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 Breve enquadramento da história

O episódio de que vamos falar é o “Jantar na casa dos Gouvarinho”


inserido nos Episódios da Vida Romântica, mais precisamente, na Crónica de
Costumes (caracterização da sociedade portuguesa, assumindo a forma de
crítica e sátira social, revelando os defeitos sociais que impedem o progresso e
a renovação das mentalidades), em paralelo com a intriga principal (à medida
que a intriga do incesto avança, a crónica de costumes continua a desenrolar-
se, mas cada vez com menos intensidade).

O capítulo XII inicia-se num sábado, com a chegada de Ega ao


Ramalhete, vindo de Celorico. Carlos fica surpreendido ao ver Ega no seu
quarto. Este conta-lhe que viajara com os Gouvarinho e que o Conde os
convidou para jantar, na segunda-feira.

No dia do jantar, ao chegar à casa dos Gouvarinho, Carlos e Ega


depararam-se com os seguintes convidados: o conde e a condessa de
Gouvarinho, Sousa Neto e sua mulher ( “a senhora de escarlate”), D. Maria da
Cunha e a baronesa de Alvim.

Anunciado o jantar, a Condessa tomou Carlos pelo braço e deu-lhe a


saber que tinha conhecimento da sua proximidade com a “brasileira”,
demonstrando-se zangada e com ciúmes.

Durante o jantar, foram abordados diversos temas de que iremos falar a


seguir. Para além do mais, usando o seu filho Charlie, a condessa arranja
maneira de estar sozinha com Carlos, beija-o e pede-lhe, como era habitual,
para se encontrarem na manhã seguinte em casa da titi.

Tal como combinado na noite anterior, Carlos foi ter com a condessa e,
de seguida, já atrasado, visitou Maria Eduarda (a “brasileira”) em sua casa.
Esta perguntou-lhe se ele sabia de alguma casa de campo onde ela pudesse
passar o verão com a filha e Carlos lembrou-se da casa de Craft, nos Olivais.
Depois disso, Carlos declarou-se a Maria Eduarda. Esta também o amava, mas
queria dizer-lhe algo importante, no entanto, este interrompe-a. Ao saber que o
amor é correspondido, beijam-se.

No dia seguinte, Carlos encontra-se com Craft e negoceia o aluguer da


sua casa e este aceita.

No fim do capítulo, Carlos, que até então não tinha falado desta relação
ao Ega, confessa-lhe a sua paixão por Maria Eduarda.
 Caracterização das personagens

 Sousa Neto: É o representante da Administração Pública (mais


precisamente, da Instrução Pública), é um símbolo da
mediocridade da administração, é ignorante e inculto(desconhece
um filósofo famoso da época), defende a imitação do estrangeiro,
acompanha as conversas sem interromper e não tem opinião
própria, acatando todas as opiniões mesmo sem tendo
fundamentos. Considera o amor um assunto escandaloso e os
ingleses tudo gente de negócios. É uma personagem-tipo da
burocracia, pouco intelectual e bastante inapto na administração.
Fisicamente é “um cavalheiro alto, escaveirado, grave, com uma
barba rala”.

 Conde de Gouvarinho: É ministro e par do reino,


personagem-tipo que representa o político incompetente (já tinha
passado por vários ministérios), tradicionalista/retrógrado,
ignorante e inculto, fútil e vaidoso, sem espírito crítico, maçador,
esquecido e possui um casamento de conveniência com a
Condessa, que o desprezava. Durante o jantar, demonstra
ignorância e inaptidão para o cumprimento das suas funções
(falta de memória). Valoriza demasiado o seu país, fazendo com
que tudo pareça perfeito. Não percebe as ironias de Ega. Tem
uma enorme estima por Carlos.
Fisicamente tinha um bigode encerado e uma pera curta (referido
no capítulo V).

