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ANAIS

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS


6, 7 E 8 DE SETEMBRO - 2017
CONSELHO REGIONAL DE
ECONOMIA DE MINAS GERAIS

ANAIS DO XXII CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, JUSTIÇA SOCIAL E
DEMOCRACIA: BASES PARA UM BRASIL
CONTEMPORÂNEO

BELO HORIZONTE
2017
COMITE EXECUTIVO

Presidente do COFECON: Júlio Miragaya

Presidente do CORECON-MG: Paulo Roberto Paixão Bretas

Vice-Presidente do COFECON: Nei Jorge Correia Cardim

Vice-Presidente do CORECON-MG: Adriano Miglio Porto

COMITÊ OPERACIONAL

Gerente executivo do CORECON-MG: Marco Aurélio Loureiro

Assessora jurídica do CORECON-MG: Gabriela Ferrari Veras

Superintendente em exercício do COFECON: Aline Tales Ferreira

Sub-comitê de cultura

Conselheiro do CORECON-MG: Antônio de Pádua Ubirajara e Silva

COMITÊ CIENTÍFICO

Coordenador: Cândido Luiz de Lima Fernandes

Conselheiro e representante do COFECON no CBE: Róridan Penido Duarte

Professor do CEDEPLAR/UFMG: Marco Flávio da Cunha Resende

Conselheira Suplente do Corecon-MG: Flávia Vinhão Santos

Presidente do CORECON-MG: Paulo Roberto Paixão Bretas

Sub-comitê de cursos e trabalhos científicos

Vice-Presidente do CORECON-MG: Adriano Miglio Porto

Conselheiro do CORECON-MG: Gustavo Aguiar Pinto

Assessora do COFECON: Jane Lopes Silva

Assessora do COFECON: Natáli Lepeli Kenupp Batista

Conselheiro do COFECON: Eduardo Rodrigues da Silva


COMITÊ FINANCEIRO

Coordenador: Conselheiro do CORECON-MG – Samy Kopit Moscovitch

Conselheiro do CORECON-MG: Leandro Augusto de Oliveira

Conselheiro do CORECON-MG: Felipe Paschoal de Moura

Superintendente em exercício do COFECON: Aline Tales Ferreira

CORPO FUNCIONAL

Gerente Executivo: Marco Aurélio Loureiro

Assessoria de Comunicação: João Firpe Penna

Assessoria Jurídica: Gabriela Ferrari Veras; Mariana Soares Rocha Vieira; Anne Caroline
Schmidt Schaefer

Assessoria Técnica: Fernando Torres Negreiros

Secretaria: Cláudia Adriana Costa Dias; Melissa Dias Ferreira

Apoio Administrativo: Elis Virginia da Silva Santana; Gabriel Victor Martins Gomes;
Ronielly Chaves

Financeiro: Rodrigo Robert dos Santos Rosa

Compras e Licitação: Glaydson José da Silva

Fiscalização: Janaína Sponchiado; Aguinaldo Antônio de Almeida

Registro: Nildete Magrasse Gonçalves; Sérgio de Carvalho Gomes; Aline Ribeiro Mahé

Cobrança: Elísio Mendes de Azevedo

COMITÊ AVALIADOR

Admir Antonio Betarelli Junior – UFJF

Adriano Miglio – Vice-Presidente CORECON-MG

Ana Cláudia Arruda Laprovitera – Presidente CORECON-PE

Celina Martins Ramalho – EAESP

Clarissa Flávia Santos Araújo – UnB


Kleber Antonio Da Costa Mourão – Presidente CORECON-PA

Laura De Carvalho Schiavon – UFJF

Lourival Batista De Oliveira Júnior – UFJF

Roberto Carlos Quintela De Alcantara – Faculdade Ideal

Rosivaldo Batista – UNAMA

Sônia Maria Fonseca Pereira Oliveira Gomes - UFRPE

Tania Cristina Teixeira – PUC-MG

Teresinha De Jesus Ferreira Da Silva – Prefeitura Municipal De Teresina - PI

Thiago Fontelas Rosado Gambi – UNIFAL


SUMÁRIO

Eixo 1. Educação e economia, equidade, oportunidades e


desenvolvimento
A educação no Brasil: influências ocultas nos resultados brasileiros no exame pisa 2015 em uma
abordagem através de regressões quantílicas
Peter Felipe dos Santos, Felipe Miranda de Souza Almeida, João Eustáquio de Lima

A política de fundos e suas disparidades no financiamento da educação básica no Rio Grande do Sul
Nelton Carlos Conte, Silvio Cezar Arend, Everton Bisinella

A Repetência Escolar Afeta a Criminalidade Futura nos Municípios Mineiros?


Victor Barcelos Ferreira, Evandro Camargos Teixeira

Analfabetismo Isolado e Acesso a Programas Sociais: Evidências para o Brasil


Fernanda Dachi Carrets, Felipe Garcia Ribeiro, Gibran da Silva Teixeira

Análise dos indicadores de desenvolvimento e pobreza multimensional no Baixo Amazonas nos anos
de 2000 e 2010
Augusto Weslley de Araújo, Ingrid Lorrane Miranda de Sousa, Abner Vilhena de Carvalho, Rhayza Alves Figueiredo
de Carvalho

Desenvolvimento humano em educação nos municípios brasileiros: uma nova proposta para
mensurar o IDHM-Educação
Gabriel Alves de Sampaio Morais, Diogo Brito Sobreira, Lorena Vieira Costa

Efeitos do investimento direto em educação sobre a produtividade do trabalhador brasileiro - 2002-


2014: análise baseada em modelos multinível
Yuri Godoi Pereira Elias, João Eustáquio de Lima

Eficiência das unidades do CEFET/MG: uma avaliação por data envelopment analysis
Tiago Silveira Gontijo, Cristiana Fernandes De Muylder, Alexandre de Cássio Rodrigues

Eficiência dos gastos públicos em educação básica nos municípios brasileiros


Alessandra Maria Gomes Rodrigues, Eliane Pinheiro de Sousa

ENADE 2015: análise das variáveis que influenciam no desempenho dos alunos dos
Cursos de Ciências Econômicas
Everton Bisinella, Julcemar Bruno Zilli, Nelton Carlos Conte, Rodolfo Henrique Cerbaro

Impacto do PROUNI no desempenho acadêmico dos alunos concluintes beneficiados para o ano de
2014
Fransuellen Paulino Santos, Cristiana Tristão Rodrigues

O impacto de fatores evitáveis na natimortalidade brasileira: uma análise a partir de modelos de


variáveis limitadas
Flávio Ramos Terto Júnior, Rubiana Cristovão da Silva, Jaianne Rodrigues de Albuquerque, Maurício Assuero Lima
de Freitas

Retorno da educação para os estados e macrorregiões brasileiras, no período de 2001 a 2015


Yuri Godoi Pereira Elias, João Eustáquio de Lima
Segunda escravidão: Brasil, Estados Unidos da América e cuba escravidão renovada no século XIX e
seus reflexos na atualidade
Fabio Augusto de Cristo Batista, Michele Lins Aracaty Silva

Eixo 2. Processos produtivos alternativos e geração de renda

A economia solidária como alternativa para o desenvolvimento social e econômico regional brasileiro
João Guilherme Magalhães-Timotio, Hamilton Pimentel Lopes Pires, Robson José Veloso, Jelson Luiz Dick

Economia Popular, Des/colonialidade do Poder e Economia Solidária: notas para um debate latino-
americano
Bruno Siqueira Fernandes, Sibelle Cornelio Diniz

Empreendedorismo social: Baanko Challenge na cidade de montes claros


Sara Gonçalves Antunes de Souza, Anna Paula Santos Paiva

Terceiro Setor entre a política pública e a experiência de mudança social


Cicero Augusto Silveira Braga, Múcio Tosta Gonçalves, Lorena Vieira Costa

Eixo 3. Sistema financeiro, crédito e desenvolvimento

A participação do sistema bancário no financiamento produtivo brasileiro de 2010 a 2015


Gabriela Araújo

Análise do financiamento do BNDES no setor agropecuário brasileiro para o período de 2012 a 2015
Fransuellen Paulino Santos, Luiza Amara Maciel, Aboubacari Mohamed Abdoulaye

Dinâmica da dívida pública do brasil com efeitos de choques adversos no período de 1999 a 2015
Yuri Godoi Pereira Elias, Franciso Carlos da Cunha Cassuce

Fragilidade financeira e ciclos econômicos no Brasil


Diego Nunes Teixeira, Gisele Ferreira Tiryaki

Meio de pagamentos, bancos e desenvolvimento regional: uma análise multivariada para as


microrregiões do estado do Pará
João Pereira dos Santos, Gisalda Carvalho Filgueiras, Alessandra Cordovil da Luz,
Magno Rodrigues Pedreira Lapa

O ativismo dos acionistas, a teoria da agência e governança corporativa no mercado de ações.


João Luís do Nascimento Mota, Ramá Lucas Andrade, Ana Elisa Linhares de Meneses Braga

Proposta de indicadores de inclusão financeira para o contexto regional brasileiro


João Guilherme Magalhães-Timotio, Geraldo Alemandro Leite Filho, Carlos Renato Theophilo

Eixo 4. Indústria, competitividade e industrialização

Competitividade e seus fatores determinantes: uma análise para países em desenvolvimento.


Victor Medeiros, Lucas Gonçalves Godoi, Evandro Camargos Teixeira
Consumo industrial de energia elétrica: um estudo comparativo entre métodos preditivos
Tiago Silveira Gontijo, Fabiano De Moro Rodrigues, Alexandre de Cássio Rodrigues, Andressa Amaral de Azevedo,
Stela Alves da Silva

Determinantes do desempenho econômico na gestão dos clubes brasileiros de futebol: um estudo


com dados em painel de 2009 a 2013
Geraldo Alemandro Leite Filho, João Guilherme Magalhães-Timotio, João Paulo Augusto Eça

Investigando a assimetria na transmissão dos preços dos combustíveis no estado de São Paulo
Roberta Rodrigues Salvini, Heloisa Lee Burnquist, Rafael Lopes Jacomini

O impacto da crise de 2015 no Polo Industrial de Manaus: o caso do polo Duas Rodas
Vanessa Fonseca Oliveira, Elane Conceição de Oliveira

Revolução Industrial na Inglaterra: berço de transformações socioeconômicas que influenciaram toda


a humanidade
Eduardo Cezar de Carvalho Souza, Michele Lins Aracaty e Silva

Eixo 5. A economia e a questão ambiental

A delonga do desenvolvimento econômico sustentável


Alex Eugênio Altrão de Morais

Análise crítica do crescimento econômico em relação aos impactos ambientais


Marcus Eduardo de Oliveira

Cadeia produtiva madeireira da Amazônia central: características dos empreendimentos


transformadores de madeira na microrregião de Tefé-AM
Viviane da Silva Marcos, Nelissa Peralta Bezerra

Chapada do Araripe: entre a economia e o socioambiental


João Luís do Nascimento Mota, Ramá Lucas Andrade, Ana Elisa Linhares de Meneses Braga

Eficiência do setor de saneamento na região Sudeste entre 2010 - 2012


Fabiano Luiz Alves Barros, Julyana Covre, Felippe Clemente

(De)crescimento e alternativas ao desenvolvimento


Jakob O. W. Sparn

O festival folclórico de Parintins: considerações relacionadas aos aspectos economicos-ambientais


decorrentes do evento
Lígien Liliam Menezes Leal Cruz, Luiz Cláudio Pires Costa, Rúbia Silene Alegre Ferreira,
Marklea da Cunha Ferst

O papel das empresas de reciclagem: uma abordagem no município de Santarém (PA) entre 2014–
2016
Carlos Henrique Pereira Souza, Elen Carina Duarte Ferreira, Elisa Araújo de Oliveira,
Hugo Leonardo Brito Monteiro, Maria Francisca de Miranda Adad

Sustentabilidade da produção do óleo de buriti: incluindo agricultores familiares no mercado global?


Rute Holanda Lopes, Michelle Lins Aracaty e Silva, Kátia Viana Cavalcante, Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo
Eixo 6. Mercado de trabalho – trajetória e cenários

Definição do perfil do mercado de trabalho do economista no mercado de trabalho de Minas Gerais


no ano de 2010
Daniela Almeida Raposo Torres, Karolina Barbosa Alves, Patrícia Alves Rosado Pereira

O mercado de trabalho na agroindústria da cachaça da microrregião de Salinas/MG


Patrine Soares Santos, Maria Thereza Santos Rocha, Luciana Maria Costa Cordeiro

Os impactos da flexibilização trabalhista e o uso da terceirização pela mineradora Samarco na


barragem de Mariana
Raul Lucas Tanigut Brisola Maciel

Eixo 7. Agricultura brasileira – as diversas facetas e possibilidades de


desenvolvimento econômico e segurança alimentar

A expansão agroindustrial na microrregião sudoeste de goiás: municípios de Mineiros, Caiapônia, Rio


Verde e Jataí
Telma Regina de Barros

Análise da balança comercial do Brasil no período de 2014 a 2016: exportações e importações para
China
Leila de Fatima de Oliveira Monte, Edilene Ferreira de Sousa Correa, Francisca Driele Machado de Paula,

Análise dos Determinantes da insegurança alimentar no Brasil para o ano de 2013


Adauto Brasilino Rocha Junior, Aboubacari Mohamed Abdoulaye, Cristiana Tristão Rodrigues3

Determinantes da utilização do crédito rural através do Programa Nacional de Fortalecimento da


Agricultura Familiar em 2014
Adauto Brasilino Rocha Junior1 Francisco Carlos da Cunha Cassuce2

Logística do agronegócio da soja: uma ênfase no transporte e exportação de Santarém (PA) entre
2015-2017
Deyse Cristina Coelho da Silva, Elen Carina Duarte Ferreira, Elisa Araújo de Oliveira, Romário de Jesus Galúcio,
Márcio Júnior Benassuly Barros

O setor avícola no Brasil: um estudo da sua evolução e distribuição regional


Franciele Tremea, Ariana Cericatto da Silva

Os determinantes do consumo alimentar domiciliar por estratos de renda no Brasil - POF 2008/2009
Diogo Ferraz, Fabíola Cristina Ribeiro de Oliveira, Herick Fernando Moralles, Daisy Aparecida do Nascimento
Rebelatto

População jovem em domicílio rural: considerações relacionadas aos percalços e factilidades que
envolvem esta seara
Rúbia Silene Alegre Ferreira, Antonio Geraldo Harb, Marklea da Cunha Ferst, Helen Rita Menezes Coutinho,
Alessandra Coelho de Castro
Eixo 8. A questão urbana e regional no processo de desenvolvimento

A alienação dos imóveis rurais da União no Distrito Federal sob a ótica da Lei nº 13.465/2017
Flávia Pedrosa Pereira

A atuação da sudene no município de Montes Claros - contexto histórico e implicações.


Maria Valdeny Pereira de Souza

Avaliação da focalização de políticas públicas de saúde em Minas Gerais entre 2011 e 2014
Rafael Lara Mazoni Andrade

Economia do Insumo-Produto: uma análise de impacto dos investimentos anunciados para o Espírito
Santo entre 2011-2016
Marlon Porfírio Casotto, Celso Bissoli Sessa

Estudo de variáveis que impactam na formação dos preços de compra, venda e aluguéis residenciais
em João Monlevade-MG
Williane Cristina Ribeiro, Vanessa Rosa Silva, Paganini Barcellos de Oliveira

O Ciclo das commodities e crescimento regional desigual no Brasil: uma Aplicação de Equilíbrio Geral
Computável (EGC)
Celso Bissoli Sessa, Thiago Cavalcante Simonato, Edson Paulo Domingues

Os impactos da aplicação do CFEM sobre o desenvolvimento local medido através do IFDM: uma
análise para os municípios beneficiários dos estados de Minas Gerais, Pará e Sergipe
Lizandra Duarte da Silva, Rafaela Nascimento Santos, Samara Leite Santos, José Ricardo de Santana,
Fábio Rodrigues de Moura

Regularização fundiária urbana e desenvolvimento no Brasil: impactos e desafios


Rafael Lara Mazoni Andrade, Claudio Burian Wanderley

Segurança alimentar e nutricional e espaço social alimentar: uma análise por medidas objetivas
Cícero Augusto Silveira Braga, Lorena Vieira Costa Lelis

Trajetória da política urbana e desafios ao desenvolvimento no Brasil


Rafael Lara Mazoni Andrade, Germana de Campos Gonçalves, Claudio Burian Wanderley

Eixo 9. Reformas econômicas e políticas

Carga tributária e evasão fiscal no Brasil: uma análise empírica dos aspectos de longo prazo
Felippe Clemente, Viviani Silva Lírio, Fabiano Luiz Alves Barros

Ciclos Políticos orçamentários: proposta de um modelo teórico baseado em agentes Julyana Covre,
Leonardo Bornacki de Mattos, Fabiano Luiz Alves Barros

Governança pública e reeleições municipais em Minas Gerais


Alexandre de Cássio, Suzana Braga Rodrigues

Inflação e Volatilidade de Preços Relativos na Economia Brasileira Pós-Plano Real


Hugo Carcanholo Iasco Pereira, Michel Cândido de Souza

Neodesenvolvimentismo, neoliberalismo e crise política no Brasil: o modelo lulista em cheque


Marco Antonio Bestetti Paccola

O Estado contemporâneo em debate: apontamentos sobre as reformas neoliberais e suas implicações


no mundo globalizado
Vinícius Figueiredo Silva, Acson Gusmão Franca

Previdência e finanças públicas: um debate sobre a reforma e seu impacto nos gastos do governo
Alex Eugênio Altrão de Morais, Filipe Marques Dias, Matheus Gomes do Carmo de Souza, Stela Rodrigues Lopes
Gomes, Warllen Júnio Gonzaga

Eixo 10. Políticas públicas para o desenvolvimento

A expansão do consumo e a dinâmica do bem-estar das famílias brasileiras: uma análise de


decomposição da desigualdade
Leonardo S. Oliveira, Viviane C.C. Quintaes, Luciana A. Dos Santos, Debora F. De Souza

A influência do Tamanho da Família na Obesidade Infantil Resumo


Elisa Nolasco Pedrosa, Lorena Vieira Costa

Índice de desenvolvimento das famílias chefiadas por mulheres (IDFCM) no nordeste brasileiro
Felipe Miranda de Souza Almeida, Peter Felipe dos Santos, João Eustáquio de Lima

Infraestrutura econômica e crescimento na América Latina: uma abordagem qualitativa e quantitativa


em painel de dados
Victor Medeiros, Francisco Carlos da Cunha Cassuce, Jader Fernandes Cirino

O impacto do estatuto do desarmamento na criminalidade em Minas Gerais (2004-2014)


Julyara Fátima Oliveira Costa, Flávia Chein
Pobreza multidimensional feminina nas grandes regiões brasileiras: uma aplicação do método Alkire
Foster (AF)
Taís Regina da Silva Ferreira, Solange Regina Marin

Renda relativa e consumo: uma investigação empírica sobre o efeito demonstração


Michel Cândido de Souza Souza

Eixo 11. Inovação e economia criativa

O Impacto Econômico do Financiamento da Ciência no Brasil: um estudo comparativo entre


importação e produção de um bem de capital em Nanotecnologia
Celso Bissoli Sessa, Márcia Siqueira Rapini, Ado Jório de Vasconcelos, Márcia Dias Diniz Costa

O sistema nacional de inovação no Brasil: uma análise a partir de estatísticas de patentes


Jordana Teatini Duarte, Ednilson Silva Felipe

Sen e Schumpeter: qualidade de vida no processo de inovar - uma análise empírica de países
Alexandre Ricardo de Aragão Batista, Claílton Ataídes de Freitas, Jaqueline Moraes Assis Gouveia
Eixo 12. Economia e questões de gênero
Gênero, famílias e distribuição de renda no Brasil: sinergias e impasses
Nathalie Reis Itaboraí

Participação da mãe no mercado de trabalho e o diferencial educacional por gênero entre


adolescentes
Ana Cecília de Almeida, João Eustáquio de Lima, Lorena Vieira da Costa Lelis
EIXO 1
Educação e economia,
equidade, oportunidades e
desenvolvimento
A EDUCAÇÃO NO BRASIL: INFLUÊNCIAS OCULTAS NOS RESULTADOS
BRASILEIROS NO EXAME PISA 2015 EM UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DE
REGRESSÕES QUANTÍLICAS

Peter Felipe dos Santos


Doutorando em Economia Aplicada na Universidade Federal de Viçosa (PPGEA-UFV)
peterfelipe.santos@gmail.com

Felipe Miranda de Souza Almeida


Mestrando em Economia na Universidade Federal de Viçosa (PPGE-UFV)
felipemiranda.almeida@gmail.com

João Eustáquio de Lima


Professor Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa
(DER-UFV)
jelima@ufv.br

Resumo: A proposta desse trabalho é, através da regressão quantílica, trazer a luz quais
variáveis possuem um maior impacto nos resultados dos estudantes, com base na avaliação
do PISA 2015, e como elas afetam diferentes faixas de resultados, possibilitando assim uma
extrapolação. Buscou-se também realizar um breve questionamento a respeito da eficiência
de possíveis replicações de modelos internacionais dentro do contexto brasileiro, utilizando
como comparativo o país com as melhores avaliações, Singapura. Os resultados fornecem
aos formuladores de políticas públicas o comportamento de um conjunto de variáveis nas
diferentes áreas e quantis, assim como a sua influência quantitativa sobre os resultados
alcançados, indicando quais seriam as variáveis a serem manipuladas que trariam
possivelmente um maior impacto na qualidade da educação.

Palavras-Chave: Educação, Brasil, PISA, Avaliação.

Abstract: The proposal of this work is, through quantile regression, to show which variables
have a greater impact on students' results, based on the PISA 2015 evaluation, and how they
affect different results ranges, thus allowing an extrapolation. It was also sought to make a
brief question about the efficiency of possible replications of international models within the
Brazilian context, comparing to the country with the best evaluations, Singapore. The results
provide to the policymakers the behavior of a set of variables in different areas and quantiles,
as well as their quantitative influence on the results achieved, indicating which variables
would be manipulated that would possibly have a greater impact on the quality of education.
Keywords: Education, Brazil, PISA, Evaluation.

Eixo temático: Educação e economia: equidade, oportunidades e desenvolvimento.


1. Introdução

No que tange a universalização da educação, o Brasil nos últimos anos demonstra

um grande avanço, diminuindo a taxa de analfabetismo, melhorando a taxa de atendimento

escolar e de escolarização líquida, aumentando assim a escolaridade média da população

(MACHADO et al., 2008). Entretanto, encontra-se a frente um desafio ainda maior a ser

enfrentado: o da qualidade do ensino.

O país ainda apresenta em avaliações nacionais e internacionais um resultado pouco

satisfatório em relação à qualidade de seu ensino. Para alterar esse cenário será preciso que

a educação seja colocada como prioridade para governantes e para sociedade como um todo,

destinando assim os recursos suficientes para que políticas públicas de qualidade sejam

realizadas.

Contudo, não basta apenas dinheiro, é necessário que se tenha um plano nacional de

educação bem estruturado com políticas públicas de qualidade, visando o maior retorno

social dos gastos públicos.

Com o intuito de gerar informações de qualidade aos formuladores de política, esse

trabalho busca auferir qual foi a influência de um conjunto de variáveis sobre os resultados

dos estudantes brasileiros no último exame do Programa Internacional de Avaliação de

Estudantes (PISA1).

Por que o PISA? Existem diversos exames que avaliam a qualidade da educação de

um país, o Ideb2 por exemplo, contudo de abrangência internacional e que tem por iniciativa

uma avaliação comparada, a avaliação do PISA é a maior e mais importante. Esse exame é

coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

existindo uma coordenação nacional em cada país onde os testes são realizados, no caso

1
Sigla referente ao seu significa em inglês – Programme for International Student Assesment.
2
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
brasileiro essa é uma responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Essa avaliação teve inicio no ano 2000 e é realizada a cada 3 anos para uma parcela

amostral de estudantes que estejam na faixa dos 15 anos, idade próxima ao final do ciclo

escolar obrigatório. As avaliações abrangem três áreas do conhecimento - matemática,

leitura e ciências – e além de observar as competências de cada aluno, existe a coleta de

informações pessoais dos alunos, dos professores e das escolas, com o intuito de possibilitar

a elaboração de indicadores contextuais que expressem o impacto de diversas variáveis nos

resultados alcançados.

Assim, por intermédio das regressões quantílicas, esse artigo buscou encontrar a

influência gerada por um determinado conjunto de variáveis em diferentes faixas de

resultados, denominadas de quantis. E caminhando um passo além, o trabalho realizou a

análise da influência do mesmo conjunto de variáveis para o país melhor avaliado no PISA

2015, que foi Singapura3.

Através dessa comparação, é possível analisar se a aplicação no Brasil do modelo

singapurense, descrito nos trabalhos de Tee (2003), Sclafani e Lim (2008), Ng e Chan (2008)

e Mok (2003), poderia gerar resultados próximos aos alcançados em Singapura, hipótese

essa que foi rejeitada através dos resultados, devido a diferença com que cada variável

influencia os resultados, indicando que caso uma compilação do modelo fosse adotada,

provavelmente os resultados ficariam aquém do esperado.

Além dessa introdução o trabalho possui mais três seções. O modelo quantílico é

apresentado na segunda seção conjuntamente com as variáveis. Na terceira os resultados

3
Uma cidade estado de aproximadamente 700 km² no sudeste da Ásia, que durante os últimos 50 anos tem
como prioridade o investimento na educação de qualidade, resultando nos melhores resultados nas avaliações
internacionais, gerando um grande ganho de capital humano, o que possibilitou o país a entrar na categoria de
desenvolvido (OCDE, 2016b).
alcançados são demonstrados, separados por áreas do conhecimento. E por fim, são

apresentadas as conclusões.

2. Métodos

Essa seção de metodologia está dividida em duas partes, a primeira apresentando a

regressão quantílica e as variáveis utilizadas e a segunda referente à fonte e tratamento dos

dados da pesquisa.

2.1.Regressões Quantílicas

A metodologia a ser utilizada nesse estudo será a de regressões quantílicas, que foi

inserido na literatura através do trabalho de Koener e Basset (1978) e desde então ganhou

grande importância em diversos estudos. O intuito da regressão quantílica é estimar modelos

que expliquem variações em diferentes faixas da variável dependente (Y), denominadas

quantis. Obtendo uma regressão para cada quantil, possibilitando assim auferir o impacto de

uma variável explicativa sobre Y para diferentes níveis de Y.

Especificamente para o trabalho em questão, a variável dependente utilizada foi os

resultados alcançados pelos estudantes brasileiros e singapurenses no exame do PISA 2015

nas três áreas avaliadas, matemática, leitura e ciências. Os quantis foram definidos da

seguinte maneira, a faixa das 10% piores notas (q10), a faixa dos 25% piores resultados

(q25), o quantil mediano (q50), o grupo das 25% melhores notas (q75) e a faixa das 10%

melhores notas (q90).

O modelo segue os seguintes passos, seja 𝑌𝑖 uma variável aleatória real, (i = 1, ... , n)

e 𝑋𝑖 um vetor K x 1, que representa as variáveis explicativas a serem utilizadas. Descrevendo

uma simples regressão, tem-se:

𝑌𝑖𝜃 = 𝑋𝑖 𝛽𝜃 + 𝑒𝜃𝑖 (1)


A partir da definição (1), os quantis podem ser reformulados como solução de um

problema simples de programação linear. Sendo 𝜃-ésimo quantil para 0 < 𝜃 < 1, tem que:
𝑄𝜃 (𝑦𝑖 : 𝑋𝑖 ) = 𝑋𝑖′ 𝛽𝜃 , 𝜃 𝜖 (0,1) (2)
A equação da regressão quantílica 𝜃 fica definida em (3), como:

(3)
1
𝑚𝑖𝑛𝜃 [ ∑ 𝜃|𝑦𝑖 − 𝑥𝑖′ 𝛽𝜃 | + ∑ (1 − 𝜃)|𝑦𝑖 − 𝑥𝑖′ 𝛽𝜃 |]
𝑛 ′
𝑖=𝑦𝑖 ≥𝑥𝑖 𝛽 𝑖=𝑦𝑖 ≥𝑥𝑖′ 𝛽
Manipulando (3), tem-se:
𝑛
1 (4)
𝑚𝑖𝑛𝜃 ∑ 𝜌𝜃 (𝑢𝜃𝑖 )
𝑛
𝑖=1
Sendo que 𝜌𝜃 (. ) é definido como:

𝜃𝑢𝜃𝑖 𝑠𝑒 𝑢𝜃𝑖 ≥ 0 (5)


𝜌𝜃 (. ) = {
(𝜃 − 1)𝑢𝜃𝑖 𝑠𝑒 𝑢𝜃𝑖 < 0
A equação a ser estimada será dada por:

𝑅𝑒𝑠𝑢𝑙𝑡𝑎𝑑𝑜 𝑃𝐼𝑆𝐴 2015𝑗𝑖 (6)


= 𝛼𝑗𝑖 + 𝛽𝑗𝑖 𝑐𝑜𝑛𝑗𝑢𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑒 𝑣𝑎𝑟𝑖á𝑣𝑒𝑖𝑠 𝑒𝑥𝑝𝑙𝑖𝑐𝑎𝑡𝑖𝑣𝑎𝑠𝑗 + 𝛾𝑗𝑖
Onde o prefixo j representa a área a ser avaliada e i identifica os alunos. As variáveis

explicativas foram geradas a partir de 125 questões do questionário aplicado junto aos

exames, e foram divididas em quatro grupos, que são: características socioeconômicas,

características psicológicas, disponibilidade, acesso e importância das tecnologias da

informação e comunicação (TICs) e um quarto conjunto com características especificas dos

estudantes.

Dentro do conjunto de características socioeconômicas foram geradas três variáveis

através das respostas dadas nos questionários. A primeira delas foi condições domiciliares

de estudo (CDIE), que buscou avaliar a existência de características domiciliares que

facilitam o estudo, a segunda variável foi relacionado a riqueza (RIQ), que buscou servir

como uma proxy das características econômicas dos estudantes e a terceira variável foi a

quantidade de livros em casa (QTLi), que teve o papel de uma proxy de leitura, indicando o

quanto isso influencia realmente nos resultados.

O segundo grupo foi o de características pessoais, no qual incluiu a motivação

pessoal e a motivação advinda dos pais (MotPa e MotPe), a primeira buscou avaliar o quanto
os estudantes consideravam-se motivados e a segunda o quanto eles consideravam que seus

pais os motivavam. O estudante trabalhar e gostar de trabalhar em grupo também foi avaliado

através da variável trabalho em grupo (TRG), buscando assim a real existência de alguma

influência desse tipo de atividade com os resultados do exame. A quarta e última variável

analisada nesse contexto foi a ansiedade (ANS), que possibilitou avaliar se estudantes mais

ansiosos tinham seus resultados escolares prejudicados.

O terceiro grupo avaliado foi um experimento para testar e avaliar o quanto as novas

tecnologias da informação e comunicação estão presentes, qual a importância e como se dá

essa influência sobre os resultados do exame. Para que esses objetivos fossem alcançados e

levando em conta os questionamentos feitos no exame, foram geradas oito variáveis. Que

são: disponibilidade de TICs em casa e na escola (TICCa e TICEs), utilização das TICs

(UtTIC), utilização das TICs com fins acadêmicos tanto na escola quanto em casa (TICCaFE

e TICEsFE), domínio e interesse pelas TICs (DomTIC e IntTIC) e importância da internet

(ImpInt).

E o grupo que possui características especificas dos estudantes é composto por

escolaridade da mãe (ESCMa), escolaridade do pai (ESCPa), essas variáveis receberam

valores de 1 a 6, de acordo com Classificação Internacional Normalizada da Educação (mais

conhecida pela sigla inglesa ISCED4) e por fim, tem-se a variável dummy repetência

(REPEAT), recebendo valor um caso o estudante já tenha sido reprovado em algum

momento de sua trajetória acadêmica e zero caso contrário.

2.2.Fonte e tratamento dos dados

Os dados utilizados na pesquisa foram retirados dos microdados referentes ao exame

internacional de avaliação da qualidade do ensino PISA 2015, disponível no site da OCDE,

4
International Standard Classification of Education.
onde a amostra inicial de estudantes brasileiros foi de 22143 e de singapurenses foi de 6115.

Foram utilizadas as notas dos estudantes nas três áreas avaliadas pelo exame, matemática,

leitura e ciências e também um total de 125 perguntas do questionário que levou a geração

de 18 variáveis explicativas.

O primeiro passo realizado no tratamento dos dados foi a filtragem dos questionários,

excluindo aqueles que não tivessem sido preenchidos corretamente, esse procedimento levou

a uma significativa diminuição na amostra, principalmente para o caso brasileiro, o tamanho

da amostra utilizada após a filtragem foi 3755 para o Brasil e 3758 para Singapura. Após

essa etapa, iniciou-se a geração das variáveis que foram utilizadas no modelo.

3. Resultados e Discussões

Através da regressão quantílica foi possível avaliar mais profundamente quais foram

as variáveis que mais influenciaram tanto os estudantes brasileiros quanto os singapurenses

nos diferentes extratos de notas.

Para facilitar a interpretação dos resultados, esta seção foi dividida em quatro partes,

as três primeiras apresentam os resultados de cada uma das áreas avaliadas pelo PISA 2015

e a quarta faz uma discussão dos resultados mais importantes. Destaca-se que as tabelas e as

figuras com os resultados foram apresentadas, respectivamente, no Anexo A e Anexo B.

3.1.Matemática

A nota média dos estudantes brasileiros no PISA 2015 em matemática foi de 377

pontos, abaixo da média de 490 dos países pertencentes a OCDE e muito abaixo quando

comparado ao resultado de Singapura de 564 pontos (OCDE, 2016c).

A Tabela 3.1 traz os resultados da regressão quantílica elaborada com o banco de

dados dos estudantes brasileiros. Por meio da análise dos sinais encontrados é possível

observar que as condições domiciliares para o estudo; riqueza, quantidade de livros que

possui na residência, motivação pessoal e escolaridade tanto da mãe quanto do pai, afetam
positivamente as notas de quase todos5 os quantis da regressão, ou seja, os indivíduos com

melhores condições domiciliares, com maior poder aquisitivo, com maior quantidade de

livros, com maior motivação pessoal e que possuem pais com uma instrução mais elevada

possuirão notas melhores, não importando o quantil analisado. Os coeficientes relacionadas

à repetência e ansiedade possuem sinais negativos, indicando que caso o aluno tenho

reprovado e/ou seja mais ansioso, suas notas provavelmente serão menores do que as dos

demais.

Avaliando os valores dos coeficientes da tabela 3.1, observa-se que as variáveis

relacionadas à repetência, riqueza, escolaridade da mãe e ansiedade estão entre que possuem

maior influência em todos os extratos. E a variável relacionada à quantidade de livros se

mostra com maior poder explicativo nos quantis superiores q75 e q90.

Os resultados encontrados para captar a influência de condições psicológicas dos

estudantes não foram totalmente satisfatórios para essa disciplina, visto que metade das

variáveis obteve resultados não significativos, como a motivação advinda dos pais e trabalho

em grupo. Restando a variável ansiedade que indicou que estudantes mais ansiosos tendem

a ter um rendimento menor em torno de 4 pontos para todos os quantis, e a motivação pessoal

que demonstrou que estudantes que se consideram mais motivados possuem notas por volta

de 3 pontos acima dos demais.

Aquelas variáveis relacionadas a presença e importância das tecnologias de

informação e comunicação (TICs) no âmbito acadêmico e pessoal, demonstraram um baixo

efeito ou não significância. A disponibilidade de TIC na escola se mostrou não significativo,

a disponibilidade dessas tecnologias em casa demonstrou sinal contrário ao esperado, quanto

maior a disponibilidade menor as notas, assim como as variáveis de utilização das TICs com

5
Exceto a variável escolaridade do pai no quantil q10 que não representa significância.
fins escolares, tanto em casa quanto na escola, que também demonstraram sinais não

esperados, ambas obtiveram sinais negativos, indicando que quanto maior o acesso, piores

são as notas.

A importância da internet dada pelos alunos, apresentou sinal positivo nos dois

primeiros quantis, indicando que dentre aqueles estudantes com notas menores os que davam

maior importância para internet tinham melhores resultados, nessa categoria provavelmente

encontram-se aqueles estudantes que possuem dificuldades de aprendizagem e buscam na

internet uma maneira de complementar o estudo. Contudo, para os quantis q50, q75 e q90

essa variável não foi significativa. As outras duas variáveis foram utilização e domínio de

TICs, as quais apresentaram sinais positivos, indicando que aqueles estudantes que a

utilizam com maior frequência e possuem maior domínio apresentaram notas melhores aos

demais em seus quantis específicos para a disciplina de matemática.

A tabela 3.2 expressa os resultados encontrados para os estudantes singapurenses.

Nota-se que as principais variáveis que afetam as notas são aquelas referentes à repetência,

quantidade de livros em casa, condições domiciliares para o estudo, escolaridade do pai e

ansiedade. Variáveis como riqueza, motivação pessoal, escolaridade da mãe e algumas

referentes à presença e importância das TICs se mostram significativas, porém com um

menor impacto.

Realizando a comparação entre os países é possível observar que dentre o universo

de 18 variáveis estudadas, apenas quatro são significantes e apresentam um poder explicativo

médio acima de três pontos sobre as notas em todos os quantis analisados para ambos os

países. São elas repetência, ansiedade, quantidade de livros em casa e escolaridade da mãe.

Contudo, o poder de influência dessas variáveis é bem diferente entre os países como se pode

observar na figura 3.1. Por exemplo, no Brasil, enquanto quantidade de livros no quantil

mediano influencia em torno de 3,8 pontos, em Singapura esse valor é de 11,6 pontos.
Para as demais variáveis encontram-se diferenças quanto a sua importância, no Brasil

a variável riqueza tem grande influência no resultado do aluno, entretanto em Singapura, as

variáveis que fazem esse papel são condições domiciliares de estudo e escolaridade do pai,

demonstrando assim como o perfil socioeconômico e cultural de cada país pode definir as

variáveis que afetam os resultados da educação formal.

Em ambos os países os resultados análogos apresentaram o mesmo sinal. No caso da

variável repetência, a qual os coeficientes apresentaram maiores valores, ela era uma dummy

que indicava se em algum momento de sua trajetória acadêmica o aluno repetiu alguma série

escolar. Essa variável apresentou sinal negativo indicando que caso o estudante já tivesse

repetido sua nota em média sofria um impacto negativo de 50 pontos para os estudantes

brasileiros chegando próximo aos 70 para os estudantes singapurenses.

A variável quantidade de livros em casa indica que aqueles estudantes que indicaram

ter mais livros em casa, em média possuem um rendimento maior em torno de 5,8 pontos

para os brasileiros, sendo que o impacto chega a 6,46 no quantil superior (q90). Para os

singapurenses esse impacto é ainda maior, por volta de 10 pontos, contudo diferentemente

do Brasil, o impacto de um número maior de livros em casa é superior nos quantis nos quais

as notas são mais baixas, chegando a 11,58 no quantil mediano (q50).

A outra variável compatível com os dois países é de caráter mais psicológico, que

seria a ansiedade, estudantes que indicaram ser mais ansiosos apresentaram resultados

inferiores dentro de seus quantis. Na média os estudantes do Brasil apresentaram uma queda

de rendimento de 4,35 pontos, enquanto os de Singapura 3,6 pontos.

Finalizando essa análise, tem-se a escolaridade da mãe, que no Brasil é a segunda

variável mais importante, perdendo apenas para a repetência, aqueles estudantes que são

filhos de mães com um grau de instrução mais elevado apresentaram de modo geral um

ganho por volta de 5,3 pontos. Em Singapura essa variável também foi significativa, sendo
o ganho médio dos alunos em torno de 3,4 pontos, diferentemente do Brasil, os

singapurenses são mais influenciados pela escolaridade dos pais, que afetam em torno de 6

pontos positivos os resultados.

3.2.Leitura

A nota média dos estudantes brasileiros nessa prova foi de 407 pontos, resultado que

se mantem estável desde o primeiro exame PISA, que foi realizado em 2000. Esse resultado

é também abaixo da média dos países da OCDE e bem abaixo do resultado de Singapura,

493 e 535 pontos respectivamente (OCDE, 2016a). Os resultados alcançados são

demonstrados na tabela 3.3, onde pode se verificar os valores dos coeficientes alcançados

para cada variável de acordo com o seu quantil.

Para os estudantes brasileiros, assim como no exame de matemática, o coeficiente

com maior impacto foi o de repetência, seguido de riqueza e quantidade de livros em casa.

Em oposição aos resultados alcançados na seção anterior, o número de coeficientes

estatisticamente não significantes sofreu uma grande redução, variáveis como motivação dos

pais e condições domiciliares de estudo que foram irrelevantes nos resultados de matemática,

agora foram relevantes.

O quadro de variáveis socioeconômicas se destacou como o mais importante para os

resultados de leitura, indicando assim que estudantes com condições melhores socialmente

possuem resultados melhores dentro de seus quantis. O grupo de variáveis que buscou

analisar características dos estudantes mostrou maior relevância para os resultados

alcançados na prova de leitura do que na de matemática. Aqueles alunos que consideravam

ser mais motivados pelos seus pais e aqueles que se diziam mais motivados pessoalmente

apresentaram respectivamente em média pontuação 1,7 e 2,7 maior do que aqueles que não

apresentaram essas características, destacando que para ambos, os resultados se

apresentaram maiores quanto maior era o quantil analisado. Estudantes que gostavam e
tinham mais disposição a trabalhar em grupo apresentaram resultados superiores em torno

de 1,2 pontos, sendo mais importante nos quantis inferiores.

No conjunto relacionado às TICs, a variável que mede o impacto da sua utilização na

escola novamente não foi significativa, enquanto a variável que analisa a importância da

internet para o aluno foi significante principalmente para os quantis inferiores. No quantil

com as 10% piores notas, aqueles estudantes que apresentaram dar essa maior importância

obtiveram 3,1 pontos a mais, contudo, quanto maior a nota dos alunos menor a relevância

dessa variável, se tornando não significativa para o quantil com as 10% melhores notas.

Outra variável que se mostrou importante foi a de interesse por TICs, porém, novamente

com o sinal contrário ao esperado, gerando assim uma possível ambiguidade, seriam os

estudantes com maiores dificuldades que buscariam mais as TICs? Ou os estudantes que tem

maior interesse por TICs tem menor incentivo a estudar e por essa razão obtêm notas

inferiores? Questões que podem ser alvo de estudos mais aprofundados e fogem do escopo

deste trabalho.

A tabela 3.4 demonstra os resultados alcançados para a estimação feita para

Singapura, obtendo assim quais as variáveis que mais afetam os resultados de leitura dos

estudantes do país melhor avaliado no PISA 2015.

Para os estudantes singapurenses o quarteto de variáveis com o maior impacto nos

resultados de leitura é o mesmo daqueles encontrados na prova de matemática, são eles: a

variável dummy repetência, a quantidade de livros em casa, as condições domiciliares para

o estudo e a escolaridade do pai, ambas com sinal positivo, indicando que quanto maiores

os níveis dessas variáveis melhores foram os resultados dos estudantes em todos os quantis.

Três variáveis merecem uma atenção especial em relação às outras quando fazemos

a análise comparativa, a primeira delas é a riqueza, que apresenta grande influência nos

modelos brasileiros enquanto que nos resultados de Singapura ela se apresenta como
coadjuvante, se a análise é feita por quantis observa-se um comportamento oposto ao caso

brasileiro, quanto maiores os níveis de nota menor a importância da riqueza nos resultados

para os singapurenses, indicando assim um possível acesso a um ensino de qualidade

daqueles com condições econômicas mais precárias.

De maneira inversa, destacamos a escolaridade do pai, que no modelo brasileiro tem

pouca influência, em média os estudantes com pais melhores instruídos tiveram uma nota

superior em 3 pontos, enquanto no modelo singapurense o ganho obtido foi o dobro.

Outra variável a ser destacada é a ansiedade. Na amostra brasileira os dois quantis

com as menores notas apresentaram coeficientes não significativos e nos outros teve

influência negativa em média de 1,85 pontos. Entretanto no modelo de Singapura a

ansiedade teve impacto médio de -3,61 pontos, chegando a -4,49 pontos no quantil com as

10% melhores notas.

A figura 3.2 ilustra como foi a distribuição dos coeficientes dessas variáveis através

dos cinco quantis, podendo-se observar através do comportamento das retas, as diferenças

encontradas nos dois modelos.

3.3.Ciências

A nota média dos estudantes brasileiros em ciências ao longo do tempo obteve uma

leve melhora, acompanhando o crescimento da nota média dos países da OCDE. No PISA

2015 o país obteve o resultado médio de 401 pontos (OCDE, 2016a). Semelhante aos outros

resultados, esse também ficou abaixo da média obtida pelos países membros da OCDE (493)

e bem abaixo da avaliação de Singapura (556 pontos) (OCDE, 2016c).

A tabela 3.5 demonstra quais as variáveis que mais influenciaram os resultados dos

estudantes brasileiros nessa prova de 2015.

A disciplina de ciências apresentou cinco variáveis que se destacaram dentre as

outras para os estudantes brasileiros, foram elas: repetência e ansiedade, que apresentaram
sinais negativos, riqueza, quantidade de livros em casa e escolaridade da mãe, com sinais

positivos.

O fato de o aluno ter ou não sido reprovado se destacou novamente como a variável

que mais influência no rendimento do estudante, em média seu impacto foi de 52,5 pontos

negativos para aqueles que já reprovaram. A outra variável que apresentou resultados

negativos foi a ansiedade, que demonstrou um resultado bem próximo entre os diferentes

quantis, por volta de 3,8 pontos negativos.

Riqueza, quantidade de livros e escolaridade da mãe tiveram uma influência bem

semelhante sobre os estudantes, em média a influência dessas variáveis sobre os quantis foi

de 4,9, 5,8 e 4,43 pontos positivos respectivamente.

Dentre as variáveis relacionadas às características pessoais, além da ansiedade

supracitada, tem-se a motivação pessoal, que obteve um comportamento diferente de acordo

com o quantil avaliado, se observou que essa variável foi aumentando sua influência de

acordo com o crescimento das notas, sendo os valores mais altos alcançados nos 3 quantis

superiores. A variável trabalho em grupo se mostrou significativa e positiva em todos os

quantis, demonstrando a existência de um ganho na aprendizagem de ciências quando se

trabalha em grupo. Por fim, a motivação dos pais se mostrou estatisticamente não

significativa para os quantis q10, q25 e q50 da amostra, apresentando resultados positivos

para os dois superiores, indicando que dentre os estudantes que já possuem um bom

rendimento para os padrões brasileiros se destacam ainda mais aqueles que possuem um

suporte familiar maior.

No quadro de variáveis, que foram especialmente testadas para avaliar o impacto das

TICs nos resultados, três das oito variáveis apresentaram diversos resultados

estatisticamente não significativos, essas variáveis foram: disponibilidade de TICs na escola,

importância da internet e domínio da TIC. Outras quatro variáveis demonstraram sinais não
esperados pela pesquisa, foram elas: disponibilidade de TICs em casa, interesse pelas novas

tecnologias e utilização de TICs para fins escolares tanto em casa quanto na escola. Restando

apenas a variável utilização da TIC com o sinal esperado, indicando que aqueles estudantes

que mais utilizam essas tecnologias alcançam em média um resultado próximo a 1 ponto a

mais em relação aos demais.

Os resultados encontrados para os estudantes singapurenses indicam que o quarteto

de variáveis que mais influenciam nos resultados são os mesmos dos encontrados para as

outras disciplinas, são eles: condições domiciliares de estudo, quantidade de livros em casa,

escolaridade do pai e repetência. Conforme demonstra a tabela 3.6.

No âmbito das características pessoais, obteve-se que trabalho em grupo e motivação

pessoal não foi estatisticamente significativo na maioria dos quantis para os estudantes

singapurenses e quando foram, demonstraram sinal contrário ao dos estudantes brasileiros,

afetando negativamente seus resultados. Entretanto, a motivação dos pais demonstrou

impacto significante e crescente de acordo com que as notas dos quantis foi se elevando.

Fechando a análise desse grupo, a ansiedade novamente demonstrou ser a variável que mais

influencia os resultados e com maior impacto sobre os quantis mais elevados.

No contexto das variáveis que inseriam o impacto das TICs no ensino, pode-se

analisar através da figura 3.3 como o comportamento dessas tecnologias se averiguou

diferente para os dois países.

Dentro desse quadro de variáveis, deve-se destacar o comportamento de duas

variáveis. Dentre elas a de interesse pelas TICs, que demonstrou sinal negativo (ao contrário

do que a pesquisa esperava) com um impacto médio de 4,8 pontos, alcançando seu pico no

quantil mediano em 5,11 pontos negativos para o caso singapurense. Comparativamente com

o caso brasileiro, nota-se a semelhança no sinal negativo, contudo a influencia no caso

brasileiro foi bem menor.


Outra variável a ser destacada é a de domínio das TICs, dentre os estudantes

singapurenses, quem tem maior domínio sobre essas tecnologias atingiu melhores

resultados, sendo seu impacto mais de duas vezes superior para o quantil q90 quando

comparado com o quantil q10. Para o caso brasileiro não é possível fazer esta comparação

visto que para os dois primeiros quantis os resultados não foram estatisticamente

significativos, todavia, nos quantis superiores se comprovaram ganhos nos resultados em

torno de 1,6 pontos.

3.4.Discussões

Os resultados para o caso brasileiro demonstraram uma relativa semelhança entre

quais variáveis são mais influentes para as três disciplinas, que foram elas repetência,

quantidade de livros em casa, escolaridade da mãe, riqueza, ansiedade e motivação pessoal.

Somado a isso, tem-se que o sinal encontrado para essas variáveis é o mesmo entre os

quantis, alterando-se apenas o impacto que cada uma gera nos resultados.

Caminhando um passo além de se destacar quais são as variáveis que influenciam os

resultados, esse trabalho teve o intuito de encontrar como cada uma influencia os diferentes

quantis, ou seja, analisar por exemplo o quanto realmente influencia a motivação pessoal

para aqueles estudantes que estão com as piores notas e como ela se dá para aqueles com as

melhores pontuações considerando cada disciplina. É possível observar através da figura 3.4

como as principais variáveis se comportam nos diferentes quantis para cada uma das

matérias avaliadas, demonstrando claramente as diferenças entre elas.

Esse conjunto de resultados descrito acima deve ser considerado animador, pois com

os formuladores de políticas públicas e educadores tendo conhecimento de quais variáveis

geram influência significativa nos resultados acadêmicos e qual o seu impacto para os

diferentes níveis de estudantes, é possível gerar políticas especificas, de acordo com os


objetivos almejados, direcionando assim a energia e os recursos que são limitados para

aquelas variáveis que trazem o melhor retorno para a qualidade da educação.

Outro ponto a ser discutido através dos resultados foi a existência de diferenças entre

quais variáveis influenciam os estudantes brasileiros e singapurenses. Esse questionamento

foi colocado com o objetivo de levantar discussões em torno de quão eficaz é a replicação

de programas de ensino bem sucedidos em outros países no contexto brasileiro, visto que o

Brasil possui muitas especificidades, como dimensões continentais e culturas diversas, que

outros países podem não ter.

Através dos resultados alcançados é possível indicar que uma possível replicação do

modelo implantado em Singapura poderia não trazer melhorias significativas para a

educação do país. Por exemplo, duas variáveis que tem alto poder de influência sobre os

singapurenses são condições domiciliares de estudo e escolaridade dos pais, portanto, suas

políticas educacionais são voltadas a melhorar essas duas variáveis. Caso fosse replicado no

Brasil, essa política teria resultados bem abaixo dos de Singapura, pois a influência dessas

variáveis é bem menor no contexto brasileiro, conforme resultado da pesquisa.

Com respeito da implantação e utilização de novas tecnologias da informação e

comunicação para fins escolares. Para se avaliar a importância dessas tecnologias no ensino

foi incorporada a regressão um conjunto de variáveis que buscou analisar esse efeito. Em

relação a utilização das TICs observou-se que aqueles estudantes que fazem mais uso dessa

tecnologia possuem resultados melhores, o que se esperava, pois com um maior acesso a

informação e formas complementares de estudo os resultados tenderiam a ser positivos.

Entretanto, quando se aprofundou o questionamento e buscou-se saber qual a utilização

desses meios para fins escolares, os resultados foram opostos ao anterior. Concluindo-se

assim que aqueles estudantes que possuem maiores dificuldades escolares buscam mais essas

tecnologias como uma forma de complementar o estudo.


Dentre as variáveis que afetam os estudantes a com maior influência foi a repetência,

demonstrando assim que esses estudantes que por algum motivo reprovaram alguma série

devem receber uma atenção diferenciada, pois provavelmente podem ter dificuldades na

aprendizagem, condições familiares adversas, condições socioeconômicas precárias, ou

outros motivos que não se limitam a educação. É de grande importância para a sociedade e

para a melhoria da qualidade da educação, que os governantes gerem condições para que as

escolas sejam capazes de disponibilizar mais aulas de reforço escolar e que elas sejam

incentivadas a monitorar esses estudantes repetentes, acompanhando assim o seu progresso.

A variável quantidade de livros em casa demonstrou que aqueles que possuem maior

acesso a livros alcançam melhores resultados, indicando assim que tomadores de políticas

públicas devem se preocupar em realizar medidas de incentivo à leitura, expondo os

benefícios decorrentes das leituras, conscientizando assim a população. Contudo, não

somente isso pode ser realizado, é necessário ir além, preocupar-se com a disponibilidade e

acesso dos livros a população, através da criação e manutenção de bibliotecas públicas, com

uma infraestrutura e acervo de qualidade e criar medidas que possam deixar os livros mais

acessíveis economicamente, como desoneração fiscal, subsídios à produção, dentre outras

possíveis.

Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.


E por fim, destaca-se uma variável psicológica, a ansiedade, que demonstrou afetar

parte dos resultados, principalmente nos quantis mais elevados. Esse resultado indica que

deve existir uma preocupação na escola não apenas com questões ligadas as disciplinas, seria

recomendado que a inteligência emocional dos estudantes também fosse trabalhada e

fortalecida em sala de aula, questões relacionadas ao estresse e ansiedade são assuntos cada

vez mais comuns no âmbito escolar, sendo uma realidade a qual governantes não podem

tratar como secundárias.


4. Conclusões

Esse artigo buscou trazer análises mais detalhadas sobre quais variáveis

influenciaram os resultados dos estudantes brasileiros no exame do PISA 2015 e qual o seu

comportamento nos diferentes quantis de notas, fazendo uma análise comparativa com os

estudantes singapurenses que foram os melhores avaliados no exame em todas as disciplinas.

Conclui-se que para os resultados brasileiros do PISA 2015, existe um grupo de

variáveis especificas e semelhantes que tiveram grande influência nos diversos quantis e nas

diferentes disciplinas, que são: riqueza, quantidade de livros em casa, ansiedade, motivação

pessoal, escolaridade da mãe e repetência. Sendo possível através dos resultados visualizar

qual o impacto de cada variável para cada quantil especifico. Possibilitando que políticos,

formuladores de políticas públicas, educadores e especialistas consigam focalizar seus

esforços e recursos em variáveis especificas que tragam o melhor custo benefício para a

sociedade brasileira, otimizando assim os gastos públicos e alcançando uma educação de

maior qualidade.

No quesito comparativo da pesquisa, os resultados indicaram que mesmo as variáveis

que possuem influência significativa em ambos os países apresentam valores de impacto

diferentes. Concluindo assim que uma possível replicação do modelo de ensino de Singapura

no Brasil poderia levar a resultados abaixo do esperado e isso se aplica também a modelos

de outros países, visto que as especificidades do país devem ser respeitadas, exigindo que

primordialmente sejam realizados estudos para qualquer tentativa de compilação de modelos

ou técnicas de ensino que venham do exterior.

Por fim, os resultados encontrados para medir o impacto das TICs nos resultados do

exame apresentaram pouca influência na análise quantitativa do impacto, visto que dentre as

variáveis que se mostraram estatisticamente significativas, seus valores foram baixos.

Todavia, através da análise dos sinais alcançados foi possível observar a influência positiva
das novas tecnologias sobre os resultados alcançados e foi possível auferir que os estudantes

com maiores dificuldades na escola são também os que mais buscam essas ferramentas como

forma complementar de estudo.

A temática de inclusão de TICs é recente e precisa ser analisada com mais detalhes

e profundidade, para que se entenda exatamente qual o seu efeito e papel sobre esse novo

modelo educacional que desponta, sendo um bom tema para trabalhos futuros.

5. Referências

KOENKER, R; BASSET, G. Regression Quantiles. Econometrica. n. 46, 1978.


MACHADO, et al. Qualidade do Ensino em Matemática: Determinantes do Desempenho de
Alunos em Escolas Públicas Estaduais Mineiras. Revista Economia, Brasília (DF), v.9, n.1,
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MOK, K. Decentralization and marketization of education in Singapore. A case study of the
school excellence model. Journal of Educational Administration, v.41, n.4, pp. 348-366,
2003.
NG, P. T.; CHAN, D.. A comparative study of Singapore’s school excellence model with
Hong Kong’s school-based management. International Journal od Education
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OCDE, PISA Results from Brazil. 2016a. Disponível em: <
https://www.oecd.org/pisa/PISA-2015-Brazil-PRT.pdf/>. Acesso em: 17 dezembro 2016.
OCDE, PISA 2015 High performers, Singapura. 2016b. Disponível em: <
https://www.oecd.org/pisa/PISA-2015-singapore.pdf/>. Acesso em: 15 dezembro 2016.
OCDE, PISA Results in focus. 2016c. Disponível em: < https://www.oecd.org/pisa/pisa-
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SCLAFANI, S.; LIM, E.. Rethinking Human Capital in Education: Singapore as a model
for teacher development. 1ª ed. Washington: The Aspen Institute, 2008.
TEE, N. P.. Education Research for policy and practice 2, The Singapore school and the
school excellence model., pp. 27-39, 2003.
6. ANEXO A
Tabela 3.1: Modelo estimado para a avaliação de matemática dos estudantes brasileiros,
2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 0.78 0.12 1.04** 0.62 -0.38
RIQ 5.82*** 5.19*** 5.62*** 5.89*** 6.46***
QTLi 3.09* 4.16*** 3.84*** 5.71*** 6.5***
MotPa -0.14 0.19 0.50 0.93 1.02
ANS -3.77*** -4.48*** -4.64*** -4.5*** -4.39***
MotPe 2.52*** 3.55*** 3.24*** 2.93*** 3.32***
TrG 0.61 0.86 1.11* 1.03 0.70
TICCa 1.87*** 1.41*** 2.07*** -0.37*** 2.08***
TICEs 0.50 0.07 0.27 -0.14 -0.24
UtTIC 0.599** 0.67*** 0.63*** 0.83*** 0.96***
TICCaFE -0.609*** -0.47*** -0.26* -0.37 -0.468***
TICEsFE 0.895*** -1.01*** -0.97*** -0.97*** -0.962***
ImpInt 1.86*** 1.25** 0.69 -0.14 -0.33
DomTIC 0.59 0.72*** 1.11*** 1.4*** 1.113**
IntTIC -1.02* -1.18* -0.89** -0.65 -0.57
ESCMae 4.24*** 5.02*** 5.86*** 5.07*** 6.14***
ESCPai 0.92 2.83*** 3.43*** 3.02*** 3.13***
REPEAT -49.78*** -52.12*** -54.04*** -54.68*** -52.96***
CONST 125.12*** 165.82*** 158.79*** 219.37*** 247.68***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Tabela 3.2: Modelo estimado para a avaliação de matemática dos estudantes singapurenses,
2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 7.37*** 6.35*** 5.63*** 4.37*** 3.19***
RIQ 3.07*** 2.71*** 2.66*** 1.72*** 1.55**
QTLi 11.36*** 10.87*** 11.58*** 8.67*** 7.91***
MotPa 0.36 1.86* 1.79*** 2.18*** 2.91***
ANS -2.73*** -3.65*** -3.93*** -3.28*** -4.49***
MotPe -1.44** 1.83*** -1.07** -1.08* -0.9
TrG 1.39* 0.47 0.19 -0.58 -1.15**
TICCa 1.96*** 1.82*** 2.97 2.61*** 3.25***
TICEs 3.43*** 2.94*** 2.27*** 2.96*** 1.76***
UtTIC 0.10 0.41 0.32 0.36 0.43*
TICCaFE -0.08 0 0.15*** 0.41*** 0.49*
TICEsFE -0.91* -0.77** -0.7* -0.42 -0.32
ImpInt 1 1.47** 0.47*** 0.76 1.32*
DomTIC 0.91*** 0.84** 1.73*** 2.48*** 2.43***
IntTIC -3.77*** -4.1*** -1.09*** -3.6*** -4.31***
ESCMae 2.25* 4*** 3.85*** 2.95** 4.12**
ESCPai 6.41*** 5.98*** 5.92*** 6.87*** 4.57*
REPEAT -72.6*** 68.56*** -77.23*** -73.44*** -52.75***
CONST 225.55*** 307.70*** 339.15*** 377.50*** 461.47***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Tabela 3.3: Modelo estimado para a avaliação de leitura dos estudantes brasileiros, 2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 3.88*** 2.69*** 3.64*** 2.55*** 1.35
RIQ 4.75*** 5.07*** 4.23*** 4.86*** 5.39***
QTLi 4.18 6.26*** 7.05*** 6.92*** 4.16*
MotPa 1.54 1.38* 1.53** 1.69*** 2.21**
ANS -1.2 -1.2 -2.16*** -1.85*** -1.45***
MotPe 1.93*** 1.9*** 3.4*** 3.22*** 3.03***
TrG 1.24** 1.55*** 1.22*** 0.95* 0.06
TICCa 1.87*** 2.23*** 2.33*** 2.75*** 2.51***
TICEs 0.13 0.38 0.78** -0.08 0.40
UtTIC 0.6*** 0.67*** 0.82*** 0.87*** 0.86**
TICCaFE -1.06*** -0.78*** -0.65*** -0.82*** -0.45**
TICEsFE -1.51*** -0.181*** -0.148*** -1.44*** -1.32***
ImpInt 3.1*** 2.49*** 2.47*** 1.61*** 1.15
DomTIC 1.15* 0.80 0.77* 0.74 1.55***
IntTIC -2.64*** -2.22*** 2.37*** -2.01*** -4.06***
ESCMae 0.95 3.76*** 2.82** 3.42*** 3.45***
ESCPai 2.6** 2.7*** 3.43*** 3.58*** 2.71*
REPEAT -57.35*** -59.68*** -60.11*** -62.09*** -58.5***
CONST 98.35*** 127.02*** 142.34*** 211.69*** 269.58***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Tabela 3.4: Modelo estimado para a avaliação de leitura para os estudantes singapurenses,
2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 7.28*** 7.48*** 7.05*** 5.63*** 6.66***
RIQ 3.51*** 4.05*** 3.72*** 1.95*** 2.1***
QTLi 15.6*** 13.26*** 12.06*** 9.9*** 10.38***
MotPa 0.94 1.42* 1.5** 1.74** 1.17*
ANS -1.7*** -1.88*** -2.62*** -2.26*** -2.06***
MotPe -2.31*** -1.92*** -1.53*** -1.48** -1.46**
TrG 0.76 -0.28 -0.84** -1.11** -1.91***
TICCa 2.94*** 3.3*** 4.06*** 2.84*** 3.44***
TICEs 1.66*** 2.43*** 2.07*** 1.79*** 2.36***
UtTIC 0.068 0.44** 0.26 0.55** 0.732***
TICCaFE -0.116*** -0.28 0.03 -0.03 -0.06
TICEsFE -1.4*** -0.77 -0.87** -0.01 0.631*
ImpInt 3.72*** 2.57*** 2.3*** 2.37*** 2.68***
DomTIC 1.23*** 2.07*** 2.56*** 2.45*** 1.81***
IntTIC -5.46*** -5.83*** -6.05*** -5.67*** -5.03***
ESCMae 3.72* 3.62** 2.32 3.98*** 4.47***
ESCPai 5.31*** 5.15*** 6.79*** 7.5*** 4.85***
REPEAT -77.86*** -82.9*** -82.64*** -65.87*** -71.93***
CONST 175.81*** 194.31*** 257.34*** 351.82*** 374.82***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Tabela 3.5: Modelo estimado para a avaliação de ciências dos estudantes brasileiros, 2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 1.92*** 1.64** 2.54*** 2.4*** 1.07
RIQ 4.57*** 4.56*** 4.43*** 5.34*** 5.61***
QTLi 4.77*** 6.66*** 5.86*** 6.4*** 5.31***
MotPa -0.36 0.76 0.14 1.36*** 1.79***
ANS -3.39*** -3.59*** -3.8*** -3.98*** -3.83***
MotPe 2.7*** 2.99*** 4.03*** 3.47*** 3.27***
TrG 0.8* 1.4*** 1.21*** 1.23*** 1.18***
TICCa 1.57*** 1.6*** 1.7*** 2.25*** 1.99***
TICEs 0.51 0.23 0.26 -0.08 -1.08***
UtTIC 0.434** 0.69*** 0.72*** 0.854*** 0.99***
TICCaFE -0.683*** -0.76*** -0.71*** -0.892*** -0.76***
TICEsFE -0.777*** -1.39*** -1.24*** -1.06*** -1.03***
ImpInt 2.26*** 2.13*** 0.90 0.70 -0.8
DomTIC 0.65 0.43 1.47*** 1.67*** 1.58***
IntTIC -1.05 -1.74*** -1.14* -2.13*** -1.76***
ESCMae 1.57 3.44*** 4.21*** 5.27*** 4.81***
ESCPai 1.33 3.21*** 3.74*** 2.81** 2.69**
REPEAT -47.88*** -48.72*** -54.9*** -56.89*** -54.12***
CONST 151.64*** 168.12*** 176.68*** 210.02*** 302.78***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Tabela 3.6: Modelo estimado para a avaliação de ciências dos estudantes singapurenses,
2015
Quantis
Variáveis
q10 q25 q50 q75 q90
CDIE 7.68*** 6.38*** 5.61*** 4.66*** 2.92***
RIQ 3.97*** 4.68*** 3.75*** 1.99*** 2.17**
QTLi 14.7*** 15.72*** 14.87*** 13.14*** 12.12***
MotPa NS 1.29* 2.08*** 2.96*** 3.37***
ANS -2.67*** -3.98*** -4.32*** -4.3*** -4.79***
MotPe -1.61* NS -1.38** NS NS
TrG NS NS NS -1.07*** -1.84***
TICCa 2.24*** 3.14*** 3.64*** 3.04*** 4.16***
TICEs 2.69*** 2.62*** 2.71*** 2.54*** 2.49***
UtTIC NS 0.6*** 0.49*** 0.77*** 0.65*
TICCaFE NS NS NS NS NS
TICEsFE -2.11*** -1.36*** -1.18*** -0.84*** NS
ImpInt 2.02** 1.9** 1.5*** 1.73** NS
DomTIC 1.51** 1.76*** 3.05*** 3.07*** 3.28***
IntTIC -4.48*** -4.79*** -5.11*** -4.94*** -4.82***
ESCMae NS 3.61** 2.56* 4.37*** 4.71**
ESCPai 6.96*** 5.3*** 7.53*** 4.81*** 4.92**
REPEAT -82.62*** -81.45*** -78.34*** -68.18*** -70.75***
CONST 162.50*** 212.37*** 277.86*** 354.23*** 398.82***
(*) - Significativo a 10%; (**) - Significativo a 5%; (***) - Significativo a 1%
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
ANEXO B
Brasil Singapura
Quantidade de livros em
Repetência casa

1 2 3 4 5 11.36 11.58
10.87
8.67
7.91
-49.78 6.5
-52.12 -54.04 -54.68 -52.75
-52.96 5.71
4.16 3.84
-72.6 -68.56 3.09
-77.23 -73.44

1 2 3 4 5

Ansiedade Escolaridade da Mãe


1 2 3 4 5 6.14
5.86
5.02 5.07
4.24 4 4.12
3.85

-2.73 2.95
2.25
-3.28
-3.77 -3.65
-3.93
-4.48 -4.5 -4.39
-4.49
-4.64
1 2 3 4 5

Figura 3.1 - Distribuição dos coeficientes das variáveis: repetência, quantidade de livros em
casa, ansiedade e escolaridade da mãe, nos quantis q10, q25, q50, q75 e q90 para o Brasil e
Singapura, 2015

Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.

Escolaridade do Pai Riqueza Ansiedade


7.5 Brasil Singapura
1 2 3 4 5
6.79
5.39
5.31 5.15 5.07 4.86
4.85 4.75
4.05 4.23
3.51 3.72 -1.45
3.43 3.58
-1.7
2.6 2.7 2.71 -1.88 -1.85
1.95 2.1 -2.06
-2.16 -2.26
-2.62
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

Figura 3.2 - Distribuição dos coeficientes nos quantis q10, q25, q50, q75 e q90, das variáveis:
escolaridade do pai, riqueza e ansiedade, para o Brasil e Singapura, 2015
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Disponibilidade de TIC em Dominio sobre as TICs
casa 3.28
3.05 3.07
Brasil Singapura

1.76 1.67
1.51 1.47 1.58
4.16
3.64
3.14 3.04
2.24 2.25 1.99
1.57 1.6 1.7

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

Utilização das TICs Interesse pelas TICs


1 2 3 4 5
0.99 -1.14
0.854 -1.74 -1.76
0.72 0.77 -2.13
0.69 0.65
0.6
0.49
0.434

-4.48
-4.79 -4.94 -4.82
-5.11
1 2 3 4 5

Utilização TICs para fins


escolares
0
1 2 3 4 5
-0.777 -0.84
-1.06 -1.03
-1.18
-1.24
-1.36
-1.39

-2.11

Figura 3.3 - Distribuição dos coeficientes nos quantis q10, q25, q50, q75 e q90, das principais
variáveis do conjunto de TICs, para o Brasil e Singapura, 2015
Fonte: Elaboração própria com os resultados da pesquisa.
Repetência Quantidade de
Matemática
Leitura
livros em casa
Ciências

q10 q25 q50 q75 q90

q10 q25 q50 q75 q90

Escolaridade da mãe Riqueza

q10 q25 q50 q75 q90 q10 q25 q50 q75 q90

Motivação pessoal Ansiedade


q10 q25 q50 q75 q90

q10 q25 q50 q75 q90

Figura 3.4 - Distribuição dos coeficientes nos quantis q10, q25, q50, q75 e q90, das principais
variáveis dos modelos brasileiros e singapurenses, 2015
A INFLUÊNCIA DOS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO HUMANO E REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIOECONÔMICAS

THE INFLUENCE OF INVESTMENTS IN EDUCATION FOR HUMAN


DEVELOPMENT AND REDUCTION OF SOCIOECONOMIC
INEQUALITIES
Jelson Luiz Dick
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES, e-mail: jelson.dick@ifnmg.edu.br

João Guilherme Magalhães-Timotio


Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES,
e-mail: j.guilhermemagalhaes@gmail.com

Hamilton Pimentel Lopes Pires


Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES,
e-mail: pires.hamiltonn@hotmail.com

Robson José Veloso


Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES,
e-mail: robsonvelosoarquitetura@gmail.com

Ana Caroline Pimenta Costa Camisasca


Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES,
e-mail: caca-pimenta@hotmail.com

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo analisar se a educação pode contribuir para a
promoção do desenvolvimento humano dos municípios nas diferentes regiões brasileiras.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
o Brasil é apontado como um dos países que realizou relevantes investimentos financeiros
em educação nos últimos anos. Trabalhos recorrentes apontam a relação do investimento em
educação com a redução das desigualdades no país e, consequentemente, o desenvolvimento
das sociedades. Trata-se de um tema atraente que provoca a busca de respostas ao tratar a
educação como possibilidade para que haja desenvolvimento socioeconômico, político e
cultural de uma sociedade. Baseado nisso, a hipótese central desta pesquisa se propõe
investigar se há uma relação diretamente proporcional entre os investimentos em educação
e o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM) no País. Para atingir os
objetivos, foram utilizados os métodos de pesquisa bibliográfica e de pesquisa quantitativa,
o estudo lança mãos de dados publicados pela OCDE e pelo Atlas do Desenvolvimento
Humano dos Estados do Brasil referentes aos anos 2000 e 2010 e demonstra que existe uma
tendência de a educação influenciar significativamente na qualidade de vida do brasileiro.

Palavras Chaves: Desigualdade; Educação; Desenvolvimento Humano.


Abstract

The present study had as objective to analyze if the education can contribute to the promotion
of the human development of the municipalities in the different Brazilian regions. According
to data from the Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), Brazil
is one of the countries that has made significant financial investments in education in recent
years. Recurrent works point to the relationship of investment in education with the
reduction of inequalities in the country and, consequently, the development of societies. It is
an attractive topic that raises the search for answers in treating education as a possibility for
the socioeconomic, political and cultural development of a society. Based on this, the central
hypothesis of the research is to investigate whether there is a directly proportional
relationship between the investments in education and the Human Development Index of the
Municipalities (HDI) in the Country. In order to reach the objectives, the methods of
bibliographical research and The study draws on data published by the OECD and the
Human Development Atlas of the Brazilian States for the years 2000 and 2010 and shows
that there is a tendency for education to significantly influence the Brazilian quality of life.

Keywords: Inequality; Education; Human development.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –

OCDE –, o país avançou nos últimos anos no que diz respeito aos investimentos financeiros

em educação, no entanto, apesar disso, ainda há muito a fazer. O Brasil possui regiões e

municípios que apresentam indicadores socioeconômicos semelhantes aos de países ditos de

primeiro mundo e, na contramão, há regiões que apresentam índices insuficientes quando se

trata de desenvolvimento humano.

Assim, para que um país seja inserido no rol dos países desenvolvidos da economia

global, são necessários bons índices de crescimento econômico, avanço tecnológico e justiça

social, que, por sua vez, dependem dos investimentos em capital humano. Sendo assim, os

países tratados como emergentes, como, por exemplo, o Brasil, apresentam suas economias

nacionais em ampla expansão de seus mercados nos últimos anos, sobretudo, a partir da

década de 2000. O Brasil está inserido nesse grupo que avança na conquista de parcela no

mercado mundial. O entrave para um avanço mais significativo se dá pelas imensas


deficiências no sistema educacional, graves desigualdades e má distribuição de renda e de

riqueza.

Desta forma, a educação e o desenvolvimento econômico são indissociáveis,

especialmente, quando se trata da formação e da qualificação profissional, visando o

aumento do nível da produção de um país. No entanto, faz-se necessária, além de uma

educação técnica com vistas ao desenvolvimento econômico, também uma pedagogia que

seja pensada enquanto um processo contínuo e coletivo, voltada para a formação do carácter,

para a realização da cidadania, para com o respeito às diferenças étnicas e aos saberes

ecológicos tradicionais, garantindo a liberdade de pensamento e formas de expressão,

visando à pluralidade das ideias, à consciência de classe, à ética e à emancipação das forças

autoritárias e intolerantes.

Bem como, aberta à reflexão e à autocrítica, que busca criar condições equânimes de

acesso e oportunidades, ou seja, uma formação para além do capital, sendo uma construção

social qualitativa e abrangente, ao envolver todas as esferas da vida, que, porém, necessite

de uma mudança estrutural da sociedade.

Tal reformulação da educação se torna urgente para uma transformação do quadro

social em nível mais amplo, não obstante, uma reforma educacional se torna limitada pela

lógica de reprodução da sociedade capitalista e pela conformação dos interesses particulares

conflitantes com a regra geral da reprodução social.

Segundo Bourdieu (1998), a lógica do capital impacta fortemente sobre a educação.

Então, na busca para manter o desenvolvimento do sistema, ocorre uma alteração nas

modalidades de imposição estruturais em concordância com as circunstâncias históricas e as

distintas posições dos agentes envolvidos em situação de conflito nos vários espaços sociais.

Isto é, os agentes possuem capitais diferenciados no interior de um campo educacional

hierarquicamente competitivo, haja vista que as bagagens e condições culturais dos mesmos
não são simétricas, configurando em habitus diferentes, ou seja, ao longo do processo de

ensino-aprendizado, há a reprodução de estruturas sociais desiguais1.

Ainda segundo Bourdieu (1998), se existe um constrangimento estrutural sobre esses

agentes e, ao mesmo tempo, cada agente se posiciona desigualmente em conformação ao seu

capital acumulado, pode-se perceber que possibilitar o acesso à educação não se configura

necessariamente em qualidade de ensino e nem em igualdade de oportunidades.

Desta maneira, a escola é apenas uma parte do sistema global de internalização dos

valores, que secundariza, sem abandonar, suas formas, mas, que, da mesma maneira, procura

assegurar que cada indivíduo assuma as suas metas de reprodução do sistema.

Há um grande risco de se considerar que a educação escolar se reduza ao seu caráter

reprodutivista. Ou que somente educa os homens a se conformarem à ordem estabelecida.

Isso envolve simultaneamente a mudança qualitativa das condições objetivas de

reprodução da sociedade e a transformação progressiva da consciência. Ou seja, o papel da

educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para

mudar as condições objetivas de reprodução como para uma automudança dos indivíduos,

chamados a concretizar a criação de uma ordem social diferente.

De acordo com Lemos (2005), sem educação uma nação não se desenvolve,

especialmente, as mais assimétricas, onde é ainda mais difícil retirar um contingente

expressivo da sua população em situação de exclusão social. É assim que o autor define o

Brasil, com uma população que padece com as desigualdades, sobretudo, aqueles

posicionados no Norte e Nordeste, as duas regiões mais carentes de assistência social do

País.

Com base nisso, este trabalho busca verificar se os investimentos em educação

contribuem ao mesmo tempo para a promoção do desenvolvimento humano nas regiões

1
Consultar: BOURDIEU, Pierre. A Distinção: Crítica Social do Julgamento: São Paulo: Edusp, 2007.
brasileiras. Espera-se dar, assim, uma contribuição para a discussão acerca da realização de

ações do Estado em projetos socialmente mais abrangentes para a área da educação

brasileira.

A educação pode ser considerada como uma das premissas para retirar um

contingente significativo da sua população do estágio de exclusão social em regiões menos

desenvolvidas economicamente.

Portanto, este trabalho apresenta por meio de dados quantitativos e revisão

bibliográfica as relações e seus respectivos resultados entre o Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal – IDHM – dos estados, denominada variável dependente, e o IDHM

Educação e os investimentos do governo, aqui denominados como variáveis explicativas.

2. METODOLOGIA

2.1. Dados

Com o objetivo de analisar se há – ou não – uma relação diretamente proporcional

entre aumento do investimento público em escolaridade e elevação do índice de

desenvolvimento humano dos municípios no Brasil – IDHM – utilizou-se da comparação

das variações percentuais do IDHM/Educação e sua influência do IDHM geral dos estados

brasileiros e Distrito Federal, além dos dados oficiais de investimentos em educação no

Brasil entre os anos 2000 e 2010, para identificar tal influência.

Foram utilizados neste estudo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano 2013,

usando como base os censos dos anos 2000 e 2010. Foram analisadas as 26 unidades

federativas e o Distrito Federal. Para responder à hipótese inicial, as análises se dividiram

de acordo com o IDHM/Educação dos censos, sendo os dados comparativamente entre 2000

e 2010.
Num primeiro momento, foi analisada a evolução dos investimentos em educação no

Brasil nos últimos anos, comparando com os investimentos médios dos países membros da

OCDE.

A variável dependente do estudo, o IDHM, avalia o desenvolvimento dos municípios

brasileiros, incluindo seus três componentes, IDHM Longevidade, IDHM Educação e IDHM

Renda. Além de contar um pouco da história dos municípios em três importantes dimensões

do desenvolvimento humano na década estudada, os indicadores de desenvolvimento

humano representam a possibilidade e a sinalização do quadro social atual, a definição de

prioridades e o monitoramento dos avanços e recuos dos diversos segmentos sociais ao longo

da história.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1. Desigualdade Social no Brasil

As desigualdades sociais em nível mundial motivaram a Organização das Nações

Unidas – ONU – na elaboração dos objetivos do Milênio: eliminar a fome, fornecer educação

básica para todos, melhorar a saúde das pessoas, gerar igualdade entre os sexos, oferecer

qualidade de vida em ambiente saudável e envolver todos no processo de desenvolvimento.

Um desafio para qualquer política social é o conhecimento da situação real da

condição de vida das pessoas dentro de cada país. Para tal finalidade são usualmente

desenvolvidos e aplicados indicadores e índices. A desigualdade de renda no Brasil, por

exemplo, é uma das mais elevadas do mundo, como revela o Relatório de Desenvolvimento

Humano das Nações Unidas de 2010. Essa desigualdade ocorre tanto em nível regional

quanto em relação a outras categorias, como: gênero, meio urbano, meio rural e as atividades

econômicas.

A sociedade brasileira está entre as mais desiguais do mundo e, de acordo com dados

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA –, em 2005 o índice de Gini era de


0,57, colocando o Brasil na liderança da América Latina em termos de desigualdade. Apesar

de uma ligeira queda nos últimos anos, o país mantém a tradição de ser um país onde as

desigualdades assumem altos níveis.

Ferreira (2000) apresenta a melhora temporal da desigualdade no Brasil retrocedendo

ao período colonial, onde existia a concentração da propriedade fundiária e acentuada mão

de obra escrava. Apesar de apresentar crescimento do índice de Gini nas décadas de 60 e 70

e estabilização em quase toda a década de 80, o índice voltou a piorar, atingindo seu pico

(0,62) em 1989, com o fracasso do Plano Cruzado. Com o Plano Real em 1994, a

estabilização da economia contribuiu para uma redução na desigualdade, igualando a índices

da década anterior, porém, muito elevado se comparado com os demais países.

A pobreza é extremamente prejudicial à economia de qualquer nação e uma possível

alternativa para sua redução seria através do crescimento econômico, portanto, grande parte

dos economistas remetem a uma relação causal negativa entre desigualdade e crescimento

econômico, Ferreira (2000).

A partir daí surgem recorrentes debates e estudos sobre os fatores da desigualdade

no Brasil que apontam para a afirmação de que a distribuição de renda e redução das

desigualdades depende do intrincamento da educação e das políticas públicas sobre as

funções do mercado de trabalho. A diferença dos níveis de educação apresenta-se como

principal variável explicativa para a disposição da renda per capita do brasileiro (VIEIRA

et al., 2007). Nos estudos são acrescidos outros elementos para as explicações tradicionais

das especificidades da desigualdade de renda no país.

A temática da distribuição de renda e pobreza surgem nas décadas de 60 e 70, sendo

pauta recorrente até os dias atuais na agenda de pesquisa, e que todas as aclarações devem

ser levadas em conta, para poder auferir os fatores categóricos da desigualdade de renda

brasileira (DINIZ e ARRAES, 2010).


Como mencionado, a distribuição de renda é objeto bastante debatido, sendo

interesse de muitos estudos, a identificação de fatores determinantes da concentração de

renda e pobreza no país. Para se calcular a concentração da distribuição da renda e apresentar

a diferença entre as rendas dos mais pobres e dos mais ricos é utilizada como medida o

Coeficiente de Gini. Numericamente, o índice de Gini varia de "0 a 1", onde o zero

corresponde à completa igualdade de renda, ou seja, todos têm a mesma renda e 1 que

corresponde à total desigualdade, isto é, uma só pessoa detém toda riqueza, e as demais nada

dispõem.

O Brasil tem apresentado pequenas melhoras no índice de Gini, ou seja, redução do

mesmo. Apesar disso, os índices apresentados colocam o país entre as nações mais desiguais

do mundo quanto à distribuição de renda.

3.2. Utopia e Educação

Os países pobres apresentam como característica uma população com famílias que

têm de optar por colocar suas crianças na escola ou lançá-las precocemente no mercado de

trabalho a fim de contribuir com o sustento da casa. Tradicionalmente são países que pouco

investe em educação, seja por escassez de recursos, ideologia ou definição de prioridades,

uma vez que, os efeitos da educação são sentidos somente a médio e longo prazo. Assim,

como exposto, a educação e qualificação como pressuposto para o crescimento de um país,

o desenvolvimento está limitado ao tempo que os fatores de produção exigem para se

acumularem: por sua vez, a educação é um fator de crescimento lento, mas é também

apresentado como importante instrumento se atingir melhores níveis de qualidade de vida

para a população. (VIEIRA et al, 2007).

A educação sempre foi considerada um bem em si pelas oportunidades que oferece

de enriquecimento cultural. Mas isso, por si só, não cria as condições para que a

universalização do acesso à escola se transforme em prioridade das políticas


governamentais. De acordo com Ribeiro (2009), em seu estudo sobre a desigualdade de

oportunidades educacionais no Brasil, apresenta uma redução dessas desigualdades,

entretanto, muito há de se fazer, especialmente, no que se refere à desigualdade racial, mas

que não se deve à discriminação.

Os modelos modernos de desenvolvimento e a sociedade supervalorizam tudo o que

é quantificável, ou seja, a aquisição de bens materiais, a expansão e a competição. O

importante são os lucros obtidos, os níveis de renda, os bens materiais, não havendo

preocupação com o caráter social desses bens.

O paradigma dominante, contudo, não permite repensar o futuro. Por isso, impõe-se

reinventá-lo, abrir um novo horizonte de possibilidades. Para isso, só há uma solução: a

utopia, assim compreendida:

‘’A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por

via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque

existem em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem o

direito de desejar e por que merece a pena lutar. A utopia é uma chamada

de atenção para o que não existe como (contra) parte integrante, mas

silenciada, do que existe [...] (SANTOS, 1997, p. 324).

Para o autor, uma sociedade estagnada, sem esperança, sem perspectivas, é uma

sociedade que perdeu o sentido da utopia, muitas vezes, sem esperança. A educação sem a

dimensão utópica pode desandar para um ceticismo superficial, com todas as consequências

que isso pode ter na perspectiva da essência da educação.

Contudo, conforme Santos (1997), as duas condições de possibilidade de utopia são

uma nova epistemologia e uma nova psicologia. Isso significa que a nova epistemologia

pode abrir-se para novas possibilidades. Desta maneira, pode rasgar o horizonte de

possibilidades e criar alternativas. Para o autor, é necessário que estejamos atentos para um
novo paradigma que, apesar de inacabado, lentamente emerge: “o paradigma de um

conhecimento prudente para uma vida decente” (2003, p. 60).

Assim, o autor busca destacar que o paradigma emergente, através da revolução

cientifica que ocorre, não pode ser apenas um paradigma científico, isto é, tratar de um

conhecimento prudente. Tem de ser também um paradigma social, que traz implicações,

portanto, para uma vida decente.

A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nessa forma

de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo.

Santos (2003, p.90) afirma: “O conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto

tal na medida em que se converte em senso comum”.

Já Freire (2005) apresenta um projeto pedagógico que visa à formação de uma

percepção crítica da realidade opressora pelos educandos e a problematização de temas antes

não questionados e de situações e condições antes assimiladas como naturais: “a análise

crítica de uma dimensão significativa existencial possibilita aos indivíduos uma nova

postura, também crítica, em face das situações-limites” (p. 112).

Freire propõe uma educação libertadora que visa superar a visão fatalista da realidade

como permanente e imutável, passando-se à percepção de que ela é construída pelos homens

e passível de ser transformada a partir da desconstrução do mito da opressão.

3.3. Desenvolvimento Humano e IDH

O conceito de desenvolvimento surgiu como sendo um processo de evolução dos

desígnios das pessoas para que elas possam ser aquilo que almejam ser e viver.

Ao contrário da lógica do crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma

sociedade exclusivamente pelos recursos ou pelos rendimentos financeiros e econômicos

que podem gerar, o enfoque de desenvolvimento humano busca olhar diretamente para as
oportunidades e capacidades das. A renda não é tratada como um fim, mas como meio para

alcançar o desenvolvimento do ser humano.

Diante disso, para comparar a qualidade de vida das diferentes populações, a

Organização das Nações Unidas (ONU), através do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), criou um indicador chamado Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH), que consiste na média que aborda três aspectos socioeconômicos –

expectativa de vida ao nascer, educação e renda per capita. O IDH mede o grau de

desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida às populações, onde o Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da ONU, apresenta um relatório

anual de IDH. Este toma como base dados econômicos e sociais para o seu cálculo. O IDH

vai de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto

mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país, região, estado e cidade.

Para se calcular o IDH são levados em consideração: à educação (anos médios de

estudos); longevidade (expectativa de vida da população); e renda per capita.

São classificados como países de baixo desenvolvimento humano os 25% de menor

IDH - (geralmente países pobres), os 25% acima dos de menor IDH - desenvolvimento

humano médio (geralmente países em processo de desenvolvimento), como

desenvolvimento alto estão os 25% abaixo dos países de melhor IDH (geralmente países em

rápido processo de crescimento econômico - emergentes), por fim estão os países com

desenvolvimento muito alto os 25% de melhor IDH (geralmente países ricos e bem

desenvolvidos).

As Nações Unidas reconhecem o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH)

como uma atividade intelectual autônoma que promove a conscientização sobre o

desenvolvimento humano no planeta. O RDH provoca reflexões sobre as desigualdades no

mundo todo, apresentando dados e análises importantes à agenda global e abordando


demandas e políticas públicas que insiram o ser humano no cerne das estratégias de

enfrentamento aos desafios do desenvolvimento. O PNUD publica anualmente um RDH

Global, bem como o cálculo do IDH da maioria dos países. Além dele, são divulgados

periodicamente centenas de RDHs nacionais.

Em 2014 o Brasil ocupava a 75ª colocação entre os 188 países ranqueados com um

IDH de 0,755. Com os bons resultados econômicos e sociais dos últimos anos, aliado ao

gradativo aumento da expectativa de vida, o IDH do Brasil é considerado de alto

desenvolvimento humano, apesar das deficiências no sistema educacional.

De acordo com o RDH 2010, o Brasil ocupava a 73ª colocação no ranking do (IDH).

O índice de 0,699, de acordo com o órgão, situava o País entre as nações de alto

desenvolvimento humano e superava ainda a média mundial, de 0,624.

Ao todo, 169 países foram pesquisados pela instituição. O resultado brasileiro se

aproxima do IDH registrado para toda a América Latina e o Caribe, de 0,704. O índice varia

de 0 a 1 e, quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento humano. Em

comparação com outros países da América Latina, o país ficou em 11º lugar, e em quinto

lugar na América do Sul, atrás do Chile (0,783), da Argentina (0,775), do Uruguai (0,765) e

Peru (0,723). Entre os países do Bric, o Brasil ficou atrás apenas da Rússia (que ficou em

65º lugar, com 0,719) e à frente da China (89º, com 0,663) e Índia (119º, com 0,519).

O PNUD também divulgou um Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que avalia

privações nas áreas de saúde, educação e padrão de vida. O Brasil ficou com 0,039, o mesmo

índice da Turquia. Segundo o relatório divulgado em 2017, o País tinha 8,5% dos brasileiros

vivendo nesse tipo de pobreza. Além disso, segundo PNUD, 13,1% dos brasileiros estão em

risco de entrar nessa condição. O País registrou ainda 20,2% dos habitantes com pelo menos

uma grave privação em educação. No caso da saúde, esse índice foi de 5,2%, e, do padrão

de vida, de 2,8%.
3.4. Investimento em Educação – percentual do PIB

Em 2010, o Brasil investiu 10,4% a mais que a média dos países da OCDE do percentual do

PIB em instituições de educação primária, secundária e não terciária – nomenclatura

utilizada pela OCDE que corresponde no Brasil ao ensino fundamental, ao ensino médio e à

educação profissional – como mostra o Gráfico 1.

Fonte: Education at a Glance 2013, OCDE


*Apenas instituições públicas.

Uma análise do período mostra que se no ano 2000 o investimento do País em

educação básica correspondia a 68,3% da média da OCDE, em 2005 esse percentual cresce

para 85,3% e em 2010 chega a 110,4%, revelando que a prioridade da política educacional

na valorização da educação básica. Tem-se consubstanciado por meio de mecanismos de

financiamentos seguros e crescentes.

Já o Gráfico 2 mostra as despesas com educação superior como percentual do PIB no

período 2000-2010 no Brasil e a média dos países da OCDE, revelando que a relação

continua com certo grau de estabilidade – em 2000, o País indicava despesas que

correspondiam a 52,8% da média da OCDE; em 2005, correspondia a 51,9% e em 2010 a

54,7%.
2

Fonte: Education at a Glance 2013, OCDE


*Apenas instituições públicas.

Se observados todos os níveis de educação no período (Gráfico 3), o crescimento das

despesas do Brasil foi da ordem de 63,7%, enquanto a média dos países da OCDE cresceu

16,4% . Em 2000, o País apresentava uma despesa que correspondia a 64,2% da média da

OCDE; em 2005 essa relação chega a 75% e em 2010, corresponde a 90,3% da média.

Fonte: Education at a Glance 2013, OCDE


*Apenas instituições públicas.

3.5. Percentual do gasto público

Outra variável que interessa na análise dos investimentos em educação se refere à

relação entre gasto público no setor como percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Os

dados apresentados no Gráfico 4 mostram a situação do Brasil comparada com a média dos
países da OCDE e revela que no período 2000-2010, o percentual de gasto público como

percentual do PIB cresce 11,0% nos países da OCDE e 66,1% no Brasil, e que se em 2000,

o gasto do País representava 67,3% da média da OCDE, em 2005 esse percentual passa para

85% e em 2010 se equipara.

Fonte: Education at a Glance 2013, OCDE

Outra relação interessante a analisar é o gasto público em educação como percentual

do gasto público total apresentado no Gráfico 5. No caso do Brasil, esse gasto cresce 72,9%,

enquanto a média apresentada pelos países da OCDE cresce apenas 3,5%. Se observarmos a

evolução do País no período, vê-se que em 2000 o gasto público correspondia a 83,4% da

média da OCDE, em 2005, ele é 10,8% superior e em 2010, chega a ser superior 39,3%.

Fonte: Education at a Glance 2013, OCDE - Elaboração: MEC


Os dados sobre gasto público permitem perceber o aumento da participação dos entes

federados no gasto público em educação. O orçamento total do Ministério da Educação, por

sua vez, esclarece o papel que a União tem desempenhado nesse crescimento, o que tem

elevado o potencial de exercício de sua função redistributiva e supletiva. O Gráfico 6 mostra

este crescimento:

* Orçamento da administração direta e indireta. Inclui Fies e Salário-Educação. Valores constantes pelo IPCA
médio 2013. Fonte: SIAFI/STN - Base de Dados da Consultoria de Orçamento/CD, PRODASEN e SIAFI - valores
empenhados. Elaboração: MEC/SE/SPO

A análise dos indicadores financeiros mostra que o Brasil avançou muito em relação

ao gasto público em educação, permitindo atingir crescentes patamares de investimentos ao

longo do período 2000-2013, entretanto, os investimentos estão muito abaixo dos valores

investidos por países mais desenvolvidos econômica e socialmente.

3.6. IDHM Educação dos Estados Brasileiros e Distrito Federal

O gráfico 7 apresenta a variação percentual do IDHM Educação nos estados

Brasileiros e Distrito Federal entre os anos de 2000 e 2010, e permite demonstrar que as

maiores variações ocorreram nas regiões menos desenvolvidas economicamente do Brasil.

Nota-se que quatorze dos quinze estados do Norte e Nordeste ocupam as primeiras quinze

posições em variação percentual de IDHM Educação no Brasil.


Gráfico 7 : IDHM Educação dos Estados e DF - 2000 e 2010
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0

Pará

Espírito Santo
Amapá

Santa Catarina
Maranhão

Sergipe
Tocantins

Minas Gerais
Amazonas
Acre

Goiás
Mato Grosso do Sul

Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Brasil

Piauí

Bahia

Ceará
Pernambuco

Paraná
Alagoas

São Paulo
Paraíba
Rondônia

Rio Grande do Norte


Mato Grosso

Roraima

Distrito Federal
IDHM Educação (2000) IDHM Educação (2010) Variação

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano 2013

Assim como no Gráfico 7, o Gráfico 8 também apresenta maiores variações nos

estados do Norte e Nordeste do Brasil, variações estas influenciadas fortemente pelo IDHM

Educação. Da mesma forma os mesmos 14 estados ocupam as primeiras posições em

variação percentual, só agora no IDHM geral no Brasil.

Gráfico 8 : IDHM dos Estados e DF - 2000 e 2010


0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Pará

Amapá

Espírito Santo

Santa Catarina
Amazonas
Maranhão

Sergipe

Minas Gerais
Piauí
Tocantins

Paraíba

Acre

Pernambuco

Paraná

Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul


Goiás
Mato Grosso do Sul
Brasil

Bahia
Alagoas

Ceará

São Paulo
Rondônia

Rio Grande do Norte

Mato Grosso

Roraima

Distrito Federal

IDHM (2000) IDHM (2010) Variação

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano 2013


Mesmo com as variações mais altas em estados menos desenvolvidos, os Gráficos 7

e 8 apresentam também a disparidade entre os valores dos índices das regiões Sul e Sudeste

com as do Norte e Nordeste.

4. CONCLUSÕES

Após análise dos investimentos em educação no Brasil e análise comparativa dos

IDHM Educação e IDHM geral nas unidades federativas do País, conclui-se que as variáveis

utilizadas na análise interferem na variável permanente, IDHM dos Estados Federados. No

entanto, ao se comparar as regiões, as maiores variações ocorreram nas menos

desenvolvidas, entretanto os índices destas regiões continuam aquém das regiões mais

desenvolvidas, sugerindo-se que os déficits históricos em educação naqueles estados sempre

estiveram muito abaixo dos apresentados em outras regiões do país.

Os resultados das discussões deste artigo corroboram com a ideia de que a educação

contribui significativamente para o desenvolvimento humano, mesmo que a passos lentos.

Entretanto, apesar dos investimentos em educação terem sido consideravelmente

aumentados aos olhos do governo brasileiro, a imagem projetada mundialmente é a de que

o país ainda carece de uma educação de qualidade, reflexiva e crítica para uma visão de

mundo e não apenas para servir aos interesses do sistema capitalista.

A interpretação dos dados da OCDE e dos índices do IDHM demonstrou que houve

certo aumento do acesso à educação e das oportunidades de ensino. Entretanto, ressalta-se

que a expansão escolar na forma mais reprodutivista, nas bases de um velho sistema e sem

uma política realmente engajada com vistas à transformação profunda das desigualdades

estruturais, acabando por oferecer instrução básica questionável para as camadas pobres.

Há de se evitar essa posição simplista de que se pode resolver o problema da

desigualdade social, econômica e educacional apenas abrindo escolas. Ou seja, pobreza e

ausência de escolarização são deficiências que precisam ser superadas de forma simultânea.
Sendo assim, as políticas educacionais devem estar associadas a uma política social de longo

alcance. Dado os obstáculos econômicos, políticos e culturais, o Estado deve propor a

construção de um sistema educacional que abrange todas as camadas, com ensino de boa

qualidade.

Os dados da análise comparativa entre os anos de 2000 e 2010 apresentaram-se como

um modelo sólido, entretanto sugere-se que em estudos futuros sejam incluídas outras

variáveis, com vistas a um melhor entendimento dos fatores que explicam a extensão da

educação sobre o desenvolvimento humano dos brasileiros.

Diante disso, fazem-se necessários mais estudos acerca da influência dos

investimentos em educação associados à melhoria da qualidade de vida no Brasil, com o

intuito de propor reformas educacionais socialmente mais amplas. Há indícios de que o

IDHM sofre influência significativa da escolaridade, podendo interferir de maneira positiva

no modo de vida da população, sobretudo, a mais vulnerável, bem como, a reduzir as

desigualdades sociais e até promover o desenvolvimento humano dos brasileiros.

5. REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A Distinção: Crítica Social do Julgamento: São Paulo: Edusp, 2007.
DINIZ, Marcelo Bentes; ARRAES, Ronaldo de Albuquerque. Desenvolvimento econômico
e desigualdade de renda no Brasil. Anais... Escritório Técnico de Estudos Econômicos do
Nordeste (ETENE). Disponível em:
http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/ETENE/Anais/docs/mesa3_texto1.pdf. Acessado
em: 06/03/2017.
FERREIRA, Francisco H. G. Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de
classes ou heterogeneidade educacional? Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
– PUC-RIO. Texto para discussão. n. 415, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2005 (1970)
LEMOS, J. J. S. Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de um país
assimetricamente Pobre, Fortaleza. Banco do Nordeste do Brasil, 2005. 295 p.
PORTAL BRASIL. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2010. Acessado em:
04/03/2017.
RIBEIRO, Carlos Antônio Costa. Desigualdade de Oportunidades no Brasil – Belo
Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009.
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1997.
______.Um discurso sobre as Ciências. São Paulo: Cortez, 2003.
SANTOS, B. de S. (org.) Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre
as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.
VIEIRA, C. R. et al. Crescimento e Desenvolvimento Econômico do Brasil: Uma análise
comparativa da desigualdade de renda per capita dos níveis educacionais. Porto Alegre:
2007.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil – Disponível em
http://www.br.undp.org. Acessado em: 12/03/2017.
A POLÍTICA DE FUNDOS E SUAS DISPARIDADES NO FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA NO RIO GRANDE DO SUL

Nelton Carlos Conte1


Silvio Cezar Arend2
Everton Bisinella3
Resumo
Considerando as desigualdades sociais e econômicas existentes entre as regiões e
municípios do Rio Grande do Sul e a necessidade de instituir um padrão mínimo de
equalização no acesso a serviços públicos por parte da população, o objetivo deste artigo
foi analisar se os fundos contábeis, conforme se estruturam no FUNDEF e no FUNDEB,
tem se constituído em alternativa adequada para o financiamento da educação. A
fundamentação teórica teve na teoria do federalismo territorial sua principal ancoragem.
Subsidiariamente, as teorias do federalismo e do federalismo fiscal ajudaram na
compreensão da problemática. Na pesquisa empírica foram analisados, em relação aos
aspectos fiscal, federativo e territorial, os efeitos distributivos vertical e horizontal da
política de fundos contábeis para o financiamento da Educação (FUNDEF e FUNDEB) no
Estado do Rio Grande do Sul. Os resultados mostram que os fundos contábeis de
financiamento da educação são menos distributivos que as demais espécies de
transferências fiscais, sendo que os municípios que apresentam ganhos de recursos são os
mais populosos e com maior PIB, o que promove a concentração de recursos para o
financiamento da educação em poucas regiões do estado, favorecendo e contribuindo para
a continuidade das desigualdades regionais ou territoriais (sociais, econômicas, etc.).
Palavras-chave: federalismo fiscal, FUNDEF, FUNDEB.
Abstract
Considering the existing social and economic inequalities between regions of Rio Grande
do Sul municipalities and the need of instituting a minimum standard of equality in the
access of public services for the population, the goal of this article was analyzing if the
accounting funds, according to the structures of FUNDEB and FUNDEB, are themselves
constituting in adequate alternatives for the financing of education. The theoretical
framework was based on the theory of territorial federalism. Subsidiarily, the theories of
federalism and fiscal federalism helped in the comprehension of the problematic. In the
empiric research it was analyzed, according to the fiscal, federative and territorial aspects,
the distributive effects, vertical and horizontal, of the policies of accounting funds for the
financing of education (FUNDEF and FUNDEB) of the Rio Grande do Sul state. The
results show that the accounting funds of education financing are less distributive than the
other species of fiscal transferences, considering that the municipalities which show
resource gains are the most populous ones with the highest GDP, which promotes the
concentration of resources to the financing of education in few regions of the state,
favoring and contributing to the continuing of regional and territorial inequalities (social,
economic, etc.)

Key Words: Fiscal Federalism, FUNDEF, FUNDEB.


1 Doutor em Desenvolvimento Regional UNISC, Professor da Universide de Passo Fundo. E-mail: conte@upf.br
2 Doutor em Economia UFRGS, e Professor do Departamento de Ciências Econômicas, do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). E-mail: silvio@unisc.br
3 Bacharél em Ciências Contábeis – UPF; Acadêmico de Economia – UPF.
1 Introdução

Este artigo traz uma análise dos desequilíbrios fiscais na estrutura federativa

brasileira, com ênfase nas distorções existentes no sistema de transferências

intergovernamentais, a partir da avaliação dos fundos contábeis destinados ao

financiamento do ensino fundamental (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF) e da educação básica

(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação – FUNDEB), tendo como recorte territorial o estado do Rio

Grande do Sul.

As mudanças na política educacional brasileira têm emprestado um papel

significativo às instâncias municipais, quando princípios como os da descentralização, da

democratização e da participação têm justificado novos arranjos no reordenamento das

estruturas e funcionamento dos sistemas de ensino. Como destaca Cruz (2009), estudar as

políticas educacionais a partir da metade da década de 1990 significa também estudar os

processos de redistribuição das responsabilidades das esferas de poder no que concerne à

oferta dos serviços educacionais; significa analisar as formas como estão sendo

operacionalizadas as garantias de oportunidade de oferta para todos; significa, também,

atentar para as tendências do poder público no sentido de cumprir os direitos de cidadania

do homem brasileiro no que se refere à educação.

A ação do Estado no período de 1994 a 2007 foi marcada por reestruturação da

gestão da política educacional, sobretudo no campo do ensino fundamental e mais

recentemente na educação básica. Nesse sentido é importante salientar que a ação do

governo federal no período introduziu novos mecanismos de gestão, definiu critérios

técnicos na determinação de recursos, motivados por uma racionalidade financeira, induziu

a descentralização institucional e financeira das ações. A estratégia unificadora destes


projetos e medidas buscou fortalecer o papel coordenador e articulador do governo federal

na área da educação básica, especialmente no ensino fundamental.

Ocorreram três novidades cruciais: a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB, Lei Federal n° 9394/2006); a instituição do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), de

iniciativa do Ministério da Educação (MEC); e mais recentemente a criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação (Fundeb), em substituição ao Fundef.

Esses fundos se caracterizam por serem mecanismos essencialmente redistributivos

(no âmbito de cada estado), centralizando parte significativa dos recursos do governo

estadual e municípios e distribuindo-os de forma proporcional ao número de matrículas em

cada rede de ensino.

A necessidade desse tipo de intervenções equalizadoras revela o que muitos autores

consideram como um problema central do federalismo brasileiro, as desigualdades sociais

e regionais, que resultam em diferenças fundamentais nas condições de vida e de acesso de

serviços públicos nas diferentes regiões e redes de ensino, denunciando o que Prado (2006,

p. 16) define como disparidades sociais, ou seja, “a possibilidade de que cidadãos iguais,

em jurisdições diferentes, venham receber serviços públicos em qualidade e quantidade

desiguais”. Nesse sentido, com a complexidade da questão federativa, a presente pesquisa

se propõe a investigar as relações existentes entre o Fundef/Fundeb, o pacto federativo e o

financiamento da educação básica.

Considerando as desigualdades sociais e econômicas existentes entre as regiões e

municípios do estado do Rio Grande do Sul e a necessidade de instituir um padrão mínimo

de equalização no acesso a serviços públicos por parte da população, este estudo pretende

responder ao seguinte questionamento: os fundos contábeis, conforme se estruturam no


Fundef e no Fundeb, diante da complexidade da estrutura federativa brasileira, tem

se constituído em alternativa adequada para promover uma maior equidade na

provisão e financiamento da educação básica nos Municípios Gaúchos?

A contribuição do estudo é analisar quais as principais características e limitações

do atual sistema, verificando como os recursos do fundo estão sendo redistribuídos entre os

municípios e regiões, no período de 2005 a 2014. Os municípios foram segregados em

diferentes faixas populacionais e as regiões analisadas a partir do recorte territorial regional

estabelecido pelo dos Coredes RS.

Parte-se do pressuposto que a implementação dos fundos contábeis de

financiamento da educação, em municípios do estado do Rio Grande do Sul,

principalmente nos de pequeno porte, que possuem uma base tributária frágil, trouxe

perdas financeiras significativas, contribuindo para a ampliação das desigualdades

socioeconômicas, pois os municípios que ganham recursos com o fundo são os que estão

localizados em regiões com melhores indicadores econômicos.

2 Metodologia de pesquisa

Com o propósito de analisar o impacto dos fundos contábeis Fundef/Fundeb nas

finanças dos municípios do estado do Rio Grande do Sul, utilizou-se, como técnica de

pesquisa a pesquisa bibliográfica, documental de caráter descritivo.

Os dados relativos ao Fundef e Fundeb são provenientes do relatório de dados

estatísticos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE,

complementados com as informações da Base de Finanças Municipais do Brasil (Finbra),

da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). A partir destes dados foi analisada a

participação do governo estadual e dos municípios na composição e nos repasses

provenientes dos fundos, bem como o saldo obtido por cada nível de governo em relação
ao Fundef (período estudado 2005 e 2006) e do Fundeb (2007 até 2014), com as

informações desagregadas por municípios e regiões (Coredes) do estado do Rio Grande do

Sul.

Os dados demográficos foram obtidos no Ipea Data, do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA). Do Banco de dados da Fundação de Economia e Estatística

do Estado do Rio Grande do Sul (Fee dados) foram utilizados os dados do Produto Interno

Bruto dos municípios e do número de matrículas, estas segregadas por nível de ensino (pré-

escola, infantil, fundamental e médio) e por rede de ensino (estadual e municipal).

Nas análises da distribuição espacial das receitas destinadas ao financiamento da

educação básica no território do estado do Rio Grande do Sul foi utilizado o software

IpeaGEO, versão 2.1.15_06_26, que é uma ferramenta gratuita de análises estatísticas,

voltada especialmente para análises espaciais, desenvolvido pela Assessoria de Métodos

Quantitativos da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanos e Ambientais do Ipea

– Dirur.

3 Análise federativa territorial dos efeitos distributivos da política de Fundos

contábeis na educação básica no Estado do Rio Grande do Sul

As ações públicas federativas no território assumem um papel de destaque neste

estudo ao pressupor que o tamanho, a estrutura e as características socioeconômicas da

demanda social de uma população, dentro de um determinado local (em alguma escala

entre o municipal e o nacional), condicionam o custo, a despesa, a quantidade e o tipo de

bem ou serviço público provido ou produzido.

A avaliação das políticas públicas é importante para o planejamento das ações do

governo e para o controle da sociedade no uso dos recursos públicos. Concordamos com a

proposição de Verhine (2003, p. 41) que “[...] analisar o impacto de uma determinada
política pública ou programa social é buscar discuti-la em seus múltiplos aspectos,

procurando avaliar o grau de alcance dos objetivos e metas propostos”.

Iniciamos a avaliação do impacto distributivo da política de Fundos contábeis por

uma análise federativa vertical intrarredes, verificando a participação de cada esfera

(estado e municípios) na distribuição dos recursos do Fundo e a sua respectiva participação

no número de matrículas.

O Fundef e o Fundeb, adotaram como mecanismo de distribuição dos recursos do

Fundo o número de matrículas. No ano de 2006, último ano do Fundef, o conjunto dos

municípios recebeu 48,3% dos recursos distribuídos pelo Fundo, sendo que sua

participação nas matrículas era de 48,4%, ou seja, mantinha-se uma equivalência entre a

distribuição de recursos e proporção nas matrículas.

Com a introdução do Fundeb, passa a ocorrer um leve distanciamento das variáveis

participações nas receitas e nas matrículas. Já no primeiro ano do novo Fundo, ainda no

período de transição, os municípios reduzem sua participação nas receitas para 46,4%,

sendo que a participação nas matrículas era de 47,1%, como mostra o gráfico 1.

Gráfico 1: Participação do estado e dos municípios do Rio Grande do Sul no número de matrículas e
no retorno do Fundeb no ano de 2014.

Fonte: elaborada pelo autor – base de dados FNDE


No ano de 2009, com o Fundo na sua totalidade implementado a participação dos

municípios nos recursos do Fundo era de 43,8% e nas matrículas de 44,9%, ou seja, uma

diferença de 1,1%, que se calculada sobre o montante do Fundo no estado no mesmo

período, que foi de R$ 4,3 bilhões, representa uma perda para o conjunto de municípios de

R$ 43 milhões.

Pelo gráfico 1 percebemos que os municípios vêm aumentando sua participação no

número de matrículas nos últimos períodos de análise, o que ocorre preferencialmente nos

níveis do ensino infantil e fundamental. Uma consequência do aumento da participação

municipal nas matrículas da educação é que se rompeu o equilíbrio entre alunos atendidos

e capacidade financeira dos municípios. Assim é que, embora os municípios já possuam

um número de matrícula na educação básica igual àquela apresentada pelos estados, sua

receita líquida de impostos é bem inferior àquela obtida pelos estados (cerca de três

quartos), o que demonstra uma situação de grande fragilidade do atual sistema de

financiamento (PINTO, 2007).

Na mesma linha Bremaeker (2011), entende que a política de fundos na educação

não passou de competente estratégia para transferir aos municípios responsabilidades até

então da União e dos estados e manter, ao custo mais baixo que for tolerável para as

crianças pobres – e só para elas – uma escola pobre. “O velho lema que os cínicos

(pré/pós) liberais pregavam em políticas públicas: “aos pobres, a pobreza” vê-se

consolidado através do Fundef. Nunca o Governo Federal gastou, de forma tão

competente, tão pouco no ensino fundamental (...)”. (ARELARO e GIL, 2006, p.83).

Já a diferença observada na participação nas receitas e nas matrículas ocorre

porque, na distribuição dos recursos do Fundeb, além do critério número de matrículas é

adicionado o critério do valor do custo-aluno-ano (fator de ponderação). A fixação dos

fatores de ponderação parte do fator base = 1,0 (atribuído ao segmento séries inicial do
ensino fundamental urbano), de forma que, para os demais segmentos, a fixação dos

fatores deve observar o espaço de variação entre 0,7 (menor fator) e 1,30 (maior fator),

conforme art. 10, §§ 1º e 2º, da Lei nº11.494/2007. Com esse critério, a aplicação desses

fatores de ponderação resultará em valores por aluno/ano específicos para cada segmento

da educação básica, de tal sorte que o menor valor corresponderá a 70% do valor base e o

maior valor por aluno/ano será 30% superior ao valor base.

Esta diferenciação traz vantagem para o estado que concentra quase que a

totalidade dos alunos do ensino médio público e traz desvantagens para os municípios que

concentram a maioria dos alunos da creche e da pré-escola, segmentos da educação básica

que tem custo mais elevado para sua execução que os do ensino fundamental e médio

(CRUZ 2009). Neste aspecto, como salienta Bremamaeker (2011), o Fundeb foi

desfavorável para os municípios, que antes recebiam recursos estaduais para manutenção

do ensino fundamental e que passaram a repartir recursos com o financiamento do ensino

médio.

Quando comparado o valor de contribuição para fundo e o respectivo retorno

financeiro, a vantagem inverte-se em favor dos municípios. No ano de 2006 o conjunto

dos municípios contribui para o Fundo com R$ 788,3 milhões, obtendo um retorno de R$

1,1 bilhão, ou seja, um ganho de R$ 322 milhões de reais.

Essa sistemática não se modificou com o Fundeb. Em 2009, os municípios

contribuíram com R$ 1,6 bilhões para o fundo e tiveram um retorno de R$ 1,9 bilhões, ou

seja, ganho de R$ 309,5 milhões. Em 2014, a contribuição foi de R$ 2,6 bilhões e o retorno

de 3,5 bilhões, ganho de R$ 908,7 milhões. O gráfico 2 mostra a formação da receita do

Fundef/Fundeb com os valores que a Rede Municipal contribuiu e recebeu de retorno na

redistribuição intrarredes no ano de 2014.


Gráfico 2: Composição do financiamento ao Fundeb no ano de 2014 pelas redes municipais
de ensino do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 2014.

Fonte: elaborado pelo autor

Esses números mostram, inicialmente, que os municípios aumentaram

substancialmente suas receitas com os Fundos, em detrimento da Rede Estadual de Ensino.

Porém, uma análise dos valores redistribuídos intrarredes revela que, em 2006, o

percentual de redistribuição da Rede estadual de ensino entre as Redes municipais era de

14,1%; em 2009, com o Fundeb, o percentual de redistribuição reduz para 7,2%; e em

2014, apesar do crescimento, representou 12,5% do montante das receitas do Fundo, ou

seja, ainda inferior aos do patamar de 2006 com o Fundef.

O valor redistribuído pelo Fundef, e posteriormente com o Fundeb, do estado em

favor dos municípios não significa que todos os municípios tenham ganhado recursos com

os Fundos. Uma análise federativa horizontal mostra que no ano de 2006, dos 496

municípios do estado, 330 apresentaram perda de recursos com o Fundo, o que representa

66,5% dos municípios, e 196 tiveram ganho, o que equivale a 33,5% dos municípios, ou

seja, 1/3 dos municípios do estado concentraram os ganhos de recursos do Fundo oriundos

das perdas do estado e das perdas dos demais municípios. O saldo entre ganhos e perdas

com o Fundo apresentava uma média de -1,68% da receita disponível dos municípios, com

uma mediana de -2,09% e um desvio padrão de 6,24%, o que mostra que os ganhos com o
Fundef registrados pelos municípios, em detrimento do governo estadual, não ocorre de

forma homogênea entre os municípios.

No ano de 2009, com o Fundeb, a perda média percentual dos municípios cresce,

passando para -2,20% da receita disponível, sendo que dos 497 municípios do estado, 309

apresentaram perdas com o Fundo e 186 apresentaram ganhos. Em 2014, último ano de

análise deste estudo, a perda média entre os municípios é de -1,68%, com perda máxima de

-16,32% e o maior ganho de 21,34%. Dos 497 municípios do estado 299 apresentaram

perda de recursos com o Fundo, equivalente 60,2%, e 198 obtiveram ganho, o que

representa 39,8%. O mapa 1 mostra a localização dos municípios que tiveram perda e dos

que apresentaram ganho de recursos com o Fundeb no ano de 2014 no território do Estado

do Rio Grande do Sul.

Mapa1: localização dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul com perdas e
ganhos de receitas com o Fundeb no ano de 2014

Fonte: elaborado pelo autor com o Software IpeaGEO versão 2.1.15_06_26


A distribuição dos municípios no mapa indica que a redistribuição de recursos entre

estado e municípios no estado do Rio Grande do Sul promoveu uma concentração espacial

dos recursos destinados ao financiamento da educação básica no estado, com


predominância de municípios que apresentam ganho de recursos (cor verde escuro)

localizados nas regiões Central, Leste e Sul do Estado, e os que apresentam perda (cor

verde claro) concentrando-se nas regiões Norte e Oeste.

Para uma análise temporal do ganho/perda dos municípios com o Fundef e Fundeb

elaboramos um indicador de desempenho com o fundo, sendo atribuído 1 ponto para cada

exercício contábil (ano civil) em que o município obteve ganho com o Fundo e 0 ponto

quando teve perda de recursos. Como o período de análise deste estudo é de 10 anos, 2005

a 2014, cada município poderia obter uma pontuação máxima de 10 pontos e mínima de 0

ponto.

Dos 497 municípios do estado, 237 obtiveram pontuação zerada, o que equivale a

47,7% dos municípios, ou seja, apresentaram perdas com o Fundef e Fundeb em todos os

exercícios contábeis. Se considerarmos os municípios que obtiveram pontuação 4 ou

inferior este número sob para 303 municípios, o que equivale a 61% dos municípios do

estado. A localização dos municípios com respectiva pontuação é mostrada no mapa 2.

Mapa 2: localização dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul com a pontuação
obtida no indicador de ganho e perdas com Fundef e Fundeb no período de 2005 a 2014.

Fonte: elaborado pelo autor com o Software IpeaGEO versão 2.1.15_06_26


O mapa 2 mostra que a maioria dos municípios que apresentam perdas com os

Fundos mantém esta condição em todos os períodos da série, o mesmo ocorre com os

municípios que são ganhadores de recurso, o que mostra a existência de uma situação

“ótimo de Pareto1” dos Fundos de financiamento da educação.

Os números confirmam as críticas ao FUNDEB defendidas por Bremaeker (2011) e

Cruz (2009), de que o fundo, por promover a redistribuição de recursos no âmbito de cada

estado, e pela reduzida complementação do governo federal, no caso do Estado do Rio

Grande não ocorreu aporte do governo federal, não conseguiu promover uma equidade de

recursos.

Quando analisada a perda e ganho de recursos com o Fundeb por regiões dos

COREDES, utilizando o mesmo indicador adotado para os municípios, 10 regiões

apresentaram pontuação superior a 50%, ou seja, o conjunto de municípios apresentou

ganho de recursos, e 18 regiões tiveram pontuação inferior a 50%, indicando perda de

recursos. A região que obteve maior pontuação é a região do COREDE Vale do Rio dos

Sinos, atingindo 100% dos pontos possíveis. Também se destacam as regiões dos Coredes

Paranhana Encosta da Serra, com pontuação de 83%, e a Metropolitana Delta do Jacuí,

com pontuação de 80%. O mapa 3 apresenta a localização dos Coredes que apresentaram

ganho e dos que apresentaram perda de recursos com o Fundef e o Fundeb no período de

2005 - 2014.

1
O ótimo de Pareto, ou Paretto efficiency, é utilizado em estudos econômicos para avaliar a eficiência de
determinada alocação de recursos, é o marco para medir resultados. Reflete a posição na qual, para fazer uma
pessoa melhorar a sua situação, necessariamente alguém será prejudicado ou terá a sua satisfação reduzida.
Ou seja, em uma distribuição que não seja ótima é possível incrementar a satisfação de alguém sem reduzir a
de outra pessoa.
Mapa 3: Localização dos Coredes com resultado no indicador de perdas e ganhos com o
Fundef e Fundeb, período 2005-2014.

Fonte: elaborado pelo autor com o Software IpeaGEO versão 2.1.15_06_26

Entre as regiões com menor pontuação as regiões Norte e Nordeste com 5% e 7,9%,

são as que apresentam pior desempenho. Também apresentam pontuações reduzidas às

regiões Rio da Varzea e Produção, com 12% e 12,8%, respectivamente. O mapa 3

apresenta a localização dos Coredes que apresentaram ganho e dos que apresentaram perda

de recursos com o Fundef e o Fundeb no período de 2005 - 2014.

Os resultados, de forma análoga, convergem com o que defendem Mendes,

Miranda e Cosio (2008), que a distribuição regional, em nível de país, dos recursos da

educação tem sido, na prática, menos distributiva que aquela associada aos fundos de

participação (FPM e FPE), a despeito de sua intenção equalizadora. Ressaltam os autores

que esse caráter menos redistributivo associado aos gastos com educação tende a agravar o

problema regional, já que na economia moderna a educação tem sio reconhecida como

“mola mestra” do desenvolvimento.

Sê as regiões mais desenvolvidas recebem proporções maiores dos gastos com


educação, isso pode significar a ausência de um mecanismo de convergência
econômica entre as regiões brasileiras e, (...) esse padrão também se repete
quando as distribuições per capita são consideradas. (MENDES, MIRANDA E
COSIO, 2008, p. 80).
A distribuição de recursos do Fundo de financiamento da educação adota como

critério único o número de matrículas, o que inverte parcialmente o efeito redistributivo

promovido pelas transferências de FPM e da parcela do ICMS com características

distributivas, que utilizam critérios diferentes de distribuição como: inverso da população e

renda no caso do primeiro; e área do município, produtividade primária e número de

propriedades rurais no caso do segundo. Por sua vez o número de matrículas tem relação

direta com o fator demográfico, ou seja, os municípios e regiões com maior população, que

são os mais industrializados e que apresentam as maiores receitas, é que tendem a

apresentar ganhos com o Fundo.

Com a concentração do PIB em algumas regiões, ocorre também a concentração de

tributos por meio das receitas tributárias próprias e das transferências devolutivas, no caso

as geradas principalmente pelo ICMS e IPVA, gerando uma maior disparidade horizontal

no estado do Rio Grande do Sul, com mostra a tabela 1 (Apêndice 1).

Esse processo converge com o que Myrdal (1965) denominou de causalidade

cumulativa ou circular. Devido a essa causalidade circular, um processo social tende a se

tornar cumulativo e frequentemente adquire velocidade em taxa acelerada. Esse princípio

afirma que as disparidades regionais são guiadas por um efeito “bola de neve”, que resulta

num reforço contínuo, uma vez iniciado.

A base teórica econômica regional (Krugman, 1991; Fugita, Krugman e Venables,

2002) analisa a concentração espacial por meio dos fatores ou “forças centrípetas e

centrífugas” de concentração e desconcentração das atividades econômicas,

respectivamente atuando na configuração e organização social diferenciada no território.

Essa abordagem procura explicar os processos de concentração espacial por meio de um

modelo de retornos crescentes, baseado na concepção centro-periferia.


Explicam Campolina Diniz e Crocco (2006), que tomando duas regiões, uma

desenvolvida e outra atrasada, as forças centrípetas fazem com que o processo de

concentração seja cumulativo e esse processo só cessa diante do surgimento de forças

centrífugas que o bloqueiem, permitindo o crescimento de regiões periféricas. O

Financiamento da Educação poderia agir como essa força centrífuga.

Os dados da tabela 1 (Apêndice 1) mostram que o Fundo de Participação dos

Municípios (transferências distributivas) por ser mais redistributivo que a transferência do

Fundeb, implica numa perda de foco de longo prazo na redução das desigualdades

regionais, bem como na correção de externalidades positivas geradas nos gastos com

educação. Percebe-se que três dos vinte e oito Coredes (Metropolitano Delta do Jacuí, Vale

do Rio dos Sinos Sul e Serra) concentram 48,8% dos recursos distribuídos pelo Fundeb no

ano de 2014, sendo que os mesmos tem uma participação de 29,3% das transferências

distributivas.

O FUNDEB tem poder concentrador de rendas no estado do Rio Grande do Sul

próximo ao das transferências devolutivas, que, nas quatro regiões com maior participação

nos recursos do Fundo, somam 49,9% das receitas próprias que totalizam 50,1%.

Em caminho contrário, como ocorre no Corede Norte, que obteve a menor

pontuação no indicador de desempenho com o Fundef/Fundeb, a participação nos recursos

com educação na receita disponível é 208,6% inferior à participação nas transferências

distributivas (participação de 1,4% nos recursos com o Fundeb e 4,32% nas transferências

distributivas), a mesma consegue ser 58,8% inferior as transferências devolutivas2. O

mesmo ocorre com o COREDE Nordeste onde a diferença é de 160% (participação de

1,0% nos recursos com o Fundeb e 2,6% nas transferências distributivas) e de 56%

(participação de 1,0% nos recursos com o Fundeb e 1,56% nas transferências devolutivas).
2
As transferências devolutivas são as que apresentam o maior poder concentrador de rendas municipais no
Brasil, como mostram os estudos de Alencar e Gobetti (2008) e Arretche (2012).
A despeito de seu caráter contraditório enquanto política equitativa e de favorecer a

desigualdade intrarregional, como explica Mendes (2015) é economicamente racional que

as escolhas e as ações privadas e públicas se concentrem naquelas localidades ou regiões

onde já existem grandes aglomerações de pessoas, de atividades produtivas, de

infraestrutura, etc.

Na realidade, porém, como o próprio Mendes (2015) ressalta essa escolha

“racional” não apenas econômica, mas também social ou política apenas reforça os ciclos

viciosos praticados historicamente no país, reforçando e sedimentando cada vez mais os

graves desequilíbrios na ação pública e as graves desigualdades regionais no país.

Estudos recentes do IPEA sobre a distribuição das receitas públicas nos municípios

brasileiros revelam algumas faces desse mesmo problema. A distribuição da ação do

Estado no país demonstra, como numa imagem refletida num espelho, essa desigualdade

(Mendes, 2015 e Monteiro Neto, 2013), numa relação que pode ser mais que mera

correlação, mas de causa e efeito. Na realidade, existe uma relação circular (ciclo vicioso)

na ação pública no país. O Estado está mais presente onde está mais concentrada a

estrutura administrativa (prefeitura, governo estadual e governo federal) e onde está

presente a maior parcela da população e da produção nacional. Como, em geral, existe uma

concentração histórica de todos estes elementos em poucos centros urbanos ou mesmo em

algumas regiões, a ação estatal apenas reforça e reitera esta estrutura de desigualdade

histórica (IPEA, 2011).

Os resultados dos estudos realizados pelo IPEA reforçam a hipótese, de que o

Estado favorece e contribui para a continuidade das desigualdades regionais ou territoriais

(Sociais, econômicas, etc.), por meio da distribuição do gasto público (receita) e dos

investimentos no país. De forma análoga o mesmo se aplica aos Fundos de financiamento

da educação básica no estado do Rio Grande do Sul.


De acordo com Mendes (2015) se o que se quer é exatamente conter a

superconcentração em poucos centros urbanos, que promove a grave concentração (social e

regional) da produção e da renda, nesse caso, em tese, o Estado, em especial, deveria atuar

de outra forma, anticíclica, em uma direção de conter a concentração.

O problema estaria, então, não numa “irracionalidade” na forma de como se

distribui os recursos e os gastos púbicos, já que este se sustenta em um padrão “racional”

de uma lógica econômica, mas na forma como o sistema federativo não dá conta de, dada

esta lógica, conferir mecanismos (anticíclicos) de coordenação e/ou cooperação federativa

que favoreçam a desconcentração, especialmente dos gastos públicos, compatibilizando-os

com as demandas sociais específicas e, consequentemente, com as possibilidades mais

efetivas de redução das desigualdades territoriais ou regionais.

Esta concentração de arrecadação, e de gastos, favorece o grande congestionamento

e as consequentes deseconomias de escala na provisão de bens e serviços públicos. Isto,

por sua vez, é causa e efeito da concentração de população nestas áreas ou localidades,

revelando as desigualdades intrarregionais. Por sua vez, as condições adversas das

localidades, no interior desta região com pequenas populações e escassas bases produtivas,

em geral, não favorecem a base tributária compatível com a provisão de determinados bens

e serviços públicos em condições de maior eficiência ou menor custo.

Assim, no estado do Rio Grande do Sul a mudança no financiamento da educação

básica viria a afetar a distribuição regional dos recursos, porém sem garantir a equalização

entre as mesmas. Embora o Fundef/Fundeb garanta um gasto mínimo por aluno, ele não é

capaz de fazer com que o gasto por aluno nas regiões menos desenvolvidas cresça de

forma a alcançar o montante despendido pelas regiões mais desenvolvidas, tendo em vista

que essas regiões encontram-se em um patamar de gasto por aluno acima das demais em

virtude da arrecadação própria e do ganho de escala.


Esse padrão não favorece a redução de hiatos fiscais nas diversas localidades do

estado do Rio Grande do Sul, posto que regiões mais pobres sejam aquelas com maior

carência educacional e, portanto, maior demanda por esse serviço, cujos recursos estão

sendo apropriados prioritariamente por regiões mais ricas.

5 Conclusão

O estudo das principais características da política de fundos (FUNDEF/FUNDEB),

permitiu entender as razões da concretização dessa política após o processo de reforma do

Estado durante a década de 1990, pautada na lógica da racionalidade financeira e no

embate histórico do país para ampliação dos gastos públicos.

Esses Fundos, ao alterar o mecanismo de financiamento da educação, alteraram a

estrutura do sistema tributário, o que para muitos autores gerou uma minirreforma

tributária, na qual 20% do produto das receitas oriundas das transferências distributivas são

destinados para formação do fundo, sendo que a distribuição dos recursos se dá com a

adoção de um novo mecanismo, o do valor per capita aluno, favorecendo os municípios

com maior população, sendo também os que concentram a maior arrecadação tributária

(receitas próprias e transferências devolutivas).

Esta pesquisa inovou em relação às demais por ter abordado os impactos

distributivos do Fundef e do Fundeb em uma escala estadual (estado do Rio Grande do

Sul), analisando seus impactos intraestado. Esses resultados apresentam uma série de

implicações sobre a política de financiamento da educação. As evidências empíricas aqui

encontradas sugerem que a estrutura de financiamento da educação por meio dos Fundos

contábeis apresenta alguns problemas, que devem ser contemplados no debate sobre o

novo modelo de financiamento da educação básica, uma vez que o Fundeb encerra sua

vigência no ano de 2020.


A hipótese que não se verifica no Rio Grande do Sul é a de que as transferências

das receitas dos Fundos contábeis de financiamento da educação para os municípios têm

contribuído para redução das disparidades. A receita do Fundo guarda relação direta com o

tamanho do município e o seu produto interno bruto, sendo que os municípios e,

consequentemente, regiões, que ganham recursos são os mais populosos e de melhores

indicadores econômicos, contribuindo para uma relação circular (ciclo vicioso) na ação

pública, na qual o Estado está mais presente em poucos centros urbanos ou mesmo em

algumas regiões, a ação estatal apenas reforça e reitera esta estrutura de desigualdade

histórica. Os resultados corroboram a literatura que vem indicando que o Estado favorece e

contribui para a continuidade das desigualdades regionais ou territoriais (sociais,

econômicas, etc.), por meio da distribuição do gasto público (receita) e dos investimentos

no país.

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APÊNDICE 1

Tabela 1: Desempenho por Corede-RS no ganho e perda com o Fundef/Fundeb em


comparação com a participação na receita própria, população, PIB. Ano base 2014.
A Repetência Escolar Afeta a Criminalidade Futura nos Municípios Mineiros?

Victor Barcelos Ferreira

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Viçosa – UFV

victorbarcelos@msn.com

Evandro Camargos Teixeira

Professor da Universidade Federal de Viçosa – UFV

evandro.teixeira@ufv.br

RESUMO

A criminalidade é um fenômeno com o qual os brasileiros convivem diariamente. Em

matéria de desenvolvimento econômico, a sensação de segurança se faz imprescindível

para a plenitude de um país ou uma região. Assim, o presente trabalho analisa o efeito da

repetência escolar sobre os crimes violentos contra pessoa nos municípios do estado de

Minas Gerais. Para tal, utilizou-se um modelo com dados em painel com o estimador

GMM-SYS, com o objetivo de fazer uma análise dinâmica da influência da educação sobre

a criminalidade, compreendidos os efeitos intertemporais envolvidos nesse processo. Os

resultados permitem concluir que em locais onde há acentuação da repetência escolar,

haverá maior propensão à incidência de crimes violentos. Espera-se, portanto, enaltecer a


importância das políticas públicas em educação, orientadas para a diminuição da

reprovação, e, por conseguinte, da evasão, compreendida sua influência sobre dinâmica de

ingresso dos adolescentes no mundo do crime.

PALAVRAS-CHAVE: Economia do crime, GMM-SYS, Minas Gerais

ABSTRACT

Criminality is a problem that Brazilians face daily. In the field of economic development,

fear of crime is an obstacle to economic and social development of the countries. This

paper seeks to analyze effects of classroom failure on crime against person in the cities of

Minas Gerais, in order to add a new perspective to the academic debate on crime. It was

used a model with panel data and a GMM -SYS estimator, once it can analyze the impact

of education on crime, in addition to others variables which do the same, in a dynamic

way. The results report that whether failure rates increases, the consequence is an increase

in crimes against person. Lastly, it is expected to show how important public policies

focused on the reduction of failure and truancy, as these factors affect individual’s

propensity to commit crimes.

KEY-WORDS: Economics of crime, GMM-SYS, Minas Gerais


1 - Introdução

A criminalidade é uma mazela social que afeta, de forma direta ou indireta, a vida

de bilhões de pessoas em todo o planeta. Cerca de 437.000 pessoas foram vítimas de

homicídios no ano de 2012, segundo dados da World Health Organization [WHO] (2013),

incorrendo em uma média mundial de 6,2 vítimas por 100 mil habitantes. Além disso,

outro fator que confirma a dimensão da criminalidade é a população carcerária mundial de

10,2 milhões, aproximadamente, mensurados no início do ano de 2013, por Walmsley

(2013), o que equivale à população de cidades como Seul, na Coréia do Sul e Jacarta, na

Indonésia.

No Brasil, a situação é ainda mais alarmante. O país teve cerca de 53.646 vítimas

de homicídio, em números absolutos, no ano de 2013, segundo dados do Fórum Brasileiro

de Segurança Pública. Esta cifra equivale a um caso a cada 10 minutos e corresponde a

aproximadamente 13% das ocorrências mundiais. Sendo o segundo estado mais populoso,

Minas Gerais é responsável por cerca de 7,4% dos casos de homicídios brasileiros. Apesar

de não estar entre os estados mais violentos do país, Minas Gerais apresentou no ano em

questão, uma taxa de 20,7 homicídios por 100 mil habitantes, em torno de três vezes maior

que a média mundial.

Mesmo em patamares já elevados, os índices de criminalidade não têm apresentado

tendência de queda. Este é um dos motivos por qual diversas áreas das Ciências tentam

encontrar explicações para esse fenômeno, visando traçar estratégias para minimizá-lo.

Nesse âmbito, a Ciência Econômica tem desempenhado importante papel, mostrando


vieses distintos que dão origem à criminalidade, explicam sua persistência na sociedade, e

demonstram os impactos desta no desenvolvimento econômico dos países.

O debate entre criminalidade e economia começou com Becker (1968), em seu

trabalho seminal, no qual o autor discorre sobre os determinantes da escolha do indivíduo

em cometer atos criminosos. Segundo o autor, um indivíduo incorrerá em uma prática

criminosa se os ganhos auferidos por essa ação, somados aos riscos de ser apreendido e

punido por tal, forem maiores do que a renda que este poderia auferir através do seu

trabalho, em vias lícitas.

Para entender como a educação verterá efeitos sobre a criminalidade – debate que

permeia o problema central do presente trabalho – é necessário lançar mão da teoria do

capital humano. Segundo Schultz (1961) e Becker (1964), toda habilidade, intrínseca ou

adquirida, que exerce influência no sentido de aumentar a produtividade do trabalho

compõe um arcabouço denominado capital humano, no qual a educação é um dos

principais componentes.

Dessa forma, concatenando as duas análises, entende-se que quanto mais elevado

for o grau escolaridade de um indivíduo, maior será sua renda auferida, o que, por

conseguinte, diminuirá sua propensão a ingressar no mundo do crime, uma vez que tende a

se equiparar aos ganhos obtidos por essa via.

A hipótese central do presente trabalho é que reprovação desestimula o aluno a

estudar, uma vez que desencadeia frustrações emocionais e psicológicas para tal. Por

conseguinte espera-se que a cada repetência, o aluno torna-se mais propenso a evadir a

escola, corroborando com o trabalho de Ribeiro (1991), no qual o autor verifica que alunos

repetentes estão mais sujeitos a novas reprovações. Por sua vez, haverá interrupção dos
estudos, o que surtirá em um custo de oportunidades menor para o trabalho formal,

tornando-o mais propenso à prática de atividades criminosas.

Entendido esse mecanismo, o presente trabalho tem como objetivo apresentar a

discussão que relaciona educação e criminalidade, e redireciona o debate para a análise da

sociedade brasileira, com o seguinte questionamento: a repetência escolar afetou a

criminalidade futura nos municípios de Minas Gerais no período entre 2006 a 2010?

O presente trabalho almeja contribuir para a literatura através fazendo uma análise

da influência da educação sobre a criminalidade nos municípios mineiros, o que não foi

feito até então. Verificou-se que nas áreas com maior deterioração da educação – indicada

por uma alta distorção série-idade – há maior criminalidade, no período seguinte. Por tal

razão, o espera-se fundamentar políticas públicas com objetivo de reduzir a repetência

escolar, na medida em que comprova a influência da defasagem escolar com a

criminalidade.

Além desta introdução, o presente estudo possui quatro segmentações posteriores.

Na seção subsequente, serão descritos os procedimentos metodológicos adotados para

melhor responder os questionamentos pelo trabalho. Na seção conseguinte, haverá a

demonstração dos resultados encontrados, bem como a discussão sobre estes e, por último,

serão feitas as ponderações finais.


3 - Metodologia

3.1 - Modelo analítico

No presente trabalho, para verificar o impacto da repetência escolar sobre a

criminalidade futura nos municípios do estado de Minas Gerais, será utilizado um modelo

com dados empilhados em painel. Tal escolha deve-se ao benefício de poder analisar a

evolução temporal das variáveis de todas as unidades (municípios) de cross-section. Por tal

razão, consegue-se obter um estimador mais preciso e consistente. (CAMERON E

TRIVEDI, 2005)

O estimador utilizado será por GMM-SYS, proposto por Arellano e Bond (1991), para

corrigir o viés entre a variável de criminalidade, defasada em um período, e o erro.

Ademais, o método permite reduzir a possível endogeneidade existente entre as variáveis

explicativas do modelo. Estabelecido o melhor estimador, o modelo será estimado em duas

etapas, sendo mais eficiente do que em uma só, conforme evidenciado por Windmeijer

(2005).

A forma genérica do modelo, segundo Cameron e Trivedi (2005) é definida por:

= + ′ + = 1, . . . , = 1, . . . , ,
no qual é a variável dependente, ′ é uma matriz K X 1 de variáveis independentes,

é o termo de erro, distingue os municípios, ao passo que é o indexador de tempo.

Assim sendo, equação de estimação do painel será definida então por:

= + + + +

+ + + = 1, 2, … 391

= 2006, … 2010

em que:

o crime – Taxa de crimes contra pessoa

o distor – Distorção Série-Idade

o mercado – Aquecimento do setor formal

o segpc – Gasto per capita com segurança pública

o dens – Densidade demográfica

o infraest - Percentual da população com acesso a abastecimento de água por rede

geral

Em virtude do modelo exposto, espera-se estimar de maneira mais verossímil o

comportamento da criminalidade, nos municípios mineiros, bem como verificar seus

fatores que originam essa mazela social.

A variável explicada a ser utilizada neste trabalho será a taxa de crimes contra

pessoa por 100.000 habitantes (crime). Esta é definida pela razão entre o número de

ocorrências registradas de crimes contra a pessoa (Homicídio, Homicídio Tentado e

Estupro) e a população do município, multiplicadas por 100. Os indicadores de

criminalidade apresentam um viés típico, oriundo do sub-registro da totalidade dos eventos


que de fato ocorrem. Acredita-se que os crimes dos quais envolvem a morte das vítimas

estão menos sujeitos a este tipo de viés, conforme evidenciado por Santos e Kassouf

(2008).

Segundo as proposições destes autores, devem-se ser adotadas como instrumentos,

variáveis defasadas em pelo menos dois períodos, conforme observado abaixo:

∆ = ∆ + ∆ ′ + ∆

De tal maneira, é possível constatar o efeito inércia do crime, conforme evidenciado

pela literatura em Araújo Júnior e Fajnzylber (2001), Fajnzylber e Araújo Júnior (2001),

Gutierrez et al. (2004) e Kume (2004). Este fenômeno é constatado basicamente devido a

um efeito de especialização dos agentes que praticam crimes, além do impacto da

impunidade, que gera um estímulo para novos egressos em cometer delitos.

Visando comprovar o efeito negativo da repetência escolar sobre a criminalidade

futura, incluiu-se no modelo a taxa de distorção-série idade (distor) fornecida pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. A taxa denota a

proporção de alunos matriculados com idade superior à faixa etária recomendada para cada

ano base da escolarização. No presente trabalho, optou-se por incluir a taxa de defasagem

concernente ao ensino médio, visando englobar o intervalo etário entre 15 e 19 anos.

Segundo estudo de Araujo Junior e Fajnzylber (2000), quanto maior o percentual de jovens

com idades dentro desse intervalo em uma região, maiores são a incidência de roubos e

crimes contra pessoa.


É de suma importância sublinhar que a variável supracitada estará defasada no

modelo, conforme o fenômeno apontado por Fajnzylber, Lederman e Loyasa (1998).

Segundo os autores, a relação entre criminalidade e educação é peculiar, por apresentar

quase sempre um descompasso, de forma que a educação impactará as taxas de

criminalidade em períodos futuros.

Segundo Santos e Kassouf (2008), os crimes contra a pessoa são mais bem

explicados pelas teorias de desorganização social, ao passo que a teoria econômica do

crime é mais adequada para explicar crimes contra o patrimônio. Apesar de o presente

trabalho pautar-se por analisar crimes contra a pessoa, serão inseridas no modelo variáveis

que representam ambas as teorias, para verificar quais são determinantes para explicar a

criminalidade nos municípios mineiros.

Por tais vias, a teoria econômica do crime pressupõe que o aquecimento do

mercado formal de trabalho impacta nas decisões concernentes a pratica de delitos. Para

estimar o comportamento desta variável, inseriu-se um índice de emprego e renda

(mercado), também calculado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

(FIRJAN) e obtido no portal Ipeadata. Sua composição leva em consideração os seguintes

itens: geração de emprego formal, absorção da mão de obra local, geração de renda formal,

salários médios do emprego formal e desigualdade de renda.

Como forma de averiguar o impacto da dissuasão sobre a criminalidade no estado

de Minas Gerais, inseriu-se o gasto per capita com segurança pública (segpc), obtida no

portal Datagerais. Espera-se que o efeito dessa variável seja negativo perante a variável

explicativa em questão. A teoria econômica diverge sob o efeito destas variáveis sobre a
incidência de crimes, haja vista que as variáveis deterrence1 podem ter efeitos nulos na

contenção do crime, conforme evidenciado por Corman e Mocan (1996).

Com o intuito de investigar o comportamento criminal nos municípios de Minas

Gerais sob a ótica das teorias da desorganização social, foi inserida no modelo a densidade

populacional (dens), calculada pela razão entre as pessoas residentes no município e sua

área total (km²). Conforme explica Kelly (2000), a densidade influi de duas formas sobre o

crime: tanto propiciando uma maior oferta de potenciais vítimas, quanto diminuindo a

probabilidade de apreensão. Por tais razões, espera-se uma relação positiva entre esta

variável e a criminalidade.

Foi inserida no modelo uma taxa que informa o percentual da população com

acesso a abastecimento de água por rede geral (infraest). O propósito dessa inclusão é

quantificar a presença do Estado nos municípios, através de sua atuação na infraestrutura

urbana. Conforme evidenciado por Beato (1998), pode-se supor que onde a companhia de

abastecimento de água não atua, é pouco provável que haverá ação da polícia e do sistema

judiciário. Por tais condições, estes locais tornam-se propícios à ação criminosa. Assim,

espera-se que haja a referida variável tenha impacto positivo sobre a criminalidade.

Por fim, optou-se por utilizar a variável esforço orçamentário com educação (efedu)

e defasada em três períodos, como variável instrumental utilizadas para o modelo de

estimação em GMM-SYS. O embasamento para a utilização deste mecanismo é explicado

por Blundell e Bond (1998). Os autores ressaltam que variáveis defasadas em apenas um

período são consideradas instrumentos fracos. Sendo assim, espera-se controlar a possível

endogeneidade existente a educação (distor) e a renda (implícita em mercado).

1
A literatura econômica descreve os efeitos deterrence como pressões e intimidações da sociedade que
exerçam influência sobre o comportamento dos criminosos, no sentido de inibir ou coibir suas práticas
ilícitas.
Serão utilizados erros padrão robustos para a correção da heterocedasticidade do

modelo. Após a estimação, faz-se necessária a execução de testes para validação dos

instrumentos utilizados, sendo estes: o teste de Sargan - na qual se espera a aceitação da

hipótese nula – e os testes de correlação serial, do qual se objetiva a rejeição da hipótese

nula, em primeira ordem, e a aceitação, em segunda ordem.

3.2 – Fonte e tratamento dos dados

As informações sobre a distorção série-idade foram extraídas do Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Índice FIRJAN de

Desenvolvimento Municipal de Renda e Emprego está disponível na plataforma Ipeadata.

As demais informações, sobre criminalidade, densidade demográfica, esforço orçamentário

em educação e infraestrutura urbana foram obtidas através da plataforma Data Gerais, da

Fundação João Pinheiro.

O painel construído para a estimação do modelo é do tipo desbalanceado - devido a

ausência de informações para alguns municípios – com 811 observações, de 351

municípios de Minas Gerais. Será analisado o período entre 2006 e 2010. A escolha do

intervalo deve-se principalmente ao aumento do investimento direto em educação em

relação do Produto Interno Bruto (PIB).


4 - Resultados e discussão

Neste tópico serão apresentados os resultados obtidos pela estimação do modelo

econométrico apresentado, bem como sua interpretação e discussão, enaltecendo o papel

da educação como instrumento social de conter o avanço da criminalidade. A amostra

analisada contém 811 observações, com um total de 351 municípios.

Os modelos que analisam o comportamento criminal utilizando dados em painel

usualmente são estimados com efeitos fixos, tendo em vista a heterogeneidade das

unidades de cross-section. Além disso, o crime é um fenômeno multicausal, colaborando

para que haja efeitos não observáveis na maioria dos modelos. Por tais razões, optou-se por

utilizar o estimador de GMM-SYS, de Arellano e Bond (1991), objetivando corrigir o que

se chama de “viés de painel dinâmico”, devido à ocorrência de simultaneidade das

variáveis utilizadas (no presente caso, educação e renda) e do efeito inercial que acometem

os índices de criminalidade entre períodos consecutivos.

Utilizou-se como variáveis instrumentais o gasto per capita com segurança pública

e o esforço orçamentário em educação, ambos defasados em três períodos. Através do

Teste de Sargan, foi possível constatar a validade destes instrumentos, com a aceitação da

hipótese nula. Além disso, aplicando o teste de correlação serial para as primeiras

diferenças, houve a rejeição da hipótese nula em primeira ordem, e aceitação da hipótese

nula em segunda ordem conferindo a adequação dos instrumentos.

Dentre as variáveis inseridas no modelo, distorção série-idade e acesso à água por

rede, assim como a constante apresentaram-se estatisticamente significativos. Contudo,

outras três variáveis, sendo estas, gasto per capita com segurança pública, aquecimento do
setor formal e densidade populacional mostraram-se não significativas para o modelo

construído, logo, para a determinação dos crimes contra a pessoa nos municípios do estado

de Minas Gerais.

Interpretando então os resultados referentes às variáveis de educação, temática

central do presente trabalho, o fator educacional e suas implicações na criminalidade.

Diante dos resultados apresentados na Tabela 1, é indiscutível a importância que a

educação exerce como contentora da criminalidade.

Tabela 1- O efeito da repetência escolar sobre a criminalidade em Minas Gerais

Variável dependente: Crime


Variáveis Coeficientes

crimet-1 *
0,347
(0,067)
ns
segpc -0,015
(0,322)
ns
dens -0,003
(0,006)
infraest *
-2,662
(0,488)
ns
mercado 2,309
(10,472)
distort-1 0,058**
(0,026)
constante 215,933∗
(40,933)

Teste de Sargan 0,1427


Teste de Correlação Serial (1) 0,0000
Teste de Correlação Serial (2) 0,1037

Notas: Foram feitas as estimações em dois estágios, utilizando correções para heterodasticidade; erros-padrão

robustos entre parênteses; as identificações *, ** e ns, correspondem à significância de 1%, 5% e não-

significativo, respectivamente; painel desbalanceado com 811 observações; variável instrumental usada:

efedut-3 .

A análise dos resultados encontrados comprova a hipótese investigada pelo presente

trabalho. O indivíduo defasado - conforme a idade base para cada nível de ensino - estará

mais propenso a evadir a escola, e dedicar-se à prática de delitos. Um atributo que reforça

essa linha é apresentado por Leon e Menezes-Filho (2003), no qual os autores reforçam

que a evasão condicionada à repetência é maior para meninos, principalmente, para aqueles

que são mais velhos. Em adição, regiões com elevada frequência de adolescentes entre 15 a

19 anos tem influência maior sobre a incidência de crimes, segundo Cerqueira e Lobão

(2004), dentre os quais tendem a se concentrarem, em sua grande maioria no ensino-médio.

Logo, entende-se que, para jovens que já estão imersos em um ambiente instável, a evasão

pode ser crucial para o seu envolvimento com o crime.

Contudo, há outros casos a se analisar. Teixeira (2011) expõe outra abordagem,

explicando o delay de influência da educação na criminalidade. O autor expõe que alunos

abandonam a escola devido a necessidades de geração de renda, se defrontam com escassas


oportunidades de trabalho, e acabam se envolvendo com a criminalidade, como uma forma

alternativa de auferir renda.

Algumas correntes defendem a progressão continuada, como Soares (2007),

alegando que a reprovação causa danos devastadores para a autoestima dos estudantes,

tornando os propensos à evasão. Se esse embasamento for confrontado com os dados

revelados por Neri (2009), sob o qual o autor conclui que 40,3% das evasões escolares são

justificadas pela falta intrínseca de interesse do aluno, chega-se a uma conclusão

preocupante. O fato de a escola ter se tornado uma atividade enfadonha para os estudantes

compõe é o fator principal para a evasão escolar.

Levando em consideração os fatores de baixa coesão social e desorganização social,

evidencia-se que estes jovens que estão fora da escola estarão vulneráveis a se envolver

com o crime. Menezes Filho et al (2008) estimam o retorno econômico da progressão

continuada para a conclusão da 4ª série e 8ª série do ensino fundamental. Segundo os

autores, o ganho em anos de estudos, refletido pela renda, tenderia a compensar a perda de

desempenho causada pela progressão. Apesar de não mensurar o retorno para o ensino

médio, é possível estimar o retorno da conclusão do ensino médio uma vez que, conforme

Souza (2012), a conclusão desse ciclo potencializa os rendimentos no mercado de trabalho

e é pré-requisito para o ingresso no ensino superior.

Por outro lado, o resultado acerca da variável que denota o gasto com segurança

pública, já era previsto, conforme a teoria, embora contrarie a sabedoria convencional.

Cerqueira e Lobão (2004) levantam a ineficiência das políticas de segurança pública

orientadas sob a ótica da dissuasão policial.


A variável que denota o acesso à água encanada reflete complementa este efeito,

uma vez que a ausência de investimentos de infraestrutura básica para a população reflete

um descaso governamental perante as iniquidades sociais. Segundo Beato (1999), este

fator expõe a ausência do Estado diante de um contingente populacional, que

provavelmente serão carentes também do sistema judicial e policial. Tal fator contribuirá

novamente proliferação de crimes, uma vez que o fator de repressão, ocasionado pela

presença da polícia, estará fragilizado nestes locais.

5- Conclusões

A segurança pública e a educação são fatores indispensáveis para o

desenvolvimento de um país, e em ambos o Brasil deixa a desejar, conforme os rankings

internacionais.

O presente trabalho, além de enaltecer a importância desses fatores, visa trazer uma

visão diferenciada, explicando a correlação entre os dois, pautando-se principalmente na

influência da educação na tomada de decisão de ingresso no mundo do crime. Para tal, foi

utilizado um modelo de dados em painel com estimadores GMM-SYS para analisar o

comportamento criminal nos municípios de Minas Gerais entre 2006 e 2010.

Os resultados mostraram que a repetência escolar tem papel determinante no

aumento dos índices de criminalidade. Municípios com maior defasagem escolar tendem a

apresentar maior taxa de crimes violentos. Por tais motivos, enxerga-se que as políticas
públicas de educação deverão ser orientadas para diversificar às práticas de ensino e o

ambiente escolar visando tornar a educação mais atrativa, desestimulando a evasão, e

principalmente, o ingresso às atividades criminosas.

Políticas educacionais exitosas no sentido de reduzir a incidência criminal são

pautadas principalmente na formação de capital humano na primeira infância. Os

programas Perry, em Michigan (EUA), Abecedarian, na Carolina do Norte, os Centros de

Pais e Filhos de Chicago e o Projeto de Saúde Infantil das Ilhas Maurício são exemplos de

casos que obtiveram êxito em reduzir a taxa de criminalidade nas regiões onde foram

executadas. O sucesso dos programas deve-se a algumas características que todos

apresentam, sendo estas: treinamento específico para os professores de primeira infância;

baixa razão criança-professor, que permite uma atenção pessoal à criança; estrutura

curricular que fornece uma rotina de ensino estruturada; visitação nas casas dos estudantes

para gerar um maior envolvimento dos pais na educação dos seus filhos.

Diante de todas essas exposições, espera-se enaltecer a importância da educação e

sua importância no sentido de favorecer a acumulação de capital humano, e por sua vez,

aumentar o custo de oportunidade frente ao crime. Por outro lado, a educação influi para

fortalecer os laços sociais e comunitários de cada região, e contribuindo solidamente para a

diminuição da criminalidade, promovendo incrementos de bem-estar para toda a sociedade,

extinguindo a sensação de insegurança que assombra os cidadãos atualmente.


6 - Referências

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Analfabetismo Isolado e Acesso a Programas Sociais: Evidências para o Brasil1

Fernanda Dachi Carrets2


Felipe Garcia Ribeiro3
Gibran da Silva Teixeira4
Resumo

Este trabalho investiga se o analfabetismo isolado em domicílios brasileiros gera uma barreira
ao conhecimento sobre o Cadastro Único do Governo Federal para indivíduos analfabetos.
Desta forma, a proposta do estudo é checar se o fenômeno de analfabetismo isolado é capaz de
reforçar as indesejadas exclusões indevidas de políticas públicas. Com informações sobre o
Cadastro Único e os Programas Sociais do Governo Federal contidas na PNAD 2014, a
aplicação da estratégia empírica do método de Propensity Score Matching combinada ao
algoritmo de Imbens (2015) encontrou evidências de que indivíduos analfabetos isolados têm,
em média, uma menor probabilidade de conhecer o Cadastro Único do que indivíduos
analfabetos não isolados. Os coeficientes encontrados para o Brasil, com e sem distinção de
gênero, foram, em média, de -12,20 a -16,76 pontos percentuais na probabilidade de conhecer
o Cadastro Único. Destacamos que o maior efeito foi encontrado para o gênero feminino. Estes
resultados são robustos ao teste de análise de sensibilidade dos Limites de Rosenbaum.

Palavras-chave: Analfabetismo Isolado, Efeito do Tratamento, Cadastro Único

Abstract

This paper investigates whether the isolated illiteracy situation in Brazilian households
generates a barrier to knowledge about the Cadastro Único for illiterate individuals. Thus, the
purpose of the study is to verify if the phenomenon of isolated illiteracy is capable of reinforcing
the undesired undue exclusion of public policies in Brazil. With information on the Cadastro
Único and the Social Programs of the Federal Government contained in the PNAD 2014, the
empirical strategy of the combined Propensity Score Matching method of the Imbens (2015)
algorithm has found evidence that isolated illiterate individuals are on average less likely to
know the Cadastro Único than non-isolated illiterate individuals. The coefficients found for
Brazil, with and without distinction of genus, were, on average, from -12,20 to -16,76
percentage points. We emphasize that the greatest effect was found for the female gender. These
results are robust to the sensitivity test of the Rosenbaum Limits.

Key words: Isolated Illiteracy, Treatment Effect, Cadastro Único

1
Esta pesquisa contou com o Auxílio Financeiro a Projeto Educacional ou de Pesquisa (Auxpe) 3166 do Pró-
Integração (edital 55/2013) da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) e do Programa
Primeiros Projetos (ARD/PPP 2014) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2
Doutoranda em Economia Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. E-mail: fe.dachi@gmail.com
3
Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Organizações e Mercados da Universidade Federal de
Pelotas. E-mail: felipe.garcia.rs@gmail.com
4
Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal do Rio
Grande. E-mail: tgibran@hotmail.com
1. Introdução

O presente estudo investiga qual a relação do analfabetismo isolado com o acesso à

informação sobre a existência do Cadastro Único do Governo Federal. Em última instância, o

que se está propondo checar neste estudo é se o fenômeno de analfabetismo isolado é capaz de

reforçar as indesejadas exclusões indevidas de políticas públicas via o mecanismo utilizado para

a seleção das pessoas. Este fato se daria em função da menor informação, ou mesmo do acesso

a ela, visto que residir em um domicílio com apenas indivíduos analfabetos pode impor uma

série de restrições ligadas ao acesso de informações e serviços.

O conceito de analfabetismo isolado foi apresentado, pela primeira vez, junto com a

teoria de externalidades da alfabetização por Basu e Foster (1998). Segundo eles, indivíduos

analfabetos se apropriam do acesso às atividades que demandam o uso da escrita e leitura

quando têm proximidade de indivíduos alfabetizados. Em função do conceito proposto pelos

autores surgiram os termos Analfabeto Não Isolado (ANI) e Analfabeto Isolado (AI) 5. O

primeiro refere-se às pessoas analfabetas que residem em um domicílio com pelo menos uma

pessoa alfabetizada, e o segundo representa os analfabetos que residem em um domicílio sem

pessoas alfabetizadas.

De acordo com o 11° Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos de 2013

da UNESCO, realizado para 150 países, ainda havia 774 milhões de adultos analfabetos no mundo.

Entre os anos de 2005 a 2011 o Brasil estava entre os 10 países com a maior população de

adultos analfabetos. Esta informação é corroborada pelos dados da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, visto que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15

anos ou mais de idade foi 8,3%, o que representa aproximadamente 13,2 milhões de pessoas.

5
Os termos analfabetos isolados (AI) e analfabetos não isolados (ANI) são uma livre tradução dos termos
Proximate Literate e Isolated iliterate (BASU e FOSTER ,1998) feita por Ribeiro e Souza (2013).
Já no que tange os dados de analfabetismo isolado para o Brasil, o trabalho de Ribeiro e Souza

(2013) indica, com base nos dados da PNAD 2009, que do número do total de analfabetos em

2009, 21,2% é analfabeto isolado, o que representa um universo de 3.224.969 de pessoas.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) um dos grandes

desafios para as políticas públicas no Brasil é alcançar a população considerada invisível, ou

seja, aquelas pessoas elegíveis que não têm acesso aos serviços públicos e de proteção social.

O Cadastro Único (CadÚnico) é o instrumento utilizado para a identificação e caracterização

socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda pelo Governo Federal, e empregado

para seleção de beneficiários e integração de programas sociais no Brasil. No qual, é

considerado de baixa renda aqueles indivíduos que possuem renda familiar per capita mensal

de até ½ salário mínimo ou que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos 6.

(DIREITO et al, 2016; PAES-SOUSA, 2013).

2. Discussão

Numa literatura mais recente, pesquisadores passaram a admitir que os benefícios da

alfabetização podem exceder os ganhos privados e gerar externalidades positivas para pessoas

analfabetas que residem em domicílios com pelo menos uma pessoa alfabetizada, uma vez que

a presença de uma pessoa capaz de desempenhar atividades de leitura e escrita proporciona que

a alfabetização seja vista como um bem público para os membros analfabetos no domicílio

(BASU; FOSTER, 1998).

Estudo como de Basu, Narayan e Ravallion (2001) avaliou, com base na equação

minceriana, se o salário de um trabalhador analfabeto é afetado pela alfabetização de outros

membros do domicílio em Bangladesh. Foram utilizados dados do Household Income and

Expenditure Survey (HIES) captados entre os anos de 1995 e 1996. Os autores constataram que

6
Definição dada pelo Art. 4o do Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. Sendo a renda familiar mensal: a soma
dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família moradores de um mesmo domicílio.
os rendimentos dos homens analfabetos são em média 15% maiores se eles fazem parte de um

domicílio com pelo menos um dos membros alfabetizados. Para as mulheres, os autores

encontraram que uma trabalhadora analfabeta não isolada ganha cerca do dobro do salário de

uma analfabeta que vive em domicílio onde todos os outros membros também são analfabetos.

Para o Senegal, Sarr (2004) mediu o efeito do compartilhamento da alfabetização, no

ambiente domiciliar, para o retorno salarial no mercado de trabalho. Os resultados foram

obtidos através da equação minceriana com base nos dados da Enquête Sénégalaise Auprès des

Ménages (ESAM) para o ano de 1994. Os autores comprovaram que há efeitos positivos da

externalidade da alfabetização direcionados aos ganhos salariais de analfabetos não isolados.

Segundo eles, os trabalhadores analfabetos, que vivem em uma família com pelo menos uma

pessoa alfabetizada, recebem salários mais altos do que trabalhadores analfabetos que

pertencem a uma família em que todos os membros são analfabetos. E além disso, os resultados

sugerem que as mulheres são melhores destinatárias e geradoras da externalidade da

alfabetização do que os homens.

No campo da saúde infantil, Gibson (2001) utilizou como indicador de saúde a estatura

de crianças de 0 a 5 anos de idade de Papua Nova Guiné, e mediu o impacto da externalidade

da alfabetização para relação altura-idade das crianças decorrente da presença de membros

alfabetizados no domicílio. Segundo os autores, a altura retrata o estado nutricional das

crianças, além de ser um reflexo dos hábitos e cuidados dos adultos para com as crianças. Desta

forma, a alfabetização dos indivíduos adultos no domicílio aumenta a capacidade de informação

sobre cuidados relacionados a saúde das crianças. Empregando o método de mínimos quadrados

ordinários a partir de dados do Papua New Guinea Household Survey (PNGHS) para o ano de

1996, os autores, encontraram resultados que revelam um aumento significativo na altura média
das crianças que tem convívio com adultos alfabetizados em comparação com crianças que não

convivem com pessoas alfabetizadas.

Já Borroah (2009) empregou um modelo probit bivariado para analisar os determinantes

do risco de crianças de zonas rurais na Índia sofrerem de má nutrição infantil utilizando dados

do National Council of Applied Economic Research (NCAER) no ano de 1994. Os resultados,

de maneira geral, reportaram a importância da presença de mulheres alfabetizadas no domicílio

sobre a redução do risco de má nutrição infantil. Nos domicílios em que a mãe era alfabetizada

foram encontrados melhores índices nutricionais entre as crianças do que quando as mães não

eram alfabetizadas. No entanto, quando o membro alfabetizado do domicílio era o pai o efeito

da externalidade da alfabetização não se mostrou significativo.

Ainda na área de saúde, Husain e Dutta (2012) investigaram os efeitos da externalidade

alfabetização entre casais no uso de métodos contraceptivos na Índia. Os autores realizaram as

estimações via modelo logit com base nos dados levantados pelo Demographic Health Survey

(DHS) para os anos de 2005 e 2006. O estudo investigou a hipótese de que a adoção de métodos

contraceptivos entre mulheres analfabetas com parceiros alfabetizados é maior do que com

parceiros analfabetos. Os resultados reportaram a existência do efeito de externalidade da

alfabetização relacionada a questão do planejamento familiar de uma pessoa alfabetizada para

com seu parceiro analfabeto, porém, segundo os autores, o efeito é restrito a alguns grupos

específicos (dado características socioculturais) e varia de acordo com o método contraceptivo

adotado entre o casal.

Para o Brasil, Ribeiro et al. (2016) utilizaram regressões de Poisson para avaliar a

existência de retorno social da alfabetização, as externalidades, dentro dos domicílios, em

relação ao tabagismo de analfabetos. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD) de 2008, os autores encontraram efeitos positivos da alfabetização das


mulheres, ou seja, a alfabetização delas serve como fator de proteção contra o tabagismo de

indivíduos analfabetos, de ambos os sexos, residentes no mesmo domicílio.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), a “população

invisível” é conhecida na literatura como “hard-to-reach” e descreve os subgrupos da

população que são difíceis de atingir e incluir em programas sociais devido à sua localização

ou mesmo devido a situação social e econômica. As populações de difícil acesso são

caracterizadas por serem socialmente invisíveis dado um conjunto de desvantagens, como o

analfabetismo, e originando a criação de grandes barreiras para o acesso aos seus direitos

(FREIMUTH; METTGER, 1990; SHAGHAGH; BHOPAL; SHEIKH, 2011).

Para a redução das indesejadas exclusões indevidas, segundo Kerstenetzky (2009), uma

das estratégias dos programas de renda garantida é o instrumento de focalização. Para a autora

há alguns fatores determinantes na ocorrência de indivíduos elegíveis que não recebem

benefícios do Programa Bolsa Família (PBF), como a falta de acesso a informação, dado que

muitas dessas pessoas têm baixo ou nenhum grau de instrução, muitas vezes, faz com que elas

nem saibam que tem direito ao benefício. O emprego de ferramentas de focalização é visto

como um instrumento capaz de ampliar os impactos sobre a população mais pobre fazendo uma

melhor distribuição dos recursos disponíveis, e assim tornando o programa mais efetivo

(COADY; GROSH; HODDINOTT, 2004).

Tavares et al. (2009), a partir de dados da PNAD de 2004, avaliaram a situação da

focalização do Programa Bolsa Família e qual seu impacto sobre a desigualdade de renda e dos

níveis de pobreza no Brasil. Os autores encontraram uma grande disparidade no grau de

focalização entre os estados, o que gerou heterogeneidade nos impactos gerados pelo programa.

Segundo eles, o sucesso de focalização do programa depende do orçamento disponível e da

eficiência nos processos de seleção dos beneficiários. Outro fator que influencia é a magnitude
da pobreza em cada estado, assim, estados com populações mais pobres tem maior facilidade

em identificar o público-alvo do programa apresentando melhores índices de focalização.

Soares et al. (2010) estudaram a influência do Programa Bolsa Família na redução da

desigualdade e da pobreza no Brasil a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (PNAD) de 1999 até 2009. Para o estudo sobre a desigualdade foi utilizada a

metodologia de decomposição fatorial do coeficiente de GINI a fim de captar qual a

contribuição do programa para a queda na desigualdade. E, segundo os autores, a renda

proveniente do Programa Bolsa Família apresentou um efeito um tanto imprevisível, de acordo

com os resultados, o benefício do Bolsa Família é responsável por 16% da queda global da

desigualdade durante os anos analisados, uma vez que a renda do programa representa menos

que 0,8% da renda total das famílias. Os autores afirmam que o principal motivo da renda

transferida pelo Bolsa Família contribuir de modo tão determinante para a redução da

desigualdade é a focalização nos mais pobres.

Barros et al. (2010) realizaram um estudo de focalização do Programa Bolsa Família

em perspectiva comparada com diversos programas sociais em outros países e no Brasil. Os

autores utilizaram curvas de incidência que indicam a porcentagem de beneficiários que

pertencem a cada centésimo da distribuição de renda, desta forma, sendo um programa bem

focalizado aquele que tem maior parcela de beneficiários nos centésimos mais pobres da

população. Os autores encontraram resultados semelhantes para o desempenho da focalização

do PBF e dos programas Oportunidades do México e do Subsídio Único Familiar (SUF) no

Chile7. Já o Red de Oporturnidad do Panamá apresentou um desempenho melhor que o PBF.

Lembrando que o PTCR panamenho utiliza um mecanismo de seleção baseado no método de

7
Os dados utilizados pelos autores foram: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil (2008), Encuesta
de Hogares, Panamá (2008), Encuesta de Caracterización Socioeconómica Nacional (Casen), Chile (2003) e
Encuesta Nacional de Ingresos y Gastos de los Hogares (ENIGH) México (2004).
prova de meios (proxy means test) que mostra a probabilidade das famílias cadastradas serem

pobres levando em conta variáveis socioeconômicas.

Na comparação do grau de focalização do Programa Bolsa Família (PBF) e de outras

políticas públicas do país8, os autores encontraram resultados que mostram que o PBF estava

em melhor situação de focalização que os outros programas no ano de 20039. Para as curvas de

incidência obtidas, no PBF cerca de 75% dos beneficiários pertencem aos 40% mais pobres, e

para os outros programas, menos de 40% dos beneficiários estavam entre os 40% mais pobres.

Sobre a análise do desempenho do Bolsa Família e de outros programas de transferência

de renda na América Latina, Soares, Ribas e Osório (2010) comprovaram que há erros de

direcionamento nos programas. Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(PNAD) de 2004 para o Brasil e na Encuesta Nacional de Ingresos y Gastos de los Hogares

(ENIGH) de 2004 para o México, o Programa Bolsa Família apresentou um erro de exclusão

menor em relação ao programa Oportunidades do México, enquanto o programa brasileiro

deixava de atingir 59% dos pobres, o mexicano excluía 70% dos pobres. Por outro lado, o erro

de inclusão do programa mexicano foi menor do que o brasileiro. Dos beneficiários do

Oportunidades, 36% faziam parte dos não elegíveis, já para o Bolsa Família esse percentual era

de 49% dos beneficiários. Para os autores, os resultados distintos entre os dois programas são

causados pelos mecanismos de seleção dos mesmos.

3. Metodologia

Os dados utilizados para a estimação são da PNAD do ano de 2014, disponibilizada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A definição do status de alfabetização

8
Os outros programas e políticas públicas utilizados pelos autores foram: abono salarial, Fundo de Garantida de
Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, outras indenizações trabalhistas, auxílio alimentação e transporte,
auxílio natalidade, maternidade e pensões e aposentadorias públicas.
9
Como os autores usaram dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2003, avaliaram a focalização
das políticas que deram origem ao PBF: Renda Mínima, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Bolsa
Escola, Agente Jovem, Auxílio-Gás e Auxílio Energia Elétrica.
dos indivíduos nos domicílios foi construída com base na pergunta “sabe ler e escrever” que

compõem a PNAD. A variável de alfabetização foi desenvolvida a partir do status de

alfabetização dos indivíduos com 10 ou mais anos de idade, quando a resposta era “sim’ o

indivíduo era caracterizado como alfabetizado, e quando a resposta era “não”, o indivíduo era

considerado analfabeto.

Desta forma, atribuiu-se o valor um para os indivíduos alfabetizados com 10 ou mais

anos e zero para os demais indivíduos dentro do domicílio. E assim, através da variável de

alfabetização, foi possível identificar aqueles domicílios em que para todos os moradores a

variável alfabetização é igual a zero e, assim, especificar cada indivíduo desse domicílio como

analfabeto isolado (AI). Para aqueles domicílios em que pelo menos um morador com 10 ou

mais anos de idade foi identificado como alfabetizado, os indivíduos analfabetos foram

classificados como não isolados (ANI).

Quanto as indagações sobre o Cadastro Único, utilizou-se o suplemento da PNAD 2014

de Acesso ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e a Programas de

Inclusão Produtiva que possibilitou a identificação dos indivíduos que conhecem o Cadastro

Único de Programas Sociais do Governo Federal através da pergunta: “Algum morador já ouviu

falar sobre o Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal? ”.

Seja 𝑌1𝑡 o resultado de interesse para o indivíduo i se ele participa do tratamento e 𝑌0𝑡 o

resultado de interesse para o indivíduo i se ele não é submetido ao tratamento. Desta forma,

para obter o impacto da intervenção para o indivíduo i seria necessário apenas estimar a

diferença entre resultados nestes dois estados:

𝜏𝑖 = 𝑌1𝑡 − 𝑌0𝑡 (1)

No entanto, é impossível um indivíduo i apresentar os dois resultados potenciais

simultaneamente, isto é, participar e não participar do tratamento ao mesmo tempo, surgindo o


problema do contrafactual. Assim sendo, para calcular o impacto de alguma intervenção para

os indivíduos que recebem o tratamento, denominado de grupo de tratamento, é preciso criar

um grupo de indivíduos tão parecidos quanto o grupo de tratamento em relação as

características observáveis, divergindo apenas pelo fato de não receber o tratamento,

denominado grupo de controle. Indicado por Rosenbaum e Rubim (1983), a metodologia do

Propensity Score Matching visa agrupar essas características observáveis das unidades em um

único escore que possibilite o pareamento entre tratados e não tratados, lidando assim com o

problema da multidimensionalidade, e construindo um contrafactual para o grupo de

tratamento.

Para realizar a construção deste contrafactual é necessário a estimação de um escore de

propensão, com base em características observáveis. O estimador do escore de propensão é

baseado no modelo de regressão logística e mensura a probabilidade de cada indivíduo receber

o tratamento ou não. A partir da escolha da função ℎ(𝑥) e a estimação do parâmetro

desconhecido 𝛾 por máxima verossimilhança. O estimador de propensity score segue a

equação:

𝑒𝑥𝑝(ℎ(𝑥)′𝛾̂
𝑚𝑙 (𝑊, 𝑋))
ê(𝑥|𝑊, 𝑋) = (2)
1 + 𝑒𝑥𝑝(ℎ(𝑥)′𝛾̂
𝑚𝑙 (𝑊, 𝑋))

A escolha das variáveis que vão formar a função ℎ(𝑥) é realizada por meio do algoritmo

de seleção proposto por Imbens (2015), o qual seleciona uma série de variáveis lineares e

quadráticas, e ainda a interação entre as variáveis lineares, via teste de razão de máxima

verossimilhança. Com X representando a matriz de características observáveis e 𝑊𝑖 o indicador

de tratamento. Sendo assim, se a unidade i receber o tratamento 𝑊𝑖 = 1, caso contrário 𝑊𝑖 =

0. O algoritmo oferece uma maior especificação na composição do escore de propensão por

permitir a inclusão tanto de variáveis lineares como a interação entre elas, e realiza a escolha

das mesmas via teste de razão de máxima verossimilhança e não por arbítrio do pesquisador.
Segundo Rosenbaum e Rubin (1983), com o propensity score já estimado o impacto do

tratamento sobre a variável de interesse é obtido através do cálculo do efeito médio do

tratamento sobre o tratado, representado pela expressão:

𝐴𝑇𝑇 = 𝐸{𝐸[𝑌1𝑖𝐴𝐼 |𝑊 = 1, ê(𝑋)] − 𝐸[𝑌0𝑖𝐴𝑁𝐼 |𝑊 = 0, ê(𝑋)]|𝑊 = 1} (3)

Onde, o primeiro termo da igualdade é estimado com base nos indivíduos analfabetos

isolados e o segundo termo através do resultado médio do grupo de controle de analfabetos não

isolados pareados.

Para que as estimações sejam viáveis, a validade do método depende de duas hipóteses:

(1) independência condicional ou de seleção nas observáveis, a qual assume que condicional ao

vetor de características observáveis o resultado é independente do tratamento. Sendo a seleção

baseada apenas em características observáveis dos indivíduos, admite-se que todas as variáveis

que afetam o tratamento e o resultado são observadas na análise, dada por 𝑌𝑖 ⊥ 𝑊𝑖 |ê(𝑋𝑖 ); (2)

hipótese de suporte comum que implica que para cada valor de x exista observações de tratados

e controle passiveis de comparação, na qual 0 < 𝑒̂ (𝑊𝑖 = 1|𝑋𝑖 ) < 1 .

Segundo Rosenbaum (2002) a hipótese de independência condicional restringe a análise

do PSM, já que infere que todas as características que afetam o tratamento e o resultado são

observadas no modelo. No entanto, a presença de fatores não observados pode interferir nos

resultados. Ainda assim, a estimativa do propensity score não é suficiente para estimar o ATT,

de modo que é uma variável continua e a probabilidade de encontrarmos dois indivíduos com

o mesmo valor de propensity score é praticamente zero (BECKER; ICHINO, 2002). Para lidar

com esse problema vários métodos foram propostos na literatura como o Nearest Neighbor

Matching, Radius Matching, Kernel Matching e Stratification Matching.

Uma restrição do método surge no emprego de amostragens complexas para estimação,

como a PNAD. Recentemente alguns estudos se dedicaram a investigação do uso da


metodologia com amostras complexas, mas ainda não atingiram resultados concretos sobre a

melhor forma de aplicação (JEEMBERE; CHIU, 2016; DUGOFF; SCHULER; STUART,

2014). Como forma de superar os problemas do emprego de amostras complexas, as estimativas

do ATT foram realizadas por meio do método de bootstrap com 50 replicações, com o propósito

de reduzir o viés no cálculo do erro-padrão do parâmetro de interesse, conforme realizado nos

estudos de Almeida, Mesquita e Silva (2016) e Moreira et al (2016).

Para que fosse possível avaliar o impacto do analfabetismo isolado para aqueles

indivíduos que efetivamente são o público-alvo do programa, o critério de renda10 do Cadastro

Único foi respeitado nas estimações. Acredita-se que ao construir uma amostra com indivíduos

que de fato atendem ao critério de renda para participação do Cadastro Único, e que desta forma

seriam potencias beneficiários das políticas públicas que compõem o programa, seria

estruturado um grupo de comparação mais equilibrado em relação as características

observáveis, e mesmo as não observáveis. Porém também foram realizadas estimações para o

nível de renda de até 1 salário mínimo domiciliar per capita como forma de robustez, no

apêndice E, uma vez que ainda há uma parcela de indivíduos que são incluídos nas políticas

públicas mesmo apresentando renda superior ao critério de elegibilidade (BARROS et al.,

2010; SOARES; RIBAS; OSÓRIO, 2010; SOARES et al., 2010; SOUZA et al., 2013).

3.1 Análise de sensibilidade (Limites de Rosenbaum)

A verificação da sensibilidade proposta por Rosenbaum (2002) foi aplicada em Aakvik

(2001), DiPrete e Gangl (2004) e Becker e Caliendo (2007) para analisar se a inferência sobre

os efeitos do tratamento pode ser alterada por fatores não observados. O método identifica dois

indivíduos a partir de suas características observáveis, denominados 𝑖 e 𝑗, dentro de uma

distribuição logística. Para isso, é assumido que a probabilidade participação no tratamento é:

10
O salário mínimo em 2014 era R$ 724,00, logo a renda analisada nesse estudo compreende a faixa de renda
domiciliar per capita de R$ 362,00, ou seja, ½ salário mínimo.
𝜏𝑖 = ê(𝑊 = 1|𝑋𝑖 = 𝑥) = 𝐹(𝛽𝑋𝑖 + 𝛾𝜇𝑖 ) (4)

Onde xi é o vetor que contém as características observadas do indivíduo 𝑖, 𝜇𝑖 é o termo

de erro estocástico, e γ mede o efeito de 𝜇𝑖 sobre a probabilidade do indivíduo ser analfabeto

isolado. Evidentemente, se não houver nenhum viés de variável omitida, 𝜇𝑖 será zero e a

probabilidade de ser tratado será determinada apenas pelo vetor de características observadas

𝑋𝑖 . Assumindo que F(∙) é uma função com distribuição logística, a probabilidade de que o

indivíduo 𝑖 tem de ser tratado pode ser escrito:

𝜏𝑖 (5)
( ) = 𝑒𝑥𝑝(𝛽𝑋𝑖 + 𝛾𝜇𝑖 )
1 − 𝜏𝑖

Logo, se fizermos a comparação de dois indivíduos pareados, 𝑖 e 𝑗, que apresentam as

mesmas características observáveis (𝑋𝑖 =𝑋𝑗 ), a razão de probabilidade de receber o tratamento

pode ser escrita como:

𝜏𝑖
1 − 𝜏𝑖 𝜏𝑖 (1 − 𝜏𝑗 ) 𝑒𝑥𝑝(𝛽𝑋𝑗 + 𝛾𝜇𝑗 )
𝜏𝑗 = 𝜏 (1 − 𝜏 ) = 𝑒𝑥𝑝(𝛽𝑋 + 𝛾𝜇 ) = 𝑒𝑥𝑝𝛾[(𝜇𝑖 − 𝜇𝑗 )] (6)
𝑗 𝑖 𝑖 𝑖
1 − 𝜏𝑗

Se confirmada a presença de viés de seleção, os dois indivíduos com características

observáveis semelhantes têm diferentes chances de serem submetidos ao tratamento, pois o

efeito de 𝜇 é captado por γ que será diferente de zero. Não havendo diferenças relacionadas as

características não observadas, nenhum viés é encontrado (γ=0) e a razão de chances dos

indivíduos pareados receberem o tratamento é 1. Em resumo, a análise de sensibilidade avalia

o quanto que o efeito médio do tratamento é modificado por alterações nos valores de 𝛾 e de

𝜇𝑖 − 𝜇𝑗 . Os limites da razão de probabilidades de participação no tratamento propostos por

Rosenbaum (2002) são expressos pela desigualdade:


1 𝜏𝑖 (1 − 𝜏𝑗 )
≤ ≤Γ (7)
Γ 𝜏𝑗 (1 − 𝜏𝑖 )

A estatística de Mantel-Haenszel é a mais indicada para avaliar a hipótese do viés do

efeito do tratamento, uma vez que a variável de resultado é binária. A estatística testa a hipótese

nula de ausência de efeito do tratamento nas estimações (BECKER; CALIENDO, 2007;

AAKVIK, 2001).

4. Resultados

Os resultados para o modelo logit que calculou a probabilidade de cada indivíduo ser

analfabeto isolado com renda domiciliar per capita de até ½ salário mínimo para o ano de 2014

foram utilizados como base para o pareamento entre os grupos. Cada indivíduo tratado

(analfabeto isolado) foi pareado com um indivíduo do grupo de controle (analfabeto não

isolado) que apresentou igual probabilidade de receber o tratamento. Tornando possível a

comparação de indivíduos que diferem apenas do fato de ser analfabeto isolado ou não, mas

que compartilham de características observáveis muito próximas.

Após a estimação dos resultados do modelo logit é relevante verificar o balanceamento

entre os grupos de tratamento e controle depois de realizado o pareamento. Nesse sentido, no

Apêndice C, exibe os gráficos com a sobreposição do propensity score dos grupos de tratados

e controles após pareamento para todos os métodos de pareamento. Em geral, os dois grupos

analisados apresentaram um comportamento similar em termos de características observáveis

após o pareamento. Feitas as estimativas do propensity score pelo modelo logit e verificado o

balanceamento entre os grupos de tratamento e controle, procedeu-se à estimação do efeito

médio do tratamento sobre os tratados pelos três métodos de pareamento considerados.

Na tabela 1 apresentamos as estimações do ATT para o Brasil. Os coeficientes mostram

que há evidências de que, em média, os indivíduos analfabetos isolados têm probabilidade

menor de acesso a informação da existência do Cadastro Único. Esses resultados foram


estatisticamente significativos e mostram que a diferença entre tratados e controles varia de -

12,71 pontos percentuais com pareamento por raios, a -13,44 pontos percentuais através do

pareamento pelos três vizinhos mais próximos.

Ainda na tabela 1, os coeficientes encontrados para as observações do sexo feminino,

conforme todos os métodos de pareamento, mostram que o efeito do tratamento diminui a

probabilidade de acesso a informação sobre a existência do Cadastro Único. Os resultados

foram estatisticamente significativos e indicam que para as observações do sexo feminino a

diferença entre o acesso a informação do programa de analfabetos isolados e não isolados varia,

em média, de -12,20 pontos percentuais no método de pareamento por raios, a -16,76 pontos

percentuais, no método de pareamento pelos três vizinhos mais próximos.

E por fim, ainda na tabela 1, encontramos resultados que indicam que o acesso a

informação da existência do Cadastro Único é menor para indivíduos analfabetos isolados do

sexo masculino da amostra. Os coeficientes foram significativos e o efeito médio do tratamento

sobre os tratados varia, em média, de -12,21 pontos percentuais para o método dos três vizinhos

mais próximos, a -13,82 pontos percentuais para o método de pareamento por Kernel.

