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ilustríssima clube de leitura folha revolução russa,

Os africanos que propuseram ideias leia também

iluministas antes de Locke e Kant Ciência repensa o cérebro e mostra


que ele não é feito para mudar de
Fabio Zimbres ideia

Obsessão com identidades e histeria


conservadora desafiam democracia

Biografia pinta Lutero como homem


moderno, mas intolerante com
judeus

Edição impressa

notícia falsa

Ilustração de Fabio Zimbres

REPORTAGEM
DAG HERBJORNSRUD
tradução CLARA ALLAIN Como funciona a engrenagem das
ilustração FABIO ZIMBRES notícias falsas no Brasil
24/12/2017 02h00 ENSAIO FILOSÓFICO

E se o erro e a fabulação revelarem-se


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tão essenciais quanto a verdade?

RESUMO Os ideais mais elevados de Locke, Hume na rede


e Kant foram propostos mais de um século antes IDEOLOGIA DA DESESPERANÇA Box 100 Shows
deles por Zera Yacob, um etíope que viveu numa Frigobar
Electrolux ... Trump, os nerds do 4chan e a nova para Assistir
caverna. O ganês Anton Amo usou noção da filosofia direita dos Estados Unidos Antes de Morrer -
à vista
alemã antes de ela ser registrada oficialmente. Autor R$ 1.049,64 Vol. 2 (DVD)
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Os ideais do Iluminismo são a base de nossas democracias e universidades no


século 21: a crença na razão, na ciência, no ceticismo, no secularismo e na
igualdade. De fato, nenhuma outro período se compara à era do Iluminismo.

A Antiguidade é inspiradora, mas está a um mundo de distância das


sociedades modernas. A Idade Média é mais razoável do que sua reputação
sugere, mas ainda assim é medieval. A Renascença foi gloriosa, mas em
grande medida graças ao seu resultado: o Iluminismo. O romantismo veio
como reação à era da razão, mas os ideais dos Estados modernos não se
expressam em termos de romantismo e emoção.

Segundo a história mais contada, o Iluminismo tem origem no "Discurso do


Método" (1637), de René Descartes, continuou por cerca de um século e meio
com John Locke, Isaac Newton, David Hume, Voltaire e Kant e terminou com MONETIZAÇÃO DA ATENÇÃO
a Revolução Francesa, em 1789 —talvez com o período do terror, em 1793. Sereias digitais, vício em tecnologia e
dicas para uso saudável da internet
Mas e se a história estiver errada? E se o Iluminismo puder ser associado a
lugares e pensadores que costumamos ignorar? Tais perguntas me
assombram desde que topei com o trabalho de um filósofo etíope do século revolução russa
17: Zera Yacob (1599-1692), também grafado Zära Yaqob.

Yacob nasceu numa família pobre numa propriedade agrícola perto de Axum,
a lendária antiga capital do norte da Etiópia. Como estudante, ele
impressionou seus professores e foi enviado a uma nova escola para estudar
retórica ("siwasiw" em ge'ez, a língua local), poesia e pensamento crítico
("qiné") por quatro anos.

Em seguida, estudou a Bíblia por dez anos em outra escola, recebendo


ensinamentos dos católicos e dos coptas, bem como da tradição cristã TV FOLHA
ortodoxa, majoritária no país. Documentário fictício imagina
como seria se Stálin proibisse xadrez
Na década de 1620, um jesuíta português convenceu o rei Susenyos a
Especial traz vídeos sobre os 100 anos da revolução
converter-se ao catolicismo, que não tardou a virar religião oficial da Etiópia.
Seguiu-se uma perseguição aos livres-pensadores, mais intensa a partir de PUBLICIDADE
1630. Yacob, que nessa época lecionava na região de Axum, havia declarado Anúncio

que nenhuma religião tem mais razão que outra —e seus inimigos o Compare preços:
denunciaram para o rei.

Yacob fugiu, levando apenas um pouco de ouro e os Salmos de Davi. Viajou


para o sul, para a região de Shewa, onde se deparou com o rio Tekezé.

