espetáculo anos cinqüenta – ganharam cada vez mais lugar de 1927, fundaram o Teatro de Brinquedos, o qual esta- alegrias e sofrimentos do cotidiano brasileiro. Entre
teatral. Como se nada a destaque no cotidiano de todos os segmentos sociais, va voltado para montagens de autores nacionais. De as dramaturgas que compuseram as cenas, está Maria
incomodasse, em 1926, além de determinarem boa parte da imagem do Brasil 1936 a 1938, Eugênia presidiu a Casa dos Artistas. Clara Machado, que além de atriz e autora inspirada,
com a chegada da primeira Georgina de Albuquerque no mundo. Seja qual for o gênero ou modalidade de Ainda nesse período, começou a implantar um projeto fundou o Tablado na década de 1950, espaço
agência Ford em Cabo Frio, apreciação artística, as mulheres fluminenses brilha- que visava a popularização do teatro, conseguindo que se transformou numa das mais impor-
ganhou do pai um automóvel ram e criativamente assinaram importantes capítulos
e, pioneiramente, passou a da memória cultural do país, contribuindo decisiva-
Chica Xavier
dirigir pela cidade. Cândida mente para a formação da identidade nacional.
foi também a primeira
Apesar dos inúmeros acervos e documentos disponí-
mulher a usar maiô na Bidu Saião
veis, seriam necessários anos, talvez décadas, de in-
praia do Forte. Por essas
vestigações e pesquisas aprofundadas para contextu- Ruth de Souza
atitudes foi muito criticada e
alizar e revelar satisfatoriamente as vidas e trajetórias
discriminada pela sociedade
local. Os comentários nunca das artistas que participaram da construção do amplo Zuzu Angel

a intimidaram, ao contrário. e diversificado mosaico cultural brasileiro no século Dercy Gonçalves

Sempre XX. No entanto, entre as centenas de talentos femini-


nos, é preciso, mesmo que telegraficamente, registrar Dulcina de Moraes
atuante, Adalgiza Nery
fundou alguns nomes do Rio de Janeiro. Das fluminenses por Bibi Ferreira
Márcia Haydee Maria Clara Machado
vários ranchos nascimento ou por opção, destacam-se:
Fernanda Montenegro
carnavalescos, Na música clássica: Joanídia Sodré, musicista, regente
criou o “Bloco e compositora que tornou-se a primeira mulher a diri- MULHERES DE BRONZE
da Candinha” gir o Instituto Nacional de Música, de 1946 a 1960;
e organizou Através da tese Mulheres de Bronze, da jornalista e pesquisadora Mariana
Magdalena Tagliaferro, pianista petropolitana que con- Varzea, é possível constatar que as estátuas de mulheres são em número
desfiles de
quistou grandes platéias no mundo; Cleofe Person de Ana Amélia Carneiro de Mendonça infinitamente menor do que as dos homens, na cidade do Rio de Janeiro. As
carnaval Lygia Clark
Matos, musicóloga e regente, que é considerada uma únicas personagens femininas contempladas pelo poder público formam um
pela
referência para os estudiosos da música. No canto lí- modesto conjunto composto por apenas dez obras de arte: sete bustos e três
cidade.
rico, as divas: Vera Janacopoulos, Gina Araújo, Carmem estátuas. São elas: Ana Amélia Carneiro de Mendonça - Praça Ana Amélia
Dona no Castelo, onde foi construída sob sua direção a Casa do Estudante do Brasil.
Cândida Gomes e Bidu Sayão, que desde menina foi apelidada
de “Pequeno Rouxinol”. Ana Nery - Praça Ana Nery, em frente ao Hospital da Cruz Vermelha, na
faleceu em Lapa, que a tomou como símbolo em suas campanhas assistenciais. Carmen
1998, dois Nas artes plásticas: Regina Veiga, que desde 1907, Gomes e Vera Janacopoulos, cantoras líricas que se encontram na Praça Paris.
Vera Janacopoulos
anos após o Djanira
expunha constantemente nos Salões Nacionais de Julia Lopes de Almeida e Chiquinha Gonzaga reinantes no Passeio Público,
“Solar Vila Belas Artes. Dedicou-se especialmente a pintura de primeiro espaço no Rio de Janeiro destinado aos vultos artísticos. Clarisse
Cândida”, Índio do Brasil, primeiramente nos jardins da Glória e depois no Largo dos
nus, causando um certo constrangimento nos críticos
construído por Leões, no bairro onde vivia a aristocracia carioca da “belle époque”, da qual foi
e público das galerias da época. Georgina de Albuquer- uma estrela. Carmen Miranda, inicialmente no Largo da Carioca num local
seu pai em sua
Um Rio de mulheres

que, primeira mulher a ocupar a direção da Escola Na- chamado o Tabuleiro da Baiana. Mais tarde o busto foi removido para engraçar
homenagem, ser cional de Belas Artes, de 1952 a 1954. Das gerações a rua com seu nome na Ilha do Governador. Imperatriz Leopoldina – Quinta da
demolido. Hermínia Nogueira Borges
seguintes: Djanira, Fayga Ostrower, Lígia Clark e Anna Boa Vista, em frente ao palácio onde morou com a sua família, e Zuzu Angel,
Bella Geiger. Na escultura: Adriana Janacopoulos, auto- Carmen Miranda Calrisse Índio do Brasil em São Conrado, onde perdeu a vida em um acidente de caráter duvidoso. 57

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tantes escolas de formação em teatro no Rio de Janei- Ainda nesse período, estréiam Nana Caymmi, za Nery, Lúcia Miguel Pereira, Clarice
ro. A crítica teatral conta com o olhar, a escuta e as Baby Consuelo e Clementina de Jesus, com Lispector e Nélida Piñon, que em 1996
observações de Bárbara Heliodora. seus 64 anos de idade. Os microfones flu- tornou-se a primeira e única mulher a
minenses continuaram a embalar as gera- ocupar a presidência da Academia Brasi-
As mestras russas foram co-responsáveis pela forma-
ções seguintes. Entre tantas e outras vozes
ção de grandes estrelas da dança no Brasil. A precur- leira de Letras. Da geração de 1970, Ana
e versos femininos revelados, estão a alma
sora foi Maria Olenewa, que vendeu suas jóias para Cristina César.
de Angela Rô Rô e o soul de Sandra de Sá.
financiar, em 1927, as primeiras instalações para o
MERCEDEZ BAPTISTA ensino de balé no país, a Escola de Danças Clássicas Através das letras, elas se multiplicaram e rein- Estas são algumas daquelas que utilizaram
ventaram vidas. Com a palavra: Julia Cortinez, as suas artes para manifestar os mais diver-
do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, oficializada
A bailarina Mercedez Ignácia da Gilka Machado, Carolina Nabuco, Ana Amélia sos sentimentos, revelar a beleza e expressar
Silva Krieger foi a primeira mulher somente em 1936. Seguiram-na Tatiana Leskova,
Eugenia Feodorova e Nina Verchinina. Eros Volusia, foi Carneiro de Medonça, Cecilia Meirelles, Adalgi- criativamente o tempo em que viveram.
negra a fazer parte do corpo
de baile do Teatro Municipal, certamente uma das maiores expressões da dança
ingressando através de concurso, brasileira. Na década de 1930, começou a revolucio-
em 1947. Menina pobre, teve que nar os cânones vigentes em sua arte e inovou ao criar
Alda Garrido
enfrentar, desde muito cedo, toda coreografias próprias. Outra bailarina que se dedicou
sorte de obstáculos para conseguir a pesquisas de lendas brasileiras foi Felicitas. Viveu
realizar parte do seu sonho anos com os indígenas e, em 1948, criou o “1º Ballet
maior, dançar. Adotou o nome Folclórico do Brasil”, composto para dançarinas(os)
de Mercedez Baptista e seguiu negras(os). Entre as muitas bailarinas fluminenses
lutando corajosamente contra os
que tiveram seu talento projetado internacionalmente:
preconceitos.
Marcia Haydée, Berta Rosanova, Dalal Achcar, que fun-
Na década de 1950, sua carreira dou a Associação de Balé do Rio de Janeiro, em 1956, A partir de então, foi gradativamente alcançando o
deu uma guinada quando da e Ana Botafogo.
LIA MITTARAKIS
reconhecimento de sua arte e seus quadros foram sendo
vinda da mestra norte-americana incluídos em importantes acervos, como: do Museu do
Na década de 1950, surge nas noites cariocas a Bos- Lia Mittarakis, nasceu a 28 de julho de 1934, no bairro
Katherine Dunhan ao Brasil. Vaticano, Museu de I’lle de France, Museu de Milão,
sa Nova, que consagra Silvinha Telles e Nara Leão. Ao da Lapa, no Rio de Janeiro, de onde saiu ainda criança
Mercedez ganhou uma bolsa de Museu de Belas Artes – Rio de Janeiro, Palácio de Mônaco,
para ir morar em Paquetá. Descendente de gregos, perdeu
estudos dessa professora, indo viver mesmo tempo que o estúpido cupido do rock à brasi- Instituto Brasileiro do Café – Nova Iorque, Museu
a mãe aos 2 anos de idade e o pai aos 10. Foi criada pelos
em Nova York, onde se dedicou as leira, chegava no balanço da paulista Celi Campelo. Já Internacional de Arte Naïf do Brasil, Organização das
avós maternos, sendo educada em regime de internato
danças de origem africana durante nos anos 60, começam a soar os tons baiano-cariocas Nações Unidas – ONU e coleções particulares espalhadas
num colégio de freiras espanholas. Aos onze anos, começou
dois anos. do Tropicalismo, projetando Maria Betânia e Gal Costa. a pintar, atividade que iria consagra-la. Seus primeiros pelo mundo.
Ao voltar para o Rio de Janeiro, trabalhos foram painéis de fundo de altar, cortinas de Lia levou cinco anos para concluir o maior quadro de arte
reintegrou-se ao Teatro Municipal, sacrário, santinhos de pergaminho e as telas já retratavam primitiva do mundo – quatro por sete metros – o qual
porém, sentindo-se excluída, Paquetá, referência constante em sua obra. representa toda a cidade do Rio de Janeiro, onde a tela está
decidiu divulgar e promover o Em 1964, ficou viúva e as necessidades financeiras levou exposta no Museu de Arte Naif do Brasil, no Cosme Velho.
que havia aprendido nos Estados Lia a resgatar seu talento e criatividade da infância. Foi Essa carioca, paquetaense de coração, chegou à capa da
Unidos. Abriu sua própria Cecília Meirelles vendendo seus quadros nas ruas e depois no pequeno atelier, revista Time Internacional, feito conquistado apenas por
escola, Academia de Danças que criou e educou suas duas filhas: Magda e Mariângela. cinco grandes artistas plásticos do mundo.
Eros Volúsia
Étnicas Mercedez Baptista, Ainda nesta década, foi descoberta por um marchand Vítima de diabetes, já quase sem visão, pintou sem a
tornando-se grande precursora inglês, que lhe propôs um contrato, no qual ela receberia precisão de detalhes, o seu último quadro, no qual retratou a
da dança afro no Brasil. Em suas mensalmente por sua produção artística. Fez sua primeira Festa de São Roque, a mais tradicional da Ilha de Paquetá.
coreografias utilizou diferentes exposição no exterior, em 1969, na mostra “Artistas Faleceu aos 64 anos de idade, em março de 1998.
ritmos do folclore brasileiro, como Primitivos”, em Bratislava.
o maculelê, o maracatu, o samba Clementina de Jesus
e o forró. Montou inúmeros
espetáculos baseados nas lendas
africanas, nos quais através dos
passos dos orixás resgatava a
grandiosidade da cultura negra.
D. Mercedez esteve a frente de sua Gilka Machado Calrice Lispector
Academia até 1997, quando foi
obrigada a parar por problemas
O Bello Sexo fará o
de saúde. bairro ou o bairro fará
o Bello Sexo?
Um Rio de mulheres

Caricaturas de J. de
Mendonça – 1910

Ana Botafogo
Nara Leão Nélida Pinon
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ENTRE COBRAS E LAGARTOS
A capixaba Dora Vivacqua nasceu em 1917, numa família numerosa, rica e influente. Aos 15 anos de idade, perdeu o pai
assassinado. A partir daí, amargou inúmeros conflitos familiares, sendo assediada por um dos cunhados e internada por duas
vezes em hospitais psiquiátricos. Sua mãe, irmãos e irmãs não suportavam o temperamento livre de Dora. Em 1937, foge
para o Rio de Janeiro, onde juntou-se ao seu amante, que havia conhecido em estada anterior. O casal vivia no glamour
da alta sociedade carioca e, entre algumas atividades, ela passa a freqüentar a academia de dança de Eros Volúsia.
D. Ivone Lara D. Zica Decidida a ser artista, criou uma performance sensual com serpentes e estreou no Circo Pavilhão Azul, apresentando-
se também em outras lonas nos subúrbios cariocas. Apesar dos teatros não aceitarem o tipo de espetáculo que Dora
fazia, o interesse do público aumentava, todos queriam ver a mulher que dançava nua com as cobras. Nessa fase
adotou o pseudônimo Luz del Fuego, nome de um batom argentino recém lançado na época. Em 1947, publicou
a autobiografia “Trágico Black-Out”, na qual criticou veementemente a sociedade, que ela julgava conservadora e
hipócrita.
Nos anos 50, Luz del Fuego tornou-se a atração maior do carnaval carioca. Resolveu tentar a política, candidatando-
se pelo Partido Naturalista Brasileiro, que nem ao menos era registrado. Os únicos resultados colhidos com essa
D. Neuma empreitada foram os escândalos e as multas que pagou por atentado ao pudor, pois fazia comícios seminua nas
escadarias do Teatro Municipal. Montou sua própria companhia teatral e publicou seu segundo livro, “A Verdade
Nua”, com o qual fez mais inimizades. Apesar dos fortes protestos da igreja católica, montou na Ilha do Sol, na
Essas senhoras exerciam uma liderança decisiva no
CONFETES E SERPENTINAS DE UM cotidiano da comunidade afro-carioca. Entre elas: Tia
Baia de Guanabara, o primeiro clube de nudismo da América Latina. Recebeu a visita de várias personalidades
CARNAVAL QUE PASSOU... internacionais, em sua fase áurea, de 1956 a 1961, chegou a ter 240 afiliados.
Gracinda, Tia Sadata, que foi a fundadora do Rancho
da Sereia, Tia Dadá, Tia Amélia e Tia Presciliana. Entrou em decadência e foi assassinada por dois pescadores em 1967, tendo um deles dito à imprensa:
Nas primeiras décadas setecentistas, os colonizadores Dessas senhoras, a mais conhecida e reverenciada foi “Aquela puta preferiu me escorraçar a receber os meus carinhos.”
portugueses introduziram no país os festejos quaresmais, Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, que chegou ao
denominados “entrudos”, nos quais as pessoas, sobretudo Rio de Janeiro por volta de 1870, com 20 anos de idade. Os
a população que transitava diariamente pelas ruas, se estudiosos afirmam que foi em sua casa que nasceu o samba
emporcalhavam mutuamente, jogando água e farinha carioca.
umas nas outras. Ao longo dos séculos, essas manifestações O primeiro desfile de escolas de samba, ainda extra-oficiais, Luz del Fuego
urbanas foram transformando-se no célebre carnaval aconteceu em 1932, na Praça Onze. Trinta anos depois,
brasileiro da atualidade. em 1962, após várias mudanças de endereço, aportou na
Em meados do século XIX, parte da sociedade reivindicava Av. Rio Branco, onde pela primeira vez foram montadas
brincadeiras carnavalescas menos agressivas e sem muita arquibancadas e colocados à venda ingressos para cerca
de 3.500 pessoas. Em 1984, a Passarela do Samba foi
sujeira. Foi então que em 1840, a proprietária de um
Hotel no Rio de Janeiro promoveu o primeiro baile de
inaugurada, transformando-se no lugar definitivo para os AS TRÊS MOSQUETEIRAS NA DEFESA DAS ARTES
desfiles cariocas.
carnaval da cidade, popularizando as sofisticadas festas
Laurinda Santos Lobo, Laura Alvim e Gabriela Bezanzoni Lage, três mulheres com histórias
de máscaras realizadas somente para a nobreza durante
o primeiro reinado. As cadências que animavam o salão
E SAIRAM POR AÍ... semelhantes. Foram verdadeiras locomotivas culturais do Rio de Janeiro, promoviam inesquecíveis saraus e
apoiavam artistas e intelectuais das primeiras décadas do século XX.
eram as polcas, mazurcas, valsas e o maxixe, único ritmo Do coração dos núcleos de criação do carnaval surgem
tipicamente brasileiro tocado nas festas. Em 21 de fevereiro duas compositoras, também cantoras: D. Ivone Lara, que O cronista João do Rio a chamou de Marechala da Elegância, pois Laurinda era o símbolo do bom
de 1846, a atriz e cantora italiana Clara Delmastro em 1947 tornou-se a primeira mulher a compor um samba gosto e exuberância na belle époque carioca. Detentora de um elevado prestígio social e político,
organizou um bem-sucedido baile a fantasia no Teatro enredo, e Lecy Brandão. atuou tanto na promoção das artes, quanto na defesa dos direitos das mulheres. Sua residência, no
São Januário. Compareceram mais de mil casais de foliões bairro de Santa Teresa, foi um ponto de encontro das celebridades daquele período. Atualmente, a
A Estação Primeira de Mangueira celebrizou duas
mascarados e durou até altas horas da madrugada. O mansão abriga o Centro Cultural Laurinda Santos Lobo.
de suas lideranças: Neuma Gonçalves e Euzébia
sucesso desse evento transformou definitivamente o conceito Silva Nascimento - Zica, que além de desenvolverem Em 1900, nascia Laura Alvim, filha de uma influente família carioca. Tentou seguir a carreira
dos festejos de carnaval. A partir dessa época as mulheres importantes trabalhos sociais na comunidade, escreveram artística, porém, a oposição dos pais e os fortes preconceitos da época impediram-na de subir aos
“de família”, até então proibidas de participar dos entrudos, seus nomes em verde e rosa na história do carnaval carioca. palcos. Diante dessas pressões, decidiu transformar sua casa em uma espécie de teatro, onde além
marcaram presença nos bailes cariocas. de se apresentar, promovia grandes festas de apoio aos “novos” talentos. Aos 83 anos de idade,
A carnavalesca Rosa Magalhães é a responsável pela
cinco meses antes de falecer, doou ao estado do Rio de Janeiro seu casarão na Av. Vieira Souto, em
conquista de cinco títulos de campeã para Imperatriz
AS PARTEIRAS DO SAMBA Leopoldinense.
Ipanema. Com isso, oficializou seu antigo desejo de fundar o Centro Cultural Laura Alvim, que
atualmente representa um dos pólos de difusão de arte e cultura da cidade.
No começo do século XX, o célebre matriarcado da As escolas de samba do Rio de Janeiro, sobretudo a partir
comunidade negra reunia talento, fé e criatividade nas Nos anos 20, a contralto Gabriela Bezanzoni Lage recebeu uma prova de amor de seu marido,
dos anos 90, realizam, em duas noites por ano, um dos
imediações da Praça Onze. Algumas senhoras baianas, Henrique Lage, que construiu um palacete para ela em sua chácara, no bairro do Jardim Botânico.
maiores espetáculos da terra. São cerca de 50.000 foliões,
Gabriela fundou ali, em 1936, a Sociedade do Teatro Lírico Brasileiro. Durante as duas décadas
chamadas de tias, moravam em casarões, onde promoviam entre mulheres e homens, que desfilam para uma platéia
Um Rio de mulheres

seguintes, promoveu regularmente festas e saraus espetaculares na mansão. Faleceu em Roma, aos
festas que chegavam a durar uma semana. Eram bailes de milhares de pessoas, sendo vistos por dezenas de milhões
72 anos de idade. Em 1966, foi regulamentada a transferência do antigo Instituto de Belas Artes
nas salas de visita, samba de partido alto nos fundos e de telespectadores, tanto no Brasil como em várias outras
– atual Escola de Artes Visuais – para o local, que passou a se chamar Parque Lage, considerado
batucadas nos terreiros. partes do mundo.
um dos mais belos cenários do Rio de Janeiro. Laurinda Santos Lobo 61

