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IMAGINA EU NUM PAU DE ARARA?

Antonio Prata

Caro (e)leitor, cara (e)leitora, se você gosta das minhas crônicas e pretende
votar no Bolsonaro, “spoiler alert”: no caso de uma ditadura como a que já foi mais de
uma vez aventada pelo capitão e seu escudeiro Mourão, eu sou o típico sujeito que vai
pro pau de arara ou “desaparece”. Como é extremamente difícil digitar de cabeça pra
baixo e ter boas sacadas “desaparecido”, talvez seja de bom tom, enquanto ainda me
encontro com os pés cravados no chão e sem balas cravadas na testa, sugerir que mudem
de candidato —ou de cronista.
Caso optem pela segunda opção, lá por 2020, 2021, quando o bicho estiver
pegando, quando as atitudes autoritárias do governo houverem gerado protestos e os
protestos derem a desculpa para revogarem os direitos individuais em nome da
“restauração da ordem” contra as “forças da anarquia” —esse “Vale a Pena Ver de Novo”
que reprisamos a cada três ou quatro décadas em nossa “democracinha”—, quando,
enfim, eu, digamos, der uma morrida, vocês não perderão um colunista.
O (e)leitor pode achar que exagero. Também acho absurdo, às vezes, pensar
que eu poderia ser assassinado por uma ditadura em pleno século 21, no Brasil, mas aí
ligo a TV, abro o jornal, atolo no Facebook e vejo as declarações do candidato. Lá está o
Bolsonaro dizendo que esse país só vai dar certo quando fizermos “o trabalho que o
regime militar não fez, matando uns 30 mil”. Se ele falasse em matar 3.000 eu me calaria,
humildemente, ciente de que tem gente muito mais importante para ser assassinada antes
de mim. Mas pra uma baciada de 30 mil sem dúvida eu me qualifico.
“Ah”, dirá o leitor, “é entrevista antiga, de 1999. O Bolsonaro já disse que
mudou de ideia”. Bom, mês passado o candidato gritou num comício, usando um tripé de
câmera como se fosse uma arma, “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre!”. Eu não sou
petista. Sou, como escrevi anos atrás, “meio intelectual, meio de esquerda”, hoje com
inegável viés “meio coxinha, meio burguês”, mas neste tipo de noite que se aproxima
todos os gatos são rubros e até explicar que focinho de porco não é tomada um fio
desencapado já pode estar ligando meu intestino à hidrelétrica de Itaipu.
“Ah”, dirá o leitor, “o ‘Mito’ não fala sério! É brincadeira!”. É? Em julho, no
Roda Viva, Bolsonaro declarou que seu livro de cabeceira é “Verdade Sufocada”, de
autoria do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe da tortura no DOI-Codi. Em
1975, Vladimir Herzog, um jornalista sem qualquer ligação com a luta armada, um cara
assim como eu, pai de um filho de nove e outro de sete, se apresentou voluntariamente ao
DOI-Codi para “esclarecimentos” e foi “suicidado” na base da porrada e do eletrochoque.
Não acredito que você, caro (e)leitor, cara (e)leitora que pretende votar no
Bolsonaro, seja a favor dessa barbárie. Acredito que esteja desiludido, cansado, com raiva
e coloque os abusos do passado na conta da Guerra Fria. Mas não estamos falando do
passado. Estamos falando de hoje. De amanhã. Imagina eu, de cabeça pra baixo, nu,
tomando choque, amanhã. Estranho, não é?
Você é de direita? Repudia o PT? Vote no Amoêdo. No Alckmin. No
Meirelles. No Ciro. Na Marina. Em nenhum desses casos eu morro no final. Desculpa se
pareço um pouco autocentrado, mas é que esta é a única vida que eu tenho; gostaria
bastante de ver meus filhos crescerem e, se não for pedir muito, evitar choques em minhas
partes pudendas. É um tanto incômodo, dizem os que sobreviveram ao ídolo do capitão.

PRATA, Antonio. Imagina eu num pau de arara? 2018. Folha de S. Paulo, Colunas e Blogs.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2018/09/imagina-eu-num-
pau-de-arara.shtml>. Acesso em: 23 set. 2018.

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