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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONSIDERAÇÕES À


LUZ DO PENSAMENTO FREIREANO
Dalcinete Gomes de Souza
SEEJCT
dalcinetegsouza@gmail.com

O presente Artigo procura discutir as finalidades e contribuições das Políticas


Públicas para a Educação do Campo no contexto do pensamento de Paulo Freire. Parte
da premissa de que a Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. As
reflexões trazidas neste Artigo são resultantes de pesquisa sobre o tema, mais
especificamente de levantamento documental e revisão bibliográfica. O Artigo procura
analisar a problemática em torno do atendimento escolar do homem e da mulher, da
criança e do jovem, como sujeitos de direitos, a partir de alguns elementos que
permitem conhecer as especificidades da Educação do Campo, porém, buscando
interpretar tais elementos à luz de contribuições de autores e da legislação educacional
brasileira, que a trata como educação rural, incorporando os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura e se estende, também, aos espaços pesqueiros,
caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. Contribuições para a superação das desigualdades
sociais e escolares que afetam essas populações, tendo por garantia o direito à educação.

Palavras-chave: Educação do Campo; Políticas Públicas; Direitos.


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Introdução

Este Artigo procura caracterizar o debate em torno do atendimento escolar do


homem e da mulher, da criança, do adolescente e do jovem, como sujeitos de direitos, a
partir de alguns elementos que permitem conhecer as especificidades da Educação do
Campo, tratada como educação rural na legislação educacional brasileira, que incorpora
os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura e se estende, também, aos
espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos extrativistas. As reflexões trazidas neste Artigo
são resultantes de pesquisa desenvolvida sobre o tema, a qual nos basearemos na
metodologia de Minayo (2004), para realizar um estudo descritivo, exploratório,
empregando a abordagem qualitativa que, segundo a autora, “se preocupa com um nível
de realidade que não pode ser quantificada”. Em primeiro lugar, faremos uma
abordagem sobre Políticas Públicas, através da contribuição de pesquisadores que vem
discutindo sobre o tema. Em seguida, fundamentaremos o Tema, numa perspectiva
qualitativa através de análise documental da Legislação Educacional brasileira (Leis,
Pareceres, Decretos e Resoluções), aliadas á Constituição Federal de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 (LDB) e a Lei nº 8.067/1990
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e revisão bibliográfica sobre o assunto.
Iremos tratar, à luz do regime de colaboração entre a União, Estado e Município que
estabelece diretrizes, normas e princípios a serem observados no processo de
elaboração, desenvolvimento e avaliação da política e do projeto institucional das
escolas do campo, specificamente, as primeiras etapas da Educação Básica, a Educação
Infantil e o Ensino Fundamental, ampliadas em decorrência da atual LDBEN e da
criação do FUNDEF, de que resultaram acentuada municipalização do Ensino
Fundamental e posteriormente com a criação do FUNDEB, da Educação Infantil.

Definido Políticas Públicas

Uma sociedade democrática tem por princípio assegurar direitos iguais a todos,
e esta sociedade exigir dos poderes constituídos políticas públicas voltadas a assegurar
estes direitos. Neste capítulo estaremos tratando de Políticas Públicas Educacionais,
mas como foco as voltadas para a Educação do Campo.
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Vários pesquisadores tem discutido sobre Políticas Públicas Educacionais que