 João da Ega: Autêntico retrato de Eça de Queirós pela


ideologia literária, pela sua aparência magra, por ter também um
bigode arrebitado e por usar um monóculo. É uma pessoa
exuberante e excêntrica, intelectual/culto, revolucionária,
boémio/despreocupado, sarcástico, crítico, ateu e sem moral e
sofria de diletantismo (incapacidade de empenho profissional
sério). Além disto, é também uma pessoa romântica e sentimental
que era guiado pelo sentimento e não pela razão, era naturalista e
realista. É um grande amigo e confidente de Carlos, e neste jantar
introduz-se nas conversas do Conde de Gouvarinho e Sousa Neto
sempre com muita ironia para ilustrar a ignorância e incapacidade
destas duas personagens e anima as personagens femininas
deste jantar. Usava um paletó (blazer com gola grande), fato e
botas, como a maior parte dos homens daquela época usavam.
Foi o responsável por introduzir Carlos à sociedade lisboeta
(jantar no Hotel Central).

 Dona Maria da Cunha: É uma senhora já com alguma idade,


amiga de Afonso da Mais, cansada da vida, simpática, sociável e
era uma das poucas pessoas que sabia do romance entre Carlos
e a Condessa.

 Baronesa de Alvim: É jovem, alegre e não gostava de Ega,


apesar de no final do jantar já simpatizar com ele chegando a rir-
se. Representa a ignorância e a falta de ideias progressistas.

 Carlos da Maia: É o protagonista da obra, filho de pedro Maia


e neto de Afonso da Maia. É um português bastante culto e
educado, com um gosto requintado, cosmopolita (passeia por
vários países), diletante (tal como Ega), vítima de hereditariedade
(gosto exagerado pelo luxo, como a mãe e tendência para o
sentimentalismo, como o pai. Distingue-se da sociedade da sua
época, alto, bem constituído, ombros largos, olhos e cabelo
negros, pele branca, cabelos negros e ondulados, barba fina e
castanha escura, pequena na face e aguçada no queixo. Não
interveio muito no jantar.

 Condessa de Gouvarinho: É uma mulher que vem de uma


família burguesa, fútil que despreza o seu marido pelo seu fraco
poder económico, é imoral, provocadora, sem escrúpulos, sensual
e anda sempre vestida de forma exuberante. Desenvolve uma
paixão por Carlos, uma vez que é infeliz no seu casamento,
tornando-se uma amante nervosa e exigente (até este se fartar e
decidir abandoná-la). É uma personagem-tipo que simboliza as
mulheres adúlteras. É uma aristocrata que corporiza a decadência
moral e a ausência de valores da alta sociedade. Tem cabelos
ruivos e crespos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, bem
feita, pele clara, fina e doce.
 Esposa de Sousa Neto: É uma mulher corpulenta, aparenta
ter 40 anos, sabe falar e é viajada. Tem um filho de Sousa Neto.
É descrita como “gorda e vestida de escarlate” e, por isso,
frequentemente chamada “senhora de escarlate”.
 Crítica social - ambientes

 Espaço social
O objetivo deste jantar era reunir a alta burguesia e a aristocracia
(nobreza), bem como acamada dirigente do país e demonstrar a sua
ignorância. Permitiu observar a degradação dos valores sociais e culturais (
“Isto é um país desgraçado”) , o atraso intelectual do país (“Creio que não há
nada de novo em Lisboa”), a mediocridade mental de algumas personagens
(principalmente, o conde e Sousa Neto) e a importação de modas estrangeiras
(impede o progresso e a renovação das mentalidades).

 Espaço físico
“Na sala de jantar, um pouco sombria, forrada de papel cor de vinho ,
escurecida ainda por dois antigos painéis de paisagem tristonha, a mesa oval,
cercada de cadeiras de carvalho lavrado, ressaltava alva e fresca, com um
esplêndido cesto de rosas entre duas serpentinas douradas.”
 Temas abordados

 Deslumbramento pelo estrangeiro


Foi o primeiro tema a ser abordado no jantar.

Ao falar deste tema viu-se um claro deslumbramento por parte do conde


de Gouvarinho e de Sousa Neto, o que nos demonstra os seus horizontes
limitados e o confinamento à sociedade lisboeta. Para além disso, o conde
tentou demonstrar um conhecimento que não possuía, falando de outros
países como se já lá estivesse estado.

“ – País de grande prosperidade, a Holanda!...Em nada inferior ao


nosso...Já conheci mesmo um holandês que era excessivamente instruído...”