Ali encontrou uma área desabitada com uma "bela caverna" no início de um
vale. Construiu um muro de pedra e viveu nesse local isolado para "encarar
apenas os fatos essenciais da vida", como Henry David Thoreau descreveria
uma vida também solitária, dois séculos mais tarde, em "Walden" (1854).

Por dois anos, até a morte do rei, em setembro de 1632, Yacob permaneceu na
caverna como ermitão, saindo apenas para buscar alimentos no mercado mais envie sua notícia
próximo. Na caverna, ele alinhavou sua nova filosofia racionalista.
Fotos Vídeos Relatos

Ele acreditava na primazia da razão e afirmava que todos os seres humanos, CMA Series 4
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homens e mulheres, são criados iguais. Yacob argumentou contra a
escravidão, criticou todas as religiões e doutrinas reconhecidas e combinou
essas opiniões com sua crença pessoal em um criador divino, asseverando que
O melhor sistema para inve
a existência de uma ordem no mundo faz dessa a opção mais racional.
siga a folha
na bolsa!

Em suma: muitos dos ideais mais elevados do Iluminismo foram concebidos e


resumidos por um homem que trabalhou sozinho em uma caverna etíope de
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1630 a 1632.
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LIVROS

A filosofia de Yacob, baseada na razão, é apresentada em sua obra principal,


"Hatäta" (investigação). O livro foi escrito em 1667 por insistência de seu
discípulo, Walda Heywat, que escreveu ele próprio uma "Hatäta" de
orientação mais prática.

Hoje, 350 anos mais tarde, é difícil encontrar um exemplar do trabalho de


EM ILUSTRÍSSIMA
Yacob. A única tradução ao inglês foi feita em 1976 pelo professor
universitário e padre canadense Claude Sumner. Ele a publicou como parte de + LIDAS + COMENTADAS + ENVIADAS ÚLTIMAS

uma obra em cinco volumes sobre a filosofia etíope, que foi lançada pela nada Os africanos que propuseram ideias
comercial editora Commercial Printing Press, de Adis Abeba. 1 iluministas antes de Locke e Kant

O livro foi traduzido ao alemão e, no ano passado, ao norueguês, mas ainda é


Após 40 anos, sequestradores de mães da praça
basicamente impossível ter acesso a uma versão em inglês. de Maio são condenados
A filosofia não era novidade na Etiópia antes de Yacob. Por volta de 1510,
História de Gilgamesh, agora com nova
"The Book of the Wise Philosophers" (o livro dos filósofos sábios) foi 2
3 tradução, antecipa aspectos da Bíblia
traduzido e adaptado ao etíope pelo egípcio Abba Mikael. Trata-se de uma
coletânea de ditados de filósofos gregos pré-socráticos, Platão e Aristóteles
Movimentos negros repetem lógica do
por meio dos diálogos neoplatônicos, e também foi influenciado pela filosofia 4 racismo científico, diz antropólogo
arábica e as discussões etíopes.
John Williams narra trajetória de
Em sua "Hatäta", Yacob critica seus contemporâneos por não pensarem de
modo independente e aceitarem as palavras de astrólogos e videntes só
5 fundador do Império Romano; leia

porque seus predecessores o faziam. Em contraste, ele recomenda uma


investigação baseada na razão e na racionalidade científica, considerando que
todo ser humano nasce dotado de inteligência e possui igual valor.

Longe dele, mas enfrentando questões semelhantes, estava o francês


Descartes (1596-1650). Uma diferença filosófica importante entre eles é que o Homo Deus
católico Descartes criticou explicitamente os infiéis e ateus em sua obra Yuval Noah Harari
"Meditações Metafísicas" (1641). De: R$ 54,90
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Essa perspectiva encontra eco na "Carta sobre a Tolerância" (1689), de Locke,
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para quem os ateus não devem ser tolerados.