podem ser conferido em Azevedo, p. 66,2001; Dourado, 2011; Oliveira, 1997; p.
21,2009; Arroyo, 2003; Bordignon, p. 9, p.76, 2009; Chauí, p. 51-57, 2007.
Arroyo, (2003) entende sobre políticas públicas para o desenvolvimento da
Educação Básica no/do campo “os conjuntos de ações resultantes do processo de
institucionalização de demandas coletivas, constituído pela interação Estado
/Sociedade”. O autor se refere aos movimentos sociais organizados como os MST,
Sindicato Rural, institucionalização de uma gestão democrática na Escola com a
participação da comunidade.
Para Dourado (2011, p. 55), sobre política, “compreender a educação como
política pública e percebê-la na articulação com as demais políticas é fundamental para
contribuir para o processo de sua efetivação como Política de Estado”. O pensamento do
autor nos faz refletir sobre as análises das desigualdades educacionais para além dos
supostos determinantes intraescola e intrassistema, não devendo ignorar as relações
educação-sociedade.
Ainda, conforme o autor, dadas as múltiplas interfaces,
“a política educacional sofre injunções das
estruturas políticas, econômicas e sociais, em
cada tempo-espaço. Repensá-la implica o Estado
Brasileiro, suas lógicas, nexos e dinâmicas, com
vistas a aprimorá-lo, avançando para uma
concepção ampla de Estado, que traduza a
correlação de forças entre sociedade civil e
política, o que, no caso brasileiro, implica
significativos avanços da participação social”.

A Constituição de 1988, resultante de amplo processo constituinte, avança


consideravelmente no campo dos direitos sociais. Neste contexto, a consolidação da
autonomia dos Municípios foi preconizada por esta Constituição, que os institui como
entes da Federação, portanto, como entes jurídicos com recursos e com
responsabilidades próprias, e com liberdade para constituir seu próprio Sistema de
Ensino. A Constituição fez a escolha por um regime normativo e político, plural e
descentralizado, sendo considerados novos mecanismos de participação social com um
modelo institucional, viabilizando a realização do fundamento democrático do exercício
da cidadania, dotando o cidadão de poder em espaços nos quais podem exercer esse
direito. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), inciso
III, artigo 11, tendo como uma das incumbências do Município organizar, manter e
desenvolver os órgãos e instituições oficiais do seu Sistema de Ensino e também
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estabelecer normas complementares às nacionais que garantam organicidade e unidade


do Sistema Municipal de Ensino. O Município ao institucionalizar o seu próprio
sistema passa a usufruir da capacidade normativa. A LDB descentraliza para os sistemas
de ensino várias decisões de caráter normativo, favorecendo sua adequação às
peculiaridades locais, desde que sejam complementares às normas nacionais
responsáveis por assegurar a necessária unidade normativa da educação em todo país.
Na nova situação, as Secretaria de Educação Municipal, bem como o órgão
normativo, terão atribuições, devidamente definidas pelo Município, não somente para
autorizar, credenciar as escolas municipais, mas também as instituições privadas de
Educação Infantil, antes credenciadas, autorizadas e supervisionadas pelo Sistema
Estadual de Ensino. Na organização da educação municipal, é importante também a
existência de órgão colegiado representativo da comunidade, como mediador da
sociedade civil e o Poder Executivo local na discussão, formulação e implementação da
política municipal de educação. Dessa forma, esse colegiado, os Conselhos Municipais
de Educação, qualifica-se para assumir a função normativa. O Conselho Municipal de
Educação se insere no processo de democratização da educação e descentralização das
funções do Estado, enquanto órgão colegiado autônomo, integrante da estrutura do
poder público, representativo da sociedade civil, incumbido de contribuir com o Sistema
Municipal de Ensino e atuar na defesa do direito de todos à educação de qualidade. Qual
seria a Contribuição deste órgão Colegiado às Políticas Públicas para a Educação do
Campo? Considerando que o Conselho Municipal de educação como um órgão de
caráter normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador, com natureza de órgão
público, organizado de maneira a assegurar sua composição paritária e democrática,
garante o princípio da autonomia em relação ao Poder Executivo, existindo uma
pluralidade da representação social. No desempenho de sua função normativa, elabora
normas educacionais complementares ao Sistema Nacional de Educação, e interpreta a
legislação educacional, sendo limitada à abrangência ao Sistema Municipal de Ensino.
Ora, como representantes da sociedade civil e exercendo as suas funções, estariam
normatizando e fiscalizando o cumprimento destas políticas nas Escolas do Sistema
Municipal de Ensino sob a sua jurisdição.
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à
criação de direitos reais, a ampliação de direitos existentes e a criação de novos direitos.
Eis que podemos afirmar que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto
é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo (CHAUÍ, 2007 p.53)
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Conforme as contribuições de Chauí sobre democracia, que focaliza a