Tabela 1 - Estimativa do efeito de tratamento médio sobre os tratados: probabilidade de conhecer o Cadastro Único
para indivíduos com nível de renda domiciliar per capita até ½ salário mínimo, Brasil 2014
Método de Erro-padrão
AI ANI ATT
pareamento (Bootstrap)
AI
Vizinho mais
0,5154 0,6498 -0,1344** 0,0286887
próximo
Kernel Matching 0,5154 0,6463 -0,1308** 0,0265029
Raius Matching 0,5154 0,6425 -0,1271** 0,0328615
AI (Sexo Feminino)
Vizinho mais
0,5108 0,6784 -0,1676** 0,0565698
próximo
Kernel Matching 0,5108 0,6332 -0,1224** 0,040984
Raius Matching 0,5108 0,6328 -0,1220* 0,0520075
AI (Sexo Masculino)
Vizinho mais
0,5276 0,6497 -0,1221* 0,0539451
próximo
Kernel Matching 0,5276 0,6618 -0,1342** 0,040695
Raius Matching 0,5276 0,6658 -0,1382** 0,0417947
Fonte: Elaboração própria com dados da PNAD 2014. Nota: P-valor obtido pelo erro-padrão estimado por
bootstrap com 50 repetições; **Significativo a 1% e * Significativo a 5%.

A comparação destes resultados com os outros trabalhos presentes na literatura sobre o

tema, apresentados na seção de externalidades da alfabetização, nesse trabalho, fica prejudicada

em razão da estratégia de análise ser diferente, e além do tema de políticas públicas também

não ter sido abordado nessa linha de pesquisa. Neste trabalho, estimamos o efeito da ausência

dessa externalidade no acesso a informação sobre políticas públicas, e no restante dos trabalhos

é verificado a presença dessa externalidade

4.1 Resultados da análise de sensibilidade

A estatística de teste Mantel-Haenszel verifica a hipótese nula de ausência do efeito do

tratamento. O teste determina dois limites que podem ser interpretados da seguinte maneira: a

estatística Q_mh+ representa o limite para o caso de sobrestimação do efeito do tratamento e

Q_mh- aponta o limite para o caso de subestimação do efeito do tratamento. A consistência

dos resultados é feita ao elevar a variação do Γ até o momento em que o nível de significância

(p_mh+ e p_mh-) é afetado.

Conforme podemos observar, no Apêndice D, para todos os valores de Γ foi possível

rejeitar a hipótese nula de sobrestimação dos resultados do ATT, ao nível de significância

estatística de 1%, devido a influência de variáveis omitidas para as estimações com e sem

distinção de gênero. Para valores de Γ referentes a hipótese de subestimação, de modo geral, os

resultados mostram que há apenas alguns momentos de alteração além do intervalo de

significância de 10%. Isso ocorre quando para a estatística Q_mh- de Mantel-Haenszel, tendo

como hipótese nula a subestimação do efeito do tratamento, o fator Γ assume valores entre 1,4

e 1,8 para alguns métodos de pareamento, mas acaba voltando a ter significância. Esta

probabilidade está associada a uma possível subestimação do modelo no que tange ao efeito do

tratamento, mas acreditamos que isso não prejudica a análise uma vez que foram alterações
leves e, ainda assim, na maioria dos valores foi possível rejeitar a hipótese nula. Em geral, para

os demais valores de Γ, os resultados da análise de sensibilidade indicam que as inferências a

respeito do efeito do tratamento são válidas ao não ser observada influência de fatores não

observáveis.

5. Conclusões

A pesquisa avaliou o desafio de direcionar o acesso de programas sociais aos indivíduos

que realmente demandam desses benefícios, com base na focalização de políticas públicas

justificadas pelo grau de exclusão de indivíduos dada a menor informação, ou mesmo a falta de

acesso a ela, visto que residir em um domicílio com apenas indivíduos analfabetos pode impor

uma série de restrições ligadas ao acesso de informações e serviços. Os resultados confirmaram

que a ausência de retorno social domiciliar da alfabetização, dado o fato de não residir com

nenhum indivíduo alfabetizado, é determinante na redução do acesso a informação sobre a

existência do Cadastro Único. Visto que os mesmos seriam potencias beneficiários, por se

encaixarem no critério de renda para elegibilidade no Cadastro Único, os resultados levam a

evidência de que a menor informação, ou mesmo a falta de acesso a ela, que a situação de

analfabetismo isolado pode impor, afeta esses indivíduos criando um obstáculo para o

conhecimento sobre seus direitos e, possivelmente, deixando-os de fora da rede de proteção

social do governo.

Este artigo adiciona mais uma evidência sobre os retornos da alfabetização que

extrapolam os benefícios privados. Como mencionado ao longo do texto, a literatura já

documenta evidências, ou indícios, de que analfabetos que corresidentes com alfabetizados

experimentam melhores indicadores de rendimentos e de saúde (BASU; NARAYAN;

RAVALLION, 2001; SARR, 2004; GIBSON, 2001; BORROAH, 2009; HUSAIN; DUTTA,

2012; RIBEIRO et al. 2016).


Fica, portanto, evidenciada a importância do retorno social da alfabetização para o

acesso a informação, uma vez que a falta de um indivíduo alfabetizado restringe o acesso às

atividades que requerem o uso de leitura e escrita no domicílio. Fica a sugestão para pesquisas

futuras a análise da influência relacionada a posição dos membros nos domicílios para

externalidade social da alfabetização, assim como a verificação do efeito da externalidade em

níveis mais abrangentes de contato dos indivíduos, e não só em âmbito familiar conforme

sugerido por Gibson (2001) e Borroah (2009). Além também, de aumentar as discussões sobre

a implantação de políticas públicas que consigam centrar em questões ligadas a analfabetismo,

e em especial, do analfabetismo isolado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Esquema de construção da variável de analfabetos isolado e analfabetos não isolados,


Brasil 2014.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD 2014.


APÊNCIDE B - Média e desvio-padrão das variáveis para indivíduos analfabetos com e sem distinção
de gênero, Brasil 2014.
AI AI (Sexo Feminino) AI (Sexo Masculino)
Analfabetos Analfabetos Analfabetos Analfabetos Analfabetos Analfabetos
Variável isolados não isolados isolados não isolados isolados não isolados
(Tratado) (Controle) (Tratado) (Controle) (Tratado) (Controle)
Variável de resultado
Cadastro
0,5147 0,6467 0,5063 0,6440 0,5220 0,6492
Único
(0,4999) (0,4779) (0,5003) (0,4788) (0,4998) (0,4772)
(conhecer=1)
Variáveis para construção do propensity score
Características do indivíduo
Idade do 40,1606 16,2416 41,8882 16,1175 38,6674 16,3567
individuo (21,5925) (21,6579) (21,4297) (22,1098) (21,6344) (21,2307)
Dummy para
0,1973 0,2773 0,2263 0,2875 0,1723 0,2678
raça
(0,3981) (0,4476) (0,4187) (0,4526) (0,3779) (0,4428)
(branco=1)
Dummy de
0,4367 0,2053 0,4809 0,1669 0,3985 0,2408
casado
(0,4961) (0,4039) (0,4999) (0,3729) (0,4898) (0,4276)
(casado=1)
Atributos do domicílio
Número de 1,4847 2,0939 1,4728 2,0975 1,4950 2,0905
quartos (0,6508) (0,8131) (0,63119) (0,8097) (0,6675) (0,8164)
Dummy para
possuir 0,7836 0,9017 0,8161 0,9084 0,7555 0,8956
banheiro (0,4119) (0,2975) (0,3876) (0,2884) (0,4300) (0,3057)
(banheiro=1)
Número de
pessoas 2,9140 4,9508 2,9066 4,9417 2,9205 4,9591
maiores (1,6730) (1,9618) (1,5734) (1,957) (1,7555) (1,9657)
de 9 anos
Número de
pessoas 0,8701 1,7005 0,8981 1,7137 0,84596 1,6882
menores (1,2523) (1,2167) (1,2474) (1,2094) (1,2568) (1,2233)
de 9 anos
Acesso à infraestrutura básica e localização do domicílio
Dummy para
0,5383 0,6881 0,5940 0,7098 0,4902 0,6679
zona
(0,4986) (0,4632) (0,4914) (0,4538) (0,5002) (0,4709)
(urbana=1)
Dummy para 0,1986
0,3241 0,2418 0,3400 0,1613 0,3093
possuir esgoto (0,3991)
(0,4680) (0,4285) (0,4737) (0,36809) (0,4622)
(esgoto=1)
Observações 1510 21461 700 10322 810 11139
Fonte: Elaboração própria com dados da PNAD 2014. Nota: P-valor obtido pelo erro-padrão estimado por
bootstrap com 50 repetições; **Significativo a 1% e * Significativo a 5%.
APÊNDICE C - Verificação da hipótese de sobreposição para a amostra, com e sem distinção de gênero, e por métodos de pareamento, Brasil 2014.
Pareamento pelos três vizinhos mais próximos
AI AI (Sexo Feminino) AI (Sexo Masculino)

2.5
3
3

2
Kdensity _pscore

Kdensity _pscore
2

1.5
Kdensity _pscore

1
1
1

.5
0

0
0

0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1
0 .2 .4 .6 .8 1 Propensity score Propensity score
Propensity score Treated Untreated Treated Untreated
Treated Untreated

Pareamento por Kernel


AI AI (Sexo Feminino) AI(Sexo Masculino)

3
3

3
Kdensity _pscore

Kdensity _pscore

Kdensity _pscore

2
2

1
1

1
0

0
0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1
Propensity score Propensity score Propensity score

Treated Untreated Treated Untreated Treated Untreated

Pareamento por Raio


AI AI (Sexo Feminino) AI(Sexo Masculino)
4
4

3
3
3

Kdensity _pscore
Kdensity _pscore

Kdensity _pscore

2
2
2

1
1

1
0

0
0

0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1
Propensity score Propensity score Propensity score

Treated Untreated Treated Untreated Treated Untreated


APÊNDICE D - Análise de sensibilidade dos Limites de Rosenbaum para indivíduos analfabetos com e sem distinção de gênero, Brasil 2014
Vizinho mais próximo Kernel Matching Radius matching
AI
Γ Q_mh+ Q_mh- p_mh+ p_mh- Q_mh+ Q_mh- p_mh+ p_mh- Q_mh+ Q_mh- p_mh+ p_mh-
1 4,76162 4,76162 9,6e-07 9,6e-07 9,28512 9,28512 0 0 9,28512 9,28512 0 0
1.2 6,70787 2,82984 9,9e-12 0,002329 12,5211 6,11585 0 4,8e-10 12,5211 6,11585 0 4,8e-10
1.4 8,36518 1,20145 0 0,114789 15,3268 3,47062 0 0,00026 15,3268 3,47062 0 0,00026
1.6 9,81253 0,112276 0 0,455302 17,8217 1,19371 0 0,116296 17,8217 1,19371 0 0,116296
1.8 11,0997 1,35434 0 0,087814 20,0812 0,751958 0 0,226038 20,0812 0,751958 0 0,226038
2 12,2605 2,46671 0 0,006818 22,1557 2,54673 0 0,005437 22,1557 2,54673 0 0,005437
AI (Sexo Feminino)
1 3,94012 3,94012 0,000041 0,000041 6,79187 6,79187 5,5e-12 5,5e-12 6,79187 6,79187 5,5e-12 5,5e-12
1.2 5,31366 2,58097 5,4e-08 0,004926 9,13355 4,49862 0 3,4e-06 9,13355 4,49862 0 3,4e-06
1.4 6,48397 1,43583 4,5e-11 0,075526 11,1634 2,58445 0 0,004877 11,1634 2,58445 0 0,004877
1.6 7,50728 0,446266 3,0e-14 0,327703 12,9683 0,93692 0 0,1744 12,9683 0,93692 0 0,1744
1.8 8,41834 0,29044 0 0,38574 14,6025 0,432036 0 0,332858 14,6025 0,432036 0 0,332858
2 9,24081 1,07011 0 0,142286 16,1028 1,73029 0 0,041789 16,1028 1,73029 0 0,041789
AI (Sexo Masculino)
1 2,71533 2,71533 0,00331 0,00331 6,23209 6,23209 2,3e-10 2,3e-10 6,23209 6,23209 2,3e-10 2,3e-10
1.2 4,11023 1,33016 0,00002 0,091734 8,57019 3,93893 0 0,000041 8,57019 3,93893 0 0,000041
1.4 5,29653 0,160811 5,9e-08 0,436121 10,5945 2,02212 0 0,021582 10,5945 2,02212 0 0,021582
1.6 6,33176 0,719167 1,2e-10 0,236019 12,3926 0,37018 0 0,355624 12,3926 0,37018 0 0,355624
1.8 7,25185 1,61245 2,1e-13 0,053432 14,0194 1,00478 0 0,157502 14,0194 1,00478 0 0,157502
2 8,08121 2,41316 3,3e-16 0,007907 15,5118 2,30949 0 0,010458 15,5118 2,30949 0 0,010458
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD 2014. Nota: Q_mh+= estatística de Mantel-Haenszel tendo como hipótese nula a sobrestimação
do efeito do tratamento; Q_mh-= estatística de Mantel-Haenszel tendo como hipótese nula a subestimação do efeito do tratamento; 𝑝+ = probabilidade
de não rejeição da hipótese de sobrestimação; 𝑝- = probabilidade de não rejeição da hipótese de subestimação.
APÊNDICE E - Estimativa do efeito de tratamento médio sobre os tratados: probabilidade de conhecer o
Cadastro Único para indivíduos com nível de renda domiciliar per capita até 1 salário mínimo, Brasil 2014.
Método de Erro-padrão
AI ANI ATT
pareamento (Bootstrap)
AI
Vizinho mais
0,4814 0,5720 -0,0906** 0,0297158
próximo
Kernel
0,4814 0,5735 -0,0920 ** 0,020592
Matching
Raius
0,4814 0,5700 -0,0886 ** 0,0222686
Matching
AI (Sexo Feminino)
Vizinho mais
0,4700 0,5696 -0,0995 * 0,0391929
próximo
Kernel
0,4700 0,5740 -0,1039** 0,030349
Matching
Raius
0,4700 0,5780 -0,1080** 0,0334389
Matching
AI (Sexo Masculino)
Vizinho mais
0,4878 0,4995 -0,0116 0,0400019
próximo
Kernel
0,4878 0,5675 -0,0797* 0,0330575
Matching
Raius
0,4878 0,5563 -0,0684 0,0340711
Matching
Fonte: Elaboração própria com dados da PNAD 2014. Nota: P-valor obtido pelo erro-padrão estimado por bootstrap
com 50 repetições; **Significativo a 1% e * Significativo a 5%.
ANÁLISE DOS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POBREZA

MULTIMENSIONAL NO BAIXO AMAZONAS NOS ANOS DE 2000 E 2010

Augusto Weslley de Araújo1

Ingrid Lorrane Miranda de Sousa 2

Abner Vilhena de Carvalho 3

Rhayza Alves Figueiredo de Carvalho4

RESUMO

Este estudo tem como objetivo identificar as diferenças entre os indicadores de

desenvolvimento humano e pobreza multidimensional a partir de um ranking para os

municípios do Baixo Amazonas e analisar a evolução do IPM estimado em comparação ao

IDHM desenvolvido pelo Atlas do Desenvolvimento Humano nos anos 2000-2010. Os

resultados demonstraram que os indicadores IDHM e IPM podem ser considerados como

complementares para a Mesorregião do Baixo Amazonas e o destaque no ranking de

pobreza e de desenvolvimento humano foi o município de Santarém.

PALAVRAS-CHAVE: Pobreza Multidimensional, IDHM, IPM.

ABSTRACT

This study aims to identify the differences between the indicators of human development

and multidimensional poverty from a ranking for the municipalities of the Lower Amazon

and to analyze the evolution of the estimated IPM in comparison to the IDHM developed

1
Bacharelando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Email:
augustooficial018@gmail.com
2
Bacharelanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Email:
ingridlorrane12@hotmail.com
3
Professor Mestre do Programa de Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional. Universidade Federal
do Oeste do Pará (UFOPA). Email: abnervilhena@hotmail.com
4
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências da Sociedade (PPGCS) da Universidade Federal do
Oeste do Pará (UFOPA). E-mail: rhayza. carvalho@gmail.com
by the Atlas of Human Development in the years 2000-2010 . The results showed that the

IDHM and IPM indicators can be considered as complementary to the Lower Amazon

Meso-region and the highlight in the ranking of poverty and development was the

municipality of Santarém.

KEY-WORDS: Multidimensional Poverty, IDHM, IPM

1. INTRODUÇÃO

A pobreza é uma temática que vem recebendo destaque na ciência econômica,

principalmente, por ter uma relação inversa com o desenvolvimento socioeconômico. Cabe

ressaltar que a pobreza possui múltiplas definições, contudo todas abrangem algum

elemento subjetivo e discricionário, os quais precisam de métodos e indicadores de

mensuração diferenciados e, por conseguinte, resultam na identificação de diferentes

indivíduos como pobres (SILVA, SOUSA & ARAÚJO 2017).

A abordagem da pobreza não trata apenas do que um indivíduo pode adquirir com

uma unidade de renda, de forma a delimitar um ponto divisor que o classifique como pobre

ou não-pobre, mas também por interpretações que a entendam de forma relativa e

multidimensional, devido as suas múltiplas faces da pobreza, e as suas diversas formas de

manifestação, seja pela abordagem da incapacidade de renda, ou pela privação das

capacidades (SILVA, 2016).

Tendo em vista as várias interpretações da pobreza, tem-se a abordagem

unidimensional, que é caracterizada por recorrer a medidas que consideram apenas

indicadores monetários, como renda e consumo, e, a abordagem da pobreza

multidimensional que admite a existência de diversas características que abarcam outras

dimensões que possuem propriedades que podem sintetizar a pobreza de determinado

indivíduo/município, como: educação, saúde e condições de vida, entre outras, que são
aspectos relevantes e determinantes do bem-estar e que não podem ser adquiridos pela

ótica da renda. (LOPES, 2015).

Nesse contexto, busca-se a partir das análises do indicador de desenvolvimento

humano municipal (IDHM) e do indicador de pobreza multidimensional (IPM), investigar

e identificar as diferenças entre os indicadores multidimensionais a partir de um ranking de

pobreza para os municípios do baixo amazonas e analisar o IPM como complementar ao

IDHM do Atlas do Desenvolvimento Humano nos anos de 2000 e 2010.

2. ABORDAGENS TEÓRICAS E MEDIDAS DE POBREZA: DA

UNIDIMENSIONAL À MULTIDIMENSIONAL

A noção de pobreza surge, geralmente, associada com algum tipo de privação, a

qual incorpora tanto elementos de ordem material quanto cultural e social, dependendo dos

recursos que a família ou o indivíduo dispõe. Nesse sentido, a pobreza é um fenômeno

social complexo, alusivo as privações em termos de necessidades materiais, de bem-estar e

à negação de oportunidades de se levar uma vida dentro de padrões aceitáveis socialmente

(CODES, 2008).

Dessa forma, quando se analisa o termo pobreza é essencial elucidar os

fundamentos conceituais que estão sendo utilizados. Assim, é imprescindível evidenciar se

o estudo se refere à pobreza na perspectiva absoluta ou relativa e, se é mensurada de forma

unidimensional ou multidimensional (BAGOLIN, ÁVILA & COMIM, 2012).

Nessa perspectiva, a percepção da pobreza como um conceito absoluto institui

padrões mínimos de necessidades ou de subsistência, os quais englobam aspectos

relacionados à alimentação, moradia, educação, saúde, vestuário, entre outros, que são

avaliados a preços de mercado e a renda necessária para custeá-lo é calculada, sendo assim,
caso possua condições inferiores a esses padrões o indivíduo é considerado pobre

(ROMÃO, 1993).

A pobreza absoluta está relacionada ao não-atendimento das necessidades básicas

das pessoas. Cabe ressaltar que para o atendimento dessas necessidades é estabelecido um

valor monetário, sendo que quando se trata especificamente das necessidades nutricionais

esse valor passa a ser denominado de linha de indigência ou pobreza extrema e quando

abrange outras necessidades chama-se linha de pobreza (ROCHA, 2006).

Ainda segundo Rocha (2006), as linhas de pobreza e indigência são os critérios

usados para especificar a população em dois subgrupos, conforme a sua renda. Dessa

forma um indivíduo pode ser considerado pobre ou não-pobre sempre que se utilizar a

linha de pobreza, assim é visto como pobre se a renda for abaixo do necessário para

satisfazer um conjunto de necessidades, e, será avaliado como indigente ou não-indigente

quando se utilizar a linha de indigência sendo que caso não seja atendida inclusive as suas

necessidades nutricionais este indivíduo passa a ser considerado indigente.

Por outro lado, a pobreza no aspecto relativo evidencia uma comparação situacional

dos indivíduos com seus semelhantes em relação à posição que ocupa na sociedade, desse

modo, a percepção de pobreza relativa é similar a definição de desigualdade na distribuição

de renda. Portanto, essa concepção de pobreza é explicada em relação ao padrão de vida

vigente em determinada sociedade, de tal modo que os pobres são os que estão situados na

camada inferior da distribuição de renda em comparação com os membros melhor

aquinhoados da sociedade nessa distribuição (ROMÃO, 1993).

Nesse contexto, as definições de pobreza absoluta e pobreza relativa não possuem

um limite preciso, por conseguinte, as linhas de indigência e de pobreza estão vinculadas a

ambas as definições. Todavia, como a perspectiva de pobreza relativa muda de acordo com

a sociedade, em países ricos, por exemplo, o conceito de pobreza se distancia do


atendimento das necessidades de subsistência dos indivíduos, inclusive as nutricionais,

com isso dependendo da sociedade a linha de indigência não tem grande importância

enquanto que a linha de pobreza está estreitamente relacionada à desigualdade de renda

existente nessa sociedade (ROCHA, 2000).

Diversos estudos explicavam a pobreza como resultante apenas da má distribuição

de renda, que ocasionava no baixo nível de renda de grande parte da população mundial e,

consequentemente, na existência de privações materiais. Dessa forma, a dimensão

monetária era o principal critério de identificação da pobreza, e, portanto, esta era vista

como um fenômeno unidimensional. Entretanto, especialmente a partir dos estudos de

Amartya Sen a pobreza passou a ter um caráter multidimensional e, por conseguinte,

tornou-se necessário a construção de indicadores que contemplassem as diversas formas de

privações (COSTA & COSTA, 2016).

O estudo da pobreza multidimensional destaca a importância de duas abordagens,

tais como: a das necessidades básicas e a das capacitações. A primeira abordagem afirma

que as necessidades básicas não estão restritas a alimentação, assim, inclui necessidades

humanas como habitação, educação, saneamento. Portanto, essa abordagem abrange outros

aspectos da vida cotidiana dos indivíduos, haja vista que estes não apenas se alimentam,

mas se relacionam e trabalham, tendo, deste modo, uma vida social (ROCHA, 2000).

Enquanto que a abordagem das capacitações avalia o bem-estar dos indivíduos

conforme a liberdade que estes possuem de ser e/ou fazer aquilo que decidem baseadas no

princípio de justiça. Além disso, essa abordagem está associada à definição de

desenvolvimento humano, uma vez que a pobreza representa a privação de oportunidades

para realizar alguns níveis minimamente admissíveis de funcionamentos (SEN, 2010).

Os funcionamentos relevantes podem variar dos físicos, como estar bem

alimentado, estar devidamente vestido e abrigado, às realizações sociais mais complexas,


como envolver-se em uma comunidade (COMIM et al., 2006). Portanto, a abordagem das

capacitações analisa condições importantes, a saber: diversidades culturais e ambientais,

heterogeneidades pessoais, diferentes perspectivas relativas e distribuições intrafamiliar

(SEN, 2010).

2.1 A POBREZA MULTIDIMENSIONAL E OS ÍNDICES SINTÉTICOS:

REVISÃO DA LITERATURA

No trabalho de Lopes (2015) cujo objetivo era analisar a pobreza multidimensional

na Região Norte do Brasil nos anos de 2000 e 2010, a partir da construção de um índice

multidimensional de pobreza denominado “Índice de Pobreza Humana Municipal da

Região Norte” (IPHM-RN), seguindo o critério de que esta região é uma das mais

“atrasadas” em termos de desenvolvimento econômico do país. Na construção da

metodologia aplicada, o índice de pobreza deste trabalho continua com as dimensões de

privações do IPH: Sobrevivência, Educação e Padrão de Vida e os resultados

demonstraram que a pobreza humana no Norte reduziu em todos os Estados, sendo que

Roraima obteve o maior índice de pobreza da região norte em 2010, e o Pará ficou com a

7º posição. Quando se especifica a redução da pobreza em termos de variação no tempo, o

Tocantins é o 1º na redução e o Pará ficou na 4ª posição do Ranking de Pobreza.

No estudo de Silva, Sousa e Araújo (2017) tendo como finalidade identificar novas

perspectivas para a compreensão da pobreza multidimensional na região Norte, utilizando

a metodologia construída por Bourguignon e Chakravarty (2003), a qual apresenta uma

forma alternativa de medir a multidimensionalidade da pobreza com base em seis

dimensões, como alimentos e água; comunicação e informação; educação; condições da

moradia; saúde; e, trabalho e demografia. Os resultados evidenciaram uma redução da

proporção de pobres multidimensionais da população nortista, de 30,71% em 2006, para

25,79% em 2013. Concluíram que, para reduzir a pobreza multidimensional, a gestão


pública deve adotar políticas públicas direcionadas especificamente para as dimensões que

mais impactam a pobreza na região, a saber: educação, trabalho e demografia,

comunicação e informação, e saúde, para que haja melhor distribuição desses recursos

entre os estados da região, na busca de uma melhor condição de vida e inserção social,

diminuindo dessa forma as disparidades regionais.

O artigo de Silva (2016) tendo como escopo propor e fazer uma análise de um

índice de pobreza multidimensional para os Estados brasileiros. Neste sentido, utiliza como

metodologia a construção de um índice de pobreza Multidimensional que possui três

dimensões: bem-estar, condições de moradia e capacidade econômica. O autor constatou

que o indicador apontou a existência de propriedades desejáveis. Como resultado a

dimensão bem-estar obteve melhores resultados para todas as regiões, enquanto a

capacidade econômica dispôs resultados negativos para todas as regiões. As grandes

regiões Norte e Nordeste apresentaram maiores índices para todas as dimensões indicando

um maior nível de pobreza multidimensional.

A abordagem de Diniz e Diniz (2009) apresentou um indicador/síntese da pobreza

multidimensional, com o objetivo de reduzir o grau de arbitrariedade na escolha das

dimensões. Foram utilizadas sete dimensões de acordo com os Objetivos do

Desenvolvimento do Milênio que vão desde redução da pobreza de renda até promoção da

desigualdade entre os gêneros. A metodologia permitiu construir um indicador de pobreza

multidimensional que pode ser utilizado para acompanhar esses objetivos do milênio, bem

como fazer um acompanhamento anual. Os Estados que apresentaram maiores índices de

Pobreza Multidimensional são aqueles localizados nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Rodrigues, Santos e Fernandes (2015) analisaram comparativamente os

indicadores: linha de pobreza, IDHM e IPM para verificar quais dimensões têm

contribuído de forma mais expressiva para a variação em cada um dos índices na Região
Metropolitana de Belém (RMB), utilizando as bases de dados do Atlas do

Desenvolvimento Humano do PNUD e os microdados amostrais dos censos de 2000 e

2010 do IBGE. Os resultados indicaram diferenças significativas entre todos os indicadores

quando se trata de definir uma proporção de pobres e um ranking de pobreza para os

municípios da RMB. Nesse contexto, concluiu-se que existem dificuldades de estabelecer

uma única medida sintética que possa de maneira isolada, representar os anseios que

permeiam o debate teórico atual sobre pobreza multidimensional.

Hoffmann e Kageyama (2006) analisaram a pobreza no Brasil no período de 1992-

2004 a partir da utilização da perspectiva multidimensional na mensuração. Dessa forma,

para mensurar a pobreza, os autores combinaram a medida tradicional de pobreza

fundamentada na renda com aspectos do bem-estar ou desenvolvimento, além disso, a

identificação dos pobres foi baseada na linha de pobreza monetária. Os resultados

evidenciaram que a pobreza mensurada pela insuficiência de renda representa 90% da

pobreza total, elucidou que ocorreu uma diminuição da pobreza mais severa, e que houve

uma piora na distribuição regional da pobreza.

Neste sentido, com base na revisão de literatura, percebeu-se que vários trabalhos

discutem os altos níveis de pobreza multidimensional na região Norte, contribuindo para o

a elaboração deste estudo, o qual busca discutir a pobreza com enfoque multidimensional

para a região do Baixo Amazonas, de modo a investigar as dimensões/indicadores que

possuem um maior impacto e desencadeiam a pobreza na região.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO

3.1 ÁREA DE PESQUISA: BREVE HISTÓRICO E DESCRIÇÃO

A história do território do Baixo Amazonas Paraense é semelhante à história da

Amazônia como um todo, tendo em vista que as cidades se desenvolveram as margens do


Rio Tapajós, sobretudo após a expulsão dos jesuítas. No período da colonização, sua

economia estava exclusivamente associada ao extrativismo, a princípio com as drogas do

sertão e a pesca, e, posteriormente com a extração da borracha no final do século XIX

(BRASIL, 2012).

Nesse contexto, este território passou por um processo de desenvolvimento a partir

da década de 1960 devido à intervenção dos governos militares, onde foram realizados

grandes projetos agrominerais e agropastoris e iniciou a construção das rodovias Cuiabá-

Santarém e a Transamazônica. Esses projetos desencadeados pelas políticas

desenvolvimentistas resultaram na modificação dos padrões culturais, socioeconômicos e

ambientais da região (BRASIL, 2012).

De acordo com a FAPESPA, o território do Baixo Amazonas é composto por treze5

municípios, tais como: Alenquer, Almeirim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Mojuí dos

Campos, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Prainha, Santarém e Terra Santa, como mostra

a figura 1 abaixo.

Figura 1: Municípios do Baixo Amazonas

Fonte: SDT/MDA

5
O município de Mojuí dos campos foi integrado à região do Baixo Amazonas no ano de 2012, e por isto não
foi incorporado nas análises do estudo.
Em 2014 a área aproximada da mesorregião do Baixo Amazonas era em torno de

315,86 mil km², o que corresponde a 25% da área total do Estado do Pará, e sua população

equivalia a 770.275 habitantes. As atividades econômicas que possuem destaque na região

são as que se relacionam com a mineração, o agronegócio, a agricultura familiar e o

turismo, sendo que este último tem como base principal o turismo ecológico, uma vez que

a mesorregião possui muitos atrativos naturais, como praias e belas paisagens (BRASIL,

2012).

3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia deste trabalho visa permitir uma análise comparativa dos resultados

do IDHM e do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) para os municípios da

Mesorregião do Baixo Amazonas (MBA). Para isso, utilizaram-se os dados do Atlas do

Desenvolvimento Humano nos anos de 2000 e 2010, sendo utilizado como proxies para

construção do IPM as variáveis: educação, saúde e condições de vida.

A partir do IDHM caracterizou o ranking da MBA verificando a variação das

dimensões que possuem uma maior significância em termos de desenvolvimento

municipal. Em seguida, há uma comparação entre os índices de pobreza multidimensional

com o IDHM.

Nesse contexto, o IPM6 é um indicador que mede a dimensão da pobreza, tendo por

base o grau de privações que os indivíduos sofrem simultaneamente. Deste modo, se os

indivíduos apresentam algumas das privações consideradas básicas, pode-se fazer a

classificação destes a partir do nível de privação, sendo classificados como: pobreza


6
IPM de Alkire e Santos (2010) é composto por dez indicadores, neste trabalho o IPM contém sete
indicadores. As modificações foram realizadas: na variável educação ao invés de utilizar “nenhum membro
do domicílio tem cinco anos de educação completos”, usou-se “ensino fundamental incompleto (+ 18 anos)”.
Na dimensão saúde, no lugar de “pelo menos uma criança falecida”, utiliza-se o indicador “total de filhos
nascidos mortos (natimorto)” e por ausência na base de dados do censo do IBGE do indicador “pelo menos
um membro da família está bem nutrido”, adotou-se como uma proxy de saúde a variável “água potável”. Na
dimensão condições de vida, removeram-se os indicadores “residência com piso de terra” e “uso de
combustíveis contaminantes para cozinhar” e acrescentou-se: a variável “destino do lixo”.
multidimensional; vulneráveis a pobreza (condição de risco) e pobreza

multidimensionalmente extrema (linha de indigência), a partir dos considerados pobres, o

que permite avaliar a intensidade da pobreza por dentro do indicador.

O IPM é integrado por três dimensões: Saúde, Educação e Condições de Vida.

Sendo estas variáveis recodificadas de forma que pudessem se tornar binárias (0,1) para

uma melhor compreensão da situação de privação dos indicadores, ou seja, se o indivíduo

está privado ou não em determinado tipo de dimensão. Definiu-se assim o valor 1 para

situação de privação e 0 para não privação. Neste sentido foi atribuída para cada pessoa a

contagem de carências que sofre em cada um dos indicadores. Sendo que a contagem

máxima de carências é de 100%.

Desta maneira, com o mesmo peso para cada uma das dimensões (1/3), a contagem

máxima em cada dimensão passa a ser de 33,33%. Cada indicador é ponderado dividindo a

ponderação (1/3) pelo número de indicadores. Por exemplo, as dimensões saúde e

educação contêm dois indicadores. Dessa forma cada indicador tem um valor de

(1/3)/2*100 (16,7%).

Para identificar os indivíduos que possam ser considerados multidimensionalmente

pobres, deve-se fazer o somatório das carências de cada um para obter posteriormente a

carência total correspondente ao valor C. Com o intuito de diferenciar pobres e não pobres

aceita-se como ponto determinante da pobreza (K)7 o valor de 33.33%, equivalente à

terceira parte dos indicadores ponderados. Neste sentido, temos que o valor mínimo ou de

corte para a identificação dos indivíduos pobres é de que haja privação em, pelo menos,

um dos segmentos, ou seja, 33,33% dos indicadores. Segundo os seguintes critérios de

classificação:

7
A variável k é o ponto de corte da pobreza e reflete a soma de indicadores ponderados no qual o indivíduo
deve ser privado para ser considerado multidimensionalmente pobre.
1) Se C for > 20% e < 33,3% os indivíduos são considerados pobres multidimensionais;

2) Se C for > 33,3% os indivíduos são considerados vulneráveis á pobreza

multidimensional;

3) Se C > 50% os indivíduos não sofrem de pobreza multidimensional. Nesse contexto,

conforme a contagem de carências dos indivíduos, estes estão sendo classificados quanto a

sua condição de pobreza multidimensional. O valor do IPM reflete a média das contagens

de carência C (superiores a 33,3%) da população. A tabela abaixo sintetiza os índices e

subíndices que compõem o IPM.

Tabela 1 - Dimensões, indicadores e ponderações do IPM

IPM
INDICADOR PONDERAÇÕES
Educação
Ensino Fundamental Incompleto (1/3)/2=16,7
Crianças em idade escolar que não frequentam a escola (6 a 14 anos) (1/3)/2=16,7

Saúde
Água Potável (1/3)/2=16,7
Total de filhos nascidos mortos (natimortos) (1/3)/2=16,7
Condições de Vida
Eletricidade (1/3)/4=11,11
Esgotamento Sanitário (1/3)/4=11,11
Destino do Lixo (1/3)/4=11,11
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 ANÁLISE COMPARATIVA DOS INDICADORES DE POBREZA PARA A MBA:

IDHM e IPM .

O IDHM da mesorregião do baixo Amazonas é classificado como muito baixo,

devido, principalmente, ao baixo índice de educação da mesorregião, os municípios que

possuem um maior IDHM são: Santarém, Almeirim e Oriximiná com 0.555, 0.526 e 0.517

respectivamente. Os que possuem um desenvolvimento muito baixo são os municípios de

Prainha, Curuá e Juruti com os índices de 0.361, 0.383 e 0.389 nessa devida ordem. Em
média quando integramos os municípios a uma região temos que o índice de

desenvolvimento total no ano de 2000 é de 0.45 e houve uma variação de 32.84% passando

para 0.60 em 2010.

O IDHML (Longevidade) da mesorregião pode ser considerado de alto

desenvolvimento, pois apresentou no ano de 2000 o valor de 0.71 e no ano de 2010,

elevou-se para 0.77 tendo uma taxa de variação de 9.59 %. O IDHME (Educação), obteve

um valor de 0.26 em 2000 e 0.49 em 2010, tendo uma variação de cerca de

aproximadamente 0.90 %. O IDHMR (Renda) alcançou um valor de 0.50 em 2000 e de

0,56 em 2010, variando 12.12% no período entre os dois censos demográficos.

Tabela 2 - IDHM e seus subíndices em 2000 e 2010 para os municípios da


mesorregião do Baixo Amazonas.
2000 2010
IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM IDHM
Municípios Renda Longevidade Educação Renda Longevidade Educação
Alenquer 0,433 0,486 0,707 0,236 0,564 0,529 0,779 0,436
Almeirim 0,526 0,66 0,733 0,3 0,642 0,659 0,809 0,497
Belterra 0,396 0,438 0,673 0,21 0,588 0,548 0,775 0,478
Curuá 0,383 0,439 0,716 0,179 0,578 0,501 0,78 0,495
Faro 0,431 0,448 0,661 0,27 0,563 0,501 0,756 0,47
Juruti 0,389 0,419 0,655 0,215 0,592 0,547 0,756 0,501
Monte Alegre 0,467 0,502 0,744 0,273 0,589 0,541 0,764 0,495
Óbidos 0,452 0,484 0,711 0,269 0,594 0,556 0,756 0,499
Oriximiná 0,517 0,562 0,733 0,335 0,623 0,599 0,778 0,52
Prainha 0,361 0,437 0,673 0,16 0,523 0,512 0,779 0,359
Santarém 0,555 0,571 0,755 0,397 0,691 0,632 0,807 0,648
Terra Santa 0,474 0,512 0,709 0,293 0,605 0,555 0,743 0,536
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano

Conforme a tabela 2, em 2000, os subíndices que mais contribuíram para o IDHM

de Santarém foram longevidade com o índice de 0.755, seguida por renda 0.571 e

educação 0.397. Em Almerim e em Oriximiná a principal contribuição também foi dada

pela longevidade ambos com 0.733.


Em 2010, verificou-se que o índice de desenvolvimento humano melhorou em

todos os municípios da MBA. O município de Santarém que estava com 0.555 aumentou

para 0.691 obtendo uma variação de 24,5% e praticamente passou para a categoria de alto

desenvolvimento, e o município de Prainha que apresentava o pior IDHM, 0.361 sofreu

uma variação de 44,88% passando para 0.523 se enquadrando na categoria de baixo

desenvolvimento.

Constata-se que em 2000, Santarém apresentava valores de alto desenvolvimento

para o subíndice de longevidade, 0.775, e baixo desenvolvimento para a renda, 0.571,

contudo, para educação o nível era de desenvolvimento muito baixo, 0.397. No entanto,

em 2010, a educação variou 63,22%, elevando-se, assim, para 0.648, integrando o médio

desenvolvimento. Em Almeirim no ano de 2000 apenas o subíndice longevidade

apresentou maior valor de IDHM e possui alto desenvolvimento, 0.733, passando para

0.809 em 2010. Entretanto, o subíndice educação, que estava com 0.3 em 2000 e 0.497 em

2010 permaneceu na categoria de desenvolvimento muito baixo.

Tabela 3 - Relação Comparativa entre IDHM e IPM


Taxa Taxa de
MUNICÍPIO IDHM IPM MUNICÍPIO IDHM IPM de Var. Var. (%)
2000 2000 2010 2010 (%) do do IDHM
IPM
Alenquer 0,433 33,77 Alenquer 0,564 51,71 53,14 30,25
Almeirim 0,526 47,38 Almeirim 0,642 54,66 15,37 22,05
Belterra 0,396 33,47 Belterra 0,588 49,91 49,10 48,48
Curuá 0,383 26,05 Curuá 0,578 50,43 93,58 50,91
Faro 0,431 32,99 Faro 0,563 49,52 50,10 30,63
Juruti 0,389 29,76 Juruti 0,592 51,35 72,53 52,19
Monte Alegre 0,467 37,24 Monte Alegre 0,589 52,2 40,18 26,12
Óbidos 0,452 38,37 Óbidos 0,594 48,55 26,54 31,42
Oriximiná 0,517 42 Oriximiná 0,623 48,38 15,19 20,50
Prainha 0,361 30,46 Prainha 0,523 44,76 46,94 44,88
Santarém 0,555 46,09 Santarém 0,691 56,97 23,59 24,50
Terra Santa 0,474 39,79 Terra Santa 0,605 55,41 39,26 27,64
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano
O indicador de desenvolvimento humano reflete os mecanismos e fenômenos que

são mais adequados para avaliar o desempenho dos municípios brasileiros e o índice de

pobreza multidimensional mede a partir do número de privações se essas condições básicas

estão sendo atendidas, a partir das dimensões saúde, educação e condições de vida,

também utilizadas na composição do IDHM. Neste sentido, quando se busca verificar o

grau de pobreza multidimensional de uma região, não se pretende apenas estimar a

proporção de pobres e não pobres, mas entender os fenômenos socioeconômicos que foram

implementados nos municípios e a partir disso verificar se esta implantação foi adequada

ao modelo/processo de desenvolvimento da região.

Neste contexto, percebe-se que os municípios da MBA que possuíram uma maior

pobreza multidimensional no ano de 2000 foram: Curuá, Juruti e Prainha com 26.05;

26.76; e 30.46; respectivamente, sendo os dois primeiros municípios considerados com

pobreza multidimensional extrema e Prainha com pobreza multidimensional. No que diz

respeito ao IDHM, percebe-se que essas cidades possuem um nível muito baixo de

desenvolvimento tendo em vista que todos os seus índices obtiveram o valor de 0.383,

0.389 e 0.361.

Os municípios que apresentaram melhores condições de não estar em estado de

pobreza multidimensional foram Almerim (47.38), Santarém (46.09) e Oriximiná com

(42.00), apresentando indícios de risco de pobreza, contudo possuindo evidências para que

fosse possível retirar o município da condição de pobreza no decorrer do tempo. No que

concerne ao IDHM dessas cidades, percebeu-se que no ano de 2000 as condições de

desenvolvimento humano foram Almerim (0.526), Santarém (0.555) e Oriximiná com

(0.517), sendo possível afirmar que as condições de desenvolvimento desses municípios

são de baixo desenvolvimento.


No ano de 2010, percebe-se uma grande evolução no índice de pobreza

multidimensional na MBA, alavancado principalmente pela melhoria das dimensões saúde

e condições de vida, devido à melhoria do sistema de saúde da região, e das melhorias

infra-estruturais, como a elevação da cobertura de saneamento básico, programas de coleta

de lixo, entre outros programas que contribuíram de forma significativa para o

desenvolvimento da região e para a diminuição das condições de pobreza existentes

anteriormente. Nesse contexto, os municípios que não apresentaram condições de pobreza

multidimensional foram: Santarém (56.97), Terra Santa (55.41) e Almerim (54.66) sendo

estes considerados fora das condições de privações, ou seja, possuem a partir do somatório

dos subíndices das dimensões um número adequado de atendimento das condições básicas,

sendo os valores de seus índices de pobreza multidimensional maiores que cinquenta.

Tabela 4 - Ranking do IDHM e IPM


Ranking
Municípios
2000 2010
IDHM IPM IDHM IPM
Santarém 1º 2º 1º 1º
Almeirim 2º 1º 2º 3º
Oriximiná 3º 3º 3º 11º
Terra Santa 4º 4º 4º 2º
Monte 5º 6º 7º 4º
Alegre
Óbidos 6º 5º 5º 10º
Alenquer 7º 7º 10º 5º
Faro 8º 9º 11º 9º
Belterra 9º 8º 8º 8º
Juruti 10º 11º 6º 6º
Curuá 11º 12º 9º 7º
Prainha 12º 10º 12º 12º
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do
Atlas do Desenvolvimento Humano

As dimensões e os índices utilizados pelo IDHM e IPM são os mesmos, o que

explica coincidirem quanto à classificação de vários municípios no ranking. Por


conseguinte, os indicadores podem ser vistos como complementares, uma vez que se vistos

conjuntamente permitem uma visão mais ampla e precisa de seus resultados.

Na tabela 4, verifica-se que o município de Santarém, em 2000, conforme o IDHM,

estava em primeiro lugar no ranking do desenvolvimento humano, entretanto, o mesmo

município ocupa a segunda posição na classificação dos municípios menos pobres do

ponto de vista do IPM, enquanto que em 2010, Santarém se encontra na primeira posição

em ambos os indicadores, significando que é o município que apresenta maior

desenvolvimento humano e menor índice de pobreza da mesorregião do Baixo Amazonas.

O município de Oriximiná foi o que desencadeou a maior surpresa no estudo, tendo

em vista que possuía bons indicadores de desenvolvimento humano e de pobreza

multidimensional no ano de 2000, contudo no decorrer dos dez anos desceu oito posições

quando relacionado ao IPM, esse fator pode ser explicado tendo em vista que no ano 2000

este município possuía altos nos indicadores de educação, saúde e condições de vida,

houve um acréscimo desses níveis, contudo não na mesma proporção dos outros

municípios, que conseguiram aumentar os seus índices de forma expressiva, o que

ocasionou a queda do município no ranking de pobreza multidimensional para décima

primeira posição.

Constata-se que o município de Prainha foi o pior classificado no ranking quanto ao

IDHM, no ano de 2000, ficando na décima segunda posição, entretanto, com base no IPM

ocupou o décimo lugar. Em 2010, esse município ficou em última posição em ambos os

indicadores evidenciando que possuí o menor desenvolvimento humano e o maior índice

de pobreza multidimensional na MBA.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo identificar as diferenças entre os indicadores IDHM e

IPM a partir de um ranking para os municípios do Baixo Amazonas e analisar a evolução


do IPM estimado em comparação ao IDHM nos anos 2000-2010. Nessa perspectiva,

evidenciou-se que alguns municípios coincidiram suas posições no ranking dos

indicadores, tendo em vista que foram utilizados as mesmas dimensões e índices.

Dessa forma, os indicadores podem ser apontados como complementares, pois se

vistos conjuntamente permitem uma visão mais ampla e precisa de seus resultados. Assim,

para essa mesorregião não existe uma diferença expressiva entre ambos os indicadores

quando se trata de construir um ranking de desenvolvimento humano e pobreza.

O índice de desenvolvimento humano da MBA no ano de 2000 é classificado como

muito baixo, 0.45, devido, especialmente, ao baixo índice de educação da mesorregião.

Nesse contexto, em 2010, o IDHM elevou-se para 0.60, o que o torna de médio

desenvolvimento, ocupando a primeira posição nos indicadores IDHM e IPM evidenciando

que o município apresentou maior desenvolvimento humano e menor índice de pobreza

diante de todos os municípios da mesorregião do Baixo Amazonas.

No ano de 2010, percebeu-se uma grande evolução no índice de pobreza

multidimensional na MBA, alavancado principalmente pela melhoria das dimensões saúde

e condições de vida, devido à melhoria do sistema de saúde da região, e das melhorias na

infra-estruturais, como a elevação da cobertura de saneamento básico, programas de coleta

de lixo, entre outros programas que contribuíram de forma significativa para o

desenvolvimento da região e para a diminuição das condições de pobreza existentes

anteriormente. Nesse contexto, os municípios que não apresentaram condições de pobreza

multidimensional foram: Santarém (56.97), Terra Santa (55.41) e Almerim (54.66) sendo

estes considerados fora das condições de privações, ou seja, possuem a partir do somatório

dos subíndices das dimensões um número adequado de atendimento das condições básicas,

sendo os valores de seus índices de pobreza multidimensional maiores que cinquenta.


Constatou-se que em 2000, Santarém apresentava valores de alto desenvolvimento

para o subíndice de longevidade, baixo desenvolvimento para a renda e muito baixo para a

educação. Enquanto que em 2010 a educação obteve uma melhora de 63,22% e integrando

a categoria de médio desenvolvimento. Neste sentido, Santarém se encontra na primeira

posição no IDHM e IPM, significando que é o município que apresenta maior

desenvolvimento humano e menor índice de pobreza da mesorregião do Baixo Amazonas.

O município de Oriximiná possuía bons indicadores de desenvolvimento humano e

de pobreza multidimensional no ano de 2000, entretanto em 2010 regrediu oito posições

quando relacionado ao IPM, esse fator pode ser explicado tendo em vista que no ano 2000

este município possuía elevados indicadores de educação, saúde e condições de vida, tendo

uma taxa de variação positiva no período, mas não tão expressivo como os outros

municípios, que conseguiram aumentar os seus índices de forma expressiva.

6. REFERÊNCIAS

ALKIRE, S.; SANTOS, M. E. Acute Multidimensional Poverty: A New Index for


Developing Countries. Oxford Poverty and Human Development Initiative (OPHI),
Working Paper Nº 38, Oxford Department of International Development, University of
Oxford, 2010.
ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. IDHM. Municipal. 2000 e
2010. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/. Acesso 15 jun. 2017.
BAGOLIN, I. P.; ÁVILA, R. P. de; COMIM, F. V. Pobreza extrema e seus tríplices
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7612160773.
DESENVOLVIMENTO HUMANO EM EDUCAÇÃO NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS: Uma nova proposta para mensurar o IDHM-EDUCAÇÃO

Gabriel Alves de Sampaio Morais


Doutorando em Economia Aplicada – Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV). Email:
gabriel_morais@yahoo.com.br

Diogo Brito Sobreira


Doutorando em Economia Aplicada – Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV). Email:
economistdbs@hotmail.com

Lorena Vieira Costa


Doutora em Economia Aplicada (DER/UFV). Professora Adjunta do Departamento de Economia
Rural (DER), Universidade Federal de Viçosa (UFV). Email: lorenavclelis@gmail.com

Resumo:
O capital humano é considerado um dos principais fatores para o desenvolvimento humano
e econômico. Nesse sentido, diversos países buscam, por meio de uma série de
indicadores, averiguar continuamente a realidade educacional de seus habitantes. No
Brasil, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal-Educação (IDHM-
Educação) e o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal-Educação (IFDM-Educação)
são dois dos principais indicadores utilizados para esse propósito. O presente estudo tem
como objetivo propor um novo índice capaz explicar o desenvolvimento humano em
educação para os municípios brasileiros por meio da técnica de análise fatorial e incluindo
importantes dimensões educacionais que não são consideradas nos índices supracitados. Os
resultados permitiram fazer análises mais acuradas das especificidades da rede de ensino
dos municípios. O desenvolvimento humano em educação dos municípios brasileiros
medido pelo índice aqui proposto apresenta resultados gerais semelhantes ao IDHM e
IFDM, entretanto concluiu-se que esses dois indicadores superestimam a realidade do
sistema educacional do Brasil ao desconsiderar importantes indicadores educacionais.
Palavras-Chaves: IDHM, Educação, Análise Fatorial

Abstract:
Human capital is considered one of the main factors for human and economic
development. In this sense, several countries seek, through a series of indicators, to
continuously investigate the educational reality of their inhabitants. In Brazil, for example,
the Municipal Human Development Index-Education (IDHM-Education) and the
Municipal Development Firjan Index-Education (IFDM-Educational) are two of the main
indicators used for this purpose. The present study aims to propose a new index capable of
explaining human development in education for the Brazilian municipalities through the
technique of factor analysis and including important educational dimensions that are not
considered in the aforementioned indices. The results allowed to make more accurate
analyzes of the specificities of the teaching system of the municipalities. The human
development in education of the Brazilian municipalities measured by the index proposed
here presents in general similar results to the IDHM-Education and IFDM-Education,
however, it was concluded that these two indicators overestimate the reality of the
Brazilian educational system by disregarding important educational indicators
Key-Words: IDHM, Education, Factor Analysis

Classificação JEL: I25; J24; O15; C13


1. INTRODUÇÃO

O acesso ao conhecimento é um determinante crítico para o bem-estar e é essencial

para o exercício das liberdades individuais, da autonomia e da autoestima. A educação é

fundamental para expandir as habilidades das pessoas para que elas possam decidir sobre

seu futuro. Assim, a educação constrói confiança, confere dignidade e amplia os horizontes

e as perspectivas de vida.

Nesse sentido, um importante questionamento refere-se ao valor econômico da

educação. Para Schultz (1973), a investigação desse item revela partes suplementares

importantes do processo da acumulação do capital e crescimento, influenciando sua

mensuração e a possibilidade de planejamento dos países para o seu progresso econômico.

A partir do pressuposto de que o capital humano é representado pelo nível de

educação de uma sociedade, influenciando direta ou indiretamente no crescimento

econômico de uma região, também pode-se dimensionar seus benefícios ou externalidades

gerados para a sua população. A educação é vista não somente como um determinante do

crescimento e progresso econômico, mas também como um dinamizador de externalidades

positivas para a sociedade, pois estimula maior consciência do indivíduo, seja de caráter

político, ético, moral ou social, minimizando fatores de risco à população e

proporcionando elevação do bem-estar coletivo (VIANA; LIMA, 2010).

Portanto, sendo o capital humano um dos determinantes do crescimento econômico

e importante para elevação do bem-estar social, é importante avaliar a medida com que os

policy makers estão mensurando essa importante parcela do desenvolvimento. O Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresenta desde 1990 em seu

relatório anual o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) idealizado pelo paquistanês

Mahbub ul Haq, com a colaboração do economista Amartya Sen, o qual se propõe a

fornecer uma medida do nível de desenvolvimento dos países. Quando foi introduzido,
representou uma proposta inovadora de mensuração do progresso socioeconômico de um

país em detrimento das usuais medidas baseadas em esferas puramente econômicas, como

o Produto Nacional Bruto (PNB), (ALVES et. al., 2015).

O IDH reúne três dos requisitos mais importantes para a expansão das liberdades

das pessoas (em consonância com a visão do desenvolvimento como liberdade de Sen

(2000)): Saúde, que é vista como a oportunidade de se levar uma vida longa e saudável;

Educação, entendido como a oportunidade de se ter acesso ao conhecimento; e Renda que

fornece a capacidade de se desfrutar de um padrão de vida digno. Assim, o IDH tornou-se

uma forma de compreensão e fomento da discussão e reflexão ampla sobre o significado

do desenvolvimento social.

Com essa concepção, a adaptação do IDH para níveis subnacionais tem sido

praticada em diversos países, com o intuito de usufruir da metodologia do IDH Global em

um contexto nacional. Portanto, os países são encorajados pelo PNUD a desenharem IDHs

nacionais que utilizem indicadores mais adequados às suas necessidades, inovando,

substituindo ou adicionando novas dimensões aos componentes apresentados no IDH

Global para IDHs subnacionais.

Em 2012, o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a

Fundação João Pinheiro assumiram o desafio de adaptar a metodologia do IDH Global

para calcular o IDH Municipal (IDHM) para todos os municípios brasileiros a partir das

informações dos três últimos Censos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) – 1991, 2000 e 2010. Mais tarde, as mesmas instituições foram

convidadas a assumir o desafio de calcular o IDHM a nível intramunicipal das regiões

metropolitanas do país, nomeadas de Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH).

Considerando as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e

renda – o IDHM brasileiro tenta adequar a metodologia global ao contexto brasileiro e à


disponibilidade dos indicadores nacionais. Assim sendo, o IDHM, incluindo seus três

componentes, IDHM Longevidade, IDHM Educação e IDHM Renda retrata um pouco da

história dos municípios, estados e Regiões Metropolitanas em três importantes dimensões

do desenvolvimento. Além do IDHM, outro indicador existente para medir o

desenvolvimento socioeconômico dos municípios brasileiros é o Índice Firjan de

Desenvolvimento Municipal (IFDM)1, calculado pelo Sistema Firjan, e que propõe

metodologia semelhante ao IDHM para classificar os mais de 5 mil municípios brasileiros.

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é avaliar a adequabilidade do IDHM à

realidade brasileira, mais especificamente, analisar as variáveis utilizadas no cálculo do

IDHM Educação. Pretende-se então responder ao seguinte questionamento: É possível

construir um novo IDHM Educação utilizando variáveis que melhor representem o sistema

educacional do Brasil? Portanto, propõe-se construir um indicador da dimensão

“Educação” para todos os municípios brasileiros ajustando as variáveis já utilizadas e

adicionando outras dimensões que representem o desempenho e qualidade da educação do

Brasil, e que seja possível comparar com os atuais indicadores de desenvolvimento do

sistema educacional.

2. ESTRATÉGIA EMPÍRICA PARA CONSTRUÇÃO DO NOVO IDHM-

EDUCAÇÃO

A análise fatorial tem como princípio básico a redução do número original de

variáveis, por meio da extração de fatores independentes, de tal forma que estes fatores

possam explicar, de forma simples e reduzida, as variáveis originais. A análise fatorial é

1
O IFDM – Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal – é um estudo do Sistema FIRJAN que
acompanha anualmente o desenvolvimento socioeconômico dos municípios brasileiros em três áreas de
atuação: Emprego & Renda, Educação e Saúde. Criado em 2008, ele é feito, exclusivamente, com base em
estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde.
geralmente realizada através do método de componentes principais, que faz com que o

primeiro fator contenha o maior percentual de explicação da variância total das variáveis

da amostra. O segundo fator, por sua vez, contenha o segundo maior percentual, e assim

por diante. Outros métodos podem ser usados para realizar a análise fatorial, a saber:

Método de Máxima Verossimilhança e Método dos Fatores Principais2.

Pode-se expressar o modelo de análise fatorial algebricamente da seguinte forma:

em que representa o i-ésimo escore da variável padronizada, com média zero e variância

unitária (i = 1, 2, ... m); indica os fatores comuns não correlacionados, com média zero e

variância unitária; representa as cargas fatoriais, e , o termo de erro que capta a

variação especifica de não explicada pela combinação linear das cargas fatoriais com os

fatores comuns e imprecisões de medição de variáveis em função de erros de observação,

de mensuração e de especificação do modelo.

Uma medida importante para a análise é o somatório das cargas fatoriais ao

quadrado. Ela indica a variância comum ou comunalidade, isto é, o quanto da variância

total de é explicada pela solução fatorial. As comunalidades das variáveis que não têm

explicação suficiente no modelo são aquelas menores que 0,5. Por fim, o critério utilizado

para definir o número de fatores foi o de considerar apenas aqueles que possuem raiz

característica ou autovalor maior que um (JOHNSON; WICHERN, 1992).

Após o cálculo das cargas fatoriais e a identificação dos fatores comuns, torna-se

necessário a estimação do escore fatorial, por meio do método semelhante ao de regressão.

De acordo com Ferreira Júnior et al. (2004), o escore para cada observação (município), é,

portanto, resultado da multiplicação do valor (padronizado) das variáveis pelo coeficiente

2
Para mais informações, ver Johnson, R. A.; Wichern, D. W. Applied multivariate statistical analysis.
Prentice Hall, 1992.
do escore fatorial correspondente, sendo a expressão geral para estimação do j-ésimo fator,

, dada por:

em que os são os coeficientes dos escores fatoriais e p é o número de variáveis.

Para testar a adequabilidade do modelo de análise fatorial, geralmente utiliza-se a

estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett. O KMO é

um indicador que compara a magnitude do coeficiente de correlação observado com a

magnitude do coeficiente de correlação parcial.

Quando as correlações parciais são próximas de zero, o coeficiente de KMO está

próximo de um, o que indica a adequabilidade de ajuste do modelo de análise fatorial. Um

coeficiente abaixo de 0,5 exige medidas de correção nos dados amostrais através da

exclusão ou inclusão de novas variáveis (MINGOTI, 2007).

Por sua vez, o Teste de Esfericidade de Bartlett serve para testar a hipótese nula de

que a matriz de correlação é uma matriz identidade. Isto é: contra

. Ainda de acordo com Mingoti (2007), se esta hipótese for rejeitada, os

dados são adequados e a análise fatorial pode ser realizada.

Adicionalmente, será realizado outro teste de adequabilidade dos dados, a saber, a

Medida Amostral de Adequabilidade (Measure of Sampling Adequacy – MSA). Esse

teste é uma medida parecida com o KMO, sendo este utilizado para cada variável. A

interpretação pode ser feita com base nos mesmos valores do KMO. Um valor baixo de

MSA indica que a variável não se apresenta adequada na análise fatorial e pode ser

excluída.

A verificação do grau de desenvolvimento da educação de cada município

brasileiro foi feita através dos escores fatoriais, ou seja, dos valores dos fatores para cada

uma das 5565 observações (municípios) por meio da equação (3). Assim, na obtenção do
Índice Bruto de Desenvolvimento Educacional (IBDE) para que se possa fazer um rank

dos municípios, realizou-se o cálculo da média dos fatores, ponderadas pela variância,

pertencentes a cada observação. A ponderação pela proporção de explicação da variância

total (dada pelo valor da raiz característica) exprime a importância relativa de cada fator.

De acordo com Melo (2007), o IBDE pode ser expresso da seguinte forma:

onde IBDE é o Índice Bruto de Desenvolvimento Educacional; é a proporção da

variância explicada por cada fator (raiz característica) e; são os escores fatoriais.

A partir do Índice Bruto de Desenvolvimento Educacional pode-se então calcular

também o Índice de Desenvolvimento Educacional (IDE) para cada município, que é o

próprio IDHM-Educação Revisitado. O IDE foi construído a partir do método min-max,

em que o maior valor adquire o valor cem e o menor zero, ou seja, a variação do índice

ocorre no intervalo entre 0 e 1, sendo os valores intermediários obtidos por interpolação

(PEROBELLI et al.,1999).

O Índice de Desenvolvimento Educacional é dado por:

onde é o valor da observação (q) do índice bruto para o município (c); é o menor

valor do índice bruto dentre todos as municípios; e é o maior valor do índice bruto

dentre todos os municípios.

A obtenção do Índice de Desenvolvimento Educacional (IDE) possibilita fazer uma

ordenação dos municípios brasileiros, conforme seus desempenhos. Baseando-se na

mesma classificação feita pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM),

foram considerados com grau de desenvolvimento muito alto (MA), aqueles municípios
que apresentaram resultados com valores iguais ou maiores que 0,800; alto (A), aqueles

com valores entre 0,700 e 0,799; médio (M), aqueles com valores entre 0,600 e 0,699;

baixo (B), aqueles municípios com valores entre 0,500 e 0,599 e por fim, muito baixo

(MB), os municípios com índice abaixo de 0,499.

2.1. Base de Dados

Os dados para a realização desta pesquisa foram extraídos da base de dados do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do banco

de dados Sistema IBGE de Recuperação de Dados (SIDRA), relativos ao ano de 2010.

Além disso, foi coletado para critério de comparação, o Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDHM) e o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). As

variáveis utilizadas para a construção do novo Índice de Desenvolvimento Humano da

Educação (IDHM-Educação Revisitado) estão sintetizadas na Tabela 2 a seguir.

Tabela 2 – Código e descrição das variáveis utilizadas, Brasil, 2010


Código Descrição das Variáveis
X1 % Adultos sem instrução ou Fundamental Incompleto
X2 % Adultos com Fundamental Completo ou Médio Incompleto
X3 % Adultos com Médio Completo ou Superior Incompleto
X4 % Adultos com Superior Completo
X4 % Aprovação no Ensino Fundamental
X5 % Aprovação no Ensino Médio
X6 % Abandono no Ensino Fundamental
X7 % Abandono no Ensino Médio
X8 % Frequência na Educação Infantil
X9 % Frequência no Ensino Fundamental
X10 % Frequência no Ensino Médio
X11 % Frequência no Ensino Superior
X12 Distorção Idade-Série (I-S) no Ensino Fundamental
X13 Distorção Idade-Série (I-S) no Ensino Médio
X14 % Docentes com Ensino Superior na Educação Infantil
X15 % Docentes com Ensino Superior no Ensino Fundamental
X16 % Docentes com Ensino Superior no Ensino Médio
Fonte: INEP e SIDRA, 2010.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1. Qualidade dos dados e ajustamento do modelo de análise fatorial

O ajustamento dos dados originais à análise fatorial foi realizado por meio do Teste

de Esfericidade de Bartlett e dos índices: Measure of Sampling Adequacy – MSA e Kaiser-

Mayer-Olkin – KMO (Tabela 2). Com base nas medidas amostrais de adequabilidade das

variáveis ao modelo, apenas a variável Proporção de pessoas de 15 a 17 anos de idade que

frequentavam o ensino fundamental apresentou baixo valor (0,374). Esse valor sugere que

a variável pode ser excluída do modelo, no entanto, optou-se pela permanência desta, em

função de sua importância para o desenvolvimento educacional dos municípios. Os demais

valores indicam que as variáveis são adequadas à análise fatorial.

Tabela 2: Ajustamento dos dados originais à análise fatorial


Variáveis MSA
% Adultos sem instrução ou Fundamental Incompleto 0,591
% Adultos com Fundamental Completo ou Médio Incompleto 0,491
% Adultos com Médio Completo ou Superior Incompleto 0,502
% Adultos com Superior Completo 0,549
% Aprovação no Ensino Fundamental 0,868
% Aprovação no Ensino Médio 0,715
% Abandono no Ensino Fundamental 0,915
% Abandono no Ensino Médio 0,811
% Frequência na Educação Infantil 0,909
% Frequência no Ensino Fundamental 0,374
% Frequência no Ensino Médio 0,962
% Frequência no Ensino Superior 0,992
Distorção I-S no Ensino Fundamental 0,891
Distorção I-S no Ensino Médio 0,913
% Docentes com Ensino Superior na Educação Infantil 0,859
% Docentes com Ensino Superior no Ensino Fundamental 0,842
% Docentes com Ensino Superior no Ensino Médio 0,850
Kaiser-Mayer-Olkin – KMO 0,750
Teste de Esfericidade de Bartlett 100000,00
Prob 0,000
Fonte: Elaborado pelos autores.
Consoante a Fávero et al. (2009), o uso dessa técnica torna-se inaceitável quando

esse o valor do KMO é inferior a 0,5. Nesse sentido, o valor calculado de 0,75 sugere que

os dados originais são adequados à análise fatorial. Já o Teste de Esfericidade de Bartlett

indica que a matriz de correlações não é uma matriz identidade ao nível de 1% de

significância. Com base nesses critérios, pode-se afirmar que o conjunto de dados

utilizados se mostrou adequados à técnica empregada.

A análise aplicada para as 17 variáveis apresentou quatro fatores com raiz

característica maior que uma unidade. Após a rotação com o método Varimax, conclui-se

que os fatores selecionados explicam 72,53% da variabilidade total das variáveis

selecionadas. Essas informações estão apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3: Autovalores e variância explicada pelos fatores extraídos – Brasil, 2010


Fatores Autovalores Proporção Acumulado
Fator 1 4,321 0,2542 0,2542
Fator 2 3,896 0,2292 0,4834
Fator 3 2,966 0,1745 0,6579
Fator 4 1,144 0,0673 0,7253
Fonte: Elaborado pelos autores.

A Tabela 4 apresenta as cargas fatoriais e as comunalidades para os fatores

considerados. Ademais, todos os fatores apresentaram cargas fatoriais maiores que 0,50 em

módulo (destacadas em negrito), buscando evidenciar os indicadores mais fortemente

associados a determinado fator. O valor da comunalidade para todas as variáveis também

se situa acima de 0,50, significando que mais da metade da variância da variável é

reproduzida pelos fatores comuns.

O Fator 1 representa 25,42% da variância total das variáveis e estão positivamente

correlacionadas com este fator, exceto para a variável que representa a proporção da

população adulta sem instrução ou ensino fundamental incompleto, cujo sinal foi negativo

para este fator, indicando que quanto maior for esta população, mais deficitário será este

fator e consequentemente o indicador. Contudo, observando as variáveis que se


correlacionam com este fator, pode-se denomina-lo como INDICADOR DE NÍVEL

EDUCACIONAL E FREQUÊNCIA AO ENSINO SUPERIOR. Assim, pode-se concluir

que o desenvolvimento do sistema educacional dos municípios brasileiros possui como

principal fator determinante este indicador.

O Fator 2 indica que 22,92% da variabilidade total dos dados são explicados por

esse fator. Como esperado, os sinais negativos das cargas fatoriais das taxas de abandono e

da distorção idade-série nos níveis educacionais fundamental e médio se correlacionam

negativamente com este fator, indicando que aumentos nas taxas de evasão escolar e na

defasagem do aluno em relação à idade do aluno e a série que este deveria estar cursando,

deprecia o indicador. Nesse sentido, o fator 2 pode ser denominado como INDICADOR

DE DESEMPENHO ESCOLAR E FREQUÊNCIA NO ENSINO MÉDIO.

Tabela 4: Cargas fatoriais após a rotação e comunalidades – Brasil, 2010


Variáveis Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Comunalidades
% Frequência no Ensino Superior. 0,744 0,119 0,150 0,122 0,604
% Adultos sem Instrução ou Fund.
-0,946 -0,142 -0,198 0,018 0,954
Incompleto
% Adultos com Fund. Comp. ou Méd.
0,715 0,115 0,300 -0,129 0,631
Incomp.
% Adultos com Méd. Comp. ou Sup. Incomp. 0,887 0,099 0,043 0,032 0,800
% Adultos com Superior Completo 0,783 0,179 0,270 0,030 0,719
% Aprovação no Ensino Fundamental 0,250 0,737 0,329 -0,072 0,719
% Aprovação no Ensino Médio -0,148 0,847 -0,073 0,049 0,747
% Abandono no Ensino Fundamental -0,307 -0,608 -0,444 -0,013 0,661
% Abandono no Ensino Médio -0,096 -0,830 -0,113 0,021 0,710
Distorção I-S no Ensino Fundamental -0,419 -0,649 -0,472 -0,029 0,821
Distorção I-S no Ensino Médio -0,326 -0,712 -0,409 -0,021 0,780
% Frequência no Ensino Médio 0,410 0,614 0,391 0,163 0,725
% Docentes com Ens. Sup. e na Educ. Inf. 0,139 0,274 0,748 0,027 0,655
% Docentes com Ens. Sup. e no Ens. Fund. 0,271 0,283 0,828 0,093 0,847
% Docentes com Ens. Sup. e no Ens. Méd. 0,172 0,079 0,742 0,051 0,589
% Frequência na Educação Infantil 0,447 0,149 -0,241 0,515 0,546
% Frequência no Ensino Fundamental -0,051 -0,013 0,142 0,893 0,821
Fonte: Elaborado pelos autores.

Em relação ao Fator 3, este representa 17,45% da variância total das variáveis e

estão positivamente correlacionada com este fator, o que mostra a importância da


qualificação docente no processo de educação da população brasileira, dado que neste fator

estão apenas as variáveis correspondente as proporções de docentes com ensino superior

em todos os níveis educaionais, exceto na educação superior. A não inclusão da

qualificação docente no ensino superior se dá pela obrigatoriedade de que estes

profissionais sejam portadores de diploma para exercício do cargo. Fica evidente que este

fator pode ser denominado como INDICADOR DE QUALIFICAÇÃO DOCENTE.

Por fim, o Fator 4 explica 6,73% da variabilidade total dos dados, onde as variáveis

que compõem este fator estão positivamente correlacionadas com ele. Observando as

variáveis do Fator 4, pode-se denominá-lo por INDICADOR DE FREQUÊNCIA DO

ENSINO BÁSICO E FUNDAMENTAL.

3.2. Discussão dos Resultados

Após ter calculado o IDHM-Educação Revisitado, procede-se à comparação com os

valores do atual Índice de Desenvolvimento Humano Municipal-Educação (IDHM-

Educação) e com o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) na sua dimensão

“acesso ao conhecimento”. As Tabelas 5 e 6 apresentam as frequências absolutas e

relativas dos municípios brasileiros segundo as classes e a classificação do IDHM-

Educação e IFDM-Educação, respectivamente. É importante salientar que o número de

municípios entre os IDHMs-Educação são diferentes, pois nem todas as variáveis estavam

disponíveis para a totalidade dos municípios.

Analisando inicialmente a Tabela 5, que compara o IDHM-Educação com o IDHM-

Educação Revisitado, percebe-se que há um movimento dos municípios das classes mais

desenvolvidas para as menos desenvolvidas. Enquanto que, no IDHM-Educação 5

municípios foram classificados com grau de desenvolvimento educacional muito alto, no

IDHM-Educação Revisitado não figurou nenhum dos municípios analisados.


Tabela 5 – Frequência absoluta e relativa dos municípios segundo as classes do IDHM-Educação e
IDHM-Educação Revisitado, 2010.
Freq. Absoluta. de Freq. Absoluta de
Frequência Frequência
Classes Classificação Municípios IDHM- Municípios IDHM-
Relativa Relativa
Educação Educação Revisitado
0,000 - 0,499 Muito Baixo 1578 28,36 % 1713 30,88 %
0,500 - 0,599 Baixo 2011 36,14 % 2683 48,37 %
0,600 - 0,699 Médio 1622 29,15 % 1117 20,14 %
0,700 - 0,799 Alto 349 6,27 % 34 0,61 %
0,800 - 1,000 Muito Alto 5 0,09 % 0 0%
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados da pesquisa

Outro aspecto importante a se destacar é que segundo o IDHM-Educação, 6,27%

dos municípios foram considerados de alto desenvolvimento escolar em 2010, enquanto

que com a nova proposta de indicador, essa proporção não passa de 1% dos municípios

(segundo a medida corrente, 349 municípios foram classificados com alto grau contra

apenas 34 que seriam assim considerados, com a nova proposta). Um dado comum entre os

indicadores é que os dois apresentam as maiores proporções de municípios que se situam

com baixo grau de desenvolvimento do sistema de ensino, ou seja, no IDHM-Educação,

essa proporção é de 36,14% dos municípios, enquanto que com a nova metodologia essa

proporção saltou para 48,37% dos municípios estudados.

Entretanto, são nas classes de desenvolvimento baixo e muito baixo que se

encontram as maiores proporções de municípios para o IDHM-Educação Revisitado. No

acumulado, essa proporção chega próximo de 80% dos municípios brasileiros. Esse dado

reflete a deficiência do sistema educacional no Brasil e sugere a promoção de profundas

transformações no âmbito da geração de conhecimento de qualidade à toda a população.

Na Tabela 6 é apresentada a comparação entre o IFDM-Eucação e o IDHM-

Educação Revisitado segundo as mesmas classes e classificação feita pelo Sistema Firjan3.

3
O índice varia de 0 (mínimo) a 1 ponto (máximo) para classificar o nível de cada localidade em quatro
categorias: baixo (de 0 a 0,4), regular (0,4 a 0,6), moderado (de 0,6 a 0,8) e alto (0,8 a 1) desenvolvimento.
Ou seja, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade.
Nota-se a priori que a discrepância do desenvolvimento educacional é ainda maior.

Enquanto que no IFDM-Educação apenas um município era classificado com baixo grau

de desenvolvimento do sistema de ensino, com o IDHM-Educação Revisitado esse número

chega a 134 municípios, representado 2,42% do total.

O impacto maior se observa na classificação “regular”, visto que 657 municípios

(11,81%) compõem essa categoria atualmente, contra 4262 (cerca de 77%) municípios

conforme a nova proposta. Um dado impactante é a análise do acumulado, que enquanto

no IFDM-Educação os municípios considerados pertencentes às categorias baixa e

moderada não chegavam a 12% do total, essa proporção chega a 80% dos municípios

quando se analisa a classificação do IDHM-Educação Revisitado.

Outro importante aspecto a ser mencionado é em relação ao alto grau de

desenvolvimento educacional, que no IFDM-Educação figuram 1796 municípios

(32,28%), enquanto que no IDHM-Educação Revisitado nenhum dos municípios

analisados foram classificados nessa categoria. Esse dado mostra o quão superestimado são

os indicadores que se propõem analisar a educação e seus determinantes no Brasil.

Tabela 6 – Frequência absoluta e relativa dos municípios segundo as classes do IFDM-Educação e


IDHM-Educação Revisitado, 2010.
Freq. Absoluta de Freq Absoluta de
Freq. Freq.
Classes Classificação Municípios IFDM- Municípios IDHM-
Relativa Relativa
Educação Educação Revisitado
0,000 - 0,400 Baixo 1 0,02 % 134 2,42 %
0,401 - 0,600 Regular 657 11,81 % 4262 76,83 %
0,601 - 0,800 Moderado 3109 55,89 % 1151 20,75 %
0,801 - 1,000 Alto 1796 32,28 % 0 0%
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados da pesquisa

Ainda de acordo com a Tabela 6, a categoria de desenvolvimento denominada

“regular” que no IFDM-Educação é representada pela maioria dos municípios, cerca de

56%, passa a ser representada agora por apenas 20,75%. Da mesma forma, observa-se uma
movimentação ou um deslocamento dos municípios das classes superiores para as classes

inferiores de desenvolvimento educacional.

De modo mais ilustrativo, os três índices de desenvolvimento humano municipal

em sua dimensão que mede o acesso ao conhecimento estão apresentadas em forma de

mapa abrangendo todo o Brasil (Figuras 1 e 2). É possível notar claramente pela Figura 1,

que compara o IDHM-Educação com o IDHM-Educação Revisitado, que a maioria dos

municípios classificados com grau de desenvolvimento educacional muito baixo (IDHM-

Educação Revisitado) se encontram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, enquanto que

os municípios classificados como de baixo grau estão uniformemente espalhados pelas

outras regiões, exceto o estado de São Paulo, que destaca-se por possuir uma quantidade

significativa de municípios pertencentes à categoria de médio grau de desenvolvimento.

Características semelhantes podem ser visualizadas na Figura 2, que compara o

IFDM-Educação com IDHM-Educação Revisitado. Segundo o IFDM-Educação os

municípios com alto grau de desenvolvimento situam-se nas regiões Sul, Sudeste e Centro-

Oeste, regiões que passaram a comportar a maior parte de municípios pertencentes à

categoria moderada, conforme o IDHM-Educação Revisitado. Nota-se também que os

municípios classificados com baixo grau de desenvolvimento no IDHM-Educação

Revisitado apareceram mais especificamente na região Norte e em partes da região

Nordeste do Brasil.

Ainda de acordo com a Figura 2, apesar de quase a totalidade dos municípios

brasileiros estarem classificados com grau de desenvolvimento regular, o estado de São

Paulo mais uma vez destaca-se por apresentar uma cobertura superior de municípios com

um grau mais elevado de níveis educacionais quando comparado a outros estados

brasileiros.
Figura 1 – Mapas do IDHM-Educação e do IDHM-Educação Revisitado, Brasil, 2010

Figura 2 – Mapas do IFDM-Educação e do IDHM-Educação Revisitado, Brasil, 2010

Fonte: Elaboração própria com base nos resultados.


A Tabela 7 apresenta alguns fatos estilizados dos dez municípios mais bem

classificados e dos dez piores na classificação realizada de acordo com o IDHM-Educação

Revisitado, evidenciando os fatores que podem se associar ao fato desses municípios

ocuparem tais posições no ranking.

A priori destaca-se que os dez municípios mais bem classificados fazem parte das

regiões Sul e Sudeste, mais especificamente nos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo

e Espírito Santo, dentre os quais há três capitais – Florianópolis (SC), Curitiba (PR) e Vitória

(ES) –; algumas cidades de grande e médio porte, como Santos, Jundiaí, Marília e Araraquara,

todos no estado de São Paulo, e Balneário Camboriú no estado de Santa Catarina. As outras

cidades são de pequeno porte populacional situadas no estado de São Paulo. Em relação aos

municípios que ocupam as dez últimas posições no ranking, estes fazem parte da região Norte

(Amazonas, Roraima e Pará) e da região Nordeste (Bahia).

Pode-se mencionar que as taxas de aprovações no ensino fundamental são maiores em

todos os municípios mais bem classificados. O mesmo não ocorre para os municípios que

ocupam as últimas posições. Chama-se atenção o município de Itamari (BA), que tem quase

metade de seus estudantes sendo reprovados no ensino fundamental. Já no município de

Jundiaí (SP) essa proporção não alcança 4% dos estudantes. Em relação ao ensino médio, é

também no estado da Bahia, no município de Santa Luzia, onde apenas cerca de metade de

seus estudantes são aprovados nesse nível educacional. Esse dado mostra a enorme

discrepância seja ela estrutural ou pedagógica do sistema educacional desses municípios.

Outro dado importante é que as taxas de abandono do ensino médio em todos os

municípios mais bem classificados são maiores que suas taxas de abandono do ensino

fundamental (alguns auferem taxa menor que 1%), e que no geral, as taxas de abandono do

ensino fundamental e médio desses municípios são menores do que essas mesmas taxas para
os municípios das últimas posições no ranking, com exceção para o município de Chaves

(BA), onde a taxa de abandono do ensino médio é de apenas 4,1% dos estudantes. As

menores taxas de abandono do ensino médio são registradas pelos municípios de Marília

(1,7%) e Santos (1,8%), situados no estado de São Paulo.

No geral, quando se analisa a dimensão da qualidade do ensino medida pela proporção

de docentes com ensino superior em todos os níveis educacionais (anos iniciais e finais do

ensino fundamental, e também do ensino médio), os municípios mais bem classificados

possuem em sua rede de ensino professores mais bem qualificados, chegando a 100% de

docentes com ensino superior nos anos finais do fundamental, como é o caso do município de

Águas de São Pedro (SP), e cerca de 99% no ensino médio no município de São Caetano do

Sul (SP). Este último apresentou a melhor classificação do IDHM-Educação Revisitado, com

valor igual a 0,7616. Entretanto, percebe-se que houve uma melhora expressiva da

qualificação docente no ensino médio em municípios com baixo IDHM-Educação Revisitado,

como nos municípios de Maraã (AM), Bagre (PA), Chaves (PA) e Biritinga (BA) com 95,5%,

93,3%, 83,3% e 82,4% de docentes com ensino superior. Uiramutã no estado de Roraima

aparece como o município que possui as menores proporções de docentes com ensino

superior em todos os níveis educacionais, com apenas 1,2% de docentes qualificados nos anos

iniciais e 2,9% nos anos finais do fundamental, e 12,3% no ensino médio. Esse dado mostra

que a focalização de políticas públicas voltadas a qualificação docente neste município se

mostra necessária.
Tabela 7 – Fatos estilizados dos 10 melhores e piores municípios segundo a classificação do IDHM-Educação Revisitado

Doc. Doc.
(%) da
IDHM- Tx. Tx. Tx. Tx. Sup. Sup. Doc. Tx. Tx. Freq. Ed. Freq. Freq. Freq. pop. (%) Pop (%) pop.
Distor.
Município Educaçã Aprov. Aprov. Aband Aband Anos Anos Sup. Ens. Distor. Inf. Fund Méd. Sup Baixa Fund Méd
oRevisit. Fund Med Fund Med Iniciais Finais Méd I-S Fund. I-S Méd
Inst.
Fund. Fund.
10 melhores classificados
São Caetano do Sul - SP 0.7616 91.9 81.8 0.3 3.3 89.9 98.8 98.9 9.2 16.9 69.2 84 68.4 9.4 26.1 13 29.4
Florianópolis - SC 0.7577 93.1 80.6 1.2 7.2 85.6 92.7 91.3 15.8 21.2 59.5 83.8 55.9 12.2 22 12.6 33.7
Vitória - ES 0.7527 89.9 77.6 1.6 6.4 86.1 94.8 89.9 16.1 25.3 66.4 83.4 63.5 11.1 23.2 12.6 32.2
Santos - SP 0.737 93.7 84.2 0.7 1.8 80.1 95.3 96.1 9.4 15.7 61.9 85.3 65.6 6.5 26.2 14 31.8
Águas de São Pedro - SP 0.732 91.1 96.1 0 1.9 50 100 93.8 12.4 18.9 67.4 93.8 67.3 6.2 27.2 11.2 31.3
Balneário Camboriú - SC 0.7297 90.4 83.2 0.2 7.7 80 89.1 88.6 12.7 16.6 59.8 83.1 52.2 9.4 26.1 16.7 31.4
Araraquara - SP 0.7209 95.8 82.8 0.4 3.6 91.2 96.6 95.3 6.8 13.2 62.7 87.8 70.3 6.9 35.4 16.1 30.8
Curitiba - PR 0.7206 89.3 81.4 1.8 4.7 93 95.8 96.3 10.3 20 50.3 80.1 58.8 9.4 28.4 15.2 30
Jundiaí - SP 0.7203 97.7 88.9 0.4 3.1 83.6 97.6 98.1 3 10.1 52 78.2 66.3 8.1 36 15.7 27.5
Marília - SP 0.7195 97 92.1 0.3 1.7 87.9 98.8 98.5 4.6 8.9 60.6 84.9 70.4 6 36.8 15.2 30.8
10 piores classificados
Maraã - AM 0.3571 62 78.7 24.2 19.1 18.5 55.4 95.5 56.6 75 38 63.6 12.5 2.3 74.2 11.1 12.1
Biritinga - BA 0.3524 54.3 85.4 20.7 11.4 34.4 35.5 82.4 62.5 58.2 31.6 73 22.8 0.8 80.7 6.2 11.7
Nova Itarana - BA 0.352 75.9 83 14.9 16.6 2.6 32.3 44.4 51.2 65.6 31.3 64.8 28.5 0.6 84.2 4.6 9.4
Uiramutã - RR 0.3466 82.3 78.8 5.7 16.2 1.2 2.9 12.3 44.2 54.8 17.5 39.5 21.3 1.4 84 7.5 6.7
Pedro Alexandre - BA 0.3447 61.5 61.3 8.6 24.5 8.1 14.3 43.8 49.7 71.9 35.5 68.8 20.7 0.9 84.2 7.1 6.6
Bagre - PA 0.3446 70.6 76.1 15.7 13.6 8.9 8.4 93.3 61.1 83.3 19.6 70.8 17.1 2.2 83.8 6.5 8.6
Santa Luzia - BA 0.3426 67.5 50.3 14.3 35.4 3.2 40 42.1 51.4 70 28.7 77.8 24.9 1.4 80.5 6.7 11.3
Itamari - BA 0.336 51.5 66.6 34.1 24.6 2.6 11.9 58.3 62.8 59.6 47 70.2 26.9 4 72.8 9.3 14.4
Pilão Arcado - BA 0.3253 67.7 79.6 14.7 14.3 8.9 18.4 17.6 66.1 67.7 35.1 66.2 13.9 1.1 85 5.2 8.3
Chaves - PA 0.3235 74.4 69.4 16.1 4.1 8.1 45.4 83.3 60.3 82.3 19.7 62.8 8.4 0.3 90 6.5 2
Fonte: Elaboração própria com base nos resultados.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na Teoria do Capital Humano, esta pesquisa propõe uma ampliação das

dimensões consideradas para o cálculo referente ao âmbito da Educação para o Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), ajustando as variáveis já existentes e

adicionando outras que representem de forma mais acurada o desempenho dos estudantes e a

qualidade docente. Esta proposta surge a partir da constatação de pontos importantes a serem

levados em consideração para que se produza um real retrato da situação educacional dos

municípios brasileiros. Se dados como o IDHM são levados em consideração para indicar o

grau de desenvolvimento atual e então, desenhar medidas e políticas públicas, é

imprescindível que ele reflita a realidade e sintetize âmbitos importantes, como a qualidade

geral oferecida pelo sistema educacional brasileiro.

Diante disso, este trabalhou apresenta, calcula e discute uma proposta de adequação ao

IDHM-Educação, um IDHM-Educação Revisitado. A partir do cálculo desse novo índice foi

possível comparar o grau de desenvolvimento dos municípios brasileiros segundo os índices

já existentes: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal da Educação (IDHM-Educação)

e Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) na sua dimensão acesso ao

conhecimento. Os resultados mostraram que os índices já existentes estão superestimando a

realidade do sistema educacional no Brasil, fator que pode comprometer a correta

identificação de problemas e conseqüentemente, a indicação de soluções.

Na literatura nacional, há escassez de trabalhos que tenham se empenhado em adequar

e propor novas dimensões às medidas usuais de desenvolvimento. Assim, embora não se

tenham condições de comparar os resultados aqui alcançados com outras propostas, este

trabalho constitui em um primeiro esforço de avanço nessa área, indicando a necessidade de

estudos mais detalhados sobre o tema. Portanto, sugere-se para trabalhos futuros a

incorporação de novas variáveis que possam mensurar não apenas a dimensão de acesso ao
conhecimento, mas também que possam representar a realidade das outras dimensões do

desenvolvimento humano, como aquelas que captam a longevidade da população e a renda

que essa população aufere.

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EFEITOS DO INVESTIMENTO DIRETO EM EDUCAÇÃO SOBRE A
PRODUTIVIDADE DO TRABALHADOR BRASILEIRO - 2002-2014: ANÁLISE
BASEADA EM MODELOS MULTINÍVEL

EFFECTS OF DIRECT INVESTMENT IN EDUCATION ON THE


PRODUCTIVITY OF BRAZILIAN WORKERS - 2002-2014: ANALYSIS BASED
ON MULTILEVEL MODELS

Autor: Yuri Godoi Pereira Elias

Mestrando em Economia Aplicada no Programa de Pós-Graduação em

Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade

Federal de Viçosa - UFV

Email: godoiyuri@gmail.com

Coautor: João Eustáquio de Lima

Professor Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade

Federal de Viçosa - UFV

Email: jelima@ufv.br
EFEITOS DO INVESTIMENTO DIRETO EM EDUCAÇÃO SOBRE A

PRODUTIVIDADE DO TRABALHADOR BRASILEIRO - 2002-2014: ANÁLISE

BASEADA EM MODELOS MULTINÍVEL

Resumo: Este artigo investiga a relação entre o investimento direto em educação

decomposto em seus vários níveis (educação básica a educação superior) e a produtividade

do trabalhador brasileiro para o período de 2002-2014, utilizando uma medida de capital

humano baseado em dados microeconômicos. Uma contribuição deste artigo é a utilização

de modelos multinível para as estimações, este modelo considera variáveis explicativas com

níveis distintos, o que torna as estimações mais robustas, para este trabalho trabalhou-se com

variáveis macroeconômicas (investimento direto em educação) e microeconômicas (dados

individuais). Os resultados demonstram que o investimento direto em educação no período

de 2002 a 2014 possui uma parcela significativa que é aproximadamente 34,91% da

variância.

Palavras chave: Capital Humano, Produtividade, Modelos Multinível.

EFFECTS OF INVESTMENT LAW ON EDUCATION ON BRAZILIAN WORKER

PRODUCTIVITY - 2002-2014: ANALYSIS BASED ON MULTILEVEL MODELS

Abstract: This papaer investigates the relationship between direct investment in education

decomposed in its various levels (basic education and higher education) and Brazilian

worker productivity for the period 2002-2014, using a measure of human capital based on

microeconomic data. A contribution of this article is the use of multilevel models for the

estimations, this model considers explanatory variables with different levels, which makes

the estimations more robust, for this work was worked with macroeconomic variables (direct

investment in education) and microeconomic variables (data Individuals). The results show
that direct investment in education in the period from 2002 to 2014 has a significant share

that is approximately 34.91% of the variance.

Key Words: Human Capital, Productivity, Multilevel Models

1.Introdução:

O Brasil a partir da década de 1990 com a entrada do primeiro governo do presidente

Fernando Henrique Cardoso, começou a adoção de políticas públicas sobre o sistema

educacional, grande parte destas mediadas foram orientadas por organismos unilaterais

como o Banco Mundial (BM), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (UNESCO), e a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

(OCDE). Estudos como os de Lima (2003), Sguissardi (2000), Leher (1998), Coragio (2003),

Siqueira (2006) e Kruppa (2000) demonstram a influência do Banco Mundial sobre a

reforma educacional brasileira ocorrida nos anos de 1990, e identificaram que nesta década

as relações entre o organismo internacional e o governo brasileiro tiveram um impacto

significativo nos rumos das políticas educacionais brasileiras.

Em seu estudo Helena Altmann (2002), estudou as propostas do Banco Mundial para

as reformas educacionais nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, as principais

medidas orientadas pelo organismo internacional eram: maior ênfase na educação básica, a

descentralização da gestão e a centralização das avaliações dos sistemas escolares. Como

resposta do governo brasileiro a maior ênfase a educação básica, foi criado o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

(FUNDEF), com a lei nº 9424/96. O FUNDEF era constituído de um Fundo Contábil,

formado por vários impostos, e o seu objetivo era melhorar a remuneração dos professores

do ensino fundamental público, em efetivo exercício no magistério, estimulando assim o

trabalho em sala de aula e melhoria da qualidade do ensino. Posteriormente esta legislação


foi revogada por meio da Lei nº 11.494/07 que criou o FUNDEB, agora abrangendo toda a

educação básica.

A descentralização da gestão em seus aspectos administrativos e financeiros teve

como resposta do governo uma maior responsabilização das instituições escolares pelo

rendimento escolar dos alunos, dado os parâmetros de avaliação definidos externamente e

uma maior racionalização dos gastos, entre eles, incentivos a captação de recursos via

parcerias público-privadas e voluntariado, como por exemplo o Amigos da Escola. A

centralização dos sistemas de avaliação teve como objetivo fixar padrões de desempenho e

induzir aos resultados esperados pelas escolas e alunos, foram implantados os seguintes

sistemas de avaliação: Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), em 1990; Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 1998; Exame Nacional dos Cursos (ENC), em

1995.

Segundo Curry (1996) a própria LDB nº 9394/96 demonstra a perspectiva de

descentralização em termos de flexibilidade do planejamento e da gestão administrativa e

financeira repassados as escolas e a forte centralização nas avaliações escolares,

compreendidas como controle de resultados e fixação de padrões de desempenho. Com esta

modificação sobre as legislações escolares o controle passa a não ser mais exercido por

exemplo sobre o currículo mínimo, mais nos resultados adquiridos nos processos de

avaliação.

Analisando o montante investido durante as reformas implementadas até o governo

Lula, observou-se pouca variação do investimento público sobre a educação, de acordo com

dados do Banco Central o investimento global do estado brasileiro com educação para a

década de 2000 teve um acréscimo de apenas 1,2% do PIB em uma década. Analisando o
investimento para o ensino superior para o período entre 1989 e 2006 os investimentos da

União no setor como percentual do PIB, alterou de 0,97% para 0,62%.

O Brasil recentemente aprovou um projeto de lei que autoriza a reforma do ensino

médio (PL 6840/2013) que pode interferir sobre a formação do capital humano brasileiro,

pois exerce mudanças significativas nos currículos, como por exemplo escolha de áreas

especificas de estudo e integralização do ensino. Outra media que vem sendo discutida que

poderá gerar impactos na educação de mais longo prazo é o Projeto de Emenda

Constitucional (PEC 55/2016) no qual visa um congelamento dos gastos primários á nível

federal para os próximos vinte exercícios fiscais.

Visto todas estas mudanças que ocorreram e vem ocorrendo no sistema educacional

brasileiro é necessário se fazer uma análise de como o investimento sobre a educação irá

impactar a produtividade no país, com a expectativa de menores orçamentos é de suma

importância fazer uma análise de como investir recursos escassos de forma mais eficiente

possível.

Estudos como o de Topel (1999), Krueger e Lindahl (2001) e Langel e Topel (2006),

demonstram que o capital humano agregado possui um efeito significativo sobre o

crescimento econômico, com relevância tão significativa quanto o impacto microeconômico

da educação sobre os salários.

Analisar os impactos de investimentos em educação possui grandes dificuldades, este

problema ocorre ao fato de que a educação não influencia somente as condições de vida dos

que a adquirem diretamente (efeitos privados da educação), mas também podem gerar

externalidades sobre o bem-estar do círculo social de quem adquiriu educação. Analisando

pelo ponto de vista privado a educação gera aumentos salariais via aumentos de

produtividade, aumento da expectativa de vida devido a melhor eficiência com que os


recursos familiares são utilizados, redução da taxa de natalidade e o aumento da qualidade

de vida, gerando assim um impacto sobre a pobreza no futuro. Acredita-se também que as

externalidades geradas pela educação podem gerar efeitos ainda mais significativos do que

os efeitos privados. (Barros e Mendonça,1997).

Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre o investimento público e a

produtividade do trabalhador, via análise da teoria do capital humano mais especificamente

a equação Minceriana.

2.Metodologia

Os modelos mutinível ou modelos hierárquicos estão ganhando destaque na literatura

nos últimos anos, em estudos de análise qualitativa. Diaz (2007) comenta que o crescimento

da utilização desta metodologia é devido a uma maior necessidade das ciências sociais em

aprofundar tanto a sua abordagem teórica como a metodologia utilizada, visando assim

identificar, isolar e explicar as influências sobre o objeto de estudo, complementando assim

suas características.

Almeida (2012) define que no modelo clássico de regressão linear é aceito como

pressuposto que os coeficientes das variáveis explicativas são fixos, pressupondo que haja

estabilidade nas relações estimadas por eles. O problema é que em muitos fenômenos

estudados isto pode gerar uma limitação, pois se admite que os coeficientes são fixos quando

os mesmos são variáveis, assim é demonstrado que há heterogeneidade entre as relações, o

que gera um erro de especificação do modelo.

Martini e Castanheira (2012) comenta que na análise de dados estatísticos amostrais,

observa-se uma tendência de correlação entre os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo,

ou habitando um mesmo espaço, no que diz respeito às suas características e ao seu


comportamento. Esta correção existente gera um viés negativo nas estimativas dos erros-

padrão nos modelos estimados diretamente pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários

(MQO).

A metodologia mutinível consiste no desenvolvimento de modelos de regressão que

possuem como característica assumir que variável dependente é afetada por variáveis

independentes com níveis distintos, ou seja, existem níveis de caráter individual

(desagregados) e níveis que especificam por exemplo um grupo ou ambiente no qual o

indivíduo está inserido (agregado). Outra característica do modelo é que cada nível pode

possuir um componente residual, não explicado pelas variáveis explicativas do modelo,

Queirós e César (2000) afirmam que nestas condições os modelos multinível oferecerem três

vantagens de estudo: (i) a metodologia permite estimativas mais robustas para os parâmetros

do modelo, devido ao controle das características do grupo mais numeroso sobre inferências

realizadas para a amostra total; (ii) permite avaliar os efeitos sobre as variáveis de diferentes

níveis, permitindo assim a realização de testes de hipóteses sobre as relações entre os

indivíduos e os respectivos grupos; (iii) permite a separação dos componentes das variâncias

de acordo com o nível de cada variável explicativa, o que torna as estimativas do erro padrão

mais rigorosas nos modelos multínivel do que nos modelos estimados por OLS. Ferrão et

alii (2002) comentam que a separação das variáveis explicativas em níveis distintos permite

uma maior compreensão dos problemas no processo modelado.

Formalmente1 um modelo multinível com uma variável dependente nos níveis 1 e 2

por ser definido como:

1
A presente formalização é baseada no livro: Economia Espacial Aplicada; Almeida (2012).
Seja o modelo no primeiro nível:

𝑦𝑖𝑡 = 𝛽0𝑗 + 𝛽0𝑖𝑗 𝑋1𝑖𝑗 + 𝜀𝑖𝑗 (1)

Considerando a variação aleatória no intercepto no segundo nível hierárquico, mais

sem o feito aleatório da inclinação, temos:

𝛽0𝑗 = 𝜇00 + 𝜇01 𝑅1𝑗 + 𝑣0𝑗 (2)

𝛽1𝑗 = 𝜇10 (3)

Substituindo as equações (2) e (3), obtém-se o modelo completo:

𝑦𝑖𝑗 = 𝜇00 + 𝜇10 𝑋1𝑖𝑗 + 𝜇01 𝑅1𝑗 + 𝑣𝑜𝑗 + 𝜀𝑖𝑗

Dada as definições exemplificadas anteriormente, pode-se definir o modelo geral

com dois níveis:

Supondo que haja 𝑝 variáveis explicativas no primeiro nível e 𝑞 variáveis

explicativas no segundo nível, o modelo geral no primeiro nível assume a seguinte forma:

𝑦𝑖𝑗 = 𝛽𝑜𝑗 + 𝛽1𝑗 𝑋1𝑖𝑗 + ⋯ + 𝛽𝑝𝑗 𝑋𝑝𝑖𝑗 + 𝜀𝑖𝑗 (4)

Cada coeficiente do primeiro nível torna-se variável dependente no segundo nível.

Assim, para ℎ coeficientes (𝛽), o modelo é:

𝛽ℎ𝑗 = 𝜇ℎ𝑗 + 𝜇ℎ1 𝑅1𝑗 + ⋯ + 𝜇ℎ𝑞 𝑅𝑞𝑗 + 𝑣ℎ𝑗 (5)

Substituindo (12) em (11), temos o modelo completo:

𝑦𝑖𝑗 = 𝜇00 + ∑𝑝ℎ=1 𝜇ℎ0 𝑋ℎ𝑖𝑗 + ∑𝑞𝑘=1 𝜇0𝑘 𝑅𝑘𝑗 + ∑𝑞𝑘=1 ∑𝑝ℎ=1 𝜇ℎ𝑘 𝑅𝑘𝑗 𝑋ℎ𝑖𝑗 + 𝑣0𝑗 +
(6)
∑𝑝ℎ=1 𝑣ℎ𝑗 𝑋ℎ𝑖𝑗 + 𝜀𝑖𝑗

Nota-se que se obtêm os efeitos de cada 𝑋 e 𝑅, bem como os efeitos das variáveis de

interação. (Snijders e Bosker, 1999).


Para se efetuar a análise dos modelos multinível é necessário estimar três tipos de

parâmetros: os coeficientes fixos, os coeficientes aleatórios e os componentes da matriz

variância-covariância. Conforme Raudenbush e Bryk (2002), a estimação dos parâmetros é

dependente da estimação dos outros parâmetros. Assim a estimação dos coeficientes da

regressão depende do conhecimento das variâncias, ao passo que a estimação desses

componentes só pode ocorrer se os coeficientes da regressão já forem conhecidos.

Snijders e Bosker (1999) descreveram a interdependência na estimação dos

parâmetros. Temos que se os coeficientes fixos forem conhecidos, os coeficientes aleatórios

podem ser estimados via matriz de variância-covariância, mas se todos os coeficientes forem

aleatórios e os componentes de variância forem conhecidos, pode-se estimar os coeficientes

fixos diretamente.

A principal fonte de dados utilizada para a análise empírica deste artigo é a Pesquisa

Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD) 2002-20142 que é realizada pelo IBGE3. A

PNAD tem como objetivo, investigar anualmente características gerais da população como

por exemplo educação, trabalho, rendimento e habitação, outras características possuem

periocidade variável dada a necessidade de estudo como por exemplo migração,

fecundidade, nupcialidade, saúde, segurança alimentar, entre outros. A PNAD é um

importante instrumento para validação e avaliação de políticas voltadas para o

desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Os dados sobre investimento direto em

educação foram retirados do banco de dados do INEP4 para os anos de 2002-2014.

Todas as variáveis independentes de nível um (nível de pessoas) dos modelos foram

construídas a partir das variáveis encontradas na PNAD 2002-2014, sendo que algumas delas

2
O ano de 2010 não foi efetuado a PNAD, logo não está inclusa no modelo.
3
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
4
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
foram diretamente incluídas para a estimação, e outras foram obtidas por meio de criação de

variáveis dummies ou utilização de proxies, a variável experiência foi criada a partir de uma

proxy definida por formula5. Como a variável dependente é derivada do salário, foi utilizado

um deflator6.

Como os dados da PNAD não são contínuos foi necessário a criação de um pseudo-

painel, foi utilizado para a criação dos coortes as seguintes variáveis: raça, educação pública,

sindicato e sexo, após a criação dos coortes o modelo ficou com 192 observações finais.

3. Modelo e Resultados

3.1 Modelo 1: Pooled

O primeiro modelo estimado é um modelo linear simples, não-hierárquico, apenas

com o objetivo de verificar o comportamento das variáveis independentes, escolhidas para

o trabalho. O modelo pode ser descrito pela seguinte equação:

ln_sal = 𝛽0 + 𝛽1 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎 + 𝛽2 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎2 + 𝛽3 𝑎𝑛𝑜𝑠_𝑒𝑠𝑡𝑢𝑑 + 𝛽4 𝑠𝑖𝑛𝑑 + 𝛽5 𝑒𝑛𝑠_𝑝𝑢𝑏

+ 𝛽6 𝑛𝑒𝑔𝑟𝑜 + 𝛽7 𝑠𝑒𝑥𝑜 + 𝛽8 𝑖𝑛𝑣_𝑡𝑜𝑡 + 𝛽9 𝑖𝑛𝑣_𝑏𝑎𝑠 + 𝛽10 𝑖𝑛𝑣_𝑖𝑛𝑓 (7)


+ 𝛽11 𝑖𝑛𝑣_𝑓𝑢𝑛1 + 𝛽12 𝑖𝑛𝑣_𝑓𝑢𝑛2 + 𝛽13 𝑖𝑛𝑣_𝑚𝑒𝑑 + 𝛽14 𝑖𝑛𝑣_𝑠𝑢𝑝 + 𝜀𝑖

3.2 Modelo 2: Efeitos Fixos

Este modelo é utilizado devido sua característica de existir correlação entre efeitos

não observáveis e variáveis independentes, ou seja, o modelo pretende controlar os efeitos

das variáveis omitidas que variam entre os indivíduos e permanecem constantes ao longo do

tempo. Para isto, supõe que o intercepto varia de um indivíduo para o outro, mais se mantem

5
A variável experiência é definida como: E = (idade) – (anos de estudo) – 6.
6
Ver Corseuil e Foguel (2002).
constante ao longo do tempo, em contraponto que os parâmetros são constantes para todos

os indivíduos e em todos períodos de tempo. Segundo Hill, Griffiths e Judge (1999), o

modelo pode ser definido como:

𝛽0𝑖𝑡 = 𝛽𝑜𝑖 𝛽1𝑖𝑡 = 𝛽1 … 𝛽𝑘𝑖𝑡 = 𝛽𝑘

O modelo de efeitos fixos será definido como:

lnsal = 𝛼𝑖 + 𝛽1 𝑥1𝑖𝑡 + ⋯ + 𝛽𝑘 𝑥𝑘𝑖𝑡 + 𝜀𝑖𝑡 (8)

onde 𝛼𝑖 representa interceptos a serem estimados para cada indivíduo. Como os parâmetros

reposta são constantes entre os indivíduos e ao longo do tempo, todas as diferenças

comportamentais entre os indivíduos serão captadas pelo intercepto, desde modo, 𝛼𝑖 pode

ser interpretado como efeito das variáveis omitidas no modelo.

3.3 Modelo 3: Modelo Hierárquico Nulo

O modelo Hierárquico Nulo7, é o modelo multinível mais simples existente, ele não

apresenta variáveis independentes. O modelo tem como objetivo permitir a divisão da

variabilidade nos dados entre os termos de resíduo individual e de grupo. Temos que a

variável dependente é explicada por um termo de intercepto 𝛽 somado a um erro aleatório r

normalmente distribuído com média zero e variância constato 𝜎². O intercepto de cada

observação individual é afetado por um efeito fixo de grupo, que pode ser definido por um

termo de intercepto 𝛾 e por um erro aleatório 𝑢:

𝑌𝑖𝑗 = 𝛽0𝑗 + 𝑟𝑖𝑗 (9)

𝛽0𝑗 = 𝛾00 + 𝑢𝑜𝑗 (10)

7
Para maiores informações consultar Raudenbush e Bryk (2002) e Queirós e César (2000).
O modelo completo é definido substituindo (9) em (10):

𝑌𝑖𝑗 = 𝛾00 + 𝑢0𝑗 + 𝑟𝑖𝑗 (11)

Sendo 𝜎² a variância entre os indivíduos e 𝜏00 a variância do investimento direto total

em educação, o coeficiente de correlação entre as observações dentro de um mesmo grupo

(ano de investimento) é dado por:

𝜏00
𝜌= (12)
(𝜏00 + 𝜎 2 )

A estimação revela aproximadamente 65,09% deve-se a diferenças entre os

indivíduos, e 34,91%8 deve-se a diferença entre os grupos (investimento anual direto em

educação). Ou seja, o modelo revelou que o peso dos fatores de investimento total

influenciando os indicadores do logaritmo do salário, quando não controlados os efeitos

individuais, é significativo, isto nos indica que a estimação por modelos hierárquicos é

apropriada.

3.4 Modelo 4: Incluindo as Características dos indivíduos (Modelo com variáveis

explicativas no nível 1)

Este modelo inclui as variáveis explicativas de nível dois, referentes às características

dos indivíduos, mas apenas o termo de intercepto varia entre os anos de investimento, ou

seja, os modelos de níveis 1 e 2 são:

ln_𝑠𝑎𝑙𝑖 = 𝛽0𝑗 + 𝛽1 𝑒𝑠𝑐 + 𝛽2 𝑠𝑖𝑛𝑑 + 𝛽3 𝑒𝑛𝑠_𝑝𝑢𝑏 + 𝛽4 𝑛𝑒𝑔𝑟𝑜 + 𝛽5 𝑠𝑒𝑥𝑜


(13)
+ 𝛽6 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎 + 𝛽7 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎2 + 𝑟𝑖𝑗

𝛽00 + 𝑢𝑜𝑗 (14)

8
A participação das variâncias é calculada a partir do coeficiente de correlação que é definido por: 𝑟 =
2
𝜎𝑣0
𝜎𝑣0 +𝜎ℰ2
2
𝛽𝑛𝑗 = 𝛾𝑛0 , 𝑛 > 0 (15)

Substituindo as equações (14) e (15) em (13), temos:

ln_𝑠𝑎𝑙𝑖 = 𝛾00 + 𝛾10 𝑒𝑠𝑐 + 𝛾20 𝑠𝑖𝑛𝑑 + 𝛾30 𝑒𝑛𝑠_𝑝𝑢𝑏 + 𝛾40 𝑛𝑒𝑔𝑟𝑜 + 𝛾50 𝑠𝑒𝑥𝑜
(16)
+ 𝛾60 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎 + 𝛾70 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎2 + 𝑢0𝑗 + 𝑟𝑖𝑗

A inclusão das variáveis de controle para as características individuais causou uma

redução de aproximadamente 516,03% na variância entre os indivíduos e de

aproximadamente 18,49% entre os anos de investimento.

3.5 Modelo 5: Modelo Hierárquico com variáveis explicativas no nível 1 e 2

O último modelo analisado inclui as características individuais (nível 1) e as do

investimento direto em educação (nível 2). Em um modelo de interceptos aleatórios, a

equação nível um é dada por (13), e os termos de inclinação são dados por (15). Já o termo

de intercepto é dado por:

𝛽0𝑗 = 𝛾00 + 𝛾01 𝑖𝑛𝑣_𝑡𝑜𝑡 + 𝑢𝑜𝑗 (17)

Substituindo as equações em (13), tem-se:

ln_𝑠𝑎𝑙𝑖 = 𝛾00 + 𝛾01 𝑖𝑛𝑣_𝑡𝑜𝑡 + 𝛾02 𝑖𝑛𝑣_𝑏𝑎𝑠 + 𝛾03 𝑖𝑛𝑣_𝑖𝑛𝑓 + 𝛾04 𝑖𝑛𝑣_𝑓𝑢𝑛1

+ 𝛾05 𝑖𝑛𝑣_𝑓𝑢𝑛2 + 𝛾06 𝑖𝑛𝑣_𝑚𝑒𝑑 + 𝛾07 𝑖𝑛𝑣_𝑠𝑢𝑝 + 𝛾10 𝑒𝑠𝑐


(18)
+ 𝛾20 𝑠𝑖𝑛𝑑 + 𝛾30 𝑒𝑛𝑠_𝑝𝑢𝑏 + 𝛾40 𝑛𝑒𝑔𝑟𝑜 + 𝛾50 𝑠𝑒𝑥𝑜

+ 𝛾60 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎 + 𝛾70 𝑒𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎2 + 𝑢0𝑗 + 𝑟𝑖𝑗

A inclusão das variáveis explicativas de nível dois9 não afetou a variância entre os

indivíduos e reduziu a variância entre os anos de investimento em aproximadamente

9
Comparando com o Modelo 4: Incluindo as Características dos indivíduos.
653,23%. A inclusão das variáveis de nível dois pouco afetou os coeficientes de significância

das demais variáveis independentes do modelo.

3.6 Resultados das estimações:

Tabela 1: Resultados das Estimativas dos Modelos 1 a 5


Variável Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5
−0.4513679𝑁𝑆 3.190532* 5.968581* 3.138989* −0.3569851 𝑁𝑆
Constante
(0.346) (0.000) (0.000) (0.000) (0.671)
0.2371975* 0.2190279 * 0.2244179* 0.2231877*
esc -
(0.000) (0.000) (0.004) (0.000)
0.0835221** 0.1175929 * 0.1095387* 0.109803*
sind -
(0.052) (0.000) (0.004) (0.004)
0.1475161* 0.1198261* 0.1264413* 0.1261529*
ens_pub -
(0.00) (0.001) (0.001) (0.001)
-0.0676866* -0.0775434* -0.0743268* -0.0752844*
negro -
(0.00) (0.000) (0.000) (0.000)
-0.5104944* -0.4978313* -0.5015578* -0.5007303*
sexo -
(0.00) (0.000) (0.000) (0.000)
0.075444* 0.0714804* 0.0707879* 0.0723791*
experiencia -
(0.00) (0.000) (0.00) (0.000)
−0.0005108𝑁𝑆 −0.0004818 𝑁𝑆 −0.0004455 𝑁𝑆 −0.0004882𝑁𝑆
experiencia2 -
(0.134) (0.117) (0.137) (0.103)
1.616842* 1.65169**
inv_tot - - -
(0.00) (0.012)
-1.587524* −1.624286 𝑁𝑆
inv_bas - - -
(0.007) (0,129)
2.554612* 2.596334*
inv_inf - - -
(0.00) (0.000)
−0.2860569𝑁𝑆 −.283312 𝑁𝑆
inv_fun1 - - -
(0.482) (0.705)
1.123331* 1.148009𝑁𝑆
inv_fun2 - - -
(0.006) (0.123)
0.1320066𝑁𝑆 0.1273822𝑁𝑆
inv_med - - -
(0.767) (0.876)
-0.6862632* -0.6992428**
Inv_sup - - -
(0.000) (0.032)
- - - -
var(inv_tot) 7.32e−10
- - - -
var(inv_bas) 3.79e−10
- - - -
var(inv_inf) 7.36e−09
- - - -
var(inv_fun1) 6.13e−09
- - - -
var(inv_fun2) 1.40e−09
- - - -
var(inv_med)
- - - - 3.17e−11
var(inv_sup)
- - - - 8.82𝑒 −07
var(_cons) 0.0537533
- - 0.5729688 0.4835036
var(Residual) 0.0681082
- - 0.4196007 0.0681131
pseudro R2 0.9852 0.5469 - - -
nº obs. 192 192 192 192 192
Fonte: Elaborado pelo autor.
NS não significativo
*Variável significativa a 1%
**Variável Significativa a 5%
***Variável Significativa a 10%
A introdução das variáveis de investimento direto em educação como variáveis que

influenciam os coeficientes de inclinação das variáveis de nível um não afetou de forma

significativa o modelo.

3.7 Comentários sobre os Resultados das Estimações

De acordo com os resultados estimados, o comportamento das variáveis

independentes está de acordo com o abordado pela literatura, a variável ensino público é a

única que apresentou resultados contraditórios, este resultado possivelmente ocorreu devido

a introdução de coortes na amostra, o que gerou um viés nesta variável. Os indivíduos que

possuem maior salário (produtividade) são os que possuem maior escolaridade, são

sindicalizados, são homens e possuem mais anos de experiência. Por outro lado, os

indivíduos que possuem menor salário são negros, mulheres, sendo destes, ser do sexo

feminino a maior diferença salarial.

A relação entre a renda individual e maior escolaridade pode ser explicada pela teoria

do Capital Humano de Mincer (1974) como já foi abordado neste trabalho. Portanto quanto

maior a escolaridade do indivíduo maiores são as probabilidades de ser mais produtivo o que

tem como consequência um maior salário, além disto a literatura vem demonstrando que um

maior nível educacional gera externalidades positivas10.

O efeito positivo do indivíduo ser sindicalizado também é abordado de forma

recorrente em trabalhos desta espécie, Menezes e Rodrigues (2009) demonstram esta relação

entre sindicalização, escolaridade e maior rendimento. A importância de o indivíduo ser

sindicalizado se deve ao maior poder de negociação que os mesmos possuem, pois como a

negociação é efetuada de forma coletiva, os sindicatos possuem instrumentos de maior

10
Ver livro Handbook of regional and urban economics, Moretti, E. (2004).
impacto nos empregadores como por exemplo a organização de greves trabalhistas, assim

os indivíduos sindicalizados possuem maiores retornos salarias comparados com indivíduos

com as mesmas características que não são filiados a sindicatos.

A literatura demonstra a existência de impactos negativos na educação pública11

sobre os salários, é um fenômeno demonstrado pelas avaliações de ensino implementadas

no Brasil, exames como o Enem demonstram que os estudantes da rede pública possuem

resultados inferiores aos da rede privada, isto indica que mesmo com o aumento do

investimento em educação, existe um problema de qualidade deste investimento, logo é

necessário uma gestão mais eficiente destes recursos voltados para educação, para assim ter

um aumento efetivo da produtividade do trabalhador. Estudos como o de Saviani (2007) e

Fonseca (2009) analisam políticas públicas educacionais e a efetividade das mesmas em

melhorar a qualidade do ensino.

Os resultados de raça e sexo estão de acordo com o abordado pela literatura, estudos

como o de Soares (2000) demonstram está relação, pessoas negras e (ou) do sexo feminino

geralmente possuem rentabilidades inferiores se comparadas a pessoas com as mesmas

qualificações sendo brancos e (ou) homens. Estes resultados demonstram que o investimento

em educação deve ser muito além de se melhorar a qualidade do ensino via investimento

direto, é necessário investimento social para inclusão ao acesso à educação de qualidade de

grupos descriminados.

Indivíduos com mais anos de experiência tendem a ter salários mais elevados, cabe

ressaltar que está variável possui um comportamento quadrático, ou seja, com o

11
Refere-se a educação até o 2º grau completo.
envelhecimento das pessoas a produtividade tende a cair mesmo com mais anos de

experiência, este comportamento também é condizente com o abordado na teoria econômica.

Analisando as variáveis de nível dois, pode-se observar que somente três foram

significativas no modelo que são: investimento total, investimento em educação infantil e

investimento em educação superior. Um aspecto importante para se analisar é que a variável

de investimento em educação superior apresentou retornos negativos sobre o salário, este

resultado pode ter ocorrido devido ao baixo grau de escolaridade da população brasileira,

logo é necessário um maior investimento em educação de base, o que fica demonstrado no

resultado positivo sobre o investimento em educação infantil

Os resultados das regressões demonstraram que o investimento direto total em

educação gera um retorno salarial elevado, isto demonstra que o aumento do investimento

em educação nos últimos anos tem sido efetivo na melhora da qualidade de vida12 das

pessoas. Um aspecto importante é que além do investimento direto em educação ter se

elevado nos últimos anos, foi implantado critérios de avaliação mais rigorosos como já foi

apresentado neste trabalho.

Finalmente observa-se como o componente da variância relacionado aos efeitos de

nível dois, referentes as características do investimento direto em educação, é significativa,

cerca de 34,91% da variância total no modelo hierárquico nulo sem nenhum controle por

variáveis independentes, a estimação por modelos hierárquicos demonstrou-se válida.

4.Conclusão

A principal conclusão que se pode obter deste estudo é verificar que o aumento do

investimento direto em educação nas últimas décadas no Brasil vem surtindo efeitos

12
Referindo-se a maior renda da população.
positivos para a população, ou seja, mesmo com todas as ineficiências conhecidas no país,

ainda assim existe um retorno positivo, pode-se verificar via Teoria do Capital Humano,

mais particularmente sobre a teoria desenvolvida por Mincer que o investimento em

educação causa diminuição de pobreza via aumento de poder aquisitivo.

Outro aspecto importante deste artigo é a análise da equação Minceriana com

modelos hierárquicos, a introdução de variáveis com níveis mais agregados demonstrou uma

parcela significativa da variância total do modelo, o que torna a metodologia viável para este

tipo de análise. O interessante de se utilizar esta espécie de modelo é observar como medidas

macroeconômicas afetam os indivíduos a níveis microeconômicos, logo pode-se usá-los

como instrumentos de verificação qualitativa de políticas públicas, pois analisa-se a relação

do investimento total em características individuais, o que o modelo de regressão linear não

consegue mensurar.

Mesmo com os avanços em termos de produtividade da população, é necessário

observar que os grupos descriminados (mulheres e/ou negros) ainda possuem salários

inferiores ao de indivíduos que possuem características semelhantes e não são destes grupos,

logo é necessário além dos investimentos diretos, políticas de inclusão social, assim é

possível obter resultados mais significativos sobre a produtividade brasileira.

Este artigo faz uma análise mais simplória sobre a teoria do capital humano, a partir

da metodologia usada pode-se utilizar equações mais complexas com análises mais amplas,

por exemplo, a introdução de variáveis que controlem o aumento real do salário mínimo que

o Brasil teve nos últimos anos, a partir do momento que os modelos multíniveis se

demonstram válidos para este tipo de análise, que é o objetivo deste trabalho, assim para

futuros trabalhos pode-se aumentar a complexidade dos modelos.


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EFICIÊNCIA DAS UNIDADES DO CEFET/MG:
UMA AVALIAÇÃO POR DATA ENVELOPMENT ANALYSIS

Tiago Silveira Gontijo


Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix
Email: tiago.gontijo@izabelahendrix.edu.br

Cristiana Fernandes De Muylder


Universidade FUMEC
Email: cristiana.muylder@fumec.br

Alexandre de Cássio Rodrigues


Universidade FUMEC
alexandrerodrigues.engprod@gmail.com

RESUMO: A Educação Profissional, Científica e Tecnológica é uma importante política pública do


Brasil, pois visa preparar os alunos para atuar em setores que carecem de mão de obra especializada.
Neste contexto, este artigo teve como objetivo avaliar a eficiência de nove unidades do Centro Federal
de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) em 2015. Para isso, empregaram-se modelos
de Data Envelopment Analysis (DEA). Como inputs consideraram-se o número médio de alunos por
turma e o indicador de adequação da formação dos docentes; como output utilizou-se um índice, o ID-
CEFET/MG, que agregou a taxa de aprovação e a nota média dos alunos no ENEM. Apurou-se que
apenas duas unidades do CEFET/MG foram globalmente eficientes; que, em média, o ID_CEFET/MG
poderia ser incrementado em até 15,0%, sem aumentar os inputs, e que as unidades ineficientes, em sua
maioria, operaram abaixo da escala ótima. Os resultados obtidos são úteis, pois identificam benchmarks
e alvos de desempenho realistas para as unidades ineficientes do CEFET/MG. Além disso, o método
utilizado pode ser usado por outras instituições para aprimorar a gestão dos recursos aplicados na
Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Palavras-chave: Eficiência. CEFET/MG. Data Envelopment Analysis.

CEFET/MG UNITS EFFICIENCY:


AN EVALUATION BY DATA ENVELOPMENT ANALYSIS

ABSTRACT: The professional, scientific and technological education it is a relevant public policy in
Brazil, since it aims to prepare students to work in sectors that need some specialized labor. In this
context, this article evaluated the efficiency of nine units of the Federal Center for Technological
Education of Minas Gerais (CEFET/MG) in 2015. According to the afore mentionated purpose the Data
Envelopment Analysis (DEA) models were used. As the model inputs were considered: the student’s
average number per class and the indicator of teacher training adequation. In the other hand, the choiced
output was: an index called by ID-CEFET/MG, which added the approval rate and the average student’s
grade in the ENEM exam. It was found that only two CEFET/MG units were globally efficient; that
shows on average, that the ID_CEFET/MG could be increased by up to 15.0%, without increasing the
inputs, and those inefficient units, for the most part, operated below the optimal scale. The results
obtained are quite useful since it is possible to identify realistic benchmarks and performance targets for
inefficient CEFET/MG units. In addition, the method used can be applied by another one institutions in
order to improve their applied resources management in vocational, scientific and technological
education.

Keywords: Efficiency. CEFET/MG. Data Envelopment Analysis.


1 INTRODUÇÃO

A educação é um fator crucial para o alcance do desenvolvimento socioeconômico de

qualquer nação (BRIAN, 2007; HANUSHEK; WOESSMANN, 2008). Neste sentido, a

Constituição Federal brasileira prevê que a educação é um direito de todos e dever do Estado

e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. Para garantir esse direito, no tocante à responsabilidade do

Estado, parte da receita resultante de impostos deve empregada na manutenção e

desenvolvimento do ensino (FEDERAL, 1988).

No Brasil, a necessidade de atendimento às crescentes demandas educacionais e a

conhecida escassez de recursos, têm motivado o desenvolvimento de pesquisas com o intuito

de mensurar a eficiência dos gastos públicos em educação (RODRIGUES, 2015; FARIA,

JANNUZI, SILVA, 2008). Neste artigo tem-se particular interesse na mensuração da

eficiência dos recursos aplicados em Educação Profissional, Científica e Tecnológica, uma

política de Estado de grande relevância para o país (PACHECO, 2008), já que tem como

finalidade, sobretudo, preparar alunos com conhecimentos diferenciados para atuar em setores

de ponta da economia, onde sobram vagas por falta de mão de obra qualificada (TCU, 2013).

A avaliação da eficiência de Instituições de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica foi o propósito dos estudos desenvolvidos por Ramos e Ferreira (2007), Almeida

e Almeida Filho (2014) e Furtado e Campos (2015). Em comum, estas investigações mediram

o desempenho de instituições heterogêneas entre si, o que além de afetar os escores de

eficiência, dificulta a identificação de benchmarks realistas (COOK; TONE; ZHU, 2014). Por

isso, este trabalho adota uma perspectiva diferente, pois tem por objetivo avaliar a eficiência

das unidades de uma mesma instituição: o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas

Gerais (CEFET/MG). Para isso, são utilizados modelos de Análise Envoltória de Dados (Data
Envelopment Analysis – DEA), a técnica mais empregada em pesquisas sobre eficiência em

educação (LIU et. al, 2013; EMOUZNEJAD; YANG, 2017).

Além desta introdução, este artigo contém mais quatro sessões. A segunda discute a

técnica DEA. Na terceira são detalhados os métodos de pesquisa. Na seção quatro discutem-se

os resultados encontrados. Por fim, têm-se as considerações finais.

2 ANÁLISE ENVOLTÓRIA DE DADOS

A Análise Envoltória de Dados (DEA) é uma técnica não paramétrica de mensuração


de eficiência relativa, difundida especialmente a partir dos trabalhos de Charnes, Cooper e
Rhodes (1978) e Banker, Charnes e Cooper (1984). Admite-se que N unidades tomadoras de

decisão (Decision Making Units – DMU) utilizem uma tecnologia comum   para

transformar um vetor de inputs x n  xn1 ,..., xnp  p em um vetor de outputs
y n  yn1 ,..., ynp q . Assim, define-se o conjunto de possibilidades de produção, que é

formado pelos planos x, y factíveis, tais que  x, y .


p q
x pode produzir y

Embora  não seja observável, a técnica DEA, por meio de programação linear,
calcula a estimativa , dada pela Equação (1), ao definir o menor subconjunto do espaço
 p x q xn , yn 
  que contém os dados e que satisfaça às propriedades de livre descarte de
inputs e outputs, convexidade do conjunto de possibilidades de produção e retornos de escala,
que podem constantes (RCE) ou variáveis (RVE) (BOGETOFT; OTTO, 2010):

^ 
 pq
N N 

   x, y   n   N  : x    n xn , y    n y n  (1)

  n 1 n 1 


onde: 

 N 

N RCE   N

 n livre

(2)
 n1 

 N 
 N RVE     N  n 1  (3)
 n1 
Os modelos DEA podem ser orientados a inputs, quando o propósito é reduzir os
inputs, mantendo-se constante os outputs, ou orientados a outputs, quando se almeja aumentar
os outputs, mantidos fixos os inputs. Em se tratando de modelos orientados a outputs, os quais
^
serão utilizados neste trabalho, o escore de eficiência da DMU 0, 0   0 1 , é dado por:
^ 
0  max  
 ,1 ,...,N
N 
x0i   n xni , i 
n1
N (4)
y0 j   n ynj , i 
n1
  N

O escore eficiência da DMU0 obtido sob a pressuposição de retornos constantes de

escala é a eficiência técnica global, enquanto que aquele obtido sob a pressuposição de

retornos variáveis de escala é a eficiência técnica pura. A razão entre essas medidas fornece a

eficiência de escala (FERREIRA; GOMES, 2009). Ou seja, a ineficiência técnica global é

composta pela ineficiência técnica pura e pela ineficiência de escala.

A Figura 1 ilustra geometricamente esses conceitos, considerando-se um input e um

output, e orientação a outputs. Nela são representadas as fronteiras eficientes calculadas pela

DEA sob os pressupostos de retornos constantes de escala (RCE), à qual pertence a DMU C, e

de retornos variáveis de escala (RVE), formada pelas DMUs A, B, C, D e E. Esta última

contém uma parte com retornos não decrescentes de escala (de A a C) e outra com retornos

não crescentes de escala (de C a E). Tem-se que a DMU P não pertence àquelas fronteiras,

portanto, é ineficiente. Para sê-lo, P deve perseguir o alvo Pv ou Pc, dependendo do tipo de

retorno de escala (RVE ou RCE, respectivamente), tendo C e D como principais benchmarks.

Então, sob a pressuposição de retornos constantes de escala, a ineficiência técnica global de P

é a distância PPc. Por outro lado, sob a pressuposição de retornos variáveis de escala, a

ineficiência técnica pura de P é a distância PPv. A diferença entre essas ineficiências técnicas,

dada pela distância PvPc, é a ineficiência de escala de P.


Figura 1: Eficiência técnica e eficiência de escala
Fonte: Ferreira e Gomes (2009, p. 192, adaptada).

Se a eficiência de escala for igual a um, então a DMU estará operando com retornos
constantes de escala, mas se for menor que um, poderá ocorrer retornos crescentes ou
decrescentes de escala (BANKER; CHARNES; COOPER, 1984). Ou seja, a eficiência de
escala não identifica o tipo de retorno de escala que uma DMU está operando. Para fazê-lo,
para todas as soluções ótimas da Equação (4), descrita anteriormente, devem-se verificar
condições a seguir (BANKER et al., 2004):
N
 Os retornos de escala serão crescentes se, e somente se 
n 1
n 1 ;

 Os retornos de escala serão decrescentes se, e somente se, N

 n 1 ;
n1


N
Os retornos de escala serão constantes se, e somente se, 
n 1
n 1 .

Discutidos os fundamentos da DEA, a seguir são detalhados os métodos empregados


no desenvolvimento da pesquisa.

3 MÉTODOS

Esta pesquisa é uma avaliação ex post, do tipo cross section, com abordagem
descritiva e que emprega método quantitativo de análise. São considerados os dados mais
recentes do CEFET/MG, referentes ao ano de 2015, os quais foram coletados no sítio do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Foram admitidas como DMUs as nove unidades do CEFET/MG, localizadas nos

municípios de Araxá, Belo Horizonte (Campus I), Curvelo, Contagem, Divinópolis,

Leopoldina, Nepomuceno, Timóteo e Varginha, as quais ofertam cursos de educação

profissional técnica de nível médio, nas modalidades integrada, com concomitância externa

e/ou subsequente. Em 2015, 1.108 alunos estavam matriculados no 3º ano do Ensino Médio

daquelas unidades, sendo que 1.060, equivalente a 95,7% do total, realizaram o Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM) (INEP, 2017a).

Definidas as DMUs, passou-se à escolha dos inputs e outputs, que é uma etapa

fundamental em DEA, pois os escores de eficiência são diretamente influenciados por essas

variáveis (COOK; TONE; ZHU, 2014). Ressalta-se, no entanto, que na avaliação de

eficiência em educação não há um consenso quais sobre inputs e outputs devam ser adotados.

Isso é ilustrado no Quadro 1, que mostra os inputs e outputs utilizados em trabalhos que

empregaram DEA para medir a eficiência de Instituições Federais de Educação Profissional,

Científica Tecnológica:

Trabalho Inputs Outputs


1. Nota de desempenho
no ENEM
2. Total de alunos
1. Valor do orçamento anual matriculados no Ensino
Ramos e Ferreira para custeio e investimento Médio
(2007) 2. Total de docentes 3. Total de alunos
3. Índice de titulação docente concluintes
4. Total de alunos
matriculados no Ensino
Superior
1. Número de docentes
1. Nota média no
Almeida e 2. Número de servidores
ENEM
Almeida Filho 3. Indicador de existência de
2. Número total de
(2014) 4. Ambientes de auxílio à
alunos no Ensino Médio
Aprendizagem
1. Gasto corrente por aluno
matriculado 1. Relação de
Furtado e Campos
2. Índice de titulação docente concluintes por aluno
(2015)
3. Relação de alunos por matriculado
professor
Quadro 1: Inputs e outputs de Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
Fonte: Elaborado a partir de Ramos e Ferreira (2007), Almeida e Almeida Filho (2014) e Furtado e Campos
(2015)
Analisando-se as variáveis mostradas no Quadro 1, observa-se que, em geral, os inputs

estão associados aos gastos por aluno e à quantidade e qualidade do corpo docente enquanto

que os outputs referem-se ao número de concluintes e ao desempenho dos alunos no ENEM.

Normalmente, os valores dessas variáveis, com exceção do desempenho dos alunos no

ENEM, são extraídos do Relatório de Análise dos Indicadores de Gestão das Instituições

Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica 1, que é produzido pelo Tribunal

de Contas da União (TCU). Porém, como esse documento disponibiliza somente dados

agregados por instituição, não é possível realizar o detalhamento por unidade de cada

instituição, que é o propósito deste trabalho. Por isso, a partir de dados disponibilizados pelo

INEP (2017a, 2017b), referentes ao 3º ano do Ensino Médio de cada unidade do CEFET/MG,

foram pré-selecionados os inputs e outputs mostrados no Quadro 2, que também apresenta as

justificativas que demonstram o alinhamento das variáveis escolhidas aos trabalhos anteriores.

Inputs
Indicador Justificativa
Quanto maior o número de alunos por turma,
1. Número médio de alunos por turma menores deverão ser as necessidades de professores
(turma) e salas de aulas e, portanto, menor deverá ser o
gasto por aluno.
Quanto maior o número de horas-aulas por dia,
2. Número médio de horas-aulas por dia maior deverá ser quantidade de professores e,
(aulas) consequentemente, maior deverá ser o gasto por
aluno.
É uma proxy da qualidade do corpo docente, pois
verifica a adequação entre a formação acadêmica do
3. Indicador de adequação da formação
docente e a(s) disciplina(s) que ele leciona. Carmo
docente (adequação)
et al. (2015) mostram que a adequação do corpo
docente influencia positivamente o desempenho dos
alunos no ENEM.
Outputs

Indicador Justificativa
1. Taxa de aprovação de Reflete o fluxo escolar; é o produto do
alunos (aprovação) processo educacional (INEP, 2017b)
2. Nota média dos alunos no É uma proxy da qualidade da educação
ENEM (ENEM) ofertada pelas escolas (INEP, 2017a)
Quadro 2: Inputs e outputs pré-selecionados
Fonte: Elaborado pelos autores

1
Disponível em: < goo.gl/LeUbb1>. Acesso em: jun. 2017.
Sendo assim, inicialmente, para cada uma das nove DMUs foram considerados três

inputs e dois outputs, cujas estatísticas descritivas são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1: Estatísticas descritivas dos inputs e outputs

Variável Mínimo Máximo Média Desvio-padrão


turma 21,3 33,0 23,6 3,6
aulas 10,4 16,6 11,3 1,8
adequação 39,5 75,0 63,1 11,2
aprovação 63,7 96,4 81,2 79,1
ENEM 584,1 673,2 637,6 26,8
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do INEP (2017a, 2017b)

Há que frisar que Banker et al. (2004) recomendam que o número de DMUs seja igual

a, no mínimo, três vezes o número de inputs e outputs, pois o grande número de inputs e

outputs em comparação com o número de DMUs diminui o poder de discriminação da DEA

(COOK; TONE; ZHU, 2014). Como no caso em questão havia nove DMUs e cinco variáveis

(três inputs e dois outputs) e não era possível aumentar o número de DMUs, já que a

quantidade de unidades do CEFET/MG é fixa, para atender àquela recomendação, a única

alternativa foi reduzir o número de variáveis. Assim, optou-se por diminuir o número de

inputs e outputs para dois e um, respectivamente.

Para definir quais variáveis deveriam ser excluídas levou-se em consideração que “[...]

para cada par de variáveis insumos e para cada par de variáveis produtos [deve-se excluir]

uma delas quando tiverem alta correlação (por exemplo, acima de 0,8)” (FERREIRA;

GOMES, 2009, p. 149). A fim de verificar essa condição, primeiramente, calcularam-se as

correlações entre os inputs, as quais são mostradas na Tabela 2.

Tabela 2 – Correlação entre inputs

Input turma aulas adequação


turma 1,000 (0,000)
aulas -0,153 (0,694) 1,000 (0,000)
adequação 0,202 (0,602) 0,167 (0,667) 1,000 (0,000)
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do INEP (2017b)
Nota: Os números entre parênteses indicam o valor p (Sig. 2 tailed do teste do coeficiente de correlação de
Pearson)
Verifica-se na Tabela 2 que a correlação entre os inputs é menor que 0,8. Além disso,
de acordo com o valor p, destacado entre parênteses, nota-se, ao nível de 5% de significância,
que a correlação entre aquelas variáveis não é significativa. Logo, por meio do critério de
correlação entre as variáveis não foi possível excluir nenhum input.
Diante disso, para selecionar os dois inputs mais relevantes, empregou-se a técnica

Análise de Componentes Principais (ACP), que tem por objetivo explicar a estrutura de

variância e covariância de um vetor aleatório, composto por p-variáveis aleatórias, através da

construção de combinações lineares de k (k < p) variáveis originais – as componentes

principais (HONGYU; SANDANIELO; OLIVEIRA JÚNIOR, 2016). Assim, do conjunto

original de variáveis é possível obter um conjunto substancialmente menor, que contém a

grande parte da informação.

A Tabela 3 mostra os resultados da aplicação da ACP à matriz de covariância dos

inputs. A variância total, dada pela soma dos autovetores da matriz de covariância, é 3,000. A

primeira componente principal (CP1), a que contém as informações mais relevantes dos dados

originais, explica 40,116% da variância total.

Tabela 3: Componentes Principais

Componente Autovalores Variância explicada (%)


CP1 1,203 40,116
CP2 1,146 38,195
CP3 0,651 21,688
Total 3,000 100,00
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa

A CP1, dada pela Equação (5), pode ser entendida como sendo um vetor de pesos dos

inputs atrelado ao desempenho global das unidades do CEFET/MG em termos de insumos

empregados no processo educacional. Por possuírem os maiores coeficientes, o número de

alunos por turma (turma) e o indicador de adequação da formação docente (adequação) são as

duas variáveis mais importantes (MINGOTI, 2004) da CP1. Por isso, estas variáveis foram

consideradas como os inputs do modelo.


(5)

No caso os outputs pré-selecionados, a correlação foi estimada em 0,540. Como esse

valor é menor que 0,8, não foi possível excluir nenhum deles, com base no critério de

correlação entre as variáveis. Apurou-se, ainda, valor p igual a 0,133, o que revela, ao nível de

5% de significância, que a correlação entre os outputs não é significativa. Desse modo, assim

como feito em relação aos inputs, empregou-se a técnica Análise de Componentes Principais

para selecionar o output mais relevante. No entanto, na primeira componente principal, que

explicou 77,997% da variância total, ambos os outputs apresentaram o coeficiente 0,877, o

que impediu a exclusão de uma das variáveis pré-selecionadas, já que tinham a mesma

importância.

Desse modo, decidiu-se combinar os outputs, criando-se um índice, o ID_CEFET/MG,

que varia de zero a dez e é similar ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

o qual foi utilizado como output em recentes trabalhos que avaliaram a eficiência de sistemas

educacionais (SAVIAN; BEZERRA, 2013; RODRIGUES, 2015; FERREIRA; 2015).

Conforme mostrado na Equação (6), o ID_CEFET/MG, dado pelo produto entre a taxa de

aprovação e a nota média dos alunos no ENEM, assim como o IDEB, incorpora dois

conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias

de desempenho nas avaliações. Em outras palavras, o ID_CEFET/MG equilibra essas duas

dimensões, pois se uma unidade do CEFET/MG retiver seus alunos para obter melhores

resultados no ENEM, o fator fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do

sistema. Por outro lado, se uma unidade do CEFET/MG apressar a aprovação do aluno sem

qualidade, o resultado do ENEM indicará igualmente a necessidade de melhoria do sistema.

 Taxa de aprovação   Nota média dos alunos no ENEM  (6)


ID _ CEFET / MG 10x x

 
  

 100   1000 

As estatísticas descritivas do ID_CEFET/MG são mostradas na Tabela 4:


Tabela 4: Estatísticas descritivas do output ID-CEFET/MG
Variável Mínimo Máximo Média Desvio-padrão
ID_CEDFET/MG 3,83 6,29 5,29 0,78
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa

Na análise dos dados adotaram-se modelos DEA orientados a outputs. Logo, foram

classificados como eficientes as unidades do CEFET/MG que, considerando-se o número de

alunos por turma e o indicador de adequação da formação docente à disposição, conseguiram

maximizar o ID_CEFET/MG. A orientação a outputs foi apropriada, pois se fosse adotada a

orientação a inputs o objetivo seria reduzi-los, mantendo-se o nível atual de output. Isso não

seria razoável porque, além de se desejar aumentar o ID_CEFET/MG, as escolas têm

autonomia para organizar e distribuir as turmas e alunos sob sua responsabilidade (DE

DIRETRIZES, 1996), embora haja uma proposta de limitar o número de alunos do Ensino

Médio por sala em 35 (FEDERAL, 2011). Além disso, o Plano Nacional de Educação em

vigor estabelece como meta que todos docentes do Ensino Médio tenham formação superior

na área em que lecionam até 2024 (LIMA, 2015).

Para avaliar a eficiência das unidades do CEFET/MG foi utilizado o software Sistema

Integrado de Apoio à Decisão (SIAD), proposto por Meza et al. (2005). Os resultados obtidos

são apresentados e discutidos na sequência.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa. Inicialmente, a

Tabela 5 mostra os escores de eficiência, o tipo de retorno de escala, o alvo para o ID-

CEFET/MG e o principal benckmark das nove unidades do CEFET/MG.


Tabela 5: Escores de eficiência, retornos de escala, alvo e benchmark das unidades do CEFET/MG

Unidade do Eficiência técnica Eficiência Retornos ID_CEFET


Benchmark
CEFET/MG Global Pura de escala de escala Atual Alvo
Belo Horizonte 1,00 1,00 1,00 → 5,80 5,80 Belo Horizonte
Curvelo 1,00 1,00 1,00 → 5,18 5,18 Curvelo
Divinópolis 0,80 1,00 0,80 ↑ 6,29 6,29 Divinópolis
Araxá 0,78 1,00 0,78 ↑ 4,06 4,06 Araxá
Varginha 0,86 0,91 0,95 ↑ 5,34 5,89 Belo Horizonte
Contagem 0,83 0,89 0,93 ↑ 5,21 5,82 Belo Horizonte
Timóteo 0,87 0,89 0,98 ↓ 5,19 5,84 Belo Horizonte
Leopoldina 0,87 0,88 0,99 ↑ 4,64 5,28 Curvelo
Nepomuceno 0,68 0,68 0,99 ↑ 3,83 5,60 Belo Horizonte
Média 0,85 0,92 0,93
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa

Analisando-se os resultados mostrados na Tabela 5, nota-se que, sob o pressuposto de

retornos constantes de escala, obtiveram máxima eficiência técnica global as unidades do

CEFET/MG localizadas em Belo Horizonte e Curvelo. Segundo aquele critério, o nível médio

de ineficiência foi 0,15 (1-0,85), valor que é inferior ao apurado por Almeida e Almeida Filho

(2014) - 0,19 - ao avaliar as unidades da rede federal de ensino em 2011. O nível de

ineficiência aqui encontrado significa que as unidades avaliadas poderiam, em média,

incrementar o ID_CEFET/MG em até 15,0%, sem aumentar o número de alunos por turma e o

indicador de adequação da formação docente.

A ineficiência técnica global pode ser causada pela ineficiência técnica pura e/ou pela

ineficiência de escala (FERREIRA; GOMES, 2009). Para verificar a influência da escala

relaxou-se o pressuposto de retornos constantes. Feito isso, obtiveram-se os escores de

eficiência técnica pura, cuja média foi 0,92. Logo, pode-se afirmar que, em média, a

ineficiência técnica global, avaliada em 15,0%, se deve mais à ineficiência técnica pura,

cotada em 8,00% (1 – 0,92) do que à ineficiência de escala, cuja média foi 7,00% (1 – 0,93).

Constata-se também que além das unidades do CEFET/MG localizadas em Belo Horizonte e

Curvelo, apresentaram eficiência técnica pura aquelas situadas em Divinópolis e Araxá.


Também é mostrado na Tabela 5 que as unidades do CEFET/MG localizadas em Belo

Horizonte e Curvelo apresentaram retornos constantes de escala (→), o que indica que estas

unidades, que são benckmark para si mesmas, operaram em escala ótima. Quanto às demais,

seis unidades do CEFET/MG apresentaram retornos crescentes de escala (↑) e uma (Timóteo)

teve retorno decrescente de escala (↓), o que significa que, respectivamente, operaram abaixo

e acima da escala ótima (FERREIRA; GOMES, 2009). Tais resultados contrariam as

conclusões de Ramos e Ferreira (2007), que constataram que os CEFETs do Brasil, entre

2003 e 2005, em geral, operaram sob retornos decrescentes de escala. É possível que essa

distinção seja consequência da diferença das variáveis empregadas nos estudos e da expansão

da rede federal de educação profissional e tecnológica ocorrida após 2008.

Ainda na Tabela 5 são mostrados os benchmarks das unidades do CEFET/MG

classificadas como ineficientes. No entanto, além do que fizeram Furtado e Campos (2015),

são expostos os alvos a serem perseguidos para que estas unidades se tornem eficientes. Deve-

se observar, os alvos revelam o custo da ineficiência, pois indicam os outputs que deveriam

ter sido obtidos, caso as DMUs fossem eficientes.

Cabe destacar que embora a DEA possibilite calcular os escores de eficiência das

DMUs, essa técnica, isoladamente, não identifica os fatores que influenciam a eficiência

(COOK; TONE; ZHU, 2014). Assim, para completar a análise, apurou-se a correlação dos

escores de eficiência técnica global com variáveis não discricionárias, as quais, ao menos no

curto prazo, não podem ser controladas pelos gestores: o nível socioeconômico dos

estudantes, o indicador de esforço dos docentes e o indicador de complexidade da gestão da

escola2. Os resultados encontrados são mostrados na Tabela 6.

2 Osprocedimentos para apurar os valores destas variáveis podem ser consultados nas notas técnicas
disponibilizadas pelo INEP em < http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>. Acesso em jun. 2017.
Tabela 6 – Correlação entre os escores de eficiência técnica global e as variáveis não discrionárias

Variáveis Eficiência Socioeconômico Esforço Complexidade


Eficiência 1,000 (0,000)
Socioeconômicoa 0,043 (0,912) 1,000 (0,000)
Esforçob 0,318 (0,404) -0,087 (0,825) 1,000 (0,000)
Complexidadec -0,260 (0,500) 0,478 (0,193) -0,725 (0,027) 1,000 (0,000)
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa e do INEP (2017b)
Notas: Os números entre parênteses indicam o valor p (Sig. 2 tailed do teste do coeficiente de correlação de
Pearson); a) Socioeconômico: indica se, em média, os alunos da escola possuem nível socioeconômico alto (1)
ou não (0); b) Esforço: é o percentual de docentes que tem até 150 alunos, atua em um único turno, escola e
etapa; c) Complexidade: indica se a escola tem entre 50 e 500 matrículas, opera em 2 turnos, com 2 ou 3 etapas e
apresenta os Anos Finais como etapa mais elevada (1) ou não (0).

Analisando-se os resultados mostrados na Tabela 6, nota-se, ao nível de 5% de

significância, que não há correlação significativa entre os escores de eficiência técnica global

das unidades do CEFET/MG e o nível socioeconômico dos estudantes, o indicador de esforço

dos docentes ou indicador de complexidade da gestão da escola. Por um lado, tais resultados

ampliam os obtidos por Furtado e Campos (2015), que mostraram que, em 2012, a relação de

ingressos por aluno matriculado e o índice de retenção escolar não impactaram na eficiência

dos institutos federais de educação profissional, científica e tecnológica. Por outro, contraria

as conclusões de Almeida e Almeida Filho (2014), que apuraram que, em 2011, as escolas da

rede federal mais eficientes possuíam alunos com melhores contextos socioeconômicos do

que as escolas menos eficientes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo avaliou-se a eficiência de nove unidades do CEFET/MG em 2015. Para

isso, foram utilizados modelos DEA, considerando-se como inputs o número médio de alunos

por turma e o indicador de adequação docente, ambos referentes ao 3º ano do Ensino Médio, e

como output um índice, o ID_CEFET/MG, que agrega a taxa de aprovação e a nota média dos

alunos no ENEM.
Concluiu-se que apenas as unidades do CEFET/MG localizadas em Belo Horizonte e

Curvelo foram globalmente eficientes; que, em média, o ID_CEFET/MG poderia ser

incrementado em até 15,0%, sem aumentar os inputs; que as unidades ineficientes, em sua

maioria, operaram abaixo da escala ótima, e que os escores de eficiência não foram

correlacionados ao nível socioeconômico dos estudantes, ao indicador de esforço dos

docentes ou ao indicador de complexidade da gestão da escola.

Os resultados desta pesquisa podem contribuir para aumentar a eficiência das unidades

do CEFET/MG, sobretudo porque identificam os benchmarks e alvos de desempenho

realistas. Além disso, o método empregado pode ser utilizado por outras instituições para

aprimorar a gestão dos recursos aplicados em Educação Profissional, Científica e

Tecnológica. Por fim, sugere-se que em trabalhos futuros sejam aprimoradas as variáveis do

modelo DEA, incluindo-se, por exemplo, a taxa de empregabilidade dos concluintes dos

cursos ofertados por aquelas instituições, já estas visam, especialmente, preparar os alunos

para o mercado de trabalho.

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EFICIÊNCIA DOS GASTOS PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO BÁSICA NOS

MUNICÍPIOS BRASILEIROS

Alessandra Maria Gomes Rodrigues1


Eliane Pinheiro de Sousa2

Eixo Temático 1 - Educação e economia: equidade, oportunidades e desenvolvimento

Resumo: A educação é um instrumento fundamental na melhoria dos indicadores


socioeconômicos de qualquer nação. Nesse contexto, o Estado tem papel primordial de ofertar
educação de qualidade à população. Entretanto, indicadores como taxa de analfabetismo e
escolaridade média apontam que o Brasil é marcado por expressivas desigualdades
educacionais. Paralelamente, também se verifica o problema quanto à alocação dos recursos
públicos destinados ao setor educacional. Assim, o principal objetivo desse estudo é avaliar a
eficiência dos gastos públicos municipais em educação básica no Brasil. Especificamente,
almeja-se mensurar os escores de eficiência técnica e de escala dos municípios brasileiros e
analisar os escores de eficiência conforme renda per capita e em termos populacionais. Para
tal, foi aplicado o método de Análise Envoltória de Dados (DEA), sob a orientação produto.
Os resultados revelaram que os recursos destinados à educação básica são aplicados
inadequadamente pela maioria dos municípios brasileiros. Quanto ao PIB per capita,
constatou-se que elevados PIB’s não necessariamente repercutem em melhores escores de
eficiência. Em relação aos grupos populacionais, observou-se que os municípios com menos
de 20.000 habitantes conseguiram alcançar melhores níveis de eficiência.

Palavras-chave: Educação básica; DEA; municípios brasileiros.

Abstract: Education is a fundamental instrument in the improvement of the socioeconomic


indicators of any nation. In this aspect, the State has the primary role of offering the
population an education of quality. However, indicators such as the illiteracy rate and average
schooling indicate that Brazil is marked by significant educational inequalities. At the same
time, there is also the problem of allocating public resources to the education sector. Thus, the
main objective of this paper is to evaluate the efficiency of municipal public expenses on
basic education in Brazil. Specifically, it is desired to measure the technical efficiency and
scale scores of the Brazilian municipalities and to analyze the efficiency scores according per
capita income and in population terms. To achieve these objectives, the Data Envelopment
Analysis (DEA) method was applied, under product orientation. The results showed that the
resources allocated to basic education are inadequately applied by the majority of Brazilian
municipalities. As for GDP per capita, it has been found that high GDP does not necessarily
reflect better efficiency scores. With regard to population groups, it was observed that
municipalities with less than 20,000 inhabitants were able to achieve better levels of
efficiency.

Keywords: Basic education; DEA; Brazilian municipalities.

1
Economista pela Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: rodriguesalessandra19@hotmail.com.
2
Pós-Dra. Economia Aplicada pela ESALQ/USP e Professora Associada do Departamento de Economia da
URCA. E-mail: pinheiroeliane@hotmail.com.
Introdução

Desde 1970, o Brasil tem passado por uma descentralização da educação, mas

somente, a partir da Constituição Federal de 1988, esse processo se fortaleceu. Essa

constituição estabeleceu que os municípios ficassem responsáveis por manter a educação

infantil e o ensino fundamental, bem como alocassem obrigatoriamente 25% de suas receitas

(impostos e transferências) à educação básica (DOURADO et al., 2006).

A concretização deste processo de descentralização é observada por meio dos dados

do Censo Escolar, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (INEP, 2013a), que revelaram que 46,4% dos 50.042.448 alunos matriculados

na educação básica em todas as dependências educacionais do país correspondiam aos que

estudavam em escolas municipais.

Em face desses aspectos, o governo deve proporcionar bens e serviços essenciais à

sociedade e que não sejam ofertados pelo setor privado, em razão da inviabilidade econômica.

Assim, o Estado deve aplicar seus recursos procurando reduzir as disparidades entre os

setores da sociedade (SILVA et al., 2012). Seguindo esse pensamento, Boueri et al. (2015)

afirmaram que o acréscimo dos patamares dos serviços públicos disponibilizados pelo Estado

brasileiro deve ocorrer mediante o aperfeiçoamento da eficiência no emprego dos recursos

públicos.

Entretanto, o Índice FIRJAN de Gestão Fiscal (IFGF) para 2013, divulgado pela

Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2015a), mostrou que os

municípios brasileiros têm comprometido seus recursos com os funcionários, reduzindo,

consequentemente, os investimentos, incluindo aqueles destinados à educação. Mais

precisamente, verificou-se uma redução dos investimentos em 3.559 municípios brasileiros no

ano de 2013 em comparação com o ano anterior. Esse fato repercutiu negativamente sob o
IFGF Investimento, que passou de 0,6277 (boa gestão) para 0,4319 (gestão crítica) no período

supracitado.

Essa má gestão dos recursos públicos reflete negativamente sob os indicadores

socioeconômicos brasileiros, evidenciando as heterogeneidades existentes ao longo de todo o

território nacional. Para Barros et al.(2002), o progresso educacional é fundamental para

promover o crescimento econômico e amenizar a desigualdade e a pobreza. Essa ideia é

corroborada por Barros (2011) ao afirmar que a educação é o principal fator responsável por

explicar as desigualdades regionais no Brasil.

Nesse contexto, a análise dos dados fornecidos pela síntese dos indicadores da PNAD

do IBGE (2013a) permite constatar que as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam

resultados melhores do que os obtidos em nível nacional para a taxa de analfabetismo das

pessoas de 10 anos ou mais de idade e para a média dos anos de estudo para esse mesmo

grupo de idade, sendo que esses valores, em termos nacionais, foram respectivamente, 7,7% e

7,7 anos. Do lado extremo desse cenário, encontram-se as regiões Nordeste e Norte, que

registraram porcentagens piores do que a média do País.

Diante dessas considerações, fica evidente que o capital humano deve ser considerado

um investimento estratégico pelos formadores de políticas públicas (BARBOSA, 2014).

Nesse sentido, Machado (2008) afirmou que o financiamento de uma educação de qualidade

deve procurar aprimorar a eficiência na alocação dos recursos, procurando impedir a

propagação de políticas de gestão impróprias. Portanto, torna-se imprescindível a realização

de estudos que abordem essa temática no âmbito de contribuir para a melhoria na qualidade

do serviço público ofertado.

Dessa maneira, o presente trabalho busca avaliar a eficiência dos gastos públicos

municipais em educação básica no Brasil. Especificamente, pretende-se mensurar os escores


de eficiência técnica e de escala dos municípios brasileiros e analisar os escores de eficiência

conforme renda per capita e em termos populacional.

Metodologia

Método analítico

Para atingir os objetivos propostos, além da análise tabular e descritiva, utilizou-se o

método de Análise Envoltória de Dados (DEA), cuja operacionalização foi mediante o

software DEAP versão 2.1, proposto por Coelli (2008).

A abordagem DEA utiliza uma amostra de dados observados para distintas unidades

produtoras, denominadas de DMU’s. No caso deste estudo, a DMU adotada foi o município

brasileiro em análise.

Os modelos DEA podem ser orientados a insumo ou a produto, sendo que, nos

modelos orientados a insumo, as produções continuam constantes e os insumos se alteram

para alcançar a fronteira de produção eficiente. Já no segundo caso, se aceita que os insumos

não se modifiquem, enquanto as produções se modificam para atingir a fronteira de produção

eficiente (FERREIRA; GOMES, 2009). Este artigo adotou a orientação produto, visto que se

verificou que esse tipo de orientação é bastante utilizado nos trabalhos que versam sobre a

eficiência dos gastos com educação, tanto na literatura internacional, como são os casos de

Aristovnik (2012), Agasisti (2014) e Rodríguez et al. (2014), quanto na literatura nacional, em

que se destacam os estudos de Faria et al.(2008), Aguiar Neto (2010) e Firmino (2013).

Em conformidade com Ramanathan (2003), em 1978, teve origem o primeiro trabalho

concernente ao modelo DEA, que passou a ser conhecido na literatura como CCR, devido as

iniciais de seus autores (Charnes, Cooper e Rhodes), ou CRS (Constant Returns to Scale).

Segundo Coelli et al. (1998), esse modelo pode ser representado por:

Max , , sujeito a:  yi  Y   0, xi  X   0,   0 (1)


O termo θ é um escalar com valores de zero a um, e representa a eficiência técnica do

município, sinalizando o escore de eficiência das DMUs. Se θ for inferior a unidade, o

município estará dentro da fronteira e será ineficiente. Se θ for equivalente a unidade, o

município estará na fronteira e será eficiente. O vetor λ é um vetor (n X 1) de constantes com

os pesos utilizados para medir a alocação ineficiente dos municípios, n1 é um vetor

dimensional de um, 𝑛1 𝜆 = 1 estabelece a convexidade da fronteira (ZOGHBI et al., 2009).

Segundo Blackburn et al. (2014), em 1984, Banker, Charnes e Cooper expandiram o

modelo CCR para possibilitar retornos variáveis a escala. Surgia-se, assim, o modelo BCC ou

CRV (Variable Returns to Scale), que, conforme Coelli et al. (1998), pode ser expresso por:

Max , , sujeito a:  yi  Y   0, xi  X   0, N l'  1,   0 (2)

As matrizes Y e X correspondem, respectivamente, aos dados sobre os produtos e

sobre os gastos em educação básica para os municípios brasileiros. O termo λ é um vetor de

pesos e θ corresponde a um escalar. A última restrição diz que, no máximo, o i-ésimo

município atingirá a fronteira de produção. Já a inversão do valor θ (isto é 1/ θ) permite obter

os escores de eficiência dos gastos em educação básica de cada município brasileiro em

análise (SILVA e ALMEIDA, 2012).

Como o método DEA se refere a uma técnica determinística, apresenta alta

sensibilidade às observações discrepantes (outliers). Assim, a presença de uma única

observação discrepante na amostra repercutirá sob todas as demais medidas de eficiência.

Portanto, é imprescindível que sejam analisados os dados que foram utilizados na

determinação das medidas de eficiência, para remover esses outliers, que provavelmente

comprometerá a confiabilidade dos resultados (GOMES, BAPTISTA, 2004).

Para remover essas unidades discrepantes, aplicou-se o teste sugerido por Sousa et

al.(2005). Esse teste foi elaborado a partir do método de Jackstrap, que contempla a junção de

técnicas de remodelagem do teste de Jacknife com a técnica de Bootstrap, utilizando 2.000


replicações. Segundo esses autores, o procedimento corresponde à construção de uma medida

de leverages, que mede a influência de cada DMU sobre as demais, sendo que deverão ser

excluídas as DMUs que apresentarem maior influência para não comprometer as estimações

do DEA.

Variáveis utilizadas e natureza dos dados

Com base nos estudos de Aguiar Neto (2010), Lopes et al.(2010) e Dantas et

al.(2015), os produtos adotados neste trabalho foram: o número de professores por aluno

matriculado na rede de ensino municipal, o número de salas de aula por aluno matriculado na

rede de ensino municipal e o número de estabelecimentos por aluno matriculado na rede de

ensino municipal. Já o insumo adotado, foi o gasto público por aluno matriculado na educação

básica. Considerando o conjunto de variáveis escolhidas, é possível verificar que o presente

trabalho segue o proposto na análise de Miranda (2006), ou seja, centra-se na determinação da

eficiência em termos de oferta de serviços (outputs), portanto, não se pretende avaliar a

eficiência em termos de resultados (outcomes).

Em relação à fonte dos dados, tem-se que o gasto municipal com educação básica foi

extraído das Finanças do Brasil (FINBRA) e o número de aluno matriculado por município do

Censo Escolar divulgado, respectivamente, pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN, 2013)

e pelo INEP (2013b). Os produtos, por sua vez, foram obtidos do Censo Escolar3, fornecidos

pelo INEP (2013b). Ademais, é essencial esclarecer que não foram considerados dados

referentes ao Ensino Médio, já que esse serviço fica a cargo do governo estadual.

No que diz respeito à escolha do ano do estudo, tem-se que além de se tratarem de

dados atuais, a relevância de considerar o ano de 2013 é comprovada por meio da análise dos

resultados dos IFGF – investimento e do Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal

(IFDM) – educação. Conforme supracitado, este primeiro indicador revelou que esse ano
3
A utilização dos microdados do Censo Escolar exige uma decodificação dos mesmos. Para atender essa
exigência, o presente estudo utilizou o software SPSS 21.
registrou o pior valor do IFGF – investimentos desde 2006 – ano de início do estudo –; tanto

que 52,8% dos municípios brasileiros não investiram pelo menos 8% de sua Receita Corrente

Líquida, obtendo um conceito classificado como gestão critica (FIRJAN, 2015a). O segundo

indicador, por sua vez, apontou um avanço positivo em comparação ao ano anterior, mas

também mostrou que apenas 35,5% dos municípios obtiveram alto desenvolvimento (valores

de 0,8 a 1,0) (FIRJAN, 2016).

Por último, é imprescindível citar que, para classificar os resultados conforme o PIB

per capita e as classes populacionais, foram utilizados, respectivamente, os PIB per capita

municipais para 2013 e as estimativas da população residente nos municípios brasileiros com

data de referência em 1º de julho de 2013 fornecidos pelo IBGE (2013b; 2013c). A divisão

dos municípios por quartis de PIB per capita seguiu o proposto por Zoghbi et al.(2011). Já a

análise dos resultados por classes de tamanho da população dos municípios, seguiram os

valores de corte indicados pelo IBGE (2010).

Resultados e discussão

Análise dos escores de eficiência para os municípios brasileiros

Como o método DEA é muito sensível à existência de outliers, seguiu-se o critério

sugerido por Sousa et al.(2005), descrito na metodologia, para identificar e remover essas

unidades discrepantes. Nesse aspecto, constatou-se que o ponto de corte é 0,000312. Isso

significa dizer que os municípios com valores maiores que tal ponto de corte devem ser

desconsiderados. Os resultados revelam que, dos 4.630 municípios brasileiros com dados

disponíveis para todas as variáveis, 384 deles se enquadram nesta situação, ou seja, obtiveram

4
Santa Gertrudes – SP, Potiraguá – BA, São Carlos – SC, Crateús – CE, Milhã – CE, Tamboril – CE, Cantagalo
– PR, Umirim – CE, São Vicente Ferrer – MA, Brejo Alegre – SP, Amontada – CE, Tarumã – SP, Morada Nova
– CE, Cedro de São João – SE, Sebastião Laranjeiras – BA, Caucaia – CE, Planalto Alegre – SC, Capitão de
Campos – PI, Cascavel – CE, Ipueiras – CE, Águas de Santa Bárbara – SP, Aquiraz – CE, Tomazina – PR,
Ingazeira – PE, Presidente Médici – MA, Santa Helena – PR, Pacatuba – CE, Paraíso do Sul – RS, Santanópolis
– BA, Colinas do Tocantins – TO, Turiaçu – MA, Coronel Sapucaia – MS, Boa Vista do Gurupi – MA, Jaboatão
dos Guararapes – PE, São Domingos – SC, Sítio do Mato – BA, Alvarenga – MG, Acaraú – CE.
valores que superaram esse ponto de corte, sendo removidos da análise. O Quadro 1A do

Apêndice mostra a distribuição e abrangência dos municípios com disponibilidade de dados e

considerados no estudo por unidade federativa e por região brasileira. Ademais, também é

relevante conhecer as principais estatísticas descritivas das variáveis adotadas no modelo

DEA, sendo apresentadas no Quadro 2A do Apêndice.

As frequências relativas dos escores de eficiência técnica e de escala para os 4.592

municípios brasileiros considerados nos modelos, sob a orientação produto, estão sendo

ilustradas no Gráfico 1. Esses resultados revelam que, no modelo com retornos constantes de

escala, 3.515 municípios apresentam escore de eficiência técnica abaixo de 0,25 (76,55% dos

municípios), sendo que Eunápolis – BA, Simões Filho – BA, e Cláudio – MG registram os

menores escores (iguais à zero5). Paralelamente, é interessante citar que, conforme FIRJAN

(2015b), esses municípios também registraram uma gestão crítica no que diz respeito ao IFGF

– investimento, em 2013; mais precisamente, obtiveram valores para esse índice iguais a

0,308, 0,126, 0,202, respectivamente. Ademais, a existência de municípios com escores de

eficiência tão baixos confirma, segundo Silva et al.(2012), as deficiências presentes na gestão

e emprego dos recursos públicos.

5
As saídas do DEAP com os resultados do modelo exibiram escores iguais à zero para esses municípios. Mas, é
importante ressaltar que os resultados mostrados por esse programa consideram apenas três casas decimas após a
vírgula.
Gráfico 1 - Distribuição das frequências relativas dos municípios brasileiros, conforme
intervalos de medidas de eficiência técnica e de eficiência de escala dos gastos públicos
municipais em educação básica, em 2013.
80
76.55

55.75

54.29
60

33.54
30.05

40

21.86

12.61

10.67
20

1.37

1.31

0.83
0.68

0.28
0.15

0.07
0
E < 0,25 0,25 ≤ E <0,50 0,50 ≤ E <0,75 0,75 ≤ E <1,0 E = 1,0
CRS* VRS** Eficiência de escala

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa. Nota: * Retornos Constantes à Escala (CRS);
**Retornos Variáveis à Escala (VRS).

Por outro lado, apenas três municípios (Juti – MS, Paraú – RN, e Pescaria Brava – SC)

atingiram a máxima eficiência técnica assumindo o pressuposto com retornos constantes à

escala, ou seja, os recursos foram empregados corretamente. O excelente resultado encontrado

em Juti está em conformidade com os apresentados por Ferreira e Motta (2014), que

afirmaram que esse município se encontra em um grupo com bons resultados na gestão

financeira dos recursos educacionais. O município de Paraú, por sua vez, conseguiu atingir a

máxima eficiência utilizando apenas R$1.982,04 por aluno matriculado. Essa comparação é

mais expressiva para o município de Pescaria Brava, que contabilizou um gasto por aluno

matriculado de apenas R$1.622,67, sendo esse valor o menor entre os municípios

catarinenses, e também um dos 50 menores dos municípios brasileiros considerados nesse

estudo.

Esse resultado corrobora as conclusões de Faria et al.(2008) ao ressaltarem que a

eficiência não está relacionada com elevados gastos públicos. Essa constatação torna-se ainda

mais evidente ao analisar os municípios brasileiros com os maiores gastos por aluno dentre os

considerados nesse estudo. Assim, embora União da Serra - RS, Douradoquara - MG,

Alvorada de Minas - MG, Uru - SP e Nova Pádua - RS tenham registrado gastos por aluno de,
respectivamente, R$59.415,47, R$33.641,25, R$26.570,05, R$24.654,66, e R$22.135,27, seus

escores de eficiência no modelo CRS foram inferiores a 0,25.

Ao assumir o pressuposto de VRS, averígua-se que a maioria dos municípios se

encontra na classe de eficiência técnica entre 0,25 e 0,50, uma vez que, dos 4.592 municípios

brasileiros avaliados, 2.560 deles fazem parte dessa classe. Constata-se também, nesse

modelo, que 13 municípios conseguiram ser totalmente eficientes, ou seja, dez a mais do que

no modelo CRS estão na fronteira de retornos variáveis à escala, porém não se localizam na

fronteira de retornos constantes, que se referem aos municípios de Cajapió – MA, Gentio do

Ouro – BA, Chalé – MG, Itaverava – MG, Pocrane – MG, Maratá – RS, Relvado – RS, Santa

Tereza – RS, Alto Bela Vista – SC, e São José do Cerrito – SC. Assim, tais municípios não

têm problemas quanto ao uso excessivo de insumos, mas registram problemas concernentes à

escala utilizada de forma inadequada. Por outro lado, 1.380 municípios brasileiros (30,05%)

obtiveram escores inferiores a 0,25 no modelo com retornos variáveis à escala, sendo que

Goiandira – GO apresentou o menor escore (0,061). A esse respeito, é importante citar que tal

município registrou a quarta menor relação professores/matriculas (0,0020).

Quanto à eficiência de escala, os dados revelam que 99,17% dos municípios

brasileiros estudados (4.554 municípios) têm ineficiência de escala, uma vez que obtiveram

escore de eficiência de escala inferior à unidade. Ademais, verifica-se que maior parte dos

municípios analisados (54,29%) alcançou escores de eficiência entre 0,50 e 0,75.

Os dados também indicam que 38 municípios6 atingiram o nível ótimo de eficiência de

escala, sendo que o valor unitário dos três primeiros municípios é explicado devido terem sido

6
Juti – MS, Paraú - RN, Pescaria Brava – SC, Pirapemas – MA, Estrela de Alagoas – AL, Maribondo – AL, Pão
de Açúcar – AL, Paulo Jacinto – AL, Santana do Mundaú – AL, Viçosa – AL, Conceição do Jacuípe – BA,
Elísio Medrado – BA, Filadélfia – BA, Ibicaraí – BA, Iguaí – BA, Irará – BA, Itapetinga – BA, Nordestina –
BA, Nova Soure – BA, São Félix – BA, Saubara – BA, Ubaitaba – BA, Central do Maranhão – MA, Centro do
Guilherme – MA, Fernando Falcão – MA, Itinga do Maranhão – MA, Lago do Junco – MA, Milagres do
Maranhão – MA, Olinda Nova do Maranhão – MA, Presidente Sarney – MA, Santa Luzia do Paruá – MA, São
João do Soter – MA, São Raimundo do Doca Bezerra – MA, Canhotinho – PE, Rodolfo Fernandes – RN,
Amajari – RR, Maripá de Minas – MG, e Nova Iguaçu - RJ.
plenamente eficientes nos modelos CRS e VRS, enquanto os escores de eficiência de escala

unitários dos 35 últimos municípios resultam do fato de terem registrado escores de eficiência

técnica iguais nos modelos CRS e VRS.

A Tabela 1 exibe os intervalos de confiança a 95% de probabilidade para as médias

dos escores de eficiência padronizado dos gastos públicos municipais em educação básica nos

municípios brasileiros e do aumento proporcional na eficiência que um dado município

estudado pode alcançar sem alterar os insumos aplicados, admitindo um processo de

reamostragem de 1.000 interações. Supondo que os insumos permaneçam fixos, os patamares

de eficiência técnica dos gastos públicos em educação básica, considerando o pressuposto

com CRS, podem variar, em média, de 0,192 a 0,198; e de 637,3% a 883,7%;

respectivamente, para os escores de eficiência técnica e para o acréscimo da eficiência dos

gastos públicos municipais em educação básica. Essa mesma interpretação pode ser replicada

para o pressuposto com VRS e para eficiência de escala.

Ademais, também é possível inferir pela Tabela 1 que os municípios brasileiros

registram uma menor heterogeneidade quanto à escala de produção em comparação ao uso

inadequado dos insumos. Além do menor coeficiente de variação, a eficiência de escala

também registra a maior média dos escores (0,568) em relação aos valores verificados na

eficiência técnica. Dessa forma, em média, a ineficiência de escala para os municípios

brasileiros é de 43,2%, enquanto a ineficiência técnica, nos modelos CRS e VRS,

correspondem a uma média de 80,6% e 65,8%. Esses resultados sinalizam que o principal

problema dos municípios brasileiros é a aplicação de insumos de forma incorreta. O valor da

ineficiência no modelo CRS supera o observado no trabalho de Rodríguez et al.(2014), que

constatou que o Brasil registrava uma ineficiência de 14% para a educação. Ao comparar

esses resultados com os obtidos na literatura internacional, fica ainda mais evidente que a

ineficiência dos municípios brasileiros é extremamente elevada, como é o caso do estudo de


Agasisti (2014) que aponta que, em média, os países analisados tiveram uma ineficiência

técnica no modelo VRS de 7,11%.

Tabela 1 – Estatísticas descritivas e intervalos de confiança dos escores de eficiência


técnica com retornos constantes à escala (CRS), com retornos variáveis à escala (VRS) e
dos escores de eficiência de escala dos gastos públicos municipais em educação básica
para os municípios brasileiros, em 2013.
Estatísticas descritivas de Eficiência técnica Eficiência de escala
E  1/  e   1 * CRS** CRS VRS VRS
E  1 E  1 E  1
Mínimo 0,001 0,000 0,061 0,000 0,003 0,000
Máximo 1,000 999,000 1,000 15,393 1,000 332,333
Desvio padrão 0,106 41,616 0,153 1,852 0,145 10,519
Coeficiente de variação (%) 54,335 557,898 44,631 71,039 25,471 813,650
Média observada 0,194 7,458 0,342 2,606 0,568 1,293
Intervalos de confiança (95%) da média de E e   1
Inferior 0,192 6,373 0,338 2,552 0,564 1,028
Superior 0,198 8,837 0,346 2,662 0,572 1,601
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
Nota: * ( E  1/  ) corresponde ao escore de eficiência padronizado de uma DMU e (   1 ) corresponde
ao aumento proporcional no gasto público municipal em educação básica que pode ser obtido pela i-ésima
DMU, mantendo-se constante a utilização dos insumos. ** Como a determinação do aumento proporcional
no gasto público municipal não seria possível caso existisse escores de eficiência iguais a zero, supõe-se
que os municípios de Eunápolis – BA, Simões Filho – BA, e Cláudio – MG registraram escores iguais a
0,001, no modelo CRS.

Análise dos escores de eficiência segundo a renda per capita

Os escores de eficiência técnica com retornos constantes à escala (CRS) e retornos

variáveis à escala (VRS) e os escores de eficiência de escala também foram agregados

conforme os quartis de PIB per capita. Essa estruturação foi inspirada na distribuição dos

municípios em quatro grupos iguais7, conforme seu PIB per capita, realizada por Zoghbi et al.

(2011). O primeiro quartil registrou um PIB per capita médio de R$5.585,40. O segundo

obteve uma média de R$ 9.652,78. No terceiro, a média foi de R$ 16.985,89. Por último, no

quartil mais rico, verificou-se um PIB per capita médio de R$ 36.819,58.

O Gráfico 2 exibe os escores médios de eficiência técnica com CRS, VRS e eficiência

de escala para os quatro quartis. Como é possível observar, o primeiro quartil atingiu as

médias mais elevadas dos escores entre todos os quartis, correspondendo a 0,276, 0,409 e

7
Considerou-se 1.148 municípios em cada quartil.
0,676, respectivamente, para os modelos CRS, VRS e eficiência de escala. Um exemplo de

município plenamente eficiente considerando os dois pressupostos da eficiência técnica e com

baixo PIB per capita é Pescaria Brava – SC, mais precisamente esse município contabilizou

um PIB per capita de R$5.382,12. No modelo VRS, os municípios de Gentio do Ouro - BA e

Cajapió - MA também conseguiram alcançar a plena eficiência com baixos PIB per capita,

uma vez que esses municípios tiveram um PIB per capita de, respectivamente R$ 4.119,85,

R$ 3.633,64. Esses resultados estão em conformidade com os averiguados por Wilbert e

D’Abreu (2013), que concluíram que os municípios mais eficientes registram baixos PIB per

capita.

Gráfico 2 – Distribuição dos escores de eficiência técnica com retornos constantes à escala
(CRS) e com retornos variáveis à escala (VRS) e de eficiência de escala dos gastos públicos
municipais em educação básica, por PIB per capita, em 2013.
0.676

0.8
0.597

0.7
0.52

0.478
0.6
0.409

0.5
0.337

0.318
0.304
0.276

0.4
0.201

0.153

0.148
0.3
0.2
0.1
0
1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil

CRS VRS Eficiência de escala


Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Por outro lado, como se percebe pelo Gráfico 2, as médias dos escores para os

pressupostos com retornos constantes de escala e com retornos variáveis de escala indicam

que os piores resultados encontram-se no terceiro e quarto quartis, uma vez que o terceiro

registrou uma média de 0,153 e 0,304, respectivamente, para os modelos CRS e VRS,

enquanto o quarto obteve uma média de 0,148 e 0,318, respectivamente, para os modelos

CRS e VRS. Quanto à eficiência de escala, a pior média foi registrada no quarto quartil
(0,478). Esses resultados desfavoráveis para esses grupos sinalizam, segundo Savian e

Bezerra (2013), que não necessariamente municípios com elevados PIB per capita conseguem

ser eficientes ao aplicarem seus recursos públicos em educação.

Reforçando essas constatações, averígua-se que os municípios com os três maiores

PIB per capita dentre os analisados no estudo foram ineficientes nos modelos CRS e VRS.

Mais exatamente, Ilha Comprida – SP, Porto Real – RJ, e Louveira – SP contabilizaram um

PIB per capita de, respectivamente, R$ 242.646,02, R$ 255.658,30, e R$ 278.145, 26, porém

não conseguiram alcançar escores superiores a 0,25 nos modelos CRS e VRS.

Outra inferência importante é que, como esperado, existe uma relação direta entre a

média dos gastos/aluno e o crescimento médio do PIB per capita. Assim, o quartil mais pobre

registrou a menor média para o gasto/aluno (R$2.962,53), ao passo que o quartil mais rico

exibiu um gasto médio por aluno matriculado bem superior, correspondendo exatamente a

R$5.449,83.

Análise dos escores de eficiência segundo o tamanho da população do município

A outra forma escolhida para agregar os escores médios de eficiência dos gastos em

educação básica dos municípios brasileiros foi por classes de tamanho da população.

Seguindo os valores de corte proposto pelo IBGE (2010), dividiram-se os 4.592 municípios

brasileiros contemplados no estudo em cinco grupos, sendo que a quantidade de municípios

por grupo populacional está exposta na Tabela 2.

Tabela 2 – Grupos de tamanho da população e total de municípios por grupo para o Brasil

Grupos populacionais Tamanho da população Total de municípios


1 Até 5.000 habitantes 1.041
2 De 5.001 a 20.000 habitantes 2.162
3 De 20.001 a 100.000 habitantes 1.135
4 De 100.001 a 500.000 habitantes 224
5 Mais 500.000 habitantes 30
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
Com suporte no Gráfico 3, é possível constatar que, considerando o pressuposto com

CRS, o segundo grupo obteve a média mais elevada (0,207). Paralelamente, parcela

majoritária dos municípios plenamente eficientes no estudo de Wilbert e D’Abreu (2013)

concentrava-se nesse grupo populacional. Assim, dos nove municípios eficientes, 66,67% tem

uma população menor do que 20.000 habitantes. Em contrapartida, os municípios com

população superior a 500.000 habitantes obtiveram a menor média (0,123). Ao se considerar o

modelo VRS, observa-se que os municípios pertencentes ao primeiro grupo obtiveram a maior

média (0,366), seguindo pelo segundo grupo com uma média de 0,349. Ademais, é importante

destacar que os municípios de Paraú – RN, Juti – MS e Pescaria Brava – SC, que registraram

escores iguais à unidade nos modelos CRS e VRS, contabilizaram, respectivamente, uma

população de 3.924, 6.241, e 9.687 habitantes. Do lado extremo, os municípios do quinto

grupo registraram a pior média (0,225).

Esses bons resultados para os pequenos municípios estão em contrate com os

observados nos estudos de Miranda (2006) e Rocha et al. (2013) que apontaram que os

melhores resultados são obtidos por municípios com maiores tamanhos populacionais. No

entanto, ao avaliar a eficiência dos gastos em educação básica para os municípios cearenses,

Aguiar Neto (2010) mostrou que os grandes municípios apresentam os piores resultados,

corroborando com os resultados encontrados neste estudo.


Gráfico 3 – Distribuição dos escores de eficiência técnica com retornos constantes à escala
(CRS) e com retornos variáveis à escala (VRS) e de eficiência de escala dos gastos públicos
municipais em educação básica, por tamanho da população dos municípios, em 2013.

0.590

0.598

0.545

0.534
0.800

0.495
0.366

0.349

0.327
0.600

0.254

0.225
0.207

0.196
0.180

0.140

0.123
0.400
0.200
0.000
Até 5.000 De 5.001 a 20.000 De 20.001 a De 100.001 a Mais de 500.000
100.000 500.000

CRS VRS Eficiência de escala

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Ainda em relação ao Gráfico 3, infere-se que os escores da eficiência de escala

revelam que o quinto grupo registrou a maior média para os valores dos escores (0,534). Ou

seja, a ineficiência dos municípios pertencentes a esse grupo ocorre principalmente ao uso

incorreto dos insumos, e não ao uso inadequado da escala de produção.

Considerações Finais

A análise dos resultados permitiu constatar que apenas três municípios (Juti - MS,

Paraú - RN e Pescaria Brava - SC) não apresentaram problemas quanto ao uso inadequado de

insumos ou a escala incorreta de produção.

Outra inferência importante é que não necessariamente existe uma relação direta entre

eficiência e aumento dos gastos por aluno, tamanho populacional ou PIB per capita. Diante

dessas constatações, fica evidente que é fundamental os gestores públicos reverem o emprego

dos seus recursos, com o intuito de traçar estratégias que possibilitem o aperfeiçoamento dos

seus indicadores educacionais, elementos imprescindíveis para o desenvolvimento

socioeconômico. Ademais, em estudos posteriores, recomenda-se ampliar o período de tempo

com o intuito de verificar a evolução nos escores de eficiência municipal. Ademais,

considerando as particularidades dos municípios brasileiros, também seria interessante

apontar os determinantes da ineficiência dos gastos em educação.


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APÊNDICE:

Quadro 1A – Distribuição e abrangência dos municípios com disponibilidade de dados e


considerados no estudo por unidade federativa e por região brasileira
Área analisada Total de Quantidade de Quantidade de Participação de
municípios municípios com municípios após a municípios
dados disponíveis remoção dos outliers considerados (%)
Região Centro-Oeste 467 107 106 22,70
Distrito Federal 1 0 0 0,00
Goiás 246 62 62 25,20
Mato Grosso 141 3 3 2,13
Mato Grosso do Sul 79 42 41 51,90
Região Nordeste 1.794 1.606 1.582 88,18
Alagoas 102 90 90 88,24
Bahia 417 376 372 89,21
Ceará 184 166 154 83,70
Maranhão 217 189 185 85,25
Paraíba 223 210 210 94,17
Pernambuco 185 166 164 88,65
Piauí 224 207 206 91,96
Rio Grande do Norte 167 153 153 91,62
Sergipe 75 49 48 64,00
Região Norte 450 185 184 40,89
Acre 22 8 8 36,36
Amapá 16 2 2 12,50
Amazonas 62 0 0 0,00
Pará 144 5 5 3,47
Rondônia 52 44 44 84,62
Roraima 15 8 8 53,33
Tocantins 139 118 117 84,17
Região Sudeste 1.668 1.574 1.569 94,06
Espírito Santo 78 75 75 96,15
Minas Gerais 853 796 795 93,20
Rio de Janeiro 92 83 83 90,22
São Paulo 645 620 616 95,50
Região Sul 1.191 1.158 1.151 96,64
Paraná 399 382 379 94,99
Rio Grande do Sul 497 487 486 97,79
Santa Catarina 295 289 286 96,95
Brasil 5.570 4.630 4.592 82,44
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do FINBRA (STN, 2013) e do Censo Escolar (INEP, 2013b).

Quadro 2A – Estatísticas descritivas das variáveis utilizadas na mensuração dos escores de


eficiência técnica dos gastos públicos da rede de ensino municipal brasileira em 2013.
Variáveis Mínimo Média Máximo Desvio Padrão CV* (%)
Gasto / Matrícula 155,6935 4.362,8605 59.415,4680 2.214,3021 50,7534
Professores / Matrícula 0,0016 0,0829 0,5043 0,0529 63,7630
Estabelecimentos / Matrícula 0,0007 0,0074 0,0761 0,0053 72,4781
Salas / Matrícula 0,0046 0,0350 0,8871 0,0197 56,2676
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
Nota: * Representa o coeficiente de variação.
ENADE 2015: análise das variáveis que influenciam no desempenho dos alunos dos
cursos de Ciências Econômicas

Everton Bisinella1
Julcemar Bruno Zilli2
Nelton Carlos Conte3
Rodolfo Henrique Cerbaro4

RESUMO

A educação está na pauta das discussões mundiais como sendo a chave para o
desenvolvimento econômico e social dos países. Órgãos internacionais como OCDE,
CEPAL, UNESCO são unânimes quanto a sua importância. Como forma de avaliar o
ensino superior no Brasil, o INEP aplica a cada triênio o ENADE. Essa pesquisa tem como
objetivo analisar as variáveis que compõem o CPC e a variável de Formação Geral (FG)
para verificar quais delas influenciaram no desempenho dos alunos de Ciências
Econômicas no ENADE de 2015. Através do banco de dados disponibilizado no site do
INEP com o desempenho das IES foram obtidos os dados que supriram o modelo
econométrico de regressão linear múltipla utilizado na análise. Os resultados mostram que
algumas variáveis não foram significativas para o desempenho dos alunos enquanto outras
demonstraram resultados diferentes do esperado.