60
no premiado
LUZ, CÂMARA E BATOM “O pagador de
promessas” de
A primeira sessão de cinema no Brasil ocorreu no Rio de
Anselmo Duarte,
Janeiro, numa pequena loja na rua do Ouvidor, a 8 de julho
indo trabalhar no
de 1896. A exibição do omniographo, aparelho que imitava Carmem Santos
cinema italiano,
o cinematógrafo inventado pelos irmãos Lumière um ano
entre 1962 e
antes em Paris, encantou o público carioca, que prestigiou
LOTA DE MACEDO SOARES a exibição de imagens animadas e sonorizadas. A partir de
1964. De volta ao
Brasil, continuou
Nascida em 1910, em então, as fluminenses esperaram mais de três décadas até
nas telas,
Paris, na França, era filha passarem para trás das câmaras. Um breve retrospecto da
sendo dirigida
de uma ilustre família carreira de algumas cineastas permite que se entreveja a
por cineastas Gilda Abreu
fluminense. Lota teve uma trajetória feminina na direção de filmes.
consagrados
educação aprimorada e foi A participação das mulheres, sempre presente nas telas, como Gláuber Rocha. A partir de 1979,
autodidata em urbanismo. destaca-se nos bastidores pela atuação de Cleo de realizou alguns curtas documentários e dirigiu seu primeiro
Conhecendo de perto o Verberena, atriz e diretora de “O mistério do dominó filme, “Eternamente Pagu”, em 1987; seu segundo longa-
bom gosto e o talento de negro”, de 1930, e Carmem Santos, uma das mais atuantes metragem foi “O guarani”, em 1996, adaptação da obra de
Lota para a concepção personagens femininas do cinema brasileiro. José Alencar.
de espaços públicos, e
cumprindo uma promessa A portuguesa Carmem Santos (1904-1952) veio ainda Atriz e diretora carioca, Carla Camuratti estreou cedo
de campanha, Carlos criança para o Rio de Janeiro, onde tornou-se atriz e como atriz na televisão. Em 1981, aos vinte e um anos de
Lacerda, governador LEILA DECRETOU A LIBERDADE atuou em importantes filmes no período do cinema mudo, idade, fez sua primeira participação no cinema, atuando
do então estado da participando ainda, ao lado de Adhemar Gonzaga, Pedro no filme “O olho mágico do amor”, com o qual conquistou
Guanabara, nomeou- Leila Diniz nasceu em 25 de março de 1945, em Lima, Humberto Mauro e outros, da luta pela implantação o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de
a, em 20 de janeiro de Niterói. Com poucos meses de vida ficou órfã de mãe e de uma indústria de cinema no país. Na década 1930, Gramado. Seis anos depois, na mesma competição, recebeu
1961, para assessorar, com 15 anos resolveu sair de casa, indo trabalhar como Carmen Santos produziu longas metragens, documentários o Kikito de melhor atriz por seu trabalho em “Eternamente
sem ônus para o governo, professora de pré-primário para sobreviver. Foi casada e jornais de atualidades, além de construir um dos Pagu”. Nesse mesmo ano, realizou o curta “A mulher fatal
o Departamento de duas vezes e mãe de uma única filha. Estreou como primeiros estúdios do país, a Brasil Vita Filmes. Dirigiu encontra o homem ideal”, obtendo o prêmio de melhor
Parques da Secretaria- atriz no teatro e fez parte do elenco da TV a superprodução “Inconfidência Mineira”, interpretando direção na categoria no Festival de Brasília. Dirigiu seu
Geral de Viação e Obras Globo, onde trabalhou em doze novelas, também o papel de Marilia de Dirceu, lançada em 1948. primeiro longa em 1994, “Carlota Joaquina”, princesa do
e a Superintendência alcançando projeção nacional com alguns Brasil, considerado um marco do ressurgimento do cinema
Na década de 40, surgiu a célebre Gilda de Abreu
de Urbanização e de seus personagens. No cinema atuou nacional, alcançando mais de um milhão de espectadores;
(1904-1979) , que estudou no Conservatório Nacional
Saneamento (Sursan). em 14 filmes, transformando-se na musa em seguida, ela dirigiu a ópera “La serva padrona”, em
de Música, no Rio de Janeiro, tornando-se cantora lírica.
Coube a Lota a do Cinema Novo. 1997, e “Copacabana”, em 2001, uma visão romântica do
Aos vinte e dois anos, em 1926, estreou como atriz em
responsabilidade de Viveu a efervescência cultural e “Bonequinha de seda”, de Oduvaldo Vianna. Ela escreveu famoso bairro sob a ótica de um velho morador.
projetar a urbanização política dos anos 60 e defendeu o argumento do filme “Chico Viola não morreu” e teve A produção feminina de cinema das últimas décadas vem
das áreas decorrentes do sobretudo a liberdade. Com sua seu romance “Mestiça” transposto para as telas do cinema se diversificando. Nesse conjunto, tem lugar para as mais
aterro do Flamengo e de peculiar autenticidade enfrentou, sem por Lenita Perroy, em 1973. Em 1946, dirigiu o cantor distintas vertentes, dos filmes engajados, como o biográfico
Botafogo, hoje um dos levantar bandeiras, os preconceitos Vicente Celestino, seu marido, no filme “O ébrio”, um dos “Que bom de ver vida”, de 1989, de Lúcia Murat, um
mais belos cartões postais de sua época. Abordava os temas maiores sucessos do cinema brasileiro de todos os tempos. contundente documento sobre mulheres torturadas pela
do Rio de Janeiro. tabus com muita espontaneidade, Ela dirigiria mais dois longas metragens, “Um pinguinho de ditadura militar e os documentários de Tetê Moraes sobre
Rompendo com os falava palavrões publicamente gente”, de 1949, e “Coração Materno”, em 1951, e o curta- a saga de uma mulher em meio ao movimento dos sem-terra
preconceitos de sua e posicionava-se abertamente metragem “Canção de amor”, de 1977, sobre a carreira de – “Terra para Rose”, de 1987, e “O Sonho de Rose”, de
época, viveu vários anos sobre questões políticas e sexuais. Vicente Celestino. 2000; às comédias românticas como “Pequeno Dicionário
com a poetisa norte- Em 1969, abriu o verbo numa Amoroso”, de 1996, e “Amores Possíveis”, de 2000, de
Norma Bengell começou como cantora e dançarina
americana Elisabeth entrevista ao irreverente jornal “O Sandra Werneck, e o “O casamento de Louise”, de 2000,
do teatro de revista, nos famosos shows produzidos por
Bishop. Após uma ruptura Pasquim”. A repercussão desta de Betse de Paula.
Carlos Machado no Rio de Janeiro. Com vinte e quatro
desse relacionamento, matéria fez com que Alfredo
anos de idade estreou como atriz no filme “O O surgimento das novas tecnologias digitais vem ampliando
viajou para Nova Buzaid, ministro da justiça de
homem do Sputinik”, em 1959. as oportunidades de inserção das mulheres na produção
York,na tentativa de uma então, criasse a lei de censura prévia,
Nos anos seguintes, participou audiovisual, permitindo que elas ocupem hoje, sem
reconciliação, e lá faleceu, apelidada de decreto Leila Diniz. Ainda por esse
de diversos longas e projetou-se distinção, os mais variados postos técnicos, artísticos e de
em 27 de dezembro de motivo, foi perseguida pelos militares e excluída
internacionalmente por sua atuação gerência, no cinema, na publicidade e na televisão.
1967, em circunstâncias dos elencos televisivos.
mal esclarecidas. Aos 27 anos de idade, em 1972, viajou para o
Um Rio de mulheres

festival de Adelaide na Austrália, onde foi receber


o prêmio de melhor atriz pelo filme “Mãos Vazias”. Norma Bengell
Faleceu quando voltava para o Brasil, o avião em que
estava explodiu nas cercanias de Nova Délhi. 63

62
Maria Beatriz
Roquette-Pinto,
primeria locutora do
rádio brasileiro

Emilinha Borba
Dalva de Oliveira
Ângela Maria
Vera Lúcia
Dóris Monteiro

Os fã-clubes cresceram, formando verdadeiras torcidas Ângela Maria, apelidada de Sapoti pelo presidente Getúlio
organizadas, e a disputa pelo título de Rainha do Rádio Vargas, nasceu em Macaé e foi a vencedora de 1954,
tornou-se super acirrada em 1949. A carioca Emilinha tornando-se uma das mais queridas cantoras do país.
dois anos de idade, em 1911, para o Borba, principal estrela da rádio Nacional, concorria como Durante essa década, destacaram-se também as cariocas:
MULHERES DO RÁDIO Rio de Janeiro. Começou a cantar grande favorita quando Marlene entrou no páreo com Nora Ney, Alaide Costa, Carmélia Alves, conhecida
nas rádios cariocas em 1929 e, força total. Nessa época a votação já era feita através de como a rainha do baião, Carmem Costa, Leny Andrade e
A primeira transmissão oficial de rádio no Brasil ainda Dóris Monteiro, eleita Rainha do Rádio em 1956.
na década de 1940, transformou- cupons encartados nas principais revistas especializadas,
aconteceu no dia 7 de setembro de 1922, como parte das
se em um mito internacional ao
comemorações do centenário da independência. Uma como “Radiolândia” e “Revista do Rádio”, e cada candidata Elza Soares nasceu em 23 de junho de 1937. Cresceu na
conquistar Hollywood com seus
estação instalada pela Westinghouse Eletric Company ia incorporando o perfil esperado pelo seu público e favela de Água Santa no subúrbio carioca, onde desde
múltiplos talentos.
colocou no ar o discurso inaugural do presidente da projetado pelas rádios. Emilinha mantinha a imagem de menina impressionava o morro com a sua característica voz
república Epitácio Pessoa. Em seguida, a população A cantora Zézé Fonseca estreou dona-de-casa, esposa e mãe exemplar, enquanto Marlene roca. Casou obrigada aos 12 anos de idade, foi mãe aos 13
fluminense que se encontrava próxima a um dos aparelhos na rádio Philips, em 1932, no e aos 21, já viúva, entrou para rádio Mauá, onde trabalhou
era a moça que saíra de São Paulo para cantar em cassinos
espalhados pelas praças públicas do Rio de Janeiro, Niterói “Programa Casé”, um dos mais de graça até conseguir ser contratada pela Tupi. Dona
populares da época. Tornou- se e boates do Rio de Janeiro, possuindo um repertório mais
e Petrópolis ouviu maravilhada a execução da ópera “O Linda e de uma trajetória peculiar, conseguiu dar voltas por cima
uma das pioneiras das radionovelas, sendoDircinha audacioso. A rivalidade fomentada pelos fã-clubes e pela nas várias fases difíceis que atravessou, sendo atualmente
Guarany”, transmitida diretamente do Teatro Municipal.
considerada a melhor radioatriz Batista rádio Nacional contagiou a população, que elegeu Marlene considerada uma das maiores interpretes da música
Nos anos seguintes, foram inauguradas as primeiras durante décadas. para dois mandatos consecutivos, até 1951. brasileira.
emissoras do país, que tinham uma programação erudita
e educativa. Pouco a pouco, a música clássica foi sendo Em 1937, Linda Batista foi eleita a Nos concursos seguintes, foram eleitas Dalva de Oliveira, O advento da televisão na década de 1950 representou o
substituída e o rádio transformou-se no maior veículo de primeira Rainha do Rádio, mantendo o intérprete de “Ave Maria”, e Mary Gonçalves, até que, em declínio dos programas de auditório, que gradativamente
difusão da música popular. título por 11 anos, até 1948, quando passou 1953, Emilinha finalmente obteve a coroa, com mais de um foram sendo adaptados, já nos anos 60, para esse “novo
a coroa para sua irmã Dircinha Batista. O milhão de votos. veículo”.
Entre as mulheres que informaram diferentes gerações, primeiro programa de auditório, o “Caixa de
encontra-se a carioca Maria Beatriz Roquette-Pinto, perguntas”, estreou em agosto de 1938 e, nas
primeira locutora de rádio no país. Elza Carmem
décadas seguintes, transformou-se numa
Soares Costa
verdadeira coqueluche. O sucesso foi tão
Já no início dos anos 30, as várias emissoras do Rio de
grande que algumas rádios começaram a
Janeiro disputavam a preferência dos ouvintes brasileiros e,
cobrar ingressos, o que serviu também para selecionar
ao longo de três décadas, revelaram e ajudaram a consolidar
a platéia, freqüentemente acusada de deseducada, em vista
a carreira de grandes vozes femininas. Entre as dezenas
dos gritos e desmaios provocados pela aparição dos astros.
de cantoras, destacam-se: Araci de Almeida, Aurora Elizeth
Zilda do Zé
Miranda, Marília Batista, Em 1940, o programa Cardoso
Elisete Cardoso, Helena de Ari Barroso na rádio
de Lima, Claudete Soares Marília Dolores Tupi, “Calouros em
e Zilda do Zé, que também Batista Duran Desfile”, revelou uma das
compunha. intérpretes e compositoras
A pequena notável Carmem mais reverenciadas da
Miranda representou um MPB: Dolores Duran,
capítulo a parte na história que começava ali, com
das divas brasileiras. Nasceu apenas dez anos de idade,
em Portugal e veio com apenas sua meteórica carreira.
Um Rio de mulheres

(da esq. para direita)


Marlene, Nora Ney e
Carmélia Alves

65

64
Direito só para alguns As mulheres se organizam...
A conquista do sufrágio feminino resultou de um No começo do século XX, muitas iniciativas foram
processo iniciado antes mesmo da proclamação da pipocando Brasil afora, como estratégias de pres-
República. Embora as duas primeiras Constituições são para enfrentar os preconceitos que cerceavam o
Brasileiras, de 1824 e de 1891, não mencionassem exercício pleno da cidadania feminina. Nesta época
as mulheres no rol dos excluídos ao voto, estas ainda a baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que viveu a
tiveram que lutar por mais de 40 anos para ter esse maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, ocupou
direito assegurado. ousadamente a cena política em defesa dos índios e
Dois episódios são bastante ilustrativos das resistên- das mulheres.
cias encontradas pelas mulheres. O primeiro deles Considerada a grande precursora do feminismo no
aconteceu em 1885, quando a gaúcha Isabel de Sousa Brasil, Leolinda vivenciou toda sorte de perseguições
Matos, uma cirurgiã dentista, requereu o alistamento e foi alvo da imprensa que, por muitas vezes, se
Federação Brasileira pelo eleitoral. Seu pedido estava amparado pela Lei Sarai- dedicava a criticá-la e ridicularizá-la por suas idéias
Progresso Feminino – Recreio va, que garantia o direito de voto aos portadores de vanguardistas. Em protesto, ao ter o seu alistamen-
dos Bandeirantes 1930
títulos científicos. Isabel conseguiu ganhar a demanda to eleitoral recusado, fundou no Rio de Janeiro, em

Quando o passado
judicial em segunda instância. Com o advento da Re- dezembro de 1910, o Partido Republicano Feminino,
pública e a convocação de eleições para a Assembléia cujo objetivo era mobilizar as mulheres na luta pelo
Constituinte, Isabel, que na época estava morando no direito ao voto. Para tanto, contou com o apoio da
Rio de Janeiro, procurou a Comissão de Alistamento primeira dama Orsina da Fonseca e de outras cariocas
Eleitoral para fazer valer a sua conquista. Diante do como a poetisa Gilka Machado.

o presente
fato inusitado de uma mulher pleitear o direito de se
O Partido Republicano Feminino foi um movimento
alistar, a comissão pediu um parecer ao Ministério de
pioneiro na luta das mulheres brasileiras em prol do
Interior, que fez uma negativa contundente: julgou ab-
sufrágio. Dentre suas estratégias políticas de mobi-
solutamente improcedente a reivindicação de Isabel
lização e convencimento promoveu, em novembro
de Matos.
de 1917, uma marcha pelas ruas do centro do Rio
A conquista do voto feminino e a participação política das mulheres A segunda iniciativa foi de uma outra Isabel. Na Cons- de Janeiro, com a participação de cerca de noventa
tituinte de 1891, a baiana Isabel Dillon apresentou-se mulheres. A rebeldia de Leolinda Daltro e suas com-
Quando a seção eleitoral foi aberta, em 2002, como candidata a deputada, tornando-se a primeira panheiras chamou a atenção da imprensa, provocou
mulher na história do Brasil a reivindicar esse direito, polêmica e deu visibilidade à condição feminina no
Maria, uma jovem de 17 anos, dirigiu-se a uma
sob o argumento de que a lei eleitoral vigente não Brasil. Ela também foi a primeira feminista brasileira
urna eletrônica com a firmeza característica de excluía as mulheres, uma vez que a mesma assegu- candidata às eleições municipais, em 1919. Entre-
quem experimenta tudo pela primeira vez e sabe rava o direito de voto aos maiores de 21 anos que tanto, teve seu registro negado.
que terá mil chances para seguir experimentando no soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao
futuro. Ela digitou os números de seus candidatos e A partir de 1920, vários grupos se formam no país,
sexo do eleitor. Ela tornou pública a sua candidatura e
sob o nome de Ligas para o Progresso Feminino. No
candidatas e apertou a tecla CONFIRMA. Pronto, como plataforma eleitoral assumiu defender a ampla
ano 1922, a líder dessa vertente sufragista, Bertha
em menos de um minuto a garota havia votado para liberdade de credo religioso e de pensamento e a apro-
Lutz, trouxe ao Brasil lideranças feministas interna-
deputados, senadores, governador e presidente da vação de leis que protegessem a criança, a mulher e o
cionais e coordenou a organização do I Congresso
República do Brasil. O que Maria nem imagina é operariado nascente. Vetada, não conseguiu sequer se
Internacional Feminista, ocorrido no Rio de Janeiro.
alistar para votar.
que, 70 anos atrás, esse direito lhe teria sido negado Nessa mesma ocasião, consolidou-se a criação da Fe-
e que foi preciso muita luta para conquistá-lo. deração Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF),
unindo em torno de si as ligas estaduais. A FBPF teve

O
um papel central na mobilização das brasileiras, na
Os avanços no campo social e a conquista dos direitos ocupação de espaços na imprensa, na luta pelos direi-
civis hoje vivenciados pelas mulheres são resultado do tos políticos das mulheres e na conquista do sufrágio
esforço individual e coletivo de milhares e milhares de feminino.
brasileiras que, inconformadas com a sua condição, Bertha Lutz, Almerinda Gama, Carmem Portinho, Josefina
se rebelaram contra a situação estabelecida. Foram Alvares de Azevedo, Jerônima Mesquita, Maria Luisa
índias contra a violência imposta pelos colonizadores, Bittencourt, Chiquinha Gonzaga, Ana Amélia Carneiro de
Um Rio de mulheres

negras contra a escravidão e brancas contra as limita- Mendonça, Maria Eugênia Celso, Júlia Lopes de Almeida,
ções que as confinavam ao mundo privado. Natércia da Silveira e tantas outras feministas foram
constatando, com indignação, que o engajamento
67