As "Meditações" de Descartes foram dedicadas "ao reitor e aos doutores da


Bob Dylan - História,
sagrada Faculdade de Teologia em Paris", e sua premissa era "aceitar por Discografia, Fotos e
meio da fé o fato de que a alma humana não morre com o corpo e de que Deus Documentos
existe". Brian Southall

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Yacob, pelo contrário, propõe um método muito mais agnóstico, secular e
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inquisitivo —o que também reflete uma abertura ao pensamento ateu. O
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quarto capítulo da "Hatäta" começa com uma pergunta radical: "Tudo que
está escrito nas Sagradas Escrituras é verdade?" Ele prossegue pontuando que Box Filme Noir (Vol. 9)
todas as diferentes religiões alegam que sua fé é a verdadeira: (DVD)
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"De fato, cada uma delas diz: 'Minha fé é a certa, e aqueles que creem em Por: R$ 79,90
outra fé creem na falsidade e são inimigos de Deus'. (...) Assim como minha fé
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me parece verdadeira, outro considera verdadeira sua própria fé; mas a
verdade é uma só".

Assim, ele deslancha um discurso iluminista sobre a subjetividade da religião, Belchior

mas continua a crer em algum tipo de criador universal. Sua discussão sobre a Jotabê Medeiros

existência de Deus é mais aberta que a de Descartes e talvez mais acessível aos De: R$ 49,90
leitores de hoje, como quando incorpora perspectivas existencialistas: Por: R$ 47,90
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"Quem foi que me deu um ouvido com o qual ouvir, quem me criou como ser
reacional e como cheguei a este mundo? De onde venho? Tivesse eu vivido
antes do criador do mundo, teria conhecido o início de minha vida e da Cinema Faroeste (Vol.
consciência de mim mesmo. Quem me criou?". 5) (DVD)
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No capítulo cinco, Yacob aplica a investigação racional a leis religiosas
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diferentes. Critica igualmente o cristianismo, o islã, o judaísmo e as religiões
indianas.

Ele aponta, por exemplo, que o criador, em sua sabedoria, fez o sangue fluir
mensalmente do útero das mulheres, para que elas possam gestar filhos.
Assim, conclui que a lei de Moisés, segundo a qual as mulheres são impuras
quando menstruam, contraria a natureza e o criador, já que "constitui um
obstáculo ao casamento e a toda a vida da mulher, prejudica a lei da ajuda
mútua, interdita a criação dos filhos e destrói o amor".

Desse modo, inclui em seu argumento filosófico a perspectiva da


solidariedade, da mulher e do afeto. E ele próprio viveu segundo esses ideais.
Fabio Zimbres
Ilustração de capa da Ilustríssima, por Fabio Zimbres

Depois de sair da caverna, pediu em casamento uma moça pobre chamada


Hirut, criada de uma família rica. O patrão dela dizia que uma empregada não
estava em pé de igualdade com um homem erudito, mas a visão de Yacob
prevaleceu. Consumada a união, ele declarou que ela não deveria mais ser
serva, mas seu par, porque "marido e mulher estão em pé de igualdade no
casamento".

Contrastando com essas posições, Kant (1724-1804) escreveu um século mais


tarde em "Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime" (1764):
"Uma mulher pouco se constrange com o fato de não possuir determinados
entendimentos".

E, nos ensaios de ética do alemão, lemos que "o desejo de um homem por
uma mulher não se dirige a ela como ser humano, pelo contrário, a
humanidade da mulher não lhe interessa; o único objeto de seu desejo é o
sexo dela".

Yacob enxergava a mulher sob ótica completamente diferente: como par


intelectual do filósofo.
Ele também foi mais iluminista que seus pares do Iluminismo no tocante à
escravidão. No capítulo cinco, Yacob combate a ideia de que "possamos sair e
comprar um homem como se fosse um animal". Assim, ele propõe um
argumento universal contra a discriminação:

"Todos os homens são iguais na presença de Deus; e todos são inteligentes,


pois são suas criaturas; ele não destinou um povo à vida, outro à morte, um à
misericórdia e outro ao julgamento. Nossa razão nos ensina que esse tipo de
discriminação não pode existir".

As palavras "todos os homens são iguais" foram escritas décadas antes de


Locke (1632-1704), o pai do liberalismo, ter empunhado sua pena.