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico e Social; ENADE; Ciências Econômicas;

ABSTRACT

Education is a topic worldwide discussed as being a key for economic and social
development of countries. International institutions, such as OCDE, CEPAL, UNESCO,
are unanimous about its importance. As a way of evaluating higher learning in Brazil,
INEP applies each triennium the ENADE. This research has as a goal analysing the
variables which comprise the CPC and the General Formation (FG) variable to verify
which ones influenced the performance of the students of Economic Sciences at the 2015
ENADE. Through data obtained from INEP’s website with performances of IES, a multiple
regression econometric model was used in order to analyse the data. The results show that
some variables didn’t influence the results, while others comprised results different than
those expected.

Key Words: Economic and Social development; ENADE; Economic Sciences;

1 Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e acadêmico do curso de
Ciências Econômicas da mesma Universidade. E-mail: evertonbisinella@gmail.com.
2 Doutor em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP). Professor da
Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail: jbzilli@upf.br.
3 Mestre e Doutor em Desenvolvimento Regional – UNISC. Prof. Adjunto III da Faculdade de Ciências
Econômicas Administrativas e Contábeis da Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail: conte@upf.br.
4 Bacharel em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela Universidade de Passo Fundo (UPF),
especialista em Gestão Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Mestrando em
Administração de Empresas pela Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail: 103893@upf.br.
1 Introdução
A preocupação mundial com o nível e qualidade da educação da população e suas

consequências vem sendo debatida, estudada e acompanhada por entidades internacionais

como a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

Banco Mundial e a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) e é

unânime entre elas que a melhora nos níveis de educação e qualidade da mesma são

fundamentais para o desenvolvimento econômico, aumentando a coesão social nos países.

Um trabalhador com maior conhecimento e habilidades técnicas tem uma capacidade

produtiva e criativa bem maior em comparação a outro que não a possui. E o benefício

trazido não se restringe ao mundo do trabalho, ele transcende o mesmo e tem papel

fundamental na formação da pessoa como cidadão.

Apesar da importância da educação para o indivíduo e para a sociedade como um

todo e seus reflexos para o desenvolvimento do país, são muitos os fatores que influenciam

no desempenho dos alunos, que vão desde a formação familiar, passando pelo ambiente e

contexto social do estudante, sua formação escolar e sua capacidade cognitiva. A teoria da

produção educacional elucida essa questão (HANUSHEK, 1979). Há, portanto, uma

preocupação em mensurar os resultados educacionais dos alunos como forma de subsidiar

e guiar políticas públicas através de estudos sobre o desempenho dos estudantes.

No caso do ensino superior no Brasil, o INEP (Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) aplica todo ano a prova do Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes (ENADE) para os alunos que estão concluindo o Ensino

Superior, segregando por grupo de cursos a cada avaliação anual. O ciclo avaliativo do

ENADE foi definido pelo artigo 33 da Portaria nº 40, de 12 de Dezembro de 2007 e cada

curso é avaliado a cada três anos. A prova serve como uma importante avaliação feita sobre

a qualidade do ensino superior no país que combinado com uma série de outras análises o
INEP calcula o Conceito Preliminar de curso (CPC), que serve de parâmetro para as

Instituições de ensino superior avaliarem seu desempenho.

Dessa forma, sendo o ENADE uma importante ferramenta de avaliação do ensino

superior e que serve como instrumento de políticas educacionais para as IES e

considerando que o CPC é um indicador de qualidade dos cursos de graduação composto

por diversas outras notas, as quais avaliam aspectos do curso e que podem ser considerados

insumos de produção da educação, que variáveis que compõem o Conceito Preliminar do

Curso de Ciências Econômicas influenciam no desempenho dos alunos no exame do

ENADE?

O objetivo do trabalho é analisar quais variáveis acadêmicas tem impacto no

desempenho dos alunos dos cursos de Ciências Econômicas no ENADE de 2015. Para

tanto, utilizou-se um modelo econométrico de regressão linear múltipla, tendo como

variável explicada a nota do ENADE e como variáveis explicativas as notas que compõem

o CPC e a nota de Formação Geral (FG), a qual compõe a nota do ENADE.

2 Referencial teórico

2.1 A importância da Educação para o desenvolvimento econômico

Em Setembro de 2015 foi adotada internacionalmente por 193 países-membros das

Nações Unidas (PNUD 2017) a Agenda 2030, a qual é composta por um plano de ação

para atingir seus 17 Objetivos e suas 169 metas rumo ao desenvolvimento sustentável.

Nesse encontro foi reconhecido que para atingir esses objetivos a educação é o ponto de

partida. No relatório “Quality Education: Why it matters?” divulgado pela Organização

das Nações Unidas (ONU, 2017), é dito que “a educação é a chave que permitirá que sejam

atingidos os demais objetivos do desenvolvimento sustentável” e que “uma educação de

qualidade pode quebrar o ciclo de pobreza”, reduzindo a desigualdade social, melhorando a


qualidade de vida, reduzindo as desigualdades de gênero e contribuindo para vivermos em

sociedades mais pacíficas. Wilkinson e Pickett (2010) acrescentam que países com alto

nível de desigualdade também possuem altos índices de criminalidade e baixa qualidade na

saúde. Segundo um estudo divulgado no mesmo relatório da ONU citado acima, utilizando

dados de 114 países entre 1985 e 2005, um ano a mais de educação está associado a uma

redução no coeficiente de GINI5 em 1.4%.

De acordo com o relatório da OCDE (2015) sobre o Brasil, nas últimas duas

décadas no país houve mudanças significativas que reduziram a pobreza, a desigualdade de

renda, a informalidade no mercado de trabalho, tendo um aumento na expectativa de vida

em 6 anos e no tempo médio dedicado à educação, que passou de 6 para 9 anos. Porém,

observa-se no gráfico abaixo que o índice de GINI tem um valor de aproximadamente 0,5,

sendo considerado alto perante os padrões internacionais.

Figura 1 – Pobreza absoluta, pobreza relativa e coeficiente de Gini, 1995-2013

Fonte: OCDE. Relatórios Econômicos da OCDE: Brasil. Nov. 2015.

5 O coeficiente de GINI mede o grau de concentração de renda de determinado grupo. Seu valor é medido
de 0 a 1, sendo 0 para grupos que recebem a mesma renda e 1 para grupos onde um só membro concentra
todos os ganhos.
Desde os anos 90 a importância da educação vêm sendo discutida de forma mais

enfática no Brasil como consequência de diversos encontros e conferências mundiais sobre

o assunto que ocorreram no período, como a conferência mundial de educação para todos,

ocorrida na Tailândia em 1990, o encontro de Nova Delhi em 1993 e também os

específicos para o ensino superior, como a Conferência Mundial sobre Ensino Superior –

1998/2009 – e Declaração de Bolonha, 1999 (LIMA, 2013). Alguns pontos destacados por

Lima (2013) referentes à declaração mundial sobre a educação de 1998 merecem ser

transcritos: Avaliação da qualidade; Reforçar a gestão e o financiamento da educação

superior; O financiamento da educação superior como serviço público.

Sendo a educação considerada um fator chave para a melhor distribuição de renda a

longo prazo (OCDE, 2015), o acesso ao ensino superior no Brasil aumentou

significativamente nos últimos anos graças a programas do Governo Federal como o

PROUNI (Programa Universidade para todos) e o FIES (Fundo de Financiamento ao

Estudante do Ensino Superior), como forma de financiar, expandir e democratizar o acesso

a educação superior no país (LIMA, 2013). Para avaliar a atividade educacional superior

no Brasil, foi criado o SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior –

através da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004.

2.2 SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

De acordo com o art. 1º da Lei nº 10.861/2004, o SINAES tem o “objetivo de

assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos

de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes”, tendo especificado no

inciso 1º as suas finalidades, como: melhoria da qualidade da educação superior;

orientação da expansão da sua oferta; aumento permanente da sua eficiência institucional e

efetividade acadêmica e social; entre outros.


Na mesma Lei foi instituído o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

(ENADE), como avaliação substituta ao Exame Nacional de cursos, conhecido como

“Provão”, aplicado de 1996 até 2003 (BITTENCOURT et. al, 2008). O artigo 5º da Lei

define como será realizada a avaliação:

§ 1º O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em


relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes
curriculares do respectivo curso de graduação, suas
habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da
evolução do conhecimento e suas competências para
compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua
profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras
áreas do conhecimento. (BRASIL, 2004).

Considerada uma das maiores inovações do ENADE em relação ao Provão foi a

criação do Indicador de Diferença de Desempenho (IDD), pois através desse indicador foi

possível comparar o perfil dos estudantes em relação à outros com as mesmas

características, o que antes não era possível, visto que não havia um método de avaliação

dos alunos quando ingressavam no curso de graduação (BITTENCOURT et. al, 2008).

2.4 Modelo teórico

A Econometria foi definida por Wooldridge (2014) como um campo da Ciência

Econômica que se baseia “no desenvolvimento de métodos estatísticos para estimar

relações econômicas, testar teorias, avaliar e implementar políticas de governo e de

negócios”, sendo uma disciplina diferente da estatística matemática, pois a econometria

lida com problemas de coleta e análise de dados não experimentais, ou seja, dados “que

não são acumulados por meio de experimentos controlados de indivíduos, firmas ou

segmentos da economia” (WOOLDRIDGE 2014, p. 2). Autores como Gujarati e Porter


(2011), definem econometria como “um amálgama de teoria econômica, economia

matemática, estatística econômica e estatística matemática”.

Os dados utilizados para o modelo econométrico da pesquisa possuem uma

estrutura de dados de corte transversal (cross-section), definida por Wooldridge (2014, p.

6) como um conjunto de dados que “consiste em uma amostra de indivíduos,

consumidores, empresas, cidades, estados, países ou uma variedade de outras unidades,

tomada em um determinado ponto no tempo”. Nesse caso, a amostra consiste dos dados

divulgados pelo INEP (2017) referente ao ENADE e ao CPC de 2015.

Como base para formulação da hipótese, utilizou-se a teoria da produção

educacional de Hanushek (2014), a qual compara o processo educativo com o processo

produtivo, onde o produto final do processo educativo é resultante de diversos fatores,

sendo a educação somente um deles.

Τ=a 0+ a1 F +a 2 R+a 3 I +a 4 A+ e

Onde T significa o produto final do processo educativo, a variável F capta as

características do backgroud familiar, R é a variável que mensura os insumos educacionais,

I avalia as características escolares e o sistema educacional e a variável A mensura as

habilidades individuais. Para a atual pesquisa, os indicadores divulgados pelo INEP (2017)

referente ao ENADE e CPC de 2015 servem como indicadores que avaliam os insumos do

processo educativo e as características das Instituições de Ensino Superior (IES) e seus

respectivos sistemas de ensino, tendo como produto final a nota do ENADE. Portanto, as

hipóteses para o trabalho são:


H1: Quanto melhor a nota dos indicadores educacionais, considerados insumos do

processo formativo, melhor será o desempenho dos alunos de Ciências Econômicas

no ENADE.

H2: A localização geográfica das IES influencia no desempenho dos alunos de

Ciências Econômicas no ENADE.

A análise será feita através de um modelo de regressão linear múltipla, utilizando o

método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) tendo o modelo matemático

especificado da seguinte forma:

Υ i=α +β1 . X+ U

Onde alpha (α) é o intercepto da função e beta (β) o parâmetro que representa a

inclinação da reta, que serão estimados com base nos valores de X, o qual representa uma

variável. O termo de erro (U) capta todos os fatores que podem influenciar no valor da

variável explicada (Y) porém que não são levados em conta pelo modelo econométrico.

3 Metodologia

A presente pesquisa caracteriza-se como pesquisa descritiva, documental e quali-

quanti. Descritiva pois têm como objetivo estudar as características de um grupo e

descobrir a associação entre variáveis (GIL, 2002), que nesse caso trata-se de analisar quais

variáveis influenciam no desempenho dos alunos no ENADE de 2015, especificamente do

grupo de alunos do curso de Ciências Econômicas. Documental pois o material utilizado

para a análise está disponível no site do INEP(2017) e pode ser utilizado para diversos
propósitos científicos. Segundo Diehl e Tatim (2004, p. 59) a pesquisa documental “vale-se

de materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou que ainda podem ser

reelaborados de acordo com o objetivo do trabalho”. Quanto a abordagem do problema, a

pesquisa caracteriza-se como quantitativa por utilizar técnicas estatísticas para tratar as

informações e qualitativa pois descreve sobre a interação entre variáveis (DIEHL e TATIM,

2004).

A coleta de dados foi feita no site do INEP (2017) com o download das planilhas do

Conceito Preliminar de Curso (CPC) e do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

(ENADE) de 2015 disponíveis para consulta pública. Foi realizado um filtro em ambas as

planilhas para ocultar os cursos que não fossem de Ciências Econômicas. Após esse filtro,

foi criada uma terceira planilha para servir como banco de dados para a pesquisa e copiado

o conteúdo filtrado das planilhas do CPC e do ENADE em “abas” diferentes, além da

criação de uma terceira “aba” para conter os dados das variáveis que fossem utilizadas no

modelo. Foi realizado novamente um filtro na coluna do “código do curso” nas “abas” com

o conteúdo do CPC e do ENADE para que os dados fossem organizados na mesma ordem.

Após esse procedimento, o conteúdo que fizesse parte do modelo foi copiado para a

terceira “aba”.

Depois desses procedimentos de organização dos dados, 11 cursos tiveram que ser

retirados do modelo. Dos 191 cursos de Ciências Econômicas avaliados em 2015, 7 cursos

não fizeram parte da análise pois não haviam sido reconhecidos pelo Ministério da

Educação até 31/12/2015 e outros 4 por terem ficado sem conceito (SC) na nota do

ENADE. Portanto, a amostra dos cursos de Economia do país utilizada para a pesquisa é de

180 cursos, divididos em instituições de ensino público e privado.

Abaixo um quadro com as variáveis utilizadas e sua descrição.


Quadro 1 – Variáveis utilizadas no modelo Econométrico
Variável Sinal esperado Descrição
ENADE Nota dos alunos no ENADE (Variável Explicada)
Indicador da diferença entre os desempenhos esperado e
IDD (+)
observado
ND (+) Nota padronizada de Doutores
NM (+) Nota padronizada de Mestres
NR (+) Nota padronizada de Regime de Trabalho
NO (+) Nota padronizada de Organização didático-pedagógica
NF (+) Nota padronizada de infraestrutura e instalações físicas
NOP (+) Nota padronizada de oportunidades na ampliação da formação
FG (-) Formação Geral
CP (-) Concluintes Participantes
Variável Dummy sendo 1 para os cursos em instituições de
PP (+)
ensino públicas e 0 para instituições de ensino privadas
ENEM (+) Concluintes Participantes com nota no ENEM
Variável Dummy sendo 1 para os cursos presentes na região
SUL (+)/(-)
Sul do país e 0 para os cursos presentes nas demais regiões

Fonte: Elaborado pelos autores.

Todas as variáveis são contínuas com um valor de 0 a 5, correspondendo à nota

padronizada calculada pelo INEP. As únicas duas exceções são as variáveis “Sul” 6 e “pp”,

por serem variáveis Dummy elaboradas pelos autores. As variáveis ENADE, IDD, ND,

NM, NR, NO, NF, NOP, CP e ENEM, fazem parte do cálculo que compõe a nota do

Conceito Preliminar de Curso, enquanto a variável FG faz parte do cálculo que compõe a

nota do ENADE. A coluna “Sinal esperado” demonstra o resultado esperado de cada

variável: As que compõem a nota do CPC espera-se que sejam positivas pois todas elas

podem ser consideradas insumos da educação, logo, espera-se que quanto melhor a nota da

variável melhor o desempenho dos alunos no ENADE. A única exceção é quanto ao

número de Concluintes Participantes (CP) a qual espera-se que seja negativa pois quanto

menos alunos participam da prova mais fácil é de conseguir um desempenho melhor para a

Instituição de Ensino. A variável FG espera-se que tenha um resultado negativo pois

6 Foi escolhido utilizar a região Sul em função dos autores serem provenientes da Universidade de Passo
Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul.
somente 25% da prova do ENADE é composta de questões de Formação Geral, enquanto

as outras 75% das questões são feitas sobre conteúdos específicos (CE) da profissão do

economista (BRASIL, 2017). A dummy “pp” espera-se que tenha resultado positivo no

desempenho dos alunos na nota do ENADE pois conforme Miranda e Silva (2016) os

alunos das IES públicas de Ciências Contábeis tiveram melhor desempenho no ENADE de

2012 e essa foi a mesma conclusão de Moriconi e Nascimento (2014) quanto ao

desempenho dos alunos de Engenharia no ENADE de 2011. Por fim, a dummy “Sul” foi

criada para verificar qual a influência da localização geográfica das IES para o

desempenho no exame.

O modelo utilizado ficou da seguinte forma:

Υ enade=α+β1.IDD+β 2.ND+β3 .NM +β4 .NR+β5.NO+β 6.NF+β7 .NOP+β8 .FG+β9 .CP+β10.PP+β11 .ENEM+β12.SUL+U

Após ter o modelo econométrico especificado foi utilizado o software estatístico

Eviews para encontrar as estimativas dos parâmetros utilizando o método dos Mínimos

Quadrados Ordinários (MQO) e o teste t para avaliar a significância dos coeficientes com

um intervalo de confiança de 5%.

4 Análise dos resultados

Após rodar o modelo no Eviews com a amostra de 180 cursos de Ciências

Econômicas do país, sendo 51,57% dos cursos de Instituições de Ensino públicas e 48,33%

privadas, das 12 variáveis explicativas que compõem o modelo 5 delas ficaram

estatisticamente não significativas à 5% de confiança: Dummy Sul, NOP (Nota

padronizada de oportunidade de ampliação da Formação), NF (Nota padronizada da

Infraestrutura e instalações físicas), NR (Nota padronizada do regime de trabalho) e NM


(Nota padronizada de Mestres). Dessas cinco variáveis, 2 delas não ficaram com o sinal

esperado, que foram a dummy Sul e a Nota padronizada do regime de trabalho.

As demais variáveis exógenas tiveram resultado estatístico significativos à 5% de

significância. No quadro abaixo é demonstrado o resultado de cada variável e o sinal do

coeficiente estimado.

Quadro 2 – Coeficientes e seus valores estimados


Coeficientes Valor Estimado
IDD* 0,317399
ND* 0,163813
NO* -0,231339
FG* 0,577197
CP* -0,007401
PP** -0,240318
ENEM* 0,011493
Sul*** -0,180967
NR*** -0,062061
Significativas a *0,01 **0,05 ***0,10
Fonte: Elaborado pelos autores.

Diferentemente do esperado, o coeficiente NO teve um sinal negativo. A nota

padronizada da organização didático-pedagógica no modelo pode ser interpretada que

quanto menor for a avaliação desse indicador, melhor seria o desempenho dos alunos no

ENADE. Esse resultado pode ser influenciado pela forma como os dados desse indicador

são obtidos que é através de questionário socioeconômico aplicado aos alunos, o qual

apresenta alternativas subjetivas para resposta. O outro coeficiente com sinal distinto do

esperado foi a dummy PP, a qual ficou com sinal negativo e é interpretada que se o curso de

Economia for de uma IES privada, a nota do ENADE tende a ser melhor. Esse resultado é

oposto ao encontrado em outros estudos como o de Miranda e Silva (2016) e Moriconi e

Nascimento (2014), o primeiro sobre o curso de Ciências Contábeis e o segundo sobre os

cursos de Engenharia. Hanusheck e Woessmann (2010), baseando-se em diversos trabalhos


que buscam analisar a influência da característica administrativa das instituições de ensino

(público ou privado), verificam que, em termos mundiais, alunos de IE privadas tendem a

ter desempenho superior em comparação aos alunos de IE públicas. Porém, esse resultado

não se aplica em todos os casos quando análises mais específicas são feitas. Dessa forma,

pode-se inferir que no Brasil nos cursos de graduação de Ciências Econômicas há uma

tendência dos alunos de IES privadas a terem melhor desempenho no ENADE em

comparação a alunos de IES públicas, diferentemente dos cursos de Contábeis e

Engenharias.

A variável de Formação Geral (FG) também teve seu sinal divergente do esperado.

No caso dos cursos de economia, o currículo de formação geral tem bastante influência no

desempenho dos alunos no ENADE, mesmo tendo somente 25% das questões relativas a

essas disciplinas. Porém, para interpretar esse resultado deve-se levar em conta a

importância dessas disciplinas para a formação do economista, um profissional que deve

possuir conhecimentos amplos e diversos, conforme explicita a diretriz curricular do curso

de Economia, no parágrafo único do artigo 3º:

O Bacharel em Ciências Econômicas deve apresentar um perfil centrado em


sólida formação geral e com domínio técnico dos estudos relacionados com a
formação teórico-quantitativa e teórico-prática, peculiares ao curso, além da
visão histórica do pensamento econômico aplicado à realidade brasileira e ao
contexto mundial, exigidos os seguintes pressupostos:
I - uma base cultural ampla, que possibilite o entendimento das questões
econômicas no seu contexto histórico-social;
II - capacidade de tomada de decisões e de resolução de problemas numa
realidade diversificada e em constante transformação;
III - capacidade analítica, visão crítica e competência para adquirir novos
conhecimentos; e
IV - domínio das habilidades relativas à efetiva comunicação e expressão oral e
escrita. (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução nº 4, de 13 de
Julho de 2007).

Tendo em vista a importância da formação geral para o economista, pode-se

interpretar o resultado da variável FG da seguinte maneira: Os alunos que apresentam bom


desempenho nas disciplinas de formação geral (FG) tendem a ter bom desempenho

também nas disciplinas do currículo específico, visto que com uma base cultural ampla e

tendo conhecimento em outras áreas o aluno tende a desenvolver raciocínios mais

adequados à resolução de problemas específicos da economia. Portanto, esse resultado

pode demonstrar a particularidade do curso de Economia perante os demais cursos no

Brasil, reforçando o resultado da dummy PP.

A variável explicativa do Indicador da diferença entre o desempenho observado e

esperado (IDD) teve o sinal esperado e sua interpretação é de que quanto maior for o valor

agregado pelo curso de graduação durante o processo de formação melhor é o desempenho

do aluno no exame. Esse resultado é particularmente interessante pois esse indicador é

considerado como a grande mudança do ENADE em relação ao “Provão”

(BITTENCOURT et al. 2008) pois é obtido considerando o desempenho no ENADE dos

estudantes concluintes e seu perfil ao ingressar no curso de graduação e dessa forma é

mensurada a contribuição da graduação para o processo formativo do aluno. A estimativa

de 0,3174 informa que a cada acréscimo de um ponto na nota do ENADE, a nota no IDD

em média corresponde a 31,74% desse aumento.

O coeficiente estimado da nota padronizada de Doutores (ND) ficou com o sinal

esperado e seu resultado demonstra que quanto mais professores com titulação de Doutor

houver nas Instituições de Ensino, melhor é o desempenho dos alunos no ENADE.

O resultado da variável ENEM infere que quanto maior o número de alunos que

ingressaram na graduação através do ENEM melhor é o desempenho no ENADE. Pode-se

afirmar, portanto, que estudantes que ingressam através do Exame Nacional do Ensino

Médio são melhor preparados ao entrarem no curso em função do nível de exigência da

avaliação e dessa forma reflete no desempenho dos alunos.


Por fim, percebe-se que quanto maior for a participação de alunos concluintes

(variável CP) no ENADE a tendência é de que a nota do exame seja menor. Isso demonstra

que quando o conjunto de alunos participantes for pequeno, a possibilidade dos professores

e gestores dos cursos de reuni-los e realizar uma espécie de revisão das disciplinas, o que

contribui no desempenho dos mesmos.

Dessa forma, pode-se rejeitar, em partes, a hipótese H1 de que “Quanto melhor a

nota dos indicadores educacionais, considerados insumos do processo formativo, melhor

será o desempenho dos alunos de Ciências Econômicas no ENADE.”, pois nem todos os

insumos de produção educacional são significativos no processo de formação dos alunos

do curso de Ciências Econômicas. A hipótese H2, a qual infere que a localização geográfica

das IES pode influenciar no desempenho dos alunos no ENADE pode ser rejeitada ao nível

de 5% de confiança, pois após sua estimativa o resultado do teste t ficou dentro da área de

valor crítico, podendo a hipótese ser desconsiderada.

5 Considerações Finais

O objetivo da pesquisa foi encontrar quais as variáveis que podem influenciar no

desempenho dos alunos dos cursos de Ciências Econômicas no Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes realizado em 2015. Para tanto, um modelo econométrico

linear de regressão múltipla foi usado e hipóteses estabelecidas, que levaram a algumas

considerações pontuais e específicas sobre o curso de Ciências Econômicas. O que se

espera é que haja percepção de que a pesquisa específica a determinados cursos é útil em

prol de suprir informação de maior qualidade para que existam melhoras frente a forma

com que se avalia a qualidade de informação no Brasil. Testes como o ENADE são de

muita utilidade, porém há uma dificuldade de generalização dos resultados pois há muitas

particularidades em cada curso.


O que buscou-se com esse estudo foi avaliar as variáveis que poderiam ter

influência no desempenho dos alunos do curso de Ciências Econômicas em razão de que

trabalhar com os fatores que modificam a performance é relevante tanto para os cursos,

como para o governo e, também, para os alunos, uma vez que o objetivo de todos os

envolvidos é que se tenha um conhecimento mais adequado e se possa ter talentos cada vez

melhor capacitados para o competitivo mercado de trabalho, que recompensa a excelência.

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Impacto do ProUni no desempenho acadêmico dos alunos concluintes beneficiados
para o ano de 2014

Fransuellen Paulino Santos – Universidade Federal de Viçosa -franspaulino@gmail.com


Cristiana Tristão Rodrigues - Universidade Federal de Viçosa - cristiana.rodrigues@ufv.br

Resumo
O objetivo do presente estudo é avaliar o impacto do ProUni sobre o desempenho acadêmico
dos alunos concluintes com bolsa integral, avaliados no Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes de 2014. A estratégia empírica baseia-se no método de propensity score matching
e nos microdados do ENADE 2014, por meio da qual foi possível mensurar os efeitos médios
de tratamento sobre tratados e observar que os beneficiários concluintes do programa
apresentam um desempenho acadêmico mais elevado, em comparação aos não bolsistas das
escolas privadas com características semelhantes. O resultado é válido quando se analisa
todos os cursos conjuntamente e quando se considera apenas os cinco cursos com maior
número de bolsistas, sendo eles, arquitetura e urbanismo, engenharia civil, educação física,
pedagogia e engenharia de produção.
Palavras-chave: Desempenho acadêmico. ProUni. ENADE.

Abstract
The objective of the present study is to evaluate the impact of ProUni on the academic
performance of the final scholarship students, evaluated the National Student Performance
Test of 2014. The empirical strategy is based on the method of propensity score matching
and in the microdata of the ENADE 2014, through which it was possible to measure the
average treatment effects on treaties and to note that the final beneficiaries participating in
the program have a higher academic performance compared to non-Fellows in private
schools with similar characteristics. The result is valid when analyzing all the courses
together and when considering only the five courses with the largest number of scholars, that
are architecture and urbanism, civil engineering, physical education, pedagogy and
production engineering.
Keywords: Academic achievement. ProUni. ENADE.
1 INTRODUÇÃO

O Brasil vem passando por algumas mudanças na educação pública, em busca de

uma melhoria da qualidade. De acordo com o site Todos Pela Educação, no Ensino Médio o

percentual de alunos que concluíram essa etapa até os 19 anos, subiu para 69,0% em 2014,

enquanto o ano anterior era de 63,7% (BRASIL, 2016a). Desta forma, houve um avanço no

sentido de que mais alunos cumprem essa trajetória escolar na idade correta.

Assim como na educação básica, há uma grande preocupação com o acesso dos

jovens, principalmente os de baixa renda, ao ensino superior. Para Amaral e Oliveira (2011),

a ampliação do acesso as universidades/faculdades da população que concluí o nível médio

e que planeja progredir nos estudos, mas que por escassez de oferta não encontra condições

de ingresso, é um dos maiores desafios educacionais. Estabeleceu-se pelo Plano Nacional de

Educação (PNE), aprovado em 2001 a meta de que 30% dos jovens de 18 a 24 anos

estivessem cursando o ensino superior no Brasil, até o final de 2010. Porém, o mesmo não

foi alcançado, a Síntese dos Indicadores Sociais de 2009 revelou que apenas 13,7% da

população nesta faixa estava matriculada na Educação Superior (BRASIL, 2009a).

Um dos projetos do Ministério da Educação (MEC) com o intuito de aumento ao

acesso do ensino superior é o Programa Universidade para Todos (ProUni), criado pela Lei

nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2005). Tendo como objetivo a concessão de

bolsas de estudos (integrais ou parciais) em instituições privadas, para os estudantes que não

detêm diploma de graduação. Oferecendo em contrapartida, a isenção de alguns tributos

àquelas instituições que aderirem ao programa. Para participar o aluno deve satisfazer alguns

requisitos como, por exemplo, para concorrer às bolsas integrais o candidato deve ter uma

renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa, além de obter boa

nota no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) (BRASIL, 2016b).


França e Gonçalves (2009) afirmam que pelo menos no curto prazo, a entrada destes

alunos bolsistas afeta negativamente o desempenho geral da turma, pois amplia a

heterogeneidade existente. Além disso, esta ampliação segundo os autores, não foi

acompanhada com aumentos na qualidade. Porém, Lira (2010) encontrou em sua pesquisa

para a Faculdade de Santo Agostinho que alunos contemplados pela bolsa do ProUni

possuem um desempenho superior aos que não recebem.

O relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (2009) analisou o impacto

do ProUni sobre a permanência dos alunos no ensino superior, separando os alunos entre

ingressantes e concluintes no ensino superior. Concluem que o programa atende o objetivo

de aumentar a probabilidade de acesso ao ensino superior da população-alvo, além disso, a

qualidade dos alunos não piorou após a introdução do programa, e mesmo sendo modesto,

o efeito da bolsa integral é maior que o da bolsa parcial sobre a redução da probabilidade de

evasão (BRASIL, 2009b). Também, o estudo de Bertolin e Fioreze (2016), através das

teorias do capital cultural e do background verificaram que o desempenho de alunos bolsistas

do ProUni é melhor – que tem nível socioeconômico e cultural menor – em relação aos

demais alunos das instituições privadas, contrariando a probabilidade de melhor

desempenho entre os estudantes de maior capital cultural.

Para detalhar e especificar o processo de implementação, Faceira (2008) explica que

existem pontos de fragilidade que precisam ser solucionadas no sistema de

operacionalização e reestruturação do ProUni. Para a autora, o MEC deve criar estratégias

de acompanhamento, monitoramento e fiscalização do processo de implantação do programa

nas instituições e da qualificação dos cursos que estão sendo oferecidos.

Nesse contexto, os estudos comprovam que há uma relação positiva entre os alunos

do ProUni, em especial os com bolsa integral, e o desempenho acadêmico. Sendo, portanto,

um incentivo ao investimento que é realizado pelo governo no ensino superior através deste
programa. Contudo, se faz necessário uma renovação de estudos acerca de toda e qualquer

atividade do governo. Sendo que, a avaliação de políticas públicas possui extrema

importância, na visão de Belloni et al. (2001), pois é uma forma de aperfeiçoar a gestão do

Estado. Portanto, a partir do exposto este artigo propõe analisar se alunos bolsistas

concluintes e que recebem o auxílio concedido pelo programa possuem um desempenho no

Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) de 2014 superior aos que não

recebem, com características socioeconômicas observáveis semelhantes, visto que para

manter o benefício é exigido um bom rendimento (BRASIL, 2013a). Cabe destaque que, no

ano de 2016, foi realizada uma pesquisa sobre o tema de autoria de Dutra (2016) e que serviu

como base para a pesquisa em tela.

Para tal fim, serão considerados indivíduos com bolsa integral e utiliza-se os

microdados do ENADE de 2014 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e que possui justamente o propósito de “acompanhar

o processo de aprendizagem e o desempenho acadêmico dos estudantes de educação

superior” (BRASIL, 2013b, p. 7). Este estudo, pretende colaborar nos estudos de avaliação

de políticas públicas voltadas para melhorias ao acesso do sistema de ensino superior através

de uma investigação recente e ao utilizar duas formas de visualização dos resultados. A

primeira, verificando o impacto do programa quando se analisa os dados agregados e a outra

demonstrando o efeito em cada curso individualmente (aqueles com maiores quantidades de

bolsistas).

Para alcançar este objetivo é necessário utilizar um método que permita a

comparação dos alunos, pois existem outros itens que podem impactar nesta análise, sendo

necessário isolar a influência de tais pontos por meio de variáveis que possam explicá-los.

Assim, a avaliação será realizada através do Propensity Score Matching (PSM), que encontra

no banco de dados os indivíduos que não participam do ProUni mais próximos possíveis
daqueles que participam, permitindo que seja calculado o Efeito Médio do Programa sobre

os Tratados (ATT).

2 METODOLOGIA

De acordo com o estudo de Peixoto et al. (2012) o impacto do ProUni até poderia ser

medido através de diferenças observadas entre a nota obtida pelo estudante com bolsa

integral e a nota auferida por ele na situação em que não houvesse participado, porém nesses

dois momentos não seria possível observar o sujeito, e este é um dos grandes problemas das

avaliações de programas sociais, ou seja, a dificuldade de encontrar um contrafactual dos

indivíduos que recebem o tratamentos para o grupo de beneficiários em caso de não

participação no programa. Uma solução de acordo com Rosenbaum e Rubin (1983) é medir

a diferença entre grupos de indivíduos que foram selecionados aleatoriamente para participar

ou não do programa.

Neste trabalho, 𝐷𝑖 = 1 para o caso em que o estudante fez o ENADE e participa do

ProUni com bolsa integral, definido como tratamento e 𝐷𝑖 = 0, caso tenha feito o ENADE,

mas não participa do programa. O resultado observado para a variável de interesse

(desempenho no ENADE) pode ser expresso: 𝑌𝑖 = 𝐷𝑌1𝑖 + (1 − 𝐷)𝑌0𝑖 em que 𝑌𝑖(1)

representa o resultado do i-ésimo indivíduo tratado, no caso deste estudo é dado pela nota

geral no ENADE 2014 dos alunos que recebem bolsa integral. Enquanto 𝑌𝑖(0) é a nota geral

no ENADE 2014 do i-ésimo indivíduo de controle, ou seja, aquele que por algum motivo

não participa do programa. Assim, o impacto médio do ProUni sobre os participantes é

representado pelo efeito médio do tratamento no grupo tratado (ATT):

𝜋𝑖 = 𝑌1𝑖 − 𝑌0𝑖 e 𝜋𝑖 = 𝐸[𝜋𝑖| 𝐷𝑖 = 1] = 𝐸[𝑌1𝑖 − 𝑌0𝑖 | 𝐷𝑖 = 1] (1)

Porém, Rosenbaum e Robin (1983) apontam que os indivíduos que participam do

programa são diferentes uns dos outros em vários quesitos. Uma forma de corrigir esse
problema é a utilização do método de Propensity Score Matching, ou pareamento por escore

de propensão desenvolvido por Rosenbaum e Rubin (1983).

2.1 Propensity Score Matching

O presente trabalho pretende investigar se alunos que participam do ProUni

apresentam desempenho superior, dada as exigências de nota do programa, quando

comparados àqueles que não recebem o auxílio. Dessa forma, é necessária a construção de

dois grupos de indivíduos com as mesmas características. Porém, surge o problema da

autosseleção, ou seja, os investigadores não possuem controle sobre a atribuição do

tratamento e isto gera comparações diretas dos resultados dos grupos de tratamento

enganosas. Os métodos tradicionais de ajustes (matching, estratificação ou ajuste de

covariância) são muitas vezes limitados, visto que só podem ser utilizados em um número

limitado de covariáveis de ajustamento, enquanto o propensity score (PS) fornece um

resumo escalar das informações das covariáveis e não possui essa limitação

(ROSENBAUM; RUBIN, 1983).

Para solucionar esse viés utiliza-se o método do pareamento, o qual apresenta

importância na avaliação de impacto e de políticas. Dessa forma, pode-se comparar os

resultados entre os tratados e seus contrafactuais. De acordo com Rosenbaum e Rubin

(1983), o propensity score é um escore de equilíbrio e pode ser utilizado em estudos

observacionais, para reduzir as diferenças entre grupos de tratados e não tratados. Esta

técnica consiste em encontrar um grupo de comparação o mais similar possível,

emparelhando-o e estimando os efeitos de tratamento (efeito do programa) através da

diferença entre resultados médios dos grupos de tratamento e controle. Este método pode ser

executado através de uma única variável de controle, o escore de propensão, que é definido
como a probabilidade condicional de participação no programa de um indivíduo i a um vetor

de características observáveis X (CAMERON; TRIVEDI, 2005). Assim,

𝑃(𝑥) = 𝑃𝑟𝑜𝑏 ( 𝐷𝑖 = 1 | 𝑥) em que 0 < P(x) < 1 (2)

Portanto, considera o pressuposto de independência condicional às características

observáveis dos grupos de tratamento e controle. De acordo com Rosenbaum e Rubin (1983)

o efeito médio do programa sobre os beneficiados (ATT), equação (2), pode ser reescrita

como:

𝜋𝑖 = 𝐸[𝑌1 − 𝑌0 |𝐷 = 1, 𝑃(𝑥)] = 𝐸[𝑌1 |𝐷 = 1, 𝑥)] − 𝐸[𝑌0 |𝐷 = 0, 𝑥] (3)

onde 𝐸[𝑌1 |𝐷 = 1, 𝑃(𝑥)] refere-se ao valor esperado, condicional ao conjunto de

características observáveis e à participação no ProUni, enquanto, 𝐸[𝑌0 |𝐷 = 0, 𝑃(𝑥)] refere-

se ao valor esperado, condicional ao conjunto de características observáveis e à não

participação no ProUni. Como o Propensity Score de um indivíduo, é definido como a

probabilidade condicional de um indivíduo participar do programa dado suas características

observáveis x, pode-se substituir x pelo escalar P(x) na equação (4):

𝜋𝑖 = 𝐸[𝑌1 − 𝑌0 |𝐷 = 1, 𝑃(𝑥)] = 𝐸[𝑌1 |𝐷 = 1, 𝑃(𝑥)] − 𝐸[𝑌0 |𝐷 = 0, 𝑃(𝑥)] (4)

Segundo Rosenbaum e Rubin (1983), no caso em que as características não observáveis

influenciam a decisão de o indivíduo participar ou não do programa e se elas

forem correlacionadas com o desempenho potencial no ENADE 2014 deste indivíduo, o

método de pareamento não conseguirá eliminar o viés de seleção, e a estimativa do efeito do

programa pode ser tendenciosa. Conforme explica Becker e Ichino (2002), o viés de fatores

não-observados somente é eliminado se a participação no tratamento for puramente

aleatória, caso contrário serão apenas reduzidos. Assim, o controle é o mais próximo possível

do tratado, a partir do escore de propensão.

Existem diferentes métodos de matching que podem ser usados para atribuir

participantes a não participantes em função do PS. Na literatura que aborda as diferentes


técnicas de pareamento, não há um consenso de qual das técnicas apresentariam melhores

resultados, mas o estudo de Becker e Ichino (2002) explica que a consideração conjunta das

técnicas pode oferecer um método para avaliar se as estimativas são robustas. Desse modo,

no presente trabalho, utiliza-se três técnicas visando uma estimativa robusta do possível

efeito dos tratamentos. Através das definições destes autores, as técnicas de correspondência

empregadas neste artigo para o cálculo ATT são:

i) Vizinho mais próximo (NN): consiste em parear cada indivíduo tratado com o

controle que possua o escore de propensão mais próximo. Um problema com o NN é que a

diferença no Propensity Score para um participante e o seu vizinho mais próximo não

participante da política ainda pode ser muito alta afetando a qualidade dos controles.

ii) Kernel: todos os indivíduos tratados são pareados por uma média ponderada dos

indivíduos de controle, que possui peso inversamente proporcional à distância de escore de

propensão entre tratados e controles.

iii) Estratificação: divide a extensão dos escores de propensão em intervalos, ou blocos,

e que em média, os indivíduos tratados e controles dentro de cada bloco, possuem os mesmos

escores de propensão. Dessa forma o ATT é a média ponderada de resultados de cada bloco,

com peso atribuído pelo número de tratados em cada bloco.

Assim, o impacto do ProUni sobre o desempenho acadêmico dos estudantes que

ingressaram pelo sistema de bolsas integrais do programa (ATT) será estimado a partir da

comparação entre os que ingressaram na universidade particular, por meio da política e os

que ingressaram sem bolsa, selecionados por suas características observáveis a partir da

estimação do Propensity Score e pareados pelos algoritmos de NN, Kernel e Estratificação.

Desta forma, como o objetivo é comparar os alunos da rede privada, que recebem

bolsa integral com os que não recebem nenhum tipo de bolsa, mas que tenham características

semelhantes, através do PSM. Os alunos que participavam do FIES, do ProUni parcial,


aqueles que recebiam qualquer outro tipo de bolsa e os estudantes de IES públicas, foram

retirados da amostra, pois caso contrário os resultados do método aplicado não seriam

legítimos. Conforme Dutra (2016) explica, ao adicionar alunos que recebem outro tipo de

bolsa e são analisados como não bolsistas do ProUni tem-se um cálculo errado do efeito,

pois o desempenho deste aluno poderá ser influenciado pela bolsa que ele recebe.

2.2 Base de dados e variáveis

Para inferir sobre a probabilidade de participação no ProUni, bem como os impactos

sobre desempenho acadêmico do aluno com bolsa integral, utilizam-se os microdados do

ENADE 2014, por serem os mais atuais. Os cursos são definidos pelo MEC e a periodicidade

máxima de aplicação do ENADE é trienal em cada área (BRASIL, 2011). Os cursos

avaliados em 2014 foram: Bacharel - Arquitetura e Urbanismo, Sistema de Informação, Eng.

Civil, Eng. Elétrica, Eng. de Computação, Eng. de Controle e Automação, Eng. Mecânica,

Eng. Química, Eng. de Alimentos, Eng. de Produção, Eng. Ambiental, Eng. Florestal,

Engenharia; Bacharel ou Licenciatura - Ciências da Computação, Ciências Biológicas,

Ciências Sociais, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras-Português, Matemática,

Química. Licenciatura - Artes visuais, Educação Física, Letras-Português e Espanhol,

Letras-Português e Inglês, Música, Pedagogia; Tecnólogo - Análise e Desenvolvimento de

Sistemas, Automação Industrial, Gestão da Produção Industrial, Redes de Computadores.

A participação de todos os alunos concluintes no exame é obrigatória, caso contrário,

estão sujeitos à caracterização de irregularidade junto ao ENADE e, dessa forma, não

recebem o diploma de conclusão do curso até a regularização da situação (BRASIL, 2011).

De acordo com Dutra (2016), utilizando apenas os concluintes pode-se separar aqueles

alunos que ao longo do curso possuíram baixo desempenho e foram excluídos do programa,
de forma que só chegaram ao final os alunos que obtiveram aprovação nas matérias

anteriores.

O modelo Probit, pelo qual o PS é calculado, deve incluir variáveis preditoras que

influenciam a participação no programa e os resultados de interesse, pois irão determinar

tanto a elegibilidade para o programa como os impactos sobre o desempenho acadêmico.

Desta forma, o cálculo do ATT é realizado entre estudantes que são de fato comparáveis de

acordo com essas características, as variáveis selecionadas encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1 – Descrição das variáveis utilizadas no modelo


Variável Descrição
Desempenho do Nota bruta da prova - Média ponderada da formação geral (25%) e componente
aluno específico (75%) (0 a 100)
Sudeste Dummy que assume valor 1 se o aluno estuda na região Sudeste e 0 caso contrário
Sul Dummy que assume valor 1 se o aluno estuda na região Sul e 0 caso contrário
Nordeste Dummy que assume valor 1 se o aluno estuda na região Nordeste e 0 caso contrário
CO Dummy que assume valor 1 se o aluno estuda na região Centro-oeste e 0 caso contrário
Norte Dummy que assume valor 1 se o aluno estuda na região Norte e 0 caso contrário
Homem Dummy de sexo: 1 se o aluno for homem e 0 caso contrário
Idade2 e Idade4 Idade do estudante dividida em blocos: até 20 anos, de 30 a 40 anos
Branco Dummy de raça: 1 se o aluno é branco 0 caso contrário
Renda10 Dummy de renda total familiar de 6 a 10 salários mínimos
Renda30 Dummy de renda total familiar acima de 30 salários mínimos
ntrab Dummy que assume valor 1 se o indivíduo não trabalha e 0 caso contrário
Dummy que assume valor 1 se o aluno estudou apenas em escola pública e 0 caso
Empub
contrário
Dummy com valor 1 se estudou maior parte do ensino médio em escola pública e 0
EmPP
caso contrário
Pais Dummy que assume valor 1 se o pai/mãe possui superior completo e 0 caso contrário.
Fonte: Microdados do ENADE/INEP de 2014.
Nota: São apresentadas as variáveis das duas formas de análise, considerando que a escolha é feita de forma a
satisfazer a hipótese de balanceamento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise de resultados contará com duas seções, inicialmente tem-se a avaliação do

impacto do programa no desempenho acadêmico dos alunos para todos os cursos

participantes da prova em 2014, permitindo a generalização dos resultados encontrados. E

em seguida, investiga-se o efeito individualmente, sendo selecionados cinco cursos com

maior quantidade de alunos que participam do programa (para obter um modelo robusto),
afinal, existe a possibilidade de uma variação deste impacto entre os cursos. Ambas as seções

utilizam o PSM e as variáveis são selecionadas de forma a satisfazer a hipótese de

balanceamento.

3.1 O impacto do ProUni no desempenho acadêmico para todos os cursos que


participaram do ENADE 2014
Antes de iniciar as análises do PSM, nota-se a partir da Tabela 1 que em ambos os

formatos de análise empregados neste trabalho (todos os cursos conjuntamente e cinco

separadamente), existe uma diferença, na média, do desempenho entre os bolsistas integrais

do ProUni e os não bolsistas. Ademais, pode-se verificar que na média as notas não são tão

elevadas, considerando que a pontuação do ENADE varia de 0 a 100, isso pode ser um

indicio da questão da qualidade de ensino em geral apontada por França e Gonçalves (2009).

Dutra (2016) aponta que antes do matching mesmo existindo uma diferença entre os

grupos, não é possível atribuir este fato ao programa. Destarte, somente é possível imputar

que está desigualdade entre as médias se deve ao programa após a realização do matching.

Por mais que as médias apresentadas na Tabela 1 tenham sido diferentes, o efeito do

programa é dado apenas pelos resultados encontrados através dos três métodos: Nearest-

Neighbor, Kernel e Estratificado, cujos resultados se encontram nas Tabelas 3 e 5.

Tabela 1 – Média da nota bruta da prova no ENADE 2014 antes do pareamento


Controle Observações Tratamento Observações
Todos os cursos 44,2001 114.786 52,4269 16.878
Arquitetura e urbanismo 47,3783 5.233 54,7858 676
Eng Civil 45,348 7.313 51,2719 1.017
Educação Física 43,1947 5.759 55,0608 1.304
Pedagogia 45,7491 46.297 56,4782 5.322
Eng de Produção 44,7542 4.976 51,5571 796
Fonte: Elaboração própria a partir dos Microdados ENAD/INEP 2014.

Isto posto, para realizar está análise, as variáveis foram selecionadas com o intuito

de encontrar um grupo controle que se assemelhe aos indivíduos beneficiados do programa

em suas características observáveis. Buscando refletir os objetivos do programa que estão


em torno da ampliação de acesso ao nível superior. Conforme explicado anteriormente, o

método utilizado parte da elaboração do Probit, que atribui o escore de propensão de

participação no programa de acordo com as características definidas, com o intuito de

balancear os indivíduos, ou seja, identifica as características daqueles estudantes que

recebem a bolsa e dos que não recebem. Com isso, verifica a contribuição delas para a

participação no programa, definindo para cada observação a chance de ser beneficiário do

programa. Mesmo os indivíduos já tratados, uma probabilidade é atribuída, pois nem mesmo

os bolsistas do ProUni possuem características completamente iguais (DUTRA, 2016).

Assim, tem-se na Tabela 2 a estimação do modelo Probit cuja variável dependente é uma

dummy que representa a presença ou não no programa.

A especificação final do modelo Probit de escore de propensão satisfez a hipótese do

balanceamento (balancing hypothesis) das variáveis. E, todos os coeficientes estimados

demonstram-se estatisticamente significativos, ou seja, as variáveis escolhidas são

adequadas na definição do grupo de controle. Desta forma, ao analisar os sinais obtidos para

as variáveis que indicam se o indivíduo estudou todo o ensino médio na escola pública ou

se estudou a maior parte na escola pública, percebe-se que há um aumento na probabilidade

de participação do ProUni, o mesmo ocorre para os alunos com idade até os 20 anos. Com

relação a raça, um aluno branco possui uma relação negativa com a probabilidade de

participar do programa, comparada aos demais.

A renda em seus níveis considerados (de 10 até 30 e acima de 30 salários mínimos)

apresentaram coeficientes negativos, ou seja, quanto maior a renda familiar, menor é a

probabilidade de participação do programa. Quanto a influência da educação dos pais,

observa-se na Tabela 2, que há uma relação inversa entre os pais com ensino superior e a

chance de participar do programa. Desta forma, o aluno com pai ou mãe com nível superior

tem uma menor probabilidade de ser bolsista do ProUni. Isto aliado as variáveis de renda é
completamente compreensível, afinal, um indivíduo que os pais possuem ensino superior,

no geral, são os que possuem renda familiar mais elevada e, consequentemente, não irão se

enquadrar nos pré-requisitos do ProUni, portanto está chance se reduz. Nesse sentido,

Gaudio (2014) demonstrou que entre os bolsistas e os que não recebem o benefício, poucos

pais completaram o ensino superior ou a pós-graduação.

Tabela 2 – Probabilidade de participar do Prouni - Probit para todos os cursos


Variáveis Coeficiente Erro Padrão
Empub 0,8653* 0,0178
EmPP 0,2529* 0,0302
Branco -0,1389* 0,0093
Pais -0,0346** 0,0144
idade2 0,3884* 0,0237
renda10 -0,6118* 0,0188
renda30 -1,1017* 0,0414
Constante -1,6904* 0,0184
Fonte: Elaboração própria.
Nota: * Significativo a 1%, ** Significativo a 5%;

Após a estimação do escore de propensão, calcula-se o ATT, ou seja, é feita a

estimativa do valor do efeito do tratamento sobre o coeficiente do desempenho acadêmico,

por três tipos de Matching, os resultados estão apresentados na Tabela 3, onde verifica-se

que todos os impactos são positivos e significativos. Portanto, no ano de 2014 o ProUni

apresentou efeito médio em elevar o desempenho dos alunos concluintes com bolsa integral

ao considerar todos os cursos conjuntamente. A análise do método do vizinho mais próximo

(NN), indica que o aumento é de 9,984 pontos em comparação com alunos não-bolsistas

com características semelhantes em termos de características observáveis controladas pelo

modelo, já no método de Kernel esse impacto foi de 9,639 pontos, e, por fim, no método

Estratificado foi de 9,983 pontos.

Tabela 3 – Efeito médio do tratamento no desempenho acadêmico para todos os cursos


no ano de 2014
Tipo de Matching Nº de Tratados Nº de Controle EMPT Erro Padrão Estatística t
NN 16.883 113.950 9,984 0,111 91,248
Kernel 16.883 114.802 9,639 0,096 100,508
Estratificado 16.883 114.802 9,983 0,110 90,891
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados ENADE/INEP de 2014.
Assim, nota-se que o programa influência positivamente o desempenho acadêmico

dos alunos concluintes que possuem bolsa, o que corrobora com o Relatório da Auditoria de

2009 (BRASIL, 2009b) realizado pelo TCU que afirma que, em média, os bolsistas do

ProUni apresentaram maior desempenho que os não bolsistas. Explicam que esse resultado

é bom, pois afasta a ideia de que a concessão das bolsas iria rebaixar o nível de ensino quando

houve a implantação do ProUni. Assim também, o estudo de Gaudio (2014) encontrou que

o desempenho dos alunos bolsista é igual ou superior à nota geral obtida pelos não bolsistas,

em 43 áreas, dentre elas licenciaturas, ciências humanas e sociais.

3.2 O impacto do ProUni no desempenho acadêmico para os cursos com maior

quantidade de alunos bolsistas

Optou-se também por realizar uma análise individual, para verificar o impacto do

ProUni separadamente. Neste sentindo, foram escolhidos cinco cursos que participaram do

ENADE 2014, sendo eles arquitetura e urbanismo, engenharia civil, educação física,

pedagogia e engenharia de produção, pois estes dentre os demais eram os que possuíam a

maior quantidade de alunos beneficiários do programa, com isso os resultados obtidos serão

mais consistentes.

Analogamente a seção anterior, buscou-se na seleção das variáveis utilizadas para

encontrar o grupo controle, a máxima aproximação dos objetivos do programa, respeitando

também a hipótese de que o modelo deve ser balanceado, ou seja, as observações com o

mesmo PS precisam ter a mesma distribuição das características observáveis,

independentemente de serem tratadas ou não. Com isso, o uso de uma especificação menos

parcimoniosa é para que se obtenha uma melhor qualidade do pareamento entre os tratados

e o controle. Assim, a Tabela 4 apresenta a estimação do modelo Probit, cuja variável

dependente é uma dummy que representa a participação ou não no ProUni.


Neste modelo, as principais variáveis que determinam a elegibilidade para integrar o

ProUni são Empub ou EmPP, Renda10 e Renda30, todas foram estatisticamente

significativas, além de apresentarem sinais esperados. Caso o estudante tenha cursado todo

o ensino médio em escola pública ou pelo menos a maior parte, a possibilidade de participar

do programa aumenta para todos os cursos separadamente. Percebe-se, ainda pela Tabela 4,

que quanto maior o rendimento familiar total do aluno, menor a probabilidade de participar

do ProUni, em ambos os níveis de renda utilizados, os coeficientes para cada curso

individualmente foram estatisticamente significativos. De acordo com Mugnol e Gisi (2012),

o programa tem beneficiado uma parcela dos estudantes considerados de baixa renda. Como

explicado na seção anterior, este resultado é plausível, afinal, um dos requisitos para o aluno

conseguir uma bolsa integral é que tenha renda mensal familiar de até 1 salário mínimo e ½

por pessoa, assim se o rendimento aumentar, a chance de ser aluno pelo ProUni reduz.

A influência familiar, novamente, apresenta relação negativa com probabilidade de

participar do ProUni, resultado este que foi estatisticamente significativo para os cursos de

engenharia civil, educação física, pedagogia e engenharia de produção. A variável de raça

apresentou um sinal positivo e foi estatisticamente significativa para os cursos estudados,

assim sendo, indivíduos negros possuem maior probabilidade de participação do ProUni do

que os demais.

Ademais, para esses cursos, com exceção do curso de educação física, quanto mais

velho for o aluno, menor a probabilidade de participação no programa. Portanto, indivíduos

com idade entre 30 e 40 anos possuem menor chance de serem bolsistas do ProUni, este

efeito foi estatisticamente significativo. Enquanto isso, se o indivíduo não trabalha, a chance

de participar do ProUni aumenta e é estatisticamente significativa para todos os cursos

examinados.
Esses resultados corroboram com o estudo de Dutra (2016), que ao analisar os cursos

de Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia apontou que as características que reduzem a

probabilidade de participação no ProUni no ano de 2013 são a idade (quanto mais velho), se

o estudante recebe incentivo dos pais e se tem alguém na família com ensino superior, sendo

esta última significativa somente para o curso de Farmácia.

Tabela 4 – Probabilidade de participar do Prouni - Probit por curso


Cursos
Variáveis
Arquitetura Civil Educação Física Pedagogia Produção
Masculino 0,0685 -0,1654* -0,0270 0,4884* -0,1651*
(0,0605) (0,0461) (0,0373) (0,0292) (0,0513)
Empub 1,7135* 1,1722* 1,0560* 0,7697* 1,1707*
(0,0699) (0,0568) (0,0722) (0,0434) (0,0652)
EmPP 0,8175* 0,4299* 0,4488* 0,2938* 0,2950**
(0,1361) (0,1071) (0,1086) (0,0608) (0,1398)
Negro 0,3933* 0,3835* 0,3069* 0,1735***
-
(0,1331) (0,0865) (0,0543) (0,0911)
ntrab 0,3726* 0,2229* 0,2460* 0,2006* 0,1027***
(0,0583) (0,0463) (0,0424) (0,0183) (0,0601)
Idade2 0,2773 0,1384 0,1755* 0,3796* 0,3580
(0,6138) (0,4350) (0,0566) (0,0459) (0,6156)
Idade4 -0,2780* -0,4164* 0,0072 -0,1855* -0,5162*
(0,0869) (0,0623) (0,0496) (0,0167) (0,0645)
Renda10 -0,9504* -0,8989* -0,7195* -0,7378*
-
(0,0859) (0,0631) (0,0492) (0,0635)
Renda30 -1,8035* -1,5682* -1,2281* -1,3303* -1,3886*
(0,1810) (0,1288) (0,2162) (0,1659) (0,1280)
Pais -0,2076* -0,2838* -0,0996* -0,1757*
-
(0,0538) (0,0525) (0,0292) (0,0642)
Sudeste -0,1255** -0,1036 0,0609* -0,2491
-
(0,0532) (0,0856) (0,0167) (0,1942)
Nordeste 0,2350** -0,2559* 0,0222 -0,1968
-
(0,0973) (0,0888) (0,1005) (0,2076)
Sul 0,1091*** 0,0879 -0,1794
- -
(0,0661) (0,0912) (0,2025)
CO 0,5005* 0,1458*** 0,2011** 0,4450* 0,1978
(0,1457) (0,0797) (0,1034) (0,0242) (0,2484)
Norte Categoria Base Categoria Base Categoria Base Categoria Base Categoria Base
Constante -2,1232* -1,3907* -1,8080* -2,0325* -1,1898*
(0,0780) (0,0788) (0,1103) (0,0444) (0,2036)
Observações 5.909 8.330 7.063 51.622 5.772
LR chi2 1.576,93 1.707,82 644,72 2.074,81 1.071,82
Prob > chi2 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000
Pseudo R2 0,3752 0,2763 0,0954 0,0606 0,2315
Fonte: Elaboração própria.
* Significativo a 1%, ** Significativo a 5%, *** Significativo a 10%.
Novamente realiza-se o pareamento através dos métodos NN, Kernel e Estratificado

que apresentam resultados semelhantes. Verificando que alunos bolsistas do ProUni


apresentam notas mais elevadas quando comparados àqueles que não são contemplados pela

bolsa, em todos os cursos selecionados. Através do método de Kernel, um aluno com bolsa

integral no programa, apresenta uma elevação no desempenho em 10,292 pontos comparado

com o aluno não participante para o curso de arquitetura e urbanismo. Para o curso de

engenharia civil em 8,630, para o curso de educação física em 12,649, para o curso de

pedagogia de 11,643 e para o curso de engenharia de produção em 9,631. Todos os valores

são positivos e significativos para os outros métodos e se encontram na Tabela 5. Sendo o

menor efeito observado no curso de engenharia civil e o maior no de educação física.

Dessa forma, no geral, verifica-se neste estudo que o ProUni possui impacto positivo

no desempenho acadêmico dos alunos bolsistas concluintes que realizaram o ENADE 2014.

Resultado que corrobora Lira (2010), que afirma que o ATT é positivo e estatisticamente

significativo, portanto, os alunos que recebem bolsa do ProUni têm desempenho superior

comparados aos que não recebem.

Tabela 5 - Efeito médio do tratamento no desempenho acadêmico no ano de 2014


Curso de Arquitetura e Urbanismo
Tipo de Matching Nº de Tratados Nº de Controle ATT Erro Padrão Estatística t
NN 676 2.848 10,197 0,625 16,327
Kernel 676 4.164 10,292 0,545 18,869
Estratificado 676 4.164 10,386 0,710 14,636
Curso de Engenharia Civil
NN 1.017 4.370 9,111 0,675 13,505
Kernel 1.017 7.143 8,630 0,391 22,080
Estratificado 1.017 7.143 9,037 0,420 21,502
Curso de Educação Física
NN 1.304 4.454 12,879 0,410 31,430
Kernel 1.304 5.759 12,649 0,419 30,171
Estratificado 1.304 5.759 12,749 0,387 32,966
Curso de Pedagogia
NN 5.323 43.653 12,143 0,199 61,132
Kernel 5.323 45.277 11,643 0,203 57,259
Estratificado 5.323 45.277 12,116 0,204 59,288
Curso de Engenharia de Produção
NN 796 3.182 10,501 0,512 20,496
Kernel 796 4.883 9,631 0,510 18,880
Estratificado 796 4.883 10,156 0,485 20,919
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados ENADE/INEP de 2014.

4 CONCLUSÕES
A partir dos microdados do ENADE 2014, este estudo avaliou o impacto de participar

do ProUni sobre o desempenho acadêmico dos alunos concluintes com bolsa integral. Os

resultados demonstraram que tanto na análise para os cursos conjuntamente quanto na

verificação por curso (arquitetura e urbanismo, engenharia civil, educação física, pedagogia

e engenharia de produção) o programa exerce uma influência positiva e significativa no

desempenho dos bolsistas concluintes através dos três métodos de pareamento (NN, Kernel

e Estratificado).

As características que influenciam positivamente a participação no programa em

todos os formatos de análise são: ensino médio em escola pública, maior parte do ensino

médio em escola pública, e ser negro. Este aumento na chance de participação do ProUni

dos alunos de escola pública está fortemente atrelado ao pré-requisito do programa. Já a

questão racial, infelizmente, é um ponto delicado no contexto brasileiro, o acesso ao ensino

superior público para os negros ainda é falho e, assim, uma oportunidade seria o acesso a

rede privada financiada pelo governo. Ademais, um resultado importante é que os indivíduos

com menor renda são os com maior chance de participação no ProUni, visto que este é uma

das metas do programa, portanto, verifica-se que o programa tem atingido a população de

baixa renda, garantindo seu acesso ao ensino superior.

Em síntese, o impacto do ProUni é positivo, ou seja, eleva o desempenho dos alunos

concluintes. Mas, apesar do efeito favorável encontrado neste estudo, é necessário que as

autoridades governamentais se esforcem, cada vez mais, para a melhoria da qualidade do

ensino, não apenas aumentando o acesso, como também a qualidade da educação básica,

pois ao verificar as médias de desempenho de todos os alunos (Tabela 1), nota-se que não

são tão elevadas, considerando que a pontuação do ENADE varia de 0 a 100. Os resultados

obtidos neste trabalho vão de encontro à literatura exposta, reforçando a importância de


políticas públicas voltadas ao ensino, visto que a educação proporciona melhorias para a

economia e reduz desigualdades.

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O impacto de fatores evitáveis na natimortalidade brasileira: uma análise a partir de

modelos de variáveis limitadas

Flávio Ramos Terto Júnior1

Rubiana Cristovão da Silva2

Jaianne Rodrigues de Albuquerque 3

Maurício Assuero Lima de Freitas 4

Resumo

O objetivo deste estudo foi estimar quantitativamente o impacto dos fatores evitáveis na

natimortalidade a fim de sugerir possíveis políticas públicas para diminuição de

ocorrências de óbito fetal. Para alcançar este propósito, foram analisados os microdados da

Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, disponibilizados pela base

de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através da metodologia

TOBIT. O presente trabalho traz uma análise do número de natimortos relacionado com as

características da mãe, da família e do domicílio. Foi constatado que existem fatores não

controláveis pela mãe que influenciam na probabilidade de um bebê nascer morto ou não,

gerando uma desigualdade de oportunidade e, consequentemente, uma quebra da equidade.

Assim, o poder público deve atuar com mais afinco na promoção igualitária dos serviços

de saneamento básico, além de promover programas de conscientização da população no

que tange a preservação das cidades, bem como gerir políticas que orientem a família no

1
Mestrando em Econometria Aplicada e Previsão pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da
Universidade de Lisboa (MEAP/ISEG-UL). flavioterto@gmail.com.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de
Pernambuco (PPGCC/UFPE). rubiana.cristovao@gmail.com.
3
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de
Pernambuco (PPGCC/UFPE). jaianne.albuquerque@gmail.com
4
Professor do Programa de Pós Graduação em Ciências Contábeis da Universidade Federal de Pernambuco.
massuero@ig.com.br
período gestacional, ampliando o acesso ao serviço de pré-natal e conscientizando a

população sobre a importância de um parto com acompanhamento médico.

Palavras-chave: Natimortalidade; Equidade; Políticas públicas.

Abstract

The aim of this study was to quantitatively estimate the impact of preventable factors on

stillbirth in order to suggest possible public policies to reduce fetal death occurrences. To

achieve this purpose, the microdata of the Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios

(PNAD) of 2014, available through the database of the Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), were analyzed using the TOBIT methodology. This paper presents an

analysis of the number of stillbirths related to the characteristics of the mother, family and

domicile. It was found that there are non-controllable factors factors by the mother that

influence the probability of a baby being born dead or not, generating an inequality of

opportunity and, consequently, a break on equity. Thus, public authorities should work

more vigorously to promote egalitarian services in basic sanitation services, even as

promote programs to raise public awareness about the preservation of cities, as well as

manage policies that orient the family in the gestational period, increasing the access to the

prenatal service and making the population aware of the importance of a medical

monitoring.

Keywords: Stillbirths; Equity; Public policies.

1 INTRODUÇÃO

A natimortalidade está, inevitavelmente, associada à qualidade dos serviços de

saúde e à qualidade de vida das pessoas, principalmente, das mulheres (ANDRADE et al.,

2009). Especificamente no Brasil, a expectativa de vida ao nascer, nos anos 80, era de 62,5
anos e chegou, em 2015, a 75,5 anos (IBGE, 2017), graças a uma série de políticas

ambientais, programas de combate ao tabagismo, incentivo à prática de esportes e a hábitos

salutares, combate a doenças infecciosas, conscientização de exames preventivos para

doenças crônicas não transmissíveis, dentre outros. Dessa forma, era esperado que esse

conjunto de ações gerasse, também, resultados mais eficazes sobre a taxa de

natimortalidade.

Embora sejam observadas, no Brasil, reduções a partir dos anos 2000 nas taxas de

mortalidade materna e de crianças mortas até cinco anos da ordem de 3% e 4,5% ao ano,

respectivamente, a taxa de natimortos em 15 anos caiu apenas 2% (LAWN et al., 2016),

apesar de o Brasil ter programas de combate a doenças, tais como sífilis e HIV - Human

Immunodeficiency Virus.

No mundo, cerca de 2,6 milhões de bebês nasceram mortos em 2015. Já no Brasil, a

média foi de 8,6 natimortos para cada mil nascimentos (BLENCOWE, 2016; DE BERNIS,

2016). Muitos têm enxergado o número de natimortos como uma fatalidade e quase sempre

como um quadro médico, mas o número de óbitos fetais reflete também as condições de

vida as quais a mãe e a população estão expostas.

Desde 2000, as taxas referentes ao número de natimortos vêm sendo acompanhadas

em diversos países. A maioria dos trabalhos no campo da medicina concorda que diversas

doenças causadas pelo ambiente podem levar um feto a óbito. Contudo, poucos trabalhos

apontam as causas evitáveis, principalmente, aquelas de responsabilidade básicas de

qualquer governo.

A necessidade de pesquisa sobre a temática acerca dos natimortos é justificada em

decorrência da escassez de estudos na literatura econômica e de políticas públicas e,

principalmente, porque um número expressivo de óbitos poderia ser evitado mediante a

adoção de medidas preventivas como o acompanhamento neonatal, sem falar que políticas
sociais e econômicas com o objetivo de reduzir o risco de doenças e outros agravos é um

direito de todos e dever do Estado garantido pela Constituição Federal de 1988. Diante

desse contexto, torna-se indispensável a compreensão do gestor público sobre quais fatores

evitáveis influenciam a probabilidade de um bebê nascer morto.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é estimar quantitativamente o impacto dos

fatores evitáveis na natimortalidade, a fim de sugerir possíveis políticas públicas para

diminuição das ocorrências de óbito fetal. Para modelar esse problema, o trabalho está

amparado pela Teoria da Justiça (RAWLS, 1971) e Teoria da Justiça Distributiva

(ROEMER, 1996) que discutem sobre oportunidade de acesso a bens públicos e sobre o

que é uma sociedade justa.

Assim, este estudo utilizará as características da mãe para explicar fatores que

influenciam a probabilidade de um bebê nascer morto ou não, pois apesar de quadros

clínicos influenciarem bastante na probabilidade do óbito fetal, entende-se, também, que a

natimortalidade é provocada pela falta de acesso da mãe a serviços básicos e/ou falta de

políticas públicas ou orientação da família no estágio pré-natal.

O presente trabalho está dividido em mais quatro seções. A próxima seção aborda

sobre a natimortalidade e explora a relação entre equidade, políticas públicas e saúde. Na

terceira, será descrita a metodologia utilizada. Na quarta, serão apresentados os resultados

da pesquisa e a discussão acerca dos mesmos. E, por fim, na quinta seção, tem-se as

conclusões para este estudo e, a seguir, as referências utilizadas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Natimortos

O natimorto, também chamado de óbito fetal, é definido como a morte do produto

da concepção antes de sua expulsão ou extração completa do organismo da mãe, não


importando quanto tempo durou a gravidez. O óbito fetal é caracterizado quando, após a

separação, o feto não respira e nem apresenta batimentos cardíacos, pulsações do cordão

umbilical, movimentos dos músculos de contração voluntária ou qualquer outro sinal vital

(BRASIL, 2009).

A natimortalidade é um importante indicador para avaliar as condições de saúde

populacional, visto que ela reflete tanto as condições de saúde da mulher (ANDRADE et

al., 2009) quanto dos fatores externos a ela, muitas vezes evitáveis, que influenciam a

probabilidade de ocorrência do óbito fetal.

Nesse sentido, Vardanega et al. (2002), por exemplo, estudaram a influência da

assistência pré-natal e dos fatores materno-fetal na taxa de natimortalidade em um hospital

universitário e encontraram, como fatores associados ao óbito fetal, a assistência pré-natal

inadequada, o histórico prévio de natimortalidade e a idade materna. Para alcançar esse

resultado, foi utilizado um modelo logístico que revelou a idade materna como única

variável significativa.

Por sua vez, Andrade et al. (2009) desenvolveram uma pesquisa semelhante em

uma maternidade escola e encontraram uma elevada taxa de natimortalidade, tendo, como

fatores associados, a malformação, o número de consultas pré-natal inferior a seis,

síndromes hemorrágicas, histórico de atendimento anterior à admissão e a idade materna

maior ou igual a 35 anos.

2.2 Equidade, políticas públicas e saúde

Os princípios de justiça conferem direitos e deveres às instituições básicas da

sociedade, além de definirem adequadamente a distribuição dos benefícios e encargos da

cooperação social de acordo com a Teoria da Justiça (RAWLS, 1971). A referida teoria

influencia diretamente a literatura sobre as desigualdades que ocorrem na área da saúde


porque defende tanto a igualdade de oportunidades quanto a distribuição igualitária dos

serviços e bens de necessidade básica (VIEIRA-DA-SILVA; ALMEIDA FILHO, 2009),

visto que a justiça como equidade serve de base para um acordo político entre cidadãos

livres e iguais que, quando fundamentado por políticas públicas e sociais, sustentam os

bens de todas as pessoas e associações através de um regime democrático justo (RAWLS,

1992).

Estudos sobre o campo da justiça social enfatizam a desigualdade de renda como

algo indesejado e que deve ser combatida por meio de políticas e incentivos públicos

(COUTINHO, 2009; ROCHA, 2002). Sob a ótica de que uma sociedade justa está

estritamente ligada ao conceito de igualdade social, Rawls (1971) dissertou sobre a

desigualdade de oportunidade, na qual, de acordo com esta concepção, a diferença de

rendimentos é pautada por dois componentes distintos, mas relacionados: as características

inatas dos indivíduos, aquelas não alteráveis, tais como etnia e gênero; e o esforço exercido

por cada pessoa. As características inatas, apesar de terem impacto na desigualdade, não

são controladas pelo indivíduo. Já o esforço depende exclusivamente dele. Dessa forma, a

desigualdade é provocada por componentes que fogem à decisão individual e que são

considerados socialmente injustos.

A desigualdade de oportunidade é algo injusto porque é oriunda de fatores que

estão fora do controle do ser humano e, por isso, o indivíduo não pode ser

responsabilizado. A única desigualdade que pode ser considerada justa é aquela decorrente

do resultado do próprio esforço e escolhas do indivíduo (ROEMER, 1998). Sendo assim, a

desigualdade justa é aquela oriunda da consequência dos atos do ser humano.

No caso da mãe gestante, pode-se considerar, como características inatas, as

pessoais ou as de sua moradia. Já a sua busca por um pré-natal no início da gravidez pode

ser considerada como uma questão referente ao esforço, visto que, segundo Ferraz et al.
(2015), há diversos problemas que podem ser identificados por meio de um bom pré-natal,

como a sífilis, por exemplo, que é uma doença que pode causar a morte do feto, mas que é

perfeitamente tratável.

Componentes circunstanciais, no caso da mãe, não podem exercer força alguma

sobre a probabilidade do seu bebê nascer morto (FERRAZ et al., 2015). Sendo assim,

desigualdades oriundas de fatores sobre os quais os indivíduos não têm controle são

injustas (RAWLS, 1971; ROEMER, 1998) e devem ser compensadas pela sociedade

(PERAGINE, 2004). Nesse caso, igualdade significa que duas mães situadas em uma

mesma posição relativa em duas distribuições distintas devem ter a mesma probabilidade

de terem seus bebês nascidos vivos. Dessa forma, qualquer fator não controlável pelo

indivíduo que provoque a morte de um bebê, fará com que esse natimorto entre na

estatística de casos evitáveis.

A relação entre política de equidade e saúde deve ser vista como uma estratégia

para reduzir ou eliminar as diferenças de nível e qualidade do sistema de saúde que sejam

oriundas de fatores evitáveis e que são considerados injustos (WHITEHEAD, 1991) para

que toda a população tenha acesso ao mesmo nível e qualidade de saúde. Alguns autores,

inclusive, definem essa desigualdade injusta e evitável como iniquidade e, sendo assim,

não consideram a iniquidade e a desigualdade como palavras sinônimas (FREITAS;

MICHELETI; HOLZ, 2017; MACINKO; STARFIELD, 2002; ALLEYNE et al., 2001;

LEON; WALT; GILSON, 2001; NUNES et al., 2001; STEPKE, 2001; WHITEHEAD,

1991). No entanto, independente da diferenciação que esses autores fazem entre

desigualdade e iniquidade, ambos os termos devem estar estritamente ligados às ideias de

justiça, principalmente nas questões que envolvem a saúde.

A criação de políticas públicas é um instrumento de relevância para o processo de

redução das desigualdades e iniquidades na saúde, sendo este um requisito para que uma
política pública detenha o caráter social (VIANA; FAUSTO; LIMA, 2003). Diversos

estudos, como os de Mochizuke (2017), Cielo, Schmidt e Wenningkamp (2015) e Klein et

al. (2012), sobre o tema natimortos, mostram que o desenvolvimento de políticas públicas

pode trazer impactos positivos na redução da natimortalidade através de uma alocação

mais eficiente de recursos.

3 METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo deste trabalho, utilizou-se os microdados da Pesquisa

Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 disponibilizados pela base de dados

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNAD traz o resultado da

coleta, em domicílio, de informações demográficas e socioeconômicas da população. Na

PNAD de 2014, foram entrevistadas cerca de 394.819 mil pessoas nas 27 unidades

federativas do Brasil.

No presente estudo, a variável dependente é representada pelo número de filhos

nascidos mortos, independente do sexo ou período gestacional da mãe. Já as variáveis

explicativas do modelo estão representadas pelas características da mãe descritas no

Quadro 01.

Quadro 01 - Descrição das variáveis independentes.


Variáveis Descrição
Idade Idade (entre 12 e 90 anos)
Maeviva Se tem mãe viva
Esgoto Forma de escoadouro do banheiro ou sanitário (rede coletora)
Destinolixo Destino do lixo domiciliar (coletado diretamente)
Filtroagua Se a residência possui filtro de água
Sabelereescrever Se sabe ler e escrever
Codareacens Local da moradia (urbano ou rural)
Rendaper Renda per capita familiar (entre R$ 100 a R$ 5.000)
Anoestudo Anos de estudo
Negro Se a pessoa se considera negra
Indígena Se a pessoa se considera indígena
Pardo Se a pessoa se considera parda
Fonte: Elaboração própria (2016).
As variáveis Idade, Saberlereescrever, Anoestudo, Negro, Indígena, Pardo e

Maeviva representam as características observadas da mãe, sendo a última mencionada,

uma proxy para a informação não existente sobre seu nível de instrução pré-materna. As

variáveis Saberlereescrever e Anoestudo visam capturar o grau de formação e

conhecimento da mãe. Já as variáveis relacionadas à etnia possuem a configuração branca

como resposta base.

No intuito de mensurar o acesso ou não aos serviços públicos considerados

essenciais, foram utilizadas as seguintes características de moradia da mãe: ter acesso a

esgoto e unidades de tratamento de água; existência de coleta de lixo feita de forma

apropriada; a mãe possuir filtro de água em casa; a renda per capita da casa e se a mãe

reside em uma zona urbana ou rural.

A PNAD não é realizada apenas com mulheres e, considerando que nem todas

tiveram bebês nascidos mortos, a maioria dos valores observados da variável dependente

(número de filhos nascidos mortos) é zero, ou seja, uma informação não interessante para

análise. Apesar disso, foram utilizadas 4.828 observações positivas e importantes para a

análise. Nesse caso, ocorre o que se chama na literatura de variável dependente censurada,

na qual assume-se uma distribuição contínua apenas para os valores positivos.

Para modelar esse tipo de dado, Tobin (1958) sugere a utilização de um modelo

estatístico chamado TOBIT, matematicamente, expresso como:

𝑦𝑖∗ = 𝛽𝑥𝑖 + 𝑢𝑖 , sendo 𝑢𝑖 ~𝑁(0, 𝜎 2 )

Ou seja, os erros são normalmente distribuídos com média zero e variância 𝜎 2 . Este

modelo pode ser, alternativamente, dado por:

𝑦 = 𝛽0 + 𝑥𝛽 + 𝑢, 𝑢|𝑥~𝑁(0, 𝜎 2 ) (1)

Com 𝑦 = 𝑚𝑎𝑥 (0, 𝑦 ∗ )

Dada a existência de uma acumulação significativa em 0 da variável dependente, o


y não poderá ter uma distribuição normal condicional, logo toda inferência terá somente

justificativa assintótica. O 𝑦 ∗ é chamado de variável latente. De acordo com Wooldridge

(2002), a variável latente satisfaz as hipóteses do modelo linear clássico. Em particular, ela

tem distribuição normal, homocedástica, com uma média condicional linear, isto é, y será

igual a y* quando y*>0 e y=0 quando y*≤0. Sendo assim, a densidade de y|x será igual a

y*|x para valores positivos, conforme equação (2).

𝑃(𝑦 = 0|𝑥) = 𝑃(𝑦∗ < 0|𝑥) = 𝑃(𝑢 < −𝑥𝛽|𝑥)

𝑥𝛽 𝑥𝛽 𝑥𝛽
= 𝑃(𝑢|𝜎 < − ) = 𝛷 (− ) = 1 − 𝛷 (− ) (2)
𝜎 𝜎 𝜎

𝜇
Percebe-se que, se tem distribuição normal padrão independente de x e, portanto,
𝜎

se (𝑥𝑖 , 𝑦𝑖 ) for retirado aleatoriamente da população, a densidade de 𝑦𝑖 |𝑥 será:


1
(𝑦−𝑥𝛽)2 1 (𝑦−𝑥𝑖 𝛽)
(2𝜋𝜎 2 )−2 𝑒𝑥𝑝[− ] = (𝜎)𝛷[ ], 𝑦 > 0 (3)
2𝜎 2 𝜎

Onde 𝛷 é a função densidade normal padrão.

Com a função densidade e a probabilidade de y=0|x, chega-se a função de log-

verossimilhança de cada observação i:

𝑥𝑖 𝛽 1 (𝑦𝑖 −𝑥𝑖 𝛽)2


𝐿𝑖 (𝛽, 𝜎) = 𝐿(𝑦𝑖 = 0)𝑙𝑜𝑔[1 − 𝛷(− )] + 𝐿(𝑦 > 0)𝑙𝑜𝑔[(𝜎)𝛷( )] (4)
𝜎 2𝜎 2

A log-verossimilhança de uma amostra aleatória de tamanho n é obtida somando ao

longo de todas as observações. As estimativas de máximas verossimilhança de β e σ são

obtidas pela maximização da log-verossimilhança (WOOLDRIDGE, 2002).

A partir da equação do TOBIT, observa-se que os 𝛽̂ medem os efeitos parciais da

variável latente, mas o que se deseja é explicar y. Portanto, para encontrar o valor esperado

de y|x, será utilizada a equação (5).

𝑥𝑖 𝛽
𝐸 (𝑦|𝑥) = 𝑃(𝑦 > 0|𝑥). 𝐸 (𝑦|𝑦 > 0, 𝑥) = 𝛷 ( ) . 𝐸(𝑦|𝑦 > 0, 𝑥) (5)
𝜎

𝑥𝛽
Onde, a 𝐸(𝑦|𝑦 > 0, 𝑥) = 𝑥𝛽 + 𝜎𝜆( 𝜎 ).
A equação (5) mostra que o valor esperado de y condicional a y>0 é igual a xβ mais

𝑥𝛽
um termo estritamente positivo, que é σ vezes a razão inversa de Mills avaliada em .
𝜎

Essa equação também mostra porque o uso de MQO somente para observações nas quais

y>0 nem sempre estimará um β consistente. Portanto, os efeitos parciais serão calculados

de acordo com a equação (6).

𝛿𝐸(𝑦>0 ,𝑥) 𝑥𝛽
= 𝛽𝑗 + 𝛽𝑗 . 𝑑𝜆/𝑑𝑐( 𝜎 ) (6)
𝛿𝑥𝑖

Ressalta-se que o valor esperado condicional em y>0 está estreitamente relacionado

com a probabilidade de que y>0. Outra característica importante dos modelos TOBIT é que

eles dependem essencialmente da normalidade e da homocedasticidade no modelo

subjacente da variável latente.

Devido ao tamanho da amostra, a normalidade condicional de y não é preocupante.

Dessa forma, a heterocedasticidade será tratada por estimação dos erros-padrões via

bootstrap.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presente seção apresenta e analisa os resultados da pesquisa, buscando o alcance

do objetivo do referido estudo. As variáveis do modelo empírico foram analisadas e

apresentadas na Figura 01.

Através da regressão TOBIT, cujo resultado é apresentado na Figura 01, pode-se

observar pelo p-valor que as variáveis são estatisticamente significativas. A variável que

captura o local de residência, se é rural ou urbana (codareacens), trouxe evidências

estatísticas de sua não significância, por este motivo foi retirada do modelo final.

A ocorrência de não significância deste regressor pode ser devido ao fato da

existência de poucas observações para domicílios situados na zona rural, por isto esta
variável foi retirada do modelo empírico.

Figura 01 - Estimação TOBIT para o número de filhos nascidos mortos.


Tobit regression Number of obs = 267,819
Replications = 50
Wald chi2 (11) = 4590.75
Prob > chi2 = 0.0000
Log likelihood = -25013.364 Pseudo R2 = 0.0743
Observed Bootstrap Normal-based
bmorto Coef. Std. Err. z P>|z| [95% Conf. Interval]

idade 0.0564169 0.0016236 34.75 0,000 0.0532347 0.059599


maeviva 0.0790473 0.0301837 2.62 0.009 0.0198883 0.1382064
esgoto -0.1632577 0.0523872 -3.12 0.002 -0.2659347 -0.0605806
destinolixo -0.1524199 0.0608409 -2.51 0.012 -0.2716659 -0.033174
filtroagua -0.1141399 0.0377975 -3.02 0.003 -0.1882215 -0.0400582
sabelereescrever -0.2729976 0.0663482 -4.11 0,000 -0.4030377 -0.1429575
rendaper -0.0003422 0.0000318 -10.75 0,000 -0.0004046 -0.0002798
anoestudo -0.0409291 0.0061322 -6.67 0,000 -0.052948 -0.0289103
negro 0.3321859 0.0659153 5.04 0,000 0.2029943 0.4613774
indigena 1.063534 0.2540868 4.19 0,000 0.5655332 1.561535
parda 0.3334541 0.0434763 7.67 0,000 0.2482421 0.418666
_cons -8.746489 0.1585482 -55.17 0,000 -9.057238 -8.435741
/sigma 3.228772 0.0366722 3.156895 3.300648
263,583 left-censored observations at bmorto <= 0
4,236 uncensored observations
0 right-censored observations
Fonte: Dados da pesquisa (2016).

Apesar de não consistentes, os valores marginais apresentados estão de acordo com

a literatura. Como exemplo, basta verificar os sinais dos regressores. A variável idade,

como esperado, foi significativa, corroborando com a literatura, visto que quanto mais

idade a mãe tem, maior a probabilidade de ter um filho nascido morto, sendo esse um caso

clínico ou avançado da medicina e, portanto, considerado não controlável a curto prazo.

Observou-se que outras variáveis sugerem redução na taxa de natimortos. As

variáveis de controle para grupos de etnia demonstraram-se todas significantes, ou seja, há

diferenciação causada quando a mãe não pertence ao grupo base. As únicas variáveis em

que parte delas são controladas pelo indivíduo, como número de anos de estudos e saber ler

e escrever, também foram significativas.


A variável mãe viva, usada como proxy para a orientação que a filha pode ter sobre

a gravidez e os seus cuidados, também mostrou-se estatisticamente significativa, o que

pode ser explicado pela literatura médica, que defende que um bom pré-natal reduz a

probabilidade de ocorrer um natimorto.

Há evidências estatísticas para acreditar que a renda per capita também tenha efeito

na probabilidade de um feto vir a óbito. Esta variável deve estar muito correlacionada à

capacidade de a família dar boas condições durante o período de gestação, principalmente,

no que concerne ao pré-natal e ao nível de conhecimento decorrente da escolaridade, por

exemplo.

As variáveis que colocam o poder público no protagonismo também foram

estatisticamente significativas para os dados, são elas: se há tratamento adequado de

esgoto, destino correto do lixo e se a residência possui filtro de água. Esta última, apesar de

não ter relação direta com o poder público, tem sua relevância causada pela ausência de

água tratada na torneira do domicílio.

A ausência ou o mau tratamento dos dejetos gerados pelas residências demonstra

ser um grande problema para diversos países. Segundo dados do Sistema Nacional de

Informações sobre Saneamento - SNIS (BRASIL, 2017), nos anos de 2013 e 2014, apenas

48,6% e 49,8% da população, respectivamente, tinham um tratamento adequado para o

esgoto no Brasil, isto é, menos da metade da população. Em 2015, o acesso ao tratamento

de esgoto aumentou para 50,3%, mas, apesar desse aumento, continua não sendo um valor

razoável a ser aceito pela sociedade.

Diante disso, a falta de tratamento de esgoto pode provocar diversas doenças, tais

como febre tifóide e paratifóide, shigelose, cólera, hepatite A, giardíase, dentre outras.

Associado aos problemas apresentados pela ausência de tratamento de esgoto está o

manejo incorreto do lixo que também provoca doenças, tais como filariose, tularemia,
peste e leptospirose (BRASIL, 2010) e que podem vir a prejudicar a vida tanto da mãe

quanto a do bebê. Os efeitos marginais na média dos dados referentes a esta pesquisa são

apresentados na Figura 03 para simples visualização.

Figura 03 - Efeitos marginais na média do modelo TOBIT.


Conditional marginal effects Number of obs = 267,819
Model VCE : Bootstrap

Expression : E (bmorto* | bmorto > 0) , predict (ystar (0 , . ))


dy/dx w.r.t. : idade maeviva esgoto destinolixo filtroagua sabelereescrever rendaper anoestudo
negro indigena parda

Delta-method
dy/dx Std. Err. z P>|z| [95% Conf. Interval]

idade 0.0005967 0.0000166 36.03 0.000 0.0005642 0.0006291


maeviva 0.000836 0.0003205 2.61 0.009 0.0002078 0.0014642
esgoto -0.0017266 0.0005522 -3.13 0.002 -0.0028088 -0.0006444
destinolixo -0.001612 0.0006435 -2.51 0.012 -0.0028732 -0.0003507
filtroagua -0.0012071 0.0003966 -3.04 0.002 -0.0019845 -0.0004298
sabelereescrever -0.0028872 0.0007076 -4.08 0.000 -0.004274 -0.0015004
rendaper -0.00000362 0.000000335 -10.79 0.000 -0.00000428 -0.00000296
anoestudo -0.0004329 0.0000654 -6.62 0.000 -0.0005611 -0.0003046
negro 0.0035132 0.0006877 5.11 0.000 0.0021653 0.004861
indigena 0.0112479 0.0026809 4.20 0.000 0.0059934 0.0165023
parda 0.0035266 0.0004591 7.68 0.000 0.0026267 0.0044264

Fonte: Dados da pesquisa (2016).

Da mesma forma, os efeitos parciais médios (APE) são apresentados na Figura 04.

Figura 04 – Efeitos parciais médio do modelo TOBIT.


Average marginal effects Number of obs = 267,812
Model VCE : Bootstrap

Expression : E (bmorto | bmorto > 0) , predict (e (0 , . ))


dy/dx w.r.t. : idade maeviva esgoto destinolixo filtroagua sabelereescrever rendaper anoestudo
negro indigena parda
Delta-method
dy/dx Std. Err. z P>|z| [95% Conf. Interval]
idade 0.0056505 0.0001339 42.19 0.000 0.0053879 0.005913
maeviva 0.0079696 0.0030931 2.58 0.010 0.0019074 0.0140319
esgoto -0.0162908 0.0044721 -3.64 0.000 -0.0250559 -0.0075257
destinolixo -0.0155333 0.0051497 -3.02 0.003 -0.0256265 -0.0054401
filtroagua -0.0117368 0.0044771 -2.62 0.009 -0.0205118 -0.0029618
sabelereescrever -0.0275244 0.0073675 -3.74 0.000 -0.0419644 -0.0130843
rendaper -0.0000343 0.00000351 -9.77 0.000 -0.0000411 -0.0000274
anoestudo -0.0040808 0.0006164 -6.62 0.000 -0.005289 -0.0028726
negro 0.0331142 0.0071059 4.66 0.000 0.0191869 0.0470415
indigena 0.106544 0.026438 4.03 0.000 0.0547265 0.1583615
parda 0.0332771 0.0054348 6.12 0.000 0.022625 0.0439291

Fonte: Dados da pesquisa (2016).


De acordo com as Figuras 03 e 04, pode-se observar que os efeitos dados na

regressão TOBIT não podem ser estudados com clareza.

Infere-se que as características das mães, sejam elas controláveis ou não,

influenciarão na probabilidade delas terem um filho vivo ou não. Na parte controlável,

apesar da necessidade de uma boa orientação, depende da mãe. No que tange à parte não

controlável, devem existir mais investimentos em infraestrutura básica pública que

assegure a oportunidade do bebê e da mãe se manterem saudáveis durante e, também, após

a gestação. Dessa forma, os investimentos em saneamento básico podem não só diminuir a

taxa de natimortos como evitar os diversos tipos de doenças associadas ao serviço de

saneamento precário.

5 CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo estimar quantitativamente o impacto dos fatores

evitáveis, a fim de sugerir possíveis políticas públicas de diminuição de ocorrências de

óbito fetal. Para tanto, teve amparo na Teoria da Justiça (RALWS, 1971) e Teoria da

Justiça Distributiva (ROEMER, 1996), que discutem sobre oportunidade de acesso a bens

públicos e sobre o que é uma sociedade justa.

Este trabalho buscou contribuir com o campo de estudo sobre a taxa de

natimortalidade e mortalidade infantil. O trabalho constatou que existem fatores não

controláveis pela mãe que influenciam na probabilidade de um bebê nascer morto ou não,

gerando uma desigualdade na oportunidade e, consequentemente, uma quebra da justiça

social.

Diante disso, o poder público deve atuar na promoção igualitária dos serviços de

saneamento básico, cujas diretrizes e princípios estão estabelecidos na Lei nº 11.445/2007,

aumentando o número de coletas de lixo e sua destinação de forma correta, tratando os


dejetos dos domicílios, ampliando o número de residências com abastecimento de água

potável, executando a limpeza urbana diariamente, realizando a drenagem nos locais

necessários e melhorando as habitações da população. Ademais, o Governo também deve

promover ações de conscientização da população quanto à proteção ao meio ambiente,

ampliando o acesso à educação e à informação, a fim de mostrar que tanto o Estado quanto

a população têm responsabilidade pela preservação da cidade. No curto prazo, diminuir

impostos sobre filtro de águas e gerir políticas que orientem a família no período

gestacional, ampliando o acesso ao serviço de pré-natal e conscientizando a população

sobre a importância de um parto com acompanhamento médico.

Por fim, o crescente aumento no número de natimortos no Brasil no período de

2010 a 2015 (IBGE, 2017) é um assunto que deve ser tratado com seriedade por parte dos

gestores públicos, pois a inadequação na alocação de recursos e bens para o sistema

público de saúde, por parte dos governantes, contribui para a precariedade na prestação de

serviços na área e, consequentemente, para o grande número de pessoas que morrem

diariamente no Brasil, gerando, com isso, o não alcance da justiça e da equidade no setor

de saúde do País.

Para aprofundar o conhecimento nesta área, sugere-se a inclusão de mais variáveis,

tais como: local de residência, no caso retirado do trabalho devido à falta de informação

suficiente; informações sobre se a mãe é tabagista, ingere bebidas alcoólicas ou consome

outras drogas durante a gestação, dentre outras. Outro ponto interessante seria buscar

entender a dinâmica espacial da taxa de natimortos, apontar qual o impacto do índice de

oportunidade do lugar da mãe e mensurar essa taxa, a partir de outros indicadores, em

cidades vizinhas dada a sua distância. Ou seja, fazer uma análise a partir de modelos

econométricos espaciais.
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RETORNO DA EDUCAÇÃO PARA OS ESTADOS E MACRORREGIÕES
BRASILEIRAS, NO PERÍODO DE 2001 A 2015

RETURN OF EDUCATION FOR BRAZILIAN STATES AND MACROREGIONS


IN THE PERIOD 2001 TO 2015

Autor: Yuri Godoi Pereira Elias

Mestrando em Economia Aplicada no Programa de Pós-Graduação em

Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade

Federal de Viçosa - UFV

Email: godoiyuri@gmail.com

Coautor: João Eustáquio de Lima

Professor Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade

Federal de Viçosa - UFV

Email: jelima@ufv.br
RETORNO DA EDUCAÇÃO PARA OS ESTADOS E MACRORREGIÕES
BRASILEIRAS, NO PERÍODO DE 2001 A 2015
Resumo: Este artigo analisa a Taxa Interna de Retorno da Educação para todos os estados e

macrorregiões brasileiras utilizando a metodologia proposta por Mincer (1974), a partir da

construção de um pseudopainel. Observa-se que a educação no Brasil ainda possui uma

elevada taxa de retorno, além disto dado as dimensões continentais do país, existe

heterogeneidade nos retornos educacionais entre os estados e macrorregiões brasileiras.

Palavras chave: Retornos da educação, Equação Minceriana, Heterogeneidade Regional.

RETURN OF EDUCATION FOR BRAZILIAN STATES AND MACROREGIONS


IN THE PERIOD 2001 TO 2015
Abstract: This paper analyzes the Internal Rate of Return of Education for all Brazilian

states and macroregions using the methodology proposed by Mincer (1974), from the

construction of a pseudopainel. It is observed that education in Brazil still has a high rate of

return, besides this given the continental dimensions of the country, there is heterogeneity in

the educational returns between the states and Brazilian macro-regions.

Palavras chave: Return of education, Mincerian equation, Regional heterogeneity.


1.INTRODUÇÃO
O sistema educacional brasileiro é apontando como um dos responsáveis pelo baixo grau

de desenvolvimento econômico1. O problema amplia-se quando se analisa a heterogeneidade

regional que o país possui, não somente o grau de desenvolvimento é baixo, como possui

diferenças significativas entre as macrorregiões.

Uma das possíveis justificativas para este problema no Brasil, é a má alocação de

recursos. Uma das ferramentas que é utilizada para se analisar de forma mais precisa a

utilização destes recursos é o cálculo da Taxa Interna de Retorno (TIR) da educação para os

diversos níveis de ensino. Normalmente é utilizado como TIR da educação no Brasil, o

coeficiente estimado na equação de Mincer (1974).

A metodologia utilizada por Mincer (1974) é bastante difundida na literatura, Loureiro e

Galrão (2001) estimam o retorno da educação no campo e nas cidades, os autores encontram

uma taxa de retorno rural de 11% e urbana de 18%. Ueda e Hoffman (2002) utilizam a

equação de Mincer em três métodos distintos: mínimos quadrados (MQO); variáveis

instrumentais (MVI); estimadores intrafamiliares. Os autores consideram o MVI como o

mais preciso para corrigir os vieses de estimação, os mesmos encontram retornos de 9,8%.

Outros autores como Sachsida, Loureiro e Mendonça (2004) utilizando a equação de Mincer

como referência, encontram retornos que variam de 10 a 22% dependendo da metodologia

utilizada.

Castro (1970) analisa questões como o perfil dos salários, os custos da educação e a TIR

da educação. Segundo o autor, a TIR da educação no Brasil, para a década de 1960 é

extremamente elevada. Langoni (1974) calculou para o mesmo período a TIR do

investimento em capital fixo e educação, ou autor encontra resultados semelhantes com os

1 Ver: Barbosa e Filho (2007)


encontrados por Castro. Estes resultados indicam que para este período o investimento em

educação era uma forma aconselhada de gerar crescimento econômico, devido o retorno da

educação ser superior ao do capital fixo2.

Estudos como o de Topel (2000), Krueger e Lindahl (2000) e Langel e Topel (2006),

demonstram a importância que o capital humano possui sobre o crescimento econômico, os

autores argumentam que estes efeitos são tão significativos quanto o impacto

microeconômico da educação sobre a renda dos trabalhadores.

O Brasil é um país de proporções continentais no qual existe uma grande

heterogeneidade no desenvolvimento econômico e distribuição de renda, a educação como

um fator gerador de desenvolvimento pode ser utilizada como uma ferramenta para amenizar

este problema. Huitrón (2002), argumenta que para uma sociedade possuir uma economia

da informação e do conhecimento são necessários sistemas educativos que assegurem

padrões mínimos de funcionamento do sistema educacional que inclui além da infraestrutura

física e de apoio pedagógico, a valorização dos docentes.

Estudos como o de Moura (2007) e Barbosa Filho e Pessôa (2008), demonstram que o

retorno da educação no Brasil continua extremamente elevado, o que indica que o

investimento em educação realizado nas últimas décadas não foi suficiente para suprir a

demanda de capital humano na economia. Se o Brasil tivesse efetuado o investimento

significativo nas décadas de 1970 e 1980, seria observado valores menores da TIR

atualmente.

Este artigo tem como objetivo, calcular Taxa Interna de Retorno da educação no Brasil,

em seus diferentes níveis educacionais para cada unidade federativa e macrorregião, e com

2
A metodologia utilizada pelos autores é o cálculo direto da TIR, que iguala o valor presente dos custos de um ano a
mais de educação ao valor presente dos benefícios deste ano adicional de estudo
isto identificar a evolução do investimento em educação de forma mais desagregada no país.

O artigo será organizado da seguinte forma: a primeira seção é esta introdução; na seção 2

será apresentado o arcabouço teórico utilizado; a seção 3 apresentará a metodologia

utilizada; a seção 4 discutirá os resultados; e por último a conclusão.

2.1 DECOMPSIÇÃO DO CAPITAL HUMANO

Mincer (1970) definiu para que a renda permanente não se altere, supondo que o ensino

é ofertado de forma de forma gratuita, é necessário que:

𝑊 ∑𝑁+𝑆+1
𝑖=𝑆+1 (1+𝑅)
−𝑖 𝑊 (1)
1= = (1 + 𝑅)−𝑆 ,
𝑤 ∑𝑁+1
𝑖=1 (1+𝑅)
−𝑖 𝑤

em que R é a taxa de juros do mercado. A equação de Mincer é definida por:

ln 𝑊 = ln 𝑤 + 𝛽𝑆, (2)

em que 𝛽 ≡ ln⁡(1 + 𝑅) é a taxa de capitalização contínua, que sobre certas condições é

definida como a Taxa Interna de Retorno (TIR) da educação.

Mincer (1974) publicou um estudo no qual associou o logaritmo da renda do trabalho,

ln W, aos anos de escolaridade do trabalhador, S, e à experiência no local de trabalho, E, da

seguinte forma:

ln 𝑊 = ln 𝑤 + 𝛿𝑋 + 𝛽𝑆 + 𝛾1 𝐸 + 𝛾2 𝐸 2 , (3)

em que ln w é o salário de um trabalhador sem qualificações, E a experiência do trabalho,

geralmente medida pelo tempo que o trabalhador está no mercado de trabalho3, X é um vetor

de variáveis de controle. O parâmetro de interesse na análise da equação é o 𝛽 que representa

o ganho de renda no logaritmo do salário para cada ano a mais de educação do trabalhador4.

3
O cálculo é definido como: 𝐸𝑥𝑝𝑒𝑟𝑖ê𝑛𝑐𝑖𝑎 = 𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 − 6 − 𝑎𝑛𝑜𝑠⁡𝑑𝑒⁡𝑒𝑠𝑡𝑢𝑑𝑜.
4
Para uma análise mais profunda sobre as especificações da equação de Mincer, ver Heckman et alii (2006)
Um dos problemas identificados e relatados pela literatura no uso de equações

minceriana é a existência de viés de seleção na estimação do parâmetro 𝛽, este viés ocorre

devido ao fato de que o salário é influenciado não só por características observáveis como

por exemplo anos de educação, mas também por variáveis não observáveis como habilidades

e características individuais inatas, que geralmente estão correlacionadas com educação,

assim sendo, pode haver viés de habilidade que superestima o coeficiente 𝛽.

Como demonstrado anteriormente, o coeficiente 𝛽 da equação minceriana, assemelha-

se sobre certas condições à taxa interna de retorno (TIR) da equação. Sob condições mais

gerais temos que esta relação entre o 𝛽 e a TIR da educação não é tão simples. A TIR da

educação pode ser descrita como a taxa de desconto que iguala os benefícios com os custos

da educação, definindo 𝑊(𝑆, 𝐸) o salário de um trabalhador com S anos de estudo e E anos

de experiência. O ganho salarial de estudar mais um ano será de: 𝑊(𝑆, 𝐸) − 𝑊(𝑆 − 1, 𝐸 +

1). Os ganhos que ocorrem ao longo da vida produtiva do indivíduo, devem ser comparados

com os custos de aquisição da educação, como o custo de oportunidade e os custos

pecuniários. Para se calcular a TIR, os salários são brutos de impostos, e além da

mensalidade escolar é indicado incluir o gasto do setor público por aluno, incluindo os

subsídios. Assim a TIR de S anos de escolaridade é dada por:

𝑁
𝑤(𝑆, 𝐸) − 𝑤(𝑆 − 1, 𝐸 + 1)
𝑤(𝑆 − 1,0) + 𝐶(𝑆) = ∑ (4)
(1 + 𝑅)𝐸+1
𝐸=0

O coeficiente 𝛽 da equação minceriana é igual a TIR da educação quando um ano

adicional na escola não reduzir a vida útil do trabalhador, se o salário não se modificar com

a experiência e se o único custo de oportunidade for o tempo. Se todas estas condições forem

respeitadas a equação (4) será igual a equação (1). (Barbosa Filho e Pessôa, 2010).
2.2 VARIÁVEIS INSTRUMENTAIS NA EDUCAÇÃO:

Um dos problemas encontrados na equação de Mincer (1974) é a existência de erros de

medida na educação, o que gera estimativas subestimadas obtidas por Mínimos Quadrados

Ordinários (MQO), e o viés de habilidade gera estimativas superestimadas.

Barbosa Filho e Pessôa (2010), demonstram os problemas citados anteriormente com a

seguinte regressão:

ln 𝑊 = ln 𝑤 + 𝛽𝑆,

em que 𝑆 = 𝑆 + 𝑥, sendo x o erro de medida. O estimador de mínimos quadrados ordinários

sera:

𝑐𝑜𝑣(ln 𝑤, 𝑆 + 𝑥) − 𝐸(ln 𝑤)𝐸(𝑆 + 𝑋)


𝛽̂𝑣 = (5)
𝑣𝑎𝑟(𝑆 + 𝑥) − 𝐸(𝑆 + 𝑥)2

Definindo a hipótese que 𝑐𝑜𝑣(ln 𝑤, 𝑥) = 0, 𝐸(𝑥) = 0 e 𝑐𝑜𝑣(𝑆, 𝑥) = 0, têm-se:

𝑐𝑜𝑣(ln 𝑤,𝑆)−𝐸(ln 𝑤)𝐸(𝑆) 2


𝑣𝑎𝑟(𝑆)−𝐸(𝑆) 2
𝑣𝑎𝑟(𝑆)−𝐸(𝑆)
𝛽̂𝑣 = 2 2
= ̂
𝛽 < 𝛽̂ (6)
𝑣𝑎𝑟(𝑆)−𝐸(𝑆) 𝑣𝑎𝑟(𝑆)+𝑣𝑎𝑟(𝑥)−𝐸(𝑆) 𝑣𝑎𝑟(𝑆)+𝑣𝑎𝑟(𝑥)−𝐸(𝑆)2

Assim o estimador de MQO irá subestimar o impacto da educação sobre a renda do

trabalho. No entanto, aceitando que os indivíduos possuem diferentes níveis de habilidades

inatas, que os indivíduos mais habilidosos possuem um menor custo de aquisição da

educação, e que seus retornos serão maiores do que dos não habilidosos, isto acarretará em

um processo de auto seleção. Os indivíduos mais habilidosos serão mais propícios a

permanecer mais tempo na escola, ou seja, apresentarão maior nível de escolaridade. Logo,

os indivíduos com que possuem maior habilidade não serão uma amostra aleatória da

população, por consequência uma parte do retorno medida de estudar um ano a mais, 𝛽, será

um retorno que indica maior habilidade inata dos indivíduos mais escolarizados.
O fenômeno de auto seleção será mais intenso quanto maior a meritocracia na sociedade,

logo se houver um acesso mais amplo de oportunidades para todos os indivíduos ao sistema

educacional, o processo citado acima deve ocorrer. Ferreira e Veloso (2003) fazem uma

análise para a sociedade brasileira e identificam uma forte correlação entre escolaridade dos

pais e dos filhos, o que pode gerar distorções na sociedade, como filhos de ricos com pouca

habilidade estudarem mais que filho de pobre habilidosos, assim o viés de seleção deve ser

menos acentuado.

A literatura nas últimas décadas vem efetuando estudos significativos sobre a utilização

de Variáveis Instrumentais (VI) que fossem capazes de corrigir o problema de viés de auto

seleção demonstrado anteriormente na estimação da equação de minceriana. Estudos como

Griliches (1977), Angrist e Krueger (1991), Bound et alii (1995), Bound e Jaeger (1996),

Card (1993), argumentam sobre o tema.

Card (1999) obteve as seguintes conclusões: as estimativas sugerem que o coeficiente

estimado por MQO possui um viés em cerca de 10%; quando se compara estimativas

efetuadas sobre irmãos existe algum viés de habilidade positivo, porém inferior as

estimativas de MQO; as estimativas de VI baseadas em características familiares são

geralmente maiores que as estimadas por MQO; os retornos da educação variam na

população com fatores observáveis, como por exemplo qualidade da escola e educação dos

pais; estimativas efetuadas com VI baseadas em intervenções sobre o sistema escolar que

geram uma mudança nas condições de oferta da educação tendem a ser 20% superiores às

de MQO.

Uma das hipóteses de se utilizar VI é que o retorno da educação deveria ser menor do

que o retorno estimado por MQO. No entanto, vários estudos analisam variações na

quantidade de educação entre as pessoas, fruto de choques exógenos nos custos da educação,
pode-se ter como exemplo, políticas públicas que definem uma obrigatoriedade de anos de

escolaridade. Card (2001) obteve estimativas contrárias a hipótese citada, isto pode ter

ocorrido devido que o problema de viés de seleção possa ser ainda maior em localidades

onde os grupos são afetados por políticas que alterem a forma exógena da oferta de educação,

portanto a decisão de estudar seja mais forte na localidade que na economia como um todo.

3.METODOLOGIA

Um dos maiores problemas ao se estimar o retorno da educação é o “viés de habilidade”.

Este viés ocorre devido a omissão de uma variável relevante no modelo, que possa

representar a habilidade ou talento do indivíduo, a omissão desta variável pode ser dar por

diversos fatores. Na literatura sobre o tema ainda não existe um consenso quanto ao modo

de mensuração desta variável. Heckman et alii. (2000) e Tobias (2003) constroem medidas

de habilidade como tentativa de contornar o problema, já Garen (1984) e Griliches (1977)

usam o QI como uma proxy da variável de habilidade, outro método comumente utilizado é

o de variáveis instrumentais. Card (2001) tem como principal crítica deste método, que a

escolha dos instrumentos utilizados nem sempre é trivial.

Assumindo como hipótese que a habilidade é uma característica única do indivíduo, e

que a mesma não se altera ao longo do tempo. Uma maneira adequada de corrigir o problema

de “viés de habilidade” se dá com a utilização de dados em painel, porém o Brasil não possui

uma pesquisa que faça o acompanhamento contínuo dos indivíduos, o que torna inviável a

utilização desta metodologia. Segundo Saschida, Loureiro e Mendonça (2004), uma

alternativa para se contornar este problema é a construção de um pseudopainel.

Deaton (1985), destaca como ponto positivo a utilização de dados em pseudopainel sua

capacidade de avaliar tanto fatores agregados dos dados como fatores microeconômicos. Isso

se deve ao fato que esta metodologia abrange características de dados de seção cruzada como
de dados longitudinais. Além disso, o ciclo de vida pode ser observado utilizando este tipo

de dado, de modo que é possível analisar o efeito do envelhecimento sobre a variável de

estudo.

Um aspecto importante na construção de um pseudopainel é a determinação das coortes,

estas são definidos a partir de uma ou mais características ou fenômenos que são comuns

aos indivíduos que dela farão parte. Comumente utiliza-se o período de nascimento, sexo e

raça como características homogêneas de coortes, o que diferencia uma coorte da outra.

Existem críticas quanto à possibilidade de erros de medida pela utilização de médias das

variáveis em cada coorte e em cada ano, sendo que o tamanho da coorte não é o mesmo para

cada período devido a aleatoriedade da definição da amostra da pesquisa de cross sections.

Porém, como sugere Deaton (1985), se o tamanho da amostra por coorte em cada ano for

suficientemente grande, pelo teorema do limite central, os erros desse tipo não são relevantes

e não viesam os estimadores do modelo.

O uso de dados de seção cruzada independentes, acompanhados em séries temporais,

gera estimadores consistentes desde que alguns pressupostos sejam atendidos. Segundo

Moffit (1993), modelos lineares com efeitos fixos são adequados para estimação com dados

em pseudopainel e geram estimadores consistentes e identificados. Os pressupostos

adicionais que garantem as características desejadas dos estimadores são5:

i. Os estimadores serão mais eficientes se as coortes forem definidas (diferenciadas)

por variáveis constantes no tempo (MOFFITT, 1993);

ii. Quando o número de períodos analisados é finito, existirá um trade-off entre o

tamanho das coortes e a quantidade de coortes a disposição da análise. Nesse sentido,

5
Ver: Uceli (2014).
quanto maior o número de coortes formadas (tendendo assimptóticamente a infinito),

a estimação de efeitos fixos para o pseudopainel é factível (COLLADO, 1997);

iii. Para que o modelo seja identificado é necessário que as médias das variáveis em cada

coorte variem no tempo e sejam diferentes entre diferentes coortes (COLLADO,

1997);

iv. Quanto maior o número de indivíduos em cada coorte, em cada período, menor o

risco de erros de medida das médias das variáveis, que decorrem do fato de que, a

cada avaliação de seção cruzada, os indivíduos em consideração em cada coorte não

são os mesmos (ANTIGO e MACHADO, 2012).

A equação estimada a partir de dados em pseudopainel possui algumas modificações em

seus parâmetros e variáveis. Os indicadores de indivíduos dos termos da equação, agora

passam a ser considerados como unidades de avaliação das coortes (c) para cada período

analisado (t). Assim o modelo, de dados em pseudopainel com efeitos fixos por coorte e por

período, é definido por:

𝑖(𝑡) (7)
̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
ln ⁡𝑊 𝑖(𝑡) = ̅̅̅̅̅̅̅
𝑖(𝑡)
ln 𝑤 𝑖(𝑡) + 𝛿 ̅𝑋̅̅̅ + 𝛽𝑆̅̅̅̅𝑖(𝑡) + 𝛾1̅𝐸̅̅̅𝑖(𝑡) + 𝛾2 ̅̅̅̅̅
𝐸²

onde, 𝑖(𝑡) indica que as médias são calculadas sobre os indivíduos de cada coorte.

Segundo Baltagi (2008), os efeitos fixos, controlam problemas de identificação, desde

que o termo de erro da coorte não seja constante ao longo do tempo, o que pode causar viés

nos estimadores devido a correlação entre o termo de erro e o parâmetro de efeito fixo.
4.BASE DE DADOS

A fonte de dados utilizada para análise empírica deste artigo é a Pesquisa Nacional

de Amostragem Domiciliar (PNAD) 2001-20156, que é realizada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). A PNAD tem como objetivo, investigar anualmente

características gerais da população como por exemplo, educação, trabalho, rendimento e

habitação, outras características possuem periodicidade variável dada a necessidade de

estudo, como por exemplo migração, fecundidade, nupcialidade, saúde, segurança alimentar,

entre outros. A PNAD é um importante instrumento para validação e avaliação de políticas

voltadas para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Para corrigir a inflação na

amostra foi utilizado o deflator de Corseuil e Foguel (2002), utilizando como ano base 2015.

5.RESULTADOS

Nesta seção são apresentados os resultados econométricos obtidos com base na

metodologia proposta no estudo. Na tabela 1, são mostrados todos os resultados da TIR da

educação. A equação para o retorno da educação foi estimada com base na proposta original

de Mincer (1974).

6
No ano de 2010 não foi efetuada a pesquisa.
Tabela 1
Taxa de retorno da educação para cada nível nas macrorregiões brasileiras
Regiões/Nível de Ensino Básico Fundamental Médio Superior
Sul 0,1966852* 0,2351228* 0,2464713* 0,1020460*
Paraná 0,1713143* 0,2185400* 0,2442019* 0,0458180*
Rio Grande do Sul 0,2028590* 0,2493843* 0,2435914* 0,1378873*
Santa Catarina 0,1941857* 0,2240970* 0,2538383* 0,0914350*

Sudeste 0,2539274* 0,23016700* 0,2359791* 0,1156183*


Espirito Santo 0,1929690* 0,19096180* 0,2349342* 0,1180349*
Minas Gerais 0,2553497* 0,23259020* 0,2246293* 0,0499159*
Rio de Janeiro 0,2911020* 0,26472300* 0,2402648* 0,0970862*
São Paulo 0,2888522* 0,20060060* 0,2465438* 0,1608737*

Nordeste 0,2153312* 0,23339510* 0,2281312* 0,1176499*


Alagoas 0,1986354* 0,22240380* 0,2276533* 0,0465243*
Bahia 0,1993432* 0,25239690* 0,2197491* 0,1300032*
Ceará 0,2244897* 0,24166300* 0,2397717* 0,1198344*
Maranhão 0,2094350* 0,22952180* 0,2600946* 0,1510626*
Paraíba 0,2161415* 0,22356910* 0,2328156* 0,1010039*
Pernambuco 0,2396652* 0,20829980* 0,2174975* 0,1564030*
Piauí 0,1974448* 0,25313190* 0,2382500* 0,1065898*
Rio Grande do Norte 0,1944958* 0,22743630* 0,2290932* 0,0697213*
Sergipe 0,2385335* 0,23086160* 0,2122900* 0,0887953*

Centro Oeste 0,2073020* 0,21713820* 0,2411169* 0,0920635*


Distrito Federal 0,2801902* 0,27974700* 0,2084072* 0,1102343*
Goiás 0,2222065* 0,21779810* 0,2312035* 0,1142378*
Mato Grosso 0,1959908* 0,22293790* 0,2544584* 0,0693527**
Mato Grosso do Sul 0,2004626* 0,21928040* 0,2424393* 0,0957062*

Norte 0,2041759* 0,21705690* 0,2281014* 0,1032604*


Acre 0,2193160* 0,22447710* 0,1766858* 0,0721854*
Amapá 0,1616945* 0,21232040* 0,2371773* 0,1010281*
Amazonas 0,2269593* 0,22798170* 0,2278936* 0,1070375*
Pará 0,2479708* 0,21997780* 0,2368342* 0,1474415*
Rondônia 0,1888446* 0,21780140* 0,2516007* 0,1262015*
Roraima 0,1548598* 0,18951510* 0,2271907* 0,0884537*
Tocantins 0,1709306* 0,21764160* 0,2489627* 0,0695477*

Brasil 0,2181029* 0,22997010* 0,2330991* 0,1087803*


Fonte: Elaborado com dados do Autor
*Significativo a 1%
**Significativo a 5%
***Significativo a 10%

5.1 COMENTARIOS SOBRE OS RESULTADOS DAS ESTIMAÇÕES

Para região Sul verifica-se taxas de retorno que variam entre 24,63% e 10,20%, sendo

a maior a do ensino médio e a menor do superior. Analisando separadamente os estados, o

Rio Grande do Sul é o que possui as taxas mais elevadas, o nível educacional que possui o
maior retorno neste estado é o fundamental com uma taxa de 24,94%, o que é bastante

elevada. Outro aspecto relevante a ser observado é a taxa de retorno do ensino superior no

Paraná que é de apenas 4,58%, bem inferior ao da região como um todo.

As taxas de retorno da região Sudeste variam entre 25,39% a 11,56%, são

respectivamente do ensino básico e superior. Individualmente o estado de São Paulo é o que

possui a maior taxa de retorno do ensino superior (16,09%) e o Rio de Janeiro a maior taxa

de retorno do ensino básico (29,11%), dentre todas as regiões e estados analisados. Minas

Gerais possui retorno da educação superior de apenas 4,99%.

A região Nordeste possui taxas que variam entre 23,34% a 11,76%, que são do ensino

básico e superior respectivamente. Em sua grande maioria os retornos dos estados são

bastante elevados. Maranhão e Pernambuco são os estados que possuem as maiores taxas de

retorno da região, todas as suas taxas são superiores a 15%. O estado de Alagoas é o que

possui a menor taxa de retorno do ensino superior (4,65%).

As taxas da região Centro Oeste variam entre 24,11% a 9,21% que são do ensino

médio e superior respectivamente. Destaca-se o Distrito Federal com uma taxa de retorno do

ensino básico de 28,02%. A Região como um todo é a que apresenta menor variabilidade

entre suas unidades federativas.

A última região analisada é a Norte, suas taxas de retorno variam entre 22,81%

(ensino médio) a 10,33% (ensino superior). O Pará é o estado que possui os retornos da

educação mais elevados, todos acima de 14%. Tocantins (6,94%), Roraima (8,84%) e Acre

(7,22%) possuem as menores taxas de retorno do ensino superior nesta região, todas

inferiores a 10,87% que é o retorno deste nível para o Brasil como um todo.
Analisando as taxas de retorno do Brasil, que variam entre 23,31% (ensino médio) a

10,88% (ensino superior), observa-se que o retorno da educação no Brasil ainda é bastante

elevado, porém há heterogeneidade entre os estados e regiões o que pode interferir na

implementação de políticas públicas voltadas para educação.

O ensino superior é o que possui o menor retorno entre os níveis de educação em

todas as regiões e estados, uma justificativa para este resultado é que somente uma pequena

parcela da população atinge níveis superiores mais elevados, logo a maior demanda de

escolaridade no país é sobre os níveis educacionais intermediários (fundamental e médio),

que é exatamente os níveis que apresentam as maiores TIR da educação.

Dado os resultados apresentados é necessário que o Brasil implemente políticas

públicas que possam ampliar o acesso universal a educação, assim nas próximas décadas

deve-se observar uma queda nas taxas de retorno dos níveis intermediários de educação e

uma elevação na taxa do ensino superior. Para se otimizar o investimento em educação é

necessário a implementação de políticas que levam em consideração as características

regionais, devido a heterogeneidade observada.

6.CONCLUSÃO

Com base nos resultados, foi observado que as taxas de retorno da educação no Brasil

ainda são bastante elevadas, analisando de forma regional pode-se observar que todas regiões

seguem o comportamento observado nacionalmente.

O Brasil recentemente aprovou o teto de gastos para os próximos vinte anos fiscais,

o que impactará diretamente o investimento em educação. Dado esta nova realidade é de

suma importância que os recursos sejam utilizados da maneira mais eficiente possível, com

a análise regional pode-se identificar quais as necessidades educacionais que cada estado e
região necessita, podendo assim otimizar os gastos em níveis educacionais que os mesmos

possuem maior fragilidade.

Um ponto que foi observado neste trabalho é a menor taxa de retorno do ensino

superior em relação aos demais níveis educacionais estudados, é necessário que o estado

implemente políticas públicas que garantam um maior acesso a níveis educacionais mais

elevados e uma qualidade mínima do ensino, devido a heterogeneidade regional pode-se

observar diferenças na qualidade do ensino de uma região para outra.

A educação é um importante fator para o desenvolvimento econômico e pode ser

utilizada como instrumento para distribuição de renda, com o conhecimento das

necessidades regionais educacionais, há possibilidade de gerar uma convergência de renda

entre as regiões brasileiras.

Este estudo focou-se na análise do retorno da educação em termos de produtividade,

o que subestima os efeitos da educação na redução e combate da criminalidade, além de não

considerar os demais retornos sociais da educação. Uma vez que fatores como criminalidade

forem incluídos na análise, espera-se uma elevação da TIR da educação.

Para estudos futuros além da análise regional aqui abordada, é necessário a utilização

de metodologias mais complexas, como por exemplo a utilizada por Barbosa Filho e Pessôa

(2008), pois a TIR derivado da equação minceriana pode gerar estimativas superestimadas.

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SEGUNDA ESCRAVIDÃO: BRASIL, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA E CUBA
ESCRAVIDÃO RENOVADA NO SECULO XIX E SEUS REFLEXOS NA
ATUALIDADE
BATISTA, Fabio Augusto de Cristo1
SILVA, Michele Lins Aracaty e2
RESUMO
A análise do sistema de Segunda Escravidão nas Américas parte de um comparativo da
escravidão clásica e tomando como pressuposto a existência de uma Primeira Escravidão com
aspectos coloniais e delimitar o a linha temporal que vai da colonização das américas até a
abolição total em 1888 ao passo que se faz comparativos entre as modalidades de escravidão
existentes no mundo desde a antiguidade. O aspecto da evolução e a adaptabilidade do
trabalho escravo dentro dos períodos e a influência da Primeira Revolução Industrial e o
capitalismo em ascenssão. Objetivando uma avaliação das caracteriticas de cada um dos tipos
de escravidão, foi feito um levantamento bibliográfico afim de analisar e comparar como se
deu o processo de escravidão em cada um dos momentos históricos aqui abordados com o
foco no aspecto da Segunda Escravidão a partir do século XVIII e os impactos que esta viria a
trazer para dentro do século XXI na formação socio-econômica dentro dos países Brasil, Cuba
e Estados Uindos. O levantamento foi feito em cima da obra Escravidão e Capitalismo
Histórico no século XIX de Rafael Marquese e Ricardo Salles e analisados com outras fontes.
Dessa forma foi possível conceber e comparar as características de cada modalidade de
trabalho escravo ao longo da história e desenhar as características centrais da Segunda
Escravidão e os impactos sociais desta para a atualidade. A análise revela que o segundo
sistema escravista teria papel fundamental para a formação do trabalho análogo à escravidão
no século XXI devido ao processo de segregação racial muito mais evidenciado dentro das
características desta e como isso afeta ainda hoje cada um dos pontos geográficos centrais
deste artigo.
PALAVRAS-CHAVE: Segunda Escravidão; Brasil; Estados Unidos; Cuba;

ABSTRACT
The analysis of the system of Second Slavery in the Americas starts from a comparative of
classic slavery and assumes the existence of a First Slavery with colonial aspects and to
delimit the time line that goes from the colonization of the Americas until the total abolition
in 1888 whereas Makes comparative between the modalities of slavery existing in the world
since antiquity. The aspect of evolution and adaptability of slave labor within the periods and
influence of the First Industrial Revolution and rising capitalism. With a view to evaluating
the characteristics of each type of slavery, a bibliographical survey was carried out to analyze
and compare how the slavery process took place in each of the historical moments discussed
here with a focus on the Second Slavery aspect of the century XVIII and the impacts that this
would bring to the 21st century in the socio-economic formation within the countries Brazil,
Cuba and the United States. The survey was made on the work Slavery and historical
capitalism in the nineteenth century Rafael Marquese and Ricardo Salles and analyzed with
other sources. In this way, it was possible to conceive and compare the characteristics of each
mode of slave labor throughout history and to draw the central characteristics of Second
Slavery and its social impacts to the present. The analysis reveals that the second slave system
would play a fundamental role in the formation of work analogous to slavery in the 21st

1
Acadêmico do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Amazonas –
fabiocristouea@hotmail.com.
2
Doutora em Desenvolvimento Regional – UNISC. Docente do Curso de Ciências Econômicas da Universidade
Federal do Amazonas – michelearacaty@ufam.edu.br.
century due to the process of racial segregation that is much more evident within its
characteristics and how this affects even today the central geographical points of this article.

Keywords: Second Slavery; Brazil; United States, Cuba;

INTRODUÇÃO

A discussão acerca da escravidão parece coisa do passado, mas por mais absurdo que
possa parecer nossa sociedade e os meios de produção ainda protagonizam esta forma de
violência. Em países específicos como Brasil, Estados Unidos e Cuba o tema tem chamado a
atenção de estudiosos que partiram de uma análise do século XIX definida como “segunda
escravidão” com características distintas ao processo escravocrata ocorrido nos séculos
anteriores.
Nosso estudo tem como ponto de partida o livro Escravidão e Capitalismo Histórico no
século XIX: Cuba, Brasil e Estados Unidos, organizado pelos autores Rafael Marquese e
Ricardo Salles que trouxeram à tona o Termo Segunda Escravidão com foco nesses três
importantes países.
Para analisarmos a escravidão no século XXI e Seus Reflexos sobre a Sociedade e os
Meios de Produção partiremos da escravidão clássica, passaremos para a “segunda
escravidão” e por fim, analisaremos o processo de escravidão no século XXI. Tais pontos
constituirão o embasamento teórico para a discussão:

1 Escravidão Clássica e Primeira Escravidão


De acordo com Barros, (2013), a escravidão – seja no período antigo ou moderno –
constitui a “ desigualdade radical por excelência.

O Escravo é obviamente aquele que perdeu a Liberdade -


dicotomia que precisaremos examinar mais profundamente, já que há outras formas
de perder a liberdade sem se tornar escravo -
mas é também aquele que perdeu quase (senão todos) os direitos sobre si, sobre o se
u trabalho, sobre a sua própria capacidade de oferecer ou recusar‐ ao trabalho. Em
m uitas sociedades, o escravo é também aquele que perde o parentesco, a sua própria
id entidade. Não raro, o Escravo é também aquele que é levado a sofrer uma espécie
de “morte social”, (Petterson, 1977), conceito que chama atenção para um aspecto
imp ortante da Escravidão, que é a sua necessária relação com uma dimensão social
sem a qual o escravismo não pode ser pensado.

Uma das características da discussão está na divisão entre o tipo de escravidão da


Antiguidade que cabe ao período do desenvolvimento da escrita, há aproximadamente 4000 a.
C., até a queda do Império Romano do Ocidente em 476 na era Cristã; e os dois tipos de
escravidão que ocorreram no Novo Mundo, período que se inicia com a descoberta da
América através das Grandes Navegações.
Desse modo é possível delimitar a linha de tempo que leva a Primeira escravidão no
espaço das américas que vai de 1520 à 1800, e esteve diretamente ligada ao sistema colonial
de escravidão elaborado por países como Espanha, Portugal, Grâ-Bretania, Píses Baixos e
França.
O que deveria ser o fim do tipo de escravidão da Antiguidade, acabou por gerar dois
novos modelos de escravidão agora nas Américas, devido ao acontecimento da Revolução
Industrial junto a concretização da supremacia do Reino Unido na economia mundial. Nas
colônias, o declínio da escravidão se deu por conta do crescimento da demanda por produtos
como açúcar e café e também pela busca do algodão por trabalhadores. Enquanto caía ou era
suprimida em certas áreas do Velho Mundo, a escravidão ressurgia no Brasil, em Cuba e nos
Estados Unidos, zonas que se tornaram polos vivos de uma nova e recheada ampliação da
escravidão africana.
Das desigualdades entre as classes, que foi fator de uma semiótica sobre o conceito de
Barros (2013) entre as nações da antiguidade ao que compete às primeiras décadas do que este
presente artigo chamará de primeira escravidão. Veremos os conceitos apresentados pelo
autor: “Negro e Branco, Homem e Mulher, Brasileiro e Americano, Idoso e Jovem, Cristão e
Muçulmano, Operário e Camponês... Todos estes são exemplos bastante claros de
‘diferenças’. Quando se considera o par ‘Igualdade x Diferença’ (ou ‘igual’ x ‘diferente’),
tem‐ se em vista algo da ordem das ‘modalidades de ser’ ou das essências: uma coisa ou é
igual a outra (pelo menos em um determinado aspecto) ou então dela diferente”.
Desse aspecto definir os conceitos de desigualdades para os povos antigos diferem do
momento histórico do século XIX, dentro de uma semiótica escravocrata nas colônias de
plantations dos Estados Unidos, Cuba e o Brasil uma vez que cada uma das respectivas
colônias se encaixa dentro do conceito abordado por Hobsbawm em sua obra Era do
Extremos de 1996. O Brasil dentro do que ficou conhecido como parte do terceiro mundo,
Cuba que por muito tempo pertenceu ao segundo mundo (socialista) e os Estados Unidos
parte do primeiro mundo (Capitalista).
Dessa forma é possível destacar dentro do que ficou conhecida como escravidão
tradicional principalmente dentro do conceito de escravidão clássica e no que temos hoje
como trabalhos análogos a escravidão convencional dos anos finais do que vamos chamar de
características de segunda escravidão.
Na categoria de escravidão tradicional dentro do que Barros (2013) aborda no artigo
Escravidão Clássica os povos escravizaram os outros povos por guerras, por invasão de
domínio ou por diferenças étnicas, será possível visualizar as diferenças entre essa
modalidade de trabalho escravo e as novas modalidades de escravidão nas américas
principalmente após a primeira Revolução Industrial para o aspecto de primeira escravidão
colonizadora e a segunda escravidão já num aspecto de exploração do trabalho pelo
capitalismo recém inaugurado no Novo Mundo. O conceito de Mais Valia de Marx ainda mais
presente através das colônias de produção de café, algodão, açúcar e tabaco nas américas.

“Implicação mais importante da radical circunstancial idade das desigualdades, por


contraste em relação ao que ocorre com as diferenças que se afirmam como
modalidades de ser, refere‐ se à alta reversibilidade que afeta ou pode afetar estas
desigualdades. Para melhor entendermos isto, será preciso considerar antes de mais
nada que as diferenças são inerentes ao mundo humano — para não falar do mundo
natural. De modo geral, a ocorrência de diferenças de toda a ordem não pode ser
evitada através da ação humana. Vale ainda dizer que a ocorrência de Diferenças no
mundo social está atrelada à própria diversidade inerente ao conjunto dos seres
humanos, seja no que se refere a características pessoais (sexo, etnia, idade) seja no
que se refere a questões externas (pertencimento por nascimento a esta ou àquela
localidade, adesão a certa religião, ou então a cidadania vinculada a este ou àquele
país, por exemplo) ”. (Barros, 2013).

Partindo do contraponto entre diversidade e desigualdade no mundo antigo e partindo


do conceito dentro da literatura de Barros das diferenças que alicerçaram e permitiram que o
mundo no século XIX passasse a adotar a escravidão com novas características, porém dessa
vez não mais com um cunho de prisioneiros capturados, mas como grande contribuição do
capitalismo recém adotado pelo velho mundo que agora renascia no novo mundo através na
nova forma de explorar o trabalho com conceitos de mais valia ainda mais evidente do que
aquele que existirá no mundo antigo.
Dessa forma é permitido pensar que a desigualdade é circunstancial dentro do período
em questão, seja dentro da primeira e muito mais evidente na segunda escravidão num
contexto de capitalismo massivo e com larga exploração na mão de obra escrava. O mundo
antigo era subdividido em hierarquias e os escravos sempre se encontravam na base da
pirâmide hierárquica, do mesmo modo no século XIX essa visão do escravo não mudou,
apenas se aperfeiçoou e adaptou-se a nova realidade de exploração do trabalho aliado a um
forte conto do homem branco sobre a produção, mesmo quando esse obtinha sua liberdade.

“Deve‐ se acrescentar, também, que qualquer noção de Desigualdade não pode ser
senão circunstancial em parte porque estão sempre sujeitos a um incessante devir
histórico os próprios critérios diante dos quais a Desigualdade poderia ser
pressentida ou avaliada. As noções que afetam o mundo das hierarquias sociais e
políticas transfiguram‐ se, entrelaçam‐ se e desentrelaçam‐ se de acordo com os
processos históricos e sociais. [...]” (Barros, 2013).

Na atualidade o trabalho escravo ainda é evidente, porém marcado por uma legislação,
dessa forma é possível analisar os trabalhos análogos à escravidão do final do século XIX,
principalmente dentro do contexto de segunda escravidão da Revolução Industrial do mesmo
período. Assim partindo desse ponto, a escravidão tradicional difere desse conceito de
trabalho no que compete à análise da estrutura em que o trabalho se desenvolveu no período e
ainda se dá na atualidade, com formas de trabalhos análogas aquelas da segunda escravidão
do século XIX.
Para Barros (2013), a desigualdade ocorre através de três premissas básicas do
homem, que são a riqueza, o poder e o prestígio. Por muito tempo a riqueza do homem branco
dono de grandes áreas do setor agrário dentro das três colônias analisadas se dava através da
quantidade de cativos que este detinha em sua posse e isso não mudou com o advento de
diversos movimentos abolicionistas que já eram evidentes no final do século XVIII e início do
século XIX. Mesmo com a pressão da então hegemonia do Terceiro Ciclo Sistêmico de
Acumulação caracterizado por Arrigui (2013) em sua literatura O Longo Século XX, este
autor mostra como os ingleses forçaram o mundo a abolir seus escravos, porém o capitalismo
emergente dentro do período em questão forçou a evolução da pratica escravista
principalmente no novo mundo.
A américa vinha com forte crescimento agrário e isso não mudaria até o final do
século XIX, o movimento abolicionista de meados do período não surtiram efeito nos Estados
Unidos, Brasil e Cuba, o que Barros nos mostra que a desigualdade fomentada pelo Poder,
Riqueza e Prestigio causaram dentro das Plantai-os.
Ainda segundo o autor (2013), na antiguidade o prestígio de um homem não se dava
através deste tipo de controle do trabalho humano era desentrelaçam do seu poder e riqueza,
da mesma forma grandes civilizações já separavam essas óticas de domínio e poder, na era
das grandes navegações e domínio do novo mundo esse conceito sofre nova reformulação e o
prestigio, riqueza e poder passam a ser contados com o número de cativos que este possui.
Esse sistema escravo foi abalado por crises dentro do sistema, assim como insureição e
processos abolicionistas, independência e movimentos que pediam o fim do trabalho escravos
que tiveram inicio em 1791 à 1848, onde esses movimentos se intensificaram.
A primeira escravidão tinha um carater colonial com fundamentos legais e socio-
ecoômicas com origens na Europa e do mediterrâneo que tinha participação direta de duas
correntes de formação dessa mão-de-obra cativa: O tráfico oceânico, isto é, a travessia de
escravos de um continente para o outro via atlânitico através de navios negreiros. Plantation
(nome que se da as plantações em grandes latifundios nas americas com mão-de-obra escrava
nas américas) escravsta, isto é, as plantações para onde se destinava os escravos provenientes
do tráfico negreiro. Um sistema alimentava o outro, quanto maior fosse a demanda por esse
força de trabalho nas plantatios maior era o fluxo do trafico via atlântico para as américas.
A primeira escravidão foi muito bem sucedida, porém com grandes pontos de
desequilibrio e desse modo acabou por se tornar auto destrutiva, por exemplo, nas colonias
que mais cresceram seguindo esse modelo haviam pelo menos dez vezes mais escravos do
que pessoas livres e dessa formas, os sistemas colonias viviam em conflito por conta das
hostilizades dos impérios que faziam parte do enredo histórico e as brigas internas nas
colonias por parte dos comerciantes locais e funcionarios coloniais em divergencia por conta
de parter maiores dos lucros para enriquecimento pessoal. Fora o fato das colônias virarem
alvo de especulação financeira que fizeram parte do cenário desenrolado na época que
predominou.
O que levaria um declinio maior foi o processo de revoltas e rebeliões dentro das
colonias por independencia, o que colocaria um fim ao processo de primeira escravidão e
iniciando o processo da segunda escravidão como veremos a seguir.

2 Segunda Escravidão e Capitalismo Histórico no Século XIX

A segunda escravidão seguiu um processo mais indepentente das metropoles do que e


com maior solidificação do que sua similar, a primeira escravidão, e em termos comerciais
muito mais produtivo e com maior força para resistir a era das revoluções que a
industrialização traria ao passo que conseguia satisfazer as demandas por produtos das
plantations que se intessificaram dentro do peíodo. Com a Revolução Industrial aumentou a
oferta e demanda de produtos provinientes das americas que já não eram cultivados em terras
do velho continente e o processo de criação de um mercado consumidor formado
principalemte pela classe trabalhadora, que embora pobre se fez consumidora direta de
produtos como tabaco, café, açucar e tecidos de algodão que se faziam cultivavel no Novo
Mundo.
No que tange a história da economia e ao que foge à teoria neoclassica da economia
capitalista, a nova história econômica surge com um novo sentido mais amplo e exato
embasado em ciência exata mais complexa para examinar a história e contar como foi
prejudicial esse aspecto e ascenssão na nova escravidão aqui chamada de segunda escravidão
que viria a acontecer dentro das colônias de plantações nas Américas e aqui apoiado por
Tomish um novo método de explorar trabalho e Hobsbawm em a Era do Extremos traria
como um aspecto de mundos para o capitalismo historico já em desenvolvimento.
Em linhas gerais a história econômica se caracterizou-se por se pautar nos dados e nos
modelos econômico e mais tarde Arrighi traria uma ideia de ciclos econômicos de
acumulação o que servirá de base para os estudos do que vem a ser uma segunda escravidão,
uma em cada mundo do capitalismo, no primeiro mundo representado pelos Estados Unidos.
Analisaremos os Estados Unidos como representante do primeito mundo, Cuba como segundo
e o Brasil como representante do terceiro mundo (emergente).
Para entender o conceito de segunda escravidão é notavel como vimos anteriormente
os conceitos da primeira escravidão. A partir desse ponto podemos delinear uma linha de
tempo que vai do fim do século XVIII, com apogeu em meados do século XIX e seu periodo
de declinio entre 1865, influenciado pela abolição da escravidão nos Estados Unidos em 1863
e vai até 1888 com a abolição da escravatura pela lei Auréa no território brasileiro. Esse
espaço de tempo se deu o que chamaremos nesse artigo de Segunda escravidão com o
objetivo de delimitar que a escravidão não perdeu forças e muito pelo contrario, apenas
ganhou forças no periodo pós colonial nas americas, impulssionado por um capitalismo
nascente dentro do velho continente com a Primeira revolução industrial inglesas.
A industrialização e a chegada do periodo moderno não representaria um fim da
escravidão de forma repentina e esse processo de termino do trabalho cativo, principalmente
de mão-de-obra africana alcaçaria um novo patamar de exploração do travalho intensificando
o trafico negreiro dentro do periodo delimitado e ajudaria na proliferação ainda mais evidente
da demanda por escravos nos espaços geograficos aqui abordados.
A segunda escravidão perpetuara-se dentro do Brasil, Estados Unidos e Cuba afim de
manter a oferta de produtos provenientes das plantations dentro das nações da américa e isso
foi um processo de reapaptação da escravidão para o momento histórico que o mundo passará
a experimentar com a industrialização e a hegemonia inglêsa no século XIX.
Os produtos cultivados nas plantações que usavam mão-de-obra escrava eram açucar,
tabaco, algodão e café, produtos de alta apreciação dentro de países que experimentavam
nesse ponto uma cristalização do capitalismo do século XIX. O tráfico negreiro se
intensificou e os escravos africanos eram trazidos de seu continete para a américa com a
finalidade de produzir produtos e especiarias muito apreciados em outro continete, a Europa,
o aspecto de globalização em seu amadurecimento surge como caracteristica do capitalismo
em advento.
De maneira unilareal nesses mundos a segunda escravidão irá se perpetuar de modo
diferenciado o que a fará diferente dentro de cada colônia no novo imperialismo inglês que
era até o momento hegemonia econômica para o terceiro ciclo sistêmico de acumulação
(Arrighi. 1995). A nova historia economica é a chave para entender o que hoje é conhecido
como nova escravidão no seculo XXI e muito disso se deu com a segunda escravidão em
ascenssão no século XIX oriunda de uma nova ordem mundial dada pelo capitalismo em
advento e a revolução industrial inglesa.
Aqui Tomish (2011), deixa claro que a escravidão vai passar por um novo processo
que se manifestaria dentro do seculo XIX de maneira diferente do outro lado do atlântico em
oposição ao velho continente, “Essa ‘segunda escravidão’ se desenvolveu não como uma
premissa histórica do capital produtivo, mas pressupondo sua existência como condição para
sua reprodução” (p. 87).
Os estudos recentes da História econômica mostram novos conceitos ricos em relação
a produtividade e do valor do trabalho escravo nas américas. Porém, divagam entre conceitos
superficiais e com metodologia que não favorecem a relação capital trabalho e mais valia já
vistas em obras como O capital de Marx e tão pouco caracterizam essa mesma mais valia
dentro do espaço geográfico das américas e como essa relação foi reiterada e retificada dentro
do continente, sendo esse novo mundo desde o século XVI, porém com características novas
de explorar o trabalho.
Daí o conceito de segunda escravidão muito bem relacionado dentro da obra de
Marquese (2016) surge com uma abordagem que permite demonstrar de maneira lógica que as
américas passaram por um novo processo de escravidão e que essa mão de obra cativa foi
prejudicial para o rumo da história da relação capital trabalho bem como a segregação que
essa segunda escravidão traria para os séculos XX e XXI.
O fornecimento de produtos primário foi diretamente responsável pelo novo ciclo
escravista nos anos de 1810-1870, exatamente dentro do contexto de revolução industrial e
imperialismo inglês. De fato, a produção de produtos primários foi responsável, mas Tomish
(2011) nos permite ver pela ótica do prisma da escravidão do século XIX uma nova roupagem
daquela que aqui nomeamos de segunda escravidão, uma vez que as Plantations dentro das
colônias se tornaram dependentes desse tipo de mão de obra.
Dessa forma é possível estabelecer o parâmetro do que foi o processo de segunda
escravidão em comparação com a primeira escravidão já praticada até o século XVIII e o que
diferencia e tange a segunda escravidão vivida pelo capitalismo em Ascenção e muito bem
colocados por Hobsbawn (1995) em a Era dos Extremos. Vemos um primeiro processo de
escravidão nas américas de maneira muito bem-sucedida e desenfreada o que viria a ser o
ponto de destruição anos mais tarde. A segunda escravidão dentro das colônias americanas
data dos anos de 1790 e vai até 1888 com a abolição da escravidão no Brasil nesse espaço de
tempo o que foi diferenciador para esse processo, embora o mundo já tivera êxito no âmbito
abolicionista foi um aumento da população escrava nas Plantations nos Estados Unidos, em
Cuba e no Brasil nos períodos de 1820 a 1860m justamente para suprir a demanda da
hegemonia capitalista britânica por produtos primários como café, açúcar e tabaco o que era
produzido em larga escala (MARQUESE, 2016).
Porém a separação entre os dois tipos de escravidão dentro das colônias americanas
não pode ser feita de maneira unilateral, ela ainda ocorria dentro do espaço geográfico, mas a
característica essencial para entender o processo de segunda escravidão conhecido como
Plantations se concentram no fato de novas condições e tecnologias terem aderido a esse
ponto do que seria essa nova roupagem do mesmo processo sem se desvincular do que foi a
primeira escravidão, mas é possível estabelecer o ponto de diferenciação dentro do processo
capitalista vigente da época.
Até aqui podemos diferenciar as características que diferenciam a escravidão clássica
(Grega e Romana), como é abordado em livros de história sobre o assunto, na Escravidão
clássica a condição de escravo seguia a da mãe enquanto as outras identidades sociais
seguiam as do pai, na escravidão Romana por exemplo tinha como fator dominante o forte
senso de propriedade privada, isto é, o escravo era uma propriedade assim como um objeto,
porém provido de vida (Barros, 2013), os escravos do Novo mundo também havia o senso de
propriedade, porém o que diferencia a escravidão nas américas e a escravidão no mundo
antigo eram quem na ecravidão classica a ecravidão estava contida na metropoli, junto dos
seus senhores no cotidiano, em contra ponto, na primeira escravidão nas américas, os escravos
eram enviados as colônias e haviam poucos cativos nas metropolis. Já os plantadores da
segunda escravidão negavam o seu estatus de colônia e por socialização, viviam junto aos
seus escravos, todavia era notavel um distanciamento social evidente do que acontecia por
exemplo na escravidão clássica. Desse modo pode-se afirmar que a primeira e segunda
escravidão nas américas foram muito mais comerciais do que na escravidão classica, com um
destaque para segunda, que experimentou a maximização do processo escravo levado pelo
processo do capitalismo em ascenssão.
O distanciamento social foi deteminate para um comportamento racista, pois como a
mão-de-obra fora predominantemente negra e africana, isso colaborou para um processo de
segregação que ainda possui reflexos no século XXI. A variavel do racismo surge nesse
contexo de escravidão impulsionado por um periodo comercial que o mundo vivia e essa nova
caracteristica foi fator fundamental para compor o cenário de preconceito que seria
estabelecido no pós abolicionismo.
Dessa forma podemos determinas que a Segunda escravidão estava intimamente
ligado ao processo de industrialização em larga escala e a cristalização do capitalismo, foi
uma forma que a escravidão encontrou de se perpetuar mais uma vez na historia do mundo
dessa vez com caracteriticas comerciais nos diferentes tipos de colonias, independentes de
onde estivese, ocorreu igualmente nas américas, claro com caracteristicas específicas em cada
um dos espaços geográficos aqui abordados.
A relação dos proprietarios de latinfundios e de cativos com o poder se dava de
maneira mais proxima e adentrava a cupula do estado e os escravistas começaram a tornar-se
parcela da elite que comandavam as colonias independentes e dessa forma criaram
fundamentos que favoreciam a escravidão e a produção de produtos com base escravista.
Porém não fiscalizava a forma que essas pessoas cativas eram tratadas e dessa forma nos
permiter entender como a relação e a formação da estrutura politica atual teve origem.
O processo teria o inicio do seu declinio em 1865, dois após o a independencia dos
Estados Unidos e impulssionado pela revolução Haitiana entre 1791-1804 e cominará com
seu fim em 1888 com a abolição no ultimo país a manter esse tipo de trabalho, O Brasil.

3 Segunda Escravidão e trabalho Escravo no Século XXI

Algo a ser verificado é como a perpetuação foi incentivado pelos comerciantes e as


intituições que forneciam crédito na época da segunda escravidão tiveram papel fundamental
para a manutenção do sistema de escravidão nas américas dentro das três nações aqui
estudadas – Brasil, Cuba e Estado Unidos. O incremento seguiu da segunte forma para
aumentar a intitucionalidade escravista nos três países que são foco da análise. As intituições
financeiras faziam emprestimos as fazendas e plantations tomando como garantia a safra e
nos próprios escravos afim de sanar alguma divida provenientes do não pagamento dos
emprestimos, assim como consequencia, tiveram papel fundamental para a manutenção desse
modo de exploração do trabalho. Como sabe-se os escravos eram vistos como objeto de valor
e podiam ser tomados.
A de se ressaltar que o processo de segunda escravidão se tornou muito mais crual que
a primeira uma vez que as demandas por produtos aumentavam e as descobertas de novos
mercados faziam com que os escravos trabalhassem mais e os castigos e punições pelo não
cumprimentos das atividades aumentassem. A carga de trabalho era muito cansativa além de
desumanas. Os senhores escravistas viviam com proximidades de seus escravos o que faziam
que os abusos por parte deles aumentassem devido a constante supervisão muitas vezes de
forma opressora por parte desses proprietario.
Brasil
Da dinâmica que levou às características de trabalho análogo à escravidão, termo
amplamente difundido na atualidade e a dialética da segunda escravidão, pricipalmente aquela
que vai de 1790 a 1888 com a abolição no Brasil império, as heranças dessa nova forma de
trabalho são muito nítidas dentro do contexto social e econômico das grandes metrópoles dos
países aqui estudados, Brasil, Cuba e Estados Unidos.
No Brasil, o apogeu da segunda escravidão vai se tornar mais notável no período
compreendido entre 1830 a 1870, com destaque para suma maior entrada de negro africanos
nessa colônia de exploração já em contexto de Brasil império justamente para alimentar o
novo setor que de fato a escravidão brasileira foi ainda mais alimentada pelo setor agrário,
caracteristicas que fizeram do Brasil principal rota do tráfico negreito.

“[...] De meados do século XVI à declaração de independencia, chegaram ao Brasil


cerca de 3.640.000 de africanos. O Rio de Janeiro recebeu 38% desse total, a Bahia
37,5%, e pernanbuco, 20%. No seculo XVIII, uma parte consideravel dos escravos
que aportaram em salvador foi encaminhada para Minas Gerais, mas, mesmo assim,
nota-se o domínio do Norte agrário na distribuição do tráfico. Durante o chamado
‘renascimento agrícola’ (c. 1780-1820), houve uma tendencia de equilíbrio
Norte/Sul, com 45% de desembarque na zona comandada pelo Rio de Janeiro,
contra 46% de Bahia e pernambuco somados. Na primeira década do Brasil
independente, ainda com tráfico legal, a balança pendeu de vez para o Rio de
Janeiro: 64% de desembarques, contra 19% na Bahia e 13% em Pernambuco.
Porém, seus mais de 690 mil escravos desembarcados no Brasil: destes, quase 80%
chegaram ao sudeste cafeeiro. E apenas pouco mais de 20% destinavam-se ao norte
açucareiro” (MARQUESE, 2016).

O vale do Rio paraiba do sul no Brasil teve destaque onde viriam estabelecer as zonas
de plantações e exploração da escravidão no periodo em que a segunda escravidão esteve
vigente no territorio.
Cuba
Em Cuba o rumo foi outro, apesar de 27% da população ter sido originalmente
formada pelo tráfico negreiro através das Plantations de açucar cubanos e de tabaco, os dados
da segunda escravidão só começam a ser levantados na epoca da recente revolução cubana,
onde Fidel castro vai informar em um congresso do partido comunista de Cuba e converteria a
escravidão em leitmotiv a sua anaalise da revolução e transformou a discussão em tabu dentro
da ilha agora comunista, não há muitos dados a serem revelados segundo Marquese (2016)
sobre o real tamanho da segunda escravidão dentro daquele espaço geográfico.
O interior do Matanzas em Cuba iniciou a ponte que levaria a ocupação da população
escrava naquele país, e fora incentivado pelas Plantations de açucar no territorio cubando o
que levaria a um aumento significativo no fluxo de entrada de mão-de-obra negra proveniente
do continete africano naquela localidade.
Os questionamentos e teses levantados sobre o trabalho escravo na ilha de Cuba e a
influência que essa modalidade de força de mão-de-obra teriam sobre a formação da
etmologia do povo cubano possui poucos dados e que Marquese (2016) considera textos
apenas de uma perspectiva de fora do que documentos que são advindos de dentro da ilha. A
metodologia e análise fixam em textos apenas de um pequeno número de especialistas no
assunto que vieram a escrever, principalmente por conta da ditaduta Machadista e logo em
seguida a Revolução Cubana, com esta segunda buscaria trazer um aspecto de igualdade, mas
o arquipelogo sofreria desde 1960 e exerce uma influencia consideravel em historiadores para
além os de origem latina.
O sistema de plantations cubanos é considerado um subsistema de exploração do
trabalho e extrái em Marx as caracteriticas na formação econômico-social capitalista e
arrastou Cuba para um desemvlvimento mais retardado dentro das américas, pois logo após a
falha do sistema da segunda escravidão passaria por governos totalitarios e de repressão até
chegar a ditadura machadista o que foi diretamente responsável pelo atraso social que a ilha
deteve, ligado a isso uma revolução socialista de 1960 que trouxe o embargo econômico por
parte dos Estados Unidos como retaliação ao modelo que se instalará no país.
Marquese (2016) traz um termo no qual explica muito bem a real formação da
população cubana, aqui ele vai chamar de “burguesia escravista” que estás ligado ao modelo
de produção escravista açucareiro da ilha no período da segunda escravidão e constituiu um
subsistema na formação socioeconômico de caráter capitalista e seria impulsionado pelas
demandas do velho continente pelo principal produto de exportação cubano da época, o
açuçar. Moreno (op. Cit.) mostra em sua obra que o cresimento econômico do século XVIII
da indústria açucareira tomaria forças e a demanda por escravos cresceria e o fluxo do trafico
negreiro só viria a alimentar ainda mais o sistema.
O processo abolicionista cubano tem início entre 1870 à 1886 e estão ligados a
desintegração e a falta de sustentação do sistema muito influenciado pelos movimentos
abolicionistas do período e sem falar na influência que a Revolução Haitiana e Guerra Civil
nos Estados Unidos influenciariam o processo dentro de Cuba e em 1880 a abolição formal
dos escravos foi consolidada dentro do território.
“Toda escravidão pode ser escravidão, mas nem todas as escravidões são iguais,
econômica ou culturalmente”. (Sidney Mintz apud Marquese, 2016). Essa frase faz
consonância com o que vem sido abordado nesse artigo, apesar de ocorrer num mesmo
período de tempo nas américas, o sistema denominado segunda escravidão apresentou
caracteristicas únicas para cada colônia nos territorios aqui delineados e Cuba ganha
características notáveis, apesar dos poucos documentos que abordam o tema terem se perdido
após a Revolução de 1860.

Estados Unidos
Do sistema norte americano por outro lado há uma abundância de dados sobre a
formação da segunda escravidão dentro do território principalmente ao que conserne na sua
concepção até a guerra civil entre o Norte e o Sul. Ao passo que a escravidão a sudoeste norte
americano já vinha em grande declínio devido à queda pela demanda por tabaco, desse modo
é claro notar que os mercados de produtos agrícolas no sul demandaram ainda mais mão-de-
obra escrava e a população cativa no Sul sofreu um aumento substancial. “Quando a
Revolução Haitiana eclodiu, em 1791, muitas pessoas instruídas na Europa e na América
acreditavam que o velho modelo de escravidão havia acabado”. ( Marquese, 2016, p. 262). De
fato os custo para se obter o açucar e outros bens primário podiam aumentar gradualmente se
não houvesse essa exploração escrava, dessa forma muitos apoiaram a ideia de abolir o trafico
via atlântico para que a escravidão acabasse, mas o efeito demoraria a ocorrer e o que o
mundo viu foi o aumento sem igual do trafico naquele espaço de tempo.
O vale do Mississipe foi o local de maior chegada da mão-de-obra escrava na américa
do norte e de lá proliferou-se pelo sul dos Estados Unidos e só viria a ter um final com a
Guerra Civil e a abolição em 1863 envolvendo o Norte - Pró abolição, e o Sul – Favorável ao
sistema escravista da região.
Essa nova escravidão formada ainda dentro das plantations norte americanas traria
consequencias grandes para uma segregação racial dentro dos Estados Unidos que iriam
atravessar cerca de dois séculos, mesmo com o pós abolicionismo conquistado na guerra civil,
a situação do negro norte-americano seria tragica e a forma de trabalho evoluiria.
CONCLUSÃO

A segunda Escravidão é um fenômeno notado com maior evidência no Novo Mundo,


com características herdadas da sua similar, a primeira escravidão, aqui também citada como
escravidão colonial, mas com uma diferença, dessa vez apresentava-se inserida no contexto
capitalista vigente no século XIX. O mundo desse período via uma onda de abolição em
diversas partes do globo, mas renascia dentro dos Estados Unidos, na ilha de Cuba e no Brasil
Império e que se tornariam alvos da intensa atividade do tráfico negreiro.
Ao atualizarmos as consequências da manutenção de tal sistema, vemos que esse
mesmo tipo de escravidão vai transbordar para a atualidade com trabalhos análogos a
escravidão, o que não deixa de ser uma segunda escravidão presente no século XXI e muito
discutida dentro dos parâmentro do trabalho pela Organização Mundial do Trabalho. Ainda
hoje é posivel verificar dentro dos três polos - Brasil, Cuba e Estados Unidos - pontos em que
o trabalho apresenta características similares àqueles praticados no século XIX.
Por fim, ao fazer uma linha histórica entre primeira, segunda escravidão e trabalho
análogo à escravidão podemos notar suas nuanças e peculiaridades, principalmente os dois
últimos ligados por um novo tipo de exploração do trabalho já notado por Marx. Dessa forma
os estudos precisam ser mais cautelosos quanto da visão da História Econômica em abordar
tal tema, principalmente o trabalho escravo no século XXI, pois pode-se comenter um
equívoco conceitual, mas ainda assim permanecerem ligados pelas características até aqui
traçadas. O proceso de abolição da escravidão seguiu de maneiras diferentes dentro das
colônias, mas isso não amenizou as consequências da forma como ocorreu, causando sérias
desigualdades sociais e econômicas para a população negra americana, pelo menos ao que
tange ao trabalho escravo e à segregação racial vivida pelos três países nos seus respectivos
processos históricos e a ausência de políticas que combatem no médio e longo prazo o
problema do racismo e da igualdade de oportunidades para estas populações em questões e
sem falar no processo de favelização vividos pelos países em sua construção social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora
Unesp, 1996. Trad. portuguesa. 1ª ed., 1994.
BARROS, José D’ Assunção. Escravidão Clássica e Escravidão Moderna. Desigualdade e
Diferença no Pensamento Escravista: uma comparação entre os antigos e os modernos. Ágora:
Estudos Clássico em Debate 15 (2013) 195-230 – ISSN: 0874-5498. UFRJ, 2013.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. O Breve Século XX. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX:
Cuba, Brasil e Estados Unidos. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2016.
TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão. Trabalho, Capital e Economia Mundial. São
Paulo: Edusp, 2011.
Manuel Moreno Fraginals, “La história como arma”, Casa de las Américas, 40 (1967), pp. 20-
28.
EIXO 2
Processos produtivos
alternativos e geração de
renda
A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO REGIONAL BRASILEIRO

João Guilherme Magalhães-Timotio


Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
j.guilhermemagalhaes@gmail.com

Hamilton Pimentel Lopes Pires


Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes
pires.hamiltonn@hotmail.com

Robson José Veloso


Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes
robsonvelosoarquitetura@gmail.com

Jelson Luiz Dick


Universidade Estadual de Montes Claros – Unimonets
jelsondick@hotmail.com

RESUMO

Teve-se como objetivo identificar se a economia solidária pode representar uma alternativa
para o desenvolvimento regional brasileiro. Para tanto, buscou-se em Polanyi a compreensão
sobre encrustação, desencrustação, e a importância da reincrustação da economia e dos laços
sociais. Em Celso Furtado o entendimento sobre a formação econômica do Brasil, e de como
dentro do próprio território nacional existe uma relação centro-periferia (utilizando o conceito
dePrebish), onde a reprodução do capital sob a ótica da economia de mercado favoreceu
principalmente as regiões sul e sudeste e desfavoreceu regiões como a norte e nordeste,
gerando um quadro de pobreza e desigualdade, ou seja, exclusão econômica e social.E, a partir
disso, compreende-se que a economia solidária, conforme exposto por Paul Singer, Luiz
Inácio Gaiger e NoelleLechat, por se basear em princípios como o da autogestão, da
cooperação e solidariedade, da valorização dos laços sociais, e, principalmente, da não
separação do trabalhador da propriedade dos meios de produção, apresenta-se capaz de
realizar a reincrustação proposta por Polanyi, mesmo que no âmbito local ou regional, assim,
mostra-se como uma alternativa para minimizar os efeitos do desenvolvimento desigual
brasileiro e, consequentemente, para reduzir os efeitos nocivos de uma relação centro-periferia
no território nacional.

Palavras-chave: economia solidária; desenvolvimento regional; relação centro-periferia.


ABSTRACT

Had as objective to identify if the solidary economy may represent an alternative to regional
development. We sought in Polanyi understanding about embedded, disembedded, and the
importance of reembedded of economy and of social ties. In Celso Furtado the understanding
about the formation of Brazil and as within their own national territory there is a relationship
center-periphery (concept of Prebish), where the reproduction of capital from the perspective
of the market economy favored primarily the south and southeast regions and disfavored
regions such as the north and northeast, generating a framework of poverty and inequality,
excluding economic and social. It is understood that the solidary economy, as stated by Paul
Singer, Luiz InácioGaiger and Noelle Western Le Cheval Blanc, for it is based on principles
such as the self, of cooperation and solidarity, the appreciation of the social bonds, the non-
separation of the worker from ownership of the means of production, it is capable of
performing the reembedded proposed by Polanyi, even if at a local or regional level, shows
itself as an alternative to minimize the effects of uneven development in Brazil and
consequently to reduce the harmful effects of a relationship center-periphery within the
national territory.

Keywords:The solidary economy; regional development; relationship center-periphery.

INTRODUÇÃO

O presente artigo possui o seguinte objetivo: verificar se a economia solidária pode

representar uma alternativa para o desenvolvimento regional brasileiro.

Para a compreensão da relevância que representa a economia solidária, como uma

outra possível economia, fez-se necessário recorrer à Polanyi (2013), que em seu livro “A

Grande Transformação”, oferece subsídios para a compreensão de como o desenvolvimento

do capitalismo dissociou os laços econômicos do subjetivismo dos laços sociais. E para a

compreensão da dinâmica do desenvolvimento brasileiro, que ocorreu de modo não linear e de

forma bastante desigual, tem-se como referência basilar o economista Celso Furtado e suas

análises a respeito da formação econômica do país.

Polanyi (2013) destaca a importância que o desenvolvimento e aplicação de outros

modos econômicos possuem nos dias atuais. Conforme afirma o autor, na sociedade moderna,
com o avanço e consequente predominância da economia de mercado, em sua forma mais

avançada, através do capitalismo financeiro, que se tornou um modelo hegemônico,

principalmente, a partir da década de 1970 com o desmantelamento da economia social e do

Estado de Bem-estar social, um fenômeno traduzido na separação da dinâmica social (dos

laços sociais), da economia, ficou cada vez mais evidente, e é motivo de preocupação.

Resumidamente, Polanyi afirma que em certos estágios de desenvolvimento das sociedades,

eram os aspectos sociais que ditavam o modo econômico, e atualmente, ocorre exatamente o

inverso.

Ainda de acordo com Polanyi (2013), antes e nos períodos iniciais do

desenvolvimento do modo capitalista de produção (até meados do século XVIII), percebia-se

um encastramento entre os laços econômicos e o subjetivismo dos laços sociais, fato que

proporcionava a existência de uma maior pluralidade nas relações econômicas. Com o avançar

do desenvolvimento da sociedade capitalista, mais especificamente da economia de mercado,

percebe-se o avanço de um fenômeno, denominado pelo autor de “desencastramento”, no qual

pode ser caracterizado pela dissociação entre as relações econômicas e sociais, fato que

contribuiu para a construção de uma falsa noção de que o desenvolvimento era sinônimo de

crescimento econômico, ignorando quase que totalmente o subjetivismo dos laços sociais. Já

mais recentemente, percebe-se a evolução de outro fenômeno, principalmente no pós-crise de

1970, nos países em desenvolvimento, na forma de uma retomada ou também denominada

“reincustração” do subjetivismo dos laços sociais com a economia, possibilitando o

surgimento de outras economias (como por exemplo: a economia solidária), proporcionando

novamente, uma maior pluralidade econômica.


Assim, Polanyi (2013), propõe que as sociedades modernas convirjam novamente

para o desenvolvimento e aplicação de modelos econômicos que sejam ditados primeiramente

por aspectos sociais, só assim, o autor acredita que seja possível um desenvolvimento mais

democrático, plural, que não se limite a poucos grupos.

No Brasil, é facilmente perceptível que determinadas regiões e grupos são mais

favorecidos pelo desenvolvimento ditado por aspectos predominantemente econômicos, mais

precisamente pelo crescimento econômico, e tal fato, não nasceu nos dias atuais, Celso

Furtado já havia alertado para uma formação econômica que levou a um desenvolvimento

regional desigual, e do quão importante era compreender as dinâmicas sociais para que o

Estado pudesse agir de forma que impulsionasse o desenvolvimento social e econômico de

forma mais igualitária.

Em uma das suas obras mais importantes, “A Formação Econômica do Brasil,

Celso Furtado (1958), identifica o processo de desenvolvimento regional brasileiro, onde se

percebe que as regiões norte e nordeste, esta última principalmente, apresentaram atrasos

econômicos consideráveis, que as levou a um quadro de pobreza aguda e desigualdades

gritantes. Já as regiões sul e sudeste, tiveram uma “atenção” especial do Estado, fato que

propulsionou o mais progresso das mesmas. Quanto se utiliza o arcabouço metodológico do

economista argentino Raul Prébisch, que influenciou Furtado em seu pensamento, percebe-se

que as regiões sul e sudestes podem ser consideradas como centros, e as regiões norte e

nordeste podem ser consideradas como periferias.

Ainda para Celso Furtado, para que se alcance o desenvolvimento e supere a

condição de subdesenvolvimento, uma nação periférica deve ser capaz de dinamizar a


estrutura interna da sua economia (a produção e renda), e para tanto, a atuação do Estado

apresenta-se como fundamental, o autor é fortemente influenciado pelo keynesianismo, pelo

estruturalismo e pelo pensamento cepalino1, correntes que defendem que o planejamento deve

reconduzir o sistema à situação de pleno emprego e preservar tal, e deve coordenar os esforços

de industrialização, de forma a superar condições estruturais precárias que dificultam o

desenvolvimento, também se deve buscar uma homogeneização dos níveis de produtividade.

Para Celso Furtado, o subdesenvolvimento da periferia é um processo histórico

que ocorreu da seguinte forma: na Europa do século XVIII, houve um advento de um núcleo

industrial que provocou uma ruptura na estrutura mundial, e passou a condicionar o

desenvolvimento nas demais regiões, após certo grau de desenvolvimento na Europa, houve

um deslocamento da atuação dos agentes econômicos para regiões desocupadas, que

consequentemente ocasionou a formação de estruturas periféricas, subdesenvolvidas.

A forma como se deu o desenvolvimento de nações centrais e nações periféricas,

pode ser estendida, de certo modo, a compreensão da formação de regiões centrais e regiões

periféricas, como pode-se verificar em Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado,

publicado originalmente em 1959. Tal obra apresenta uma evolução histórica das regiões

brasileiras.

Desta forma, para a compreensão do processo de desenvolvimento regional

brasileiro, utilizam-se os seguintes autores: Furtado (1959, 1965 e 1973); Mantega (1989);

Bielschowsky (1996); Couto (2007) e Tavares (2013). Onde a partir destes, é possível

identificar que no país, o desenvolvimento se deu de forma não linear, favorecendo

1
Referente às teorias defendidas pelos economistas ligados a Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe – Cepal.
determinadas regiões em detrimento de outras, o que possibilitou que se formasse uma relação

centro-periferia dentro do próprio território nacional.

A ideia da relação centro-periferia foi desenvolvida pelo economista argentino

Raul Prebisch, precursor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe e que

representou grande influência para Celso Furtado.

De acordo com Mantega (1989), para Prebisch a relação centro-periferia é

evidenciada a partir da identificação da existência de uma deterioração dos termos de troca

entre regiões.

Prebisch analisou a relação entre os países considerados desenvolvidos e os não

desenvolvidos ou subdesenvolvidos, identificando que no processo de comércio entre tais, os

desenvolvidos (produtores de mercadorias manufaturadas, com estrutura mais diversificada,

que os proporciona um maior valor agregado etc.) adicionam mais valor econômico em

comparação aos subdesenvolvidos (que produzem majoritariamente commodities), e não

adicionam valor econômico na mesma proporção do que aqueles.

Tal concepção de Celso Furtado vai de encontro a uma proposição de Polanyi, que

destaca que para que as sociedades convirjam para outro desenvolvimento, mais democrático,

faz-se necessário que os modelos econômicos sejam ditados por aspectos sociais, portanto, só

é possível um desenvolvimento econômico mais igualitário, se houver desenvolvimento social.

Há uma relação centro-periferia na dinâmica histórica do desenvolvimento interno

brasileiro, no qual expõe uma situação de fortes desigualdades entre as regiões, principalmente

quando se analisa o nordeste do país, região que historicamente apresenta extremas

disparidades quando comparada ao sul ou sudeste do país.


Ainda, compreende-se que a principal diferença entre Celso Furtado e Polanyi, dá-

se porque Furtado buscou o entendimento de como ocorreu à formação econômica do Brasil e

da América Latina, e Polanyi buscou o entendimento sobre as principais transformações das

sociedades modernas capitalistas, e desenvolve uma visão mais detalhada sobre qual seria um

possível primeiro passo, para que se tenha outro modelo de desenvolvimento (que seja mais

democrático), e a partir daí surge sua ideia de reincustração dos aspectos sociais na economia.

Portanto, a partir das exposições, principalmente de Polanyi e Celso Furtado, fica

evidente a necessidade de outros modos econômicos, para que o Brasil alcance um progresso

que não seja apenas o crescimento econômico, mas sim um desenvolvimento social, que este

dite o ritmo do econômico, que seja mais democrático, e que possa ser capaz de suavizar ou

mesmo findar com as grandes desigualdades regionais que levaram à formação de uma relação

centro-periferia no próprio território nacional. E, é neste contexto que, apresenta-se a

economia solidária.

METODOLOGIA

Para o alcance do objetivo proposto: verificar se a economia solidária pode ser

uma alternativa para o desenvolvimento regional brasileiro. Utilizou-se da pesquisa

bibliográfica, realizada a partir de livros e artigos científicos.

Fora necessário apresentar na introdução questões sobre o processo de

desenvolvimento capitalista moderno sobre a perspectiva de Polany, que traz uma visão mais

globalizante do processo, para que se compreenda como se deu esse tipo de desenvolvimento

no Brasil e, e como tal processo aconteceu de forma bastante desigual, fato que perdura até os

dias atuais. Para tanto, utilizou-se como plataforma teórica os estudos de Raul Prebisch e
Celso Furtado, tendo como objetivo apresentar a existência de uma relação centro-periferia

dentro do próprio território brasileiro, apontando a partir dos estudos de Furtado em que o

nordeste em seu processo histórico de desenvolvimento, no fim do ciclo da economia

açucareira, começou a apresenta-se como uma região periférica quando contrastada com as

regiões sul e sudeste, no qual estas, no contexto brasileiro, podem ser consideradas como

regiões centrais. Daí a necessidade de se buscar alternativas em prol de um desenvolvimento

mais democrático e igualitário, alternativas que podem ir desde a intervenção estatal na forma

de políticas públicas estruturantes, de diversificação da base produtiva, bem como programas

de fomento ao desenvolvimento, até mesmo à modos alternativos ao modo capitalista de

produção. Como se apresenta a economia solidária, que será destacada na próxima seção, a

partir de suas as origens e conceitos, e como esta ganhou maior relevância no contexto

mundial e no Brasil,

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A economia solidária é um modo econômico ditado primariamente a partir das

relações sociais intersubjetivas, pois pressupõe a existência de uma solidariedade, que vá além

da sua forma primária (familiar), e que possui uma dinâmica que possibilita a maior

democracia e um maior senso de comércio justo, mas que principalmente, proporciona a não

separação do trabalhador da propriedade dos meios de produção.

Assim, compreende-se a economia solidária como um modo alternativo ao modo

capitalista baseado na economia de mercado, e que se mostra capaz de proporcionar a

reincrustação das dinâmicas sociais nas econômicas, como Polanyi compreende ser a forma

mais adequada para um outro desenvolvimento. Mas para um entendimento que permita o
alcance de forma plena do objetivo deste estudo, faz-se necessário abordar as origens e os

principais conceitos da economia solidária.

Utiliza-se como base o livro “Dicionário Internacional da Outra Economia”,

organizado por Cattani et al (2009), principalmente o capítulo escrito por Jean-Louis Laville e

Luiz Inácio Gaiger. Onde se apresenta o que é a economia solidária e como tal se mostra de

forma bastante plural e ampla, mas sempre girando em torno da solidariedade, contrastando

com o aspecto individualista e puramente utilitarista do comportamento econômico atualmente

predominante, com o capitalismo e a economia de mercado.

Também, busca-se em Singer (2002, 2004 e 2008), compreender a economia

solidária, sua origem e conceitos. Desta forma, verifica-se que o surgimento da mesma

remonta ao próprio desenvolvimento do modo capitalista de produção, com as revoluções

liberais na França e Inglaterra (francesa e industrial respectivamente), que não foram capazes

de atender de forma plena toda uma gama de pessoas e classes sociais,o que ocasionou

situações de exclusão econômica e social, provocando também situações de pobreza aguda e

extrema desigualdade.

Fatos estes, que levaram essa parte da população excluída a uma busca de

alternativas, primeiro para sua própria subsistência, mas depois, para que se tenha um

desenvolvimento socioeconômico mais democrático. Daí surgiu as organizações sob os

moldes cooperativistas, na forma de associações norteadas pela autogestão, democracia,

igualdade, cooperação e, sobretudo, solidariedade, que proporcionou uma não separação do

trabalhador da propriedade dos meios de produção.


Para Singer (2002), a economia solidária tem suas bases ideológicas e operacionais

no movimento cooperativista. Entende-se que a economia solidária, a partir de Singer (2002,

2004 e 2008), Cattani et al (2009), Gaiger (1999), Lechat (2002) e Laville (2004), como um

modo alternativo ao modo capitalista, que reúne um conjunto de atividades econômicas

norteadas pelo princípio da solidariedade e justiça, e não pelo individualismo e utilitarismo.

Fato que fortalece os laços sociais, e faz com que estes passem a determinar a economia

novamente, e possibilita a existência de uma gestão que seja mais democrática.

Portanto, verifica-se que o emergir da economia solidária como modo alternativo,

se deu a partir da não capacidade, ou não vontade, do modo capitalista de produção em atender

uma ampla gama de pessoas e classes sociais.

Recentemente, verifica-se um novo emergir da economia solidária, principalmente

a partir do final do século XX, quando na década de 1970, houve um desmantelamento das

políticas econômicas keynesiana, e consequentemente, uma limitação da atuação do Estado de

bem-estar social, com o avanço da ideologia neoliberal, que provocou problemas semelhantes

aos verificados no início do desenvolvimento do modo capitalista a partir das revoluções

liberais.

Segundo Veiga (2004) e Schiochet (2009), os empreendimentos de economia

solidária emergem como respostas dos trabalhadores às situações de precarização e

marginalização das diversas relações sociais.

Para Singer (2002), a economia solidária representa um modo alternativo ao modo

de produção capitalista, e pode ser caracterizada por um conjunto de atividades econômicas

que podem ser organizadas sob a forma de cooperativas, associações, redes, entre outras, e
segue como princípios norteadores como o da autogestão, da democracia, da igualdade, da

cooperação e solidariedade (esta, não é somente a solidariedade primária, mas também é a

solidariedade entre estranhos), do comércio justo, a não separação entre trabalho e propriedade

dos meios de produção, entre outros.

Pouco após as Revoluções Liberais (Francesa e Industrial), na França e Grã-

Bretanha, que marcaram o início do desenvolvimento do modo de produção capitalista,

verificou-se que uma parte da população não tivera acesso ao progresso provindo de tais, tal

fato, ocasionou como consequência, uma exclusão social e econômica. Dentro deste quadro de

exclusão, as situações de pobreza aguda e desigualdades extremas ficaram visivelmente

latentes, onde as oportunidades de trabalho e geração de renda no modo de produção

capitalista, não se apresentavam como viável num primeiro momento. Com o intuito de

sobreviverem, os indivíduos excluídos se viram obrigados a buscar novas alternativas de

trabalho e geração de renda, foi neste momento que se viu nas cooperativas uma oportunidade

viável e que poderia ser capaz de transformar uma realidade social, emancipando indivíduos

de uma condição desfavorável.

Segundo Lechat (2002), autores como Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier

(1772-1873), Pierre Proudhon (1808-1865) e Robert Owen (1773-1858), contribuíram para a

elaboração de modelos sociais que viriam a inspirar o cooperativismo, apesar de não tratarem

de forma objetiva a respeito do assunto, autores aqueles, vale lembrar, que foram chamados

por Marx de Socialistas Utópicos.

Ainda segundo Lechat (2002), o Charles Fourier sonhava com uma sociedade que

fosse constituída com base em fazendas coletivas e agroindustriais, que operariam tendo como

objetivo primário o bem-estar coletivo. Em relação ao Proudhon, autor considerado como o


precursor do anarquismo, grande crítico da propriedade privada (a base do modo capitalista de

produção), tinha como ideal que a sociedade se desenvolvesse com base em pequenos

produtores que seriam financiados por intermédio de um banco de trocas e que não utilizasse

dinheiro, e sim certificados de circulação, ou seja, trocando serviços.

Já o Robert Owen, grande industriário inglês, que trabalhou em prol da libertação

da classe trabalhadora, e defende que a sociedade deveria ser organizada via colônias

cooperativas, onde não existiria a propriedade privada e os trabalhadores fossem proprietários

dos meios de produção, a partir desse ideal, ele cria duas cooperativas, uma nos Estados

Unidos em 1825 e outra na Inglaterra em 1839. Lechat ainda faz referência à cooperativa mais

famosa em que se tem registro, a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, fundada em 1844, em

Manchester na Inglaterra, na forma de uma cooperativa de consumo que segui sete princípios.

Os princípios de Rochdale se tornaram base para o desenvolvimento da economia

solidária, podemos citá-los: 1) princípio da adesão livre e voluntária; 2) princípio do controle

democrático pelos sócios; 3) princípio da participação econômica dos sócios; 4) princípio da

autonomia e independência; 5) princípio da educação, treinamento e informação; 6) princípio

da cooperação entre as próprias cooperativas; e 7) princípio da preocupação com a

comunidade.

Para Paul Singer (2002, 2004 e 2008), as cooperativas forneceram as bases

ideológicas e materiais para o desenvolvimento da Economia Solidária, pois aquelas

representam desde o princípio, um modelo alternativo ao modo capitalista, e que possui em

sua essência, um caráter social e economicamente inclusivo, que tanto inspiram a economia

solidária, como outro modo alternativo ao capitalista, e que é norteada pelos princípios de

propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual, pois tais, são
capazes de reunir numa única classe os trabalhadores e proprietários de capital, que agora são

o mesmo indivíduo, não há uma separação como ocorre no modo capitalista. Fatos estes, que

são capazes de proporcionar maior igualdade, equidade, solidariedade e cooperação, entre

outros benefícios.

Ainda segundo Paul Singer (2002, 2004 e 2008), a economia solidária, tendo como

base o cooperativismo, representa um modo de produção alternativo ao modo de produção

capitalista, da qual a relação entre capital e trabalho muda drasticamente quando se compara

os dois modos de produção citados, no modo capitalista há uma separação entre os

proprietários de capital e os trabalhadores, sendo isso a base do sistema, já na Economia

Solidária tal separação não existe, nega-se a separação entre a posse dos meios de produção e

o trabalho, sendo esta, inclusive, condição para que o empreendimento seja considerado como

de economia solidária (ressalta-se que no plano teórico, já que é bastante comum que

empreendimentos que seguem a lógica da economia solidária se enquadrem, por questões

burocráticas e econômicas, em outros tipos de empreendimentos).

Em cooperativas, ou empreendimentos, os associados são todos trabalhadores e os

trabalhadores são todos associados, e se organizam de forma autogestionária, sempre

buscando serem solidários.

Desta maneira, o objetivo promover o desenvolvimento de uma economia que seja

solidária, e que atenda de forma plena e igualitária/democrática os anseios de trabalho e renda,

onde inclusive, pode-se considerar que há lucro, pois suas receitas não são distribuídas a partir

da proporção de cotas de capital, e todo excedente, que também são chamados de sobras, tem

a sua destinação decidida em conjunto, e que geralmente são revestidas para investimentos
(em educação, cultura, saúde, entre outros) ou são aplicadas em fundos indivisíveis para

provisões futuras. Singer afirma que nos empreendimentos de ES não há remuneração do

capital, logo, não há lucro.

Para Singer (2002, 2004 e 2008), a economia solidária constitui um modo de

produção que junto com outros modos de produção (como o capitalista, a produção estatal, a

produção privada sem fins lucrativos, entre outros), é parte da formação social do capitalismo,

isso porque este representa não só o maior dos modos, mas molda toda superestrutura social,

legal e institucional. Isso, não desqualifica de modo algum, a ES como modo alternativo ao

convencional, e que cresce em função de crises sociais ocasionados pelo modo de produção

vigente, como se pode verificar pelo seu grande crescimento a partir dos anos 1980, quando

políticas neoliberais começaram a ganhar força em todo o mundo, substituindo o modelo

keynesiano de bem-estar social.

Segundo Laville (2004), pode-se definir economia solidária como um conjunto de

atividades econômicas que possuem uma lógica distinta ao modo de produção capitalista (o

convencional), pois esta é focada na propriedade privada dos meios de produção, e esta é

separada dos trabalhadores, e o capital age no sentido a proporcionar maior acumulação, que

pode ser alcançada por meio da competição, e que por fim, age em prol de objetivos

individuais. Já a ES, organiza-se em torno de interesses coletivos, que favorecem o

fortalecimento das relações sociais, da gestão democrática, da autogestão, reunindo novamente

o que fora separado, os aspectos econômicos e sociais.

Pode-se conceituar Economia Solidária, com base em (Laville, 2004; Singer, 2002,

2004 e 2008), como: um modo de produção alternativo ao modo capitalista, que tem como
principal influência e base operacional, o cooperativismo, e representa uma resposta às

mudanças no mundo do trabalho e ao agravamento e precarização das relações trabalhistas,

provocadas por eventuais crises do modo convencional (o capitalista), sendo, inclusive,

verificado o crescente número de empreendimentos ES em períodos de crise, assim como o

trabalho informal e o pequeno e médio empreendedorismo (na forma das Pequenas e Médias

Empresas). A economia solidária possui como princípios norteadores: a autogestão, a

democracia, a igualdade, a cooperação e solidariedade, o comércio justo, a não separação entre

trabalho e propriedade dos meios de produção, entre outros.

A economia solidária centra-se e organiza-se a partir de fatores humanos, algo que

propícia um ambiente favorável para o fortalecimento dos laços sociais, que são bastante

valorizados por intermédio da reciprocidade e cooperação, bem como pela propriedade

privada comunitária que é gerida de forma democrática.

Segundo Gaiger (1999) e Oliveira (2005), os empreendimentos de economia

solidária são organizados a partir dos seguintes princípios: autogestão, democracia, equidade,

cooperação e solidariedade, desenvolvimento humano e responsabilidade social, valorização

das relações humanas. Tais serão detalhados a seguir: a) autogestão: uma forma de gestão

coletiva, onde predomina-se o diálogo e a democracia. b) democracia: a efetiva a participação

de todos os trabalhadores no processo produtivo. c) equidade: a socialização do capital para

beneficiar todos os sócios. d) cooperação e solidariedade: a responsabilidade partilhada no

processo produtivo, deve-se buscar minimizar ao máximo comportamentos individualistas e

oportunistas.
As formas como os empreendimentos de economia solidária se organizam, possui

como base fundamental os seguintes princípios: autogestão, democracia, equidade, cooperação

e solidariedade, desenvolvimento humano, responsabilidade social e valorização das relações

humanas.

Os empreendimentos de economia solidária devem, primeiro, buscar assegurar a

sobrevivência dos trabalhadores/associados, mas também devem possuir uma visão de médio e

longo prazo, e nesta, deve-se buscar por meio da valorização das relações humanas, o

desenvolvimento humano que sirva de base para uma maior responsabilidade social.

Assim, como no mundo, a economia solidária ganhou bastante força a partir dos

anos 1980, como consequência do enfraquecimento do estado do bem-estar social, do

keynesianismo, e ascensão de políticas neoliberais.

A partir de Celso Furtado, verifica-se que o desenvolvimento regional brasileiro

ocorreu de forma bastante desigual, evidenciando disparidades regiões e permitindo uma

heterogeneidade traduzida em uma formação de uma relação centro-periferia no interior do

país.