66
nas lutas políticas e suas conquistas no campo da
educação não foram suficientes para que os poderes
VOTO NO MUNDO
constituídos reconhecessem seus direitos enquanto A Nova Zelândia
cidadãs. Lideradas por Bertha Lutz iniciaram uma foi o primeiro
campanha aguerrida em várias frentes e cidades, país do mundo
usando a imprensa, as galerias da Câmara Federal, a permitir o
seminários, debates, manifestações artísticas e até direito de voto
panfletagem aérea, para sensibilizar os congressistas às mulheres, em
e ganhar a simpatia da população para a causa que 1893, o que deu
defendiam. grande impulso
TEATRO ENGAJADO ao movimento
Demonstrando grande habilidade política e capacida- sufragista de
Josephina Álvares de de articular alianças, foram conseguindo adesões outros países.
de Azevedo nasceu em vários espaços e cidades . Foi assim que, em Federação Brasileira pelo
em 1851, em Itaboraí 1927, a Lei Eleitoral do Rio Grande do Norte con- Progresso Feminino – 1939
(RJ). Foi feminista, cedeu o direito de voto às potiguaras, possibilitando
jornalista, diretora do que Celina Guimarães Viana e Júlia Alves Barbosa se
jornal A Família e uma tornassem as primeiras eleitoras do Brasil e, em
das primeiras brasileiras
1928, Alzira Soriano se tornasse a primeira prefeita
a lutar pelo direito ao
da América Latina.
voto. Escreveu uma peça mandato de Deputada Federal na vaga deixada pela
teatral chamada Voto Com a brecha provocada pelas norte-rio-grandenses,
Uma outra luta iria começar: morte do titular, em 1936. A carioca Ana Amélia
Feminino, encenada
durante os trabalhos
ainda que seus votos tenham sido cassados, muitas
mulheres continuaram insistindo no desejo de exercer
Eleger as mulheres …. Queirós Carneiro de Medonça tornou-se a primeira
mulher membro de um Tribunal Eleitoral no país, fa-
constituintes de 1890- esse direito. Em 15 de novembro de 1928, a mineira zendo parte da mesa apuradora nessas eleições.
Dando continuidade à ação política da FBPF, no final
91, no Rio de Janeiro.
Miêtta Santiago conquistou a autorização para votar, e de 1932 foi fundada a Liga Eleitoral Independente
A peça apropriava-se, Em todo o Brasil, nove mulheres foram eleitas em
a capixaba Emiliana Emery Viana, em 15 de julho de do antigo Distrito Federal (atual cidade do Rio de Ja-
numa linguagem cênica, 1934, sendo a maioria delas integrantes da FBPF. As
do parecer contrário do 1929, numa sentença histórica, se tornou a primeira neiro), que tinha como objetivo promover a campanha primeiras deputadas estaduais do Brasil são: Maria
ministro do Interior, eleitora do Espírito Santo. eleitoral das feministas para a Assembléia Nacional Luiza Bittencourt, pela Bahia; Lili Lages, por Alagoas;
Cesário Alvim, ao Em 1931, Bertha Lutz fez parte da Comissão encar- Constituinte, cujo pleito seria realizado no inicio de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, por Sergipe; Maria do
pedido de alistamento regada de elaborar o novo Código Eleitoral Brasileiro, 1933. Céu Fernandes, pelo Rio Grande do Norte; Maria Tereza
eleitoral feito por Isabel tendo que enfrentar muitas polêmicas entre os inte- Nogueira de Azevedo e Maria Teresa Barros de Camargo,
Concorrendo pelo Partido Autonomista, Bertha se
de Matos, e também do
grantes do grupo, pois os mesmos tinham posições lança candidata; porém, diante do pesado jogo polí- por São Paulo; Zuleide Bogéa e Rosa Castro, pelo Mara-
artigo de um congressista
antagônicas sobre o direito de voto às mulheres. Em tico, não conseguiu eleger-se. A Assembléia Nacional nhão, e Antonieta de Barros por Santa Catarina, sendo
favorável ao voto
feminino (provavelmente 24 de fevereiro de 1932, as mulheres conquistaram Constituinte contou com 254 integrantes entre os ela a primeira deputada negra do Brasil.
Lopes Trovão). definitivamente o direito de votar e serem votadas, eleitos e os representantes classistas. Desse total, Com a decretação do estado novo em 1937, Getúlio
Pretendia, assim, através do decreto 21.076, artigo segundo, assinado duas vozes eram do sexo feminino: Carlota Pereira de Vargas fechou o Congresso até 1945. Os movimentos
criticar duramente a pelo Presidente Getúlio Vargas. Queiroz, médica eleita por São Paulo, que se tornou sociais, entre eles o feminismo, foram sufocados, en-
resistência masculina em a primeira deputada federal do cerrando-se temporariamente o mandato das mulhe-
aceitar a participação Brasil e a advogada alagoana res parlamentares.
das mulheres na vida Almerinda Farias Gama, que
política. Apresentando na ocasião, através de uma Bertha foi gradualmente afastando-se da direção da
Almerinda Gama votando na
as duas posições, a FBPF até deixar definitivamente o cargo de Presiden-
constituinte de 1933 brilhante estratégia da
favorável e a contrária te, em 1942, mantendo-se fiel à causa feminista até
FBPF, representou o Sin-
às mulheres, a autora o fim de seus dias. Sucedeu-a a escritora Maria Sabina
buscava transmitir dicato das Datilógrafas
e Taquígrafas do Distrito de Albuquerque, uma de suas antigas colaboradoras.
esperança pela existência
de congressistas homens Federal.
sensíveis às mudanças A 14 de outubro de 1934,
Um novo tempo
nos papéis sociais. Voto
houve eleições gerais, tanto A história e os índices estatísticos nos mostram que
Feminino foi publicada
para o cargo de governador a representação feminina nas instâncias de decisão
em livro e também como
folhetim nas páginas como para as Assembléias Consti-
política vem sendo construída a conta-gotas.
Um Rio de mulheres

do jornal de Josefina, tuintes Estaduais e Câmara Federal,


A Família, de agosto a para a qual Bertha candidatou-se Ao findar a ditadura Vargas, em 1945, inicia-se no
novembro de 1890. novamente, alcançando a pri- Brasil um período de redemocratização, sendo convo-
Bertha Lutz meira suplência e assumindo o cada uma nova Assembléia Nacional Constituinte, na 69

68
qual as mulheres, ainda que timidamente, retomam eleita para a Câmara Municipal de Angra dos Reis em Para a Câmara Federal, trinta anos depois do man- Se a sub-representação feminina na política continua
suas atividades político-partidárias. Infelizmente nes- 1950; Orsina Prado de Castro e Áurea Bastos Mota e dato de Bertha Lutz, o Rio de Janeiro elege uma sendo um problema a ser enfrentado pelas sociedades
se ano nenhuma mulher foi eleita e nem nas eleições Silva eleitas vereadoras, em 1954, em Volta Redonda; representante do sexo feminino. As urnas de 1966 democráticas, o que dizer das desigualdades raciais
federais seguintes. e Aristolina Queiroz Pereira, em 1958, vereadora de consagraram Júlia Steinbruch como deputada federal que têm excluído do cenário político os negros? A ca-
pelo Movimento Democrático Brasileiro.
Não se pode dizer o mesmo para as Câmaras Muni- Miguel Pereira, tendo sido reeleita por mais dois man- rioca e ex-favelada Benedita da Silva precisou de mui-
datos consecutivos até tornar-se, em 1971, a primeira Embora ainda estejamos muito longe da representa- ta força, coragem e persistência para enfrentar toda
cipais, pois em 1936 as cidades de Paraíba do Sul e
prefeita do estado do Rio de Janeiro. Somente vinte ção política condizente com o número de eleitoras, sorte de preconceito e tornar-se a primeira mulher
Vassouras vão eleger as duas primeiras vereadoras flu-
e sete anos depois, em 1996, outras mulheres con- vem ocorrendo um gradual crescimento de candi- negra a ocupar alguns dos mais altos cargos públicos
minenses: Áurea Saldanha e Itália Ciribelli Soares, res- daturas femininas no país. A repercussão causada
pectivamente. Na Câmara do antigo Distrito Federal, quistaram o Executivo Municipal: Maria Inês Pandeló do país.
pelas comemorações do Ano Internacional da Mulher,
as mulheres marcam presença pela primeira vez em Cerqueira (Barra Mansa), Maria Lúcia Neto dos Santos
instituído pela ONU em 1975, marcou o começo da
1947, quando elegem seis candidatas: Arcelina Ro- (Belford Roxo) e Solange Pereira de Almeida (Rio Bo- virada. Esse período caracterizou-se pelo inicio da Ações afirmativas
nito).
drigues Mochel, Lia Correia Dutra e Odila Michel Shimidt
pelo Partido Comunista Brasileiro, Mercedes Dantas
redemocratização do país, no qual a luta contra a
ditadura militar, a conquista da anistia em 1979 e o
na política
Apenas em 1955 o Legislativo Estadual conta com
Itapicuru e Sagramor de Scuvero Martins pelo Partido surgimento de várias organizações feministas vieram a
a presença feminina. Margarida Andrade Leal, eleita Conscientes de que é na arena política que as desi-
Republicano e Lygia Maria Lessa Bastos pela União contribuir ainda mais para que, na década de 1980,
em outubro de 1954 pelo Partido Social Democrá- gualdades entre homens e mulheres se manifestam
Democrática Nacional, a qual foi sucessivamente fosse colocada na pauta das discussões a ampliação
tico, tornou-se a primeira deputada do Estado da da presença feminina nos espaços de poder. Em com mais intensidade no Brasil, as parlamentares e
eleita até 1978 para outros mandatos, tornando-se a Guanabara. Nas eleições seguintes, em 1960, essa as organizações feministas buscaram no sistema de
1982, realizaram-se as primeiras eleições diretas para
mulher de carreira política mais duradoura da América representação aumenta com a vitória de Adalgisa Néry, cotas as ações afirmativas que pudessem contribuir
os governos estaduais, suspensas desde 1965, e pela
Latina. Lygia Lessa Bastos e Sandra Cavalcanti. Desde então para aumentar a participação das mulheres na esfera
primeira vez uma mulher, Sandra Cavalcanti, pleiteia
Nos pleitos subseqüentes, outras mulheres foram vem crescendo, ainda que vagarosamente, o número o cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro. pública.
rompendo as barreiras culturais impostas à participa- de mulheres com mandato na Assembléia Legislativa Nesse contexto, as feministas cariocas elaboraram A proposta de uma cota mínima de 20% de candi-
ção política feminina e se tornaram pioneiras em suas do Rio de Janeiro, culminando, em 2002, com 15 uma plataforma para ser submetida aos candidatos e daturas femininas, garantida pela Lei Eleitoral 9.100
cidades. Benedita Maria da Guia Jorge (Didi Jorge) foi parlamentares eleitas. candidatas. Este documento, Alerta Feminista, virou de 1995, foi precedida de muita polêmica e intenso
uma tradição e daí para frente as eleições futuras
debate nacional. Embora a lei atual determine um
contaram, nos estados e municípios, com experiên-
percentual mínimo de 30% de candidatas para todos
A PRIMEIRA PREFEITA DO ESTADO cias semelhantes, muito embora essa estratégia não
tenha se traduzido na ampliação do quadro de mulhe- os cargos legislativos, são raros os partidos políticos
Aristolina Queiroz de Almeida nasceu em 22 de setembro de 1922, em Sacra Família res eleitas. que cumprem essa legislação.
do Tinguá, no Rio de Janeiro. Ainda menina, mudou-se com seus pais, Maria Batista e
Artur Monteiro de Queiroz, para o município de Miguel Pereira, onde vive até hoje. Em
1936, nomeada professora estadual, começou a trabalhar aos 14 anos de idade. Casou-
se com Corinto de Almeida e Silva, em 1939, tendo quatro filhos desse matrimônio.
Participou do Movimento Popular de Alfabetização e foi Secretária do núcleo da Legião
da Boa Vontade (LBV) na sua região, promovendo campanhas de arrecadação de roupas
para os pracinhas da II Guerra Mundial. Além de mãe, dona de casa e educadora,
Aristolina, como filha e esposa de políticos, dedicava-se às campanhas eleitorais na
cidade.
A primeira vitória pública de Aristolina foi em 1955, quando liderou o movimento pela emancipação de Miguel Pereira,
que até então pertencia a Vassouras. No ano seguinte, candidatou-se a vereadora, tendo sido a mais votada na primeira
legislatura do novo Município. Permaneceu como única representante do sexo feminino na Câmara Municipal por mais de
doze anos, sendo sempre reeleita com expressiva votação. Em 1971, assumiu a prefeitura do Município de Miguel Pereira.
Na disputa eleitoral, teve que enfrentar fortes candidatos dos antigos grupos políticos da região, e sua candidatura suscitou
manifestações de chacotas por parte de seus adversários, além de inúmeras demonstrações públicas de preconceito pelo
fato de ser mulher. Nada impediu que ela tivesse uma vitória surpreendente e se tornasse a primeira mulher a governar um “QUANDO O RIO DE JANEIRO NÃO É GUANABARA E GUANABARA NÃO É RIO DE JANEIRO”
município no Estado do Rio de Janeiro.
Em 1972, durante seu mandato, promoveu o 1.º Congresso Nacional Feminino em sua cidade. Esse encontro reuniu A FUSÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COM O ESTADO DA GUANABARA
mulheres brasileiras e estrangeiras, que debateram, durante três dias, temas ligados à emancipação feminina no Brasil, A partir de 1960, quando ocorreu a transferência da capital para Brasília, a discussão sobre a situação político-administrativa
causando grande repercussão na imprensa nacional. da cidade do Rio de Janeiro, até então Distrito Federal, teve que ser encarada objetivamente. Na ocasião, o executivo
O município de Miguel Pereira ficou também conhecido como “Cidade das Rosas”, pois esteve totalmente entregue ao optou pela criação de uma nova unidade federativa, – o estado da Guanabara –, em vez de reincorporar a cidade ao então
comando das mulheres durante longo período. O chamado “Matriarcado de Miguel Pereira” começou em meados dos estado do Rio de Janeiro. Entretanto, não duraria muito a coexistência desses dois governos. Em 1974, a fusão foi decidida e
implementada, sendo o projeto avaliado em regime de urgência e aprovado em pouco tempo pelo plenário, com pouquíssimas
Um Rio de mulheres

anos 1950, quando Novinda de Carvalho Filgueiras foi nomeada chefe do Cartório Civil e posteriormente escrivã
eleitoral. Em 1968, Maria Helena Pelegrinete Lourenço assumiu o cargo de juíza da comarca, enquanto Hermezinda emendas, todas de caráter residual.
de Oliveira Cavalcanti Rocha Queiroz era a promotora da cidade. Margarida Paes Leme Borges comandava o Assim, entre 1960 e 1974, houve diferentes eleições para legisladores nos dois estados. Somente após a unificação, no pleito de
serviço de enfermagem do INPS da região e Cacilda Pinho da Conceição chefiava os Correios e Telégrafos. 1976, é que a representação política vai corresponder à atual configuração do Estado do Rio de Janeiro. 71

70
PIONEIRAS NAS CÂMARAS MUNICIPAIS FLUMINENSES
MULHERES NAS
ELEIÇÕES EM 2002 MUNICÍPIO 1.ª VEREADORA DATA
Paraíba do Sul Áurea Saldanha 1936
Brasil Vassouras Itália Ciribelli Soares 1936-1937

São 58.600.000 milhões Angra dos Reis Benedita Maria da Guia Jorge 1950-1962
(Didi Jorge)
50,8% do eleitorado brasileiro
Miguel Pereira Aristolina Queiroz Pereira 1956/62/67
Rio de Janeiro Volta Redonda Orsina Prado de Castro 1954
Áurea Bastos Mota e Silva
São 5.339.375 milhões
52,28%do eleitorado fluminense
São Gonçalo Aída de Souza Faria 1962
ROSINHA GAROTINHO
BENEDITA DA SILVA Araruama
Resende
Genira Machado Franceshi
Maria Aparecida de Araújo
1972
1972 Rosângela Rosinha Garotinho
Já virou lugar-comum dizer e afirmar Luiza Thomaz de Aquino Barros Assed Matheus de
que Benedita da Silva tem uma Maricá Laura Ferreira de Melo 1972 Oliveira nasceu em Itaperuna,
trajetória única na história política Magé Maria Pinheiro Barenco 1972 no Noroeste Fluminense, em
brasileira. Mas de que outra maneira A força do eleitorado Piraí Lenimar Vicentina Ferreira 1972
6 de abril de 1963, e foi criada
em Campos dos Goytacazes
descrever uma mulher negra que
nasceu na favela, trabalhou como feminino fazendo a Sto. Antonio de Pádua
São João de Meriti
Maria Azevedo Gonçalves
Gabriela Bohrer de A. Figueira
1972
1972
desde os quatro anos de idade.
camelô e empregada doméstica Casada há 20 anos com o ex-
e, aos 60 anos, conseguiu chegar diferença Campos Antonia Leitão Alvarenga 1972 governador Anthony Garotinho
a governadora de um dos mais Cabo Frio Lorete Vasconcellos Tavares 1972 e mãe de nove filhos, Rosinha
importantes estados da federação? Setenta anos após a conquista do voto feminino e pela Duas Barras Dulcinéia Coelho de Araújo 1972 acumulou as funções de primeira-
primeira vez na história do Brasil, as mulheres foram a Paracambi Rita da Silva Pereira 1972 dama, presidente da Vida-
A vida de Benedita pode ser maioria dos eleitores nas urnas nas eleições de 2002. Obra Social, uma organização
Parati Marly Cardoso de Barros 1976
dividida em duas etapas - a da não-governamental sem fins
São 58,6 milhões de votos femininos, 2 milhões a Amparo Rodrigues A. Basile
extrema pobreza na infância e lucrativos, e Secretária de Estado
mais que os votos masculinos. Na ponta do lápis, isso Eng. Paulo de Frontin Adilsea Ferreira de Carvalho 1976
juventude e a da ascensão política, de Ação Social e Cidadania,
a partir de 1982. Vinda de família significa que as mulheres têm força numérica para Bom Jesus de Itabapoana Georgina Mello Teixeira 1976
durante a gestão do marido.
humilde, trabalhou como vendedora decidir quem vai para o poder e quem volta para a Miracema Gicelda Coelho de Oliveira 1976
Professora formada pelo Colégio
ambulante, empregada doméstica, casa. Nilópolis Rosa Maria Sperandio Perez 1976 Batista Fluminense, também
servente de escola, auxiliar de O principal destaque nesta campanha foi o eleitorado Rio Claro Asenetti Mazzillda da Silva 1976 atuou em teatro amador até os
enfermagem e professora no Cecília Resende da Rocha 26 anos. Ela descobriu, porém,
feminino, que conquistou um patamar qualitativa-
morro Chapéu Mangueira, em São Pedro da Aldeia Maria Oneida Vieira Rodrigues 1976 que suas vocações iam além do
mente distinto. Elas não são somente uma força nu-
Copacabana, onde morou durante Barra Mansa Ruth Coutinho Henriques 1982 ensino e do palco. Durante 16
57 anos. A reviravolta em sua mérica. São, também, uma força de opinião. Segundo
Bom Jardim Elisabeth Heckert da Rosa 1982 anos trabalhou como radialista,
vida teve início quando começou a pesquisadora Lúcia Avelar, da Universidade de
Cachoeira de Macacu Rosangela Vieira de Moraes 1982 função essa que a deixou muito
a atuar como líder comunitária da Brasília, as mulheres, muito mais do que os homens,
Selma da Costa Coutinho conhecida na região. Rosinha
favela, ocupando a presidência da levam em conta os programas de governos dos(as) iniciou sua militância defendendo
Cordeiro Therezinha P. Martineli 1982
Associação das Mulheres do Chapéu candidatos(as) e preocupam-se com as questões so- os direitos dos trabalhadores e
Niterói Sonia Maria Saturnino 1982
Mangueira. Nessa ocasião trabalhou ciais, notadamente as ligadas à saúde e à educação. participando da fundação do PT
também no Departamento Feminino Itaguaí Maria C. Costa do Carmo 1982
A eleição para governador do Estado do Rio de Janei- Reny Barbosa
de Campos, em 1982. Filiou-se
da Federação das Associações no ano seguinte ao PDT, partido
de Favelas do Rio e concluiu o ro, em 2002, foi marcada pelo ineditismo de ter 4 Itaocara Carmem Cristina Lanes 1982
ao qual ela se dedicou por mais
supletivo, obtendo posteriormente o mulheres concorrendo ao cargo majoritário: a soció- Itaboraí Maura Abreu da Conceição 1982
de 15 anos, até transferir-se, em
diploma universitário de Assistente loga e ecologista Aspásia Camargo (PV); a Secretaria Conceição de Macabu Jeanete Paes T. Pacheco 1982 2000, para o PSB. Nas duas
Social. Graças a sua persistência de Habitação do Município Solange Amaral (PFL); a Macaé Marilena Garcia de Assis 1982 vezes em que foi primeira-dama
e militância, conseguiu se eleger governadora em exercício Benedita da Silva (PT) e Mendes Edith Coimbra Braga 1982 de Campos, Rosinha concentrou
vereadora em 1982, duas vezes Rosinha Matheus Garotinho (PSB), eleita governadora sua atuação na área social, tendo
Nova Iguaçu Maria Ivete Pantaleão 1982
deputada federal e senadora, em no primeiro turno. sido presidente da Associação de
Valença Maria Isabel O. de Lima 1982
1994, sempre pelo PT. Em 2002 Proteção à Infância de Campos
Para surpresa da opinião pública e para alegria dos Ivone Mayr Guedes Pinto
foi a primeira mulher a assumir o (APIC) e da Comissão de
movimentos feministas, os candidatos mais votados Silva Jardim Maria Cristina Curi Sagineto 1988
governo do Estado do Rio de Janeiro Entidades Sociais e Assistenciais
na vaga deixada por Anthony para deputado federal, no Estado do Rio de Janeiro, São João da Barra Nadir Castilho Moreno 1988
do Município de Campos dos
Maria Valdenice S. Santos
Garotinho, que renunciou para se nesse pleito, foram duas mulheres: a juíza Denise Goytacazes (Coesa). Em 2002
Sta. Maria Madalena Eliane de Carvalho Falcão 1988
candidatar à presidência. Nomeada
Um Rio de mulheres

Frossard e a médica Jandira Feghali, respectivamen- Rosinha candidatou-se ao governo


Ministra da Assistência e Promoção te. Além disto, para o mandato de 2003 a 2006, as Porciúncula Maria José Rocha Beta 1988
do Rio de Janeiro, tornando-
Social, tomou posse em Janeiro de cariocas representam a maior bancada feminina no Petrópolis Carmen Felicetti 1988 * se a primeira mulher eleita
2003. Congresso Nacional. governadora do estado. 73