E a teoria do contrato social de Locke não se aplicava a todos na prática: ele


foi secretário durante a redação das "Constituições Fundamentais da
Carolina" (1669), que concederam aos homens brancos poder absoluto sobre
seus escravos africanos. O próprio inglês investiu no comércio negreiro
transatlântico.

Comparada à de seus pares filosóficos, portanto, a filosofia de Yacob


frequentemente parece o epítome dos ideais que em geral atribuímos ao
Iluminismo.

ANTON AMO

Alguns meses depois de ler a obra de Yacob, enfim tive acesso a outro livro
raro: uma tradução dos escritos reunidos do filósofo Anton Amo (c. 1703-55),
que nasceu e morreu em Gana.

Amo estudou e lecionou por duas décadas nas maiores universidades da


Alemanha (como Halle e Jena), escrevendo em latim. Hoje, segundo o World
Library Catalogue, só um punhado de exemplares de seu "Antonius
Guilielmus Amo Afer of Axim in Ghana" está disponível em bibliotecas
mundo afora.

O ganês nasceu um século após Yacob. Consta que ele foi sequestrado do povo
akan e da cidade litorânea de Axim quando era pequeno, possivelmente para
ser vendido como escravo, sendo levado a Amsterdã, para a corte do duque
Anton Ulrich de Braunschweig-Wolfenbüttel —visitada com frequência pelo
polímata G. W. Leibniz (1646-1716).

Batizado em 1707, Amo recebeu educação de alto nível, aprendendo hebraico,


grego, latim, francês e alemão —e provavelmente sabia algo de sua língua
materna, o nzema.

Tornou-se figura respeitada nos círculos acadêmicos. No livro de Carl


Günther Ludovici sobre o iluminista Christian Wolff (1679-1754) —seguidor
de Leibniz e fundador de várias disciplinas acadêmicas na Alemanha—, Amo é
descrito como um dos wolffianos mais proeminentes.

No prefácio a "Sobre a Impassividade da Mente Humana" (1734), de Amo, o


reitor da Universidade de Wittenberg, Johannes Gottfried Kraus, saúda o
vasto conhecimento do autor, situa sua contribuição ao iluminismo alemão
em um contexto histórico e sublinha o legado africano da Renascença
europeia:

"Quando os mouros vindos da África atravessaram a Espanha, trouxeram com


eles o conhecimento dos pensadores da Antiguidade e deram muita
assistência ao desenvolvimento das letras que pouco a pouco emergiam das
trevas".

O fato de essas palavras terem saído do coração da Alemanha na primavera de


1733 ajuda a lembrar que Amo não foi o único africano a alcançar o sucesso na
Europa do século 18.

Na mesma época, Abram Petrovich Gannibal (1696-1781), também


sequestrado e levado da África subsaariana, tornava-se general do czar Pedro,
o Grande, da Rússia. O bisneto de Gannibal se tornaria o poeta nacional da
Rússia, Alexander Pushkin. E o escritor francês Alexandre Dumas (1802-70)
foi neto de uma africana escravizada e filho de um general aristocrata negro
nascido no Haiti.
Amo tampouco foi o único a levar diversidade e cosmopolitismo a Halle nas
décadas de 1720 e 1730. Vários alunos judeus de grande talento estudaram na
universidade. O professor árabe Salomon Negri, de Damasco, e o indiano
Soltan Gün Achmet, de Ahmedabad, também passaram por lá.

CONTRA A ESCRAVIDÃO

Em sua tese, Amo escreveu explicitamente que havia outras teologias além da
cristã, incluindo entre elas a dos turcos e a dos "pagãos".

Ele discutiu essas questões na dissertação "Os Direitos dos Mouros na


Europa", em 1729. O trabalho não pode ser encontrado hoje, mas, no jornal
semanal de Halle de novembro de 1729, há um artigo curto sobre o debate
público de Amo. Segundo esse texto, o ganês apresentou argumentos contra a
escravidão, aludindo ao direito romano, à tradição e à razão.