Por fim, é importante destacar o que seria o desenvolvimento para Celso Furtado:

na concepção furtadiana, o desenvolvimento deve contemplar não somente o progresso

econômico, mas também o desenvolvimento social. O progresso econômico advém da

diversificação dos fatores produtivos que potencializam a produtividade do trabalho.


CONCLUSÕES

A economia solidária, a economia de mercado e a economia pública,

operacionalizam-se de formas distintas, uma não elimina/impede a existência da outra, e nem

se pretende que seja assim, se levado em consideração a importância da pluralidade

econômica. Pode-se resumir que: a economia de mercado representa o modo de produção

capitalista, baseada na propriedade privada e na reprodução do capital; a economia solidária,

representa um modo alternativo à lógica capitalista, baseada principalmente no princípio da

solidariedade, na propriedade coletiva privada, e na reprodução da vida, e não do capital; já

economia pública, baseia-se no princípio da redistribuição.Entende-se a economia solidária

comoum conjunto de atividades econômicas que se operacionalizam com uma ótica distinta à

economia de mercado e da economia pública, sob os princípios da autogestão, do

cooperativismo e associativismo, da igualdade social, da valorização do trabalho e de uma

renda justa, bem como a valorização dos laços sociais via solidariedade e reciprocidade.

Assim, a ES possibilita não somente maior valor econômico agregado, mas também

proporciona a construção de valores sociais dos sujeitos, estes não exploram uns aos outros,

pelo contrário, buscam promover-se coletivamente em busca de um reconhecimento digno da

vida.

Compreendido o conceito e princípios da economia solidária, busca-se

verificar se o objetivo proposto neste estudo: verificar se a economia solidária pode ser uma

alternativa para o desenvolvimento regional brasileiro.

Considerando a obra Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado, e

com base nos estudos sobre o desenvolvimento desigual ou não linear no Brasil, dos autores:
(Furtado, 1959, 1965 e 1973; Mantega, 1989; Bielschowsky, 1996; Couto, 2007; Tavares,

2013), verificou-se a existência de uma possível relação centro-periferia dentro do próprio

território nacional, onde as regiões sul e sudeste podem ser consideradas como centros, e as

regiões norte e nordeste como as principais periferias. A economia de mercado

operacionalizando sob seu objetivo de reprodução do capital, concentra-se naquelas primeiras

regiões (nos centros), gerando um maior desenvolvimento para mesmas, e desfavorecendo

estas últimas regiões (as periferias), fato que gera um quadro agudo de desigualdade, pobreza,

exclusão econômica e social.

Desta forma, no processo de formação econômica do Brasil, a forte

reprodução do capital em determinadas regiões (sul e sudeste), em detrimento de outras (norte

e nordeste), gerou como consequência, uma relação centro-periferia dentro do âmbito

nacional, e que perdura até os dias atuais. Sabendo disso, a economia solidária apresenta-se

como uma alternativa viável para o desenvolvimento socioeconômico desta região periférica.

Pois, considerando que a ES, é um importante instrumento de combate à pobreza e das

desigualdades, possibilita uma construção social que gera um desenvolvimento mais

democrático, valorizando os laços sociais, o comércio justo, e que incrementa valor no

trabalho e na renda, para que se possa alcançar uma vida mais digna para os sujeitos.

Portanto, a economia solidária mostra-se como capaz de responder de

forma bastante estruturada a uma série de vulnerabilidades sociais e econômicas, sendo assim,

uma alternativa para o desenvolvimento regional no Brasil, principalmente em regiões onde a

pobreza e a desigualdade ainda perduram de forma aguda, como o norte e nordeste do país.
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Economia Popular, Des/colonialidade do Poder e Economia Solidária: notas para um
debate latino-americano
Bruno Siqueira Fernandes
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais
brunoggsiqueira@gmail.com

Sibelle Cornelio Diniz


Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais
sibelle.diniz@gmail.com

Resumo: o presente trabalho busca trazer contribuições a partir de autores latino-americanos

para o debate da des/colonialidade no âmbito da economia solidária. Nesse sentido, a

discussão situa-se, primeiro, no debate sobre a economia popular enquanto terreno para uma

Outra Economia a partir das contribuições de Aníbal Quijano e de Jose Luis Coraggio. A

partir do tratamento da categoria economia popular, serão feitos apontamentos a partir das

contribuições da des/colonialidade do poder e da economia solidária para o fortalecimento

do polo marginal como caminho para uma economia alternativa.

Palavras-chave: economia popular, economia solidária, descolonialidade

Abstract: this paper seeks to bring some contributions from Latin American authors to the

debate of the decoloniality in the scope of the solidarity economy. The discussion starts with

the debate about the popular economy as a terrain for “Other Economy”, based on the

contributions of Anibal Quijano and Jose Luis Coraggio. From the discussion of the popular

economy category, we present some notes , based on the contributions of the decoloniality

of power and solidarity economy, in order to strengthen the marginal pole, as a path to an

alternative economy.

Keywords: popular economy, solidarity economy, decoloniality


Introdução

A economia popular e solidária ganha expressão no Brasil na década de 1990, como

resposta ao desemprego, à precarização e ao desmantelamento do mundo do trabalho. No

fim do século XX, o debate latino-americano se baseou na recusa do conceito de economia

informal e na discussão sobre o desemprego estrutural e o subemprego. No presente, o debate

se situa a partir da “proposição de um outro sistema centrado no trabalho e na convivência

entre os princípios econômicos, acercando-se das ideias de economia social e economia

plural” (Diniz, 2016, p. 47).

O movimento que se apresenta neste século, portanto, traz o centro e a periferia no

bojo da contestação do “economicismo” e a favor de uma Outra Economia, marcada pela

solidariedade, sustentabilidade e emancipação (Cattani et al, 2009). Nesse sentido, o

presente trabalho busca trazer contribuições a partir de autores latino-americanos para o

debate da des/colonialidade no âmbito da economia solidária. A discussão situa-se, primeiro,

no debate sobre a economia popular enquanto terreno para esta Outra Economia a partir das

contribuições de Aníbal Quijano e de Jose Luis Coraggio. A partir do tratamento da categoria

economia popular, serão feitos apontamentos a partir das contribuições da des/colonialidade

do poder e da economia solidária, representada por Paul Singer, para o fortalecimento do

polo marginal como caminho para uma economia alternativa.

A metodologia aplicada no artigo é a pesquisa bibliográfica. Essa metodologia busca

explicar ou dar resposta ao problema teórico inicial a partir do conhecimento disponível em

teorias publicadas em livros ou outras obras do tipo. O objetivo da pesquisa bibliográfica

(Köche, 2011, p. 122) é, portanto, “conhecer e analisar as principais contribuições teóricas

existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento

indispensável para qualquer tipo de pesquisa”. Tendo isso em mente, buscou-se levantar o
conhecimento disponível acerca da economia popular, da economia solidária e da

des/colonialidade do poder, buscando identificar as teorias produzidas e procurando analisar

de que forma elas servem de contribuição para a proposta de pesquisa aqui apresentada.

Economia popular: limites e potencialidades na América Latina

Nos anos 1970, começou a ser colocada em xeque a associação das economias latino-

americanas a estruturas duais, formadas por um setor moderno e outro setor tradicional,

sendo o último considerado arcaico e fadado a desaparecer. A partir desse momento,

começam a surgir novas conceituações para aquilo que não viria a desaparecer, mas sim se

consolidar como realidade das periferias do capitalismo: circuito inferior da economia,

economia popular, organizações econômicas populares e polo marginal. Todas essas

conceituações buscam salientar o papel dinâmico e heterogêneo desse setor, seu papel

funcional ao sistema e estrutural dentro da América Latina.

A leitura de Milton Santos (2008) irá começar e orientar esse debate a partir da

conceituação dos circuitos econômicos nas cidades dos países subdesenvolvidos (Diniz,

2016, p. 49). Essa visão enfatiza que nas cidades dos países periféricos, nesse caso, na

América Latina, existem dois circuitos (ou sistemas) econômicos: o circuito superior e o

circuito inferior. Essa configuração tem origem no processo de modernização

industrializante que ocorre de maneira disforme, seletiva e incompleta nesses países.

O circuito superior é intensivo em capital, produz em grande escala, se projeta para

fora da sua região nascente e tem como foco a acumulação de capital. O circuito inferior,

por sua vez, é sustentando por atividades de pequena escala ou sem escala, intensivo em

capital e com alto grau de projeção e articulação com a cidade e a região que se insere. É no

circuito inferior, portanto, que se insere o trabalho familiar, autônomo, organizado em

unidades domésticas, etc. Essa análise, portanto, vai na contramão do entendimento do setor
tradicional como algo que se desaparecerá no tempo. Dada a organicidade e articulação entre

os dois circuitos, a leitura expõe o caráter dinâmico e estrutural do circuito inferior nas

economias urbanas dos países periféricos.

A partir do entendimento da análise de Milton Santos como ponto de partida para o

debate, é possível trazer a contribuição, também na década de 1970, de outros autores

importantes para a economia popular como Luis Razeto e Jose Luis Coraggio. A economia

popular não recebe o nome popular simplesmente pelo caráter dos seus integrantes, mas sim

pela sua dimensão solidária, suas qualidades de relação e sua escala de organização que

permite um contato mais direto e pessoal, não necessariamente passando pela estrutura de

mercado ou pela concorrência.

Luis Razeto (1993), em seu trabalho sobre a economia chilena, classifica a economia

popular em cinco grupos: 1) soluções emergenciais (mendicância de rua, integração em

assistência pública ou privada para pessoas em extrema pobreza, etc.); 2) atividades ilegais

(prostituição, pequenos furtos, venda de drogas, etc.); 3) iniciativas individuais informais

(comércio ambulante, serviços domésticos, etc.); 4) microempresas e pequenos negócios

individuais, familiares (lojas de bairro, oficinas de costura, etc.); 5) empresas associativas,

como cooperativas, empresas geridas por trabalhadores, entre as quais se verifica as

organizações econômicas populares (OEP’s). Para Razeto, as OEP’s seriam o polo mais

avançado da economia popular. Estas se organizam de forma alternativa ao capital, como

um modo de produzir, consumir e comercializar diferente da lógica hegemônica das

estruturas de mercado.

Essas organizações são extremamente heterogêneas, no entanto, Razeto (1993)

salienta dez características em comum à elas: I) as experiências se desenvolvem entre os

mais pobres e marginalizados; II) são associativas de pequeno porte, em que os membros se
reconhecem em sua individualidade; III) procuram organizar seus recursos, planejar suas

rotinas e fazer decisões para conquistar metas bem definidas; IV) revelam um conteúdo

econômico, surgindo como forma de solucionar problemas e necessidades econômicas, e

realizar atividades de consumo, produção, poupança, distribuição de rendimentos, etc.; V)

busca resolver os problemas sociais e econômicos pela ação direta; VI) criam relações e

valores solidários, baseando-se no fixação de laços de colaboração, cooperação no trabalho

e responsabilização; VII) são formas de organização que buscam a democracia, autonomia

e autogestão; VIII) não são limitadas a uma atividade, além de combinar suas atividades

econômicas com outras de caráter educativo, de desenvolvimento pessoal e do grupo, de

solidariedade, de ação política e religiosa; IX) buscam ser alternativas às formas de

organização predominantes (definidas como capitalistas, individualistas, consumistas,

autoritárias, etc.), e contribuir para uma mudança social na direção de uma sociedade mais

justa; X) buscam superar a marginalidade e o isolamento, vinculando seus membros de

forma horizontal, através de redes que permitem pensar objetivos de maior dimensão, além

de buscar a colaboração de instituições não governamentais e públicas que oferecem serviços

de capacitação, assistência técnica, entre outros.

Essas características evidenciam as potencialidades que a economia popular traz em

seu bojo. O questionamento das formas homogeneizadoras de mercado, a busca por uma

sociedade mais justa e pela resolução dos problemas sociais e da marginalidade colocam a

economia popular como forma avançada de combate aos problemas típicos das economias

da periferia do capitalismo central. Para além disso, seu potencial pedagógico e

emancipatório traz soluções para o desmantelamento do mundo do trabalho na nova fase do

capitalismo e seu processo de acumulação flexível (Harvey, 2009).


Quijano (1998) buscará mostrar, a partir da categoria das OEP’s, se o polo marginal,

assim chamado por ele, poderia se tornar um caminho para a economia alternativa a do

capital. Partindo do entendimento das OEP’s, consolidado pelo grupo de pesquisadores do

Programa Economia do Trabalho (PET), do qual Luis Razeto faz parte, ele chega a algumas

conclusões. Primeiro, o autor afirma existir um setor que não é composto por atividades

plenamente empresariais, portanto, não se encontram organizadas dentro do sistema

assalariado comum ou submetidas as estruturas de mercado. Segundo, a participação das

relações familiares, bem como a organização da atividade produtiva na própria casa e na rua

são traços comuns. Terceiro, a força de trabalho não é completamente comercializada por

salários, na medida que o trabalho assalariado se combina, em proporções variadas, ao

trabalho não pago (Quijano, 1998, p. 227).

Quijano irá mostrar, em consonância com Santos e Razeto, que, nas economias

urbanas latino-americanas, de fato poderia se destacar um setor onde “não atuam plenamente

as normas e as instituições predominantes na empresa capitalista” (tradução nossa) (1998, p.

227). A investigação acerca das OEP’s trouxe à tona modos de organização econômica

fundados nas bases da reciprocidade e da comunidade. A reciprocidade (Quijano, 1998, p.

229) estaria nas relações de produção que se caracterizam pela relação direta do trabalho,

não controlado por uma estrutura de mercado de força de trabalho, e relações de trabalho

entre sujeitos socialmente iguais. A comunidade (ibidem) seria um modo de organização da

estrutura de autoridade distinto, onde a gestão coletiva é a característica principal, além da

consideração dos membros de maneira socialmente iguais e tomada de decisões com

participação direta. A combinação dessas duas relações não se dá fora do mercado, mas sim

em contraposição, buscando a obtenção de recursos de maneira igual para todos os membros.


Nesse setor, portanto, se destacam as relações de reciprocidade-comunidade em

convivência com as relações de capital, e, para o autor, fazem parte da “estrutura global do

poder do capital” (1998, p. 228-229). Portanto, mesmo levando em conta todas as

observações feitas por Razeto, e observando, de fato, a presença das relações de

reciprocidade e de comunidade, o autor ainda acredita que isto é pouco para admitir que se

trata de uma economia alternativa a do capital. Essa posição tem relação com algumas

limitações encontradas no polo marginal (economia popular) pelo autor, como por exemplo

(Quijano, 1998, p. 234): i) extrema concentração em atividades de uso e consumo imediato,

o que dificultaria a fundação de um modo de produção alternativo; ii) a elevada dependência

de apoio institucional e financeiro por outras entidades, o que dificulta a autonomia do setor;

iii) reforço dos papeis historicamente impostos às mulheres pelo sistema patriarcal de

opressão (O autor cita que, no Chile, 65% dos membros das OEP’s são do gênero feminino.

E no Peru, os restaurantes populares - considerados parte das OEP’s - agrupam 100 mil

pessoas, sendo todas elas mulheres).

A economia popular na américa latina apresenta potencialidades emancipatórias e,

ao mesmo tempo, diversos limites gerados principalmente pelo seu caráter heterogêneo,

periférico e sua localização no circuito inferior. Os próximos tópicos buscam trazer

contribuições para os limites encontrados a partir da discussão da Des/colonialidade do

poder e da economia solidária.

Des/colonialidade do poder e o polo marginal: contribuições de Quijano

Quijano (2012, p. 48-49) aponta o surgimento de um novo padrão global de poder no

pós-Segunda Guerra mundial. Algumas mudanças marcaram o comportamento do

capitalismo nessa nova fase e a maneira com que isto impacta a vida social. Nisso está

incluído a elevação do desemprego ao caráter estrutural pelo processo de substituição de


mão-de-obra por máquinas a partir da revolução científica-tecnológica. Além disso, o

sistema passa por um processo de financeirização e tecnocratização/instrumentalização da

subjetividade e do imaginário popular.

Esse novo período histórico que se origina com a orientação de um novo padrão

global de poder é marcado, segundo Quijano (2012, p. 50), por três termos: neoliberalismo,

globalização e pós-modernidade. O neoliberalismo significa, para o autor, a projeção do

capital financeiro como novo controle do capital mundial e a imposição do desemprego

estrutural em massa face a financeirização estrutural. A globalização é o meio pelo qual

coloca esse processo a nível mundial e contribui para a desarticulação dos trabalhadores e

das instituições de caráter social na atualidade. Por fim, a pós-modernidade, para Quijano, é

a extensão definitiva da tecnocratização/instrumentalização da chamada racionalidade

moderna.

Os limites do polo marginal (economia popular) enquanto economia alternativa são

muito bem observados por Quijano nessa nova fase e, portanto, merecem um tratamento

teórico mais profundo. Sendo assim, algumas contribuições são feitas pelo próprio autor

(Quijano, 2012) a partir da des/colonialidade do poder.

Nesse artigo ele busca analisar o “Bien vivir” sobre a perspectiva da

des/colonialidade, assim o autor acaba por formular contribuições importantes para

movimentos sociais latino-americanos de raízes e orientações similares. O “Bien vivir”,

segundo Quijano (2012, p. 46), pode ser definido como um “complexo de práticas sociais

orientadas para a produção democrática de uma sociedade democrática, um outro modo de

existência social, com seu próprio e específico horizonte histórico de sentido” radicalmente

contrários e “alternativos a colonialidade global do poder”.


Sendo assim, o “Bien vivir”, assim como o movimento de economia solidária,

economia social, etc., se orienta para a construção de uma alternativa na periferia do capital

global radicalmente diferente de todo tipo de padrões impostos pela

colonialidade/modernidade/eurocêntrica do poder global. Buscar na economia popular (polo

marginal) a constituição de uma economia alternativa faz com que seja necessário a crítica

da des/colonialidade do poder nesse movimento.

A (nova) resistência, isto é, a resistência que deve emergir nessa nova fase, deve,

segundo Quijano (2012, p. 52-53):

“ (...) desarrollarse como un modo de producción de un nuevo sentido de la

existencia social, de la vida misma, precisamente porque la vasta población

implicada percibe, con intensidad creciente, que lo que está en juego ahora no

es sólo su pobreza, como su sempiterna experiencia, sino, nada menos que su

propia sobrevivencia. Tal descubrimiento entraña, necesariamente, que no se

puede defender la vida humana en la tierra sin defender, al mismo tiempo, en

el mismo movimiento, las condiciones de la vida misma en esta tierra”.

Para que esse movimento, a economia popular, possa se constituir e se orientar

enquanto economia alternativa, e, portanto, capaz de produzir um novo sentido da existência

social, esta deve buscar também na des/colonialidade do poder as configurações dessas

(novas) práticas sociais. Quijano (2012, p, 53) irá dar algumas contribuições nesse sentido e

mostrar o que pode se desenvolver a partir da des/colonialiade:

a) Igualdade social de indivíduos diferentes e o combate a classificação desigualizante

e identificação racial/sexual/social dos indivíduos;

b) Os grupos e as identidades, a partir do primeiro ponto, devem ser produtos das suas

próprias decisões livres e autônomas;


c) A organização do trabalho e da distribuição da produção irão, portanto, se basear na

reciprocidade;

d) A redistribuição dos recursos e produtos do mundo de forma igualitária;

e) Tendência de associação coletiva entre grupos locais, regionais ou nacionais, em

torno de modos de produção e gestão coletivas buscando associação direta da

autoridade e dos direitos aos indivíduos em suas existências sociais.

Essas contribuições se tornam valiosas para o debate da constituição de uma

alternativa a partir da economia popular. Isto é, para que a prática popular seja em si mesma

emancipatória e produza valores capaz de se mostrar alternativa ao sistema hegemônico do

capitalismo.

Outra Economia a partir do popular: contribuições da economia solidária

No Dicionário Internacional da Outra Economia (Cattani et al, 2009, p. 07), a Outra

Economia é apresentada pelos seus princípios distintos: a solidariedade, a sustentabilidade,

a inclusão e a emancipação social. Sendo assim, falar de Outra Economia a partir do popular

é sugerir que o popular apresente, no mínimo, os germes desses princípios. A fim de

contribuir com essa possibilidade, iremos buscar as contribuições da economia solidária para

o desenvolvimento do popular como alternativa.

Coraggio (1994, 2000, 2003) define as células da economia popular como as

unidades domésticas que dependem principalmente do exercício de seu trabalho para se

reproduzirem. A unidade doméstica se torna, então, organização econômica fundada sobre

as relações de parentesco, afinidade, etc. que organiza os recursos e as capacidades de seus

membros como forma de satisfazer suas necessidades e, como objetivo principal, a

reprodução ampliada da vida.


Coraggio (2009a) afirma que as economias latino-americanas não são economias de

mercado puras e nem sociedades de mercado completas. O mercado, portanto, não assume

papel de instituição central na organização das relações da sociedade com sua base natural.

As economias latino-americanas são compreendidas, então, por economias mistas, formada

por três setores: i) a economia empresarial de capital, setor voltado para a acumulação e

reprodução do capital de forma privada; ii) a economia popular, como dito, formada por

unidades domésticas, intensiva em trabalho e orientada para a reprodução da vida; iii) a

economia pública, que busca atender as necessidades sistemáticas, muitas vezes agindo de

forma contraditória entre a manutenção da governabilidade (através da associação com o

capital) e o bem comum.

Mesmo que as organizações das unidades domésticas se orientem para a reprodução

da vida e da reciprocidade, a presença forte de valores civilizatórios do capital ainda orienta

certas práticas típicas da economia capitalista. Nesse sentido, a economia popular não

necessariamente é solidária, e, portanto, não se confunde com a economia solidária. No

entanto, o popular consiste num terreno propício para o surgimento desta.

Coraggio (2012a) irá, portanto, distinguir claramente a “economia popular realmente

existente” da “economia do trabalho”. A economia do trabalho seria um ideal utópico onde

a reprodução ampliada da vida seja a lógica dominante e não a reprodução do capital.

A economia solidária para Coraggio (2012a) seria um conjunto de práticas de caráter

solidário existente nas três esferas e que consiste nos possíveis embriões da transição da

economia do capital para a economia do trabalho. Coraggio (2013, p. 18, tradução nossa)

diz que:

“Há componentes solidários na economia popular, mas esta não é sempre e

nem predominantemente solidária. Eles existem, muito importantes, na


economia pública (principalmente as relaciones de redistribuição

progressiva). E existem também no setor empresarial privado (ainda que seja

uma solidariedade filantrópica e unilateral). Neste diagrama há uma tensão

(setas azuis) pela luta contra hegemônica, contra a dominância da lógica

capitalista. Se avança ampliando o sector de economia solidaria, articulando-

o como um subsistema orgânico, construído a partir do solo fértil de recursos

e relações de reciprocidade e redistribuição da economia pública e popular e

ampliando seu sentido da reprodução da vida dos membros de cada unidade

doméstica à reprodução ampliada da vida de todos (solidariedade). ”

Figura 1 – Representação da economia mista

Fonte: Coraggio (2012b)

O que Coraggio nos proporciona, então, é uma nova compreensão do que antes era

tratado como apenas algo marginal. A economia antes informal se torna agora setor crucial

de análise para as economias mistas latino-americanas e se tornam, também, terreno propício

para a emergência de alguma prática social com princípios notadamente diferentes do


capitalismo. Essa análise nos auxilia a ver a possibilidade, de fato, da constituição de uma

Outra Economia a partir do popular, e a chave dessa transição na economia solidária.

Paul Singer, ex-secretário da Secretaria Nacional de Economia Solidária, possui

contribuições expressivas para a temática e é de crucial importância para entender de que

maneira a economia solidária pode contribuir para a economia popular se constituir enquanto

alternativa.

Para Singer (2002, p. 09) a sociedade, para ser igualitária, necessita que a economia

fosse solidária, isto é, não fosse competitiva. Isso significa que todos os participantes do

processo de produção e da atividade econômica como um todo tivessem que cooperar entre

si. A solidariedade, para Singer (ibidem), só pode se constituir se “for organizada

igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A

chave dessa proposta é a associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais”

A economia solidária é, então, um outro modo de produção, cujos princípios básicos

são “a propriedade coletiva do capital ou associada do capital e o direito à liberdade

individual” (Singer, 2002, p. 10). Tendo em mente a economia popular, base para a transição

para uma Outra Economia, a economia do trabalho, a solidariedade consiste como caminho

para consolidação desse setor como alternativa. Para Singer (ibidem):

“A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe

de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa

ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade,

cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redistribuição

solidária da renda”
O Estado Solidário (Singer, 2004, p. 12) seria o estado que interveria de maneira a

impedir a divisão natural do capitalismo entre ricos e pobres e que cria as distinções de poder

na sociedade. Seria, portanto, responsável por “tributar os ganhadores e subvencionar os

perdedores” a partir de instrumentos de que já dispõe, como, por exemplo, “os impostos

sobre renda e a propriedade e a transferência de recursos públicos aos carentes”.

A economia popular, portanto, deve se pautar pela concepção da possibilidade de se

“criar um novo ser humano a partir de um meio social em que a cooperação e solidariedade

não apenas serão possíveis entre todos os seus membros, mas serão formas racionais de

comportamento” (Singer, 2002, p. 116). Assim como na economia solidária, a economia

popular deve continuar buscando outra forma de organização da produção que sujeitem as

formas de mercado as normas e controles da organização social que lhes convém (Singer,

2004, p. 12)

O desenvolvimento que se segue daí, recebe o nome de desenvolvimento solidário

(Singer, p. 11) e propõe um “uso bem distinto das forças produtivas assim alcançadas”

colocando-as a disposição de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Dessa forma, nenhum

trabalhador seria excluído da utilização e do aproveitamento dos ganhos da produção e do

trabalho.

A economia solidária se alia, portanto, a um “rosário de novas forças que lutam por

uma “outra economia” (Singer, 2004, p. 21). Utilizando-se das contribuições desta na

economia popular é possível trazer, também, toda uma crítica à globalização neoliberal, ao

uso desmedido do meio ambiente, a violação dos direitos humanos. Além disso, segundo

Singer (ibidem), a forma de organização feminista é a mais adiantada no sentido da

construção de uma economia solidária e pode contribuir claramente para a crítica feminista

da economia popular e sua herança patriarcal.


Conclusão

A partir da pesquisa bibliográfica foi possível perceber como o tratamento, sob novos

paradigmas, da economia popular “viabilizaram ressignificarem-se as práticas mesmas dos

sujeitos coletivos que buscam subsistir ou se contrapor à lógica da economia capitalista”

(Cattani et al, 2009, p. 150). Nesse sentido, foi percebido por Coraggio (2012b) a

possibilidade da economia popular ser o terreno em que se edifica e concretiza a proposta da

“Outra Economia”.

Buscando as contribuições da des/colonialidade do poder de Quijano e da Economia

Solidária em Singer, e também em Coraggio, foi possível perceber algumas resoluções aos

limites da economia popular. O resultado do trabalho então é perceber as contribuições

desses campos que circundam a economia popular para o seu desenvolvimento enquanto

alternativa.

As alternativas para os limites da economia popular se mostraram principalmente

na(o): i) igualdade racial/sexual/social entre os indivíduos; ii) liberdade para consolidação

dos grupos e suas identidades a partir de decisões livres e autônomas; iii) organização do

trabalho e distribuição da produção pautadas pela reciprocidade; iv) (re)distribuição dos

recursos e produtos de forma igualitária; v) associação coletiva em torno de modos de

produção e gestão coletivas diretas que respeitem suas existências sociais; vi) crítica a

globalização neoliberal, ao uso irrestrito do meio ambiente e da violação dos direitos

humanos; vii) crítica feminista ao patriarcado e as formas tradicionais de organização da

atividade produtiva e da vida social.

Todas essas contribuições se tornam uma agenda para o fortalecimento da economia

popular enquanto alternativa e reconhecimento da sua força para organizar o modo de

produção de uma maneira distinta daquela proporcionada pelo capital. Dito isto, a economia
popular tem, em seu bojo, a capacidade de incorporar toda a crítica necessária e também a

solidariedade como forma de consolidar e estabelecer uma Outra Economia.

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EMPREENDEDORISMO SOCIAL : BAANKO CHALLENGE NA CIDADE DE
MONTES CLAROS.

Sara Gonçalves Antunes de Souza1


Anna Paula Santos Paiva2

RESUMO

O Empreendedorismo Social é constituído como um negócio que gera lucro, porém também
provoca impacto na sociedade. O objetivo desse artigo é destacar os resultados da ação da
Baanko(instituição que prioriza o desenvolvimento de negócios de impacto social)
denominada como “Baanko Challenge”, que ocorreu na cidade de Montes Claros, Minas
Gerais, entre 18/03 e 04/04/2017. Esse programa, durante três semanas, capacita
empreendedores que visam atuar com negócios de impacto social. Montes Claros foi a
primeira cidade do interior a ser sede dessa ação e registrou o maior número de inscritos e de
projetos em comparação com outras edições. A análise do objeto da pesquisa foi baseada em
entrevista com os organizadores e pesquisa com os participantes visando identificar de que
forma as atividades do programa (palestras, cursos ou workshops) auxiliaram na capacitação
dos empreendedores. Os resultados mostraram que foi um evento dinâmico voltado para o
desenvolvimento do perfil empreendedor dos participantes e que segundo esses teve grande
relevância na capacitação e formação de network. O artigo conta com introdução e mais
quatro seções: 1)Discussão sobre desenvolvimento econômico; 2)Caracterização de
empreendimento social e negócios de impacto social; 3)Metodologia; 4) Resultados obtidos e
por fim, são apresentadas as considerações finais.

Introdução

Conforme um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)


(2015), o Brasil apresenta estratégias e oportunidades que estimulam negócios de mercados
inclusivos. Um dos componentes deste mercado que é objeto deste estudo é a Baanko, uma
instituição focada em desenvolver negócios de impacto social.

O objetivo desse artigo é buscar compreender como a Baanko Challenge, iniciativa da


Baanko, que é um evento que capacita empreendedores por intermédio de projetos de
negócios de impacto social, foi realizada para Montes Claros.

Para o embasamento teórico foi utilizado referências bibliográficas que englobam a teoria
schumpeteriana sobre desenvolvimento econômico. Para a realização da análise, foi realizada
uma pesquisa de campo e secundária, sendo essa primeira por meio de entrevista. Após a
coleta das informações, foi analisado como se deu a realização da Baanko Challenge na
cidade de Montes Claros.

1
Prof.ª Drª Departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Endereço
para contato: saraunimontes@gmail.com
2
Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
Endereço para contato: annapaulaspaiva@gmail.com
O artigo é dividido em quatros seções. A primeira seção baseia-se na teoria de
desenvolvimento econômico, relatando seu conceito, e como destaque para os estudos de
Schumpeter. A segunda seção trata-se da caracterização de empreendimento social e negócios
de impacto social. A terceira seção aborda a metodologia utilizada para a realização da análise
e apresenta a descrição do objeto de estudo. Por fim, são apresentadas as considerações finais
acerca dos resultados obtidos.

1 O desenvolvimento econômico e a inovação

Esta seção apresenta os conceitos que englobam o desenvolvimento econômico, e centraliza


este termo conforme a teoria de Schumpeter, uma vez que este trata o desenvolvimento
econômico como empreendedorismo, que será o objeto de estudo deste trabalho.

1.1 O conceito de desenvolvimento econômico

Não existe um consenso sobre o conceito de desenvolvimento econômico. Existe uma linha
de economistas que declaram o desenvolvimento igual ao crescimento, onde para eles, um
país se torna subdesenvolvido porque não faz uso completo de fatores de produção que
possui, e devido a essa razão tem baixo crescimento quando comparado aos países
desenvolvidos (SOUZA, 1997).

Com base em Souza (1997), outra linha de economistas pressupõe que para que ocorra o
desenvolvimento também é necessário que tenha o crescimento, contudo, não é apenas o
único requisito. O crescimento econômico está associado à questão quantitativa, ao passo que
o desenvolvimento engloba a questão qualitativa. Em outras palavras, para o autor (1997,
p.21) o desenvolvimento “caracteriza-se pela transformação de uma economia arcaica em
uma economia moderna, eficiente, juntamente com a melhoria do nível de vida do conjunto
da população”.

Considerando a segunda corrente de economista, o desenvolvimento econômico é


determinado pelo processo de crescimento econômico constante maior que o crescimento
demográfico, que resulta em modificações estruturais e melhoria das condições de vida da
população (SOUZA, 1997).

Em Mier e Baldwin (1968) os conceitos de desenvolvimento econômico e crescimento


econômico convergem para o mesmo significado. Porém para os autores, o desenvolvimento
econômico acontece quando a uma expansão da renda nacional real em um determinado
período de tempo.

1.2 Desenvolvimento econômico para Schumpeter

Na obra de Schumpeter A teoria do desenvolvimento econômico, o autor distingue os


conceitos de crescimento e desenvolvimento. O crescimento ocorre em um fluxo circular em
que as variáveis ampliam de acordo com o aumento demográfico. Para que tenha o
desenvolvimento, é necessária a existência de inovações tecnológicas que são realizadas pelos
empresários por meio do crédito (SOUZA, 1997).

Conforme Souza (1997), na teoria schumpeteriana, a economia é representada por um fluxo


circular que provoca lucros normais quando não tem desenvolvimento. Neste caso, não se
realiza inovações tecnológicas. O sistema circular possui equilíbrio em que “as relações entre
as variáveis ocorrem em condições de crescimento equilibrado e determinadas pelo ritmo da
expansão demográfica” (SOUZA, 1997, p. 175).

Schumpeter (1982) estabelece como desenvolvimento econômico “uma mudança espontânea


e descontínua nos canais de fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre
o estado de equilíbrio previamente existente” (SCHUMPETER, 1982, p. 47).

Para Furtado (2000), o que impulsiona a prosperidade econômica na teoria de Schumpeter é o


ato de criação de empresário. Em outras palavras, são as inovações incorporadas no sistema
produtivo. Tais inovações são acessíveis devido ao crédito que financia esses
empreendimentos. De acordo com Costa (2016), Schumpeter é o autor que introduz a
inovação como fator principal na teoria do desenvolvimento econômico.

Em Meier e Baldwin (1968), para que o processo de desenvolvimento econômico ocorra,


além de tornar possível a realização de novas combinações, também é preciso que existam os
empresários para empreender as inovações. Ainda consoante os mesmos autores, o
empresário é o elemento fundamental no estudo de Schumpeter sobre o desenvolvimento
econômico. É ele que empreende inovações para o sistema produtivo.

As inovações são representadas pelas novas combinações e se inserem nas circunstâncias:

1) Introdução de um novo bem. 2) Introdução de um novo método de produção. 3)


Abertura de um novo mercado. 4) Conquista de uma nova fonte de oferta de
matérias-primas ou de bens semimanufaturados. 5) Estabelecimento de uma nova
organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio ou
a fragmentação de uma posição de monopólio (SCHUMPETER, 1982, p.48).

Com base em Schumpeter (1982), a execução das novas combinações é denominada de


empreendimento, enquanto os empresários desempenham o papel de implementar tal
inovação.

As inovações, na teoria schumpeteriana, surgem no sistema econômico a partir de indivíduos


que dispõem de “energia, inteligência, visões e iniciativas não difundidos entre toda a
população” (COSTA, 2016, p. 290).

Para Schumpeter, o desenvolvimento econômico apresenta uma característica dinâmica que


ocorre devido à responsabilidade de empreendimento dos empresários (MEIER, BALDWIN,
1968).

Nessa teoria, o banqueiro substitui o capitalista, sendo um agente decisivo para o processo de
desenvolvimento, pois através da concessão do crédito, torna possível a realização das novas
combinações (SCHUMPETER, 1982).

O crédito é um elemento essencial para o financiamento das novas combinações,


transformando as instituições financeiras relevantes na manutenção das inovações (MARTES,
2010).

O mercado monetário apresenta a missão de proporcionar crédito para que ocorra o


desenvolvimento, e o desenvolvimento também fomenta esse mercado mediante a geração de
negócios (SOUZA, 1997).
Em Martes (2010), para Schumpeter, o empreendedorismo é a inovação que estabelece
mudanças em territórios e certos setores da economia. Além disso, permite romper o sistema
de fluxo econômico contínuo.

De acordo com Souza (1997), é a ação do empresário inovador que gera a dinâmica
econômica, pois é esse agente que expande o mercado e cria novos bens.

A teoria de Schumpeter considera como desenvolvimento econômico as alterações


quantitativas e qualitativas das variáveis do sistema circular, onde ocorreriam mudanças
estruturais e mudanças no estado de equilíbrio. A ampliação dos negócios constituída pelas
inovações “melhora a qualidade dos produtos e serviços, assim como a renda média dos
indivíduos” (SOUZA, 1997, p. 195).

Após uma síntese da teoria que esboça o tema e sua problematização, a próxima seção
apresentará as caracterizações de empreendimento social, também tendo em vista os negócios
de impacto social.

2 Caracterização de empreendimento social e negócios de impacto social

Consoante à organização Endeavor (2015), os empreendedores são indivíduos que não se dão
por satisfeitos do cenário da realidade em certos âmbitos e realizam a diferença seja no Brasil
ou no mundo. Quando um empreendedor resolve problemas que cercam a sociedade em geral,
acabam por impulsionar o desenvolvimento.

Este estudo tem como foco o empreendedorismo social, que de acordo com a Endeavor
(2015), centraliza suas inovações para motivar as pessoas a trabalharem por causas que gerem
impactos na sociedade.

O conceito de empreendedorismo social é constituído como um negócio que gera lucro,


porém também provoca impacto na sociedade. Essas empresas de negócios sociais se diferem
de organizações não governamentais (ONGs) e de empresas tradicionais, uma vez que
realizam atividades no mercado que procuram resolver problemas enfrentados pela população
(BRASIL, 2012). Enquanto as ONGs possuem como objetivo a maximização do impacto
social e se mantem por meio de doações, e as empresas comuns tem por objetivo a
maximização dos lucros e são autossustentáveis, as empresas sociais são caracterizadas por
priorizarem a maximização do impacto social e sustentam a si próprios.

A Artemisia é uma organização sem fins lucrativos, e é a precursora dos negócios de impacto
social no país. Esta tem o objetivo de promover o desenvolvimento dos empreendedores
mediante negócios que resultem em melhoria de oportunidade para a sociedade menos
favorecida (ARTEMISIA, 2017).

Ainda para esta organização, os negócios de impacto social possuem o aspecto de:

Foco na baixa renda: são desenhados de acordo com as necessidades e


características da população de baixa renda.
Intencionalidade: possuem missão explícita de causar impacto social e são geridos
por empreendedores éticos e responsáveis.
Potencial de escala: podem ampliar seu alcance por meio da expansão do próprio
negócio; de sua replicação em outras regiões por outros atores; ou
pela disseminação de elementos inerentes ao negócio por outros empreendedores,
organizações e políticas públicas.
Rentabilidade: possuem um modelo robusto que garante a rentabilidade e não
depende de doações ou subsídios.
Impacto social relacionado à atividade principal: o produto ou serviço oferecido
diretamente gera impacto social, ou seja, não se trata de um projeto ou iniciativa
separada do negócio, e sim de sua atividade principal.
Distribuição ou não de dividendos: um negócio pode ou não distribuir dividendos a
acionistas, não sendo, porém, esse, um critério para definir negócios de impacto
social (ARTIMISIA, 2017).

Os negócios de impacto social visam mudar a condição de vida de pessoas que vivem à
margem da sociedade. Essas mudanças são feitas por intermédio da criação de renda
partilhada, tornando essa parte da sociedade autossufiente na questão financeira (SEBRAE,
2016).

De acordo com a Artemisia (2017) negócios de impacto social pode ser estabelecido como:
“empresas que oferecem, de forma intencional, soluções escaláveis para problemas sociais da
população de baixa renda”.

Com base na Sebrae (2016) as principais características dos negócios de impacto social são
representadas por:

Vende um produto ou serviço que contribui para melhorar a qualidade de vida da


população de baixa renda; Esse produto ou serviço principal é capaz de sustentar
financeiramente a empresa, de forma que ela não dependa de doações ou captação
de recursos para as suas operações; Apresenta inovação no modelo de negócio; Tem
potencial de alcançar escala e opera de maneira eficiente; Há comprometimento do
empreendedor e de sua equipe em melhorar a qualidade de vida da população de
baixa renda (SEBRAE, 2016).

Os bens ou serviços oferecidos pelos negócios sociais alcançam a parcela da sociedade que
não possui condições melhores de vida, e é mediante esses negócios que a pobreza e a
desigualdade são minimizadas (BRASIL, 2012).

O negócio de impacto social procura solucionar dificuldades dos âmbitos social e ambiental.
Nesta solução é levada em conta a questão da disponibilidade econômica por meio de
exemplos de negócio e estratégias (SEBRAE, 2016).

O objeto de estudo desta pesquisa é a baanko challenge que é um evento voltado para a
capacitação de empreendedores pela construção de projetos de negócios de impacto social e
são usados os ODS como mecanismos de elaboração dos negócios.

3 Metodologia: descrição da Baanko Challenge para Montes Claros

A análise do objeto da pesquisa foi baseada em entrevista com os organizadores e pesquisa


com os participantes visando identificar de que forma as atividades do programa (palestras,
cursos ou workshops) auxiliaram na capacitação dos empreendedores.
A metodologia adotada neste estudo foi baseada em entrevista com os organizadores e
pesquisa com os participantes, além de pesquisa de dados secundários. Nesta segunda, as
informações serão coletadas mediante sites oficiais da Organização das Nações Unidas
(ONU) e da Baanko.

Primeiramente, para pesquisa secundária, procurou-se determinar o que é a Baanko e quais


eram os objetivos da ONU em que os projetos de negócios estão associados.
O roteiro de entrevista teve característica não estruturada, de modo de entrevista focalizada,
sendo que esta para Marconi e Lakatos (2010, p. 180) apresenta “um roteiro de tópicos
relativos ao problema que se vai estudar”, mas não possui um roteiro formal. A entrevista foi
realizada de maneira presencial e durou aproximadamente 1 hora. Deve-se destacar que o
objetivo da entrevista foi de entender como aconteceu o evento.

3.2 A Baanko

Conforme um dos organizadores da Baanko Challenge em Montes Claros, a Baanko foi criada
a partir de um projeto da Fundação Estudar, chamado de Laboratório, no qual tem a finalidade
de estimular no jovem o seu perfil de empreendedor que busca mudar a sociedade de alguma
forma. Dentro desse projeto, existe o processo Salto, onde os participantes são levados a
realizar seu sonho. O fundador da Baanko participou do Salto, e a partir desse processo, criou
a Baanko.

A baanko foi lançada no ano de 2014, operando na América Latina, e é uma instituição focada
em negócios de impacto social que usa os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
da ONU como instrumento para determinação dos negócios. Com base na Baanko (2017) “a
crença é em promover o aumento do impacto, do desenvolvimento de novas oportunidades de
mercado e de investimento para as empresas que geram impactos sociais positivos”.

De acordo com a ONU, os ODS possuem 17 objetivos que podem ser listados: erradicação da
pobreza; fome zero e agricultura sustentável; saúde e bem-estar; educação de qualidade;
igualdade de gênero; água potável e saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente e
crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades;
cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a
mudança global do clima; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições eficazes; e
parcerias e meios de implementação.

A Baanko apresenta vários produtos que são: Meetup de empreendedorismo social Brasil, que
tem o intuito de promover o desenvolvimento do empreendedor; Baanko Challenge, que
desenvolve projetos de negócio; Magnuss, que é o pós challenge, onde os negócios realizados
no challenge serão investidos; Impactlab, que é voltado para a consultoria e resoluções de
impacto; Impactpool, que desenvolve o perfil de investidor; e HeforShe, que é um movimento
de solidariedade de gênero.

Para o presente trabalho, o objeto a ser estudado é a Baanko Challenge, que foi o evento
realizado na cidade de Montes Claros.

3.3 A Baanko Challenge em Montes Claros

Segundo os organizadores da Baanko Challenge em Montes Claros3, esse programa já


aconteceu em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília, sua
primeira edição no interior de Minas Gerais chamou atenção da empresa organizadora. Isso se
deu porque os dados obtidos na cidade de Montes Claros superaram as outras edições. O
número de pessoas inscritas e projetos foi muito superior aos outros, como será apresentado.

3
O evento aconteceu no período de 18 de março a 08 de abril deste ano.
Ainda para o organizador da Baanko Challenge em Montes Claros, este modelo de evento tem
o aspecto todo colaborativo, podendo ser realizado sem recurso financeiro. Porém para que o
evento tenha uma qualidade aceitável era necessária uma quantia mínima de dez mil reais. Em
relação à característica colaborativa, os lugares para a capacitação dos projetos e pessoas são
cedidos, os palestrantes doam seu tempo, e tem a busca por parcerias.

O primeiro passo da equipe organizadora do challenge em Montes Claros eram realizar os


‘meetup’ de empreendedorismo social (MES), que é uma série de seis palestras com o tema
empreendedorismo social, durante seis meses e sendo uma por mês. Para o caso de Montes
Claros, foram cinco MES. A primeira foi realizada em agosto de 2016 na praça de
alimentação de um shopping da cidade, contando com aproximadamente cinquenta pessoas.
Mas, a última MES ocorreu em uma instituição de ensino superior privada, sendo esta
decisiva, pois teve duzentas pessoas na palestra.

Com base no organizador da Baanko Challenge em Montes Claros o público alvo era o
público jovem, universitário, mas não excluiriam outros interessados. Por isso, optou-se por
locais como a praça de alimentação de um shopping, dentro de um cinema, no Museu
Regional da Unimontes, da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), da Associação dos
Municípios da Área Mineira da Sudene (AMAMS), da Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (FIEMG) e SENAC.

Conforme o padrão da Baanko, o evento challenge deve ter três semanas de duração, sendo
um evento por dia, totalizando, seis eventos por semana. Contudo, para Montes Claros, foi
decidido que seriam quatro eventos, sendo três na semana e um geralmente, no sábado de
manhã. Mantendo as três semanas de programa. Cada evento ocorreu em os locais distintos,
contando inclusive com a Associação Comercial e Industrial (ACI) e tendo como co-
organizadora uma instituição de ensino privada, a Faculdade Santo Agostinho. Para analisar
cada projeto foram organizadas quatro bancas avaliadoras, sendo que os integrantes se
repetiam para que cada profissional convidado pudesse contribuir com o projeto.

A divulgação do evento foi feita via páginas em redes sociais, jornais e entrevistas. As
inscrições para o evento eram gratuitas e feitas online através de formulário. No encerramento
das inscrições, havia 429 inscritos e 79 projetos. Primeiro foi selecionado os projetos, uma
vez que os projetos estavam ligados às pessoas, e quando um projeto era selecionado, com ele
um grupo de pessoas também era selecionado, logo, inicialmente, dos 79 foram escolhidos 30
projetos. Em relação aos inscritos, de 429 pessoas foram selecionados 170. Todas as
inscrições pelo formulário gerava uma planilha, que possuía uma série de respostas, e os
organizadores definiram quais de respostas tinham preferência em receber. Pelo padrão da
Baanko, deveriam ser quatro pessoas por projeto.

Para chegar aos 17 projetos, os 30 projetos deveriam ser avaliados por uma banca avaliadora,
onde cada projeto tem de representar um objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU.
Após a seleção de pessoas e projetos, ocorreu a capacitação dos líderes do projeto. Uma das
atividades foi capacitar os líderes para que pudesse fazer ‘pitch’, que é uma apresentação
rápida de seu negócio, pois a cada banca essa era uma exigência que deveria ser cumprida
pelos empreendedores.

O dia de abertura do evento foi marcado pela apresentação dos projetos, onde os líderes
tinham o tempo de três minutos no palco. Em seguida teve um momento de interação em que
os participantes, que não tinham um projeto, podiam escolher até três que tinha se identificado
para fazer parte. Desses três projetos, o participante teve quatro minutos para ouvir novamente
a ideia proposta e ao fim deve escolher o grupo de preferência. A intenção da equipe
organizadora era de oito pessoas por projeto, todavia o número de pessoas por projeto foi
divergente.

A capacitação dos empreendedores contou com palestras com diversos temas, entre eles: ‘o
que são negócios de impacto social’, sobre ‘como identificar oportunidades de negócio’,
‘propriedade intelectual’. Também contou com curso de canvas, de liderança, de validação e
marketing.

No dia de encerramento do evento deveria ser feita a apresentação dos projetos de negócio de
impacto social, sendo que o objetivo da organização não era precisamente que ao fim
chegassem com grandes projetos de negócio, mas desenvolver a capacidade de
empreendimento das pessoas. Apenas quinze equipes se apresentaram para a banca
avaliadora, e as outras duas desistiram.

Para a premiação, os três primeiros colocados ganharam o direito de serem incubados na


Fundetec (uma das incubadoras de empresas da cidade), e a ter acesso tanto à assessoria
jurídica, quanto contábil. Para todas as equipes tinha a premiação de hospedagem de sites e
aplicativos gratuitos, workshop de mentalidade empreendedora, mentoria com a Aceleratech,
que é uma aceleradora de startup.

A conclusão dos organizadores sobre o programa foi que superou as expectativas. Assim,
dados os resultados positivos desse programa, os organizadores da Baanko Challenge em
Montes Claros, já estão com outras atividades para serem organizadas na região, como o
modelo Magnus, que é o processo de investimento para os projetos feitos no challenge.

Isso corrobora o que os participantes que foram entrevistados para esse estudo destacaram
quando perguntados sobre as “dificuldades para que os negócios sejam lançados de fato no
mercado”. Dos 15 projetos finalistas, 8 responderam que a “dificuldade de obter
financiamento/investimentos” é ‘extremamente relevante’ para seus negócios. Assim, essa
iniciativa da Baanko de promover uma outra ação voltada para essa questão atenderá ao
anseio da maioria dos entrevistados. Outras dificuldades também são apontadas como: a
“dificuldade de obter recursos humanos para lançar o projeto”, citado por 3 dos entrevistados
e o mesmo montante destacou “dificuldades com fornecedores/matéria prima/escala”, ou seja,
questões relativas ao produto e sua elaboração.

Quando os participantes da Baanko Challenge foram perguntados sobre as principais


vantagens de ter participado dessa ação, os líderes dos projetos destacaram que a “obtenção de
conhecimento” foi ‘extremamente relevante’ para 10 dos empreendedores, e ‘muito relevante’
para 1 projeto, ou seja, para a maioria dos 15 empreendedores finalistas, a possibilidade de ter
acesso a uma gama de capacitações em gestão e outras áreas foi uma oportunidade relevante
para o desenvolvimento de seus empreendimentos. Os participantes ressaltaram que os
palestrantes e especialistas que ministraram cursos e outras atividades, além dos mentores
(cada projeto contava com um mentor) eram especializados e detinham expertise de temas
variados, o que auxiliou o desenvolvimento dos projetos.

Outra vantagem citada foi a possibilidade de “ampliar network”, sendo ‘extremamente


relevante’ para 5 dos empreendedores, e ‘muito relevante’ para 6 projetos. Inclusive, os
entrevistados destacam que a própria metodologia aplicada na Baanko Challenge propicia
interação entre os participantes e divulgação na mídia local, o que também deu visibilidade
aos projetos finalistas.

Os entrevistados apontaram diferentes impactos sociais dos projetos finalistas. Eles atuam
com atividades variadas em relação ao impacto social que pode atender a agricultura familiar,
minimizar danos ao meio ambiente, reduzir desperdício de energia, ou ainda minimizar
situações de risco social e pobreza. Destaca-se que há inventos inclusive com potencial para
ser patenteado como uma nova forma de construir residências com rapidez e baixo custo,
cimento que não agride o meio ambiente, bem como, tintas que reutilizam óleo que seria
despejado na natureza, entre outros.

Considerações finais

O presente artigo tem como objetivo descrever como foi realizado o evento da Baanko
Challenge em Montes Claros apresentando seus resultados. Para tal estudo, utilizou-se na
metodologia pesquisas de campo e secundária, sendo a primeira através de entrevista e a
segunda por sites oficiais.

A partir do que foi estudado, chegou-se à conclusão de que a Baanko Challenge foi um evento
que apresentou êxito, uma vez que foi o maior em sua primeira edição em relação às demais
cidades que também já sediaram o evento no quesito de volume de inscritos e projetos. O
evento tinha como objetivo promover o desenvolvimento dos empreendedores, que ao final
quinze grupos apresentaram no encerramento, e os dois restantes desistiu ao longo do
processo. Cabe destacar que Montes Claros foi a primeira cidade do interior a receber este
evento de empreendedorismo social.

Percebe-se que a Baanko Challenge foi um evento voltado em prol do desenvolvimento dos
empreendedores, através da capacitação desse perfil e dos projetos por intermédio de cursos,
palestra e workshops durantes três semanas. Este estudo procurou destacar a relevância desse
tipo de iniciativa para auxiliar o desenvolvimento local e a consolidação do ecossistema de
inovação local.

Algumas questões ficaram de fora do escopo desse trabalho, e que merecem destaques em
projetos posteriores, como a análise dos critérios de avaliação dos participantes e projetos.
Além disso, pesquisas futuras podem complementar este estudo mediante entrevistas com os
empreendedores de cada projeto desenvolvido durante o evento, buscando identificar o perfil
dos participantes e os impactos econômicos gerados na cidade.

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SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997.
Terceiro Setor entre a política pública e a experiência de mudança social

Cicero Augusto Silveira Braga

Universidade Federal de Viçosa - ciceroaugustosb@gmail.com

Múcio Tosta Gonçalves

Universidade Federal de São João del Rei – mucio@ufsj.edu.br

Lorena Vieira Costa

Universidade Federal de Viçosa – lorenavclelis@gmail.com

Resumo:

O trabalho busca analisar de que forma se dão as relações entre o terceiro setor e o setor

público, apontando como ambos se beneficiam nesta relação na produção de mudanças

sociais para um público específico. Para isso, utiliza-se da experiência do Instituto Miguel

Fernandes Torres, em Ouro Branco (MG) para analisar a relação proposta. Foi realizada

revisão de literatura e entrevistas com as responsáveis pelo Instituto para explicar o

entendimento do que é o chamado terceiro setor e quais são os seus papéis na sociedade

capitalista. A despeito do papel de intermediário entre as demandas sociais e o poder

estatal a serviço do capital, observa-se que à medida que este o terceiro setor se populariza,

ele assume o caráter de agente complementar de políticas públicas e ações sociais, de

forma que se torna necessário em certos casos, considerando sempre a forma com que o

sistema econômico e social é construído.

Palavras-chave: Terceiro Setor; Política Social; Ouro Branco.

1
Introdução

Por terceiro setor entende-se um amplo conjunto de diferentes instituições que se

apresentam em forma de Organizações Não Governamentais - ONGs, Fundações e

Institutos empresariais, Associações Comunitárias, Entidades Assistenciais e Filantrópicas,

dentre outras (FERNANDES, 2002; BAVA, 1994; FALCONER, 1999; MONTAÑO,

2007). Fernandes (2002) sugere que o terceiro setor vai além da esfera do mercado e do

Estado, ou seja, é não governamental e não lucrativo, auto organizado e independente.

Toro (2000, apud BARBOSA, 2006) apresenta as seguintes funções como sendo as

mais importantes para o terceiro setor:

1) Construção de um projeto de nação, sobretudo em sociedades de


baixa participação política; 2) ampliação da democracia por meio
da formação e do fortalecimento de uma cultura cidadã e
democrática entre os indivíduos; 3) reconstitucionalização da
dimensão pública da sociedade, visando ao aumento da igualdade e
ao fortalecimento da governabilidade; 4) contribuição para a
viabilização de uma democracia cultural, fortalecendo a identidade
e a igual participação dos diferentes símbolos e sentidos da
diversidade social. (TORO, 2000 apud BARBOSA, 2006).

De acordo com Fernandes (2002), o terceiro setor é, em suma, um conjunto de

organizações e iniciativas privadas que objetivam produzir bens e serviços públicos1.

O Quadro 1, apresentado em seguida, demonstra de que forma organizações do

terceiro setor podem ser organizadas, devendo os interesses particulares dos gestores da

entidade devem submeter-se aos interesses comunitários.

Quadro 1 – Estrutura Operacional e Finalidade das Organizações do terceiro setor


ESTRUTURA OPERACIONAL FINALIDADE
Objetivos Institucionais Provocar mudanças sociais.

1
Ao classifica-los como bens e serviços públicos, o autor dá a eles uma dupla qualificação: a) não podem
gerar lucros e os benefícios auferidos por sua circulação não podem gerar patrimônio particular; b) devem
ser de consumo coletivo.

2
Principais Fontes deRecursos Doações, contribuições, subvenções e prestação de
Financeiros serviços.
Lucro Meio para atingir objetivos institucionais e não um
fim.
Patrimônio e resultados Não há participação ou distribuição entre os
provedores.
Aspectos fiscais e tributários Normalmente são imunes ou isentas.
Fonte: Adaptado de Olak (1999).

As relações entre as entidades do terceiro setor e aquelas que atuam no ambiente no

qual estão inseridas é fundamental para a sua existência e para manter a sua funcionalidade

e eficiência, o que gera a necessidade delas se organizarem em torno de distintos

stakeholders2, como apresentado no Quadro 2.

Quadro 2 – Relacionamentos e stakeholders

Tipo de Stakeholders (nível de


Exemplos
Relacionamento vinculação)
Mulheres, crianças, refugiados,
Beneficiários (primários)
marginalizados, dentre outros
Orgãos da administração Membros do conselho (presidente e
(secundários) diretores)
Forma ou
Funcionários (secundários) Empregados e voluntários
obrigação legal
Doadores privados e agências de
Doadores (secundários) apoio
Orgãos do governo Secretarias, Assistências, dentre
(secundários) outros.
Outras organizações do terceiro
setor (terciários) Colaboradores e parceiros.
De parceria Provedores privados de serviços Empresas de consultoria de marketing
(terciários) e finanças.
Instituições públicas (terciários) Centro de pesquisa e estudos.
Outros
interesses Mídia (terciários) Jornalistas e repórteres
Fonte: Adaptado de Folwer (1997).

No debate relativo à natureza das entidades do terceiro setor encontram-se aquelas

teorias que atribuem ao Estado o atraso na promoção e garantia do desenvolvimento

2
A categoria stakeholder descreve uma pessoa ou grupo que fez algum investimento ou tem interesses de
investimento em alguma organização (empresas, negócios ou até entidades do terceiro setor).

3
econômico devendo, portanto, ser superado o Estado de Bem-Estar Social. Neste sentido, o

terceiro setor seria, em conjunto com o setor privado, um dos responsáveis por gerar

soluções para os problemas que o próprio Estado causaria dada a sua “natural”

incapacidade de regular eficientemente o mercado e a distribuição dos recursos para a

sociedade (JUNIOR & ELIAS, 2006).

A história do desenvolvimento desse setor data da década de 1950 nos Estados

Unidos da América, a partir da criação de um non profit sector (setor não lucrativo),

composto por instituições que pregavam a livre iniciativa e ideais filantrópicos, sendo

caracterizado como voluntárias, com finalidades de ações de caridade, financiadas por

doações e sem fins de lucro (CALEGARE; SILVA JUNIOR, 2009).

A desconfiança que tais entidades angariaram tendo em vista o clima da Guerra

Fria gerou um estímulo pela investigação sobre o funcionamento delas, o que acabou por

classifica-las demarcando um distanciamento entre os conceitos de público e de privado

como sendo respectivamente atrelados ao Estado e à sociedade civil. Desta forma,

surgiram novos termos tais como o de “público não estatal”, dentre outros (BRESSER-

PEREIRA; GRAU, 2005; FERRAREZI, 1997; LANDIM, 2002).

Este setor tem características próprias, constituindo, para Bresser-Pereira e Grau

(2005), uma forma fundamental de inovação, uma vez que ele é um espaço de

formalização da democracia participativa, tornando possível a participação cidadã em

assuntos públicos (BRESSER-PEREIRA; GRAU, 2005). Estes mesmos autores compilam

sintetizam tal possibilidade da seguinte maneira:

(…) la expresión “público no estatal” (…) define (…)


organizaciones o formas de control “públicas” porque están
volcadas al interés general; son “no estatales” porque no forman
parte del aparato del Estado, sea porque no utilizan servidores
públicos o porque no coinciden en los agentes políticos

4
tradicionales. La expresión “tercer sector” puede considerarse
también adecuada en la medida en que sugiere una tercera forma de
propiedad entre la privada y la estatal, pero se limita a lo no estatal
en cuanto a producción, no incluyendo lo no estatal en cuanto a
control (BRESSER-PEREIRA e GRAU, 2005, p. 26).

Landim (1999 apud MONTAÑO, 2007) argumenta que o termo “terceiro setor”

não é um termo neutro inclusive pelo fato de der nascido nos Estados Unidos, como já

mencionado anteriormente. Neste país, as ideias de voluntariado e associativismo são

naturalizadas, uma vez que fazem parte de uma cultura política e cívica que se baseia no

individualismo liberal. Além disso, o termo carrega uma procedência e funcionalidade com

os interesses de uma classe específica. Deve ser ressaltado ainda que o termo foi “(...)

cunhado por intelectuais orgânicos do capital, e isso sinaliza clara ligação com os

interesses de classe, nas transformações necessárias à alta burguesia” (MONTAÑO,

2007, p. 53).

Montaño (2007), avaliando a discussão acadêmica e não acadêmica hegemônica

sobre o tema, aponta que o termo possui ao menos uma debilidade teórica (trata-se de

“terceiro” ou de “primeiro” setor?), outra associada à definição dos atores (quais entidades

compõem o terceiro setor?), e ainda outra relativa ao caráter do setor – todas elas

dificultando compreender o alcance conceitual do termo.

A ideia de um terceiro setor serviria para resolver um problema dicotômico entre

público e privado, sumariamente identificados como Estado e mercado (que por sua vez

são concepções com inspiração liberal). Ora, se o terceiro setor é refletido na identidade de

ações produzidas pela sociedade civil, e as instituições (Estado, mercado, etc.) são

construídas pela sociedade, o terceiro setor seria, na verdade, o primeiro setor.

Não existe na literatura um consenso para responder à questão da definição de

quem são os atores do terceiro setor. Montaño (2007) demonstra que alguns autores

5
incluem no terceiro setor apenas organizações formais, enquanto outros excluem fundações

empresariais da classificação. Em outros casos, consideram-se sindicatos, movimentos

políticos e entidades religiosas. Percebe-se ainda, que são ignorados movimentos de luta

classista como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, movimentos

indígenas, greves de fábricas, entre outros, mesmo todas elas sendo atividades não estatais

ou de mercado (logo, não são nem primeiro ou segundo setor).

Isso se refere a outro aspecto débil do termo, uma vez o setor inclui uma gama de

atores que, apesar de tentarem se estabelecer como um setor específico da sociedade,

parecem ser mais uma mescla de sujeitos que se identificam em objetivos, estratégias e

atividades, ao mesmo tempo que possuem interesses, espaços e significados sociais

diversos, contrários e até contraditórios.

Montaño (2007) ainda discute se o caráter usado para definir o setor deve ser o de

“não-governamental”, “autogovernado” e “não lucrativo”, tendo em vista que tal definição

incorre em contradições sobre a impossibilidade de combinar a natureza não-

governamental com a de “parceiro” formal do Estado ou a do atendimento de demandas

específicas, inclusive de grandes empresas, com a “auto governabilidade”.

Com o intuito de uma observação e a fim de ilustrar essa discussão, o presente

artigo estuda o caso de uma dessas entidades, o Instituto Miguel Fernandes Torres (IMFT),

sediado na cidade de Ouro Branco, Minas Gerais. Criado em 2002, inicialmente

denominado “Projeto Vem Ser”, nasceu com o intuito de fornecer uma formação

complementar aos (às) estudantes da própria cidade com educação integral e com

atividades diversificadas, como oficinas de artesanato, xadrez e esportes.

Metodologia

A pesquisa realizada para a produção desse artigo foi de natureza qualitativa.

Segundo Silveira e Córdova (2009), esse tipo de investigação “preocupa-se... com aspectos

6
da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação

da dinâmica das relações sociais”. Assim, o pesquisador opera com um “(...) universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um

espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis”.

Ainda que possa ser criticada por um suposto empirismo, pelo envolvimento

“emocional” do pesquisador com o seu “objeto” e por uma subjetividade (como se essa não

existisse em qualquer campo de ação humana), a pesquisa qualitativa tem como propósito

descrever, compreender e explicar um dado fenômeno (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009),

social ou humano, a partir das relações que nele foram ou são tecidas pelos que o

constroem e desenvolvem bem como pela interferência do próprio pesquisador.

A estratégia metodológica utilizada no presente artigo para explicar e descrever a

natureza e os conflitos associados ao desenvolvimento de uma entidade do terceiro setor

incluiu os procedimentos de estudo de caso e de observação. A obtenção das informações e

dados foi realizada por levantamento de documentação do Instituto e de entrevistas semi-

estruturadas com os responsáveis legais pelo Instituto.

A entrevista semi-estruturada é utilizada para prover detalhamento e formulação de

conceitos e práticas, uma vez que a partir de uma conversa informal o entrevistador

introduz o tema e o entrevistado tem total liberdade para discorrer sobre o tema,

explorando mais amplamente uma questão (BONI; QUARESMA, 2005). Essa é uma

ferramenta importante, uma vez que permite captar dados e elementos subjetivos que “(...)

se relacionam com os valores, às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados” (BONI;

QUARESMA, 2005, p. 72).

Resultados e Discussão

7
No Brasil, ações de cunho filantrópico datam da colonização portuguesa,

estendendo-se até hoje de maneiras distintas. Algumas de suas origens são as igrejas e

instituições religiosas, ONGs e movimentos sociais, empreendimentos, entidades

paraestatais3, cidadanias e fundações empresariais (LANDIM, 1993; FALCONER, 1999

apud CALEGARE e SILVA JUNIOR, 2009).

As ações que permitem identificar entidades como pertencendo ao terceiro setor,

contudo, surgiram nos anos 1960 e só ganharam notoriedade política a partir de meados da

década de 19704. Elas surgiram com caráter assistencialista, mas não apenas. Havia

também um recorte político por parte das primeiras organizações da sociedade civil,

buscando junto com os movimentos sociais promover o empoderamento5 de setores

historicamente excluídos da sociedade, sobretudo no contexto da ditadura militar – o que

parecia tornar essencial para tais organizações a articulação e a organização política da

sociedade civil para fazer frente ao Estado discricionário (BARBOSA, 2006).

No Brasil, o terceiro setor tenta se estabelecer concomitantemente a uma tentativa

de parceria intersetorial que, por sua vez, tende a esconder os limites entre os três setores

(FALCONER, 1999). Sua formação não é homogênea e, como mostra Fernandes (2002),

podem ser diferenciados quatro principais segmentos do terceiro setor, a saber: a) formas

tradicionais de ajuda mútua; b) movimentos sociais e associações civis; c) ONGs; d)

filantropia empresarial.

3
De acordo com Meirelles (1978, p. 32), “Entende-se como entidade paraestatal toda pessoa jurídica de
direito privado, (...), para a realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e
controles do Estado. (...) não é o estatal nem é o particular; é o meio termo entre o público e privado”.
4
Iniciam-se, principalmente, como movimento de mulheres, indígenas, da negritude, enfim, com um caráter
político de inclusão democrática.
5
A palavra empoderamento é um neologismo criado a partir da expressão inglesa empowerment, a qual
originalmente significa "descentralização de poderes", em referência a ampliação da participação de
trabalhadores nas decisões empresariais pela ampliação da autonomia decisória e das responsabilidades
desses sujeitos, sem tutela. A partir da década de 1990 foi incorporada ao discurso dos movimentos sociais
e à conceituação nas ciências sociais e humana em português (KLEBA; WENDAUSEN, 2009).

8
Ainda segundo Fernandes (2002), esses agentes se relacionaram durante os anos

1970 e 1980, mais explicitamente os movimentos sociais e associações civis e ONGs,

tentando romper com a ideia de práticas assistencialistas. Naquele momento era

praticamente impossível a cooperação de tais entidades com o governo autoritário, e o

diálogo era feito por meio da apresentação de reivindicações.

O desenvolvimento do terceiro setor no Brasil pode ser observado por meio dos

dados disponibilizados na Tabela 1. Em 2010, segundo o IBGE (2012), existiam 290,7 mil

fundações privadas e associações sem fins lucrativos, representando mais da metade das

556,8 mil entidades sem fins lucrativos declaradas no país. O que se percebe é que o

movimento de crescimento atingiu seu auge na década de 1990, crescendo

consideravelmente desde a década de 1970 e tendo seu ritmo reduzido sensivelmente (mais

de quatro vezes) a partir do início do século XXI.

Tabela 1 - Fundações privadas e Associações sem fins lucrativos no Brasil


Período de criação Distribuição
Absoluta Relativa (%)
Total 290.692 100,00
Até 1970 9.558 3,3
De 1971 a 1980 27.270 9,4
De 1981 a 1990 45.132 15,5
De 1991 a 2000 90.079 31,0
De 2001 a 2010 118.653 40,8
Fonte: adaptado de IBGE (2012)

De acordo com o estudo do IBGE (2012), mais da metade das fundações e

associações sem fins lucrativos no país eram entidades religiosas (28,5%), associações

patronais e profissionais (15,5%) e de desenvolvimento e defesa de direitos (14,6%). As

áreas típicas de políticas governamentais (como saúde, educação, pesquisa e assistência

social) totalizavam 54,1 mil entidades (18,6% do total). Tais entidades estavam

distribuídas em todo o país, estando a maioria delas localizadas na região Sudeste (44,2%)

9
e Nordeste (22,9%). Em seguida encontravam-se as instaladas nas regiões Sul (21,5%),

Centro-Oeste (6,5%) e Norte (4,9%).

Tendo em vista que o objeto do presente artigo, o IMFT, se declara como sendo

uma ONG, uma das formas assumidas no contexto brasileiro pelas entidades do terceiro

setor, é importante discutir sua natureza e seu papel na sociedade brasileira.

O conceito de ONG possui certas particularidades no contexto da discussão sobre o

terceiro setor. Para Landim (2002), o significado da expressão é o de uma categoria que foi

socialmente construída e vem sendo utilizada como desígnio de um conjunto de

organizações da sociedade civil que possuem características peculiares. Esta expressão,

apesar de ter – bem como o conceito de terceiro setor – denominação, origem e transito

internacionais, ao ser importada se adaptou em função das relações e dinâmicas sociais

próprias do Brasil. Assim, para a autora, a expressão “organização não governamental”:

(...) traz a marca da polissemia, movendo-se num campo que se


presta a várias apropriações ideológicas ou discursivas,
possibilitando usos diversificados por diferentes atores – e,
portanto, podendo constituir-se em objeto de polêmica e luta em
torno desses usos. Suas conotações e definições sociais podem,
portanto, também variar com o tempo (LANDIM, 2001, p. 216).

Concordando com o caráter polissêmico trazido, estas entidades estão em constante

mudança, criando características próprias. Apesar de não possuírem uma característica

geral, o que se percebe é que dentro de suas áreas temáticas de atuação6, preocupam-se

desde o início com tentar alcançar setores específicos da sociedade que apenas as políticas

públicas ou a força do mercado não atingiriam.

6
No âmbito da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - Abong, as ONGs são
caracterizadas como entidades atuantes nas áreas de agricultura, arte e cultura, assistência social,
comunicação, comércio, crianças e adolescentes, DST/AIDS, discriminação racial, discriminação racial,
economia solidária, educação, esporte, fortalecimento de outras ONGs/ Movimentos populares, justiça
e promoção de direitos, meio ambiente, organização e participação popular, orçamento público, questão
indígena, questões agrárias, questões urbanas, relações de consumo, relações de gênero, saúde e
segurança alimentar (conforme http://www.abong.org.br/quem_somos.php).

10
O marco legal que delimita o campo da atuação das ONGs entrou em vigor com o

Código Civil (Lei Nº 10.406/2002, alterado pela Lei nº 11.127/2005) que introduziu

mudanças nas regras estatutárias das Organizações Não Governamentais e Fundações.

Outro aspecto da regulamentação das ONGs é o relativo ao tratamento fiscal para

estas entidades, estabelecido legalmente pela Constituição Federal, no artigo 150 (inciso

VI, c) e pelo Código Tributário Nacional (artigo 14).

O princípio da imunidade tributária garante a não incidência de impostos sobre as

“instituições beneficentes”, uma vez que seu patrimônio, rendas e serviços são destinados

justamente para cumprir atribuições que seriam do Estado. Além disso, para garantir

usufruto de imunidade constitucional, a entidade deve cumprir três condições, a saber: a)

não distribuição de lucros (elas podem obter receita, mas desde que voltadas à sua

expansão e manutenção); b) proibição de remessas ao exterior; c) manutenção de livros de

escrituração contábeis claros e em ordem, além da apresentação periódica de suas contas

(BARBOSA, 2002).

Concordando com a conceituação feita por Bava (1994) sobre o caráter das ONGs

como sendo o promotor de empowerment dos setores sociais excluídos ou discriminados e

privados de seus direitos, pode-se definir tais entidades como sendo aquelas que tem por

objetivos “(...) fortalecer atores sociais emergentes, (...) auxiliar na sua organização,

sistematizar suas reivindicações, estabelecer os contatos que permitissem aos movimentos

conquistar o apoio de outros setores da sociedade e o espaço público para suas

demandas” (BAVA, 1994, p. 97).

A partir da discussão teórica anterior, será feita uma caracterização do Instituto

Miguel Fernandes Torres, objeto da presente análise. O Instituto foi criado em 2002 como

“Projeto Vem Ser”, e foi iniciado após a fundadora observar uma carência de práticas

efetivas pedagógicas e educativas de um projeto que já existia no Ginásio Poliesportivo

11
Raimundo Batista, em Ouro Branco, Minas Gerais, onde eram oferecidas atividades

esportivas neste local. Diz ela:

Quando eu cheguei os meninos ficavam aqui só jogando bola,


então a minha ideia era que esses meninos tivessem outras
atividades. Só existia o Projeto Toriba7, aquele do governo
estadual. E eu não concordava com os meninos ficarem só jogando
bola por 4h. Aí, eu e uma outra pessoa, que foi quem iniciou
comigo, a T., nós começamos a preparar os meninos, fazendo dever
de casa com eles, estudando com eles pra prova, trouxemos coisas
de casa para eles poderem produzir artesanato. Nós fazendo por
nossa conta. (...) a gente não tinha nenhum recurso. (...) Quando
nós começamos, não tínhamos nada, nem cadeira para os meninos
assentarem, tinha nada aqui dentro e, aos poucos, com todas as
doações, nós fomos conseguindo outras coisas, de acordo com o
que os meninos queriam (depoimento verbal gravado concedido em
entrevista feita pelo autor no dia 26/10/2015).

Essa primeira iniciativa ocorreu no final de 2010 e, expostas todas as dificuldades,

a responsável pelas ideias e pela ação foi orientada a registrar o “Projeto” como uma

entidade, de forma a que conseguisse captar recursos e pudesse, portanto, operacionalizar o

projeto de forma mais efetiva. Até então, o “Projeto” funcionava com apenas duas

funcionárias (que são também fundadoras) que, por sua vez, tinham que garantir o

funcionamento das atividades, trabalhando como professoras, “oficineiras”, dentre outras

atividades. Como contou T., “eu comecei a fazer a parte de supervisão, de oficina e a parte

de fora aqui também, a administrativa. Ai eu tinha que sair pras escolas, correr atrás de

alunos, correr atrás de material e tudo” (depoimento verbal gravado concedido em

entrevista feita pelos autores no dia 26/10/2015).

7
Projeto desenvolvido pela Secretaria de Estado de Esportes de Minas Gerais entre 1997 e 2000, e que
consistia no incentivo à participação de jovens de 12 a 18 anos na prática dos esportes (futebol de campo,
futsal, voleibol feminino etc.). Não foram obtidas maiores informações sobre o Projeto até o momento, mas
a pesquisa em diversas páginas da Internet de pessoas ligadas ao mesmo dão conta que ele tinha como
metas atender jovens “(...) em educação social e esportiva, em ensino profissionalizante, em assistência
médica e suplementação alimentar, além de orientação psicopedagógica, aulas de inglês, dança de rua, com
prevenção das drogas, violência e marginalidade” (ver
https://fadesc.wordpress.com/2013/11/05/movimento-ii-2013-20-anos-de-trabalho-nas-comunidades-do-
sul-de-minas/).

12
Além do problema com o quadro de funcionários (as), o Projeto enfrentava

problemas como falta de materiais mínimos para trabalharem. Ainda como conta T:

(...) a gente não tinha nada, nada praticamente. Eu trabalhava com a


oficina de palha, a gente não tinha cadeira pra sentar, pros meninos
trabalharem. Os meninos trabalhavam em pé. Não tinham bancos
no refeitório, eles comiam também de pé. E, na sala, nem mesa
tinha. Usava era uma armação de ferro, com uma porta velha em
cima, pra gente trabalhar. E só depois nós fomos conquistando as
coisas aos poucos nós conseguimos chegar onde nós chegamos
hoje (depoimento verbal gravado concedido em entrevista feita
pelo autor no dia 26/10/2015).

Dada a necessidade de formalização para obtenção de recursos, ao dia dois de

setembro de 2002, é assinada a Ata de reunião da Assembleia Geral de criação e aprovação

do Estatuto Social e de eleição e posso dos membros do Conselho de Administração e

Conselho Fiscal da Associação do Projeto Vem Ser de Ouro Branco. Esse estatuto, logo

em seu primeiro artigo, já apresentava o Projeto como uma “sociedade civil, sem fins

lucrativos, com duração ilimitada”. As finalidades do Projeto foram assim definidas:

a) representar e defender os interesses dos associados, compostos


de crianças, adolescentes e jovens e baixa renda, junto a
instituições público e privadas, ou onde mais se fizer necessário,
visando firmar convênios ou contratos de qualquer natureza, em
seu benefício, principalmente no que se refere à obtenção de
transporte, alimentação, material didático, patrocínios a atividades
desportivas, educativas e recreativas, lazer, artes, cultura, dança,
turismo ou outras atividades afins; b) Assistir e prestar serviços
objetivando o amparo do corpo de associados; c) Atuar como
corresponsável, junto à SEESP – Secretaria de Estado de Esportes
de Minas Gerais, para viabilizar a operacionalização do Projeto
Esporte Solidário em Ouro Branco; d) Promover eventos e
atividades culturais; e) Organizar promoções, festivais, sorteios,
dentre outros, objetivando recursos financeiros (PROJETO VEM
SER, 2002).

Após criação do Estatuto, estabeleceu-se parceria com a prefeitura da cidade, a qual

cedia funcionários (as) para atuarem no Projeto. Logo após, o quadro de colaboradores (as)

13
passou a contar também com voluntários. Além disso, cadastrou o Projeto no Conselho

Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) e na Câmara de Vereadores, para selar

registro de utilidade pública e ganhar título municipal como tal. Dada a necessidade de

formalização legal da entidade, esta passa a se chamar Instituto Miguel Fernandes Torres.

Com essas formalizações, começam a surgir apoios de empresas como Gerdau e do

comércio local, com a doação de materiais para funcionamento.

O reconhecimento da Instituição vem crescendo junto às suas estruturas.

Reafirmando seu compromisso com a sociedade, o Plano de Ação 2015 da entidade traz

que o Instituto “tem como finalidade a assistência e promoção social em âmbito municipal

e regional, com o objetivo de promover o desenvolvimento de crianças, adolescentes,

adultos e famílias através de valores oportunizando atividades de integração e

desenvolvimento social e pessoal”. Ainda, elenca como seus objetivos atender

prioritariamente, crianças, adolescentes e jovens de 07 a 18 anos de idade, domiciliados no

município de Ouro Branco, seja em seu perímetro urbano ou em localidades rurais

oferecendo. Para isso, hoje oferecem apoio pedagógico e atividades esportivas, além de

oficina de decupagem, arte em pano, informática, instrumentos musicais e xadrez para as

crianças e adolescentes.

Além deste público, atende também as mães e familiares destes e pessoas indicadas

pelo Centro de Referência de Assistência Social - CRAES e pelo Centro Especializado de

Referência em Assistência Social - CREAS com oficina de corte e costura. Estas oficinas e

atividades propostas, são definidas através de Plano de Ação traçado anualmente, como

pode ser visto no Anexo I. Conta, ainda, com trinta e cinco funcionários (as), sendo vinte e

nove contratados (as), três cedidas pela prefeitura da cidade e três voluntários (as).

14
Além disso, conta com a assessoria da Pro-Bem Assessoria e Gestão Criança8 para

ajuda na gestão operacional da entidade e está a caminho de ser reconhecida pelo

Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social - CEBAS na área de

educação, o que permitirá isenção fiscal. Está, ainda, inserida no Plano Municipal de

Educação 2015-2024 de Ouro Branco como entidade parceira ao projeto de Educação

Integral Proposto pela Prefeitura Municipal local.

Por meio do convênio com a Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de

Ouro Branco o Instituto arrecada a maior parte da sua renda. Além deste, em 2015 contou

com repasse de doações da Gerdau através do Fundo da Infância e do Adolescente - FIA e

obtém receitas das vendas dos produtos produzidos artesanais nas oficinas oferecidas.

Para Montaño (2007) uma transformação social requer condições objetivas e

subjetivas, entendendo que bem como as contradições eminentes do capital e suas crises

não são suficientes para derrubar o sistema capitalista, a intencionalidade de indivíduos e

grupos não irão, por si, transformar a sociedade. Neste sentido, é importante entender que

“(...) a classe hegemônica também está em luta, para manipular (inclusive o mundo da

vida), refuncionalizar ou impedir os processos de transformação” (MONTAÑO, 2007, p.

20). É nesse sentido as fundadoras foram questionadas sobre o papel do “segundo setor” na

dinâmica e organização da entidade, uma vez que este teve significativa importância na

construção da mesma.

Uma vez que o Instituto iniciou sem ter condições mínimas, foi através das

parceiras que possibilitou a criação e continuidade das atividades. Estas parcerias foram

construídas de diferentes formas, por exemplo, através doações de materiais, preferência

para confecção de uniformes, ministro de palestra, entre outros. O reconhecimento destas

8
Organização sem fins lucrativos que oferece assessoria técnica e capacitação nas áreas administrativa,
financeira, contábil, jurídica, de comunicação e tecnologia à Instituições do terceiro setor com foco no
atendimento à criança e ao adolescente (consultar http://www.probem.org.br/).

15
ajudas é muito claro na fala das fundadoras; assim, para T. “(...) sem essa ajuda é

impossível, não tem como. Porque a prefeitura dá uma ajuda, mas não é suficiente. Então

a gente acaba tendo que correr atrás de outros projetos, de outras empresas, pra gente

poder dar conta de manter o projeto”.

Complementarmente, comenta S.: “(...) é de suma importância isso aí. Porque se a

gente não tiver o apoio financeiro, o que pesa mais pra nós, é a parte de funcionários por

conta dos encargos sociais, que teria que cortar”. T. aduz, ainda, a importância da

manutenção do projeto como uma resposta positiva para a sociedade local em relação às

deficiências de políticas públicas de cuidado com as crianças, como segue:

É positivo sim. E isso não só para o Projeto, mas pra sociedade


como um todo. Porque se a gente recebe essa ajuda, a gente acaba
ajudando a sociedade como um todo também, porque se os filhos
vêm pra cá, os pais podem trabalhar. Se não vem, não tem como
trabalhar fora, porque tem que cuidar dos filhos, então uma coisa
puxa a outra (depoimento verbal gravado concedido em entrevista
feita pelo autor no dia 26/10/2015).

Nesse sentido, S. reforça a importância dessas doações, uma vez que:

(...) quantas vezes essas empresas podem doar uma porcentagem do


IR delas pro FIA, se elas não doarem pro FIA, vai pro governo. O
governo, ninguém daqui vai saber o que tá fazendo. E se a empresa
doa, pro próprio local em que ela está, ela vai poder olhar,
fiscalizar o que a gente tá fazendo com o dinheiro. Então o que eu
acho positivo é que, se ela usa as coisas daqui, como por exemplo,
a Gerdau extrai o minério é daqui; o tanto de pessoas que vem aqui
pra trabalhar, as dificuldades sociais que existem quando vem essa
quantidade de pessoas, principalmente quando tem um aparato,
alguma coisa assim. Ela contribuindo aqui, é positivo também, pra
cidade. Se ela retira as coisas daqui, se ela retira o lucro dela daqui,
ela tem que dar uma contrapartida (depoimento verbal gravado
concedido em entrevista feita pelo autor no dia 26/10/2015).

Entretanto, ambas têm como perspectiva a possibilidade de serem autossuficientes e

não mais precisarem se submeter não só do mercado como do Estado. S., em um primeiro

16
momento, coloca isso como o Projeto ideal: “(...) nosso ideal é ser altamente sustentável.

Porque uma das maiores dificuldades nossa é o recurso financeiro, mesmo. O ideal seria a

gente se manter por conta própria. Assim, o que vier é lucro” (depoimento verbal gravado

concedido em entrevista feita pelo autor no dia 26/10/2015).

Questionada quanto ao mesmo, T., responde sem hesitar que o estado ideal da

entidade, para ela, seria “(...) a gente conseguir nos manter”.

Conclusão

A primeira observação que deve ser feita é a inexistência de homogeneidade no que

se refere ao conceito de terceiro setor. Apesar de sua contextualização ser deveras

convergente na literatura do assunto, o debate ideológico que cerca o mesmo é um tanto

mais complicado, sendo, portanto necessário analisa-lo tendo em vista as disputas

conceitual e ideológica em torno dele, uma vez que sua existência aponta falhas que o

Estado não pode resolver e que o mercado não se preocupa em solucionar.

O que pode ser apontado é que se trata de um termo amplo e que abarca uma série

de entidades e pode ser utilizado, para aglomerar diversos tipos de iniciativas (como

movimentos sociais, de igreja, clubes esportivos, associações de bairro, organizações não

governamentais, partidos políticos, dentre vários outros), se descartado o debate ideológico

e considerar apenas seu caráter que foge do mercado e/ou estado. A problemática é que o

fato desta separação – primeiro, segundo e terceiro setor – gera falta de rigor teórico,

distanciando-o ideologicamente da realidade social o qual está inserido.

Apesar das origens epistemológicas e conceituais semelhantes, faz sentido e é

importante atentar-se a restrições que as ONGs possuem e a melhor forma de fazer isso é

fazendo um recorte destas para dentro do terceiro setor. Afinal o que se percebe é

justamente que elas são um “pedaço” do terceiro setor: estão dentro, mas possuem

17
características, meios e até alguns fins que podem se distanciar do conceito mais amplo.

Além disso, é um termo polissemântico.

De modo distinto do terceiro setor, o que pode ser observado é que as ONGs

surgem, num primeiro momento, como agentes construtores e propulsores de ações de

transformação social e não como um mero aglomerado de entidades com características

particulares.

Entendido o conceito das ONGs, portanto, chega-se ao IFMT, ao qual segue, em

linhas gerais, o “receituário” do que é entendido como tal organização. Entidade nova,

precisa de se alinhar tanto ao chamado primeiro setor, quanto ao segundo para manter sua

funcionalidade. A busca pela autonomia é, porém, objetivo primordial principalmente por

meio da produção de artigos artesanais. Dada sua idade e o modo como começou a atuar, a

entidade ainda caminha em meio aos trâmites legais e burocráticos, buscando compreende-

los e “dominá-los” de forma a otimizar a gestão e poder expandir e melhorar os serviços

prestados.

Deve ser ressaltado, também, o papel que o Instituto atribui aos apoios que recebe.

Fica apontado que, se por um lado o dinheiro advindo da prefeitura é fonte de renda de

certamente, certa, aquela que vem das empresas e indústrias, nem tanto. Entretanto, parece

ser mais bem recebida a segunda à primeira, uma vez que sentem maior autonomia gerindo

os recursos provenientes principalmente através do FIA. Percebe, ainda, uma crítica

implícita neste entendimento, uma vez que enxergam com clareza que esse dinheiro é

vindo para que a empresa maior doadora possa fazê-lo com incentivos e isenções fiscais.

Além disso, apontam que outro motivo para tais doações acontecem uma vez que as

empresas podem utilizar esta como uma ação de marketing, como uma empresa que apoia

iniciativas sociais locais.

18
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20
EIXO 3
Sistema financeiro,
crédito e
desenvolvimento
A PARTICIPAÇÃO DO SISTEMA BANCÁRIO NO FINANCIAMENTO
PRODUTIVO BRASILEIRO DE 2010 A 2015.
Gabriela Araújo
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal de Ouro Preto
gabriela.arajo04@gmail.com

Resumo
Este artigo objetiva verificar se o processo de abertura financeira contribuiu para ampliar
as possibilidades de financiamento do setor produtivo do Brasil. E compreender a dinâmica
do financiamento de longo prazo e a participação do sistema bancário público e privado
(nacional e estrangeiro) neste processo. De maneira mais específica, analisará o efeito do
desenvolvimento do setor financeiro e da concessão de crédito sobre a estrutura de capital
de grandes empresas brasileiras selecionadas. Ele incorpora os determinantes do padrão de
alavancagem de uma empresa, que incluem o tamanho da empresa, estrutura de ativos,
rentabilidade, crescimento, risco de negócio, idade da empresa e crescimento do PIB
(Produto Interno Bruto) na forma de controle de variáveis. A partir dos dados, é possível
inferir sobre a não alteração no padrão de financiamento das empresas brasileiras e na
relação direta das mesmas com a oferta de crédito em cada estado.
Palavras-chave: Abertura financeira. Sistema Bancário. Grandes Empresas.

Abstract
This article aims to verify if the process of financial opening contributed to expand the
financing possibilities of the productive sector in Brazil. And understand the dynamics of
long-term financing and the participation of the public and private banking system
(national and foreign) in this process. More specifically, it will analyze the effect of the
development of the financial sector and the granting of credit on the capital structure of
selected Brazilian companies. It incorporates the determinants of a firm's leverage pattern,
which include firm size, asset structure, profitability, growth, business risk, company age,
and GDP growth in the form of variable control. From the data, it is possible to infer about
the non-change in the pattern of financing of Brazilian companies and the direct relation of
the same with the supply of credit in each state.
Key words: Financial opening. Banking system. Big companies.

Introdução
Os estudos envolvendo os determinantes da estrutura de capital das empresas é um
tema ainda complexo, mas que podem evidenciar informações interessantes sobre as
características e configuração da estrutura de financiamento das empresas em cada país e,
ainda, como agentes financeiros costumam atuar no financiamento do desenvolvimento.
Este artigo propõe verificar que o ambiente no qual as empresas estão inseridas e
realizam negociações tem influência direta na sua estrutura de capital, evidenciando o
papel dos bancos no financiamento produtivo brasileiro. Destarte, tomando por base o
período posterior ao processo de abertura financeira ocorrida em meados da década de
1990, busca-se analisar de que forma a segmentação bancária brasileira – caracterizada
pela presença de grandes bancos públicos e privados (nacionais e estrangeiros) – tem
contribuído ou restringido a oferta de recursos para o financiamento produtivo brasileiro
nos últimos vinte anos.
O recorte teórico considerado remete à década de 1990 até 2015, em um contexto
de forte desregulamentação comercial e financeira no Brasil. Assim, para incrementar esta
análise esta proposta objetiva verificar se o processo de abertura financeira1 (em especial, a
desnacionalização do sistema bancário) contribuiu para ampliar as possibilidades de
financiamento do setor produtivo do Brasil. E, assim, compreender melhor a participação
do sistema bancário público e privado (nacional e estrangeiro) neste processo, em uma
dimensão regionalizada.
Sendo assim, será analisado o efeito do desenvolvimento do setor financeiro e da
oferta de crédito sobre a estrutura de capital de algumas empresas brasileiras. Esta estrutura
de capital incorpora os determinantes do padrão de alavancagem de uma empresa, que
incluem o seu tamanho, estrutura de ativos, rentabilidade, crescimento, risco de negócio,
idade da empresa e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) na forma de controle de
variáveis.
Apesar de se entender que a estrutura de financiamento de longo prazo das
empresas é bastante ampla, passando pelo mercado de capitais, empréstimos externos,
autofinanciamento, e outras fontes, para efeito desta pesquisa, será considerado com
destaque a participação do setor bancário neste processo, dada a maior disponibilidade e
acessibilidade dos dados gratuitamente.
A estrutura de financiamento brasileira é regionalmente concentrada e favorece os
grandes grupos econômicos nacionais. A abertura dos mercados – um dos pressupostos
utilizados para justificar os processos de abertura deflagrados nos anos 1990 - não
conseguiu mitigar esta questão. A hipótese proposta por este trabalho é de que a
segmentação bancária, mais especificamente, a presença de grandes bancos públicos, de
certa forma, ajuda a suavizar os impactos desta concentração. A pesquisa contribui para o
melhor entendimento da forma como os fatores institucionais, especificamente no que
envolve o setor bancário, a nível regional, sejam levados em conta para explicar a estrutura
de financiamento e, consequentemente a dependência das grandes empresas do Brasil,
quanto aos instrumentos oficiais de crédito.

1 Estruturação do sistema financeiro brasileiro


No início da década de 1990, a política econômica brasileira seguiu os princípios
que ficaram definidos no “Consenso de Washington”, que estipulava que o Estado fosse
menos presente na economia e permitia a abertura comercial e financeira. Porém, no
Brasil, o governo manteve a proibição de depósitos em moeda estrangeira no sistema
bancário doméstico, em contradição ao que aconteceu na maioria dos países da América
Latina (ROCHA, 2001).
Entre as mudanças observadas neste período, De Paula e Marques (2006) destacam
as principais fusões e aquisições de bancos nacionais e internacionais: i) a compra do
Bamerindus pelo HSBC por meio de recursos do PROER, se tornando no momento o
maior banco estrangeiro no Brasil; ii) a compra do Banco Geral do Comércio, em agosto
de 1997, Banco Noroeste, em outubro de 1997 e Grupo Meridional e Banespa em 2000
pelo Santander; iii) a aquisição do Banco América do Sul pelo Sudameris; iv) aquisição do

1
“O processo de abertura financeira pode ser caracterizado pela facilidade na conversão da conta
financeira do balanço de pagamentos e da conversão monetária (da moeda nacional frente à(s) moeda (s) de
referência internacional), e também pela facilitação da desnacionalização do sistema bancário” (CARNEIRO,
2002)
Excel-Econômico pelo Bilbao Vizcaya; v) compra do Banco do Estado de Pernambuco
pelo ABN Amro Bank, que tornou o Banco Real em novembro de 1998, o maior banco
estrangeiro no Brasil.
Uma das características mais fortes da consolidação bancária brasileira foi a reação
dos bancos privados nacionais, que também participaram ativamente dos processos de
fusões e aquisições bancárias. Dando destaque às principais atividades: i) compra do
BANERJ, BEMGE, BANESTADO, Banco Fiat e BBA pelo Itaú; ii) compra do BCN
Credireal, Boa vista, Banco Ford, Mercantil de São Paulo e BBB Banco pelo Bradesco; iii)
compra do Nacional, Bandeirantes e Fininvest pelo Unibanco. Desta forma, os bancos
privados nacionais conseguiram manter sua hegemonia no setor bancário brasileiro com
grande participação do total geral de bancos no Brasil (DE PAULA E MARQUES, 2006).
Verifica-se que instituições maiores incorporam instituições menores que atuam no
mesmo mercado, e então tem início o processo de internacionalização de instituições
bancárias e desnacionalização dos sistemas financeiros de países em desenvolvimento
(CAMARGO, 2009). As motivações para a internacionalização de um banco podem ser
muitas, mas as que mais se destacam são a) social: com a finalidade de preencher falhas do
mercado em relação às ofertas de crédito; b) política: para prover empregos, subsídios e
benefícios ao desenvolvimento do país e c) intermediária: que une as duas primeiras
opções e justifica que tal processo é necessário para que a nação usufrua de melhorias
sociais de desenvolvimento. (SANTOS, 2011)
A desregulamentação financeira aprofunda a entrada de empresas estrangeiras que
passam a se destacar no setor produtivo dos países que participaram deste processo. O
balanço de pagamentos desses países passa a operar em baixa, uma vez que boa parte dos
recursos utilizados por estas empresas são de origem estrangeira. O balanço negativo dos
países em processo de desregulamentação financeira, intensifica a pressão do FMI para que
se avance no processo de abertura aos bancos estrangeiros, alegando que a modernização
dos sistemas bancários domésticos era necessária e só aconteceria se passassem por esta
etapa de abertura. O Brasil e outros países emergentes aderiram a esta visão e
paulatinamente as limitações e barreiras antes impostas, foram sendo afrouxadas e
extinguidas (CAMARGO, 2009).
Os bancos brasileiros obtiveram um excelente resultado de rentabilidade no período
entre 1981 e 1987, não somente por causa da inflação alta, mas também devido às linhas
básicas de política econômica, criadas para enfrentar a crise causada pelo estrangulamento
cambial. Para isso, o governo federal manteve uma elevada taxa de juros, que fez com que
seus títulos ficassem mais atrativos (CAMARGO, 2009). Uma política bem planejada e
organizada foi fundamental para o bom desempenho dos bancos brasileiros, outra medida
neste sentido foi a diversificação patrimonial a fim de se manter seguro quando chegasse o
momento de diminuição dos ganhos inflacionários.
Ainda de acordo com Camargo (2009), foram feitos investimentos em participações
em empresas do setor produtivo, na informatização das agências e na abertura de novas
agências. Decisões que aumentaram a renda dos serviços bancários por meio da
diminuição das despesas. Tais medidas juntamente com a antecipação dos bancos frente à
inflação e fim das operações de overnight2, foram de extrema importância para que a
economia brasileira estivesse preparada para lidar com os reflexos do Plano Real, em 1994.

2
Operações de troca de dinheiro por um dia, para resgate no primeiro dia útil seguinte, restritas às
instituições financeiras (Over/Overnight – IGF Intelect – Disponível em:
http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=2212)
No período posterior ao Plano Real, foram tomadas medidas com o intuito de
reestruturar e fortalecer o sistema financeiro nacional, as quais eram essenciais com a
estabilização da economia, em especial “a perda de importante fonte de receita advinda das
transferências inflacionárias, o floating” (PUGA, 1999). O Banco Central teve de socorrer
as instituições em caráter emergencial, usando recursos da reserva monetária e arrecadação
do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). No período de inflação elevada, os bancos
buscam compensar as perdas dos ganhos com o floating, por meio da cobrança de serviços
que eram gratuitos e da elevação das tarifas bancárias.
O efetivo processo de desnacionalização bancária do Brasil se qualifica como um
conjunto de medidas impostas a fim de que se evitasse uma crise bancária sistêmica, se
caracteriza, portanto, no controle da propriedade do sistema financeiro. Desta maneira, em
1995 o governo implementou o Proer, Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional e em 1996, o Proes, Programa de Incentivo
à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária. O Proer funcionava como
uma forma de financiamento para que instituições financeiramente saudáveis pudessem
absorver aquelas que se encontravam em dificuldades, contando com a ajuda do Estado
para bancar os débitos irrecuperáveis e no caso da não adaptação aos ajustes, bancar
também o movimento de encerramento desses bancos. Após sua implementação notou-se
uma significativa diminuição do número de instituições financeiras privadas, uma vez que
o programa era destinado apenas a esta categoria (CAMARGO, 2009).
Diversas aquisições bancárias ocorreram em decorrência do Proer, entre elas a
compra do Banco Nacional pelo Unibanco em 1995 e a compra do Banco Bamerindus pelo
HSBC em 1997. A insolvência de bancos privados nacionais de grande porte foi resolvida
por meio de sua venda a bancos estrangeiros pela primeira vez no Brasil.
Já o Proes, foi criado com a finalidade de reduzir a participação do Estado na
atividade bancária e resolver o problema do déficit público. Foram oferecidas quatro
opções aos governos estaduais com cobertura de 100% dos gastos para o saneamento de
seus bancos estaduais: a) privatização; b) transferência do controle ao Governo Federal
(que resultaria em futura privatização); c) transformação do banco em agência de
desenvolvimento ou d) liquidação. Os resultados foram diversos, de acordo com os dados
de De Paula e Marques (2006), em julho de 1998 verificou-se que dos 35 bancos estaduais
que existiam em 1996, 10 foram extintos, 6 foram privatizados, 7 federalizados e
posteriormente privatizados, 5 foram reestruturados com recursos do Proes e 3 não
participaram do programa.
Como resultado da implementação dos dois programas, as primeiras
transformações que marcaram o sistema bancário foram notadas, e a principal delas foi o
aumento da concentração do setor. Segundo Arienti (2007), entre 1993 e 2006, o resultado
deste processo foi a eliminação de 67 bancos. É notável que os programas marcaram uma
estruturação diversificada do sistema bancário nacional, possibilitando a adoção de
medidas atrativas, com foco nos grandes estrangeiros, e ainda a diminuição do número de
instituições bancárias públicas no Brasil; ou seja, o governo atingiu seu objetivo com o
Proer e Proes.
Sendo assim, seguindo a característica de outros países da América Latina, o
processo de consolidação bancária brasileiro foi num primeiro momento, conduzido pelo
governo. Porém, num segundo momento passou a ser conduzido pelo mercado, e adquiriu
uma característica bem específica. Os bancos estrangeiros participaram ativamente dos
processos de fusões e aquisições juntamente com os bancos privados nacionais, mas
posteriormente sofreram uma retração deixando o comando deste processo para os bancos
privados nacionais (DE PAULA E MARQUES, 2006).
Dos processos de fusão e compra, o de maior impacto na concentração bancária foi
a compra do grupo BCN pelo Bradesco, que superou a privatização do Banespa. E ainda, o
banco Itaú foi o que adquiriu maior número de instituições privatizadas. Dentre as
instituições adquiridas por grupos estrangeiros, apenas 35% dos ativos pertenciam a
instituições estaduais privatizadas, ou seja, a maior parte das transferências de controle
para o capital estrangeiro teve sua origem entre os capitais privados nacionais, que
perderam uma parcela de sua participação no sistema (CAMARGO, 2009).
Pode-se concluir que o processo de reestruturação brasileiro resultou em uma redução
do número de bancos públicos estaduais e privados nacionais, bem como em um
significativo aumento dos bancos de controle estrangeiro, em um primeiro momento. A
desnacionalização bancária brasileira foi mais uma opção de política governamental,
associada com a própria estratégia de diversificação de mercado dos próprios bancos, do
que uma resposta à escassez de recursos dos bancos nacionais.

1.1 Principais impactos da desregulamentação financeira


A abertura financeira pela qual passou o Brasil englobou dois principais fatores:
ampliação da conversibilidade da conta de capital do balanço de pagamentos e a
desnacionalização de grande volume de empresas do setor financeiro, com destaque para
as do ramo bancário. Ambos os fatores influenciaram no desenvolvimento do processo de
substituição monetária, que embora ainda bastante tímido, já se viu presente no país; sendo
possível admitir que a abertura financeira brasileira levou ao enfraquecimento da moeda
nacional (CARNEIRO, 2002).
De acordo com Carneiro (2002), a partir da década de 1990, o chamado marco
regulatório foi alterado, com a intensão de adaptar a legislação brasileira à realidade dos
mercados centrais, onde prevaleciam operações securitizadas e de flexibilizar a entrada e
saída de capitais. A primeira mudança observada foi na forma de captação de bancos e
grandes empresas, uma vez que os repasses bancários e a captação direta de empréstimos
deixaram de se basear em créditos bancários sindicalizados e passaram a ser provenientes
da emissão de títulos nos mercados internacionais de capitais. A inserção financeira do
país se tornou cada vez mais dependente do IDE (Investimento Direto Externo), sendo
assim, o balanço de pagamentos fica mais vulnerável diante de uma diminuição do IDE.
Enquanto o país estiver sob a onda de investimentos externos, a consistência do IDE deve
ser avaliada pela relação entre o subsídio de recursos e a geração de um fluxo financeiro
compatível com sua remuneração. Diante das baixas taxas de crescimento apresentadas
pelo Brasil entre 1998 e 2000, assume-se que as características do ciclo do IDE no Brasil
se relacionam de maneira direta com os ciclos econômicos dos países chamados “centrais”
e indiretamente com os EUA (CARNEIRO, 2002).
Por meio da Tabela 1 é possível relacionar a privatização dos bancos estaduais e de
empresas como a Telebrás e outras concessionárias de energia, à concentração dos
investimentos no setor de serviços, em especial de 1995 para 2005, no setor de
eletricidade, gás e outras utilidades; no crescente investimento em serviços financeiros e
atividades auxiliares, principalmente de 2005 para 2015. Este tipo de concentração no
investimento diz muito sobre a vulnerabilidade do balanço de pagamentos, neste sentido,
caso ocorra uma redução de novos investimentos, o balanço de pagamentos sofrerá de
maneira mais intensa, uma vez que se encontrará mais sensível a qualquer alteração.
A Tabela 1 apresenta o crescimento do volume de investimento externo total, e
segundo Carneiro (2002), boa parte deste volume é destinado às privatizações, fusões e
aquisições que aconteceram no Brasil neste período, deixando claro que o principal foco do
IDE não era servir como investimento doméstico.
De acordo com Carneiro (2002), em sua maioria, as entradas de IDE do primeiro
período analisado devem-se a recursos externos provenientes da segunda grande onda de
privatizações3. Já a partir dos anos 2000, grande parte dos investimentos que chegaram ao
país se devem a empréstimos intercompanhia, sendo, de acordo com o Censo de Capitais
Estrangeiros do Banco Central do Brasil de 2015, responsável por 53,93% do IDE no setor
agrícola, pecuarista e extrativista; 26,7% no setor industrial e 20,5% no setor de serviços.
Carneiro (2002) diz ainda que o principal efeito observado pós-abertura financeira, foi o
rápido crescimento do passivo externo do país, principalmente a dívida externa de curto e
longo prazo e o IDE. Que fizeram com que alguns indicadores, como por exemplo, o PIB,
se encontrasse em situação de vulnerabilidade.

Atividade Econômica Estoque 1995 Estoque 2005 Estoque 2015


Valor % Valor % Valor %
Agricultura, pecuária e extrativa mineral 924,99 2,2 2.194,37 10,2 63.061 11,9
Indústria 27.907,09 66,9 6.402,81 29,8 207.594 39,1
Metalurgia 3.004,90 7,2 310,30 1,4 21.422 4
Veículos automotores, reboques e 4.837,70 11,6 924,86 4,3 18.455 3,5
carrocerias
Produtos alimentícios e Bebidas 2.827,52 6,8 2.074,83 9,6 73.850 13,9
Produtos químicos 5.331,12 12,8 763,66 3,5 18.104 3,4
Serviços 12.863,54 30,9 12.924,38 60,1 260.789 49,1
Serviços Financeiros e atividades 1.638,38 3,9 888,61 4,1 79.732 15
auxiliares
Telecomunicações 398,74 1,0 1.899,66 8,8 39.798 7,5
Comércio, exceto veículos 2.132,20 5,1 680,75 3,2 35.032 6,6
Eletricidade, gás e outras utilidades 0,29 0 1.570,89 7,3 23.526 4,4
Seguros, resseguros, previdência 149,61 0,4 860,99 4 16.453 3,1
complementar e planos de saúde
Serviços de escritório e outros serviços 4.952,70 11,9 2.978,10 13,8 4.528 0,9
prestados a empresas
Atividades Imobiliárias 1.109,24 2,7 296,95 1,4 14.080 2,6
Total 41.695,62 100 21.521,57 100 531.445 100
Tabela 1 – Estoque de IDE total e por setores selecionados (em US$ milhões)
Fonte: Banco Central do Brasil. Censo Anual de Capitais Estrangeiros.

Outro efeito ainda bastante importante oriundo da abertura, foi a substituição


monetária, que implicou no aumento da posse de ativos no exterior por parte dos residentes
e na substituição da moeda nacional pela estrangeira em algumas operações. Carneiro
(2002) explica que este processo é resultado da especulação dos agentes diante da moeda
estrangeira, o que coloca em cheque a fragilidade da moeda nacional; e se intensifica
devido ao pequeno aproveitamento dessa moeda, uma vez que as transações financeiras
domésticas fossem de elevada liquidez por causa da ausência de relações crédito-débito de
prazo e valores significativos. Em especial no Brasil, pode-se dizer que a abertura pouco

3
Essa segunda onda de privatizações foi incentivada pela instituição do Plano Nacional de Desestatização, no
Governo Collor, no qual foram estatizadas 33 empresas estatais atuantes em setores estratégicos, em especial,
petroquímica, siderúrgica, fertilizantes, entre outros.
contribuiu para o aprofundamento financeiro, que além de conceder proporcionalmente
menos crédito, ainda desenvolveu pouco a captação doméstica (Carneiro, 2002).
Pode-se dizer então que a vulnerabilidade e o baixo aprofundamento financeiro
foram as razões básicas para que ocorresse a substituição monetária no Brasil. E seus
principais instrumentos foram: permissão para contratos futuros de câmbio da Bolsa de
Mercadorias & Futuros (BM&F); autorização para que algumas empresas pudessem
realizar depósitos em moeda estrangeira em instituições bancárias domésticas; e o mais
importante deles: indexação da dívida pública, que toma proporções enormes em um
pequeno período de tempo (Carneiro, 2002).
Em 1995, foi aprovada a Exposição de Motivos 311, que determinava que passaria
a ser do interesse do país a entrada e/ou o aumento da participação de instituições
estrangeiras no sistema financeiro brasileiro. Fatores como a escassez de capital nacional,
eficiência operacional4 e capacidade financeira superior dos bancos estrangeiros são pontos
chave que justificam tal medida. Puga (1999) diz que a partir de então, os pedidos de
entrada no Brasil foram analisados tendo como base os critérios de capacidade financeira e
solidez da instituição estrangeira, além dos “interesses e prioridades nacionais”. Nestes
interesses e prioridades se incluem as necessidades de solucionar problemas de bancos
nacionais em dificuldade, fortalecer o sistema financeiro nacional e corroborar a política de
abertura externa do sistema financeiro. O interesse dos bancos em ingressar no Brasil foi
tão grande, que o Banco Central passou a exigir o pagamento de um “pedágio” a título de
auxílio na recuperação dos recursos públicos utilizados para o saneamento do sistema
financeiro nacional (PUGA, 1999).
Após a deliberação da Exposição de Motivos 311, a primeira instituição estrangeira
a ingressar no país foi o banco holandês Rabobank Nederlands, que já possuía um
escritório de representação no Brasil. Ainda em 1995, o uruguaio Banco Comercial S.A.,
foi também autorizado a atuar no Brasil. O movimento de entrada teve continuação em
1996 com a entrada de 5 instituições, 1997 com 13 instituições e ainda outras em 1998.
Entre os principais, merece destaque o HSBC (Hongkong Shangai Banking Corporation),
que adquiriu o controle do Bamerindus em 1997 por meio de recursos do Proer, e manteve-
se até 1998 como o maior banco estrangeiro no sistema financeiro brasileiro, tanto em
ativos como em extensão da rede bancária. Em janeiro de 1998, a Caixa Geral de
Depósitos, de Portugal comprou 79,3% do capital votante do Banco Bandeirantes e ainda
neste ano, o espanhol Bilbao Vizcaya adquiriu gradativamente 100% do capital votante do
Excel-Econômico (PUGA, 1999).
Puga (1999) ressalta ainda que nem só de aquisições se deu a abertura financeira,
houve também ampliação dos bancos já presentes no sistema financeiro brasileiro.
Destacam-se as aquisições do Banco Geral do Comércio e do Noroeste em 1997 pelo
espanhol Santander, e ainda neste ano, a transferência do controle acionário do Boavista
para o Banco InterAtlântico, controlado pelo banco português Espírito Santo, o Grupo
Monteiro Aranha e o banco francês Crédit Agricole. Já em 1998, o controle do banco
América do Sul passou para o Sudameris e o Conselho Monetário Nacional aprovou a
venda de todas as ações do Banco Real para o holandês ABN Amro Bank. Depois desta

4
Eficiência Operacional é a capacidade de otimizar os recursos operacionais para girar os negócios,
é tudo que trabalha para melhorar a eficiência. A Eficiência Operacional se tornou sinônimo de sobrevivência
e passou a ser o principal foco dos investimentos das instituições financeiras, tanto para aumentar receitas
quanto para reduzir custos e despesas. (Eficiência Operacional no setor financeiro – Stefanini – Disponível
em: https://stefanini.com/br/2013/10/eficiencia-operacional-setor-financeiro/).
aquisição, a instituição ABN passou a ser o maior banco estrangeiro no Brasil, ocupando a
posição do HSBC em termos de ativos e agências.
Em se tratando das aquisições do HSBC e do Caixa Geral de Depósitos pelos
bancos Bamerindus e Bandeirantes, respectivamente, não foi cobrado “pedágio” por parte
do Banco Central, uma vez que as instituições estavam com sérias dificuldades financeiras.
Já o holandês ABN, em julho de 1998, acordou em pagar R$80 milhões ao Banco Central
para adquirir 40% do capital votante do Banco Real e em novembro do mesmo ano pagou
mais R$120 milhões para aumentar para 100% a sua participação no mesmo (PUGA,
1999).
Ainda segundo Puga (1999), houve também aumento da participação estrangeira no
cenário das instituições não bancárias, como por exemplo, o Deutsche Bank que foi
autorizado a instalar uma corretora de valores e o Lloyds Bank que adquiriu a financeira
Losango. Em contrapartida a este sucesso das instituições estrangeiras, alguns importantes
bancos tiveram dificuldade em se estabelecer no Brasil. Um exemplo é o francês Crédit
Lyonais, que vendeu o controle do BFB para o Itaú em 1996.
Os efeitos do ingresso dos bancos estrangeiros foram debatidos entre executivos de
importantes bancos nacionais e estrangeiros que operam no Brasil, e de acordo com o
relato de Puga (1999), grande parte deles avaliou como positivo o aumento da presença
estrangeira no sistema financeiro brasileiro, tanto no que tange à qualidade dos serviços,
quanto na redução dos spread5s e aumento da eficiência operacional.
Há uma outra parte que defende que a redução dos spreads está mais relacionada à
diminuição do risco da atividade bancária, que depende da queda da taxa de juros básica da
economia e dos níveis de inadimplência, do que ao aumento da concorrência associada à
chegada de bancos estrangeiros. Puga (1999) reitera que é consensual a opinião de que os
bancos estrangeiros chegaram com tecnologias e processos mais eficientes e sofisticados
que os bancos brasileiros. E ainda, que o alongamento dos prazos das operações de crédito
por meio de recursos externos foi considerado pouco provável, uma vez que tal
alongamento depende da redução do patamar de juros e da consolidação da estabilidade
econômica.
O mesmo autor destaca as principais críticas que alguns banqueiros brasileiros
fizeram à abertura do sistema financeiro, estas vieram após a compra do Bamerindus pelo
HSBC e após a prática de agressiva estratégia de aquisições do Santander. Aponta-se que o
Real ficaria mais vulnerável, uma vez que os bancos poderiam lucrar apostando contra a
moeda nacional, mas o autor argumenta que não é a nacionalidade dos bancos que ameaça
o Real, uma vez que todas as instituições, independente da nacionalidade, tendem a
aproveitar qualquer oportunidade de ganho, mesmo que isto comprometa a condução das
políticas monetária e cambial. Discute-se ainda, que a alocação da poupança seria tomada
no exterior, mas o autor pondera que assim como os bancos privados nacionais, os bancos
estrangeiros se concentravam nas operações de crédito de curto prazo, atuando em
operações de longo prazo apenas como repassadoras de recursos do governo,
especialmente do BNDES.

5
Spreads bancários: Diferença entre taxas de juros de aplicação e de captação, compreendendo o
lucro e o risco relativos às operações de crédito. O spread varia de acordo com a qualidade de crédito do
emissor, o prazo, as condições de mercado, o volume e a liquidez da emissão ou empréstimo. (Glossário
Banco Central do Brasil – Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/glossario.asp?Definicao=238&idioma=P&idpai=GLOSSARIO)
Segundo o Relatório de Evolução do SFN do Banco Central em 1998, a presença
de bancos estrangeiros no Brasil foi benéfica ao sistema financeiro nacional, pois os
serviços prestados por eles são de qualidade elevada e a ajuda que a entrada de capital
externo seja com novas instituições ou reforçando as já existentes demonstrou, era o que o
país precisava para preencher uma lacuna de complemento da oferta interna necessária ao
desenvolvimento. Além disso, a abertura da economia brasileira representa uma maior
integração do Brasil na economia mundial, redução do chamado “risco Brasil” 6 e maior
globalização do setor financeiro, uma vez que a presença do sócio estrangeiro cria
condições mais favoráveis ao processo de captação de recursos no exterior. Além do
reforço financeiro para o país, a entrada de capital externo no setor bancário resulta
também em ganhos decorrentes da introdução de novas tecnologias e inovação de produtos
e serviços. Em decorrência da maior eficiência operacional e capacidade financeira dos
bancos estrangeiros, seu ingresso gera maior concorrência ao sistema, refletindo em preços
dos serviços e custos dos recursos mais competitivos diante da sociedade.
O cenário que se vive entre a crise cambial de 1998-1999 e a transição para o
mandato do Presidente Lula (2003-2004) foi de crise econômica. Grandes empresas
nacionais enfrentavam dificuldades em obter financiamento público e as novas, pequenas e
médias empresas também obtiveram dificuldade em obter crédito no sistema financeiro
(ARAÚJO E CINTRA, 2011).
Como cita Araújo e Cintra (2011), em 2001, a Medida Provisória 2.196 instituiu o
Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, que capitalizou as
instituições financeiras públicas federais e buscava adequar a regulamentação bancária
pública à privada. O objetivo desta medida era “refletir padrões internacionais
estabelecidos pelo Acordo de Basileia I” e tornar os bancos públicos federais “mais fortes,
mais competitivos e mais transparentes”. Recomendava-se que os bancos públicos federais
fossem impostos à mesma disciplina que estavam submetidos os bancos privados, e ao
mesmo tempo, a lógica empresarial privada foi colocada no mesmo nível da dita “missão
institucional” de cada banco. Os bancos estrangeiros passaram por um processo de
expansão acompanhado por uma retração do segmento privado nacional, e em maior
proporção, do segmento público, em grande maioria, da Caixa Econômica Federal.
Segundo Araújo e Cintra (2011), a participação dos bancos públicos no total de
ativos do sistema recuou de 18% em 1994 para 5% em 2008. Em contrapartida a esta
queda, continuou relevante o papel das instituições públicas no setor bancário, em razão da
presença do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, que correspondiam a 23,2%
do total de ativos em 2008. Este aumento da participação das instituições financeiras
estrangeiras no mercado doméstico ocorreu, sobretudo, em função da redução da
participação dos bancos públicos estaduais que foram privatizados e/ou extintos nos
processos anteriormente citados (ARAÚJO E CINTRA, 2011).
No entanto, as alterações na estrutura bancária não dependeram somente das
autoridades econômicas, uma vez que era também estratégia dos bancos internacionais,
fortalecer suas posições globais e consequentemente, diversificar suas fontes de receitas
(ARAÚJO E CINTRA, 2011).

6
O risco país é um índice denominado Emerging Markets Bond Index Plus (EMBI+) que tenta determinar o
grau de instabilidade econômica de cada país e medir o grau de "perigo" que um país representa para o
investidor estrangeiro. Desta forma, se tornou decisivo para o futuro imediato dos países emergentes
(CARVALHO, 2011).
Os autores Araújo e Cintra (2011) destacam as ações reativas dos bancos nacionais,
onde foram modificadas suas estratégias, aderindo a novas tecnologias, inovando em
produtos e explorando novos mercados. No fim de setembro de 2002, os três maiores
bancos privados nacionais: Bradesco, Itaú e Unibanco investiram na sua
internacionalização e passaram a ter mais de 20% de seus ativos totais no mercado
internacional. Esta expansão externa tem como objetivo ampliar fontes de captação, ofertar
instrumentos para as empresas exportadoras e diversificar o espectro de investimento dos
seus principais clientes no exterior.
Verifica-se ainda, que a entrada de grandes bancos estrangeiros como ABN – Amro
Bank, HSBC e Santander, fez com os bancos privados nacionais tivessem que defender sua
liderança e poder de mercado. Sendo assim, as grandes instituições privadas nacionais,
sobretudo Bradesco e Itaú, investiram na compra de bancos estrangeiros que haviam
entrado no período anterior. O Bradesco comprou o JP Morgan Asset Management, o
Bilbao-Vizcaya Argentina, o Ford Leasing, o Deutsch DTVM e o American Express. O Itaú
comprou o BBA – Creditanstalt S/A, o Banco Fiat e o Bank Boston. Eles ainda adquiriram
grande parte dos bancos estaduais e federais privatizados. Em suma, o cenário
concorrencial, estimulou a busca pelo poder de mercado, com impactos diretos no nível de
concentração do setor, que aumentou de 64,4% em 1995 para 75,3% em 2008 entre os dez
maiores bancos. Esta grande concentração permitiu práticas de oligopólio para formação
de preços e tarifas, o que limitou a redução dos custos dos serviços - tarifas e spread
bancário (ARAÚJO E CINTRA, 2011).
Araújo e Cintra (2011) afirmam que a oferta de crédito apresentou tendência
ascendente a partir de 2003, mas este processo interrompido pela crise financeira de 2008.
Apesar de neste período os estoques de crédito dos bancos privados terem crescido a taxas
mais altas que as dos bancos públicos, do ponto de vista setorial, as instituições federais
tiveram papel importante para sustentar o ciclo de expansão econômica que viveram os
setores industrial, rural e residencial. Os bancos públicos brasileiros responderam por 45%
do crédito ao setor industrial em 2009 (ARAUJO E CINTRA, 2011).
Tendo-se noção da importância dos bancos públicos no crédito ao setor industrial, é
possível verificar que o Banco do Brasil (BB) e o BNDES detêm, desde 2006, mais de
80% do financiamento industrial das agências de fomento federal. A partir do lançamento
do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), em 2007, o BNDES cedeu maior
espaço para o BB, uma vez que passou a se dedicar mais à infraestrutura. Já em 2008-
2009, seus saldos de empréstimo e financiamento para indústria cresceram mais de 53%,
refletindo sua atuação anticíclica após a eclosão da crise financeira internacional no
sistema financeiro nacional.
Conforme destacam os autores que trabalham com a abordagem keynesiana
(ARAUJO e CINTRA, 2011; CROCCO et al, 2011; FREITAS e PAULA, 2010; AMADO,
2006 e 1998), o sistema bancário não atua somente como intermediário financeiro, tendo
importante papel na alocação de recursos, mas também a função de preferência pela
liquidez afeta a disposição em conceder crédito para determinada região, tendo efeito em
manter ou ampliar desigualdades regionais. Em se tratando do Brasil, existe um processo
crescente de concentração de crédito nas regiões mais ricas do país. Muito disso se deve a
uma estratégia do Banco Central do Brasil de promover uma redução no número de bancos
estaduais, que eram importantes fontes de captação de depósitos e aplicação de recursos
nas suas regiões e ao processo de reestruturação que o BB passou fazendo com que o
mesmo atuasse segundo critérios de bancos privados.
O Banco do Brasil possui elevada preferência pela liquidez nas regiões mais
pobres, que se assemelha muito à dos bancos privados. Ainda durante a crise financeira de
2008 - quando ele proveu liquidez em um período de reversão das expectativas e aumento
da aversão ao risco - esta atuação tendeu a aumentar a desigualdade na distribuição do
crédito. Claramente, se apreende que uma vez que as atividades econômicas se concentram
nas regiões mais desenvolvidas também será nestas regiões que se dará a ação anticíclica
(ARAÚJO E CINTRA, 2011).
Em se tratando do ponto de vista setorial, as instituições federais sustentaram o
ciclo de expansão econômica dos setores industrial, rural e residencial e logo depois, foram
os mesmos bancos públicos federais que implementaram a ação anticíclica pós crise
financeira internacional (ARAÚJO E CINTRA, 2011).
Esse comportamento anticíclico do crédito ofertado pelas instituições públicas foi
desenvolvido em outros trabalhos, e como cita Araújo e Cintra (2011), foram encontradas
evidências de que os empréstimos realizados por bancos públicos são 84% menos pró
cíclicos do que os dos bancos privados e que não há diferenças significativas no
comportamento de bancos privados nacionais e estrangeiros. Ou seja, os bancos públicos
contraem menos os empréstimos durante os períodos recessivos, garantindo a oferta de
crédito no momento em que os bancos privados ampliam a preferência pela liquidez, e
aumentam menos durante os períodos expansivos. Com isso, estabilizam o volume de
crédito, desempenhando um papel contra cíclico. São diversas as contribuições dos bancos
públicos como instrumento de política financeira, entre eles: fonte de competição, redução
dos spreads, taxas de juros médias e aumento dos prazos das operações de crédito, e ainda
promovendo a estabilidade do sistema e apoio à liquidez de instituições mais frágeis.

2 Crédito e Concentração bancária no Brasil


A concentração desfavorece as regiões periféricas, pois se reforçam as restrições de
liquidez que elas já enfrentam, restringem as ofertas de fontes alternativas de
financiamento, o torna mais custoso e mais exigente em termos das garantias a serem
ofertadas, amplifica a incerteza e altera as expectativas dos prestamistas e prestatários. Ou
seja, como na periferia há maior volatilidade e informação imperfeita, a rede bancária é
mais relutante em fornecer crédito a estas regiões. Conclui-se então, que há uma tendência
natural à concentração bancária nas regiões centrais, mas, no caso brasileiro, ela é
potencializada pelo próprio arranjo institucional que caracteriza a concentração de
mercado. Consequentemente, se tem um impacto negativo na possibilidade de ofertar
crédito na periferia e acentua as desigualdades regionais7.
No caso brasileiro, considerando que as regiões são estados com diferentes níveis
de desenvolvimento e crescimento, o padrão de concentração de recursos, de acesso aos
produtos e serviços e financiamento bancário também é diferenciado. Este padrão
heterogêneo no Brasil foi facilitado pela Autoridade Monetária, que não se preocupou em
avaliar o papel do sistema financeiro nacional e em especial dos bancos, na diversidade
regional brasileira, quando foram feitas as reformas no sistema financeiro nacional.
Inspiradas no modelo norte-americano, visavam a criação de um mercado de capitais que
financiasse o investimento. É possível verificar então, um fracasso na maioria das
intenções iniciais das reformas, uma vez que o financiamento de longo prazo entre 1960-

7
Para uma discussão mais detalhada sobre o assunto, ver: “Regional Monetary Policy”. Rodríguez-Fuentes,
C. J., Abingdon: Routledge, 2006.
1970 permaneceu concentrado no setor público, vinculado principalmente ao BNDE e
outros bancos de desenvolvimento e ao capital externo (ROMERO E ÁVILA, 2010).
A tabela 2 evidencia a forte concentração de crédito bancário em estados do
Sudeste, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e ainda no Distrito
Federal, em todos os anos observados. Uma possível razão para este fato é de que muitos
bancos regionais foram comprados por conglomerados bancários maiores sediados na
região. Como o controle destes bancos estava no Sudeste, as operações de crédito também
foram deslocadas para lá, fazendo com que houvesse excessiva concentração de crédito
nesta região. O mais marcante é definitivamente o estado de São Paulo, que ampliou
largamente sua vantagem em relação aos outros estados, tanto em termos de sede de
conglomerados bancários, quanto na participação do crédito concedido no país. A
concentração no Distrito Federal é facilmente justificada pela presença das sedes dos
grandes bancos públicos brasileiros.

Estado 1995 2000 2005 2010 2015 Estado 1995 2000 2005 2010 2015
AC 0 0 0,1 0,1 0,1 PB 0,3 0,5 0,4 0,4 0,5
AL 0,4 0,4 0,3 0,3 0,4 PE 2,9 1,6 1,2 1,7 1,5
AM 0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 PI 0,2 0,4 0,3 0,3 0,4
AP 0 0 0,1 0,1 0,1 PR 9 4,7 5 5,5 4,7
BA 3,6 2,9 1,9 2,1 2,1 RJ 11,1 11,2 7,5 7 6,8
CE 1,8 1 1 1 1,2 RN 0,3 0,5 0,4 0,4 0,5
DF 55,7 8,9 4,9 7,1 5,1 RO 0,1 0,1 0,2 0,2 0,3
ES 0,7 0,9 0,8 1 1 RR 0 0 0,1 0,1 0,1
GO 2,2 1,4 1,9 1,7 2,2 RS 5,4 5,2 6,1 5,4 5,1
MA 0,4 0,6 0,5 0,5 0,6 SC 1,7 1,8 2,2 2,3 2,4
MG 6 5,1 6,4 6,1 6 SE 0,2 0,4 0,2 0,3 0,4
MS 1,1 0,7 0,9 0,7 0,9 SP 44,6 49,6 55,3 53,4 55,1
MT 1,3 1 1,3 1,1 1,3 TO 0,2 0,2 0,2 0,2 0,3
PA 0,6 0,6 0,6 0,7 0,8
Tabela 2 - Participação dos estados brasileiros no crédito total concedido 1995 – 2015 (em %)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ESTBAN

É possível observar também, um aumento na participação dos estados das regiões


Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, na concessão de crédito. Diante da concentração da
atividade financeira e do crédito em estados que possuem melhor desempenho econômico,
principalmente São Paulo, pode-se concluir que o mercado bancário contribui fortemente
para o aprofundamento das desigualdades regionais brasileiras.
Em um estudo sobre os impactos da concentração do setor bancário brasileiro em
vista da divergência ou convergência do crescimento regional, Amado (2006) avalia quais
bancos brasileiros possuíam caráter regional considerando a geração de crédito em termos
de depósitos na década de 1990. A autora pôde concluir que o processo de consolidação
bancária que viveu o Brasil aconteceu em detrimento dos bancos de atuação regional. Estes
foram incorporados por outros que atuavam mais na região centro-sul do país. Nota-se
então, uma restrição de liquidez para as regiões periféricas, que tiveram seu crescimento
limitado e as desigualdades acentuadas.
Sabe-se que no Brasil a oferta interna de crédito é reduzida e não suficiente às
necessidades do país, tornando-se uma barreira ao crescimento econômico de longo prazo.
É possível verificar no Brasil uma relação positiva entre a taxa de crescimento da
economia e o desenvolvimento do sistema financeiro (FREITAS E PAULA, 2010).
Contudo, após a consolidação bancária, houve redução no número de agências e
fechamento de sedes nas periferias do país, fazendo com que a informação sobre estas
regiões ficasse menos disponível aos bancos maiores que estão sediados nos centros
econômicos, fazendo com que o volume de crédito destinado àquelas regiões seja reduzido,
como expõe Freitas e Paula (2010).
Em uma análise do motivo pelo qual no Brasil o financiamento de longo prazo via
bancos privados não tem papel central no desenvolvimento econômico, ocasionando um
racionamento de crédito por parte dos bancos privados, pressupõe que se deve ao próprio
comportamento das instituições financeiras brasileiras. Crocco et al (2011) e Nogueira et
al (2008), evidenciam que, a depender do seu perfil, os bancos têm estratégias
espacialmente diferenciadas. Uma vez que estes são mais propensos a operações de alta
rentabilidade e baixo risco. Por exemplo, o investimento em títulos públicos emitidos pelo
governo possui elevada liquidez e taxa de juros, e permite que os bancos estabeleçam
políticas de crédito conservadoras. Sendo assim, conceder crédito ao setor produtivo já não
é mais animador, já que este setor não oferece as mesmas condições de rentabilidade,
liquidez e segurança. Cabe então, aos bancos federais atender o mercado não coberto pelos
bancos privados, o que mantém o sistema bancário brasileiro num cenário de divisão de
tarefas, onde a parte pública federal se vê responsável por sanar as carências de
financiamento de setores estratégicos com recursos direcionados e taxas administradas.
O estudo de Vasconcelos et al. (2004), evidencia o período de privatizações e o
efeito das mesmas na oferta de crédito bancário. Segundo os autores, não existe impacto
estatisticamente significativo do efeito das privatizações sobre a oferta de crédito.
Resultado que diverge de outros estudos quando comparado a outros países, uma vez que a
tendência em outros países é grandes bancos ao adquirirem bancos menores de foco local,
tendem a reduzir a oferta de crédito na respectiva área de atuação. A hipótese defendida
pelos autores para explicar esta divergência é de que os ajustes na estratégia de oferta de
crédito, realizados pela maioria dos bancos estaduais após 1995 (antes das privatizações),
já os fizeram operar de forma cautelosa na concessão de crédito. Por isso não foi preciso
nenhuma alteração quando foram comprados por outros bancos.

3 Indústria e Financiamento no Brasil


A política de abertura econômica e a crise que enfrentava a economia brasileira
foram as causas das baixas no crescimento do país, fazendo com que se tornasse primordial
a busca por melhores condições de competitividade para a indústria brasileira. Já é possível
notar uma mudança quando se rompe com o modelo industrial protegido do comércio
internacional que vigorava nas décadas anteriores, levando assim a uma diminuição das
taxas de importação em quase 20% em 1991 e 30% em 2002 (Romero e Ávila, 2010).
Os mesmos autores complementam que, uma vez inserido no mercado externo e à
concorrência internacional, torna-se fundamental que as indústrias nacionais sofram um
processo de modernização da produção e organização do trabalho, a fim de se tornarem
mais competitivas. Vale ressaltar que a modernização da produção ocorreu em caráter mais
amplo, dando início propriamente a uma reestruturação produtiva.
O Brasil acompanhou o processo de vários outros países latino-americanos na
adoção de políticas de abertura externa no início da década de 1990. Processo que serviu
para dois propósitos: atuar como política anti-inflacionária, uma vez que estabelecia limites
para os preços internos e aumentar a competitividade das empresas nacionais, que já que
reduzia o grau de proteção do mercado interno às importações, em grande parte por
influência e pressão dos países desenvolvidos e órgãos internacionais, como o FMI
(Romero e Ávila, 2010).
O processo de reestruturação produtiva que o Brasil passa traz consigo outro
movimento, chamado desconcentração espacial da indústria. O estado de São Paulo, que
até então detinha 40% da produção industrial brasileira, passa a perder participação.
Romero e Ávila (2010) citam vários motivos, entre eles: altos custos relativos à instalação
em áreas metropolitanas; urbanização e aprimoramento da infraestrutura de transporte e
informação em outras cidades de custo de vida/instalação mais acessível; expansão das
fronteiras agrícola e mineral. Tornou-se possível uma inflexão no processo de
reestruturação espacial da renda e das principais atividades econômicas do Brasil, uma vez
que serviços mais modernos e o aparelhamento urbano adentraram outras cidades
brasileiras.
Estas cidades eram predominantemente da região Sudeste e Sul, e estavam dentro
do polígono proposto por Diniz e Crocco (1999), que se constituía nos municípios de Belo
Horizonte, Uberlândia, Londrina/Maringá, Porto Alegre, Florianópolis e São José dos
Campos. Uma análise do PIB industrial do Brasil confirma esta teoria e acrescenta que o
vértice do polígono referente ao município de Uberlândia, poderia ser estendido à Brasília
e sua região metropolitana, incorporando assim além da região do Distrito Federal,
municípios da região sudeste de Goiás e noroeste de Minas Gerais (região bastante
propícia à instalação de indústrias ligadas a atividades agrícolas). Esta análise destaca
também um ganho relativo para a região Nordeste, principalmente na região litorânea.
Cria-se a esperança de que esta reestruturação e as transformações tecnológicas que
ela propiciou, somadas à abertura comercial e consequente competitividade, poderia
promover uma reconcentração da atividade industrial no país. Mas o contínuo aumento dos
custos gerados pela aglomeração nos principais centros industriais é um problema
dificilmente vencido. Sendo assim, as metrópoles passam a abrigar atividades de maior
teor tecnológico e intelectual, criando uma nova divisão sócio espacial da produção
(ROMERO E ÁVILA 2010).
Em resumo, os autores Romero e Ávila (2010) identificam que a tendência recente
do processo de industrialização iniciado na década de 1990 indica três principais processos
paralelos: i) industrialização de cidades de médio porte no interior do polígono traçado; ii)
leve expansão industrial para a região litorânea do nordeste, proporcionada por incentivos
fiscais, maior proximidade a Europa e EUA e atração pela mão-de-obra barata; iii)
expansão das fronteiras agrícolas. Porém, no âmbito geral, o padrão de industrialização
fica concentrado na região do polígono, tendência reafirmada pela concentração das
concessões de crédito para as regiões centrais já comentada.

4 Metodologia e Análise de Resultados


A análise realizada a seguir necessita de dados relacionados às empresas e estados
brasileiros. A seleção das grandes empresas analisadas foi feita por meio da publicação
anual da Edição Maiores e Melhores da Revista Exame. O critério que a revista usa para
seleção é por meio das vendas líquidas. Segundo a metodologia da Revista Exame, a
seleção das 1.000 maiores empresas do Brasil é feita com base na avaliação dos dados de
mais de 3.000 empresas, além dos maiores grupos privados do país.
Este conjunto compreende todas as empresas que publicaram demonstrações
contábeis no Diário Oficial dos estados, as companhias limitadas que enviaram seus
resultados para análise da revista e responderam questionários e ainda aquelas empresas de
porte significativo e bem conhecidas no mercado, que tiveram seu faturamento estimado
pelos analistas da Revista Exame.
Todos os valores referentes às vendas líquidas são ajustados, considerando a
variação da inflação, para o dia 31 de dezembro de cada ano. Sendo assim, evita-se que
empresas cujo fechamento do balanço ocorra antes ou depois ao da maioria sejam
beneficiadas ou prejudicadas. A partir desta seleção, foram filtradas, pelo critério de lucro
líquido ajustado as 50 maiores empresas de cada ano, no período entre 2010 e 2015. . Este
período de 2010 a 2015 foi escolhido por se tratar do período referente ao pós-crise de
2008, quando a política econômica estava mais flexível.
Vale ressaltar que foram usadas as publicações de 2011 a 2016, encontradas no site
da revista, uma vez que o ano base de cada publicação é o ano anterior. A princípio, a
intensão do trabalho seria trabalhar com uma análise relacionada aos “Top 50” do Banco
Central, porém devido à falta de dados gratuitos que permitiriam uma análise mais
completa, a amostra foi reduzida a fim de que se tornasse possível obter gratuitamente
todos os dados necessários. Ao se obter então, as 50 maiores empresas nos anos de 2010 a
2015, foram selecionadas aquelas que tiveram ocorrência repetida ao menos em 3 anos,
não necessariamente consecutivos. Chega-se então, a uma seleção de 13 empresas, onde 3
serão descartadas por se tratarem de empresas pertencentes a grupos maiores já incluídos
na análise.
Após a filtragem das empresas, as variáveis referentes às mesmas foram
selecionadas se acordo com o modelo desenvolvido no artigo “The Role of the Regional
Financial Sector in the Capital Structure of Small and Medium-Sized Enterprises (SMEs)”,
de Palacín-Sánchez et al. (2015). Sendo elas: localização estadual da sede da empresa,
estrutura do ativo, rentabilidade, crescimento da empresa, idade e risco. Tais variáveis
tiveram seus valores mensurados com base nas informações obtidas nas demonstrações
financeiras e balancetes anuais de cada empresa em seus respectivos sites.
O critério regional utilizado, conforme já mencionado, foi a subdivisão do Brasil
em 26 estados e 1 distrito federal. Sendo assim, foram coletadas informações acerca das
características do sistema bancário de cada estado a partir da base de dados do ESTBAN,
que se constitui em um subsistema estatístico do Sistema COSIF (Plano Contábil das
Instituições do Sistema Financeiro Nacional).
Os arquivos que compõem a base de dados ESTBAN são gerados mensalmente
com a informação da Estatística Bancária Mensal e contemplam os saldos das principais
rubricas de balancetes dos bancos comerciais e dos bancos múltiplos com carteira
comercial por município. A coleta de informações acerca do PIB de cada estado e do
Brasil, foi feita através da divulgação do IBGE, porém para os anos de 2014 e 2015, a base
de dados (e também outras pesquisadas) possui informações do PIB apenas a nível
nacional, e não possui a subdivisão estadual.
Desta forma, para que não se perca a relevância da análise, foi feito o cálculo da
proporção de participação de cada estado no PIB desde 2010 e mantida a mesma para os
anos de 2014 e 2015, seguindo seus respectivos valores totais. Encontra-se então, valores
proporcionalmente estimados para o PIB de cada estado nos anos de 2014 e 2015. Foram
escolhidos dois indicadores capazes de quantificar o desenvolvimento financeiro regional,
o CRC – Coeficiente Regional de Crédito, calculado com base no modelo utilizado por
Nogueira et al. (2008) em “Gestão do ativo bancário diferenciada no território” e o DFE –
Desenvolvimento Financeiro Estadual, que assim como as variáveis empresariais, foi
desenvolvido de acordo com o trabalho de Palacín-Sánchez et al. (2015).
4.1 Descrição de variáveis
A primeira variável relacionada às empresas é a alavancagem. Esta é a variável
dependente na pesquisa desenvolvida, que usará a dívida total (DEBT) para refletir a
estrutura de capital das empresas. Ela é estimada como o quociente do passivo total pelo
ativo total. Para determinar a estrutura de capital das empresas, as variáveis independentes
já especificadas, foram obtidas da maneira como segue. A estrutura do ativo (ES) é
estimada como a razão entre o imobilizado líquido e o total do ativo da empresa. A
rentabilidade (RENT) é definida pela divisão entre EBITDA (ou LADIJA – Lucro antes de
juros, impostos, depreciação e amortização) e o total do ativo. O crescimento (CRESC) é
medido através do crescimento do ativo, calculado pela variação anual do total do ativo das
empresas. A idade (IDD) é medida pelo logaritmo do número de anos em que a empresa
opera no mercado. E o risco (RISC) é definido pela razão entre o desvio padrão do lucro
operacional e o total do ativo. Na ótica estadual, a variável independente: desenvolvimento
financeiro estadual (DFE) é definida pela razão entre o número total de depósitos e o PIB
de cada estado. Já na mensuração do CRC de cada estado, foi feito o cálculo da razão do
crédito concedido por estado pelo do país, sobre a razão do PIB de cada estado pelo do
país.
Esse indicador faz uma comparação entre a participação de um estado (i) no total
de crédito concedido no país (br) e a participação do mesmo no PIB nacional. Sendo assim,
quando o indicador for igual a 1, o que significa que a proporção de crédito aplicado no
estado é igual à proporção do PIB que o estado gera. Já quando for > (maior que) 1, o
estado está tendo uma participação na distribuição do crédito maior que sua participação na
distribuição do PIB. E quando o CRC foi < (menor que) 1, o estado está tendo uma
participação na distribuição do crédito menor que sua participação na distribuição do PIB.

4.2 Estatística descritiva e Análise de Resultados


Os procedimentos adotados no tratamento dos dados coletados foram análises de
Correlação e Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas (ACM), método estatístico
mais refinado.
O método de Análise de Correlação é uma técnica usada para medir o grau de
associação linear entre variáveis de qualquer natureza8. No caso, para este trabalho,
interessa-nos duas dimensões fundamentais: a financeira – como síntese para estrutura de
financiamento e a regional. Pela correlação, vamos medir este grau de relacionamento, que
será dado pelo coeficiente de correlação, que indica se há uma forte ou fraca interação
entre as variáveis.
Para o cálculo foram utilizadas as variáveis anteriormente mencionadas, e o
resultado mostra que todas as variáveis possuem correlação positiva. Isso demonstra a
interação entre todos os aspectos analisados, sejam eles “financeiras” ou “regionais”.
Na ótica das empresas identifica-se que a variável que possui menor interação com
o grau de alavancagem das empresas é a ES (Estrutura do Ativo), por possuir os menores
níveis de correlação (0,5155). Já a variável IDD (Idade), apresenta o nível de correlação
mais elevado (0,9233), sugerindo que a idade, ou “maturidade” da empresa tem relação
próxima à sua posição no mercado. Logo depois da IDD, outra variável que está

8
Maiores detalhes acerca desta metodologia, ver “Econometria Básica” (Gujarati, Damodar, 5ª
edição, 2011).
fortemente correlacionada ao grau de alavancagem das empresas é a rentabilidade (RENT),
que consiste na mensuração do retorno sobre o investimento que foi feito no longo prazo
(0,8821). Estes índices sugerem que a ideia de que a interação entre o grau de alavancagem
das empresas, e as variáveis que o compõe, são instrumentos válidos para medir a interação
da oferta de crédito estadual e o financiamento ao desenvolvimento de grandes empresas
no Brasil.
Podem ser listadas como categorias fortemente relacionadas, as variáveis idade e
rentabilidade (0,7810), o que nos leva a crer que quanto mais tempo de mercado a empresa
tiver, maior sua capacidade de obter e mensurar seu retorno no longo prazo, uma vez que
em mais tempo, mais investimentos puderam ser feitos e maiores seus resultados. O
mesmo é possível inferir da relação risco-rentabilidade (0,7746), tendo em mente que a
variável RISC foi calculada com base no quociente do lucro operacional e total do ativo,
quanto maior o risco, uma maior parte do ativo corresponderá ao retorno dos investimentos
feitos, ou seja, maior a rentabilidade da empresa. Analogamente, verifica-se forte relação
entre idade e risco (0,7497). Quanto mais tempo de mercado, mais investimentos de longo
prazo já maturados, maior a parcela de lucro presente no ativo de cada empresa.
Já a Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas, é um procedimento
exploratório e descritivo de estatística multivariada que identifica a relação que existe entre
duas ou mais variáveis, podendo ser percebida pela visualização dos pontos no gráfico, que
facilita a interpretação dos dados. Tal técnica é direcionada com basicamente dois
propósitos: sendo o primeiro deles, verificar a associação entre elas, uma vez que a
representação dessas categorias se dá pelos pontos em um plano de dimensões reduzidas.
Atributos com distribuições semelhantes serão vistos como pontos próximos no plano e
atributos com distribuições diferentes, serão vistos como pontos distantes no plano. O
segundo propósito desta técnica é tornar possível um tratamento categórico, com a
intenção de revelar mais precisamente as relações e associações entre as variáveis.
O método ACM foi escolhido em contrapartida a algum método econométrico, por
trabalharmos com indicadores que são tratados como categorias. O propósito é cruzar as
informações das categorias de alavancagem e endividamento com as informações regionais
de desenvolvimento e crédito. Além de possuirmos uma amostra restrita, e desta maneira
termos perdas do grau de liberdade da amostra. Previamente à ACM, queremos analisar o
grau de correlação linear das variáveis, a fim de verificar se há uma forte relação entre elas
e assim, abrir caminhos para uma interpretação mais sofisticada.
Para análise foram feitas as seguintes considerações: os valores referentes a cada
variável foram categorizados a partir do arredondamento simples dos valores, como segue
na tabela 3. Nas variáveis DEBT (alavancagem), ES (estrutura do ativo), RENT
(rentabilidade) e CRESC (crescimento) valeram as categorias 0 e 1, criando então as
categorias DEBT_0, DEBT_1, ES_0, ES_1, RENT_0, RENT_1, CRESC_0 e CRESC_1.
Para a variável IDD (idade) foram consideradas três categorias, sendo elas 0, 1 e 2 que
categorizam as empresas como: IDD_0: empresas jovens, IDD_1: empresas em
consolidação, IDD_2: empresas maduras.
A nível estadual, as variáveis foram categorizadas da maneira que segue: LDFR de
-6 a 5, identificando estados por ordem crescente de desenvolvimento financeiro. Já a
variável CRC foi categorizada em três definições: CRC_0: para estados que recebem pouca
oferta de crédito, CRC_1: estados com oferta moderada de crédito e CRC_2: oferta
abundante de crédito.
O primeiro critério usado para a interpretação dos resultados da ACM é definir o
número de dimensões que devem ser consideradas. Para isso foi calculada a média dos
autovalores (̅ ) e considerados todos os autovalores superiores a essa média. Foram
consideradas duas dimensões, que explicam 77,69% da variância da nuvem de categorias.
A partir do tratamento dos dados foram elaboradas tabelas contendo informações
diferenciadas sobre a amostra. A primeira tabela (Tabela 3) remete às coordenadas de cada
categoria em cada dimensão (Dim.). Essas coordenadas são as mesmas representadas nos
gráficos de dispersão analisados posteriormente. A tabela serve para explanar informações
mais precisas sobre a localização espacial das categorias no plano de representação
(através de pontos no plano). Sendo assim, poderemos verificar que categorias com maior
semelhança (em termos de distribuição – que apresentam valores próximos no que se
refere às Dimensões 1 e 2), têm coordenadas próximas no gráfico, onde é possível detectar
visualmente os pontos que apresentam maior correspondência.

Categorias Mass Dim.1 Dim.2 Categorias Dim.1 Dim.2


DEBT_0 0,116 0,578 0,025 DEBT_0 0,039 0
DEBT_1 0,026 -2,554 -0,109 DEBT_1 0,172 0
ES_0 0,136 0,052 0,313 ES_0 0 0,13
ES_1 0,007 -1,076 -6,464 ES_1 0,008 0,275
RENT_0 0,138 0,117 0,064 RENT_0 0,002 0,001
RENT_1 0,005 -3,141 -1,721 RENT_1 0,051 0,15
CRESC_0 0,141 0,035 0,073 CRESC_0 0 0,001
CRESC_1 0,001 -3,385 -7,081 CRESC_1 0,017 0,073
IDD_0 0,103 0,827 0,253 IDD_0 0,079 0,007
IDD_1 0,020 -2,629 1,155 IDD_1 0,137 0,026
IDD_2 0,021 -1,602 -2,378 IDD_2 0,053 0,116
LDFR_-6 0,001 0,946 -0,102 LDFR_-6 0,001 0
LDFR_-4 0,005 1,208 1,850 LDFR_-4 0,007 0,018
LDFR_-3 0,004 1,129 1,264 LDFR_-3 0,005 0,006
LDFR_-2 0,016 1,057 0,726 LDFR_-2 0,018 0,008
LDFR_-1 0,018 0,879 0,379 LDFR_-1 0,014 0,003
LDFR_0 0,029 0,168 -0,908 LDFR_0 0,001 0,024
LDFR_1 0,022 0,563 0,005 LDFR_1 0,007 0
LDFR_2 0,014 0,428 0,243 LDFR_2 0,003 0,001
LDFR_3 0,009 0,182 -4,927 LDFR_3 0 0,021
LDFR_4 0,021 -2,672 1,127 LDFR_4 0,152 0,027
LDFR_5 0,004 -2,754 2,080 LDFR_5 0,033 0,019
CRC_0 0,026 1,105 1,160 CRC_0 0,032 0,035
CRC_1 0,088 0,442 -0,817 CRC_1 0,017 0,059
CRC_2 0,029 -2,382 1,442 CRC_2 0,162 0,059
Tabela 3 - Coordenadas para ACM Tabela 4 - Inércia explicada dos eixos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerados no STATA 2014. gerados no STATA 2014.

Em seguida, a segunda tabela (Tabela 4) faz referência à inércia explicada nos


eixos. Nela são apresentadas as contribuições dos pontos para as Dimensões. Os valores
expressam a extensão da contribuição do ponto na determinação direcional da Dimensão.
Pela Dim.1, que corresponde a 66,97% da representação da amostra, os pontos de maior
representatividade são o DEBT_1, que representa empresas com elevado grau de
alavancagem; IDD_1, que corresponde a empresas que já possuem certa maturidade no
mercado; LDFR_4, que diz respeito a estados com maior índice de desenvolvimento
financeiro e CRC_2, que são os estados com elevada oferta de crédito. Já na Dim.2, que
abrange 10,72% da explicação da amostra, as categorias de maior representatividade são
ES_1, que corresponde às empresas com grande parte do ativo oriunda do retorno de
investimentos; e IDD_2, que são empresas com bastante tempo de mercado. Ambas
características se complementam ao deixar clara a importância da idade, ou seja, do tempo
na maturação dos investimentos de longo prazo feitos por elas. E nos permite inferir que há
maior relação entre empresas que possuem elevado grau de alavancagem, certa maturidade
no mercado e que estão localizadas em regiões com potencial desenvolvimento e grande
oferta de crédito.
O autor DINIZ (2013), em seu trabalho sobre a dinâmica regional e o ordenamento
do território brasileiro tratou esta questão e as alterações que este padrão vem sofrendo ao
longo dos anos. De acordo com o autor, após grande concentração das atividades
econômicas na Região Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, no últimos anos
inciou-se um processo de desconcentração produtiva no país, articulado por basicamente
três grandes movimentos. O primeiro deles é a desconcentração para áreas próximas a São
Paulo, redestribuindo do interior de São Paulo até o centro de Minas Gerais e nordeste do
Rio Grande do Sul. Em segundo lugar vem a expansão da indústria na região Nordeste,
com destaque para os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco e em terceiro lugar, a
indústria agropecuária e mineral no centro-oeste e norte do país. Associado a este
movimento, verifica-se também o crescimento de cidades de médio e grande porte, e
consequentemente, crescimento do conjunto de atividades e serviços que as mesmas
oferecem.
Diniz (2013) propõe ainda, em concordância com este trabalho, que é em função
dessas características e tendências que devem ser analisadas as dinâmicas econômicas e
regionais no Brasil, além de seus impactos e efeitos no ordenamento do território e
implicações para o futuro do país. Uma vez que as recentes tendências discriminadas
deveriam ser potencializadas a fim de tornar possível a redução das desigualdades
regionais, para tal, novas políticas nacionais de desenvolvimento regional deveriam ser
articuladas permitindo que este processo ocorra de maneira mais ampla.
Os gráficos de dispersão a seguir corroboram a hipótese proposta de que a
concentração regional do crédito está diretamente ligada à presença das grandes empresas
naquela região, demonstrando assim, uma concentração de maior desenvolvimento naquele
determinado estado. Ao analisarmos a localização dos pontos da relação entre as variáveis
estudadas, tanto com o coefiente regional de crédito (CRC), quanto com o índice de
desenvolvimento financeiro estadual (LFDE), fica clara esta interação, uma vez que eles
possuem grande proximidade nas coordenadas. Os pontos mais claros no mapa,
corroboram o argumento de Diniz (2013) ao dizer do movimento de diversificação da
concentração industrial no país, que mesmo sendo ainda tímido, permite localizar em
quadrantes de interação relevante, alguns estados que estão fazendo parte deste processo.
Para uma melhor análise, será usada uma divisão cartesiana no gráfico, dividindo a
área observada em quatro quadrantes. No quadrante direito superior dos gráficos os pontos
com mais forte associação: alto índice de oferta de crédito e alto grau de alavancagem das
empresas, no estado mais desenvolvido do Brasil, onde situa-se grande parte do
aglomerado industrial brasileiro. É característica comum entre praticamente todas as
análises a presença do estado de São Paulo neste quadrante. No quadrante esquerdo
superior, nota-se a concentração dos estados com índice de desenvolvimento industrial
também elevado, como MG, RJ e PR. Neles percebe-se alto grau de alavancagem das
empresas, mas uma oferta de crédito e desenvolvimento regional mais moderados.
No quadrante direito inferior, identifica-se o Distrito Federal e em alguns
momentos o estado do Paraná. O Distrito Federal conta com elevada oferta de crédito, mas
não possui empresas de destaque, já o Paraná, é um estado brasileiro de elevado
desenvolvimento e algumas empresas de ponta, mas não possui elevada concentração
destas empresas. Já no quadrante esquerdo inferior, a vizualição se torna complicada, mas
bastante significativa. Nos pontos próximos de zero, tanto para desenvolvimento
financeiro/oferta de crédito quanto para presença de grandes empresas, se encontram os
demais estados brasileiros, que diante da amostra coletada, obtiveram valores referentes à
variável dependente DEBT iguais a zero, por não terem sido identificadas empresas de
grande porte naqueles estados dentro da amostra observada.
1

1
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CRC padro CRC padro

Diagrama de dispersão: DEBT e CRC Diagrama de dispersão: CRESC e CRC


Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerado no STATA 2014. gerado no STATA 2014.
1

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0 .2 .4 .6 .8 1 CRC padro
CRC padro

Diagrama de dispersão: ES e CRC Diagrama de dispersão: IDD e CRC


Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerado no STATA 2014. gerado no STATA 2014.
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0 .2 .4 .6 .8 1 CRC padro
CRC padro

Diagrama de dispersão: RISC e CRC


Diagrama de dispersão: RENT e CRC Fonte: Elaboração própria a partir de dados
Fonte: Elaboração própria a partir de dados gerado no STATA 2014.
gerado no STATA 2014.
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LDFR padro LDFR padro

Diagrama de dispersão: DEBT e LDFR Diagrama de dispersão: CRESC e LDFR


Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerado no STATA 2014. gerado no STATA 2014.
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0 .2 .4 .6 .8 1 0 .2 .4 .6 .8 1
LDFR padro
LDFR padro

Diagrama de dispersão: ES e LDFR Diagrama de dispersão: IDD e LDFR


Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerado no STATA 2014. gerado no STATA 2014.
1

SP
1

MG
SP
SP
.8

SP
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SP
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MG RJ SPSP MG RJ SP SP SP SP
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0 .2 .4 .6 .8 1
LDFR padro 0 .2 .4 .6 .8 1
LDFR padro

Diagrama de dispersão: RENT e LDFR Diagrama de dispersão: RISC e LDFR


Fonte: Elaboração própria a partir de dados Fonte: Elaboração própria a partir de dados
gerado no STATA 2014. gerado no STATA 2014.

A metodologia escolhida para análise dos dados coletados cumpre seu objetivo
neste capítulo, uma vez que permite que a hipótese discutida de que a relação entre a oferta
de crédito e consequentemente, o desenvolvimento de determinado estado têm relação
positiva e direta com a presença de grandes empresas neste estado. As diversas variáveis
que se obtém ao trabalharmos com a amostra definida nos permitem inferir sobre seu
padrão de financiamento e confirmar a hipótese de que mesmo após as muitas mudanças
que sofreu o sistema financeiro, mais especificamente, o sistema bancário brasileiro, a
estrutura de financiamento das grandes empresas do país continua sendo dependente dos
grandes bancos públicos nacionais, levando a conclusão de que o Estado é o maior
financiador do desenvolvimento industrial no Brasil.

Conclusão
Ademais, por meio deste trabalho chega-se à conclusão de que mesmo depois de
passar por fortes alterações nos agentes bancários, o padrão de financiamento brasileiro se
manteve concentrado nas mãos dos grandes bancos públicos nacionais. Fato que evidencia
a dependência das empresas brasileiras, com relação a seu padrão de financiamento, além
de outros fatores, em se situarem em áreas com maior oferta de crédito, as quais
correspondem aos estados brasileiros com maior índice de desenvolvimento.
A relação demonstrada graficamente entre os índices regionais e a variável que
representa o grau de alavancagem das empresas permite concluir que há forte dependência
das mesmas pela oferta de crédito que os bancos públicos nacionais disponibilizam, ou que
seus investimentos são bancados por empréstimos intercompanhia, uma vez que não se
verifica utilização significativa de outra forma de financiamento.
Depois de verificados os resultados e feita a análise cabe pontuar que em função
das características encontradas como determinante dos dados - empresas que possuem
elevado grau de alavancagem, certa maturidade no mercado e que estão localizadas em
regiões com potencial desenvolvimento e grande oferta de crédito – devem ser analisadas
as dinâmicas econômicas e regionais por parte do governo brasileiro. As recentes
transformações que o ordenamento territorial do crédito e da indústria vêm sofrendo têm
forte implicações no futuro do país. Acredita-se que a potencialização destas tendências
podem tornar possível a diminuição das desigualdades regionais, e tal feito só será
amplamente possível com a articulação de políticas nacionais de desenvolvimento
regional.

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ANÁLISE DO FINANCIAMENTO DO BNDES NO SETOR AGROPECUÁRIO
BRASILEIRO PARA O PERÍODO DE 2012 A 2015
Fransuellen Paulino Santos – Universidade Federal de Viçosa – franspaulino@gmail.com
Luiza Amara Maciel Braga - Universidade Federal de Viçosa - luizaamara@gmail.com
Aboubacari Mohamed Abdoulaye - Universidade Federal de Viçosa-
abdeltoure2229@gmail.com

Resumo
O presente trabalho busca analisar como foi o comportamento da produtividade total dos
fatores (PTF) de algumas empresas do setor agropecuário brasileiro que receberam crédito
do BNDES, entre 2012 e 2015. Pretende-se, então, apurar se as empresas que receberam
mais crédito são aquelas com o melhor desempenho produtivo para o setor agropecuário.
Para isso utilizou-se a técnica Análise Envoltória de Dados (DEA), com o cálculo do
Índice de Malmquist, a partir de uma amostra de 14 empresas do setor. Constatou-se que,
na média, apenas quatro empresas apresentaram variações positivas de produtividade. O
valor financiado pelo BNDES, pode ter tido impacto positivo sobre o desempenho das
empresas do ponto de vista tecnológico, mas não foi suficiente para melhorar sua eficiência
técnica. Além disso, foi possível verificar que as empresas que receberam mais crédito não
foram, necessariamente, as que tiveram o melhor desempenho produtivo.
Palavras-chave: Produtividade Total de Fatores, Índice Malmquist, BNDES.

Abstract

This paper pretends to analyze the Total Factor Productivity (TFP) of some Brazilian
agricultural companies that received credit from the National Bank for Economic and
Social Development (BNDES), between 2012 and 2015. The intention is to determine if
the companies that received the most credit are those with the best productive performance
in the agricultural sector. For this purpose the Data Envelopment Analysis (DEA)
technique was used, with the calculation of the Malmquist Index, from a sample of 14
companies. It was found that, on average, only four companies showed positive changes in
productivity. The amount financed by the BNDES may have had a positive impact on the
performance of companies from the technological point of view, but was not sufficient to
improve their technical efficiency. In addition, it was possible to verify that the companies
that received the most credit were not those that had the best productive performance.
Key words: Total Factor Productivity, Malmquist Index, BNDES.
1 INTRODUÇÃO

O setor agropecuário, que é composto pelas atividades agrícolas e pecuárias, possui

uma grande importância para a economia brasileira, representando, em 2015, cerca de

6,38% do total do PIB brasileiro (CEPEA/ESALQ, 2016). Ademais, a participação do setor

na balança comercial do país, no mesmo ano, foi de 46,2%, segundo o Ministério da

Agricultura (MAPA, 2017). Sendo assim, é do interesse do governo brasileiro que as

empresas que compõe o setor tenham o melhor desempenho produtivo possível, e com essa

finalidade são direcionados a essas empresas uma série de incentivos, dentre os quais estão

os programas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES).

Em 1960, houve um forte investimento na modernização do setor agropecuário por

parte do governo brasileiro, dando, por exemplo, o incentivo através do crédito especial, no

intuito de alavancar o processo de melhorias na parte de insumos industriais e mecanização

(FILHO et al., 2000). O final deste mesmo ano, de acordo com Delgado (2001), é

considerado como marco para a constituição do complexo agroindustrial brasileiro, sendo

caracterizado pela implantação de um setor industrial produtor de bens de produção para a

agricultura, conjuntamente ao desenvolvimento ou modernização de um mercado para

produtos industrializados de base agropecuária, dando origem à formação simultânea de

um sistema de agroindústrias, uma parte dirigido para o mercado interno e outra parte

voltado para a exportação. O autor explica que, como existe uma assimetria de

oportunidades nesse segmento, algumas regiões apresentam um nível de renda rural

inferior ao de outras consideradas eficientes, e isto implica em uma baixa remuneração dos

fatores de produção, dentre os quais, da mão de obra.

O setor de produção agropecuário no país, de acordo com o Cepea/ESALQ (2016),


é responsável por aproximadamente 6,38% do PIB, sendo o principal gerador de saldos

comerciais, afetando positivamente a balança comercial brasileira por meio da entrada de

divisas provenientes da exportação de produtos agrícolas. Devido à sua grande

importância, esse segmento conta com forte apoio do BNDES, direcionado às pequenas e

grandes empresas. O crédito concedido pelo BNDES tem como principal objetivo o

aumento da produtividade do setor através do aprimoramento tecnológico e pela expansão

da capacidade produtiva dessa indústria, o que pode ser atingido mediante a adoção de

inovações capazes de deslocar as fronteiras de produção das empresas. A importância do

crédito para a inovação foi destacada no estudo de Schumpeter (1934), onde o autor aponta

que os empresários somente teriam condições de inovar se tivessem acesso à credito para

tal finalidade. Ou seja, apenas desta forma os empresários teriam condições de optar pelo

desenvolvimento e adoção de inovações.

A principal estratégia para o BNDES é o apoio a inovação, buscando atuar em

conjunto com políticas públicas vigentes, de maneira a agregar as demais instituições do

Sistema Nacional de Inovação (BNDES, 2016a). Sendo o mesmo o principal instrumento

do Governo Federal para o financiamento de longo prazo e investimento em todos os

setores da economia brasileira. Para que isso ocorra, apoia empreendedores de todos os

portes, para que possam expandir, modernizar e concretizar os novos negócios, além de

sempre visar a potencial geração de empregos, renda e inclusão social para o país

(BNDES, 2016a). Esse apoio pode ser através de financiamento a investimentos,

subscrição de valores mobiliários, prestação de garantia e concessão de recursos não

reembolsáveis a projetos de caráter social, cultural e tecnológico. Portanto, as prioridades

da instituição são o incentivo a inovação, o desenvolvimento regional e o desenvolvimento

socioambiental.
O BNDES age através de políticas transversais, por meio de princípios e

instrumentos de ação, que traduzem alguns assuntos considerados prioritários para o Banco

no desempenho de seu papel na sociedade (BNDES, 2014). Os recursos que são

disponibilizados pela instituição possuem alguns critérios. Assim, estes deverão ser

utilizados com finalidades específicas como: (i) em investimentos para implantação,

expansão, modernização e/ou recuperação de empreendimentos, infraestrutura de empresas

e instituições públicas e privadas, incluindo projetos, instalações, treinamento, entre outros;

e (ii) para a produção ou aquisição de máquinas e equipamentos novos, que devem ser de

fabricação nacional e credenciados pelo BNDES, bens novos, insumos, serviços,

softwares, capital de giro, exportação de bens e serviços brasileiros, podendo até ocorre a

aquisição de bens e serviços importados e despesas de internação, desde que haja

comprovação de inexistência de similar em âmbito nacional (BNDES, 2016a).

Dessa forma, o BNDES busca estimular uma área que tem papel expressivo na

expansão produtiva do Brasil. O Banco financia, por exemplo, a implantação de métodos

de irrigação nas lavouras, a aquisição de tratores agrícolas, máquinas para plantio e

colheita e a modernização de plantas produtivas. Grande parte dos clientes no setor são

cooperativas, que a partir do apoio do Banco crescem e com isso geram trabalho e renda

para famílias do campo.

Visando entender o comportamento da produtividade na agropecuária brasileira,

alguns autores como Hayami e Ruttan (1970), Gasques e Conceição (1997) e Pereira

(1999) demonstram que as quedas de eficiência do setor podem ser compensadas por

ganhos proporcionais na tecnologia, para que, desta forma, ocorram mudanças positivas na

produtividade total de fatores. Contudo os autores destacam que existem grandes

disparidades regionais no que se refere à adoção das novas tecnologias. Neste sentido,
Pereira (1999) explica que, entre os anos de 1970 a 1996, a evolução tecnológica do setor

avançou mais nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do que em outras regiões do país.

Santos (2002) analisa o setor agropecuário do Nordeste e constata que a eficiência

de cada microrregião é explicada por variáveis distintas. Enquanto isso, Pereira Filho e

Souza (2002) que também buscaram determinar a eficiência na agropecuária da Região

Nordeste, no período de 1975 a 1995, verificaram que houve uma redução na

produtividade do setor agropecuário da região determinada, principalmente por perda de

eficiência técnica e deslocamento regressivo da fronteira tecnológica. Porém, os autores

explicam que os resultados não permitem inferir a respeito dos determinantes deste

comportamento.

Para Fornazier e Vieira Filho (2012) o crédito rural é o principal instrumento

econômico utilizado pelo governo, beneficiando alguns setores, produtores e regiões, mas

acentuando as desigualdades socioeconômicas. Existem distinções entre as regiões

brasileiras quanto ao grau de eficiência técnica de sua agropecuária sendo assim, uma

importante etapa o processo de levantamento das limitações de desenvolvimento desse

setor. Desta forma, se são conhecidos os fatores que contribuem para tornar-se uma região

eficiente, pode-se definir as necessidades das áreas específicas para, então, solucionar os

problemas das ditas ineficientes e inseri-las no processo de desenvolvimento da

agropecuária brasileira.

Percebe-se, então, que o comportamento da produtividade do setor agropecuário é

um tema explorado, contudo nenhum trabalho buscou, até agora, entender o

comportamento produtivo das empresas agropecuárias brasileiras sob a luz do crédito

fornecido pelo BNDES. Com a intenção de suprir essa lacuna, este estudo tem como

objetivo fazer uma análise geral da produtividade total dos fatores (PTF), entre 2012 e
2015, das principais empresas agropecuárias brasileiras. Foram selecionadas empresas que

receberam crédito do BNDES, entre 2004 e 2015, e que também estavam no ranking

“Melhores e Maiores” da Revista Exame. A PTF será calculada através do Índice de

Malmquist, que permite, ainda, a análise do índice de mudança de eficiência técnica e do

índice de mudança tecnológica. Também se pretende avaliar se as empresas que receberam

mais crédito são aquelas com o melhor desempenho produtivo.

2 METODOLOGIA

2.1 Análise Envoltória de Dados (DEA)

Neste trabalho, utiliza-se a Análise Envoltória de Dados (DEA) para o cálculo do

Índice de Malmquist, que é uma técnica não paramétrica, cujos pioneiros foram Charnes et

al. (1978), tendo como base os princípios derivados do modelo de Farrell (1957). Esta

metodologia, busca avaliar o desempenho por intermédio da programação matemática. Ou

seja, em termos de eficiência relativa, de diferentes unidades tomadoras de decisão (DMUs

– Decision Making Units), a partir de um conjunto de inputs e outputs, sendo que a

eficiência de uma unidade produtiva é medida através da comparação entre os valores

observados e os valores ótimos de suas saídas (output) e entradas (input). Desta forma, as

DMUs que estão localizadas na fronteira de eficiência servirão de benchmark para as

demais.

Os modelos DEA podem ser orientados de duas formas: 1) Orientação insumo:

quando se pretende reduzir os insumos, fixando os produtos; 2) Orientação produto:

quando, dado um montante fixo de insumos, pretende-se obter uma maior quantidade de

produtos. O modelo adotado neste trabalho tem orientação insumo, o que é justificado pelo

fato das variáveis de insumo serem as primeiras variáveis de decisão passíveis de mudança
pelos empresários (COELLI et al, 2003).

Além da orientação, os modelos DEA podem assumir duas hipóteses: Retornos

Constantes de Escala (CRS1) ou Retornos Variáveis de Escala (VRS2). Na hipótese de

retornos constantes, um aumento de insumo gera um aumento de produto na mesma

proporção, o que não ocorre na hipótese de retornos variáveis, que admite que um aumento

de insumo gere um aumento ou até uma diminuição da produção. Este trabalho utilizou o

modelo VRS, considerando que as empresas são heterogêneas e que nem sempre as

variações serão proporcionais.

2.2 O Índice de Produtividade de Malmquist

Os modelos DEA clássicos (CCR e BCC) são análises estáticas de um conjunto de

DMUs, e para avaliar a evolução da eficiência ao longo de um período de tempo é

necessário utilizar uma abordagem que permita verificar a dinâmica das DMUs. Tem-se

destaque o Índice de Malmquist que é uma extensão dos modelos clássicos que permite

considerar técnicas não paramétricas do DEA sob circunstâncias dinâmicas.

O Índice de Malmquist (IM) ou Índice de produtividade de Malmquist foi

introduzido inicialmente por Malmquist (1953), visando a elaboração de um índice

comparativo para a análise do consumo em razão de funções distância. Com o passar dos

anos foi sendo aperfeiçoado por inúmeros trabalhos, dentre os quais Caves et al. (1982) e

Thrall (2000). Tal índice representa o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF)

de uma unidade tomadora de decisão (DMU), sendo reflexo de dois componentes:

mudança de eficiência e alteração tecnológica ao longo do tempo. Ou seja, aplica-se o

1 Constant Returns to scale.


2 Variable Returns to scale.
algoritmo de programação linear de DEA para construir a fronteira de produção de um

determinado período, e depois para o cálculo da razão entre as distâncias da fronteira

construída de dois pontos de produção para períodos distintos de uma mesma unidade

(SANT’ANNA et al., 2002). Cooper et al. (2007) explica que a PTF reflete a contribuição

de todos os insumos produtivos na formação do produto e, consequentemente, melhorias

na PTF contribuem para um melhor desempenho da DMU.

A função distância orientada pelo insumo 𝑑𝑖(𝑥, 𝑦) = 𝑠𝑢𝑝 {𝜌 ∶ ( 𝑥 ) 𝜖 𝐿(𝑦)},


𝜌

conforme explica Carvalho et al. (2006), caracteriza a tecnologia de produção através da

contração proporcional mínima do vetor de insumos, dado o vetor de produtos, tornando

assim a produção factível. Portanto, no caso em que x pertence ao conjunto de inputs de y,

tem-se que 𝑑𝑖(𝑥, 𝑦) ≥ 1. Enquanto isso, que no caso em que 𝑑𝑖(𝑥, 𝑦) = 1, admite-se que x

estará sobre a fronteira do conjunto de insumos.

De acordo com os trabalhos de Färe et al. (1995) e Caves et al. (1982), o IM pode

ser calculado com o auxílio da média geométrica de dois índices. Portanto, o IM contém a

primeira parte que utiliza a fronteira do período t, enquanto a segunda usa a fronteira do

período t+1. Desta forma, pode representar 𝐼𝑀𝑖 sob orientação insumo da seguinte forma:

1⁄
𝑑𝑡(𝑥 𝑡+1, 𝑦𝑡+1) 𝑑𝑡+1
𝑖 (𝑥 𝑡+1, 𝑦𝑡+1)
2
𝐼𝑀𝑖 (𝑥𝑡+1 , 𝑦𝑡+1 , 𝑥𝑡 , 𝑦𝑡 ) = [ 𝑖 𝑡 ] (1)
𝑑𝑖 (𝑥𝑡, 𝑦𝑡) 𝑑𝑖𝑡+1(𝑥𝑡, 𝑦𝑡)

Recorrendo a equação (1) pode-se inferir que quando 𝐼𝑀𝑖 > 1 houve uma melhora

na produtividade da 𝐷𝑀𝑈𝑖 ao longo do tempo; 𝐼𝑀𝑖 < 1 indica que houve uma piora da

produtividade da 𝐷𝑀𝑈𝑖 ao longo do tempo; e, por fim, se 𝐼𝑀𝑖 = 1 quer dizer que a

produtividade da 𝐷𝑀𝑈𝑖 manteve-se constante em todo o período. Além disso, os

problemas de programação linear expressos no Quadro 1 deverão ser resolvidos. Sendo

que nos problemas 3 e 4 os pontos de produção são contrapostos a períodos diferentes.


Desta maneira, o parâmetro θ não precisa necessariamente ser maior ou igual a um.

Quadro 1 - Problemas de programação linear


1) 𝑀𝑖𝑛𝜃𝜃𝜆 = [𝑑𝑡(𝑥𝑡, 𝑦𝑡)]−1 2) 𝑀𝑖𝑛𝜃𝜃𝜆 = [𝑑𝑡+1(𝑥𝑡+1, 𝑦𝑡+1)]−1
𝑖 𝑖
s.a s.a
−𝑦𝑖,𝑡 + 𝑌𝑡𝜆 ≥ 0 −𝑦𝑖,𝑡+1 + 𝑌𝑡+1𝜆 ≥ 0
𝜃𝑖,𝑡𝑥𝑖,𝑡 − 𝑋𝑡𝜆 ≥ 0 𝜃𝑖,𝑡+1𝑥𝑖,𝑡+1 − 𝑋𝑡+1𝜆 ≥ 0
𝜆 ≥0 𝜆 ≥0

3) 𝑀𝑖𝑛𝜃𝜃𝜆 = [𝑑𝑡(𝑥𝑡+1, 𝑦𝑡+1)]−1 4) 𝑀𝑖𝑛𝜃𝜃𝜆 = [𝑑𝑡+1(𝑥𝑡, 𝑦𝑡)]−1


𝑖 𝑖
s.a s.a
−𝑦𝑖,𝑡+1 + 𝑌𝑡𝜆 ≥ 0 −𝑦𝑖,𝑡 + 𝑌𝑡+1𝜆 ≥ 0
𝜃𝑖,𝑡+1𝑥𝑖,𝑡+1 − 𝑋𝑡𝜆 ≥ 0 𝜃𝑖,𝑡𝑥𝑖,𝑡 − 𝑋𝑡+1𝜆 ≥ 0
𝜆 ≥0 𝜆 ≥0

Fonte: DOS SANTOS E VIEIRA (1999, p. 185).

Através de uma forma decomposta para o índice, Pereira (1999) e Marques e Silva

(2006) possibilitam a interpretação do crescimento da produtividade em termos dessa

evolução:
1⁄
𝑑𝑡+1(𝑥 ,𝑦 ) 𝑑𝑡(𝑥 ,𝑦 ) 𝑑 𝑡(𝑥 , 𝑦 ) 2
𝑖 𝑡+1 𝑡+1 𝑖 𝑡+1 𝑡+1 𝑖 𝑡 𝑡 (2)
𝐼𝑀𝑖 (𝑥𝑡+1 , 𝑦𝑡+1 , 𝑥𝑡 , 𝑦𝑡 ) = ⌈ ⌉
𝑑𝑡(𝑥𝑡, 𝑦𝑡) 𝑑𝑡+1(𝑥𝑡+1, 𝑦𝑡+1) 𝑑𝑡+1(𝑥𝑡 , 𝑦𝑡 )
𝑖 𝑖 𝑖

Com isso, é possível verificar se um aumento da eficiência relativa de um período

de tempo para o outro deve-se ao aumento da produtividade da unidade avaliada ou por

causa de uma contração da fronteira de produção. Ou seja, a razão fora dos colchetes na

equação (2) representa a mudança técnica, indicando se a mudança da unidade está se

aproximando ou afastando da fronteira, enquanto que a razão entre colchetes mede a

mudança tecnológica entre os períodos analisados.

O índice de Malmquist é resultado do produto do emparelhamento pelo

deslocamento da fronteira, permitindo, desta forma, a divisão da variação da PTF em dois

efeitos: (i) alterações na eficiência técnica (ET) ou catch-up (efeito emparelhamento) -

avalia o aumento ou a diminuição da eficiência técnica ao longo do tempo, ou seja, permite


investigar as mudanças no processo produtivo de uma mesma tecnologia; e (ii)

modificações na tecnologia (T) ou frontier-shift effect (efeito deslocamento) - verifica as

alterações na produtividade devido ao avanço tecnológico, que se caracteriza pelo

deslocamento da fronteira de produção.

A metodologia DEA permite, assim, a avaliação da eficiência sem necessitar da

especificação de uma representação funcional da tecnologia de produção de

P&D/conhecimento, pois trata naturalmente da ocorrência simultânea de vários inputs e

outputs. Ademais, na atividade de P&D, geralmente, são envolvidos múltiplos inputs e

outputs, o que torna problemático o uso de métodos paramétricos padrões.

2.3 Fonte de dados

Para esta análise, foram considerados dados de 14 empresas agropecuárias

brasileiras, selecionadas através do ranking “Melhores e Maiores” divulgado anualmente

pela Revista Exame para diversos setores da economia. Cabe destacar que essa escolha

parte do pressuposto de que essas empresas possuem características semelhantes, sendo

que todas dispõem de capital aberto, ou seja, do ponto de vista econômico e financeiro elas

são semelhantes entre si, o que dá consistência às informações durante o período analisado,

tornando pertinente a utilização do método escolhido (DEA-Malmquist).

As informações para os anos de 2012 a 2015, foram extraídas dos Relatórios da

Administração, compostos de demonstrativos contábeis e financeiros, trazendo maior

confiabilidade aos dados. Além das informações levantadas através dos relatórios, também

foram utilizados os valores disponibilizados pelo próprio BNDES sobre as operações de

financiamento concedido a essas empresas, sendo coletados os dados de operações

financeiras realizadas entre 2004 e 2015, com o intuito de captar o tempo de maturação dos
investimentos de longo prazo, conforme descrito por Prates et al. (2000).

As variáveis do modelo são apresentadas no Quadro 2, em que todos os valores

foram corrigidos para valores de 2015, pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI).

Quadro 2- Variáveis do modelo


Estoques Custo dos insumos de produção utilizados no beneficiamento.

Composição da estrutura permanente e operacional das unidades


Imobilizado componentes do estudo, distribuídos como: máquinas, equipamentos,
Insumos
veículos, dentre outros.

Custo da mão de obra direta utilizada no processo produtivo. Utilizou-


Salários
se como proxy para esse fator o total de Despesas com Pessoal.

A variável indica o ganho anual bruto, em reais, com a venda dos


Produto Faturamento
produtos finais, é representado pela Receita Bruta de Vendas.
Fonte: Elaboração própria.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Análise da produtividade total dos fatores (PTF)

Para identificar em quais empresas ocorreram as mudanças na Produtividade Total

dos Fatores (PTF), utilizou-se o Índice de Malmquist. Esse índice, que representa a

variação na produtividade total dos fatores, pode ser decomposto em outros dois índices,

um que representa a variação na eficiência técnica e outro que representa a variação na

mudança tecnológica. Assim, é possível avaliar se as mudanças na produtividade

ocorreram devido a uma melhor alocação dos recursos, que resultou numa melhora da

eficiência técnica, ou se a variação na PTF ocorreu devido à inserção de novas tecnologias,

que foram capazes de deslocar a fronteira de produção (GOMES et al., 2013).

A Tabela 1 apresenta a média das variações da eficiência técnica (VET), da

tecnologia (VT) e da Produtividade total dos fatores (PTF), para o período do estudo

(2012-2015). A partir desses valores é possível analisar o desempenho das empresas ao

longo dos 4 anos.


Tabela 1 - Variação média da eficiência técnica, tecnológica e da PTF das empresas
agropecuárias entre 2012 e 2015

Empresa DMU VET VT PTF

Castrolanda 1 0,885 1,027 0,909


Coamo 2 0,856 1,015 0,869
Cooperalfa 3 0,978 1,032 1,010
Copacol 4 0,958 1,030 0,987
Frimesa 5 0,970 1,027 0,996
C.Vale 6 0,864 1,012 0,874
Camil 7 0,996 1,035 1,031
Frisia 8 0,893 1,025 0,915
Coasul 9 0,920 1,013 0,932
Copagril 10 0,957 1,016 0,972
Josapar 11 0,916 1,017 0,932
Minerva 12 1 1,034 1,034
Marfrig 13 1,225 1,039 1,273
Copersucar 14 1 0,923 0,923
Fonte: Resultados da pesquisa.

Verifica-se que, na média, as empresas foram melhores do ponto de vista da

variação tecnológica do que em relação à eficiência técnica. Apenas três empresas

(Minerva, Marfrig e Copersucar) foram eficientes (VET≥1), ao longo dos anos, indicando

que as unidades de produção da amostra têm dificuldades para alocar seus recursos

financeiros da melhor forma possível. No entanto, apesar da maior parte das empresas

estarem abaixo da fronteira de produção, elas estão muito próximas dela, uma vez que as

médias dos seus scores de eficiência estão acima de 0,8, indicando proximidade da

fronteira de produção.

No que concerne à variação tecnológica o desempenho das empresas foi positivo,

apenas uma empresa apresentou, na média, deslocamento negativo da fronteira de

produção (Copersucar). Todas as outras empresas tiveram deslocamento positivo da

fronteira, indicando que aumentaram sua capacidade de produção, que para este modelo se

refere à sua capacidade de gerar faturamento.


Dessa forma, o mal desempenho na eficiência técnica poderia ser compensado por

um bom desempenho no fator de mudança tecnológica, conforme foi explicado por Brito e

Silva (2012). Contudo, o bom desempenho tecnológico só foi suficiente para superar a

ineficiência técnica das empresas Cooperalfa e Camil, que foram as únicas que tiveram

variação negativa na VET superada pela variação positiva na VT e, por isso, tiveram

ganhos de produtividade no período. Apenas outras duas empresas também tiveram

variações positivas da PTF (Minerva e Marfrig), mas essas duas corporações tiveram

desempenho positivo nos dois fatores que compõe a PTF. Percebe-se, então, que nem

sempre o bom desempenho de um dos fatores que compõe a PTF é suficiente para superar

uma variação negativa no outro fator, sendo necessário que as empresas busquem por

variações positivas em ambos, pois só assim é possível garantir uma variação positiva da

produtividade.

A Tabela 2, por sua vez, apresenta o comportamento médio das empresas por ano,

o que permite a análise anual do desempenho das empresas em relação à PTF e aos seus

componentes.

Tabela 2 - Variação média anual da eficiência técnica, tecnológica e da PTF das


empresas agropecuárias entre 2012 e 2015
Anos VET VT PTF
2013 1,014 1,059 1,074
2014 0,905 0,949 0,859
2015 0,949 1,046 0,993
Fonte: Resultados da pesquisa.

Percebe-se que a média das 14 empresas do setor agropecuário analisadas para o

índice de mudança na tecnologia no ano de 2015 foi de 1,046, implicando que o progresso

tecnológico cresceu em média 4,6%. Observa-se, também, que na média estas empresas

exibem em 2013 valores de variação de eficiência técnica, variação tecnológica e


produtividades total de fatores superior aos demais anos. Cabe ainda apontar que, no ano

de 2015 a VT foi superior a VET, enquanto que em 2014 ocorre o contrário e,

consequentemente, a produtividade total de fatores foi maior em 2015. Isso corrobora com

o estudo de Costantin et al. (2007), que apontaram que a inovação e/ou progresso

tecnológico corresponde ao fator de maior importância para os ganhos de produtividade

que ocorreram na economia brasileira de 1970 a 1999. Isto, demonstra que, apesar dos

anos que se sucederam, este fator continua sendo de grande importância para o setor,

reafirmando, deste modo, a relevância do incentivo à inovação na produção agropecuária,

visando os deslocamentos de fronteira de produção.