72
* PIONEIRAS NAS CÂMARAS MUNICIPAIS FLUMINENSES CÂMARA DO DISTRITO FEDERAL DEPUTADAS ESTADUAIS 1986 Jandira Feghali PC do B
Heloneida Studart PMDB/PSDB/PT
MUNICÍPIO 1.ª VEREADORA DATA Relação de vereadores e suplentes Pelo Estado da Guanabara
Yara Lopes Vargas PDT
Nova Friburgo Irany da Silva Medeiros, Angela Maria 1988
que exerceram mandatos na Câmara 1954 Margarida de Andrade Leal PSD Daisy Lúcidi Mendes PFL
G.R. Fernandes e Ledir Ferreira Porto do Distrito Federal, da primeira à
Lúcia Beatriz de Arruda PT/PV
quarta legislatura (1947-1961), e que 1960 (Assembléia Constituinte) UDN
Lage do Muriaé Maria Antonieta da Cunha 1988
formaram a Assembléia Legislativa 1990 Aparecida Gama PDT/PSDB
Olga de Almeida Resende Lígia Lessa Bastos PSB
do Estado da Guanabara. Rosely Souza da Fonseca PT
Rio Bonito Maria das Graças Luiz 1988 Adalgisa Néri UDN Heloneida Studart PT
1ª Legislatura: 1947-1951
Carmo Terezinha J. de S. Peres 1988 Sandra Cavalcanti Alice Maria S. Tamborindegui PDT
Arcelina Rodrigues Mochel - PCB Maria Aparecida Boaventura PFL/PDT
Cambuci Rita de Cássia Brandão 1988
Lia Correia Dutra - PCB 1962 Lígia Lessa Bastos UDN Lúcia Regina Florentino Souto PPS
Arraial do Cabo Joanita Leite Duarte de Mello 1988 Lygia Maria Lessa Bastos - UDN Adalgisa Néri PSB Wanúbia de Carvalho PMDB
Maria Anita Mureb Ribeiro
Mercedes Dantas Itapicuru - PR Edna Maria Lott de Daisy Lúcidi Mendes PFL/PPR
Duque de Caxias Dalva Lazaroni de Moraes 1988 Odila Michel Shimidt - PCB Yara Lopes Vargas PDT
Morais Costa PTB
Saquarema Maria de Fátima dos Santos 1992 Sagramor de Scuvero Martins - PR
Velinda Maurício da Fonseca PTB 1994 Maria das Graças Tuze de Matos PDT
São Sebastião do Alto Kátia Regina Ferreira Barboza 1992 2ª Legislatura: 1951-1955 Leda Luiz Gomes Pereira PDT
1966 Lígia Lessa Bastos ARENA
São Fidelis Regina Cely Pereira Afonso 1992 Lygia Maria Lessa Bastos - UDN Maria Aparecida Boaventura PDT/PMDB/PSDB
Adalgisa Néri MDB Núbia Cozzolino PSD/PPB/PTB
Quatis Engracia Vera Maria Rafael 1992 Sagramor de Scuvero Martins - PTB
Rosa Idalina N. de Macedo Edna Maria Lott de Tânia Regina Pereira Rodrigues PT
3ª Legislatura: 1955-1959
Morais Costa MDB Miriam Santos Mancebo Reid PMN/PDT
Japeri Marina de Almeida 1992
Dulce Pinto Ferreira de Magalhães - PDC Velinda Maurício da Fonseca MDB Aparecida Gama PSDB
Comend. Levy Gasparian Luciene Soares da Silva 1992 Lygia Maria Lessa Bastos - UDN Heloneida Studart PT
Iara Lopes Vargas MDB
Itaperuna Elcy Poubel de Castro 1992 Sagramor de Scuvero Martins - PTB Solange Amaral PV/PFL
Sandra Martins Cavalcanti - UDN Maria Rosa Silva Almeida MDB Tânia Jardim Mussi PDT/PSDB
Italva Marilza Caputo do Carmo 1992
Velinda Maurício da Fonseca - PTB 1970 Lígia Lessa Bastos ARENA Lúcia Regina Florentino Souto PPS
Carmo Teresinha de Jesus de S. Peres 1992
4ª Legislatura: 1959-1961 e relação das Maria Rosa Silva Almeida MDB Magaly Miranda Machado PFL
Cardoso Moreira Neriete Navarro Alves 1992 Alice Maria S. Tamborindegui PDT/PSDB
vereadoras que participaram da formação Hílza Maurício da Fonseca MDB
Cantagalo Maria Lucia Farah Noronha 1992 da Assembléia Legislativa do Estado da Nadyr Maria de 1998 Cidinha Campos PDT
S.J. do Vale do Rio Preto Sandra Maria de Paiva Gama 1992 Guanabara, de 21 de abril de 1960 a 27 de Maria das Graças Tuze de Matos PDT
Oliveira Machado MDB
Cambuci Maria de Fátima S. Robaina 1992 março de 1961. Andréia Almeida Zito dos Santos PSDB
Maria da Penha T. da Costa 1974 Hilza Maurício da Fonseca MDB Alice Maria S. Tamborindegui PSDB
Dulce Pinto Ferreira de Magalhães - PDC
Sapucaia Maria P. Alves 1992 Lygia Maria Lessa Bastos - UDN Sandra Raggio Salim MDB Núbia Cozzolino PTB
Velinda Maurício da Fonseca - PTB Maria Rosa Silva Almeida MDB Solange Amaral PTB/PFL
Belford Roxo Odete Marques de Lima 1992
Graça Helena M. de Araújo Neves Nadyr de Oliveira Machado MDB Magaly Miranda Machado PFL/PL
Aparecida Gama PSDB/PDT
Mangaratiba Maria das Graças da Rocha Costa 1992 PREFEITAS Sandra Martins Cavalcanti ARENA
Graças Lopes PFL
Porto Real Maria da Conceição Oliveira 1996
Município 1ª Prefeita Ano 1976 Fusão do Estado do Rio de Janeiro com o Tânia Regina Pereira Rodrigues PT
Maria Aparecida Rodrigues Sulamita do Carmo Silva PSDB
Estado da Guanabara
Cassilda Serfiots Miguel Aristolina Queirós de 1971 Cida Diogo PT
Areal Ione da Silva Oliveira 1996 Pereira Almeida
2002 Cidinha Campos PDT
Paty do Alferes Zelina Curitiba de Paula 1996 Rio Bonito Maria Luíza da 1992 Waldeth do INPS PL
Seropédica Dalva Zatorre Medeiros e Elza Maria 1996
Conceição Sid DEPUTADAS ESTADUAIS Aparecida Pansset PPB
Graciano Ferreira Loureiro Georgette Vidor PPB
(vice-prefeita que
Pelo Estado do Rio de Janeiro
Teresópolis Maria Madalena da P. Rucker 1996 Núbia Cozzolino PPB
assumiu) 1978 Sandra Raggio Salim MDB/PP/PMDB
Margareth Rosi R. M. Cunha Graça Mattos PSB
Cláudia Lauand Zeghir Heloneida Soares Orban
Solange Pereira de 1996 Aparecida Gama PTB
(depois Heloneida Studart) MDB/PMDB
Sumidouro Eni da Rosa Felipe 1996 Almeida Andréia Zito PSDB
Hilza Maurício da Fonseca MDB/PP/PMDB
São José de Ubá Rosangela Godinho Neves 1996
Cida Diogo PT
Barra Maria Inês Pandelo 1996 Maria Rosa Silva Almeida MDB/PP
Jurema Batista PT
Carapebus Maria Helena da S. Brito 1996 Mansa Cergueira 1982 Yara Vargas PDT Inês Pandeló PT
Lígia Rodrigues Ribeiro
Belford Maria Lúcia Netto 1996 Daisy Lúcidi Mendes PDS/PFL Heloneida Studart PT
Armação de Búzios Maria Alice G. de Sá Silva 1996 Luci da Glória Martins PDT/PMDB Graça Pereira PT do B
Roxo dos Santos
Emilce Câmara de Almeida
Rosalda Cruz Nogueira Paim PDT Eliana Ribero PMDB
Teresópolis Afafi Ribeiro 1998
Rio das Flores Maria Aparecida Novaes Neves 2000 Hilza Maurício da Fonseca PMDB Pastora Edna PT
Maria Valéria da Silva Machado (vice-prefeita que
Lúcia Beatriz Arruda PT
assumiu)
Varre e Sai Marlene Abib de O. Fabri 2000
Dalila de Assis M. P. da Silva Paty do Lúcia de Fátima 2000
Trajano de Moraes Ada Cypriano Sereno 2000 Alferes Fernandes Fonseca
Magé Narriman Felicidade 2000
Um Rio de mulheres

Queimados Neri Fraga Nery da Silva 2000


Iguaba Grande Rosa Maria Nazareth Ferreira 2000
C. F. dos Santos
Nova Maria da Saudade 2000
Obs.: Por falta de dados disponíveis alguns municípios não foram incluídos
Friburgo Medeiros Braga
75

74
1936
1937
DEPUTADAS FEDERAIS
Bertha Lutz – Assume em 28 de julho
de 1936 na vaga deixada pelo titular
1982
ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DO ESTADO DO RIO
CANDIDATAS
Sandra Martins Cavalcanti PTB
JUSTIÇA:
1945
que morreu, Cândido Pessoa
Nenhuma mulher eleita
Sendo eleito neste ano Leonel Brizola PDT IMPERATIVO FEMININO
1954 Nenhuma mulher eleita 1986 Ester Almeida PND
Durante um longo período, as mulheres brasileiras
1958 Nenhuma mulher eleita Sendo eleito neste ano Moreira Franco PMDB sofreram com as interpretações discriminatórias das Ellen Northfleet
1962 Nenhuma mulher eleita leis. Como se não fosse o bastante, tiveram também
1990 Não houve candidaturas femininas.
1966 Júlia Steimbruch MDB que enfrentar muita resistência a sua participação
Sendo eleito neste ano Leonel Brizola PDT no campo jurídico, sendo que algumas fluminenses
1970 Nenhuma mulher eleita Mirtes de Campos
1994 Não houve candidaturas femininas. foram pioneiras na luta contra os preconceitos
1974 Lígia Lessa Bastos ARENA “legitimados”.
Sendo eleito neste ano Marcelo Alencar PSDB
1978 Lígia Lessa Bastos ARENA caráter informal, passaram a se chamar de OAB/Mulher.
A ascensão das mulheres na área do Direito começou com a
1982 Nenhuma mulher eleita
Juntaram-se a Glória: Zéia Pinto de Rezende, Joselice
1998 Lúcia Regina Florentino Souto PPS/PMN macaense Mirtes de Campos, que bacharelou-se em 1898,
Cerqueira de Jesus, Salete Maccalóz, Claudete Soares,
1986 Ana Maria Rattes PMDB Dalva Lazaroni de Moraes PV na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de
Comba Marques Porto, Leonor Nunes Paiva, Leilah
Benedita da Silva PT Maria Luiza Batista Vidal PST Janeiro. Após uma batalha de oito anos, conseguiu obter, em
Borges, Leila Linhares, Elizabeth Garcez, Rosane
Sendo eleito neste ano Anthony Willian 1906, o direito de praticar a advocacia, tornando-se a primeira
Sandra Cavalcanti PFL Reis Lavigne, entre outras. Essa iniciativa alcançou
Garotinho Matheus mulher a conquistar o registro que permitiria o exercício de
1990 Benedita da Silva PT
reconhecimento nacional, servindo de exemplo para a
seu trabalho. Além de ter atuado intensamente até 1944,
Abril de 2002 – Benedita da Silva PT formação de grupos semelhantes em diversos estados
Jandira Feghali PC do B escreveu sobre assuntos jurídicos, abordando especialmente
– vice-governadora, brasileiros.
Cidinha Campos PDT assume o cargo até dezembro de a situação legal das mulheres. Entre suas obras: O voto
Márcia Cibilis PDT 2002, uma vez que o governador se feminino – 1929; A propósito da mulher jurada – 1933 e Os Em 1985, a OAB/Mulher RJ foi institucionalizada pelo
afastou para candidatura à Presidência advogados brasileiros e a advocacia feminina – 1937. Conselho da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Regina Gordilho PDT
da República. Durante anos esse grupo contribuiu com o movimento
Sandra Cavalcanti PFL Isabel de Mendonça Manes iniciou seu trabalho como
de mulheres, sobretudo nas questões que exigiam
Wanda Reis PMDB escrevente, em 1924, na 7ª Pretória Criminal. Duas décadas
2002 Aspásia Camargo PV encaminhamento jurídico. No processo de elaboração da
depois foi notícia de jornal, “Eva do Foro”, por ter sido
1994 Jandira Feghali PC do B Benedita da Silva PT nova Constituição - 1986 a 1988- a OAB/Mulher teve
aprovada com a nota máxima no concurso público para
Márcia Maria Cibilis Viana PDT Rosinha Matheus Garotinho PSB um papel destacado quando, através do Conselho Nacional
escrivão de Tribunal do Júri, tornando-se a primeira mulher
Cidinha Campos PDT Solange Amaral PFL dos Direitos da Mulher, prestou assessoria as Deputadas
no país a ocupar tal cargo, em 1945.
Sendo Rosinha Matheus Garotinho eleita PSB Constituintes.
Maria Conceição Tavares PT
em primeiro turno A partir de 1949, a advogada e feminista Romy Medeiros
Vanessa Felipe PSDB Um outro grupo de advogadas, liderado por Maria Regina
começou a escrever um outro capítulo na luta das mulheres
Laura Carneiro PP Purri Arraes, impulsionou a criação, no Rio de Janeiro, da
por justiça. Colaborou decisivamente para reforma do Código
Comissão Permanente das Mulheres Advogadas, em 1996.
1998 Jandira Feghali PC do B Civil, sendo co-autora do estatuto da mulher casada.
Seis anos depois, essa proposta foi assimilada pelo Conselho
Laura Carneiro PFL A paulista Iete Bomilcar Ribeiro de Souza Passarella Federal da OAB, que regulamentou a implantação da
Miriam Reid PDT precisou abandonar seu Estado natal para conseguir Comissão Nacional da Mulher Advogada, em 2002.
Almerinda F. de Carvalho PFL ingressar na magistratura. Na ocasião, em São Paulo, não
No apagar das luzes do século XX, pelo decreto de 23 de
2002 Denise Frossard PSDB era permitido às mulheres a carreira de juiz, razão pela
novembro de 2000, a carioca Ellen Gracie Northfleet foi
qual Iete mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de prestar
Jandira Feghali PC do B nomeada para o cargo de Ministra do Supremo Tribunal
SENADORAS concurso. Em 1951, tomou posse como juíza na Vara de
Almerinda de Carvalho PPB Federal – STF. Detentora de uma sólida formação jurídica
1994 Benedita da Silva – Eleita pelo PT Acidentes do Trabalho, do então Distrito Federal, tornando-
Mª Lúcia Neto dos Santos PMDB e de uma prestigiada carreira, Ellen tornou-se a primeira
se a primeira mulher a ocupar a magistratura. Foi nomeada
Primeira Senadora do Rio de Janeiro e primeira mulher a ocupar uma cadeira na mais alta corte do país.
Laura Carneiro PFL Desembargadora vinte e três anos depois, em 1974. Seguiram-
Senadora negra do Brasil
Elaine Costa PD na Áurea Pimentel Pereira e Maria Stella Villela Souto As mulheres tiveram que esperar 112 anos de percurso,
Lopes Rodrigues, ambas empossadas juízas, em 1960. desde as primeiras bacharéis da Faculdade de Direito do
Chegaram à magistratura através de concurso público, Recife(PE), formadas em 1888, passando pela luta de Mirtes
que durou dois anos e teve cerca de 900 candidatos, sendo de Campos, no seu direito de exercer a advocacia, até a posse
que entre esses, somente quatro mulheres. Foram também de Ellen Northfleet no Supremo Tribunal Federal.
nomeadas Desembargadoras na década de 1980. Hoje, no estado do Rio de Janeiro, as mulheres são maioria
Ainda nessa época, Glória Marcia Percinotto era uma expressiva nos cursos de Direito, na OAB, na Defensoria
das raras conselheiras da OAB-RJ. Em 1981, ela recebeu Pública, no Ministério Público e nos cargos iniciais da
a sugestão de dar um parecer sobre o projeto de reforma Magistratura, espaços estes conquistados através de
do Código Civil, o qual tramitava no Congresso Nacional. concursos públicos. Em outras instâncias, onde se requer
Um Rio de mulheres

Diante da relevância da matéria, convidou várias outras critérios políticos para promoção, as barreiras continuam
advogadas para com ela formar uma comissão de trabalho e mais difíceis de serem rompidas, ainda.
debater, especialmente, o capítulo sobre Família. Ainda em
77

76
Elas
da Mulher Brasileira, os Comitês de Mulheres Pró- Uniões Femininas contra a Carestia. Entre as co-
Anistia e Pró-Democracia, o Instituto Feminino de munistas, deve-se citar Arcelina Mochel e Lia Correa

ra
Serviço Construtivo, a Federação de Mulheres do Dutra, que, eleitas vereadoras em 1947, tiveram seus

ve i
S il
Brasil (filiada à Federação Democrática de Mulhe- mandatos cassados pelo Supremo Tribunal Federal,

da
e
res), além da Frente Única de Mulheres, que reunia

Nis
após o cancelamento do registro de seu partido, com
figuras de diferentes matizes ideológicos. base em denúncias apresentadas por dois obscuros
Entre as fluminenses que participaram ativamente deputados do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

não fogem desse movimento de solidariedade, podemos citar Mais uma vez, os militantes do PCB foram obrigados
Lígia Maria Lessa Bastos, Alice Flexa Ribeiro, Sagramor a prosseguir sua luta na ilegalidade.
de Scuvero e Branca Fialho. Esta última, devido a sua A causa feminina manteve-se acesa e em intensa
atuação junto às campanhas dos governos aliados atividade nos anos seguintes, graças ao empenho

rio
durante a guerra, foi condecorada com a Cruz de

à luta
de algumas mulheres como Arcelina e Fanny Tabak,

ená
aB
Lorena.

oreira
mentoras e criadoras de diversas organizações de mu-

O lg
lheres nos bairros da então capital federal. Em artigo

aro M
Em 1945, com o fim do conflito na Europa e com
a redemocratização do Brasil, as mulheres mobiliza- da revista Momento Feminino, Arcelina refere-se à

ia Álv
ram-se em torno de campanhas contra a carestia de importância dos quarenta e três núcleos já existen-