Esta afirmação demonstra a ignorância e a falta de espírito crítico das


classes altas.

Sousa Neto é o principal alvo desta crítica:


“O Sr. Neto lamentava que os seus muitos deveres não lhe permitissem
percorrer a Europa. Em pequeno fora esse o seu ideal; mas agora, com tantas
ocupações públicas, via-se forçado a não deixar a carteira. E ali estava, sem
ter visto sequer Badajoz...
– E Vossa Excelência de que gostou mais, de Paris ou de Londres?”

Este demonstra tanta admiração que evidencia o seu aprisionamento


cultural, cingido às terras portuguesas (principalmente, Lisboa).

 Escravatura
Segue-se o tema da escravatura onde podemos ver que Ega demonstra
um caráter crítico e impiedoso:

“Ega declarou muito decididamente ao Sr. Sousa Neto que era pela
escravatura. Os desconfortos da vida, segundo ele, tinham começado com a
libertação dos negros. Só poderia ser seriamente obedecido, quem era
seriamente temido... Por isso, ninguém agora lograva ter os seus sapatos bem
envernizados, o seu arroz bem cozido, a sua escada bem lavada, desde que
não tinha criados pretos em que fosse lícito dar vergastadas... Só houvera duas
civilizações em que o homem conseguira viver com razoável comodidade: a
civilização romana e a civilização especial dos plantadores da Nova Orleães.
Porquê? Porque numa e noutra existira escravatura absoluta, a sério, com o
direito de morte!...”
Com este discurso antiliberalista e racista, Ega chocou os presentes no
jantar.

Sousa Neto abordou este tema com bastante superficialidade e


ignorância e, por isso, ao ver que este estava um pouco atordoado com a
conversa, o conde intervém dizendo que Ega estava apenas a fazer um
paradoxo (é o oposto ao que alguém pensa ser verdade). Com isto, tenta
lembrar-se de um paradoxo que ele diz ser difícil de sustentar, mas sem
sucesso. Esta falta de memória evidenciada no conde tem o intuito de o
ridicularizar e estupidificar. A mudança do tema de conversa deu-se pois, este
não percebeu a ironia de Ega e desviava-se do assunto, para assim, não ter
necessidade de formular uma opinião, ou seja, critica-se a incapacidade de ter
opinião própria.

 Educação das mulheres


Este tema surgiu a propósito de uma conversa que decorrera nessa
manhã entre o conde e a secretária da Legação da Rússia (Legação:
representação diplomática permanente de um Governo, junto de outro, de
categoria inferior à de embaixada e dirigida por um ministro).

O conde afirmou que “a admirava também, gabava-lhe sobretudo o


espírito, a instrução.”, mas Ega opôs-se. Este afirma que “o dever da mulher é
primeiro ser bela, e depois ser estúpida...”. Dito isto, o conde mudou logo a sua
posição, dizendo que “não gostava também de literatas: sim, decerto o lugar da
mulher era junto do berço, não na biblioteca...”. Esta contradição demostra,
mais uma vez, a incapacidade de não conseguir formular a sua própria opinião.
Revela também a falta de atividade das pessoas detentoras do poder, no que
toca ao progresso da sociedade e da mentalidade portuguesa, pois o papel da
mulher na vida cívica era desprezado e, os homens, membros da alta
aristocracia, contribuíam para que a mulher continuasse a ser tratada coo
intelectualmente inferior.

Ega como sempre adota uma postura irónica, de modo a suscitar


polémica e discussão.

Podem, então, ver-se duas posições relativamente a este tema.

Por um lado, a mulher deve ter capacidade para falar sobre livros ou
artigos de revista mais simples sem que, no entanto, tenha capacidade
intelectual para discutir abertamente sobre assuntos de cariz literário, político
ou social com um homem.
Por outro lado, as melhores qualidades, e aquelas às quais se deveria
dar mais relevância, são as de dona de casa, mais precisamente, cozinhar e
ser boa mulher.