A Tabela 3 apresenta a composição da produtividade total dos fatores para dois

grupos de empresas, aquele cujo desempenho geral foi positivo (∆PTF > 1) e para aquele

que teve um desempenho negativo (∆PTF < 1).

Tabela 3 - Composição da produtividade total dos fatores para as empresas segundo o


seu desempenho geral
Especificação ∆PTF > 1 ∆PTF < 1
Mudança na eficiência técnica 1,050 0,922
Mudança tecnológica 1,035 1,011
Mudança na PTF 1,087 0,931
Fonte: Resultados da pesquisa.

Nota-se que, para ambos os grupos, o índice de mudança tecnológica, que denota

deslocamento da fronteira de produção das empresas, é positivo, indicando que as

empresas que tiveram um desempenho negativo na produtividade total dos fatores possuem

apenas problemas de eficiência técnica. Esse resultado evidencia que as empresas tiveram

ganhos tecnológicos durante o período, contudo a maior parte delas não soube combinar da

melhor forma seus insumos, ficando abaixo da máxima eficiência.

Sendo assim, fica evidente que as empresas tiveram um bom desempenho do ponto

de vista tecnológico, mas que não foram eficientes na alocação dos fatores de produção. A
variação tecnológica positiva não foi suficiente para superar o mal desempenho da

eficiência técnica nesses anos, para a maior parte das empresas, e por isso, apenas quatro

tiveram ganhos de produtividade.

3.2 Impacto do financiamento do BNDES para o desempenho das empresas

Entre 2004 e 2015, as 14 empresas estudadas receberam um total de 2,8 bilhões de

reais em financiamentos concedidos pelo BNDES. A maior parte deste crédito tinha como

objetivo o aumento da capacidade instalada, a automação dos processos de produção e,

principalmente, a adoção de novas tecnologias que seriam responsáveis pelo cumprimento

dos dois objetivos anteriores.

Dessa forma, esperava-se que as empresas que receberam a maior quantidade de

crédito teriam o melhor desempenho. Com o intuito de avaliar essa hipótese, a Tabela 4

apresenta, novamente, as variações médias dos índices calculados na pesquisa,

comparando-os com os valores do financiamento recebidos pelas empresas analisadas,

entre 2012 e 2015.

Tabela 4 – Comparação entre os financiamentos recebidos no período entre 2004 e


2015 e desempenho das empresas agropecuárias entre 2012 e 2015
Soma financiamentos 2004-2015
Empresa DMU VET VT PTF
(R$Milhões)
Castrolanda 1 R$ 247,8 0,885 1,027 0,909
Coamo 2 R$ 550,4 0,856 1,015 0,869
Cooperalfa 3 R$ 204,2 0,978 1,032 1,010
Copacol 4 R$ 695,7 0,958 1,030 0,987
Frimesa 5 R$ 136,6 0,970 1,027 0,996
C.Vale 6 R$ 289,1 0,864 1,012 0,874
Camil 7 R$ 50,0 0,996 1,035 1,031
Frisia 8 R$ 27,5 0,893 1,025 0,915
Coasul 9 R$ 70,0 0,920 1,013 0,932
Copagril 10 R$ 20,0 0,957 1,016 0,972
Josapar 11 R$ 51,7 0,916 1,017 0,932
Minerva 12 R$ 132,2 1,000 1,034 1,034
Marfrig 13 R$ 229,5 1,225 1,039 1,273
Copersucar 14 R$ 100,0 1,000 0,923 0,923
Fonte: Resultados da pesquisa e BNDES (2016b).
A análise dos valores financiados indica que o crédito concedido pelo BNDES pode

ter tido efeito positivo sobre o desempenho tecnológico das empresas analisadas, já que

apenas uma não teve variação positiva no índice de mudança tecnológica. No entanto, não

é possível afirmar que a empresa que recebeu maior incentivo foi a que apresentou melhor

desempenho tecnológico, já que a Copacol, que recebeu o maior montante de investimento

e teve apenas a 5ª maior variação tecnológica. Contudo, no geral, o financiamento

fornecido pelo banco parece ter tido impacto positivo para o deslocamento da fronteira de

produção das empresas.

Não se pode afirmar o mesmo sobre o comportamento da eficiência, nem sobre a

produtividade total dos fatores. A variação da eficiência técnica negativa da maior parte

das empresas anula a variação tecnológica positiva gerando, por sua vez, variações

negativas na produtividade total dos fatores. Isso indica que, o impacto positivo do

investimento proveniente do BNDES acaba sendo anulado pelas ineficiências técnicas

dessas empresas. No entanto, como Fornazier e Vieira Filho (2012) salientam, é justamente

por existir distinções de eficiência técnica no setor agropecuário que se faz importante a

etapa de levantamento das limitações de desenvolvimento desse setor, para que assim

sejam mais eficientes os créditos concedidos.

Nesse sentido, seria importante a realização de uma análise a fim de que se tome

conhecimento acerca das ineficiências produtivas e econômicas existentes nas empresas,

caso contrário, a manutenção destas ineficiências pode anular os efeitos positivos das

mudanças tecnológicas, que são o objetivo central das concessões de crédito. Dessa forma,

impedindo também o êxito do objetivo indireto da política, qual seja, o aumento da

produtividade da empresa.
4 CONCLUSÃO

O setor agropecuário é de grande importância para a economia brasileira, não

apenas no PIB como também possui substancial participação na balança comercial do país.

Por ser um setor de destaque é fortemente financiado pelo governo, dentre os quais estão as

políticas de apoio concedidas pelo BNDES, cujo os investimentos entre 2004 e 2015, para

as 14 empresas analisadas, atingiu o valor de 2,8 bilhões de reais.

Considerando este cenário, o presente estudo apresentou como objetivo a análise da

produtividade total de fatores de 14 empresas do setor agropecuário brasileiro, utilizando-

se do Índice de Malmquist, que permite a decomposição e análise do índice de mudança de

eficiência e do índice de mudança tecnológica. Sob a pressuposição de retornos variáveis à

escala e orientação insumo. Além disso, realizou-se também uma análise para averiguar

qual foi o impacto do financiamento concedido pelo BNDES ao setor, sendo esta uma

avaliação inédita, ao buscar entender o comportamento e a influência do investimento do

BNDES.

Em síntese, através da análise dos índices percebe-se que apenas três empresas, das

14 analisadas, possuem uma variação da eficiência técnica positiva, com destaque para a

Marfrig. Quanto aos ganhos na variação tecnológica, todas obtiveram uma variação

positiva, com exceção da Copersucar. E, por fim, mediante os resultados da produtividade

total de fatores, nota-se que somente quatro empresas demonstram ganhos, sendo elas a

Cooperalfa, Camil, Minerva e Marfrig.

Nota-se que a inovação e/ou progresso tecnológico é um fator que influencia

positivamente os ganhos de produtividade total de fatores no setor agropecuário brasileiro

para os anos de 2012 a 2015, contudo nem sempre ele é capaz de compensar a ineficiência

das empresas. Por conta disso, muitas vezes o investimento realizado com os recursos do
BNDES gera deslocamento da fronteira de produção da empresa, mas não gera aumento de

produtividade. Seria, então, interessante que o Banco acompanhasse também a forma como

essas empresas alocam seus recursos, afim de se obter a máxima eficiência técnica que ao

ser combinada com a variação tecnológica positiva gerará variação também positiva na

PTF.

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DINÂMICA DA DÍVIDA PÚBLICA DO BRASIL COM EFEITOS DE
CHOQUES ADVERSOS NO PERÍODO DE 1999 A 2015

DYNAMICS OF PUBLIC DEBT IN BRAZIL WITH ADVERSE SHARP


EFFECTS IN THE PERIOD FROM 1999 TO 2015

Autor: Yuri Godoi Pereira Elias

Mestrando em Economia Aplicada no Programa de Pós-Graduação em


Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade
Federal de Viçosa

Email: godoiyuri@gmail.com

Coautor: Franciso Carlos da Cunha Cassuce

Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa

Email: fcccassuce@yahoo.com.br
DINÂMICA DA DÍVIDA PÚBLICA DO BRASIL COM EFEITOS DE

CHOQUES ADVERSOS NO PERÍODO DE 1999 A 2015

Resumo: Este trabalho analisa a dinâmica da Dívida Liquida do Setor Público (DLSP), que

possui efeitos sobre o processo de crescimento dos preços da economia, sobre a captação de

investimentos externos, viabilidade de investimentos e, consequentemente, crescimento da

atividade econômica no Brasil. Para a análise será estipulado um vetor autoregressivo

(VAR), com intuito de previsão da dinâmica da Dívida Pública/PIB para um período de 36

meses. O modelo demonstra que uma variação da taxa de juros, do câmbio, da taxa de

crescimento do PIB e o índice dos preços afetam a dinâmica da DLSP.

Palavras Chave: Dívida Pública, Taxa de Juros, Processo Autoregresivo.

DYNAMICS OF PUBLIC DEBT IN BRAZIL WITH ADVERSE SHARP

EFFECTS IN THE PERIOD FROM 1999 TO 2015

Abstract: This paper analyzes Net Debt of the Public Setor, which has effects on the process

of economic price growth, on the capture of foreign investments, the feasibility of

investments and, consequently, the growth of economic activity in Brazil. For the analysis

will be stipulated an autoregressive vector (VAR), in order to predict the Public Debt / GDP

dynamics for a period of 36 months. The model shows that a variation of the interest rate,

the exchange rate, the GDP growth rate and the price index affect the dynamics of the DLSP.

Key Words: Public Debt, Interest Rate, Autoregressive Process


I. INTRODUÇÃO

Considerado os efeitos da variação da dívida pública brasileira sobre o processo

de crescimento dos preços da economia, sobre a captação de investimentos externos,

viabilidade de investimentos e, consequentemente, crescimento da atividade econômica

no Brasil, percebe-se cada vez mais, a importância da análise e administração de tal

dívida.

A partir da flutuação cambial e a implantação do Regime de Metas Inflacionárias

em 1999, adotou-se uma política fiscal que possui um papel de evitar que a relação

dívida/PIB aumente. A mudança do regime cambial forçou o setor público a gerar

superávits primários, o que prejudicou a capacidade de investimento público.

Nos últimos anos o Brasil vem apresentando uma tendência de queda na razão

dívida pública/PIB. De acordo com dados do Banco Central em 2002 o Brasil possuía

uma razão dívida/PIB no patamar de 62,9% enquanto que em agosto de 2015 esta razão

se encontra em 33,7%.

Uma das variáveis mais relevantes quando se estuda a tendência da dívida é a

taxa básica de juros, em outubro de 2014 a taxa Selic era o principal indexador da dívida

representando 73,7% dos títulos vinculados a Dívida Liquida do Setor Público (DLSP).

Dada está forte relação entre a DLSP e a taxa básica de juros, percebe-se que uma

alteração nesta taxa de juros, influencia a DLSP e afeta por diferentes canais a economia

brasileira como um todo.

Diniz et al. (2014) analisou os principais indexadores da Dívida/PIB, e observou

que um choque positivo na taxa Selic de 0,5 p.p, após 12 meses espera-se que tal choque
resulte numa redução de 18,1% sobre o IPCA e numa valorização cambial de 3,1% do

real em relação ao dólar.

Freitas (2011) demonstra os efeitos que a alteração na taxa básica de juros possui

sobre a economia. O aumento da taxa básica desestimula o investimento, o que reduz a

capacidade produtiva, criando o seguinte ciclo vicioso: “a baixa oferta provoca mais

inflação, que faz os juros subirem mais, que inibe novos investimentos, o que, ao final,

leva a taxas de investimento mais baixas” (FREITAS, 2011, pag. 01). Outra

consequência observada pelo autor foi que o aumento da taxa de juros gera um aumento

do custo da dívida, com um maior gasto voltado para o custeio da dívida o governo reduz

seus investimentos em bens produtivos como por exemplo infraestrutura e educação.

De acordo com Mendes (2010), uma política de gastos públicos descontrolados

acabaria por induzir o governo a elevar a carga tributária, com o intuito de conter a

expansão da dívida pública. Como resultado, seria observada uma queda nos

investimentos (provenientes do aumento da tributação) e da demanda agregada. Esses

movimentos conduziriam para uma redução da atividade econômica e assim da

arrecadação tributária. Ironicamente, culminaria com uma queda maior nos gastos

públicos caracterizando um efeito crowding-out no gasto do governo.

Outra consequência do descontrole da dívida pública (proveniente da expansão

dos gastos) seria a expansão da taxa de juros. Esse fenômeno impactaria ainda mais nos

investimentos além de afetar a taxa de inflação e a dívida pública. Concluindo, Mendes

(2010) define o modelo brasileiro como possuindo gasto público elevado e crescente,

juros real elevado e baixo potencial de crescimento econômico.


Considerando os efeitos citados da expansão da dívida pública em relação ao PIB,

seria fundamental analisar o descontrole fiscal para a economia brasileira no período de

1999 a 2015. Mais especificamente, este trabalho pretende:

a) analisar a trajetória da dívida pública em relação ao PIB do Brasil;

b) verificar os principais determinantes da dívida pública/PIB;

c) analisar os impactos de uma política de variação na Taxa básica de juros sobre

a trajetória da dívida pública brasileira em relação ao PIB;

d) avaliar os efeitos de uma política fiscal expansionista sobre a relação dívida

pública/PIB.

II. METODOLOGIA

No presente trabalho será utilizado o modelo de autoregressão vetorial (VAR), para se

estudar de forma analítica as interações entre as variáveis econômicas de interesse. Foi

estimado um vetor autoregressivo que relaciona a razão dívida pública/PIB com as

variáveis, taxa de câmbio real, índice de preços, taxa Selic e taxa de crescimento do PIB

real. A utilização do modelo pode ser justificada devido a possibilidade de análises

dinâmicas. Serão gerados parâmetros que captam a intensidade das influências do

câmbio, da inflação (índice de preços), da taxa de juros (Selic) e do crescimento do PIB

sobre a dinâmica da dívida pública/PIB brasileira. Esta metodologia vem sendo

amplamente usada na literatura para análises sobre o comportamento da dívida pública,

como por exemplo Garcia e Rigobon (2004) e Mendonça (2008).

Uma das características do modelo de autoregressão vetorial é que todas as variáveis

são consideradas endógenas e o modelo apresenta como resultados análises de impulso


resposta e de decomposição de variância. As funções de impulso resposta exibem o

impacto de um choque em uma determinada variável sobre as demais do sistema.

Os resultados obtidos visam a confirmação que os parâmetros analisados afetam de

maneira significativa a dinâmica da dívida pública brasileira. O modelo estimado é

apresentado no seguinte sistema de equações:

𝐷𝑡 = 𝛽0 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽1𝑝 𝐷𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽2𝑝 𝐽𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽3𝑝 𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽4𝑝 𝜋𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽5𝑝 𝑇𝐶𝑡−𝑝 + 𝜀1𝑡
𝐽𝑡 = 𝛽1 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽2𝑝 𝐽𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽1𝑝 𝐷𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽3𝑝 𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽4𝑝 𝜋𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽5𝑝 𝑇𝐶𝑡−𝑝 + 𝜀2𝑡
𝐶𝑡 = 𝛽2 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽3𝑝 𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽1𝑝 𝐷𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽2𝑝 𝐽𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽4𝑝 𝜋𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽5𝑝 𝑇𝐶𝑡−𝑝 + 𝜀3𝑡
𝜋𝑡 = 𝛽4 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽4𝑝 𝜋𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽2𝑝 𝐽𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽3𝑝 𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽1𝑝 𝐷𝑡−𝑝 + ∑𝑛𝑝=1 𝛽5𝑝 𝑇𝐶𝑡−𝑝 + 𝜀4𝑡
𝑛 𝑛 𝑛 𝑛 𝑛
{𝑇𝐶𝑡 = 𝛽5 + ∑𝑝=1 𝛽5𝑝 𝑇𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑝=1 𝛽1𝑝 𝐷𝑡−𝑝 + ∑𝑝=1 𝛽2𝑝 𝐽𝑡−𝑝 + ∑𝑝=1 𝛽3𝑝 𝐶𝑡−𝑝 + ∑𝑝=1 𝛽4𝑝 𝜋𝑡−𝑝 + 𝜀5𝑡

(1)

em que: 𝐷𝑡 é a razão dívida/PIB, 𝐽𝑡 é a taxa de juros da economia, 𝐶𝑡 taxa de câmbio e

𝜋𝑡 a taxa de inflação, 𝑇𝐶𝑡 é a taxa de crescimento do PIB, para o período presente; 𝛽 ′𝑠

são os parâmetros a serem estimados; 𝐷𝑡−𝑝 , 𝐽𝑡−𝑝 , 𝐶𝑡−𝑝 , 𝜋𝑡−𝑝 e 𝑇𝐶𝑡−𝑝 são as

quantidades dos parâmetros defasados em p períodos; 𝜀1𝑡 , 𝜀2𝑡 , 𝜀3𝑡 , 𝜀4𝑡 e 𝜀5𝑡 são os

termos de erro estocástico.

De acordo com o modelo apresentado, a razão dívida/PIB será determinada pelas

variações dos parâmetros. Espera-se que uma depreciação da taxa de câmbio (R$/ US$)

eleva as exportações líquidas, assim causando uma elevação do PIB. O Aumento da taxa

de juros (política monetária anti-inflacionária), causa uma elevação do custo total da

dívida pública.

Efetuado a escolha pela modelagem autoregressiva, é fundamental se trabalhar com

séries estacionárias. Ou seja, séries que possuem média e variância constantes ao longo

do tempo e covariância dependente das defasagens e não do tempo (GUJARATI, 2011).


As séries não estacionárias geram regressões espúrias e inferências errôneas.

Portanto, foi realizado o teste Augmented Dickey-Fuller(ADF) de Raiz Unitária para as

variáveis do modelo, a fim de identificar a existência de não estacionariedade.

Para a determinação do número de lags apropriados para o modelo, foram utilizados

os critérios de informação AIC (Akaike Information Criterion), SC (Schwarz

Information Criterion) e HQ (Hannan-Quinn Information Criterion). São testados

diferentes defasagens, optando-se pelo número que minimiza os critérios citados.

(VOGELVANG, 2005).

Posteriormente foi realizado o teste de estabilidade do modelo VAR, devido a

necessidade que o mesmo seja estável. Segundo Lutkepohl (1993), a análise de

estabilidade é mais importante que a análise de estacionariedade individual das séries

utilizadas. Se o modelo não for estável, as funções de impulso-resposta e de

decomposição de variância não irão apresentar resultados confiáveis.

Os modelos que utilizam de séries temporais devem apresentar erros não

correlacionados (ENDERS, 1995). Foi realizado um teste do multiplicador de Lagrange

para verificar a existência de autocorrelação dos resíduos do modelo. Este teste trabalha

com a hipótese nula de ausência de autocorrelação serial.

Os dados utilizados são, dívida pública (Dívida - total - gov. federal e Banco Central-

líquida - % PIB), taxa de câmbio (Taxa de câmbio comercial para compra: real (R$)

/dólar americano (US$) - fim período), preços (Inflação - IPCA - (% a.m.)), taxa de

juros (Taxa de juros - Over / Selic - (% a.m.)), Índice de Preços do Brasil (IPC -geral -

índice (dez. 2005 = 100)) e Índice de Preços Estados Unidos (Estados Unidos-IPC -

índice (média 2005 = 100)).


Os dados da dívida pública, taxa de câmbio e taxa de juros foram retirados do banco

de dados do Banco Central, os dados do índice de preços foram retirados da Instituo

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), todos os dados utilizados foram para o

período de janeiro de 1999 a maio de 2015, totalizando uma amostra de 185

observações.

III. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Com a exceção das séries referentes à taxa de câmbio e da dívida, todas as outras

variáveis apresentaram séries estacionárias em nível. As duas series citadas acima foram

estacionárias apenas em primeira diferença. Posterior a execução do teste de

estacionariedade das variáveis, foi efetuado a determinação do número de defasagens

que serão inseridas no modelo. Para isto, foi utilizado os testes de Akaike (AIC),

Schawartz (SC) e Hannan-Quinn (HQ). No modelo estimado, o teste de AIC determinou

vinte defasagens contra duas do teste de SC e onze do teste de HQ. Levando em

consideração a natureza do objetivo do estudo e considerando o horizonte de tempo que

se tem como objetivo para realização das previsões, se optou por estimar os modelos

com quinze defasagens.

Após determinado o número de defasagens do modelo, é necessário identificar se as

séries são co-integradas e verificar a presença de auto correlação e de

heterocedasticidade. Os testes de co-integração não puderam ser estimados1, devido a

existência de um número maior de variáveis estacionárias (três) do que não estacionárias

(duas).

1
Segundo Schmidt e Lima (2004), ao citarem Rahbek e Mosconi (1999), mesmo se existissem N
séries não-estacionárias de mesma ordem e M séries estacionárias, se M<N, os resultados dos testes de co-
integração não se alterariam. Como no modelo estudado M>N os testes de co-integração não são validos.
A análise do VAR será focada nos resultados apresentados da decomposição de

variância das variáveis sob análise (Tabela 1), e de suas funções de impulso-resposta

para um período transcorrido de 36 meses. Devido aos critérios analisados anteriormente

optou-se por trabalhar todas as variáveis do modelo em primeira diferença, devido a

existência de duas variáveis (câmbio e dívida) apresentarem presença de raiz unitária, ou

seja, não são estacionárias.

Analisando a decomposição de variância, constatou-se que a importância relativa das

variáveis analisadas na explicação da variância da dívida pública é significativa, uma vez

que aproximadamente 50,2% de sua variância (após 36 meses) é explicada pelas

variáveis: juros, taxa de câmbio, inflação e taxa crescimento do PIB. A taxa de juros

possui aproximadamente 14,5%, a taxa de câmbio possui aproximadamente 14%, a taxa

de inflação possui aproximadamente 12% e por último a taxa de crescimento do PIB

possui aproximadamente 10%.

Pode-se observar que a partir do quinto mês a taxa de câmbio possui um impacto

significativo sobre a variância da dívida pública (aproximadamente 12,30%), uma

explicação plausível para este efeito é a existência de uma desvalorização cambial. Ou

seja, houve um aumento da relação real/dólar o que aumentou o valor em reais da dívida

pública, explicando assim a maior participação do câmbio na variância da dívida pública.

A partir do sexto mês a taxa de câmbio possui uma tendência de estabilização, em

contraponto, as variáveis taxa de juros e inflação aumentaram sua participação na

decomposição de variância até o décimo oitavo mês, possuindo participações similares

com a da taxa de câmbio para os períodos seguintes. Este fenômeno pode ser explicado

devido uma estabilização da taxa de câmbio, e uma elevação da inflação na economia


brasileira o que causou uma política monetária contracionista (aumento da taxa de juros),

aumentando o custo total da dívida.

As funções de impulso resposta de todas as variáveis foram estimadas em primeira

diferença devido a critérios já apresentados anteriormente. O impacto da função de

impulso reposta da inflação (Figura 1) sobre a dívida pública revela que os impactos

decorrentes de choques tendem a se reduzir à medida que o tempo passa, com a mesma

se dissipando a partir do trigésimo segundo mês.

Figura 1 – Função de Impulso Resposta da Inflação

0,2

0,15

0,1

0,05
Choques

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,05

-0,1
D(INFLACAO)
-0,15

-0,2
Períodos

FONTE: ELABORADO COM DADOS DO AUTOR

Outra análise relevante no comportamento das variáveis são suas Funções de

Impulso Resposta Acumulada (FIRA). Analisando a FIRA da inflação (Figura 2)

observa-se que a partir do quinto período em diante os valores dos choques

permaneceram negativos. Com ênfase do quinto período ao décimo segundo período

onde, se observou uma forte queda. Posteriormente, houve uma forte elevação até o

vigésimo período. Sendo esta não suficiente para fazer um choque positivo sobre a dívida
pública. Isto indica que ao longo do tempo a inflação provoca a queda da dívida do setor

público.

Figura 2 – Função Impulso Resposta Acumulada da Inflação

0,1

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,1
CHoques

-0,2

-0,3
D(INFLACAO)
-0,4

-0,5

-0,6
Períodos

FONTE: ELABORADO COM DADOS DO AUTOR

Análises semelhantes podem ser efetuadas para as variáveis taxa de câmbio (Figura

3) e juros (Figura 5). Todas apresentando comportamento similares das suas funções

impulso-resposta sobre a dívida pública, a taxa de juros possui uma tendência tendo o

seu efeito dissipado a partir do trigésimo quarto mês e a taxa de câmbio a partir do

trigésimo quinto mês.

Figura 3 – Função de Impulso Resposta do Câmbio


0,25
0,2
0,15
0,1
Choques

D(CAMBIO)
0,05
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,05
-0,1
-0,15
Períodos

FONTE: ELABORADO COM DADOS DO AUTOR


Figura 4 – Função de Impulso Resposta Acumulada do Câmbio

0,9
0,8
0,7
0,6
Choques

0,5
0,4 D(CAMBIO)
0,3
0,2
0,1
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

A Função de Impulso Resposta Acumulada do câmbio (Figura 4) demonstra que a

mesma possui uma tendência de elevação a partir terceiro mês até o vigésimo primeiro

mês, ou seja, neste período a taxa de câmbio promoveu uma elevação da razão dívida

pública/PIB. A partir do vigésimo segundo mês observou-se uma tendência de

estabilização da função. Ao analisar, portanto, o efeito acumulado pode-se observar que

o câmbio possui um efeito de elevação da dívida ao longo do tempo.

Figura 5 – Função de Impulso Resposta da taxa de Juros


0,25

0,2

0,15

0,1
Choques

D(JUROS)
0,05

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,05

-0,1

-0,15
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

Analisando a Função de Impulso Resposta Acumulada da taxa de juros (Figura 6),

pode-se observar uma forte elevação da dívida a partir do decimo primeiro período até o
decimo sexto período, posteriormente há uma tendência de estabilização. Os choques

acumulados demonstram que o efeito da taxa de juros ao longo do tempo foi o de

influenciar positivamente o aumento da dívida.

Figura 6 – Função de Impulso Resposta Acumulada da taxa de Juros

0,5
0,45
0,4
0,35
0,3
0,25
D(JUROS)
Choques

0,2
0,15
0,1
0,05
0
-0,05 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

Como pode ser visto na Figura 7 a taxa de crescimento do PIB é a variável com menor

participação da variância da dívida, contundo um choque externo no crescimento causa

uma queda da dívida pública, sua função de impulso resposta possui uma redução dos

choques a partir trigésimo mês.

Figura 7 – Função de Impulso Resposta da taxa de Crescimento do PIB


0,2

0,15
D(CRESCIMENTO)
0,1

0,05
Choques

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,05

-0,1

-0,15

-0,2
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO
A Função de Impulso Resposta Acumulada (Figura 8) da taxa de crescimento

demonstra uma grande variação ao longo dos períodos, mais apresenta valores negativos

ao longo do tempo. Ou seja, a variação acumulada da taxa de crescimento reduziu a

dívida pública.

Figura 8 – Função de Impulso Resposta Acumulada da Taxa de Crescimento do PIB

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728293031323334353637
-0,05

-0,1
D(CRESCIMENTO)
Choques

-0,15

-0,2

-0,25

-0,3

-0,35
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

Ao fazer uma análise para todas Funções de Impulso Reposta Acumulada, pode-se

observar que as variáveis inflação e taxa de crescimento do PIB apresentaram um choque

acumulado que influenciou de forma negativa o crescimento da dívida pública. De modo

contrário as variáveis taxa de juros e taxa de câmbio apresentaram um choque acumulado

de elevação da dívida pública, sendo as variáveis taxa de câmbio e taxa de juros as que

possuem maior impacto sobre o comportamento da dívida.

III.1 Previsões para a Dívida Pública/PIB

Foram estimados valores da dívida pública para o período de janeiro de 2015 a

dezembro de 2017. No período de janeiro de 2015 a maio de 2015, os valores para a

dívida pública já eram conhecidos e foram utilizados para testar o poder de previsão do

modelo.
Os valores preditos e observados para a dívida pública e erro de previsão do modelo

nos cinco primeiros meses de 2015, encontram-se na Tabela 2. O erro de previsão do

modelo foi calculado a partir da diferença dos valores observados da dívida pública pela

previsão dos valores da mesma.

Tabela 1: Poder de previsão da dívida pública


Período Valor Observado da dívida Previsão para dívida Erro
pública pública (%)
Janeiro/2015 21.79 21.8158 -0.1184
Fevereiro/2015 21.39 21.8138 -1.9813
Março/2015 20.34 21.9756 -8.0413
Abril/2015 21.14 21.6652 -2.4844
Maio/2015 20.95 22.093 -5.4559
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

Como observado na Tabela 1, pode-se identificar que o mês de janeiro de 2015

apresentou o menor erro de previsão com somente 0.1184% e o maior erro apresentado

foi para o mês de março de 2015 com o valor de 8.0413% nos meses seguintes houve

uma redução do erro de previsão, ou seja, o modelo apresentou erros de previsões

satisfatórios2.

Figura 9 – Previsão da Dívida Pública/PIB do governo Federal e do Banco Central para


os períodos de julho de 2015 a dezembro de 2017
23,5
23
Dívida Pública

22,5
22
Previsão da dívida pública
21,5
21
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
Períodos
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO

2
Wanke et al. (2006) demonstra o método para estimar os erros de previsão Mean Absolute Deviation.
O valor calculado foi 3.61626. Valores inferiores a 4 indicam um modelo que possui previsões
satisfatórias.
De acordo com o modelo apresentado, há uma tendência de estabilização da dívida

pública no patamar de 22,5% do PIB. No final de dezembro de 2017 (período 32) a dívida

será de aproximadamente 22,7% do PIB. Com o aumento da dívida pública têm-se um

aumento do custo da mesma, o que acarreta em uma diminuição em investimentos

públicos para a população em geral.

O modelo apresenta bom poder de previsão (pelo menos para os seus cinco primeiros

períodos), o que demonstra que a determinação da dinâmica da dívida pública por meio

da análise da taxa de juros real, taxa de câmbio real, da taxa de inflação e da taxa de

crescimento real do PIB é apropriada. Os resultados foram coerentes com o esperado,

sendo a taxa de câmbio e a taxa de juros as principais variáveis que afetam a dívida.

Como esperado o modelo também apresentou uma tendência de estabilização da dívida

para os próximos anos.

IV. CONCLUSÃO

O trabalho estudou a dinâmica da razão Dívida Pública/PIB e sua relação com as

seguintes variáveis econômicas: taxa de juros real, câmbio real, inflação e taxa de

crescimento do PIB. Foi demonstrado que as mesmas possuem alta relevância para

determinar a dinâmica da razão Dívida Pública/PIB. As variáveis taxa de juros e taxa de

câmbio são as que mais afetam a dívida. Ao analisar o endividamento brasileiro a taxa

de juros é responsável por indexar a grande maioria da dívida, Mendoça (2008)

demonstra está relação em seu estudo.

O modelo apresentou um bom poder de previsão, e prevê uma tendência de queda da

dívida ao longo dos próximos anos. A dívida pública fecharia o ano de 2017 no patamar

por volta de 22,7% do PIB, o último dado divulgado do valor da Dívida Pública (Federal
e do Banco Central) divulgado foi de setembro de 2015 e a mesma se encontrava no

patamar de 19,6% do PIB. Se a previsão se confirmar, podemos identificar que a

utilização de indexadores a títulos prefixados possui uma melhor relação com o montante

da dívida do que a adoção de indexadores relacionados a taxa de juros e a taxa de câmbio.

Identificar a tendência da dívida pública é importante para o governo, pois a mesma

afeta o nível de investimento, a taxa de desemprego, e a estabilidade macroeconômica.

Com o conhecimento da tendência do endividamento e as principais variáveis que o

afetam, o governo pode adotar políticas mais críveis, que influenciam diretamente a

dívida pública, e consequentemente, a economia brasileira como um todo.

V. REFERÊNCIAS
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elevada: observações sobre o caso brasileiro. Revista de Economia Política, v. 9, n. 4,
p. 70-87, 1989.
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2014.
DINIZ, André Sander et al. Custos Fiscais Da Política Monetária: Os Efeitos Indiretos
De Um Choque De Juros Sobre A Dívida Líquida Do Setor Público. In: Anais do XLI
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[Brazilian Association of Graduate Programs in Economics], 2014.
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FONSECA, N. A Estrutura da Dívida Pública no Brasil. IV PRÊMIO DE
MONOGRAFIA - TESOURO NACIONAL. [S.l.]: [s.n.]. 1999. p. 3-44.
FREITAS, P. S. D. A taxa de juros é a principal causa dos desequilíbrios
macroeconômicos do Brasil(e ainda, o Copom pode ser substituído por um computador)?
Brasil: Economia e Governo, p. 1-6, 2011. Disponivel em: <http://www.brasil-
economia-governo.org.br/2011/04/18/a-taxa-de-juros-e-a-principal-causa-dos-
desequilibrios-macroeconomicos-do-brasil-e-ainda-o-copom-pode-ser-substituido-
por-um-computador/>. Acesso em: 14 Agosto 2015.
GARCIA, Marcio; RIGOBON, Roberto. A risk management approach to emerging
market's sovereign debt sustainability with an application to Brazilian data. National
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GIAMBIAGI, F. Cenários para a Relação Dívida Pública/PIB: Simulações e
Perspectivas de Redução da Carga Tributária e da Relação Gasto Corrente/PIB. TEXTO
PARA DISCUSSÃO Nº 1193, p. 1-23, 2006.
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil. In: FABIO
GIAMBIAGI, A. C. A. Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2001. p. 223-241.
GUJARATI, Damodar N.; PORTER, Dawn C. Econometria Básica-5. McGraw Hill
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LUTKEPOHL, H. Introduction to multiple time seriesanalysis. Berlin: Springer-
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MENDES, M. Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e
estabilidade macroeconômica. CLP PAPERS, Nº. 4, p. 11-69, 2010.
MENDONÇA, H. F. D. Dívida Pública e Estabilidade de Preõs no Período Pós-Real:
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MENDONÇA, H. F. D.; SILVA, R. T. D. Administração da Dívida Pública sob um
Regime de Metas para Inflação: Evidências para o Caso Brasileiro. ECONOMIA
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SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; LIMA, Marcos AM. A demanda por energia
elétrica no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 58, n. 1, p. 68-98, 2004
TUROLLA, Frederico Araujo. A dívida pública brasileira: conceitos, perfil, evolução e
perspectivas. Fundação Getúlio Vargas.[Links], 2002.
WANKE, Peter; JULIANELLI, Leonardo. Previsão de vendas: processos
organizacionais & métodos quantitativos e qualitativos. São Paulo: Atlas, 2006.
Anexo:

TABELA 2: DECOMPOSIÇÃO DE VARIÂNCIA DA DÍVIDA APÓS 36 MESES


Período INFLACAO JUROS CAMBIO CRESCIMENTO DIVIDA
1 0.091423 2.321968 3.608939 0.362098 93.61557
2 4.954871 3.475337 4.988606 0.645219 85.93597
3 4.19476 6.433519 10.98228 3.976227 74.41321
4 5.658469 7.730937 10.61327 4.036702 71.96062
5 6.828364 7.469322 12.28734 3.932224 69.48275
6 7.298523 7.406566 12.5369 3.954518 68.80349
7 8.262943 7.342361 12.37547 4.094801 67.92443
8 8.466946 7.736857 12.33329 5.533382 65.92952
9 8.105104 7.511874 12.55834 7.736262 64.08842
10 8.061061 7.822864 13.36436 7.621807 63.12991
11 9.40678 7.925751 13.11675 7.480607 62.07011
12 10.35539 7.828516 12.95867 7.446976 61.41045
13 10.20509 7.622106 14.01427 7.237749 60.92079
14 10.46887 7.587779 14.28627 7.099648 60.55743
15 12.02365 12.24777 13.03502 7.71085 54.98271
16 11.94536 12.03105 12.77968 9.169222 54.07468
17 11.58777 13.85439 13.16416 9.081073 52.31261
18 11.72072 14.02076 13.08784 9.162691 52.00799
19 11.86626 13.95518 13.78344 9.023416 51.3717
20 11.7387 13.85791 13.78325 9.617814 51.00232
21 11.74609 13.89264 13.75571 9.798143 50.80742
22 11.80555 13.85171 13.85323 9.757072 50.73244
23 11.78705 13.84167 13.85942 9.797926 50.71393
24 11.76742 13.81856 13.89653 9.791996 50.7255
25 11.79243 13.79616 13.88178 9.774004 50.75563
26 11.77751 13.81078 13.92047 9.763468 50.72778
27 11.77388 13.81681 13.93381 9.761274 50.71423
28 11.77085 14.11212 13.86406 9.712406 50.54055
29 11.96042 14.16377 13.81804 9.68768 50.37009
30 12.03786 14.14071 13.86522 9.702822 50.25339
31 12.02125 14.15472 13.8383 9.830255 50.15547
32 11.97857 14.22401 13.9629 9.842455 49.99206
33 11.95095 14.28275 13.95439 9.813746 49.99816
34 11.90894 14.41148 13.93306 9.936336 49.81019
35 11.89100 14.39761 13.90621 9.963702 49.84147
36 12.03246 14.37359 13.88296 9.947029 49.76396
FONTE: ELABORADO COM DADOS DO TRABALHO.
Estado e mercado financeiro diante da crise: uma análise a partir dos

enquadramentos do Jornal Nacional

Bráulio Quirino Siffert

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

www.unimontes.br

Resumo: O jornalismo é construído a partir de determinados pontos de vista, critérios e

interesses, o que implica no direcionamento a um ou outro de vários possíveis caminhos de

temas a serem agendados e de enquadramentos a se transmiti-los. Na relação entre Estado

e mercado financeiro, e em se tratando de um país como o Brasil em que a grande mídia

possui significativo alcance, força e concentração, as escolhas das emissoras são

particularmente relevantes haja vista a potencialidade de influenciar ações e percepções de

impacto social, político e econômico. Este artigo analisa os enquadramentos dados pelo

Jornal Nacional a três temas de relevância pública e que tocam nas relações entre Estado e

sistema financeiro: corte de gastos, reformas trabalhista e da previdência e notas do Brasil

pelas agências de classificação de risco. Foram analisadas matérias destes temas durante

seis meses – três antes do afastamento de Dilma Rousseff e três após a posse definitiva de

Michel Temer. Concluiu-se que o telejornal exibiu o ponto de vista do mercado financeiro,

evitando dar voz a outras visões e apoiando e cobrando ações como corte de gastos,

diminuição do Estado e aplicação das reformas como medidas cruciais para superar a crise

e retomar o desenvolvimento.

Palavras-chave: jornalismo; Estado; mercado financeiro


Introdução

Nos meios de comunicação de massa – em que pouquíssimos são os emissores e

milhões são os receptores – a diferença de poder, natural em qualquer tipo de mediação

comunicativa, é ainda mais acentuada, embora seja importante ressaltar que o público não

é passivo, amorfo e homogêneo como outrora se pensava. Analisar determinados aspectos

da sociedade – incluindo a realidade econômica – a partir e através de discursos midiáticos

pode ser uma tarefa elucidativa uma vez que estes discursos, ainda mais em países de

muita centralidade e alcance da mídia de massa, como é o caso do Brasil, têm grande

potencial em construir agendas, influenciar percepções e até contribuir com derrubadas de

governos e eleições de candidatos.

Os meios de comunicação de massa, mesmo considerando o aumento do alcance

das novas mídias, a proatividade da audiência e as contradições das grandes empresas de

mídia, ainda são de grande centralidade e poder e possivelmente exercem significativa

influência, sobretudo em longo prazo, na percepção que a sociedade possui da realidade

social, na determinação e formatação dos temas do debate público, na lógica de consumo,

nos padrões de comportamento e até nas decisões tomadas por agentes públicos. No

jornalismo, a pretensa porém falsa ‘objetividade jornalística’ esconde ideologias e “implica

uma compreensão do mundo como agregado de fatos prontos e acabados, cuja existência,

portanto, seria anterior a qualquer forma de percepção e autônoma em relação a qualquer

ideologia ou concepção de mundo” (FILHO, 1989, p. 188). A apreensão do senso comum

dos fatos se dá, segundo Genro Filho, apenas na superficialidade da realidade, sem

qualquer aprofundamento crítico.

Em tese, portanto, a grande mídia deveria ter responsabilidade com as diferentes

representações da sociedade, sobretudo em se tratando de temas complexos e socialmente

relevantes como a política econômica. Porém, a relação entre mídia, Estado e mercado
financeiro envolve uma série de disputas, complexidades e interesses. Primeiro que

conglomerados de comunicação são empresas privadas e assim dependem de recursos para

sobreviver e lucrar, precisando, portanto, de anúncios e apoios de quem quer que seja,

inclusive do governo e de grandes empresas privadas. Além disso, a grande mídia tem

diariamente disponível em suas mãos um poder comunicativo que lhe proporciona uma

capacidade diferencial em contribuir com a construção de visões de mundo e tomadas de

decisões. Naturalmente que as produções midiáticas não refletem essas questões de modo

nítido e puro tal como apresentado. Elas, assim como os próprios veículos e seus

jornalistas, são eivados de contradições e conflitos, que por vezes implicam em

posicionamentos ambíguos, em tendências que se modificam, em posturas que se anulam.

Mas análises empíricas de produtos comunicativos em um espaço de tempo

suficientemente alargado podem identificar certos enquadramentos gerais – por exemplo

com relação às decisões, omissões e atuações do Estado e do mercado financeiro diante da

crise econômica. E é isso que pretendeu este trabalho.

Metodologia

Para a análise de enquadramento1 do Jornal Nacional com relação aos fatos

relacionados a algumas das ações e reações do Estado e do mercado financeiro diante da

crise, foram empregadas técnicas de análise de conteúdo e análise de discurso, com estudos

quantitativos e qualitativos para identificação, inferência e análise de esquemas e

tendências de significado dos enquadramentos.

1 O conceito de enquadramento faz parte da dinâmica do jornalismo na construção social da realidade,


indo além da operacionalidade da linguagem, das técnicas do jornalismo e do paradigma da objetividade:
“enquadrar é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e fazê-los mais salientes no texto
comunicativo, definindo, de forma particular, a definição do problema, a interpretação de causas, a
avaliação moral e/ou a recomendação de tratamento para o item descrito” (ENTMAN, 1993, p. 52,
tradução do autor).
O universo da pesquisa foram as edições diárias do Jornal Nacional em dois

períodos distintos: outubro de 2015, dezembro de 2015 e fevereiro de 2016 (três meses

alternados, com distância de dois a seis meses com relação ao afastamento inicial de Dilma

Rousseff; que será chamado de período 1); novembro de 2016, janeiro de 2017 e março de

2017 (três meses alternados, com distância de dois a seis meses com relação à posse

definitiva de Michel Temer; que será chamado de período 2). A escolha destes períodos se

justifica pelos seguintes motivos a) três meses de telejornal é um tempo nem muito amplo

que pudesse tornar muito extenso e inviável o trabalho e nem muito curto que não pudesse

indicar generalidades da cobertura; b) o distanciamento e a alternância dos meses teve por

objetivo evitar coberturas concentradas de um ou outro tema – como o impeachment,

buscando posturas mais implícitas e generalizadas; c) um dos objetivos do trabalho foi

verificar qual a agenda e os enquadramentos da cobertura do Jornal Nacional em um e

outro governo, para identificar se houve ou não mudança de posicionamento.

Após assistir a todas as matérias que tratavam da temática, suas informações foram

organizadas em tabelas e a análise foi feita dividindo-se em três temáticas recorrentes nos

períodos e que consideramos substancial para se analisar a visão e os papéis do Estado e do

mercado financeiro transmitidos pelo telejornal: 1) corte de gastos; 2) reformas trabalhista

e da previdência; 3) notas do Brasil pelas agências de classificação de risco 2. O corpus da

pesquisa, portanto, se constituiu de notas, indicadores e reportagens que tratassem

explicitamente destes temas. Em cada um deles, foram também realizados contrapontos às

visões do JN com trabalhos de teóricos recentes da esquerda e matérias de veículos

alternativos de imprensa, como o Le Monde Diplomatique Brasil e o Portal Brasil 247.

2 Na nossa dissertação para o mestrado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da


Unimontes, que está em curso, os temas analisados e as discussões foram significativamente ampliados.
A escolha dos três temas deste artigo foi efetuada após a observação e separação de todas as 248 matérias
dos períodos consideradas relativas à política econômica nacional.
Resultados e Discussão

Corte de gastos

O Jornal Nacional deu significativo espaço à principal medida que foi tomada ou

proposta por ambos os governos para mitigar a crítica situação do orçamento: a redução de

gastos públicos. Confira abaixo as matérias sobre o tema nos períodos considerados:

Tabela 1 – Matérias do Jornal Nacional sobre o tema corte de gastos


Data Título3 Formato4 Duração
Período 1
05/10/2015 Petrobras anuncia redução dos investimentos para 2015 e Nota simples 0’20’’
2016
29/10/2015 PMDB divulga documento com críticas e propostas Reportagem factual 4’47’’
econômicas
30/10/2015 Empresários e economistas analisam propostas econômicas Reportagem factual 2’47’’
do PMDB
18/12/2015 Levy tinha sido escolhido para trazer confiança à política Reportagem factual 3’57’’
econômica
18/12/2015 Troca de Levy por Nelson Barbosa repercute em Brasília Reportagem factual 2’14’’
18/12/2015 Nelson Barbosa assume cargo de Levy no Ministério da Reportagem factual 2’15’’
Fazenda
18/12/2015 Troca de ministros ganha destaque imediato no noticiário Reportagem factual 1’50’’
internacional
18/12/2015 'Nosso maior desafio é o desafio fiscal', diz novo ministro da Reportagem factual 1’04’’
Fazenda
21/12/2015 Novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, toma posse em Reportagem factual 3’46’’
Brasília
21/12/2015 Mercado financeiro reage de maneira Negativo à posse de Reportagem factual 2’49’’
Nelson Barbosa
28/12/2015 Proposta de enxugar a Esplanada dos Ministérios continua na Reportagem factual 2’50’’
promessa
11/02/2016 Governo federal publica decreto que reduz ainda mais os Nota simples 0’28’’
gastos dos Ministérios

19/02/2016 Governo anuncia corte de quase R$ 23,5 bilhões no Reportagem factual 2’46’’
orçamento

Período 2

3 Optamos por escolher o título que apresenta as matérias no portal do Jornal Nacional na internet, pois de
fato resume o conteúdo e também representa uma forma de enquadramento da notícia.
4 Nota: relato sintético de um fato, podendo ser uma nota simples (com apenas leitura pelo apresentador)
ou nota coberta (com leitura seguida de narração com imagens em off); Reportagem: forma mais
completa de apresentar uma notícia na TV, com imagens, repórteres e entrevistado. Podem ser factuais
(acontecimentos do dia-a-dia) ou features (assuntos de interesse permanente, não necessariamente
daquele dia); Notícia: relato de um fato de forma mais completa que a nota, combinando apresentação ao
vivo e narração em off com imagens e ausência de repórter.
07/11/2016 Temer volta a falar sobre a PEC que limita os gastos públicos Reportagem factual 0’46’’
28/11/2016 Senado vota na terça-feira (29) a PEC do teto dos gastos Reportagem factual 2’41’’
públicos
29/11/2016 Protesto contra PEC dos gastos tem quebra-quebra e carro Reportagem factual 0’42’’
queimado
30/11/2016 Projeto que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos Nota simples 0’19’’
é aprovado pelo Senado
22/03/2017 Rombo no orçamento aumenta e governo anuncia Reportagem factual 1’49’’
contingenciamento
30/03/2017 Economistas elogiam decisão do governo de priorizar corte de Reportagem feature 3’07’’
gastos

No primeiro período, o Jornal Nacional traz um enquadramento de certo receio

quando foi efetuada, em 18 de dezembro de 2015, a mudança do ministro Joaquim Levy

por Nelson Barbosa, “um defensor de uma intervenção maior do Estado na economia”,

como diz a própria chamada do JN. Segundo os textos do telejornal, Levy havia sido

escolhido para “trazer confiança à política econômica” e era “bem aceito por empresários,

investidores”. Mas teve algumas perdas dentro do próprio governo. Já Nelson Barbosa,

segundo o Jornal Nacional, “tem um perfil que é quase o oposto do seu antecessor”.

Após as matérias que retrataram o histórico e o perfil de um e outro ministro, de

forma relativamente neutra, o JN traz uma última reportagem neste mesmo dia com apenas

um lado da repercussão entre especialistas e a imprensa mundial, dando um indicativo da

visão da própria Globo. Segundo o telejornal, o Financial Times “ressaltou que o

afastamento de Joaquim Levy coloca em dúvida o esforço do Brasil para controlar o déficit

fiscal”, a Reuters disse que “a troca de ministros pode ser interpretada como um retorno

das políticas apontadas por críticos como a causa da recessão” e “analistas internacionais

especializados na economia e política do Brasil mostraram preocupação” - o que é

exemplificado com falas de representantes do Banco Nomura, da Eurasia Group e da

Economist Intelligence Unit, três instituições ligadas ao mercado financeiro. Certamente,

haviam posições diferentes dessas – não só com relação específica a esta troca de ministro

mas à opção geral dos governos pela austeridade como tentativa de solucionar suas crises
econômicas. Ressaltemos, por exemplo, a visão do sociólogo alemão Wolfgang Streeck.

Ao tratar de uma das três crises5 do capitalismo atual, a das finanças públicas, Streeck

ressalta que as medidas que os Estados europeus vêm tomando para responder a esta crise

e para recuperar a “confiança” dos mercados, impondo “a si próprios e aos seus cidadãos

duas medidas de austeridade” (STREECK, 2013, p.34), não têm ajudado a resolver a crise

bancária e nem a recessão da economia real, ao contrário: a austeridade não só não está

promovendo o crescimento econômico como está o prejudicando.

Nos dias 29 e 30 de outubro de 2015, enquadramentos de um só lado reforçam a

aparente posição do Jornal Nacional contra o então governo da presidente Dilma e a favor

de uma ainda maior redução dos gastos públicos. Tratava-se da publicação do documento

“Ponte para o futuro”, em que o PMDB, partido que até então estava na base do governo,

defendeu “caminhos diferentes dos adotados pelo governo pra tirar o país da crise”. Em

ambos os dias, o Jornal dá amplo destaque aos principais pontos do documento, incluindo

o fim das despesas constitucionais obrigatórias com saúde e educação, a criação de idade

mínima para aposentadoria, o fim da indexação de benefícios ao salário mínimo e a

privatização “do que for necessário para reduzir o tamanho do estado”. O mais elucidativo

é a matéria do dia seguinte, com a repercussão do documento entre empresários e

economistas. Embora a reportagem diga que “o documento do PMDB abriu um debate

entre economistas, empresários e políticos sobre as alternativas econômicas para o Brasil

superar a crise”, só é dado espaço para o lado dos elogios ao documento, expressos pelo

economista Mansueto Almeida (“eu acho que é o momento correto para esse debate

acontecer”), pela Confederação Nacional da Indústria (“um excelente ponto de partida para
5 Para Wolfgang Streeck, o capitalismo atual amarga uma crise tripla: bancária (porque muitos bancos
concederam demasiados créditos públicos e privado, inclusive uns bancos a outros, conduzindo a riscos de
falências e a muito crédito “malparado”), orçamental (ou das finanças públicas, que resulta dos resultados
negativos dos orçamentos públicos ao longo dos anos desde 1970 e correspondente endividamento dos
Estado) e da ‘economia real’ (manifesta em elevada taxa de desemprego e na estagnação da economia, muito
em virtude da dificuldade de obtenção de crédito nos bancos e da redução das despesas do Estado ou
aumento de impostos).
a construção de uma agenda capaz de restaurar a confiança do país”) e por representantes

da Fecomércio (“é preciso mexer na estrutura do estado. Nesse sentido, o programa é

positivo”) e da Fiesp (“todos os pontos que foram abordados são corretos, são bons, são

necessários. Eu destacaria a questão do ajuste das contas do governo”).

Os pontos contrários, vários e manifestos por diferentes organizações, economistas

e parlamentares, não tiveram espaço. Para se ter uma ideia, Roberto Requião, senador do

próprio PMDB, divulgou em seu portal na internet uma carta criticando duramente o

documento, ressaltando ser “apenas uma cópia de um conjunto de medidas repetidamente

exigidas pelo setor financeiro, ‘o mercado’, e que ainda não foram satisfeitas no governo

do PT”, e completa: “parece que os bancos viraram os únicos eleitores no Brasil e todos

devem se esmerar em agradá-los repetindo o mesmo ritual de submissão a seus interesses”

(REQUIÃO, 2015). O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner

Freitas, no próprio dia 30/10/2015 manifestou a contrariedade da classe trabalhadora contra

as propostas apresentadas, as quais, segundo ele, empurraria o país ainda mais para a

recessão, “aprofundando a crise, aumentando o desemprego e as desigualdades sociais”

(FREITAS, 2015). E conclui dizendo que a CUT iria combater nas ruas as propostas que

retirariam ou reduziriam direitos dos trabalhadores.

Já no período do governo Temer, merece uma análise o agendamento dado pelo

Jornal Nacional à Proposta de Emenda Constitucional que limita os gastos públicos para

os próximos 20 anos. Embora fosse um tema de absoluta relevância social, com impactos

profundos para grande parte da população brasileira e com grandes manifestações

contrárias, não recebeu tanta atenção do JN. Em novembro de 2016, por exemplo, quando

tramitava em primeiro turno no Senado, foram apenas quatro pequenas matérias,

totalizando menos de 5 minutos de telejornal. No dia 07/11/2016, uma nota de 46 segundos

somente introduziu o tema e passou à fala ao presidente. No dia 28/11, uma reportagem
maior, de 2 minutos e 42 segundos, tratou basicamente das articulações feitas pelo Palácio

do Planalto junto aos senadores para conduzir à aprovação da PEC. No dia seguinte, uma

nota coberta de 49 segundos fala rapidamente da manifestação contrária à PEC que reuniu

cerca de 10 mil manifestantes em Brasília, mas com foco nos atos violentos: “um carro de

reportagem da TV Record foi virado e manifestantes, alguns encapuzados, invadiram o

prédio do Ministério da Educação, provocando quebradeira. Um outro grupo chegou a

botar fogo em um carro estacionado no local. Oito pessoas foram presas”. Por fim, a

aprovação em primeiro turno da Proposta no Senado no dia 30/11 mereceu apenas uma

nota lida pelo apresentador em 19 segundos, concluindo: “a chamada PEC do Teto é

considerada fundamental pelo governo para garantir o equilíbrio das contas”.

No dia 13 de dezembro6, dia da aprovação final da PEC no Senado, foram quatro

matérias: uma reportagem factual de 4 minutos e 20 segundos sobre a tramitação e

repercussão no Senado, uma reportagem feature de 2 minutos e 54 segundos com opiniões

elogiosas à Proposta, uma reportagem de 3 minutos de 16 segundos com posição e fala do

presidente Temer e, por fim, uma nota coberta de apenas 19 segundos sobre as

manifestações contrárias à PEC. Na segunda reportagem, a narrativa é construída no

sentido de mostrar a importância da medida, fazendo por exemplo um comparativo com a

situação financeira pessoal das famílias: “Quem já teve dívidas sabe que se a gente perde o

controle das contas, o orçamento em casa fica bagunçado”. Gastar mais que arrecada,

ressalta o jornal, fez o Brasil “perder o grau de investimento” e ter que “tomar dinheiro

emprestado”. E para justificar esse posicionamento dado como consensual, o JN mais uma

vez utiliza ‘especialistas’ de um só lado: Luiz Figueiredo, da Mauá Capital, que destacou

que a limitação de gastos “é uma maneira do país resolver o problema sem avançar na

sociedade”; José Márcio Camargo, professor da PUC/RJ, que ressaltou ser um passo

6 Neste caso, avançamos para uma data ausente do período recortado em virtude da importância deste fato
para a conclusão da análise sobre os enquadramentos dados à Proposta.
importante mas que “o próximo passo fundamental é a reforma da Previdência”; e Juan

Jensen, professor do Insper, para o qual “um país com um governo em que receita e

despesa estão equilibradas permite juros mais baixos, maior confiança na capacidade de

honrar compromissos, honrar contratos e a economia anda de uma forma mais leve e de

uma forma mais produtiva”. Em seguida, reportagem com introdução e fala do presidente

Temer, destacando a “preocupação” do Congresso com o país para “tirar o país da

recessão”.

Longe de consenso, o tema é absolutamente controverso, com muitas visões

contrárias e críticas, mas, com relação às manifestações, coube ao telejornal mostrar

apenas imagens aéreas de um ônibus incendiado por manifestantes, confronto com a

polícia e invasão e depredação do prédio da Federação das Indústrias: é a conhecida tônica

de criminalizar os movimentos sociais e reivindicatórios, direcionando o olhar apenas para

os fatos isolados de confronto. O fato internacionalmente inédito de limitar os gastos

públicos por 20 anos carrega críticas severas, resumidas por outro veículo de comunicação,

o Le Monde Diplomatique Brasil, como uma medida que “impossibilita ao Estado o

cumprimento das obrigações vigentes na Constituição Federal de 1988” e impõe o “fim do

Estado garantidor de direitos” (ROSSI e MELLO, 2017).

Reformas trabalhista e da previdência

Outros dois temas de grande relevância pública que estavam em debate nos

períodos considerados são a reforma trabalhista – principalmente a primeira etapa, sobre a

terceirização – e a reforma da previdência, que já vinham em discussão no governo de

Dilma Rousseff e avançaram, com várias modificações e aprofundamentos, no governo de

Michel Temer. Ademais, são temas que também dialogam com os relacionamentos entre

Estado e mercado financeiro e com o desenvolvimento do país.


Tabela 2 – Matérias do Jornal Nacional sobre o tema reformas trabalhista e da previdência
Data Título Formato Duração
Período 1
05/02/2016 Dilma desiste da reforma trabalhista após reações das centrais Reportagem factual 3’51’’
sindicais

18/02/2016 Previdência já tem déficit gigantesco e futuro preocupa Reportagem feature 6’33’’

Período 2
21/11/2016 Integrantes do ‘Conselhão’ pedem pressa na retomada do Reportagem factual 3’47’’
crescimento
04/01/2017 Idosos enfrentam o desafio de se manter no mercado de Reportagem feature 8’19’’
trabalho
26/01/2017 Previdência Social tem rombo de quase R$ 150 bilhões em Reportagem feature 2’29’’
2016
15/03/2017 Brasil tem dia de protestos contra reformas trabalhista e da Reportagem factual 3’27’’
Previdência
21/03/2017 Temer anuncia mudanças no projeto de Reforma da Reportagem factual 1’14’’
Previdência
23/03/2017 Terceirização estimula economia, diz relator de projeto Reportagem feature 2’31’’
aprovado na Câmara
28/03/2017 Governo dá prazo para estados mudarem regimes de Reportagem feature 1’56’’
previdência
31/03/2017 Em todo o país, manifestantes protestam contra reformas do Reportagem factual 0’59’’
governo
31/03/2017 Temer sanciona lei que permite terceirização em todas as Notícia 0’34’’
atividades

Em 05/02/2015, reportagem tratou, com críticas, da não inclusão da reforma

trabalhista na mensagem que a presidente Dilma havia entregado ao Congresso com as

propostas para o ano seguinte. A reportagem resgatou posicionamento anterior do governo

em que havia colocado a reforma como uma das necessidades e prioridades para “o país

voltar a crescer”, mostrando, portanto, que neste ponto o governo não cumpriu suas

promessas, provavelmente, segundo apuração do JN, “por causa das reações das centrais

sindicais e do PT”.

Já no governo Temer, reportagem de 23/03/2017 expõe novamente um

enquadramento do Jornal Nacional favorável à proposta de terceirização que, no novo

governo, foi apresentada e aprovada na Câmara dos Deputados. A matéria começa


destacando que apesar de o Brasil ter milhões de trabalhadores terceirizados “não havia

uma lei regulamentando a contratação deles” e faz questão de reforçar que o projeto

“mantém todos os direitos do trabalhador”. E segue com apenas posicionamentos

favoráveis à proposta: o relator do projeto na Câmara, deputado Laércio Oliveira, que

destaca a segurança jurídica que o empresário passa a ter; o consultor jurídico da

Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que afirma que o projeto é

benéfico ao trabalhador; e o professor da USP, José Pastore, para o qual as empresas vão

entrar em novos negócios e assim criar mais empregos. Novamente chama a atenção a

ausência de visões contrárias que mereceriam espaço para qualificar e democratizar o

debate. Como a do Coordenador Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, que denunciou, em

publicação na internet, que o projeto é um ‘libera geral’ “que irá precarizar as relações de

trabalho, rebaixar salários e estimular a contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica,

eliminando os direitos garantidos na CLT” (BOULOS, 2017).

Uma semana depois, no dia 31/03/2017, a aprovação do projeto não foi tratada com

a atenção e a amplitude que a matéria enseja. Uma nota de 34 segundos lida pelo

apresentador anuncia a sanção do presidente e o veto a alguns pontos, além de novamente

destacar que “mantém todos os direitos do trabalhador” e ressaltar alguns pontos

aparentemente positivos aos empregados. Em seguida, notícia de 59 segundos fala das

manifestações ocorridas em todo o país contra esta lei e contra a reforma da previdência,

que também já estava em discussão no governo. Dessa vez, o foco não recai sobre as

invasões e depredações, mas interessante notar que em alguns pontos a narrativa diminui as

manifestações ao, por exemplo, afirmar que foram promovidas por “sindicatos e

movimentos sociais” e que “um grupo fechou um trecho da Avenida Paulista”.

No dia 15/03/2017, as manifestações em todo o país contra as reformas trabalhista e

da previdência são apresentadas novamente como promovidas por “sindicatos e


movimentos sociais” e com enquadramento a destacar principalmente os serviços

interrompidos – ônibus que não circularam, escolas fechadas, rodovias bloqueadas e

paralisação de metrô e agências bancárias, inclusive com mesclagem entre imagens das

manifestações e imagens de locais e serviços públicos parados –, além de mostrar

depredações de espaços públicos e confrontos com a Polícia Militar. E a matéria fecha com

o presidente Michel Temer defendendo a reforma da previdência.

A propósito, sobre esta reforma, vale destacar uma série de reportagens feitas pelo

Jornal Nacional em janeiro de 2017 sobre as dificuldades enfrentadas pelos idosos, cujas

narrativas conduzem a uma visão da necessidade de se enfrentar os desafios do

envelhecimento da população, oxalá com uma reforma. As duas primeiras reportagens – de

02 e 03/01/2017 – não fazem menção direta à reforma da previdência, mas há indiretas. No

dia seguinte a reportagem destaca a “urgente e necessária adaptação de casas e cidades

para receber bem quem está envelhecendo”. Essas duas primeiras reportagens, mais

neutras e com proposições consensuais parecem ter sido pensadas para permitir ao

telejornal chegar ao discurso apresentado na longa reportagem de 8 minutos do dia

04/01/2017, que após mostrar o exemplo de idosos que por diferentes razões trabalham

mesmo depois de aposentados, conclui: “É pouco dinheiro para quem recebe, mas é muito

para quem paga. O Brasil tem quase 55 milhões de trabalhadores formais que colocam

dinheiro na Previdência. Do outro lado, quase 34 milhões de pessoas recebem

aposentadoria, pensão e outros benefícios. E como a expectativa de vida está aumentando,

a cada ano menos jovens contribuem e mais idosos retiram por mais tempo”. E então,

como de praxe, faz-se uma dobradinha com algum ‘especialista’ para terceirizar a opinião

do próprio jornal, afirmando: “A reforma da Previdência é urgente, na opinião de Hélio

Zylbersta, professor da faculdade de economia da USP”, seguido da fala do economista.

Para fechar, o JN vai ao Japão, mostrar o exemplo de dois senhores de mais de 75 anos que
trabalham em um estacionamento de bicicleta: “para eles, quem trabalha é jovem. Idoso se

diverte”. Esses exemplos de idosos trabalhando duro como se fosse algo fácil e comum

também são repetidos na reportagem da série no dia seguinte, que traz também um

discurso da importância de poupar dinheiro para a velhice.

Já no dia 26/01/2017, não há dúvida: reportagem sobre o rombo da previdência

conduz a um discurso da absoluta necessidade de reforma da previdência, sem dar espaço

para qualquer visão contrária ou proposta alternativa. Gráficos mostram como o rombo

veio aumentando a cada ano e como em 2014, 2015 e 2016, a receita ficou estável e os

gastos da Previdência dispararam. A matéria reforça também que “tem mais gente se

aposentando e menos gente contribuindo”, e a previsão era de que faltasse ainda mais

dinheiro para fechar essa conta em 2017, “número que, segundo o governo, reforça cada

vez mais a necessidade de uma reforma da Previdência”. E segue a matéria com palavras

do secretário da Previdência, Marcelo Caetano, e com pontos da proposta.

Porém, essa afirmação categórica feita pelo telejornal de que há um rombo não é

um consenso. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil

(ANFIP), por exemplo, divulga anualmente uma Análise da Seguridade Social em que

mostra que há superávits sucessivos a cada ano, demonstrando a força do sistema mesmo

diante de momentos de crise. “Os governantes sabem do superávit, mas insistem em usar o

discurso do déficit para promover sucessivas mudanças na Previdência, sempre de olho em

ampliar (e desviar) o caixa, nunca os benefícios dos trabalhadores” (PAIM e ROMERO,

2017), dizem Paulo Paim, senador pelo PT, e Vilson Romero, presidente da Anfip, em texto

divulgado na Revista Teoria e Debate. Segundo os autores, há várias outras formas de

defender o sistema de seguridade social sem o condená-lo à morte, como acabar com a

“aplicação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) sobre o orçamento da

Seguridade Social”, criar programa de recuperação fiscal para cobrança de dívidas com a
Previdência, “melhorar a fiscalização do setor” e “rever alíquotas de contribuição para a

Previdência do setor do agronegócio” (PAIM e ROMERO, 2016). Matéria do Repórter

Brasil destaca que o governo ignora e não cobra cerca de R$ 426 bilhões que não são

repassados por empresas. Na lista das que mais devem à Previdência, há grandes e ativas

empresas como JBS, Banco Bradesco, Marfrig e Vale (MAGALHÃES, 2017).

Notas do Brasil pelas agências de classificação de risco

Nos três meses considerados no período 1 (outubro e dezembro de 2015 e fevereiro

de 2016), o Jornal Nacional deu significativo espaço ao rebaixamento da nota de crédito

do Brasil pelas agências de classificação de risco.

Tabela 3 – Matérias do Jornal Nacional sobre o tema notas do Brasil pelas agências de classificação de
risco
Data Título Formato Duração
Período 1
15/10/2015 Agência de avaliação de risco Fitch rebaixa a nota de Reportagem factual 3’00’’
crédito do Brasil
15/10/2015 Nota de crédito rebaixada pela Fitch gera troca de Reportagem factual 1’58’’
acusações em Brasília
09/12/2015 Agência Moody´s anuncia que colocou nota do Brasil em Notícia 0’41’’
revisão
16/12/2015 Mais uma agência avaliação de risco tira o selo de bom Reportagem factual 3’17’’
pagador do Brasil
16/12/2015 Rebaixamento da nota do Brasil não é surpresa para os Reportagem feature 2’59’’
economistas
16/12/2015 Rebaixamento da nota do Brasil também repercute no Reportagem factual 2’30’’
Congresso
17/02/2016 Standard and Poor's rebaixa de novo nota de crédito do Nota simples 0’31’’
Brasil

24/02/2016 Brasil é oficialmente retirado do grupo de países seguros Reportagem factual 2’12’’
para investir

24/02/2016 Novo rebaixamento da nota do Brasil tem impactos na vida Reportagem feature 2’02’’
de brasileiros

24/02/2016 Queda da nota do Brasil leva oposição a criticar o governo Reportagem factual 2’08’’

Período 2
15/03/2017 Moody´s muda expectativa de nota do Brasil de Negativo Reportagem factual 1’19’’
para estável
No dia 15/10/2015, foi pauta no jornal, com matéria de 3 minutos, a decisão da

agência Fitch de rebaixar a nota de BBB para BBB-, colocando o país “a um passo de

perder esse selo de bom paga e entrar no chamado grau especulativo”. As notas dessas

agências, segundo o lead da matéria faz questão de explicar, “são uma referência para os

investidores internacionais sobre a segurança de aplicar dinheiro num país ou numa

empresa”. A matéria dá destaque ainda aos motivos que a agência considerou para rebaixar

a nota do país: “sequência de problemas políticos e econômicos”, alta dívida pública,

“dificuldade para aprovação do pacote fiscal no Congresso”, “risco de impeachment da

presidente Dilma” e “as investigações da corrupção na Petrobrás”. E conclui: “Perder esse

selo de bom pagador de mais uma agência poderia ter consequências graves”.

Em 16 de dezembro, três matérias, com duração total de quase 9 minutos, foram

dedicadas ao rebaixamento da nota do Brasil para “grau especulativo” pela agência Fitch

Ratings, que passou a considerar arriscado investir no país. Na segunda matéria, o JN

novamente lança mão de ‘seus economistas’ para dizer que o rebaixamento não chegou a

ser uma surpresa e que muitos investidores já estavam saindo do mercado brasileiro. E

afirma: “todo país que ainda não tem, sonha com o grau de investimento. Ele traz dinheiro,

traz investimentos, traz confiança ao país”. Ancorado em fala do presidente do Insper,

Marcos Lisboa, diz a matéria, enfim: “reformas na previdência, tributária e trabalhista, tem

que ser encaradas para que o Brasil possa resgatar a confiança”.

Em fevereiro de 2016, novos anúncios das agências são repercutidas. No dia 24,

mais de 6 minutos dedicados à retirada do Brasil do “grupo de países considerados seguros

para investir” pela agência Moody’s. O repórter falou da situação de dentro da própria

agência, em Nova York, inclusive ouvindo a economista responsável pela coleta dos dados

sobre o Brasil. Com imagens de arquivo e arte gráfica, um histórico mostrou as variações
nas notas dadas pelas agências ao Brasil, destacando a piora entre 2014 e 2016. E conclui:

“a Moody’s afirma que o governo precisa recuperar as rédeas, se o Brasil quiser voltar a ser

bem visto no centro financeiro mundial”. E logo em seguida, matéria demonstra em que

essa “saída do Brasil do clube dos bons pagadores” impacta na vida “de todos os

brasileiros”, não se restringindo ao mercado financeiro, tendo reflexos “aqui dentro, na

nossa vida real, no nosso dia a dia”, com menos investimento das empresas, aumento dos

tributos, aumento dos custos de financiamento e consequente desemprego e aumento do

custo de vida. No período 2, já no governo Temer, há apenas uma notícia do tema, quando

a Moddy’s aumentou a nota do Brasil de negativa para estável e declarou “que a economia

brasileira apresenta sinais de recuperação e que a inflação está em queda” e citou “as

reformas propostas pelo governo, preocupado com as contas públicas”.

Num geral, portanto, essas notas dessas classificações de risco são dadas nos

enquadramentos do Jornal Nacional como algo objetivo com sérios impactos na vida dos

brasileiros. Não são trazidas opiniões que não as do mercado financeiro, a não ser a de

parlamentares e representantes do governo e da oposição, e as agências são mostradas

como grandes responsáveis pela decisão de empresas em investir ou não naquele país. Algo

no mínimo questionável. O sociólogo e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil,

Silvio Caccia Brava, por exemplo, critica a lógica dessas principais agências de risco, que

fazem parte do mercado financeiro e constroem suas notas com vistas a forçar governos a

implementar medidas de austeridade, mas cometem erros graves e muitas vezes dão

resultados contraditórios e duvidosos. Quando do desmoronamento do sistema financeiro

norte-americano em 2008 e 2009, por exemplo, as agências não tinham previsto nada, mas

possivelmente com uma explicação: “as grandes instituições financeiras ainda se

beneficiavam do famoso triplo A apesar de estarem à beira do precipício” (BAVA, 2012).

Não obstante esta situação, as agências cresceram ainda mais e hoje suas operações e
opiniões podem ser desastrosas para países e empresas. De toda forma, as classificações

não são tão neutras e objetivas como o JN faz parecer. Ao contrário, ressalta Bava (2012),

“a classificação de um país, sobretudo em um contexto de incerteza praticamente total, é

recheada de armadilhas e perigos”, tendo em vista que a maioria dos critérios utilizados

não são mensuráveis e quantificáveis, como estabilidade política, ‘boa gestão’ da economia

e perspectivas de longo prazo.

Em artigo divulgado pelo portal Brasil 247, o economista aposentado da Petrobrás,

Cláudio da Costa Oliveira, também questiona as agências de classificação de risco a partir

das notas que atribuíram historicamente à Petrobrás. A maior empresa estatal brasileira e

uma das maiores petroleiras do mundo só recebeu o selo de “grau de investimento” em

2007, mas o perdeu em 2015. O economista demonstra então a inconsistência dos

argumentos das agências, ao ressaltar que apesar de ser mais rentável e ter o caixa e a

liquidez corrente superiores a outras petroleiras, a Petrobrás tem uma nota bem inferior:

variações de BBB, para a Petrobrás, contra variações de AA, para a Chevron, por exemplo.

“Pelo exposto fica difícil entender os critérios utilizados pelas agências na classificação das

empresas, tendo em vista a distância dos ratings da Petrobras em relação aos da Chevron”

(OLIVEIRA, 2017). O documentário “Trabalho interno”, vencedor do Oscar de 2011,

também trata dos interesses obscuros das agências de classificação de risco e suas ligações

com os grandes bancos americanos, aumentando ou rebaixando notas de acordo com os

interesses em jogo e não necessariamente a partir de critérios objetivos, neutros e

igualitários.

Conclusões

A cobertura do Jornal Nacional em outros períodos ou sobre outros temas relativos

à política e economia nacionais pode até indicar diferentes tipos de conclusões, mas nas
reportagens dos períodos e temas aqui analisados não restou dúvida: o ponto de vista do

telejornal é coincidente com o do mercado financeiro e suas grandes corporações. As

opções em quase todos os momentos foi por apenas este lado, com especialistas, opiniões e

afirmações exclusivas ou, em alguns casos, majoritarias de defensores de uma redução da

participação do Estado na economia nacional. Também foi possível observar que o

telejornal tratou os dois governos de formas distintas: no governo Dilma Rousseff destacou

a crise orçamental, o rebaixamento das notas e a incapacidade e omissão do governo em

empreender as reformas, com muito espaço para a visão de especialistas contrários,

enquanto no início do governo Michel Temer o JN diminuiu a frequência de matérias sobre

a economia política, evitou tratar do orçamento público, destacou o esforço do governo em

conduzir as reformas e minimizou – ou até omitiu – as manifestações e visões contrárias.

Não que a Globo não possa ter seu posicionamento – afinal é uma empresa privada

– mas é preciso que isso seja claro, sob pena de iludir a população em torno de uma

pretensa e falaciosa “neutralidade” e “imparcialidade”. Ademais, a exploração do espectro

de radiofrequência é permitida por uma concessão pública, exigindo-se minimamente um

compromisso com o debate amplo e democrático.

A análise ampliada dos três temas escolhidos permitiu, ainda, uma observação geral

de entrecruzamento entre eles. Diante do rebaixamento da nota para investimento no

Brasil, do envelhecimento da população, do desemprego e das dificuldades das empresas, a

melhor saída – e que aparentemente o telejornal cobrou intensamente de ambos os

governos – não tinha espaço para ser outra senão cortar gastos e empreender as reformas

trabalhista e da previdência, sob pena de se aprofundar a crise, perder ainda mais os graus

de investimento, colapsar o sistema previdenciário e não receber investimentos das

empresas.
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- STREECK, Wolfgang. Tempo comprado. A crise adiada do capitalismo democrático.
Coimbra: Actual, 2013.
FRAGILIDADE FINANCEIRA E CICLOS ECONÔMICOS NO BRASIL

Diego Nunes Teixeira* e Gisele Ferreira Tiryaki†

Resumo
Choques financeiros interferem na canalização de recursos para os gastos de consumo e
investimento dos agentes econômicos. A literatura econômica, particularmente aquela de
tradição Keynesiana, enfatiza a relação entre fricções no mercado financeiro e a
volatilidade dos ciclos de econômicos, ressaltando os impactos do acelerador financeiro e
das flutuações na predisposição ao risco dos agentes econômicos. Este artigo investiga a
relação entre fragilidade financeira e os ciclos econômicos no Brasil. Utilizando dados
mensais da economia brasileira no período de 1996 e 2015, o trabalho empregou análise
fatorial para construir um indicador de fragilidade do sistema financeiro e estimou um
modelo de vetores auto-regressivos para avaliar o comportamento deste indicador ao longo
dos ciclos econômicos. Os resultados obtidos indicam que a própria dinâmica da atividade
econômica pode agravar a fragilidade financeira da economia brasileira.
Palavras-chave: Ciclos Econômicos; Instabilidade Financeira; Fragilidade

Abstract
Financial shocks affect the efficiency with which the financial system channels resources
to fund consumption expenditures and fixed capital investment. The literature, particularly
that of Keynesian tradition, emphasizes the link between financial frictions and business
cycles volatility by focusing on the impacts of the financial accelerator and of the changes
in the economic agents' preferences towards risk. This paper investigates the relationship
between financial fragility and business cycles in Brazil. Using monthly data between 1996
and 2015, this article applied factor analysis to derive a financial system fragility indicator
and estimated a vector auto-regression model to evaluate this indicator performance
through the business cycles. The results indicated that the dynamics of the economic
activity may worsen the Brazilian economy's financial fragility.
Keywords: Business cycles; financial instability; fragility

*
Faculdade de Economia, Universidade Federal da Bahia, e-mail: diegont2@yahoo.com.br

Faculdade de Economia, Universidade Federal da Bahia, e-mail: gtiryaki@ufba.br
1

1. INTRODUÇÃO

A crise financeira de 2008 reabriu o debate sobre a contribuição do sistema

financeiro para a propagação e amplificação das flutuações da atividade econômica. O

desenvolvimento do sistema financeiro tem o potencial de otimizar a canalização dos

recursos financeiros para o investimento produtivo e para o consumo das famílias (ver

Levine, 2005; Čihák et al, 2013). No entanto, sistemas financeiros mais eficientes não

necessariamente garantem a estabilidade da atividade econômica.

Em estudos envolvendo dados em cross-section, observa-se que o desenvolvimento

do sistema financeiro tende a minimizar a volatilidade dos ciclos econômicos,

provavelmente em função da redução dos problemas de assimetria de informação

proporcionada pela maior eficiência operacional das instituições financeiras (ver, por

exemplo, Denizer et al, 2002; Silva, 2002; Dabla-Norris e Srivisal, 2013). No entanto, essa

relação torna-se ambígua quando se analisa a evolução individual de uma economia, visto

que inovações financeiras, normalmente associadas às pressões competitivas, podem vir

acompanhadas de comportamentos mais arriscados por parte dos agentes do mercado

financeiro, contribuindo para uma maior volatilidade econômica no curto prazo.

A literatura econômica que enfatiza a importância do funcionamento do mercado de

crédito para as flutuações na atividade econômica é comumente associada às análises de

tradição keynesiana. Na visão novo-keynesiana, por exemplo, a instabilidade financeira se

confunde com fragilidade financeira, que é resultante de choques que interferem nos fluxos

de informação e deterioram os mecanismos de troca do mercado financeiro, prejudicando a

canalização de recursos financeiros para a economia real. Bernanke, Gertler e Gilchrist

(1996), dentre outros autores, atribuem aos mercados de crédito o papel de propagar e

ampliar os choques na economia, particularmente de política monetária, através do

“acelerador financeiro”.
2

Já na visão pós-keynesiana, em especial na análise de Minsky (1986), a fragilidade

financeira emerge quando o agente econômico, influenciado por expectativas otimistas da

economia, experimentam uma redução no seu grau de aversão ao risco, adotando posturas

financeiras crescentemente alavancadas. Quando essa fragilidade se generaliza para

diversos agentes econômicos, tem-se uma situação de instabilidade financeira. Para

Minsky (1986), a mudança de perfil de risco dos agentes econômicos ao longo dos ciclos

econômicos pode ser resultado de respostas endógenas do comportamento dos agentes às

flutuações na atividade econômica, não sendo necessariamente fruto de choques exógenos.

Diversos trabalhos empíricos procuram estabelecer a relação entre fricções

financeiras e os ciclos econômicos. Caballero e Krishnamurty (2001) afirmam que os

efeitos das flutuações na atividade econômica em países com maior robustez do mercado

financeiro são menores, particularmente em períodos de menor liquidez do mercado

internacional. Aghion et al (2005), por sua vez, também indicam que imperfeições no

mercado de crédito contribuem para uma maior volatilidade da economia. Os credores e

tomadores de crédito apresentam comportamento cíclico em sistemas financeiros pouco

desenvolvidos, sendo importante mensurar o tamanho do mercado financeiro e avaliar o

impacto dos períodos de instabilidade financeira na economia. Por fim, Dabla-Norris e

Srivisal (2013) mostram que países com maior robustez do setor financeiro e alta abertura

comercial e financeira estão menos sujeitos aos impactos nos termos de troca e choques de

preços externos, como os preços de commodities, sobre o consumo.

Trabalhos mais recentes têm discutido o papel de fricções no mercado financeiro

sobre como a volatilidade dos preços dos ativos e dos spreads bancários afetam os

agregados macroeconômicos. Gilchrist e Zakrajšek (2012) e Gilchrist, Sim e Zakrajšek

(2014) afirmam que elevações na incerteza conduzem ao declínio na atividade econômica.

Adicionalmente, os autores salientam que as distorções financeiras, medidas por variações


3

no spread de crédito, apresentam impactos significativos na economia, independente do

nível de incerteza.

Observa-se que os trabalhos empíricos que buscam estudar a relação entre

instabilidade financeira e volatilidade dos agregados macroeconômicos utilizam dados

cross-country, sem levar em consideração a dinâmica de curto prazo que só é possível

analisar com dados temporais com frequência mensal ou trimestral. O presente trabalho

tem por objetivo analisar a relação entre fragilidade financeira e o desempenho do PIB, do

consumo das famílias e do investimento ao longo dos ciclos econômicos no Brasil,

utilizando dados mensais entre 1996 e 2015.

Construiu-se um indicador de fragilidade financeira do sistema financeiro brasileiro

utilizando análise fatorial e verificou-se a relação entre este indicador e as flutuações

cíclicas da economia com o uso de modelos de vetor auto-regressivo (VAR). Os resultados

encontrados indicam que choques na atividade econômica elevam a fragilidade financeira

da economia brasileira, um resultado que corrobora, particularmente, com a visão de

Minsky (1986) dos ciclos econômicos.

Além desta introdução, o artigo é composto por mais três seções. A segunda seção

descreve as variáveis utilizadas para construir o indicador de fragilidade financeira e as

demais variáveis utilizadas no modelo econométrico, também detalhado nesta seção. A

terceira seção, por sua vez, apresenta os resultados obtidos, enquanto a última seção é

destinada às considerações finais.

2. DADOS E METODOLOGIA

O estudo utilizou dados mensais de janeiro de 1996 a junho de 2015, obtidos do

BCB (2016), IBGE (2016) e Tesouro Nacional (2016). A primeira parte desta seção

apresenta as variáveis utilizadas na construção do indicador de fragilidade financeira e

descreve a análise de fatores utilizada para a derivação deste índice. A segunda parte da
4

seção descreve as variáveis utilizadas na análise econométrica, enquanto a metodologia é

descrita na última parte da seção.

2.1. Indicador de Fragilidade Financeira

O indicador de fragilidade financeira incorporou seis variáveis que refletem o

desempenho do sistema financeiro, em particular do mercado de crédito. As três primeiras

variáveis são medidas de desenvolvimento do sistema financeiro e as demais capturam

flutuações no prêmio de risco.

Sistemas financeiros desenvolvidos possuem melhor capacidade de lidar com os

problemas de assimetria de informação e, por consequência, de selecionar projetos menos

arriscados, contribuindo para a promoção da estabilidade macroeconômica de curto prazo.

Baseando-se em Levine (2005), três variáveis de desenvolvimento do sistema financeiro

foram utilizadas, com a primeira representando o grau de liquidez do sistema financeiro e

as outras duas representando proxies para robustez do mercado de crédito (BCB, 2016):

 M1PIB: a razão entre meios de pagamento (M1) e PIB;

 PRIVY: a razão entre crédito destinado a setor privado e PIB; e

 CREDPRIVTOT: a razão entre crédito destinado a setor privado e crédito total.

As outras três variáveis utilizadas na construção do índice buscaram mensurar as

flutuações nos custos de agenciamento e no grau de exposição ao risco do sistema

financeiro. A literatura sobre assimetria de informação aponta que, em momentos de

contração na atividade econômica, reduções no patrimônio dos agentes econômicos elevam

o prêmio com o financiamento utilizando recursos de terceiros, refletindo maiores custos

de agenciamento (ver, dentre outros, Bernanke, Gertler e Gilchrist, 1996; Mishkin, 1997,

1998, 2000; Popov, 2011). Desse modo, supõe-se que em períodos de maior instabilidade
5

financeira, o spread aumente devido a maior dificuldade em avaliar quais são os projetos

de financiamento com menores risco de default.

Adicionalmente, de acordo com Minsky (1986), instituições financeiras que se

expõem exageradamente ao risco na fase de expansão do ciclo econômico, apresentam

uma deterioração em suas demonstrações financeiras, apresentando perdas com liquidação

de créditos duvidosos. A consequente contração no crédito também é acompanhada de

elevação no spread bancário.

É interessante salientar que, para Minsky (1986), a expansão na atividade

econômica vem acompanhada de maior fragilidade financeira, uma conclusão que se

contrapõe à ideia novo-keynesiana de maior robustez durante as expansões, fruto da

elevação no patrimônio dos agentes econômicos e da consequente redução na assimetria de

informação.

Desta forma, as seguintes variáveis foram utilizadas como indicadores do prêmio

risco com financiamentos e das expectativas de perda das instituições financeiras com as

operações de crédito (BCB, 2016)1:

 TBFSELIC: diferença entre a taxa básica financeira (TBF) e a SELIC2;

 SPREADTCP: a diferença entre a taxa de juros de crédito pessoal (TCP) e a SELIC;

 PROVTOT: razão entre a provisão de crédito em atraso e o total de crédito concedido

pelas instituições financeiras do Sistema Financeiro Nacional.

Seria também interessante incorporar taxas de juros de longo prazo, já que elas

refletem de maneira mais apropriada o custo de oportunidade de projetos de investimento e

1
Inicialmente, tentou-se incluir, na estimativa do indicador de fragilidade financeira, uma proxy para bolhas
no mercado de capitais. No entanto, como essa variável apresentou baixa correlação com as outras seis
variáveis escolhidas para compor o índice, não foi possível mantê-la na análise fatorial. Optou-se, então, por
incluí-la separadamente na análise econométrica, conforme indicado na próxima seção.
2
Existem outras taxas de juros disponíveis para avaliar o spread, como taxas de juros especificas para
pessoas física e jurídica. Entretanto, as duas variáveis escolhidas para representar o prêmio de risco são as
únicas taxas de juros disponíveis para o horizonte temporal desta pesquisa.
6

do consumo de bens duráveis. No entanto, no caso brasileiro, grande parte dos

investimentos de longo prazo são financiados por taxas de juros de longo prazo subsidiadas

pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ademais, como

as taxas de juros de curto e de longo prazo apresentam alta correlação, o uso de taxas de

curto prazo não prejudica a análise deste trabalho.

2.1.1. Análise de Fatores

A análise de fatores permite identificar fatores latentes que determinam um

comportamento comum entre variáveis. Utilizar a análise de fatores para derivar um

indicador de fragilidade financeira pressupõe que a fragilidade é resultado do

comportamento de risco dos agentes e de choques exógenos (e.g. choques de política

monetária e inovações tecnológicas).

A primeira etapa na análise de fatores é se certificar da existência de associação

entre as variáveis a partir da análise da matriz de correlação. A matriz de correlação

apresentada na Tabela 1 indica que as variáveis escolhidas são apropriadas para a

condução da análise de fatores3.

A segunda etapa da análise de fatores é o procedimento de seleção do número de

fatores latentes. No presente trabalho, utilizou-se o método de Fatores Principais,

metodologia padrão da literatura, com a extração de fatores feita a partir da Análise

Paralela e, como medida inicial de comunalidade, a correlação múltipla quadrática (ver

Tiryaki, 2017). A Tabela 2 indica que apenas um fator foi retido, com todas as variáveis

apresentando valores de comunalidade satisfatórios4.

3
Tiryaki (2017) sugere que as variáveis a serem incluídas no índice tenham uma correlação de, no mínimo,
0,30 com as demais variáveis, sendo que o ideal é verificar correlações acima de 0,50.
4
Tiryaki (2017) e Hair et al (2006) indicam que o grau de comunalidade deve exceder 0,40.
7

Tabela 1 – Matriz de Correlação Cruzada

PRIVY CREDPRIVTOT M1PIB PROVTOT TBFSELIC SPREADTCP


PRIVY 1,000
CREDPRIVTOT 0,184 1,000
M1PIB 0,459 0,821 1,000
PROVTOT -0,598 -0,602 -0,707 1,000
TBFSELIC -0,673 -0,581 -0,677 0,733 1,000
SPREADTCP -0,699 -0,724 -0,805 0,791 0,886 1,000
Fonte: Elaboração própria, 2017.

Tabela 2 – Análise de Fatores

F1 Comunalidade Unicidade
PRIVY -0,671 0,450 0,550
CREDPRIVTOT -0,761 0,580 0,420
M1PIB -0,858 0,737 0,263
PROVTOT 0,823 0,678 0,322
TBFSELIC 0,876 0,768 0,232
SPREADTCP 0,970 0,940 0,060
Fator Variância Cumulativo Diferença Proporção Cumulativo
F1 4,152 4,152 --- 1,000 1,000
Total 4,152 4,152 1,000
Modelo Independência Saturação
Discrepância 0,176 7,006 0,000
Parâmetros 12 6 21
Graus de liberdade 9 15 ---
KMO 0,802
Goodness-of-fit Summary
Modelo Independência Saturado
Parâmetros 12 6 21
Graus de liberdade 9 15 ---
Relação de parsimônia 0,600 1,000 ---
Ajuste de Índices Incrementais:
Bollen Relative (RFI) 0,958
Bentler-Bonnet Normed
0,975
(NFI)
Fonte: Elaboração própria, 2017.

Observa-se também na Tabela 2 que os testes de robustez da análise de fatores são

favoráveis. O teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) apresentou um valor de 0,802,


8

indicando que as variáveis são apropriadas para a análise de fatores5. Já os testes de ajuste

de modelo, também se mostraram satisfatórios, com índices de ajuste incremental acima de

0,95 (ver Tiryaki, 2017).

Portanto, é possível identificar apenas um fator latente que está determinando o

comportamento conjunto das variáveis e, a esse fator, deu-se o nome de indicador de

fragilidade financeira (F1). O fator sinaliza as condições de financiamento e expectativas

do mercado financeiro, já que ele é negativamente relacionado com as variáveis de

desenvolvimento do mercado financeiro e positivamente correlacionado com as medidas

de prêmio de risco e provisão para perdas.

A Figura 1 mostra o comportamento de indicador de fragilidade no período de

análise. Observa-se que F1 apresenta uma tendência declinante no período, indicando a

necessidade de utilizar um filtro para obter o componente cíclico da variável6. Utilizou-se o

filtro de Hodrick-Prescott (HP), que é a estratégia padrão apresentada na literatura,

particularmente quando existe um número reduzido de observações (ver, por exemplo,

Christiano et al., 2010).

2.2. Demais Variáveis Utilizadas no Modelo Econométrico

O produto agregado real foi obtido a partir da série mensal de PIB nominal

acumulado dos últimos doze meses do BCB (2016), deflacionando-a pelo índice nacional

de preços ao consumidor amplo (IPCA). A escolha pelo IPCA foi feita em virtude da

indisponibilidade de dados mensais para o deflator do PIB.

5
O KMO varia entre zero e a unidade, com valores acima de 0,7 considerados satisfatórios.
6
Essa conclusão foi ratificada pela realização de testes de raiz unitária convencionalmente utilizados pela
literatura. Estes resultados podem ser obtidos mediante solicitação aos autores.
9

Figura 1 - Indicador de Fragilidade Financeira


4

-1

-2
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Dados de consumo e investimento somente estão disponíveis trimestralmente.

Desse modo, o seguinte procedimento foi adotado para derivar as series mensais: coletou-

se os dados trimestrais do PIB nominal, consumo e investimento no IBGE (2016) e

calculou-se as frações trimestrais do consumo e investimento em relação ao PIB; assumiu-

se que essas frações são constantes nos meses de cada respectivo trimestre; e utilizou-se a

série de PIB real mensal para calcular as séries mensais de consumo e investimento.

Obtidos os valores reais mensais para o PIB, consumo e investimento, utilizou-se o filtro

HP para obter os componentes cíclicos dessas variáveis (HPPIB, HPCONS e HPINVEST).

As seguintes variáveis de controle também foram incluídas na análise:

 IPCA: representa o logaritmo do índice de preços obtido a partir do IPCA (BCB, 2016).

Elevadas taxas de inflação geram incertezas e distorções em preços relativos,

contribuindo para uma maior volatilidade dos ciclos econômicos.

 GOVPIB: indica a proporção das despesas do governo em relação ao PIB (TESOURO

NACIONAL, 2016). A política fiscal é normalmente utilizada para atenuar os ciclos

econômicos, mas é comum observar, particularmente em países em desenvolvimento,


10

um comportamento pró-cíclico dos gastos públicos, contribuindo para a volatilidade

econômica (ver Alesina e Campante, 2008) 7.

 SOLOW: captura o impacto de choques exógenos de produtividade na economia

(REBELO, 2005). Esses choques são mensurados com a extração do componente

cíclico do resíduo de Solow8.

 ABERTURA: medida através da razão entre a soma de exportações e importações sobre

o PIB (BCB, 2016). De acordo com Karras (2006), o impacto da abertura econômica

sobre os ciclos de negócios é incerto: enquanto uma menor abertura expõe menos a

economia a choques externos, uma maior abertura permite que uma economia exporte

seus choques internos.

 CAMBIO: é uma medida da instabilidade cambial, obtida pelo desvio padrão da taxa

nominal expressa em US$/R$ (BCB, 2016). Abstraindo os regimes de câmbio fixo, que

são mais suscetíveis a ataques especulativos, taxas de câmbio mais estáveis facilitam o

planejamento dos agentes econômicos, reduzindo a volatilidade dos ciclos econômicos.

 BOVESPA: representa a diferença entre a taxa de crescimento do preço dos ativos na

bolsa de valores e a taxa de crescimento do PIB. Discrepâncias significativas entre

variações nos preços dos ativos e o crescimento econômico revelam a formação de

bolhas no mercado financeiro (GREENSPAN, 2004).

Extraiu-se o componente cíclico de todas essas variáveis de controle utilizando o

filtro HP, indicando-se pelo sufixo CYC. A Tabela 3 detalha as estatísticas descritivas,

enquanto a Tabela 4 apresenta as correlações cruzadas das variáveis utilizadas na análise

econométrica descrita na próxima seção.

7
Esta variável está disponível para o período de janeiro de 1998 a junho de 2015. A inclusão desta variável
em um segundo momento da análise econométrica servirá como teste de robustez para os resultados
encontrados com a amostra completa.
8
O resíduo é obtido pela diferença entre a variação no logaritmo da produção em dois períodos consecutivos
e o produto de (1 - α) pela variação no logaritmo do emprego. Este trabalho segue Backus e outros (1992) e
Karras e Song (1996), ao estabelecer 𝛼 = 0,36.
11

Tabela 3 – Estatísticas Descritivas

Desv. No.
Média Mediana Máx. Mín. Pad. Assimetria Curtose Obs.
HPPIB -2,84E-09 0,003 0,024 -0,037 0,013 -0,867 3,311 234
HPINVEST -3,97E-10 0,011 0,149 -0,261 0,084 -0,470 2,656 234
HPCONS -4,62E-09 -0,002 0,049 -0,042 0,019 0,161 2,947 234
F1CYC -2,53E-13 0,006 0,598 -0,673 0,201 -0,300 4,177 234
IPCACYC 4,75E-14 0,000 0,003 -0,006 0,001 -0,727 6,696 234
GOVPIBCYC 5,69E-15 -0,001 0,010 -0,007 0,003 0,561 3,605 210
SOLOWCYC -1,31E-16 -0,002 0,084 -0,094 0,036 0,004 2,697 234
BOVESPACYC 7,55E-14 -0,009 15,541 -25,594 3,069 -3,834 41,350 234
ABERTURACYC 6,05E-14 -0,003 0,067 -0,056 0,019 0,426 5,163 234
CAMBIOCYC 6,29E-15 -0,007 0,256 -0,046 0,031 4,382 31,389 234
Fonte: Elaboração própria, 2017.

Tabela 4 – Matriz de Correlação Cruzada

ABERTURACYC
BOVESPACYC

CAMBIOCYC
GOVPIBCYC

SOLOWCYC
HPINVEST

IPCACYC
HPCONS

F1CYC
HPPIB

HPPIB 1,000
HPINVEST 0,307 1,000
HPCONS 0,450 -0,177 1,000
F1CYC -0,340 -0,188 -0,334 1,000
IPCACYC 0,157 0,087 0,131 -0,278 1,000
GOVPIBCYC -0,036 -0,027 -0,107 0,028 -0,378 1,000
SOLOWCYC -0,045 -0,085 -0,130 0,099 0,042 -0,017 1,000
BOVESPACYC 0,012 -0,027 0,019 -0,196 0,212 0,049 -0,042 1,000
ABERTURACYC 0,166 -0,058 -0,048 0,007 -0,122 -0,281 -0,046 -0,053 1,000
CAMBIOCYC 0,030 -0,140 0,082 0,155 -0,228 0,016 -0,035 -0,046 0,312 1,000
Fonte: Elaboração própria, 2017.

2.3. Modelo de Vetores Auto-regressivos (VAR)

O modelo VAR é definido pela expressão:

𝑥𝑡 = Φ𝑖 𝑥𝑡−𝑖 + Ψ𝑤𝑡 + 𝜀𝑡 , 𝑡 = 1,2, … , 𝑇,


12

onde 𝑥𝑡 = (𝑥1𝑡 , 𝑥2𝑡 , … , 𝑥𝑚𝑡 )′ é um vetor m x 1 de variáveis dependentes; 𝑤𝑡 é m vetor q x

1 de variáveis exógenas e/ou determinísticas; e Φ𝑖 (vetor m x m) e Ψ (m x q) são matrizes

de coeficientes. De acordo com Pesaran e Shin (1998), o modelo VAR é fundamentado em

três suposições:

(i) 𝐸(𝜀𝑡 ) = 0, 𝐸(𝜀𝑡 𝜀𝑡′ ) = ∑ 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡𝑜𝑑𝑜 𝑡, onde ∑ = (𝜎𝑖𝑗 , 𝑖, 𝑗 = 1,2, … 𝑚) é uma matriz m

x m positiva definida, 𝐸(𝜀𝑡 𝜀𝑡′ ) = 0 para todo 𝑡 = 𝑡 ′ e 𝐸(𝜀𝑡 |𝑤𝑡 ) = 0;

(ii) Todas as raízes de |𝐼𝑚 − ∑𝑝𝑖=1 Φ𝑖 𝑧 𝑖 | = 0 estão fora do círculo unitário; e

(iii) 𝑥𝑡−1 , 𝑥𝑡−2 , … , 𝑥𝑡−𝑝 , 𝑤𝑡 , t = 1,2, ..., T não são colineares perfeitos.

Dessa forma, 𝑥𝑡 seria covariância-estacionária e poderia ser reescrita como média

móvel infinita: 𝑥𝑡 = ∑∞ ∞
𝑖=0 𝐴𝑖 𝜀𝑡 + ∑𝑖=0 𝐺𝑖 𝑤𝑡−𝑖 , 𝑡 = 1,2, … , 𝑇, onde 𝐴𝑖 é a matriz de

coeficientes (m x m) obtida através das relações recursivas: 𝐴𝑖 = Φ1 A𝑖−1 + Φ2 A𝑖−2 +

⋯ + Φ𝑝 A𝑖−𝑝 , 𝑖 = 1,2, …; Com 𝐴0 = 𝐼𝑚 e 𝐴𝑖 = 0 para i < 0 e 𝐺𝑖 = 𝐴𝑖 𝜓.

Ainda segundo Pesaran e Shin (1998), a função de resposta a impulso mede o efeito

de choques em um determinado período no tempo sobre os valores futuros esperados de

variáveis em um sistema dinâmico. Portanto, a função impulso resposta pode ser descrita

como o perfil temporal do efeito de um hipotético vetor m x 1 de choques de tamanho 𝛿 =

(𝛿1 , … , 𝛿𝑚 ).

Definindo os dados econômicos conhecidos até o período t - 1 pelo conjunto de

informações não decrescentes Ω𝑡−1 , a função de resposta a impulso generalizada de 𝑥𝑡 , no

horizonte n, é definida em Pesaran e Shin (1998) como:

𝐺𝐼𝑥 (𝑛, 𝛿, Ω𝑡−1 ) = 𝐸(x𝑡+𝑛 |𝜀𝑡 = 𝛿, Ω𝑡−1 ) − 𝐸(x𝑡+𝑛 |Ω𝑡−1 )

assumindo que 𝐺𝐼𝑥 (𝑛, 𝛿, Ω𝑡−1 ) = 𝐴𝑛 𝛿, o qual é independente de Ω𝑡−1 . A função impulso

resposta generalizada depende da composição de choques definidos por 𝛿; ou seja, o vetor

de choques é sua propriedade central. As funções impulso resposta generalizadas


13

apresentam resultados mais rigorosos para avaliar os choques exógenos, pois independem

do ordenamento das variáveis. Desta forma, os resultados não dependem de pressupostos

ad-hoc estabelecidos pela literatura econômica e ou de testes estatísticos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Utilizando dados entre janeiro de 1996 e junho de 2015, foram inicialmente

estimados três modelos VAR distintos:

𝐻𝑃𝑃𝐼𝐵 𝐻𝑃𝐶𝑂𝑁𝑆 𝐻𝑃𝐼𝑁𝑉𝐸𝑆𝑇


𝐼𝑃𝐶𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐼𝑃𝐶𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐼𝑃𝐶𝐴𝐶𝑌𝐶
𝐵𝑂𝑉𝐸𝑆𝑃𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐵𝑂𝑉𝐸𝑆𝑃𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐵𝑂𝑉𝐸𝑆𝑃𝐴𝐶𝑌𝐶
𝐶𝐴𝑀𝐵𝐼𝑂𝐶𝑌𝐶 𝐶𝐴𝑀𝐵𝐼𝑂𝐶𝑌𝐶 𝐶𝐴𝑀𝐵𝐼𝑂𝐶𝑌𝐶
𝑆𝑂𝐿𝑂𝑊𝐶𝑌𝐶 𝑆𝑂𝐿𝑂𝑊𝐶𝑌𝐶 𝑆𝑂𝐿𝑂𝑊𝐶𝑌𝐶
𝐴𝐵𝐸𝑅𝑇𝑈𝑅𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐴𝐵𝐸𝑅𝑇𝑈𝑅𝐴𝐶𝑌𝐶 𝐴𝐵𝐸𝑅𝑇𝑈𝑅𝐴𝐶𝑌𝐶
[ 𝐹1𝐶𝑌𝐶 ] [ 𝐹1𝐶𝑌𝐶 ] [ 𝐹1𝐶𝑌𝐶 ]
Posteriormente, esses modelos foram reestimados incluindo a GOVPIBCYC, desta vez

com uma amostra entre janeiro de 1998 a junho de 2015, em virtude da indisponibilidade

de informações sobre gastos do governo disponibilizadas pelo Tesouro Nacional.

3.1. Fragilidade Financeira e Ciclos Econômicos no Brasil: Janeiro/96 - Junho/2015

Testes nos três modelos VAR estimados indicaram a necessidade de se trabalhar

com quatro defasagens e a constante como termo determinístico para garantir a

estabilidade do sistema e rejeitar as hipóteses de autocorrelação serial e de

heterocedasticidade condicional. A Figura 2 apresenta os círculos unitários contendo as

raízes inversas do polinômio característico de cada VAR estimado, indicando a

estabilidade dos modelos.

Os resultados das funções impulso resposta (FIR) generalizadas estão ilustradas na

Figura 39. Por limitação de espaço, são apresentados os resultados de choques em F1CYC

9
Utiliza-se 95% como nível de significância para a análise das FIR generalizadas para todos os resultados
deste trabalho.
14

sobre os HPPIB, HPINVEST e HPCONS, assim como o impacto de choques em HPPIB,

HPINVEST e HPCONS sobre F1CYC.

Figura 2 - Raízes Inversas do Polinômio Característico Autorregressivo

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Observa-se que choques exógenos em F1CYC não apresentam efeitos

estatisticamente significantes sobre HPPIB ou HPINVEST. Entretanto, choques em

HPINVEST e HPPIB sobre F1CYC mostram que expansões no produto e no investimento

fazem com que a fragilidade financeira se eleve: o impacto de um choque no HPPIB sobre

F1CYC ocorre particularmente entre o 10º e 18º mês após o impulso, enquanto que o

impacto do choque em HPINVEST sobre F1CYC é mais representativo em magnitude, mas

é restrito ao período entre o 2º e o 4º mês.

Este resultado aparenta indicar que os agentes econômicos, em particular as firmas,

reduzem a aversão ao risco em momentos de expansão econômica, conforme preconiza a

hipótese de fragilidade financeira de Minsky (1986). No entanto, é difícil conciliar este

resultado com as ideias novo-keynesianas do acelerador financeiro, que defendem que uma

melhora das condições macroeconômicas, elevando o patrimônio dos agentes econômicos,

deveria levar a uma redução da assimetria de informação e, consequentemente, dos custos

de agenciamento, reduzindo a fragilidade financeira (ver Bernanke et al, 1996).


15

Figura 3 - Funções Impulso Resposta

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Choques em HPCONS não afetam F1CYC, indicando que a elevação da fragilidade

financeira durante expansões da atividade econômica está particularmente associada ao

comportamento das firmas. Por outro lado, choques em F1CYC reduzem HPCONS,

indicando que choques que elevam a fragilidade financeira levam à redução no consumo.

Mishkin (2000) argumenta que uma elevação na fragilidade financeira é normalmente

associada a aumentos das taxas de juros, o que reduz os gastos com bens duráveis.

3.2. Fragilidade Financeira e Ciclos Econômicos no Brasil: Janeiro/98 - Junho/2015

Esta seção apresenta os resultados obtidos quando se adiciona a variável

GOVPIBCYC às três estimações de VAR. Novamente, constatou-se a necessidade de

estimar os modelos com quatro defasagens para rejeitar as hipóteses de autocorrelação

serial e de heterocedasticidade condicional. A inclusão de quatro defasagens também

garantiu a estabilidade do modelo, conforme ilustrado na Figura 4.


16

Figura 4 - Raízes Inversas do Polinômio Característico Autorregressivo

Fonte: Elaboração própria, 2017.

A adição da variável GOGPIBCYC e a utilização de uma amostra menor não altera

de maneira significativa os resultados apresentados anteriormente. Como se observa na

Figura 5, choques em HPPIB, HPINVEST e HPCONS elevam o indicador de fragilidade

financeira, um resultado que, novamente, apoia a ideia de Minsky (1986) de maior

alavancagem dos agentes econômicos durante expansões da atividade econômica.

Figura 5 - Funções Impulso Resposta

Fonte: Fonte: Elaboração própria, 2017.

Inovações em HPINVEST elevam F1CYC entre o 2º e o 4º mês subsequente,

enquanto que as respostas de F1CYC a inovações em HPPIB e em HPCONS, embora mais


17

persistentes, ocorrem com uma defasagem maior. A resposta de F1CYC a inovações em

HPPIB é significativa entre o 12º e o 18º mês subsequente ao choque, ao passo que a

resposta a inovações em HPCONS iniciam no 2º mês e persistem até o 12º mês. Assim

como nos resultados obtidos com a amostra maior, inovações em F1CYC afetam apenas

HPCONS, indicando que maior fragilidade financeira reduz o consumo.

4. CONCLUSÕES

O objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre fragilidade financeira e o

desempenho do produto interno bruto, consumo e investimento ao longo dos ciclos

econômicos no Brasil. Os resultados encontrados na análise econométrica indicam que os

agentes econômicos, em particular as firmas, reagem a choques positivos sobre a economia

expandindo sua exposição ao risco. Esse resultado é compatível com as ideias

preconizadas por Minsky (1986) na sua hipótese da fragilidade financeira.

Inovações na fragilidade financeira, por sua vez, não afetam diretamente a

produção e o investimento, embora reduza a volatilidade do consumo das famílias. Esses

resultados sugerem a necessidade uma atuação mais incisiva do banco central no

monitoramento da exposição ao risco das instituições financeiras.

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MEIO DE PAGAMENTOS, BANCOS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL:

UMA ANÁLISE MULTIVARIADA PARÁ AS MICROREGIÕES DO ESTADO DO

PARÁ.

João Pereira dos SANTOS Me. Ciências Econômicas pela UFPA Email: joao223santos@yahoo.com.br

Gisalda Carvalho FILGUEIRAS D. Sc. Ciências Agrárias pela UFRA e Professora Adjunta l da UFPA.
Email: gisaldaf@yahoo.com.br
Alessandra Cordovil da LUZ Ma. Ciências Econômicas pela UFPA e Professora do CESUPA. Email:
alessandra_cl@hotmail.com

Magno Rodrigues Pedreira LAPA Me. Ciências Econômicas pela UFPA e Professor Substituto do IFPA.
Email: magnolapa@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo principal averiguar a preferência pela liquidez tanto pelo

público como pelos bancos no estado do Pará, tendo como base teórica os autores

keynesianos, que discutem o papel das instituições financeiras enquanto indutor do

desenvolvimento regional. Especificamente, verificou-se esta relação de preferência e o

desenvolvimento para as 22 microrregiões do Pará, nos anos de 2004 e 2009. A escolha

pelo Pará se deu por ser uma das maiores e mais importantes economia entre os estados da

região Norte. Como base metodológica da análise fatorial, foi possível visualizar a

dicotomia entre centro versus periferia, que implica em um maior ou menor investimento

produtivo e, portanto, desenvolvimento econômico e, com isso, indicar ações que possam

diminuir a diferença nas opções de investimento para haja um desenvolvimento regional

mais igualitário entre as microrregiões do Pará, mesmo que para isso haja investimento

governamental.

Palavras-chave: Desenvolvimento regional; Meios de Pagamento; Análise fatorial.


ABSTRACT

This study had as its main objective to determine the preference for liquidity both by the

public and by banks in the State of Pará, on the basis of the theoretical, that discuss the

Keynesian authors role of financial institutions while inductor on regional development.

Specifically, this relationship and the preference for development in the southern part of

Pará, 22 in 2004 and 2009. The choice by the Pará was for being one of the largest and

most important economy among the States of the northern region. As a methodological

basis of factor analysis, it was possible to show the Center versus periphery, dichotomy

between that implies a more or less productive investment and, therefore, economic

development and thereby indicate actions that can diminish the difference in investment

options for a more equitable regional development between the micro-regions of Pará,

even if to do so is no governmental investment.

Key-words: Regional development; Means of payment; Factor analysis.

1. INTRODUÇÃO

O estado do Pará é reconhecido por sua vasta extensão territorial, são mais

1.247.000 km² distribuídos em 143 municípios com uma população de pouco mais de sete

milhões (IBGE, 2010) e se caracteriza por apresentar uma concentração muito grande nos

municípios centrais como a capital Belém e sua região metropolitana, Santarém e Marabá,

de tal forma que os municípios mais afastados dessas regiões sofrem com a falta de

serviços básicos.

Um exemplo dessa situação é que dos 143 municípios, 65 (45,45%) não

possuem agência bancária, pois, além de se encontrarem na periferia do Estado, estão

territorialmente distantes dos municípios centrais e com difícil acesso o que torna maior a

exclusão dos mesmos no que se refere ao atendimento de serviços essenciais, como:


correios, serviços telefônicos, estradas, agências bancárias, etc. Quando os tem, são

insuficientes ou precários.

De acordo com a teoria pós-keynesiana adotada neste artigo, a moeda não é

neutra e, portanto é endógena ao sistema econômico, influenciando e sendo influenciada

diretamente pela atividade econômica da região.

Amado (1998) e Dow (1992) defendem que existe uma relação direta entre os

elementos reais da economia e como os comportamentos resultantes dos agentes em

relação à moeda e os ativos financeiros, de tal modo que as finanças possuem um papel

importante na determinação da trajetória de desenvolvimento regional.

Nesse aspecto, este artigo busca identificar as relações entre o acesso bancário

e a distribuição de renda nas microrregiões do estado do Pará, nos anos de 2004 e 2009,

através da técnica multivariada da análise fatorial.

Para tanto, este artigo está divido em quatro seções, além desta introdução, em

seguida discute-se o referencial teórico, onde são descritas os fundamentos da escola pós-

keynesiana que dão suporte a essa análise; a terceira seção descreve-se a metodologia, que

abrange desde a área de estudo, o modelo de análise fatorial e as variáveis utilizadas nessa

análise. Na quarta, traz-se a análise dos resultados e, por último, na ultima e quinta seção

tece-se as considerações finais.

2. METODOLOGIA

2.1 ÁREA DE ESTUDO

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o

estado do Pará, possui 143 municípios que estão divididos em 22 microrregiões, objeto de

estudo deste artigo.

Optou-se por trabalhar com as microrregiões, pois 65 (sessenta e cinco) – em

torno de 45% - dos municípios paraenses, não possuem ao menos uma agência bancária,
tornando inviável o estudo da relação entre os meios de pagamentos, bancos e o

desenvolvimento econômico e financeiro dos municípios através da análise fatorial.

A seguir segue um quadro que apresenta os municípios que compõem cada

uma das microrregiões do Pará.

Quadro 1: Microrregiões paraenses e seus respectivos municípios, 2011.

Microrregiões Municípios

Almeirim Almeirim e Porto de Moz

Altamira Altamira, Anapú, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá,

Senador José Porfírio, Uruará, Vitória do Xingu

Arari Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras,

Salvaterra, Santa Cruz do Arari, Soure

Belém Ananindeua, Barcarena, Belém, Benevides, Marituba,

Santa Barbara do Pará

Bragantina Augusto Corrêa, Bonito, Bragança, Capanema, Igarapé-

Açu, Nova Timboteua, Peixe Boi, Primavera, Quatipuru,

Santa Maria do Pará, Santarém Novo, São Francisco do

Pará, Tracuateua

Cametá Abaetetuba, Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Mocajuba,

Limoeiro do Ajuru, Oeiras do Pará

Castanhal Bujaru, Castanhal, Inhangapi, Santa Izabel do Pará, Santo

Antônio do Tauá
Conceição do Araguaia Conceição do Araguaia, Floresta do Araguaia, Santa Maria

das Barreiras, Santana do Araguaia

Furos de Breves Afuá, Anajás, Breves, Curralinho, São Sebastião da Boa

Vista

Guamá Aurora do Pará, Cachoeira do Piriá, Capitão Poço,

Garrafão do Norte, Ipixuna do Pará, Irituia, Mãe do Rio,

Nova Esperança do Piriá, Ourém, Santa Luzia do Pará, São

Domingos do Capim, São Miguel do Guamá, Viseu

Itaituba Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis,

Trairão

Marabá Brejo Grande do Araguaia, Marabá, Palestina do Pará, São

Domingos do Araguaia, São João do Araguaia

Óbidos Faró, Juruti, Óbidos, Oriximiná, Terra Santa

Parauapebas Água Azul do Norte, Canãa dos Carajás, Curionópolis,

Eldorado dos Carajás, Parauapebas

Paragominas Abel Figueiredo, Bom Jesus do Tocantins, Dom Eliseu,

Goianésia do Pará, Paragominas, Rondon do Pará,

Ulianópolis

Portel Bagre, Gurupá, Melgaço, Portel

Redenção Pau D´arco, Piçarra, Redenção, Rio Maria, São Geraldo do

Araguaia, Sapucaia, Xinguara


Salgado Colares, Curuçá, Magalhães Barata, Maracanã, Marapanim,

Salinópolis, São Caetano de Odivelas, São João da Ponta,

São João de Pirabas, Terra Alta, Vigia

Santarém Alenquer, Belterra, Curuá, Monte Alegre, Placas, Prainha,

Santarém

São Felix do Xingu Bannach, Cumaru do Norte, Ourilândia do Norte, São Felix

do Xingu, Tucumã

Tomé-Açu Acará, Concórdia do Pará, Mojú, Tailândia, Tomé-Açu

Tucuruí Breu Branco, Itupiranga, Jacundá, Nova Ipixuna, Novo

Repartimento, Tucuruí

Fonte: IBGE, 2012

2.2 MODELO DE ANÁLISE FATORIAL

A técnica multivariada da análise fatorial será utilizada neste artigo com o

objetivo de sintetizar o grupo de variáveis referentes ao aspecto Meio de Pagamento e

Desenvolvimento Econômico e Financeiro das microrregiões do estado do Pará.

O desenvolvimento da técnica de análise fatorial feito por Bezerra (2012) parte

do pressuposto que toda variável padronizada (de média zero e variância igual a um)

pode ser explicada por uma constante , multiplicada por um fator, F, também com média

zero e variância igual a um. Porém, como a variável possui características que não são

comuns a nenhuma das outras variáveis, o fator não consegue explicá-la de forma

completa, existindo assim o termo de erro .

O modelo matemático que representa a técnica de análise fatorial é:


As constantes são também chamadas de cargas fatoriais, de acordo com Hair

et al (2005), elas medem o grau de correlação entre a variável original e os fatores.

Os fatores são combinações lineares das variáveis originais e podem ser

representados por (BEZERRA, 2012):

O escore fatorial é um número resultante da multiplicação dos coeficientes

pelo valor das variáveis originais.

A adequação da análise fatorial a princípio pode ser verificada através da matriz

de correlações, o ideal é que haja um número substancial de correlações maiores que 0,30,

além disso existem alguns critérios para verificação dessa adequação, os principais são:

 O coeficiente KMO (Kaiser-Meyer-Olkin), segundo o qual as correlações

parciais entre pares de variáveis, eliminando o efeito das demais, devem ser pequenas

se o modelo for adequado (BARROSO; ARTES, 2003). Assim valores de KMO entre

0,80 e 1,0 representam uma excelente adequação; valores entre 0,70 e 0,80 uma ótima

adequação; valores entre 0,60 e 0,70 uma boa adequação; valores entre 0,50 e 0,60 uma

adequação regular e valores inferiores a 0,50 são insuficientes para realização da

análise fatorial.

 O teste Bartlett testa a hipótese nula da matriz de correlações ser uma matriz

identidade, se essa hipótese não for rejeitada significa que as variáveis não estão

correlacionadas e nesta situação a análise fatorial não é adequada.

 A Medida de Adequação da Amostra (MAS) pode ser obtida através da matriz

de correlação anti-imagem e o ideal é que seus valores sejam maiores que 0,50.
Para estimação do modelo, o método mais utilizado é o das componentes

principais, que leva em conta a variância total dos dados. A vantagem deste método é que

nele não há necessidade de pressuposição da normalidade das variáveis envolvidas (HAIR

et al, 2005).

Para a escolha dos fatores, vários são os métodos disponíveis, porém o mais

comum e utilizado neste trabalho é o critério da raiz latente. O raciocínio para o critério da

raiz latente é que qualquer fator individual deve explicar a variância de pelo menos uma

variável, de modo que somente os fatores com raiz latente ou autovalor maiores que 1 são

considerados significantes (HAIR et al, 2005).

Um procedimento comum na técnica da análise fatorial é a rotação dos fatores,

tal procedimento busca encontrar soluções que expliquem o mesmo grau de variância total,

mas que gerem resultados melhores em relação a sua interpretação. Neste artigo, utilizou-

se o método de rotação Varimax, este método de rotação ortogonal, minimiza a ocorrência

de uma variável possuir altas cargas fatoriais para diferentes fatores, permitindo que uma

variável seja facilmente identificada com um único fator.

2.3 VARIÁVEIS ANALISADAS NO MODELO

Em termos gerais, os multiplicadores monetários relacionam-se inversamente

com a preferência pela liquidez dos agentes. A preferência pela liquidez tende a se

manifestar por meio do coeficiente reservas/depósitos à vista (R/DV) mantidos pelos

bancos e da razão entre o papel-moeda em Poder do Público - PMPP e os depósitos à vista

mantidos pelos agentes (PMPP/DV). Em nível regional, para analisar esses fatores, tem-se

ainda que considerar os vazamentos reais e financeiros que retiram liquidez da economia,

ou seja, os fluxos de capitais e os resultados da balança comercial. Contudo, o PMPP não

pode ser mensurado devido a não disponibilidade de dados (AMADO, 1997).


Amado (1997) acredita que no caso brasileiro há uma enorme discrepância

entre a distribuição de depósitos e a distribuição de população, o que demonstra problemas

com o sistema financeiro, mas guarda relação também com o problema das desigualdades

das rendas regionais. Essa discrepância é também observada quando se compara a

distribuição dos depósitos e a distribuição de renda. Contudo, aqui as discrepâncias seriam

menores. O índice de distribuição dos depósitos em relação à renda (IDR) pode ser

calculado da seguinte maneira:

Onde:

= são os depósitos totais da microrregião

= são os depósitos totais do Brasil

= PIB da microrregião

= PIB do Brasil

Os dados do PIB, número de empregos, população, estabelecimentos do setor

serviço com mais de dez empregados permitem uma caracterização do desempenho

econômico da região e de seu grau de centralidade.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para captar possíveis mudanças estruturais no dinamismo econômico das

microrregiões a análise foi realizada para os anos de 2004 e 2009.


3.1 A PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ NAS MICRORREGIOES PARAENSES

Entre os anos de 2004 e 2009, a relação entre reservas voluntárias e depósitos à

vista (taxa de reservas) aumentou em todas as microrregiões do estado do Pará com

exceção da Microrregião de Belém. Pode-se observar que o multiplicador bancário

regional demonstrou instabilidade em relação a mudanças na taxa de reservas

Da mesma forma, a PLP, vista pela a razão depósito à vista/depósito a prazo

apresentou redução em todas as microrregiões entre os anos de 2004 e 2009 e manteve

uma relação instável com o multiplicador bancário regional, pois a redução da preferência

para liquidez do público não se traduziu no aumento de empréstimos para compra de bens

de capital devido às expectativas pessimistas de queda na demanda pelos produtos

primários. Por outro lado, a razão depósito à vista/operações de crédito merece uma

atenção especial, pois apresentou redução entre os anos de 2004 e 2009, quando os Bancos

apresentaram um aumento na preferência pela liquidez.

As compras de ativos do setor privado e os empréstimos realizados a gentes

privados pelos Bancos Regionais provocaram um aumento da base monetária que foi

suficiente para aumentar os meios de pagamentos e o Produto Interno Bruto - PIB de todas

as Microrregiões (com exceção da Microrregião de Almeirim), apesar do efeito contrário

do multiplicador Bancário Regional provocado pelo aumento da preferência pela liquidez

pelo lado da demanda de bens de capital e pelo lado da oferta de crédito pelos Bancos

Nacionais.

Pode-se observar que quase todas as Microrregiões apresentaram crescimento

da população entre os anos de 2004 e 2009, com exceção, como já foi dito, da

Microrregião de Almeirim. Constatou-se uma má distribuição de depósitos entre as

Microrregiões do estado do Pará. Além disso, não se verificou uma relação padrão entre
população e o índice de depósito relativo. Entre as dez Microrregiões com maior

população, Belém foi a única que apresentou o índice de depósito relativo compatível com

a população. Entretanto, as Microrregiões de Santarém, Guamá, Cametá, Bragantina,

Tucuruí e Paragominas apresentaram uma má distribuição de depósitos com grandes

populações e baixos índice de depósitos relativos. A Microrregião de Redenção possui a

décima oitava população e o segundo índice de depósito relativo, mais perde apenas para

Belém. Por outro lado, Parauapebas, Marabá e Castanhal apresentaram elevados índices de

depósitos relativos em relação às suas populações e este resultado pode ser explicado pela

presença de grandes indústrias de mineração.

Apesar de todas as microrregiões apresentarem aumento em suas operações de

crédito, o índice de depósito bancário relativo em relação à renda apresentou e/ou se

manteve constante em 70% das microrregiões, com exceção de Almeirim, Belém, Cametá,

Furo de Breves, Óbidos, Redenção, Santarém e São Félix do Xingu sendo que Belém, foi a

Microrregião onde ocorreu a maior captura de depósitos, demonstrando que esta

microrregião ao contrário das demais, representa-se como uma possível captadora de

recursos das outras regiões, ratificando a sua condição de região central dentro do Estado.

3.2 VARIÁVEIS QUE INFLUENCIAM NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, EM

2004

A primeira inspeção visual sobre a matriz de correlações mostrou que a técnica

da análise fatorial para o ano de 2004 é adequada, além disso, o valor do teste KMO foi de

0,719, representando uma ótima adequação dos dados a técnica; o teste de Barlett mostrou-

se estatisticamente significativo rejeitando-se assim a hipótese nula, portanto a matriz de

correlação não é uma matriz identidade e, finalmente a matriz anti-imagem apresentou


valores superiores a 0,5 para a medida de adequação da amostra (MSA) em todas as

variáveis.

Observou-se que a variação total dos dados é explicada por nove fatores,

porém, apenas dois possuem autovalores superiores a um, e, portanto, pelo critério da raiz

latente apenas esse dois fatores serão considerados na análise. Os dois fatores considerados

são responsáveis por explicar 83,179% da variância total dos dados.

A Tabela 1 abaixo apresenta as cargas fatoriais rotacionadas de cada um dos

fatores e as suas respectivas cumunalidades e, quanto maior o valor da cumunalidade maior

é a proporção da variância da variável que é explicada pelos fatores e, portanto melhor é o

modelo. Neste caso, todas as variáveis apresentaram cumunalidades superiores a 0,5, sendo

que as variáveis População, Número de empregos, PIB e estabelecimentos de serviços com

mais de 10 empregados apresentaram cumunalidades próximas de um.

Tabela 1: Matriz de cargas fatoriais rotacionadas e cumunalidades, 2004

Fatores
Variável Cumunalidades
1 2

R/DV 0,511 0,723 0,784

PLP -0,292 -0,834 0,78

DV/OC 0,12 -0,755 0,584

População 0,918 0,289 0,927

PIB 0,944 0,219 0,939

Nº Empregos 0,955 0,212 0,956

Est. Serviço c/ + 10 empr. 0,962 0,212 0,97

IDP 0,924 0,015 0,855


IDR 0,831 0,037 0,692

Variância explicada 60,851 22,328 83,179

Fonte: dados da pesquisa, com o uso do SPSS 17, 2012.

O procedimento de escolha das variáveis que compõem cada um dos dois

fatores se dá observando-se as cargas fatoriais de cada variável da esquerda para direita,

elegendo-se a maior carga fatorial da variável.

Assim, no primeiro fator que explica 60,851% da variância dos dados, estão

agrupadas as variáveis População, PIB, número de empregos, estabelecimentos de serviço

com mais de 10 empregados, índice de depósito relativo a população e índice de depósito

relativo à renda, este fator foi denominado como desenvolvimento econômico. Neste

fator, todas as variáveis apresentam sinal positivo, o que significa que elas influenciam

positivamente o desenvolvimento econômico.

O segundo fator, que explica 22,328% da variância dos dados, estão agrupadas

as variáveis Reservas/depósitos à vista, PLP e Depósitos à vista/operações de crédito. Este

fator foi denominado como meios de pagamento. Neste fator, esperava-se um sinal

negativo para todas as variáveis, pois existe uma relação inversa entre essas variáveis e os

meios de pagamento, porém apenas as variáveis PLP e depósitos à vista/operações de

crédito apresentaram sinal negativo, a variável taxa de reservas se apresentou com o sinal

trocado, devido a microrregião de Belém no ano de 2004, apresentar a maior taxa de

reservas entre todas as microrregiões, situação esta que se inverteu em 2009.

No Gráfico 1 estão apresentadas os escores fatoriais de cada microrregião,

observa-se que apenas as microrregiões de São Felix do Xingu, Redenção, Paragominas,

Marabá e Altamira apresentaram escore fatorial positivo para os dois fatores,

demonstrando assim apresentarem características de regiões centrais, com


desenvolvimento econômico e elevado meios de pagamento, comparativamente as outras

regiões.

Belém é uma microrregião que merece destaque, por ser a microrregião que

contempla a capital do Estado e sua região metropolitana são consideradas uma possível

região central, porém, apesar de apresentar o maior escore fatorial no fator

desenvolvimento econômico isolando-se das demais regiões, apresentou no fator meio de

pagamentos escore fatorial negativo, o que pode ser explicado pela elevada preferência

pela liquidez dos bancos através da taxa de reservas apresentada em 2004, sendo a maior

entre todas as microrregiões e pelo baixo volume de depósito por habitante - índice de

depósito relativo à população (0,50) – e pelo baixo volume de depósito em relação à renda

- índice de depósito relativo à renda (0,50) -, muito inferiores à média brasileira. Isto pode

significar que Belém possui um desenvolvimento econômico acentuado em relação as

outras microrregiões paraense, mas um reduzido desenvolvimento econômico em relação

as regiões centrais do País. Pode ser também que o influxo monetário recebido por Belém

de outras microrregiões do Estado seja inferior ao fluxo monetário de Belém em relação as

outras regiões centrais brasileiras que possuem mercado financeiro mais dinâmico.

Algumas microrregiões como Conceição do Araguaia, Tomé Açu, Guamá,

Portel e Parauapebas, apesar de apresentarem o segundo fator (meios de pagamento)

positivo, apresentaram baixo desenvolvimento econômico, o que pode ser explicado pelo

influxo financeiro que ocorre nessas microrregiões fazendo com que os recursos

disponibilizados vazem para outras regiões sem gerar emprego e renda na região.

As demais microrregiões podem ser consideradas como periféricas, pois se

encontram na pior de todas as posições, não apresentam nem desenvolvimento econômico

nem elevados meios de pagamentos.


Gráfico 1: Escores fatoriais por microrregião, 2004

Fonte: Elaborado pelos autores, com o uso do Minitab

3.3 VARIÁVEIS QUE INFLUENCIAM NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, EM

2009

Assim como em 2004, a técnica da análise fatorial mostrou-se adequada aos dados

de 2009, o teste KMO apresentou valor igual a 0,72, ou seja, ótima adequação dos dados, o

teste de Barlett foi estatisticamente significativo e, portanto a matriz de correlação não foi

uma matriz identidade e a medida de adequação da amostra (MSA) foi superior a 0,5 para

todas as variáveis.

Observou-se que a variação total dos dados é explicada por nove fatores, porém,

apenas dois apresentaram autovalores maiores que um, de tal forma que esses dois fatores

foram responsáveis por 87,640% da variação dos dados. Os primeiros resultados das cargas

fatoriais e as cumunalidades estão apresentados na Tabela 2, tendo as cumunalidades com

valores superiores a 0,70.


Tabela 2: Matriz de cargas fatoriais rotacionadas e cumunalidades, 2009

Fatores
Variável Cumunalidades
1 2

R/DV -0,276 -0,866 0,827

PLP -0,293 0,861 0,827

DV/OC 0,052 0,868 0,756

Pop 0,966 -0,104 0,943

PIB 0,962 -0,023 0,926

Nº Empreg. 0,983 -0,061 0,969

Est. Serviço c/ + 10 empr. 0,991 -0,043 0,984

IDP 0,937 0,184 0,912

IDR 0,845 0,17 0,743

Variância explicada 61,812 25,828 87,64

Fonte: dados da pesquisa, com o uso do SPSS 17, 2012.

Os resultados da divisão das variáveis entre os fatores foi semelhante ao ano de

2004, no primeiro fator também chamado de desenvolvimento econômico estão as

variáveis População, PIB, número de empregos, estabelecimento de serviços com mais de

10 empregados, índice de depósito relativo à população, índice de depósito relativo à

renda, todas impactando positivamente o fator.

No segundo fator, também, chamado de meios de pagamentos estão as

variáveis taxa de reservas, PLP e Depósitos à vista/Operações de crédito. Neste ano, houve

uma reversão dos resultados apresentados em 2004, pois apenas a variável taxa de reservas

apresentou sinal negativo como esperado, isso porque houve uma considerável redução na

taxa de reservas da microrregião Belém.


No Gráfico 2, pode-se observar que agora apenas Marabá e Redenção são

consideradas regiões centrais, com escores positivos de meios de pagamentos e de

desenvolvimento econômico.

A microrregião de Belém, novamente ficou de fora das regiões centrais,

mesmo apresentando elevado desenvolvimento econômico, o seu escore para o fator de

meios de pagamentos, apesar de ter reduzido a taxa de reservas e a preferência pela

liquidez dos Bancos, comparativamente a 2004, encontra-se próximo a zero, mas, ainda é

negativo. Uma característica dessa microrregião que pode explicar tal fato é o índice de

depósitos relativos a renda muito baixo, ou seja, essa microrregião apresenta um o volume

de depósitos muito pequeno proporcionalmente ao PIB. Todas as outras Microrregiões

possuem o índice depósito relativo à renda muito baixo, bem inferior a média brasileira,

entretanto, a microrregião de Belém apresenta a presença máxima de Bancos nacionais

privados, maximizadores de lucros, enquanto as outras microrregiões apresentam a

presença maciça de Banco Federais de Caráter Regional, executando políticas de fomento

na Região. Da mesma forma que em 2004 algumas microrregiões indicam a presença de

vazamento de recursos, pois apresentam meios de pagamentos positivos, porém

desenvolvimento econômico negativo, são elas: São Felix do Xingu, Tomé Açu, Conceição

do Araguaia, Guamá, Itaituba, Bragantina, Altamira, Paragominas e Parauapebas.

As demais microrregiões permanecem na periferia, com escores negativos para

ambos os fatores.
Gráfico 2: Escores fatoriais por microrregião, 2009

Fonte: Elaborado pelos autores, com uso do Minitab, 2012

4. CONCLUSÕES

Com o emprego da análise multivariada, mais especificamente, a análise fatorial,

foi possível comparar em dois tempos distintos (2004 e 2009) as 22 microrregiões do

estado Pará que se encontram mais dinâmicas em termos econômicos, visualizados através

da dicotomia preferência pela liquidez versus investimentos produtivos que resultem em

desenvolvimento regional. Os resultados apontaram dois fatores explicativos que

agruparam em um 1º fator as mesmas variáveis que explicam o desenvolvimento

econômico, para os dois anos (2004 e 2009), tais como: população, PIB, número de

empregos, estabelecimento com mais de 10 empregados, IDP e IDR (escreve por extenso).

O 2º fator, denominado de meios de pagamento (taxa de reservas, PLP e Depósitos à

vista/Operações de crédito). No total, estas variáveis explicaram 83 e 87%,


respectivamente, das variações que justificam um maior ou menor desenvolvimento

econômico regional, portanto, são poucas as microrregiões consideradas centros, que

possam resultar em um maior dinamismo regional.

REFERÊNCIA

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O ATIVISMO DOS ACIONISTAS, A TEORIA DA AGÊNCIA E GOVERNANÇA
CORPORATIVA NO MERCADO DE AÇÕES.

João Luís do Nascimento Mota1

Ramá Lucas Andrade2

Ana Elisa Linhares de Meneses Braga3

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a consonância existente entre o ativismo
dos acionistas, a teoria de agência e governança corporativa no mercado de ações. Para isso
foi necessário conhecer as respectivas teorias, seu surgimento e aplicabilidade, conceitos e
definições de governança corporativa. A fim de atingir o objetivo preconizado recorreram-
se metodologicamente às pesquisas bibliográficas através de artigos, monografias,
dissertações, teses, sítios do IBGC, onde se obteve o seu Estatuto e Código de Melhor
Pratica de Governança Corporativa e o sitio de BM&BOVESPA. O ativismo dos
investidores é sempre necessário para uma boa prática de governança corporativa e
aplicabilidade dos seus princípios. Neste contexto, pode se observar, como preconizado
que existe uma relação intrínseca entre ativismo dos acionistas, a teoria de agencia e
governança corporativa.

Palavras Chaves: Teoria de Agencia, Governança Corporativa, Assimetria de Informação.

ABSTRACT

The present work aims to analyze the consonance between stockholder activism, agency
theory and corporate governance in the stock market. For this, it was necessary to know the
respective theories, their emergence and applicability, concepts and definitions of
corporate governance. In order to achieve this goal, bibliographical research was used
methodologically through articles, monographs, dissertations, theses, IBGC sites, where it
obtained its Statute and Code of Best Corporate Governance Practice and the BM &
BOVESPA website. Investor activism is always necessary for good corporate governance
practice and enforceability of its principles. In this context, it can be observed, as it is
recommended that there is an intrinsic relationship between shareholder activism, agency
theory and corporate governance.

Keywords: Agency Theory, Corporate Governance, Information Asymmetry.

1
Professor Adjunto na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: mota.joao@urca.br
2
Professor Adjunto na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: ramalucas@hotmail.com.
3
Professor Adjunto na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: anaelisahd@yahoo.com.br
1 - INTRODUÇÃO

A empresa nasce no momento que o indivíduo com espírito empreendedor


encontra uma melhor forma para atender as necessidades de uma sociedade, seja através de
produtos ou serviços que as pessoas desejam, em troca de uma remuneração por esta
atividade.

Ela nasce de forma tímida em que o empreendedor desempenha todas as funções


dentro da empresa. Mas, à medida que a empresa cresce percebe-se não ser viável uma só
pessoa tomar conta de tudo. Daí a necessidade de contratar mais mão-de-obra que poderá
tratar de áreas específicas. Neste contexto, o fundador vai perdendo o poder de decisão e
também perde o controle absoluto sobre tudo que acontece na empresa. O empreendedor
vendo o negócio prosperar vai ter que aceitar parceria, capitaliza a empresa de forma a
torná-la apta para aproveitar melhor as boas oportunidades de negócios que vão surgindo e
daí a necessidade de partilhar as decisões, o que implica na contratação de um profissional
externo para dinamizar com maior profissionalismo e definir as principais diretrizes
estratégicas para o empreendimento, começando, neste contexto, a separação entre
propriedade e gestão.

Mas, para as empresas já existentes, considerando a nova dinâmica do processo de


desenvolvimento do capitalismo em que elas devem se adaptar ao imperativo do mercado,
principalmente na economia globalizada, considerando a ampliação dos negócios, a
abertura de novas unidades organizacionais. No contexto econômico atual, as empresas
necessitam de um volume maior de recursos, o que as motiva captar recursos através de
abertura de capital e negociada em Bolsa de Valores. Com isto, surge a necessidade cada
vez mais de profissionalização da gestão, trazendo a separação entre propriedade e
controle. De um lado se posicionam os proprietários ou acionistas, ditos principais, que
possuem a propriedade da empresa e de outro lado, os gestores contratados, os chamados
de agentes, que dinamiza a gestão da empresa sob a sua responsabilidade.
Desta relação entre principal e o agente surgem os conflitos de agência, em razão
dos interesses não convergentes, dado que as decisões tomadas podem beneficiar uma
gestão oportunista que vem, geralmente, constituir um dos problemas de agência, no qual o
agente busca aumentar sua satisfação pessoal que em alguns aspectos não coaduna com os
interesses do principal. (MARTINEZ, 2005 apud FERNANDES et al, 2011, p. 01).

No entanto, segundo Fernandes et al. (2011, p. 01;), “como mecanismos para


redução desses conflitos têm-se a governança corporativa e contabilidade” De acordo com
os mesmos autores, citando o estudo de Martinez et al (2005, p.01;) em que se “destaca
que a governança corporativa pode ser utilizada como uma alternativa para superar o
conflito de agência e a literatura tem destacada a contabilidade e/ ou controladoria como
instrumentos de redução desses conflitos”.

Conforme o texto dos autores (EISENHARD, 1989, apud FERNANDES et al,


2011) “os problemas contratuais entre o principal e agente podem ser causados, dentre
outros fatores, pela assimetria informacional existente entre eles”.

A assimetria informacional, cujos fundamentos foram fixados na década 1970, por


George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz, economistas que receberam Prêmio
Nobel de Economia de 2001, fundamentos que discutiremos mais detalhadamente na
revisão bibliográfica.

A governança corporativa, que é um “sistema pelo qual as organizações são


dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários,
Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle” (IBGC, 2009, p. 19 apud
Comissão de Valores Mobiliários, 2013, p. 147).

A governança corporativa é um modelo de administração aplicável em qualquer


empresa independentemente do seu porte ou estágio de maturidade. A boa prática de
governança corporativa contribui para a redução de assimetria, uma vez que tem por
objetivo aumentar a transparência e a confiabilidade das ações organizacionais, o podem
proteger os investidores, os empregados e credores.

Assim, a governança corporativa pode abranger vários assuntos relativos ao poder


de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes formas e esferas. O
principal objetivo é recuperar e garantir a confiabilidade em uma determinada empresa
para os seus acionistas, criando um conjunto eficiente de mecanismos, tanto de incentivos
quanto de monitoramento, a fim de assegurar que o comportamento dos executivos esteja
sempre alinhado com o interesse dos acionistas. A governança corporativa trata das
estruturas e processo para gestão e controle das empresas. É importante salientar que uma
boa governança corporativa contribui sobremaneira para a melhoria do bom desempenho
das empresas o que influencia no desenvolvimento econômico sustentável e proporciona
maior acesso do capital externo. No mercado de capitais, existem diversos tipos de
investidores que contribuem para o desenvolvimento do mercado financeiro,
particularmente o mercado de capitais. Alguns acionistas são de pequeno porte, como tal
constituem investidores (acionistas) minoritários, que têm também grande relevância para
a empresa e dependem também de proteção. Daí a grande relevância de governança
corporativa que, dentro dos seus princípios, deve a diretoria executiva informar aos
acionistas de qualquer nível e as demais partes interessadas de suas atividades
administrativas e econômicas-financeiras, buscando a equidade de direitos, tanto para os
grupos minoritários, bem como também para as demais partes que têm interesses no bom
funcionamento da empresa como os clientes, fornecedores, etc., demonstrando que os
diretores e os conselheiros devem zelar pelo bom desempenho das organizações.

Além dos clientes, fornecedores etc., existem, dentre diversos atores do mercado
de capitais, a participação de grandes investidores, no qual podemos destacar os
investidores institucionais, no caso brasileiro, destaca-se o fundo de pensão, que são
acionistas de um grande número de empresas e que perceberam a importância de estimular
as empresas de capital aberto a adotarem práticas de governança corporativa. “Exercendo o
poder subjacente à sua posição de grandes acionistas, os fundos de pensão passam a
reivindicar modificações na forma de atuação das empresas nas quais investem
movimento, esse conhecido como ativismo.” (PUNSUVO et al, 2007, p. 64).

Os fundos passaram a perceber a necessidade de desenvolver mecanismos que


fossem de encontro com os seus interesses com a dos gestores das empresas nas quais
detêm participação acionária de tal forma que possam garantir o retorno de seus
investimentos. (PUNSUVO et al; 2007, p. 650).

De acordo com Punsuvo et al, 2007 apud Monks e Minow (2004),


os fundos de pensão possuem um incentivo natural a promover o ativismo, pois
são gestores financeiros que devem rentabilizar adequadamente as contribuições
dos participantes sob risco de poderem lesar os seus clientes. Dentro desse
contexto a governança corporativa surge como um conjunto de mecanismos que
objetiva aumentar a confiabilidade nas relações entre fundos de pensão e as
empresas nas quais aqueles detenham participação acionária. (p. 64).

É preciso salientar que o objetivo do presente trabalho não é debater sobre fundo
de pensão. Entretanto, o fundo de pensão aqui surge como representante de grandes
investidores institucionais, que atuam de uma maneira muito forte no ativismo dos
investidores institucionais. Pois, “os investidores institucionais, representam o grupo que
contempla o maior volume de recursos de capital no mundo. Eles afirmam que, um dos
principais elementos para entendimento do estágio atual da governança corporativa, passa
pelo entendimento desse grupo.” (PUNSUVO et al. 2007 apud MONKS E MINOW, 2004,
p. 65).

Para melhor compreendermos o surgimento do movimento de ativismo dos


investidores, é de grande relevância observar os aspectos históricos que fez despertar sobre
governança corporativa, levando em consideração específica os conflitos que surgem
naturalmente no ciclo de vida das empresas.

Como já havíamo-nos referido acima no texto,

as empresas nascem, em grande parte, como resultado de uma ação de seus


fundadores, os quais acumulam, inicialmente as funções de proprietários e
gestores. O processo de evolução natural surge que, obtendo sucesso, a empresa
tende a crescer e, com o passar dos anos, a sucessão de comando de comando na
empresa deverá ocorrer. (PUNSUVO; 2007, p.65).

No futuro, ocorrerá em algum momento a separação da propriedade e gestão, o


que poderá incorporar cada vez mais na organização mais acionistas afastados da
administração do dia a dia dos negócios. Com este desdobramento poderá ocorrer conflitos
de interesses entre o agente e proprietário. Para melhor entender estes atritos é necessário
entender as alterações que vem ocorrendo nas empresas bem como no mundo moderno que
trouxe grandes mudanças na estrutura societária das empresas, que antes era concentrada
basicamente nas mãos de uma pessoa ou num pequeno grupo que pode ser composto por
diversos acionistas. Isto traz alteração na gerência das empresas, o que pode trazer consigo
conflitos de diversas ordens e custos. Para entender e analisar estes conflitos e os seus
custos, resultantes da separação entre propriedade e o controle de capital, o que pode
originar as assimetrias informacionais, riscos e outros problemas pertinentes à relação
principal-agente, podemos recorrer à teoria da agência.

Para dirimir outros aspectos maléficos para as empresas, garantir que os recursos
sejam empregados de forma eficiente e eficaz na missão, nos objetivos e nas metas da
organização, os quais devem estar de acordo com os interesses dos acionistas e
proprietários na maximização dos resultados econômicos da organização, a governança
corporativa surge para viabilizar estes aspectos de forma a dar resposta também a diversos
problemas referentes ao relacionamento entre acionistas e as empresas, bem como o
monitoramento e controle da direção.

Para entender todos estes aspectos, o papel da governança corporativa para as


empresas no contexto econômico atual, para compreender os atritos que surgem entre
proprietário e seus agentes em função das alterações que vêm ocorrendo no mundo
moderno, dado as grandes mudanças na estrutura societária das empresas, o problema entre
acionistas majoritários, que geralmente controlam a empresa, e acionistas minoritários, que
também provoca com freqüência o conflito de agência como sendo o desalinhamento entre
acionistas e gestores, a importância de grandes investidores acionários, geralmente
institucionais e o seu ativismo estimulando as empresas a adotarem práticas de governança
corporativa, o presente trabalho visa observar o inter-relacionamento das diversas teorias,
como teoria da agência para analisar os conflitos e custos de agência resultantes da
separação entre a propriedade e controle de capital, o que origina assimetria
informacionais, os riscos e outros problemas pertinentes à relação principal-agente, o
ativismo dos investidores institucionais para monitorar as organizações, através de
mecanismos externos e internos da governança corporativa.

Para alcançar o objetivo do presente trabalho e para melhor compreensão das


teorias acima referenciadas e seus inter-relacionamentos na análise de uma empresa no
contexto econômico atual, a metodologia utilizada para sua elaboração constituiu-sena
busca de pesquisas bibliográficas, como artigos relacionados a estas questões, dissertações,
publicações da Comissão de Valores Mobiliários, teses, informações obtidas junto ao sitio
de Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, publicações de Bolsa de Valores de São
Paulo – BOVESPA, entre outros, a fim de se valer do embasamento teórico na sustentação
do desenvolvimento do trabalho. Assim, o levantamento bibliográfico já publicado sobre o
assunto nos deu um panorama das informações que nos permitiu maior análise de forma a
atender o nosso objetivo.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Teoria de Agência

A revisão de literatura dá o suporte no que tange a síntese sobre a teoria de


agência, que nos remete a assimetria informacional em que podemos observar que o
problema da relação agente-principal, que segundo Pindyck (2002, p. 87),

se as informações estivessem amplamente disponíveis e se a monitoração de


produtividade dos trabalhadores não envolvesse custos, os proprietários de uma
empresa poderiam estar seguros de que seus administradores e funcionários
estariam trabalhando efetivamente.

Entretanto, a maioria das empresas, os proprietários não têm condições de


acompanhar tudo o que seus funcionários fazem – estes estão mais bem informados do que
os proprietários. “Essas assimetrias de informações cria o problema da relação agente
principal.” (CVM, 2013, p. 617).

De acordo com o mesmo autor existe uma relação de agencia quando há um


arranjo entre pessoas em que o bem - estar de um dos participantes depende daquilo que é
feito por outro, também participante, ou seja, o agente representa a pessoa atuante e o
principal à parte que é afetada pela ação do agente. “O problema da relação do agente
principal está no fato de os administradores poderem procurar atingir seus próprios
objetivos, mesmo que isso acarrete a obtenção de lucros menores para os proprietários.”
(CVM, 2013, p. 617).

Pois, de acordo com Jensen e Meckickling (1976), que publicaram estudos


focados em empresas norte-americanas e britânicas, citado pelo Instituto de Governança
Brasileira, ao tratar da questão da evolução da estrutura de propriedade e teoria do agente-
principal, em que os mesmos nos seus estudos desenvolveram um postulado teórico que
trata dos conflitos de interesses existentes nas relações entre acionistas, gestores e credores
de uma empresa, em função da separação entre propriedade e controle, que
convencionaram chamar de problema de agente-principal. Segundo os referidos
acadêmicos, e de acordo com a teoria desenvolvida os executivos e conselheiros
contratados pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios
benefícios, agindo em interesse próprio em detrimento dos interesses da empresa, de todos
os acionistas e demais partes interessadas. Pois, considerando que os indivíduos são
maximizadores de sua utilidade pessoal, agindo conseqüentemente com os seus interesses
particulares, instala-se assim os conflitos. Para minimizar o problema, os teóricos
propuseram que as empresas e os seus acionistas deveriam adotar diversas medidas para
alinhar os interesses dos envolvidos, principalmente, acima de tudo, buscar o sucesso da
empresa.

Para isso, devem ser propostas medidas que possam incluir práticas de
monitoramento, controle e ampla divulgação de informações, que são medidas e práticas
que se convencionou chamar de Governança Corporativa.

Mas, para programar tais medidas, como monitoramento das atividades dos
executivos, implementação de incentivos na busca de melhor alinhamento dos interesses,
isto incorre em custos que o principal deve assumir em busca de unidade de interesses, os
teóricos Jensen e Meckling (1976), conforme a citação do Punsuvo (2006, p. 18) chamou
de custos de agência ou custos de monitoramento.

De acordo Jensen e Meckling, (1976 apud PUNSUVO, 2006, p. 18), os custos de


agência são representados pela somatória de:

• custo de elaboração de contratos entre o principal e o agente;


• desembolsos promovidos pelo principal para o monitoramento das atividades
desenvolvidas pelo agente;
• custos arcados pelo próprio agente visando a demonstrar ao principal que as
atividades desenvolvidas não foram prejudiciais ao principal;
• perdas residuais, representadas pela redução da riqueza do principal em função
das decisões não eficientes tomadas pelo agente, ou seja, é a diferença entre
decisões efetivamente tomadas pelo agente contra as decisões de melhor
eficiência que poderiam ser tomadas pelo agente para maximizar a riqueza do
principal.

Efetivamente, a base de definição do problema de agencia está na relação entre


acionistas e administradores. “Não é surpresa observar que a separação entre a propriedade
e o controle, na moderna e difusa estrutura acionária, está intimamente associada aos
problemas de agência.” (PUNSUVO, 2006, p. 19,)

Em suma, o problema de agência surge, geralmente, no momento que ocorre a


separação entre a propriedade e controle. Na possibilidade de uma mesma pessoa
desempenhar simultaneamente as funções de administrador e acionista (agente e principal),
conforme explanado por Jensen e Meckling (1976) citado por Punsuvo (2006, p. 19), o
conflito de interesses deixará de existir, dado que todas as decisões tomadas, a principio,
visam a maximização da utilidade pessoal.

Os custos de agência, como se observou acima, são gerados pela discrepância de


interesses do acionista controlador (acionista interno) e de novos acionistas (acionistas
externos) da empresa, o que causa problema de agência e em conseqüência a isso poderá
ter assimetria de informação, em que os investidores não têm domínio de toda a
informação pertinente aos negócios e também a respeito do agente.

O problema de assimetria de informação permite aos acionistas controladores a


definição de diretrizes estratégicas ou operacionais em contradição com os
interesses dos demais acionistas como, por exemplo: pagamentos excessivos de
salários e outros benefícios indiretos; nepotismo para cargos nos conselhos e
outros órgãos corporativos; transações a preços privilegiados com outras
empresas pertencentes ao grupo controlador; uso reservado de informações
privilegiadas, etc. (PUNSUVO, 2006, p. 20).

Se, se considerar a hipótese da inexistência de assimetria de informação, os


problemas de agência também não ocorreriam dado que não haveria uma relação de
dependência entre agente e o principal.

Para dirimir, ou melhor, a fim de mitigar os conflitos de interesses gerados pela


separação entre propriedade e gestão de uma empresa, surge a governança corporativa,
como proposta de Jensen e Meckling ao analisarem o problema no contexto da teoria de
agência.

2.2 – GOVERNANÇAS CORPORATIVAS

Como se referiu acima, os problemas de agência são oriundos dos conflitos de


interesses que, geralmente, são existentes em todas as atividades de cooperação entre
indivíduos. Estes aspectos são, na verdade, os pontos cruciais no que se refere à
governança corporativa.
A informação incompleta, que o principal possui, gera a assimetria informacional,
dado que o agente atua nas atividades organizacionais o que lhe proporciona mais
informações que o principal, uma vez que aos proprietários há uma dificuldade de visão e o
conhecimento de todas as ações desenvolvidas pelos administradores. Daí que uma das
áreas de estudo que mais tem sido impulsionada pela teoria da agência é a governança
corporativa, através dos seus mecanismos.

Os mecanismos de governança corporativa são instrumentos disponíveis para a


sua atuação. Um dos mecanismos mais relevantes na atuação da governança corporativa é
o conselho de administração, segundo IBGC (2009, apud FERNANDES et al, 2011, p. 4)
“é o órgão colegiado encarregado do processo de decisão de uma organização em relação
ao seu direcionamento estratégico, é considerado o principal componente do sistema de
governança.”

De acordo com Frezatti et al (2009, apud FERNANDES et al, 2011, p.4) o


conselho fiscal é outro mecanismo de governança corporativa que “busca, através dos
princípios da transparência, equidade e prestação de contas, contribuir para melhor
desempenho da organização”

Outro mecanismo de governança consiste na remuneração dos gestores, o que


IBGC (2009), segundo Fernandes et al (2011, p. 4),

(...) defende que essa remuneração variável deve estar vinculada aos resultados
da organização, com metas de curto e longo prazo estabelecidas. O objetivo é
que a remuneração seja um instrumento de alinhamento dos interesses dos
gestores com os da organização.

De acordo com Fernandes et al (2011) citando pesquisa de Rodrigues (2009) que


“investigou essas formas de remuneração e concluiu que existe preocupação por parte das
empresas analisadas em utilizar mecanismos de incentivo que visam alinhar os interesses
dos agentes aos interesses do principal.” (p. 4)

Para melhor entender a importância da governança corporativa, é preciso defini-


la. Numa definição mais forma, conforme a Comissão de Valores Mobiliários (2013, p.
146 apud IBGC, 2009, p. 19) ”pode-se entender governança corporativa como o sistema
pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, vendo os
relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretores e órgãos de
controle”.

A necessidade de um sistema de governança estruturado vai surgindo à medida


que a empresa vai se tornado cada vez maior e mais complexa, considerando o aumento de
número de sócios, a impossibilidade dos mesmos assumiram todas as responsabilidades no
comando dos negócios e a conseqüente contratação de executivos para gerir a empresa,
tendo em conta a moderna economia globalizada.

Muitas vezes, a estruturação do sistema de governança corporativa, se torna


obrigatória, conforme a legislação vigente, ou quando a empresa pretende fazer parte de
grupo de empresas com ações negociadas em bolsa de valores sujeitas aos órgãos públicos
reguladores e às normas de funcionamento da empresa responsável pela negociação das
ações.

2.2.1 – Origens da Governança Corporativa

Ao longo do século XX, a economia dos diferentes países do mundo tornou-se


cada vez mais marcada pela integração aos dinamismos do comércio internacional, assim
como pela expansão das transações de grandes instituições financeiras em escala global,
marcado pelo processo de globalização e de prestação de serviço, ao lado das atividades
industriais, segundo IBGC.

Neste contexto, as companhias foram objeto de grandes transformações,


considerando o ritmo de crescimento de suas atividades, o que tornou necessário a
readequação de suas estruturas de controle, decorrente da separação entre a propriedade e a
gestão empresarial.

A origem das discussões sobre Governança Corporativa está intrinsecamente


ligada a conflitos inerentes à propriedade dispersa de grandes empresas e à divergência
entre os interesses dos sócios, executivos e o melhor interesse da empresa.

A governança corporativa tem sido uma preocupação muito antiga e objeto de


reflexão desde século XVII, época das grandes navegações protagonizadas pelas
companhias de comerciantes que já eram estruturadas em ações. Entretanto, as discussões
acerca do assunto só ganharam vulto no século XX, intensificando-se à medida que
aumentava o papel do sistema financeiro e do mercado de capitais.

Conforme a Comissão de Valores Mobiliários (CVM):

O modelo de propriedade dispersa expandiu-se inicialmente nos Estados Unidos,


devido a aspectos econômicos, culturais e políticos. Deve-se ter em mente que,
ao contrário da grande maioria dos Estados que se envolveram na Primeira
Grande Guerra (1914-1918), este país viveu nos anos seguintes um momento de
prosperidade econômica, consolidando-se como potencia mundial. Seu poder de
influencia na época foi evidenciada pelos efeitos de Grande Depressão que,
rapidamente, atingiu praticamente todos os países do globo, ocasionando graves
conseqüências políticas e sociais. (2013, p. 148).

No entanto, durante os anos 30, após os efeitos mais severos da crise, novas
grandes corporações foram surgindo nos Estados Unidos, diferenciando-se, desta forma, da
maior parte de empresas que haviam prosperado nas décadas anteriores, nas mãos de
famílias ou de indivíduos que se tornaram mundialmente conhecidos, como Du Pont,
Morgan, Rockfeller, entre outros. No que se refere a cultura empresarial, há uma grande
mudança, deixa-se de ter no momento empresas cuja propriedade e poder de decisão
administrativa nas mãos de um ou alguns indivíduos ou famílias, freqüentemente ocupando
os mais importantes cargos de gestão e passa a ter a estrutura de propriedade dispersa, com
ações negociadas no mercado de capitais (bolsa de valores), em função de que, ao longo
dos anos, o país continuaria a se firmar nas relações de força internacionais, em que o
capitalismo demonstrava sinais de avanços rumo à complexidade. (CVM, 2013, p.148).
Paulatinamente, esse tipo de empresa, com estrutura de propriedade dispersa, passou-se a
pulverizar em outros países, em que, a partir daquele momento, um conjunto de vários
sócios – ou acionistas – passou a ter interferência direta nas decisões administrativas das
empresas, o que de certo modo, se tornava impraticável, passando frequentemente a ser
privilégio de controladores majoritários que muitas vezes ocupavam a função de Presidente
do Conselho de Administração e o cargo de principal executivo ou optavam pela
contratação de gestores profissionais para essa função. Isso gerou conflitos de várias
ordens.

Em 1976, como já nos referimos acima, Jensen e Meckling publicaram seus


estudos acerca das empresas norte-americanas e britânicas, fazendo menção ao que
convencionaram chamar de problema de agente-principal, que deu origem à Teoria da
Firma ou Teoria do Agente.
De acordo com a teoria desenvolvida, os executivos e conselheiros contratados
pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus benefícios, maiores
salários, maior estabilidade no emprego, mais poder etc., agindo em interesse
próprio e não em função dos interesses da empresa e de todos os acionistas e
demais partes interessadas. Para minimizar o problema, os autores sugeriram que
as empresas e seus acionistas devem adotar uma série de medidas para alinhar
interesse dos envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso da empresa. Para
tanto, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento,
controle e ampla divulgação de informações. Anos depois, convencionou-se
chamar esse conjunto de práticas de governança corporativa. (CVM, 2013, p.
149)

De acordo com a CVM (2013, apud IBGC, 2006, p. 59) “as discussões de várias
ordens sobre o assunto envolvendo acadêmicos, investidores e legisladores, originando
teorias e marcos regulatórios, avolumaram-se nos anos 90, após os graves escândalos
contábeis na década anterior com diferentes empresas”. Em 1992 foi publicado na
Inglaterra o Relatório Cadbury, considerado o primeiro código de boas práticas de
governança corporativa (CVM, 2013 p.149) No mesmo ano, 1992, foi divulgado o
primeiro código de governança elaborado por uma empresa, a General Motors (GM) nos
Estados Unidos. Como resultado de uma pesquisa realizada por um Fundo de Pensão
denominada Calpers (California Public Employees Retirement System) nos Estados
Unidos, constatou-se que mais da metade das 300 maiores companhias daquele país já
tinham seus manuais de recomendação de governança corporativa.

De acordo com a CVM (2013, p.150. apud IBGC, 2006, p. 59) no Brasil, as
discussões sobre governança corporativa começaram em 1995, a partir da criação de um
instituto privado voltado especificamente para a temática. Inicialmente denominado de
Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), com sua denominação
alterada em 1999 para Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), inspirado
no Institute of Director (IoD), do Reino Unido. Aos poucos, O IBGC tornou-se
reconhecido nacional e internacionalmente, assumindo a liderança nos debates sobre
questões de governança no país e na América Latina.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa foi idealizado pelo


administrador de empresa sueco Beng Hallqvist e o consultor João Bosco Lodi,
que vislumbravam a necessidade da criação de um organismo destinado a
colaborar com a qualidade de alta gestão das organizações brasileiras. Essa foi a
crença que levou um grupo de 36 pessoas, entre empresários, executivos,
consultores e estudiosos, a fundar, em 27 de novembro de 1995, o Instituto
Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA). A idéia era fortalecer a
atuação desse órgão de supervisão e controle nas empresas. Com o passar do
tempo, entretanto, as preocupações se ampliaram para questões de propriedade,
diretoria, conselho fiscal e auditoria independente. (CVM, 2013, p.151).
Com o tempo, a partir de 1999, o Instituto passou a se chamar Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa (IBGC) com renome a nível nacional e internacionalmente
como a principal referência na difusão das melhores práticas de Governança Corporativa
na América Latina. Sua missão é ser referencia em governança corporativa, contribuindo
para o desempenho sustentável das organizações e influenciando os agentes das
organizações brasileiras que, considerando a nova etapa do desenvolvimento do
capitalismo e conseqüente crescimento do mercado de capitais, que tem sido decisivo no
que tange aos altos investimentos em ações, principalmente, dos investidores
institucionais, buscar cada mais maior transparência, justiça e responsabilidade.

Neste contexto, a BM & BOVESPA não tardou em lançar segmentos


diferenciados de governança corporativa (Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado)4, uma vez que
já havia instrumento de auto-regulação e incentivo ao mercado acionário, a exemplo do
que já havia sido feito em outros países. Os segmentos diferenciados de governança
corporativa foram lançados oficialmente em dezembro de 2000 e exigiam patamares de
governança corporativa mais rígida do que os exigidos pela lei societária brasileira. No
âmbito legislativo, houve avanços com reforma da Lei das S.A. principalmente com a
aprovação d Lei 10.303/ 2001. (CVM, 2013, p. 152).

O processo de evolução de governança corporativa demonstrou a importância


dessa instituição para as organizações, na moderna economia globalizada, com o novo
processo desenvolvimento do capitalismo, considerando como a boa governança
corporativa no atual formato das organizações, pode contribuir para o desenvolvimento
econômico sustentável, melhoria do desempenho das empresas e proporcionar maior
acesso a fontes externas de capital e valorização da empresa.

Mesmo com normas impostas por instituições financeiras, órgãos reguladores,


bolsa de valores e legislação pertinente, a adoção de grande parte das boas práticas de
governança corporativa é voluntária, isto é, cabe às empresas a decisão por incorporar ou
não as recomendações elaboradas, embora as recomendações de boas práticas
desenvolvidas nacional e internacionalmente não são aplicáveis apenas às instituições de

4
Implantados em dezembro de 2000 pela antiga Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), o novo
mercado e os níveis diferenciados de governança corporativa – Nível 1 e Nível 2 – são segmentos especiais
de listagem desenvolvidos com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, ao
mesmo tempo, o interesse dos investidores e a valorização de companhias.
propriedade dispersa, como também podem ser introduzidas nas empresas familiares e
organizações de natureza diversas.

As recomendações dos diversos códigos de governança baseiam-se em princípios


e práticas da boa governança corporativa e podem ser aplicadas em qualquer tipo de
organização, independente do porte, natureza jurídica ou tipo de controle.

2.2.2 Princípios da Governança Corporativa

No Brasil, o código das melhores práticas de governança corporativa, cuja 4ª


edição publicada em 2009 (IBGC, 2009 apud CVM, 2013, p.157), se norteia por quatro
princípios básicos de Governança Corporativa, a saber:

• Transparência – a administração deve cultivar o desejo de informar, dado


que a comunicação interna e externa deve ser sempre da melhor qualidade. Pois,
quando esta comunicação é espontânea, clara e rápida ela gera um clima de
confiança, tanto internamente como externamente. Deve ocorrer em todos os
setores da empresa, desde o econômico-financeiro até os fatores intangíveis que
conduzem à criação de valores.

• Equidade – É caracterizado pelo tratamento justo de todos os sócios e


demais partes interessadas, levando em conta o significado da palavra que quer
dizer igualdade. Pois, é o tratamento justo e igualitário dos grupos minoritários,
sejam de capital ou das demais partes interessadas, como colaboradores, clientes,
fornecedores ou credores. Nas empresas, independentemente das formas de
controle e das características do controlador (estatal, familiar, institucional, etc), é
recomendável que haja tratamento equânime entre todos os cotistas, seja no
conhecimento de informações importantes para tomada de decisões, seja nos
benefícios aos conjuntos.

• Prestação de contas (Accountability) – Esse principio diz que todos os


agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação a quem os
elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem no exercício de
seus mandatos, assumindo integralmente as conseqüências de seus atos e omissões.
• Responsabilidade Corporativa – Os agentes (conselheiros e os executivos)
devem zelar pela sustentabilidade das organizações, visando a sua longevidade,
incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios
e operações. Esta é uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando
todos os relacionamentos com a comunidade em que a sociedade atua. A função
social da empresa deve incluir a criação de riquezas da força de e de oportunidade
de emprego, qualificação e diversidade de força de trabalho, estimular o
desenvolvimento cientifico por intermédio de tecnologia, e melhoria de vida por
meio de ações educativas, culturais, assistenciais e de defesa do meio ambiente.
Pois a empresa não deve basear-se apenas no retorno financeiro. O foco da empresa
deve ter como ações que inclua atividades no sentido de preservação do seu valor
como organização, levando em conta as externalidades e a influencia da sociedade
como um todo. O bom exemplo de Responsabilidade Corporativa é quando as
empresas desenvolvem ações para a obtenção de matérias primas para o seu
produto sem, no entanto, destruir ou exaurir os recursos naturais ou prejudicar
aspectos sociais das comunidades onde atua.

Assim sendo, deve a diretoria executiva informar aos acionistas e as demais partes
interessadas de suas atividades administrativas e econômico-financeiras, buscar a equidade
de direitos para grupos minoritários, bem como às demais partes interessadas como
clientes, fornecedores, entre outros e que os diretores e conselheiros devem zelar pela
perenidade das organizações.

Conforme Punsuvo (2006, p. 24)

a governança corporativa é representada por um conjunto de regras estabelecidas


pelos administradores para si próprios ou pelos investidores para os
administradores, de forma a reduzir a ineficiência da alocação de recursos e
motivar os investidores a majorarem os investimentos.

O foco atenção deve estar identificado com recursos para garantir que as decisões
estratégicas sejam tomadas com eficiência.

Alguns organismos multilaterais, dentre eles a Organização para Cooperação do


Desenvolvimento Econômico (OCDE), chamam atenção que as organizações devem se
preocupar com o equilíbrio de direitos e relações entre o agente e o principal. Para esta
instituição internacional a governança corporativa é o sistema segundo o qual as
corporações de negócios são dirigidas e controladas. (Punsuvo, 2006, p. 25)

2.3 – ATIVISMOS DOS ACIONISTAS

Existem acionistas majoritários e minoritários, os majoritários são os grandes


investidores, geralmente, institucionais que têm um papel preponderante no que se refere
ao desenvolvimento das organizações, e os minoritários, embora com pouca influência,
também têm o seu papel. Estes são os diversos atores que atuam no mercado de capitais,
destacando-se os investidores institucionais que vêm exercendo o poder junto às
organizações, pressionando a diretoria das empresas, reivindicando modificações na forma
de atuação das empresas nas quais investem altos recursos, isto porque percebem a
importância de estimular às empresas, nos quais investem, de adotarem a prática de
governança corporativa, dado que tais investidores acham necessário desenvolver
mecanismos que procurem alinhar os seus interesses aos dos gestores das empresas. A
teoria de agencia observa bem este aspecto, a separação do agente e do principal, o que
pode provocar uma assimetria informacional.

Exercendo o seu poder de grandes acionistas, os investidores institucionais, fazem


tais movimentos de forma a garantir o retorno de seus investimentos. No Brasil, um dos
investidores institucionais, fundo de pensão, vem se articulando neste contexto. Este
movimento é conhecido como ativismo dos investidores.

De acordo com Monks e Minow (2004 apud Punsuvo et al, 2007, p.65) “os
investidores institucionais representam o grupo que contempla o maior volume de recursos
de capital no mundo. Eles afirmam que um dos principais elementos para o entendimento
do estágio atual da governança corporativa passa pelo entendimento desse grupo.”

Para melhor compreender o surgimento do movimento de ativismo dos


investidores, o trabalho já descreveu as razões históricas para despertá-lo da governança
corporativa com atenção específica para os conflitos de agencia que surgem naturalmente
no ciclo de vida das empresas como fora discutido na primeira parte do trabalho.

É neste contexto que observamos a inter-relação entre o movimento de ativismo


dos acionistas, teoria de agencia e o surgimento de governança corporativa, o que levou os
investidores institucionais a passarem a assumir uma postura mais ativa na condução de
relações com as empresas nas detinha participação acionária.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conceitos de Governança Corporativa, Teoria da Agencia e Ativismo dos


Investidores acionários estão intimamente ligados, o que se pode verificar nas análises das
suas definições.

Em função do ativismo dos investidores institucionais, considerando o processo


de evolução natural das empresas, surge, em determinado momento, a separação da
propriedade e gestão, incorporando na organização cada vez mais acionistas afastados da
administração diária dos negócios, o que traz, com certeza, conflitos de agência e
conseqüentemente a assimetria informacional. Para dirimir tais conflitos, os investidores
agindo ativamente, faz com haja necessidade premente de incorporação de governança
corporativa como resposta a diversos problemas referentes ao relacionamento entre
acionistas e as empresas, a constituição dos conselhos de administração e a atuação da
diretoria executiva, que poderão aplicar os princípios de governança corporativa em busca
de um alinhamento entre os interesses dos acionistas, proprietários, gestores, fornecedores
e, inclusive, a comunidade onde a empresa se acha instalada.

Para que a Governança Corporativa tenha poderes para maximizar os resultados


da empresa, de acordo com o esperado pelos acionistas, daí o ativismo dos investidores, é
necessária uma boa prática de governança corporativa e aplicabilidade dos seus princípios.

Assim, pode-se observar como preconizado no objetivo do trabalho, a relação


intrínseca entre ativismo dos acionistas, a teoria de agencia e governança corporativa.

4 – REFERÊNCIAS

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Mercados Financeiros, FEA – USP, 2011.
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2011.
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Desmistificação.Revista Direito, Estada e Sociedade. V.9 n. 29-p.49 a 68 – jul/dez. 2006,
disponível em http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/Bugallo_n29.pdf, acesso
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Corporativa em Fundos de Pensão: Uma Análise Normativa, Universidade Cândido
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Conflito de Agência entre os Acionistas Majoritários e os Minoritários no Sistema de
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Transação da Cadeia Produtiva da Batata. Artigo apresentado no VII Simpósio de
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DALMACIO, Flávia Zoboli& NOSSA, Valcemiro. A Teoria de Agência Aplicada aos
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7 a 11 de setembro de 2013, disponível em
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2013_EnANPAD_CON2394.pdf, acesso em fevereiro
de 2017.
PROPOSTA DE INDICADORES DE INCLUSÃO FINANCEIRA PARA O

CONTEXTO REGIONAL BRASILEIRO

João Guilherme Magalhães-Timotio - Universidade Estadual de Montes Claros –

UNIMONTES. E-mail: j.guilhermemagalhaes@gmail.com

Geraldo Alemandro Leite Filho - Universidade Estadual de Montes Claros –

UNIMONTES. E-mail: geraldo.alemandro@unimontes.br

Carlos Renato Theophilo - Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-

mail: crtheophilo@uol.com.br

Resumo: Democratizar e humanizar o sistema financeiro é um dos componentes necessários,

ressalta-se que não suficiente, para a redução da pobreza e desigualdade, e consequentemente

para proporcionar o maior desenvolvimento socioeconômico, ou seja, as finanças utilizadas

para a construção de uma boa sociedade, mais igualitária e sustentável. Uma das formas mais

eficientes e eficazes de se alcançar esta democratização, é construir um sistema financeiro

inclusivo, e findar com o chamado fenômeno da exclusão financeira. Para tanto, faz-se

necessário dados adequados para a realização de análises, e elaboração ou reelaboração de

políticas públicas e estratégias. Logo, o presente estudo desenvolveu um indicador de inclusão

financeira para regiões oficiais brasileiras, denominado de Indicador de Inclusão Financeira na

Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras – IIFDA. Em relação aos resultados verificados,

apenas os estados do sul e sudeste apresentam-se com grau elevado de inclusão financeira,

porém, ainda são considerados como semidemocráticos, já em relação às outras regiões


brasileiras (centro-oeste, norte e nordeste), verifica-se baixo grau de inclusão, apresentando

inclusive o fenômeno da exclusão.

Palavras-Chave: Sistema Financeiro; Inclusão Financeira; Exclusão Financeira; Indicador de

Inclusão.

1. Introdução

O sistema financeiro não é apreciado por algumas pessoas, mas ele é uma realidade e

faz parte do dia-a-dia das sociedades de todo o mundo, tendo papel importante no

desenvolvimento econômico e social, pode contribuir com o financiamento de atividades

produtivas e de consumo via oferta de crédito, tem a capacidade de fornecer meios de

pagamentos, instrumentos para depósito, entre outros diversos produtos e serviços, que por

fim, possibilitam o maior empoderamento econômico dos indivíduos e de organizações,

podendo contribuir com a redução da pobreza e desigualdades, que consequentemente

permitem o maior e melhor desenvolvimento socioeconômico. Porém, um grande problema

apresenta-se principalmente em países ainda considerados como não desenvolvidos, o

fenômeno da exclusão financeira de indivíduos (geralmente os mais pobres) e de alguns

setores da economia (como pequenos negócios e negócios informais), sendo, portanto, um

obstáculo a ser superado para que contribua com a geração de resultados socioeconômicos

positivos. Deve-se buscar a construção, reforma ou mesmo reconstrução do sistema financeiro,

de modo que este seja democratizado, humanizado, apresentando-se de forma mais sustentável

e inclusiva. A própria Organização das Nações Unidas – ONU incorpora isto em sua agenda

de Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável – ODS, até o ano de 2030, na meta de

número oito, que diz respeito à promoção do crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, onde a expansão do acesso aos serviços financeiros para todos é um dos pontos-

chave. (Leyshon e Thrift, 1995; Sinclair, 2001; Shiller, 2013; Crocco et al, 2013; PNUD,

2016).

Portanto, acredita-se que a estruturação e/ou reestruturação do sistema financeiro,

tendo como objetivo apresenta-lo de forma mais democrática, humanizada e inclusiva, se torna

uma condição necessária, ressalta-se que não suficiente, para o desenvolvimento

socioeconômico. Assim, democratizar o sistema financeiro é possibilitar o amplo acesso, e

torna-lo inclusivo, é permitir que seja acessível e adequado para todos. Ainda, faz-se

necessário a utilização de instrumentos que permitam auferir a realidade de cada região,

investigando a realidade de cada, verificando o qual o grau de democratização ou grau de

inclusão financeira ou mesmo exclusão financeira, possibilitando a elaboração de estratégias

especificas adequadas para cada situação.

Assim, o presente estudo tem o objetivo de construir um indicador de inclusão

financeira na dimensão acesso, para todas as regiões oficiais brasileiras (Norte, Nordeste,

Centro-Oeste, Sudeste e Sul). O estudo inova por buscar apresentar um indicador ainda não

existente nas bases de dados atuais, logo, pode ser utilizado como instrumento de auxílio para

elaboração de estratégias e para tomada de decisões de forma mais eficiente e eficaz, visando

sempre democratizar e tornar o sistema financeiro mais inclusivo para que este possa gerar

como consequência o desenvolvimento socioeconômico mais igualitário.

Em relação às bases de dados existentes, bem como indicadores publicados, verifica-se

que o Banco Central do Brasil – BC, publica relatórios sobre a inclusão financeira no Brasil e

apresenta nestes um indicador, que, porém, não possui série temporal anual contínua, sendo

verificado de cinco em cinco anos, além de evidenciar apenas o âmbito nacional. Outra base
de dados é apresentada em âmbito internacional, o Global Financial Index (Global Findex),

que também se limita ao âmbito das nações, mas não incorpora algumas especificidades das

mesmas, sendo o mesmo padrão metodológico para qualquer tipo de país.

Em relação à metodologia deste estudo: utiliza-se dados secundários coletados nos

sites da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, Banco Central do Brasil – BC e

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a série temporal se estende de 2010 até

2015. A técnica para construção do indicador proposto, denominado agora de Indicador de

Inclusão Financeira na Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras – IIFDA.RegiõesBr, baseia-

se principalmente nos estudos de Nathan et al (2008), Sarma (2010) e Ambarkhane et al

(2014), e possui três etapas, sendo a primeira a normalização das variáveis para valores entre 0

a 1, a segunda faz-se a agregação das variáveis para obtenção de indicadores de dimensão, e

por fim, para o cálculo do indicador composto (indicador proposto no estudo), utiliza-se o

método do deslocamento ideal, que consiste no emprego da distância euclidiana inversa, afim

de representar a posição do indicador em relação à posição ideal.

Alguns estudos nacionais destacam a importância da democratização do sistema

financeiro na forma da inclusão financeira e também o fenômeno imediatamente oposto, a

exclusão financeira. Destaca-se o estudo feito por Crocco et al (2013), investigando no âmbito

das regiões oficias brasileiras, o fenômeno da exclusão, utilizando de proxies para aferir os

resultados, constataram o impacto positivo do fenômeno de exclusão na intensificação da

desigualdade e pobreza. O estudo feito por Reis e Ventura (2015), verificou a relação entre o

índice de inclusão financeira do Banco Central e o desenvolvimento socioeconômico nos

estados do nordeste brasileiro, identificando que os estados com maior grau de inclusão

alcançaram maior grau de desenvolvimento, fazendo em suas considerações finais a afirmação


que a inclusão financeira representa um dos componentes para o desenvolvimento

socioeconômico.

No âmbito internacional, verifica-se diversos estudos que demonstram a importância

da construção de um sistema financeiro mais inclusivo, partindo do pressuposto que os

impactos negativos da exclusão financeira no desenvolvimento socioeconômico de

determinados indivíduos e grupos sociais, identificando aquele fenômeno como grande

empecilho. O estudo de Anderloni et al (2007), verificou os tipos de exclusão financeira,

sendo estes: geográfico, acesso, por condicionantes, por preço, por marketing e por

autoexclusão. Os autores Sinclair (2001), Gloukovieff (2006) e Sarma (2010), verificam que a

exclusão financeira é um fenômeno complexo ligado à um fenômeno maior, a exclusão social,

que evita que determinados grupos participem da economia de forma mais ativa, fato que

retarda o desenvolvimento, fazendo necessária a elaboração de políticas e utilização de

estratégias que objetivem a inclusão financeira, esta possibilitaria facilidades de acesso,

disponibilidade e utilização do sistema formal para todos os membros das sociedade,

contribuindo para o desenvolvimento mais igualitário e sustentável. Ainda, Sarma (2010) e os

autores Ambarkhane, Singh e Venkataramani (2014), realizaram estudos com o propósito de

desenvolver indicadores de inclusão financeira.

Portanto, para este estudo, tem-se motivação semelhante aos dos autores citados acima,

possibilitar a realização de análises que sejam mais eficientes e eficazes, considerando o

problema relacionado à falta de dados na forma de indicadores, que sejam constantes (séries

anais), para avaliar o grau de inclusão financeira, neste caso de forma especifica para regiões

brasileiras, sabendo da importância de findar com o fenômeno da exclusão.


O presente estudo será estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução como

primeira, na segunda tem-se respectivamente a abordagem metodológica, na terceira seção

apresenta-se os resultados, na última seção faz-se as considerações finais.

2. Abordagem metodológica

2.1. Dados e método aplicado

Tem-se como foco de análise as regiões oficiais brasileiras, segundo o IBGE (2016)

são: Norte (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins); Nordeste

(Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e

Bahia); Sudeste (Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo); Sul (Paraná, Santa

Catarina e Rio Grande do Sul); Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e

Distrito Federal).

Em relação aos dados: são secundários, tem-se como fonte de coleta os sites do Banco

Central do Brasil – BC (2016), e a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN (2016), por

meio dos relatórios de tecnologia bancária e relatório social das instituições. A série temporal

se estende de 2010 até 2015.

Assim, as variáveis evidenciadas a seguir no quadro 1, serão utilizadas para satisfação

do objetivo principal, a construção do Indicador de Inclusão Financeira na Dimensão Acesso

para Regiões Brasileiras (IIFDA-RegiõesBr). Ressalta-se que para o tratamento dos dados

utiliza-se os softwares Microsoft Excel 2013, ainda, que o “acesso” no indicador proposto é

referente ao acesso à um ponto de atendimento fixo (tanto geográfico quanto demográfico),

não engloba, portanto, o acesso móvel como o realizado via mobile e internet banking, sendo

esta inclusive uma limitação do estudo.


Quadro1: Variáveis Referentes à Inclusão Financeira no âmbito do Acesso à um Ponto Físico.

VARIÁVEIS DESCRIÇÃO

Quantidades de Agências Bancárias Agências bancárias em funcionamento no

país.

Quantidade de Postos de Atendimento de Postos de atendimento bancário - PAB, postos

Serviços Bancários avançados de atendimento - PAA e postos de

atendimento bancário eletrônico – PAE.

Quantidade de Cooperativas Financeiras Cooperativas de Serviços Financeiros em

funcionamento no país.

Quantidade de Instituições de Microfinanças Instituições de Microfinanças (IMFs) em

(IMFs) funcionamento no país.

Quantidade de Correspondentes de Serviços Correspondentes que atuam ofertando

Bancários serviços e produtos bancários (meios de

pagamentos, oferta de crédito, etc.) em

funcionamento no país.
Fonte: Banco Central do Brasil – BC e Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, 2016.

Ainda, em relação às variáveis, fora coletado de forma específica para região oficial do

Brasil, e representam os principais pontos de acesso fixos aos serviços financeiros

considerando a realidade brasileira.

2.2. Método para construção do indicador

Para o alcance do objetivo proposto no estudo, a construção do Indicador de Inclusão

Financeira na Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras (IIFDA.RegiõesBr), utiliza-se como

arcabouço metodológico os trabalhos de Nathan, Mishra e Reddy (2008), Sarma (2010),

Yorulmaz (2013), e Ambarkhane, Singh e Venkataramani (2014), o primeiro propôs uma nova

alternativa de cálculo para o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, utilizando o método

do deslocamento ideal, os demais utilizando como base a metodologia daquele primeiro

trabalho, desenvolveram Índices de Inclusão Financeira.

Portanto, para a construção do indicador tendo como base metodológica os trabalhos

dos autores acima, através do método do deslocamento ideal, segue-se três passos: o primeiro

se dá pela normalização das variáveis, o segundo o cálculo dos indicadores de dimensão e o

terceiro o cálculo do indicador composto utilizando o método do deslocamento ideal.

Primeiro Passo: Normalização das Variáveis

Antes da normalização, primeiro faz-se a definição de quantas dimensões irão compor

o indicador proposto, no presente estudo serão duas dimensões, que consideram o acesso

demográfico e geográfico, logo, utiliza-se dos dados brutos para um primeiro cálculo afim de

colocar cada variável exposta no quadro 1, por 100.000 habitantes em idade ativa (dimensão

demográfico) e por 10.000 Km2 (dimensão geográfica). Após esta primeira transformação,

deve-se normaliza-las para evitar problemas como a alta dispersão entre elas. Existe na
estatística diversas formas para a satisfação deste, destaca-se conforme exposto por Scandar

Neto (2006), a padronização pelo escore z, na qual se substitui cada valor pela distância

verificada entre a observação e a média de todas as observações, medidas em unidades de

desvio-padrões, ou seja, quantos desvio-padrões existem entre o ponto observado e a média.

Outra técnica, é a simples transformação logarítmica. Porém, a utilizada neste estudo, se dá

pela transformação dos valores entre zero e um, conhecida internacionalmente e de ampla

utilização, também adotada para o cálculo dos três índices de dimensão que compõem o Índice

de Desenvolvimento Humano (IDH).

Portanto, a seguinte equação evidencia o método de normalização de variáveis

empregado neste estudo:

𝑋𝑖−𝑚
𝐷𝑖 = (1)
𝑀−𝑚

Onde: Di: valor normalizado da variável; Xi: valor atual da variável; M: valor máximo da

variável; M: valor mínimo da variável.