democracia participativa e representativa, os membros de Conselhos são considerados
autores indiretos, pois os mesmos são representantes de entidades da sociedade
organizada.
Oliveira (2009, p.22), afirma que existe uma vinculação à noção de democracia
e às noções de autonomia e descentralização, que orientam a gestão das políticas
educacionais a partir da Constituição de 1988. Consideramos que a Municipalização é
uma estratégia de descentralização e que consolida os direitos assegurados de
participação da sociedade civil nas decisões de governo e que possibilita um controle
social mais efetivo, em defesa da educação pública gratuita e de qualidade, no âmbito
municipal, a Educação Básica.
Segundo Oliveira (2009, p.21), sobre políticas públicas o Município como ente
federativo tem atualmente a responsabilidade de ordenar o seu desenvolvimento social e
garantir o bem estar de seus habitantes, executando políticas públicas que visam à
consolidação democrática do Estado.
Para Azevedo (2001,p. 67) o processo de definição e implementação de uma
política articula-se “às características do seu sistema de dominação e, portanto, ao modo
como se processa a articulação dos interesses sociais neste contexto”. Esta referência
nos faz perceber que, dependendo da orientação política de cada governo, diferentes
papéis são cumpridos pelo Conselho. A respeito de Políticas Públicas Azevedo (2001,
p.66) afirma que ao se dar ênfase às representações sociais “que norteiam as
formulações das políticas públicas, portanto, os referenciais normativos” deve-se levar
em consideração a dimensão cognitiva, a dimensão instrumental e a dimensão
normativa.
Bordignon(2008, p. 9), defende a gestão democrática como condição da
qualidade sociocultural da educação, para o autor, “não basta garantir o direito à
educação, é preciso garantir a participação de todos”. Diversos dispositivos legais
sinalizam para uma gestão democrática1 na escola, com a participação ativa das
comunidades locais.
Chauí (2007, p. 53), afirma que a democracia é a sociedade verdadeiramente
histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Para a
autora, “a sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à
criação de direitos reais, a ampliação de direitos existentes e a criação de novos
direitos”.
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A efetivação da gestão democrática da educação encontra nos Conselhos,


órgão de representatividade social e deliberação plural, espaço privilegiado para
estabelecer o contraponto da deliberação singular do executivo. Os movimentos pela
democratização da gestão pública requerem, hoje, dos conselhos, nova posição: a de
responder às aspirações da sociedade e em nome dela exercer suas funções. Esta é uma
afirmação do diálogo, analisando à luz de Paulo Freire (1987) que diz, “ o diálogo é este
encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando,
portanto, na relação eu-tu.”

Análise da Legislação Educacional para a Educação do campo

A Educação Básica (EB) é o nível educacional que tem como objetivo


desenvolver o educando para o exercício e a construção da cidadania, bem como
propiciar-lhe os meios para os estudos posteriores (BRASIL, 1996). A EB compreende
três etapas, que são: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A
Educação Infantil, tratada no art. 31 da LDBEN, é oferecida em creches para crianças
até três anos de idade e em pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos. O Ensino
Fundamental, art. 32, da LDNEN, com nove anos de duração a partir de seis anos de
idade. O Ensino Médio, art.35 da LDBEN, com duração de três anos. As Modalidades
compreendem formas peculiares da Educação Básica: Educação Profissional, Educação
Escolar Indígena, Educação do Campo, Educação Especial, Educação de Jovens e
Adultos – EJA, Educação a Distância e Tecnologias de informação e comunicação.
A proposta de educação do campo tem alcançado diversos avanços, tanto
legais, quanto nas práticas pedagógicas em diferentes níveis e espaços formativos. Neste
sentido, iremos analisar a Legislação Educacional para a Educação do Campo, focando
textos mais relevantes para atender aos objetivos deste Artigo.
A Resolução CNE/CEB 1 de 3 de abril de 2002, que institui Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, refere-se à construção de
uma política específica e a necessidade de atender à diversidade das populações que
residem no meio rural, de acordo com suas realidades, essa diversidade deve “ancorar-
se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros”.
As mesmas diretrizes pronunciam-se, expressamente, sobre a responsabilidade
do poder público, dentro dos princípios do regime de colaboração, em proporcionar a
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Educação Infantil e o Ensino Fundamental nas comunidades rurais e dedicar especial