Eugen
As hóspedes da Sala 4 vida, causada pelo processo inflacionário em curso
e a escassez de alguns gêneros alimentícios, ainda
tes em 1947. Como prova do vigor do movimento de
mulheres, esses comitês disseminaram-se por todo o
Em 1935, lamentavelmente o Brasil teve seu primeiro conseqüência dos anos de guerra. Com o apoio do país, tirando proveito dos ventos da democracia que
podiam ser fechadas, nem nos dias chuvosos, nem Partido Comunista do Brasil – PCB, surgiram as sopravam naqueles anos.
local destinado exclusivamente à prisão de mulheres
nos invernosos”. Por seus 16 leitos, passaram mulhe-
por suas convicções políticas: a chamada Sala 4, na
res dos mais diferentes perfis, como Rosa Meirelles,
Casa de Detenção Frei Caneca, no Rio de Janeiro. As
presa por ser irmã e mulher de dois procurados pela
“hóspedes” , como as prisioneiras se chamavam entre
polícia política da ditadura Vargas, até as ativistas que NINA ARUEIRA
si, eram mulheres associadas a setores progressistas
alcançariam grande notoriedade, como Olga Benário,
que se posicionaram contra o nazifascismo e suas ver-
mulher de Luis Carlos Prestes, Nise da Silveira, psi- Numa sexta-feira, dia 7 de janeiro de 1916, nasceu na cidade de Campos dos Goytacazes, Maria
tentes no país. Nem todas participaram diretamente da Conceição Arueira. Ela pertencia a uma família de comerciantes de classe média e era a mais
quiatra, Beatriz Bandeira Riff, poetisa, e Eneida Costa
do levante armado da Aliança Nacional Libertadora, velha das quatro filhas do Sr. Lino Arueira e de D. Maria Magdalena Rocha e Silva. Seu primeiro
de Moraes, escritora, para citar apenas algumas.
que passou à história com o nome de Intentona Co- apelido foi “pequenina”, dado pela avó, e assim ficou conhecida até as suas primeiras publicações,
munista; mas todas, sem exceção, representariam aos 12 anos de idade, quando, despontaram os sonetos e poemas da “Princesa de Vera Cruz”,
a ideologia feminista, ainda embrionária, que mais Abre-se o leque das primeiro pseudônimo adotado. Desde então, ela passa a ser tratada por todos como Nina Arueira,
tarde se traduziria em uma nítida posição na luta pela
emancipação política e social da mulher. Um novo
reivindicações forma com que assina todos os seus futuros trabalhos.
Nina foi educada como a maior parte das moças de sua época. Cursou o primário numa pequena
feminismo, distinto dos movimentos sufragistas de Nos anos que se seguiram ao golpe de Estado de escola de bairro e entrou para o curso normal do Liceu de Humanidades de Campos, escola
inspiração européia, ensaiava os seus primeiros pas- 1937, os movimentos femininos, assim como os so- secundária de maior prestígio da cidade. Com a morte do pai, em 1928, ela sofreu mudanças
sos na Sala 4. significativas e, ainda adolescente passou a perceber que a “gloriosa aura” que revestia a sua cidade natal não contemplava a
ciais, sofreram grande refluxo devido à forte repressão
todos de maneira igualitária. A renda mensal caiu bastante e Nina viu-se obrigada a trabalhar na vidraçaria da família, ao
Uma das vítimas do furor repressivo da polícia de Fi- da ditadura Vargas. Somente após a entrada do Brasil
lado da mãe, sentindo de perto os preconceitos impostos ao trabalho feminino naquele momento.
linto Müller e do decreto que em julho de 1935 fechou na Segunda Guerra Mundial, as associações de mu-
O ano de 1933 foi um momento em que Nina passou a tomar decisões que seriam definitivas para sua vida. Aos poucos,
a Aliança Nacional Libertadora seria a União Feminina lheres ressurgem, em um novo clima de efervescência
embrenhou-se nos movimentos sociais da cidade, tornando-se uma jornalista conhecida e respeitada. Seus artigos suscitavam
do Brasil, organização criada em “defesa dos interes- política.
infindáveis polêmicas, que às vezes se arrastavam por semanas, através de cartas de leitores ou editoriais. Eram textos que
ses econômicos, sociais, políticos e civis da mulher”. De diferentes diretrizes políticas, grupos de mulheres discutiam temas como a educação, o papel da mulher na sociedade, o progresso da humanidade, a religião, a idéia de pátria, as
Sua diretoria era formada por Maria Moraes Werneck, engajam-se no esforço de guerra: fazem desigualdades sociais, a inoperância das políticas vigentes, etc., todos trazendo um perfil crítico e inovador, considerando-se as
Eugenia Álvaro Moreira, Armanda Álvaro Alberto, Catarina campanhas para a obtenção de agasalhos idéias da época.
Laudsberg, Ester Xavier e Norma Mormy. A organização para os pracinhas, promovem cursos de Foi também no ano de 1933 que Nina optou pelo engajamento no PCB, através da Juventude Comunista. Passou a participar
viveu por apenas dois meses, mas seu manifesto ins- enfermagem, lutam contra as dificul- de um universo de reuniões, panfletagens em portas de fábrica, organização de sindicatos e células do PCB.
piraria as gerações que se seguiram e continua atual dades de abastecimento, inflação e Sua militância começa a ser cada vez mais conhecida e os seus artigos ganham um forte colorido político.
até os dias de hoje. Maria e Eugenia foram duas das mercado paralelo. Tais mobilizações, Todo o fervilhar de acontecimentos do início da década de 1930 fazia com que Nina intensificasse cada vez mais a militância:
primeiras hóspedes da Sala 4. Armanda não passaria aliadas à agitação social decorrente das organizando sindicatos, proferindo palestras e conferências, e principalmente, escrevendo artigos jornalísticos.
pela Casa de Detenção, tendo sido levada diretamente idéias nacionalistas e da luta pela anistia, A temporária fragilização da repressão empolgava os movimentos sociais de oposição ao governo e possibilitava a realização de
para a Casa de Correção, segundo prédio do conjunto inspiram novas campanhas femininas que manifestações públicas.
Um Rio de mulheres

da Frei Caneca. aglutinam milhares de mulheres em torno Beatriz Riff Nas comemorações de 1º de maio de 1934, Nina Arueira foi acusada de rasgar a bandeira brasileira em praça pública.
de diversas associações no estado do Rio A partir de então os jornais fecham as portas para Nina, que passa a se dedicar inteiramente à organização do Partido e às
Segundo Maria Werneck, a Sala 4 “era uma sala
de Janeiro, como: a Obra de Fraternidade atividades sociais que julgava prioritárias. Contudo, em 1935, sua militância é interrompida. Ela contrai tifo e morre três
grande, retangular, de janelas gradeadas (...) que não
meses antes do casamento com o, também militante comunista, Sebastião Clóvis Tavares. 79

78
que estava grávida na ocasião. De um total de 49 mulheres assassinadas pela ditadu-
As ligas femininas tinham na
Militares e mulheres se ra, três fluminenses constam entre as desaparecidas
agenda a resistência contra as
demolições das favelas, a criação
estranham na Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. São
elas: Telma Regina Cordeiro Corrêa, estudante de Ge-
de creches e bibliotecas infantis O golpe militar de 1964 interrompeu o sonho da parti-
s
sto ografia da Universidade Federal Fluminense, expulsa
Ba públicas e a luta pela independência cipação política popular. Em um crescendo de repres-
o

gia
devido à militância política; Maria Cecília Corrêa,
a Fialh

Ly
nacional. são, sindicatos, associações, uniões e partidos seriam
bancária e membro do Partido Comunista Brasileiro
“cooptados” ou fechados. A cultura e a liberdade de
Branc

Dentre as principais iniciativas femininas


(PCB); Lúcia Maria de Souza, estudante de Medicina

a
de cunho nacionalista figuram as campa- expressão também seriam duramente perseguidas

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Tib
nhas Contra a Carestia e O Petróleo é Nosso. com a instituição da censura. e uma das responsáveis pela impressão e distribuição

sta
do jornal “A Causa Operária”.

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O vigor da luta das mulheres pode ser avaliado

ug
Por outro lado, o cerceamento dos direitos democrá-

aA
pela resposta do governo à campanha Contra a Ca-

ri
Ma
ticos provocou um maior engajamento de mulheres
restia dos anos 1950. A luta contra a alta dos preços
na luta política. Por todo o Brasil, elas irão participar Lutando até o fim
foi tão decisiva que, no início daquela década, o
riça

ativamente em diferentes organizações clandestinas


Nuta Barlet James

Governo Vargas decidiu-se pela criação da SUNAB


Tibi

É preciso destacar a participação corajosa de um gran-


de resistência.
e

(Superintendência Nacional do Abastecimento), para


Alic

de número de mulheres – incluindo, as presas e tor-


coibir o aumento abusivo dos preços. Atendia assim Mulheres ligadas às artes e à cultura também irão se
turadas – em vários espaços de resistência à ditadura
à reivindicação da Federação das Mulheres do Brasil manifestar contra a ditadura. No Rio de Janeiro, Nara
militar. Como um dos capítulos finais dessa luta está a
e das Uniões Regionais, que tinham como porta-voz, Leão, Odete Lara, Dina Sfat, Fernanda Montenegro, Zuzu
Angel, são apenas algumas das bravas e corajosas que reivindicação das mulheres pelo perdão político.
Apesar de muitas mulheres não se- mais uma vez, Arcelina, grande oradora, exemplo de
rem efetivamente comunistas, buscavam igualmente coragem e vontade política. verbalizaram seu repúdio ao autoritarismo. Criado em São Paulo, em 1975, o Movimento Femi-
soluções para os problemas sociais. Em 1949, foi Outra intensa campanha da década de cinqüenta, O Durante os chamados “anos de chumbo”, o Brasil nino pela Anistia rapidamente se espalhou por todo
fundada a Federação de Mulheres do Brasil (FMB), Petróleo é Nosso, teve como figuras centrais Maria Au- contabilizou pelo menos 366 mortos ou desapareci- o país. No Rio de Janeiro, contou com a importante
instituição nacional que congregou organizações de gusta e Alice Tibiriçá, que ocupava a vice-presidência dos políticos. Quanto mais os pesquisadores mergu- participação de Abigail Paranhos – Biga, Regina van der
mulheres de 11 estados brasileiros. Naquele mes- do Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo. lham naquele passado infame, maior torna-se este Weit, Iracema Teixeira, Alaíde Pereira Nunes, Nieta Cam-
mo ano, a FMB esteve presente, com Fanny Tabak, Grande conhecedora do problema, Alice destacou-se número. pos da Paz e Beatriz Riff. Mais uma vez, as mulheres
na Reunião do Conselho da Federação Democrática em comícios e atos públicos, tanto no Distrito Federal
Internacional de Mulheres, realizada em Moscou. A Também foram vítimas fatais da ditadura as flumi- tiveram contribuição marcante para a aprovação da
como nos estados. Em agosto de 1949, foi presa, ao
causa feminina brasileira foi intensamente divulgada nenses: Marilena Villas Boas, militante do MR-8; Íris Anistia de 1979.
lado de outras militantes, durante passeata promovida
em todo o Brasil, e no exterior também, pela secretá- Amaral, baleada por agentes da repressão durante
pela Associação de Mulheres de São Paulo para anun- Três anos depois, é criado o Comitê Brasileiro pela
ria-geral da entidade, Arcelina, e pela primeira presi- ciar o Congresso da Paz. Transferida para a cidade de perseguição a ativistas; Ana Maria Nacionivic Corrêa,
militante da ALN, fuzilada no bairro paulistano de Anistia e a seccional fluminense abrigou um grupo
dente da FMB, Alice Tibiriçá. Após a morte de Alice, São Roque, sua prisão foi objeto de grande mobiliza-
Mooca; Ieda Santos Delgado, advogada, militante da significativo de lideranças femininas, das quais mere-
em 1950, Branca Fialho assumiu a presidência da ção sob o lema “Onde está Alice?”.
Federação. Em fevereiro de 1951, Ofélia do Amaral Bo- ALN; Lyda Monteiro da Silva, secretária da OAB-RJ, cem destaque: Iramaia Benjamin, Alzira Grabois, Abigail
A Liga Feminina da Guanabara teve seu auge de vítima de uma carta-bomba. Paranhos, Ana Müller e Vitória Grabois.
telho representaria a entidade no Conselho de Berlim
atuação no ano de 1961, quando então lançou um
e, em 1955, Lídia Cunha ocuparia função de secretária
manifesto com 100.000 assinaturas contra a alta do
geral da entidade, permanecendo nesse cargo até o is
custo de vida. Uma caravana de associadas levou o Grabo
fechamento da federação pelo governo Juscelino Ku- Alzira
documento à Brasília, a nova capital inaugurada no
bitscheck.
ano anterior. Também em 1961, realizou-se, no Rio
A partir de 1944, surgiram as Ligas Feministas sob de Janeiro, o II Encontro Latino-Americano de Mulhe-
a orientação do Partido Comunista, que por um curto res, que contou com a presença de representantes de
espaço de tempo estiveram na legalidade. Entre essas, organizações feministas de todo o continente.
havia um órgão central, com sede no Rio de Janeiro,
Contudo, as organizações de mulheres acabariam por
onde também foram criados comitês de bairro. Em
se fragmentar na década de 60, devido às divergên-
determinada época chegaram a funcionar 20 desses cias políticas da esquerda e à chegada dos militares
comitês, sendo o maior deles o da Gávea, com cerca ao poder, em 1964. Enquanto isso, as instituições
de mil associadas. Em 1949, um comício contra a Lei femininas de espírito conservador eram estimuladas
de Segurança Nacional, organizado pela Liga de De- pelas classes dominantes. Uma das mais significati-
fesa das Liberdades Democráticas, no Rio de Janeiro, vas organizações a pertencer a esta linha chamava-se
acabou em violento confronto com a polícia. Após o CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia).
Um Rio de mulheres

pronunciamento de Nuta Bartlet James, presidente do Após a reviravolta política de implantação da ditadura
Centro Antifascista da Tijuca, policiais abriram fogo, militar, porém, mesmo os grupos femininos mais con-
causando a morte de Zélia Magalhães, ativista política servadores desapareceram do cenário político. 81

80
o I Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro, com sede na Rua dos Andradas, no centro do Rio
com a participação de inúmeras organizações de tra- de Janeiro, atraía jovens anarquistas operários que,
balhadores. Nesse congresso aprova-se a criação da muitas vezes, se profissionalizariam anos depois. Foi
Confederação Operária Brasileira, nos moldes da CGT o caso de Clotilde Duarte e Davina Fraga, militantes
francesa. operárias costureiras. Talentosas, integraram o Grupo
Dramático desde a sua fundação, em 1903. Mais
A Primeira Guerra Mundial provocaria o recuo do mo-
tarde, Clotilde formou-se em Direito e tornou-se atriz
vimento grevista e político da classe trabalhadora. O
profissional, sem nunca abandonar a causa operária.
conflito na Europa deu grande impulso à indústria na-
Davina foi convidada a trabalhar na Companhia Nacio-
cional causando o declínio da concorrência estrangei-
nal de Teatro. Também atuaram no Grupo Dramático,
ra. O aumento do custo de vida com a exportação de
as operárias Carolina Licirgo, Elisa de Oliveira, Maria
gêneros alimentícios para os países aliados, entretan-
Rezende, Carmen Ferrer, grande defensora dos direitos

Mulheres
to, gera intensa agitação social, com greves generali-
iguais para mulheres e homens.
zadas por todo o Estado do Rio de Janeiro, nos anos
de 1917 e 1918. A brutal repressão policial apenas Outro grupo anarquista bastante ativo foi o Grupo
acentua a discussão política no seio do movimento. Dramático 1º de Maio, que encenou espetáculos de
O resultado será a criação de diversas entidades sin- cunho social e libertário no Rio de Janeiro. Nas co-
dicais, muitas delas concebidas por e para mulheres, memorações do Dia do Trabalhador apresentou a peça

no Batente
agora mais representativas e atuantes. “O Casamento Escandaloso” no Teatro Municipal de
Niterói. No palco, apresentava-se Clara Telles, atriz e

As poucas fábricas que surgiram no Brasil,


“Abelhas do Luxo” operária.
As jornalistas Maria da Luz Abranches, Matilde Soares,
em meados do século XIX, destinavam-se, Em 1919, ocorre uma gre- Matilde Magrassi, Maria de Lourdes Nogueira, Maria de
principalmente, a produzir tecidos de algodão ve de costureiras no Rio de Oliveira, Maria Angelina e Pilar Soares, operárias por
1901, as operárias, juntamente com as crianças, Janeiro liderada por Elvira função e anarquistas por convicção, devem ser men-
de baixa qualidade, consumidos pela população constituíam 72,74 % da mão-de-obra têxtil, sendo Boni de Lacerda. Ainda no cionadas pela grande contribuição que deram à causa
pobre e pelos escravos. Em 1885, a produção comum o trabalho de mulheres e crianças por 18 mesmo ano, Elvira cria da igualdade entre homens e mulheres, na casa e no
horas seguidas, mesmo aos domingos. Elas ganhavam a União das Costureiras,
industrial brasileira deslocara-se para o Centro- trabalho, com seus artigos contundentes, publicados
menos do que os homens, embora fizessem as mes- Chapeleiras e Classe Ane- em jornais e revistas anarquistas e comunistas, como
Sul. Considerando-se o número de unidades mas tarefas, e eram consideradas incapazes física e xas, juntamente com Elisa “A Plebe”, “A Obra” e “Spartacus”.
fabris, Minas assumira o primeiro lugar, mas intelectualmente. Além disso, muitas vezes por medo Gonçalves de Oliveira, Aida
de serem despedidas, submetiam-se à exploração Morais, Isabel Peleteiro, Na segunda década do século 20, porém, o anarquis-
o Rio de Janeiro concentrava as fábricas mais mo entrava em crise. Chegavam ao Brasil as notícias
sexual. Noêmia Lopes, Carmem Ri-
importantes. Excluindo-se a agroindústria do beiro, entre outras compa- da ruptura entre os anarquistas e os comunistas que
Na legislação trabalhista não havia regulamentação da
açúcar, por volta de 1889, a capital detinha jornada de trabalho, do salário mínimo ou do trabalho nheiras de ofício. O grupo
Elvira Boni Lacerda triunfaram na Revolução de 1917, na Rússia. A revo-
lução anunciava a “aurora de novos tempos” e as cor-
57% do capital industrial brasileiro. infantil. Cada fábrica ou empresa tinha seu próprio era apelidado de “Abelhas
do Luxo”. A União das Costureiras participou do II rentes de esquerda que não a acompanhassem “iam

A
regulamento; não havia férias nem descanso semanal
Congresso Operário Brasileiro, realizado em abril de contra a marcha da história”. Nasce assim, em março
A indústria brasileira teve seu primeiro surto significa- remunerado, nem qualquer tipo de indenização por
1920, quando então Elvira presidiu a cerimônia de de 1922, o Partido Comunista do Brasil, em Niterói.
tivo na última década do Império (1880-89). Desde acidente de trabalho ou demissões sem justificativa.
o último quartel do século XIX, o estado fluminense encerramento do encontro. Em 1928, é fundado, sob in-
O século XX inaugura um período de muitas lutas
foi palco de um processo cada vez mais acelerado de A partir de 1920, acentua-se a repressão aos mo- fluência do
operárias (11 greves, entre 1900 e 1910, e 258 en-
expansão demográfica. As razões deste processo estão vimentos operários. Isto não impediu que várias Partido Comu-
tre 1919 e 1920). É um momento de ampliação do
ligadas ao papel desempenhado pelo Rio de Janeiro nista do Brasil,
movimento e também de claro avanço das tendências mulheres continuassem atuantes. Entre elas, Amélia
como centro político-administrativo do país e principal o Comitê das
anarco-sindicalistas. A mulher operária, no entanto, Garrido e Anita Figueiredo. As duas integravam o Grupo
elo na conexão econômico-financeira internacional, Mulheres Traba-
é mal vista pelos próprios militantes. Para os homens de Teatro Social, que encenava dramas e comédias
através do comércio importador e exportador, além lhadoras, uma
trabalhadores, as mulheres deveriam voltar para casa libertárias e de propaganda anarquista nos palcos dos
de sede da maior rede bancária localizada no país. das primeiras
pois, além de tirarem seus empregos nas fábricas, sindicatos. Amélia, operária, participou de todas as
Todo esse crescimento, porém, ocultava uma situação instituições de
elas “facilmente se deixavam prostituir no trabalho”. atividades de contestação no Rio de Janeiro da déca-
trágica: a falta de condições mínimas de saneamento mulheres sindi-
Aqui, patrões, chefes e empregados partilhavam os da de 20. Assim como Anita, colaborava na imprensa
calistas do país.
e habitação para toda a população. mesmos valores. e, principalmente, na revista Renovação, com redação
Reunindo mulhe-
Juntavam-se a isso as condições de trabalho extrema- na rua João Caetano, 15, no Rio de Janeiro.
Em 1903 e em 1907, são organizadas duas greves res sindicalistas
Um Rio de mulheres

mente precárias a que eram submetidos os trabalha- gerais no Rio de Janeiro, a última, reivindicando jor- O anarquismo se valia, ao lado da imprensa, do teatro de todo o Brasil, o
dores nas fábricas e, em especial, a mulher proletária, nadas de trabalho de oito horas, além de melhores como instrumento eficaz de propaganda ideológica. Já comitê fazia parte
não só no Rio de Janeiro como em todo o Brasil. Em condições de vida e trabalho. Em 1906, realiza-se na virada do século, o Grupo Dramático Teatro Livre, do Bloco Operário 83