Ressalta-se que, conforme exposto por Sarma (2010), definir qual deve ser o valor

máximo e o valor mínimo para a construção de um indicador de inclusão financeira se

apresenta como uma tarefa complexa, sendo mais indicado utilizar-se dos valores mínimos e

máximos auferidos na série temporal coletada.

Segundo Passo: Cálculo dos Indicadores de Dimensão

De posse dos valores normalizados, para estruturação dos dois indicadores de

dimensão que comporão o indicador proposto, o próximo passo apresenta-se como agregação

das variáveis, processo este que pode ser realizado de várias formas, as principais podem ser

consideradas como a média ponderada ou a média aritmética simples, isto porque tem como
vantagem a não perda de componentes dos dados, evidenciando de forma mais eficiente a

realidade dos mesmos. Neste estudo, preferiu-se utilizar a média aritmética simples.

Portanto, findado o segundo passo, obtém-se os indicadores de dimensão: Indicador de

Dimensão para a Inclusão Financeira no Contexto Geográfico e o Indicador de Dimensão para

a Inclusão Financeira no Contexto Demográfico. O primeiro evidencia as distâncias em

quilômetros quadrados de cada região para o acesso às instituições financeiras e o segundo

evidencia a quantidade de instituições financeiras em relação à demografia, mais

especificamente cem mil pessoas em idade ativa de cada região.

Terceiro Passo: Cálculo do Indicador Composto Utilizando o Método do Deslocamento

Ideal

Conforme exposto anteriormente, tem-se como arcabouço metodológico para o alcance

do objetivo proposto no estudo (a construção do Indicador de Inclusão Financeira na

Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras – IIFDA-RegiõesBr), os estudos de Nathan,

Mishra e Reddy (2008), Sarma (2010), e Ambarkhane. Singh e Venkataramani (2014).

Portanto, o método do deslocamento ideal (DI), utiliza a distância euclidiana

normalizada inversa a partir do ponto ideal. Ainda, segundo Nathan, Mishra e Reddy (2008),

possui seis propriedades de desenvolvimento, denominada por NAMPUS, conforme exposto a

seguir:

 Normalização: transforma-se as variáveis em valores normalizados, no presente

estudo, preferiu-se adotar a normalização de valores entre o mínimo 0 e o máximo 1.

Considerando os indicadores de dimensão, no espaço dimensional euclidiano, o

mínimo é a origem (0,0) e o máximo (1,1).


 Anonimato: significa que se os valores são trocados entre as dimensões, o valor do

indicador composto permanece o mesmo.

 Monotonicidade: refere-se ao valor de uma dimensão particular para o índice D1 é

maior do que outra dimensão para o índice D2.

 Proximidade: significa que quanto maior for o indicador, menor é a distância a partir

do ponto ideal, ou seja, indicando a proximidade do ponto ideal.

 Uniformidade: indica o equilíbrio/uniformidade em todas as dimensões.

 Sinalização: indica o caminho ótimo para que se chegue ao valor mais elevado.

Destaca-se que o indicador também possui um papel de auxiliar a realização de

projeções. Ainda, que a melhoria no índice mais baixo em qualquer dimensão, reflete a

melhoria no valor mais elevado em qualquer dimensão. 2

Seguindo os pressupostos acima, o modelo de cálculo do método do deslocamento

ideal é realizado da seguinte forma, observada na equação 2:

√(1−𝐷1)2 +(1−𝐷2)2 …(1−𝐷𝑛)2


IIFDA. RegiõesBr = 1 − (2)
√𝑁

Onde: D1: Indicador de Dimensão; D2: Indicador de Dimensão; Dn: Indicador de Dimensão;

N: Numero de Dimensões; O termo √(1 − 𝐷1)2 + (1 − 𝐷2)2 … (1 − 𝐷𝑛)2 : distância

euclidiana do ponto observado até a posição do ponto ideal (1,1).

Na equação (2), divide-se o termo que representa a distância euclidiana do ponto

observado até a posição do ponto ideal (1,1) pela raiz da quantidade de dimensões para a

normalização novamente no espaço euclidiano n-dimensional. Também, subtrai-se de 1, para

que se obtenha o inverso da distância euclidiana normalizada, que é o indicador composto.


Este, representa o melhor caminho para se mover a partir da posição atual para uma posição

superior.

Ressalta-se que a metodologia utilizada é flexível, podendo agregar mais indicadores

de dimensão, de acordo com a disponibilidade de dados, além de deixar a possibilidade de

introduzir fatores de arrasto (representando as dificuldades e obstáculos para a melhoria do

indicador composto).

Considerações para interpretação dos indicadores

Segundo Sarma (2010), pode-se interpretar os resultados dos indicadores por três

categorias, ficando da seguinte forma:

 0.5 ≤ IFI ≤ 1 = Inclusão Financeira de Grau Elevado.

 0.3 ≤ IFI < 0.5 = Inclusão Financeira de Grau Médio.

 0.0 ≤ IFI < 0.3 = Inclusão Financeira de Grau Baixo. Apresenta o Fenômeno da

Exclusão Financeira.

Estendendo a interpretação de Sarma (2010), exposta acima, com as concepções de

Shiller (2013), que defende que as finanças e seu sistema são poderosos instrumentos que

podem ser utilizados em prol da construção de uma boa sociedade, igualitária e sustentável,

devendo, entretanto, ser democratizado, humanizado e apresentar-se de forma mais inclusiva,

não se limitar para determinados grupos e indivíduos. Pode-se considerar em relação às

regiões em análise, aquela que se apresenta com grau elevado de inclusão financeira, possui

um sistema financeiro mais democrático, ressalta-se que deve ser considerando um valor

verificado acima de 0.7 como democrático, um valor verificado entre 0.5 até 0.7 como sistema

semidemocrático. Já as regiões que verificarem um grau médio de inclusão financeira, podem

ser consideradas como pouco democráticas, ou de sistema financeiro democraticamente fraco,


em relação aquelas regiões que apresentarem um baixo grau de inclusão financeira ou seja,

apresentarem o fenômeno da exclusão financeira, pode-se considera-las como regiões de

sistema financeiro não democrático ou sistema financeiro com baixíssimo grau de

democratização.

De posse destas considerações a respeito da interpretação, é facilitado o norteamento

para elaboração ou reforma de políticas públicas e ou estratégias que visam possibilitar que

todos desfrutem dos benefícios das finanças, e que haja uma relação positiva entre as partes.

3. Análise dos resultados

Neste estudo, a análise será estruturada em três partes, a primeira refere-se ao

indicador de dimensão de acesso demográfico, ou seja, indicador por cem mil pessoas em

idade ativa, a segunda refere-se ao indicador de dimensão de acesso geográfico, ou seja, por

dez mil quilômetros quadrados, em relação à área de cada uma das regiões. Na terceira parte,

apresenta-se os resultados do indicador composto, denominado de Indicador de Inclusão

Financeira na Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras (IIFDA-RegiõesBr).

Análise do indicador de dimensão – acesso demográfico

O seguinte gráfico 1, apresenta os resultados de cada região oficial brasileira, para o

indicador de dimensão referente ao acesso demográfico, ou seja, por cem mil pessoas em

idade ativa, entre o período de 2010 até 2015.

Gráfico 1: Indicadores de Acesso Demográfico para Regiões Oficiais Brasileiras.


0.58 0.57 0.57 0.57 0.56 0.56

0.46
0.44 0.44 0.44 0.44 0.44
0.42 0.42 0.42 0.41 0.41 0.41
0.35 0.36
0.34
0.32 0.32 0.31

0.22 0.22 0.22


0.19 0.20 0.19

2010 2011 2012 2013 2014 2015

Indicador de Acesso Demográfico Norte


Indicador de Acesso Demográfico Nordeste
Indicador de Acesso Demográfico Sudeste
Indicador de Acesso Demográfico Sul
Indicador de Acesso Demográfico Centro-Oeste

Fonte: Elaboração Própria.

A partir dos resultados apresentados no gráfico 1, considerando apenas a dimensão

acesso demográfico (ou seja, indicador por cem pessoas em idade ativa), verifica-se de acordo

com a interpretação proposta por Sarma (2010) e incorporando os conceitos de Shiller (2013),

durante toda série temporal de 2010 até 2015, apenas a região sul apresentou-se com grau

elevado de inclusão financeira, mas ainda pode ser considerada como um sistema

semidemocrático por não auferir valores acima de 0.7. Já as regiões centro-oeste, sudeste e

norte, apresentaram-se com grau médio de inclusão financeira, logo, podem ser definidas

como sistemas pouco democráticos, ressalta-se que tais regiões são bastantes desiguais em

relação ao tamanho da população em idade ativa. Por fim, apenas a região nordeste, verificou

com grau baixo de inclusão financeira, apresentando-se como um sistema não democrático ou

com baixíssimo grau de democratização, logo, entende-se que a região apresenta o fenômeno

da exclusão financeira.
Ainda em relação aos resultados evidenciados no gráfico 1, ressalta-se novamente que

são referentes apenas ao acesso demográfico, portanto, os resultados efetivos sobre a inclusão

financeira, devem ser verificados no indicador composto que será apresentado a seguir.

Análise do indicador de dimensão – acesso geográfico

O seguinte gráfico 2, apresenta os resultados de cada região oficial brasileira, para o

indicador de dimensão referente ao acesso geográfico, ou seja, por dez mil quilômetros

quadrados, entre o período de 2010 até 2015.

Gráfico 2: Indicadores de Acesso Geográfico para Regiões Oficiais Brasileiras.

0.73 0.73 0.74 0.73 0.73 0.73

0.61 0.60 0.61 0.61 0.61 0.61

0.13 0.13 0.13 0.15 0.15 0.15


0.09 0.09 0.10 0.10 0.10 0.10
0.03 0.03 0.03 0.03 0.03 0.03
2010 2011 2012 2013 2014 2015

Indicador de Acesso Geográfico Norte


Indicador de Acesso Geográfico Nordeste
Indicador de Acesso Geográfico Sudeste
Indicador de Acesso Geográfico Sul
Indicador de Acesso Geográfico Centro-Oeste

Fonte: Elaboração Própria.

A partir dos resultados apresentados no gráfico 2, considerando apenas a dimensão

acesso geográfico (ou seja, indicador por dez mil quilômetros quadrados), verifica-se de

acordo com a interpretação proposta por Sarma (2010) e incorporando os conceitos de Shiller

(2013), que durante toda série temporal de 2010 até 2015, apenas as regiões sudeste e sul
apresentam-se com elevado grau de inclusão financeira, ainda, pode-se considerar que a região

sudeste apresenta-se com sistema democrático por auferir valores acimas de 0.7 durante toda

série, já a região sul, por auferir valores acima de 0.5 porém abaixo de 0.7, apresenta-se com

sistema semidemocrático. Em relação às outras regiões, todas estas auferiram valores

inferiores à 0.3, logo, identifica-se baixo grau de inclusão financeira, com sistemas não

democráticos, porém, vale ressaltar que tanto a região norte quanto a nordeste, possuem

grande extensão territorial, e baixa densidade demográfica, assim, reforça-se a relevância de

um indicador composto por as duas dimensões apresentadas neste estudo, conforme será

observado a seguir, para que se verifique de forma mais eficiente o grau de inclusão financeira

e a existência ou não do fenômeno da exclusão.

Portanto, faz-se necessário um indicador composto, como proposto no estudo, para que

se verifique de forma eficiente e eficaz o grau de inclusão financeira, bem como se os sistemas

são democráticos ou não, e a existência do fenômeno da exclusão, conforme pode-se observar

a seguir.

Análise do indicador composto – indicador de inclusão financeira na dimensão acesso

para regiões brasileiras – IIFDA.REGIÕESBR

Conforme observado anteriormente, faz-se necessário um indicador composto para que

se verifique de forma eficiente e eficaz o grau de inclusão financeira ou o fenômeno da

exclusão. Portanto, o seguinte gráfico 3, apresenta os resultados do indicador proposto no

estudo, denominando de Indicador de Inclusão Financeira na Dimensão Acesso para Regiões

Brasileiras – IIFDA.RegiõesBr.

Gráfico 3: Indicadores de Inclusão Financeira na Dimensão Acesso para Regiões Brasileiras –

IIFDA.RegiõesBr
Fonte: Elaboração Própria.

A partir dos resultados apresentados no gráfico 3, verifica-se que em consideração a

média dos indicadores no âmbito nacional, apenas as regiões sul e sudeste apresentaram

valores acima, ainda, verifica-se de acordo com a interpretação proposta por Sarma (2010) e

incorporando os conceitos de Shiller (2013), durante toda série temporal de 2010 até 2015, que

apenas aquelas duas regiões apresentam-se com elevado grau de inclusão financeira, porém,

pode-se considerar que possuem sistema semidemocrático, devido aos valores que foram

superiores à 0.5 porém inferiores à 0.7. Em relação às outras regiões, centro-oeste, nordeste e

norte, todas ficaram abaixo da média nacional, e verifica-se que apresentam baixo grau de

inclusão financeira, por apresentarem valores abaixo de 0.3, podendo considera-las sob efeito

do fenômeno da exclusão financeira, ou de sistema não democráticos, fato que pode gerar

obstáculos para o desenvolvimento socioeconômico.

4. Considerações finais
Entende-se que a democratização do sistema financeiro, fazendo deste mais inclusivo e

humanizado, tem o poder de findar com o fenômeno da exclusão, e representa um dos

componentes necessários, ressalta-se que não suficientes, para combater a pobreza e

desigualdades, e possibilitar o desenvolvimento socioeconômico mais igualitário e sustentável.

Logo, o presente estudo constitui-se no desenvolvimento de um indicador de inclusão

financeira para as regiões oficiais brasileiras, denominado de Inclusão Financeira na Dimensão

Acesso para Regiões Brasileiras – IIFDA.RegiõesBr, a motivação para este se dá pela

dificuldade de disponibilidade de dados que possibilitem a realização de análises mais

eficientes que permitam a elaboração ou reestruturação de políticas públicas e estratégias para

construção de um sistema financeiro mais democrático, humanizado e inclusivo.

Os resultados, apontam que as regiões sul e sudeste verificam elevado grau de inclusão

financeira, apesar de ainda apresentarem-se como sistemas semidemocráticos, requerendo

maior aperfeiçoamento para o alcance de uma situação mais favorável. Em relação às regiões

centro-oeste, norte e nordeste, verifica-se baixo grau de inclusão financeira, assim, pode-se

considerar que o fenômeno da exclusão financeira está presente nestas regiões, requerendo

maiores atenções para estruturação ou reestruturação de políticas públicas e estratégias que

visem a otimização do sistema.

Por fim, o estudo possui algumas limitações, como o fato do indicador não abranger a

dimensão do acesso móvel ao sistema financeiro (como a internet e o mobile banking). E

como sugestão para novas pesquisas, tem-se a superação da limitação exposta anteriormente, e

verificar via aplicação de modelos econométricos, a relação entre o indicador desenvolvido e

indicadores de pobreza, desigualdade, e desenvolvimento econômico e social.


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EIXO 4
Indústria, competitividade
e industrialização
Competitividade e seus fatores determinantes: uma análise para países em

desenvolvimento.

Victor Medeiros1

Lucas Gonçalves Godoi2

Evandro Camargos Teixeira3

RESUMO: O objetivo deste trabalho é dar maiores evidências sobre os principais

determinantes da competitividade nos países em desenvolvimento, em uma análise

comparativa e econométrica para o ano de 2013. A justificativa da escolha dos países

emergentes consiste na defasagem competitiva dos mesmos em relação ao resto do mundo.

Para alcançar os objetivos do trabalho, foram utilizadas a metodologia de Análise Envoltória

de Dados (DEA), de maneira a gerar as medidas de eficiência dos países e, em seguida, um

modelo econométrico que busca identificar os fatores determinantes da competividade. Os

fatores determinantes, por sua vez, serão identificados a partir da análise de componentes

principais. Os resultados obtidos por meio da metodologia DEA indicam que há

possibilidade para que grande parte dos países da amostra melhorem em termos de alocação

eficiente de recursos, visto o baixo nível médio de eficiência. O modelo econométrico

indicou que fatores empresariais como capacidade inovativa e sofisticação do ambiente de

negócios, aspectos estruturais como tamanho do mercado, acesso a produtos tecnológicos,

qualidade da demanda, além de fatores sistêmicos como oferta e qualidade de infraestrutura,

saúde, educação e treinamento da mão de obra são fatores importantes para que os países em

desenvolvimento se tornem mais competitivos.

Palavras-chave: Competitividade, eficiência, países em desenvolvimento.

1
Mestrando em Economia pelo CEDEPLAR/UFMG. vmedeiros@cedeplar.ufmg.br.
2
Mestrando em Economia pela USP/FEA-RP. lucasgodoi@usp.br.
3
Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa - Departamento de Economia, Brasil.
ABSTRACT: The objective of this paper is to provide more evidence on the main

determinants of competitiveness in developing countries, in a comparative and econometric

analysis for the year 2013. The justification for the choice of emerging countries is the

competitive gap between them and the rest of the world. In order to reach the objectives of

the work, the methodology of Data Envelopment Analysis (DEA) was used, in order to

generate the efficiency measures of the countries and then an econometric model that seeks

to identify the determinants of competitiveness.. The determining factors, in turn, are

identified from the principal component analysis. The results obtained through the DEA

methodology indicate that it is possible for most of the sample countries to improve in terms

of efficient allocation of resources, given the low average level of efficiency. The

econometric model indicated that business factors such as innovative capacity and

sophistication of the business environment, structural aspects such as market size, access to

technological products, quality of demand, and systemic factors such as supply and quality

of infrastructure, health, education and training are important factors for developing

countries to become more competitive.

Key words: Competitiveness, efficiency, developing countries.

Classificação JEL: C24; O20; O57.

1. INTRODUÇÃO

A importância da competitividade pode ser observada a partir de sua relação positiva

com o crescimento econômico de longo prazo. Um país pode ser considerado competitivo

quando consegue manusear seus recursos e competências de forma a aumentar a qualidade

de vida de seus cidadãos, além da produção de suas firmas (IDM, 2012). De acordo com a

Comissão Europeia (2001), uma definição padrão de competividade, a níveis regional e


nacional, define competividade como a capacidade de determinado país ou região gerar

maiores taxas de crescimento e emprego de maneira sustentável.

Alguns estudos buscaram investigar os principais determinantes da competividade e

sua relação com o processo de crescimento e desenvolvimento econômico dos países. A

vertente teórica é composta por uma diversidade de estudos que identificaram como

principais determinantes da competividade e, consequentemente, do crescimento

econômico, dentre outros: investimentos em capital, divisão do trabalho e comércio, segundo

a teoria clássica; intensidade de capital, investimentos e políticas governamentais de

subsídios e taxas, na abordagem keynesiana; mudança estrutural, abertura comercial e

investimento direto estrangeiro, na óptica da economia do desenvolvimento, e; nível

educacional, gastos em capital humano e P&D e incentivo a inovação, na “nova teoria do

crescimento”.

Ademais, os teóricos do crescimento endógeno têm dado destaque à aspectos como

capital humano (Lucas, 1998), inovações (Romer, 1990; Aghion & Howitt, 1992),

infraestrutura (Barro, 1990), instituições (Romer, 1986) e competição e abertura comercial

(Grosmman & Helpman, 1991). De maneira similar, Ferraz et al (1996) elaboraram uma

abordagem que trata a competitividade como um processo dinâmico, ou seja, a

competividade de um país é determinada e, limitada, por uma diversidade de fatores

empresariais, estruturais e sistêmicos.

Outros estudos emergiram com a utilização da metodologia Análise Envoltória de

Dados (DEA), buscando identificar o nível de competividade dos países e, ou, seus fatores

determinantes, em uma análise comparativa (ver, por exemplo, em Rocha, Rebelatto e

Camioto (2015), Ülengin et al (2011) e Charles e Zegarra (2014)). Nestes casos, tratou-se a

competividade em um conceito ex-ante, ou seja, seria considerado competitivo o país que

aloca seus recursos de maneira eficiente, relativamente aos demais. Dentre os principais
resultados obtidos, destaca-se que fatores como educação, geografia, desigualdade de renda,

boas instituições e provisão de bens públicos podem ser fatores importantes para que os

países utilizem seus recursos de maneira eficiente e, consequentemente, se tornem mais

competitivos.

O presente artigo pretende contribuir com a literatura especializada ao dar maiores

evidências sobre os principais determinantes da competitividade nos países em

desenvolvimento, em uma análise comparativa e econométrica para o ano de 2013, visto que

não foram encontrados estudos que unam esses dois aspectos. A justificativa4 da escolha dos

países emergentes consiste na defasagem competitiva dos mesmos em relação ao resto do

mundo, observada, por exemplo, no Global Competitviness Index (GCI), de forma que a

melhoria dos aspectos que tornem os países mais competitivos poderia agir como fator

importante para que haja crescimento econômico sustentado nessas nações.

Para alcançar os objetivos do trabalho, será utilizada a metodologia DEA, de maneira

a gerar as medidas de eficiência dos países, partindo de uma função de produção agregada,

que servirão como variável proxy da competividade comparativa nacional. Posteriormente,

será estimado um modelo econométrico que busca identificar os fatores determinantes da

competividade, de forma a dar maiores evidências sobre as possíveis políticas a serem

tomadas pelos países da amostra de forma a aumentar a competividade e dar prosseguimento

ao processo de crescimento econômico dos mesmos. Os fatores determinantes, por sua vez,

serão identificados a partir da análise de componentes principais, devido ao alto grau de

multicolinearidade entre as variáveis envolvidas.

4
Além de características semelhantes entre os países analisados, tais como menores níveis de renda per capita
em relação aos países desenvolvidos, pauta de exportações composta, majoritariamente, por produtos com
menor teor tecnológico e piores indicadores de desenvolvimento humano.
O trabalho será elaborado em mais quatro seções, além desta introdução. A segunda

trata do referencial teórico. A terceira aborda os métodos utilizados no artigo. A quarta seção

descreve os resultados obtidos e, a última sintetiza as principais conclusões.

2. METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos propostos pelo trabalho serão utilizadas duas

metodologias. A primeira, a Análise Envoltória de Dados (DEA), medirá o nível de

eficiência dos fatores de produção nos países em desenvolvimento, para o ano de 2013. Em

seguida, será utilizado um modelo tobit que avaliará quais são os principais determinantes

da competitividade dos países da amostra, tendo como variável dependente as medidas de

eficiência proporcionadas pela metodologia DEA. No entanto, como as variáveis

explicativas possivelmente possuem elevado grau de multicolinearidade, serão construídos

índices que captem a importância das mesmas, através da análise de componentes principais.

2.1. Análise de fronteira: DEA- Análise Envoltória de Dados

A metodologia DEA gera medidas de eficiência relativas entre as unidades de análise,

ou seja, dentro de um determinado grupo amostral. Tais medidas são alcançadas através do

uso de programação linear e, cada unidade produtiva é tratada como uma decision making

unit (DMU).

Na Análise Envoltória de Dados, pressupõe-se que existem m produtos e k insumos

para cada uma das n DMUs. A partir desses dados, são construídas as matrizes de insumo

(de dimensão k x n) e de produto (m x n), que representarão as diversas unidades tomadoras

de decisão. Desta forma, o que essa metodologia propõe é obter medidas de eficiência através

da razão entre os produtos e os insumos, como segue:

𝐸𝑓𝑖𝑐𝑖ê𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑑𝑎 𝐷𝑀𝑈 𝑢′𝑦𝑖 (1)


=1𝑦1𝑖+𝑢
𝑢 =2𝑦2𝑖+⋯+𝑢𝑚𝑦𝑚𝑖
𝑖 𝑣′𝑥𝑖 𝑣1𝑥1𝑖+𝑣2𝑥2𝑖+⋯+𝑣𝑘𝑥𝑘𝑖
Em que u é um vetor (m x 1) de pesos nos produtos e v é um vetor (k x 1) de pesos nos

insumos. Como os valores das variáveis de produto e insumo podem diferir substancialmente

entre as DMUs, os pesos atribuídos para o alcance das medidas de eficiência também

variarão. Portanto, é necessário estabelecer um problema que gere conjuntos adequados de

pesos para cada DMU, comparativamente as demais.

Como explicam Ferreira e Gomes (2009), a formulação do problema deve levar em

conta os valores de u e v, de forma que a medida de eficiência de cada DMU seja

maximizada, sujeita a restrição de que as medidas de todas as DMUs sejam iguais ou

menores que um5.

Portanto, busca-se, através da metodologia DEA, gerar medidas de eficiência dos

países que representem o grau de competitividade dos mesmos em relação aos demais, visto

que tais medidas demonstrarão a melhor alocação dos insumos possível, dado o nível de

produção nacional (orientação input). Desta forma, serão utilizadas as variáveis de insumo

X1 (força de trabalho) e X2 (formação bruta de capital fixo), e a variável de produto Y1

(Produto Interno Bruto).

Cabe ressaltar, no entanto, que, por se tratar de uma análise de fronteira, a

metodologia DEA se torna sensível a observações discrepantes na amostra. A consequência

da existência de outliers pode ser a não robustez das medidas de eficiência, tornando os

resultados do modelo pouco confiáveis. Com o intuito de contornar o descrito problema, será

utilizada a técnica Jackstrap proposta por Sousa e Stosic (2003), que determina quais DMUs

podem ser consideradas outliers a partir do cálculo de sua medida de leverage (ou grau de

influência). De acordo com Ervilha (2014), o leverage seria o desvio-padrão das medidas de

eficiência anteriores e posteriores à remoção de cada DMU do conjunto amostral para a j-

5
Ver mais detalhes em Charnes et al (1994) e Cooper et al (2000).
ésima DMU. Para o procedimento da técnica neste trabalho, toma-se como critério de

definição de DMUs outliers aquelas que obterão valor de leverage superior a 0,026

2.2. Análise econométrica

3.2.1 Modelo de Regressão com Dados Censurados e Reamostragem

Para avaliar os determinantes da competitividade dos países em desenvolvimento

será estimado um modelo Tobit. A escolha desse modelo decorre do fato de que as medidas

de eficiência calculadas por meio da Análise Envoltória de Dados consistem em uma amostra

censurada, visto que estão limitadas no intervalo entre 0 e 1. Neste caso, ao se proceder com

uma estimação por meio de Mínimos Quadrados Ordinários, os parâmetros seriam

inconsistentes, inviabilizando a inferência estatística sobre os mesmos (WOOLDRIDGE,

2011).

A censura pode implicar perda e, ou, falta de informações, podendo a amostra

apresentar censura no limite inferior (à esquerda) ou no limite superior (à direita). Ao se

descrever Y como a variável dependente, I como uma constante que representa o valor

mínimo assumido por Y e S o valor máximo da variável Y, observa-se que Y será observado

apenas no intervalo [I,S], sendo, portanto, as observações consideradas censuradas nos

pontos inferior (I) e superior (S). A partir das notações descritas no parágrafo anterior e,

adicionando o vetor Z’ de variáveis explicativas, 𝛽 o vetor de parâmetros a serem estimados,

Y* o vetor estimado de Y e ε o termo de erro aleatório, pode-se descrever o modelo Tobit

da seguinte maneira:

𝑌∗ = 𝑍′𝛽 + 𝜀𝑖

𝑌 = 𝐼, 𝑠𝑒 𝑠𝑒 𝑌∗ ≤ 𝐼

𝑌 = 𝑌∗, 𝑠𝑒 𝐼 < 𝑌∗ < 𝑆

6
Aspectos mais detalhados sobre a técnica jackstrap podem ser vistos em Sousa e Stosic (2003).
𝑌 = 𝑆, 𝑠𝑒 𝑌∗ ≥ 𝑆

Cabe ressaltar, no entanto, que o estimador Tobit será consistente apenas na presença

de erros homocedásticos e normalmente distribuídos (GUJARATI, 2011). Caso haja

presença de heterocedasticidade ou não normalidade dos erros, seria indicado utilizar o

método Bootstrap, que se utiliza de determinada amostra várias vezes para obter as

distribuições amostrais dos parâmetros de interesse, tendo como consequência a obtenção

de estimativas robustas.

3.2.2 Análise de componentes principais (PCA)

Dado o elevado grau de multicolineariedade7 entre as variáveis envolvidas na

regressão com dados censurados, tem-se que muitas destas possuem a mesma informação.

Para contornar tal problema, optou-se pela utilização da Análise de Componentes Principais,

técnica que consiste em transformar um conjunto de variáveis originais em outro conjunto

de variáveis de mesma dimensão denominadas componentes principais.

Os componentes principais se caracterizam por serem uma combinação linear de

todas as variáveis originais, de maneira que são independentes entre si e estimados com o

propósito de conter, na ordem em que são estimados, o máximo de informação contida nos

dados originais. Portanto, o PCA é associado à ideia de redução da massa de dados com

menor perda possível de informação.

Segundo Zivot (2003), denominando Ω


̂ a matriz de covariância das variáveis, e Z a

matriz das variáveis originais após uma normalização, tem-se que o primeiro componente

principal é dado por x∗Z em que x∗ é a solução para:


1 1
̂ x1 s. t. x′ x1 = 1
max x′ Ω
1 1
x1

7
Ver no Quadro 1A.
̂ . Já o segundo
Assim, a solução x∗1 é o valor associado ao maior autovalor de Ω
componente é x∗ Z, sendo que x∗ é o vetor que soluciona a expressão abaixo:
2 2

̂ x2 s. t. x′ x2 = 1 e x∗′ x2 = 0
max x′ Ω
2 2 1
x2

De acordo com a solução acima, são computados os K componentes principais para

K variáveis originais. Desta forma, será reduzida a dimensão das variáveis dependentes do

modelo censurado, tobit, a partir do critério de que se manterão os componentes que

representam 80% da variância das variáveis originais do problema.

Por fim, recupera-se os elementos de x∗k de forma a definir qual a importância de

cada variável dita original para a formação dos componentes e, por consequência, qual o

impacto de cada variável sobre a competitividade. Este mecanismo será feito por meio de

um MQO simples de x∗k em Z.

3.3 Fonte e tratamento dos dados

As variáveis X1, X2 e Y1, utilizadas na metodologia DEA, serão obtidas a partir da

base de dados do Banco Mundial.8 Os países considerados na amostra seguiram a

classificação de países em desenvolvimento, conforme indica o Fundo Monetário

Internacional9. Os países com informações nulas foram excluídos da amostra, restando 92

nações na amostra utilizada na aplicação do modelo DEA.

A medida de eficiência gerada na Análise Envoltória de Dados será utilizada como

proxy para a competividade nacional na estimação do modelo Tobit. O vetor de variáveis

explicativas na análise econométrica descreverá os fatores determinantes da competividade,

conforme analisam Ferraz et al (1996), subdivididos em fatores empresariais, estruturais e

sistêmicos. A síntese das variáveis utilizadas no trabalho e as respectivas fontes estão

8
World Development Indicators, disponível em http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-
indicators.
9
Ver em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/01/pdf/text.pdf.
descritas nos Quadros 2A, 3A e 4A. Maiores detalhes sobre as mesmas podem ser

observados em WEF (2014).

As variáveis Busin e Inov captam os fatores empresariais, as quais se relacionam ao

ambiente de conexão entre as firmas e a capacidade das mesmas de adotar estratégias

competitivas e, a capacidade das firmas de inovar e implementar práticas inovativas,

respectivamente. Desta forma, estas tratam, em último caso, da capacidade de

implementação de estratégias competitivas das firmas em determinado país.

Em relação aos fatores “Estruturais”, as variáveis Inst, Demand, Techn, Financ e

Msize incluem, respectivamente, o papel da qualidade das instituições, das condições de

demanda, do grau de sofisticação tecnológica, do nível de desenvolvimento do mercado

financeiro e suas instituições e do tamanho do mercado sobre a competitividade nacional.

Por fim, as variáveis Infra, Macro, Social, Train, Labor, Compet e Inter captam

aspectos referentes a oferta e qualidade de infraestrutura, ambiente macroeconômico,

educação primária e saúde, treinamento de mão de obra e educação superior, eficiência do

mercado de trabalho, qualidade do mercado financeiro e eficiência no mercado de bens e

serviços10, além de fatores internacionais, respectivamente, e se relacionam aos fatores

“Sistêmicos”. As variáveis foram escolhidas de acordo com a literatura especializada.

Existem alguns trabalhos que utilizaram variáveis similares, como os de Ülengin et al

(2011), Paula e Silva (2015), Rocha, Rebelatto e Camioto (2015) e Charles e Zegarra (2014).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 Análise Envoltória de Dados

10
Esta variável, Compet, trata do grau de intervenção do governo no mercado de bens e serviços, do nível de
competição interno e externo, efetividade de políticas antimonopólio e outros aspectos que influenciam na
eficiência do mercado de produtos. Considera, por exemplo, o total de impostos sobre lucros, trabalho e outros,
além de tarifas sobre o comércio, tempo necessário para iniciar um negócio, dentre outros.
A primeira análise técnica deste trabalho foi a de verificar a existência de outliers na

amostra através da técnica Jackstrap. Cinco países (DMUs), à saber, China, Brasil, Índia,

África do Sul e Suriname, obtiveram valor de leverage superior a 0,02. No entanto, devido

a relevância11 desses países na economia mundial, principalmente no que se refere aos quatro

componentes dos BRICS, optou-se por aplicar a metodologia DEA em dois cenários:

considerando (1) e desconsiderando (2) tais países.

A partir da aplicação do modelo DEA com retornos variáveis à escala, foi possível

verificar o comportamento dos países em desenvolvimento no ano de 2013, considerando

uma função de produção agregada que tem como insumos capital e trabalho, e como produto

o PIB. A Tabela 1A descreve a quantidade de países conforme grau de eficiência técnica e

tipo de retorno à escala. Observa-se que não houve diferenças substanciais entre o modelo

que incluiu Brasil, China, Índia, Suriname e África do Sul e aquele que não incluiu,

indicando que a inclusão desses países no modelo pode não prejudicar a análise. As médias

de eficiência foram similares, assim como a distribuição dos países em relação aos retornos

de escala.

Do total de 92 países analisados no modelo (1), apenas 15 foram plenamente

eficientes. O mesmo ocorreu para o modelo (2), no entanto em um total de 87 observações.

Este resultado indica que há possibilidade para que grande parte das nações em

desenvolvimento aloquem seus recursos de maneira mais eficiente e, consequentemente, se

tornem mais competitivas.

No que se refere ao tipo de retorno à escala, a maioria da amostra teve como

característica retorno decrescente (Tabela 1A). Dentro desse grupo, no caso do modelo (1),

se destacam os cinco países que compõem os BRICS, além de México, Argentina, Chile e

11
Em termos de comércio internacional, taxas de crescimento do PIB nas últimas décadas, participação em
fluxos de investimentos internacionais etc.
países europeus como Turquia e Croácia, os quais detém nível de renda e, ou, capital per

capita bastante superior à média da amostra e desempenham papel importante na economia

mundial. Os resultados do modelo (2) são similares, exceto pela não inclusão de Brasil,

China, Índia e África do Sul.

Como argumentam Ferreira e Gomes (2009), no caso de retornos decrescentes, os

países poderiam optar por diminuir o volume produzido ou adotar tecnologia mais avançada.

A primeira opção é inviável, visto que acarretaria em queda da renda nacional e do emprego.

Desta forma, a opção mais adequada para esse grupo de países seria a modernização da

produção, por meio do aumento dos investimentos em capital físico e na formação de mão

de obra qualificada.

Por outro lado, o grupo de países que possuem retornos crescentes à escala é

composto, majoritariamente, por nações que possuem níveis de renda e capital por

trabalhador inferiores à média amostral. Os resultados descritos até aqui parecem indicar que

nos países onde há escassez de fatores de produção, a exemplo da maioria dos países

africanos, a expansão de capital e trabalho seria importante para que as nações sejam mais

eficientes e competitivas. Por sua vez, naqueles países em que os níveis de trabalho e capital

são relativamente altos, a modernização da economia seria mais indicada para produção

eficiente e competitiva.

Na análise por regiões, pode-se observar (Tabela 2A) que houveram diferenças

substanciais entre as regiões analisadas, sendo os resultados praticamente idênticos em

ambos os modelos. O nível médio de eficiência em torno de 70% indica que há possibilidade

para que países melhorem em termos de alocação de seus recursos. Os países europeus foram

os que apresentaram, na média, melhores resultados, com média de eficiência igual a 79,2%

e 79,7%, nos modelos (1) e (2), respectivamente. Ainda que em situação pior, os países latino

americanos e asiáticos obtiveram, em média, medidas próximas aos países europeus. Em


contrapartida, os países africanos foram os que apresentaram os piores indicadores, na média

(em torno de 60,0%).

Em síntese, os resultados obtidos através da Análise Envoltória de Dados indicam

que há possibilidade para que a grande maioria dos países em desenvolvimento analisados

melhorem em termos de alocação eficiente de seus recursos. Como a competividade depende

de fatores estruturais, empresariais e sistêmicos, essa diversidade de fatores merece

avaliação em sua relação com a melhoria das medidas de eficiência. Desta forma, a subseção

seguinte busca estimar, através de um modelo de dados censurados, o impacto das diversas

variáveis.

4.3 Análise econométrica


O primeiro procedimento na análise estatística foi reduzir a massa de dados através

da análise de componentes principais, dado o limiar que foi imposto sobre manter na análise

apenas os componentes que, acumuladamente, representam 80% da variância original dos

dados. Portanto, foram mantidos apenas quatro dos componentes principais, como

apresentado na Tabela 3A.

A partir da análise de componentes principais, foi estimado um modelo de dados

censurados, tobit, sendo as medidas de eficiência geradas pela metodologia DEA como

variável dependente e os componentes funcionando como variáveis explicativas. Ressalta-

se ainda que o modelo de dados censurados será estimado sob o método Bootstrap, que é

indicado para solucionar ou minimizar problemas advindos da dificuldade em determinar

um padrão assintótico dos erros, o que tende a subestimar a verdadeira variância. Desta

forma, o modelo será estimado por meio do método Bootstrap, utilizando estimações Tobit

e por Mínimos Quadrados Ordinários para efeito comparativo.


Os resultados das estimações estão descritos na Tabela 4A. Observa-se que não

houveram diferenças substanciais (apenas na magnitude dos erros-padrão e coeficientes)

entre as estimações por MQO e Tobit, sendo os resultados idênticos em termos de

significância e sinal das variáveis.

A partir da Tabela 4A, nota-se que apenas os dois primeiros componentes se

mostraram significativos no sentido de influenciar a competitividade de determinado país

em desenvolvimento, sendo que o primeiro impacta positivamente e o segundo

negativamente sobre a variável dependente. Desta forma, o objetivo do trabalho, a partir

desse ponto, foi o de recuperar os pesos usados para a formação dos componentes, de forma

a extrair alguma informação sobre a influência das variáveis originais.

Para recuperar o peso de cada variável na formação dos componentes principais, as

mesmas foram normalizadas e, então, o modelo foi estimado por Mínimos Quadrados

Ordinários, tendo os componentes como variáveis dependentes. Dado que os componentes

são nada mais que combinações lineares das variáveis originais do modelo, tem-se que o R²

de fato deve ser 1 e, por consequência, não há erro padrão para os coeficientes.

Após a aplicação do procedimento descrito no parágrafo anterior, tem-se que, para o

primeiro componente (PC1) − o qual gerou efeito positivo sobre a competitividade dos países

em desenvolvimento (ver Tabela 5A) −, todas as variáveis, exceto a variável que representa

a percentagem de investimento estrangeiro como percentagem do PIB (Inter), apresentaram

impacto positivo. Os maiores pesos são dados às variáveis como ambiente de negócios,

capacidade inovativa e aspectos como qualidade das instituições e do mercado financeiro,

acesso a produtos de alta tecnologia, qualidade da demanda, infraestrutura, ambiente de

competição e nível de treinamento da mão de obra.12

12
Foram analisadas aquelas variáveis que obtiveram sinais equivalentes em relação a variável dependente
competitividade (ou seja, se positivo em PC1 e negativo em PC2, ou se negativo em PC1 e positivo em PC2,
Em relação ao segundo componente, o mesmo apresenta efeito negativo sobre a

competitividade. Portanto, espera-se que as varáveis apresentem sinal negativo em relação à

formação desta nova variável, tornando a relação das mesmas com a competitividade

positiva. Tal fenômeno é observado para as variáveis Busin, Techn, Msize, Infra, Social e

Train. Desta forma, tais variáveis apresentam impacto positivo sobre a competitividade de

um país tanto na concepção do primeiro componente, como na do segundo componente. O

mesmo ocorre para as variáveis Inov, Train e Demand, com a diferença que estas se

relacionaram de maneira positiva com a competitividade via apenas um dos componentes

gerados, enquanto no outro seu peso é em demasia limitado.

Estes resultados podem ser interpretados em três vertentes. Primeiro, observa-se a

importância dos fatores empresariais caracterizada pelo substancial peso das variáveis Busin

e Inov sobre o PC1. Portanto, comprova-se o benefício gerado sobre a competitividade,

trazido por um ambiente de negócios sofisticado− ou seja, caracterizado por grande número

e qualidade de fornecedores locais, amplitude da cadeia de valor, controle da distribuição

internacional, sofisticação do processo de produção, extensão do marketing, dentre outros−

e pela capacidade inovativa das firmas, ou seja, pela qualidade das instituições de pesquisa

científica, despesas das empresas com P&D, colaboração universidade-indústria em P&D,

compras governamentais de produtos de tecnologia avançada, disponibilidade de cientistas

e engenheiros, solicitações de patentes, proteção da propriedade intelectual, e etc. Tais

resultados corroboram com a análise teórica realizada por Romer (1990) e Aghion & Howitt

(1992).

Segundo, em relação aos fatores “estruturais”, no PC1 se destacaram aspectos como

qualidade da demanda− observada pelo grau de orientação ao cliente e sofisticação do

ou seja, as variáveis Techn, MSize, Infra, Social, Inter e Train), ou aquelas que foram importantes na
determinação de apenas um componente (variáveis Busin, Inov e Demand)
comprador− e acesso a produtos de alta tecnologia. O presente resultado em discussão

corrobora com a análise teórica feita por Romer (1986), além de Ferraz et al (1996), entre

outros.

Ademais, no PC2, a variável MSize teve peso substancial, indicando que economias

de escala, geradas por grandes mercados nacionais e de exportação, são fatores importantes

para que os países alcancem melhores resultados em termos de competividade. Esse

resultado evidencia as análises teóricas feitas por autores como Grosmman e Helpman

(1991), que indicam a importância da abertura comercial para o processo de crescimento via

maior competitividade, além da análise DEA feita na subseção anterior, que indicou a

importância dos retornos à escala para a produção eficiente nos países em desenvolvimento.

Terceiro, em relação aos fatores “sistêmicos”, as variáveis relevantes para a explicação

dos componentes principais foram Infra, Social e Train. Desta forma, atenta-se para o

papel fundamental da melhoria dos modais de transportes, qualidade da oferta de

energia e serviços de telecomunicações, além da provisão de saúde, educação a nível básico

e, também, a nível superior, e treinamento da mão de obra. Estes resultados corroboram com

as análises teóricas feitas, por exemplo, por Lucas (1998) e Barro (1990), que enfatizam a

contribuição da infraestrutura e do capital humano para o desenvolvimento das nações.

A variável Inter foi a única que apresentou coeficiente positivo no PC2 e negativo no

PC1. Isto significa, por conseguinte, que a mesma impacta negativamente a eficiência de um

país em desenvolvimento, dada a concordância de seu sinal tanto para a formação do

primeiro componente principal, quanto para a formação do segundo.

Este último resultado parece indicar que a atração de investimento direto estrangeiro

pode ser prejudicial para a competitividade de países em desenvolvimento. Não se afirma,

aqui, que a entrada da IDE é um fator que impacta, estritamente, de forma negativa a

competitividade, visto que esta variável pode fazer parte de indicadores como Techn (acesso
à tecnologia avançada), que se relacionaram positivamente com a eficiência. Ressalta-se

aqui, então, a possibilidade da existência de efeitos negativos dos fatores internacionais

sobre a competitividade das nações analisadas. Algumas das possíveis explicações são,

dentre outras: i) empresas locais ficam dependentes das tecnologias trazidas pelas

multinacionais e perdem o interesse na produção própria (Vissak e Roolaht (2005)); ii)

possível saída do país de trabalhadores qualificados pela diminuição de atividades de

pesquisa e desenvolvimento; iii) possível aumento das importações gerado pela demanda

das multinacionais, e; iv) concorrência criada pelo IDE pode provocar o encerramento de

empresas locais mais débeis que provoca a diminuição da concorrência (Zhang (2001);

OECD (2002); Ram e Zhang (2002)).13

O restante das variáveis, de certa forma, apresenta comportamento ambíguo, tendo

coeficiente positivo para a formação tanto do primeiro, como do segundo componente

principal. Nesta perspectiva, abster-se-á de realizar uma análise mais profunda de seus

possíveis efeitos para a eficiência. Este é o caso das variáveis Inst, Financ, Macro,

Competition e Labor.

Em síntese, a análise econométrica evidenciou a importância das instituições, das

economias de escala, da estabilidade macroeconômica, dos fatores internacionais e da

capacidade inovativa das firmas para o alcance de um ambiente mais competitivo nos países

em desenvolvimento. Tais resultados corroboram com a análise teórica feita por Ferraz et al

(1996), além de coincidir com as argumentações feitas por teóricos do crescimento endógeno

e outros. Em relação as demais evidências empíricas, ainda que indiretamente, os resultados

se assemelham àqueles obtidos por Rocha, Rebelatto e Camioto (2015), Paula e Silva (2015)

13
Maiores detalhes sobre os impactos negativo e positivos do IDE podem ser obtidos em OECD (2002) e
Moura (2009).
e Charles e Zegarra (2014), indicando que qualidade das instituições, além de fatores

ambientais, são importantes para que os países se tornem competitivos.

5 CONCLUSÕES

O presente trabalho teve como objetivo analisar o nível de competitividade e seus

principais determinantes nos países em desenvolvimento, em uma abordagem que analisa a

competitividade em um conceito ex-ante, ou seja, seria considerado competitivo o país que

utiliza seus insumos capital e trabalho de maneira a gerar o maior produto possível, em

relação aos demais países.

Com base na metodologia DEA, obteve-se o nível de eficiência técnica e de escala

das nações em desenvolvimento. Os resultados demonstraram que há possibilidade para que

grande parte dos países da amostra melhorem em termos de alocação eficiente de recursos,

visto o baixo nível médio de eficiência. A opção por expandir a utilização dos insumos ou

modernizar a produção dependerá dos tipos de retorno à escala. No caso de países que detêm

níveis de renda mais elevados do que a média, como exemplo os países que compõem os

BRICS, seria mais indicado modernizar a produção. Por outro lado, em países com nível de

renda e capital relativamente baixos, a exemplo da maioria dos países africanos, a expansão

de trabalho e capital seria importante para que essas nações produzam de maneira

competitiva.

Em relação a análise econométrica, o modelo Tobit indicou que fatores empresariais

como capacidade inovativa e sofisticação do ambiente de negócios, aspectos estruturais

como tamanho dos mercados interno e externo, acesso a produtos tecnológicos, qualidade

da demanda, além de fatores sistêmicos como oferta e qualidade de infraestrutura, saúde,

educação básica e superior, e treinamento da mão de obra são fatores importantes para que

os países em desenvolvimento se tornem mais competitivos. Tais constatações podem ser


feitas a partir da análise de componentes principais, visto que tais variáveis obtiveram peso

relevante na determinação dos componentes.

Por fim, a variável Inter foi a única que apresentou sinal negativo. Este resultado

parece indicar que políticas de proteção ao mercado nacional, direcionamento de

investimentos estrangeiros, dentre outras, podem ser fatores importantes para que as nações

em desenvolvimento de tornem mais competitivas, evitando excessiva dependência das

empresas nacionais à tecnologias estrangeiras e piora no ambiente competitivo das mesmas.

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APÊNDICE

Tabela 1A: Medidas de eficiência segundo o retorno à escala dos países em


desenvolvimento e média de eficiência por regiões.
Eficiente Ineficiente Total Eficiente Ineficiente Total
Retorno
Com Outliers (1) Sem Outliers (2)

Decrescente 7 63 70 (76,09%) 7 59 66 (75,86%)


Constante 4 1 5 (5,43%) 4 1 5 (5,75%)
Crescente 4 13 17 (18,49%) 4 12 16 (18,39%)
Total 15 77 92 (100%) 15 72 87 (100%)
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa.

Tabela 2A: Nível média de eficiência média por grupos de países.

Com outliers (1) Sem Outliers (2)


Grupo da amostra
Média EV Nº de países Média EV Nº de países

Total 0,707 92 (100%) 0,703 87 (100%)


África 0,610 31 (33,70%) 0,601 30 (34,48%)
América Latina e Caribe 0,748 22 (23,91%) 0,758 20 (22,99%)
Ásia 0,740 24 (26,09%) 0,729 22 (25,29%)
Europa 0,792 15 (16,30%) 0,797 15 (17,24%%)
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa.

Tabela 3A: Análise de componentes principais


Componente Proporção Cumulativo
Componente 1 0,5306 0,5306
Componente 2 0,1416 0,6722
Componente 3 0,0694 0,7416
Componente 4 0,0616 0,8032
Componente 5 0,0552 0,8584
Componente 6 0,0324 0,8908
Componente 7 0,0261 0,9169
Componente 8 0,0224 0,9393
Componente 9 0,0182 0,9574
Componente 10 0,0149 0,9724
Componente 11 0,0102 0,9826
Componente 12 0,0079 0,9905
Componente 13 0,0054 0,9960
Componente 14 0,0040 1,0000
Nº de observações: 92
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa.
Tabela 4A: Determinantes da competitividade dos países em desenvolvimento:
estimação Tobit e MQO, 2013.
Variável/Modelo Tobit MQO
0,0265 0,0226
PC1
(00107)** (0,0072)***
-0,0608 -0,0573
PC2
(0,0145)*** (0,0140)***
-0,0296 -0,0274
PC3
(0,0239) (0,0200)
-0,0323 -0,0281
PC4
(0,0287) (0,0212)

0,7075
constante -
(0,0196)***
Observações 92 92
Nº de obs. censuradas à esquerda 0 -
Nº de obs. censuradas à direita 15 -
Pseudo-R² 0,6592 -
R² - 0,2575
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota: (***) significativo a 1%; (**) significativo
a 5%; (*) significativo a 10%; erros-padrão bootstraping entre parênteses, exceto para o modelo “Sistêmico”,
no qual não se utilizou o método bootstrap.

Tabela 5: Peso de cada variável principal na formação dos componentes principais.


Variável original/ componente Tipo de fator PC1 PC2
Busin 0,3341 -0,0188
Empresarial
Inov 0,3163 0,0424
Inst 0,2868 0,3102
Financ 0,2963 0,1338
Techn Estrutural 0,3105 -0,1227
Demand 0,3114 0,0269
MSize 0,1716 -0,4240
Infra 0,3297 -0,1175
Macro 0,1809 0,1214
Competition 0,2609 0,3811
Inter Sistêmico -0,0978 0,3228
Social 0,2480 -0,3249
Train 0,2956 -0,2781
Labor 0,1646 0,4764
Observações 92 92
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Números coloridos em azul escuro indicam
variáveis com peso importantes na determinação do componente; número coloridos em azul claro indicam
pouca importância da variável na determinação do componente.
Quadro 1A: Matriz de correlação, variáveis explicativas.

Competition
Demand
Financ

Macro

Social

Labor
MSize
Techn
Busin

Iinfra

Train
Inter
Inov

Ins
Busin
1,00
Inov
0,85 1,00
Inst
0,66 0,70 1,00
Financ
0,81 0,70 0,66 1,00
Techn
0,69 0,65 0,57 0,60 1,00
Demand
0,87 0,73 0,63 0,68 0,60 1,00
MSize
0,51 0,47 0,04 0,37 0,36 0,42 1,00
Infra
0,75 0,71 0,66 0,63 0,85 0,70 0,43 1,00
Macro
0,34 0,33 0,45 0,31 0,37 0,37 0,20 0,47 1,00
Competition 0,61
0,59 0,77 0,71 0,53 0,61 0,02 0,55 0,33 1,00
Inter
-0,22 -0,19 -0,08 -0,18 -0,21 -0,17 -0,31 -0,25 -0,09 0,02 1,00
Social
0,54 0,46 0,37 0,35 0,67 0,51 0,40 0,71 0,24 0,26 -0,30 1,00
Train
0,67 0,61 0,45 0,47 0,86 0,62 0,46 0,82 0,32 0,33 -0,28 0,82 1,00
Labor
0,33 0,43 0,56 0,41 0,26 0,36 -0,16 0,25 0,37 0,59 0,03 0,06 0,17 1,00
Fonte: Elaboração própria.

Quadro 2A: Variáveis utilizadas nos modelos DEA.


Variável na fonte Fonte

GDP at market prices (constant 2010 US$)


Labor force, total The World Bank, World Development Indicators
Gross capital formation (constant 2010 US$)
Fonte: Elaboração própria.
Quadro 3A: Variáveis utilizadas na análise de componentes principais e Tobit.
Índice Nome Variável Variável na fonte Fonte
Índice de qualidade da sofisticação em negócios
Empresarial Busin (1-7) 11th pillar: Business sophistication
Inov Índice de qualidade das inovações (1-7) 12th pillar: Innovation
Inst Índice de qualidade institucional (1-7) 1st pillar: Institutions
Índice de qualidade de desenvolvimento do
Financ 8th pillar: Financial market development
mercado financeiro (1-7)
Estrutural Techn Índice de disponibilidade tecnológica (1-7) 9th pillar: Technological readiness
Índice de qualidade do tamanho do mercado (1- World
Msize 10th pillar: Market size
7) Economic
Demand Qualidade das condições de demanda B. Quality of demand conditions Forum, The
Infra Índice de qualidade da infraestrutura (1-7) 2nd pillar: Infrastructure Global
Índice de qualidade do ambiente Competitive
Macro 3rd pillar: Macroeconomic environment ness Report
macroeconômico (1-7)
2013–2014
Social Índice de qualidade de saúde e educação (1-7) 4th pillar: Health and primary education
Train Índice de qualidade do treinamento e 5th pillar: Higher education and training
Sistêmico escolarização avançada (1-7)
Índice de qualidade da eficiência do mercado de
Labor 7th pillar: Labor market efficiency
trabalho (1-7)
Compet Nível e qualidade de competição do mercado A. Competition
The World
Foreign direct investment, net inflows Bank, World
Inter Investimento Direto Estrangeiro
(% of GDP) Developmen
t Indicators
Fonte: Elaboração própria.
Quadro 4A: Variáveis relacionadas as variáveis utilizadas na construção dos índices
“empresarial”, “estrutural” e “sistêmico”.
Variável Variáveis relacionadas
Quantidade local de fornecedores, qualidade local do fornecedor, estado de desenvolvimento do cluster, natureza da vantagem
Busin: sofisticação do
competitiva, amplitude da cadeia de valor, controle da distribuição internacional, sofisticação do processo de produção,
ambiente de negócios extensão do marketing, disposição para delegar autoridade, dependência na gestão profissional.
Capacidade de inovação, qualidade das instituições de pesquisa científica, despesas das empresas com P&D, colaboração
Inov: capacidade
universidade-indústria em P&D, compras governamentais de produtos de tecnologia avançada, disponibilidade dos cientistas e
inovativa
engenheiros, solicitações de patentes, proteção da propriedade intelectual
Instituições Públicas Instituições Privadas
Direitos de propriedade, proteção da propriedade intelectual, desvio de
fundos públicos, confiança pública em políticos, pagamentos e subornos
irregulares, independência judicial, favoritiso nas decisões dos Comportamento ético das empresas, força dos
Inst: aspectos
funcionários do governo, desperdício de gastos do governo, regulação do padrões de auditoria e relatórios, eficácia dos
institucionais
governo, eficiência do quadro jurídica na resolução de litígios, eficiência conselhos corporativos, proteção dos interesses
do quadro legal em regulamentos, transparência da formulação de políticas dos acionistas minoritários, força da proteção ao
governamentais, custos comerciais do terrorismo, custos comerciais da investidor.
criminalidade e da violência, crime organizado, confiabilidade dos
serviços policiais.
Demand: aspectos
qualitativos da Grau de orientação ao cliente, sofisticação do comprador.
demanda
Eficiência do mercado financeiro Confiabilidade e confiança
Financ: aspectos
intitucionais e de Disponibilidade de serviços financeiros, financiamento através do mercado
Solidez dos bancos, regulamento das bolsas de
acesso ao crédito de ações local, facilidade de acesso a empréstimos, disponibilidade de
valores, índice de direitos legais
capital de risco
Adoção de tecnologia Uso de tecnologias da informação e
comunicação
Techn: grau de
Usuários de internet, assinaturas de internet banda
sofisticação
Disponibilidade de tecnologias recentes, absorção de tecnologia a nível da larga, assinaturas de banda larga móvel,
tecnológica
firma, IDE e transferência de tecnologia assinaturas de telefone celular, linhas fixas de
telefone
Msize: tamanho do Mercado interno Mercado externo
mercado
Índice do tamanho do mercado
Índice de tamanho do mercado interno
externo
Transportes Eletricidade e telefonia
Infra: aspectos
infraestruturais Qualidade da infraestrutura geral, qualidade das rodovias, qualidade das Qualidade da oferta de energia, assinaturas de
ferrovias, qualidade dos portos, qualidade do transporte aéreo, telefones celulares e fixos.
Macro: aspectos
Saldo orçamentário do governo, poupança nacional bruta, inflação, dívida pública, rating de crédito do país.
macroeconômicos
Saúde Educação primária
Social: aspectos sociais Impacto comercial da malária, incidência da malária, impacto comercial da
Qualidade do ensino primário, taxa de matrícula
tuberculose, incidência da tuberculose, impacto comercial da AIDS,
na educação primária
prevalência de AIDS, mortalidade infantil, expectativa de vida.
Qualidade da Treinamento no
Quantidade de educação
educação local de trabalho
Qualidade do
sistema educacional,
Disponibilidade local de
Train: aspectos sociais qualidade da
Taxa de matrícula no ensino secundário, taxa de matrícula na educação pesquisa especializada e
educação em
terciária treinamento, extensão do
matemática e
treinamento de pessoal.
ciências, qualidade
da gestão das escolas
Competição interna Competição externa
Intensidade da concorrência local, extensão da dominância de mercado, Prevalência de barreiras comerciais, tarifas
Compet: aspectos
eficácia da política antimonopólio, efeito da tributação sobre incentivos comerciais, prevalência de propriedade
legais-regulatórios
para investir, taxa de imposto total, número de procedimentos necessários estrangeira, impacto comercial das regras sobre
para iniciar uma empresa, tempo necessário para iniciar uma empresa, IDE, carga dos procedimentos aduaneiros,
custos da política agrícola importações em porcentagem do PIB,
Flexibilidade Uso eficiente de talento
Labor: aspectos sociais
Pagamento e produtividade, dependência na gestão profissional, capacidade do país de atrair talentos, capacidade do país de
reter talentos, participação feminina na força de trabalho
Inter: aspectos
Investimento direto estrangeiro como porcentagem do PIB
internacionais
Fonte: Elaboração própria.
CONSUMO INDUSTRIAL DE ENERGIA ELÉTRICA: UM ESTUDO

COMPARATIVO ENTRE MÉTODOS PREDITIVOS

Tiago Silveira Gontijo, Docente do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix

(CEUNIH), tiago.gontijo@izabelahendrix.edu.br

Fabiano De Moro Rodrigues, Graduando em Engenharia de Produção pelo Centro

Universitário Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH), bdemoro@icloud.com

Alexandre de Cássio Rodrigues, Docente do Centro Universitário Metodista Izabela

Hendrix (CEUNIH), alexandrerodrigues.engprod@gmail.com

Andressa Amaral de Azevedo, Docente do Centro Universitário Metodista Izabela

Hendrix (CEUNIH), dressa.azevedo@gmail.com

Stela Alves da Silva, Graduanda em Engenharia de Produção pelo Centro Universitário

Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH), stelaalvessilva@gmail.com

Resumo

O objetivo deste artigo é comparar o método mais adequado de previsão de demanda para

o consumo de energia elétrica industrial no Brasil. Para isso, foi utilizada a série histórica

de demanda energética no período de abril de 2007 a janeiro de 2017. Utilizou-se de


análises comparativas quatro métodos de previsão de demanda, método de média móvel

simples, média móvel ponderada, suavização exponencial e autoregressivo de média móvel

(ARMA). Através de comparações, concluiu-se que, o método ARMA foi o mais adequado

no ponto de vista da análise do erro médio. A respeito da análise do erro médio, considera-

se o modelo eficaz, aquele que apresenta o menor valor. Diante do exposto, este estudo se

torna uma alternativa que permite contribuir para trabalhos futuros.

Palavras chave: Previsão de demanda, consumo de energia elétrica, erros de previsão.

Abstract

The purpose of this article is to compare the most appropriate method of forecasting

demand for the consumption of industrial electric energy in Brazil. For that, the historical

series of energy demand was used from April 2007 to January 2017. Four methods of

demand forecasting, simple moving average method, weighted moving average,

exponential smoothing and autoregressive smoothing were used. Moving average (ARMA).

Through comparisons, it was concluded that the ARMA method was the most adequate

from the point of view of mean error analysis. Regarding the analysis of the average error,

it is considered the effective model, the one with the lowest value. In view of the above, this

study becomes an alternative that allows to contribute to future work.

Keywords: Forecast of demand, electric power consumption, forecast errors.

1. Introdução

O consumo de energia elétrica é um dos principais indicadores do desenvolvimento

econômico e do nível de qualidade de vida de qualquer sociedade (BRASIL, 2008). Isso


porque a demanda energética reflete tanto o ritmo de atividade industrial, comercial e de

serviços, quanto à capacidade da população para adquirir bens e serviços. A Empresa de

Pesquisa Energética (EPE) aponta que o Brasil é o sétimo maior consumidor mundial de

energia elétrica, destaca ainda que os municípios que mais consomem energia são aqueles

que apresentam maior concentração de atividades industriais (BRASIL, 2017).

Neste sentido, a crescente demanda do consumo de energia elétrica, requer um

planejamento/estudo que seja capaz de projetar quais serão as tendências de consumo

energético no futuro. Pesquisas recentes como plano decenal de expansão de energia,

anuário estatístico de energia elétrica entre outras, recorrem às técnicas de projeção de

demanda, com objetivo de planejar a expansão de energia, além de propor aplicações nos

estudos do planejamento da operação.

Diante do exposto, a previsão de demanda é uma importante variável para as organizações,

servem como guia para o planejamento estratégico. No âmbito do Planejamento e Controle

da Produção (PCP), as previsões são um dos principais dados de entrada para as decisões

do PCP. Segundo Slack et al (2009) planejamento e controle é a atividade de decidir sobre

o melhor emprego dos recursos de produção, assegurando, a execução do que foi previsto.

Sendo assim, o objetivo deste artigo é avaliar quatro diferentes métodos de previsão de

demanda para o consumo industrial de energia elétrica no Brasil e identificar qual o

método mais aderente a ser utilizado levando-se em consideração o resultado do erro

médio absoluto apresentado. Para tanto, serão empregados modelos de previsão de

demanda de séries temporais: (A) Média Móvel, (B) Média Móvel Ponderada, (C)

Suavização Exponencial e (D) Autoregressivo de Media Móvel (ARMA). Especificamente

pretende-se verificar a estacionariedade das séries, calcular o percentual do erro médio de


cada um dos métodos, e escolher o modelo mais aderente para a previsão da supracitada

série.

Este artigo está organizado em quatro sessões, além dessa introdução. A próxima apresenta

a metodologia. Na terceira os resultados encontrados são discutidos. Por fim, têm-se as

conclusões.

2. Metodologia

2.1. Métodos para a previsão de demanda

Todo sistema de produção tem como objetivo atender a demanda. Demanda é a quantidade

de um bem que os consumidores desejam adquirir, expressa ao longo do tempo. É a

demanda que determina o momento da oferta, se a indústria tiver uma clara noção da

demanda futura, poderá ajustar seu sistema de produção em tempo hábil, de modo a

atender a demanda quando esta, de fato, se concretizar (BEZERRA, 2013).

O sistema de previsão é o conjunto de procedimentos de coletas, tratamento e análise das

informações que visa gerar estimativas futura. É importante que as organizações saibam

utilizar as ferramentas disponíveis para conseguir antecipar a demanda futura com precisão

(CORREA, et al., 2013).

A previsão é uma projeção para um período futuro, baseado em planos e diretamente

proporcional a ocorrência de determinados eventos, com probabilidade de ocorrer durante

um período especifico (BIAGIO; BATOCCHIO, 2012).

De acordo com Lustosa et al. (2008), os métodos de previsão de demanda são classificados

em dois grupos. No primeiro, estão os métodos qualitativos, baseados em conceitos e


críticas pessoais. O segundo grupo é composto pelos métodos quantitativos, baseados em

técnicas estatísticas.

A previsão de demanda pelo método quantitativo é composta por vários modelos de

projeção, dentre eles, a média móvel simples, média móvel ponderada, suavização

exponencial e autoregressivo de média móvel (ARMA). Existem varias técnicas

disponíveis pra se realizar a previsão de demanda, podendo ser usadas em diversas

circunstâncias, dependendo apenas de alguns fatores, como disponibilidade de dados,

tempo, recursos e horizonte de previsão. Essas técnicas podem ser classificadas em

qualitativas ou quantitativas (ALBERTIN; PONTES, 2016).

Muitos métodos quantitativos baseiam-se na análise de séries temporais, neste contexto,

Corrêa e Corrêa (2012) destacam que a decomposição de série temporal é composta em

três componentes:

i. Tendência: É a orientação geral, para cima ou para baixo, dos dados históricos;

ii. Ciclicidade: Padrões de variação dos dados de uma série que se repetem a cada

intervalo de tempo (longo prazo), no entanto, a variação cíclica em curto prazo

(inferior a um ano) é denominada como sazonalidade;

iii. Aleatoriedade: São os “erros” ou variações da série histórica de dados que não são

devidas a variáveis presentes no modelo de previsão.

2.1.1. Média Móvel: Simples e Ponderada

A previsão de demanda a partir do conceito de média móvel tem por finalidade identificar

o valor previsto para a demanda do próximo período. Sendo assim, o calculo é igual à
média aritmética dos últimos ”n” períodos. Matematicamente, a previsão de demanda por

Média Móvel Simples é determinada pela Equação (1).

() (1)

Onde Dt representa a demanda real no período t e n, a quantidade de períodos considerada.

Ressalta-se que a decisão de qual será o número de períodos utilizados no cálculo é

fundamental para a previsão, sendo que, quanto maior “n”, menor é a variação da previsão.

(LUSTOSA, et al., 2008).

A média móvel ponderada consiste em considerar a importância dos períodos da previsão

atribuindo-lhes pesos distintos. (RITZMAN; KRAJEWSKI, 2004). O método matemático

que ilustra o modelo de média móvel ponderada e determinado pela Equação (2).

() (2)

Onde:

Pj= previsão para o período j;

Pi= peso atribuído ao período i;

Di = demanda do período i.

O modelo de previsão de demanda pela média móvel ponderada é uma variação da média

móvel simples, a diferença é que neste modelo considera um peso maior para o último

período de demanda, um peso ligeiramente menor para o penúltimo período e assim por

diante até o último período utilizado para a estimativa. Isso quer dizer que os valores da

demanda dos períodos mais próximos, são considerados mais importantes, na definição da

estimativa que os períodos mais distantes. Normalmente, se utiliza a soma dos pesos igual
a um, para que não seja necessário dividir o resultado pela soma dos pesos (PEINADO;

GRAEML, 2007).

2.1.2. Suavização Exponencial

De acordo com Corrêa et al (2001) o método de Suavização exponencial é similar ao da

média móvel ponderada, com a diferença de que são utilizados todos os valores históricos,

com coeficientes de ponderação que decrescem exponencialmente. Para Fernandes e

Godinho (2010) o método da suavização exponencial fornece a previsão para o próximo

período como sendo a previsão para o período atual. É dado um peso α a esse erro.

Suavização exponencial é um método baseado na média móvel ponderada no qual atribui-

se peso maior as demandas recentes do que as demandas iniciais. A previsão por

suavização requer somente três tipos de dados, a previsão do último período, a demanda

para o período atual e o parâmetro de aproximação alfa (α). Matematicamente o modelo

pode ser escrito de acordo com a Equação 3.

( ) ( ) (3)

Onde:

Pj= previsão para o período j;

D = demanda do período;

α = constante de suavização,

Dj-1 = previsão calculada no último período.

O valor de α determina o equilíbrio entre a sensibilidade das previsões, as mudanças da

demanda e a estabilidade das previsões. Valores próximos de um enfatizam níveis mais

recentes de demanda e resultam em previsões mais sensíveis a alterações. Valores


próximos de zero tratam a demanda passada de modo mais uniforme e resultam em

previsões mais estáveis (RITZMAN; KRAJEWSKI, 2004).

2.1.3. Modelo Autoregressivo de Média Móvel - ARMA

De acordo com Azevedo (2010) o modelo ARMA é a combinação dos modelos

autoregressivo (AR) e de média móvel. Afirma ainda que o processo ARMA forma uma

classe útil para descrever dados de séries temporais.

Morettin e Toloi (2006) afirmam que os modelos ARMA é a solução adequada para séries

temporais com um número não muito grande de parâmetros. O modelo ARMA é dado pela

Equação 4.

(4)

Onde:

ɸ1= Parâmetros da estrutura Auto Regressiva, i=1,..., p

θ= Parâmetros da estrutura média móvel, i=1,..., q

at= Ruído branco

2.1.4. Erros de Previsão

Os erros de previsão são os desvios entre a demanda real observada e a previsão. Serve de

parâmetros para a escolha do modelo mais apropriado do conjunto de dados, este critério

sugere que o melhor modelo é o que apresenta o menor erro de previsão (LUSTOSA et al

2008).

No processo de previsão de demanda, ao medir matematicamente se o modelo é confiável

é um aspecto importante a ser considerado. Para Lemos (2006), a assertividade da

previsão, determina se o modelo de previsão representa a série de dados já conhecida, pode


ser utilizada inclusive para a escolha entre diferentes modelos de previsão. Os Erros de

Previsão são dados pela Equação 5.

(5)

Onde:

Et = Erro de Previsão para o período t

Dt = Valor Real

Pt = Valor previsto

De acordo com Morettin e Toloi (2006), os métodos de avaliação da previsão de demanda

devem levar em consideração dois aspectos fundamentais do erro calculado:

i. Valor Absoluto do Erro: utilizado para percepção de quão grande é o risco e o

impacto de decisões relacionadas a essa previsão.

ii. Valor Relativo à Demanda Real: este aspecto tem como função a comparação entre

previsões por diferentes métodos e também a comparação entre previsões de séries

que tenham seus valores absolutos muito discrepantes.

Esses aspectos são considerados em muitos métodos de avaliação de previsão e, para este

artigo que tem por objetivo a comparação dos métodos da previsão de demanda, será

utilizado o erro médio absoluto dos modelos.

O erro médio (EM) é a média do erro de previsão para o período que se deseja analisar, é

calculado pela Equação 6.

()
(6)

Onde:
Dt = É o valor observado no período t;

Pt = É o valor previsto para o período t.

Nesta seção foram apontados alguns dos principais métodos quantitativos de previsão de

séries temporais.

2.2. Material e Métodos

Para este estudo foi utilizado os dados de consumo de energia elétrica brasileira no setor

industrial, no qual foram extraídos do sitio do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA),

referente ao período de abril de 2007 a janeiro de 2017.

As técnicas de previsão de demanda utilizadas foram: média móvel, média móvel

ponderada, suavização exponencial e autoregressivo de média móvel (ARMA). Para a

análise dos resultados foi necessário plotar os dados no gráfico e identificar os erros

causados pela aleatoriedade e flutuação da série.

Para se trabalhar com os modelos de previsão citados anteriormente foi necessário verificar

se os dados são estacionários ou não. Modelos estacionários são aqueles que assumem que

o processo está em “equilíbrio”. Para detectar a estacionariedade de uma série, o

comportamento temporal pode ser analisado graficamente, buscando padrões (a) e (b) ou

utilizar o teste de correlação de Spearman, através da Equação 7.

(7)
()

Onde T é calculado pela Equação 8.


∑ (8)

Considera-se que a série seja estacionaria se o teste de correlação de Spearman for

negativo. Através da análise do erro médio é definido qual modelo é o mais aderente para a
série temporal estudada, ressalta-se que quanto menor for o erro, mais adequado é o

modelo. Na seção a seguir são apresentados os a discussão dos resultados.

3. Resultados e discussão

A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas para o consumo energético industrial no

Brasil entre 2007 e 2017. A assimetria foi negativa, apontando uma distribuição

assimétrica à esquerda. A estatística referente à curtose, que mede o achatamento da

distribuição, está menor que 3 (valor normal), indicando uma distribuição com

achatamento da curva, trata-se, portanto, de uma distribuição da classe leptocúrtica.

Tabela 1. Estatísticas descritivas do consumo energético industrial

Estatísticas Energia
Média 14.708
Mediana 14.876
Desvio Padrão 784,830
Variância 615.958,530
Curtose 0,265
Assimetria -0,795
Amplitude 3.722
Fonte: Resultado da pesquisa (2017)

A estatística contribui no planejamento e tomada de decisão das organizações, com isso, a

análise descritiva é um importante fator a ser considerado. Neste caso, as estatísticas

descritivas fornecem um diagnostico inicial ao planejamento energético.

O Gráfico 1 compara as demandas reais e previstas acerca do consumo de energia elétrica

industrial no Brasil, com base nos modelos de média móvel, ponderada, suavização

exponencial e vetores da classe ARMA. Percebe-se que a variação do consumo industrial

de energia elétrica tem natureza complexa, devido a fatores exógenos, ou seja, é comum

observar a existência de comportamento que caracterizam a sazonalidade em diferentes

horizontes de observações.
O Gráfico 3 que se encontra no Anexo, demonstra o comportamento sazonal da série

temporal do consumo de energia elétrica, bem como uma rotina computacional escrita em

R para modelar tal comportamento, este exibido no Quadro 1. Fatores econômicos,

climáticos, sociais, políticos entre outros, afetam diretamente a demanda energética, sendo

possível observar tal comportamento.

Gráfico 1. Demandas reais e previstas do consumo industrial de energia elétrica

Fonte: Resultado da pesquisa (2017)

A desaceleração na economia nacional e internacional, fruto da crise financeira de 2008,

vem produzindo efeitos diretos e indiretos no mercado de energia elétrica brasileiro,

gerando reflexo imediato na demanda energética industrial (BRASIL, 2017). Os principais

valores observados na série estão associados a fatores que afetam a demanda energética.

Devido às incertezas do mercado nos períodos de crises, há uma redução na demanda

causando reflexos no consumo de energia industrial.


Outro fator que causa efeito na demanda energética é o impacto climático, uma vez que,

este fenômeno provoca níveis críticos nos reservatórios das usinas hidrelétricas, afetando o

fornecimento de energia. As mudanças de temperaturas são capazes de alterar o nível,

tempo e distribuição da demanda por eletricidade. As alterações no clima afetam a

eficiência e a confiabilidade do fornecimento de energia (HUBACK et al, 2016). O Gráfico

2 apresenta a projeção da demanda industrial energética no Brasil para o ano de 2017

utilizando os métodos quantitativos de previsão abordados pela pesquisa.

Gráfico 2. Projeção da demanda industrial energética

Fonte: Resultado da pesquisa (2017)

Nota-se que o modelo de média móvel simples, seguido pelo de media móvel ponderada,

demonstra que o consumo de energia elétrica industrial terá um pequeno pico na série se

mantendo estável nos demais meses subsequentes. A suavização exponencial apresenta

uma tendência de crescimento inicial, mantendo uma regularidade linear nos demais

períodos. Já o método ARMA, apresentará redução na demanda enérgica para os períodos

futuros. O supracitado gráfico pode ser uma boa proxy para a aceleração ou não da
economia brasileira no ano de 2017. Percebe-se que todos os modelos projetam uma

estabilidade ou decréscimo do consumo industrial de energia em 2017.

O consumo de eletricidade apresenta uma redução para o ano de 2009, sendo o setor

industrial o principal contribuinte para a eletricidade conservada, seguido pelos setores

residencial e comercial (BRASIL, 2017). O estudo de projeção de demanda aponta uma

redução no setor industrial nos próximos anos, devido à manutenção nos segmentos eletro

intensivos, que vem reduzindo o consumo de energia gradativamente (BRASIL, 2016).

Pode-se observar que o método ARMA se alinha a pesquisas recentes, pois o mesmo

aponta uma redução futura no consumo industrial de energia elétrica em igualdade com o

plano de expansão energética e o estudo de projeção de demanda.

Para detectar a estacionariedade da série, foi utilizado o teste de correlação de Spearman

no qual obteve o resultado de -23,61%, e com isso pode-se afirmar que a série é

estacionária. Uma série temporal é estacionária, quando esta desenvolve no tempo ao redor

de uma média constante, suas propriedades estatísticas não mudam com o tempo,

refletindo alguma forma de equilíbrio estável. A partir do resultado de correlação, é

definido o valor do erro médio dos modelos de previsão de demanda de séries temporais:

média móvel, média móvel ponderada, suavização exponencial e por fim o método

ARMA.

A Tabela 2 mostra o resultado referente ao erro médio absoluto dos modelos citados

anteriormente. Nota-se que o modelo de média móvel simples apresenta o maior valor do

erro médio. Os dados levantados sobre o produto estudado demostra comportamento

sazonal. Por ser um produto de grande relevância e não possuir demanda estável, a média

móvel deixa de ser a melhor alternativa, valendo tal premissa também para a média móvel
ponderada, apesar de possuir o segundo menor valor do erro. Desta maneira, considera-se o

modelo ARMA mais adequado para a previsão de demanda energética industrial no Brasil

dentre os estudados, uma vez que o modelo apresentou o menor valor do erro médio,

tornando o modelo aderente para o tipo de série estudada. De acordo com Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), os modelos de previsão de demanda são de livre

escolha das distribuidoras, entretanto, o resultado das previsões está sujeito à validação

pela ANNEL (BRASIL, 2015).

Tabela 2. Erro médio absoluto dos métodos quantitativos de previsão

Método de Previsão Erro Mensal Erro Anual


Média Móvel 353 654
Média Móvel Ponderada 313 597
Suavização Exponencial 331 576
ARMA – Auto Regressivo 297 483
Fonte: Resultado da pesquisa (2017)

As séries temporais aqui apresentadas foram utilizadas para validação dos modelos de

previsão de demanda propostos. Os métodos de previsão sugerem que o comportamento

futuro da série possa ser estimado baseado no comportamento ocorrido no passado. A

análise do erro médio absoluto foi utilizada para mensurar qual o modelo é o mais aderente

para a série estudada, considerando que, quanto menor o valor do erro, mais eficaz é o

modelo.

4. Conclusão

Este artigo teve como objetivo comparar o método mais adequado de previsão de demanda

para o consumo de energia elétrica industrial no Brasil. Observou que o produto estudado
tem comportamento sazonal e através da análise do erro médio dos métodos quantitativos,

foi definido qual modelo de previsão é o mais aderente para a série.

Os modelos utilizados foram os de média móvel simples, média móvel ponderada,

suavização exponencial e autoregressivo de média móvel (ARMA). Dos resultados obtidos

na análise de erros, o método ARMA apresentou melhor desempenho. Isso quer dizer que

o modelo obteve o menor valor do erro causado pela aleatoriedade e flutuação das series

temporais.

Por mais acurada que seja a técnica de previsão utilizada, sempre existirão erros. Fatores

imprevisíveis como crise econômica, impacto climático, sociais, políticos, entre outros,

podem fazer com que as previsões fiquem além do esperado. Por isso, deve-se estar atento

ao mercado e preparado para as distorções de valores das previsões.

Recomenda-se como tema de trabalhos futuros o desenvolvimento de modelos

econométricos da classe SAR, uma vez que o Anexo apresenta uma constatação empírica

da sazonalidade mensal da série histórica do consumo de energia no Brasil.

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SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart; JOHNSTON, Robert. Administração da Produção.


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Anexos

Gráfico 3. Comportamento sazonal da série temporal de energia elétrica

Fonte: Resultados da pesquisa (2017)

Quadro 1 – Código para a detecção de sazonalidade no consumo de energia

Fonte: Resultados da pesquisa (2017)


DETERMINANTES DO DESEMPENHO ECONÔMICO NA GESTÃO DOS CLUBES
BRASILEIROS DE FUTEBOL: UM ESTUDO COM DADOS EM PAINEL DE 2009 A 2013

Geraldo Alemandro Leite Filho/Universidade Estadual de Montes


Claros/geraldo.alemandro@unimontes.br
João Guilherme Magalhães-Timotio/Universidade Estadual de Montes
Claros/j.guilhermemagalhaes@gmail.com
João Paulo Augusto Eça/Universidade Estadual de Montes Claros/jp_joao@msn.com

Resumo: teve-se como objetivo analisar a relação entre o desempenho econômico, desempenho
esportivo, despesas com futebol, valor da marca e a eficiência na gestão dos principais clubes de
futebol brasileiros. Coletou-se dados através dos relatórios da Pluri Consultoria e BDO. Utilizou-se
uma abordagem quantitativa, através da estatística descritiva e da técnica de regressão de dados em
painel. Para este, utilizou-se o software Stata 12. Os resultados apontam um cenário de queda no
desempenho esportivo, um aumento de despesas com o futebol superior ao aumento das receitas
gerais, uma diminuição no nível de eficiência esportiva, além de um aumento do valor da marca dos
clubes. A partir da regressão de dados em painel, constatou-se que variáveis valor da marca e
despesa com futebol explicam positivamente a variação do desempenho econômico dos clubes.

Palavras-chave: Clubes de futebol;Desempenho econômico;Desempenho esportivo.

Abstract:the objective was to analyze the relationship between economic performance, sports
performance, soccer expenditures, brand value and efficiency in the management of the main
Brazilian soccer clubs. Data were collected through the reports of Pluri Consultoria and BDO. A
quantitative approach was used, through descriptive statistics and the panel data regression
technique. Stata 12 was used for this purpose. The results point to a scenario of a decline in sports
performance, an increase in soccer spending that is higher than the increase in overall revenues, a
decrease in the level of sports efficiency, as well as an increase in value Of the club brand. From the
panel data regression, it was found that variables brand value and soccer expenditure explain
positively the variation of the clubs' economic performance.

Keywords:Soccer clubs; Economic performance; Sporting performance.


1. INTRODUÇÃO
Para Leocini e Silva (2005), a gestão de clubes de futebol está ancorada em uma estrutura mais
complexa e diferenciada quando comparado a outros setores da economia. Em termos quantitativos,
de acordo com Pluri Consultoria (2012), estima-se que a participação do futebol no PIB Brasileiro
seja de 0,8%, ainda pequena se comparada com a de outros países. Contudo, supõe-se que o
mercado do futebol apresente potencial de crescimento, trazendo consigo, consequentemente,
dificuldades enfrentadas com a administração dos clubes. Nesse sentido, Leocini (2001), observa
que geralmente a gestão dos clubes está voltada a montagem de grandes elencos, que demanda
grande dispêndio de capital, sem se atentarem a geração de receitas para cobertura de tais
dispêndios, figurando-se assim em obstáculos para gerência dos clubes.
Os estudos de Somoggi (2015) revelam que a atividade econômica em torno do futebol vivenciou
nos últimos 12 anos uma enorme expansão de faturamento, patrimônio e dívidas. Segundo o autor,
anualmente, os 20 maiores clubes em receitas do Brasil apresentaram uma evolução da receita total
de 652 milhões de reais em 2003 para 3,1 bilhões de reais em 2014, apontando um crescimento de
477%. No entanto, as despesas apresentaram uma evolução desproporcionalmente maior, resultando
em déficits financeiros em dez, dos doze anos analisados. O maior déficit foi em 2014, com um
total de 597,5 milhões, fechando em um acumulado de 3,1 bilhões de reais nesses 12 anos
(Somoggi, 2015).
A receita dos times de futebol, segundo estudo publicado pela BDO RCS (2014) com dados dos 24
clubes de maior significância do futebol brasileiro, expandiu algo em torno de 99%, considerando
os anos de 2009 a 2013. Em contrapartida, o endividamento dos mesmos times passou de R$ 2,88
bilhões para R$ 5,68 bilhões, no período supracitado, representando um aumento de
aproximadamente 98%. Observa-se então uma compatibilidade entre o crescimento das receitas e o
crescimento do endividamento, evidenciando que, na atividade futebol, faz-se necessário uma
gestão profissional mais eficiente, que efetivamente traga para os clubes sustentabilidade financeira
a longo prazo.
Verifica-se, portanto, a necessidade de se gerir estrategicamente os recursos disponíveis de forma a
maximizar as receitas e minimizar os custos e despesas, simultaneamente à busca de eficiência na
gestão, em aumentar o desempenho econômico-financeiro bem como também o desempenho
esportivo, ou seja, conquista de títulos. Sendo assim, a fim de contribuir com tal discussão, o
presente estudo tem como finalidade analisar variáveis que, possivelmente, possam explicar o
aumento ou a perda de desempenho econômico dos clubes de futebol brasileiro.
Há na literatura científica alguns estudos com objetivos similares a este. Nascimento et al. (2013),
em suas pesquisas,identificaram a presençade relação positiva e significante entre eficiência
esportiva e financeira, eficiência financeira e valor da marca e entre o custo do departamento de
futebol e o desempenho esportivo. Dantas (2013), em outro estudo, atestou a correlação entre as
Receitas e Despesas com futebol nos três anos estudados pelo autor. Já Pereira et al. (2004) e
Samagaio, Couto e Caiado (2009) concluíram em seus estudos a existência de poder de explicação
significativo entre as receitas e o desempenho esportivo.
Neste contexto, o objetivo geral deste artigo foi analisar a relação entre o desempenho econômico,
medido pelas receitas gerais dos clubes, com o valor da marca, eficiência na gestão e despesas
futebolísticas de grandes clubes de futebol brasileiro. Por sua vez, os objetivos específicos foram
assim definidos: a) Pesquisar bibliografia a respeito de estudos sobre futebol; b) Levantar dados
relacionados aos clubes brasileiros de futebol nos relatórios das consultorias Pluri Consultoria e
BDO RCS; c) Analisar, através da correlação, as relações entre as variáveis utilizadas: receitas,
valor da marca, eficiência na gestão e despesas do futebol; d) Identificar, através de um modelo
regressivo, se alguma das variáveis independentes reflete diretamente no desempenho econômico.
O presente trabalho está estruturado em mais quatro seções além desta introdução. Na seção
seguinte apresenta-se o referencial teórico. Em sequência, a Metodologia. Posteriormente os
resultados obtidos, a análise e as discussões e, finalmente, a conclusão do estudo realizado.

2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Gestão dos clubes de futebol brasileiro
Para Carvalho (1995) a palavra "gestão" além de ser considerada um sinônimo de administração,
tem seu entendimento associado a uma determinada ação intencional direcionada a executar
objetivos que podem ser de curto, médio e longo prazo. O foco da gestão deve ser baseado na
eficiência das ações adotadas pelo gestor com intuito de propiciar um resultado que atenda as
expectativas dos envolvidos no processo. Para Leoncini e Silva (2005, p. 18), no futebol tem-se
naturalmente o desafio de administrar um trade-off de desempenho, sendo este: desempenho
esportivo (vitórias) vs. desempenho financeiro (lucros/equilíbrio).
A gestão no futebol é algo complexo que não significa apenas a gestão administrativa e financeira
dos clubes de futebol, mas também abrange a gestão das federações e das atividades ligadas aos
clubes, como a organização das ligas (Santos, 2002). Acrescenta-se à gestão no futebol o fato de
que esse esporte está se tornando cada vez mais científico, tecnológico, planejado e mercadológico,
envolvendo toda uma ampla estrutura que precisa cuidar da construção do time e dos jogadores, do
conhecimento de táticas e estratégias de jogo, do estudo dos adversários, de análises estatísticas e da
adequada gestão financeira (Santos, 2002).
Com isso, o objetivo central da gestão esportiva, conforme Santos (2011), é maximizar os lucros e
conseguir manter um desempenho satisfatório das equipes e atletas. Esse lucro, ainda segundo o
autor, é determinado pelo desempenho em campo, receitas e despesas com futebol. Desse modo, os
clubes precisam de desempenho econômico satisfatório para cumprir com suas obrigações
financeiras, principalmente com os salários dos seus profissionais. No entanto, poucos são os clubes
brasileiros que conseguem, segundo Santos (2011), finalizar cada período contábil com resultados
financeiros positivos, ancorados em uma gestão eficiente e profissional.
Santos (2002) enfatiza que, a despeito da evolução na administração dos clubes brasileiros, a
gestão desses deixa a desejar quando se comparada principalmente a outros países como o Japão e
Estados Unidos no ramo de entretenimento, do qual o futebol faz parte. Para uma gestão eficiente
no futebol, Santos (2002) esclarece que os clubes devem ser encarados como uma organização
complexa, composta por profissionais especialistas em cada posição, de forma que a gestão das
transações no futebol seja realizada da maneira mais profissional possível.
Outro fator relevante na gestão dos clubes é buscar a distinção entre razão e emoção. Segundo
Aidar (2006), a maioria dos clubes brasileiros tem uma administração baseada na emoção e não na
razão orientada para eficiência econômica. Aidar (2006) esclarece ainda que, para uma maior
eficiência na gestão dos clubes deve-se trabalhar com orçamentos da mesma maneira que se
trabalha em uma empresa, assim, não se deve gastar mais do que se ganha.
Para Rezende, Dalmácio e Pereira (2010) o negócio do futebol representa uma parcela
economicamente significativa dentro do segmento esportivo. Entretanto, os aspectos econômicos
dos clubes a tempos atrás não eram tão explorados. Não havia uma preocupação com a gestão dos
clubes, que, de nenhuma forma, era profissional, como nos países da Europa. Conforme Dantas
(2013) a questão de mensuração de desempenho dos clubes de futebol do Brasil só foi possível
quando a Lei 10.672/03 tornou obrigatória a publicação das demonstrações contábeis. A partir
disso, podem-se estabelecer relações entre o desempenho financeiro e o desempenho esportivo.
2.2 Despesas com futebol/investimentos com futebol
De acordo com Melo Neto (1985) a atividade do futebol pode ser o negócio mais lucrativo dentro
um clube, possuindo grande participação no total das receitas, não obstante, também é o que
compõe a maior parcela das suas despesas. Os clubes de futebol, pensados economicamente, como
mostra Leoncini (2001), podem ser definidos como uma organização que utiliza de diversos fatores
(ex: talentos de jogadores), comprados no mercado de recursos, a fim de produzir saídas (ex: jogos
de futebol) e que são vendidos no mercado de produtos. Apresentam investimentos relevantes na
economia, contribuindo para aumento do interesse da mídia, patrocinadores, marcas de produtos
esportivos, dentre outros (Soares, 2007). Dantas (2013) afirma que as despesas do futebol são
compostas por salários, amortização de investimentos em atletas, construção de estádios,
manutenção da estrutura e instalações.
No Brasil, os clubes ainda não avançaram no que diz respeito ao profissionalismo na gestão dos
clubes, ficando assim inviável equilibrar as despesas com as receitas. Além disso, Silva e Campos
Filho (2006) esclarecem que, o fato de vender jogadores, na tentativa de reorganizar e quitar dívidas
gera um problema que é o fato de priorizarem a formação da equipe para o presente visando gerar
mais caixa para investimentos futuros necessários. Uma tarefa básica, como a venda de um
ingresso, é executada com dificuldade pelos clubes nacionais. São ingressos com baixo preço, se
comparados a outros times europeus, no entanto, caros se comparados à estrutura, os serviços e os
produtos oferecidos aos torcedores dentro dos estádios.
Leoncini e Silva (2005) reforçam o argumento de que os dirigentes dos clubes de futebol
preocupam-se muito com a montagem do elenco, realizando investimentos (contratações) e gerando
despesas (salários) exorbitantes, não levando em consideração a geração de receitas que esse pode
agregar. Segundo Brunoro apud Valente e Serafim (2006), a causa para grande parte da crise
financeira dos clubes de futebol seria a má administração, ou seja, geração de despesas maiores que
as receitas.
Segundo a Pluri Consultoria (2014), os gastos com a folha de pagamento acima do suportável é a
principal causa dos prejuízos recorrentes e do alto endividamento dos clubes, visto que as despesas
com futebol estão 36% acima do que os clubes realmente poderiam honrar. No ano de 2013 as
despesas com futebol cresceram 21%, representando 77% das receitas anuais, contra 67,4% no ano
de 2012. No período de 2009 a 2013 as despesas com futebol corresponderam a 69% das despesas
totais dos clubes de futebol.
Brandão (2012) acrescenta ainda que o endividamento dos clubes brasileiros está relacionado à
aspectos que transcendem à má administração, como também falta de transparência, à precária
prestação de contas, à postergação das dívidas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Receita Federal e outros impostos
devidos à União, através da Timemania. Além de que, na maioria dos clubes, de acordo com autor
supracitado, não há uma clara separação entre o departamento de futebol e o clube social, o que
pode levar a contrair dívidas não prioritárias.
Pereira et al. (2004) assevera que dívidas fiscais e previdenciárias, o adiamento das obrigações
trabalhistas e na remuneração dos jogadores, colocam os clubes em situação deficitária, indicando
assim a necessidadede aprimoramento da qualidade da gestão do futebol.

2.3 Desempenho econômico e esportivo dos clubes de futebol


Em linhas gerais, o desempenho financeiro dos clubes de futebol é, de acordo com Leoncini e Silva
(2005), compreendido por uma relação entre os custos principais, basicamente sendo os gastos com
salários, e as receitas geradas como, por exemplo, com a exploração do mercado de torcedores. Tal
capacidade de geração de receitas dos clubes de futebol será considerada, no presente estudo, como
desempenho econômico.
Para Soares (2007), as principais receitas dos times advêm da formação e negociação de atletas,
televisão, eventos (jogos e shows), patrocinadores, merchandising, prefeitura e clubes sociais. E
ainda, segundo o autor, cada clube faz parte de um mercado diferente, com características próprias,
devendo optar por investir suas ações em um mercado que esteja em consonância com os objetivos
da organização.
Alcântara (2006) coloca em relevo a importância da venda de atletas no mercado internacional para
geração de receita. Segundo o autor, o serviço de exportação de jogadores no ano de 2005 cresceu
34% e ainda em 2005 a venda de atletas profissionais apresentou o maior crescimento dos últimos
oito anos. Dessa forma, de acordo com o autor, a venda de jogadores representa a principal fonte de
receitas nos clubes do país.
Segundo pesquisas da BDO RCS (2013), a receita do futebol brasileiro é formada majoritariamente
pelos 12 maiores clubes de futebol, sendo que, em 2012, tais clubes foram responsáveis por 72% do
montante total de receita. Já um estudo da Pluri Consultoria (2013) revelou que só em 2012 os 25
maiores clubes do Brasil tiveram uma receita de operacional de R$ 3 bilhões e destaca como grande
responsável pela geração de receita as cotas de TV que, no mesmo ano, representaram 40% do
faturamento total dos clubes.
Posto isso, tem-se de forma cada vez mais gradual uma pressão sob os clubes de futebol em busca
de eficiência, sobretudo nos aspectos relacionado às finanças (Avelar; Santos&Ribeiro, 2014, p. 5).
Ademais, com a relevância do futebol na economia, bem como suas constantes mudanças, é
esperado por parte dos gestores um maior e melhor entendimento das finanças dos clubes de futebol
(Dantas & Boente, 2011, p. 76).
O desempenho esportivo é considerado o resultado da sequência de atividades esportivas, ou seja,
diz respeito à capacidade do clube em alcançar vitórias, a alcançar determinada colocação em um
campeonato (Böhme, 2003; Samagaio, Couto& Caiado, 2007).
Pereira et al. (2003) evidenciam a relação entre desempenho esportivo e econômico, pois, de acordo
com os autores, imerso em um mercado extremamente competitivo, o desempenho dos clubes de
futebol passa a ser, de forma significativa, dependente dos gastos com salários de atletas. Assim
como para os autores supracitados, também para Samagaio, Couto e Caiado (2009, p. 10) “há
evidências de que as receitas dos clubes estão correlacionadas com o desempenho esportivo”.
Para Leoncini e Silva (2000), o controle salarial é visto como um dos pilares do modelo de gestão
estratégia, e, sendo assim, espera-se que haja um equilíbrio dos resultados previstos pelos
Stakeholder. Ao analisarem o modelo de gestão dos clubes de futebol, identificaram que o gasto dos
clubes com salários de jogadores, é o principal do passivo.
Com isso, tem-se que o sucesso de um clube está diretamente associado às habilidades e
desempenho dentro de campo, mas não apenas ao sucesso esportivo, como também ao sucesso
financeiro. Assim, se estabelece que exista uma interação entre ambos, já que a maioria dos clubes
também tem fins comerciais e os seus gastos são usados para atingir estes objetivos. Todos os anos,
os clubes investem em suas equipes, objetivando melhorar o desempenho esportivo, estimulando o
interesse da televisão e de patrocinadores, incrementando o montante das receitas (Dantas, 2013).

2.4 Valor da Marca


De acordo com Barretto e Famá (1998) a marca, por não possuir essência física, é considerada um
ativo intangível. Lev (2001) esclarece conceitualmente os ativos intangíveis como sendo ganhos
futuros gerados por meio de inovação, práticas organizacionais e pelos recursos humanos. O autor
ainda explica que os ativos intangíveis têm a função de se relacionar com ativos tangíveis de modo
a criar valor e proporcionar crescimento econômico.
Para Barretto e Famá (1998) dentre as definições de valor, pode-se destacar aquela que trata de
valor como capacidade de geração futura de caixa. Dessa forma, segundo os autores, a marca pode
se tornar, dentro de uma determinada organização, um ativo valioso haja vista a possibilidade de
obtenção de maiores e melhores fluxos de caixa.
Diante do exposto, D’Emidio et al. (2013), ao analisarem o trabalho de D.A. Aaker, revelam que o
autor considera que o valor da marca está efetivamente no consumidor, de forma mais exata, na
maneira pela qual a marca é percebida pelo mesmo. Portanto, segundo Barretto e Famá (1998),
além da predisposição por parte do cliente em comprar produtos de determinada marca, a facilidade
de entrada de tal marca no mercado de maneira oportuna e ainda a possibilidade de lançamento de
novos produtos é o que compõe a capacidade de geração de valor às organizações.
O valor da marca para os times de futebol é quantificado e publicado pela BDO RCS Auditores
Independentes. A mensuração do valor da marca pela BDO leva em consideração 18 diferentes
variáveis, abrangendo dados financeiros e históricos dos clubes, informações publicadas em
pesquisas com os torcedores, dados de marketing esportivo, hábitos de consumo dos torcedores e
dados sociais e econômicos do mercado em que atuam os clubes analisados, quantificando assim a
marca do clube de futebol.

2.5 Eficiência na gestão dos clubes de futebol


Pedreira, Moretto Neto e Schmitt (2007) afirmam que os gestores exercem papel fundamental para
que os clubes esportivos maximizem seus lucros e obtenham bom desempenho técnico das equipes
e atletas. Para Brunoroe Afif (1997), os gestores desempenham papel importante em qualquer
organização, e no futebol não é diferente. Os autores ainda destacam que esse profissional deve
adaptar seus conhecimentos às necessidades dos clubes de futebol, buscando resultados específicos,
gerenciando com o objetivo de criar uma organização eficiente.
A eficiência gerencial pode ser explicada como a maneira pela qual se consegue obter resultados
com menores recursos, isto é, uma capacidade administrativa de angariar uma maior produção
utilizando o mínimo de recursos possível (Belloni, 2000). Pereira et al. (2014) ressaltam que os
clubes de futebol necessitam ser eficientes na gestão de seus recursos, além de maximizar seus
resultados econômico-financeiros. Caso isso não ocorra, em primeiro momento, podem-se atingir
resultados satisfatórios, mas a longo prazo, como em qualquer empresa, estarão condenados ao
fracasso.
Dantas e Boente (2011) argumentam que o futebol, como resultado de consideráveismodificações,
passou a ser explorado como uma fonte geradora de recursos financeiros, mas que, não obstante, o
setor apresenta riscos diferentes dos demais setores, sobretudo, por serem os jogadores seu principal
ativo, o que, por consequência, leva à incertezas quanto ao êxito do negócio. Os autores destacam
ainda que há casos de clubes que formaram times com altos investimentos e não conseguiram
atingir seus objetivos.
Com o objetivo de identificar a eficiência na gestão dos clubes de futebol brasileiro, a Pluri
Consultoria compara os resultados dos times dentro e fora de campo, em relação aos gastos com o
futebol. Segundo a Pluri Consultoria (2014), dessa forma é possível identificar clubes com muitos
gastos e poucas conquistas e também os que não possuem muitos recursos em seus orçamentos, mas
conseguem formar times competitivos.
Mesmo não ganhando títulos, alguns clubes podem ter sido eficientes em relação às despesas,
ressaltam Dantas e Boente (2011). Para eles, nesse caso, as despesas incorridas na temporada foram
satisfatórias no tocante à geração de receitas. Os autores complementam ainda que a gestão
eficiente dos custos é possível se a organização financeira estiver aliada ao bom trabalho do clube
dentro de campo.
Aidar (2006) sugere que, com a gestão profissional, os recursos dos clubes seriam geridos
eficazmente, maximizando as receitas, reduzindo os custos e tendo como objetivo a obtenção de
títulos. Para o autor, a gestão estratégica eficaz alcança resultados balanceados, proporcionando
lucros aos investidores, títulos, satisfação para os torcedores e salários competitivos para os
jogadores.

3. ABORDAGEM METODOLÓGICA
O presente estudo parte de uma abordagem quantitativa, com tipo de pesquisa descritiva que, de
acordo com Silva e Menezes (2000), tem por objetivo relatar as particularidades de determinada
população ou fenômeno ou estabelecimento de associações entre variáveis. Quanto aos métodos de
pesquisa, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental com a utilização de dados secundários.
Os dados que compõem o presente estudo foram coletados através dos relatórios disponibilizados
pela Pluri Consultoria e dos relatórios da BDO. A série temporal selecionada para análise se estende
do ano de 2009 até o ano de 2013. Os dados foram de mensuração anual, compatíveis com os
fechamentos contábeis.
A amostra foi composta por 23 clubes de futebol nacional, a qual delimitou-se aos clubes que
disputaram as séries A, B e C do Campeonato Brasileiro dentre os anos de 2009 a 2013. Trata-se de
amostra intencional, seguindo os indicadores disponibilizados nos relatórios da Pluri Consultoria
contemplando os seguintes clubes: Atlético Mineiro, Atlético Paranaense, Avaí, Bahia, Botafogo,
Corinthians, Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Figueirense, Flamengo, Goiás, Grêmio, Internacional,
Náutico, Palmeiras, Ponte Preta, Portuguesa, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória.A tabela 1
apresenta os nomes e a definição das variáveis utilizadas no presente estudo:

Tabela 1 – Variáveis dependente e independentes

Variável que representa o Desempenho Econômico dos clubes de futebol.


Receitas gerais dos clubes de futebol durante um determinado período, a
DesempEcon (Variável Dependente) saber, um ano. Coletado do banco de dados da Pluri Consultoria.
O Valor da Marca significa quanto vale, em termos de mercado, no ano
específico, a marca do clube de futebol. Foi coletado no site da BDO, que
usou uma métrica que incluiu 18 diferentes variáveis entre dados
financeiros históricos dos clubes, informações publicadas em pesquisas
com os torcedores, dados de marketing esportivo, hábitos de consumo dos
torcedores e dados sociais e econômicos do mercado em que atuam os
ValorMarca (Variável Independente) clubes analisados.
O Índice de Eficiência Pluri na Gestão do Futebol (IEPG) consiste na
comparação entre os resultados dos times dentro do campo, em relação
aos gastos com o futebol. Dessa maneira pode-se identificar clubes que
gastam muito mas pouco conquistam, e também aqueles que não tem
tantos recursos em seus orçamentos, mas mesmo assim conseguem montar
IEPG (Variável Independente) times competitivos.

A variável Despesa com Futebol consiste de todas as despesas


relacionadas a atividade do futebol dentro de um exercício fiscal ou ano.
DspFut (Variável Independente) Coletada do site da Pluri Consultoria.
Variável que representa o Desempenho Esportivo dos clubes de futebol,
definida como Ranking Pluri de Conquistas (RPC). Foi criado como
objetivo de estabelecer a pontuação referente à participação e
posicionamento de cada clube nos campeonatos. Os critérios de
RPC (Variável Independente) pontuação, de acordo com cada campeonato e a colocação dos clubes.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

A fim de identificar as variáveis que explicam o desempenho econômico dos clubes de futebol,
realizaram-se análises por meio de técnicas de regressão com dados em painel, que segundo Duarte,
Lamounier e Takamatsu (2007) combina característica de séries temporais com dados de corte
transversal e são amplamente utilizadas em estudos econométricos e nas ciências sociais aplicadas.
Para tal, utilizou-se o software STATA 12.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A tabela 2 apresenta os resultados da estatística descritiva geral das variáveis da pesquisa,
contemplando os anos de 2009 a 2013.

Tabela 2 - Estatística descritiva das variáveis da pesquisa por ano de referência


Ano Medida RPC DspFut IEPG DesempEcon ValorMarca
Média 59.16 59.79 0.94 79.52 204.95
Desvio Padrão 63.85 39.54 0.83 55.75 236.75
Mínimo 0 10 0 16 15.8
Máximo 200 134 2.92 181 749.8
2009 Contagem 23 23 23 23 23
Média 57.05 62.6 1.02 83.75 214.09
Desvio Padrão 60.65 45.35 0.72 61.97 254.53
Mínimo 0 13 0 11.4 15.7
Máximo 265 153 2.24 212.6 867
2010 Contagem 23 23 23 23 23
Média 52.57 70.09 0.7 96.84 236.03
Desvio Padrão 82.97 51.31 0.75 79.25 283.52
Mínimo -14 14 -0,46 16.3 17.8
Máximo 345 197 2.53 290.5 1005.5
2011 Contagem 23 23 23 23 23
Média 59.04 87.13 0.55 132.82 256.92
Desvio Padrão 93 58.93 0.56 96.92 308.41
Mínimo -15 17 -0.4 20.5 21.2
Máximo 421 233 1.81 358.5 1108.8
2012 Contagem 23 23 23 23 23
Média 54.3 106.3 0.47 136.82 306.44
Desvio Padrão 69.91 73.08 0.64 101.4 342.77
Mínimo -30 16 -1.07 19.2 28.2
Máximo 285 248 1.95 362.8 1236.1
2013 Contagem 23 23 23 23 23
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

No que diz respeito à variável Ranking Pluri de Conquistas (RPC), percebeu-se que houve um
aumento significativo do desvio padrão, sobretudo nos anos de 2011 e 2012, sugerindo que o
desempenho esportivo dos clubes variou consideravelmente nesses anos. Observou-se uma queda
de 7,96% no desempenho esportivo dos clubes da amostra ao longo dos anos o que denota que os
clubes da amostra estão perdendo melhores posições nos diversos campeonatos no decorrer dos
anos.
Ao comparar o ano de 2009 e 2013, tem-se que a despesa com futebol aumentou
consideravelmente, em torno de 79,88%. Verificou-se expressivo crescimento em 2012 e em 2013,
anos nos quais os clubes gastaram mais com despesa geral do que todos os outros anos da pesquisa.
Verifica-se então um cenário de crescimento das despesas com as atividades de futebol dos clubes.
A exemplo da despesa com futebol, a variável receita geral também mostrou aumento da média no
decorrer dos anos. Contudo, no período em análise, enquanto as receitas cresceram 72,15%, as
despesas apresentaram um crescimento de 79,88%, o que demonstra a necessidade de busca de
recursos externos (empréstimos e rolagem das dívidas) por parte dos clubes de futebol.
Já para a variável índice de eficiência PLURI de futebol (IEPG), destaca-se uma queda de 51,55%
na eficiência dos clubes, demonstrado na média geral, com o passar dos anos. Tal fato aconteceu a
despeito do aumento de receita e despesa de futebol desproporcional às receitas e também pela
redução no desempenho esportivo ao longo dos anos.
Verificou-se também que os clubes apresentaram aumento no valor da marca no período de 2009 e
2013. Tal aumento de valor de 49% pode ser percebido na elevação da média da variável dentro dos
referidos anos, o que significa que o mercado passou a valorizar os clubes de futebol.
De uma forma geral, no período de 2009 a 2013, verificou-se um cenário de queda no desempenho
esportivo dos clubes, aumento de despesas do futebol maior do que o aumento das receitas gerais,
diminuição no nível de eficiência esportiva e um aumento no valor da marca dos clubes.
A fim de testar o objetivo geral da proposta de pesquisa, procedeu-se uma regressão de dados. Para
este estudo, foi realizada uma regressão de dados em painel estático balanceada. Assim, foram
realizados testes de especificação do modelo de regressão MQO Empilhado, os quais consideram
que não há nenhuma variável omitida correlacionada com as variáveis incluídas objetivando
verificar o quão ajustado é o modelo para, posteriormente, escolher o melhor modelo de regressão
de dados em painel a ser considerado. O alto valor do R² evidenciado na análise, demonstrou que o
modelo possui grande capacidade de explicar a variação do desempenho econômico dos clubes de
futebol. A regressão mostrou, também, que apenas as variáveis valor da marca e despesa de futebol
foram significativas, conforme especificado na tabela 3 a seguir:

Tabela3 – Resultados da regressão por MQO Empilhado – 2009 a 2013


Coeficiente P-valor
DesempEcon
Constante 2,143 0,667
ValorMarca 0,061 0,000
IEPG 0,210 0,963
DspFut 1,107 0,000
RPC 0,065 0,22
R-quadrado Ajustado 93,68%
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
A regressão múltipla resultante da tabela 3, permitiu que, posteriormente, fossem realizados os
testes dos pressupostos explicitados nas tabelas 4 e 5, a saber: multicolinearidade, normalidade,
homoscedasticidade e autocorrelação serial, pressupostos básicos do modelo de regressão linear
múltiplo.

Tabela 4 - Teste VIF (Multicolinearidade)


DspFut ValorMarca RPC IEPG
VIF 5.16 3.91 3.67 2.54
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Segundo Corrar et al. (2009, p. 12) “a multicolinearidade ocorre quando duas ou mais variáveis
independentes do modelo explicando o mesmo fato contêm informações similares”. Pelos
resultados da estatística VIF, os resultados apresentados na tabela 4 demonstram que, a despeito do
modelo apresentar um elevado valor de R², não apresentou multicolinearidade.

Tabela 5 - Pressupostos da Regressão


Teste RESET para especificação. Teste de Breusch-Pagan.
(Normalidade) (Homoscedasticidade) Teste Wooldridge (Autocorrelação)
Hipótese nula: a especificação é Hipótese nula: sem Hipótese Nula: não apresentam
adequada. heterocedasticidade. autocorrelação serial.
F(3, 100) = 0.70 chi2(1) = 15.21 F(1, 22) = 0.799
Prob > F = 0.5569 Prob > chi2 = 0.0001 Prob > F = 0.3812
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

De acordo com os resultados da tabela 5, pode-se auferir que os pressupostos da regressão não são
completamente adequados, visto que, apesar dos dados serem normais e não apresentarem
autocorrelação, apresentam-se heterocedásticos. A fim de corrigir a heterocedasticidade do modelo,
adotou-se o modelo de regressão robusto haja vista que o mesmo possibilita obter estimadores mais
eficientes que os de MQO, transformando-os em Mínimos Quadrados Generalizados (MQG), sendo
um modelo homocedásticos.
Para rodar o modelo de regressão robusta em dados em painel, antes, foram feitos os testes LM de
Breusch-Pagan, Hausman e Chow para definir quais dos três modelos (Efeitos fixos - EF, Efeitos
Aleatórios - EA ou pool - MQG) seria o mais adequado para os dados em questão. Optou-se por
fazer testes computacionais, descritos na tabela 6, a seguir.

Tabela 6 - Teste de escolha do modelo de Dados em Painel


Teste de Hausman Teste de Chow Teste LM de Breusch-Pagan
H0: modelo de efeitos aleatórios H0: modelo restrito (pooled) H0: modelo pooled
H1: modelo de efeitos fixos H1: modelo irrestrito (efeitos fixos) H1: modelo de efeitos aleatórios
Prob>chi2 = 0,1529 Prob> F = 0.0395 Prob> chibar2 =0.0886
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Os resultados dos testes apontaram o modelo de Efeitos Aleatórios (EA) como o que melhor se
ajusta aos dados. Assim, foram processadas regressões robustas de dados em painel estático,
balanceado, utilizando o modelo de Efeitos Aleatórios (EA), conforme descrito na tabela 7, a seguir.

Tabela 7 – Resultados da Regressão Robusta modelo de Efeitos Aleatórios – EA

DesempEcon Coeficiente P-valor


ValorMarca 0.066486 0,000
IEPG -0.63806 0.834
DspFut 1.076.052 0,000
RPC 0.072896 0.136
Constante 3.338.329 0.492
R-quadrado ajustado 78,97%
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Os resultados da regressão robusta apresentados na tabela 7 demonstram que apenas as variáveis


Valor da Marca e Despesas com o futebol explicaram significativamente e positivamente (a 1% de
significância) a variação da variável dependente, Receita Geral ou desempenho econômico dos
clubes de futebol da amostra. Embora esperado, as variáveis de Eficiência no Futebol (IEPG) e o
desempenho esportivo (RPC) não apresentaram influência significativa na variação do desempenho
econômico dos clubes de futebol da amostra. Assim, tais variáveis podem ser excluídas do modelo.
Tem-se então, um coeficiente de determinação explicado pelo R quadrado ajustado de 0,7897, ou
seja, aproximadamente 79% da variação da Receita Geral ou desempenho econômico dos clubes de
futebol foi explicado pelo Valor da Marca e Despesas com o futebol. Com esses resultados, para a
amostra em questão, obtêm-se a seguinte equação:
Receita Geral ou desempenho econômico dos clubes de futebol = 0,066486 x Valor da Marca +
1,076052 x Despesas com o futebol

Os resultados encontrados neste trabalho corroboram ao estudo de Dantas (2013), no qual concluiu
que houve forte correlação entre as Receitas e a Despesa com futebol nos três anos estudados (2010
a 2012). Tais resultados também estão em consonância com aqueles encontrados por Pereira et al.
(2004), segundo o qual nos anos de 2001 e 2002 foi encontrada uma relação positiva entre as
receitas e as despesas (despesas gerais). Não obstante, nos estudos de Pereira et al. (2004) e
Samagaio, Couto & Caiado (2009) tiveram como resultado um poder de explicação significativo
entre as receitas e o desempenho esportivo, contradizendo ao que foi estabelecido na análise de
regressão robusta em que a relação com o RPC não foi significativa.
A variável Valor da Marca, de acordo com os resultados apresentados no modelo regressivo,
explica de forma significativa a variação da Receita Geral ou desempenho econômico dos clubes de
futebol, ou seja, tem-se que à medida com que o Valor da Marca do clube de futebol cresce, é
também perceptível o aumento do valor da Receita Geral.
A relação positiva entre o Valor de Marca e a Receita Geral ou desempenho econômico dos clubes
de futebol vai ao encontro dos resultados apresentados por Nascimento et al. (2014, p. 12), segundo
os quais “foi notada ainda uma relação robusta entre eficiência financeira e valor da marca dos
clubes de futebol, o que permite concluir que a avaliação do valor total das marcas reflete a
expectativa de performance financeira das agremiações”.
A variável IEPG mostrou-se não significativa com a variável dependente, a Receita Geral ou
desempenho econômico dos clubes de futebol. Em outras palavras, pode-se auferir que, dentro do
horizonte de pesquisa deste artigo, a Receita Geral não pode ser explicada pela eficiência de gestão
do clube, ou seja, dentro da relação entre desempenho esportivo e custos do futebol. Tal resultado
parece refutar o estudo de Nascimento et al. (2014, p.13) no qual “foram encontradas evidências
empíricas de uma relação positiva e significante (coeficiente de Pearson de 0,572 significante a
0,05) entre os resultados da eficiência esportiva e financeira”. Era de se esperar que o desempenho
econômico fosse explicado, em parte, pelo desempenho esportivo e pela eficiência na gestão do
futebol.
Em suma, os resultados aqui encontrados demonstram que os clubes de futebol brasileiro vêm
obtendo aumentos consideráveis de receitas a despeito de não angariar conquistas, afinal, tanto as
variáveis Ranking Pluri de Conquistas quanto a IEPG, na qual leva em consideração desempenho
dentro de campo e também financeiro, não se mostraram significativas. Por outro lado, percebe-se
que grande parte do ganho de receitas adveio da valorização da marca que ocorreu, de forma
pujante, no decorrer do período estudado.
5. CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo verificar se há relação entre o desempenho econômico,
medido pelas receitas gerais dos clubes com o desempenho esportivo e outras variáveis, tais como
valor da marca, eficiência na gestão, conquistas e despesas futebolísticas dos maiores clubes
brasileiros, buscando evidências da relação direta existente entre as duas perspectivas.
A análise descritiva dos dados evidenciou, de uma forma geral, no período de 2009 a 2013,
verificou-se um cenário de queda no desempenho esportivo dos clubes, aumento de despesas do
futebol maior do que o aumento das receitas gerais, diminuição no nível de eficiência esportiva e
um aumento no valor da marca dos clubes.
A análise de regressão de dados em painel evidenciou que somente as variáveis valor da marca e
despesa com futebol explicam positivamente a variação da Receita Geral ou desempenho
econômico. Por conseguinte, conclui-se que a avaliação do valor da marca e as despesas oriundas
do futebol dos clubes refletem a expectativa de geração de receitas. Reitera-se que os resultados
encontrados se assemelham com aqueles encontram em outros estudos supracitados.
Como sugestões para pesquisas futuras, recomenda-se aumentar o período da amostra, incluir outras
variáveis e usar outras formas de análise e mensuração dos dados para verificar quais aspectos
influenciam o desempenho econômico dos clubes brasileiros de futebol, uma vez que representam
parcela significativa na economia brasileira.

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INVESTIGANDO A ASSIMETRIA NA TRANSMISSÃO DOS PREÇOS DOS

COMBUSTÍVEIS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Roberta Rodrigues Salvini1, Heloisa Lee Burnquist2, Rafael Lopes Jacomini3

Resumo - Este trabalho busca apurar a existência de assimetria na transmissão dos preços

dos combustíveis do atacado para o varejo no Estado de São Paulo. Desde a introdução dos

veículos flex-fuel no mercado brasileiro em 2003, o consumidor pode optar por abastecer

com a gasolina comum ou com o etanol hidratado, sendo a sua escolha influenciada pelas

variações na relação dos preços desses combustíveis, o que evidencia a importância de um

estudo para entender o comportamento desses preços. Para tal, médias mensais dos preços

da gasolina comum e do etanol hidratado nos níveis de distribuição e revenda, referentes

ao estado paulista, de 2002 a 2015 foram consideradas na condução da análise empírica,

que compreende a estimação de Modelos de Correção de Erros. Os resultados indicam a

presença de assimetria na transmissão dos preços de ambos os combustíveis do atacado

para o varejo, porém somente no curto prazo. Ademais, constata-se no mercado de

combustíveis a assimetria positiva, de modo que no curto prazo aumentos nos preços no

atacado elevam com maior intensidade os preços ao consumidor. Tal assimetria pode

proceder de uma combinação entre as reações dos consumidores às futuras oscilações nos

preços e a gestão de estoques pelos postos de combustíveis.

Palavras-chave: Combustível; Assimetria; Modelo de Correção de Erros

Abstract - This work aims to determine the existence of asymmetry in the transmission of

fuel prices in the wholesale to retail in the State of São Paulo. Since the introduction of

flex-fuel vehicles in the Brazilian market in 2003, the consumer can choose to fill up with

1
Mestra em Economia Aplicada pela Esalq-USP; salvini.roberta@gmail.com
2
Professora do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq-USP; hlburnqu@usp.br
3
Doutor em Economia Aplicada pela Esalq-USP; rafalljacomini@gmail.com
regular gasoline or hydrated ethanol, and your choice is influenced by variations in the

relative prices of these fuels, which highlights the importance of a study to understand the

behavior of these prices. To this end, monthly average of prices of regular gasoline and

hydrated ethanol in the levels of distribution and resale, for the State of São Paulo, from

2002 to 2015 were considered in conducting empirical analysis, which includes the

estimation of Error Correction Models. The results indicate the presence of asymmetry in

transmission of price of both fuels of wholesale for retail, however it is manifested in the

short term only. Moreover, it appears in the fuel market the positive asymmetry, so that in

the short term increases in wholesale prices rise more strongly consumer prices. Such

asymmetry can come from a combination of consumer reactions to future fluctuations in

prices and inventory management by the fuel stations.

Keywords: Fuel; Asymmetry; Error Correction Model

1 INTRODUÇÃO

O principal objetivo deste trabalho é investigar a existência de assimetria na

transmissão de preços das distribuidoras para o varejo no mercado paulista de

combustíveis, considerando especificamente a gasolina comum e o etanol hidratado. A

análise é voltada para o Estado de São Paulo, que representa uma parcela significativa do

consumo destes combustíveis no país, e compreende o período de 2002 a 2015.

Até o começo da década de 1990, cabia ao Estado coordenar as atividades de

comercialização dos combustíveis no Brasil. A partir de então, inicia-se no país um

processo de transição de um regime baseado na intervenção estatal para uma economia de

mercado, com gradativa liberalização dos preços desses combustíveis. Para viabilizar essa

transição, era preciso garantir maior competição entre os agentes ligados à distribuição e

revenda desses produtos, e ao mesmo tempo, assegurar o abastecimento em todo o

território nacional. Essa ação de desregulamentação de preços dos combustíveis foi


concluída em janeiro de 2002, com a substituição da Parcela de Preço Específica (PPE)

pela Contribuição por Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e a liberação dos preços

nas refinarias e centrais produtoras.

A seguir, foram introduzidos no mercado brasileiro os carros flex-fuel, dando a

opção aos consumidores de abastecerem seus veículos com a gasolina e/ou o etanol

hidratado, conforme o preço relativo dessas alternativas no mercado. Antes de 2003, ano

em que esses automóveis começaram a ser comercializados no Brasil, o modo como o

cliente poderia responder a uma elevação nos preços desses combustíveis era pela redução

do uso de seus veículos. Na medida em que não adotava outras formas de transporte,

esperava-se que o consumidor preservasse seus padrões de compra do produto, mesmo que

parcialmente, de acordo com seus hábitos e costumes. Logo, restava ao consumidor

assimilar os aumentos nos preços do combustível em seu orçamento (AGÊNCIA

NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, 2014).

Contudo, a adoção dos carros biocombustíveis possibilitou a substituição entre a

gasolina comum e o etanol hidratado pelos consumidores, que fazem sua escolha com base

em suas preferências pessoais e na relação de preços entre os dois combustíveis. Dada a

diferença que estes apresentam com relação ao seu poder calorífico, o consumo de etanol

hidratado torna-se economicamente vantajoso quando o preço deste for de até 70% do

preço da gasolina. No entanto, o motorista pode fugir a essa regra de preços, e abastecer

com o combustível de sua preferência, mesmo que esse seja o de maior preço (ANP, 2014).

A despeito das escolhas de cada cliente por um determinado combustível, em

detrimento de outro, a percepção de que os preços ditados na bomba sobem rapidamente

após elevações nos preços de produção e distribuição, porém se reduzem paulatinamente

depois de decréscimos nos preços nos elos anteriores da cadeia, é comum para a maioria

dos consumidores. Esse fenômeno é referido como um processo de ajustamento


assimétrico, no qual as transmissões ao longo das margens de produção e distribuição

podem diferir, conforme os preços aumentem ou diminuam.

Entre as consequências desse ajuste assimétrico dos preços está a alteração na

distribuição de bem-estar entre os agentes envolvidos, considerando que um determinado

grupo não se beneficia de uma redução de preços (na posição de compradores), tampouco

de aumento (no caso de vendedores), que aconteceriam mais cedo e/ou seriam de

magnitude maior sob condições de simetria. Mais do que isso, pode provocar perdas de

bem-estar líquidas associadas a esta situação (MEYER; VON CRAMON-TAUBADEL,

2004). Uma das causas relacionadas com maior frequência a tais perdas consiste no poder

de mercado que os postos de combustíveis, como segmento varejista, poderiam exercer.

Existem alguns fatos que contribuem para tais especulações.

De acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (2014),

em seu Relatório de Gestão do Exercício de 2013, nove casos de formação de cartel no

mercado de combustíveis foram condenados ao longo do referido ano. Esses cartéis foram

identificados em Caxias do Sul e Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul; em

Londrina, no Paraná; em Teresina, no Piauí; em Manaus, no Estado do Amazonas, e em

Bauru, no Estado de São Paulo. Por fim, as multas aplicadas a postos, associações,

sindicatos e pessoas físicas nestes casos somaram R$150 milhões. O relatório também

apresenta estimativas realizadas a partir de estudo econômico elaborado pelo Ministério

Público Estadual do Rio Grande do Sul, que sugerem dano ao consumidor de

aproximadamente R$5,00 para cada carro popular com tanque de 40 litros abastecido, em

decorrência do cartel verificado em Caxias do Sul.

Isto caracteriza a importância de um estudo para averiguar se ocorrem ajustes

assimétricos dos preços no mercado de combustíveis, de modo que os consumidores

tomem ciência do fundamento real que define o movimento ascendente dos preços. A
presente pesquisa busca identificar uma possível assimetria na transmissão dos preços das

distribuidoras para os postos de combustíveis, tendo como objeto produtos como a gasolina

comum e o etanol hidratado, no Estado de São Paulo. Para este fim, faz-se uso de Modelos

de Correção de Erros (ECM4), abordagem frequentemente utilizada nas análises

relacionadas a esse tema.

Este estudo busca contribuir para a literatura nacional relacionada à apuração de

ajustes assimétricos dos preços no mercado de combustíveis, dada a escassez de trabalhos

referentes a esse tema no país. Efetua-se uma análise com preços a nível estadual, para não

incorrer no erro de agregação das diferenças dos mercados regionais brasileiros, que pode

distorcer a interpretação dos resultados. Além disso, utiliza-se a metodologia ECM,

abordagem pouco usada por trabalhos anteriores para o Brasil, através da qual se torna

possível um exame mais detalhado das assimetrias de curto prazo e de longo prazo. A

investigação voltada a dois produtos distintos permite inferir se o comportamento

assimétrico advém de especificidades da cadeia de determinado combustível, ou se é

comum ao mercado paulista de combustíveis. Ademais, a pesquisa direcionada ao etanol

hidratado visa atenuar a escassez na literatura mundial de trabalhos relativos aos

biocombustíveis. Ainda, acredita-se que uma análise dessa natureza dê suporte para a

intervenção de órgãos públicos responsáveis visando corrigir prováveis falhas de mercado,

caso a assimetria seja confirmada.

2 AS DIFERENTES CLASSIFICAÇÕES E CAUSAS DA ASSIMETRIA

Para uma melhor compreensão da análise a ser realizada neste trabalho, torna-se

interessante apresentar as diferentes classificações para a assimetria presente na

transmissão de preços. A princípio, Peltzman (2000) adota a categorização da assimetria

em positiva ou negativa. Considerando as variáveis examinadas no presente estudo, se o

4
Do inglês “Error Correction Model”.
preço no varejo ( ) responde com maior intensidade a um aumento no preço de atacado

( ) que a um decréscimo, nesta variável, de mesma magnitude, admitindo que a reação de

é sempre no mesmo sentido da variação de , identifica-se a assimetria positiva. No

entanto, se a resposta de for mais intensa dada uma redução em , do que em caso de

acréscimo nesta variável, tem-se a assimetria negativa.

Segundo Meyer e von Cramon-Taubadel (2004), outros dois critérios podem ser

adotados para caracterizar a assimetria. Um deles relaciona-se a discriminação da

assimetria presente na velocidade e/ou na magnitude da transmissão de preços. A

assimetria relacionada à velocidade ocorre quando um aumento em leva um tempo

distinto para ser completamente transmitido para , se comparado ao repasse de um

decréscimo em de mesmo montante. Já a assimetria de magnitude ocorre quando o

repasse de elevações em difere em grandeza da transmissão de reduções nesta variável

para , o que provoca uma transferência permanente de recursos entre os agentes

envolvidos (compradores e vendedores), cuja dimensão depende das variações no preço e

do volume das transações envolvidas. Uma combinação desses dois tipos de assimetria na

transmissão de preços também pode sobrevir.

Destaca-se que a metodologia empregada neste trabalho (abordagem de

cointegração seguida pelo Modelo de Correção de Erros) permite somente avaliar a

assimetria na velocidade da transmissão de preços, e não na magnitude. A assimetria na

magnitude implica uma diferença permanente entre as reações no varejo a choques

positivos e negativos nos preços de atacado. Logo, os preços de atacado e de varejo irão se

distanciar com o passar do tempo, não podendo, assim, guardar uma relação de equilíbrio

no longo prazo, ou seja, os preços não serão cointegrados.

Por último, é preciso distinguir se a assimetria incide sobre a transmissão de preços

em um contexto vertical ou espacial. Constata-se a assimetria na transmissão de preços


espacial quando as variações positivas nos preços de um produto em uma região têm um

impacto diferenciado das variações negativas sobre o preço deste produto em outra

localidade. Contudo, a investigação aqui volta-se à assimetria vertical, ou seja, a análise da

transmissão de preços ao longo de diferentes níveis de uma cadeia de comercialização.

No tocante às justificativas para o comportamento assimétrico dos preços dos

combustíveis, algumas possibilidades foram consideradas por estudos anteriores. Dentre

elas, a de maior apelo consiste no poder de mercado exercido por postos de combustíveis

ao nível de varejo (BORENSTEIN et al., 1997; DELTAS, 2008; VERLINDA, 2008;

SILVA et al., 2010; SANTOS, 2012; entre outros). Tal ocorrência usualmente implicaria

na existência de assimetria positiva na transmissão de variações nos preços de atacado para

os preços ao consumidor. Todavia, outras causas devem ser analisadas, para evitar

equívocos advindos de uma generalização excessiva.

Assim, outra justificativa para a incidência de assimetria seria o elevado custo de

pesquisas quanto a preços pelo consumidor (JOHNSON, 2002). Aparentemente, o

consumidor racional abastece seu veículo em postos de combustíveis que estejam

localizados próximos à própria residência, ou ao seu trabalho, ou no caminho percorrido de

um ao outro. Há ainda consumidores que demonstram fidelidade a um determinado posto,

abastecendo sempre no mesmo estabelecimento. Dessa forma, pesquisar por um menor

preço do combustível tem um custo para o consumidor, representado pelo tempo gasto em

pesquisa e pelas despesas envolvidas. Esse custo de pesquisa gera um poder de mercado

temporário para os postos de combustíveis, uma vez que o consumidor só é levado a

realizar a pesquisa quando tem a percepção de que as perdas envolvidas com um aumento

dos preços superam os custos de procurar por um combustível mais barato. Conscientes

disso, os varejistas podem postergar o processo de assimilação das variações negativas nos

preços de atacado, reproduzindo a assimetria.


Ainda, uma combinação entre as reações do consumidor às futuras oscilações nos

preços, com a gestão de estoques pelos postos de combustíveis, pode resultar em

comportamento assimétrico dos preços. Se o consumidor tem a percepção de que o preço

do combustível irá subir, ele procura se antecipar a esse movimento ascendente dos preços,

adquirindo mais combustível do que o habitual. Essa expansão da demanda acelera o

esgotamento dos estoques dos postos de combustíveis, fazendo com que os varejistas

levem um tempo menor para adquirir novamente o produto das distribuidoras, assimilando

com maior rapidez as variações positivas nos preços de atacado. Contudo, quando

percebem que haverá um decréscimo nos preços, os agentes retornam ao nível de consumo

regular. Assim, os estoques perduram por mais tempo, e os varejistas dispõe de um período

maior para voltar a adquirir o combustível das distribuidoras com o preço mais baixo.

3 METODOLOGIA

A princípio, considera-se que uma variável possui raiz unitária, ou em outras

palavras, que é integrada de ordem 1 (denotada por I(1)), quando precisa ser diferenciada

para se tornar estacionária. Contudo, há a possibilidade de duas ou mais séries não

estacionárias estarem conectadas por uma combinação, de modo que elas sigam um

percurso bastante próximo no decorrer do tempo, guardando uma relação de equilíbrio de

longo prazo. Nesta situação, diferenciar as séries para torná-las estacionárias não será um

procedimento apropriado para estimação.

Se as variáveis de interesse são I(1), elas podem formar uma combinação linear que

seja estacionária, ou I(0). Tendo em conta as seguintes variáveis I(1): , o preço do

combustível no varejo (postos de combustíveis) no período t, e , seu preço no atacado

(distribuidoras) em t. Estabelecendo-se, a princípio, a seguinte relação entre as variáveis

em nível:

(1)
A partir de então, testes são realizados para verificar se os resíduos em (1), , são

estacionários. Sendo este o caso, diz-se que as séries em questão são cointegradas, e a

expressão (1) representa uma estimativa da relação de equilíbrio de longo prazo entre elas.

A seguir, um Modelo de Correção de Erros (ECM) pode ser estimado, de forma a

evidenciar o mecanismo de transmissão dos preços do combustível no atacado para o

varejo. Antes, é preciso estimar o termo de correção de erro, que corresponde aos resíduos

defasados da estimativa de (1). Ele representa os desvios da relação de longo prazo entre as

variáveis consideradas, e sua inclusão no Modelo de Correção de Erros permite que não

somente responda a alterações em , mas possibilita a correção de eventuais desvios do

equilíbrio de longo prazo que podem ter permanecido ao longo de períodos anteriores.

Portanto, pode-se representar a estimativa do termo de correção de erro da seguinte forma:

(2)

Em (2), o acento circunflexo denota parâmetros estimados. Logo, se as variáveis

em estudo são integradas de primeira ordem - I(1), e podem ser estimados por

mínimos quadrados ordinários, propiciando a substituição no ECM do termo de correção

de erro desconhecido pelo estimado e conhecido, (ENGLE; GRANGER, 1987).

O Modelo de Correção de Erros, em sua especificação estendida para o caso de

ajustamento assimétrico, pode ser expresso como segue (MEYER; VON CRAMON-

TAUBADEL, 2004; GRASSO; MANERA, 2007):

(3)

em que indica o operador de primeira diferença, e é o termo de erro.


Esta expressão inclui as primeiras diferenças das variáveis preço decompostas em

valores positivos e negativos: = > 0, e zero caso contrário; =

< 0, e zero caso contrário; = > 0, e zero caso contrário;

= < 0, e zero caso contrário. O mesmo ocorre com o termo de

correção de erro: será igual a se , e zero se , enquanto será igual a

se , e zero se .

Para averiguar se a relação entre os preços é assimétrica ou não, algumas hipóteses

devem ser testadas. Por meio de um teste F, avalia-se a hipótese nula relacionada aos

coeficientes estimados para as diferenças dos preços no atacado: .

Se esta hipótese for rejeitada, confirma-se a assimetria de curto prazo. Outra hipótese é a

que considera a igualdade entre os coeficientes estimados para os termos de correção de

erro: . Caso rejeitada, tem-se uma indicação de assimetria de longo prazo.

Serão utilizadas séries de preços nominais, de frequência mensal, em nível de

distribuição e varejo, referentes ao Estado de São Paulo. As séries se estendem de

novembro de 2002 a abril de 2015. Esses dados são coletados e divulgados pela

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS -

ANP. Para efetuar as estimações, foram empregados os softwares EViews 6.0 e Stata 11.0.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para averiguar a ordem de integração das séries de preços do etanol hidratado,

foram empregados três tipos de testes de raiz unitária. O teste Dickey-Fuller Generalised

Least Squares (DF-GLS), proposto por Elliott et al. (1996), e o teste Phillips-Perron (PP),

estruturado em Phillips e Perron (1988) adotam como hipótese nula a presença de uma raiz

unitária, contra a hipótese alternativa de estacionariedade da série. No teste KPSS


(KWIATKOWSKI et al., 1992), a hipótese nula é de inexistência de raiz unitária, ou seja, a

variável é estacionária, sendo utilizado para confirmação dos resultados anteriores.

Os testes de raiz unitária foram realizados para os preços do etanol hidratado,

tomando-se as variáveis em nível e também em primeira diferença. As estatísticas dos

testes sugerem que ambas as séries são não estacionárias em nível. Apenas os testes PP e

KPSS, implementados com constante e tendência, exibem resultados divergentes. No

entanto, todas as versões do teste DF-GLS indicam a presença de uma raiz unitária nas

variáveis em nível. Considerando os preços em primeira diferença, os resultados

confirmam a estacionariedade das séries. Portanto, pode-se concluir que as séries de

interesse são integradas de ordem um (Tabela 3, do Apêndice).

A seguir, o procedimento de Johansen (1988) é utilizado para verificar a existência

de uma relação de equilíbrio de longo prazo entre os preços nos níveis de atacado e varejo.

Inicialmente, um modelo de vetores autorregressivos (VAR) foi estimado a partir das duas

séries de preços em nível, e os critérios de informação de razão de máxima

verossimilhança modificado (LR), erro de predição final (FPE), Akaike (AIC), Schwarz

(SC) e Hannan-Quinn (HQ) foram usados para a definição do número ótimo de defasagens.

Como não houve unanimidade entre os critérios quanto à ordem ideal de defasagem, foi

escolhida a menor, indicada pelo critério de informação de Schwarz, que corresponde a

três defasagens no VAR e, por conseguinte, duas defasagens para o procedimento de

Johansen. Optou-se pela inclusão de constante e tendência na relação cointegrante, e pela

omissão da tendência no vetor autorregressivo.

Ambos os testes, do traço e do máximo autovalor, realizados para o mercado de

etanol hidratado indicam a presença de um vetor de cointegração entre os preços (Tabela 4,

do Apêndice). Logo, as variáveis são cointegradas, e sua relação pode ser mensurada

através de um Modelo de Correção de Erros.


Tabela 1 – Resultados do Modelo de Correção de Erros para o etanol hidratado

Coeficiente estimado Estatística t


α -0,005 -1,36
γ₀⁺ 1,016 28,37 ***
γ₁⁺ 0,161 1,25
γ₂⁺ 0,624 5,05 ***
γ₀⁻ 0,859 25,99 ***
γ₁⁻ -0,219 -2,19 **
γ₂⁻ 0,152 1,60
λ₁⁺ -0,167 -1,47
λ₂⁺ -0,531 -4,84 ***
λ₁⁻ 0,372 3,55 ***
λ₂⁻ -0,214 -2,19 **
θ⁺ -0,166 -1,90 *
θ⁻ -0,129 -1,38
R² ajustado 0,959
p-valor (LM2) 0,102
p-valor (LM4) 0,204
p-valor (LM6) 0,366
p-valor (Q6) 0,791
p-valor (Q12) 0,686
p-valor (Q18) 0,379
Resultados dos testes de simetria de longo prazo e de
curto prazo
Longo prazo F (1, 134) = 0,07
(θ⁺ = θ⁻ ) p-valor (0,796)
Curto prazo F (1, 134) = 17,77
( ) p-valor (0,000)***
Regressão de Cointegração
Coeficiente estimado Estatística t
β₁ 0,150 12,99***
β₂ 1,080 118,10***
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: Os símbolos ***, ** e * indicam significância a 1%, 5% e 10%,

respectivamente.
Isto posto, a Tabela 1 mostra as estimativas do Modelo de Correção de Erros

conforme a Equação 3, o que possibilita a análise da assimetria na transmissão dos preços

do etanol hidratado no atacado para os respectivos preços no varejo. O número de

defasagens das variáveis explicativas foi selecionado de forma a minimizar o critério de

informação de Akaike. Com relação à regressão de cointegração, os coeficientes estimados

são estatisticamente significativos. O aumento (redução) de R$ 1,00 no preço médio de

atacado provoca uma elevação (decréscimo) de R$ 1,08 no preço médio de varejo.

Portanto, no longo prazo, um choque nos preços nas distribuidoras tem um impacto

proporcionalmente maior sobre os preços ao consumidor.

No que se refere ao Modelo de Correção de Erros, os coeficientes estimados

mostram-se condizentes com o esperado, e são em sua maioria significativos. Tanto o teste

LM como as estatísticas Q de Ljung-Box indicam ausência de autocorrelação dos resíduos.

Através da Tabela 1, pode-se observar que o ajuste contemporâneo de variações

positivas nos preços do etanol hidratado no atacado (γ₀⁺ = 1,016) é maior do que quando a

variação é negativa (γ₀⁻ = 0,859). Após dois meses, o repasse acumulado de choques

positivos nos preços das distribuidoras ( = 1,801) é superior ao de choques

negativos ( = 0,792). Essa diferença é confirmada pelo teste de simetria, que atesta a

transmissão de preços assimétrica no curto prazo.

Os coeficientes dos termos de correção de erro, por sua vez, apresentam o sinal

negativo esperado. Isso porque quando os preços estão acima (abaixo) do equilíbrio,

espera-se que eles decresçam (aumentem) (WELDESENBET, 2013). Desvios positivos do

equilíbrio de longo prazo seriam reparados mais rapidamente (θ⁺ = -0,166) do que os

desvios negativos (θ⁻ = -0,129). Contudo, enquanto o coeficiente ligado ao termo de

correção de erro positivo é estatisticamente significativo ao nível de 10%, o coeficiente do

termo de correção de erro negativo não demonstra significância estatística. Como a


hipótese nula de que os coeficientes dos termos de correção de erro positivo e negativo são

iguais não pode ser rejeitada, tem-se simetria na transmissão de preços no longo prazo.

Logo, os resultados indicam a existência de assimetria na transmissão de preços do

etanol hidratado no atacado para o varejo no Estado de São Paulo no curto prazo, sendo a

assimetria positiva, ou seja, no curto prazo os preços no varejo reagem com maior

intensidade ao aumento nos preços no atacado do que a uma diminuição nesta variável de

mesmo montante (PELTZMAN, 2000).

Evidências semelhantes foram encontradas por Santos (2012), que verificou que

varejistas de diversas cidades de São Paulo repassavam aos consumidores os acréscimos

nos preços de distribuição do etanol hidratado mais rapidamente do que os decréscimos.

Assim como para o etanol hidratado, testes de raiz unitária foram realizados (DF-

GLS, Phillips-Perron e KPSS) para verificar a ordem de integração das séries de preços da

gasolina comum (Tabela 5, do Apêndice).

Os resultados sugerem a presença de uma raiz unitária nas séries de preços em

nível. A única exceção é o teste KPSS com constante e tendência, onde não há a rejeição

da hipótese nula de que as séries (tanto do atacado como do varejo) são estacionárias.

Analisando as variáveis em primeira diferença, os testes atestam a estacionariedade das

mesmas. Portanto, depreende-se que as séries em estudo são integradas de ordem um.

Em seguida, o procedimento de Johansen (1988) é empregado para avaliar se as

séries de preços da gasolina comum no atacado e no varejo são cointegradas. Não havendo

concordância entre os critérios quanto à ordem ideal de defasagem, adotou-se a menor,

indicada pelo critério de informação de Schwarz, que equivale a duas defasagens no VAR,

e consequentemente, uma defasagem para o procedimento de Johansen. Optou-se pela

inclusão de constante na relação cointegrante e no vetor autorregressivo.


Tanto o teste do traço, como o do máximo autovalor, indicam a presença de um

vetor de cointegração entre os preços (Tabela 6, do Apêndice). Conclui-se que as variáveis

são cointegradas, o que possibilita estimar um Modelo de Correção de Erros.

Os resultados do ECM, o qual evidencia a reação dos preços da gasolina comum no

varejo a choques ocorridos nos preços no atacado, são apresentados na Tabela 2. O número

de defasagens das variáveis explicativas foi escolhido de maneira a minimizar o critério de

informação de Akaike. Os coeficientes estimados são em sua maioria significativos.

No tocante à regressão de cointegração, os coeficientes estimados também são

significativos. De acordo com os valores obtidos, um acréscimo (redução) de R$ 1,00 no

preço médio de atacado ocasiona uma elevação (decréscimo) de R$ 1,24 no preço médio

de varejo. Dessa forma, choques nos preços de distribuição têm um impacto

proporcionalmente maior sobre os preços de revenda no longo prazo.

Com relação à transmissão de preços no curto prazo, percebe-se que o ajuste

contemporâneo de variações positivas nos preços da gasolina comum nas distribuidoras

(γ₀⁺ = 1,177) é maior do que em caso de variação negativa (γ₀⁻ = 0,606). Depois de um

mês, observa-se que o repasse acumulado de choques positivos nos preços do atacado

( = 1,519) é maior do que o de choques negativos ( = 0,300). Ademais,

quanto ao teste de significância, a hipótese nula de transmissão de preços simétrica no

curto prazo é rejeitada.

Considerando os termos de correção de erro, seus coeficientes estimados exibem o

sinal negativo esperado. Todavia, somente o coeficiente relacionado ao termo de correção

de erro positivo é significativo, ao nível de 10%. Sobre os valores reportados, desvios

positivos do equilíbrio de longo prazo seriam restaurados mais rapidamente (θ⁺ = -0,129)

do que os desvios negativos (θ⁻ = -0,012). Contudo, a hipótese nula de igualdade entre os

coeficientes dos termos de correção de erro (θ⁺ = θ⁻ ) não é rejeitada.


Tabela 2 – Resultados do Modelo de Correção de Erros para a gasolina comum

Coeficiente estimado Estatística t


α 0,001 0,58
γ₀⁺ 1,177 35,79 ***
γ₁⁺ 0,342 2,89 ***
γ₀⁻ 0,606 10,18 ***
γ₁⁻ -0,306 -2,40 **
λ₁⁺ -0,435 -4,36 ***
λ₂⁺ -0,069 -2,09 **
λ₁⁻ 0,547 3,33 ***
θ⁺ -0,129 -1,91 *
θ⁻ -0,012 -0,25
R² ajustado 0,929
p-valor (LM2) 0,819
p-valor (LM4) 0,804
p-valor (LM6) 0,888
p-valor (Q6) 0,975
p-valor (Q12) 0,909
p-valor (Q18) 0,954
Resultados dos testes de simetria de longo prazo e de
curto prazo
Longo prazo F (1, 137) = 1,46
(θ⁺ = θ⁻ ) p-valor (0,229)
Curto prazo F (1, 137) = 31,33
( ) p-valor (0,000)***
Regressão de Cointegração
Coeficiente estimado Estatística t
β₁ -0,198 -8,02***
β₂ 1,244 107,73***
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: Os símbolos ***, ** e * indicam significância a 1%, 5% e 10%,

respectivamente.

Portanto, a transmissão de preços assimétrica no curto prazo é confirmada para o

estágio de distribuição da gasolina comum no Estado de São Paulo. Além disso, foi
constatada assimetria positiva, de modo que no curto prazo, os preços da gasolina comum

no varejo respondem mais intensamente a aumentos nos preços no atacado.

Resultados similares foram encontrados por Resende e Alves (2012) para o

mercado de gasolina de Belo Horizonte (MG). Segundo os autores, os ajustes de preços

assimétricos prevaleceriam no estágio de distribuição desse combustível.

Sendo assim, as evidências apresentadas neste trabalho dão embasamento para que

os órgãos públicos responsáveis possam investigar a fundo as reais causas desse

comportamento assimétrico dos preços, e a partir de então, tomar as medidas cabíveis no

sentido de corrigir possíveis falhas de mercado.

5 CONCLUSÃO

No presente trabalho, buscou-se analisar o mecanismo de transmissão de preços no

estágio de distribuição dos combustíveis automotivos – gasolina comum e etanol hidratado

– no Estado de São Paulo, com o propósito de identificar a existência de assimetria nos

ajustes de preços. Com essa finalidade, Modelos de Correção de Erros foram estimados a

partir de séries de preços mensais da gasolina comum e do etanol hidratado, nos níveis de

atacado e varejo, referentes ao Estado paulista no período de 2002 a 2015.

Os resultados obtidos para o etanol hidratado e para a gasolina comum foram

bastante similares. Com base nos coeficientes estimados do Modelo de Correção de Erros,

constatou-se que o repasse de variações positivas nos preços dos combustíveis no atacado é

superior ao de variações negativas no curto prazo. Com relação aos testes de simetria

realizados, estes confirmaram a transmissão de preços assimétrica do atacado para o varejo

no curto prazo; no entanto este quadro não se repetiu no longo prazo.

Embora a abordagem empregada não permita identificar o que estaria causando este

comportamento assimétrico dos preços, algumas explicações plausíveis podem ser

sugeridas. Assim, a justificativa que parece se adequar melhor aos resultados obtidos é a de
que os consumidores, ao se anteciparem às elevações no preço de um combustível,

aumentam seu nível de consumo, expandindo a demanda pelo produto, o que precipita o

esgotamento dos estoques dos postos. Desse modo, ocorre redução no intervalo de tempo

para que os varejistas voltem a adquirir o combustível das distribuidoras, o que acelera o

reajuste ascendente dos preços da mercadoria na bomba. Por vezes, essa expansão da

demanda ocasionaria uma elevação nos preços ao consumidor em proporções maiores a

dos preços nas distribuidoras. Contudo, quando há a perspectiva de redução nos preços,

retoma-se o nível de consumo habitual, estendendo a duração dos estoques dos postos de

combustíveis, e consequentemente, retardando a assimilação das variações negativas nos

preços de atacado pelos preços de varejo.

Entre as outras possíveis explicações para a assimetria constatada, está o poder de

mercado que os varejistas da região poderiam exercer. Assim sendo, em caso de elevação

nos preços dos combustíveis no atacado, os varejistas logo repassariam esse aumento para

o consumidor final. Todavia, se ocorresse redução nos preços de venda pelo atacado, a

transmissão desta para os preços de revenda poderia ser distribuída ao longo de alguns

meses, o que garantiria aos postos de combustíveis uma margem de lucro maior no curto

prazo. Além disso, tem-se o elevado custo de pesquisas quanto a preços pelo consumidor.

Assim, os varejistas poderiam estar repassando as variações nos preços do atacado para os

preços de revenda de maneira assimétrica no curto prazo, considerando que neste intervalo

de tempo o consumidor não é levado a efetuar uma pesquisa, o que não aconteceria, caso a

assimetria se estendesse no longo prazo. O emprego de ambas as justificativas de maneira

mais acertada, no entanto, exige uma análise com séries de preços mais desagregadas e o

uso de outras variáveis, como o grau de exposição dos preços praticados pelos varejistas

em seus estabelecimentos, ou a localização dos mesmos (cidades ou rodovias), dados de

mais difícil acesso.


A utilização de carros com a tecnologia flex-fuel – que possibilita a substituição

entre a gasolina e o etanol hidratado, de acordo com a relação de preços entre os dois

produtos – parece não se constituir, ainda, em uma alternativa totalmente eficiente para

reduzir as perdas relacionadas às flutuações dos preços dos combustíveis. Como a

transmissão de preços é assimétrica no estágio de distribuição da gasolina comum e do

etanol hidratado, a substituição de determinado combustível por outro não evita que o

consumidor incorra em algum prejuízo advindo da assimetria positiva.

Portanto, mesmo sem poder afirmar qual circunstância realmente estaria originando

a assimetria na transmissão dos preços, as evidências encontradas devem se prestar ao

monitoramento do funcionamento desses mercados, visando o combate a práticas

comerciais anticompetitivas.

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Agricultural Economics, Praga, v. 59, n. 11, p. 512–524, 2013.
APÊNDICE

Tabela 3 – Resultados dos testes de raiz unitária para o etanol hidratado

Variável em Nível Variável em Primeira Diferença


constante constante
nenhum constante nenhum constante
e tendência e tendência
Preço no atacado

DF-GLS - -0,149 -1,962 - -1,837 -8,284***

(7) (10) (13) (0)

PP 0,117 -1,563 -3,506** -8,260*** -8,145*** -8,109***

(3) (0) (1) (5) (6) (6)

KPSS - 1,300*** 0,103 - 0,023 0,021

(9) (8) (3) (3)

Preço no varejo

DF-GLS - 0,044 -1,867 - -8,278*** -8,291***

(7) (9) (0) (0)

PP 0,323 -1,612 -3,698** -7,716*** -7,690*** -7,651***

(4) (3) (2) (8) (9) (9)

KPSS - 1,362*** 0,109 - 0,033 0,021

(9) (8) (4) (4)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: Entre parênteses o número de defasagens incluídas (para o DF-GLS), ou o tamanho da janela escolhida

(para o Phillips-Perron e o KPSS). Os símbolos *** e ** indicam rejeição da hipótese nula a 1% e 5%

de significância, respectivamente.
Tabela 4 – Resultados dos testes de cointegração de Johansen para o mercado de etanol

hidratado

Estatística do Valores críticos


Hipótese p-valor
teste (5%)

Nula Alternativa

Teste do traço

r=0 r>0 36,187 25,872 0,002

r≤1 r>1 9,907 12,518 0,131

Teste de máximo autovalor

r=0 r=1 26,281 19,387 0,004

r=1 r=2 9,907 12,518 0,131

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: r é o rank de cointegração. Valores críticos obtidos em Mackinnon et al. (1999).


Tabela 5 – Resultados dos testes de raiz unitária para a gasolina comum

Variável em Nível Variável em Primeira Diferença

constante e constante e
nenhum constante nenhum constante
tendência tendência

Preço no atacado

DF-GLS - 1,286 -2,384 - -8,400*** -8,470***

(3) (2) (0) (0)

PP 1,990 -0,481 -2,291 -7,817*** -7,941*** -7,899***

(5) (4) (3) (10) (11) (12)

KPSS - 1,247*** 0,127 - 0,101 0,084

(10) (9) (5) (5)

Preço no varejo

DF-GLS - 1,082 -2,567 - -9,139*** -9,212***

(1) (2) (0) (0)

PP 2,188 -0,149 -2,204 -8,759*** -8,867*** -8,847***

(4) (4) (2) (6) (9) (9)

KPSS - 1,311*** 0,124 - 0,096 0,070

(10) (9) (4) (4)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: Entre parênteses o número de defasagens incluídas (para o DF-GLS), ou o tamanho da janela escolhida

(para o Phillips-Perron e o KPSS). Os símbolos *** e ** indicam rejeição da hipótese nula a 1% e 5%

de significância, respectivamente.
Tabela 6 – Resultados dos testes de cointegração de Johansen para o mercado de gasolina

comum

Estatística do Valores críticos


Hipótese p-valor
teste (5%)

Nula Alternativa

Teste do traço

r=0 r>0 19,661 15,495 0,011

r≤1 r>1 0,009 3,841 0,925

Teste de máximo autovalor

r=0 r=1 19,652 14,265 0,006

r=1 r=2 0,009 3,841 0,925

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.

Nota: r é o rank de cointegração. Valores críticos obtidos em Mackinnon et al. (1999).


O impacto da crise de 2015 no Polo Industrial de Manaus: o caso do polo duas rodas1

Vanessa Fonseca Oliveira2


Elane Conceição de Oliveira3

RESUMO

O artigo analisa o impacto da crise brasileira de 2015 sobre o Polo Industrial de Manaus
(PIM). Para isto, realizou-se uma análise de impacto baseada no modelo de insumo-produto.
Essa análise referiu-se ao impacto de uma queda no faturamento real do Polo Duas Rodas
do PIM, em 20015, sobre o valor bruto da produção (VBP) e o valor adicionado bruto (VAB)
do Estado do Amazonas. Após o ajuste realizado na Tabela de Recursos e Usos do Estado
do Amazonas (TRU/AM-2006), elaborou-se: (a) a matriz de impacto de coeficientes fixos
diretos, (b) a matriz de demanda por atividades e (c) o vetor de composição da demanda final
por atividade relativamente ao componente exportação de bens e serviços para o resto do
país. E, com o uso da Matriz Insumo-Produto do Estado do Amazonas (MIP/AM-2006),
elaborou-se a matriz de impacto total da economia do Amazoans por setores de atividades
econômicas. Os resultados apontam que houve, em 2015, um recuo de 55,6% no faturamento
real do Polo Duas Rodas,em relação ao ano anterior; além do que a análise impacto mostrou
que tanto o VBP quanto o VAB do Estado do Amazonas recuaram -6,76% e -5,09%,
respectivamente.

Palavras-chaves: crise econômica; matriz insumo-produto; Polo Industrial de Manaus.

ABSTRACT

This article studies the impact of the 2015 Brazil crisis on the Manaus Industrial Park (PIM).
To this end, impact assessment was conducted using the input-output model. The study
focused on the impact of the decrease in actual revenue in the two-wheel sector for 2015 on
the Gross Value of Production (GVP) and the Gross Value Added (GVA) of the state of
Amazonas. Once the State of Amazonas Supply and Uses Table (TRU/AM-2006) was
adjusted, it was possible to design: (a) a direct impact fixed coefficient matrix; (b) a demand
matrix per activity; (c) a final demand vector composition by activity for goods and services
exports to the rest of the country. Based on the State of Amazonas Input-Output Matrix
(MIP/AM-2006), the overall economic impact matrix was designed for each economic
activity sector in Amazonas. Results show a 55.6% decrease in the two-wheel sector actual
revenue for 2015 in comparison with the previous year and the impact assessment also shows
that both GVP and GVA were negatively affected in the State of Amazonas at the rate of -
6.76% and -5.09% respectively.

Keywords: economic crisis; input-output matrix; Manaus Industrial Park.

1
Projeto de inciação científica em andamento. Programa de Iniciação Científica, Escola Supeior de Ciências
Sociais, Universidade do Estado do Amazonas (PAIC 2016-2017 – ESO/UEA). Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
2
Graduanda em ciências econômicas e bolsista do PAIC 2016-2017 – ESO/UEA. Email: vfo.ecn@uea.edu.br.
3
Professora Adjunta, Universidade do Estado do Amazonas. Email: ecoliveira_eco@hotmail.com.
INTRODUÇÃO

A Grande Depressão, em 1929, mergulhou o mundo em profunda crise. Muito embora,

ela tivesse sido uma tragédia gratuita e desnecessária para muitos economistas – como relata

Paul Krugman em seu livro "A crise de 2008 e a economia da depressão” – as economias

mundiais foram balanceadas e os países tiveram que reaver seus remédios econômicos

convencionais.

Para Abreu (2014), a severidade do impacto da “grande depressão” sobre a economia

mundial resultou em importante diminuição da importância relativa dos fluxos comerciais e

financeiros externos, especialmente em países, como o Brasil, que se recuperaram

rapidamente dos efeitos mais graves da depressão sobre a atividade econômica. Tais países

se “voltaram para dentro”, com o crescimento dependendo crucialmente da capacidade de

acomodar o deslocamento da demanda, afirma Abreu.

Foram essas circunstãncia que impulsioram o avanço da industrialização no país.

Segundo Gremaud (2014) e Giambiagi (2011), a década de 1930, assim como as décadas

subsequentes, compõem o período em que houve forte avanço do setor industrial no Brasil

através do Processo de Substitução de Impostações (PSI); cujas características principais é

uma industrialização fechada que responde a desequilíbrios externos e é realizada por etapas

ou fases.

Para tanto, foi na fase de produção de bens de consumo duráveis (especialmente

indústria automobilística, eletrodoméstica e eletroeletrônica) do PSI, a partir da segunda

metade da década de 1950, que surgiu a Zona Franca de Manaus (ZFM) como um dos vários

organismos regionais que foram criados na ocasião em resposta a grande concentração

econômica industrial que se deu nessa fase do PSI.

Tanto é que, segundo Mahar (1978), a “Operação Amazônia”, cuja pedra angular foi a Lei
nº. 5.173/1966, seria orientada para estabelecer “polos de desenvolvimento” e grupos de populações

estáveis e autossuficientes na região Amazônia, além de objetivar estimular a migração, proporcionar

incentivos ao capital privado, desenvolver a infraestrutura e pesquisar o potencial de recursos

naturais na região. E essas transformações decorrentes da “Operação Amazônia” se intensificaram

na região com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), Banco

da Amazônia (BASA) e Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), responsável

pelos incentivos fiscais da ZFM (IANNI, 1986).

Assim, criada pela Lei nº 3.173/57, durante o governo desenvolvimentista de Juscelino

Kubitschek, ela foi alterada após dez anos pelo Decreto-Lei nº 288/67 e regulamentada pelo

Decreto nº 61.244/67. A ZFM é disciplinada como uma área de livre comércio de importação

e exportação e de incentivos fiscais especiais, destinada a criar no interior da Amazônia um

centro industrial, comercial e agropecuário, dotado de condições econômicas para promover

o desenvolvimento regional. Mas, para Benchimol (1977), o grande argumento para sua

institucionalização foi de caráter geopolítico, dentro de uma estratégia de segurança e

desenvolvimento nacional: criar no centro da Amazônia um polo dinâmico comercial,

industrial, agrícola e de serviços para servir de apoio logístico à ocupação do mediterrâneo

e do grande arco de fronteira cisandina e subguiana, em equivalência à ação observada nas

outras amazônias não brasileiras.

Atualmente, a ZFM tem aproximadamente 600 empresas com projetos aprovados no

PIM e as indústrias recebem incentivos fiscais4 para comércio, exportação e importação de

produtos. O fato é que hoje a ZFM tem no Polo Industrial de Manaus (PIM) o principal vetor

de crescimento econômico do modelo e o carro-chefe da economia do Estado; o que faz com

que o Produto Interno Bruto (PIB) do Amazonas alcance a 6º posição no ranking nacional.

4
Redução de até 88% no II sobre insumos; corte de 75% no IRPJ; isenção de IPI, da contribuição para o PIS-
Pasep e da Cofins; restituição total ou parcial do ICMS; conceções na compra/aluguel de terreno local.
Mas nem tudo são flores. A extrema concentração produtiva em determinados setores de

atividades, como Polo Duas Rodas, Concentrados, Eletroeletrônico e Informática, aliada a

concentração urbana em Manaus e o subdesenvolvimento do interior do Estado5, têm

demonstrado a fragilidade desse modelo frente as crises externas e internas recentes, como

a crise de 2008 e a crise de 2015, respectivamente.

No que se refere à crise de 2008, Chang (2013) explica que, embora o estímulo fiscal

e monetário de uma escala sem precedente tenha evitado que o desastre financeiro de 2008

se transformasse em um colapso total da economia mundial, o colapso global de 2008

continua a ser a segunda maior crise econômica da história, depois da Grande Depressão. Já

Krugman (2009) assevera que a crise de 2008 não se assemelha a nada que tenhamos visto

antes. Porém, para ele, ela se parece com qualquer outra que já presenciamos em diferentes

épocas, só que, agora, é como se todas estivessem acontencendo de uma vez, ao mesmo

tempo: estouro da bolha de imóveis; ondas de corridas bancárias; armadilha de liquidez nos

EUA; e, mais recentemente, ruptura dos fluxos de capital internacionais e sucessão de crises

cambiais, análogas às que varreram a Ásia, em fins da década de 1990.

Mais especificamente, com relação à crise doméstica de 2015, no período de 2004 a

2010, segundo Matos (2016), a economia brasileira experimentou uma fase de elevado

crescimento com estabilidade macroeconômica e melhora dos indicadores sociais, tendo a

taxa média de crescimento do PIB alcançado 4,5% a.a; entrando em recessão no segundo

trimestre de 2014, após 20 trimestres consecutivos de expansão.

Estudos do BID e do FMI enfatizam fatores externos como os mais relevantes para a

desaceleração da economia brasileira, explica Matos. No entanto, apesar das dificuldades

enfrentadas pela economia mundial, está longe de ser óbvio que fatores externos sejam os

5
Ferreira (2003).
fatores determinantes para o mau desempenho da economia do país, pois esta desacelerou

mais expressivamente que a de outros países e esse processo se acentuou em 2015, conclui

Matos.

Essa desaceleração rebateu fortemente sobre a indústria de transformação do PIM.

Segundo dados da Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física, do IBGE, publicada em

janeiro do corrente ano, a produção da indústria nacional decresceu 5,2%, no acumulado dos

últimos doze meses. Enquanto a indústria do PIM decresceu 8%, com especial atenção para

os setores de fabricação de máquinas e equipamento (-45,6%) e fabricação de outros

equipamentos de transportes (-25,4%). E um dos fatores que podem explicar esse

comportamento foi a diminuiçao da demanda por bens de consumo impulsionada pela queda

do rendimento médio real. Este gera efeitos negativos na indústria de transformação, pois

retraem os investimentos produtivos e o consumo de bens não essenciais.

Nesse contexto, o objetivo do trabalho foi analisar o impacto da crise econômica

brasileira de 2015 no Polo Industrial de Manaus, a partir da queda do faturamento do Polo

Duas Rodas (fabricação de outros equipamentos de transportes), ajustado pelo IPA-DI/FGV,

ano base 2006. Primeiramente, na introdução, faz-se um panorama do processo de

industrialização nacional até chegar ao modelo de desenvolvimento da ZFM e ao atual

desempenho econômico do PIM. Em seguida, demonstra-se o modelo teórico de análise

utilizado na pesquisa e todos os procedimentos metodológicos e as fontes de dados, com

ênfase na TRU/AM-2006 e MIP/AM-2006, ao realizar-se os ajustes necessários. Segue-se

para os resultados e discussões, demonstrando como a indústria move a economia do Estado,

a importância dos produtos produzidos no PIM, o desempenho recente do polo duas rodas e

a análise de impacto. Por fim, as considerações finais.


METODOLOGIA

O modelo teórico de análise

O modelo teórico de análise dessa pesquisa baseia-se na análise de insumo-produto

desenvolvida na década de 1930, pelo economista russo Leontief. A informação principal

dessa análise consiste nos fluxos de produtos de cada setor industrial produtor para cada um

dos setores consumidores, sendo tal informação representada por uma tabela de relações

interindustriais ou tabela de insumo-produto (MILLER & BLAIR, 2009; GUILHOTO,

2009). Esses os fluxos intersetoriais são determinados por fatores tecnológicos e econômicos

e podem ser descritos por um sistema de equações simultâneas representadas por

(HADDAD, 1976; LEONTIEF, 1986; MONTOYA, 1998; GUILHOTO, 2009):

X = AX + Y

onde X é um vetor (nx1) com o valor da produção total por setor; Y é um vetor (nx1) com

os valores da demanda final setorial e A é uma matriz (nxn) com os coeficientes técnicos

de produção. Nesse modelo, o vetor de demanda final é geralmente tratado como exógeno

ao sistema e, portanto, o vetor de produção total é determinado unicamente pelo vetor de

demanda final, isto é:

X = BY

B = (I − A)−1

onde B é uma matriz (nxn) contendo a matriz inversa de Leontief. De acordo com Guilhoto

(2009) e Haddad (1976), cada elemento da matriz inversa de Leontief deve ser interpretado

como sendo a produção final total do setor que é necessária para produzir uma unidade de

demanda final do setor. Ou melhor, representa os requisitos diretos e indiretos de insumos

do setor a cada real de demanda final à produção do setor.


Fontes e tratamento dos dados utilizados para a análise de impacto

Os procedimentos metodológicos para o tratamento dos dados tiveram 03 (três) etapas.

Na primeira etapa, foi realizado um ajuste nas atividades da Tabela de Recursos e Usos do

Estado do Amazonas, ano de referência 2006 (TRU/AM-2006) (SUFRAMA, 2016a), com

dimensão inicial N110 x N56. Com o ajuste, a tabela passou a ter uma dimensão N110 x N49.

O ajuste foi necessário em virtude de se manter a quantidade de atividades da TRU/AM-

2006 compatíveis com a quantidade de atividades da Matriz Insumo-Produto/AM-2006

(MIP/AM-2006) (anexo I), com dimensão N49 x N49 (SUFRAMA, 2016b) para se poder

realizar a análise de impacto. Outro motivo do ajuste foi porque havia diversas atividades

nessa tabela que não eram produzidas pelo PIM6.

Numa segunda etapa, foi elaborado uma matriz (m x n) de coeficiente fixos diretos

(anexo II) a partir da TRU/AM-2006 já ajustada. A utilização de coeficientes diretos é

extremamente versátil, em que cada elemento dessa matriz representa a quantidade de

alguma variável que é gerada por unidade de produção da respectiva atividade (HADDAD,

1989; MILLER & BLAIR, 2009; GUILHOTO, 2009). Para essa pesquisa, os elementos

dessa matriz são os coeficientes de VBP (valor bruto da produção) e VA (valor adicionado),

que foram obtidos dividindo-se, para cada setor, o valor utilizado destas variáveis na

produção total pela produção total do setor correspondente, isto é:

𝐕𝐢
𝐯𝐢 =
𝐗𝐢

, onde é o coeficiente direto da variável estudada; é valor da variável estudada emquestão;

e, 𝑋𝑖 é o valor bruto da produção do setor 𝑗.

6
Minério de ferro; produtos do fumo; artefatos couros e calçados; álcool; defensivos agrícolas; automóveis,
caminhonetas e utilitários; caminhões e ônibus.
Na terceira etapa, elaborou-se um vetor (m x 1) caracterizado nessa pesquisa como

um vetor de demanda final exógeno ao modelo. Esse vetor faz alusão a um cenário do

impacto do desempenho econômico do polo duas rodas, durante a crise nacional de 2015,

sobre a economia amazonense. Os dados foram de faturamento total do polo duas rodas,

numa série temporal de 2006 a 20167, fornecidos pela Coordenação de Estudos Econômicos

e Empresariais da Superintendência da Zona Franca de Manaus (COGEC/SUFRAMA).

Todos os anos foram corrigidos pelo IPA-DI/FGV, para o ano base de 2006, com o fim de

se obter o faturamento real e a taxa de crescimento real desse setor ao longo do tempo.

Como parâmetro para construção desse vetor, utilizou-se o componente da demanda final

“exportações de bens eserviços para o resto do Brasil” (anexo III), por refletir o modelo ZFM

de substituição de importações. Para sua construção, primeiro, elaborou-se uma matriz de

demanda final por atividade8. Em seguida, calculou-se a participação de cada atividade da

indústria de transformação nas exportações para o resto do Brasil. Por fim, diluiu-se o

resultado do desempenho do faturamento real de 2015 relativamente ao ano anterior nessas

diversas atividades.

Análise de impacto

A análise de impacto foi realizada a partir do modelo teórico de análise:

X = (I − A)−1 𝑌

Para isto foi utilizada a MIP/AM-2006 (Matriz de Insumo-Produto do Estado do

Amazonas, ano de referência 2006). A partir dela, mensurou-se o impacto que mudanças

ocorridas no desempenho econômico do Polo Duas Rodas durante a crise nacional de 2015

7
Para o ano de 2016, o faturamento era até o mês de outubro daquele ano.
8
A matriz de demanda final por atividade foi elaborada com o auxílio da TRU-AM/2006, multiplicando-se a
matriz marketshare (N49 x N110) pela matriz de demanda final (N110 X N7).
puderam causar na economia amazonense, especificamente no VBP e no VA da economia

local. A análise de impacto foi realizada multiplicando a MIP/AM-2006 pela matriz de

coeficientes fixos diretos, o que resultou na matriz de impacto total da economia, e esse

resultado foi multiplicado pelo vetor de demanda final, no que se refere ao componente da

demanda final exportações de bens e serviços para o resto do país.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise descritiva da indústria de transformação do PIM e do Setor Duas Rodas

A indústria sustenta a economia amazonense. O valor adicionado bruto da indústria

representou, em 2014, 34% do restante das atividades produtivas, onde a indústria de

transformação participou com a aproximadamente 70% desse total, conforme (IBGE, 2017a)

(Gráfico 1).

Gráfico 1: Valor adicionado bruto das atividades do Amazonas, 2014.


Fonte: IBGE – Contas Regionais, 2010-2014. Resultado da pesquisa: elaboração própria.

A indústria de transformação amazonense possui significativa participação na

indústria nacional. Alguns produtos produzidos no PIM estão entre os 100 (cem) maiores

produtos vendidos no país, como é o caso das motocicletas, aparelhos de ar-condicionado e

celulares, que alcançaram o primeiro e segundo lugar, respectivamente, em vendas no país

entre os estados produtores, no ano de 2014, conforme o IBGE (2017b) (Quadro 1).
Produção e vendas dos principais produtos
industriais em termos de vendas - 2014
Produto
Posição no país entre os Posição do
100 maiores produtos PIM entre os
vendidos estados
Refrigerantes 11º 9º
Telefones celulares 15º 2º
Extração de petróleo e gás 26º 4º
Televisores 28º 1º
Concreto usinado 35º 7º
Preparações em xarope para elaboração de bebidas, para 39º 1º
fins industriais

Caixas de papelão 40º 6º


Computadores pessoais portáteis (laptops, notebook, 43º 2º
handhelds, tablets e semelhantes)
Motocicletas (inclusive os motociclos) com motor de 45º 1º
pistão alternativo de cilindrada superior a 50 cm3 e
menor ou igual a 250 cm3
Aparelhos de ar condicionado de paredes, de janelas ou 75º 1º
transportáveis, inclusive os do tipo split system
Chapas, bobinas e outros laminados metálicos cortados 77º 7º
em qualquer forma
Pedras britadas 78º 10º
Filmes (películas) de material plástico (exceto BOPP) para 95º 8º
embalagem, mesmo impressos, metalizados ou trabalhados
por outro processo, inclusive em bobinas ou rolos
Quadro 1: Produção e vendas dos principais produtos industriais – 2014.
Fonte: IBGE - PIA Produto, 2014.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.

No entanto, essa indústria vem sofrendo as consequências da instabilidade econômica

do país. De acordo com o IBGE (2017c), a produção física industrial amazonense apresentou

um recuo de 8% em janeiro de 2017, indicador acumulado nos últimos doze meses, sendo

os setores de fabricação de outros equipamentos de transportes (polo duas rodas do PIM) e

fabricação de máquinas e equipamentos os que puxaram esse desempenho, com

respectivamente, -25,4% e -45,6% (Tabela 1).


Produção física
Principais atividades no AM
industrial

Fabricação de Fabricação Fabricação de


Indicador (%) equipamentos de de outros
Fabricação de
informática, máquinas, equipamentos
BR AM máquinas e
produtos aparelhos e de transportes,
equipamentos
eletrônicos e materiais exceto veículos
ópticos elétricos automotores

Variação
percentual
-5,2 -8,0 -10,4 -6,2 -45,6 -25,4
acumulada em 12
meses
Tabela 1: Produção Física Industrial do Brasil e do PIM
Fonte: IBGE – PIM/PF, janeiro/2017

Em relação ao polo duas rodas, pode-se infirir ainda que ele já vem demonstrando

sinais de desaquecimento ao longo tempo. A partir do faturamento desse setor ajustados pelo

IPA-DI/FGV, ano base 2006, o Gráfico 2 mostra que o setor teve um mal desempenho em

2009 frente à crise de 2008, retornando a cair em 2012 até a instauração da crise de 2015,

quando teve seu pior desempenho, - 55,6% (SUFRAMA, 2017c).

Gráfico 2: Taxa de crescimento real do faturamento do Polo Duas Rodas, ano base 2006.
Fonte: SUFRAMA.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.

Análise de impacto da queda do faturamento do polo duas rodas sobre a economia


amazonense

A análise de impacto desenvolvida diz respeito aos impactos causados na economia

amazonense em face a uma queda de aproximadamente 60%, em 2015, no faturamento do


Polo Duas Rodas, sendo esse faturamento corrigido pelo IPA-DI/FGV, ano base 2006.

Para que isso se concretizasse, primeiro, foi elaborada a matriz de coeficientes de

impactos diretos. Sua elaboração se deu a partir da razão entre o VBP e o VAB de cada

atividade econômica estadual pelo próprio valor da produção da respectiva atividade. Cada

elemento dessa matriz indica a quantidade de produção ou de valor adicionado por unidade

de produção da respectiva atividade (em R$mil).

De posse dessa matriz de coeficiente de impacto direto partiu-se para uma segunda

ação, analisou-se a MIP/AM-2006. Nela contém os coeficientes que possibilitam estimar os

impactos sobre diversas variáveis da economia. Esses coeficientes mostram os efeitos diretos

e indiretos de acordo com as modificações exógenas da demanda final. Nas linhas há a

distribuição da produção de um setor através de toda a economia e nas colunas há a

composição dos insumos requeridos por uma indústria particular para desenvolver sua

produção. Então, cada elemento dela é interpretado como sendo a produção total do setor i

que é necessária para produzir uma unidade de demanda final do setor j. E, assim

sucessivamente, a partir da MIP/AM-2006, foi possível se observar as relações intersetoriais

da indústria de transformação do PIM nos seus mais diversos setores dentro do sistema

econômico estadual. Por exemplo, a produção total do setor de outros equipamentos de

transportes (polo duas rodas) necessária para produzir uma unidade de demanda final do

próprio setor é 1,14065760862876.

Então, multiplicando a matriz de coeficiente de impacto direto pela matriz de

coeficientes de impacto intersetorial direto e indireto (MIP/AM-2006), idealizou-se a matriz

de coeficientes de impacto total da economia amazonense por atividade, no que se refere ao

valor bruto da produção e ao valor adicionado. Cada elemento dessa nova matriz expressa o

impacto total direto e indireto no valor bruto da produção e no valor adicionado de cada

atividade estadual gerados por unidades de valores de demanda final.


De posse da matriz acima, numa terceira fase, parte-se para a realização da análise de

impacto propriamente dita. Essa análise de impacto partiu de uma retração ocorrida no

faturamento do polo duas rodas no ano de 2015, em virtude da crise econômica e política

que se instaurou no país a partir do segundo trimestre de 2014. O faturamento encolheu

porque as vendas para o resto do país diminuíram, especialmente porque a produção de motos

do Amazonas supre toda a demanda nacional. Logo, foram estimados os impactos dessa

mudança exógena ao sistema insumo-produto estadual sobre o valor bruto da produção e o

valor adicionado bruto do Estado do Amazonas. Para isto, multiplicou-se a matriz impacto

total da economia pelo vetor exógeno de demanda final, resultante do vetor de composição

dos componentes da demanda final por atividade (que foi elaborado pelo componente da

demanda final exportações de bens e serviços para o resto do Brasil presente na TRU/AM-

2006). Assim, tem-se a estimação do impacto total e relativo sobre as variáveis VBP e VAB.

O Quadro 2 mostra, em termos absolutos, o vetor de resultado do impacto na economia

do Estado. Por ele, é possível diagnosticar que houve um decrescimento tanto no valor bruto

da produção quanto no PIB estadual em face da crise econômica e política do país.

Vetor de resultado do impacto na economia estadual


Item Descrição das Resultados gerados pela queda
Variáveis/Atividades de 55,6% no faturamento do
Polo Duas Rodas do PIM

1 Valor Bruto da - 5.994.210


Produção (VBP)

2 Valor Adicionado - 1.678.924


Bruto (VAB)
Quadro 2: vetor de resultado de impacto total na economia estadual.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.
O Quadro 3 mostra o vetor de referência da economia estadual, presente na

TRU/AM-2006.

Vetor de Referência ano 2006 (TRU/AM-2006)


Item Descrição das Valores de 2006
Variáveis/Atividades (valores correntes
em 1.000 R$)

1 Valor Bruto da Produção 88.600.280


(VBP)

2 Valor Adicionado Bruto 32.976.486


(VAB)
Quadro 3: vetor de referência da economia estadual.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.

O Quadro 4 mostra o vetor de impacto relativo da economia estadual. Pela análise de

impacto houve um encolhimento na economia estadual, em termos de valor adicionado, de

5,01%, ao passo que o valor bruto da produção total encolheu 6,765%, em face da crise de

2015.

Vetor de impacto relativo na economia estadual

Resultados gerados pela queda


Descrição das de 55,6% no faturamento do
Variáveis/Atividades Polo Duas Rodas do PIM
Item

1 Valor Bruto da Produção -6,765%


(VBP)
2 Valor Adicionado Bruto -5,091%
(VAB)
Quadro 4: vetor de impacto relativo da economia estadual.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.

A queda observada pela análise de impacto no modelo insumo-produto, somente indica uma

realidade da indústria local - alta dependência do mercado nacional em face de uma industrialização

por substituição de importações. Tanto é que o Gráfico 3 mostra a composição da demanda final de

outros equipamentos de transportes (motos), para o ano de 2006. Por ele é possível perceber que 96%

da demanda de motos é destinada ao resto do país.


Gráfico 3: Demanda final do Polo Industrial de Manaus.
Fonte: TRU/AM-2006.
Resultado da pesquisa: elaboração própria.

E como a participação da indústria de transformação no VAB é alta, qualquer abalo na

renda nacional – seja em virtude de crises externas, como a de 2008, seja em virtude de crises

domésticas, como a de 2015 – afeta diretamente a produção regional, reduzindo a produção

de motos, celulares e outros. O impacto da crise de 2015 sobre o PIM reduziu a demanda

por motos, especialmente porque a demanda por bens não essenciais no país obteve uma

queda em virtude da queda do rendimento médio real, aliado à restrição do crédito e a alta

do dólar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Polo Duas Rodas é um dos setores carros-chefes da indústria de transformação

do PIM. Este setor é um dos responsáveis pela posição amazonense de 6° maior PIB do

Brasil. Em termos de produção e vendas no país, a produção de motos do Amazonas

representa o primeiro lugar nessa categoria, indicando que o Estado supre a demanda

nacional nesse produto.

Em 2015, sofremos uma queda de aproximadamente 60% do faturamento do Polo


Duas Rodas. As vendas para o resto do país despecaram e o faturamento total encolheu, isto

porque a produção regional fluta em relação à renda do país. Tal impacto é imediato e

fortemente sentido na economia regional e pode ser explicado pela grande participação da

indústria de transformação na economia amazonense.

Enquanto a produção física nacional retraiu 5,2%, a regional retraiu 8% recentemente;

fortemente impulsionada pela retração na fabricação fabricação de máquinas e equipamentos

(-41%), fabricação de outros equipamentos de transportes, exceto veículos automotores (-

25%) e fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-10%).

A medida que todo país sente as variações negativas da crise, o PIM sente muito mais, pois

reduz produção, postos de trabalhos são perdidos, indústrias fecham e o investimento

encolhe.

A análise de impacto do modelo de insumo-produto mostrou que o valor adicionado

do Estado encolheu 5,091%, dada as devidas limitações do modelo. De qualquer forma, é

uma redução significativa para um Estado que depende da indústria de transformação para

conduzir suas plíticas de desenvolvimento, em especial para o desafio de interiorizar o

desenvolvimento.

E os desafios do PIM são grandes. Mais recentemente, muito embora a Organização

Mundial do Comércio (OMC) tenha questionado o Brasil por causa dos incentivos fiscais da

ZFM, o órgão considerou relevante os incentivos para a Amazônia, considerando apenas ilegais

os incentivos dados a setores da indústria brasileira. E isto implica um bom caminho para o

enfrentamento da crise em face dos prováveis investimentos que podem ser capitaneados para a

região.

Outra questão é a importância do PIM para a preservação da floresta. O Amazonas possui

uma área territorial de 1.559 mil km2, o que corresponde a 18,45% da área total brasileira, 40,76%

da área da região Norte e 30,87% da área territorial da região Amazônica. Esta participação da
área territorial da Amazônia é importante, pois o Amazonas tem desmatado apenas 2,37% de sua

cobertura florestal, o que caracteriza um indicador de preservação da ordem de 97,63% de

florestas nativas. Fatores que podem explicar esse desmatamento relativamente pequeno incluem-

se o isolamento do Amazonas e as distâncias que o separam do resto do País, pois as únicas vias

de penetração são a BR-174, ao norte do Estado, e BR-319, ao sul, bem como a calha dos rios

Amazonas e Madeira.

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SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMAa).


Tabela de Recursos e Usos: TRU-AM (ano base 2006). Superintendência da Zona Franca
de Manaus e Universidade Federal do Amazonas:Coordenação Geral de Estudos
Econômicos e Empresariais - Cogec/Suframa e Faculdade de Estudos Sociais - FES/Ufam.
-Manaus: SUFRAMA, 2012a.92p. Disponível em:
<http://site.suframa.gov.br/assuntos/publicacoes/metodos-quantitativos>. Acesso em: 07
janeiro de 2017.

SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMAb).


Matriz Insumo-Produto: MIP-AM (ano base 2006). Superintendência da Zona Franca de
Manaus e Universidade Federal do Amazonas:Coordenação Geral de Estudos Econômicos
e Empresariais - Cogec/Suframa e Faculdade de Estudos Sociais - FES/Ufam. - Manaus:
SUFRAMA, 2012b. 92p. Disponível em:
<http://site.suframa.gov.br/assuntos/publicacoes/metodos-quantitativos>. Acesso em: 07
janeiro de 2017.

SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMAc).


Indicadores de Desempenho Econômico do Polo Industrial de Manaus. Disponível em:
<http://site.suframa.gov.br/assuntos/modelo-zona-franca-de-manaus/polo-industrial>.
Acesso em: 06 de junho de 2017.
ANEXO I

MIP/AM-2006

Fonte: MIP/AM-2006
ANEXO II

Matriz de coeficientes fixos diretos para o valor adicionado bruto do estado do Amazonas, ano de refereência 2006.

Fonte: Resultado da pesquisa.


ANEXO III

Parâmetro usado para elaboração do vetor de composição dos componentes da demanda


final por atividade (participação de cada atividade no total das exportações de bens e
serviços para o resto do Brasil, ano de referência 2006).

Fonte: resultado da pesquisa.


REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA INGLATERRA: BERÇO DE TRANSFORMAÇÕES
SOCIOECONÔMICAS QUE INFLUENCIARAM TODA A HUMANIDADE
Eduardo Cezar de Carvalho Souza1
Michele Lins Aracaty e Silva 2

RESUMO
Pretende-se neste artigo abordar aspectos que circundam o entendimento acerca da primeira
Revolução Industrial na Inglaterra e seus desdobramentos de cunho econômico, político e social,
bem como a visão de economistas a respeito dos acontecimentos deste período. Nota-se que em
meados do século XVIII a Inglaterra vivenciou mudanças de caráter primordialmente
econômicos que viriam a afetar os mais diversos aspectos da história em um momento conhecido
como a Revolução Industrial. Neste período, inovações tecnológicas no âmbito industrial e
agrícola na Inglaterra. A inserção de máquinas no processo produtivo gera progressivos ganhos
de produtividade, tornando seu bem final altamente competitivo nos mais diversos mercados.
Entretanto, a inserção da política de cercamentos, bem como o surgimento do capitalismo
industrial influem diretamente no êxodo urbano, e consequente inchaço populacional nas
grandes cidades. A inserção da maquinofatura traz alternância com amplitudes tangíveis a
aspectos sociais, especificamente no escopo psicológico do trabalhador, que perde sua
autoridade, conhecimento e arbitrariedade dentro do processo produtivo, tornando-se
estritamente vinculado a um capitalista que o insere em uma linha de produção, deturpando seu
conhecimento e o vinculando a uma única e repetitiva tarefa em péssimas condições de trabalho,
sem direitos e a uma remuneração baixíssima. Portanto, entende-se que a Revolução Industrial
representa uma ruptura total com diversos pontos produtivos e econômicos, tornando-se
primordial para o estabelecimento do capitalismo industrial e para impactos profundos na relação
entre o trabalhador e o capital e, desta forma, de evidente importância no debate do capitalismo
industrial e história econômica geral.

Palavras-chave: Revolução Industrial. Inovações. Transformações Socioculturais.

ABSTRACT:
This article aims to address aspects that surround the understanding of the first Industrial
Revolution in England and its economic, political and social developments, as well as the
economists' view of the events of this period.It is noted that in the middle of the eighteenth
century England experienced primarily economic changes of character that would affect the
most diverse aspects of history at a time known as the Industrial Revolution. In this period,
technological innovations in the industrial and agricultural scope in England. The insertion of
machines in the productive process generates progressive gains of productivity, making it´s
final good highly competitive in the most diverse markets. However, the insertion of the
enclosure policy as well as the emergence of industrial capitalism directly influence the urban
exodus, and consequent population swelling in the big cities. The insertion of "maquinofatura"
brings alternation with amplitudes tangible to social aspects, specifically in the psychological
scope of the worker, who loses his authority, knowledge and arbitrariness within the productive
process, becoming strictly linked to a capitalist who inserts him into a production line,
Distorting his knowledge and linking him to a single and repetitive task in bad working
conditions, without rights and very low remuneration. Therefore, it is understood that the
Industrial Revolution represents a total rupture with diverse productive and economic points,

1
Bacharel em Ciências Econômica/ UFAM. E- mail: eduardo-cezar@hotmail.com
2
Doutora em Desenvolvimento Regional/ UNISC. Docente do Curso de Ciências Econômica – UFAM. E-mail:
michelearacaty@ufam.edu.br
being essential for the establishment of industrial capitalism and for deep impacts on the relation
between the worker and the capital and, therefore, of evident importance in the debate of
industrial capitalism and general economic history.
Keywords: Industrial Revolution. Innovation. sociocultural transformations

INTRODUÇÃO
A Revolução Industrial caracteriza-se como um conjunto de mudanças de caráter
produtivo e econômico ocorridas na Europa, principalmente na Inglaterra, entre os séculos
XVIII e XIX, especificamente entre a década de 1760 a um período entre 1820 e 1840. O ponto
mais relevante dentre as diversas mudanças no período supracitado é a substituição do trabalho
de caráter artesanal por um trabalho assalariado e com o auxílio de máquinas e equipamentos.
A produção econômica europeia em um período anterior a Revolução Industrial está
veementemente vinculada ao setor agrário. o acúmulo de capital representava uma forma de
detenção do poder por parte da classe burguesa. Desta forma, com o intuito de acumular
riquezas por meio da produção nas indústrias, as consequentes inovações técnicas passam a
gerar uma grande demanda por trabalhadores que se deslocam em direção aos grandes centros
urbanos, onde passaria a se concentrar a produção nas grandes indústrias.
Desse modo, com a utilização de novas técnicas na produção como a divisão do trabalho
e novas tecnologias como máquinas movidas a vapor, os ganhos de produtividade e a
capacidade produtiva da Inglaterra cresceram exponencialmente em um curto período de tempo.

METODOLOGIA
Quando aos aspectos metodológicos, considerados como um instrumento necessário ao
pesquisador uma vez que compreende a análise da pesquisa e a busca do conhecimento. Para
tanto, esta pesquisa foi de caráter bibliográfico e documental com características descritivas e
exploratórias.
Em relação aos procedimentos utilizamos o método histórico, o qual reconstrói o
passado, sistematicamente, verificando evidências e delineando conclusões. Exibindo os
acontecimentos históricos, políticos e econômicos provenientes da Revolução Industrial inglesa
no século XVIII. Para tanto, utilizou-se de autores clássicos e contemporâneos que analisaram
a Revolução Industrial sobre o olhar social, econômico e político.
1.1. Contextualização Histórica
Segundo HOBSBAWM, (1977) no período anterior ao surgimento do capitalismo
industrial - por volta do ano de 1740 - o mundo era maioritariamente rural. Os portos
representavam o maior meio de escoação de pessoas e produtos para outras regiões do mundo,
que possuía vastos territórios desconhecidos e poucas possibilidades de deslocamentos.
Portanto, dentre as mudanças ocasionadas pela Revolução Industrial; a principal delas se
caracteriza pela alteração drástica das relações entre o homem e o trabalho.
Para SAES, SAES, (2013, p. 147), a Revolução Industrial transforma o homem, que
anteriormente era um agricultor, com o auxílio de energias humana e animal, que tinha parcela
total de seu subsídio advindo do campo, para um homem manipulador de máquinas movidas
por energia inanimada, localizado em grandes centros urbanos e em condições de vida
totalmente diferentes.
Na concepção de Dobb, (1987, p. 148), as cidades possuíam modos de produção
predominantemente artesanais ou manufatureiros, com destinação de venda em mercados locais
ou coloniais. No âmbito artesanal, na maioria dos casos, todas as etapas do processo de
produção eram realizadas por uma única pessoa. Desta forma, o artesão era conhecedor de todas
as etapas da confecção do produto, além de ser o detentor das ferramentas para a produção e ter
acesso ás matérias primas necessárias.
Na manufatura, um grupo de trabalhadores é reunido dentro de um espaço comum,
geralmente uma oficina. Sabe-se que apesar do processo produtivo ser estritamente manual,
cada um dos artesãos ficaria responsável por uma específica etapa dentro do processo produtivo,
caracterizando a divisão técnica do trabalho.
Naquele novo cenário, caracterizado pela produção industrial, novas técnicas produtivas
eram inseridas em alguns ramos da manufatura, notadamente em período inicial no setor têxtil.
Nota-se que duas mudanças foram primordiais neste momento: a introdução das máquinas e a
inserção da energia inanimada, por meio da energia hidráulica e a vapor, em detrimento da
energia humana e animal anteriormente utilizadas em primazia. Conceitualmente, trata-se do
surgimento da grande indústria como local para a nova forma de produção capitalista. Neste
contexto, a máquina passa a representar a posição central, por isso entende-se amplitude do
impacto da inovação tecnológica neste período. (SAES; SAES, 2013, p. 151-154).
No escopo das inovações tecnológicas durante a Revolução Industrial caracterizam-se
principalmente a inserção de máquinas no processo produtivo tanto no âmbito industrial, com
maior relevância produtiva, como no viés agrícola. Dentre as diversas inserções tecnológicas
na industrial surge a Spinning-Jenny, responsável pela tecelagem de fios em maior quantidade
e metragem, assim como a Water Frame, responsável por auxiliar o processo de produção de
tecidos, e por ser movida a energia hidráulica diminuía consideravelmente seus custos de
produção.
Figura 1: Spinning-jenny Figura 2: Water frame

Fonte da figura 1: http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009/06/as-maquinas-simplificando-o-trabalho.html


Fonte da figura 2: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:18C_(late)_Arkwright_Water_
Na agricultura as grandes inovações tecnológicas são a máquina de debulhar e a
semeadeira, onde a primeira fazia com muito mais rapidez a separação entre os grãos e a parte
da plantação a ser descartada, trabalho feito manualmente em um período anterior, já a segunda
era responsável por semear em menor período as mudas a serem plantadas e posteriormente
cultivadas, além de otimizar o aproveitamento espacial do terreno, com mudas mais próximas,
gerando consecutivo aumento no volume produtivo.
Figura 3: Máquina de Debulhar Figura 4: Semeadeira

Fonte da figura 3:http://viticodevagamundo.blogspot.com.br/2010_09_01_archive.html


Fonte da figura 4:http://invencoesseculoxix.blogspot.com.br/2015/05/semeadeira.html

1.2. Aspectos Políticos, Sociais e Econômicos


Aspectos Políticos
De acordo com Collyer, (2015), ainda que a Revolução Industrial viesse a eclodir no
período correspondente ao século XVIII, alguns acontecimentos em momentos anteriores,
principalmente no viés político, influenciaram no surgimento e força da Revolução das
máquinas. Fatores como a ascensão da classe burguesa e seu consequente poder em relação a
outras nações despontam como impactos essenciais nos aspectos políticos da revolução.
Em 1649, Oliver Cromwell assume o governo português e se torna o responsável pela
proclamação da República inglesa. Dois anos mais tarde, em 1951, Cromwell
promulga o Ato de Navegação, responsável por impactar negativamente a economia
holandesa daquele período, tendo em vista sua economia fortemente vinculada ao
comércio de caráter marítimo e sua especialidade em tal. (COLLYER, 2015).
O primeiro importante acontecimento neste viés foi o Ato de Navegação, que
preconizava que todos os países europeus deveriam somente importar mercadorias
transportadas por navios ingleses, tal medida atacou fortemente o comercio naval, o qual era
dominado pela Holanda, tendo em vista que a maior parte do capital acumulado pela Holanda
advinha deste ramo. No ano seguinte, o ato foi ampliado, delimitando que o capitão do navio,
dos países que promoviam a importação, bem como três quartos da tripulação deveria ser
composta de cidadãos britânicos.
A maioria dos países europeus envolvidos direta e indiretamente neste comércio não
apoiaram a decisão inglesa, entretanto não possui força e capacidade para revidar tal
ato. A Holanda, por sua vez, caracterizando-se como a principal afetada por tal ato,
possuía capacidade e então revidou o ato inglês por meio de um confronto bélico com
a Inglaterra que perdurou até o ano de 1654 com a vitória inglesa. (COLLYER, 2015).

Por meio do Tratado de União de 1707, que foi responsável pelo estabelecimento da
Grã-Bretanha, incorporando o Reino da Inglaterra e Escócia, a Inglaterra passa a ter uma maior
estabilidade política dentro deste período. Ainda neste momento, o governo inglês passa a
estreitar suas relações com suas colônias na América do Norte, garantindo assim, uma maior
obtenção de matérias primas advindas desta região, bem como aumento da exportação de
mercadorias manufaturadas, obedecendo ao princípio de comprar barato e vender caro.
(COLLYER, 2015).
Neste mesmo momento, guerras contra a França possibilitam a expansão da economia
inglesa em territórios franceses, gerando maior domínio do comércio inglês no cenário
europeu, além da expansão do mercado marítimo na Índia e Canadá no decorrer do
século XVII. (COLLYER, 2015).
Aspectos Sociais
A partir do século XVIII, com o advento das indústrias, desenvolvimento e inserção de
máquinas no processo produtivo, além da substituição da energia animal por energia inanimada,
as novas técnicas de divisão do trabalho, além da excessiva busca por altos índices de
produtividade e lucro por parte do capitalista se perfazem como as principais mudanças no
âmbito produtivo deste período. Com isso, o capitalista passa a exercer um papel cada vez mais
impositivo dentro do processo de produção industrial. (SAES, SAES, 2013, p. 148-149).
A Revolução Industrial está estritamente relacionada à desestruturação do antigo estilo
de vida tradicional dos trabalhadores ingleses. Naquele momento, o operário detinha apenas
seu salário como meio de subsistência, sendo este seu único vínculo com seu patrão;
diferentemente do trabalhador pré-industrial, que geralmente tinha algum acesso a meios de
produção, o que lhe garantia alguma renda adicional; a relação antes mantida com seu superior,
apesar da subordinação imposta a ele, era ainda assim mais complexa e próxima do que neste
momento. (SAES, SAES, 2013, p. 148-149).
Nesse contexto, existia uma rígida disciplina imposta ao trabalhador, a imposição de um
trabalho repetitivo, monótono, retirando qualquer autonomia do trabalhador, e que, além disso,
não agregava conhecimento técnico algum devido à técnica de divisão do trabalho também
imposta pelo capitalista. (SAES, SAES, 2013, p. 200-201).
O fato de estas grandes fábricas se situarem em grandes cidades também ocasionavam
uma abrupta mudança no modo de vida do trabalhador, por razões como as precárias condições
de habitação e a decomposição de laços. (SAES, SAES, 2013, p. 198-199).

As injustiças sofridas pelos trabalhadores com as mudanças ocorridas no caráter da


exploração capitalista: a ascensão de uma classe de mestres, sem qualquer autoridade
ou obrigações tradicionais; a distância crescente entre os mestres e os outros homens;
a transparência da exploração na mesma fonte de sua nova riqueza e poder; a perda
de status e, acima de tudo, da independência do trabalhador; reduzido à total
dependência dos instrumentos de produção do mestre; a parcialidade da lei; a ruptura
da economia familiar tradicional; a disciplina, a monotonia, as horas e condições de
trabalho; a perda do tempo livre e do lazer, a redução do homem ao status de
“instrumento”. (THOMPSON,1987, p. 27).

Aspectos Econômicos
Para Hobsbawm, (1977, p. 47). Com a concentração de uma maior possibilidade de
acumulação de capital centrada nos grandes centros urbanos, onde as indústrias se localizavam
em sua maior parte, assim como mudanças em questões de divisão de terras, como a lei dos
cercamentos3, diretamente responsável pela retirada de terras antes utilizadas pela população
agrícola, e que, a partir desta nova determinação, passaria a pertencer ao governo inglês, a
população residente em áreas rurais estava, em sua maioria, sem possibilidade de exploração
de terra, e assim, sem nenhuma fonte de renda.

Devido a estes fatores, bem como progressivo aumento da demanda por trabalhadores
por parte das industrias, grande parte da população rural deslocava-se para as grandes
cidades inglesas, em busca de trabalho no setor secundário e melhores condições de
vida. (HOBSBAWM, 1977, p. 52).

Este grande deslocamento populacional em direção as cidades possibilitou a inserção de


mais trabalhadores nas indústrias, entretanto, apesar do número maior de trabalhadores
empregados e maior desenvolvimento da indústria e comercio inglês, a menor taxa de
desemprego não gerou melhoria na qualidade de vida da população, tendo em vista que, ao

3
Fenômeno de divisão de terras no setor agrário inglês iniciado no século XVII.
aumentar o contingente de trabalhadores, a remuneração média dos trabalhadores diminuía,
tendo em vista que, com a elevada quantidade de trabalhadores, o capitalista dizia não ter
possibilidade de melhoras na remuneração.
Desta forma, a economia inglesa se desenvolvia exponencialmente, tendo em vista que,
com a possibilidade da transformação da matéria prima em produto final por meio da utilização
de suas desenvolvidas industrias, a economia inglesa era capaz de adquirir matérias primas, por
meio de um processo de importação destes insumos com valor irrisório, transformação destes
bens em produto pronto para comercialização, e pôr fim a venda destes bens com um valor final
de mercado alto, adotando a iniciativa de comprar barato e vender caro.

1.3.1. Adam Smith (1723-1790)


Adam Smith foi filósofo, economista e professor universitário. Além disso, é
considerado o mais importante economista liberal. O grande teórico do liberalismo e econômico
e da política de laissez-faire4 é considerado o fundador da ciência econômica moderna. Autor
da obra “A Riqueza das Nações”, na qual objetivava demonstrar que a riqueza das nações
resultava em grande proporção da atuação dos indivíduos de uma sociedade, bem como do auto
interesse (self-interest)5 destes promovendo a inovação tecnológica e consequente crescimento
econômico.
Para Smith, segundo Fusfeld, (2003, p. 41), o auto interesse em uma sociedade livre é
primordial para uma nação alcançar o progresso e crescimento. Ao poupar, as pessoas
aumentam os recursos de capital e, consequentemente, seu poder de consumo, com isso, as
pessoas utilizam este capital de maneira mais lucrativa possível para produzir as mercadorias
demandadas por outras pessoas.
Nos termos de Smith (1776), aquele que oferece a outro a troca de qualquer espécie se
mostra disposto a fazer o mesmo. Dê-me aquilo que quero, e você terá o que quer, é o
significado dessas ofertas; e é dessa maneira que obtemos uns dos outros a maior parte de tudo
aquilo que precisamos.
Na visão de Smith, o maior obstáculo ao progresso econômico era o governo. Só cabiam
ao Estado três funções legítimas, seriam elas: o estabelecimento e manutenção da justiça, a
defesa nacional e “a criação e manutenção de certas obras e instituições que nenhum indivíduo

4
Expressão símbolo do capitalismo, cujo significado determina que a economia deve funcionar livremente, ou
seja, sem interferências estatais.
5
Expressão cuja ideia consiste que cada pessoa deve agir de acordo com seu próprio interesse, de forma a
maximizar a economia e seu bem-estar.
ou grupo teria interesse em criar e manter”, por exemplo: as estradas, porém os custos deveriam
recair, por meio de uma cobrança de tarifas ou pedágios, somente aos beneficiários desta obra.
Consequentemente, qualquer outra obra governamental, na opinião de Smith, seria mais
prejudicial do que benéfica. (FUSFELD, 2003, p. 42).

Segundo o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três deveres; três
deveres, por certo, de grande relevância, mas simples e inteligíveis ao entendimento
comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade contra a violência e a invasão de
outros países independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do possível,
cada membro da sociedade contra a injustiça e a opressão de qualquer membro da
mesma, ou seja, o dever de implantar uma administração judicial exata; e terceiro, o
dever de criar e manter certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo
ou um pequeno contingente de indivíduos poderão ter interesse em criar e manter, já
que o lucro jamais poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de um pequeno
contingente de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até compensar em maior
grau o gasto de uma grande sociedade (SMITH, 1996, p. 170).

1.3.2. Karl Marx (1818-1883)


Para Fusfeld, (2003, p. 80), Karl Marx, nascido em 1818, foi filósofo, sociólogo,
jornalista e revolucionário socialista. Nascido e criado em uma das partes mais economicamente
desenvolvidas da Alemanha Marx mostrava, ainda em sua adolescência, possuir grande
capacidade intelectual.
Marx acreditava que as relações econômicas são a força motriz de qualquer sociedade.
Conquanto, no capitalismo, as pessoas são motivas por seus próprios interesses, ideia antes
exposta por Smith. Para Marx, em um prefácio extraído de sua obra Uma contribuição para a
Crítica da Economia Política (1859): “Na produção social que os homens realizam, eles
estabelecidas relações definidas, que são necessárias e independentes de sua vontade; essas
relações de produção correspondem a uma etapa determinada no desenvolvimento das suas
forças produtivas materiais. (FUSFELD, 2003, p. 83).
A totalidade dessas relações de produção formam a estrutura econômica da sociedade –
a verdadeira base sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas definidas de consistência social. O modo de produção da vida material
condiciona o caráter geral do processo social, político e espiritual da vida”. Em uma sociedade
capitalista, os dois maiores interesses se perfazem no do capitalista e trabalhadores. (HUNT;
LAUTZENHEISER, 2003, p. 301-303).
Entretanto, na visão de Marx, estas duas classes sociais opõem-se uma à outra, visto que
o capitalista só pode prosperar com a exploração do trabalhador, por meio da produção.
Conclui-se, segundo Marx, que o capitalismo finaliza-se apenas como a última série de
organizações sociais onde uma classe explora ou prospera em função de outra. (HUNT;
LAUTZENHEISER, 2003, p. 297-300).

A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história da luta de classes.


Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, lorde e servo, mestre de corporação e
jornaleiro, em uma palavra, opressor e oprimido. (...) A moderna sociedade burguesa
que germinou das ruínas da sociedade feudal não se livrou do antagonismo de classes.
Não fez mais que criar novas classes, novas condições de opressão, novas formas de
luta em lugar das antigas. (MARX, 1848, p. 7-8).

Na visão de Marx o capitalista explora o trabalhador, ou seja, a mão de obra, no


momento em que não paga em sua totalidade o valor dos bens e serviços produzidos. O
capitalista emprega seus funcionários à taxa salarial fixa e os faz trabalhar o máximo de horas
possíveis, assegurando que o valor final do produto supere os custos salariais.
Marx definia que a diferença entre o valor final do produto e os custos salariais consistia
na “mais-valia”6. Esta exploração pode ser intensificada por meio da contratação de mulheres
e crianças, que lograriam menos custos salariais, bem como os esforços do empregador em
aumentar as jornadas de trabalho e reduzir os salários. (HUNT; LAUTZENHEISER, 2003, p.
297-298).
Além do sentido econômico, Marx alertava quanto à exploração no sentido psicológico,
pois via o trabalho como uma contínua interação entre o produto do trabalho, as pessoas e a
natureza, considerando o trabalho um elemento primordial no processo de desenvolvimento da
personalidade humana. Desta forma, a realização pessoal no trabalho era primordial para o
desenvolvimento rico e completo das relações dos trabalhadores com o seu meio produtivo.
(FUSFELD, 2003, p. 84).
Contudo, no capitalismo o trabalhador era separado dos bens finais, frutos de são
empenho, bem como das ferramentas necessárias para produção, opondo-se a momentos
anteriores, onde no processo manufatureiro, o trabalhador era detentor das ferramentas
produtivas, bem como conhecedor de todo o processo produtivo, possuindo uma interação
direta com os bens e o meio produtivo que a concernia. (FUSFELD, 2003, p. 84).

1.3.3. Joseph Schumpeter (1883-1950)


Os estudos Schumpeterianos estão diretamente relacionados ao estudo da inovação
tecnológica e a forma pela qual a mesma pode afetar o desenvolvimento econômico de

6
Termo criado por Karl Marx que consiste na diferença entre o valor final de uma mercadoria e a soma dos valores
de todos os meios de produção e remuneração do trabalhador nela empregados. Esta diferença representaria a base
de lucro do sistema capitalista.
determinada região. Em sua primeira obra, Teoria do Desenvolvimento Econômico, 1912, o
autor analisa a função do empreendedor como um ser inovador e de fundamental importância
no progresso e na criação do avanço econômico, devido a sua inerente função indutiva.
(FUSFELD, 2003, p. 223).

O desenvolvimento, no sentido em que o tomamos, é um fenômeno distinto,


inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular ou na tendência
para o equilíbrio. É uma mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo,
perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio
previamente existente (SCHUMPETER, 1985, p. 47-48).

Mesmo partindo de objetivos individuais, os efeitos das inovações tecnológicas


possuem amplitude elevada e ocasionam reorganizações na atividade econômica, gerando uma
demanda por produtos tecnologicamente atualizados e inovadores, fator que garante o aspecto
instável do sistema capitalista e o torna dependente da realização de inovações.
Na visão Schumpeteriana, as inovações caracterizam-se pela introdução de novas
combinações produtivas ou mudanças na função de produção. Schumpeter classifica essas
mudanças em cinco aspectos, sendo eles: a introdução de um novo bem em um mercado; a
introdução de um novo método ainda não antes utilizado dentro deste ramo produtivo em que
tal inovação não decorre; a abertura de um novo mercado; o estabelecimento de uma nova fonte
de matéria prima ou de bens semimanufaturados e por fim, a criação de uma nova organização
de qualquer indústria.
Neste contexto o empreendedor possui o papel de indução das melhoras técnicas,
enquanto os consumidores são os induzidos, que devido a essas mudanças, passam a demandar
produtos novos e com novos modos de produção nele inseridos.

1.3.4. Whitman Rostow (1916-2003)


O pensamento Rostowiano está veementemente vinculado ao contexto do crescimento
econômico sob as circunstâncias da pobreza e do atraso econômico em um país com possíveis
condições de crescimento, a exemplo das principais potências europeias antes de alcançarem o
desenvolvimento econômico. O instrumento metodológico utilizado por Rostow para medir o
grau de desenvolvimento de uma região é a “decolagem”. (MOREIRA, 2012, p. 6).
A “decolagem” define-se como um aumento sustentado do volume e produtividade da
inversão em uma sociedade pela renda real per capita, o que acarreta na passagem de uma região
preponderantemente agrícola para uma economia industrializada. Desta forma, a “decolagem”
se ramifica em três subdivisões inter-relacionadas: O incremento na taxa de investimento
produtivo; o desenvolvimento de um ou dois setores manufaturados básicos e o aproveitamento
dos impulsos expansionistas do setor externo, de modo a acompanhá-lo internamente.
Entretanto, o fator mais influente na possibilidade de desenvolvimento econômico é a
inovação tecnológica, que contribui para o aperfeiçoamento da alta produtividade da indústria
aliada ao baixo custo produtivo e que culmina no aumento da produtividade em outros setores
e reinvestimentos em elevadas proporções.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS


Nota-se que a Revolução Industrial foi fortemente alavancada por um processo de
inovações tecnológicas, que possibilitaram expressivos ganhos de produtividade, além de
consecutivas reduções em custos intermediários. Portanto, faz-se estritamente necessária uma
abordagem sobre o surgimento destes equipamentos capazes de, por meio da produção em
massa por eles proporcionados, gerar ganhos economicamente exponenciais tornando a
Inglaterra um grande centro e principal economia no ciclo sistêmico de acumulação de capital
naquele período.
Apesar das mais conhecidas e expressivas máquinas surgirem nas grandes indústrias a
agricultura também foi beneficiada com o surgimento de máquinas que, capazes de substituir a
mão de obra do trabalhador, tornavam a produção mais barata e eficaz. Nota-se que com a
economia inglesa voltando-se para a produção e transformação do algodão em tecido, este será
o mercado produtivo mais beneficiado pelo surgimento de inovações tecnológicas.
No setor agrícola, mudanças como o surgimento de adubos, construção de grades e
arados melhores e mais resistentes possibilitaram uma maior e melhor qualidade no produto
gerado pelo campo, com o seu ganho de qualidade os produtos passam a tornar-se mais atraentes
e consequentemente demandados em mercados domésticos e internacionais de tecido.
Com o intuito de tornar a produção agrícola mais rápida e eficaz, devido aos expressivos
aumentos de demanda por matéria prima para a produção em massa de tecido nas grandes
indústrias inglesas surge a semeadeira. Em 1701, Jethro Tull cria uma máquina capaz de
espalhar as sementes em uma distância correta uma das outras tornando capaz de otimizar o
número de algodoeiras em uma certa metragem de terreno e a uma profundidade específica. Em
períodos anteriores a esta invenção as sementes eram jogadas em qualquer lugar com perda de
espaços cultiváveis, e consequentemente, perda do nível de produção de algodão.
Criada por Obed Hussey, um inventor e fabricante de equipamentos mecânicos
destinados a agricultura, foi a pioneira e mais importante máquina criada para auxiliar o
processo de exploração do campo foi a máquina de debulhar de 1792. Anteriormente o algodão
era manualmente colhido e devido a expressiva amplitude de terras cultivadas para a produção
do algodão esta colheita demorava muito tempo. Desta forma, a máquina de debulhar foi
desenvolvida com o intuito de substituir esta mão de obra manual, além de tornar a colheita do
algodão mais rápida e eficaz.
Nas grandes indústrias se concentraram as maiores invenções de caráter produtivo na
Inglaterra durante a Revolução Industrial. Como citado anteriormente, o mercado de tecidos foi
fortemente alavancado com o surgimento destas máquinas, tendo em vista que com a crescente
produção de algodão na área rural a Inglaterra especializou-se na geração deste bem.
A primeira invenção no viés da produção de caráter industrial é a Lançadeira volante
criada em 1733 por John Kay. Anteriormente, a lançadeira deveria ser passada manualmente
de um trabalhador para outro, tornando a largura do tecido limitada a uma dada metragem. Com
o surgimento deste equipamento, a lançadeira poderia ser deslocada para qualquer lugar devido
a introdução de rodas em uma ranhura de madeira, tornando possível a produção de tecidos de
qualquer largura e com maiores profundidades.
Uma importante invenção, que possibilitou um notável ganho de produtividade nas
indústrias inglesas foi a Spinning-Jenny. No ano de 1764, James Hargreaves cria uma máquina
capaz de aumentar a produção de fios devido a um maior número de fusos neal contidas, estes
fusos estavam diretamente relacionados a possibilidade de produção de tecidos, tendo em vista
que os mesmos eram responsáveis pela fiação do algodão. Entretanto, apesar de possibilitar um
ganho do volume produtivo, estes fios tornavam-se mais frágeis e quebradiços, dificultando o
processo de tecelagem e diminuindo a qualidade dos produtos finais.
Em 1769, Richard Arkwright aprimora a máquina de James Hargreaves e patenteia a
Water Frame, capaz de produzir fios mais grosso, e consequentemente, menos quebradiços.
Além disso, esta máquina passaria a ser movida por energia hidráulica, tornando o equipamento
mais econômico. Portanto, findava-se que a produção de tecidos, agora aprimorada, conseguia
produzir mais fios, sendo eles mais grossos e resistentes com um menor custo intermediário e
maior volume final de produção.
O início do século XIX teve relevância para o surgimento de inovações para escoamento
de produtos, por meio do surgimento do barco a vapor de Robert Fulton em 1807, assim como
a Locomotiva de George Stephenson em 1814. Com isso, o transporte de produtos que antes
era feito de forma lenta e precária, passa a dar lugar para um transporte mais rápido, seguro e
com possibilidade de escoamento de uma maior expressividade de produtos, abastecendo os
mais distantes mercados.
Dada a sua ampla importância no cenário histórico e econômico a Revolução Industrial
figura-se como um tema extremamente abordado por diversos economistas das mais diversas
escolas, além de servir de embasamento teórico para comparações com situações atuais no viés
econômico. Desse modo, é estritamente necessária uma abordagem a respeito do pensamento
dos principais economistas a respeito desta conjuntura, além da exposição das influências de
seus pensamentos no âmbito do capitalismo industrial que progredia na Europa no período
supracitado.
Por viver no local e período onde as inovações tecnológicas e o capitalismo industrial
eclodiram Smith possui um arcabouço teórico valioso a respeito da Revolução Industrial. Smith
aborda temas acerca do aumento de produtividade com a aplicação de técnicas de divisão de
trabalho, gerando ganhos de produtividade, além de ressaltar a importância do estabelecimento
de fortes produtos e mercados domésticos para a geração de desenvolvimento econômico.
Smith preconizava que diferentemente de um período anterior ao surgimento do
capitalismo industrial, onde por meio de um modo de produção manufatureiro, o artesão
produzia bens em pequena escala na indústria, já com a aplicação das técnicas de divisão do
trabalho em que cada trabalhador estaria responsável por uma fatia do processo produtivo, a
produção se tornava mais dinâmica e os ganhos de produtividade eram expressivamente
maiores, gerando maiores lucros devido a aplicação de políticas de comprar barato e vender
caro. Desta forma, na visão de Adam Smith seria possível tangenciar o desenvolvimento
econômico por meio da dominação de mercados externos com seu forte produto no mercado.
Para galgar maiores patamares de desenvolvimento, na visão de Smith eram necessários
alguns esforços de caráter econômico. Com um crescente investimento e consequente
inovações tecnológicas na Inglaterra os produtos passavam a apresenta custos intermediários
menores e de produção, proporcionando menor valor no bem final. Desse modo, com uma
elevada oferta de bens, e ainda, com a facilitação no escoamento de produtos, devido ao
surgimento das locomotivas e os barcos a vapor, a Inglaterra passaria a se desenvolver com sua
produção em larga escala e grande exportação de produtos no mercado externo.
Portanto, por preconizar que o desenvolvimento de uma nação está diretamente
relacionado a sua capacidade produtiva, assim como sua força mercantil, as ideias de Adam
Smith, de certa forma, aplicaram-se no contexto da Revolução Industrial, tornando seu
pensamento inteiramente abordável a respeito deste tema.
Importante crítico da Revolução Industrial, Karl Marx possui relevante importância para
o entendimento do contexto social que circundava esse período. O uso da mais-valia, assim
como a alienação do trabalhador ao capital e o total vínculo e subordinação do mesmo ao
empresário industriário, que ao possuir o capital e a matéria prima explorava o trabalhador que
apenas detinha sua mão de obra como bem.
Marx destrinchava o processo produtivo em três fatias, sendo elas: o capital fixo;
representado pelas máquinas e equipamentos; o capital variável; que perfazia-se na mão de obra
do trabalhador; e a mais valia; que consistia na renda destinada ao lucro, gastos com
adiantamentos para o investimento e pagamento de juros, também parte que representava a
exploração da mão de obra do trabalhador no seu ponto de vista. Ao analisar a jornada de
trabalho dos operários, Marx observou que as horas gastas para a produção de bens em valor
correspondente aos salários pagos aos trabalhadores representava apenas uma pequena parcela
do total de horas trabalhadas pelos mesmos.
No âmbito social, Marx acreditava que com o surgimento do capitalismo industrial e a
produção em larga escala, o artesão da produção manufatureira que antes detinha o
conhecimento e os meios de produção, além da autoridade no processo produtivo, agora estaria
vinculado a um capitalista, que o separa da matéria prima, deturpa seu conhecimento ao vinculá-
lo a uma única e repetitiva tarefa e o introduz em uma escala com jornadas e condições
desumanas de trabalho, inclusive por meio da exploração de crianças e mulheres, causando
desdobramentos que segundo Marx diminuiriam o trabalhador como ser humano e o afetaria
em âmbitos psicológicos.
Importante pensador e economista, além de possuir importância no estudo do
desenvolvimento econômico Joseph Schumpeter também foi capaz de contribuir fortemente
para o pensamento econômico, além de abordar temas pertinentes e presentes no contexto
econômico que envolveu a Revolução Industrial. Schumpeter via na inovação tecnológica a
melhor forma de, por meio da renovação, produzir mais e melhor e assim alcançar o
desenvolvimento de uma região.
Schumpeter evidenciava que os incentivos a criação de novas tecnologias produtivas
eram estritamente importantes para o desenvolvimento econômico. Esta medida foi adotada
pela Inglaterra, que ao investir em diversas áreas, foi capaz de alavancar sua produção e
diminuir seus custos intermediários. Desta forma, ao potencializar sua indústria doméstica,
assim como acreditava Schumpeter, a Inglaterra foi capaz de prosperar e se desenvolver
economicamente até atingir o nível de maior economia naquele período e detentora de uma
acumulação sistêmica de capital. Portanto, nota-se a importância do pensamento de Schumpeter
para o entendimento do crescimento econômico da Inglaterra neste período.
Dos economistas contemporâneos que retratam temas relevantes e que se fazem
presentes na Revolução Industrial encontra-se Rostow. Abordando temas como a possibilidade
de crescimento econômico de um país emergente por meio do aprimoramento do setor
industriário doméstico somado a política de substituição de importação, Rostow preconiza que
um país emergente é sim capaz de alcançar o desenvolvimento por meio de um pequeno
processo conhecido como “decolagem” ou “arranco” que está diretamente relacionado às
medidas tomadas pela Inglaterra no século XVIII.
Em um primeiro momento destaca-se a sociedade tradicional, caracterizada por modos
arcaicos de produção, tendo como principal atividade econômica a agricultura, posteriormente
surgem as pré-condições para a decolagem, onde a sociedade começa a assimilar os
conhecimentos e desenvolvimentos tecnológicos e científicos, a decolagem se perfaz como
terceiro passo e caracteriza-se com um elevado aumento no nível de investimento na produção
doméstica, o próximo passo é a marcha para a maturidade que consiste em elevadas taxas de
investimento, onde a renda nacional ultrapassa o crescimento demográfico. Por fim, temos o
consumo em massa que se caracteriza pelo alto nível de vida da sociedade em questão.
Portanto, observa-se que são analisadas diversas óticas de um mesmo acontecimento,
em que certos autores se enfocam em aspectos de nível de produção, impactos sociais e até em
aspectos macroeconômicos como o desenvolvimento de uma nação por meio das inovações
tecnológicas ou por incentivos na indústria doméstica somada a políticas de substituição de
importação. De qualquer forma, os temas abordados por estes autores são relevantes para o
entendimento da amplitude das alterações causadas com o surgimento da Revolução Industrial.
Assim como alterações em aspectos políticos e econômicos a Revolução Industrial
também gerou desdobramentos no âmbito social. Com o surgimento do capitalismo industrial
as relações de trabalho, assim como as formas de produção se tornam ligeiramente diferentes e
impactam diretamente no modo de vida da sociedade de baixa renda naquele período. Estas
alterações estão vinculadas a diversas revoltas por melhorias nas condições de vida e trabalho
dos operários que passariam a exercer cargas horárias desumanas, principalmente nas grandes
indústrias têxteis.
No modo de produção manufatureiro, que correspondia o período anterior ao
nascimento do capitalismo industrial, era caracterizado por uma produção artesanal, onde em
uma pequena oficina o artesão produzia diariamente pequenas quantidades de produtos com
sua matéria prima e mão de obra, com o crescimento da demanda os capitalistas passaram a
observar a oportunidade de empregar diversos artesãos em uma oficina e disponibilizando a
matéria prima com o intuito de aumentar a produção. A partir deste momento o artesão já
respondia a um capitalista e era parcialmente desvinculado da autoridade sobre a produção.
Com a ascensão das indústrias, assim como com o surgimento das máquinas e
equipamentos que auxiliavam esta produção em massa, o capitalista passa a dominar totalmente
o processo produtivo, tendo em vista que o mesmo passa a deter o capital e os meios de
produção. Desta forma, o trabalhador tornava-se totalmente vinculado ao capitalista, além de
ser separado dos utensílios necessários para a produção, matéria prima e produto final gerado
por aquela indústria, o trabalhador também era submetido a uma jornada de trabalho de até
16horas diárias e sem qualquer tipo de direitos, ocasionado em um período posterior diversas
revoltas de cunho trabalhista por melhores condições de trabalho.
A primeira revolta de cunho trabalhista conhecida neste período é conhecida como
Ludismo, liderado por Ned Ludd, um suposto trabalhador operário, influenciava grupos de
trabalhadores descontentes com os avanços e a inserção de máquina na produção. Os ludistas
protestavam principalmente contra a substituição da mão de obra operária pelo uso de
máquinas, ameaçando os capitalistas e destruindo as máquinas por acreditarem que estas eram
um mal a sociedade, pois eram diretamente responsáveis pelo desemprego dos trabalhadores,
assim como suas condições irrisórias de remuneração.
Em 1830 surge outro importante movimento trabalhista que galgava alcançar alguns
direitos antes inexistentes para a classe trabalhadora. Movimento conhecido como Cartismo,
este tratava-se da mobilização de trabalhadores que buscavam objetivos inicialmente políticos.
O voto era restrito a quem obtivesse renda alta, impossibilitando os votos por parte dos
operários de acordo com a Lei de Reforma Eleitoral, além disso o trabalhador também não
poderia ser eleito por não possuir propriedades. Logo, o objetivo deste grupo de operários era
possibilitar seu voto, assim como a possibilidade de ser eleito, objetivando maior notoriedade
no âmbito social e assim melhores condições de vida a sua classe.
Portanto, observa-se que os impactos sociais causados pela Revolução Industrial são
relevantes, e inicialmente repercutiam em mudanças negativas para a classe trabalhadora, que
era separada do conhecimento produtivo, e vinculada as vontades do capitalista e seu capital,
responsável por determinar quem subordinava e quem era subordinado naquele modo de
produção. Desta forma, em última instância ocasionava maior distinção social entre o capitalista
e o operário da indústria.
O surgimento da Revolução Industrial ocorreu primeiramente na Inglaterra devido a
condições favoráveis como o elevado montante de capital acumulado, além de fatores de
produção como terra e capital em primazia, somadas a oportunidade da inserção do modo de
produção capitalista. Desta forma, surgem as inovações tecnológicas como mola propulsora
para os ganhos de produtividade e posterior desenvolvimento econômico da região supracitada.
Não obstante, é necessário o entendimento a respeito dos impactos causados pela inserção do
modo capitalista industrial de produção em aspectos políticos, sociais e econômicos naquele
período.
No âmbito político no ano de 1951 é promulgado o Ato de Navegação que determina
que todos os países deveriam importar bens por meio de navios ingleses, tornando a Inglaterra
o grande centro do comércio naval e grande potência no escoamento de produtos naquele
período. Em 1707 o Tratado de União é estabelecido nele informando a incorporação do Reino
da Inglaterra e Escócia, findando em uma maior estabilidade política em um período anterior a
eclosão da Revolução Industrial, ainda neste momento a Inglaterra estreita suas relações com a
América do Norte, garantindo maior montante de matérias primas, além de abrir espaço para
um novo mercado consumidor.
Os aspectos sociais são fortemente afetados com o emergir do capitalismo industrial,
tendo em vista que com essa nova forma de produção, a obsoleta produção em manufaturas é
substituída por uma produção em larga escala e com a aplicação da divisão de trabalho. Desta
forma, temos que o artesão que antes produzia seu bem manualmente e em pequena escala passa
a estar vinculado a um empresário que o insere em uma linha de produção e limita seu
conhecimento técnico sobre a produção, além de limitar sua remuneração a valores irrisórios e
fixos. Portanto, obtêm-se elevados ganhos de produtividade, todavia as desigualdades sociais
se tornam mais perceptíveis com os baixos salários aplicados.
No viés econômico as inovações tecnológicas nos diversos ramos da economia foram
responsáveis pelo barateamento da produção, além do crescimento da possibilidade produtiva
da Inglaterra naquele período. Com o estabelecimento de maquinários no setor têxtil,
metalúrgico, assim como em mercados de transportes, obtinha-se consequentemente quedas nos
custos de produção e transporte e larga oferta de produtos, tornando a Inglaterra o principal país
exportador de bens e com um produto extremamente competitivo no mercado internacional.
Portanto, observava-se no longo prazo um notável desenvolvimento econômico que financiou
a estruturação de toda sua forte capacidade econômica.
Portanto, compreende-se que o principal momento para elevar a magnitude da
Revolução Industrial foram as inovações tecnológicas nela empregadas, facilitando e
otimizando a produção de diversos mercados ingleses. As inovações técnicas e tecnológicas
significaram a ascensão da economia inglesa, assim como a importância do debate deste tema
no âmbito da ciência econômica, principalmente por seus diversos desdobramentos de cunho,
político, social e econômico, além de possuir importância para a construção do arcabouço
teórico de diversos economistas clássicos, também servindo de conhecimento no entendimento
das decisões e suas respectivas consequências não cenário econômico atual.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Revolução Industrial na Inglaterra caracterizou uma mudança jamais vista em
diversas áreas, abrangendo também a ciência econômica, pois representou a ruptura com um
modo de produção artesanal e de baixa escala para a inserção do capitalismo industrial, que
preconiza o elevado contingente de trabalhadores em uma fábrica produzindo bens em larga
escala em com tecnologias e técnicas produtivas a fim de otimizar a produtividade. Esta
revolução de máquinas afetou direta e indiretamente a política, mas principalmente e economia
e a sociedade inglesa em um primeiro momento, e em última instância todo o mundo.
No âmbito político, a Revolução Industrial inglesa representou principalmente uma
maior estabilidade política para o país. Além deste fato, outros aspectos secundários trouxeram
relevância direta para a consolidação econômica inglesa, como o Ato de Navegação que
representou o domínio inglês das rotas de escoamento marítimo de produtos, assim como o
Tratado de União que anexou a Escócia ao reino da Grã-Bretanha, trazendo maior estabilidade
política e estreitando relações com suas colônias, possibilitando assim o alcance de outros
mercados externos para exportar e extrair mão de obra e matéria prima.
Ao se estabelecer a produção em larga escala somada às técnicas de divisão do trabalho,
incorpora-se o capitalismo industrial, rompendo com o antigo modo de produção manufatureiro
em que a todo o processo produtivo era executado por um único artesão em sua oficina,
tornando-o assim o conhecedor de todo o processo produtivo e o desvinculando de qualquer
subordinação. No capitalismo industrial, ao ser inserido em uma escala produtiva, o operário
era afastado do bem produzido, dos meios de produção, matéria-prima e ainda passava a não
obter o conhecimento do processo técnico de fabricação, vinculando-o a uma única e repetitiva
tarefa de alimentar as máquinas, fator causador diversas revoltas no escopo trabalhista.
Em termos econômicos, as inovações tecnológicas proporcionaram expressivos ganhos
em produtividade, além de melhorias na qualidade de seus bens e menores custos produtivos,
fatores culminantes para tornar o tecido inglês altamente competitivo no mercado externo. Com
o domínio das rotas de escoamento marítimas, a Inglaterra detinha todos os fatores necessários
para se estabelecer como potência econômica mundial, como o fez. Os avanços tecnológicos
na produção de tecido, como a lançadeiras capazes de aumentar a largura dos tecidos, as
inovações no campo, como as máquinas de debulhar que colhiam em grande escala a lã, e até
mesmo tecnologias inseridas no transporte como as ferrovias caracterizaram estas inovações.
O estudo sobre a Revolução Industrial nos induz a entender o pensamento econômico
naquele período, assim como a concepção de desenvolvimento ou de técnicas para alcançá-lo
nos dias atuais e o entendimento de que forma tais formas se assemelham as utilizadas naquele
período. Os economistas clássicos e contemporâneos, ainda que pertencentes a escolas
econômicas distintas, são extremamente necessários para o entendimento dos acontecimentos
de caráter econômico na Inglaterra durante este período de elevado desenvolvimento
econômico por meio da inserção de inovações técnico-produtivas e tecnológicas.
Adam Smith é um economista clássico que possui grande contribuição para o
pensamento econômico, além disso é possível observar alguns ideais deste autor sendo
aplicados ou dissociados durante este período. Smith preconizava que uma produção
organizada de modo a cada trabalhador se tornar responsável por uma fatia do processo
produtivo elevava em grandes proporções a produtividade daquela empresa em sua denominada
técnica de divisão do trabalho. Smith ainda possui relevância ao preconizar que para o
desenvolvimento de uma economia, cada pessoa deveria seguir o seu próprio interesse, de
forma que a aquecer o mercado e estimular a produção, findando no desenvolvimento
econômico.
Karl Marx avaliava a Revolução Industrial sob a ótica social, analisando principalmente
as condições trabalhistas daquele período. Marx criticava a busca pelo lucro da forma como era
feita, ao deturpar o conhecimento do trabalhador, vinculá-lo a uma máquina ou um processo
produtivo repetitivo, além de erradicar sua possibilidade de ascensão social. A mais-valia
absoluta e relativa é utilizada como argumento de Marx para evidenciar a exploração do
operário, onde a mais-valia absoluta representava o aumento da carga horária gerando aumento
no nível de produção, e a mais-valia relativa preconizava as inovações técnicas que gerava uma
produção em menor tempo, tornando o trabalho do operário cada vez mais desvalorizado.
Joseph Schumpeter também contribui para o pensamento econômico, assim como para
o entendimento dos fatos ocorridos durante a Revolução Industrial com sua teoria de
desenvolvimento econômico. Para Schumpeter, o desenvolvimento econômico poderia ser
alcançado de forma mais eficaz por meio das inovações tecnológicas, que garantiriam um
aumento na produção e tornariam o bem em questão fortemente competitivo no mercado
externo. Portanto, nota-se a semelhança dos pensamentos de Schumpeter com o ocorrido na
Inglaterra no período supracitado, onde o setor têxtil inglês, por meio de suas inovações, gerou
um produto altamente demandado no mercado internacional, alavancando a economia inglesa.
Walt Whitman Rostow também possui sua parcela de contribuição para o pensamento
econômico contemporâneo, assim como possui pensamentos que se relacionam com os
ocorridos durante a Revolução Industrial inglesa. Rostow preconiza que o desenvolvimento
econômico pode ser alcançado por países em desenvolvimento com a utilização de alguns
passos. As etapas do processo de Rostow caracterizam-se por um de incentivo a indústria
interna de um país, e por meio de um processo denominado “alavancagem” atinge-se o
desenvolvimento econômico ao estimular a inovação tecnológica e a produção interna com o
intuito de criar uma indústria doméstica forte e um produto competitivo.
Portanto, as formas de se observar os acontecimentos histórico-econômicos na
amplitude da Revolução Industrial são os mais diversos. Desta forma, torna-se necessário
entendimento acerca dos desdobramentos de cunho político, econômico e social, assim como
entender a influência do pensamento econômico para este acontecimento, bem como a
influência das inovações tecnológicas nos aspectos microeconômicos na Inglaterra durante o
período da Revolução Industrial. Desse modo, é possível compreender a importância deste
momento histórico para a inserção e estabelecimento do modo de produção capitalista até o
presente momento.
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EIXO 5
A economia e a questão
ambiental
A DELONGA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
SUSTENTÁVEL
Alex Eugênio Altrão de Morais1
Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

Resumo: O objetivo desta pesquisa é denotar a que passo anda o desenvolvimento sustentável
brasileiro com parecer no bem-estar das futuras gerações. Ano após ano, a questão sustentável
passou a se enquadrar nas pautas mundiais dos governos, cabendo cada qual sua devida atuação
de prevenção. Desta forma, esse notório conceito vem sendo discutido a ponto de garantir que
as nações entendam que o desordenado crescimento pode gerar consequências danosas ao meio
em que vivem bem como, explorar a irreversibilidade possível na persistência do
antropocentrismo. Logo, através da presente análise bibliográfica, compreende-se a preocupação
com o futuro incerto resultante do exacerbado descontrole da expansão urbana e ilimitadas
necessidades humanas. Portanto, foram elencados os tratados globais de preservação, assim
como os processos e interesses particulares a respeito da economia brasileira. Notando-se
certamente a influência global da nação perante as questões de sustentabilidade econômica.

Palavras-chave: Sustentabilidade. Crescimento descontrolado. Prevenção.

Abstract: The goal of this research is to show how is going the Brazilian Sustainable
Development taking into account the future generation’s welfare. Year by year the sustainable
debate surrounds government’s global guidelines and belongs to each one their own prevention
acting. Thus, this concept is being discussed to ensure nations understand that the increase
disorder can cause harmful consequences in their lives as well as explore possible
irreversibility in persistence of anthropocentrism. Therefore, through this present
bibliography analysis perceive the worry about uncertain future resulting from
uncontrolled high of urban expansion and unlimited human necessities. So, were listed
the global preservation treaties even as the process and particular interests about
Brazilian economy noticing nation global influence towards sustainable economic
issues.

Key-words: Sustainability. Increase disorder. Prevention.

1
Graduado em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Municipal de Franca (2013-2016).
Atualmente mestrando do Programa de Pós Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal
de Ouro Preto – (PPEA-UFOP), alex.altrao50@gmail.com.
Introdução

Desde os anos 70 e 80 a questão ambiental vem sendo reconhecida como

a principal preocupação de todos os países e governantes globais, entretanto, longe de

ser realmente estabelecida como a principal forma de recuperação ao tempo perdido, as

questões ambientais ainda são deixadas de lado.

A ideia de que o ser humano é o senhor da natureza, e para com ela tudo

pode, fundamentado no antropocentrismo, está levando o planeta a um caos tremendo

que garante apenas uma destruição repentina no habitat natural da sobrevivência de

todos os seres vivos do planeta.

Desta forma, a questão ambiental foi tema de inúmeras reuniões ao redor

do mundo, sendo que o fator de desenvolvimento sustentável, com o passar dos anos,

quebrou os paradigmas passados de que o crescimento desordenado enfatizou a

preservação do meio ambiente. A grande porta para a elevação da importância deste

fenômeno foi e está sendo observada nos dias de hoje; analisada de todas as formas

cientificamente possíveis para a diminuição da degradação ambiental.

Perante um cenário mundial conturbado e diante das ocorrências do

fenômeno, o Brasil mostrou-se interessado na inicial atitude de preservação do meio

ambiente, o que se refletiria certamente nos poderes políticos. Desta forma, a economia

brasileira não se distancia de tornar-se forte exemplo para as demais neste aspecto de

crescimento econômico, levando em consideração a sustentabilidade. Contudo, está

ainda longe de ser uma economia socialmente responsável com o meio ambiente.

Portanto, o tema será transcrito de tal forma que a utilização de

publicações antecessoras sobre o tema será a principal locomotiva no decorrer da

explanação do trabalho, facilitando assim alguns excepcionais entendimentos de


processos transcorridos para a preservação do mundo ecológico. Ainda agrupa como

metodologia de pesquisa as características descritivas, metodológicas e explicativas.

Estruturado em quatro seções, o objetivo principal deste trabalho é

conhecer o processo de desenvolvimento econômico brasileiro e a sua influência na

sustentabilidade ambiental com um olhar para o bem-estar das gerações futuras, bem

como apontar conceitos pertinentes ao entendimento do que é um processo de

desenvolvimento sustentável e a comunhão dos países com intensão de prevenção dos

ecossistemas durante o processo de urbanização e humanização do planeta.

Na primeira seção investiga-se a origem do termo sustentabilidade e sua

importância para um entendimento de preservação, assim como estipula um dos

seguimentos da economia que interdisciplinarmente estrutura uma problematização com

a ecologia. Para a segunda seção, investigam-se algumas reuniões internacionais com a

temática climática, ponderando pontos imprescindíveis em acordos conjuntos

internacionalmente, pois a análise da Organização das Nações Unidas prevê que a união

de todos os países seria a única forma de prevenção do meio ambiente.

A terceira e quarta seção desse trabalho unem-se para explorar maneiras

possíveis de obter um desenvolvimento sustentável e aplicações precisas na economia

Brasileira, pois é fundamental que as grandes potências mundiais apliquem essas

precauções na prevenção do meio ambiente.

Finalmente, conclui-se que embora haja legislação e algumas atitudes

desenvolvidas no país, são necessárias mais intensificações no aspecto prudencial com o

meio ambiente, para que se atinjam os pontos acordados em todos os encontros

internacionais, de um desenvolvimento econômico sustentável.


1 O processo de sustentabilidade

1.1 Pressupostos para a sustentabilidade

A preocupação no que diz respeito à sustentabilidade iniciou-se há

décadas nas culturas humanas. Este conceito tão longe de ser definido com clareza era

utilizado para expressar qualquer maneira de prevenção com o meio ambiente,

incorporado nos ideais das populações de todo o mundo. O discurso fundamentado na

existência de mudança nos modos de sobrevivência da população com um todo, deram

raízes para garantir a necessidade de rompimento com os paradigmas passados de

crescimento econômico descontrolado em todas as economias.

Desta forma, era estritamente importante uma quebra de princípios

“predatórios” da natureza para alocação de recursos urbanos de crescimento e

aperfeiçoamento da existência dos seres humanos. Em vista disso o termo

Sustentabilidade foi introduzido nos diferentes setores da sociedade, como modo de

garantir a presunção de prevenção do meio vivo ao redor do que era chamado de

perímetro humanizado (NASCIMENTO, 2012).

Posto isso, uma primeira definição aceita do conceito de sustentabilidade

teve origem com Lester Brown por volta da década de 1980 no WWI - “Worldwatch

Institute”, instituto sediado até os dias de hoje na capital Norte Americana.

Segundo Andrade e Romero (2004), Brown explica que “uma sociedade

sustentável é aquela capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as

chances de sobrevivências das gerações futuras”. Essa sentença marcante passou a

fazer parte de todo os conceitos sustentáveis no mundo, capaz de incentivar a busca pelo

desenvolvimento econômico baseado excepcionalmente na prevenção da natureza e,

transformando a argumentação de sustentabilidade um fator pertinente e conciliado à


economia de todas as nações do globo. Este fator intensificou a concepção

correlacionada, passando a se manifestar como Eco economia.

1.2 Elucidação de Eco economia

A Eco economia é um processo de unificação de dois seguimentos

importantes da sociedade global. De um lado, a economia, que abrange um sistema

complexo o qual tende a explicar a integração dos agentes econômicos, tais como:

família, empresa, governo, mundo, com seus princípios de análise dos pensamentos

humanos em função da utilização de recursos escassos ou não para satisfazer as

necessidades ilimitadas. E do outro, a ecologia, que se propõe a estudar as correlações

entre os seres vivos e o ambiente em que vivem.

Uma economia ambientalmente sustentável - uma eco economia - requer que

os princípios da ecologia estabeleçam o arcabouço para a formulação de

políticas econômicas e que economistas e ecólogos trabalhem, em conjunto,

para modelar a nova economia. Os ecólogos entendem que toda atividade

econômica, efetivamente toda vida, depende do ecossistema da Terra [...]

Economistas sabem como transformar metas em políticas. Economistas e

ecólogos, trabalhando conjuntamente, podem projetar e construir uma eco-

economia que possa sustentar o progresso (BROWN, 2003, p.4-5).

Todavia, são nessas circunstâncias que vários estudiosos econômicos e

ecológicos problematizam a questão de co-intervenção nas linhas de ambos os

seguimentos. Para os economistas de fato, o meio ambiente integra qualquer que seja a

situação econômica, por outro lado, os segundos denotam que a economia representa

um subconjunto do meio ambiente. Consequentemente, o conceito de eco-economia

torna-se importante no início do século XXI, o qual é capaz de compreender uma visão

de mudança mundial da maneira como se vê o relacionamento entre a Terra e a

economia.
Assim, a união dos estudos econômicos com os ecológicos passou a

integrar uma área multidisciplinar da economia para garantir o fim do conflito entre

crescimento e desenvolvimento econômico com a degradação do meio ambiente,

deixando clara a necessidade de coincidência entre ambas.

Segundo Penteado (2010), a eco economia parte de uma revisão total dos

valores vigentes nacionalistas, não apenas econômicos, mas humanos. Denotando assim

que o ser humano faz parte de um grupo de espécie mortal e que estes precisam

entender o mais rápido possível que dependem de uma série de elos com a natureza,

sem os quais perecerão.

2 Processo de sustentabilidade no âmbito internacional

2.1 Reuniões mundiais e comitês de sustentabilidade

Os desmoronamentos dos poderes mundiais ao longo da história

emparelhados ao processo de “predação” humana colocaram a natureza no ponto mais

alto dos discursos sociais das economias em geral. O que, por volta do século XVIII e

XIX não era o assunto primordial nos encontros dos grandes chefes, a partir do XX

tornou-se a preocupação mais relevante para a sociedade mundial.

A natureza se converteu num problema ético; tão degradada está por ações

humanas que nossa relação com ela transformou-se em questão decisiva, que

afeta as condições de vida sociais e a possibilidade de sobrevivência futura da

espécie e clama por uma nova ética de responsabilidade, informada por um

saber que ilumine as consequências deliberadas da ação humana (DUPAS,

2008, p. 22).

O processo devastador no meio ambiente poderá por si só ser o grande

vilão para a vida futura, e a única garantia que este episódio pode propiciar à vida não

passa de uma forma amarga em continuar vivendo nestas terras.


A elevação da preocupação mundial com o desenvolvimento desenfreado

a altas taxas de destruição do meio ecológico proporcionou um despertar revolucionário

em várias organizações mundiais. Com intuito de solucionar problemas ou minimizá-

los, a ONU (Organização das Nações Unidas) colocou-se a frente do desenvolvimento e

dispôs alguns encontros entre os líderes de países para propor mudanças e

conscientização mundial da destruição ocasionada ao meio ambiente.

Caracterizadas por serem instrutivas solucionadoras de problemas e

precursora de metas, as reuniões da ONU que levaram o tema de sustentabilidade

garantiram ao menos uma observação de conscientização sobre o tema ao mundo. Esta

organização aponta índices e dados apurados durante certo período de tempo que

proporciona um conhecimento das reais consequências do progresso das economias já

desenvolvidas e possíveis números atingidos caso as economias emergentes continuem

a crescer desenfreadamente.

A ideia dominante que continua sendo seguida por todos é a da salvação

social através do crescimento a qualquer custo como se as leis da Economia

dominassem as leias da natureza e como se esse crescimento fosse o único

meio de trazer bem-estar à humanidade (PENTEADO, 2008, p.15).

Assim, colocar o desenvolvimento incontrolável a frente da preservação

pode levar todas as gerações futuras a pagarem por consequências graves com a

natureza.

2.1.1 Estocolmo -1972

A cidade de Estocolmo, capital da Suécia, em 1972, acolheu o primeiro

encontro da história dos líderes mundiais para discutir questões ambientais. Até esta

data não se falava em preservação e, muito menos em desenvolvimento sustentável. A

princípio, este primeiro encontro deu base à conscientização dos danos causados pela
intensa exploração humana em todas as áreas da nação. Uma significativa

recomendação ao mundo seria que, até então, muitas pessoas tratam os recursos naturais

como inesgotáveis, ou seja, são precipitadas em pensar que a maioria desses recursos

não são renováveis.

2.1.2 Relatório Brundtland - Nosso futuro comum

O relatório denominado Nosso Futuro Comum ou Relatório Brudtland

foi o primeiro documento oficial internacional emitido em conjunto por todos os países

que compareceram a reunião da Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento; sendo o segundo encontro oficial das nações para discussão do tema.

Comissão esta criada a pouco mais de 10 anos do encontro de Estocolmo, com a

finalidade de propor metas e mudanças para a nova fase de preservação e cuidados com

o meio ambiente, presidida pela ex-primeira ministra da Noruega Gro Harlem

Brundtland, que em 1987 concretizou o relatório mencionado para trazer o conceito real

de desenvolvimento sustentável para o público em geral.

O relatório apresenta em seu conteúdo a desarmonia entre o

desenvolvimento sustentável e os altos padrões de produção e consumo, trazendo a

necessidade de inovar a relação ser humano e meio ambiente. Ao mesmo tempo não

sugerem em nenhum momento a estagnação do crescimento econômico, e sim que ele o

faça consciente.

Há ainda, no relatório citado, uma definição sobre o desenvolvimento

sustentável, o qual segundo alguns autores deve-se atentar a dois pontos importantes:

[...] O primeiro é que qualquer tendência ambiental pode, pelo menos em

teoria, ser analisada quantitativamente pela lente de seu provável impacto na

capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias

necessidades.[...]. O segundo ponto é o próprio imperativo do


desenvolvimento. Sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico

são, no entanto, objetivos bem diferentes, que precisam ser entendidos

separadamente antes de serem conectados [...] (ENGELMAN, 2013, p.7).

Este relatório, conforme os documentos sancionados em reuniões feitas

junto a todas as economias mundiais foi o ponto chave para estabelecimento de normas

e metas para possíveis soluções e observações no que concerne ao desenvolvimento

sustentável. E, também, o primeiro que garantiu os pontos de exigências para todas as

nações.

O relatório Nosso Futuro Comum elencou certas medidas que devem ser

tomadas pelos países para garantir o desenvolvimento sustentável:

 Limitação do crescimento populacional;

 Garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) em longo

prazo;

 Preservação da biodiversidade e dos ecossistemas;

 Diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias

com uso de fontes energéticas renováveis;

 Aumento da produção industrial nos países não industrializados com

base em tecnologias ecologicamente adaptadas;

 Controle da urbanização desordenada e integração entre campo e

cidades menores;

 Atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia).

As determinações propostas pelo relatório condizem com as

ideias pressupostas por determinados estudiosos que apresentam uma

preocupação constante com o bem-estar das pessoas no presente e das gerações

futuras.
Em âmbito internacional, as metas propostas pelo relatório Nosso Futuro

Comum são:

 Adoção da estratégia de desenvolvimento sustentável pelas

organizações de desenvolvimento (órgãos e instituições internacionais de

financiamento);

 Proteção dos ecossistemas supranacionais como a Antártica, oceanos,

entre outros, e pela comunidade internacional;

 Banimento das guerras;

 Implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela

Organização das Nações Unidas (ONU).

Há a necessidade de demonstrar que é dever das nações preservar por

aqueles ecossistemas que não apresentam habitantes, portanto, o pensamento consciente

estabelece que, apesar de haver um cuidado com as ações próprias, deve também

precaver o espaço do próximo.

O relatório Nosso Futuro Comum também estabelece algumas outras

medidas para a implantação de um programa minimamente adequado de

desenvolvimento sustentável, que são:

 Uso de novos materiais na construção;

 Reestruturação da distribuição de zonas residenciais e industriais;

 Aproveitamento e consumo de fontes alternativas de energia, como a

solar, a eólica e a geotérmica;

 Reciclagem de materiais reaproveitáveis;

 Consumo racional de água e de alimentos; e,

 Redução do uso de produtos químicos prejudiciais à saúde na

produção de alimentos.
É importante ressaltar que medidas temporárias não estabelecem uma

adequação de desenvolvimento sustentável e econômico condizente com as

determinações do relatório, que visa questionar e solucionar os problemas do acelerado

processo incontrolado de desenvolvimento das nações atuais.

2.1.3 Rio 92

A reunião Rio 92 foi a primeira reunião realizada no Brasil, na cidade do

Rio de Janeiro, em 1992, com a presença de cerca de 180 chefes de estado e governo

das nações do planeta. Conhecida como Cúpula da Terra, a reunião pode ser

considerada mais importante conferência internacional do meio ambiente.

Os temas propostos para a conferência se pautavam em questões apontadas

desde Estocolmo: proteção aos solos, por meio do combate ao desmatamento,

desertificação e seca; proteção da atmosfera, por meio do combate às

mudanças climáticas; proteção das áreas oceânicas e marítimas; conservação

da diversidade biológica, controle de biotecnologia, controle de dejetos

químicos e tóxicos; erradicação de agentes patogênicos e proteção das

condições de saúde.[...]. Também influenciou a Rio 92 o chamado Relatório

Brundtland, documento de 1987 igualmente conhecido como “Nosso Futuro

Comum”, que apontava para o risco de esgotamento dos recursos naturais

devido ao modelo adotado pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento

[...] (MILHORANCE,2012).

O Rio 92 caracterizou-se por ser a primeira reunião de fato a ser

considerado o problema da sustentabilidade como crônico. Foi neste ano que o mundo

em conjunto atentou-se para as consequências do desenvolvimento desenfreado e

frenético dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Neste ano também, durante a reunião dos países em questão, foram

documentados metas e modelos para a obtenção do desenvolvimento sustentável. O


relatório da vez baseou-se no Relatório Brudtland realizado em 1987 pela ex-primeira

ministra da Noruega e obteve um nome peculiar: Agenda 21. Posteriormente o mesmo

documento passou a chamar-se Programa 21.

A Agenda 21, agora Programa 21, é um programa de ação para se

implementar o desenvolvimento sustentável. É uma espécie de receituário

abrangente para guiar a humanidade em direção a um desenvolvimento que

seja ao mesmo tempo socialmente justo e ambientalmente sustentável, nestes

últimos anos do século XX e pelo século XXI adentro. [...], segundo suas

próprias palavras, está voltada para os problemas prementes de hoje e tem o

objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do próximo século [...]

(BARBIERI,1997, p.13).

Ainda segundo Barbieri (1997), a Agenda/Programa 21 é um documento

extenso com mais de 800 laudas comportando uma divisão de quatro seções. Na

primeira seção o principal assunto tratado são os ditames sociais do desenvolvimento

sustentável; na segunda seção são elencados os aspectos da dimensão ambiental; na

terceira seção apresenta grupos sociais que são de essencial importância para o

desenvolvimento e na quarta e última seção são levantados meios para a realização dos

métodos expostos pelas seções anteriores.

2.1.3 Rio +20

Passaram-se duas décadas e em 2012 um novo reencontro ocorre no Rio

de Janeiro para discutir as informações que envolvem desenvolvimento sustentável.

Este novo encontro foi necessário para garantir que as metas tratadas em 1992 estariam

realmente sendo cumpridas:

Ainda não se chegou a um acordo intergovernamental abrangente sobre

estratégias de sustentabilidade. Apesar de inúmeros planos, metas e

declarações solenes, nenhuma nação sequer chegou perto de ter uma


economia sustentável. O modelo de crescimento surgido no começo da

Revolução Industrial, baseado em estruturas, condutas e atividades

nitidamente não sustentáveis, ainda é visto como um “passaporte” para a

“boa vida” – estimulado, em grande parte, por publicidade maciça

(RENNER, 2012, p. 4).

Este enfoque “enganador” de desenvolvimento explorando os recursos

tão limitados naturais, ainda é, na crítica de muitos líderes, o grande passo de

crescimento de qualquer economia global.

Contudo, engana-se aquele que pensa que o desprezo pela natureza é o

caminho fiel de qualquer desenvolvimento. Nos dias de hoje pode parecer que sim, mas

no decorrer dos séculos as gerações que habitarão a Terra irão sofrer as consequências

danosas, e já discutidas em todas as reuniões da ONU em relação ao meio ambiente e o

desenvolvimento sustentável.

2.1.4 Acordo de Paris - 2015

Como método de garantir que os acordos internacionais (Estocolmo -

1972, Relatório Brundtland – 1987, Rio 92 – 1992 e Rio +20 – 2012) sejam realmente

cumpridos, e/ou que países que, até o presente momento não integraram nenhuma

reunião passem a conscientizar-se, a ONU passou a reunir-se periodicamente com esse

propósito para alertar todos os possíveis rumos desastrosos do mundo em relação ao

meio ambiente. Sendo assim, ao fim do ano de 2015, mais especificamente em

dezembro deste ano, houve em Paris (França) a chamada Convenção-Quadro das

Nações Unidas Sobre Mudança do Clima conhecida como COP 21 - 21ª sessão anual da

Conferência das Partes, o que de fato denotou o mais importante documento de todos os

tempos quanto ao assunto de desenvolvimento econômico e meio ambiente.


Segundo o artigo de número dois do acordo, o objetivo desse documento

“visa fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas, no contexto do

desenvolvimento sustentável” 2. Assim, é de grande importância uma harmonia de

ideias das nações do mundo, posto que esse processo de prevenção do meio ambiente

deve ser formatado em conjunto para um futuro uniformemente saudável no planeta.

Inicialmente, o sucesso pela sua célere entrada em vigor se deve ao fato de

ser a primeira vez, desde o início das negociações sobre o enfrentamento da

alteração climática, que todos os países se unem em um esforço conjunto

para ações de mitigação e de adaptação contra o aquecimento global. O ponto

central do Acordo é a obrigação de que todas as nações participem, ou seja,

de que todas as partes que ratificaram a Convenção realizem esforços nesse

sentido, o que representa um avanço nas negociações globais e traz

responsabilidades a todos (KÄSSMAYER & NETO, 2016).

Vale ainda destacar que, embora seja um acordo coletivo, cabe a cada

nação desenvolver seus esforços próprios capaz de se enquadrar em exemplos nítidos de

preservação do meio em que estão dispostas. Não é interessante para esse acordo que

uma nação dependa exclusivamente de outra para agir, mais sim que os ideais partam

exclusivamente dos governos internos.

3 Formas de desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento econômico sustentável parte do processo da

definição da expressão coligada a grandes esferas do meio econômico. Garantir a

expansão da economia atual sem comprometer o meio ecológico de hoje que,

ocasionalmente, seja o mesmo que pertencerão às próximas gerações sociais, tornou-se

2
Acordo de Paris (2015) – Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acordodeparis/>. Acesso em: 17 jun.
2017.
o ponto essencial para todas as economias desenvolvidas ou em desenvolvimento do

mundo.

Algumas atitudes simples que todos os governos mundiais poderiam

impor em suas leis a toda a sociedade, para que juntos (população e governo),

conseguissem de fato realizar certos cuidados com o meio ambiente são:

 Reciclagem e coleta seletiva: o reaproveitamento do lixo reciclável

(plástico, papel, papelão, metais, vidros) ajuda a não poluir o meio ambiente e a

providência das coletas seletivas por parte do governo gera renda para empresas e

trabalhadores;

 Reuso da água por indústrias e nos condomínios: gera economia de

água para as empresas e evita o lançamento de água contaminada e poluída na natureza.

Já para as residências, o reuso das águas para lavar o quintal ou outras atitudes

conscientes diminui o consumo e os gastos;

 Reflorestamento: áreas que sofreram a retirada de vegetação podem

ser reflorestadas para preservar o meio ambiente;

 Uso de fontes de energia renováveis e limpas: estas fontes de energia,

além de evitar a poluição do ar causam pouco impacto ambiental. A energia solar

(gerada pelo Sol), eólica (gerada pela força do vento) é bons exemplos;

 Uso de procedimentos na agricultura que visem à preservação do solo;

 Descarte de equipamentos eletrônicos, baterias e pilhas em locais

apropriados para que empresas especializadas possam dar um destino correto a este

material;

 Extração de recursos naturais de florestas de forma a não prejudicar a

fauna e flora da região, podendo utilizar o replantio de árvores para facilitar a extração e

evitar o desprezo ao meio.


A situação ideal seria que as pessoas, instituições e sociedade em geral

pudessem ter consciência disso atuando de forma imediata e espontânea em

beneficio de uma economia estável, de uma sociedade justa e de um meio

ambiente sustentável. Mas, por inúmeros motivos de diferentes naturezas, a

maioria das pessoal ainda não está disponível e preparada para esse tipo de

atitude. Por isso torna-se necessário incentivar mudanças de valores a

atitudes rumo a uma consciência coletiva visando o desencadeamento de um

novo processo de desenvolvimento (BRAUN, 2011, p.11).

Desta forma, é eficaz que se deixe de lado a maneira de desenvolvimento

expressa há anos na revolução industrial a qual, sem dúvidas, as economias não tiveram

nenhuma preocupação com o meio ambiente e, passem a utilizar-se de novas maneiras

de desenvolvimento, empregando todos os recursos tecnológicos criados até o momento

e fazendo jus aos acordos internacionais de prevenções climáticas.

4 A economia brasileira a beira da sustentabilidade

Em pleno século XXI o Brasil inicia uma perspectiva de explanar e

garantir um desenvolvimento econômico sustentável. Esta atitude deu início a uma nova

abordagem do governo, o qual propôs, a partir das metas desenvolvidas nas reuniões

dos chefes de estado e de governos do mundo todo, estabelecer ditames de ações

sustentáveis para o desenvolvimento.

O diferencial brasileiro é denotado em grande escala por sua vasta gama

de ativos naturais, capaz de dispor impressionante reconhecimento mundial.

Consequentemente, necessitaria ser a primeira nação a pensar em métodos de

desenvolvimento sustentável, pois o país é o quinto com a maior parcela territorial 3 e o

segundo com a área verde mais extensa. Também, o primeiro com o maior volume de

3
Dados fornecidos pela Agência Central de Inteligência – CIA. Disponível em: <
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2147rank.html>. Acesso em: 17
jun. 2017.
água doce do planeta; sem contar que sua economia encontrou-se em nona4 colocação

das maiores economias do mundo em 2016, segundo o Fundo Monetário Internacional-

FMI.

Desta forma, o uso de novas tecnologias permitiu ao país propor

inovações na sua base econômica do setor primário, agricultura, pecuária e extração,

setor este que desde sempre foi o fator de receitas do país, e que se tornou o principal

setor financeiro da economia devido sua grande extensão em terras promissoras para

estes seguimentos.

Assim, utilizando-se de tecnologias próprias ou aprimoramentos de

outras usadas ao redor do globo, o país pode transformar-se em ótimo candidato para

proporcionar exemplos no aspecto inovador de energias limpas e combustíveis

renováveis. Estas atitudes, mesmo que ainda em pequena escala e pouco divulgada ao

mundo, garante uma satisfação pelas pessoas que se atentam às questões ecológicas.

Segundo Mello & Toni (2013), vale ainda notar o arcabouço legal e

institucional de políticas públicas de prevenção na área de sustentabilidade asseguradas

pela constituição; a qual estabelece análises corriqueiras recaídas a todos os entes

federativos previamente coordenados por instituições de órgãos federais, responsáveis

por fiscalizar todos os impactos ambientais ocasionados em cada ação humana ou

empresarial.

No entanto, apesar da riqueza dos recursos naturais e expressiva

legislação é preciso elucidar as contradições no modelo de desenvolvimento em relação

a estes recursos e, em especial, as afrontas que a visão de curto prazo poderá acarretar

no progresso do país (MELLO & TONI, 2013).

4
Dados fornecidos pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Disponível em: <
http://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD/BRA>.
Acessado em: 17 jun. 2017.
O que realmente inclui uma premissa sustentável no modelo de

desenvolvimento em médio e longo prazo, é um planejamento que exclui a opção de

infinidade dos recursos naturais, pois, embora disponíveis abundantemente, o uso

exacerbado poderá causar um esgotamento desses ativos, findando todo o ciclo

desenvolvimentista da humanidade.

Considerações Finais

É condizente mencionar que a importância de um desenvolvimento

sustentável para a economia emergente brasileira que visa uma cautela com gerações

futuras, passou a ser tópico no governo após inúmeras reuniões mundiais sobre o tema.

Apesar do grande passo dado pelo país nos últimos anos na questão que

leva ao desenvolvimento econômico sustentável, o mesmo ainda precisa amadurecer-se

na questão do bem-estar social em conjunto com o meio ambiente. As políticas estão

sendo montadas a cada dia que se passa e a conscientização pela preservação levada a

conhecimento de todos.

Nota-se, no entanto, que o planejamento prévio das regras seria

certamente a melhor maneira para ocorrer a preservação da natureza. É provável que

estas atitudes levassem a economia brasileira a um ponto mais alto do globo e seria

reconhecida nos quatro cantos com o pensar no meio ecológico para um

desenvolvimento respeitoso.

É importante frisar a necessidade de propiciar uma educação eficiente,

voltada para a conscientização dos alunos e de seus pais, propondo pequenas atitudes

pessoais, pois estatisticamente se cada indivíduo fizer sua parte, mesmo que sozinho,

certamente influenciará o próximo a comprometer-se, e teremos mais indivíduos

dispostos a prevenção, refletindo em um futuro plausível do meio ambiente.


Contudo, longe de ser completamente uma economia socioambiental, o

Brasil está aos pés de muitas outras economias; possivelmente com o propósito de

preencher a lacuna de distância.

Ainda há muito que fazer em relação a uma economia voltada para a

sustentabilidade, mas não podemos descartar o fato de que muitas ações já foram

tomadas até hoje. Espera-se que, nos próximos anos, os governos que adentrarem ao

poder, deixem seu legado ao meio ambiente, afinal, o que fazemos hoje com a natureza,

terão suas consequências no futuro.

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ANÁLISE CRÍTICA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO EM RELAÇÃO AOS IMPACTOS
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Marcus Eduardo de Oliveira (*)

RESUMO
Desde o surgimento das primeiras cidades (6.000 anos atrás), as sociedades têm
consumido num ritmo voraz os recursos e a energia da natureza. É verdade que nos albores
da civilização os povos eram prisioneiros do consumo. Porém, pós-Revolução Industrial
(séculos 18 e 19) tornaram-se escravos da ação de consumir. Dado o avanço tecnológico e
o amplo domínio das técnicas modernas, esses movimentos, vistos de forma macro,
desembocaram facilmente numa problemática ambiental ora em curso avançado, posto que
à medida que as economias globais se expandem fisicamente, atingindo, pois, elevados
níveis de crescimento econômico, inexoravelmente surgem problemas relacionados à
degradação ecológica, notadamente o esgotamento de recursos naturais e energéticos,
indispensáveis ao bom funcionamento da atividade econômica e humana.
Fora isso, a humanidade – cada vez mais sequiosa de consumir – o que implica em
aumentar a produção econômica material, tem desenvolvido o hábito de não mais se
identificar como parte substancial da natureza. Percebe-se assim, com relativa facilidade,
que os imprescindíveis serviços ecossistêmicos – base e suporte da economia – bem como
o conjunto da biodiversidade não tem sido levado em consideração no cabedal teórico
proposto pelos ensinamentos neoclássicos; quando muito são vistos como externalidades.
Talvez isso explique, en passant, a considerável dificuldade por parte dos economistas
convencionais em aceitar de bom grado o fato de o sistema econômico ser, na verdade, um
subsistema da biosfera, e mais ainda, de a natureza ser a limitante do crescimento
econômico.

Palavras-chave: Crescimento Econômico, Limites Ecológicos, Degradação


Ambiental-Ecológica

(*) Economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina (USP). Especialista em Política
Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP)
prof.marcuseduardo@bol.com.br
INTRODUÇÃO

“Alguma coisa não funciona bem na Terra, e o que não funciona é o homo sapiens”.
(Pascal Picq, paleoantropólogo do Collège de France)

Diversos indicadores físicos de (in) sustentabilidade tem mostrado com suficiente


clareza que o meio ambiente está seriamente ameaçado pelo crescimento populacional
(embora provavelmente, de acordo com projeções demográficas, essa tendência se
inverterá por volta do ano 2050) e pelo hiperconsumo. Por isso é geralmente aceita a
informação corrente de que o impacto a longo prazo dos humanos sobre a Terra depende
inexoravelmente tanto do contingente populacional quanto do estilo de vida dessa
população global; notadamente o modo de consumir.
Posto isso, tem sido de senso comum afirmar que as ações de uma parte
considerável da humanidade (especialmente os 20% mais ricos) estão pautadas na cultura
do crescimento expansivo, longe, portanto, da moderação; na prática do desperdício,
distante, pois, da parcimônia, e na necessidade quase irrefreável de acúmulo material, em
vez de um nível de consumo razoável e suficiente. Necessidades materiais e seu correlato
nível de consumo sempre elevados são condições que alimentam a economia do
crescimento, e tão comumentemente tem sido usado como critério de progresso. Ao menos
a economia convencional, fiel às tradições clássica e neoclássica do pensamento
econômico, tem postulado essa premissa com certa veemência.
O fato é que, especialmente a partir do início da segunda metade do século 20 e das
duas primeiras décadas desse século 21, não perdendo de vista as raízes dessa questão que
se prende ao tempo seminal da construção das primeiras cidades no planeta, que se
começou a perceber com acentuada clareza que a humanidade estava organizada num
modo de viver regiamente estabelecida sob às ordens do mercado de consumo, obedecendo
condições mercadológicas.
Preocupada quase exclusivamente com o consumo do produto final, parte da
humanidade tem ignorado o elemento axial do processo econômico, vale dizer, a existência
e a importância da natureza e dos serviços ecossistêmicos que provêm e sustentam toda a
atividade econômica de produção; daí a pouca importância dispensada pelos stakeholders
relativo aos cuidados com a preservação do meio ambiente e com as práticas voltadas ao
alcance de sustentabilidade.
Justamente por isso acirra-se entre a economia e a natureza, entre o Homem e o
Meio Ambiente, entre o homo economicus e o mundo ecológico um latente conflito que
avança a passos céleres à medida que a atividade de produção econômica global segue
sendo alimentada pelo dogma central da economia – o crescimento econômico –
permitindo assim desfigurar o semblante da natureza.
Posto isso, temos que, de um lado, o sistema econômico continua obedecendo suas
leis, funcionando em busca de mais crescimento físico; do outro lado, o sistema ecológico,
notadamente os serviços de provisionamento e amparo da produção econômica, continuam
sendo fatiados pela voracidade do expansionismo industrial global que não encontra
restrições, para tanto ultrapassa os limites ecológicos, as fronteiras ecossistêmicas. (*)
Fica cada vez mais evidente que a expansão em nível global da produção e do
consumo – variáveis quase sacrossantas do crescimento econômico – em confronto com o
caráter limitado dos recursos naturais e energéticos, dado que a biosfera é finita e não
crescente, tem colocado na berlinda a existência humana no planeta Terra.
Com esse movimento, consumo e produção, correlacionados com o excesso
populacional, dada a limitação ecológica, procura-se explicar em linhas gerais porque a
humanidade, desde muito, está vivendo além dos meios ecológicos disponíveis. Face a
isso, alinhada à voracidade consumista, tem-se configurada uma situação de rápido
declínio de quase dois terços dos principais serviços e recursos ecossistêmicos oferecidos
pela natureza à humanidade. Serviços e recursos, vale asseverar, sem os quais a economia
simplesmente não funciona. A par disso, o problema que se percebe com bastante agudeza
é que a economia tradicional não vê, não age, não sente e muito menos atua de modo a
preservar o meio ambiente; por isso subjuga indiscriminadamente a natureza mediante a
prioridade dada às políticas de promoção do crescimento econômico. Ignora-se, ademais,
que a ideia pré-concebida do crescimento sem fim, bem como seus condicionantes, tem
sido a principal responsável por colocar considerável peso sobre o Sistema Terra.

(*). Para entendimento, convém especificar quais são as fronteiras em que a ação humana tem se irrompido.
De acordo com o estudo intitulado Planetary Boundaries, coordenado por Johan Rockstrom, Diretor
Executivo do Stockholm Resilience Centre (localizado na Suécia), são nove as fronteiras ecológicas que
estão no centro das atenções, tipificadas como “espaço operacional seguro para a humanidade”, a saber:
mudanças climáticas, camada de ozônio, uso do solo, uso de água doce, diversidade biológica, acidificação
dos oceanos, ciclo do nitrogênio e do fósforo, materiais particulados (aerossóis) e poluição química. Três
dessas fronteiras - mudanças climáticas, diversidade biológica e ciclo do nitrogênio e do fósforo - segundo as
evidências até aqui disponíveis, já apresentam sinais de terem sido ultrapassadas, agravando mais ainda o já
aquecido planeta Terra. Se estavámos acostumados apenas – e somente - a esbarrar nas fronteiras ecológicas
planetárias, essas três em destaque já foram acintosamente ultrapassadas.
1. A mania do crescimento econômico compulsivo num mundo ecologicamente
limitado
Olhando com acurada atenção para a economia global é razoável supor que o
sistema econômico com o qual temos convivido nos últimos tempos – especialmente no
último século - nos habituou a pensar a vida econômica e suas relações comerciais
pendendo quase que exclusivamente para o lado dos fatores (produção e consumo) que
delimitam o fortalecimento do modus operandi que mantém “vivo” um dos principais
dogmas da economia - senão, o principal - o crescimento econômico.
Na relação com os fundamentos ecológicos, o inextricável problema da economia
de crescimento expansivo – espécie de paradigma máximo de prosperidade que o mundo
ocidental adotou com certa facilidade – não mede as consequências sobre a natureza,
especialmente a devastação ambiental; tampouco se preocupa com a distribuição equânime
do produto.
A preocupação mais relevante, do lado da gestão econômica, está localizada
unicamente no ato de atingir elevadas taxas de crescimento com o propósito quase que
milagroso de curar todos os males sociais. Para tanto, todos os esforços têm sido
comumentemente direcionados para o alcance da expansão da atividade industrial,
alavancando assim a economia pela produção material com o intuito de consolidar
posteriormente uma sociedade de consumo.
Para o convencionalismo econômico, o que vale e o que conta é tão somente
aumentar de forma alucinada o ritmo com que o crescimento tem conseguido transformar
os recursos da natureza em mercadorias, transformando por consequência a natureza em
preços, em fonte de lucro. Assim, paulatinamente a economia do crescimento tem se
convertido, grosso modo, num sistema que impõe considerável peso sobre o Sistema Terra,
esbarrando sobremaneira sobre o Sistema Vida.
É importante esclarecer que todo esse trâmite transcorre sem ao menos que o
establishment considere a constante dilapidação do sistema ecológico; razão maior que
converte o crescimento econômico propriamente dito numa inequívoca situação de
economia destrutiva. Dessa constatação, este ensaio começa por lembrar que talvez o
desafio maior que espera a humanidade no decorrer dos próximos dias – face a gravidade
com que a situação de crise ambiental assim se apresenta - é justamente o de promover a
imediata recuperação ecológica do planeta Terra, devastado e espoliado em consideráveis
partes pela expansão desrregrada da atividade econômica global que segue,
pormenorizadamente, o curso da cultura consumista vigente nas sociedades
industrializadas.
Colocando essa questão num terreno mais sólido, é oportuno afirmar que a
economia global tem sido organizada em todo seu conjunto com a intenção de estimular
com frequência a busca do crescimento econômico de forma exponencial, sempre à custa
de devastar os recursos finitos e não renováveis da natureza. Por isso essa propalada
cultura consumista, importa reforçar tal premissa, encontra-se balizada numa ação
econômica que, de igual modo, deprime os recursos da natureza, consolidando a obsessão
em torno do crescimento econômico compulsivo, apontado – vale reiterar - como o
caminho mais fácil para se alcançar bem-estar e progresso sociais e humanos.
Decorre daí uma série de efeitos nocivos que afetam sobremaneira o equilíbrio do
meio ambiente, colocando no limiar da insegurança a sobrevivência da própria
humanidade. No geral, questões em torno da crise ambiental, especificamente relacionadas
ao desajuste climático e a depleção dos principais serviços ecossistêmicos, estão
intimamente vinculadas às ações econômicas e humanas, posto que todas as atividades
humanas têm um substrato físico e energético, portanto, um viés ecológico, ainda que o
pensamento econômico tradicional refute acintosamente essa assertiva.
A noção dominante na economia global permite, outrossim, que se perpetue um
sistema econômico de crescimento contínuo diante de um sistema ecológico finito,
estimulando assim o principal dogma da ciência econômica a pretensamente ofertar a todos
uma vida boa, a partir da possibilidade de acúmulo material. Essa intenção em si – vida
boa para todos a partir de mais crescimento econômico - é benevolente, no entanto, não é
factível por três cruciais motivos que exercem inegável pressão sobre o sistema ecológico:
1) a Terra é finita e não irá crescer em termos físicos; 2) muito dos recursos naturais e dos
serviços ecossistêmicos que sustentam e provisionam a atividade econômica global não se
renovam, e; 3) no momento, há um excesso populacional com mais de 7,2 bilhões de
pessoas (dados de 2017) que, mesmo consumindo bens e serviços de forma não equânime,
pressionam o meio ambiente, esgotando o capital natural.
Todavia, é certo que, enquanto a ciência econômica continuar a seu modo
ignorando que, sem a natureza não há economia, e, não obstante, estabelecendo a produção
econômica como paradigma mor de prosperidade e sucesso humanos, a humanidade estará
fadada a conviver cada vez mais com um meio ambiente degradado. Desnecessário afirmar
que isso compromete a própria manutenção do Sistema Vida.
2. Sem a natureza não há economia
O arcabouço neoclássico parece não se dar conta de que sem a natureza e seus
principais serviços nada pode ser produzido economicamente; daí a noção corrente
encontrada nos ensinamentos da economia ecológica, a saber: sem a natureza não há
economia.
Colocado em outros termos, a escola neoclássica, em linhas gerais, ignora que a
economia funciona por dentro da biosfera, desprezando assim a importância dos
fundamentos ecológicos como determinantes (e limitantes) da produção econômica.
Grosso modo, a natureza, o meio ambiente, os ecossistemas, a ecologia, a ecosfera e a
biodiversidade, por exemplo, continuam sendo temas tratados com considerável descaso
pelo establishment da economia moderna, e quando muito são vistos como externalidades.
A par da anuência dessa posição por parte da economia convencional, não se pode
perder de vista, à luz de elucidativa explicação, que a atividade econômica de produção
nada mais é que um apêndice da biosfera, consumindo energia; logo, dependendo
intrinsecamente de fontes originárias da natureza. Isso posto, cabe aduzir que a economia
se encontra devidamente subordinada à ecologia. Por sua vez, a ecologia está subordinada
à biologia e à termodinâmica (calor, energia, potência), sendo essa última subordinada à
física e ao conjunto de suas leis. Portanto, esforços enveredados para se alcançar o
crescimento econômico, entendendo tal conceito como a expansão da produção de bens e
serviços, relacionado a mudanças quantitativas na estrutura da economia, passam
indubitavelmente por esses termos termodinâmicos.
É certo afirmar então que, apenas pelo fato de a atividade econômica “consumir”
energia já é motivo o suficiente para vinculá-la explicitamente a uma dependência em
relação às leis da física. Dessa perspectiva, tem-se que, quanto mais intensivo for o
crescimento econômico, tanto mais intensivo será o uso de energia. Ilustrando esse ponto,
vale dizer que energia é um conceito básico da física que obedece a duas leis fundamentais
da termodinâmica. A primeira é a lei da conservação, cujo pressuposto básico diz que a
energia não pode ser criada nem destruída, apenas pode ser transformada. A segunda é a lei
da entropia que diz que a energia sempre se dispersa, passando de um estado de maior
concentração para um de menor concentração.
É importante notar que a economia não pode contrariar a lei da entropia, o que
equivale a dizer, em termos técnicos, que não se pode usar a mesma energia de forma
ininterrupta. Por exemplo: uma vez usado o carvão, a energia ali contida se dispersa, não
havendo volta (reuso). Sendo assim, não se pode queimar o mesmo carvão por variadas
vezes, ou queimar o mesmo combustível quantas vezes o intento humano desejar.

3. Efeitos colaterais das taxas de crescimento


Completamente míopes em relação aos efeitos nocivos impostos ao sistema
ecológico, os gestores que administram os destinos da economia mundial continuam
obcecados pelo alcance do crescimento econômico como indicador ótimo de desempenho
administrativo. Do ponto de vista econômico-administrativo, o crescimento econômico se
converteu num imperativo capaz de ilustrar a “boa saúde” e o nível de prosperidade de
qualquer sociedade. O problema central é que essa conduta relega ao esquecimento os
efeitos colaterais que recaem sobre a natureza, a base e a sustentação do processo
econômico-produtivo (sempre é oportuno insistir nessa argumentação). A busca pelo
conforto material empreendida pelos humanos, aspiração imanente e legítima de todos, a
partir de mais consumo e mais produção, paradoxalmente tem colocado a própria vida dos
sapiens em situação de risco, uma vez que o meio ambiente - do qual os humanos
necessitam integralmente para sua sobrevivência - vai se desfigurando em velocidade
assustadora para dar passagem a níveis de produção econômica mais elevadas.
É importante insistir num ponto: as variáveis produção e consumo são as
condicionantes maiores do crescimento da economia. Oportuna, a esse respeito, foram as
palavras proferidas por Fred Hirsch (1931-1978), pensador nascido em Viena, autor de
Social Limits to Growth, asseverando que “o consumo representa o verdadeiro sujeito e
objeto do crescimento econômico”.
Ora, de certa forma, criou-se assim em torno do consumo uma espécie de
necessidade mútua: crescimento (mais produção) permite mais consumo e, como efeito
bumerangue, mais consumo termina por manter “vivo” o próprio crescimento econômico
(necessitando de mais produção). Para o pensamento econômico convencional, essa
“necessidade mútua” é justificada pelo encontro do crescimento demográfico com o
alcance do pretenso progresso econômico para atendimento das aspirações materiais e
sociais do contingente populacional. Conquanto, o modus operandi aqui implícito
erroneamente sinaliza que o alcance de progresso econômico é possível, tão somente,
mediante a aquisição material. Com isso o crescimento econômico ajuda a configurar a
simbolização máxima do culto da sociedade material. Inevitavelmente, essa ação conduz a
um padrão de sociedade acostumada ao desperdício, ao descarte material e, obviamente, ao
consumismo desenfreado, o que promove, grosso modo, trágicas consequências ao meio
ambiente. Importa afirmar que em nenhum outro momento da história dos homens os
níveis de derrelição na economia mundial foram tão elevados como o de agora.
Em resumo, isso consolida uma sociedade vazia de conteúdo. A razão existencial,
sob os cuidados dos ditames mercadológicos, parece encontrar relevância somente na
prática do acúmulo material, da aquisição sem limites. Desde o início da industrialização, é
a serviço desse quadro soturno que o crescimento econômico tem sido almejado. Dada a
expansão da capacidade produtiva global, elevando o crescimento econômico a uma
condição suprema, a natureza não mais tem conseguido suprir as “necessidades”
econômicas da coletividade justamente porque tem sofrido acintosa espoliação por parte da
ação humana em prol do abastecimento do mercado do consumo. Face ao crescimento
populacional (220 mil nascimentos a cada dia, 9 mil a cada hora, 80 milhões por ano) e ao
contínuo aumento das ditas necessidades humanas ilimitadas, a economia global se tornou
muito maior do que a natureza é capaz de provisionar em termos de recursos e energia para
suportar a produção industrial mundial.
Talvez por isso o consumo mundial de bens e serviços já esteja num nível em que
não mais se encontra restrito às necessidades da vida humana, mas sobretudo às
superficialidades cotidianas. Foi exatamente nesse contexto que a cientista política alemã
Hannah Arendt (1906-1975) afirmou que a economia se tornou de fato “uma economia de
desperdício, na qual todas as coisas devem ser devoradas e abandonadas quase tão
rapidamente quanto surgem no mundo”. (1)
O resultado inequívoco dessa conduta não tem sido outro senão a inconsequente
acumulação material e a destruição ecológica, depreciando o capital natural (rios, mares,
oceanos, fauna, flora, solos aráveis, florestas) que valem muito mais do que o capital físico
(máquinas, estradas, automóveis) feito pelos homens.

4. Natureza frágil diante do crescimento econômico


Dada a agressão ambiental, o futuro que se abre à espécie sapiens dependerá muito
do comportamento que tivermos para com a Terra. A maneira como estamos agindo no
mundo certamente determina o mundo que teremos.

(1) A Condição Humana, Trad. R. Raposo, 2° ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983, p.147
Em linhas gerais, o tratamento que dispensarmos à Casa da Vida (Gaia, nos dizeres
dos gregos) definirá nossos dias vindouros, bem como a situação ecológica que iremos
deixar às próximas gerações. Nesse pormenor, bem disse o antropólogo norte-americano
Gregory Bateson (1904-1980): “os grandes problemas do mundo são resultados da
diferença entre a maneira como a natureza funciona e a maneira como o homem pensa”. (2)
Seguindo esse pressuposto, parece não haver dúvidas quanto ao tipo ideal de economia
que a humanidade deve adotar, determinando na mesma medida a condição ecológica
em que conviveremos. De igual maneira, o tipo de crescimento econômico que as
sociedades modernas assimilarem conduzirá na mesma dosagem o estilo de vida que as
populações poderão desfrutar no futuro.
Desde já, é imprescindível refutar o atual modelo de economia destrutiva, posto que
a natureza tem se apresentado frágil demais para assimilar o condicionamento do
crescimento verificado nos últimos tempos. Recentes estudos mostram que a extração
global de recursos da natureza para alimentar a produção econômica global aumentou oito
vezes ao longo do século 20. Atualmente, a extração de recursos naturais alcança o
montante de 70 bilhões de toneladas anuais, o que equivale a uma média de dez toneladas
per capita.
Informações extraídas do Relatório elaborado pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma), apontam que “os países mais ricos consomem em média
dez vezes mais recursos que os mais pobres e duas vezes mais que a média mundial. Se a
tendência se mantiver, em 2050 o planeta precisará de 180 bilhões de toneladas de
matérias-primas anualmente”. (3)
É destacado ainda pelo Pnuma nesse mesmo Relatório que “o drástico aumento do
uso de combustíveis fósseis, metais e outros materiais aprofundará as mudanças climáticas,
aumentará a contaminação atmosférica, reduzirá a biodiversidade e finalmente levará ao
esgotamento dos recursos naturais”.
Essa condição de desequilíbrio ambiental deixa evidente, pari passu, que o
acelerado modo de produção econômica dos últimos tempos, datado com mais precisão
desde a metade do século 20, tem sido, de longe, o contributo mais significativo da
depleção imposta ao meio ambiente.

(2) Mind of Nature – A necessary unit. E.P. Dutton – New York, 1979, p.93
(3) Relatório Anual do Pnuma 2014
Não por acaso, a partir desse período citado, o salto do PIB mundial saiu de US$ 6
trilhões (1950) para US$ 43 trilhões (2000). Apenas no ano de 2000 a atividade humana
expandiu-se mais do que em cem anos (1800 a 1900) de história econômica. Com um PIB
global de mais de US$ 75 trilhões (dados de 2016), contando com 7,2 bilhões de habitantes
no planeta, o que se produz mundialmente em termos de bens e serviços representa, em
nossa moeda, R$ 7 mil por mês para cada família de quatro pessoas.
O funcionamento dos principais fundamentos da economia colocados a serviço do
crescimento vertiginoso da atividade industrial segue se reafirmando cada vez mais
pautado na necessidade de expandir tanto quanto possível a produção física das economias,
pouco se importando com o grau de elevada depredação ambiental.

5. Inventário da destruição ambiental


A agressão sofrida pela natureza é prontamente percebida à medida que lançamos
olhares para o nível do uso de recursos naturais que hoje se encontra num ritmo mais
acelerado frente a capacidade que a natureza tem de absorvê-los.
Will Steffen, professor da Universidade Nacional Australiana e Owen Gaffney, do
Stockholm Resilience Centre, em artigo publicado no The Anthropocene Rewien apontam
que “os seres humanos alteraram o clima 170 vezes mais rápido do que as forças naturais”.
Para esses autores, “o Homo Sapiens agora rivaliza com as grandes forças da natureza. A
humanidade é um motor principal da mudança do sistema terrestre. As sociedades
industrializadas alteram o planeta numa escala equivalente a um impacto de
asteroide”. (4)
Esse assunto é corroborado a partir de dados coletados em estudos realizado por
Lester Brown (5), mostrando uma espécie de inventário da destruição ambiental.
Vejamos o que segue:
 A cada 9 ou 10 segundos, o equivalente a um campo de futebol
desaparece da Amazônia;
 A cada minuto, a Terra perde 21 hectares de florestas, equivalente a 42
campos de futebol;

(4) The Trajectory of the Anthropocene: The great aceleration, in The Anthropocene Review, Jan, 16, 2015.
(5) BROWN, L. (org.). State of the World 1996. A Worldwatch Institute Report on Progress Toward a
Sustainable Society. New York, Norton and Company.
 A cada minuto, 50 toneladas de solo fértil são levados pelo vento;
 A cada minuto, 10 mil toneladas de dióxido de carbono são lançadas na
atmosfera;
 A cada hora, 685 hectares de terra produtiva, equivalente a 1.370
campos de futebol se transformam em deserto;
 A cada dia, 250 mil toneladas de ácido sulfúrico (chuva ácida) caem no
Hemisfério Norte, onde se concentram os países ricos;
 Desde 1960, o crescimento populacional e o desmatamento reduziram a
quantidade de hectares de florestas per capita pela metade, aumentando
as pressões sobre os remanescentes.

Mesmo diante dessa fotografia que expressa ainda que infimamente o caos
ambiental, o pensamento econômico tradicional continua trabalhando em torno da fixa
ideia de obter crescimento econômico exponencial, pouco se importando com a
consequente desfiguração da natureza; tampouco com a transformação dessa em mera
fonte de lucro, como já asseveremos. Dessa maneira, o crescimento contrasta com a noção
de sustentabilidade.

6. Crescimento contrasta com a noção de sustentabilidade


É imperioso desmitificar uma ideia corrente em economia: não se alcança bem-
estar e progresso humano com mais crescimento econômico. Não será com a expansão da
produção interna bruta, aumentando a quantidade de mercadorias e serviços à disposição
dos povos, que se assegurará boas e saudáveis condições de vida à coletividade. Se todo
crescimento é sempre um fator de depleção, uma vez que destrói a base ecológica
existente, ou seja, o apoio que a natureza dispensa à atividade econômica, almejar
progresso material contínuo puxado por elevadas taxas de crescimento econômico, nesse
caso, não faz o menor sentido num mundo ecologicamente limitado e restrito, sofrendo
deterioração ecológica.
Nesse pormenor, nunca é demasiado lembrar que “progressos”, quer sejam
econômicos ou sociais, também produzem estragos e avarias. Consoante a isso, há uma
afirmação de domínio popular que atesta que a tecnologia (talvez o direcionamento mais
ilustrativo do termo progresso) deve um pedido de desculpas ao meio ambiente, face ao
esgotamento de recursos naturais, a exaustão de serviços ambientais, as incidentes
dificuldades para a purificação da água e do ar, fertilidade do solo, polinização, ciclagem
de nutrientes, oxigênio e tantas outras situações que tem sido reduzidas pela impetuosidade
do crescimento econômico, “vendido” – é importante frisar - como critério (ou fórmula) de
progresso social.
Não se nega a importância do crescimento; o que se condena é a ocorrência de um
crescimento abusivo frente à limitação do mundo físico. Assim, diante de estímulos de
políticas econômicas lançados à atividade produtiva, o crescimento contínuo da atividade
econômica daí resultante se torna simplesmente insustentável no decorrer do tempo. Na
relação economia versus natureza, a conta não fecha.
O fato é que o crescimento econômico tem engolido a capacidade da natureza de
ofertar recursos e energia. A realidade da crise ecológica ora em curso, exposta em várias
frentes, tem provado que a economia destrutiva apequena o meio ambiente quando o
converte aos desígnios do crescimento quantitativo.
Nessa perspectiva, quanto mais se obtém crescimento, mais as localizações
geográficas (cidades, estados, nações), bem como as organizações corporativas que
sustentam e organizam o ambiente econômico, se afastam, na prática, do alcance da
sustentabilidade.
Se todo crescimento é depleção, como aventado, a sustentabilidade não encontra
sinais de ressonância quando então se depara com um processo de expansão quantitiva, a
essência do crescimento. O crescimento, portanto, não coaduna à ideia de obter equilíbrio
ambiental, a essência da sustentabilidade.
Pior ainda é colocar na frente da palavra crescimento o termo sustentável.
Certamente não há oximoro mais relevante.
Os benefícios do crescimento (e é óbvio que eles existem, não podendo ser
negados) vão até certo ponto. Uma vez ultrapassado esse ponto, a colheita inevitável será
toda ela de prejuízos ecológicos, começando pelo acentuado desgaste ambiental.
É sabido, entretanto, que se todas as empresas, grupos corporativos e/ou
principalmente as economias mundiais desejarem crescer além da taxa de expansão
produtiva considerada “normal”, portanto ultrapassando certo ponto, o planeta
simplesmente deixará de ser funcional, aprofundando ainda mais a crise ambiental,
amplificando o desequilíbrio das condições climáticas, acirrando o aquecimento global já
em adiantado curso.
7. Quando crescer economicamente é ruim
Uma resumida definição de crescimento econômico é encontrada conceituando-o
como sendo a expansão contínua da renda total e per capita ao longo do tempo. Já o
conceito de desenvolvimento econômico - termo que durante muito tempo foi entendido
como sinônimo de crescimento - não obstante ainda esteja englobado na parte da Teoria
Econômica que estuda estratégias para se atingir o próprio crescimento -, tem como foco a
preocupação central de encontrar maneiras para melhorar o padrão de vida dos povos.
Posto em outros termos, vale aduzir que o objetivo do crescimento é sempre econômico,
com um viés quantitativo; já o do desenvolvimento é social, com viés qualitativo.
Alcançar o crescimento sempre foi visto pelas lentes da economia tradicional como
condição sine qua non para ofertar a todos um adequado nível de bem-estar, uma vez que o
crescimento comumentemente é associado ao aumento da renda; logo, também carrega
estreita associação com a possibilidade de se proporcionar considerável nivel de consumo.
A relação do crescimento econômico com os princípios da ecologia é cada vez mais
problemática. Por exemplo: ao se incentivar o crescimento econômico queimando cada vez
mais combustíveis fósseis, - como atualmente é o modo operacional das economias globais
– eleva-se a situação de aquecimento global, além de principiar o esgotamento dos
ecossistemas. Nessa perspectiva, o crescimento da economia passa a ser, grosso modo,
espécie de inimigo número um das condições desejadas de se obter uma vida social,
econômica e ecológica saudáveis e equilibradas.
É imperioso asseverar que a ideia central em torno desse tipo de crescimento
devastador com o qual temos convivido – que aqui estamos chamando a estrutura desse
processo de economia destrutiva - não deixa de ser simples, tendo em conta que numa
situação onde a expansão da economia afeta excessivamente o ecossistema circundante, o
resultado final não será outro senão o sacrifício ostensivo do capital natural que, uma vez
mais vale repetir, tem mais importância e valor do que o capital material criado pelo
homem.
O que a expansão econômica global verificada especialmente nas últimas dez
décadas promoveu, em que pese a convivência com alguns períodos de estagnação e
retrocesso que pontualmente marcaram a economia mundial ao longo desse período, é
aquilo que Herman Daly precisamente tem chamado de crescimento deseconômico, ou
seja, o crescimento considerado ruim; situação em que o crescimento, para se afirmar,
antes, destrói a própria base de suporte existente, a natureza. Importa ainda acrescentar que
esse crescimento ocorre quando aumentos na produção se dão à custa do uso de recursos
naturais e de consideráveis sacrifícios impostos à condição de bem-estar.
A problemática ambiental aí inserida decorre de um equilíbrio indesejável de
grandezas que o linguajar econômico denomina de utilidade e desutilidade. Nesse
pormenor, é preciso esclarecer antecipadamente que utilidade é o nível de satisfação das
necessidades e demandas da população; grosso modo, é o nível de seu bem-estar,
identificado como a possibilidade de se obter a almejada qualidade de vida, ou seja, a
verdadeira essência do desenvolvimento socioeconômico.
Já o conceito de desutilidade refere-se aos sacrifícios impostos pelo aumento da
atividade econômica, incluindo considerável perda de lazer, esgotamento de recursos
naturais e a letal convivência, por exemplo, com elevados níveis de poluição. Na prática,
todo esse processo é devidamente chamado de crescimento antieconômico, principalmente
tendo em conta a proporção – e a velocidade - com que esse tipo de economia destrutiva
tem perturbado a imprescindível condição de equilíbrio da natureza que se encontra no
limite.

8. Crescimento antieconômico
Numa antiga edição (maio-junho de 1968) do Journal of Political Economy, em
artigo intitulado On Economics as a Life Science, Herman Daly, a voz mais elevada da
economia ecológica contemporânea, destacou o fato de a economia humana ser um
subconjunto de um sistema biótico maior. O argumento usado por Daly, no referenciado
artigo, mostrava que a capacidade de carga do planeta, a poluição, a degradação do solo, a
extinção de espécies, a perda de ecossistemas inteiros e a mudança climática já esbarravam
nos limites ecológicos, o que convertia a pretensão do dinamismo econômico numa nociva
condição de crescimento antieconômico – uma outra forma de mostrar que o crescimento é
ruim.
Para Daly, o crescimento antieconômico ocorre quando as relações da natureza,
especialmente relativas ao fornecimento de matéria e energia, se convertem num intensivo
processo de enxugamento da natureza, empobrecendo, por conseguinte, o tecido biológico
da Terra. De nossa parte, corroborando com esse argumento, é oportuno reiterar que o
pensamento econômico tradicional se mostra vazio diante da evidência pontualmente
destacada por Clóvis Cavalcanti, ao enfatizar que “não existe sociedade (e economia) sem
sistema ecológico, mas pode haver, sem muito esforço, meio ambiente sem sociedade (e
economia)”(6)
No entanto, o direcionamento da lógica neoclássica deixa de reconhecer que o
sistema econômico se relaciona de forma dependente com o sistema ecológico. A
economia tradicional, nessa visão, age em sentido contrário à dependência ecológica, ou
seja, do ponto de vista teórico se sobrepuja ao meio ambiente e, sem restrições, subjuga os
recursos da natureza, reduzindo o sistema ecológico aos interesses do mercado econômico
quando recomenda políticas voltadas à promoção de mais crescimento.
Desse modo, a economia vista pelo fluxo circular da renda e do produto ignora
sobremaneira o que realmente se sucede em termos de movimentação dentro do sistema
econômico, quando entra materiais e energia e sai resíduos e poluição. Nesse ponto, cabe
chamar a atenção ao seguinte pressuposto: fluxos de entrada (materiais e energia) e de
saída (produtos e resíduos ejetados) precisam ser considerados em sua totalidade quando
relacionados à natureza, e não relegados ao esquecimento, como é ensinado ao observar-se
o fluxo referido, como se toda a atividade econômica simplesmente funcionasse suspensa
no ar, num completo estado de vacuidade.
Ademais, trata-se de um equívoco pensar a atividade econômica de forma isolada e
hermeticamente fechada, como se não houvesse qualquer interação entre os movimentos
econômicos (extração, produção, descarte) e a natureza. Cabe reiteradamente observar que
a economia é apenas uma parte de um todo; o todo é o meio ambiente, e essa situação
jamais se inverterá.

9. O fim do crescimento?
A afirmação a seguir, proferida pelo jornalista e educador norte-americano Richard
Heinberg, serve de parâmetro para validar o pressuposto maior de que o crescimento, nos
moldes atuais, deve ser repensado:
O crescimento econômico que conhecemos é coisa do passado. O crescimento de
que estamos falando consiste na expansão do tamanho da economia como um todo
(com mais pessoas obtendo bens e serviços e mais dinheiro circulando) e nas
quantidades de energia e de bens materiais fluindo através dela. (7)

(6) Concepções da economia ecológica: suas relações com a economia dominante e a economia ambiental.
Estudos Avançados. Vol. 24, n° 68. São Paulo, 2010.
(7) The End of Growth: Adapting to Our New Economic Reality, New Society Publishers, p. 78, 2011.
Para Heinberg, essa questão se inscreve num plausível argumento: há de se decretar
“o fim do crescimento”, tal qual sugere o título de seu livro The End of Growth, publicado
em julho de 2011.
Dessa ponderação, algumas considerações se apresentam pertinentes. Vejamos que,
pelo menos desde os últimos duzentos anos, a partir do qual a economia passou a ser
organizada trocando músculos humanos e de tração animal por máquinas alimentadas pela
energia trazida dos combustíveis fósseis, a expansão industrial mundial, em meio a alguns
sobressaltos, se apresentou num crescimento vertiginoso. Durante a primeira Revolução
Industrial (RI), entre 1820 e 1870, o crescimento econômico mundial passou para 0,93%
ao ano. Já com a chamada segunda (RI), o crescimento do PIB mundial passou para 2,11%
ao ano, acompanhado de um crescimento populacional que subiu para 0,89% ao ano,
enquanto a renda per capita cresceu 1,31% ao ano no período de pouco mais de quatro
décadas, entre 1870 e 1913.
Especificamente no período compreendido entre 1950 e 1973, a taxa média de
crescimento anual do PIB foi de 4,90%, ao passo que a população mundial cresceu,
também em termos médios, 1,93% e a renda per capita a 2,97%.
Somente ao longo da segunda metade do século 20 o PIB mundial cresceu cerca de
sete vezes. Assim como todo e qualquer ser vivo que cresce naturalmente ao longo do
tempo, a atividade econômica também necessariamente tem de respeitar as leis biológicas,
e a partir de certo ponto precisa, para o bom funcionamento dos ecossistemas, inverter a
tendência ascendente. Pontualmente, essa discussão deve girar ao menos em torno de três
fatores principais que, para a tão desejada preservação ambiental, impedem a continuidade
ininterrupta da expansão econômico-produtiva, embora permaneçam ignorados pelo
convencionalismo econômico: 1) o esgotamento de recursos naturais, incluindo os
combustíveis fósseis - a energia que movimenta a atividade econômica mundial; 2) a
proliferação e o agravamento dos impactos ambientais causados essencialmente pela ação
humana ao extrair e usar de forma desmesurada a base material de recursos materiais e
energéticos da natureza; 3) as turbulências financeiras que, em épocas de agudas crises
econômicas, com considerável nível de endividamento público, por exemplo,
desequilibram duas pilastras axiais - os sistemas monetários e os canais de investimentos -
minando portanto o “oxigênio” (crédito) ofertado ao setor produtivo.
Nessa perspectiva, é necessário ter suficiente noção de que toda a base material da
economia está alicerçada na questão ambiental, posto que sempre será válido reiterar que o
meio ambiente, num primeiro plano, é o responsável direto por provisionar a atividade de
produção econômica. Logo, a consequência decorrente da expansão material, claramente
identificada no crescimento físico da economia, mensurada pelo produto interno bruto,
evidenciando a ultrapassagem da limitação ecológica, tende a potencializar o impacto na
natureza, refletindo de imediato na destruição de biomas, no consumo predatório de solos,
na constante contaminação das águas e no esgotamento dos ecossistemas; todas essas
consideradas condições indispensáveis à manutenção da vida.
Uma vez mais esse fato confirma que, estruturada na ideia do crescimento sem fim,
a economia vem praticando um atentado contra o mundo vivo. A degradação ecológica já
ruma para uma situação de catástrofe. Isso não é uma retórica, mas uma realidade
científica; razão pela qual, segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milênio - um dos mais
importantes estudos abrangendo os impactos ambientais dos últimos tempos - dos vinte e
quatro principais serviços ecossistêmicos existentes, simplesmente quinze deles já se
encontram em situação crítica, apresentando acentuado nível de depleção.
Portanto, é certo asseverar que o aumento da demanda humana por serviços e
recursos prestados pela natureza têm levado consideráveis modificações aos ecossistemas
naturais, impactando a fauna e a flora globais. Os dados numéricos a seguir, ainda que
timidamente, ajudam a ilustrar esse assunto. Vejamos que nos últimos cem anos as
atividades humanas multiplicaram a extinção de espécies numa velocidade simplesmente
assustadora e inaceitável. Decorre dessa mesma ação acentuada dilapidação de outros
serviços naturais, tais como os fatos de que: i) onze por cento das áreas naturais existentes
no mundo simplesmente poderão desaparecer por completo até 2030; ii) quase 40% dos
atuais terrenos agrícolas no mundo ainda correm o risco de serem transformados em
culturas intensivas; iii) sessenta por cento dos recifes de corais já não mais existirão até
2030 ou um pouco antes disso; e, por fim, iv) próximo ao ano 2048, segundo estudos
divulgados pela FAO-ONU, nenhum recurso alimentar poderá ser extraído dos oceanos,
que seguem cada vez mais acidificados.
Posto isso, cada vez mais se torna imprescindível conjecturar a favor de um novo
sistema de economia capaz de operar dentro do “orçamento dos recursos sustentáveis”,
como apropriadamente observou Heinberg. Em nosso entendimento, essa condição exige
que a extração de recursos do planeta seja prioritariamente realizada a taxas equilibradas,
praticando-se uma regeneração apropriada da natureza, caso contrário conheceremos
retumbante malogro.
Conquanto, a adaptação a um novo sistema econômico operando “fora” da
necessidade de mais crescimento e “dentro” de uma perspectiva de mais desenvolvimento,
portanto com um viés social, e não precisamente econômico, precisará necessariamente ter
em conta a assertiva lançada por Heinberg de que “a ausência de crescimento não implica
necessariamente numa falta de mudanças ou de progressos”.
O que precisa ficar claro é o seguinte: de modo algum a ausência de crescimento
significa paralisar a economia; tampouco significa renunciar a conquista da prosperidade.
É perfeitamente factível prosperar sem crescer, assim como também é possível obter
desenvolvimento sem precisar antes do crescimento, como demonstra o importante estudo
Prosperity Without Growth: Economics for a Finite Planet, publicado em 2009, assinado
pelo economista ecológico britânico Tim Jackson.

CONCLUSÃO
Baseado nas técnicas criadas pelo homem moderno, a inteligência humana tem
contribuído, sobremaneira, para que as ações econômicas, no curso da promoção do
aumento quantitativo de mercadorias à disposição do consumo humano, ignorem dois
pontos cruciais: a finitude da biosfera e os passivos ambientais decorrentes do rompimento
dos limites da natureza. Como tem sido prática corriqueira do mercado de consumo
pressionar e exigir a incidência de elevadas taxas de crescimento, a receita principal
(pressuposto basilar) da economia de mercado, dada a orientação teórica neoclássica,
continua dispensando pouca importância (na verdade um completo descaso) aos estragos
causados pelo expansionismo econômico à riqueza do mundo natural.
Confronta-se assim uma vez mais a necessidade de crescimento econômico versus a
capacidade de suporte da Terra. Em outras palavras, trata-se de discutir em detalhes a
oferta de recursos naturais (limitada e finita) para sustentar padrões de consumo e
produção material (ilimitados e expansivos).
Para conturbar um pouco mais esse candente confronto, o contingente populacional
não se retrai; ao contrário, segue aumentando, ainda que a taxa de natalidade em vários
países já esteja apresentando uma ligeira tendência de queda. No entanto, o confronto
acima mencionado persiste. Em geral, para o dominante pensamento neoclássico, a
economia não é vista como um sistema aberto que opera dentro da biosfera. Isso é
pernicioso, pois cada vez que a economia tradicional ignora as relações intrínsecas
existentes entre a atividade de produção econômica e os necessários recursos da natureza
para propiciar tal ato, tudo parece acontecer dentro de uma caixa isolada do mundo físico,
como se a produção material não apresentasse interação com as fontes de energia ou com
os recursos naturais.
Dito de outra maneira, é como se a atividade humana a serviço da economia
produtiva que extrai recursos naturais para a fabricação de mercadorias ocorresse sem
qualquer vínculo com a natureza. Concernente a isso, não se pode deixar encoberto o fato
de que a economia somente funciona porque depende da natureza; assim como o
crescimento econômico somente acontece porque a base da natureza disponibilizada ao
processo produtivo ampara os fatores condicionantes do crescimento.
De toda essa questão, o problema central é o seguinte: quanto mais crescimento
econômico for alcançado, inequivocamente menos meio ambiente preservado resultará,
tendo em vista que a biosfera é finita, não cresce - jamais irá crescer em termos de tamanho
físico - é fechada, com exceção do constante afluxo de energia solar, funcionando
regiamente sob as leis da termodinâmica. Nessa perspectiva, mais crescimento econômico
responde pela exaustão de recursos naturais e energéticos, minando os serviços
ecossistêmicos. Daí o estado atual da natureza encontrar-se tão desfigurada. É assim que a
economia destrutiva se impõe, lembrando que o discurso do crescimento econômico, em
momento algum, leva em conta a preocupação com a preservação ambiental. Tudo em
matéria de produção econômica parece ocorrer à revelia do equilíbrio ambiental.
Na perspectiva de que o crescimento econômico tem acelerado o ritmo de
degradação ecológica, torna-se irrefutável a noção central da limitação da capacidade que o
ecossistema terrestre tem de suportar a pressão advinda do crescimento físico das
economias globais. Quanto a isso, reforçando e, ao mesmo tempo, revalidando essa
contextualização, deve-se atentar que os limites biofísicos por si constrangem o sistema
econômico, especialmente quanto à volúpia do crescimento.
É perceptível, portanto, que qualquer ultrapassagem ocorrida sobre os limites do
ecossistema inexoravelmente leva ao meio ambiente acentuado grau de degradação; nesse
caso, maior será a entropia, comprometendo seriamente a capacidade das populações de
alcançarem condições de bem-estar social e humano. Se a entropia se eleva, é correto
afirmar que as condições de qualidade de vida diminuem. Quando são ultrapassados os
limites ecológicos à serviço do crescimento, de forma direta e objetiva a economia
destrutiva gestada mostra sua perversidade, evidenciando o lado soturno do crescimento
em relação a preservação do meio ambiente.
Do ponto de vista físico é conveniente afirmar que o processo econômico não cria
matéria e energia. Quanto mais matéria e energia são dissipadas, maior a entropia gerada
ao sistema da economia, e, consequentemente, menor a condição de equilíbrio ecológico.
A relevante questão ecológica interposta diante disso está justamente no impacto da
retirada de recursos naturais e energéticos com posterior devolução à natureza de resíduos
pós-produção, concebidos exclusivamente pela atividade de produção econômica. Logo, se
maior for a retirada de recursos, igualmente mais acentuada será a devolução de lixo
(resíduo) à natureza. A entropia aumenta. A situação ecológica se degrada um tanto mais.
Resta dizer, por fim, que o resíduo gerado deteriora o meio ambiente tanto
quimicamente, como é o caso específico do mercúrio ou da incidência de chuva ácida;
quanto nuclearmente, como o lixo radioativo, ou ainda fisicamente, quando se acumula
CO2 na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. Posto isso, o crescimento
econômico, levado à cabo como condição suficiente para satisfazer as necessidades
humanas, como arduamente defende a economia neoclássica, deve ser urgentemente
repensado, até mesmo porque reside nisso um erro conceitual que tem deturpado a noção
dada ao crescimento em sua relação com o desenvolvimento da economia, tendo em vista
que as conquistas promovidas pelo expansionismo econômico não atendem em linhas
gerais aos desejos ilimitados das pessoas; tampouco promove bem-estar, contrariando o
senso comum que credita ao crescimento da economia razão e motivos suficientes para a
obtenção de prosperidade.
Seguindo esse raciocínio, o desenvolvimento humano, aqui previamente entendido
o termo desenvolvimento como a melhoria substancial da qualidade de vida da
coletividade, portanto com um viés qualitativo, dependerá mais da retração do processo
econômico, portanto da diminuição frenética do crescimento quantitativo de bens e
serviços.
O crescimento econômico sem fim, exponencial e ininterrupto, dada as condições
finitas e limitantes da Terra, é simplesmente irreal e impossível de ser alcançado e mantido
por longo tempo. É inconcebível obter crescimento ilimitado num sistema que
inequivocamente depende da existência de recursos naturais finitos. A conta não fecha. O
limite da economia é a natureza, e isso não é uma retórica, mas um fato irrevogável.

***
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDET, H. A Condição Humana. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1983


BATESON, G. Mind of Nature – A necessary Unity. E.P. Dutton – New York, 1979
BROWN, L (org.). State of the World 1996. A Worldwatch Institute Report on Progress
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DALY, H. On Economics as a Life, in Journal of Political Economy – May-Jun, 1968.
HEINBERG, R. The End of Growth: Adapting to Our New Economic Reality, New Society
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HIRSCH, F. Social Limits to Growth, Harvard University Press, 1976.
STEFFEN, W & GAFFNEY, O. The Trajectory of the Anthropocene: The great
aceleration – The Anthropocene Review, Jan, 16, 2015.
CADEIA PRODUTIVA MADEIREIRA DA AMAZÔNIA CENTRAL:
CARACTERÍSTICAS DOS EMPREENDIMENTOS TRANSFORMADORES DE
MADEIRA NA MICRORREGIÃO DE TEFÉ-AM

Viviane da Silva Marcos1

Nelissa Peralta Bezerra2

RESUMO

A microrregião de Tefé está localizada na parte central do estado do Amazonas composta pelos municípios
de Alvarães, Tefé e Uarini. Possuindo importante papel para os municípios próximos, no entanto, dados a
respeito do setor de transformação madeireira são insuficientes para demonstrar sua importância e criar
políticas públicas eficientes voltadas para o setor, levando em consideração as especificidades da região
central amazônica. O objetivo deste estudo foi caracterizar os empreendimentos de transformação
madeireira. Inventariando-os, levantando dados a respeito de emprego, produção e possíveis dificuldades
enfrentadas por esse setor. Para isto foi feito um levantamento bibliográfico sobre o tema. Buscou-se junto
ao Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas informações referentes
à regulação e localização dos empreendimentos nos municípios, visitas a campo para entrevistas e aplicação
de questionários semiestruturados e um monitoramento em oito movelarias da cidade de Tefé. Os
empreendimentos transformadores de madeira geram no total 92 empregos. A madeira utilizada pelos
empreendimentos em grande parte é não licenciada. O setor depende do consumidor final, a maioria dos
empreendimentos não tem capital de giro suficiente para se manter, graças a falta de regularização e a forte
pressão sofrida pelo setor que prejudicam a indústria local, tornando-a pouco competitiva.

Palavras-chave: Produção; Indústria Madeireira; Mercado.

ABSTRACT

The Tefé microregion is located in the central part of the state of Amazonas composed of the municipalities
of Alvarães, Tefé and Uarini. Having an important role for the nearby municipalities, however, data on the
timber processing sector are insufficient to demonstrate its importance and to create efficient public policies
aimed at the sector, taking into account the specificities of the central Amazon region. The objective of this
study was to characterize the timber transformation enterprises. Inventing them, raising data regarding
employment, production and possible difficulties faced by this sector. For this, a bibliographic survey was
done on the subject. Information about the regulation and location of enterprises in the municipalities, visits
to the field for interviews and application of semi-structured questionnaires and a monitoring of eight stores
in the city of Tefé were sought from the Institute of Agricultural and Forestry Sustainable Development of
Amazonas. The wood processing enterprises generate a total of 92 jobs. The wood used by the ventures is
largely unlicensed. The sector depends on the final consumer, most of the enterprises do not have sufficient
working capital to maintain, thanks to the lack of regularization and the strong pressure suffered by the
sector that harm the local industry, making it uncompetitive.

Keywords: Production; Wood Industry; Marketplace.

1
Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, bolsista pesquisadora
vinculada ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, viviane.marcos@mamiraua.org.br.
2
Doutora em Sociologia pela UFMG, professora adjunta A da faculdade de Ciências Sociais da UFPA,
nelissa2013peralta@gmail.com.
INTRODUÇÃO

No Brasil há aproximadamente 463 milhões de hectares de florestas naturais e plantadas

(SFB, 2013), o que representa cerca de 60% do seu território. Essas florestas desempenham um

importante papel social, econômico e ambiental (SFB, 2010). Desse total, a maior parte concentra-

se na Amazônia brasileira que abriga um volume estimado de 60 bilhões de metros cúbicos de

madeira em tora (BARROS; VERÍSSIMO,2002), “abrigando vasto estoque de madeira comercial”

(SFB, 2010, 36) e fornecendo mais de 75% da madeira usada nas indústrias de transformação,

construção civil e naval (SANTANA, 2002; SNIF, 2015).

O setor florestal madeireiro amazônico vem crescendo desde a década de 60, e tem um

mercado ascendente dentro e fora do país (BARROS; VERÍSSIMO, 2002). Essa exploração é feita

em grande parte na ilegalidade, sem nenhum licenciamento ambiental, exigência legal a que estão

sujeitos todos os empreendimentos ou atividades que empregam recursos naturais ou que possam

causar algum tipo de poluição ou degradação ao meio ambiente (SUFRAMA, 2003). Apesar de

enfrentar grandes desafios, o setor de transformação madeireira tem potencial para se desenvolver

nos próximos anos (VEDOVETO et al., 2010), pois a região é detentora de grande parte da matéria-

prima necessária para a produção, vinda das extensas áreas de florestas naturais com valor

comercial (VERÍSSIMO apud VEDOVETO et. al., 2010), no entanto é necessária que seja apoiada

a utilização da floresta de forma racional através de plano de manejo sustentável (SOBRAL, et. al.,

2002), que seria a administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e

ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e

considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras,

de múltiplos produtos e subprodutos não-madeireiros, bem como a utilização de outros bens e

serviços florestais (MMA, 2015).


No estado do Amazonas os empreendimentos de transformação consomem cerca de 40 mil

m³ de madeira (PEREIRA et al., 2010). Para atuar no setor tais empreendimentos devem estar

devidamente legalizados para adquirirem a madeira manejada, oriunda de áreas de manejo florestal.

Entretanto, encontram dificuldades na legalização por conta da burocracia documental exigida pelo

Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM) para a emissão das licenças.

Estudos de larga escala a respeito desse setor na Amazônia foram realizados pelo IMAZON a partir

de 1990. Mas estudos e dados a respeito da produção dos municípios são escassos e superficiais,

principalmente no Amazonas (SFB; IMAZON, 2010).

A microrregião de Tefé está localizada na parte central do estado do Amazonas, fazendo

parte da Mesorregião Central. Ela é composta pelos municípios de Alvarães, Tefé e Uarini.

Possuindo importante papel para os municípios próximos, pois é um provável polo escoador de

produtos regionais. No entanto, dados a respeito do setor de transformação madeireira ainda são

insuficientes para demonstrar sua importância e criar políticas públicas eficientes voltadas para o

setor, levando em consideração as especificidades da Amazônia central.

A microrregião possivelmente tem demanda própria por madeira, absorvendo grande parte

da sua produção, podendo abrigar diversos empreendimentos de transformação madeireira. Esses

empreendimentos são importantes para a região ao gerarem renda e empregos e qualquer alteração

neste setor pode interferir diretamente na economia local.

Este trabalho se justifica pela necessidade de levantar mais informações sobre a indústria

transformadora de madeira na região central do Amazonas, considerando que esta tem um papel

importante na região do Médio Solimões. O objetivo deste estudo foi caracterizar os

empreendimentos de transformação madeireira da microrregião de Tefé, elo importante na cadeia

produtiva madeireira regional. Para isso foi necessário inventariar os empreendimentos e levantar

dados a respeito de emprego, produção e possíveis dificuldades enfrentadas por esse setor.
Este artigo está dividido em duas sessões: a primeira trata da análise dos dados coletados

que buscam caracterizar os empreendimentos de transformação madeireira da microrregião de

Tefé. E na segunda sessão são analisados os dados do monitoramento realizado no município de

Tefé para estimar a demanda de madeira e produção dos empreendimentos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área De Estudo

A microrregião de Tefé pertence à mesorregião do Centro amazonense, com uma área de

39.862,4 km² e é composta pelos municípios de Tefé, Alvarães e Uarini, localizada na parte central

do estado do Amazonas. Entre os municípios que compõe essa microrregião, Tefé é o que mais se

destaca por ser o mais desenvolvido, com área geográfica de 23.704 km², PIB de R$ 556.739 e

população de aproximadamente 61 mil habitantes. Sua economia é movimentada principalmente

pelo setor de serviços (IBGE, 2012). O município de Uarini tem área territorial de 10.246,237 km²,

população próxima de 11.891 habitantes (IBGE, 2010), PIB de R$ 96.474, tendo como principais

setores econômicos de agropecuária e serviços (IBGE, 2012). O município de Alvarães tem

extensão territorial de aproximadamente 5.911,768 km², com uma população de 14.088 habitantes,

PIB de R$ 81.845, sua economia é movimentada principalmente pelo setor de serviços (IBGE,

2012).

A cidade de Tefé abriga o maior número de empreendimentos da região, com um total de 25

movelarias e seis estaleiros, local onde se constroem e reparam embarcações e seus derivados.

Foram realizadas entrevistas com 22 donos de movelarias e um dono de estaleiro. Na cidade de

Uarini existem seis movelarias, nas quais foram aplicados questionários com seus respectivos

responsáveis. Na cidade de Alvarães existem cinco movelarias e entrevistaram-se três donos destes

estabelecimentos.

Coleta e análise dos dados


O presente estudo trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva sobre o setor madeireiro

da microrregião de Tefé. Para isto foi feito primeiramente um levantamento documental e

bibliográfico sobre o tema. Em seguida buscou-se junto ao Instituto de Desenvolvimento

Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (IDAM), órgão responsável por dar apoio à

produção rural no município, informações referentes à regulação e localização dos

empreendimentos nos municípios.

Após este levantamento foi elaborado um questionário semiestruturado, para obter dados de

natureza quantitativa e qualitativa, como o perfil dos empreendimentos e de seus proprietários, a

quantidade de madeira adquirida, a produção e expectativas para o setor madeireiro regional. Com

relação a quantidade comprada e produção foram utilizadas informações referentes as transações

mais próximas à época da entrevista.

As visitas a campo foram realizadas no período de setembro a novembro de 2014, na

microrregião de Tefé. Os dados coletados foram armazenados em planilhas formando um banco de

dados, atribuiu-se uma numeração para cada movelaria visitada, para manter um controle

organizacional e para garantir sigilo aos nomes e endereços dos entrevistados. Os dados foram

analisados através de estatística descritiva.

O monitoramento foi realizado em oito movelarias da cidade de Tefé, no período de

novembro de 2013 a fevereiro de 2015. O monitoramento estava incluído no Projeto Demanda de

Madeira na cidade de Tefé-AM, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica CNPq

e Instituto Mamirauá. O monitoramento foi realizado para se acompanhar a sazonalidade do

consumo da madeira e a demanda dos empreendimentos mensalmente. Para isso foram realizadas

visitas mensais onde os moveleiros declaravam a sua última compra e a madeira que estava no

pátio dos estabelecimentos eram contadas e medidas. Esse monitoramento foi realizado em Tefé
pela cidade ter o maior número de empreendimentos transformadores de madeira, ser a principal

da microrregião e as mudanças que nela ocorrem possivelmente afetam as demais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos empreendimentos

Os empreendimentos transformadores de madeira da microrregião de Tefé tem em média

12 anos de funcionamento (n=32; ±8,74) e as pessoas que atuam no ramo têm em média 19 anos

de atividade (n=32, ± 9,55). As movelarias são basicamente empreendimentos familiares, os

profissionais aprendem o ofício geralmente na movelaria de algum parente e depois de um tempo

conseguem abrir seu próprio negócio (MAGALHÃES, 2011; MARCOS, 2014).

As movelarias de Alvarães têm em média 20 anos de funcionamento (n= 3; ±10,79), e os

moveleiros 12 anos (n= 3; ±2,52), o mais antigo com 15 anos e o mais recente com 10 anos de

profissão. Nas movelarias de Uarini a média de anos de funcionamento é de 10 anos (n= 6, ±6,39),

os responsáveis pelos estabelecimentos têm em média 19 anos (n=6; ±10,65) de atividade, o mais

antigo tem 40 anos e o mais novo tem 10 anos de profissão. Os responsáveis pelas movelarias de

Tefé possuem em média 19 anos de atividade (n=23; ±9,8), o mais antigo possui 37 anos e o mais

recente, quatro anos. Já os estabelecimentos têm média 12 anos (n=23; ±8,7) de funcionamento.

Nos empreendimentos de Tefé e Uarini as médias de tempo de funcionamento dos

estabelecimentos é maior do que as de anos de atividade profissional, em Alvarães as médias se

invertem, isso ocorre provavelmente pelos estabelecimentos terem sido herdados pelos moveleiros

que atuam no ramo e o setor nesse município ser fechado, com pouco ou nenhuma entrada de uma

nova movelaria no ramo nos últimos cinco anos.

Os estabelecimentos da microrregião geram no total 92 empregos, divididos entre 46 fixos e

46 temporários, empregando em média 1,44 (n=32; ±0,67) trabalhadores fixos e três (n=32; ±2,53)
temporários por estabelecimento (Tabela 1). Os empregados fixos aqui discriminados são aqueles

que mesmo não tendo carteira assinada trabalham há muito tempo no estabelecimento e/ou tem

algum tipo de parentesco com os donos. Nenhum dos empreendimentos entrevistados tem

empregados com carteira assinada e apesar da maioria dos empreendimentos terem funcionários

fixos, a informalidade na mão de obra pode ser um retrato também da informalidade do setor, que

dificulta maiores investimentos por parte governamental e o estabelecimento de uma indústria

moveleira de qualidade e competitiva (VEDOVETO et. al., 2010).

Tabela 1. Média de anos de profissão, média do tempo de funcionamento dos empreendimentos e empregos gerados

Total
Cidade Profissão Empreendimento Total Fixos
Temporários

Alvarães 12 20 6 2
Tefé 19 12 34 25
Uarini 19 8 6 19

A remuneração dos empregados fixos é feita através da divisão dos pagamentos das

encomendas de trabalho, ou seja, todo trabalho feito no estabelecimento é dividido entre o dono do

estabelecimento e o funcionário. Os empregados temporários são remunerados principalmente

(76%) através de comissão, que gira em torno de 30%, para cada produto em que houve a

participação do funcionário. As outras remunerações são feitas através de salário (3%), pagamento

semanal (3%) e salário mensal (3%), que têm valores determinados pelo empregador. O estaleiro,

situado no município de Tefé, é o empreendimento que mais contrata empregados temporários (10

no total), segundo o relato do responsável “é mais fácil trabalhar com empregados temporários,

pois só os chama para trabalhar quando tem algum serviço”.

As máquinas utilizadas pelos empreendimentos somam um total de 193, distribuídas em 14

tipos diferentes de máquinas, utilizadas para cortar madeira, dar forma e acabamento aos produtos.

As máquinas mais utilizadas são a bancada de serra, tupia, plainadeira ou desempenadeira, serra-
fita, furadeira e torno, que estão presentes em todas as movelarias entrevistadas. As máquinas têm

caracterização industrial e artesanal. As industriais são mais eficientes e dão maior qualidade de

acabamento ao produto (VEDOVETO et. al., 2010). É comum encontrar máquinas antigas que são

improvisadas pelo próprio responsável do empreendimento.

Segundo os dados do IDAM, a informalidade é predominante nos empreendimentos da

microrregião de Tefé, 27 dos empreendimentos (64%) trabalha na ilegalidade (Tabela 2). Situação

semelhante ao que ocorre no restante do estado onde 83% das empresas trabalham na informalidade

(VEDOVETO et. al., 2010). Segundo os entrevistados a burocracia para se licenciar, se manter

licenciado e a falta de apoio de órgãos e autoridades competentes para a legalização é uma das

dificuldades para continuar no ramo, o que poderá levar a redução do número de empreendimentos

no curto prazo.

Para quem já está legalizado, a concorrência das movelarias não licenciadas é “ruim” para

o ramo, pois as mesmas não pagam imposto, compram madeira não licenciada e prejudicam aqueles

que querem se manter no ramo de forma legalizada, por competirem de forma desleal e oferecendo

produtos com pouca qualidade. Segundo Vedoveto et. al. (2010) outro efeito da informalidade no

ramo é que dificulta acesso a crédito e a programas de incentivo governamental e também incentiva

a utilização de matéria-prima ilegal.

Tabela 2 - Situação legal dos empreendimentos da microrregião de Tefé.


Movelarias Estaleiro
Cidade
Licenciada Não Licenciada Licenciado Não licenciado
Alvarães 1 4 - -
Tefé 10 15 - 6
Uarini 4 2 - -
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (IDAM) – Unidade Tefé
Segundo as entrevistas realizadas, a madeira utilizada pelos empreendimentos em grande

parte é não licenciada (Figura 1), fornecida por serradores individuais de madeira serrada que não

possuem licença para extrair madeira. Apenas 6% dos entrevistados declaram não trabalhar com

serradores (um utiliza madeira manejada e um faz a própria extração). Dos empreendimentos

entrevistados, 19 deles compram madeira somente de serradores, outros nove alternam entre

serradores e madeira manejada, um compra madeira de manejo, de serradores e faz extração

própria, um alterna entre extração própria e serradores e apenas um utiliza somente madeira

manejada. Vale ressaltar que este último participa do Programa de regionalização do mobiliário

escolar (PROMOVE), programa que busca incentivar e estimulara produção de mobiliário escolar

que utiliza madeira manejada, valorizando a mão de obra local, o desenvolvimento socioeconômico

e ambiental do Amazonas (ADS, 2015).

Figura 1. Principais fornecedores de matéria-prima

A madeira em forma de prancha é a mais consumida. Os empreendimentos compram madeira

com uma frequência de 1,38 (n=26; ±0,70) vezes ao mês. Por uma questão metodológica, para esta

média foram consideradas apenas aqueles que compram uma vez ou mais no mês, os demais
relataram que compram madeira a cada dois meses ou menos. Compram em média 41,62 (n=31;

±23,73) pranchas ao mês, convertido em metro cúbico (pelo tamanho de prancha mais recorrente:

2,20m x 20 cm x 8cm) a média mensal é de 1,54m³ (n=31; ±94). Para este cálculo não foram

considerados os dados referentes ao estaleiro situado em Tefé, pois o mesmo compra madeira

somente quando tem encomendas e em uma quantidade alta, cerca de 100 pranchas ou 6m³ por

aquisição.

De acordo com os dados coletados foram identificadas nove espécies de madeira nativas,

são elas: Angelim (Hymenolobiun excelsum Ducke), Mulateiro (Calycophyllum spruceanum

Benth), Louro Inamuí(Octea cymbarum Kunth), Abacatão(Lucuma speciosa Ducke), Cedrorana

(Cedrelinga catenaeformis Ducke), Gitó(Guarea guidonia(L) Sleumer), Anoirá (Licania

macrophylla Benth), Itaubarana (Acosmium nitens (Vog.) Yakovlev) e Louro Amarelo (Licaria

rigida Kosterm). As mais utilizadas foram o angelim ( 23 estabelecimentos) , mulateiro (15

estabelecimentos) e louro inamuí (cinco estabelecimentos), utilizados normalmente para a

produção do móveis e esquadrias (REMADE, 2015).

O preço da madeira varia de acordo com o fornecedor, transporte e tamanho da prancha. Para

a medida mais recorrente de prancha (2,20m x 20 cm x 8cm) o valor médio da madeira não

licenciada é de R$ 17,76(n=39; ±2,37). Já o valor da madeira manejada fica em torno de R$ 30 por

prancha. O município que apresentou o maior valor por prancha é Alvarães com um valor de R$

20 por prancha, em seguida Uarini com um valor médio de R$ 18,64 (n=11; ±2,34) e Tefé com

valor médio de R$ 17, 32 (n=27; ±2,32). Aparentemente a espécie não tem influência no valor da

matéria-prima.

De acordo com as entrevistas a madeira vem tanto de áreas de terra firme quanto da várzea.

As madeiras manejadas vêm dos Planos de Manejo do Rio Tefé (Plano de Manejo da Associação
dos Extratores do Rio Tefé, plano de manejo florestal sustentável de menor impacto, nos Igarapés

do Teani e Boa Fé e nas margens direita e esquerda do Rio Tefé, assessorados pelo IDAM) e do

Plano de Manejo da Comunidade do Ingá (Plano de Manejo da Associação dos Comunitários

Agrícolas do Ingá, plano de manejo florestal sustentável de menor impacto em área de várzea,

localizado na comunidade do Ingá, Reserva de desenvolvimento sustentável Mamirauá, zona rural

de Uarini-Am. Assessorado pelo Programa de Manejo Florestal Comunitário do Instituto

Mamirauá). Já as madeiras não licenciadas vêm principalmente do Rio Solimões, Rio Tefé e Lago

de Tefé (Tabela 3).

Na cidade de Tefé a estrada da Emade (Estrada que liga a área urbana à área rural da cidade

de Tefé) é um dos locais de origem de madeira mais citados pelos entrevistados. Na cidade de

Uarini a Estrada Uarini-Copacá (Estrada que liga a área urbana à área rural da cidade de Uarini) é

o local de origem mais apontado pelos entrevistados.

Tabela 3. Locais de origem da matéria-prima utilizada nos estabelecimentos


Locais de Origem Tefé Alvarães Uarini
Rio Solimões 6 2
Estrada da Emade 9
Rio Tefé 9 1
Rio Uarini 3
Rio Copacá 2
Lago de Tefé 2 1
Igarapé Grande - Alvarães 1
Com. Ingá 1 1
Comunidade Bauana 2
Comunidade Caiambé 2
Estrada Uarini-Copacá 6
Estrada de Alvarães 1

Segundo o relato dos entrevistados, 63% afirmam que hoje a falta de madeira, tanto

manejada quanto não licenciada, é a maior dificuldade enfrentada pelo setor. Afirmam ainda que a

oferta de madeira diminuiu nos últimos cinco anos. As causas apontadas para essa redução são a
dura fiscalização em cima dos serradores - que são seus principais fornecedores – que resulta no

abandono da atividade. Além disso, outra causa seria a escassez de madeira em áreas próximas aos

centros urbanos, que dificulta o transporte da madeira pelo serrador.

Para os empreendimentos que consomem madeira manejada a maior dificuldade vem da

sua falta de oferta frequente. Dificilmente há madeira disponível para compra, além do

descompasso entre o licenciamento de áreas manejadas para oferta e liberação da licença dos

empreendimentos para adquiri-la. Para se manter licenciado, de acordo com a Instrução Normativa

n° 21/2013 do IBAMA, os empreendimentos têm que comprar madeira manejada a cada 90 dias,

movimentando seus pátios no sistema DOF (Documento de Origem Florestal), para que estes não

fiquem impedidos de comprar matéria-prima. Segundo Vedoveto et. al. (2010), o grande problema

do desenvolvimento do setor na região Norte “não é a escassez de florestas para manejo, mas as

dificuldades de adquirir madeira processada das indústrias madeireiras a preços competitivos”.

As entrevistas revelaram que dos 32 empreendimentos, 21 (66%) tem como atividades

principais a produção simultânea de móveis e esquadrias (nome genérico usado

pela carpintaria referente principalmente, a portas, venezianas, janelas, portais e suas variantes),

oito (25%) produzem somente esquadrias, um (3%) produz móveis, esquadrias e artesanato, um

(3%) produz mobiliário escolar e um (3%), o estaleiro, faz reforma e construção de barcos (Figura

2). Segundo Magalhães (2011) e Marcos (2014; 2015), o município de Tefé aos poucos vem

mudando sua atividade principal, deixando de fabricar somente móveis, passando a fabricar

também esquadrias ou somente esquadrias. Podendo futuramente influenciar os demais municípios

da microrregião.
Figura 2. Principais atividades dos empreendimentos

A tendência de mudança no tipo de produção pode estar relacionada com a forma de

comercialização dos produtos fabricados, que é realizada em sua maioria (91% dos entrevistados)

sob encomenda. Assim, os empreendimentos dependem quase que exclusivamente da preferência

do consumidor, levando a oferta a se ajustar a demanda (VARIAN, 2006). A venda dos produtos

sob encomenda é comum na região Norte, a comercialização dos produtos é realizada na própria

região (VEDOVETO, 2010) o que leva o ramo a se tornar pouco competitivo (SANTANA, 2002).

Os principais produtos fabricados pelos empreendimentos da microrregião de Tefé tiveram

destinação residencial, os principais foram portas e portais, janelas e portais, sala de jantar

(composta de mesa e quatro ou seis cadeiras ) e cômoda. No entanto, as cadeiras, cadeiras escolares

e mesas são produzidas em série pela movelaria que participa do PROMOVE, logo esta apresentou

maiores quantidades de itens produzidos. A cadeira espreguiçadeira é outro item que é fabricado

em série, mas com uma frequência menor, pelo menos a cada dois meses (Tabela 4).

O município de Tefé apresentou a maior quantidade de quase todos os produtos fabricados,

liderando a fabricação de esquadrias e de móveis (Tabela 4). O município de Uarini fabrica tanto

móveis quanto esquadrias. Alvarães tem sua maior participação na fabricação de esquadrias,

principalmente de portais de janela.


Tabela 4. Tipos e quantidades de produtos fabricados na Microrregião de Tefé por município
Produtos Tefé Alvarães Uarini
Porta 98 16 80
Portal para porta 108 11 125
Janela 77 17 82
Portal para janela 53 21 45
Cama casal 33 - 15
Cama Solteiro 2 - 6
Salade jantar 25 - 17
Armário 1 - -
Beliche 1 - 2
Cômoda 15 - 26
Escrivaninha - - 5
Cadeira espreguiçadeira 10 - 50
Mesa de sinuca - 2
Cadeira 63 - -
Armação de sofá 8 - -
Sapateira 2 - -
Barco 2 - -
Cadeira escolar 450 - -
Mesa escolar 50 - -

O valor médio dos produtos varia de acordo com a quantidade de madeira empregada para sua

fabricação. Os produtos mais caros são o barco, a mesa de sinuca e o armário (Tabela 5). Os

empreendimentos do município de Tefé sãos os que apresentam os maiores valores na maioria dos

produtos.

Tabela 5. Preço médio dos produtos fabricados na microrregião de Tefé por municípios

Produtos Tefé ($) Alvarães ($) Uarini ($)


Porta 178,64 131,50 148,53
Portal para porta 58,89 45,00 48,33
Janela 104,22 77,00 78,63
Portal para janela 40,50 25,00 32,00
Cama casal 525,00 362,50
Cama Solteiro 300,00 240,00
Jogo de jantar 733,25 750,00
Armário 1.500,00
Beliche 450,00 450,00
Cômoda 359,67 375,00
Escrivaninha 350,00
Cadeira espreguiçadeira 150,00 150,00
Mesa de sinuca 2.000,00
Cadeira 205,00
Armação de sofá 700,00
Sapateira 400,00
Barco 4.000,00
Cadeira escolar 88,00
Mesa 250,00

Segundo os entrevistados a venda dos produtos reduziu nos últimos cinco anos, 64% apontam

que a concorrência de outros produtos e de outras movelarias tem causado essa redução, além da

falta de dinheiro circulando nas cidades onde foram realizadas as entrevistas, por diversos fatores

políticos e econômicos, o que faz diminuir a quantidade de encomendas.

A maior parte dos resíduos produzidos pelos empreendimentos é doado (84%) para olarias,

padarias, terceiros, vendido para padarias, jogado no lixão ou reaproveitado.

Monitoramento realizado na cidade de Tefé

De acordo com os dados do monitoramento os empreendimentos consumiram no total 119,25

m³ de madeira, uma média de 1,16 m³ (n=103, ±0,39) mensais por estabelecimento. Esse consumo

oscila bastante, pois depende da oferta de matéria-prima e da demanda por produtos (Figura 2). No

estudo de Marcos (2014) tinha-se uma média 1,26 m³ de madeira mensal parecida com a atual,

porém com o número maior de visitas, o desvio padrão diminuiu o que ilustra os resultados diretos

do monitoramento.
Figura 2. Total de madeira consumida em m³

Podemos observar melhor quando analisamos a quantidade de matéria-prima consumida nos

mesmos períodos de cada ano (Figura 3). Nos períodos de dezembro de 2013 a 2014 a aquisição

de matéria prima teve uma variação de -31%, nos períodos seguintes de janeiro e fevereiro de 2014

a 2015, as variações foram de respectivamente -51% e -35%, o que demonstra uma queda na

compra de madeira no período monitorado. Podendo ser reflexo do contexto político econômico

da cidade ou outros fatores externos que podem mudar com o decorrer do tempo.

Figura 3. Total de matéria-prima consumida nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro nos anos de 2013 a 2015.
O custo total com matéria-prima dos oito estabelecimentos, no período de novembro de 2013

a fevereiro de 2015, foi de R$ 63.283,86, a média de custo por estabelecimento é de R$ 3.955,24

(n=16, ±1558,78), esse custo tende a seguir a quantidade de madeira comprada, com oscilações no

decorrer dos meses (Figura 4).

Figura 4. Custo mensal com madeira (em Mil Reais)

A receita bruta total dos empreendimentos foi de R$ 212.308. Espera-se que a receita

acompanhe o volume de madeira adquirida e cubra os custos de produção, no entanto em alguns

meses a receita é menor que o custo, com especial atenção ao mês de janeiro de 2014 (Figura 5). É

um período apontado pelos entrevistados como sendo de baixa produtividade, em função da

redução nas encomendas, mas é também um período em que se tem uma quantidade maior de oferta

de madeira, demonstrando um possível planejamento por parte dos moveleiros para adquirir

matéria-prima.
Figura 5. Comparação entre receita bruta e volume de madeira adquirida

CONCLUSÃO

A microrregião de Tefé abriga diversos empreendimentos transformadores de madeira, a

maioria está no ramo há bastante tempo, o que demonstra que este setor tem uma certa estabilidade,

mesmo com as dificuldades que surgem a cada ano. No entanto, mesmo o setor sendo estável, ele

ainda é em sua maior parte informal, visto que a maioria dos empreendimentos não trabalha de

forma licenciada e não tem nenhum empregado contratado com carteira assinada. Além disso,

dependem da madeira não licenciada para trabalhar, o que é mais uma amostra da falta de

regularização do setor.

Por conta disso, o setor poderá diminuir nos próximos anos, dependendo de uma maior

pressão dos órgãos competentes para que isso ocorra. No entanto, é necessário encontrar

mecanismos ainda mais eficientes para que o setor como um todo não saia prejudicado com as

atuais e futuras medidas. E é necessário que se busquem alternativas de obtenção de matéria-prima

para que o setor não venha a se extinguir nos próximos anos.


O setor de transformação madeireira da microrregião é altamente dependente do

consumidor final, a maioria dos empreendimentos não tem capital de giro suficiente para se manter,

por isso todos trabalham a partir das encomendas dos consumidores. Mesmo com a intenção de

obter crédito para capital de giro, a falta de regularização da atividade impede o acesso às linhas

de crédito. Os empreendimentos possuem produção diversificada, mesmo os que produzem

somente móveis, ofertam uma extensa gama de produtos. O aumento da tecnologia e capacitação

da mão-de-obra podem aumentar a qualidade da produção.

A forte pressão de órgãos fiscalizadores sofrida pelo setor e o aumento da concorrência,

tanto de produtos substitutos a madeira quanto entre os próprios empreendimentos e lojas de varejo,

afetam a indústria local, tornando-a pouco competitiva principalmente com os principais polos

produtores de móveis do estado.

Uma alternativa para favorecer o desenvolvimento do setor seria a formalização e

organização dos empreendimentos em associações ou cooperativas para a formação de um polo

moveleiro. Trabalhando em conjunto, os empreendimentos têm mais chances de aumentar a

produção e absorver um número maior de matéria-prima manejada e explorar novos mercados.

Para isso precisam de assessoria técnica e apoio governamental que fomente a ampliação e

consolidação da cadeia produtiva local.

RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VEDOVETO, Mariana. et al. Setor Moveleiro na Região Norte: situação, desafios e


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CHAPADA DO ARARIPE: ENTRE A ECONOMIA E O SOCIOAMBIENTAL

João Luís do Nascimento Mota1


Ramá Lucas Andrade2
Ana Elisa Linhares de Meneses Braga3

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo descrever como se dá o conflito de interesses dentro de
uma Área de Preservação Ambiental, a APA Chapada do Araripe. De um lado aqueles que
buscam a utilização dos recursos naturais com objetivos econômicos, por outro lado os
ambientalistas, que lutam pela preservação do meio ambiente. O trabalho foi realizado
através de um estudo bibliográfico, de forma descritiva e qualitativa e obteve como
resultado que a APA Chapada do Araripe possui uma imensa riqueza natural, biótica e
abiótica, e tem como principais problemas: o conflito entre a preservação e a atividade
extrativa predatório dos recursos naturais e a grande extensão de terra, dificultando a
fiscalização e conservação.

Palavras-chave: Área de Preservação Ambiental (APA), recursos naturais, mercantilização


do meio ambiente.

ABSTRACT

This research aims to describe how the conflict of interest occurs within an Environmental
Preservation Area, the APA Chapada do Araripe. On the one hand, those who seek the use
of natural resources for economic purposes, on the other hand environmentalists, who fight
for the preservation of the environment. The work was carried out through a
bibliographical study, in a descriptive and qualitative way and obtained as a result that the
APA Chapada do Araripe has an immense natural, biotic and abiotic richness, and has as
main problems: the conflict between the preservation and the extractive activity Predation
of natural resources and the great extension of land, making inspection and conservation
difficult.

Key words: Environmental Preservation Area (APA), natural resources, mercantilization


of the environment.

1
Professor Adjunto na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: mota.joao@urca.br
2
Professor Adjunto na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: ramalucas@hotmail.com.
3
Professora Adjunta na Universidade Regional do Cariri – URCA, e-mail: anaelisahd@yahoo.com.br
1. Introdução

O conflito existente entre ambientalistas e desenvolvimentistas não é novo. De um


lado a defesa dos recursos naturais e de outro os interesses econômicos.
Este conflito pode existir também dentro de uma Área de Preservação Ambiental
(APA).
A APA Chapada do Araripe criada pelo Decreto nº 148, de 04 de agosto de 1997,
está localizada no Nordeste brasileiro, abrangendo uma área de 1.063 hectares nos estados
do Ceará, Pernambuco e Piauí (LINS, 2009). Possui um rico acervo de recursos naturais e
vegetais onde convivem áreas de preservação pública com interesses de propriedades
privadas. O surgimento da legislação ambiental e de instrumentos de conservação da APA
Chapada do Araripe conflita muitas vezes com a extração dos recursos de forma
predatória.
O corte de árvores nativas para a produção de carvão é um exemplo típico de mal
uso deste recurso. Além desses fatores existe ainda uma forte influência dos defensores do
desenvolvimentismo e do lucro, que determinam, muitas vezes, as plataformas das
políticas locais, reduzindo os trabalhados dos ambientalistas, das legislações e dos órgãos
ambientais.
Diante deste quadro, e da importância da APA Chapada do Araripe para o
Nordeste, por sua expressão cultural e natural, e para toda humanidade pois abriga acervos
arqueológicas e de possuir um grande potencial botânico, faz-se necessário uma análise
dos posicionamentos dos ambientalistas e daqueles que veêm esta área com grande
potencial econômico, os chamados desenvolvimentistas, e ainda as legislações em matéria
ambiental. Estes estudos devem contribuir de sobremaneira para determinações de políticas
públicas além de fortalecer o debate entre os atores sociais em prol de uma melhor
convivência com o meio ambiente.
Este trabalho tem como objetivo descrever como se dá o conflito de interesses
dentro de uma Área de Preservação Ambiental, a APA Chapada do Araripe. Num primeiro
momento é feito um estudo sobre o conceito de Área de Preservação Ambiental e como
estão localizadas no Brasil, aprofundando os conhecimentos na APA Chapada do Araripe.
Logo após é realizado uma analise dos conflitos entre ambientalista e desenvolvimentista
sobre os recursos desta APA.
Esta pesquisa do ponto de vista da abordagem do problema foi tratada de forma
qualitativa, pois utilizou a observação como instrumento. Em relação aos objetivos foi
utilizada a pesquisa descritiva, já que buscou descrever as características de um fenômeno.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos foi realizada através de um estudo
bibliográfico, já que procura explicar um problema a partir de referências teóricas
publicadas em documentos. (CERVO; BERVIAN, 2002).

2. Área de Preservação Ambiental - APA

As APAs são espaços que pertencem a grupos maiores, chamadas unidades de


conservação. São áreas extensas, com alguma ocupação humana e que com atributos
naturais, bióticos e abióticos, importantes para a conservação e manutenção dos aspectos
biológicos e culturais de uma região, de forma sustentável.
De acordo com a Lei nº 9.985/20004 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC):

Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, comum
certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos
ou culturais ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o
bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a
diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a
sustentabilidade do uso dos recursos naturais. (BRASIL, 2000, p. 9).

Segundo Viana (2005), de acordo com o Atlas de Conservação da Natureza


Brasileira (2004), a APA é equivalente à Categoria V (“Paisagem Protegida”) do Grupo 2
(“uso direto”) de unidades definidas pela International Union for Conservation of Nature
and Natural Resources5 – IUCN. Pode ser criada em paisagens terrestres ou marinhas, para
conservação e recreação, ou em área terrestre, com porções costeiras e marinhas
apropriadas, onde a interação das pessoas tenha produzido, ao longo do tempo, uma área
com características distintas e com valores estéticos, ecológicos e/ou culturais
significantes, freqüentemente com alta diversidade biológica. Salvaguardar a integridade
dessa interação tradicional é vital para a proteção, manutenção e evolução da área.

4 Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.
5
União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais
As APAs têm como principais características (VIANA, 2005, p. 8):
• ser criadas nas esferas federal, estadual ou municipal;
• ser implantadas sem a necessidade de desapropriação;
• compreender paisagens naturais ou com qualquer tipo de alteração;
• abranger ecossistemas urbanos ou rurais;
• envolver tanto áreas públicas quanto propriedades privadas;
• estender-se por mais de um município ou bacia hidrográfica;
• englobar outras unidades de conservação mais restritivas; e
• permitir praticamente todas as atividades econômicas ou obras de infra-estrutura em
seu interior, desde que sob certas condições, e excetuadas suas zonas de vida
silvestre.

No Brasil, as APAs foram introduzidas na década de 1990 e representaram


uma importante inovação no campo da conservação da natureza. Entre seus objetivos
buscava-se a utilização dos recursos naturais com seu uso sustentável, mediante a
permanência das populações. (LINS, 2009)
Em relação às regiões geográficas, as APAs, que ocupam uma área total de
7.666.689 ha no Brasil, apresentam a seguinte distribuição: uma na Região Norte (21.600
ha); nove na Região Nordeste (3.567.139 ha); cinco na Região Centro Oeste (1.155.840
ha); nove na Região Sudeste (1.158.937 ha) e cinco na Região Sul (1.763.173 ha).
(VIANA, 2005).
Interessante observar, que das nove APAs da região Nordeste, apenas duas
situam-se na Caatinga, Chapada do Araripe e Serra da Ibiapaba.
Segundo o Site Wikiaves, a APA Chapada do Araripe é definida por cotas de
altitude entre as divisas dos estados do Ceará (500 m), Pernambuco (640 m) e Piauí (480
m), compreendidas entre latitudes delimitadas por cartas da Sudene (7ºS e 8ºS),
excetuando-se a extensão da Floresta Nacional do Araripe-Apodi e áreas urbanas na época
do seu Decreto Federal de criação, de 4 de agosto de 1997. O perímetro legal disponível na
página eletrônica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
não coincide com o que é definido pelo decreto de criação, fazendo com que a área e lista
de municípios integrantes não seja definitiva.
Representa a maior riqueza natural e cultural das regiões mencionadas entre os
Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Seu potencial fossilífico, do período cretáceo, se
destaca por abrigar, na própria floresta, fósseis de dinossauros e peixes. Possui uma
enorme diversidade de pássaros, com destaque para o Soldadinho do Araripe6, além de
uma gama de animais e vegetais, assim como relíquias arqueológicas.
Possui um grande potencial para espeleologia7 e para a botânica, dada a
considerável quantidade de grutas e cavernas, assim como de plantas que são utilizadas,
pelos nativos, com propriedades medicinais.
A Chapada do Araripe possui ainda um potencial para o turismo ecológico e
científico, além de servir de base para estudos antropológicos e etnologia, pois abriga no
seu entorno remanescentes de tribos indígenas e quilombolas.
Dentre os maiores problemas enfrentados pela APA da Chapada do Araripe
está a conservação do ecossistema e o uso dos recursos naturais pelas famílias que vivem
na região e por outro a invasão de propriedades privadas.

As propriedades privadas que estão na zona de influência da APA


também seguem algumas regras de preservação ambiental, mas elas são
menos rígidas do que as aplicadas à Flona8. Assim, o maior desafio na
região é encontrar soluções que aliem o lucro das empresas e a
subsistência das famílias à proteção do meio ambiente e de sua
biodiversidade. (MACEDO, 2009, p. 23).

A exploração do pequi9 e do babaçu10 são exemplos típicos e culturais do uso predatório


desses recursos.
Na Chapada do Araripe, com área de 55.000km2, a exploração de recursos
energéticos oriundos de madeira se dá sem manejo adequado; em poucas
décadas, teve sua cobertura florestal reduzida em 50%.
(...)Na produção de carvão, não foi referida a existência de fiscalização ou
avaliação das condições de produção por parte do setor do trabalho ou da
saúde. A única fiscalização citada foi a do IBAMA, que se restringe a

6
O soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) é uma ave da família dos piprídeos, sendo o único
pássaro de distribuição restrita ao Ceará. No ano 2000 esta espécie foi internacionalmente reconhecida
como Criticamente em Perigo de extinção global, existindo no mundo apenas outras 188 aves nesta condição.
(www.aquasis.org).
7
Ciência ou esporte que tem por objeto o estudo ou a exploração das cavidades naturais do solo (cavernas,
grutas). Cf.: www.dicio.com.br/espeleologia/.

8
área de propriedade pública que obedece uma série de regras para a preservação da biodiversidade. Foi a
primeira a ter sua concessão ambiental conquistada e foi demarcada em 1983.
9
O pequi (nome científico: Caryocar brasiliense) é um fruto típico do Cerrado, cuja nomenclatura
vem do Tupi e significa “pele espinhenta”. (www.cerratinga.org.br/pequi/)
10
O babaçu (nome cientifico: Attalea ssp.), também conhecido como baguaçu, coco-de-macaco e,
na língua tupi, uauaçu, é uma nobre palmeira nativa da região Norte e das áreas de Cerrado.
(http://www.cerratinga.org.br/babacu/#)
coibir o corte indevido de madeira e a queimada. (AUGUSTO & GÓES,
2007, p. 1)

Além da prática do uso indevido do corte da madeira para fornos de indústrias


locais, esta prática apresenta diversos outros problemas, não apenas de ordem ambiental,
mas técnicas, trabalhistas, entre outros:

Neste processo, três aspectos chamaram a atenção: os instrumentos


rudimentares utilizados para coleta, que danificam árvores, com a quebra
de galhos; a insegurança no trabalho, pela forma como praticam a coleta e
por não terem instrumentos adequados (ao subirem nas árvores, com
freqüência ocorrem quedas com traumas físicos); pelo mercado na cadeia
de comercialização da fava danta. Por se tratar de uma planta que
apresenta alto teor de uma substância anticoagulante, tem valor comercial
para indústria de medicamentos. Existem atravessadores que compram
esses produtos in natura a baixo preço para a empresa alemã Merck, que,
por ser a única compradora, detém o monopólio da comercialização,
submetendo os coletores a condições aviltantes. (AUGUSTO & GÓES,
2007, p. 2).

Outro aspecto que deve ser observado é a utilização de recursos nas


propriedades privadas, dentro da APA, e que realizados de forma irregular.

No caso da APA da Chapada do Araripe, objeto deste estudo, isso pode


ser observado em ações praticadas por donos de propriedades na
canalização da água as fontes existentes na região, entre tantas outras
irregularidades encontradas na área (...). (LINS, 2009, p. 25).

Por outro, apesar da água ser de domínio público, por força da Constituição
Federal Brasileira e da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/199711,

Na região do Cariri, interior do Ceará, várias fontes de água nascem na


Chapada do Araripe, onde os produtores de cana-de-açúcar
desenvolveram desde 1854 um sistema de direitos e alocação de água
baseado nas forças de Mercado. Esse modelo que ainda se encontra em
operação na atualidade permite a propriedade privada da água, e os
proprietários – possuidores de títulos de direitos de uso da água -
negociam estes direitos e legitimam as transações com água no Cartório
Público da Cidade do Crato. (ABREU & PINHEIRO, 2007, p. 1)

11
Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13
de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989.
Assim, é perceptível o impacto ambiental com as atividades extrativistas no
entorno e na própria Chapada do Araripe, além de provocar a devastação vegetal e animal,
vem ampliando a escassez de água, pelo comprometimento de seus aquíferos.
Dessa forma o maior desafio é conciliar a obediência à legislação de proteção
ao meio ambiente e os interesses dos diversos grupos que atuam nesta área da APA
Chapada do Araripe.

3. Impasse entre ambientalistas e desenvolvimentistas

Para aqueles que defendem o meio ambiente as APAs representam muito mais
do que um repositório de sistemas bióticos e abióticos, e que sua conservação vai além da
utilização sustentável dos recursos naturais. Para estes deve seguir uma gama de normas e
procedimentos institucionais aos quais estão estabelecidos nas legislações das esferas de
poder Federal, Estadual e municipais.
Obedecendo a legislação federal, iniciado pela orientação Constitucional do
art. 225 e pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, passa-se a analisar a normatividade da
legislação estadual.
No Estado do Ceará, o tratamento da gestão ambiental é fruto de um processo
de construção institucional desenvolvido ao longo dos últimos 25 anos, estruturado sobre
as seguintes organizações estaduais: a Superintendência Estadual de Meio Ambiente –
SEMACE, o Conselho Estadual de Meio Ambiente – COEMA, e o Conselho de Políticas e
Gestão do Meio Ambiente – CONPAM, criado em 2007. Pode-se considerar que também
faz parte do sistema estadual de gestão ambiental a Comissão Interinstitucional de
Educação Ambiental – CIEA. (MPCE, 2013, p.22) O sistema de licenciamento estadual foi
instituído através da Lei 11.411 de 28 de dezembro de 1987, tendo estado desde então a
cargo da Superintendência de Meio Ambiente do Ceará - SEMACE. (CEARÁ, 2013, p.11)

Assim, a execução e acompanhamento dos programas ambientais no Estado do


Ceará ficaram a cargo de dois órgãos principais a SEMACE e CONPAM.

(...) O CONPAM coordena e articula ações de caráter estratégico,


enquanto a SEMACE desenvolve as atividades-core para o exercício do
poder de polícia (controle, licenciamento, fiscalização e monitoramento
ambiental), autorizações relacionadas à gestão florestal, registros e
cadastros sobre comercialização de agrotóxicos, além da gestão de
Unidades de Conservação e educação ambiental. Para o CONPAM,
segundo entrevista com seu Presidente, as cinco grandes prioridades são a
política de saneamento em seu conjunto (resíduos sólidos, água, esgoto e
drenagem), a gestão dos resíduos sólidos, a politica de municipalização,
que tem que ser fortalecida, a política florestal focalizando a
desertificação, e o manejo sustentável de recursos ambientais. (CEARÁ,
2013, p.52)

As agendas das políticas voltadas ao meio ambiente, no estado do Ceará, estão


estabelecidas no Projeto de Apoio ao Crescimento Econômico com Redução das
Desigualdades e Sustentabilidade Ambiental no Ceará - PforR, denominado Projeto P4R12.
A moldura jurídico-institucional da defesa ambiental, baseado no Projeto P4R,
está assim caracterizado: (a) a responsabilidade estatal pela tutela do meio ambiente, (b) o
licenciamento ambiental e a disciplina das atividades potencialmente impactantes do meio
ambiente, (c) saneamento, aqui incluído o tema da gestão de resíduos sólidos, (d) gestão de
recursos hídricos, (e) áreas protegidas, (f), agrotóxicos, (g) ordenamento do solo e (h)
responsabilidade civil, administrativa e criminal. (CEARÁ, 2014)
Dentre as diversas legislações ambientais no Estado Ceará destaca-se (MAIA, 2007):

Áreas de Proteção Ambiental


Lei nº 13.688, de 24 de novembro de 2005 – Estabelece diretrizes e condicionantes
ambientais para a constituição de condomínios de qualquer natureza e edificações para
serviços de hospedagem, hotelaria e lazer, na Área de Proteção Ambiental da Serra de
Baturite, e da outras providencias.

Caatinga
Decreto nº 27.747, de 28 de março de 2005 – Institui Grupo de Trabalho no âmbito da
administração estadual, com o objetivo de elaborar o Projeto de Conservação e Gestão
Sustentável do Bioma Caatinga em conformidade com o que estabelece o PDF-B, e da
outras providencias.

Licenciamento Ambiental

12
Programa para Resultados (PforR) é uma parceria, acordada em 2013, do Governo do Estado do Ceará com
o Banco Mundial.
Portaria SEMACE nº 201/99, de 13 de outubro de 1999 - Estabelece normas técnicas e
administrativas necessárias a regulamentação do sistema de licenciamento de atividades
utilizadoras de recursos ambientais no território do Estado do Ceara.

Política Estadual do Meio Ambiente


(Lei nº 11.411, de 28 de dezembro de 1987 – Dispõe sobre a Politica Estadual do Meio
Ambiente, e cria o Conselho Estadual do Meio Ambiente – COEMA, a Superintendência
Estadual do Meio Ambiente – SEMACE e da outras providencias).

Política Florestal
Lei nº 12.488, de 13 de setembro 1995 - Dispõe sobre a Politica Florestal do Estado do
Ceara e da outras providencias.

Reservas Ecológicas Particulares


Decreto nº 24.220, de 12 de setembro de 1996 – Dispõe sobre o reconhecimento das
Reservas Ecológicas Particulares por Destinação de seu proprietário e da outras
providencias.

Todas as legislações acima citadas (e as demais normas estaduais do Ceará)


têm como base e mecanismo de atuação de proteção ao meio ambiente, entre outros
princípios, o Princípio do poluidor-pagador. Este princípio teve seu nascedouro, no Brasil,
através da Lei 6.938/81, ao apontar como uma das finalidades da Política Nacional do
Meio Ambiente a imposição ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos
ambientais com fins econômicos e da imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados. Além disso, o Princípio do Poluidor-Pagador
fora recepcionado pela Constituição Federal no seu art. 225, parágrafo 3º, que prescreve:
“As atividades e condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados”. (COLOMBO, 2006, p. 35).

Por outro lado o avanço em relação a responsabilização aos crimes ambientais


ainda é tímido no Brasil, como afirma Morais,
Os instrumentos normativos que tutelam o meio ambiente não têm
conseguido alcançar o êxito esperado. Com efeito, a responsabilização
penal da pessoa jurídica por crimes ambientais não tem obtido a
efetividade correspondente à magnitude do bem lesado, todavia a
legislação penal brasileira vem ensaiando alguns progressos. A educação
ambiental tem sido uma via constituída de amplas possibilidades
positivas. (MORAIS, 2007, p. 86).

Tradicionalmente os ilícitos ambientais, no Brasil, são tratados nas esferas


administrativas e civis, o que gera na maioria dos casos multas ou prestações de serviços à
comunidade, reduzindo o poder do judiciário na aplicação das penas mais severas para os
crimes ambientais.
Outro aspecto que se deve levar em consideração é a defesa daqueles chamados
desenvolvimentistas, que estão sempre encontrando mecanismos de driblar as normas
fundamentando seus argumentos numa maior produtividade, ou em uma lógica de
mercado, que justifique maiores lucros.
Neste aspecto discute-se a mercantilização do meio ambiente. A defesa, destes
adeptos ao mercado, está sustentada na concretização do Uso Sustentável dos recursos
naturais, em detrimento daqueles que defendem as Unidades de Conservação. Conservar é
muito mais amplo do que usar de forma sustentável.
Em bases teóricas existem duas visões conflitantes: a dos ambientalistas versus
a de defensores do livre comércio.

De acordo com os ambientalistas, o livre comércio induz taxas elevadas


de crescimento econômico e assim prejudica o meio ambiente ao expandir
a escala de uso dos recursos naturais acima de limites sustentáveis.
Alegam também que a integração econômica gera uma dinâmica
regulatória indesejável, conhecida como corrida para o fundo do poço
(race to the bottom), na qual os países diante de fortes pressões
competitivas preferem adotar estrategicamente padrões ambientais
domésticos mais baixos (...).
Contrariando a visão ambientalista, os defensores do livre comércio
argumentam que o crescimento econômico induzido pelo livre comércio
potencialmente favorece o meio ambiente e contribui para o
desenvolvimento sustentável. (MAY, 2010, p. 246)

Ainda no plano teórico-ideológico existem ainda aqueles que defendem que


todas as tentativas de se discutir os problemas ambientais, tinham sempre como “pano de
fundo” o mercado e o aumento da produtividade. Cúpula dos Povos, Conferências da
ONU, Carta da Terra, Protocolo de Kyoto entre outros, seriam todos mecanismos de
representar os interesses da economia liberal.
Uma das novidades do documento final da Rio + 20, O futuro que queremos,
é a presença do conceito de “economia verde”. Apesar de pouco esclarecedor
e merecedor de uma multiplicidade de definições, o fato é que ele abre espaço
para as tentativas de consolidar a mercantilização do meio ambiente –
fenômeno já em marcha há décadas. (KLIAS, 2012, p. 2).

No plano da administração pública é visível a força da vertente liberal e suas


estratégias para concretização dos planos em defesa do crescimento econômico, mesmo
que em detrimento do meio ambiente.
Recentemente, o governador do Ceará, encaminhou para a Assembléia
Legislativa do Estado um projeto polêmico que desrespeita, de forma gritante, toda a
legislação ambiental do estado, assim como descaracteriza as atividades institucionais e
profissionais de técnicos envolvidos nas questões ambientais do Estado.

O governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), encaminhou para a


Assembleia Legislativa do estado um projeto de lei que trata da dispensa
de licenciamento ambiental e criou uma unanimidade em torno da sua
proposta: todos estão contra. O projeto pede, de forma direta, a dispensa
de licenciamento ambiental de sistema de abastecimento de água, aterros
sanitários, restauração de vias, construção de estradas, projetos de pesca e
aquicultura, entre outros. Também estabelece que, se por decreto o
empreendimento for considerado estratégico, estará livre do
licenciamento, sem prejuízo das normas legais que serão consideradas
pelo presidente do Conselho de Políticas e Gestão do Meio
Ambiente. (OCEO, 2011)

Este fato fez com que o Ministério Público Federal interviesse recomendando a
suspensão de obras e licenças ambientais de forma irregular.

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Superintendência do


Meio Ambiente do Ceará (SEMACE) a suspensão imediata da vigência
das licenças ambientais da obra do Cinturão das Águas do Estado do
Ceará, assim como do Plano de Trabalho referente à compensação
ambiental, no prazo de 30 dias. De acordo com o MPF, todas as licenças
ambientais relativas às cinco etapas do primeiro trecho do Cinturão das
Águas foram realizadas por órgão ambiental que não detinha atribuição
para tanto. (BRASIL, 2014, p. 2)

Fica demonstrado, portanto, tanto no debate teórico quanto nas decisões de


política administrativa, a força do poder econômico e a defesa daqueles que têm como
premissa o desenvolvimento e aumento da produtividade, em detrimento dos
ambientalistas e dos defensores do conservadorismo ambiental.
4. Conclusão

Todas as APAs, no Brasil, assim como as questões ambientais, sofrem


problemas comuns, por ser um assunto ainda pouco explorado, e algo novo jurídico,
econômico e politicamente.
A APA Chapada do Araripe possui uma imensa riqueza natural, biótica e
abiótica, e tem como principais problemas: o conflito entre a preservação e a atividade
extrativa predatório dos recursos naturais; a grande extensão de terra, dificultando a
fiscalização e conservação; a incipiente educação ambiental.
Por outro, existe um conflito de ordem administrativa, uma sobreposição de
decisões e poder discricionário dos órgãos ambientais, traduzindo-se numa reduzida
responsabilização penal pelos crimes ambientais.
Para alguns estudiosos, o movimento em prol da ecologia e meio ambiente,
iniciado nas décadas de 1970 e 1980, que geraram a Carta de Terra e o Rio+20, trazem nas
suas propostas mecanismos de mercantilização dos recursos naturais.
Há, ainda, o poder da economia liberal e a defesa dos desenvolvimentistas que
influenciam sobremaneira as agendas políticas e os programas dos governos locais,
sobrevalorizando o econômico em detrimento do meio ambiente.

5. Referências Bibliográficas

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NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - Regulamenta o art. 225, § 1o,
incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências.
BRASIL. Ministério Público Federal. 2014. MPF recomenda anulação de licenças e de
plano de trabalho de compensação ambiental do Cinturão das Águas. Disponível em:
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Acesso em: 03/12/2014.
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Eficiência do setor de saneamento na região Sudeste entre 2010 - 2012

Fabiano Luiz Alves Barros1


Julyana Covre2
Felippe Clemente3

Resumo

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 1,5 milhão de pessoas
morram por falta de saneamento adequado, principalmente crianças menores de 5 anos de
idade. O objetivo deste artigo é avaliar o nível de eficiência do setor de saneamento básico
da região Sudeste, notadamente, a região brasileira que possui os melhores índices deste
setor vis-à-vis as demais regiões. Por meio de uma modelo Data Envelopment Analysis –
DEA que busca medir a eficiência do setor entre os anos de 2010 a 2012, tendo as doenças
causadas por falta de saneamento básico ou precariedade do mesmo, os inputs e os indices
de saneamento como outputs. Os resultados demonstraram que Rio de Janeiro e Minas
Gerais são Estados que possuem maior nível de eficiência, enquanto que São Paulo e
Espírito Santo mostram que operam sobre ineficiência.

Palavras-chave: Região Sudeste; Eficiência, Saneamento

Abstract

The World Health Organization (WHO) estimates that about 1.5 million people die from
lack of adequate sanitation, especially children under 5 years of age. The objective of this
article is to evaluate the efficiency level of the basic sanitation sector of the Southeast
region, notably the Brazilian region that has the best indices of this sector vis-à-vis the
other regions. By means of a Data Envelopment Analysis (DEA) model that seeks to
measure the efficiency of the sector between the years 2010 and 2012, with the diseases
caused by lack of basic sanitation or precariousness of the same, the inputs and the indices
of sanitation as outputs. The results showed that Rio de Janeiro and Minas Gerais are states
that have a higher level of efficiency, while São Paulo and Espírito Santo show that they
operate on inefficiency.

Key words: Southeast region; Efficiency, Sanitation

1. Introdução

1
Doutorando em economia aplicada na Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: fabiano.luiz@ufv.br;
2
Doutora em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
julyana.covre@gmail.com;
3
Pós doutorando em economia na Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: felippe.clemente@ufv.br
O crescimento da população provoca diversos desafios para os gestores municipais,

estaduais e em âmbito federal, no que tange, notadamente, na universalização do

saneamento básico, o que resulta na diminuição de diversas doenças. O Brasil apresenta

números alarmantes, no tocante ao saneamento básico, dado que apenas 42,67% do esgoto

gerado são realmente tratados, isso significa que nem metade daquilo que é gerado é

tratado, sendo lançado diretamente em rios, mares, etc.

Deste modo, o saneamento básico apresenta-se com um dos maiores desafios para a

infraestrutura brasileira, considerando que a universalização do serviço, envolvendo os

serviços de água, esgotos, resíduos e drenagem, tem um custo estimado de R$ 508 bilhões.

Quanto à universalização, apenas, dos serviços de água e esgoto são estimados algo em

torno de R$ 303 bilhões (Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), 2011).

No que diz respeito à distribuição geográfica do saneamento básico a região

Sudeste apresenta maior qualidade dos investimentos e também maior universalização

destes serviços, sendo acompanhado pela região Sul, em seguida pela região Centro-Oeste,

Nordeste e Norte, respectivamente. As regiões que apresentam um nível baixo

comparativamente ao demais é a região Nordeste e a Norte, sendo a região Norte a que

possui a pior distribuição geográfica deste serviço. A região Sudeste apresenta níveis mais

altos do que as demais regiões. Ressalta-se também que o Brasil possui baixos índices de

universalização dos serviços de saneamento em relação aos níveis internacionais.

Os estudos da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA (2006) apontam que os

quadros de infecções relacionadas à falta de saneamento básico prevalecem em áreas mais

pobres, principalmente, em regiões em que a “informação” sobre saneamento básico e

tratamento hospitalar são precários. Segundo Carmo e Távora Júnior (2004) o custo

associado ao tratamento de doenças é elevado, especialmente, por falta de cuidados básicos

de tratamento.
Outro ponto relevante diz respeito à relação causal entre os serviços de saneamento

e o desenvolvimento econômico. Segundo Heller (1998), países que possuem maior grau

de desenvolvimento, em média, possuem menores números de casos associados com

doenças por falta de saneamento básico. Assim, a melhoria de serviços de saneamento se

constitui em uma parte importante de gestão da política pública.

Políticas voltadas ao fortalecimento dos serviços de saneamento ainda são

insuficientes, porém há um plano nacional, denominado de PLANSAB, que constitui em

um esforço para melhoria do saneamento básico tanto para municípios, estado e a

federação. Contudo, os esforços em promover uma maior infraestrutura de qualidade ainda

são escassos, tendo em vista que o investimento na melhoria e tratamento de todo esgoto

gerado ainda são baixos, o que resulta em uma maior incidência de casos de verminoses,

cólera, dengue, malária, entre outras.

Diante do exposto, este artigo tem por objetivo avaliar e analisar a eficiência do

setor de saneamento básico para a região Sudeste, pois a mesma apresenta níveis mais altos

em distribuição de água e saneamento básico que as demais regiões brasileiras.