atenção às condições de acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de nível
técnico. Considerando a importância da identidade dos sujeitos do campo,
transcreveremos alguns artigos desta resolução que reforçam a identidade das escolas do
campo:
Art. 2º, Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da
vida coletiva do país.
Art. 3º. O poder público, considerando a magnitude da importância da educação
escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de um país cujo
paradigma tenha como referência a justiça social, a solidariedade e o diálogo entre
todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a
universalização do acesso da população do campo à educação básica e à educação
profissional de nível médio.
Art. 4º. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação
escolar com qualidade social, constituir-se-á espaço público de investigação e
articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem
como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente
sustentável.
Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, considerando o estabelecido no
art.14 da LDBEN, garantirá a gestão democrática, constituindo mecanismos que
possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade local, os movimentos
sociais, os órgãos normativos dos sistemas de ensino e os demais setores da sociedade.
A marca comum das experiências da educação do campo é a diversidade.
Diversidade de estruturas físicas, diversidade de grau de formação docente, diversidade
na distribuição das salas e faixa etária dos estudantes. Este é o espaço da educação do
campo, que se materializa em escolas seriadas ou cicladas, com distribuição das turmas
por ano, escolas nucleadas, escolas itinerantes, escolas famílias agrícolas, casas
familiares rurais, dentre outras.
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Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de abril de 2008, que estabelece diretrizes


complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do Campo. A citada Resolução, compreende
Educação do Campo “a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino
Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível Médio e destina-
se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de vida (...).” Faz
referência à modalidade da Educação de jovens e Adultos – EJA, que não concluíram o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio em idade própria”; também faz referência “às
crianças, adolescentes jovens e adultos portadores de necessidade especiais, objeto da
Modalidade de Educação Especial” , que também tenham acesso à Educação Básica,
conforme preceitua os artigos 58 e 59 a Lei Federal n. 9394/96. O artigo 2º desta
Resolução, reza que os sistemas adotarão medidas que que assegurem o cumprimento
do artigo 6º da Resolução CNE/CEB n. 1/2002. Consideramos de relevância para o
estabelecimento das Políticas Públicas para a Educação do Campo, que é dever do
Poderes Públicos, adotando normas complementares para o seu Sistema de Ensino,
conforme a Legislação Educacional emanada pelo Conselho Nacional de Educação –
CNE.
Resolução CNE/CEB Nº 4/2010. O Projeto Político Pedagógico das escolas do
campo, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade, amparadas na legislação
vigente e elaboradas no âmbito da autonomia destas Instituições, tão bem consta na
LDB nº 9394/96, contemplarão a diversidade nos seus aspectos culturais, sociais,
políticos, éticos, estéticos, de gênero e etnia.
Levando-se em consideração a diversidade destas comunidades, em respeito as
suas formas de vida e a utilização de “pedagogias condizentes com as suas formas
próprias de produzir conhecimentos”.
Resolução Nº 7, de 14 de dezembro de 2010, fixa Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 ( nove) anos, a serem observadas articula-
se com o Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010 m como. Em
seu artigo 35, trás referência à Educação do Campo, Educação Indígena e Educação
Quilombola, quando trata sobre a “Avaliação: Parte Integrante do Currículo”, referente
aos resultados de aprendizagem dos alunos e ao respectivo custo aluno-qualidade inicial
(CAQi) ”, considerando as suas formas diferenciadas, isto é, o custo é diferenciado para
a educação já citadas. Esta Resolução refere-se a Educação do Campo, Educação
Escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola, nos artigos 38, 39 e 40. É relevante
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citar o § 2º, do artigo 40, que trata dos Projetos Político-Pedagógico das escolas do
campo, indígenas e quilombolas devem contemplar a diversidade nos seus aspectos
sociais, culturais, políticos, econômicos éticos e estéticos, de gênero, geração e etnia.
Tão sabiamente, Paulo freire cita que “cada homem está situado no espaço e no
tempo, no sentido em que vive numa época precisa, o homem é um ser de raízes-
temporais” (Freire, 1980, p. 34). As reflexões de Freire, nos faz observar que atendendo
as especificidades das comunidades do campo, em suas dimensões espaço-temporal,
estamos considerando o homem e a mulher como sujeitos históricos/ sociais,
construtores de sua identidade, em um contexto de relações sociais, econômicas,
políticas e culturais.
O PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, um Programa
do Ministério da Educação – MEC, em seu Caderno I – Currículo no Ciclo de
Alfabetização: perspectivas para uma educação do campo, trás referências da Pedagogia
Freireana e outros autores e respaldo na legislação educacional vigente, constatamos
não somente como reconhecimento da pedagogia do referido autor, mas, também como
uma política para a educação do campo com compromisso para a formação continuada
de professores e professoras de escolas do campo, de avaliação desta política de
educação do campo.
Dourado (2011, p.390), faz referência sobre a CONAE que “ cumpriu
importante papel para a construção de Política de Estado e assumiu a análise do PNE e
das políticas educacionais.
Uma das medidas propostas pelo CONAE para a formação, “ofertar cursos de
formação inicial e continuada aos profissionais em educação do campo” (CONAE,
2010, p. 86-94).
O Plano Nacional de Educação (PNE) em revisão para o decênio 2011-2020
contempla a Educação do Campo com metas e estratégias a serem atingidas, metas estas
ousadas e de grande importância, sobretudo, no que se refere à ampliação das
oportunidades educacionais. Iremos focalizar nas Metas de interesse deste Artigo
(Metas 1, 2, 3, 4, 6, 8, 11, 12, e 14) e suas respectivas estratégias.
A Meta 2 do PNE, trata da universalização do Ensino Fundamental de nove
anos e estabelece estratégias para atingi-lo ( estratégias 2.4,2.5, 2.7, 2.8,2.9). A
estratégia 2.4 não articula com a concepção norteadora da política para a Educação do
Campo, ao dar ênfase de um lado a ampliação do transporte escolar e, de outro,
estimular a oferta dos anos iniciais no campo (estratégia 2.8). A estratégia 2.9 trata da
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organização do trabalho pedagógico e adequação do calendário escolar de acordo com a


realidade local e com as condições climáticas da região; sobre o calendário escolar, é
citado no §2º, art. 23, da LDB nº 9394/96.
Mete 4, (estratégia 4.2) – implantação de Salas Multifuncionais e formação
continuada dos professores e professoras para o atendimento educacional especializado
complementar, nas escolas urbanas e rurais.
Meta 6 ( 6.6) – atender as escolas do campo na oferta de educação em tempo
integral considerando as peculiaridades locais.
Meta 7 (7.5, 7.12, 7.17), ( 7.17) ampliar a educação escolar do campo,
quilombola e indígena a partir de uma visão articulada ao desenvolvimento sustentável e
a preservação da identidade cultural. A estratégia 7.5, trata da questão do transporte dos
estudantes e das estudantes do campo para a cidade.
Meta 14 (14.7) implementar ações para redução de desigualdades regionais e
para favorecer o acesso das populações do campo e indígena a programas de mestrado e
doutorado.
Meta 15 (15.6) implementar programas específicos para a formação de
professores para as populações do campo, comunidades quilombolas e povos indígenas.
Freire (2002), faz reflexões sobre a ação do educador, que “o educador
democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade
crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão”. Sobre a ação de ensinar, Freire
(2002), preceitua que ensinar exige “rigorosidade metódica, pesquisa, criticidade,
corporeificação das palavras pelo exemplo, reflexão crítica sobre a prática (...)”, são
considerações que reflete para a formação continuada de educadores e educadoras em
sua práxis na escola. Segundo Freire, “ensinar exige respeito aos saberes dos
educandos”, o autor está se referindo aos saberes socialmente construído na prática
comunitária, tão importante para o diálogo escolas do campo com a comunidade a qual
está inserida, tão bem estabelecida na legislação educacional para o campo.
Retornando sobre as diversidades dos estudantes da Educação Básica do
Campo, em questão, está o transporte escolar, o transporte dos estudantes e das
estudantes do campo para as escolas do espaço urbano. Este transporte é considerado
prejudicial para os mesmos, considerando que: retira-os do seu habitat, de sua vivência
cultural e os encaminha para outro espaço. E que este transporte poderia ser,
futuramente, somente intracampo, com a previsão de construção de escolas do campo.
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Continuando sobre diversidade no campo, a situação das salas multisseriadas,