Será que Amo promoveu a primeira disputa legal da Europa contra a


escravidão? Podemos pelo menos enxergar um argumento iluminista em
favor do sufrágio universal, como o que Yacob propusera cem anos antes. Mas
essas visões não discriminatórias parecem ter passado despercebidas dos
pensadores principais do iluminismo no século 18.

David Hume (1711-76), por exemplo, escreveu: "Tendo a suspeitar que os


negros, e todas as outras espécies de homem em geral (pois existem quatro ou
cinco tipos diferentes), sejam naturalmente inferiores aos brancos". E
acrescentou: "Nunca houve nação civilizada de qualquer outra compleição
senão a branca, nem indivíduo eminente em ação ou especulação".

Kant levou adiante o argumento de Hume e enfatizou que a diferença


fundamental entre negros e brancos "parece ser tão grande em capacidade
mental quanto na cor", antes de concluir, no texto do curso de geografia física:
"A humanidade alcançou sua maior perfeição na raça dos brancos".

Na França, o mais célebre pensador iluminista, Voltaire (1694-1778), não só


descreveu os judeus em termos antissemitas, como quando escreveu que
"todos eles nascem com fanatismo desvairado em seus corações"; em seu
ensaio sobre a história universal (1756), ele afirmou que, se a inteligência dos
africanos "não é de outra espécie que a nossa, é muito inferior".

Como Locke, Voltaire investiu dinheiro no comércio de escravos.

CORPO E MENTE

A filosofia de Amo é mais teórica que a de Yacob, mas as duas compartilham


uma visão iluminista da razão, tratando todos os humanos como iguais.

Seu trabalho é profundamente engajado com as questões da época, como se


vê em seu livro mais conhecido, "Sobre a Impassividade da Mente Humana",
construído com um método de dedução lógica utilizando argumentos rígidos,
aparentemente seguindo a linha de sua dissertação jurídica anterior. Aqui ele
trata do dualismo cartesiano, a ideia de que existe uma diferença absoluta de
substância entre a mente e o corpo.

Em alguns momentos Amo parece se opor a Descartes, como observa o


filósofo contemporâneo Kwasi Wiredu. Ele argumenta que Amo se opôs ao
dualismo cartesiano entre mente e corpo, favorecendo, em vez disso, a
metafísica dos akan e o idioma nzema de sua primeira infância, segundo os
quais sentimos a dor com nossa carne ("honem"), e não com a mente
("adwene").

Ao mesmo tempo, Amo diz que vai tanto defender quanto atacar a visão de
Descartes de que a alma (a mente) é capaz de agir e sofrer junto com o corpo.
Ele escreve: "Em resposta a essas palavras, pedimos cautela e discordamos:
admitimos que a mente atua junto com o corpo graças à mediação de uma
união natural. Mas negamos que ela sofra junto com o corpo".

Amo argumenta que as afirmações de Descartes sobre essas questões


contrariam a visão do próprio filósofo francês. Ele conclui sua tese dizendo
que devemos evitar confundir as coisas que fazem parte do corpo e da mente.
Pois aquilo que opera na mente deve ser atribuído apenas à mente.

Talvez a verdade seja o que o filósofo Justin E. H. Smith, da Universidade de


Paris, aponta em "Nature, Human Nature and Human Difference" (natureza,
natureza humana e diferença humana, 2015): "Longe de rejeitar o dualismo
cartesiano, pelo contrário, Amo propõe uma versão radicalizada dele".

Mas será possível que tanto Wiredu quanto Smith tenham razão? Por
exemplo, será que a filosofia akan tradicional e a língua nzema continham
uma distinção cartesiana entre corpo e mente mais precisa que a de
Descartes, um modo de pensar que Amo então levou para a filosofia europeia?

Talvez seja cedo demais para sabermos, já que uma edição crítica das obras de
Amo ainda aguarda ser publicada, possivelmente pela Oxford University
Press.

COISA EM SI

No trabalho mais profundo de Amo, "Treatise on the Art of Philosophising


Soberly and Accurately" (tratado sobre a arte de filosofar com sobriedade e
precisão, 1738), ele parece antecipar Kant. O livro trata das intenções de
nossa mente e das ações humanas como sendo naturais, racionais ou de
acordo com uma norma.