82
e Camponês – organização político-partidária que da pela ditadura militar, as sindicalistas permanece- a primeira mulher a presidir a entidade, entre 1994 a
1997, voltando ao cargo nas eleições seguintes. Traba-
TECELÃ, AINDA CRIANÇA
chegou a disputar as eleições presidenciais seguintes. ram ativas. A efervescência das idéias feministas no
Tinha como objetivo político fazer a divulgação das meio sindical teve na realização da I CONCLAT, em lhou pelo Movimento Ação e Cidadania contra a Fome e Francisca da Silva Cruz
idéias do PCB, sobretudo nas portas das fábricas e 1981, seu grande momento: as reivindicações das tra- a Miséria e, em 2001, foi a primeira mulher eleita para nasceu em 1910, na vila
oficinas. Participando da fundação do Comitê e sendo balhadoras começavam a ser absorvidas pelas centrais presidir a poderosa Confederação Nacional dos Bancários operária da antiga Fábrica
destacadas oradoras podemos citar: Maria Lopes, Isau- sindicais. Uma grande vitória feminina na conferência (CNB-CUT). de Tecidos da Cia. Têxtil
Brasil Industrial, no atual
ra Nepomuceno e Laura Brandão, militantes comunistas dos trabalhadores seria o reconhecimento da profissão Jornalista desde 1969, Elisabeth Costa é especialista
município de Paracambi,
com participação ativa nas lutas dos trabalhadores da e dos direitos das empregadas domésticas. em noticiário internacional e trabalhou nas principais
Rio de Janeiro. Menina
Primeira República. redes de televisão brasileiras. Por dois mandatos esteve
Em 1988, as trabalhadoras comemoram ao lado das Vanda Lacerda negra era de uma família
na presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
Mas será apenas a partir do ano de 1934, no governo organizações feministas a ampliação de seus direitos tipicamente operária;
do Município do Rio de Janeiro, de 1987 a 1992, tendo sua mãe costurava sob
de Getúlio Vargas, que a participação feminina na garantidos na Constituição Brasileira, fruto da mobili- sido a primeira mulher a ocupar essa posição. É atual-
política verá seus primeiros resultados concretos. zação orquestrada entre os movimentos de mulheres, encomenda da fábrica
mente presidente da FENAJ – Federação Nacional dos e seu pai trabalhava na
A Constituição de 1934 regulamenta, ainda que de o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a ban- Jornalistas. lubrificação de máquinas.
maneira incipiente, o trabalho feminino. Ficava esta- cada feminina no Congresso.
Vanda Lacerda, atriz, filha da líder grevista Elvira Boni Começou a freqüentar a
belecido “sem distinção de sexo” que a todo trabalho
Lacerda, começou sua carreira viajando por todo o Brasil escola operária com dez
com a companhia de teatro “Artistas do Povo”. Sempre anos de idade, quando
Nair Jane
participou das lutas sindicais de sua categoria, tendo se tornou também
sido uma das grandes batalhadoras na luta pela regu- trabalhadora. As crianças
lamentação da profissão de artista no Brasil. Alcançada contratadas pela empresa se
esta meta em 1978, Vanda torna-se, naquele mesmo dividiam em duas turmas:
ano, a primeira mulher a ocupar a presidência do Sindi- num dia um grupo ia para
cato dos Artistas. a fábrica e o outro para
a escola e vice-versa. A
A primeira mulher a ocupar a presidência do Sindicato partir do momento em que
Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janei- aprendeu a ler e a fazer as
ro foi Hildézia Medeiros. Vice-presidente da associação, Hildézia Medeiros quatro operações básicas
assumiu o cargo maior, na vaga deixada pelo titular, para da matemática, Francisca,
completar o mandato. Reconhecida por sua atuação e assim como ocorria com as
de igual valor corresponde
salário igual. Além disso: “é Mulheres na chefia sindical liderança, foi eleita presidente do Sindicato, em agosto
de 1986.
outras adolescentes, passou
a trabalhar diariamente.
vedado o trabalho feminino
de 22 horas às 5 da manhã;
no Estado do Rio de Janeiro O Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro foi funda-
Aos 15 anos, devido a sua
habilidade e dedicação, foi
do em agosto de 1977e teve como primeira presidente
é proibido o trabalho à mulher A Associação Profissional dos Empregados Domés- promovida a tecelã.
Laura Bran
Maria Bernadete Bandeira dos Santos, enfermeira de pres-
dão grávida durante um período de ticos do Rio de Janeiro foi criada em 1961 e a tígio e coordenadora regional do INAMPS. Com o objetivo
quatro semanas antes do par- fundadora e primeira presidente foi Maria Odete da de dar prosseguimento ao trabalho iniciado por Maria
to e quatro semanas depois; é proibido despedir a Conceição. Depois de muita luta para a ampliação dos Bernadete, foi eleita para a segunda gestão da entidade,
Jussara Maciel
ASSUMINDO OS
mulher grávida pelo simples fato de gravidez”. direitos da classe, essa associação foi transformada 1981 a 1984, a primeira secretária em exercício Maria COMANDOS
em Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Rio de Therezinha Nóbrega Silva.
Com o golpe do Estado Novo, porém, as organizações Os dados estatísticos revelam
Janeiro e teve como primeira presidente Nair Jane de
de trabalhadores passaram a depender do reconheci- Castro Lima, reconhecida militante da entidade e do A médica Iná Meirelles foi a primeira mulher a ocupar o um aumento significativo da
mento do governo e podiam ser cassadas. A política movimento das mulheres. Atualmente, existem mais cargo de presidente de uma Central Única dos Trabalha- participação feminina nos mais
trabalhista de Getúlio tinha como objetivo principal de uma dezena de sindicatos da categoria espalhados dores, a CUT do Rio de Janeiro (1994-1997). Um ano altos cargos das empresas e no
reprimir os esforços da classe trabalhadora utilizan- pelo interior do estado. antes, ela havia sido eleita vice-presidente do Sindicato mundo dos negócios brasileiros.
do-se de artifícios tais como o imposto sindical, que dos Médicos do Rio de Janeiro. Ex-militante do Movimen- No Rio de Janeiro, as mulheres
O Sindicato dos Bancários no Rio de Janeiro teve Fer- to Revolucionário 8 de outubro (MR-8), acabou presa e executivas vêm fazendo a diferença
dispersava o movimento, assim como a obrigatorieda- nanda Duclos Carisio, uma de suas grandes lideranças. condenada em 1969 pela ditadura militar. No início da e derrubando as barreiras de
de da unidade sindical, ou seja, de existir apenas um Fernanda participou ativamente do movimento estu- década de 70, foi uma das fundadoras do Comitê Bra- Kati Almeida Braga redutos masculinos no mercado
sindicato por classe profissional. dantil e integrou o Movimento pela Emancipação do de trabalho. Entre estas: Beatriz
sileiro pela Anistia. Concedida a Anistia em 1978, dois
Apesar disso, as mulheres sindicalistas continuaram Proletariado. Presa pela ditadura militar em 1977, foi anos depois ela concluía o curso de Medicina. Larragoite – vice-presidente
anistiada no ano seguinte. Ainda em 1978, começa do Grupo Sul-América; Kati
sua luta histórica pela igualdade, justiça e cidadania. A costureira carioca Jussara Maciel conseguiu romper
a participar ativamente do movimento sindical ban- Almeida Braga – superintendente
Criaram departamentos femininos dentro dos sindica- com a hegemonia masculina na direção da Federação dos
cário do Rio de Janeiro, como funcionária do Banco do Grupo Icatu e Maria Silvia
tos para afastar o “machismo sindical” e participaram do Brasil. Um ano depois, integra o comando da Trabalhadores nas Indústrias de Vestuário do Estado do Bastos Marques, que foi a
de todos os encontros organizados pelos trabalhado-
Um Rio de mulheres

primeira grande greve da categoria, que duraria três Rio de Janeiro, quando, cinquenta anos após sua criação, primeira mulher a ocupar um
res, muitas vezes sem alcançar o prestígio merecido. dias e paralisaria todas as agências do Rio de Janeiro. assumiu a presidência da entidade, em 1998, onde per- cargo na diretoria do BNDES
A euforia do início dos anos 1960 teria reflexos nos Foi eleita diretora do Sindicato dos Bancários do Rio manece até hoje, depois de ser reconduzida ao cargo para e a presidência da Companhia
Maria Sílvia Marques
movimentos de mulheres e mesmo com a voz sufoca- de Janeiro em 1991 e, três anos mais tarde, torna-se uma segunda gestão. Siderúrgica Nacional. 85

84
Pintando o podium
esportes naquele período. Ainda na década de 1960, a ganhar uma medalha de ouro em jogos olímpicos.
a niteroiense Aída dos Santos, negra e sem recursos,
São muitas as fluminenses que se destacaram nos
seria a revelação do atletismo brasileiro. Superando o
esportes nestas últimas décadas. A ginasta carioca
preconceito racial e especialmente o forte machismo

de rosa choque
Luisa Parente escreveu seu nome na história do atle-
de sua modalidade esportiva, Aída foi a única mulher
tismo através da conquista de duas medalhas de ouro
Isabel na delegação do Brasil e conquistou o quarto lugar
Salgado
nos Jogos Pan-Americanos e de sua participação em
no salto em altura durante as Olimpíadas de 1964,
quatro Olimpíadas.
no Japão. A melhor colocação de uma brasileira nas
olimpíadas até então. Nascida em Niterói, a triatleta Fernanda Keller é outro
“O papel da mulher grande exemplo de excelência feminina nos esportes.
nos Jogos Olímpicos Em 1979, a equipe feminina de judô inscreveu-se com
Especialista em provas de longa distância, já con-
A inclusão das deve ser o mesmo nomes de homens no Campeonato Sul-americano da
quistou cinco medalhas de bronze no Campeonato
das Olimpíadas da Argentina, motivando a revogação do Decreto 3.199,
Mundial de Ironman (1994-99), é recordista sul-ame-
mulheres nos esportes Antiguidade, ou seja, que várias atletas brasileiras já haviam recomendado
ricana da prova e hexacampeã do Troféu Brasil de Tria-
premiar os homens
foi sem dúvida um vencedores com a
na CPI da Mulher de 1976.
thlon (1991-96) e seu nome figura em cinco edições
caminho a mais coroa de louros”. De lá para cá, o excludente mito da suposta inferio- consecutivas do Guiness Book, o cobiçado livro dos
ridade física das mulheres vem sendo continuamente recordes. Fernanda é a única atleta brasileira que par-
(1935)
para a superação da nocauteado nos tantos pódiuns e nas inúmeras meda- ticipou 13 vezes seguidas do Campeonato Mundial de
Pierre de Coubertin,
discriminação. fundador dos atuais lhas conquistadas pelas atletas em competições no Ironman, no Havaí, considerada a prova de triathlon
Jogos Olímpicos mundo inteiro. Em 1995, o Brasil consagra-se Cam- mais difícil e disputada do planeta.
Maria Lenk peão Mundial de Vôlei Feminino. Dez anos antes, a
Atualmente todos os esportes são em teoria abertos às

N
equipe onde se destacavam as “musas” Isabel Salgado
mulheres. Entretanto, as práticas esportivas permane-
No Brasil do fim do século XIX e começo do XX, há to do esforço de Maria Lenk e Ivete Mariz, entre e Vera Mossa, já havia conquistado várias medalhas
cem em territórios sexuados: homens e mulheres se
pálidos registros de participação feminina amado- outras atletas. Uma das formandas desta ins- nos jogos Pan-Americanos, nas Olimpíadas e nos
distribuem de forma ainda bastante desigual. Apesar
rística em esportes ainda hoje considerados redu- tituição é a carioca Yara Vaz, que completou Campeonatos Mundiais, além da atenção de todo o
de não serem mais consideradas inconvenientes ou
to quase exclusivo dos homens, tais como tiro ao seu curso em 1941 e se tornou pioneira na Brasil para a garra e a competência das atletas.
incapazes, as mulheres continuam tendo que enfren-
alvo, futebol e competi- ções automobilísticas. divulgação da ginástica no Brasil. Estimulou, As cariocas Sandra Pires e Jackeline Silva entraram tar os vestiários de uma política esportiva excludente,
durante décadas, milhares de mulheres à para a história do Vôlei de Praia e do esporte brasileiro que não cogita nomes femininos em seus mais altos
Entretanto, o grande
pratica de exercícios físicos através em 1996, quando tornaram-se as primeiras mulheres cargos de poder.
passo para a mulher
do programa que estreou na TV
esportista foi dado em
Tupi em 1952.
1928, ano em que as atletas
do mundo conquistaram o direito As esportistas fluminenses não
de disputar oficialmente as provas se deram por satisfeitas e, em
olímpicas. Venceram o todo poderoso 1949, teve lugar no Rio de
criador das olimpíadas da era moderna e Janeiro o que foi considerado o
ferrenho opositor à participação feminina, primeiro movimento emancipatório das
Barão Pierre de Coubertin, que logo em se- mulheres nos esportes competitivos: os
guida pediu demissão do cargo de presidente Jogos da Primavera ou Jogos Femininos,
do Comitê Olímpico Internacional. como ficaram conhecidos.
Coube à nadadora paulista Maria Lenk a honra Durante o Estado Novo (1937-45), po-
de ser a primeira sul-americana a competir em rém, Getúlio Vargas, assinou o Decreto
Fernanda
uma olimpíada, em 1932, abrindo o caminho 3.199, no qual ditou as regras do esporte Keller
para as demais esportistas do continente. Já nas feminino, proibindo as mulheres de praticar
olimpíadas seguintes, em 1936, a delegação esportes “incompatíveis com a condição
olímpica brasileira contava com a participação feminina”, como as lutas de qualquer na-
de cinco atletas femininas, sendo a de melhor tureza, o beisebol, entre muitos outros. Esse
classificação a nadadora carioca Piedade Couti- decreto foi sancionado apenas em 1965, mas
nho que obteve em Berlim o 5º lugar na prova de no ano anterior, durante os primeiros meses
400 m nado livre. da ditadura militar, o Conselho Nacional de
Desportos adiantara-se e proibira a prática do
Três anos mais tarde, foi criada a primeira
Um Rio de mulheres

futebol feminino no Brasil. Nem com isso conse- Sandra


Faculdade de Educação Física brasileira, na Pires
guiram ofuscar a participação das mulheres nos e
então Universidade do Brasil, hoje UFRJ, fru- Yara Vaz
Jackeline
Aida dos Silva
Santos 87

86
A necessidade de ampliar a cidadania das mulheres Moreira Alves, Mariska Ribeiro e Sandra Boschi cons-

O feminismo difundiu-se nos mais variados países, independente


de seu grau de desenvolvimento econômico e social.
A partir da consigna Diferentes, mas não Desiguais,
travaram-se lutas concretas em prol da construção de
uma sociedade igualitária.
tituíam um grupo de reflexão e pesquisa, mais tarde
conhecido como grupo CERES. Dois anos depois,
Ângela Borba, Walquíria Barbosa, Madalena Guilhon e
outras - a maioria oriundas de organizações clandes-
tinas de esquerda e da luta pela anistia - fundam o

no palco A despeito de o momento político nacional estar mar-


cado pelo cerceamento das liberdades democráticas,
Brasil Mulher do RJ. Em 25 de abril de 1979 é forma-
lizada a criação do Coletivo Feminista, resultante de

da história
Acima, Léila Gonzales ci são no Centro da Mulher Brasileira. O documento
abaixo, Rose Marie Muraro
diferentes estratégias e algumas parcerias possibilita-
de fundação, assinado por um grupo de 23 mulheres
ram a organização de debates onde as mulheres pu-
com opções políticas diversas, enfatiza a autonomia
deram discutir seus problemas comuns. Foi, portanto,
do movimento feminista, em particular com relação à
nesse contexto que emergiu no Brasil o feminismo
estrutura partidária. Entre as fundadoras estavam Ma-
A contribuição das mulheres fluminenses organizado dos anos 1970. A nova onda feminista, se
por um lado lutou contra a ditadura militar, por outro
ria José de Lima, Maria Luiza Heilborn, Ligia Rodrigues,
Maria Alice Rocha, Anette Goldberg e Maria Helena Darci
lutou também contra a hegemonia masculina, a vio-
Se a princípio houve uma reação contrária ao feminismo, lência sexual e pelo direito ao prazer.
de Oliveira. Em 1981 nasce o Mulherando, um grupo
com suas militantes sendo olhadas de forma preconceituosa e de reflexão feminista impulsionado pela escritora
Raquel Gutierrez, a novelista Glória Perez, Celina Enger-
depreciativa, seja pela imprensa ou pela opinião pública, hoje Cenário Fluminense sen, Márcia Lacerda, Edda Gutierrez, entre outras.
esta imagem está mudando. As feministas já não são vistas
como mulheres que lutam contra os homens. Elas provaram No Rio de Janeiro o calendário de 1975 abrigou um
Romi Fanny
sua competência e a pertinência de suas causas, e passaram a evento histórico de comemoração do Ano Internacio- Medeiros Taback
interagir de forma criativa com outros movimentos sociais. nal da Mulher, patrocinado pelo Centro de Informa-
ções da ONU. Na Associação Brasileira da Imprensa
(ABI) aconteceu a semana de debates com o título
27 de agosto de 1962. A principal mudança referia-
Panorama Geral se ao direito da esposa trabalhar fora do lar, que até
O papel e o comportamento da mulher na realidade
brasileira. Organizado por Mariska Ribeiro, Maria Luiza
então dependia da autorização do marido.

N
No mundo ocidental, os anos 1960 foram marcados Heilborn, Maria Helena Darci de Oliveira, Elice Munera-
Moema
pela luta das chamadas minorias pelos direitos civis. A nova etapa do feminismo teve outro marco impor- tto, Kati Almeida Braga, Branca Moreira Alves, Leila Li- Toscano
Nos Estados Unidos, paralelamente à luta dos negros tante com a publicação do livro A Mística Feminina nhares, dentre outras, este evento reuniu profissionais
americanos contra a segregação racial e aos movimen- de Betty Friedan (1963), que agrega às idéias de liberais, estudantes universitárias e donas-de-casa
tos políticos contrários à guerra do Vietnã, assistiu-se Beauvoir novas formulações para a reorganização do para discutir os problemas das mulheres brasileiras
o ressurgimento do movimento de mulheres. Essa movimento de mulheres. Friedan busca explicar o que diante de uma platéia composta por mais de 400
nova onda distanciava-se da sua primeira fase, focali- ela chamou de o “mal que não tem nome” , repre- participantes. Como fruto deste encontro, foi fundado
zada na luta pelo direito ao voto do final do século XIX, sentando a angústia do eterno feminino, da mulher o Centro da Mulher Brasileira (CMB), primeira organi-
e início do XX. O feminismo da década de 1960 se sedutora e submissa. Em 1971 a escritora e feminista zação feminista criada nesta nova fase. Entre as fun-
apoiou, principalmente, nas idéias da escritora fran- carioca Rose Marie Muraro promoveu a vinda ao Brasil dadoras se destacam as cariocas - de nascimento e de
cesa Simone de Beauvoir, expressas em seu livro O de Betty Fridman, cuja passagem pelo Rio de Janeiro coração - Branca Moreira Alves, Moema Toscano, Rose Heloneida
Segundo Sexo, publicado pela primeira vez em 1949. provocou enorme polêmica na imprensa suscitando o Marie Muraro, Heloneida Studart, Fanny Taback e Maria Studart

Neste livro, a autora analisa o desenvolvimento psi- debate sobre a condição feminina no País. do Espírito Santo (Santinha). A proposta do CMB foi
cológico das mulheres e os condicionamentos de sua de criar grupos de reflexão, promover atividades para
O mundo vivia um período de inquietude social. Nesta
socialização que as tornam alienadas e submissas aos tornar visível a questão feminina e combater o papel
conjuntura, a difusão do novo pensamento feminista
homens. A divulgação das idéias de Simone, ao longo subalterno da mulher na sociedade.
contribuiu para acirrar a insatisfação das mulheres
dos anos 50, foi o marco intelectual para a nova orga-
com o tradicional papel que desempenhavam na Ainda em 1970, a socióloga e feminista Fanny Taback
nização do movimento de mulheres internacional.
sociedade. Alimentadas por novas informações, pas- fundou e dirigiu, por 14 anos, na Pontifícia Universi-
Nessa época, a advogada carioca Romy Medeiros da saram a reunir-se, promovendo intensa mobilização dade Católica do Rio de Janeiro, o primeiro Núcleo de
Fonseca e a amazonense, radicada no Rio de Janei- em busca de outras formas de realização pessoal. Estudos sobre a Mulher criado em uma Universidade
ro, Orminda Ribeiro Bastos, ex-assessora jurídica da Em resposta a este movimento, a Organização das Brasileira.
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, apre- Nações Unidas indicou a realização de uma grande (da esq. para
sentaram ao Congresso Nacional, em forma de projeto conferência internacional, realizada na cidade do A ação do feminismo brasileiro nas décadas de 1970 direita)
de lei, um novo estatuto jurídico da mulher casada. México, com a presença de delegações de diversos e 1980 esteve colada à luta pela redemocratização, Mariska Ribeiro,
Leila Linhares e
países, inclusive do Brasil. Este evento aconteceu no por direitos de cidadania e igualdade social. Multipli-
Um Rio de mulheres

Depois de várias alterações, dez anos de tramitação Leilah Borges


na Câmara Federal e muita pressão das mulheres, o ano de 1975, quando foi instituído como o Ano Inter- caram-se dezenas de grupos autônomos de mulheres,
Código Civil Brasileiro foi modificado através da lei nacional da Mulher, inaugurando em todo o mundo a reunindo as mais diferentes expressões políticas. No
Maria Luiza
4.121, sancionada pelo Presidente João Goulart, em Década da Mulher, período que se estende até 1985. Rio de Janeiro, em 1974, Jacqueline Pitanguy, Branca Heilborn 89