que existe um número considerável nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essas
salas multisseriadas abrigam diferentes Séries/Anos, com crianças e adolescentes de
diferentes idades, sob a responsabilidade de um só professor ou professora.
As mesmas diretrizes pronunciam-se, expressamente, sobre a responsabilidade
do poder público, dentro dos princípios do regime de colaboração, em proporcionar a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental nas comunidades rurais e dedicar especial
atenção às condições de acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de nível
técnico.
As diretrizes emanadas da Câmara da Educação Básica (CEB) estão
enriquecidas pela Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que,
em seu art. 53, inciso V, ao tratar especificamente do direito e proteção a crianças e
adolescentes, estabelece que o acesso à escola pública e gratuita será efetivado em
unidade escolar próxima de sua residência.
O art. 58 do mesmo Estatuto dispõe que no processo educacional respeitar-se-
ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do
adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso à fonte de cultura.
Quanto à legislação, cabe uma referência, no âmbito da Gestão de um Sistema
de Ensino e também no interior da Instituição Educacional, que segundo Paulo Freire
(1987), o “o indivíduo deve ser sujeito do processo”, e mais, “como os homens estão
sempre se libertando, o diálogo se torna uma permanente da ação libertadora”.

Conclusão

A partir da análise realizada, concluímos que os referenciais presentes na


legislação educacional, nas políticas educacionais em curso e no PNE, como uma
política de Estado a ser construída, que a educação do campo não deve reduzir-se às
dimensões curriculares e metodológicas, vai além, para o sujeito do campo manter a sua
identidade. Portanto, uma educação emancipatória, a relação com as comunidades de
pertencimento, no direito à cidadania, no direito ao conhecimento crítico e científico.
Consideramos que o Conselho Municipal de Educação, constitua mecanismo
de participação social, enquanto espaço de articulação/negociação de demandas sociais
e diálogo e definição de políticas públicas, assim como efetivo instrumento de controle
e acompanhamento da execução destas políticas públicas.
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Podemos considerar que a Resolução CNE/CEB 1/2002 pode criar condições,


conforme as expectativas pertencentes dos sujeitos de direitos envolvidos, para o
estabelecimento, no contexto educacional no/do campo, políticas específicas para a
Educação do Campo, como conjuntos de ações resultantes do processo de
institucionalização de demandas coletivas, constituídas pela interação Estado e
Sociedade, sociedade esta formada pelos os movimentos sociais organizados.
Nesse sentido, a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação
às questões inerentes à realidade das comunidades do campo, valorização dos sabres
próprios dos estudantes e das estudantes, conhecimento sobre o mundo, suas culturas,
tradições e memórias coletivas, nos avanços científico e tecnológico disponíveis nas
sociedades coletivas na perspectiva do fortalecimento da democracia e de uma educação
emancipadora.

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BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de abril de 2008. Estabelece Diretrizes


complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília, DF, MEC.
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