Ega disse ainda que “uma mulher com prendas, sobretudo com prendas
literárias, sabendo dizer coisas sobre o Sr. Thiers, ou sobre o Sr. Zola, é um
monstro [...]”. Com isto, podemos constatar que, naquela época, a educação
das mulheres não era uma prioridade e as mulheres mais dotadas
intelectualmente eram, de certo modo, temidas pelos homens.

Sousa Neto defendia a educação das mulheres.

 Filosofia e literatura
Após falarem da educação das mulheres, Ega pergunta a Sousa Neto se
conhece o filósofo francês Proudhon, mas este atrapalhado responde “ –
Não me recordo textualmente, mas...”. Perante a insistência de Ega, sintetiza a
sua ignorância, afirmando que não sabia que “esse filósofo tivesse escrito
sobre assuntos escabrosos”, como o amor, acrescentando que era seu hábito
aceitar “opiniões alheias, pelo que dispensava as discussões”.

Esta afirmação de Sousa Neto demonstra que os detentores de altos


cargos da sociedade são pessoas sem ideias próprias e cuja falta de cultura os
impede de participar ativamente numa discussão e, consequentemente,
incapacita-os de tomar decisões que promovam o avanço do país.

A incapacidade de agir dos governadores é, portanto, umas das


principais causas da estagnação do país.

O facto de Sousa Neto ser um oficial da instrução pública ( atual


ministério da educação) torna esta crítica ainda mais importante, uma vez que,
revela a falta de instrução do país, tendo em conta que nem os chefes de
estado são instruídos, demonstrando cada vez mais a incapacidade de o
desenvolver e melhorar.

Podemos, então, após a análise dos temas abordados, sintetizar as


principais críticas feitas ao conde de Gouvarinho e a Sousa Neto, sendo estas:
a falta de cultura, de instrução, o confinamento à sociedade lisboeta, a
incapacidade de formular opiniões e de participar nas discussões, levando
então à incapacidade de avanço do país como é referido por Carlos da Maia,
no início do jantar “ – Creio que não há nada de novo em Lisboa, minha
senhora, desde a morte do senhor D. João IV.
Tabela ppt

É bastante visível, ainda, o facto de os homens que estão em posição de


poder valorizarem mais o luxo e o “chique” do que as ações em prol do espaço
em que estão inseridos: “Mas ele agora não falava tanto do talento do Barros
como parlamentar, como homem de Estado. Falava do seu espírito de
sociedade, do seu esprit...”.

A critica feita neste episódio reflete-se então no facto da sociedade


portuguesa estar estagnada e as pessoas de poder nos altos cargos da
sociedade preferirem o luxo e a diversão às atividades políticas e/ou sociais
que a sua posição exige.
 Outros aspetos considerados relevantes

 Relação entre o Jantar do Hotel Central e o Jantar na


casa dos Gouvarinho
(Quadro do ppt)

O jantar no Hotel Central permite abordar a crítica literária, a situação


financeira do país e a mentalidade retrógrada.

No jantar dos Gouvarinho, as conversas permitem observar a


degradação dos valores sociais, o atraso intelectual do país e a mediocridade
de algumas personagens.

O jantar dos Gouvarinho trata-se de uma reunião semelhante ao jantar


no Hotel Central, onde persiste o aparato exterior a contrastar com a ignorância
das classes dirigentes.

 Relação entre a condessa de Gouvarinho e Maria


Eduarda
(Quadro do ppt)

 Relação entre o capítulo XII e a intriga principal


Sabendo que a intriga principal se foca nos amores entre Carlos e Maria
Eduarda, a relação do capítulo XII com esta mesma intriga está no que
acontece a seguir ao jantar, quando Carlos se encontra com Maria Eduarda e
lhe declara o seu amor, que é, por sua vez, correspondido. Ambos se
envolveram pela primeira vez.

 Analogia com a atualidade


A sociedade descrita e retratada por Eça está, ainda hoje, “à solta”.

A crítica que Eça faz à sociedade do século XIX, caracterizando-a como


uma sociedade corrupta, fútil, superficial, ignorante, procurando agitar as ideias
sociais, políticas e literárias, constitui uma verdadeira caricatura da sociedade
portuguesa da época, conservando-a até à atualidade, apesar dos contextos
serem um pouco diferentes.

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