88
No início dos anos 1980, o movimento feminista bra- dos dias de debate e escolhendo um espaço comum No Rio de Janeiro, a deputada estadual Lúcia Arruda
sileiro começa a ganhar novos contornos, incorpora de convivência exclusiva das participantes. apresentou um projeto de lei obrigando a rede pública
outros segmentos e volta-se, também, para realidades (da esq. para a oferecer o serviço de abortamento nos casos admiti-
Em 1986, aconteceu em Petrópolis o 8º Encontro Na- direita)
específicas, como trabalhadoras urbanas e rurais, Maria do dos pelo Código Penal (gravidez por estupro e quando
cional, promovido pelas feministas cariocas, registran-
mulheres organizadas em torno de clubes de mães Espírito Santo há risco de vida para a mulher). A proposta, aprovada
do-se um aumento significativo de representantes por e Angela Freitas
ou associações de moradores, de sindicatos, lésbicas, pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, sancio-
estado. Na comissão organizadora estavam Alda Cota,
grupos de mulheres negras, mulheres da academia, nada pelo então Governador Leonel Brizola (lei 832
Angela Borba, Bila Sorj, Danda Prado, Carla Teixeira, Fá-
prostitutas, empresárias, produtoras culturais e edu- de 07/01/85), e regulamentada pelo Secretário de
tima Melo, Fernanda Carneiro, Madalena Guilhon, Marcia
cadoras populares. Este conjunto traduzia um comple- Saúde Eduardo Costa, foi fatalmente condenada pelo
Coelho, Marilia Pastuk, Maria José de Lima, Rita Andréa,
xo universo de reivindicações que se expressava nos Arcebispo Dom Eugênio Salles. A forte pressão do cle-
Rosana Heringer, Sandra Belo e Wânia Sant´Anna.
diversos encontros estaduais, regionais e nacionais Maria José ro levou o Governador Brizola a voltar atrás e propor,
de Lima
que se promoveu nesta década. Este período, fértil em debates e produção de textos, com sucesso, sua revogação. Este lamentável episódio
ampliou o número de espaços feministas no Rio de gerou forte reação das feministas, em particular pela
No Rio de Janeiro, as comemorações do 8 de março –
Janeiro, com a criação no IUPERJ da Associação de constatação da influência da Igreja Católica sobre
Dia Internacional da Mulher – foram sendo instituídas
Pesquisas e Estudos da Mulher (APEM), que teve Wânia questões civis.
como a data oficial para os encontros estaduais que como grandes colaboradoras Neuma Aguiar, Lélia Gon- Sant’ Anna
aconteceram regularmente, desde 1977 até meados A intensa dedicação das feministas ao tema da saúde
záles e Danda Prado. Em 1983 surge o jornal Sexo Fi-
da década de 1980. No âmbito nacional, as primeiras – abordando outras questões como gravidez e parto,
nalmente Explícito, com o objetivo de ser um veículo
reuniões feministas foram promovidas no espaço dos mortalidade materna, contracepção e prevenção das
de informação e debate da Campanha sobre o Aborto,
encontros anuais da Sociedade Brasileira para o Pro- doenças sexualmente transmissíveis e do câncer gi-
em cumprimento às decisões do I Encontro Nacional
gresso da Ciência (SBPC), que no período ditatorial necológico entre outros temas – introduziu-as como
de Mulheres sobre Saúde, Contracepção e Aborto, re-
se converteram em local privilegiado de articulação e interlocutoras legítimas no debate público sobre a
alizado no mesmo ano na capital fluminense. Era pro-
desenvolvimento das idéias progressistas. Foi assim saúde da mulher. O diálogo com o Ministério da Saúde
duzido por Hildete Pereira de Melo, Leonor Nunes Paiva,
que aconteceu o que se convencionou chamar o 1º e a atuação de diferentes grupos tiveram como resul-
Maria José de Lima, Danda Prado e Eunice Guttman e
Encontro Nacional Feminista, em Fortaleza, na SBPC tado histórico, em 1984, a elaboração do Programa
contava com muitas colaboradoras. No ano seguinte,
de 1979. No ano seguinte o 2º Encontro, no Rio de de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM),
grupos, organizações e militantes se juntam para criar Madalena
Janeiro, foi uma reunião histórica que atraiu mais de um modelo que vem servindo de exemplo para outros
o Fórum Feminista do Rio de Janeiro. Um espaço Guillon
Lúcia países da região. O acúmulo de forças e o crescen-
1.500 participantes entre professoras, estudantes autônomo de confluência das ações e propostas das Arruda
universitárias e militantes do movimento. O sucesso te número de entidades voltadas para essa questão
mulheres fluminenses. Acumula, nesses dezenove
dessa experiência levou as feministas a formularem possibilitou que, em agosto de 1991, fosse criada a
anos de existência, uma longa história de encaminha-
Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais
uma proposta de continuidade. A partir de então pas-
saram a convocar regularmente encontros nacionais
mentos e ações bem-sucedidas no que diz respeito
às políticas públicas e outras manifestações próprias
Nosso corpo nos pertence e Direitos Reprodutivos, que hoje integra mais de 100
que foram realizados durante as reuniões anuais da organizações.
da agenda feminista. Ainda que tenha passado por A discussão sobre a saúde da mulher esteve entre os
SBPC. Entretanto, o crescente interesse das mulheres momentos de refluxos, como nos últimos anos, nunca principais temas do feminismo, desde seu ressurgi- O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher,
levou à decisão de inaugurar um novo formato, com deixou de ser uma referência para os movimentos de mento nesta fase da história. O regresso para o país da Criança e da Adolescência da Secretaria Estadual
novas metodologias de integração, com a ampliação mulheres do Estado. de militantes que viveram na Europa o exílio político e Municipal de Saúde do Rio de Janeiro permanece
da década de 1970 foi determinante para introduzir como lócus de resistência aos modelos tradicionais
na agenda das brasileiras o polêmico tema do aborto, de assistência que contemplavam de forma restrita a
um dos principais eixos de luta do movimento interna- saúde materno-infantil. Tanto na capital como no inte-
ANGELA BORBA cional de mulheres desta década. rior do estado, programas e projetos das secretarias de
saúde vêm incorporando metodologias e filosofias de
A carioca Angela Borba nasceu em 4 de abril de 1953. Histo- Em janeiro de 1980, a polícia fluminense invadiu
abordagem e atendimento herdadas do feminismo.
riadora e ativista política, integrou, ainda na juventude, a Ação uma clínica clandestina no bairro de Jacarepaguá e
Popular - AP, grupo de resistência à ditadura militar. Engajou-se prendeu duas mulheres pela prática do aborto. Em
decisivamente no movimento feminista através do grupo Brasil resposta à ação policial, foi organizado um protesto
Mulher do Rio de Janeiro, do qual foi uma das idealizadoras. pelas feministas cariocas. Esta manifestação teve
Aos 26 anos, em 1979, foi co-fundadora do Partido dos Trab- uma enorme repercussão, pois era a primeira vez que
alhadores, onde criou o núcleo de mulheres intitulado Muito um grupo de mulheres vinha a público reivindicar o
direito ao aborto. O silêncio que envolvia o assunto
Prazer Mulheres do PT, iniciativa que motivou a formação de
estava definitivamente rompido, e vários debates se
outros grupos em vários estados e municípios. A multiplicação
sucederam na televisão e rádios locais. A partir deste
dessa experiência deu origem a Secretaria Nacional de Mulheres
momento, organizou-se uma campanha de âmbito
Um Rio de mulheres

do PT, da qual foi a primeira coordenadora. Sua participação


nacional pela descriminalização do aborto, e gradati-
também foi fundamental na criação do grupo Nós Mulheres e do Fórum Feminista do Rio de Janeiro. Por sua lider- vamente o tema passou a ser tratado no contexto dos
ança e capacidade de articulação com diferentes setores da sociedade, tornou-se uma militante feminista nacional- direitos sexuais e reprodutivos. 91
mente reconhecida.
90
DANIELA PEREZ MARIA HELENA DA ROCINHA
Daniela Perez, aos 22 anos, depois de violentamente A líder comunitária da Rocinha, Maria Helena, contribuiu
espancada, foi assassinada com 18 tesouradas pelo ator para a organização política da favela, participando
VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA Guilherme Pádua e sua mulher, em 28 de dezembro de ativamente do movimento de reivindicação por melhoria
1992. Guilherme e Daniela formavam o par romântico da qualidade de vida no morro. Entre outros resultados
“Bira” e “Yasmin” da novela da Rede Globo De Corpo e colhidos com suas iniciativas estão a criação de creches
Nilce Não fosse a repercussão dada pela mídia, esses casos
Alma, escrita pela mãe de Daniela, Glória Perez. e a geração de trabalho para as costureiras. Ao assumir
Gomes seriam apenas alguns processos entre tantos outros
a presidência da Associação de Moradores, deu especial
Rita de violência praticada contra mulheres. Entre 1992 A realidade atropelou a ficção e o ator e sua mulher,
atenção aos idosos, promovendo eventos para angariar
Andrea e 1995, 160 mulheres foram mortas somente no Rio Paula Thomaz, confessaram ter assassinado, por motivos
fundos com o objetivo de auxiliá-los. Morreu assassinada
de Janeiro. De 1964 a 1995, foram assassinadas passionais, a jovem atriz. Paula e Guilherme foram
em 1987, aos 25 anos de idade.
770 mulheres, sendo que 70% por seus maridos, condenados a 15 e 19 anos, respectivamente, porém tendo
amantes ou companheiros agindo por motivos fúteis
Quem ama não Mata como ciúme e machismo.
cumprido um terço da pena, encontram-se já em liberdade.
MARIA NILÇA DE SOUZA MATOS
Daniela começou a dançar aos 5 anos de idade e iniciou sua
A luta contra a violência explodiu com a reação co- carreira artística aos 18 anos. Três anos antes de ser morta, Assassinada no dia 16 de outubro de 2000 pelo próprio
ordenada de feministas diante das notícias de vários em 1989, apareceu pela primeira vez na televisão como marido, Maria Nilça tinha 36 anos e era moradora do
assassinatos de mulheres por seus companheiros. O uma das dançarinas da novela Kananga do Japão, da rede bairro da Penha. Por mais de dez anos foi casada com
que antes não passava de pequenas notinhas nos jor- Manchete. Era casada com o ator Raul Gazzola. Manoel Paixão de Matos,com quem teve quatro filhos e
nais ganhou as primeiras páginas com a indignação e uma vida conjugal conturbada.
denúncia de diferentes grupos. As mortes de Ângela EDMA VALADÃO Manoel agredia verbal, física e sexualmente Maria Nilça,
Diniz (RJ), Maria Regina Rocha e Eloísa Ballesteros e os dois estavam separados no momento do crime. Ela já
(MG) e Eliane de Gramont (SP) tiveram enorme re-
ÂNGELA DINIZ A maranhense Edma Rodrigues Valadão nasceu em 1953.
havia entrado com uma medida cautelar de afastamento
Formou-se em Enfermagem no Rio de Janeiro, onde chefiou
percussão e foram tomadas como exemplos de que o contra ele devido à violência a que era submetida.
Era fim de tarde em Búzios, no dia 30 de o ambulatório do Hospital dos Servidores do Estado. Em
silêncio protegia os assassinos. O bordão Quem ama Possessivo e ciumento, Manoel a matou e logo depois se
dezembro de 1976, quando o playboy Raul 1993, entrou para o Sindicato dos Enfermeiros, sendo eleita
não Mata, gritado inicialmente pelas feministas mi- suicidou.
Fernando Street, conhecido como Doca Street, para a sua direção. Durante anos lutou pelos direitos dos
neiras, grafitado nos muros por militantes cariocas, disparou três tiros no rosto e um na nuca de sua profissionais de Enfermagem, sendo conduzida à presidência
ecoou por todo o Brasil, levando inclusive a TV Globo a companheira Ângela Maria Fernandes Diniz, do Sindicato, em julho de 1996. Através do seu trabalho SIDNEYA SANTOS DE JESUS
transformar a questão numa mini-série, com o mesmo então com 32 anos. Minutos antes, ela o havia conseguiu ampliar a militância sindical de sua categoria
título do slogan, que teve enorme audiência. no interior do estado. Em setembro de 1999, um mês após A advogada Sidneya Santos de Jesus, nascida em 1954,
expulsado de casa. Doca namorou Ângela por
ser reeleita presidente, foi assassinada sob circunstâncias era diretora da Penitenciária Bangu I quando, na noite do
poucos meses e o temperamento possessivo do
Em junho de 1980 aconteceu o Encontro Feminista de dia 4 de setembro de 2000, foi assassinada ao chegar a sua
amante a incomodava. No primeiro julgamento, misteriosas. A polícia até hoje não solucionou o crime.
Valinhos (SP). Deste encontro saiu uma recomendação casa dirigindo o próprio carro. Ostentava em seu currículo
em outubro de 1979, Doca foi condenado a
para a criação de espaços de denúncia e solidariedade uma administração impecável no comando desse presídio de
dois anos de prisão com direito à suspensão MÁRCIA LYRA segurança máxima, fortaleza que ganhou fama como uma
para com as vítimas. Em 1981, Lígia Rodrigues, Maria condicional da pena. O júri entendeu que ele
Alice Rocha, Nilce Gomes, Rita Andréa e outras criam No dia 26 de abril de 2001, o terror invadiu o lar da espécie de Alcatraz brasileiro. Sob sua chefia desde 1995,
agiu motivado por uma “violenta agressão
na capital fluminense o SOS Mulher, à exemplo da fonoaudióloga Márcia Maria Lopes Coelho Castro Lyra, Bangu I, que abriga os bandidos mais perigosos do Estado,
moral”. Seu defensor desdobrou ao infinito a tese
residente no bairro carioca de Santa Teresa. Márcia, de não teve sequer um registro de fuga, rebelião ou denúncia
experiência paulista. A atuação das feministas no de “legítima defesa da honra”, pintou a vítima
42 anos, foi assassinada durante assalto a sua casa. Um de tortura contra os presos.
combate à violência contra as mulheres impulsionou o como uma “vênus lasciva” e sensibilizou um júri
surgimento das Delegacias Especializadas no Atendi- composto por cinco homens e duas mulheres. dos assaltantes ainda perguntou-lhe se ela preferia ficar Considerada incorruptível pelos colegas, Sidneya vigiava
“Matei por amor”. A frase soou, dramática, na presa no quarto com o filho de 15 anos ou com a filha de com o mesmo rigor presos e agentes. Em quase seis anos de
mento às Mulheres Vítimas de Violência (DEAMs) em
boca de Doca Street, como símbolo do machismo 13 anos. Ela pediu para ficar com a garota. Foi estuprada administração, ela implementou uma política de repressão
vários estados. No Estado do Rio de Janeiro a primeira
que caracterizava os anos 70. Horas depois de e assassinada a golpes de facão na nuca. A filha também ao crime organizado dentro do presídio. Gravações feitas
DEAM foi implementada em 18 de julho de 1986 e levou uma facada, foi violentada, mas sobreviveu. As
seu julgamento e sob aplausos, ele caminhou por ela apontavam visitas suspeitas e o envolvimento de
teve como delegada titular Marli Preston. A primeira investigações revelaram que um dos envolvidos no crime era
sem culpa pelo chão de um tribunal de Cabo advogados no controle do tráfico de drogas a partir da
Casa Abrigo para mulheres em situação de violência Frio. Fora absolvido do assassinato de Ângela. o pedreiro que fazia reforma na sua residência. O requinte prisão. Foi morta, possivelmente como “queima de arquivo”,
doméstica do Estado foi uma iniciativa da Prefeitura Como ele, até meados do século passado muitos de crueldade cometido contra Márcia e seus filhos indignou depois de encaminhar documentos e relatórios à CPI do
da Cidade do Rio de Janeiro e funciona desde abril criminosos foram absolvidos baseando-se nesse e comoveu a população. Márcia era assessora parlamentar e Narcotráfico, à Ordem dos Advogados do Brasil/RJ e à
de 1997. Atualmente, esse espaço de acolhimento, argumento pelo qual o homem podia ser perdoado defensora intransigente dos direitos humanos. Secretaria de Segurança Pública do Estado.
está vinculado ao Rio Mulher. Impulsionado pelo por executar a mulher considerada “adúltera”.
Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) foi
Dois anos depois, a promotoria recorreu e
criado, em 1999, o Centro Integrado de Atendimento o slogan “quem ama não mata”, repetido
à Mulher(CIAM), que presta atendimento psicológico, à exaustão por militantes feministas que
Um Rio de mulheres

social e jurídico às vítimas de violência doméstica e acompanhavam o segundo julgamento, foi


sexual. Conta com uma equipe multidisciplinar, coor- decisivo para a vitória contra a impunidade. Em
denada por Cecília Soares e atende a uma média de decisão histórica, transmitida pela tevê, Doca foi
500 mulheres por mês, desde sua inauguração. para a cadeia, condenado a 15 anos de prisão. 93

92
marcada pelo preconceito racial. Alguns dos grupos de mo de várias militantes negras, feministas e ativistas,
Mulheres conquistam mulheres que se destacaram, em terras fluminenses, além das já citadas: Maria Beatriz Nascimento, Helena
espaços governamentais no início desse processo, foram: Aqualtune (1979); o
Luiza Mahin (1980) e o Coletivo de Mulheres Negras
Theodoro, Wânia Sant´Anna, Joselina da Silva, Rosália
Lemos, Hildézia Medeiros e Neusa das Dores Pereira
Em 1982 a sociedade brasileira viveu um momento (1982). Em 16 de junho de 1983, Lélia Gonzáles, que, sem dúvida, destacaram-se nesse processo.
importante na política, com a convocação de eleições Jurema Batista, Geralda Alcântara, Helena Maria de Sou-
Em setembro de 1992, Lucia Xavier, Jurema Werneck,
diretas para governador. Valendo-se disto, um grupo za e muitas outras fundaram o Nzinga, que agrupou
Josina Maria da Cunha, entre outras, fundam o grupo
de feministas paulistas propõe a criação de um ór- mulheres do movimento negro, das associações de
Criola, uma organização da sociedade civil que atua
gão específico responsável pela defesa da cidadania moradores e do movimento de favelas.
na defesa e garantia dos direitos humanos das mulhe-
feminina e implementação de políticas públicas para O Centro de Mulheres de Favela e Periferia, nascido res negras e que se tornou referência nacional. Dois
as mulheres na estrutura do Estado. Assim nasce, em em julho de 1986, foi fruto de uma longa gestação anos depois, em 1994, Neusa das Dores Pereira e Beth
1983, os primeiros Conselhos Estaduais da Condição que teve início no II Encontro de Mulheres de Favela e Calvet impulsionam a formação do grupo Centro de
QUILOMBOLAS Feminina, em São Paulo e Minas Gerais. Essas expe- Periferia, realizado em 1984, quando Joana Angélica Documentação Coisa de Mulher (CEDOICOM), com o
riências regionais repercutem nacionalmente e, por de Souza, Vera Néri, Benedita da Silva, Sandra Bello, objetivo de lutar contra o racismo e demais precon-
O Brasil chega ao século XXI, com a segunda maior
população negra do mundo, tendo em seu território, pressão do movimento feminista, o Presidente José Heloisa Marcondes, Alda Cota e outras se juntam para ceitos a que está submetida a população afrodescen-
aproximadamente, 1.000 comunidades remanescentes Sarney encaminha ao Congresso projeto de lei pro- viabilizar a proposta de criação da entidade. O estado dente.
de quilombos. Essas povoações são resultantes da fuga pondo a criação do Conselho Nacional dos Direitos da do Rio de Janeiro, também, foi palco do I Encontro
de escravos ocorrida antes da abolição, e de “pretos Mulher - CNDM. É aprovado o projeto de lei nº 7.335, Nacional de Mulheres Negras, realizado em dezembro
forros”. Constituídas longe da violência escravista, em agosto de 1985, vinculando o CNDM à estrutura de 1988 na cidade de Valença (RJ). Este evento foi
o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, é o exemplo do Ministério da Justiça, com dotação orçamentária precedido de seminários estaduais com o objetivo de
mais conhecido dessas comunidades. e recursos humanos. O feminismo carioca esteve por amadurecer os conteúdos a serem discutidos em âm- Joselina
Em terras fluminenses, vamos encontrar em torno duas vezes representado na Presidência do CNDM bito nacional. Estiveram presentes aproximadamente da Silva

de 15 antigos quilombos e indícios de outras áreas através da socióloga Jacqueline Pitanguy e da escritora 440 mulheres negras de 19 estados brasileiros. Na
sem localização precisa. Uns já tiveram suas Rosiska Darcy de Oliveira. agenda, além da crítica aos festejos do Centenário
terras tituladas, como é o caso de Campinho da da Abolição, as participantes lograram discutir temas
Na esteira destes acontecimentos é instalado no Rio
Independência, em Paraty, pioneiro na luta pelo como racismo, educação, trabalho, saúde, organiza-
de Janeiro, em 1987, o Conselho Estadual dos Direi-
reconhecimento dos seus direitos de posse, conquistado
tos da Mulher (CEDIM), um dos mais antigos do Bra- ção política, sexualidade, arte e cultura. Neuza das
desde 1999. Outros como Santana (Quatis); São José Dores
da Serra (Valença), Caveira (São Pedro da Aldeia) , sil, que tem mantido a continuidade de suas ações e Desde então, outros encontros vêm sendo realizados,
Angelim (Cabo Frio) e Bracuy (Angra dos Reis), já preservado um espaço próprio, ao longo dos diferentes numa contribuição importante para ampliar a compre-
têm suas áreas reconhecidas e estão em processo de governos. Somente em janeiro de 2001, é criado, em ensão sobre a diversidade cultural e reafirmar que o
titulação. As comunidades de Rasa (Búzios), Prodígio âmbito municipal, o Rio Mulher, que tem como coor- racismo é uma violação dos direitos humanos e que,
(Araruama), Maria Joaquina (Cabo Frio), Cabral denadora a professora Maria Edite Dantas. Trata-se de portanto, a responsabilidade por combatê-lo é de
(Paraty), Saquarema, Marambaia, Magé, além do um setor ligado ao gabinete do Prefeito da cidade do todas as pessoas. É importante mencionar que esta
quilombo urbano de Sacopã, estão em processo de Rio de Janeiro, responsável pela formulação e articu- trajetória comum de crescimento e enriquecimento
identificação e ou reconhecimento. lação de políticas públicas na perspectiva de gênero político contou com o espírito instigador e o pioneiris-
Infelizmente, ainda hoje, a maioria dessas e desenvolvimento de ações voltadas, especialmente,
comunidades vive em condições precárias, para as mulheres.
especialmente em relação à saúde, educação e
produção agrícola, e têm suas tradições culturais
ameaçadas, uma vez que apenas a tradição oral tem
As etnias em cena
atravessado a barreira do tempo. Mulheres de outros setores organizados da sociedade MARLI CORAGEM
Embora as comunidades quilombolas venham sendo civil, ainda na década de 1980, passam a dar visi-
objeto de debates e luta pelo direito à terra que ocupam bilidade a suas questões específicas. Nasce, no Rio Marli Pereira Soares tornou-se um símbolo da luta contra a violência.
há várias gerações, é somente a partir de 1988 que um de Janeiro, o Grumin – Grupo Mulher e Educação Nasceu em 1954, na favela da Praia do Pinto, zona sul do Rio de
dispositivo constitucional garante aos remanescentes Indígena, primeira organização brasileira de mulheres Janeiro. Tinha 12 anos de idade quando a favela foi criminosamente
dessas comunidades, que estejam ocupando suas indígenas coordenada por Eliane Potiguara. Em 1991 incendiada. Em 1979, testemunhou o assassinato de seu irmão Paulo,
terras, o reconhecimento e a propriedade. Graças à este grupo organizou, na cidade de Nova Iguaçu, um pela polícia. Mulher, negra e empregada doméstica, tomou-se de
pressão e esforço do Movimento Negro, que considera coragem, enfrentou todos os riscos e denunciou os criminosos.
memorável encontro nacional com mais de 200 repre-
o resgate dos quilombos não só uma reparação justa, A repercussão do caso na imprensa transformou-se na sua única
sentantes.
como também a possibilidade de reencontro com a garantia de vida. Não conseguiu mais emprego. Peregrinou por
tradição e cultura africana. O poder público tem Entre 1985 e 1990, amplia-se por todo o país o nú- delegacias e quartéis, lutando para ser ouvida. No dia que conseguiu ser recebida, viu passar pelo pátio do batalhão, onde
Um Rio de mulheres

lidado, ainda que lentamente, com a questão dos mero de seminários e encontros destinados a fortale- prestava depoimento, três dos policiais militares que haviam invadido sua casa, entre eles estava um dos assassinos de
quilombolas, muitos deles ameaçados de expulsão de cer a organização das mulheres negras e aprofundar seu irmão. Em 1980, foi decretada a prisão preventiva dos cinco acusados. A partir daí, sob forte pressão, ela manteve-
suas terras. a visão específica de subordinação e discriminação, se escondida durante muito tempo. Anos mais tarde, Marli Coragem, como ficou conhecida, perdeu um filho, também
assassinado por um policial e, desde então, ninguém soube mais de seu paradeiro. 95