No primeiro capítulo, escrevendo em latim, Amo argumenta que "tudo é


passível de ser conhecido como objeto em si mesmo, ou como uma sensação,
ou como uma operação da mente".

Ele desenvolve em seguida, dizendo que "a cognição ocorre com a coisa em si"
e afirmando: "O aprendizado real é a cognição das coisas em si. E assim tem
sua base na certeza da coisa conhecida".

Seu texto original diz "omne cognoscibile aut res ipsa", usando a noção latina
"res ipsa" como "coisa em si".

Hoje Kant é conhecido por seu conceito da "coisa em si" ("das Ding an sich")
em "Crítica da Razão Pura" (1787) —e seu argumento de que não podemos
conhecer a coisa além de nossa representação mental dela.

Mas é fato sabido que essa não foi a primeira utilização do termo na filosofia
iluminista. Como diz o dicionário Merriam-Webster no verbete "coisa em si":
"Primeira utilização conhecida: 1739". Mesmo assim, isso foi dois anos depois
de Amo ter entregue seu trabalho principal em Wittenberg, em 1737.

À luz dos exemplos desses dois filósofos iluministas, Zera Yacob e Anton Amo,
talvez seja preciso repensarmos a Idade da Razão nas disciplinas da filosofia e
da história das ideias.

Na disciplina da história, novos estudos comprovaram que a revolução mais


bem-sucedida a ter nascido das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade
se deu no Haiti, não na França. A Revolução Haitiana (1791-1804) e as ideias
de Toussaint L'Ouverture (1743""1803) abriram o caminho para a
independência do país, sua nova Constituição e a abolição da escravidão.

Em "Les Vengeurs du Nouveau Monde" (os vingadores do novo mundo,


2004), Laurent Dubois conclui que os acontecimentos no Haiti foram "a
expressão mais concreta da ideia de que os direitos proclamados na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, eram de fato
universais".

Nessa linha, podemos indagar se Yacob e Amo algum dia serão elevados à
posição que merecem entre os filósofos da Era das Luzes.

Este texto foi publicado originalmente no site Aeon.

DAG HERBJORNSRUD, 46, é historiador de ideias e fundador do SGOKI (Centro de História Global e
Comparativa de Ideias), em Oslo.

CLARA ALLAIN é tradutora.

FABIO ZIMBRES, 57, é quadrinista, designer e artista visual.

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NELSON PRADO ROCCHI ontem às 16h12 0 0 Denunciar COMPARTILHAR

Sem dúvida vão encontrar evidências suprimidas pelos brancos colonialistas e racistas de
compositores negros superiores a Bach, Mozart e Beethoven,escultores superiores a
Michelangelo e Rodin, pintores superiores a Leonardo e Rafael, filósofos superiores a Platão e
Aristóteles.Sem dúvida muitos impérios sofisticados e civilizados de negros existiram antes da
Babilônia eEgito, mas foram destruídos pelos colonialistas brancos que com isso justificaram a
escravidão dos negros como se fossem animais
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

Responder

Murilo Soares ontem às 17h28 0 0 Denunciar COMPARTILHAR

Esse texto tem diversas marcas que sugerem ser uma brincadeira, como aquela dos escritores
russos desconhecidos, publicada há anos. Nenhuma referência é conhecida, os autores são
desconhecidos, os livros não estão acessíveis, a publicação apareceu em um site obscuro, etc.
A Folha precisa zelar pela credibilidade, nesse momento de auge das chamadas fase New.
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

Responder

Murilo Soares ontem às 17h27 0 0 Denunciar COMPARTILHAR


Esse texto tem diversas marcas que sugerem ser uma brincadeira, como aquela dos escritores
russos desconhecidos, publicada há anos. Nenhuma referência é conhecida, os autores são
desconhecidos, os livros não estão acessíveis, a publicação apareceu em um site obscuro, etc.
A Folha precisa zelar pela credibilidade, nesse momento de auge das chamadas fase New.
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem

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