94
Jurema
Lésbicas abrem caminho
(da esq. para
direita) Batista
Silvia Mendonça e
As mulheres com diferente orientação sexual soma-
Rosália Lemos ram ingredientes ao caldo da contestação e, diante
dos enormes preconceitos e violência sofrida na so-
ciedade brasileira, organizam-se em grupos para o
desenvolvimento da auto-estima, grupos de denúncia
Coordenadoras do Grupo Criola e de ação política. O primeiro grupo lésbico de que se
tem notícia foi o Iamaricumas. Mais tarde, em 1995,
juntam-se Rosângela Castro, Neusa da Dores Pereira, BETH CALVET
Beth Calvet, Gisela Carvalho para fundar o Coletivo de
Lésbicas do Rio de Janeiro. Tanto este coletivo como A carioca Beth Calvet nasceu em
o CEDOICOM foram responsáveis pela organização do 1960 e foi uma grande liderança
Jurema
Werneck
Helena
I SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas, ocorrido do movimento de mulheres, em
Patricia Teodoro
Evangelista Lúcia em 1996 na capital fluminense. Neste encontro foi especial das ativistas lésbicas.
Xavier Foi co-fundadora do Centro de
discutida a importância de criar uma data de referên-
Documentação e Informação Coisa
cia para atrair a atenção sobre o tema do lesbianismo,
de Mulher - CEDOICOM, em
realizando ações orquestradas. Foi escolhido o dia 29 1994 e do Coletivo de Lésbicas do
Jandelice
de agosto como o Dia Nacional de Visibilidade Lésbi- Rio de Janeiro - COLERJ, no ano
Josina
Feitosa Cunha
ca. Três anos depois, esses mesmos grupos assumem seguinte. Também participou da
a organização do V Encontro de Lésbicas Feministas fundação do Instituto de Cultura
da América Latina e do Caribe. Em julho de 2001, e Consciência Negra Nelson
ROSA GERALDA SILVEIRA Rosângela Castro, Daniele Duarte e Aline Borges, ex- Mandela, do Fórum de Familiares
militantes do núcleo de lésbicas do grupo Arco-Iris, e Amigos dos Internos do Sistema
Rosa Geralda Silveira, neta de ex-escravos, nasceu no dia 18 de julho de 1929, na fazenda Caveira criam o Grupo de Mulheres Felipa de Souza com o Penitenciário e do Acorda Egresso.
em Botafogo, São Pedro da Aldeia, região dos lagos, onde havia um antigo quilombo. propósito de defender a livre opção sexual e promover Em 2002, um ano após sua morte,
Sua família trabalhava no cultivo de terra na fazenda Campos Novos, situada entre os municípios de a visibilidade lésbica. Essa temática ganha impulso e em reconhecimento ao seu trabalho
São Pedro da Aldeia e Cabo Frio, e em troca do trabalho ganhava apenas uma pequena parte do que e homenagem póstuma, recebeu
espaço na mídia quando, por esforço do movimento,
produzia. Como o serviço era muito intenso, Rosa, que começou a trabalhar muito cedo, encontrou o prêmio internacional de direitos
foi conquistada a Lei 2.475, que proíbe a discrimina-
muitas dificuldades para freqüentar a escola. Havendo apenas uma matrícula no Grupo Escolar humanos dos homossexuais Felipa de
ção de gays e lésbicas na cidade do Rio de Janeiro, Souza Award.
mais próximo, ela dividiu, por algum tempo, a vaga com uma de suas irmãs, ocupada em forma de assim como a garantia de direitos previdenciários aos
rodízio semanal pelas duas. A que ficava em casa cuidava dos irmãos menores e ajudava nos afazeres funcionários municipais que mantêm relação com
domésticos. Como era muito difícil acompanhar os estudos nesse sistema de revezamento, pediu a seu
pessoa do mesmo sexo.
pai um caderno e uma pena e começou a estudar sozinha nas horas de folga. Assim, com muito esforço, Rosa aprendeu a ler
e escrever. Aos 21 anos estava casada com Joaquim Severino, também trabalhador rural nascido em Caveira. Tiveram quatro Embora o respeito à diferença e a não discriminação
filhos. por orientação sexual estejam presentes nas consignas
A luta dos camponeses da região, por seus direitos e contra a exploração, teve início em 1950, a partir de uma grilagem de feministas, e apesar do crescimento e maior visibilida-
terra. Rosa esteve sempre à frente dessas lutas, tendo, inclusive, liderado uma greve para tentar modificar a situação em que de dos grupos lésbicos, ainda hoje a incorporação do Maria Lúcia
viviam. Neste período, mais organizados, fundaram o primeiro sindicato dos Trabalhadores Rurais da região. tema como questão política é ambígua no interior do Vidal – diretora
do Grupo Teatral
movimento de mulheres.
Em 1964, essas terras, foram arrendadas para três fazendeiros da região. O arrendamento tinha como objetivo expulsar os “Maria vai com
as outras”
chamados posseiros, por meio de uma ação na justiça.
Para permanecerem no local, as famílias foram obrigadas a provar que habitavam o lugar há muito tempo, conseguindo,
ainda que provisoriamente, uma carta de manutenção de posse até que a ação fosse julgada. As disputas na região se
manteriam ainda acirradas por um longo período. Por causa de sua dedicação à causa, coragem e muitos enfrentamentos,
Dona Rosa, como ficou conhecida, foi presa na base aeronaval de São Pedro da Aldeia, no período da ditadura militar, e
acusada de comunista.
Diz ela, que uma das maiores alegrias de sua vida foi convencer as pessoas da comunidade que seu envolvimento nos conflitos
não se tratava de interesse pessoal e sim de defesa do bem comum. Na época em que começou a lutar, as mulheres sempre a
olhavam com desconfiança e tinham dificuldades em aceitar seu engajamento político. Porém com o tempo, os preconceitos
foram se desfazendo e elas passaram a trabalhar e lutar ao lado dos companheiros, entendendo melhor as razões que moviam
Dona Rosa.
Um Rio de mulheres

Apesar de não ter uma boa saúde, Dona Rosa continua vivendo na terra que sempre defendeu, juntamente com seus filhos,
trabalhando na sua pequena roça, e nunca deixou de lado as atividades do Sindicato, além de manter viva a esperança de que
estas terras sejam finalmente tituladas e os direitos dos remanescentes de quilombos finalmente reconhecidos.
97

96
Seguiu-se a conferência sobre Direitos Humanos ceria com outras redes, a I Conferência Nacional de país, eles representam a pluralidade e diversidade do
Novos espaços... novas (Viena, 1993), onde a participação das advogadas Mulheres Brasileiras, inaugurando, com a mobilização movimento e seus inúmeros focos de atuação.
agendas feministas do Rio de Janeiro Leila Linhares, Rosane
Reis, Leilah Borges, Comba Marques Porto, Beth Garcez,
de mais de 5.000 mulheres, o começo do século XXI.
O feminismo é considerado, por muitos estudiosos,
Os movimentos de mulheres negras desempenharam como o movimento social mais importante do século
No cenário protagonizado pela sociedade civil organi- Glória Marcia Percinotto e a juíza Salete Maccalóz, ao um papel central no processo preparatório da 3º Con- XX. Como afirma Bila Sorj “Hoje, parece impossível
zada, ampliava-se o leque de grupos comprometidos lado de outras brasileiras, foi decisiva para a inclu- ferência Mundial contra o Racismo, ocorrida em Dur- pensar democracia, cidadania, desigualdades sociais,
com o feminismo. Novas organizações vão surgir no são do recorte de gênero no documento final. No ano ban (África do Sul) no ano de 2001. Demonstrando mudanças na organização da família, formas de traba-
final dos anos 1980 e década seguinte: o Nós Mulhe- seguinte, no Cairo, aconteceu a conferência sobre capacidade de aglutinação, colocaram no cenário da lho, entre tantas outras dimensões da vida social, sem
res; o Ser Mulher, com sede em Nova Friburgo; a As- População e Desenvolvimento, onde mais uma vez a história a Articulação de ONGs de Mulheres Negras e ter como referência a constituição de um novo sujeito
sociação das Prostitutas do Rio de Janeiro; o CEMINA presença de feministas foi fundamental para garantir o Fórum Nacional de Mulheres Negras e souberam, social, as mulheres, e uma forma de dominação, a de
– Comunicação, Educação e Informação em Gênero; a alguns avanços no texto. Entre estas se destacaram as exemplarmente, buscar a convergência em torno de gênero, construídos pelo discurso feminista”.
REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano; a CEPIA fluminenses Sonia Corrêa e Jacqueline Pitanguy, como suas agendas e de outros setores da sociedade civil
– Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação; o negociadoras cuja habilidade e conhecimento do tema organizada, como o movimento feminista. Esse pro- Em julho de 2003 comemora-se 28 anos do seminá-
CACES – Centro de Atividades Econômicas e Sociais; dos direitos sexuais e reprodutivos contribuiu para a cesso deixou claro que, para combater e eliminar rio da ABI/Rio de Janeiro, data símbolo da segunda
o Mulheraça; o Abayomi; o Rabo de Saia, em Nova qualidade do documento produzido. o racismo, é preciso contar com o compromisso de onda feminista brasileira que vivenciou, desde então,
Iguaçu; o Coisa de Mulher na Baixada Fluminense; todos os segmentos que lutam pela consolidação de tempos pontuados de vitórias e também de retroces-
As conferências da ONU possibilitaram o estabeleci-
o Movimento de Mulheres de São Gonçalo; Akoti- um estado democrático e justo. A mobilização flumi- sos. Embora com uma presença ainda modesta no
mento de um processo de integração internacional da
rene – Coletivo de Mulheres de Cabo Frio; o Éléékò nense no período prévio à conferência contou com o congresso nacional, nas assembléias legislativas, nas
luta das mulheres que teve seu apogeu na realização
– Gênero Desenvolvimento e Cidadania, em Niterói, o estímulo da então vice-governadora Benedita da Silva, câmaras de vereadores e nos governos federal, esta-
da IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing/1995).
CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora, entre outros Hildézia Medeiros, Abigail Páscoa, Jurema Werneck, duais e municipais, as mulheres indígenas, negras e
O período preparatório deste evento foi marcado por
anteriormente mencionados. Wânia Sant´Anna, Lucia Xavier, Rosália Lemos, Neuza brancas seguem lutando para superar o estigma de
uma grande mobilização no país, com a participação
das Dores Pereira e muitas outras. sua condição biológica e alcançar seu merecido lugar
de mais de 800 grupos na realização de encontros
As conferências da ONU estaduais e de uma conferência nacional, em junho O pensamento feminista e anti-racista tem ampliado
nos espaços de poder e decisão.

de 1995, no Rio de Janeiro. O principal produto desta seu espaço de legitimação, tanto na estrutura do es- * Versão adaptada do texto Feminismo pós 1975
O movimento feminista teve sua agenda potencializa- mobilização foi a Carta das Mulheres, documento con- tado como nas diferentes organizações da sociedade de Hildete Pereira de Melo e Schuma Schumaher.
da com a série de conferências internacionais promo- tendo as principais reivindicações das brasileiras para civil. Com mais de 1.000 grupos espalhados pelo
vidas pelas Nações Unidas no final do século XX e iní- o país. Para impulsionar este processo foram criadas,
cio do XXI. A primeira destas conferências teve como em 1994, a Articulação de Mulheres Brasileiras Leila Araújo Martha Rocha
cenário a cidade do Rio de Janeiro, com a realização Ligia Doutel de Andrade
(AMB), composta de fóruns estaduais, e uma Secreta-
paralela da ECO 92, um fórum para o debate entre ria Executiva, que teve sua primeira sede, ao longo de
organizações não-governamentais e da sociedade dois anos, na capital fluminense, sendo coordenada
civil. O movimento brasileiro de mulheres participou por Hildézia Medeiros, Maria do Espírito Santo (San-
ativamente deste fórum organizando o Planeta Fêmea, tinha), Maria Rita Taulois, Marta de Oliveira, Madalena
que foi coordenado pela norte-americana Bella Abzug, Guilhon, Schuma Schumaher e Wânia Sant´Anna. Atu-
pela carioca Rosiska Darcy de Oliveira e pela macaense almente a Secretaria Executiva da AMB encontra-se
Thais Corral. O Planeta Fêmea foi o lugar de referência instalada no SOS Corpo, em Recife. A AMB continua
e de intensos debates entre feministas do mundo in- atuante no monitoramento das políticas públicas à luz
teiro, que teve como resultado a elaboração da Agenda da Plataforma de Beijing. Realizou em 2002, em par- Ana Maria Ra
21 das Mulheres. es tes
Comba Moreira ALv
Marques Branca
Porto Glória Marcia Ana Lipke
Percinotto
Jaqueline
Pitanguy MUITO MAIS QUE UM CONSELHO
O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – CEDIM / RJ é um órgão de assessoramento direto ao Governo do Estado
do Rio de Janeiro, vinculado ao Gabinete Civil, criado através do decreto nº 9.906, de 6 de maio de 1987, a partir da
reivindicação dos movimentos de mulheres, com a atribuição de assessorar, formular e fomentar políticas públicas voltadas
Salete
para a valorização e a promoção da população feminina.
Maccalóz
Cumprindo suas atribuições legais e atendendo às demandas apresentadas, o CEDIM estabelece parceria e articula-se com
os movimentos organizados da sociedade civil e com órgãos públicos federais, estaduais e municipais. Dessa forma, excede as
competências comuns a um conselho e atua como órgão propositor, regulador e executor de políticas específicas nas áreas de
Rosiska
Thais saúde, educação, cultura, combate à violência, trabalho, desenvolvimento urbano e equipamentos, habitação, meio ambiente
Um Rio de mulheres

Darcy de
Corral
Oliveira e comunicação.
Desde sua fundação, cinco mulheres presidiram o órgão: Branca Moreira Alves, Lígia Doutel de Andrade, Ana Maria
Rattes, Leila Araújo e Ana Lipke. Em janeiro de 2003, assumiu a presidência a delegada de polícia Marta Rocha. 99

98
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Realização

Parcerias
Realização Agradecimentos
Às pessoas que nos incentivaram e as
Um Rio
que nos deram inúmeras contribuições: de Mulheres
Amália Fischer, América Pires, Amilton A participação das
Carvalhal, Ângela Costa, Antônio José fluminenses
da Silva Martins, Aristolina Queiroz de na história do Estado
Almeida, Associação Thálamus, Áurea do Rio de Janeiro de
Pessoa, Baby Ahrends, Bruno Borges, SCHUMA SCHUMAHER E
Cláudia Ferreira, Crispiano Ribeiro, ÉRICO VITAL BRAZIL
Cristina Pierotti, Denise Brasil, Denise de COORDENAÇÃO GERAL
Parcerias Schuma Schumaher
Moraes Moreira, Dica de Lima, Eduardo
Monteiro, Frederick Engelhart, Geraldinho COORDENAÇÃO EDITORIAL
Érico Vital Brazil
Vieira, Hildézia Medeiros, Izadora Afrodite,
Schuma Schumaher
Jandira Fernandes Lima, Joana Angélica,
REDAÇÃO E EDIÇÃO
José Olyntho Contente Neto, Kassia Barros,
Érico Vital Brazil
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Melo, Leilah Borges, Lígia Lessa Bastos, Anna Luiza Pijnappel
Lívia Garcia Rosa, Lúcia Xavier, Luciana COLABORADORAS(ES):
Neto, Luiz Dias, Luis Fernando Schumaher, Ana Pessoa

Madalena Guilhon, Márcia Lemos, Maria


Inês Batista Medeiros, Isadora Afrodite,
Angela Freitas
Denise Viola
Fernanda Pompeu
Meri Damaceno
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Maria José de Lima, Maria Regina Puri
Mônica da Silva Araújo
Arraes, Maria Terezinha da Luz, Mariluce Paulo Keller
da Silva, Mariangela Sedraz, Marta Rocha, José Marmo
Juliana Carneiro
Neusa das Dores Pereira, Paula Jonhs, Rita
Veiga, Roberto Burstin, Rogéria Peixinho, PESQUISA E PREPARAÇÃO DE TEXTOS
Apoio Carmen Margarida Oliveira Alveal
Rosângela Castro, Rosangela Paulino, Carolina P. de Araújo
Santinha, Silvana Lemos, Solange Dacach, Érica Bastos Arantes
Sônia Malheiros, Stella Van Werelt, Suely Érico Vital Brazil
Iolanda Janaína M. Machado
Oliveira, Thais Corral, Thays Vital Brazil Nadja Nicolaevski
Lobo, Vitória Grabois. Virgínia Albuquerque de Castro Buarque
Queremos, ainda, registrar profunda PESQUISA ICONOGRÁFICA
gratidão à equipe envolvida neste trabalho Érico Vital Brazil
Nadja Nicolaevski
e colaboradores (as), sem as quais esta
publicação não seria viabilizada. ENCARTE
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LEITURA CRÍTICA
Cristiane Lasmar
Roberto Mansilla Amaral
IMAGENS
Acervo do Projeto Mulher 500 anos – Redeh
Acervo do Centro Documentação Pagu – Cemina
Claudia Ferreira
PROJETO GRÁFICO
Bete Esteves
Schumaher, Schuma Bruno Pugens
Um Rio de Mulheres: a participação das fluminenses na REVISÃO
história do Estado do Rio de Janeiro / Schuma Schumaher Elizabeth Roballo
e Érico Vital Brazil. - Rio de Janeiro : REDEH, 2003. EQUIPE DE APOIO
Ana Cristina Mesquita
100p. Il. Carlos Augusto Júnior
Elza Loures dos Santos
Inclui bibliografia
Hélio Araujo
Kátia Regina Pereira da Silva
ISBN Maria da Guia Oliveira Felix
1 - História. 2 - Mulheres. 3 - Estado do Rio de Janeiro. Regina Celi de Oliveira Silva
Sandra Infurna
4 - Vital Brazil, Érico.
Março de 2003

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