2. Descrição do setor de saneamento

O setor de saneamento básico do Brasil apresenta características pouco

desenvolvidas, principalmente, no que diz respeito à coleta e tratamento de esgoto. Na

Tabela 1, por exemplo, observa-se que a região Sudeste apresenta os melhores níveis de

atendimento de rede de água, quanto de coleta de esgoto. No que diz respeito ao índice de

tratamento de esgoto a região Centro-Oeste apresenta maiores níveis. Ressalta-se que os

números verificados apenas apontam para o caso urbano, sendo que a nível rural bem mais

precário.
Tabela 1 – Nível de esgotamento sanitário, por região geográfica e brasileira em

2013.

Fonte: Ociosidade das redes de esgotamento sanitário no Brasil (2015) Instituto Trata Brasil.

Na Tabela 2 tem-se a quantidade de ligações, população atendida e a economia

gerada pela rede. O Sudeste mais uma vez apresenta as melhores condições no tocante as

variáveis citadas. Sendo a região Norte a que apresenta os menores níveis destes

indicadores. No que diz respeito ao Brasil apenas 45% da população é atendida com o

esgotamento sanitário, ou seja, apresenta indicadores pequenos, dado sua dimensão. Além

deste fato, o total de ligações ativas no sistema chega a 24 milhões, porém este número é

insuficiente.

Tabela 2 – Informações sobre esgotamento sanitário por região e brasileira.


Fonte: Ociosidade das redes de esgotamento sanitário no Brasil (2015), Instituto Trata Brasil.

A Figura 1 apresenta a população que possui acesso ao esgotamento sanitário, bem

como sua ausência por região. A região Sudeste apresenta o melhor acesso da população

ao serviço com cerca de 85% da população contando com este serviço, a região Sul é a

segunda melhor região tendo a participação de 70% de sua população com serviços de

esgotamento sanitário, e cerca de 30% sem este tipo de serviço.

Figura 1 – Acesso e ausência de esgotamento sanitário por região brasileira em 2013

Fonte: Ociosidade das redes de esgotamento sanitário no Brasil (2015) Instituto Trata Brasil.
2.1 Saneamento e saúde

A falta de saneamento básico está diretamente relacionada à saúde da população.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 88% das mortes por

diarreia decorre da falta saneamento adequado, entre estas, a maior incidência de mortes é

de crianças. Calcula-se que 1,5 milhão de crianças morrem todo ano por falta de eficiência

do saneamento, em outras palavras, por falta de saneamento.

No Brasil as maiores cidades que investem em saneamento básico possuem menor

número de internações, contudo as cidades que não apresentam melhoria no sistema são

responsáveis por cerca de 74% das internações (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2017) . O

custo estimado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), anual por internações é de R$ 140

milhões, para doenças como a diarreia, a febre tifoide, a febre paratifoide, a cólera, a

hepatite A, a giardíase, entre outras.

A Tabela 3 apresenta a média de internações por estado brasileiro entre 2000 a

2011. O maior número de internações ocorre na região Sudeste com média de 579, além

disso, com doenças relacionadas à agua é 88.325, sendo São Paulo, o estado da região com

maior número de internações. O Nordeste apresenta o maior número de internações por

conta da água 225.000, sendo a Bahia que apresenta o maior de internações na região. A

região Norte tem no Pará o maior número de internações com 53.000 internações. No

Centro-Oeste, Goiás apresenta o maior número de internações com 21.000.

No que diz respeito ao número total de internações o Nordeste é o estado que mais

possui internações em decorrência de falta ou de eficiência dos serviços de saneamento

básico. O menor número de internações é observado no Centro-Oeste com 41.895.


Tabela 3 – Média de internações por forma de contágio entre 2000 a 2011.

Fonte: Url et al. (2016)

3. Metodologia

3.1 Análise envoltória de dados

Em uma estrutura produtiva, as quantidades máximas de produtos que podem ser

obtidas, dados os insumos utilizados, determinam a fronteira de produção, ou fronteira de

eficiência (LINS; MEZA, 2000).

A análise envoltória de dados (DEA) é uma técnica não paramétrica que se baseia

na programação linear para analisar a eficiência relativa de unidades produtoras de um

determinado bem ou serviço. Na literatura, os modelos DEA, uma unidade produtora é

tratada como DMU (decision making unit), uma vez que desses modelos provém uma
medida para avaliar a eficiência relativa de unidades tomadoras de decisão (GOMES,

2009).

Na DEA, o termo análise envoltória deriva do fato de, nessa abordagem, a análise

ter como referência as DMUs, buscando detectar as DMUs eficientes e construir um plano

geométrico de apreciação dessas unidades, promovendo assim as unidades que são

eficientes e ineficientes, gerando assim o rankeamento destas unidades.

De acordo com Ferreira (2005), a diferença fundamental entre a abordagem DEA e

a análise paramétrica, como por exemplo, a fronteira estocástica, está no fato de a primeira

ser não paramétrica, estimando uma fronteira determinística, e a segunda ser paramétrica,

com base em função estocástica, tendo assim níveis de significância, erro padrão, etc.

Uma significativa limitação do uso da abordagem paramétrica para mensuração da

eficiência decorre do fato de que ela requer que se conheçam as DMUs, ou se utilizem

meios para estimar, estatisticamente, a função de produção considerada. Devido à

complexidade das relações de mercado, a estimação da forma funcional apropriada para

diferentes DMUs nem sempre é possível. Assim, o enfoque não paramétrico, que utiliza a

programação matemática, a exemplo de DEA, torna-se mais apropriado.

Outra vantagem que pode ser considerada do DEA é com relação à estimação

paramétrica está busca a identificação individualizada de cada produtor no quesito

eficiência, o que é possível através dos escores de eficiência gerados pela

operacionalização do modelo.

Essas características conferem ao método uma potencialidade de explicar, com

maior propriedade e com pouca interferência dos avaliadores, as complexidades inerentes

às condições reais do setor que está sendo analisado (FERREIRA, 2005).

Apesar das vantagens apresentadas, esta metodologia também apresenta

desvantagens, dentre as quais se destaca a sensibilidade à presença de outliers e à inclusão


ou exclusão de uma ou mais unidades no conjunto de observações, ao número de variáveis

consideradas na análise, a impossibilidade de se testar estatisticamente os resultados e

ainda, a desconsideração da presença de fatores aleatórios e erros de medição, de forma

que toda a distância para a fronteira é considerada devido à ineficiência (NASCIMENTO,

2013).

Metodologias alternativas ao DEA foram desenvolvidas com objetivo de avançar

nos estudos sobre eficiência. Nesse sentido, Aigner et al. (1977) propuseram uma função

de produção específica para dados “cross-section”, em que os desvios observados em

relação à função de produção poderiam ser devidos à ineficiência produtiva e aos efeitos

aleatórios. Esta função é denominada fronteira de produção estocástica (SFA).

O modelo SFA possui vantagens, sendo pouco sensível a problemas de erros de

medida, o que poderia gerar endogeneidade4, caso fosse estimado a fronteira estocástica. A

estimação de intervalos de confiança para os coeficientes de eficiência e a falta de

obrigação de assumir uma hipótese a respeito de retornos de escala e desvantagens, como o

fato de poder sofrer dos mesmos problemas tradicionais de análise de regressão, de

limitações relacionadas à omissão de variáveis relevantes, possível autocorrelação dos

erros, heterocedasticidade e etc (NASCIMENTO, 2013).

Dessa forma, constata-se que não há consenso na literatura especializada

justificando a escolha do DEA ou de fronteiras estocásticas, já que ambas possuem

vantagens e desvantagens. A escolha do modelo DEA, para este trabalho, deveu-se,

principalmente, pelo tamanho da base de dados da análise, o qual é considerado pequeno

para estimação da fronteira estocástica, o que poderia acarretar em viés nas estimativas.

Segundo Charnes et al. (1994), para estimar e analisar a eficiência relativa das

DMU’s, utiliza-se a definição de ótimo de pareto, segundo o qual nenhum produto pode ter

4
A endogeneidade pode ocorrer por três formas principais, as quais são: erros de medida; variável importante
que foi omitida e “controle ruins” (ANGRIST & PISCHKE, 2009).
sua produção aumentada sem que sejam aumentados as suas quantidades de insumos ou

diminuída a produção de outro produto. A eficiência é analisada, relativamente, entre as

unidades analisadas no estudo. Cabe destacar que Coeli (1995), coloca que há duas formas

de aumentar a produtividade uma relacionada a mudanças tecnológicas e a segunda que

seria com base na gestão da unidade produtiva.

Para incorporar a natureza multiproduto e multiinsumo da produção, Charnes et al.

(1994) propõe a técnica DEA para a análise das diferentes unidades. A função distância5 é

empregada para incorporar a natureza multiproduto e multiinsumo na análise de

produtividade dos fatores e de eficiência, sem a necessidade de especificar objetivos

comportamentais dos tomadores de decisão.

De acordo com Färe et al. (1994), a forma conveniente de descrever a característica

multiproduto da produção é pela tecnologia de produção, definida pelo conjunto S,

representado na equação (1):

( ) , (1)

que é definido pelo conjunto de todos os vetores de insumos e produtos (x,y), tal que x

possa produzir y, em que x é um vetor (k x 1) não-negativo de insumos e y, um vetor (m x

1) não-negativo de produtos.

O conjunto de tecnologias de produção pode, de forma equivalente, ser definido

pelo conjunto de possibilidades de produção P(x), que representa o conjunto de todos os

vetores de produtos y, que pode ser produzido pelo vetor de insumos x, isto é,

5
Pode ser definida como orientação insumo ou orientação produto. A orientação insumo caracteriza a
tecnologia de produção pela minimização proporcional (contração) do vetor insumo, dado um vetor de
produto. Já a orientação produto caracteriza a tecnologia de produção pela maximização proporcional do
vetor produto, dado um vetor de insumo.
. (2)

A função distância com orientação produto, de acordo com Shephard (1970), pode

ser definida pelo conjunto de produtos P(x), como:

( ) ( ) ( ) (3)

( ) ( ( ) ( )) (4)

em que , na expressão (3), é um fator mínimo, pelo qual o produto pode ser contraído e,

ainda assim, pertencer ao conjunto de possibilidades de produção.

A função distância ( ) poderá ter valores menores ou iguais a 1, se o vetor de

produto y for um elemento do conjunto de possibilidade de produção P(x); se for igual a 1,

(x,y) estará sobre a fronteira tecnológica; nesse sentido, a produção será tecnicamente

eficiente, caso contrário, ou seja, maior que 1 será ineficiente.

O modelo DEA com orientação-produto e pressuposição de retornos variáveis à

escala procura maximizar o aumento proporcional nos níveis de produto, mantendo fixa a

quantidade de insumos. De acordo com Charnes et al. (1994), pode ser representado

algebricamente por:

( )

sujeito a:

=0

=0

(5)
em que Yi é um vetor (m x 1) de quantidades de produto da i-ésima DMU; xi é um vetor (k

x 1) de quantidades de insumo da i-ésima DMU; Y é uma matriz (n x m) de produtos das n

DMUs; X é uma matriz (n x k) de insumos das n DMUs; é um vetor (n x 1) de pesos; N1

é uma vetor (n x 1) de números uns; é um vetor de folgas relativo aos produtos; é

um vetor de folgas relativos aos insumos; e é um escalar que tem vetores iguais ou

maiores do que 1 e indica o escore de eficiência das DMUs, ou seja, um valor igual a 1

indica eficiência técnica da i-ésima DMU, em relação às demais, enquanto um valor maior

que 1 evidencia a presença de ineficiência técnica relativa. O problema apresentado em (5)

é resolvido n vezes – uma vez para cada DMU, e, como resultado, apresenta os valores de

e , sendo o escore de eficiência da DMU sob análise e fornece os peers (as DMUs

eficientes que servem de referência para a i-ésima DMU ineficiente).

4. Resultados

Os dados utilizados na estimação do DEA foram coletados no site do Sistema de

informação sobre o saneamento básico (SNIS) e no site do Sistema de Saúde para todos

os estados do Sudeste entre os anos de 2010 a 2012. Todos os dados são a nível estadual,

possibilitando uma análise pormenorizada da região.


Tabela 3 – Inputs e outputs utilizados no modelo DEA, dados estaduais.
Inputs Outputs
Dengue Quantidade de ligações ativas de água (AG002)
Esquistossomose Extensão da rede de água (km) (AG005)
Hepatite A Volume de água produzido (1000 m³/ano) (AG006)
Leptospirose Volume de água consumido (1000 m³/ano) (AG010)
Malária Quantidade de ligações totais de água (AG021)
Despesa com produtos químicos (FN011)
Investimentos totais realizados pelo prestador de serviços
(R$/ano) (FN033)
Fonte: Sistema Única de Saúde e Sistema de Informações sobre o Saneamento Básico.

De maneira geral, uma análise de eficiência técnica compara o número de casos das

doenças estudadas, dado as variáveis de saneamento básico da região, com o que poderia

ter sido registrado com os mesmos recursos. No caso em estudo, as variáveis empregadas

no modelo de eficiência, juntamente com suas estatísticas descritivas são apresentadas na

Tabela 4. Percebe-se uma relativa diferença nos valores das unidades6 que compõem a

amostra, destacando, principalmente, o alto desvio-padrão resultante da relativa dispersão

dos dados em torno da média, que enfraquece as inferências de tendência central. Os

valores máximos e mínimos também se destacam pelas suas grandes diferenças. Para o

caso da dengue, o número máximo de casos registrados foi 210.189 casos para o Estado de

Minas Gerais, enquanto o número mínimo de casos em um determinado ano foi registrado

no Estado de São Paulo. O mesmo ocorre para a esquistossomose, que teve o maior

registro de casos no Estado de Minas Gerais e o menor registro para São Paulo. Já para a

hepatite viral, o maior número de casos foi registrado no Estado de São Paulo e o menor

número no Estado de Espírito Santo. A leptospirose teve o maior registro em São Paulo e o

menor no Estado do Rio de Janeiro e a malária teve como máximo registrado em um ano,

227 casos em São Paulo e o mínimo registrado de 3 casos em Minas Gerais.

6
Entende-se por unidade o ano que determinado estado registrou um número específico de casos de doenças
oriundas da falta de saneamento básico, dado a taxa de saneamento básico da região.
No geral, observa-se que todos os Estados analisados possuem alguma dificuldade

no controle das doenças relacionadas ao saneamento básico, o que indica, em uma primeira

análise, que todos carecem de investimento no saneamento a nível estadual.

Tabela 4 – Estatísticas descritivas das variáveis empregadas no modelo de eficiência das


regiões estudadas, 1975-2013

Variável Média Desvio-padrão Máximo Mínimo

DENGUE 10869 36814.34 210189 1


ESQUISTOSSOMOSE 447 2248.51 19873 1
HEPATITE VIRAL 871 2111.22 10689 1
LEPTOSPIROSE 234 277.17 973 1
MALÁRIA 92 54.19 227 3
Fonte: Resultados da Pesquisa (2017).

A Tabela 5 é apresenta o sumário estatístico do cálculo da eficiência técnica dos

Estados que compõe a amostra. Pela média dos escores de eficiência técnica, é possível

visualizar o grau de eficiência das regiões estudadas.

Tabela 5 – Escores de eficiência técnica das regiões estudadas

Variável Unidades eficientes Média Desvio-padrão Máximo Mínimo

Eficiência técnica 26,67 % 0.489 0.389 1.00 0.051

Fonte: Resultado da Pesquisa (2017).

Os resultados demonstram que a região Sudeste apresenta expressivo grau de

ineficiência técnica relacionado ao saneamento básico. Apenas 26.67% das unidades se

mostraram eficientes nos quatro estados que compõe a região.

A média da eficiência técnica foi de 0.489, o que sugere a possibilidade de

diminuição do número de casos de doenças, considerando a mesma proporção de


saneamento básico utilizada. Ao analisar as regiões, evidencia-se que Rio de Janeiro e

Minas Gerais possuem unidades que mais se aproximam da eficiência ao passo que São

Paulo é o estado que mais está próximo da ineficiência. O Estado do Espírito Santo

permanece na média para a maioria das unidades analisadas.

Para comparar o grau de ineficiência da unidade tomando por base o escore da

média de eficiência técnica, foi construído o indicador definido por Ferrier e Porter (1991),

que segue:

( ) (6)

Assim, é possível dizer que a diferença média de eficiência técnica nas regiões

estudadas requer uma utilização de recursos 104,5% maior que as unidades que estão

operando sobre a curva da fronteira de eficiência. Isso evidencia o quão distinto estão as

regiões no quesito eficiência nos gastos com saneamento básico.

5. Conclusão

O objetivo deste artigo foi analisar a eficiência do setor saneamento na região

Sudeste, notadamente, a região que apresenta os melhores resultados quanto ao gasto em

saneamento, como também em relação à eficiência no saneamento.

As doenças relacionadas aos casos de saneamento demonstram que a dengue teve

mais casos em cidades mineiras, sendo de menor ocorrência nas cidades paulistanas.

Contudo, a hepatite A teve maior número de casos no Estado de São Paulo, sendo o

Espírito Santo o com menor número de casos. Além disso, a eficiência apresentada na
região demonstrou que há ineficiência técnica, o que indica que o setor carece de

volumosos investimentos neste setor.

Dada à amostra, a média de eficiência foi menor que 50%, isso mais uma vez

demonstra o quanto setor permanece à margem do foco governamental, hava visto que o

Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) previa investimentos vultosos no

setor, o qual resulta em uma despesa maior para o sistema de saúde. Desta maneira, o Rio

de Janeiro e Minas Gerais possuem em geral unidades que se aproximam mais da

eficiência, enquanto que o Espírito Santo e São Paulo estão direcionados a ineficiência.

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v. 7, nº 2, 2016.
Artigo

Título: (DE)CRESCIMENTO E ALTERNATIVAS AO DESENVOLVIMENTO

Autor: Jakob O. W. Sparn


Institução: CEDEPLAR (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional), UFMG
Email: jsparn@cedeplar.ufmg.br

Resumo

O artigo busca explorar o conceito teórico do decrescimento e suas implicações como uma
alternativa ao desenvolvimento. O conceito do decrescimento oferece um forte contraste ao
modelo de desenvolvimento convencional, o que poderíamos chamar de um desenvolvimento
capitalista industrial. Na discussão do conceito o artigo segue alguns eixos temáticos
sugeridos por D'Alisa et al em um livro enciclopédico recente: limites ao crescimento,
autonomia e repoliticização, capitalismo e transições e dinheiro e crédito. A discussão é
aumentada pelos conceitos da autora Anna Lowenhaupt Tsing que discute as possibildades de
sobrevivência após a modernização capitalista. Nas considerações finais o artigo sugere
algumas implicações dessa discussão para o planejamento urbano e regional.
Palavras chaves: decrescimento, alternativas ao desenvolvimento, sustentabilidade
1. Introdução

Em decembro de 2015 o mundo viu em Paris, na COP21, um acordo internacional de


dimensões talvez históricas – isto se\q ele realmente for ratificado e rigorosamente aplicado.
Neste caso a comunidade internacional comprometeu-se a manter aquecimento global abaixo
dos dois graus Celsius até o fim do século XXI. Segundo os especialistas em climatologia tal
meta é ambiciosa e vai exigir, além de grandes esforços políticos internacionais, mudanças
radicais nos padrões de produção e consumo.1

Uma sugestão que está sendo discutida na literatura mais heterodoxa e qual surgiu
com nova força uns anos atrás é a ideia do decrescimento. Essa ideia tem suas origens nas
críticas ao crescimento das décadas 1960 e 70 e hoje disfruta de grande popularidade dentro
dos movimentos ambientalistas, anti-consumeristas e anti-capitalistas.2 Mas o conceito não é
totalmente novo. Já aparecem noções dessa ideia – principalmente ligado à questão do limite
do crescimento econômico – nos trabalhos de clássicos como Adam Smith e John Stuart
Mills e mais recente nas obras de Karl Polanyi e Herman Daly.3

Inspirado muito pela obra do economista e matemático romano Nicholas Georgescu-


Roegen, quem discute a impossibildade física de crescimento infinito, o conceito virou uma
estratégia de um desenvolvimento alternativo.4 O conceito descreve a ideia de um redução de
escala equitativa tanto da produção como do consumo para aumentar o bem-estar humano e
melhorar as condições ecológicas. Além desses aspetos o conceito também foi interpretado
como uma descolonização do imaginário, um afastamento dos valores do “mais é melhor” e
da racionalidade do mercado e uma aproximação à relações e comportamentos qualitativos.5

A idéia do decrescimento obviamente opõe-se fortemente ao sistema capitalista (que


tem como a condição sine qua non o crescimento). Ao mesmo tempo a sociologia nos explica
que uma nova ordem social não surge do nada e assim o decrescimento também surge dentro
do capitalismo. Os mecanismos de mudança para um sistema de decrescimento – que em
algum ponto chegará no “steady-state” do Daly – já estão embutidos em nosso sistema. São

1Tollefson (2015)

2Veja DeMaria et al (2013) que argumentam que “degrowth” virou um movimento social

3Daly (1973)

4Ver Georgescu-Roegen (1971) ou mais recentemente Bonauiti (2011)

5See Schneider et al (2010)


principalmente os padrões de consumo e as relações sociais que ofrecem grande potencial de
mecanismos transformadores.6 Nesse sentido o decrescimento está ligado também às
demandas para o direito à cidade como foi formulado por Henri Lefebvre.7

O objetivo deste artigo consiste em explorar e discutir o conceito teórico do


decrescimento, destacando suas possíveis implicações para a temática do urbano e do
planejamento urbano, além de questões ligadas ao direito à cidade. Além dessa parte teórica,
o artigo quer explorar questões práticas do decrescimento para a cidade. Existem vários
debates e conceitos aqui que merecem ser discutidos e até casos concretos (por exemplo
Detroit, o leste Europeu ou Cuba) que tiveram experiências significativas com decrescimento,
porém involuntário.8 Nesse artigo não cabe uma análise desses casos, mas eles nós podem
servir como uma advertência para processos de encolhimento económico não planejado e nós
deixam com a pergunta qual papel poderia ter o planejamento urbano em lidar com processos
possíveis de decrescimento?

Como ficará claro nas seguintes secções do artigo os defensores de um decrescimento


argumentam – não sempre explicitamente mas parece ter um certo consenso nesse aspecto –
que as estratégias e práticas que possibilitam um descrescimento não só estão em forte
oposiçao ao sistema capitalista, mas também que atraves delas poderia-se criar um novo
sistema de produção e consumo que não seja mais capitalista. Certamente tem algumas
proposta para descrescimento que trazem esse potencial (veja por exemplo a questão do
dinheiro público), mas ao mesmo tempo são exatamente essas propostas que parecem mais
longe (ou radicais) da nossa realidade política, económica e social. Então temos que
perguntar-nos se a visão de transformar o capitalismo em outro sistema realmente parece
factível?

Obviamente, esse artigo não vai poder oferecer uma respota final, mas mesmo assim
podemos pensar em outros possibilidades. Nesse contexto o artigo vai terminar discutindo um
texto da antropóloga norte-americana Anna Lowenhaupt Tsing que discute de uma
perspectiva etnográfica as interações de múltiplas espécies e como a ecologia é influenciada
pela interferência humana. Seu livro chama-se “The Mushroom at the End of the World – On
possibilities of Life in Capitalist Ruins” e o subtítulo já indica que a autora não
6See Boonstra/Josse (2013)

7See Lefebvre (1968)

8Sekulova et al (2013)
necessariamente acredita que o capitalismo transforma-se antes de destruir nosso meio-
ambiente (tanto natural como social e polítco).

2. O conceito de decrescimento

Nessa seção o artigo quer rever a literatura existente sobre decrescimento, assim
descrevendo o conceito em si e também discutindo as controversas que ele traz. A referência
central que inspriou a divisão desse capítulo é o livro “Degrowth: Vocabulary for a New Era”
publicado recentemente por D'Alisa et al e qual oferece um conjunto de autores relevantes da
área.9

O termo decrescimento (“decroissance”) foi introduzido pela primeira vez pelo


francês Andre Groz em 1972, quando pergunta se a sobrevivência do capitalismo seria
possível com zero crescimento ou até decrescimento.10 Essa pergunta foi inspirada pelo
trabalho do Nicolas Georgescu-Roegen quem é considerado um dos fundadores da economia
ecolôgica. Na obra principal, “The Entropy Law and the Economic Process” do ano 1971, ele
argumenta que mesmo um crescimento zero dentro dos padrões de produção e consumo na
época vai acabar completamente com os recursos escassos e não renováveis para gerações
futuras. Segundo Georgescu-Roegen é preciso adaptar um realismo ecológico o que implica
entender os limites físicos do planeta e consumir cada vez menos materiais e energia.11

Começando com estes dois autores, o debate sobre decrescimento pode ser dividida
em duas fases. A primeira fase inicou-se nos anos 1970 e teve uma enfase nos limites bio-
físicos dos recursos e dos eco-sistemas. Aqui também se encaixa o famoso relatório “Limits
to Growth” que é muito citado na literatura sobre desenvolvimento sustentável.12 Mas com o
fim da crise do petróleo nos 80 os limites dos recursos pareciam muito longe de novo. Agora,
a segunda fase do debate começou já nos anos 90 na França e realmente ganhou força a partir
de 2002 com uma serie de publicações, uma conferência titulada “Défaire le développement”
(port. desfazer o desenvolvimento) e a fundação de um instituto em Lyon para decrescimento
sustentável. Essa segunda fase do debate é centrado ao redor da crítica da ideia hegemônica
9 D’Alias et al (2015)

10Gorz (1977) ofrece um resumo dos debates sobre os limites de crescimento

11See Georgescu-Roegen (1971)

12See Meadows et al (1972)


de desenvolvimento sustentável.13 Aqui é importante notar que essa crítica refere-se ao
conceito “mainstream” do desenvolvimento sustentável. Essa versão, proposta principalmente
pela ONU, argumenta que seria possível conciliar interesses económicos com objetivos
sociais e ecológicos sem conflitos. Nos parágrafos seguintes ficará mais claro que os
defensores do descrescimento geralmente são muito céticos a esse argumento e ao conceito
do desenvolvimento – não nessesariamente à sustentabilidade per se.

Assim, decrescimento em primeiro lugar é uma crítica do crescimento económico e da


ideia de um crescimento infinito. É um esforço para descolonizar o debate público e
acadêmico do economismo, ou seja da redução de fatos sociais a dimensões económicos. Um
grande desafio nesse contexto é a abolição de crescimento económico como meta social –
uma tarefa que até nos países desenvolvidos (que já experimentaram muito crescimento)
parece muito longe da realidade atual. Mas decrescimento também inclue os debates sobre
um reorganização da sociedade para um uso reduzido de recursos e para criar novas
institutições sociais. Caraterísticas de tal sociedade seriam compartilhamento, simplicidade,
convivência, cuidado e propriedade comum. Na área da economia ecológica decrescimento
basicamente significa uma redução da escala de produção e consumo para reduzir o
rendimento (“troughput”) de energia e recursos. Um metabolismo menor da sociedade é
certamente desejável para os “degrowers”, mas eles defendem sobretudo um metabolismo da
sociedade diferente. Isso aplica-se às formas e ao uso da energia, às atividades humanas, às
relações sociais, questões de gênero, à alocação de tempo e às relações com o mundo não-
humano.14

2.1 Limites ao crescimento

Assim, a literatura sobre decrescimento abraça vários temas e questões que vão muito
além do crescimento económico. Porém, um dos tópicos mais discutidos é o limite de (e para)
o crescimento económico. Aqui, os defensores de decrescimento oferecem vários argumentos
contra o crescimento económico. Hernan Daly, por exemplo, diz que crescimento económico
na verdade não é económico porque as “doenças” que vem junto geralmente crescem mais
rápido que a riqueza. Essa doenças podem ser poluição, engarrafamentos, longas jornadas de
trabalho ou má saúde (tanto psicológico como físico).15 Nesses casos o PIB (produto interno
13D’Alisa et al (2015) oferecem um breve resumo das duas fases.

14D’Alias et al (2015), em particular capítulo 1

15Daly (1996)
bruto) ainda pode crescer, o que parece lógico pensando que a construção de uma prisão ou a
limpeza de um rio poluido de fato aumenta a produção e o consumo. Porém, outros
indicadores de bem-estar (por exemplo o “Genuine Progress Indicator”) mostram um
estagnação na maioria dos países desenvolvidos desde a década de 1970. Isso, provocou a
hipótese de que acima de um nível de renda específico, é a igualdade (de renda) e não mais
crescimento o que melhora o bem-estar.16

Outro argumento ligado ao limite de crescimento é que ele também é injusto. Esse
argumento baseia-se muito na teoria da dependência e a divisão entre centro e periferia.
Existe uma asimetria de poder (político, económico e militar) que possibilita uma troca
desigual de recurso ao favor do centro. Hoje em dia isso está ainda mais visível porque as
fronteiras de extração (“commodity frontiers”) encontram-se na maioria das vezes em países
extrativastas da periferia ou regiões indígenas. Assim, o lixo e a poluição ficam em regiões
marginalizadas enquanto a maior parte do lucro vai para o centro (que não nessecariamente é
outro país). Um requerimento integral de crescimento é o processo de “mercadorização”, ou
seja transformar bens, serviços ou até pessoas em mercadoria que pode ser trocada e vendida.
Esse processo erode as dimensões sociais porque muitas relações ou “serviços” – como
relações afetivas, dever público ou conservação da natureza – claramente não seguem a
lógica do lucro pessoal, mas no sistema de expansão económica estão tornando-se cada vez
mais em objetos de mercadoria. O problema é que motivações de lucro podem acabar com
um comportamento altruísta ou moral e portanto o bem-estar social é reduzido.17 Agora, o
fato de ser injusto e não económico poderia ser justamente a razão porque crescimento é visto
como uma coisa desejável, através dele as pessoas no poder beneficiam-se e os
marginalizados (que muitas vezes são quase invisíveis na sociedade) sofrem.

Crescimento económico também não aumenta a felicidade das pessoas. Superando o


nível de renda que permite satisfazer as necessidades básicas, renda adicional é normalmente
gasto com bens “posicionais” ou de luxo. Esses bens servem simplesmente para melhorar a
posição social relativa do indivíduo como ter uma casa maior que o vizinho. O acesso aos
bens posicionais é determinado pela riqueza relativa (não a absoluta), por isso crescimento
nunca poderá satisfazer essa concorrência posicional. Em outras palavras, crescimento nunca
vai gerar suficiente riqueza material para todos. Ao contrário, crescimento geralmente

16Wilkinson/Pickett (2009)

17Hirsch (1976)
aumenta a demanda para esses bens, deixando eles mais caros e piorando o ciclo vicioso.18
Ligado à questão da justiça temos que mencionar também os trabalhos na área da economia
feminista. Crescimento económico é subsidiado e sustentado por trabalho invisível dentro das
casas feito praticamente só por mulheres. Esse trabalho tem caráter reprodutivo e está muito
vezes ligado ao cuidado (“care”) do próprio indivíduo ou de outros. Obviamente cuidado
físico e mental é central para o bem-estar humano, porém enormes quantidades de horas
desse trabalho não estão sendo pagas e muitas vezes nem reconhecidas pela sociedade
(machista). Nesse aspecto crescimento económico também discrimina injustamente entre os
gêneros. Picchio demonstra que esse trabalho não pago muito provavelmente excede o
trabalho formal pago.19

Retomando as ideias da literatura das 1970, podemos ver que crescimento económico
geralmente não é sustentável para o meio-ambiente. Vários limites de ecossistemas já foram
ultrapassados e no cenário “business as usual” mais limites serão excedidos. O debate sobre a
capacidade máxima de sustentar vida da terra (“carrying capacity”) está longe de ser
concluído, mas há pouca controvérsia de que existem limites fixos (água doce, terra
cultivável, etc.) da biosfera. Provavelmente existem possibilidades tecnológicas que poderiam
aumentar a eficiência da produção, mas hoje me dia a maioria dos cientistas estima que muito
mais que dez bilhões de pessoas não poderá ser sustentado por muito tempo.20 Além disso
podemos observar uma forte correlação entre o crescimento do PIB e a emissão de carbono, o
que contribui mais para o aquecimento global. O argumento que se ouve muito de defensores
do crescimento é que teoricamente é possível “descarbonizar” a economia com tecnologias
mais limpas e eficientes. Na prática parece quase impossível porque exigiria uma redução da
emissão de carbono muito maior da qual já aconteceu. De fato, é muito difícil destacar algum
país que realmente reduziu sua emissão. Há casos de países onde a intensidade de carbono
(“carbon intensity”) na produção cresceu menos que o PIB em si, mas muitas vezes é
explicado com a terceirização de indústrias sujas (principalmente de países centrais para a
periferia da economia gloabal).21

18Skidelsky/Skidelsky (2015)

19Picchio (2003)

20Wilson (2003), especificamente capítulo 2

21Lorek (2015)
A questão da eficiência de novas tecnologias deve ser revista muito criticamente
porque historicamente podemos ver que reduções absolutas de energia ou de material
provavelmente não serão atingidas por progresso tecnológico. Isso depende principalmente
do paradoxo de Jevon, também chamado de efeito chicote (“rebound effect”). Primeiro
observado durante a revolução industrial na Inglaterra, esse efeito descreve o caso quando a
quantidade de insumo de energia (ou material, neste caso carvão) por unidade de ferro
diminuiu por causa dos avanços tecnológicos (no caso, da máquina de vapor). Porém, ao
mesmo tempo o consumo total de energia aumentou e a mesma coisa aconteceu com várias
outras tecnologias. Dessas observações deriva a hipótese que avanços tecnológicos que
aumentam a eficiência com qual um recurso está sendo usado geralmente também aumentam
o consumo total desse recurso (em vez de reduzi-lo). Metodologicamente é bastante difícil
medir esse “efeito chicote” exatamente (porque existem vários efeitos indiretos), mas
historicamente permanece muito duvidoso se avanços em eficiência levam a poupanças reais.
Esse efeito chicote é essencial para um decrescimento porque está ligado ao consumo dos
recursos biofísicos – justamente o que deveria ser reduzido.22

Considerando todos os argumentos acima, podemos concluir que existem várias


razões boas para diminuir e até abolir o crescimento económico, e principalmente tal
crescimento que cria mais externalidades negativas do que positivas. Essa possibilidade ainda
está longe do vocabulário dos políticos e das elites que se beneficiam mais de qualquer outro
grupo do crescimento económico. Porém, há processos (principalmente no mundo ou nas
regiões desenvolvidas) que poderiam acabar com o crescimento tal como o vimos no século
XX, mesmo sem mudanças ativas para um decrescimento. O ponto talvez mais discutido
nesse contexto é o esgotamento dos recurso naturais, sobretudo petróleo e outros produtos
químicos como o fósforo.23 Hoje em dia já podemos ver umas tentativas – porém em escala
minúscula comparado com o consumo total de energia – de ficar menos dependente de
energia fóssil.24 O que é poucas vezes dito nesses debates é que com a tecnologia atual uma

22Veja Alcott (2005) e Sorell (2009) para as questões metodológicos.

23Aqui encaixa-se o debate do „peak oil“ ou seja a discussão de quando acaba o petróleo. Alias, de uma perspectiva
de decrescimento a questão não seria quando ele acaba se não como reduzir e eventualmente terminar com a
dependência da economia de petróleo. O fato de já ter exvaziado uma grande parte dos recursos não-renováveis
enfatiza que nossa civilização está chegando em limites bio-físicos que transformam o decrescimento – ao menos
destes recursos – em realidade.

24Por exemplo, o governo alemão decidiu recentemente transformar a matriz energética do país e passou um lei que
demanda a saída de energias fossis (incluindo energia nuclear) e que incentiva a criação de novas fontes de energia
renovável.
civilização solar (ou qualquer outra energia renovável) não será capaz de sustentar níveis de
consumo de energia aos quais nos acostumamos durante a era do petróleo e do carvão.25
Assim, uma transição para fontes de energias renováveis necessariamente implica um certo
decrescimento. Mas um decrescimento não intencionado poderia ter outras causas como
esgotamento de inovações tecnológicas ou limites na criação de demanda efetiva para o
capital acumulado.26

2.2 Autonomia e repoliticização

Dois aspectos que surgem muitas vezes nos textos sobre decrescimento são as
questões da autonomia e da politização da sociedade. Poderia parecer que decrescimento
fosse somente uma tentativa de adaptar-se aos limites discutidos acima, mas na verdade
apresenta-se como um objetivo em si na busca de mais autonomia (ou menos dependência).
Do mesmo jeito os “degrowers” argumentam em favor de uma autolimitação coletiva; não
para evitar ou melhorar os desastres potenciais e atuais, mas simplesmente porque é
concebido como uma vida de boa qualidade. Reduzir a dependência individual e coletiva
implica nesse contexto estabelecer (através de um processo político) limites de produção e
consumo para a sociedade.27 Assim, a autonomia poderia ser aumentada em diferentes
dimensões. Para Illich, por exemplo, a sociedade depende demais de grandes infraestruturas
tecnológicas e de burocracias centralizadas que destinam-se a elas. O uso de combustível
fóssil suporta sistemas tecnológicos muito complexos e esses em troca exigem profissionais
altamente especializados e grandes burocracias para funcionar. E essa organização corre um
grande risco de criar hierarquias desiguais e não democráticas. Ao contrário da autonomia
que exige ferramentas de “convívios” (“convivial”), as quais são compreensíveis e
gestionaveis para os usuários (como uma bicicleta, hortas urbanas ou projetos DIY). Por isso
os “degrowers” são bastante céticos em relação a projetos de alta tecnologia ou de
crescimento verde (“green growth”), os quais reduzem a autonomia dos usuários.28

Outro aspecto de autonomia que está ligado ao decrescimento é a redução de trabalho


assalariado e o aumento da esfera de atividades voluntárias. Nessa esfera de “trabalho” não
pago os indivíduos e coletivos disfrutam de lazer e produzem para o próprio uso em vez de
25Ulgiati (2015)

26Gordon (2012) e Harvey (2010)

27D’Alisa et al (2015)

28Illich (1973)
para dinheiro.29 Os degrowers defendem fortemente uma redução da carga horária e propõem
compartilhar empregos como uma estratégica nessa direção – o que também deveria aliviar o
problema do desemprego. Ainda outra dimensão da autonomia é a capacidade política de um
grupo ou uma sociedade de decidir coletivamente seu futuro livre de pressões externas. Isso
inclui também imperativos religioso (“a lei de deus”) ou económicos (“a lei do mercado”)
que em muitas circunstâncias incentivam decisões ideológicas.30 É importante destacar aqui
que esses limites, ou melhor autolimitações, são escolhas sociais e o processo até chegar
nessas decisões é um ato altamente político. Estabelecendo limites para a sociedade também
libera-nos da ideia de escolhas infinitas que o capitalismo promete, mas quase nunca cumpre
(criando mais frustação que qualquer outra coisa). Parece que somente um sistema com
escala reduzida consegue virar verdadeiramente igualitário e democrático porque podem ser
governados pelos próprios usuários.31

Uma das críticas centrais dos degrowers ao desenvolvimento sustentável é que ele cria
um consenso apolítico prometendo soluções técnicas para problemas ecológicos,
desenvolvimento perpétuo e cenários vantajosos para todos (“win-win situations”). Assim, o
conceito mainstream de desenvolvimento evita o dilema central da contemporaneidade –
modernização ou “ecologização”.32 Os defensores de decrescimento argumentam que é
preciso tomar partido (ou seja ser político) e estão fortemente a favor da ecologização. Agora,
ela não significa simplesmente um desenvolvimento mais verde – o que é a promessa do
desenvolvimento sustentável – mas significa imaginar e implantar visões alternativas de
desenvolvimento. Por isso, a política não deveria ser mera tecnocracia porque assim torna-se
apolítica. Do mesmo jeito os degrowers argumentam que a ciência e tecnologia não deveriam
ser (e segundo eles de fato não são) apolíticas. No caso de teorias ou tecnologias
concorrentes, por exemplo, é necessário tomar uma decisão coletiva e política para decidir a
melhor alternativa. O que poderia ajudar nesse processo são novos modelos de produção de
conhecimento mais democráticos, ou seja, uma ciência menos excludente e autoritária.33

29Gorz (1982)

30Castoriadis (1987)

31Scheider et al (2010)

32Latour (1998)

33D’Alisa et al (2010) propoem uma ciência “pós-normal” que implica “comunidades especialistas” em vez de
“comunidades de expecialistas”.
Essa questão está ligada a uma caraterística central das sociedades modernas (tanto
capitalista como socialista) nas quais a decisão de investir grande parte do excedente social é
altamente institucionalizada. Por isso não tem muito debate sobre o destino desse excedente –
ao contrário do que era considerado soberania política em civilizações mais velhas – e ele é
geralmente investido em nova ou mais produção, acelerando o crescimento ainda mais. Os
velhos gregos, por exemplo, decidiram através de um debate público (ao menos para quem
era considerado cidadão) de investir partes do excedente social em gasto “esbanjadores”
como a construção de templos ou festas como as olimpíadas porque eram expressões da vida
boa. Na modernidade, a pergunta sobre o que é uma vida boa foi apolitizado e reduzido ao
nível do indivíduo e ele ou ela tem direito a mobilizar todos os recursos possíveis para atingir
essa vida. Essa ideia, que o indivíduo é unicamente responsável para decidir o que constitui
uma vida desejável, deixa a esfera autenticamente política (a esfera coletiva) subordinada à
esfera individual. Esses processos de despolítização do debate público não limitam-se ao
desenvolvimento, são parte de uma tendência geral nas democracias liberais onde a política é
reduzida a soluções tecnocratas e onde raramente existe uma verdadeira luta política sobre
visões alternativas. E além disso, num contexto onde uma riqueza monetária e material é
considerada uma vida boa, ela está exigindo cada vez mais crescimento econômico – até todo
mundo compar um Ferrari e um iate – e, obviamente, não ia parar com esses bens.34

2.3 Capitalismo e transições

Outro assunto muito presente na literatura sobre decrescimento é a pergunta se nosso


sistema atual, o capitalismo, poderia lidar com estagnação ou redução do crescimento.
Segundo vários autores parece ter um conflito óbvio entre a necessidade de reverter os
impactos da nossa economia à biosfera e o imperativo do mercado capitalista – crescimento
máximo em busca de lucros. Esse conflito assume que crescimento económico
inevitavelmente cria mais consumo material e que crescimento é parte vitalícia (ou seja,
condição sine qua non) do capitalismo.35 Na teoria poder-se-ia imaginar um capitalismo sem
crescimento e de fato sempre existiram períodos de zero crescimento ou até crescimento
negativo no capitalismo. Porém, essas fases de zero crescimento não podem continuar muito
porque a exploração da força de trabalho aumentará para manter as taxas de lucro. Por
consequência aumenta a tensão social e em geral a violência o que desestabiliza a democracia

34D’Alisa et al (2015)

35Hobsbawm (2011)
liberal. Tanto o fascismo europeu depois da Grande Depressão como o comunismo na Rússia
um pouco antes são exemplos históricos nas quais a falta de crescimento desestabilizou o
sistema político e até o próprio capitalismo. Porque crescimento consegue evitar conflitos
distributivos, ele sustenta o capitalismo politicamente.36

Considerando os argumentos acima e olhando para a história parece muito pouco


provável que um país capitalista escolha voluntariamente não crescer. Podemos imaginar que
chegam democraticamente forças políticas no poder que apliquem limites de consumo de
recursos e mínimos sociais. Só que isso confrontaria múltiplos interesses poderosos e exigiria
uma redistribuição de poder tão significante – tal vez só atingível via revolução – que o
sistema depois provavelmente não parecia muito ao nosso capitalismo.37 Como o
decrescimento necessariamente exige que a acumulação de capital pare em algum momento,
então esse novo sistema não será mais capitalista. E se pensamos o capitalismo com um
conjunto de instituições (dinheiro, propriedade privada, trabalho assalariado, etc.), políticas
de decrescimento são não-capitalistas e buscam diminuir a importância dessas instituições.
Em vez de criar uma dinâmica de lucro para gerar mais lucro, essas novas instituições seriam
imbuídas de valores e lógicas diferentes. Por isso, decrescimento significa uma transição para
além do capitalismo em uma sociedade que convenceu-se do que já tem suficiente e do que
não precisa mais acumular.38

Como poderíamos imaginar então uma transição a uma sociedade de convivência que
incentiva uma vida simples (ou seja com menos insumos materiais) e uma vida em
comunidade? Tanto na literatura como na prática já existem diversas ideias e projetos sobre
práticas e instituições quais poderiam facilitar tão transição. Uma delas são os movimentos
populares (“grassroots movement”) como eco-comunidades, cooperativas, hortas urbanas,
moedas locais ou bancos de tempo. Todos eles compartilham caraterísticas ligadas ao
decrescimento como, por exemplo, atividades voluntárias (em vez de trabalho pago) que
criam uma dinâmica de menos mercadorias e menos profissionalização (“de-
professionalization”). Essas práticas também enfatizam uma produção para o próprio uso em
vez de uma produção para troca e não exigem uma dinâmica de acumulação e expansão. Tais
práticas geralmente também são resultados de processos de “commoning” ou seja elas não só

36Harvey (2010)

37Blauwhof (2012)

38D’Alisa et al (2015)
baseiam-se em atividades e esforços coletivos, mas as relações e conexões que criam tem um
valor intrínseco para os participantes. Esses exemplos oferecem a um lado uma produção
menos dependente de material e combustíveis fósseis, e ao outro lado pode ser uma fonte de
inovação dos serviços públicos (em vez de privatizar).39

Outra área que promete muito potencial de decrescimento são as instituições de bem-
estar. Elas incluem, por exemplo, conceitos como garantia de trabalho, renda básica e
incondicional ou compartilhamento de emprego (“worksharing”). Um dos objetivos dessas
instituições é lidar com o desemprego, o qual necessariamente aumentará na transição por
causa da falta de crescimento. O estado poderia cria uma garantia de trabalho que daria um
emprego para todas pessoas adequadamente qualificadas e com vontade de trabalhar,
resolvendo a situação do desemprego involuntário e estrutural das sociedades capitalistas. Os
empregos garantidos deveriam ser estabelecidos principalmente nas áreas sociais (saúde,
educação, cuidado, etc.) ou ecológicas que muitas vezes recebem pouca atenção do mercado
porque não prometem muitos lucros. Desse jeito também poderia ajudar na transição das
existentes formas destrutivas de produção para um sistema de trabalho que mira a atingir
metas sociais ou ecológicas. E, comparado com a ideia da renda básica, não cria nenhum
estigma social porque exige trabalho em troca para a renda.40

Agora, isso não quer dizer que a ideia da renda básica seja sem méritos. Essa
instituição – tanto como a ideia de uma renda máxima – tem como foco a erradicação da
pobreza e da desigualdade.41 A maioria dos conceitos de renda básica sugere uma renda
incondicional e garantido pelo estado. Como no caso da garantia de trabalho os benefícios de
tais propostas vão muito além de aliviar a pobreza – situação permanente que até hoje nem
nos estados de bem-estar foi resolvida. Ela tiraria a insegurança económica das pessoas e
daria mais poder aos empregados para negociar condições decentes de trabalho, reduzindo
assim a exploração e aumentando a autonomia e liberdade. Outro efeito seria o
reconhecimento do valor de trabalhos não pagos e outras contribuições sociais, assumindo
que uma parte das pessoas utiliza a nova liberdade para atividades socialmente desejáveis na
comunidade. Os argumentos contra uma renda básica são geralmente a questão dos “free-

39Conill et al (2012)

40Veja, por exemplo, Unti (2015) ou Wray (2012)

41Aqui tem que considerar que o capital hoje em dia é certamente global e bastante flexível. Por isso, medidas como
a renda básica e ainda mais uma renda máxima só conseguiriam seu pleno potencial se fosse implementados ao nível
internacional.
rider” e a questão de financiamento. A primeira baseia-se numa imagem do ser humano
bastante pessimista (“ninguém mais será produtivo”) e a segunda parece depender muito mais
da vontade política do que de falta de dinheiro. Um jeito de financiar tal renda seria com uma
política complementar de renda máxima a qual poderia ser feita com uma taxa de imposto de
renda progressiva que chega a 100% em certo nível de renda. Uma renda máxima seria um
passo enorme em direção a menos desigualdade na sociedade e poderia reduzir assim a
corrosão e alienação social.42

O último dos exemplos aqui é o compartilhamento de trabalho ou emprego que


poderia ser uma medida certa contra o desemprego de uma economia capitalista em declínio.
Desde a crise de 2008 a carga horária diminuiu em vários países desenvolvidos (por exemplo
na Alemanha, França, Itália e no Reino Unido) e também o salário real. Um cenário de
decrescimento da produção necessariamente leva a uma carga horária reduzida, menos em
casos onde a força de trabalho ou a produtividade dos trabalhadores também diminui. Mas a
taxa global de fecundidade ainda é positiva (e migração pode equilibrar os saldos
populacionais) e novas tecnologias (principalmente na área da informação e computação)
muito provavelmente ainda aumentariam a produtividade. O jeito mais consistente de redução
da carga horária com as ideias de decrescimento é uma troca voluntária de renda para tempo
livre. Já existem modelos na Europa (até o direito a redução na Holanda!) que estão sendo
usados principalmente por indivíduos com educação superior. Além dos benefícios
intrínsecos de mais tempo livre uma redução da carga horária também pode levar a menos
emissão de carbono (porque o país não está produzindo na capacidade máxima) e uma vida
mais sustentável (menos deslocamento, mais tempo para participação e relações sociais,
produção própria, etc.). O desafio central dessa transformação talvez seja o grande
reconhecimento social que nossa sociedade capitalista associa ao emprego assalariado e o
sucesso profissional, porém com cada vez mais modelos de worksharing também muda a
imagem pública.43

2.4 Dinheiro e crédito

Já mencionamos encima algumas medidas ligado a questões monetárias, mas moedas


locais ou bancos de tempo são medidas que funcionam principalmente no nível local e
regional. Existem duas questões centrais para um decrescimento no nível nacional e
42Ráventos (2007) ou Pickett/Wilkinson (2010)

43Veja Gorz (1999) ou Schor (2011)


internacional: dinheiro público e a legitimação da dívida. A ideia do dinheiro público
basicamente demanda que o estado democrático retome o poder de criação de dinheiro dos
bancos privados. No sistema atual, novo dinheiro pode ser criado ou através autoridades
monetárias (impresso nos bancos centrais e chamado “base money” ou M0) ou através do
sistema bancário (em forma de créditos ou dívidas). A diferença central é que dinheiro criado
pelos bancos centrais pode ter a forma de dívidas, mas o dinheiro criado no sistema bancário
necessariamente tem a forma de dívida.44 Isso torna-se relevante porque hoje em dia na
maioria dos países grandes parte do dinheiro – nos países desenvolvidos geralmente acima de
90% - é criado e circulado pelos bancos privados. De fato, nas economias modernas a oferta
de dinheiro foi privatizada e comercializada. Houve vários fatores que contribuíram para esse
processo como a forte desregulação dos bancos, aumentos significantes da dívida pública e
privada ou uso reduzido de notas e moedas. E contrário ao que diz a teoria bancária
convencional – que as autoridades monetárias tem o controle sobre a quantidade de dinheiro
novo criado nos bancos privadas – a recente crise mostrou que empréstimos privados podem
ficar muito fora do controle.45

Para um sistema financeiro dentro dos princípios do decrescimento seria preciso


reduzir (ou até acabar) com a criação de novo dinheiro através de dívidas porque eles vem
junto com juros e geram assim uma dinâmica de crescimento. Em um cenário onde quase
todo dinheiro novo é criado com empréstimos dos bancos privados, a oferta de dinheiro tem
que se expandir constantemente com novos empréstimos e dívidas. Não é muito difícil
perceber que tal sistema é pouco estável e a crise de 2008 mostrou que quando o sistema
sofre um colapso, o estado é basicamente forçado a resgatar os bancos falidos para não
ariscar uma queda total da economia (com todas as consequências sociais e políticos). Por
isso os degrowers demandam remover (ou ao menos restringir fortemente) esse direito de
criar novo dinheiro dos bancos privados, desse jeito os bancos poderiam emprestar somente
dinheiro existente das poupanças. Além disso o governo poderia criar – baixo controle
democrático ou autoridades monetárias independentes – novo dinheiro público livre de
dívidas e injetar ele diretamente na economia para atingir demandas públicas. Nesse sistema
deveria circular tanto dinheiro que ele possibilita um fornecimento no nível de suficiência e
atividades económicas baseadas nas necessidades – seguindo sempre os princípios da
sustentabilidade ecológica e da justiça social. Assim, o dinheiro não ficaria mais controlado
44Veja, por exemplo, Ingham (2004)

45Jackson/Dyson (2013)
por motivações de lucro e crescimento e estaria onde realmente pertence: no controle público
e democrático.46

Mas o que acontece com as dívidas enormes que já existem hoje em dia? Temos
exemplos do Egito ou da Mesopotâmia onde o endividamento era usado pelas elites para
controlar a hierarquia social. Nessas sociedades antigas houve várias revoltas contra dívidas
injustas e também houve uma tradição de cancelamento institucionalizado de dívidas. No
presente não existem mais tantas formas de escravidão, mas a dívida ainda cumpre um papel
importante para o controle até de países inteiros. Aqui observe-se também o poder de
instituições financeiras internacionais como o FMI ou o banco mundial, as quais foram
estabelecidas justamente para promover o desenvolvimento na forma de crescimento.47 Esse
aumento vertiginoso de empréstimos e dívidas não corresponde a esfera da economia real
com limites de energia, de material e de reprodução (tanto humano como não-humano).
Crescimento é muitas vezes legitimado e considerado necessário por causa das dívidas,
quando na verdade nosso sistema financeiro global na busca de lucros (não raramente com a
ajuda dos governos) cria dívidas para sustentar uma taxa de crescimento não sustentável.
Nesse contexto, o conceito de auditorias de dívida com forte participação democrática dos
cidadãos seria uma estratégia para avaliar se uma dívida originou baixo circunstâncias
injustas (por exemplo no caso de abuso de poder ou pressão militar) e, portanto, é ilegítima.
Tais auditorias certamente seriam um avanço na direção de mais transparência e tal vez de até
mesmo mais responsabilidade no sistema financeiro.48

3. Nas ruinas do capitalismo

Vimos agora muitas propostas as quais, segundo os degrowers, trazem um potencial


para realmente transformar nosso sistema de produção, consumo e além disso nossa cultura
de interação (incluindo também não humanos) e convivência. Agora, essas mudanças em
direção à um descrescimento certamente iriam ameaçar os interesses economicos e o poder
estabelecido dos defensores do capitalismo e seus aliados. Ou seja, parece pouco provável
que a faixa pequena da população global que se apropria da riqueza gerada no capitalismo

46Mellor (2010)

47Toussaint (2012)

48Ramos (2006)
aceitasse tais mudanças sem resistência. Como a clase dominante é muito bem organizada e
também controla o poder político, poderíamos perguntar-nos também quais seriam as as
possiblidade de sobreviência se o capitalismo continuar?

A autora Anna Lowenhaupt Tsing discute esse assunto de uma maneira muito criativa
no seu livro recentemente publicado “O cogumelo no fim do mundo”. 49 Nos seguintes
parágrafos vamos tentar sintetizar os pensamentos centrais desse livro e inserí-lo na discussão
anterior do descrescimento. O cogumelo do qual a autora fala é o Matsutake, uma espécie
japonesa que é rara, e por isso também cara, no mercado. Segundo a lenda, o Matsutake foi o
primeiro sinal de vida que ressuscitou na cinzas de Hiroshima depois da bomba atómica.
Ainda mais, o Matsutake expandiu seu habitat – por causa de interferências humanas na
natureza como Lowenhaupt Tsing argumenta – e surgiu em outros lugares fora do Japão. A
autora usa o Matsutake, as pessoas que o procuram por o valor económico e toda a cadeia
complexa de “commodity” dele derivada para refletir sobre o capitalismo, interação humana
com não humanos e a ecologia.

Lowenhaupt Tsing começa seu livro com uma forte crítica da filosofia ocidental (ao
menos o “mainstream”) a qual desde o iluminismo considera a natureza como uma coisa
passiva e mecánica que simplesmente forma um recurso para a intencionalidade moral do
homem. As tentativas de dominar e explorar a natureza que se baseam nessa filosofia
resultaram em tanta destruição e caos que a sobrevivência de vida na terra não é garantida.
Também deixou claro que existem emaranhamentos entre múltiplas espécies (o que ela
chama de “interspecies entanglement”) – uma ideia que há pouco era considerada material
para conto de fadas – que mostram que o homen não pode sobreviver sem outras espécies. As
ideia do homem ser o mestre sobre a natureza de fato o separou dela e ajudou na criação de
um ideal que é uma masculinidade, cristã e branca. Pior ainda, existe hoje em dia uma vasta
multidão de homens e mulheres no mundo inteiro que querem ser incluidos nesse status ideal,
assim reforçando as dinâmicas que destruem nossa base de vida.

Tem a natureza natural, e depois as transformações humanas (principalmente as


transformações capitalistas) da natureza, mas o livro foca na terceira natureza (“third nature”)
que a autora define como tudo que pode viver (e sobreviver) depois das transformações
capitalistas do meio ambiente. Tsing argumenta que nós precisamos considerar múltiplos
futuros, em vez de só o caminho o que o progresso e o desenvolvimento nos propõem, para
49Veja Lowenhaupt Tsing (2015) que é a referência para todo esse capítulo.
perceber essa terceira natureza. Ela enfatiza que o livro não é uma crítica ao progresso ou ao
desenvolvimento em si, ele é um desafio de imaginar (tanto individual como coletivamente)
uma vida sem a guia das ideias que o sonho do progresso nos oferece. Em outras palavras:
porque esperamos que a economia sempre cresça e a ciência sempre avançe? Nesse contexto,
o livro reflete sobre indeterminação (“indeterminacy”) e as condições de precaridade que,
segundo Tsing, são hoje parte de todas as nossas vidas. Aqui, onde o mundo dominado e
controlado fracassou, a vida e o surgimento não controlados dos cogumelos pode ser uma
inspiração.

Desde a segunda guerra mundial e a época pós-guerra ficaram claras duas coisas.
Primeiro, o caso de Hiroshima (e Nagasaki) estableceu a consciência de que nós temos a
capacidade de literalmente acabar com a vida em nosso planeta. E segundo, que a máquina
global de desenvolvimento (impulsionada pelas promesas de modernização) deixou
práticamente nenhum lugar intocado. Esse desenvolvimento nos levou a uma situação na qual
todos dependem do sistema capitalista mas quase ninguém tem o que é considerado um
trabalho regular. A autora sugere não simplesmente criticar o que (e quem) nos deixou nesse
mundo precário – algo que também pode e deve ser feito – mas sim aprender com o
Matsutake e explorar as ruinas de nosso lar coletivo. Deste jeito poderíamos descobrir
possiblidades de coexistência com transtornos ecológicas e sociais, o que não quer dizer que
não podemos rejeitar e criticar qualquer dano adicional ou futuro.

O caso do Matsutake, como uma mercadoria global, é também um exemplo da vida


precária nova porque os catadores do Matsutake (“foragers”) geralmente tem uma vida sem
qualquer segurança e muitas vezes ligada a um desalojamento. Seguindo a ecologia e o
comercio do Matsutake, segundo Tsing, podemos observar outra caraterística central do
mundo presente: o que ela chama de “patchiness”. Com isso ele quer descrever um mosaico
de montagens (“assemblages”) com um final aberto de caminhos de vida emaranhados.
“Patchiness”, inderterminação e precaridade são como os fios vermelhos das historias no
livro da Lowenhaupt Tsing. E ela surgere que esses conceitos – sobretudo no caso da
precaridade, que ela chama “THE condition of our time”50 – são as condições normais e não a
exceção, como a teoria convencional do desenvolvimento nos indica. Somente quando nós
comprendemos que nossa precaridade é uma condição global podemos realmente notar o que
está acontecendo no mundo. E nessa tarefa de notar (ou perceber), um conceito como

50Lowenhaupt Tsing (2015), p.20


crescimento económico pode facilmente bloquear nossa visão para a heterogeniedade do
espaço e tempo. Aceitar a nossa precaridade também nos possibilita analisar o própio
capitalismo sem a suposição de progresso – a qual, segundo Tsing, até os Marxistas tem
internalizado – e realmente perguntar como a riqueza é acumulada.

Além da precaridade material, social ou ecológica a autora entende precaridade como


vulnerabilidade a outros, tudo dentro de um contexto de um mundo pouco previsível. É
importante destacar aqui que a precaridade, para Lowenhaupt Tsing, não necessariamente
implica só coisa indesejáveis, ela pode muitas vezes produzir caminhos ou possibilidades
alternativas. Mas ela tira de nós a ilusão do controle, porque não temos (muito) controle sobre
nossas vidas, os encontros imprevisíveis que nos transformam ou o status quo que sempre
muda – em fim, tudo está em fluxo. Por outro lado, nós estamos sendo controlados pela ideia
de progresso que, mesmo sendo um conceito do século 19, continua nos impondo a suposição
de aperfeiçoamento e seus objetos (democracia, ciência, crescimento, esperança, etc.). Desde
muito pequenos nós aprendemos que somos distintos das outras espécies porque olhamos
para frente – aqui progresso ou progressar vira sinónimo de ser humano – e por isso as outras
espécies dependem de nós.

Essa ideia de progresso nos controla até nas próprias ruinas onde ela nos levou, como
mostra a história da corrida de madeira no Oregon nos Estados Unidos. No começo do século
19 surtou a demanda para madeira no litoral pacífico – as ferrovias prometendo progresso – e
as florestas virgens e os nativos (1ª natureza) de Oregon foram em grande parte desmatadas.
Essa transformação capitalista (na qual natureza vira mercadoria) deixou vastas áreas
degradadas (2ª natureza), mas ao mesmo tempo possibilitou a expansão do Matsutake nessa
região. Antes as florestas era densas demais para o cogumelo e só a interferência humana
abriu o espaço para essa espécie que floresce particularmente bem em conjunto com as novas
coníferas (neste caso o “lodgepole pine”) e podia crescer quando as espécies originais foram
desmatadas. Essa 3ª natureza com o Matsutake atraiu os catadores de cogumelo, mas
geralmente essa última natureza (que hoje em dia constitue grande parte do planeta) está
sendo ignorada (ou nem percebida com natureza) porque ela parece-se muito com a
precaridade.

O livro da Anne Lowenhaupt Tsing continua contando histórias, muitas vezes


etnográficas como a história da “diversidade contaminanda” do Mien na Ásia, tentando
oferecer assim novas perspectivas ao nosso mundo. Ela introduz outros conceitos (como
“polyphonic assemblage” ou “fungal action”) para descrever melhor a nossa condição e
principalmente com o objetivo de propor uma arte de percepção (“arts of noticing”) mais
sútil, menos rigorosa e mais aberta que aquela à qual estamos acostumados. A autora discute
também em vários capítulos (por exemplo, capítulo 3, “Some problems with scale” ou no
capítulo 16 “Science as Translation”) e até no capítulo final, “Spore Trail. Further
Adventures of a Mushroom” o papel e a situação atual da ciência. Na opinão dela existe uma
grande necessidade de abrir a ciência – e mais geralmente o conhecimento em si – para
perspectivas de historias cosmopolitas, colaborações heterodoxas (no melhor sentido da
palavra) e interdisciplinárias.

4. Considerações finaias - planejamento para um decrescimento

Agora, o que seriam elementos de planejamento (urbano) que nos colocam numa
direção de decrescimento e como nos podemos preparar (através de planejamento) para um
mundo pós-crescimento? Em primeiro lugar é importante considerar a ideia de que a era de
crescimento que se inicou com a revolução industrial foi uma fase excepcional e não a regra.
Historicamente nunca houve um crescimento económico material antes do homem começar
usar os recursos não renováveis, como petróleo ou carvão junto com uma exploração exessiva
dos eco-sistemas e da própria terra. Além disso, há exemplos como os países da antiga União
Sovética que monstram claramente que um decrescimento não-controlado (ou seja, não
intencionalmente planejado) leva consigo uma série de novos problemas. Nesse contexto
parece muito mais razoável tentar planejar (ou ao menos guiar) os processos de
decrescimento em vez de deixar eles acontecerem descontroladamente. Tais políticas de
decrescimento (ou pós-crescimento) – algumas delas praticamente utópicas como quebrar o
poder dos bancos – não são independentes da política atual. Isto porque se não conseguirmos
estabelecer algumas pré-condições centrais, existe um risco real de chegar globalmente num
estado como Detroit ou inúmeras cidades no interior russo. Nessas paisagens de
decrescimento descontrolado os pobres e mais vuneráveis vivem precariamente em muitos
sentidos enquanto os poderosos e ricos estão protegidos e cada vez mais separados do resto
da sociedade nos condomínios fechados.51

51Veja por exemplo Latouche (2009), sobre tudo capítulo 1 e 2


Na primeira parte já foram discutidas algumas abordagens para desacoplar o
funcionamento da economia da necesidade de crescer e qualquer dessas ideias tem potencial
para avançar em direção a uma economia e sociedade pós-crescimento. O que se destaca aqui
é a centralidade de dois elementos: igualdade e esfera pública. Um planejamento (tanto
urbano como em outros níveis) que tem como objetivo melhorar a igualdade entre os
cidadões e fortalecer a esfera pública vai numa boa direção segundo os princípios do
decrescimento. Porém, esse dois são elementos necessários e há que considerar questões
como o insumo de materiais ou as mudanças ideológicas necessários para uma sociedade pós-
crescimento – um estado onde os princípios do decrescimento seriam implementados.
Obviamente, a questão mais fundamental aqui é despedir-se do objetivo de crescimento o
mais rápido possível e aplicar um planejamento que consiga aumentar o bem-estar da
população sem a necessidade de crescer economicamente. Tal planejamento que se baseia em
políticas do “suficiente” já começa na própia communidade com a população local e não
necessariamente precisa ser guiado pelo estado. De qualquer modo, vai exigir esforços e
mudanças significativas tanto do lado das instituições públicas existentes quanto da sociedade
civil como um coletivo todo. Uma política do “suficiente” basicamente se orienta à contração
e à convergencia. Contração com respeito de insumos, emissões e poluição; convergencia
com respeito a um nível de renda per capita compatível com as restrições bio-físicas do
planeta.52

O trabalho de Anne Lowenhaupt Tsing traz alguns aspectos importantes para essa
discussão do decrescimento e para nossa percepção da realidade (ou das cidades em
particular). O argumento central dela é que deveríamos despedir-nos das nossa convenções
(sobre tudo a ideia de progresso e avanço) e abrir nosso olhar para formas “precárias” de co-
existência emaranhadas. Pensando isso na cidade, traz uma multidão de novas perguntas e
possibilidades! Que, por exemplo, podemos aprender da vida e das histórias das vidas
marginais e excluidas da cidade que muitas vezes são tão pouco visíveis como a maior parte
do “fungi”, o “mycelium”, que está embaixo da terra. Se pudermos incluir essas histórias em
nosso conhecimento, certamente isto traria novas ideias e possibilidades de covivência e
sobrevivência.

52Veja Dobson (2014)


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O FESTIVAL FOLCLÓRICO DE PARINTINS: CONSIDERAÇÕES
RELACIONADAS AOS ASPECTOS ECONOMICOS-AMBIENTAIS
DECORRENTES DO EVENTO

Lígien Liliam Menezes Leal Cruz1


Luiz Cláudio Pires Costa2
Rúbia Silene Alegre Ferreira3
Marklea da Cunha Ferst4
RESUMO
O festival folclórico em Parintins possui importância na conjuntura cultural amazonense
e a cada ano desperta maior interesse por parte do Brasil e do mundo. O Festival findou
sendo recebido como o principal representante da cultura e turismo local, trazendo
vários benefícios tanto socioeconômicos quanto culturais. Benefícios como o
investimento em infraestrutura em função do Festival, construção de uma identidade
cultural do cidadão parintinense e valorização da cultura e artistas de Parintins. Todavia,
apesar de tantos benefícios, surgiram alguns problemas de ordem ambiental, que não
passam desapercebidos pela população, problemas e impactos que foram descritos nesta
pesquisa. E impactos e problemas principalmente como a grande produção de resíduos
sólidos. Este e outros impactos positivos e negativos serão abordados no trabalho.

Palavras-chave: Economia, Impactos ambientais, Festival Folclórico de Parintins.

THE FOLKLORIC FESTIVAL OF PARINTINS: CONSIDERATIONS RELATED TO


THE ECONOMIC AND ENVIRONMENTAL ASPECTS OF THE EVENT

ABSTRACT
The folklore festival in Parintins has importance in the Amazonian cultural scene and
each year arouses greater interest on the part of Brazil and the world. The Festival ended
up being received as the main representative of local culture and tourism, bringing
various socioeconomic and cultural benefits. Benefits such as investment in
infrastructure due to the Festival, construction of a cultural identity of the citizen of
Parintinense and appreciation of the culture and artists of Parintins. However, despite so
many benefits, some environmental problems have arisen, which do not go unnoticed by
the population, problems and impacts that were described in this research. And impacts
and problems mainly as the large production of solid waste. This and other positive and
negative impacts will be addressed at work.

Keywords: Economics, Environmental Impacts, Folklore Festival of Parintins.

1
Formanda em Direito pela UNINORTE Laureate: liliam.leal24@gmail.com
2
Mestre em Direito Ambiental (UEA): luizcpcosta@hotmail.com
3
Mestre em Desenvolvimento Regional (UFAM): bialegre@ig.com.br
4
Mestre em Ciências Jurídicas, Professora da UEA: mcferst@gmail.com
1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país de diversas culturas, carregado de manifestações


folclóricas de Norte a Sul. Dentre as diversas manifestações culturais está o Boi-
Bumbá de Parintins com o seu Festival Folclórico, que ocorre anualmente nos
últimos três dias do mês de Junho, no município de Parintins, Amazonas.
O Festival é uma oportunidade para o povo de Parintins, pois, além de ser um
evento que se tornou referência dentro e fora do Amazonas, estendendo-se a
outros países, trata-se de uma oportunidade de geração de renda para os cidadãos
daquela cidade. Para alguns é também uma oportunidade de mostrar a sua cultura
para o resto do país, sendo um dos mais importantes eventos do calendário cultural
brasileiro.
O desenvolvimento econômico aportou em Parintins devido seu Festival. As
mudanças estruturais e o crescimento do turismo são algumas das mudanças ocorridas
no município, que descobriu uma forma de atrair investimentos para sua
modernização. Antes, até os anos 1980 a principal atividade produtiva do município
concentrava- se em torno da produção de juta, da qual se extraía uma fibra
destinada aos comércios regional e nacional para produção de sacaria. Entretanto, a
partir daquela década a produção de juta entrou em declínio, surgindo novas atividades,
como é o caso do turismo, fortemente influenciado pelo Festival Folclórico, mas que
apesar da vantagem econômica e de desenvolvimento para o município, traz consigo
inúmeros danos ao meio ambiente.
Na época que antecede o Festival, a cidade de Parintins respira boi-bumbá.
Seus cidadãos, que são a alma do evento, esperam o ano todo para que durante três
dias, uma espécie de carnaval fora de época aconteça na cidade. Os eventos
culturais da magnitude do Festival Folclórico de Parintins, onde há um grande
envolvimento por parte da população e alteram o cotidiano das pessoas, geram
impactos significativos: impactos ambientais, sociais, culturais, econômicos e outros.

2 O BOI-BUMBÁ E O FESTIVAL FOLCLÓRICO DE PARINTINS

Boi-Bumbá uma prática cultural, potencialidade existente de manifestação de um


povo, com o propósito de acesso ao conhecimento de suas ideologias, de seus valores e
de suas práticas culturais.
O Festival Folclórico de Parintins, possui histórias e características desta festa
popular brasileira que tem atraído à atenção de várias pessoas do Brasil e do mundo.
O Festival folclórico divide a cidade em duas cores e torcidas: a torcida vermelha do boi-
bumbá Garantido e a torcida azul do boi-bumbá Caprichoso e influencia o dia a dia dos
moradores de Parintins; esta brincadeira que começou há mais de 100 anos, hoje é um
dos eventos mais importantes do calendário folclórico brasileiro.

2.1 Breve histórico do boi no Brasil e o auto do boi


A primeira referência à brincadeira de boi no Brasil data do século XIX, mais
especificamente no ano de 1840, em Recife, por meio de um artigo intitulado “A
estultice do bumba-meu-boi” que foi escrito pelo Frei Miguel do Sacramento Lopes
Gama. Este artigo não tratava de descrever a brincadeira, mas se tratava de um
sermão do Frei perante a forma jocosa como os sacerdotes católicos eram retratados
na brincadeira.
A segunda referência vem da cidade de Óbidos no Pará, em 1850, em
registros encontrados por Sales (1970). E a terceira referência encontrou-se em
Manaus, no ano de 1859, devido aos relatos do médico viajante Avé-Lallemant que
descreveu como a brincadeira acontecia pela cidade. Estes poucos relatos
demonstram como a brincadeira estava disseminada pelo Norte e Nordeste brasileiro.
(AZEVEDO, 2000; CAVALCANTI, 2000).
A figura do boi é presente em várias culturas, desde as touradas na Espanha e
México, como na figura sagrada do boi Ápis para os egípcios. Quanto aos folguedos
no Brasil, o boi assume várias formas dependendo do contexto geográfico em que
está inserido. Segundo Cascudo (1965) o bumba meu boi foi trazido pelos
portugueses, chegando ao Brasil sofreu modificações devido ao contato com a cultura
negra e indígena.
Em Marques (1996) podemos visualizar como o boi foi introduzido no Brasil
por Ana Pimentel de Souza, esposa de Martim Afonso de Souza, que arquitetou a
vinda de manadas diretamente do arquipélago de Cabo Verde por volta de 1534,
com vistas a instalá-las na capitania de São Vicente. Com o rápido crescimento do
número de cabeças de gado, o ciclo do gado tomou dois rumos diferentes, ainda no
século XVII:

Aproveitando a faixa de influência do Rio São Francisco [...] O primeiro


sobe o rio acompanhando o seu curso pelo Nordeste; o segundo, depois de
atingi-lo, transpõe-o em direção ao Norte até o Piauí. A partir do Rio
Parnaíba e do litoral, o boi chega ao Maranhão, espalhando-se por todo o
Estado - onde existissem bons pastos e água pura -, passando depois
para o Ceará fechando o cerco com a primeira direção, vinda de
Pernambuco (MARQUES, 1996, p. 65).

A importância do boi é crucial no processo de interiorização no Brasil colônia,


viabilizando mudanças sociais “sendo um importante fator da economia colonial,
tanto como mão-de-obra auxiliar dos escravos nos engenhos de açúcar, quanto
como produtor de alimentos para os moradores das populações das fazendas e
dos povoados” (CAZÉ e PAIXÃO, 2009, p. 11). O boi foi o animal que melhor se
adaptou às intempéries naturais e ao pesado trabalho nas fazendas, também foi
considerado amigo dos escravos por sua força e auxílio nos momentos em que se
fazia necessária a movimentação de equipamentos pesados, como as moendas dos
engenhos de cana de açúcar. Portanto, o boi era símbolo de força, violência e
resistência, assim como o equilíbrio, calma e solidez (MARQUES, 1996).
O folguedo do boi tem raízes neste ciclo do gado ou também conhecido como
Civilização de Couro, que teve lugar no litoral baiano, nas últimas décadas do
século XVII. Neste período, havia a figura dos bravos vaqueiros que desafiavam
touros desgarrados, aqueles quando logravam êxito na disputa contra com os
animais, transformavam-se em heróis e temas de cantorias populares, assim como os
touros que conseguiam fugir também viravam motivo de cantoria (NOGUEIRA,
2008).
A brincadeira do boi constitui-se em um dos mais tradicionais folguedos
brasileiros, que deriva do processo de formação social do nosso país e como visto
anteriormente, o boi, além de suas funções alimentares, era considerado um colega de
trabalho dos escravos e possuía todo um simbolismo. Este simbolismo, nas palavras
de Dias Júnior (2009), representava de forma sútil a resistência do negro frente à
opressão impetrada pelo colonizador. Tal resistência revestia-se de brincadeira ou peça
teatral satírica.
O auto do boi nasce no final do século XVII, em um momento histórico de muito
conflito. Há várias lutas sociais ocorrendo, entre os quais estão os embates entre
senhores e escravos, índios e brancos no seio da sociedade escravista de um país
colonial. Brasil está imerso em revoltas populares. Desta forma, é como auto
popular que o bumba-meu-boi sai às ruas convocando a população à participação
nestes movimentos (MARQUES, 1996).
O bumba-meu-boi, assim surge como uma forma de satirizar os atores da época e
como uma forma de reinvindicação por parte dos negros e índios quanto à sua
autonomia e luta pela liberdade. A brincadeira era a sátira:

Do fazendeiro que massacra os negros e índios, mas baixa a cabeça para a


nobreza; do doutor burguês estudante de Coimbra, metido a entender
de tudo, mas que no fim só consegue resolver o problema com a
ajuda do curandeiro; do delegado autoritário, valente com a tropa e
covarde sem ela e, do sacerdote, sempre pronto a atender às elites com
base num discurso populista. Todos caricaturados em personagens, onde as
inversões de papéis e de discursos violentos tornam-se um ajuste de contas
(MARQUES, 1996, p. 51-52).

O enredo do auto do boi é basicamente o mesmo nos diversos locais onde é


realizado. Dependendo do contexto regional, algumas personagens mudam e outras são
acrescentadas, porém em seu núcleo central conta com os seguintes elementos: Pai
Francisco e Mãe Catirina, o Vaqueiro, o Fazendeiro, Músicos, Índios e Caboclos, e o
boi. A história consiste no seguinte: Pai Francisco (retratado como um escravo) mata
um boi de estimação do seu senhor para retirar a língua do animal, pois Mãe Catirina
está grávida e desejosa de comer esta parte do bicho. Entretanto, quando o senhor
da fazenda descobre o que houve, resolve punir Pai Francisco, exigindo que ele
faça o boi voltar à vida. Após contar com a ajuda dos curandeiros e feiticeiros, o boi
volta à vida e as personagens se reúnem para comemorar este milagre.
Quanto aos nomes dados à brincadeira, eles também variam em cada local.
No Amazonas e no Pará, a brincadeira é conhecida por Boi-bumbá, no Maranhão é
o Bumba- meu-boi, no Rio Grande do Norte é o Boi Calemba e em outros o nome é
totalmente diferente do usual, como na Paraíba, onde é conhecido como Cavalo-
marinho. Quanto à expressão bumbá/bumbar, segundo Cavalcanti (2000) há duas
explicações sobre o significado e origem da palavra.
A primeira explicação é dada por Hermilo Borba Silva (1966), que afirma que
bumbá derivaria da expressão “zabumba meu boi”. Zabumba é um instrumento que
era usado para dar ritmo à dança do boi. Borba Silva afirma, ainda, que na língua
portuguesa há o verbo bumbar, que significa bater fortemente ou surrar. O autor
dá preferência a este segundo sentido, que está ligado ao fato dos bois se baterem
um no outro, ou entrarem em choque entre si, durante a brincadeira para ver qual é o
mais resistente.
2.2 Boi-Bumbá de Parintins

Com o início da criação de bovinos na Amazônia em 1644, dada a chegada das


primeiras cabeças de gado à Belém; com o tempo, a pecuária foi sendo difundida pelas
áreas de várzea onde havia disponibilidade de pastagens naturais. Na região de
Manaus, houve forte impulso no final do século XIX, com a chegada de criadores
naturais de gados, vindos do Nordeste, fugindo das fortes estações de seca que
abatiam tal região (COSTA e INHETVIN, 2006).
Quanto a brincadeira do boi-bumbá em si, sua evolução aconteceu, em
primeiro lugar, em Belém, tendo sua estrutura moldada na primeira metade do
século XIX, antes da revolta popular da Cabanagem. Em Manaus, a brincadeira
ainda no mesmo século, já havia se tornado uma brincadeira muito popular entre os
cidadãos manauaras. Em ambos os lugares, a brincadeira ia pelas ruas de porta em
porta atendendo aos pedidos de políticos e pessoas ricas, apresentando-se na frente
das casas; a comunidade também fazia cota em dinheiro para ver os bois brincando
próximo às suas residências. Cada apresentação tinha em média 1 hora e 30 minutos.
A real origem da brincadeira de boi em Parintins é incerta. As explicações que
são dadas estão diretamente ligadas à própria origem dos tradicionais bois-bumbá
Garantido e Caprichoso, sendo que a história do boi-bumbá em Parintins aponta que
houve outros bois-bumbá, até mais antigos que os dois rivais, contudo, estes não
obtiveram força popular suficiente para sobreviverem através do tempo. Assim, o
ano de 1913 marca o momento inicial da brincadeira, pois é apontado como o ano
em que Garantido e Caprichoso foram criados.
Existe uma discussão sobre a criação de Garantido e Caprichoso, pois há
muita rivalidade entre suas torcidas e fraca documentação histórica sobre os mesmos.
No que diz respeito à criação do Garantido, a família de seu fundador, Lindolfo
Monteverde, relata que este foi acometido de uma grave enfermidade e tendo feito
promessa a São João Batista que, se ficasse curado, iria colocar um boi para brincar
nas ruas de Parintins. O pedido foi atendido e, o então garoto, Lindolfo Monteverde
cumpriu sua promessa e até hoje a família Monteverde sai da Baixa do São José (local
tradicional em Parintins e reduto da torcida vermelha e branca) pelas ruas de Parintins
dirigindo-se até a igreja Nossa Senhora do Carmo, depois retornando ao local de
partida. (SILVA, 2007)
Por sua vez, a história da criação do Caprichoso também tem versões
diferentes. Uma destas versões dá conta de que o Caprichoso nasceu em Manaus e,
em 1913, teria sido levado para Parintins por iniciativa de José Furtado Belém.
Entretanto, Saunier (2003) afirma que quem levou o boi de Manaus fora Emídio
Rodrigues de Vieira. Andrade (2007) afirma que José Furtado Belém era amigo
dos irmãos Cid (Raimundo Cid, Pedro Cid e Félix Cid), todos provenientes do
Estado do Ceará e teriam fundado o Caprichoso em 20 de outubro de 1913.
Esta versão que conta com a presença dos irmãos Cid é a mais difundida; estes
eram integrantes do boi Galante e tendo divergido com o dono do boi, decidiram por
abandoná-lo. Os irmãos criaram uma nova armação, usando um tecido preto na
cobertura, dando-lhe o nome de Caprichoso.
Criados em 1913 ou não, Garantido e Caprichoso tem levado alegria e
movimentado a ilha de Parintins. Durante metade do ano, o município gira em
torno da preparação e realização do Festival Folclórico de Parintins, o carro chefe do
turismo e cultura no Estado do Amazonas.
A brincadeira de boi em Parintins existe desde o início do século XX, mas o
Festival Folclórico é realizado desde os meados da década de 1960. Garantido e
Caprichoso realizavam suas apresentações pelas ruas de Parintins e geralmente se
encontravam. Devido à grande rivalidade que foi se criando entre os dois, quando
havia o encontro dos mesmos, os seus integrantes se enfrentavam, gerando brigas,
gente machucada e presa.
Desde este tempo, Parintins transformou-se em uma cidade dividida em duas
cores e “nações”, a nação vermelha do Garantido e a nação azul do Caprichoso.
Com vistas a amenizar os conflitos existentes, no ano de 1965 foi criado o Festival
Folclórico de Parintins, por meio da Juventude Alegre Católica (JAC), tendo como
início oficial o dia 12 de junho de 1966 e a quadra da catedral da cidade como local
de apresentações. (BRAGA, 2002)
A apresentação dois bois era realizada em um tablado e, agora possuía a
presença de um grupo de jurados que avaliavam cinco itens. Desta maneira, a
competição oficialmente estava implementada e a partir daí a simples brincadeira
começa a esboçar uma evolução para algo mais complexo. Como toda competição, o
vencedor levaria um troféu e o direito de tirar sarro do adversário durante um ano
inteiro até que o próximo Festival chegasse.
O alvo de conter os conflitos entre as torcidas havia sido alcançado, pois
durante a apresentação de um boi, a torcida do outro não poderia permanecer
próxima ao local. Hoje, as torcidas são muito bem divididas e o regulamento prevê
perda de pontos para a torcida que se manifestar durante a apresentação do
adversário. (SILVA, 2007)
A brincadeira de boi em Parintins e o seu Festival Folclórico são fruto
direto da brincadeira iniciada no Nordeste, especialmente do bumba-meu-boi do
Maranhão. Contudo, a cultura popular não é estática, ou seja, as alterações que
ocorrem na mesma indicam que ela permanece viva. Como indica Darcy Ribeiro
(1968), as novas culturas populares nascem do entrelaçamento entre o novo e o arcaico,
de acordo com o contexto histórico, político, social e econômico. Desta forma, o
óbvio aconteceu com o boi-bumbá na Amazônia e especificamente em Parintins,
ele se transformou incorporando, ou dando ênfase em elementos do cotidiano
amazônico.
Alguns elementos do auto do boi foram esquecidos ou substituídos, outros
foram exaltados e são parte essencial do Festival em Parintins como é o caso da
figura do índio. Azevedo (2000) explica que a uma das principais mudanças no boi-
bumbá de Parintins em relação ao bumba-meu-boi do Maranhão é o fato da
diminuição da figura do negro em prol da figura indígena e do caboclo. Isto se deve
em grande parte à história da Amazônia, pois poucos foram os negros que fizeram
parte da miscigenação da região; em contrapartida, os índios eram maioria e o preço
para que se trouxesse um escravo negro para a Amazônia era muito alto. Sendo assim,
o índio sempre teve maior destaque do que o negro, motivo plausível para que a troca
na brincadeira fosse feita.
Outros elementos tradicionais sofreram adaptação ao contexto regional
amazônico e até mesmo partes da história foram adaptadas, tais como:

O boi, motivo central da brincadeira é ressuscitado pelo Pajé, que


substituiu o médico ou o feiticeiro do auto tradicional. Pai Francisco e
Mãe Catirina reduziram sua importância dramática, atribuídas ao
folguedo no Nordeste. Funcionam mais como figuras cômicas. O Pajé e a
Cunhã-Poranga - representantes da cultura indígena- são figuras de
destaque. O Amo do Boi, a Rainha do Folclore, e a Sinhazinha da
Fazenda, representam o homem europeu. Pai Francisco e Mãe Catirina,
representam o negro. (AZEVEDO, 2000, p. 21)

O Festival Folclórico de Parintins altera a rotina do pacato município do


Amazonas. Enquanto que fora do período do Festival, Parintins é um lugar calmo,
que recebe alguns turistas; dentro do período do Festival a cidade se transforma e é
comum dizer que ela gira em torno do evento. Silva (2007) identifica quatro
momentos que ele caracteriza como o “ciclo do boi-bumbá” em Parintins. Este ciclo
envolve no mínimo cinco meses, pois devido ao crescimento do Festival, é preciso
ter um bom tempo para planejá-lo.
O período inicial de preparação estende-se até os dias próximos da
realização do evento. Após o carnaval a cidade começa a entrar no ritmo dos bois e
os organizadores vão à busca dos recursos para o espetáculo, há a contração de
artistas (cantores, compositores, dançarinos, artistas plásticos etc.), as agremiações
realizam festas para arrecadar fundos, há os ensaios das coreografias e músicas, com a
finalidade de deixar o máximo de coisas prontas para que nos momentos finais para a
realização do evento, haja a preocupação somente com acabamentos.
Passado o momento de preparação, entra-se no mês de junho e o Festival
está às portas, o comércio está a todo vapor e os turistas começam a chegar à Parintins,
ocasionando a lotação de todos os meios de hospedagem disponíveis, gerando
oportunidades de lucro para alguns moradores que alugam suas casas nesta época. A
cidade é organizada para a recepção dos turistas, muitos são manauaras, mas é
possível ver pessoas de vários locais do Brasil e turistas internacionais. Há os últimos
ensaios dos bois e as festas que recepcionam quem vem de fora. Este momento é
considerado como o início do Festival, em si.
Antes não havia uma data certa para ocorrerem as apresentações na arena, mas
agora os últimos três dias do mês de junho são separados para o espetáculo de
Caprichoso e Garantido. É este o momento derradeiro, o momento que culminará no
sucesso ou fracasso dos bois, pois somente um sairá vencedor da disputa, há a
presença de jurados de vários cantos do país, formados em áreas como história e
antropologia, e também artistas de outras regiões. Tudo isto ocorre dentro do chamado
bumbódromo, que é o templo sagrado para as fanáticas torcidas.
Por fim, terminado o espetáculo, o ciclo do boi é completo e inicia-se um
processo de involução. Há a apuração dos votos e o ganhador é apontado, segue-se a
festa de comemoração do boi vencedor, a participação dos bois na festa da
padroeira de Parintins (Nossa Senhora do Carmo), findam-se as cerimônias que
marcam a saída de cena dos bois e a cidade volta à anterior calmaria, não se fala mais
muito em boi, mas permanece à espera por mais um Festival no ano seguinte.

2.3 O festival como manifestação cultural amazônica


O legado que um evento pode deixar é uma das principais preocupações de
seus organizadores, sendo também uma das principais justificativas para a
realização e investimento em um evento. Vemos isto claramente no discurso
governamentais de obras de mobilidade, novos estádios, investimentos que
modernizaram a malha urbana da cidade sede, aumento da demanda turística e outros
seriam os tais legados que justificariam a vinda deste megaevento para o Brasil.
Rubio (2007) afirma que o mesmo evento realizado diversas vezes em um mesmo
local, produz legados diferentes, pois o seu desenvolvimento, ou seja, mudança
(gigantismo crescente, interesse global crescente etc.) demanda nova infraestrutura,
novas dinâmicas. E não somente a parte estrutural está em jogo, mas um evento
produz vários tipos de legados, sejam sociais, econômicos, culturais, políticos ou
ambientais. O esforço em alavancar um legado particular já é suficiente para criar
legados diferentes. No que tange ao legado, cada evento deve ser analisado
individualmente, levando-se em consideração os seus aspectos positivos e negativos.
O Festival Folclórico de Parintins a cada ano traz uma herança diferente para o
município de Parintins. Desde a sua criação, o evento vem se modificando, e devido ao
seu crescimento em importância e notoriedade, vem alterando a vida, as finanças,
o meio ambiente e a estrutura de Parintins. O legado do Festival transcende as
fronteiras de Parintins e se expande para o Estado do Amazonas e para o Brasil na
forma de cultura popular.
O Festival deixa em Parintins uma identidade cultural, mas não somente isto. É
incrível a forma como um evento é capaz de movimentar com a relações econômico
sociais de um local e transformar a paisagem de cidade pequena para uma cidade
inserida no mercado cultural e turístico mundial. O legado que o evento Festival
Folclórico de Parintins deu à cidade pode-se ser resumido na palavra: mudança.
Esse crescimento do evento trouxe a mudança em Parintins, mas não se trata
somente de uma mudança superficial. Como já foi dito, houve mudanças nas relações
econômico sociais, na relação da cultura popular com a cultura de massa, a cidade
entrou no mapa do Brasil definitivamente. Neste contexto de mudanças, estão
problemas estruturais, ambientais e sociais que advém ou são maximizados com o
crescimento da festa, que por sua vez, também se constituem em legados, mas legados
negativos. Logo, o legado que o Festival conferiu e continuar deixar em Parintins são
vários.
3 MEIO AMBIENTE E O FESTIVAL

O Festival Folclórico de Parintins produz impactos ambientais diretos e


indiretos. Os impactos diretos estão ligados àqueles que ocorrem um pouco
antes da realização do evento e/ou durante o evento. Quanto aos impactos ambientais
indiretos, serão considerados aqueles resultantes dos impactos diretos e/ou
resultantes de tomadas de decisão que estão ligadas ao Festival Folclórico, ou seja,
decisões político-governamentais ou não que beneficiando o Festival, resultem em
impacto ambiental para Parintins.
Desta forma, divide-se esta seção em duas partes. Primeiro os impactos
diretos são abordados e em segundo lugar os impactos indiretos.

3.1 Impacto ambiental


Basicamente, impacto ambiental está relacionado a qualquer alteração das
características e propriedades físicas, químicas e/ou biológicas do meio ambiente,
tendo como fonte de ação o ser humano. Os impactos ambientais também afetam o
modo de vida das populações humanas e podem alterar o seu estado de saúde.
Tommasi (1994) aponta que os conceitos de impacto ambiental sempre são
antropocêntricos, no sentido de que sempre serão referidos à ação humana,
mesmo que sob forma de “inundações, secas, terremotos e outros fenômenos de
grande porte.” (FRANCO, 2001).
Normalmente os impactos ambientais são considerados negativos, mas nesta
pesquisa há lugar para ações impactantes ao ambiente, mas de forma positiva.

3.2 Impactos diretos

A preparação para o Festival inicia-se pelo menos dois meses antes da sua
realização, geralmente entre março e maio. Há a gravação e lançamento dos cds e
dvds de cada boi-bumbá, há a realização dos ensaios nos currais dos bois, a confecção
das alegorias está a todo vapor, os ingressos já estão sendo comercializados; então,
pode-se dizer que Parintins já vive o clima de Festival, muito antes do seu início. Na
verdade, muitos já se consideram no próprio Festival, principalmente aqueles que
estão plenamente envolvidos em sua preparação.
Todo o processo que se inicia com os primeiros ensaios e construção de
alegorias, até o fim do espetáculo no bumbódromo gera impacto ambiental em
Parintins. Apresenta-se os impactos ambientais que mais lhes causam preocupação
ou os que mais lhes chamam a atenção.

3.2.1 Impactos ambientais: visitantes e participantes em geral

Em relação ao meio ambiente, o tema dos resíduos sólidos é o que mais


preocupante. Segundo a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos
(SEMOSP), Parintins gera diariamente, entre 65 a 70 toneladas de resíduos
sólidos. Durante o Festival Folclórico de Parintins a quantidade de resíduos
produzidos duplica e até triplica, dependendo da quantidade de pessoas que chegam à
ilha.
Antes da realização do evento, a prefeitura efetua um trabalho de limpeza e
embelezamento das ruas para receber a enorme quantidade de visitantes. Entretanto,
todo o seu trabalho de limpeza se perde, quando tais visitantes misturados aos
próprios parintinenses começam a festejar o Festival, lançando toda sorte de materiais
nas ruas, sem nenhum tipo de controle. O primeiro impacto do despejo dos materiais é
o visual, é a alteração da paisagem das ruas de Parintins.
Contudo, a poluição gerada nos dias do Festival é rapidamente suavizada, pois a
prefeitura envia agentes de limpeza, em parceria com os catadores de recicláveis.
Estes arduamente trabalham para reestabelecer a normalidade ambiental nas ruas de
Parintins, pós evento. O grande problema é todo o resíduo sólido que não é coletado
neste ínterim (do começo do evento até o fim).
Desta forma, um dos impactos ambientais que influencia diretamente a
produção dos resíduos sólidos é a extrapolação da capacidade de carga em Parintins
referente à competência para lidar com os resíduos produzidos. Apesar de haver
pessoas que trabalham na coleta de materiais durante o evento e um maior efetivo
depois do mesmo ainda não é o suficiente.
A falta de elementos básicos referentes ao controle ambiental no Festival é
facilmente constatada. Nas áreas de maior concentração de pessoas, a saber: o
centro e os arredores do bumbódromo, pouquíssimas lixeiras, que na verdade
eram depósitos improvisados pela própria população, foram encontradas. Essas
lixeiras estavam repletas de toda sorte de resíduos, os quais transbordavam para a rua.
Os resíduos ficam para os parintinenses coletarem. Então, o mínimo
requerido seriam vários locais espalhados pela cidade para comportar os resíduos
sólidos gerados.
Esses resíduos sólidos produzidos no âmbito dos participantes do Festival,
ou seja os resíduos que não estão associados às agremiações, normalmente são
resíduos urbanos domiciliares, comerciais e públicos. Os resíduos domiciliares são
produzidos na atividade diária dos cidadãos, são os restos de alimentos, embalagens,
papel, pedaços de louças, vidro, plásticos, metais etc. Os comerciais são os produzidos
em atividades de empresas e escritórios, e os resíduos são semelhantes aos
domiciliares. E os públicos são os resíduos coletados nas ruas, nas feiras livres;
referem-se aos restos de hortaliças, madeira e aos produtos “descartados
indevidamente pela população, como entulho, bens considerados inservíveis,
papéis, restos de embalagens e alimentos.” (ZANETI, 2006, p. 62)
Durante o Festival, as atividades dos estabelecimentos comerciais, como
bares e restaurantes, aumentam consideravelmente, levando a uma maior produção
de resíduos sólidos. Os resíduos que mais inquietam e incomodam os moradores
locais são referentes aos restos de alimentos, bebidas e as embalagens que os
comportam.
A priori, estes resíduos podem parecer inofensivos, já que logo após o termino
do evento, e mesmo durante, há a coleta e trabalho de limpeza na cidade. Mas há
alguns problemas que tais resíduos podem acarretar ao meio ambiente e à saúde
pública, pois em Parintins, ainda não há uma disposição correta para os resíduos. Desta
forma, mesmo que coletados, os resíduos não terão a destinação correta.
Como a produção de resíduos é muito grande e o trabalho de coleta não é
suficiente, cria-se um acúmulo de resíduos pelas ruas à espera de serem coletados.
Levando em conta, somente os resíduos descritos, nota-se o risco ambiental que o
Festival acarreta para a cidade. As embalagens plásticas, as latinhas de cerveja e o
papel são fontes de metais pesados e tóxicos como o mercúrio, o cádmio e o
chumbo, dentre outros que se não forem bem manuseados e terem uma disposição
final correta, podem poluir o solo e as águas, gerando, além de degradação, as mais
variadas doenças (SISINNO, 2000).
O acúmulo de resíduos durante os dias do Festival além de impactar a
paisagem das ruas, sujando a cidade e gerando repulsa por parte dos
entrevistados, podem acarretar doenças em Parintins. Aqui entram em cena os
vetores: “vários animais encontram no lixo alimento e abrigo, ou seja, condições
favoráveis para sua proliferação. Muitos são vetores responsáveis pela transmissão
de inúmeras doenças ao homem.” (idem, 2000, p. 44)
A produção de resíduos sólidos aliada à falta de um comprometimento real em
lidar com o problema, traz à Parintins um ônus muito grande do ponto de vista
ambiental. A poluição causa impactos no solo, nas águas, na paisagem e na saúde do
povo.
Quanto aos resíduos lançados pelos visitantes que estão próximos à orla, os
descartados são os mesmos que são lançados nas ruas: garrafas plásticas, papel e latas
de cerveja. Os visitantes são tidos como aqueles que poluem o rio, ou melhor, os
que não possuem conscientização, lembrando que existe a falta de cultura ambiental
do povo do Norte.
As embarcações, além de lançar resíduos sólidos, lançam no rio efluentes com o
mínimo ou ausência total de tratamento, pois na maioria das vezes os barcos que
navegam pela Amazônia não possuem um sistema de tratamento dos seus efluentes.
Isto constitui-se em um sério problema ambiental. Grande parte da água utilizada
para consumo humano é proveniente dos rios, e é neles que os efluentes, de
origem doméstica ou industrial, são dispostos. Desta forma, é essencial que os
efluentes sejam tratados da melhor forma possível, pois eles podem prejudicar o uso
futuro da água (BASSOI e GUAZELLI, 2004).
Assim a poluição das águas em Parintins impacta a paisagem aquática, impacta
a qualidade da água e também impacta locais que poderiam ser usadas para o
turismo.
Faz-se necessário um trabalho intenso para mudar esta realidade, pois não há
fiscalização nos barcos, não há qualquer controle sobre a poluição que estas
embarcações e as pessoas que nelas estão acarretam. Devido ao impacto na
qualidade das águas em Parintins, o trabalho de tratamento hídrico pode ser muito
mais custoso e nem sempre o município possui recursos suficientes. Este é o caso, por
exemplo, do plano de gerenciamento de resíduos sólidos em Parintins, onde a
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente
(SEDEMA) afirma que o munícipio não possui recursos para elaborá-lo e implantá-
lo, segundo recomenda a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (CARDOSO
FILHO, 2012).
São esses os impactos ambientais diretos que mais chamam quanto à ação
impactante dos visitantes e participantes em geral. Observa-se que a ideia de que
tudo funciona no Festival é um tanto contraditória quando abordamos as relações
da festa com o meio ambiente. O evento gera uma demanda por melhores ações
ambientais, devido ao número de pessoas que chegam à ilha, mas não tem dado
conta de resolver estes problemas de forma satisfatória.

3.2.2 - Impactos Ambientais: agremiações folclóricas Garantido e Caprichoso

As Associações Folclóricas Garantido e Caprichoso são a alma do Festival, por


eles se vive, por eles se morre. A evolução do evento e a amplitude que ele possui
hoje, são fruto do poder de inovação das agremiações. Entretanto, Garantido e
Caprichoso, longe de serem somente agentes culturais, tornaram-se agentes
ambientalmente impactantes. Isto é amplamente percebido tanto por quem está dentro
das agremiações, como por quem está de fora.
A sensibilização ambiental de Garantido e Caprichoso já foi muito aquém do que
é hoje, o que não significa que hoje seja o ideal, mas se pode apontar isto como
uma evolução positiva. Entretanto, ainda hoje a acomodação dos resíduos sólidos é
o principal problema ambiental enfrentado pelos bois.
As diretorias, gradativamente, começaram a atentar para a necessidade de dar
um destino adequado para os resíduos produzidos no Festival.
Essa tomada de consciência (que deriva em grande parte das multas e processos
que os bois tomaram de órgãos ambientais e prefeitura) referente aos resíduos
sólidos levou à busca por parcerias com empresas de Manaus. As empresas compram
os restos de materiais utilizados, principalmente de alegorias, e levam para Manaus
para serem reutilizadas em outras atividades industriais. Além dos restos de ferros,
os restos de papelão e isopor são comercializados com empresas de reciclagem em
Manaus.
Nestes tempos de certificação ambiental, as agremiações não ficam de fora. Os
diretores estão tentando adequar suas práticas ao que o mercado de certificações
propõe.
Na verdade, não se trata de apenas de reciclar os principais materiais
utilizados na confecção das alegorias, se faz necessário criar uma política
ambiental efetiva que possa lidar corretamente com os problemas ambientais que
são originados desde muito antes das alegorias entrarem na arena.
Apesar do interesse na reciclagem, Parintins ainda sofre com os restos de
alegorias e fantasias espalhados próximos aos galpões das agremiações, pelas
esquinas, próximo das margens das lagoas e rio.
As Associações Folclóricas até tentam se livrar dos resíduos, de uma forma
mais sustentável, mas esse esforço ainda é falho. Os locais onde estão acumulados os
resíduos sólidos são conhecidos da população, portanto ficam acessíveis a quem quer
que seja.
Os bois ainda não conseguiram, plenamente, dar uma destinação adequada
aos seus resíduos. Tais procedimentos estão poluindo as águas de Parintins e
degradando o solo; impactos ambientais semelhantes aos relacionados aos
visitantes e participantes do Festival em geral. Da mesma forma que o entulho
acumulado nas ruas do centro e próximo do bumbódromo impactam e atraem
vetores de doenças, o acúmulo de resíduos próximo aos galpões pode causar o
mesmo, com o diferencial de que há muito mais residências próximos dos galpões
do que no centro, onde predominam os estabelecimentos comerciais.

3.3 Impactos indiretos


Os impactos indiretos podem ser considerados como tais, uma vez que
derivam das ações tomadas em relação ao Festival. Os mais importantes são dois:
saneamento básico e destinação dos resíduos sólidos.
O saneamento básico em Parintins é um problema ambiental que ainda não foi
resolvido. O município já declarou que não tem recursos necessários para elaborar e
implementar o plano de gerenciamento dos seus resíduos sólidos, de forma
satisfatória. Por outro lado, o Estado fornece recursos financeiros e todo o aparato
necessário para que o Festival Folclórico de Parintins aconteça.
Isto é percebido como um descaso com as necessidades básicas da
população. A indagação que se faz, como pode o Estado auxiliar o munícipio e as
agremiações na realização do Festival, que é uma coisa que dura apenas uma semana,
enquanto que os problemas referentes ao saneamento básico perduram o ano
inteiro?
De toda sorte, o Festival Folclórico de Parintins não é responsável pela
precariedade no saneamento básico da cidade, mas na percepção dos atores locais, a
partir do momento em que as agremiações recebem, legalmente, dinheiro que poderia
ser aplicado em outra área, moralmente o Festival torna-se responsável pela
persistência do problema ambiental.
Os resíduos produzidos no Festival em parte são coletados pelas equipes da
prefeitura, em parte são despejados nas águas, quando não, perdem-se pelos bueiros
da cidade.
Durante a época da cheia dos rios, Parintins não foge à risca de outros
munícios amazonenses, ficando alagada em alguns pontos. As enchentes trazem
consigo grande parte do lixo que não foi coletado. E isto, segundo alguns atores
locais ocorre todos os anos, podendo ser considerado um impacto ambiental indireto
gerado pelo Festival.
Esse lixo, quando não volta para a cidade, é levado para comunidades
próximas à Parintins. Ou seja, gera um impacto na área rural de Parintins.
Além deste fato, o Festival influencia algumas comunidades próximas a
realizarem seus próprios festivais, onde há a produção de resíduos sólidos, mesmo
que em menor quantidade. Se na área urbana já não há a coleta adequada, pode-se
imaginar o caso destas comunidades.

4 - NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DA CULTURA REGIONAL


O Festival Folclórico de Parintins é certamente uma das maiores manifestações
folclóricas do mundo. A contribuição cultural do Festival não se restringiu aos
limites de Parintins. O boi-bumbá de Parintins foi tomado como o grande
representante da cultura do Amazonas. Essa visibilidade desencadeou várias
consequências benéficas na cidade, como a valorização dos artistas parintinenses, a
valorização da cultura amazonense, o orgulho e a identidade local. No entanto,
existe uma parte da população alegando que essa grande visibilidade e o
crescimento do Festival estão causando o distanciamento da população, além da total
perda de controle sobre os rumos da festa.
Os habitantes locais, percebem a importância do Festival Folclórico de
Parintins como justificativa para vários investimentos que dinamizam a
infraestrutura da cidade. Porém, também percebem que tais investimentos tem
caráter pontual e que a cidade precisa de mais políticas concretas, dentro e fora do
Festival, pois além dos benefícios que o evento proporciona, ela finda acarretando
alguns problemas sociais que causam a perda da tranquilidade típica de uma cidade do
interior do Amazonas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Festival se tornou a porta de entrada da Ilha Tupinambarana na


modernidade, não há como negar tal fato, que se constitui como um grande legado,
na visão local. O evento fez com que a cidade fosse conhecida. As grandes
questões mundiais, embaladas pelas contagiantes toadas, estão presentes no cotidiano
parintinense, modernidade e tradição se encontram na rua, gerando benefícios e
conflitos variados.

Uma das principais questões da modernidade é o meio ambiente, em


Parintins, se materializa, basicamente, de três formas:

1) produção de resíduos e efluentes;

2) crescimento da sensibilização ambiental;

3) discurso ambiental.

Se por um lado a produção de resíduos e efluentes cresce rapidamente, de


outro lado as soluções para estes problemas parecem engatinhar, a sensibilização
ambiental já cresceu bastante na cidade, em especial nas agremiações Garantido e
Caprichoso que utilizam o espaço da arena do bumbódromo para transmitir um
discurso ambiental muito bonito, com foco na Amazônia.
Devido ao Festival, Parintins deixou de ser uma ilha isolada, mas ganhou
contornos de cidade grande, com problemas sociais, problemas ambientais e
abrigando as grandes questões mundiais, como poluição e desmatamento.

O desenvolvimento sustentável pode se tornar uma realidade, ou uma busca


verdadeira. O Festival Folclórico de Parintins pode vir a ser uma extensão de uma
cidade comprometida com a sustentabilidade. Contudo se isto não ocorrer, o
evento, na pessoa das suas agremiações, tem condições de exercer seu poder de
influência sobre a cidade.
Para minorar os impactos ambientais, sugerimos:

 Colocação de mais lixeiras pela cidade de Parintins, durante e após o evento;


 A Associação dos Catadores de Lixo de Parintins – ASCALPIN, deve
receber maior apoio por parte do poder público e das agremiações, para
fortalecimento da classe no munícipio, algo que não vem acontecendo
(COSTA et al., 2010). Os catadores são um aliado importante no processo de
coleta dos resíduos sólidos;
 Traçar um perfil ambiental dos visitantes. Sabe-se que muitas pessoas da região
Norte vão à Parintins acompanhar o Festival, mas é preciso quantificar isso,
saber quem são, de onde são, qual o nível de educação ambiental etc;
 Iniciar um processo de mudança no sistema de tratamento de efluentes das
embarcações que chegam à Parintins;
 Aumentar a fiscalização ambiental durante o evento, punindo práticas
ambientais nocivas ao meio ambiente, como o despejo de resíduos nas águas de
Parintins;
 Um processo de (re)educação ambiental desde o momento em que o visitante
sai do seu lugar de origem, deixando claro as normas ambientais;
 Que as agremiações criem um setor específico para desenvolvimento de
pesquisas socioambientais;
 Um trabalho de educação ambiental junto às agremiações, englobando todos
aqueles que participam do processo do Festival: diretoria, planejadores e
artistas;
 Realizar um processo de inclusão da percepção ambiental da comunidade,
trabalhando a educação ambiental de cada cidadão.

 Contratação de especialistas em gestão ambiental para planejamento


ambiental do evento.
 Criação de uma política ambiental para o Festival Folclórico de Parintins.

Assim, crescem as possibilidades de se sediar um evento ambientalmente


sustentável e consciente.

REFERÊNCIAS

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modernidade e sua inserção no marketing cultural. 2000 (Dissertação em
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O papel das empresas de reciclagem:
Uma abordagem no município de Santarém (PA) entre 2014–
2016

Carlos Henrique Pereira Souza1


Elen Carina Duarte Ferreira2
Elisa Araújo de Oliveira3
Hugo Leonardo Brito Monteiro4
Maria Francisca de Miranda Adad5

Resumo: O artigo tem como objetivo compreender como ocorre o processo de reciclagem

no mercado de resíduos sólidos pelas empresas distribuidoras e transformadoras da matéria

prima reciclável no município de Santarém – PA. A metodologia de estudo de caso possui

caráter descritivo e exploratório, realizada a partir de visitas e entrevistas semiestruturadas,

de 02 de junho a 31 de julho de 2015, com proprietários das empresas e com a presidente

da Cooperativa de Reciclagem de Santarém - COOPRESAN. Observou-se que entre as

empresas pesquisadas o mercado ainda é muito primário, com transformação apenas do

1
Acadêmico do curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.
Pesquisador do Projeto ANÁLISE DA DINÂMICA DE DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
DOMÉSTICOS EM SANTARÉM – PA (PIBEX). carloshenrique.dom@hotmail.com
2
Acadêmica do curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.
Pesquisadora do Projeto ANÁLISE DA DINÂMICA DE DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
DOMÉSTICOS EM SANTARÉM – PA (PIBEX). elencarinaduarte@gmail.com
3
Acadêmica do curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.
Pesquisadora do Projeto ANÁLISE DA DINÂMICA DE DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
DOMÉSTICOS EM SANTARÉM – PA (PIBEX). elisa.oliveira20@yahoo.com.br
4
Acadêmico do curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.
Pesquisador do Projeto ANÁLISE DA DINÂMICA DE DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
DOMÉSTICOS EM SANTARÉM – PA (PIBEX). hugobryto@gmail.com
5
Economista, Mestre em Gestão do Meio Ambiente pelo Laboratório de Tecnologia e Gestão de Negócios da
Universidade Federal Fluminense - LATEC-UFF e Doutoranda do Programa de Pós-graduação em
Sociedade, Natureza e Desenvolvimento da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA. Coordenadora
do Projeto de Pesquisa ANÁLISE DA DINÂMICA DE DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
DOMÉSTICOS EM SANTARÉM – PA. cicitaadad@gmail.com
plástico e sem perspectivas imediatas para outros produtos. Percebe-se que muitos são os

entraves ainda existentes nas relações entre os atores que possuem responsabilidade

compartilhada pela reciclagem dos resíduos sólidos. Há uma crescente desarticulação nas

ações do governo, cooperativa e empresas, caracterizada por falta de apoio, incentivo e

fomento para estes dois últimos atores sociais.

Palavras-chave: Resíduos sólidos; Reciclagem; Empresas

Introdução

Mundialmente, a problemática do lixo desencadeou o crescimento de um grande

número de iniciativas que visam dar uma destinação adequada aos resíduos, conforme

demonstra Steiner (2010, p.1) “A disposição no meio ambiente, de resíduos resultantes das

atividades humanas, pode originar sérios problemas ambientais [...] e um maior consumo

de recursos naturais possui como consequência um aumento da geração de resíduos.” No

Brasil, esta preocupação levou ao surgimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos –

PNRS (Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010), que destaca, entre outras determinações, a

responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e população.

É fundamental observar os aspectos cruciais contidos na PNRS (2010), em seu artigo

8º, como a criação dos Planos Municipais e Estaduais de Resíduos Sólidos; a implantação

da coleta seletiva; os sistemas de logística reversa (processo de recolhimento de materiais

que retornam como matéria-prima à produção industrial); as ferramentas relacionadas à

responsabilidade compartilhada; o incentivo à criação e ao desenvolvimento de

cooperativas e outras formas de associações que gerem a inclusão social e emancipação


econômica de catadores de materiais recicláveis; fiscalização e educação ambiental; além

de incentivos fiscais, financeiros e creditícios.

Não só o poder público, mas fabricantes, distribuidores, comerciantes e todos que

exercem alguma função no ciclo de vida do produto, possuem um papel no cenário da

gestão dos resíduos, seja oferecendo mecanismos para o aprimoramento da logística

reversa ou proporcionando estratégias de conscientização ambiental. À população, cabe a

iniciativa de estar bem informada sobre a temática, colaborando com os mecanismos de

incentivo à reciclagem e compreendendo que o lixo é responsabilidade de todos que o

geram.

Ao abordar a questão do reaproveitamento dos resíduos, o presente artigo tem como

objeto de estudo as empresas distribuidoras e transformadoras da matéria prima reciclável.

Assim, tem-se como objetivo compreender como ocorre o processo de reciclagem no

mercado de resíduos sólidos por esses agentes no município de Santarém – PA, além de

descrever o método de seletivação/processamento de resíduos utilizado por estes atores;

diagnosticar as vantagens e dificuldades do mercado de reciclagem do município e; refletir

sobre os possíveis entraves enfrentados pelas empresas.

A metodologia consiste em um esquema de entrevistas semiestruturadas realizadas

com quatro empresas da região, dentre elas recicladoras, transformadoras e/ou

distribuidoras e também com a Presidente da Cooperativa de Reciclagem de Santarém –

COOPRESAN.

Ressalta-se a relevância desta pesquisa ao observar que muitos trabalhos têm como

foco o poder público ou as cooperativas de catadores, sem aprofundar-se na sua relação

com as empresas responsáveis por absorver a matéria prima reciclável e que possuem um

papel fundamental neste processo. As questões que nortearam o andamento desta pesquisa

foram as seguintes: Qual o interesse das empresas em assumir responsabilidades por parte
do ciclo de vida dos resíduos? Quais as vantagens e dificuldades que essas empresas

encontram no mercado de reciclagem? De que forma sucedem-se as relações entre

empresa, poder público e cooperativa?

Metodologia

A pesquisa teve caráter descritivo, que como mostra Triviños (1987, apud

GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 35), essa modalidade de estudo “pretende descrever

os fatos e fenômenos de determinada realidade” e exploratório que, para o mesmo autor,

esse tipo de pesquisa “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o

problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”.

Quanto ao procedimento, para apresentar as peculiaridades do mercado de

reciclagem no município de Santarém – PA, foi utilizada a metodologia de estudo de caso,

pois para Fonseca (2002, p. 33 apud GERHARDT e SILVEIRA 2009), o estudo de caso

“visa conhecer em profundidade o como e o porquê de uma determinada situação que se

supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial

e característico”.

Assim sendo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, no período de 2014 –

2016, com proprietários das empresas localizadas no município. De forma a preservar a

identidade dos entrevistados, estes serão representadas pela terminologia E (empresa)

seguida pelo número de identificação (1 – 4). Apenas uma indústria local não participou da

coleta de dados em função de que, sendo procurada pelas pesquisadoras, não viabilizou o

contato para aplicação das entrevistas. Esta indústria produz mangueiras a partir do

plástico reciclável.
No que se refere ao conteúdo das entrevistas, foram destacadas questões sobre a

competitividade no mercado, a relação existente com a cooperativa e as vantagens e

dificuldades na produção.

Resultados e Discussão

O Papel Das Empresas No Cenário Da Reciclagem

Segundo Pierot (2009, p. 76), “a empresa recicladora é o destino final do processo da

coleta seletiva”, portanto, toda a cadeia de eventos que envolve a eficiência na reciclagem

dos resíduos, tem sua trajetória efetivada no momento em que chega à empresa. Por outro

lado, nem todas as empresas denominadas “recicladoras” realizam de fato a reciclagem,

algumas exercem apenas o processo de transformação. Este fato é bastante comum em

algumas regiões. No Distrito Federal, por exemplo, como demonstra Almeida e Zaneti

(2008) a respeito do desenvolvimento mercadológico dos resíduos sólidos urbanos - RSU

em uma pesquisa de campo sobre as empresas da região:

As empresas se autodenominam recicladoras, mas, na verdade, realizam uma


parte do processo: pesam, compram, depositam, triam, enfardam, vendem e
transportam para as empresas ou indústrias recicladoras. O custo com o
transporte é de responsabilidade tanto dos intermediários quanto das empresas
recicladoras. Contudo, após a triagem e o enfardamento, os resíduos são
armazenados para serem distribuídos entre os estados brasileiros. (ALMEIDA E
ZANETI, 2008, p. 4)

Os autores apresentam uma situação que é bastante comum em muitos estados

brasileiros, o fato de que muitas empresas fazem apenas uma etapa do processo que levará

à reciclagem. Estas são conhecidas como empresas intermediárias, que estão no meio da
relação existente entre cooperativas e indústrias de reciclagem. Muitas vezes, essas

empresas intermediárias comercializam com indústrias em outros estados, pois o mercado

local não supre as necessidades de demanda para a reciclagem dos resíduos. Cria-se,

portanto, um círculo vicioso, em que as indústrias recicladoras locais não produzem por

escassez no fornecimento de matéria prima por parte dos intermediários e estes escoam

para fora do mercado local a matéria prima que dispõem por não haver indústrias locais

que a absorvam.

Demajorovic et al (2014, p. 518) mostram que “as empresas conhecem muito pouco

a realidade dos catadores, limitando suas poucas interações nas cooperativas às ações

assistencialistas, como doação de material ou equipamentos”. Neste ponto, os autores

destacam a desarticulação que há entre esses dois entes, devido à falta de conhecimento e

interação entre eles, que prejudica a oportunidade de melhoria na gestão dos resíduos.

Ainda para Demajorovic et al (2014, p. 518), ressalta-se: “as grandes recicladoras

ditam as regras, definem tecnologias e são beneficiadas pelo sistema jurídico e legal,

cabendo às cooperativas, o papel secundário de mero fornecedor de mão de obra e

serviços”. Percebe-se, neste momento, que os autores se referem a uma estrutura na qual as

grandes recicladoras estão sempre “acima” das cooperativas, exercendo constantemente

controle sobre o mercado e domínio sobre o preço dos produtos.

O que ocorre muitas vezes é que, mesmo os catadores organizando-se em

cooperativas, a qualidade do material é relativamente baixa e o fornecimento do material

chega a ser instável em alguns períodos (Gonçalves-Dias, 2009 apud DEMAJOROVIC et

al, 2014), e os empresários preferem comerciar com intermediários que realizam algum

processo de segregação e limpeza mais amplo, o que lhes soa mais lucrativo. Infelizmente,

cada vez mais estes atores tendem a pensar em benefício próprio, de maneira desarticulada

com os outros.
Como mostra Conceição (2003), dificuldades econômicas e falta de gestão podem

ser presentes nas realidades das cooperativas. Isso faz com que elas apenas separem e

enfardem o lixo, vendendo para sucateiros que, ao melhorar a qualidade do resíduo, o

vendem para indústrias por um preço mais favorável.

Há ainda outra questão a ser comentada: as rivalidades entre os mercados de

matérias-primas virgens e recicláveis. Para o Movimento Nacional dos Catadores de

Material Reciclável - MNCR (2012 apud DEMAJOROVIC et al 2014, p. 518), nesses

períodos (de crise econômica), “as empresas optam pela compra de matérias-primas

virgens em função da queda do preço em detrimento dos materiais recicláveis”. Esse

aspecto põe em questão a responsabilidade referida ao compromisso com a

responsabilidade ambiental, refletindo um impasse existente entre a escolha da proteção

econômica ou da união em prol do cumprimento de suas responsabilidades com meio

ambiente e o meio social.

A respeito dessa temática, afirma Gonçalves-Dias (2009 apud DEMAJOROVIC et al

2014):

O sistema de compra promovido pelas grandes indústrias recicladoras tem uma


dinâmica que dificulta a inserção das cooperativas, na medida em que valoriza
fornecedores que possam entregar grandes volumes com alta qualidade
(materiais limpos, prensados e enfardados), além da regularidade da entrega.
Dessa forma, a autora reforça a assimetria de poder entre os dois tipos de
organizações. (Gonçalves-Dias, 2009 apud DEMAJOROVIC et al, 2014, p.
518).

A assimetria a que o autor se refere está presente na centralidade das ações realizadas

por estes entes. A cooperativa, na maior parte das vezes, é a que mais possui dificuldade

em fornecer resíduos com qualidade às empresas recicladoras. Neste momento, entra a

função das empresas intermediárias, que compram os resíduos da cooperativa e realizam

processos para facilitar a reciclagem para as indústrias. Gonçalves-Dias (2006) esclarece


que “a atuação conjunta do governo, universidades, organizações não-governamentais e

empresas pode criar um incentivo para o avanço da reciclagem no País”. Porém, cada um

destes atores, ao pensar apenas no benefício próprio, prejudica o relacionamento que há

entre os outros.

De acordo com Demajorovic et al (2011, p. 2), “o reconhecimento (...) de diversos

atores sociais (...) na gestão de resíduos sólidos, a valorização da reciclagem e a promoção

de ações educativas (...) são alguns dos elementos centrais para uma gestão integrada,

descentralizada e compartilhada. Estas seriam as medidas que proporcionariam, uma

gestão mais descentralizada, em que cada ator reconheceria a importância no

cooperativismo entre todos.

A percepção de cada empresa

A empresa E1 (indústria) localiza-se no bairro do Maracanã e está presente no

mercado de reciclagem há quatro anos. Trabalhar com a reciclagem foi uma necessidade

para obter matéria prima e produzir, em um primeiro momento, conduítes. As

possibilidades de produção da empresa giram em torno do plástico virgem e reciclável,

sendo os segmentos mais fortes: o Polietileno – PE (mais comum), Polipropileno – PP,

Policloreto de Vinila – PVC e Politereftalato de Etila – PET, destacando-se o PE como o

mais utilizado.

Os fornecedores da empresa para a produção de reciclados são: a COOPRESAN,

catadores autônomos e 3 (três) atravessadores dentro do município de Santarém-PA, com

programação de fornecimento semanal. Todo material comprado é transformado dentro da

empresa, passando pelo processo de classificação, lavagem, moagem, e filtração para

recuperar o plástico e utilizá-lo na produção de conduítes, mangueiras plásticas e sacos de


lixos. O resto do material não utilizado é rejeito, tendo destinação novamente ao aterro do

município com média de 5% (cinco por cento) de descarga.

De acordo com o proprietário da empresa, os impostos e encargos sociais são muito

altos. Além disso, ele cita que o Governo não ajuda com incentivos fiscais às empresas que

trabalham com matérias primas recicladas. Ele relata ainda que, economicamente, não

consegue manter-se gerando somente produtos de matéria reciclável. Por este motivo

trabalha também com material virgem, que, para ele, oferece um grande diferencial no

mercado em relação aos produtos reciclados, em especial quanto à qualidade, pureza,

aditivos e estrutura química diferenciada, havendo um mercado específico para cada um.

FIGURAS 3a e 3b: Mangueiras Virgens (esquerda) e Recicladas (direita) na E1

Fonte: a pesquisa (2015) Fonte: a pesquisa (2015)

Vale ressaltar também que nesta empresa o proprietário faz a compra de pré-forma

de PET - matéria virgem, para produção de garrafas, uma vez que são enfardados pelos

catadores e enviados para outros estados, já que no município e na região não se recicla

PET‟s. Todo material reciclado é comprado por um preço mais baixo, em função de sua

durabilidade ser inferior relacionado ao material procedente do produto virgem.


Recentemente firmou contrato com a COOPRESAN, mas existem alguns entraves

relacionados ao resíduo que é vendido à indústria, devido a sua falta de estrutura e

equipamentos para fazer a classificação dos resíduos, a lavagem e prensagem.

A empresa E2 atua há 4 (quatro) anos no mercado. Localizada na Avenida Curuá-

Una, realiza atividades como classificação e enfardamento de resíduos, atuando na área de

distribuição. Os materiais recolhidos são, essencialmente, plásticos e latinhas de alumínio.

Entre os principais tipos de plástico estão o PET; PE; em menor quantidade está o PP. A

proveniência deles está associada à COOPRESAN e a outros locais pela cidade onde são

disponibilizados alguns pontos de coleta, como estabelecimentos comerciais.

Quanto ao processo realizado internamente, é composto pela triagem (muitas vezes

refeita pela condição em que é comprada da Cooperativa), classificação, lavagem,

enfardamento, prensagem e, em alguns casos, moagem. Em média, são recolhidas 30 t

(trinta toneladas) de resíduos por mês.

A respeito da estrutura física, há um galpão com espaço para a triagem, moinho e

aglutinador, dispondo a empresa de 7 (sete) funcionários, em sua maioria catadores, que

utilizam EPI‟s na execução de suas atividades.

FIGURA 4: Estrutura Física - E2

Fonte: a pesquisa (2015)


A empresa não depende apenas dos resíduos fornecidos pela Cooperativa, pois

realiza coleta em alguns pontos comerciais e em municípios próximos à Santarém, como

Óbidos e Juruti. Há muitas dificuldades na relação com Cooperativa, desde a baixa

qualidade dos resíduos comprados até a própria concorrência com outras empresas pela

compra do material de lá proveniente. Nota-se que em Santarém há pouca relação entre as

empresas recicladoras e essa empresa distribuidora, fato que, segundo o proprietário, está

relacionado à pouca capacidade que estas empresas têm de absorver a demanda do material

processado pela distribuidora.

De acordo com o proprietário, entre as principais dificuldades citadas estão o apoio e

incentivo local da prefeitura, falta de capital de giro que dê suporte para expansão da

estrutura e aquisição de equipamentos como trituradora, extrusora, moinhos. Aliado a estes

fatores, está também a queda nos preços de alguns materiais, a exemplo do PET, e o

problema da logística de transporte na região, que torna inviável a busca por alguns

resíduos.

A destinação é feita para mercados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rondônia.

A exportação de seus produtos ocorre em razão da escassez de indústrias na região

tornando a comercialização do resíduo pouco vantajosa dentro do município.

A empresa de distribuição E3, atua no mercado há três anos e está localizada no

bairro Jutaí, no município de Santarém-PA, dispondo de 5 (cinco) funcionários. O motivo

que levou o proprietário a trabalhar com reciclagem foi a logística, pois o mesmo também

possui uma empresa de representação de alimentos com sede em Goiânia há 15 (quinze)

anos. Desta forma, utiliza a estratégia de transportar, no mesmo veículo, o resíduo plástico

a partir do município de Santarém para o mercado de Goiânia, visto que o veículo

retornava vazio àquela cidade.


Quanto ao material fornecido à empresa de distribuição, 70% (setenta por cento) é

proveniente da COOPRESAN. O restante é adquirido de catadores autônomos da cidade

que entregam sua produção diretamente ao proprietário. Os materiais comprados são:

plástico - PEAD, PP, PET, latinha, cobre, metal, vidros diversos.

FIGURA 5: Segregação Do Material Pela Empresa 3

Fonte: a pesquisa (2015)

O processo da empresa constitui-se de compra, classificação e prensagem. O

proprietário ressalta que para dar melhor qualidade ao produto disponibilizado pelos

catadores, é fundamental o cumprimento do acordo firmado entre a Prefeitura Municipal

de Santarém e a COOPRESAN, relativo à construção de um galpão com a central de

triagem, esteira de classificação do resíduo. Isto diminuiria consideravelmente as perdas de

sua empresa em relação ao resíduo comprado da cooperativa, pois o mesmo relata que toda

semana é devolvido um caminhão cheio de rejeito ao aterro, resultando em

aproximadamente 12% (doze por cento) de prejuízo.

Um fator interessante observado pelo proprietário, é que o resíduo da cidade

recolhido pelos catadores autônomos é mais higienizado. Portanto, nessa observação, é


perceptível a inversão de papeis, no momento em que a cooperativa deveria entregar os

resíduos em melhores condições.

Quanto ao mercado em que disponibiliza seu produto, boa parte dos resíduos hoje é

destinado a Anápolis - GO, uma vez que seu objetivo principal é gerar alguma receita no

retorno de seus caminhões para Goiânia quando vai reabastecer sua empresa de

representação de gêneros alimentícios.

Segundo o proprietário, o que torna mais custoso o trabalho dessas empresas

distribuidoras é a falta de apoio e incentivos fiscais da parte do governo. Outro ponto

também é a concorrência com outros distribuidores de plásticos e latinha que compram no

mercado local. O empresário ainda cita que, outra grande dificuldade encontrada é o preço

de mercado pois, com a queda do valor de venda do PET.

O empresário ainda percebe uma importante oportunidade de negócio no mercado

de papelão. No entanto, o mesmo não possui estrutura para a dispersão do produto, sendo

sua principal dificuldade a logística de transporte para esse resíduo.

Ele considera que „com a queda dos preços tudo está difícil, mas a reciclagem

continua sendo viável, pois todo investimento realizado na empresa é feito com o dinheiro

gerado a partir dos resíduos ali coletados. Porém, com a crise, as indústrias de maior porte

estão paradas e isso dificulta toda a distribuição do PET, por exemplo, para fora do estado

do Pará‟.

A empresa E4 de distribuição, atua no mercado desde abril de 2008 no município

de Santarém-PA, contando com 14 (quatorze) funcionários. Os fornecedores da matéria

prima são 33 (trinta e três) ecopontos e 14 (quatorze) pontos de coletas em escolas no

município. 70% (setenta por cento) do material coletado tem destinação para Curitiba, São

Paulo, Florianópolis e Manaus. Os materiais são: plásticos - PEAD, PET, PVC – e,

excepcionalmente, papelão coletado no centro comercial, shoppings e alguns


supermercados de Santarém. Os demais 30% (trinta por cento) da produção de plástico tem

destinação para as empresas que fazem a transformação do plástico, sendo o mais utilizado

o PEAD.

O proprietário relata que a causa da maior lucratividade de sua empresa em relação

aos concorrentes está no fato de que seu material é coletado separadamente do lixo

orgânico e também sem contato com o aterro da cidade. Todo material disponibilizado pela

empresa E4 é coletado, segregado, prensado e distribuído dentro da própria empresa.

FIGURA 5: Enfardados para Distribuição - E4

Fonte: a pesquisa (2015)

As principais dificuldades encontradas estão relacionadas à falta de incentivo e

apoio do poder público; a logística para a escoação do material, devido a estrada não

trafegável e a queda de preços no mercado.


Considerações Finais

Algumas limitações foram presentes na realização da pesquisa, principalmente no

que concerne à pesquisa documental, pois há escassez de informações quanto à questão dos

resíduos sólidos no município de Santarém – Pará, em parte devido à de um diagnóstico, e

de um Plano Municipal dos Resíduos Sólidos, pois o mesmo ainda se apresentava em

discussão à época da pesquisa. Outro aspecto a ser ressaltado foi a dificuldade em

conseguir entrevista com outra importante indústria na região, que faz a reciclagem e

transformação do plástico para produção de mangueiras.

Percebe-se que muitos são os entraves ainda existentes nas relações entre os atores

que possuem responsabilidade compartilhada pela reciclagem dos resíduos sólidos. Há

uma crescente desarticulação presente nas ações entre governo, cooperativa e empresas, a

qual se caracteriza por uma falta de apoio, incentivo e, até mesmo, fomento para estes dois

últimos atores sociais.

Devido a essas dificuldades muito se perde no processo de preparação para a

reciclagem. Os resíduos que saem da cooperativa não sofrem nenhum tipo de limpeza,

higienização ou transformação. O mercado distribuidor se vê obrigado a realizar, além da

distribuição, alguns desses processos. A indústria estudada no momento apresenta um

mercado mais lucrativo com a utilização de matéria-prima virgem, esclarecendo, o

proprietário, que não pode manter-se apenas da reciclagem.

Outro fator que é muito prejudicial é a ocorrência de um círculo vicioso no qual as

indústrias recicladoras locais não produzem pelo pouco fornecimento das intermediárias, e

essas enviam a matéria prima para outros estados pela falta de indústrias.

Algumas das empresas realizam ações sociais com a comunidade, o que é muito

importante para alcançar uma maior participação da população, sensibilizando-a para a


questão ambiental e para a importância da reciclagem. Isso explica, em parte, a grande

mobilização que é exercida pela empresa E4. Observou-se que a empresa E3 atua mais

frequentemente com a participação de catadores autônomos, ao contrário da empresa E2,

que compra com mais regularidade de catadores cooperados.

Durante a execução deste artigo, mais duas indústrias de reciclagem de plástico

foram conhecidas, essas serão analisadas mais profundamente na próxima pesquisa, visto

sua recente entrada no mercado de recicláveis e a dificuldade em agendar a abordagem que

os pesquisadores encontraram em relação às mesmas. Assim, percebe-se que apenas o

plástico recebe alguma transformação dentro do município, mostrando que a reciclagem

está em um processo ainda bastante inicial.


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RICIA%20ARNS.pdf?sequence=1 />. Acesso em: 15 mai. 2015.
SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO DO ÓLEO DE BURITI: incluindo
agricultores familiares no Mercado Global?

Rute Holanda Lopes – UFAM – rutehlopes@hotmail.com


Hiroshi Noda – INPA – hnoda@inpa.gov.br
Michelle Lins Aracaty e Silva – UFAM - michelearacaty@yahoo.com.br
Kátia Viana Cavalcante – UFAM – Katiavc29@gmail.com
Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo – FAMETRO/UFAM – suefi@hotmail.com

RESUMO
O debate sobre a sustentabilidade trouxe a conscientização acerca das agressões ambientais
e alguns consumidores passaram a requerer produtos naturais cujo uso e exploração
provoque mínimos impactos, tornando-se um nicho de mercado para estes produtos. A
Amazônia desponta como estoque dessas novas fontes de matérias-primas, assim as
empresas passaram a buscar seus fornecedores nas comunidades rurais desta região.
Partindo deste cenário, o objetivo deste trabalho foi o de analisar a inserção das famílias
agricultoras de uma localidade denominada regionalmente de comunidade de Santo
Antônio do Abonari, na dinâmica produtiva do óleo de buriti para atendimento a empresas
do Pólo Industrial de Manaus e, as consequências sociais, econômicas e ambientais daí
decorrentes. Pôde-se perceber que o relacionamento da Associação com as empresas
compradoras de óleo de buriti, atuantes no mercado, foram extremamente desfavoráveis,
quanto à negociação com empresas compradoras e cumprimento de acordos comerciais.
Verificou-se que a inclusão de uma comunidade de agricultores familiares na economia
global precisa ser planejada. A forma como esses agricultores familiares relacionam-se
com o ambiente é a garantia da sustentabilidade de suas práticas produtivas e dessa forma,
é garantida a conservação de todos os elementos, materiais e culturais, envolvidos no
processo.
Palavras-Chave: Buriti; Extrativismo; Sustentabilidade.

ABSTRACT
The debate on sustainability has brought awareness about the environmental aggressions
and some consumers now require natural products whose use and exploitation causes
minimal impacts, making it a market niche for these products. The Amazon is emerging as
repository of these new sources of raw materials and the companies look the rural
communities as their suppliers. The objective of this study was to analyze the integration of
the farming families of a place called regionally Santo Antonio do Abonari community in
the productive dynamics of buriti oil for the corporate segment of the Industrial Pole of
Manaus, and the social, economic and environmental consequences thereof arising. The
Association's relationship with the buriti oil purchasing companies, active in the market
were extremely unfavorable not only in relation to compliance with the requirements for
standards of quality, quantity and deadlines. It was found that the inclusion of a
community of family farmers in the global economy needs to be planned. So how these
farmers are related to the environment ensures the sustainability of their production
practices and thus conservation is guaranteed of all the elements, materials and cultural
involved.
Key Words: Family Farming; Pluriactivity; Sustainability.
INTRODUÇÃO

A exploração dos recursos naturais e a poluição ambiental tomaram proporções

que levaram à revisão do processo produtivo, à criação de regulamentações nacionais e

internacionais e ao debate científico sobre o assunto. Drucker (1989) coloca que o século

XX testemunhou o surgimento de uma nova e importante tarefa: proteger a natureza do ser

humano. Esta tarefa gerou inúmeras modificações nas relações e processos industriais

resgatando valores como a inclusão de populações rurais e extrativistas como elos iniciais

de cadeias produtivas. Desta forma, o trabalho empreendido objetivou: Analisar a

sustentabilidade da atividade de produção de óleo de buriti na comunidade Santo Antônio

do Abonari, no Município de Presidente Figueiredo, no Estado do Amazonas, a partir de

sua interseção no mercado de biocosméticos.

Os impactos gerados pela produção industrial e a massificação destas em âmbito

mundial que fizeram emergir a questão ambiental. Segundo Sachs (2002) a partir deste

evento a população mundial dá início ao processo de conscientização acerca da limitação

do chamado capital da natureza e dos perigos decorrentes das agressões ao meio ambiente,

usado como depósito de materiais e de resíduos.

Esta preocupação leva a um processo de mudança comportamental do

consumidor, com influência direta sobre as questões extrativistas. Primeiramente, os

consumidores passaram a desejar produtos que respeitassem o meio ambiente,

minimizando as agressões durante os processos extrativos. E em um segundo momento,

perceberam que a utilização de produtos naturais e/ou orgânicos são melhores para sua

saúde e qualidade de vida, bem como para o planeta.

Nesta perspectiva, produtos que substituam a base química por matéria-prima

originada do extrativismo artesanal em pequena escala que ajude a preservar a natureza e


as populações que nela habitam, tornou-se um apelo de mercado para um novo nicho de

consumidores ecologicamente conscientes.

Com o aumento deste público novas indústrias e empresas surgiram com o intuito

de oferecer produtos naturais ou orgânicos. Dentre estes se destacam os cosméticos

orgânicos, naturais e os biocosméticos, seguida pelas indústrias de fármacos e alimentos

nutracêuticos.

As empresas de cosméticos ganharam destaque pelo seu público consumidor que

aderiram rapidamente ao uso de produtos ecológicos, mais conscientes que se destacam

dos demais consumidores pela preferência por este tipo de produtos, disponibilizando-se a

pagar um preço superior por um produto que atenda a estes critérios. A APEX-Brasil

(2008) considera que o consumidor ecológico está disposto a pagar até 15% a mais por um

cosmético natural e cita ainda que o faturamento da empresa Natura foi o mais espetacular,

crescendo 600% nos últimos oito anos e que a empresa Boticário, em cinco anos,

contabilizou uma expansão do faturamento de 160%, atingindo R$ 150 milhões.

A partir de uma mudança no comportamento do comprador surge um nicho no

mercado nacional e internacional de cosméticos. A busca por produtos mais saudáveis,

ecologicamente corretos e socialmente responsáveis surge de uma mudança nos valores

dos consumidores a partir de uma conscientização sobre os impactos sociais e ambientais

que resultaram da intensificação do uso de produtos industrializados com forte base

química.

As empresas produtoras de cosméticos estão incorporando a tendência

internacional de uso dos óleos vegetais e essenciais. Segundo a Abihpec (2008), existem

no Brasil 1.494 empresas atuando no mercado de produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria

e Cosméticos, sendo que 15 empresas de grande porte, com faturamento líquido de

impostos acima dos R$ 100 milhões, representam 72,8% do faturamento total. Destaca,
ainda, que a Natura faturou R$ 2,5 bilhões, sendo 10% oriundos da linha Ekos que

emprega os princípios ativos naturais da Amazônia, como óleos ou gorduras vegetais na

sua composição, com o intuito não apenas de melhoria dos produtos, mas principalmente

pela possibilidade de usar este fato como apelo de marketing

As primeiras empresas interessadas em biocosméticos ou cosméticos orgânicos

caracterizavam-se por serem de pequeno porte e concentrarem-se neste nicho de mercado

preocupado com o uso excessivo de produtos químicos pela sociedade industrial, sendo

seguidas pelas grandes marcas que desenvolveram linhas especificas, a partir do sucesso

das primeiras. O GENAMAZ (2012) coloca que as principais empresas de médio e grande

porte que se especializaram na venda de cosméticos com base natural como a Yves Rocher

(francesa), The Body Shop (inglesa), Biotherm (francesa). Outras empresas de cosméticos

tais como a L’Oreal, Esther Laudel, Clinique mantiveram sua produção de cosméticos com

princípio ativo sintetizado, abrindo linhas específicas de produtos com base natural para

atender à crescente demanda do consumidor natural.

A demanda, por esse tipo de produto, cresceu à medida que o público em geral

percebeu a qualidade dos produtos e esta mudança provocou um movimento das indústrias

tradicionais deste segmento que as fez investirem em pesquisa e desenvolvimento de seus

próprios produtos ou ainda na aquisição de empresas já estabelecidas. O IBD – Instituto de

Biodinâmica - (2008) confirma tais dados ao colocar que o mercado de cosméticos

orgânicos está crescendo no mundo. Grandes players, como L’Oreal (França), L’Occitanne

(França), Lush (Reino Unido) e Aveda (USA), para citar alguns, estão dando passos

concretos nessa direção e lançando novos produtos. Cita ainda que a L’Oreal comprou a

The Body Shop inglesa e a Sanaflore francesa, ou seja, pequenas empresas especializadas

estão sendo adquiridas pelas grandes empresas mundiais de cosméticos. Já em 2017, a


Natura comprou a The Body Shop da L´Oreal por 1 bilhão de euros, demonstrando a

valorização dos biocosméticos ou cosméticos orgânicos no mercado atual.

Esse crescimento generalizado coloca o tema em evidência e mostra vantagens e

desvantagens, oportunidades e ameaças. De um lado posicionam-se os países produtores e

detentores de tecnologia e de outro os países fornecedores de material orgânico que na

maioria dos casos não dispõem de capacitação para a oferta do produto final e por isso tem

uma posição desfavorável. Este cenário é confirmado pelo GENAMAZ (2012) ao relatar

que a expansão da indústria de cosméticos natural tem resultado em fortes questionamentos

nos países detentores da biodiversidade sob dois distintos aspectos:

1º) impactos do extrativismo: está associado aos ecologistas e protetores do meio

ambiente que questionam os impactos do extrativismo comercial sobre a floresta e sobre as

populações tradicionais

2º) coleta de matéria prima: a institucionalização da coleta de matéria prima que

supra os bancos genéticos para a bioprospecção e a regulamentação do acesso das

empresas de cosméticos aos recursos naturais é imprescindível.

Revilla (2002) observa que o universo de plantas amazônicas para o uso na

cosmética é praticamente ilimitado, e que a cada dia novas espécies são registradas,

aumentando as possibilidades de uso destas como fontes de vitaminas, óleos vegetais,

essências, cicatrizantes e outros. Abrantes (2002) observa que o volume de produção e

venda de produtos baseados em produtos naturais da Amazônia ainda é modesto em

relação ao seu potencial e destaca que a sustentabilidade desta atividade vincula-se muito

mais à capacidade de empreender do que à abundancia dos recursos naturais e à vocação

regional.

Segundo a SUFRAMA (2012) no Amazonas, dentro da cadeia produtiva dos

fitoterápicos e cosméticos, existem quatro segmentos: Fornecedor de matéria-prima;


Usinas de extração de óleo bruto; Indústria de refinamento de óleos vegetais e a Indústria

de fitoterápicos e cosméticos.

Desta forma, a cadeia produtiva local se integra a cadeias globais, os fornecedores

das comunidades amazônicas como Santo Antonio do Abonari vendem seus produtos para

indústrias de refinamento de óleos vegetais locais ou nacionais e estas beneficiam o óleo

bruto e vendem o produto com uma qualidade superior a indústrias de médio e grande

porte dentro e fora do país e estas produzem cosméticos orgânicos ou biocosméticos e

vendem para consumidores espalhados por diversos países mundo afora.

No Amazonas, essa realidade agrega o discurso de desenvolvimento sustentável,

uma vez que a atividade extrativa ao integrar-se a cadeias produtivas de grandes indústrias

poderia trazer benefícios financeiros aos extrativistas e às comunidades em que vivem. No

entanto, esta realidade ainda é pouco estudada e baseia-se em discurso político, dos

industriários e do marketing utilizado por estas empresas. Miguel (2007) destaca que no

que se refere à Amazônia tem-se que analisar de que forma esta atividade contribui com o

desenvolvimento em bases sustentáveis. Tem-se que avaliar se estes modelos são capazes

de agregar valor ao produto regional, incorporar novas tecnologias, aproveitar a

biodiversidade em bases sustentáveis e repartir os benefícios com as comunidades locais

incluídas neste processo.

Um dos problemas recorrentes em produtos extrativos é que a oferta geralmente

não consegue atender a demanda crescente do mercado como aconteceu com o pau-rosa, a

borracha, a madeira, entre outros. Nem sempre a sustentabilidade biológica garante a

sustentabilidade econômica e vice-versa. Nestes casos, muitas vezes a pesquisa científica

leva ao processo de domesticação transformando a atividade extrativista em um

monocultivo. De acordo com Homma, Matos e Menezes (2005) a domesticação torna-se

inevitável quando o setor extrativo não consegue atender a demanda de um mercado


crescente, o extrativismo só conseguirá sobreviver enquanto o mercado for pequeno ou o

estoque natural for suficiente. Ignorar isto seria negligenciar as evidências históricas

amazônicas, nacionais e mundiais.

No entanto, este cenário não se aplica a mercado de produtos ecológicos, pois

seus consumidores pertencem a um nicho de mercado peculiar, são exigentes quanto a

procedência da matéria-prima e a forma de retirada desta da natureza, preferem o manejo

de recursos naturais com certificações ambientais ao monocultivo que descaracterizaria o

extrativismo e a sustentabilidade do processo como um todo. Não se importam em pagar

mais por um produto oriundo de bases sustentáveis, desde que esta seja garantida pela

conservação ambiental e o retorno social para os fornecedores de matéria prima, neste caso

os agricultores familiares.

Considerando que o extrativismo baseia-se na produção de bens cujos recursos

naturais úteis são retirados diretamente do local de ocorrência na natureza (DRUMMOND,

1996). As indústrias precisaram adequar-se e passaram a ter seus ciclos produtivos ligados

aos ciclos naturais, pois as matérias-primas naturais oriundas do extrativismo têm um

tempo certo e uma zona climática específica para serem colhidas e, posteriormente

beneficiadas, logo as indústrias não podem interferir ou manipular este processo natural.

Para esse processo de mudança, a cultura empresarial deverá estar aberta a incluir

novos processos produtivos e valores internos. Para Miller (1998) deve-se estar

comprometido em perturbar o equilíbrio natural interno das organizações e levar as

empresas a considerarem novas possibilidades estratégicas criadas pelas descobertas dos

seus cientistas a desenvolverem novos processos, usos, produtos ou dispositivos.

Por meio do agroextrativismo, o homem amazônico insere-se na economia global

como fornecedor de matéria-prima para uma cadeia produtiva que atende a uma demanda

exigente em diferentes pontos do planeta. Leff (2011) ressalta que o saber local das
comunidades é onde se funde a consciência do seu meio, o saber sobre propriedades e as

formas de manejo de seus recursos, as formações simbólicas e o sentido de suas práticas

sociais, nas quais se integram diversos processos no intercâmbio de saberes. Portanto, a

inserção destas atividades não pode quebrar este relacionamento com o meio, esse

processo deve interagir com estas populações de forma a criar práticas que sejam

naturalmente adaptadas a suas rotinas, não deve ser imposto, mas incorporado ao dia a dia

destas comunidades.

Na comunidade Santo Antônio do Abonari, o buriti (mauritia flexuosa) é um

produto endógeno, uma vez que é nativo da região amazônica, nasce de forma espontânea

em áreas alagadiças na floresta e em seu entorno. Os produtos extraídos desta planta são

consumidos pela população local, como alimento, no artesanato e na construção de

moradias. Neste contexto, o exógeno são as tecnologias introduzidas para o processamento

e beneficiamento do buriti e a interligação da comunidade com o mercado globalizado

ocorrida nas relações estabelecidas nas transações comerciais deste produto.

No entanto, quando se trata do extrativismo para a indústria esta opção econômica

deve ser considerada com cautela e políticas públicas devem ser aplicadas para garantir o

bem-estar do extrativista, uma coleta balanceada e a conservação da biodiversidade, uma

vez que quando esta atividade ocorre livremente tende ao esgotamento dos recursos.

Almeida at al. (2004) considera que espécies que costumam ser caçadas ou colhidas por

serem humanos têm maiores possibilidades de serem extintas.

A sustentabilidade de um determinado processo produtivo, de uma comunidade

ou região, dependerá de fatores únicos, inter-relacionados e com valores econômicos,

sociais e ambientais distintos para cada cultura ou sociedade relacionados ao recurso em

questão. Sachs (2002) coloca que uma boa combinação de recursos ambientais abundantes

e baratos, força de trabalho qualificada e conhecimento moderno resultam em uma


vantagem comparativa inigualável, contradizendo o pensamento de que os recursos

ambientais perderam sua importância diante dos recursos e do conhecimento da era

industrial.

Desta forma, o extrativista insere-se na economia global pelas vantagens e

atratividade dos produtos, mas precisa lidar com empresas de grande porte, que atendem a

um público exigente e diferenciado. Ele é o elo inicial de uma cadeia produtiva e isso

modifica toda a sua experiência e vivência, ligando o mundo rural ao urbano, misturando

conceitos, alterando o lugar e o espaço onde vive esse produtor.

2. METODOLOGIA DA PESQUISA

Apoiando-se em Sachs (2002) tem-se que o estudo da sustentabilidade deve ter

três pilares básicos que são o social, o econômico e o ambiental. Portanto, em um estudo

sobre questões permeadas por essa temática, deve utilizar ferramentas que sejam capazes

de capturar observações sob estas três óticas nas fases distintas da pesquisa como

apresentado e detalhado na Figura1.

Figura 1: Organograma das atividades executadas. Período: 2011-2015


Fonte: Elaborado pela autora, 2015.
Desta forma, esta pesquisa caracterizou-se como Estudo de Caso tendo como

objeto de estudo a inserção da produção de óleo de buriti na Comunidade Santo Antônio


do Abonari, onde se buscou analisá-la de forma sistêmica e complexa, com um olhar

holístico dentro da realidade em que se insere. Yin (2010) coloca o estudo de caso como

uma investigação empírica que se aplica ao estudo de um fenômeno contemporâneo em

profundidade e em seu contexto de vida real, o que se coaduna a este caso.

Foi realizado um estudo da bibliografia existente com o intuito de conhecer o

debate acadêmico sobre a temática e contrapô-lo à realidade estudada. As principais fontes

de pesquisa foram livros, teses, dissertações, revistas indexadas, artigos científicos, entre

outros. Em complemento à pesquisa bibliográfica, realizou-se a pesquisa de campo para

coleta de dados relacionados ao estudo de caso.

Na pesquisa de campo, as técnicas de observação (participativa ou não

participante) e a entrevista foram instrumentos primordiais em todas as fases de busca de

informações complementares para uma maior compreensão da realidade estudada, com a

interação direta com os agricultores familiares.

A natureza da pesquisa foi qualitativa, uma vez que buscou entender a

realidade estudada, suas manifestações e relações intrínsecas, de modo a identificar dentro

da complexidade desta problemática, as interações sociais, econômicas e ambientais que

foram desencadeadas a partir da inserção da atividade de produção do óleo de buriti. Neste

sentido, Minayo (2006) coloca que qualquer investigação social deveria contemplar o

aspecto qualitativo, uma vez que o objeto das ciências sociais, o sujeito do estudo é

complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação.

3. RESULTADO E DISCUSSÕES
A Comunidade Santo Antônio do Abonari, em Presidente Figueiredo – AM, a

Abonari caracteriza-se como uma área de produção rural com tamanhos que variam de 25

ha a 50 ha, na qual se praticam a pluriatividade agrícola e familiar. A produção de buriti

nesta Comunidade sempre foi expressiva e destacou-se no município de Presidente

Figueiredo. No entanto, este fruto tradicionalmente tinha como destino principal consumo

interno, as fábricas de sorvete e feiras da capital Manaus. Desde 1992 a comunidade já

trabalhava com a venda do buriti, quando comercializava em média de 1.000 (mil) sacas de

50 quilos de buriti in natura por safra.

Em 2002 (Figura 2), a empresa C, localizada no Polo Industrial de Manaus, estava

em busca de uma localidade onde a produção de buriti fosse abundante para suprir sua

demanda por óleo de buriti e atender a clientes produtores de cosméticos. Durante visita à

Secretária de Ação Comunitária de Presidente Figueiredo recebeu a indicação da

comunidade Santo Antônio do Abonari como maior fornecedora do fruto no município. E

assim a comunidade foi identificada como produtora potencial.

Figura 2: Sequência dos processos produtivos desenvolvidos na miniusina da Associação ABORITI.


Fonte: Elaborado pela autora, 2015.

No início da operacionalização das atividades, a empresa buscou uma parceria

para o fornecimento de polpa seca, um processo artesanal muito simples que rapidamente
foi assimilado pela comunidade. Nos anos de 2002 e 2003, o processo consistia na

colheita dos frutos, retirada da polpa e secagem ao sol em lonas. No terceiro ano em 2004,

o processo produtivo teve um incremento, passou-se a exigir que a polpa seca fosse

peneirada antes da entrega para retirada da casca e demais resíduos.

O projeto começou a desenvolver-se e outras parcerias foram surgindo e

auxiliando em sua execução do mesmo. Em 2005, foi necessário montar uma estrutura que

possibilitasse a extração do óleo do buriti e a capacitação dos comunitários para operar as

máquinas. O CDH - Conselho de Desenvolvimento Humano do Estado do Amazonas com

recursos do FDH - Fundo de Desenvolvimento Humano do Estado do Amazonas financiou

R$ 82.000,00 (oitenta e dois mil reais) a fundo perdido, que foram utilizados para a compra

dos maquinários e de equipamentos. No ano de 2005, houve ainda a Certificação

SmartWood.

Os problemas iniciam-se a partir de 2006, quando a produção de polpa é

substituída pela de óleo de buriti. Nesta fase, embora inicialmente, tenha havido um grande

engajamento pelos órgãos municipais e estaduais e a Associação tenha sido certificada

ambientalmente pela SMARTWOOD, também as máquinas tenham sido instaladas e ainda

a empresa C tenha acompanhado todo o processo, muitos aspectos foram ignorados. Este

foi o contexto geral que levou a interrupção da atividade, em 2007, consequentemente,

resultando na perda de todo esforço empreendido.

Neste momento, a comunidade formada por agricultores familiares realizou sua

primeira produção industrial. Eles nunca tinham fornecido ou se relacionado com

indústrias especializadas. A maioria deles não possuía o ensino fundamental ou

conhecimento das dinâmicas industriais e não estavam preparados para o contato com o

mercado competitivo que exige normas de qualidade e especificações técnicas quanto ao

produto a ser entregue.


Após a produção dos 350 quilos de óleo solicitados pela empresa C, o Sr. J. D.,

diretor da empresa, levou uma química para analisar o óleo produzido, o que causou

surpresa aos comunitários. A mesma constatou uma acidez de 22% no produto, levando a

empresa à desistência da compra, uma vez que a acidez máxima aceita pela empresa seria

de 10%.

Desta forma, a empresa C inviabilizou todo o processo, faltou com

comprometimento e responsabilidade social. A comunidade foi abandonada com toda a

produção e seus compromissos para com os comunitários que se envolveram no processo

produtivo. Esta atitude causou espanto e indignação na comunidade que não aceitou este

posicionamento. Iniciou-se assim, o processo de rompimento do vínculo na parceria

Empresa C - Abonari e de desmotivação dos comunitários em participar do projeto.

Neste processo de inserção da comunidade Santo Antônio do Abonari, observa-se

um despreparo e um desconhecimento dos gestores da empresa C quanto a este tipo de

projeto, considerando que uma empresa transforma agricultores familiares em seus

fornecedores. É preciso reconhecer o fato destas comunidades de agricultores necessitarem

de legislação para sua proteção e da biodiversidade envolvida nos processos produtivos. E

mais, necessitam de assessoramento técnico participativo para não ocorrerem problemas

quanto a prazo e qualidade. Devem também, estarem amparados por contratos justos de

acordo com a legislação vigente.

Após a quebra do acordo verbal, a Associação precisou recorrer aos órgãos

públicos para recuperação de parte do trabalho aplicado e para garantir que recebimento do

valor prometido fosse pago pela empresa. O restante a ser recebido foi doado pela

Prefeitura Municipal para pagamento das despesas realizadas durante a produção. Após

esta ocorrência, os comunitários encerram a atividade por quatro anos.


Somente em 2011, quando o Sr. J.G. torna-se presidente da comunidade e busca

parcerias, reinicia-se o processo de reativação da produção de óleo de buriti. Neste estágio,

precisaram buscar novos consumidores e o processo se modificou. Contaram com o apoio

e incentivo de um professor e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas que

havia participado da implantação da miniusina, e de um candidato a prefeito de Presidente

Figueiredo, ambos tornaram-se fundamentais para a ligação entre a comunidade e o

mercado comprador, fornecendo inclusive aporte financeiro para o capital de giro inicial,

no montante de R$ 20.000,00.

Com este novo impulso, a Associação se reorganizou e retomou a produção, cuja

soma foi de 663 quilogramas de óleo com uma acidez de 4,41%. Isso demonstra que a

Associação com capital de giro, capacitação dos agricultores associados e

acompanhamento está apta a produzir o óleo com a qualidade necessária. Toda a produção

foi vendida, o empréstimo de R$ 5.000,00 ao professor foi pago e o saldo líquido foi

positivo em, aproximadamente, R$ 12.000,00 (doze mil reais). No entanto, não

conseguiram saldar o empréstimo de R$ 15.000,00 com o candidato a prefeito. Como

agravante, naquele exercício foram apresentadas duas prestações de contas: em uma os

custos totalizaram R$ 20.216,30 e em outra totalizou R$ 26.462,30. Em nenhum dos casos

os valores aferidos com a venda seriam suficientes para cobrir os custos de produção e a

quitação do empréstimo.

Na safra de 2012, o óleo de buriti foi vendido para uma empresa sediada no estado

do Pará, este foi enviado pelo porto de Manaus e o montante total auferido pela Associação

foi R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais). Na transação ocorreram problemas de

comunicação, os associados afirmam que a empresa agiu de má fé, pois quando recebeu a

remessa, demorou a realizar o pagamento. Após um período de negociações a empresa


propôs um pagamento em prestações de R$ 500,00, o que levou todo o ano de 2014 para

integralizar a soma total da dívida.

Com isto, pode-se verificar mais uma vez as fragilidades da Associação frente a

um mercado competitivo, com empresas em cidades distantes e sem ferramentas eficientes

de controle e de cobrança resultou em comprometimento financeiro e, consequentemente,

em falta de recursos disponíveis para prosseguir com as atividades. Mais uma vez, as

empresas compradoras comportaram-se dentro da lógica de mercado, que busca a

otimização dos resultados financeiros, e fora dos padrões éticos, pois quebraram acordos

comerciais verbais e aproveitaram-se do isolamento e dificuldade de acesso a instrumentos

de cobrança por parte dos agricultores fornecedores para adiar pagamentos e a beneficiar-

se indevidamente da situação.

Figura 03: Sustentabilidade ambiental, econômica e social da produção de óleo de buriti pela Associação
ABORITI.
Fonte: Elaborado pela autora, 2015.
Para se avaliar a sustentabilidade de determinada atividade não basta

analisar-se apenas os impactos ambientais e/ou a capacidade de suporte e regeneração do


sistema, a viabilidade econômica ou ainda retorno social. É necessário que esta possa se

manter e reproduzir de forma contínua e equilibrada ao longo tempo, estes aspectos quanto

a produção de óleo de buriti na Comunidade Santo Antônio do Abonari são apresentados

na Figura 03.

Desta forma, observa-se que quanto à sustentabilidade ambiental, se

considerarmos a capacidade produtiva dos buritizeiros, constata-se que capacidade de

coleta dos associados, frente à quantidade de buritis da região é muito pequena, não

representa potencial impacto à regeneração da espécie (SMARTWOOD, 2005).

Em relação à viabilidade econômica da produção de óleo de buriti na Comunidade

Santo Antônio de Abonari para fins comerciais foram observados entraves na produção,

distribuição e comercialização do óleo de buriti. Para que o processo produtivo de óleo

para comercialização tenha continuidade há necessidade de mais capital para financiar o

pagamento dos funcionários, o transporte da produção e até mesmo para compra de

matéria-prima. A viabilidade econômica somente poderá ser verificada quando houver a

capacidade de pagamento de todos os custos, remuneração do capital investido e, ainda,

garantir uma margem de lucro.

Constatou-se que faltam elementos básicos de infraestrutura e logística para a

produção e comercialização do produto. Não há na comunidade nenhum meio de

comunicação confiável, portanto um dos problemas graves é o isolamento. Desta forma, a

comunicação com as empresas compradoras torna-se praticamente impossível e deixa a

associação dependente de terceiros que vivem fora da comunidade para negociar a sua

produção.

Dentre os fatores a serem considerados, a capacidade de gestão é outro fator

preocupante. As decisões e prestações de contas simples são dominadas por alguns

associados, mas quando ocorre alguma complexidade, como negociações de prazos e


principalmente a resolução de conflitos internos, percebe-se deficiências que podem gerar

problemas à produção e comercialização do óleo de buriti e principalmente a harmonia

social da comunidade. A falta de controle sobre os gastos e a dificuldade de

comercialização do produto levaram ao esgotamento do capital de giro, deixando a

associação sem condições de reiniciar as atividades na safra seguinte.

Os ganhos que poderiam fomentar o crescimento de outras atividades como

pequenos comércios ou prestação de serviços não se realizaram. A qualificação

profissional mínima nestes casos não aconteceu como deveria, por falta de oferta de cursos

solicitados pela comunidade como o de contabilidade básica e controladoria financeira ou

ainda por falta de quórum em cursos ofertados pela prefeitura do município.

A produção de óleo de buriti na comunidade Santo Antônio do Abonari, em um

olhar superficial pode ser considerada como uma vocação regional, como fator de

desenvolvimento endógeno. No entanto, ao se analisar mais profundamente, observa-se

que, tradicionalmente, a comunidade já se relacionava com as indústrias de sorvete da

cidade de Manaus, as quais consegue acessar facilmente e manter um relacionamento até

os dias atuais. Ao contrário do que ocorria com a indústria de cosméticos, visto que esta se

encontra muito distante da comunidade.

A identificação da comunidade, a inserção da atividade não foi algo que surgiu de

um anseio ou necessidade desta população, mas veio para atender a uma necessidade de

matéria-prima da indústria, de uma empresa específica. A busca pelo apelo da

sustentabilidade levou a necessidade do emprego de materiais naturais, sem agressão à

natureza e com o discurso de melhoria de vida das populações que foi aplicado neste caso,

mas não se buscou entender a necessidade destas pessoas, não se pensou nos impactos que

teria sobre suas vidas ou de buscar-se por formas que pudessem oferecer um benefício

permanente e sustentável.
A introdução de uma comunidade rural na cadeia produtiva de uma grande e

competitiva indústria, como a de cosméticos deve ser pensada de forma holística e

sistêmica. Holística, porque é necessário pensar na comunidade ao se relacionar com o

todo, ou seja, com a indústria competitiva global e como esta indústria vai se relacionar

com a comunidade. Como estas vão formar um mesmo sistema, mesmo vivendo realidades

tão distintas. O caráter sistêmico da sustentabilidade é algo que quando percebido pelas

sociedades aumenta a sinergia entre as ações governamentais, institucionais e sociais. O

entendimento da interdependência e da fragilidade dos organismos individuais dentro das

variações de seu ecossistema mostra-se essencial para a mudança de comportamento e

quebra de paradigmas sociais.

4. CONCLUSÕES

A inclusão de comunidades amazônicas na cadeia produtiva de produtos

industrializados costuma ser defendida como opção de desenvolvimento sustentável para

estas comunidades e para melhoria do processo produtivo como um todo pela redução de

bases químicas e do uso de fontes de matérias-primas ecológicas. No entanto, a experiência

mostra que, em muitos casos, a atividade é iniciada e posteriormente abandonada pelas

empresas prospectoras.

A ideia de utilizar os potenciais ou vocações regionais como diferenciais

competitivos para o desenvolvimento regional, no caso da Comunidade Santo Antônio do

Abonari não vislumbrou as dificuldades em se atender às especificidades técnicas de

indústrias globais em uma localidade distante dos grandes centros, com pouca

infraestrutura e mão de obra não especializada para a produção e relacionamento com os

mercados, este contexto levou ao rompimento e estagnação da atividade.

Depreende-se, portanto, que as empresas precisam buscar formas de relacionar-se

com estas comunidades, oferecendo não apenas máquinas e equipamentos, mas


capacitação técnica, administrativa e financeira, acompanhando o processo nas fases

iniciais, de forma a criar um vinculo com a comunidade, uma relação de confiança que

permita a interação e a troca de experiências e conhecimentos para que quando surgirem os

entraves ou dificuldades possam ser resolvidos em parceria, reduzindo as diferenças entre a

lógica do agricultor familiar e a cultura organizacional do mundo empresarial.

A partir do estudo de caso da Comunidade Santo Antônio do Abonari, constatou-

se que a inserção de uma comunidade de agricultores familiares na economia global,

precisa ser planejada por meio de um estudo profundo que envolva uma equipe

multidisciplinar para a avaliação inicial e o acompanhamento durante os primeiros ciclos

produtivos para que as populações locais possam assimilar os conhecimentos e a práticas

de manejo, produção e armazenamento para garantir a qualidade dentro das especificações

técnicas de cada produto e condições de manutenção da atividade por boas práticas de

gestão e controle financeiro.

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EIXO 6
Mercado de trabalho:
trajetória e cenários
DEFINIÇÃO DO PERFIL DO MERCADO DE TRABALHO DO
ECONOMISTA NO MERCADO DE TRABALHO DE MINAS
GERAIS NO ANO DE 2010

Daniela Almeida Raposo Torres1


Karolina Barbosa Alves2
Patrícia Alves Rosado Pereira3

Resumo
Este artigo objetiva definir o perfil do economista no mercado de trabalho

mineiro para o ano de 2010. Para tanto, descreve-se o comportamento dos economistas

graduados segundo características que revelam, a saber: situação no domicílio, gênero,

raça ou cor, avanço educacional e faixa etária; e das variáveis referentes ao mercado de

trabalho dos mesmos, tais como: tipo de trabalho, rendimento mensal, tipo de ocupação

e atividade produtiva, segundo dados do Censo de 2010. Os resultados mostram que os

economistas do estado de Minas Gerais atuam nas áreas inerentes a sua formação

profissional, bem como previstas pela legislação que regulamenta a profissão.

Abstract
This article aims to define the profile of the economist in the mining labor market

for the year 2010. For this, the behavior of the graduated economists is described

according to the characteristics that they reveal, namely, the situation at home, gender,

race or color, educational progress And age group; And labor market variables such as

labor type, monthly income, type of occupation and productive activity, according to data

from the 2010 Census. The results show that the economists of the state of Minas Gerais

1
Professora Adjunta, Departamento de Ciências Econômicas, Universidade Federal de São João del Rei
(UFSJ). E-mail: daniraposo@ufsj.edu.br.
2
Graduanda em Economia pela Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) e estagiária do
Corecon/MG. E-mail: karolina.balves@gmail.com.
3
Professora Adjunta, Departamento de Ciências Econômicas, Universidade Federal de São João del Rei
(UFSJ). E-mail: patyrosado@ufsj.edu.br
work in the inherent areas Vocational training as well as provided for by the legislation

regulating the profession.

Palavras-chave: mercado de trabalho; ocupação; economistas; Minas Gerais

1 Introdução
O presente estudo explora a inserção do economista no mercado de trabalho

mineiro a partir de dados do Censo de 2010. Neste trabalho analisa-se as interações entre

as profissões de nível superior e suas ocupações sob o prisma do profissional economista

no espaço regional mineiro. A justificativa para este estudo deve-se à inexistência de

recentes trabalhos sobre tal temática no contexto de mudanças no mercado de trabalho de

Minas Gerais. Ademais, o estudo de Menezes Filho (2012) sobre mão de obra qualificada

no Brasil, com dados do Censo Demográfico para os anos de 2001 e 2010, apontam para

a profissão de economia, dentre outras listadas pelo autor, uma ampliação da oferta em

relação a demanda, ou seja, a sociedade está precisando de mais profissionais nesta área

neste período. 4

Em termos do profissional economista, segundo Santos et al. (2014), o

economista, de maneira geral, é um profissional que analisa acontecimentos históricos e

sociais, informações e dados estatísticos, buscando compreender e explicar o

comportamento e o modo a partir do qual a sociedade utiliza seus recursos, assim como

prever e apontar tendências da atividade econômica e de fatos socioeconômicos.

No âmbito da formação educacional, os dados sobre escolaridade disponíveis no

Censo do Ensino Superior (INEP5, 2016) mostram que o número de matrículas no nível

acadêmico igual a uma graduação em Ciências Econômicas é de 50 mil alunos em média

4
Para mais detalhes ver MENEZES FILHO (2012), Naércio Apagão de Mao de Obra Qualificada? As
Profissões e o Mercado de Trabalho Brasileiro entre 2000 e 2010. São Paulo, Centro de Pesquisas
Públicas do INSPER e USP. Disponível em: http://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2012/10/
Apag%C3%A3o-de-M%C3%A3o-de-Obra-Qualificada- Naercio-Menezes-Filho.docx.pdf. Acesso em
abril de 2106.
5
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e Documentos – INEP.
para o período entre 2010 e 2015, enquanto o número de concluintes no curso é de 6 mil

bacharéis inseridos no mercado de trabalho em média para o período entre 2010 e 2015.

Além disso, o número de instituições de ensino superior ofertantes do curso de Ciências

Econômicas são 260, distribuídas em 120 unidades de ensino privadas e 140 publicas em

média para o período supracitado.

Após a formação, para exercer a profissão, o economista deve estar registrado

nos Conselhos Regionais de Economia (CORECONs), responsáveis pela expedição da

carteira profissional, como determina a regulamentação, que no Brasil foi realizada em

13 de Agosto de 1951, quando o presidente Getúlio Vargas sancionou a Lei n°. 1411/51

e o Decreto n° 31.794/52. Tais normas passaram a regulamentar o exercício da profissão,

definindo o perfil do profissional, as áreas de atuação e atividades direcionadas e demais

ações que fazem parte e asseguram o exercício do economista. 6

Além da Lei n° 1.411/51 e do Decreto n° 31.794/52, em conjunto foi criado o

Conselho Federal de Economia (COFECON) que é uma autarquia responsável pela

fiscalização e pela regulamentação da profissão de Economista, com o auxílio dos

Conselhos Regionais de Economia que fazem parte do sistema COFECON/CORECON´s.

O Conselho Regional de Economia do Estado, CORECON/MG7, é órgão legalmente

constituído para registrar, orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão do economista no

Estado de Minas Gerais.

Ademais, a escolha do estado como base deste artigo se deve ao fato de Minas

Gerais ser o estado com maior número de universidades federais instaladas, em seu

território, se comparado a outros estados brasileiros, sendo muitas pioneiras em ensino e

6
Para mais detalhes sobre o Conselho ver CORECON/MG, disponível em:
http://www.portaldoeconomista.org.br/legislacao/. Acesso em abril de 2016.
7
Para mais detalhes sobre a legislação ver CORECON/MG, disponível em:
http://www.portaldoeconomista.org.br/legislacao/. Acesso em abril de 2016.
com os cursos mais antigos do país8. De acordo com dados do Censo do Ensino Superior

(INEP, 2016), o estado comporta 346 instituições de ensino superior até o ano de 2012,

as quais são distribuídas em: 17 universidades federais, 5 unidades estaduais, 7 unidades

municipais, e 317 unidades privadas. É o estado com o maior oferecimento de vagas

públicas federais do Brasil, com participação de aproximadamente 14,28% (INEP, 2016).

Há o oferecimento do curso de bacharelado de Ciências Econômicas, na quase totalidade

das universidades federais instaladas no estado, com exceção da UFLA, UNIFEI e UFTM

(ENADE, 2012).

Diante do exposto, o questionamento base do presente estudo é definido como:

Há evidências de que o bacharel em Economia exerceu a profissão no mercado de

trabalho mineiro no ano de 2010? Diante de tais questionamentos, a hipótese de estudo é

de que o profissional de economia está atuando nas áreas típicas de sua profissão no

estado de Minas Gerais no ano de 2010. A escolha do ano deve-se a utilização dos

microdados do Censo Demográfico do IBGE (2016) disponíveis para o ano de 2010 tendo

em vista que apenas no questionário detalhado do censo é perguntado o maior nível de

instrução dos entrevistados e o curso concluído. Em face desta base de informações, o

artigo objetiva definir o perfil do economista no mercado de trabalho mineiro para o ano

de 2010.

Para tanto, este estudo está estruturado, além da introdução e da conclusão, em

mais quatro seções. A segunda seção apresenta uma breve identificação e definição dos

fatores que determinam a demanda pelo profissional de economia. Em seguida, apresenta-

se a regulamentação desta profissão por leis, por desdobramentos e soluções encontradas

8
O estado acolhe 11 universidades federais: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade
Federal de Alfenas (UNIFAL), Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),
Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM),
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri –
Diamantina (UFVJM) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV).
para as ambivalências legais. No terceiro item descreve-se a metodologia base do estudo

junto à descrição dos dados e filtros utilizados. Por fim, tem-se a seção de análise e

discursão dos resultados.

2 Referencial Teórico
2.1 Fatores que determinam a demanda pelo profissional de economia

Quando o assunto é mercado de trabalho, é necessário analisar alguns aspectos

que o influenciam, tais como: as aspirações do trabalhador, dos seus demandantes e de

outras características conjunturais e estruturais referentes a política econômica em vigor

e suas interferências neste mercado. De acordo com a conceituação da Economia do

Trabalho (BORJAS, 2012), os aspectos sobre a relação empresa-trabalhador, tem, por um

lado, que o mesmo está interessado nas características das empresas, confrontando o

interesse em alugar seus serviços à aquela que lhe proporcione melhores condições de

trabalho e rendimento. Já as empresas buscam profissionais que possibilitem a

maximização da sua função de produção, elevando o retorno dos investimentos,

considerando o desimpedimento de recursos para pagar a mão de obra do trabalhador.

Desse modo, o equilíbrio seria aquele em que os interesses de ambos se igualem

ou quando a satisfação é plena entre as partes. Além de todos esses interesses, há também

aspectos econômicos estruturais e conjunturais que influenciam as pretensões dos agentes

econômicos que fazem parte da construção para o equilíbrio do mercado de trabalho entre

as partes. Fatores como política econômica, salários, subsídios de emprego e restrições à

capacidade dos empregadores de admitirem ou demitirem trabalhadores complementam

algumas das variáveis que compõem a estrutura de regulamentação dos aspectos da

demanda por trabalho das empresas, afetando, deste modo, o volume de contratação das

mesmas (BORJAS, 2012). Borjas (2012) também frisa a importância da qualificação do

trabalhador. Esta possui grande valor tanto do lado da demanda, quanto da oferta por

trabalho, de acordo com o autor a demanda por trabalhadores não qualificados é mais
elástica do que as do mais qualificados. Já a demanda por qualificação tem como

principal objetivo a maximização dos fluxos de rendimentos ao longo da vida ou, pelo

menos, a maximização da sua utilidade futura. Assim, a decisão do investimento em

qualificação, por parte do trabalhador, é feita confrontando-se o fluxo de rendimentos

esperados, excluindo os custos relacionados à sua aquisição, ao valor presente da renda

esperada, para o caso de não realização do investimento. Assim, ainda segundo Borjas

(2012), enquanto o primeiro for maior, há incentivos para a qualificação.

É possível uma melhor análise incluindo no estudo a Teoria do Capital Humano

(EHRENBERG, 2000), desenvolvida entre a década de 1960 e 1970, que tornou a

demanda por educação, um campo de pesquisa essencial e central dentro da Economia do

Trabalho. Ehrenberg e Smith (2000) definem capital humano como: “a expressão que

conceitua os trabalhadores como incorporadores de uma série de habilitações que podem

ser ‘alugadas’ aos empregadores.” (p. 319). Assim, quanto maior o “estoque” de capital

humano de um trabalhador, maior a sua remuneração, que tem seu valor definido pelo

preço no mercado de trabalho da capacidade produtiva destas qualificações. É importante

considerar as alterações de curto e longo prazo no comportamento da demanda por mão

de obra. O curto prazo é um pequeno espaço de tempo em que a empresa aumenta ou

reduz o tamanho de sua estrutura física, compra ou venda equipamentos, com o objetivo

de se (re) alocar à conjuntura econômica. Como Borjas (2012) explica:

“Uma empresa que visa a maximização de lucros produz até que o preço do
produto seja igual ao custo marginal de produção. Essa condição de
maximização de lucros é a mesma que o das empresas que exigem a
contratação de trabalhadores até que os salários sejam iguais ao valor do
produto marginal. ” (p.106)

Sendo assim, na busca da maximização de suas receitas, as empresas, portanto,

não oferecerem um número de vagas que exceda a sua capacidade de absorção de mão de

obra, para que não ocorra comprometimento de seus lucros. Assim, o curto prazo mostra

os ciclos da economia (expansão e recessão), já que ocorrem com maior rapidez. No longo
prazo, a empresa conta com todos os fatores variáveis. Assim, a empresa pode expandir,

ou reduzir, suas instalações e equipamentos, à medida que nota a necessidade e

possibilidade de adequação às oscilações do mercado, principalmente, com relação

àquelas ligadas à captação de recursos para seus investimentos. Desta forma, em

momentos de expansão econômica, há aumento na produção e, por consequente, elevação

dos salários reais e do nível de emprego. Já em momentos de recessão, o processo é

inverso (BORJAS, 2012).

Para entender como funciona a demanda pelos economistas apresenta-se o

conceito de Macedo (2003) e Santos et al. (2014). Para Macedo (2003), a demanda pelos

profissionais de Economia se explica, em parte por uma “lei” econômica, a chamada Lei

de Say, que diz que a oferta ou produção gera demanda por ela mesma. Já Santos et al.

(2014) apontam a dificuldade de demonstração de fatores que determinam a demanda

pelo profissional, pois a mesma tende a não apresentar sazonalidade no curto prazo.

De acordo com os autores, os fatores determinantes da demanda pelo

profissional de Economia são a junção e interação de aspectos específicos da atuação

(pertinentes à própria profissão e respectivas áreas de atuação) com características gerais

do mercado de trabalho (referentes à procura por mão de obra).

2.2 Regulamentação da profissão por leis e desdobramentos

No dia 13 de agosto de 1950, foi feita a regulamentação da profissão de

economista, com a promulgação da Lei n° 1.411/51 e do Decreto n° 31.794/52, que além

de regularizar a profissão delimitam também o mercado de trabalho de acordo com as

áreas específicas de atuação. De acordo com o artigo 1° das referidas normas determina

que a profissão de economista é privativa:

a) Dos bacharéis em Ciências Econômicas, diplomados no Brasil, de


conformidade com as leis em vigor;
b) Dos que possuem cursos regulares no estrangeiro, após a devida
revalidação do respectivo diploma no Ministério de Educação e Saúde⁶ ; e
c) Dos que, embora não diplomados, forem habilitados na forma deste
Regulamento. (LEI Nº 1.411/51; DECRETO Nº 31.794/52).

O artigo 3° do decreto aponta as áreas e atividades profissionais privativas do

economista ou que, pelo menos, deveriam ser executadas especificamente por esses

profissionais. Assim, de forma delimitada, apresentam-se algumas das fundamentais

áreas de atuação do economista: Assessoria e Consultoria; Carreira Acadêmica;

Elaboração de Viabilidade Econômica de Projetos; Gestão do meio ambiente e dos

recursos naturais; Orçamento e Gestão; Orientação em Comércio Exterior; Pericia e

arbitragem; Desenvolvimento e planejamento econômico; Elaboração de estudos

mercadológicos; Economia de empresas; Orientação financeira; etc. (CORECON/MG,

2016).

Se tratando de atribuições privativas à profissão dentro dessas áreas , segundo o

CORECON/ MG , visto dados citados cabe aos economistas executar suas atividades por

meio de estudos, pesquisas, análises, relatórios, pareceres, perícias, arbitragens, laudos,

certificados ou por quaisquer atos de natureza econômica ou financeira, inclusive por

meio de planejamento, implantação, orientação , supervisão ou assistência dos trabalhos

relativos às atividades econômicas ou financeiras, em empreendimentos públicos ,

privados ou mistos. O economista para o exercer a profissão, tem por obrigação efetuar o

registro e também o pagamento das anuidades ao Conselho, visto que, de acordo com o

artigo 18 da Lei n° 1.411/51: “a falta do competente registro torna ilegal e punível o

exercício da profissão de economista”.

3 Metodologia
Para atingir os objetivos deste estudo utilizam-se microdados do Censo

Demográfico do IBGE (2016) para o ano de 2010 a nível estadual (Minas Gerais) em

termos ocupacionais, a saber, economistas. Vale ressaltar que, todos os dados censitários

utilizados foram ponderados pelos respectivos pesos amostrais, de modo a obter


estimativas dos parâmetros populacionais de interesse da pesquisa realizada. Ademais, no

questionário mais detalhado do censo, indaga-se o maior nível de instrução dos

entrevistados, o curso concluído e também sua ocupação. Tais variáveis permitem um

melhor “traço” do perfil do profissional e também uma melhor percepção das

características ocupacionais no âmbito do mercado de trabalho mineiro.

Desta forma, a pesquisa trata especificamente dos economistas graduados

distribuídos nas 12 mesorregiões mineiras segundo características que revelam, a saber:

situação no domicílio, gênero, raça ou cor, avanço educacional e faixa etária. Por

limitação de espaço optou-se por apresentar informações sobre: inserção no mercado de

trabalho, rendimento mensal, tipo de ocupação e atividade exercida para o universo de

economistas graduados no Estado de Minas Gerais ora em comparação com o Brasil.

4 Análise e Discursão dos Resultados


4.1 Número, distribuição espacial e situação de domicílio
O Censo 2010 constatou que 16.712 pessoas declararam ter formação de

graduação em Economia, a Tabela 1 mostra a distribuição regional dos economistas, com

46,30% deles concentrados na região metropolitana de Belo Horizonte. Os demais

estavam distribuídos pelas regiões do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba, Sul/Sudoeste

de Minas, Zona da Mata, Norte de Minas, Campo das Vertentes, Oeste de Minas, Vale

do Rio Doce, Central Mineira, Vale do Mucuri, Noroeste de Minas e Jequitinhonha, em

ordem decrescente: 0,38%, 0,39%, 0,48%, 0,71%, 1,67%, 2,54%, 4,11%, 4,46%, 9,61%,

12,05%, 17,29%, respectivamente.

De acordo com dados do Censo de 2010 para todas as unidades da federação,

234.287 pessoas declararam ter formação de graduação em Economia como seu maior

nível educacional, logo, Minas Gerais conta com 7,13% do total nacional. (MACEDO,

2015). Quanto a situação do domicílio, em zona rural ou urbana, a Tabela 2 apresenta

essa distribuição por região. Os resultados mostram forte concentração nas zonas urbanas,
com porcentagens perto de 100% na grande maioria dos casos, sendo que no conjunto do

estado seu valor médio é de 98,3%.

Tabela 1 – Minas Gerais – Economistas – Distribuição Regional (2010).


Mesorregião % Total
1 - Noroeste de Minas 0,39 64,54
2 -Norte de Minas 4,46 745,83
3 - Jequitinhonha 0,38 64,13
4- Vale do Mucuri 0,48 80,94
5- Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 17,29 2888,85
6- Central Mineira 0,71 119,27
7- Metropolitana de Belo Horizonte 46,3 7737,93
8- Vale do Rio Doce 1,67 278,84
9- Oeste de Minas 2,54 424,83
10- Sul/Sudoeste de Minas 12,05 2013,26
11-Campo das Vertentes 4,11 686,82
12- Zona da Mata 9,61 1606,78
Total (Minas Gerais) 100,00 16712,02
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

Tabela 2 – Minas Gerais – Economistas – Situação do domicílio por Regiões (2010)


Situação do domicílio
Mesorregião
% Urbana % Rural
1 - Noroeste de Minas 95,1 4,9
2 -Norte de Minas 98,3 1,7
3 - Jequitinhonha 100 0
4- Vale do Mucuri 95,7 4,3
5- Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 99 1
6- Central Mineira 97,2 2,8
7- Metropolitana de Belo Horizonte 99,4 0,6
8- Vale do Rio Doce 100 0
9- Oeste de Minas 96,8 3,2
10- Sul/Sudoeste de Minas 95 5
11-Campo das Vertentes 95,8 4,2
12- Zona da Mata 97,6 2,4
Minas Gerais 98,29 1,70
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

4.2 Gênero, cor ou raça


A Tabela 3 apresenta a distribuição por gênero, conforme mesorregiões

mineiras, 59,2% dos economistas são homens e as mulheres tem maior presença na região

metropolitana de Belo Horizonte, nas demais regiões a participação não alcança os 50 %,


a aproximação de 48,2% acontece no Triangulo Mineiro, a participação total feminina é

de 40,8 %. Em Minas, pelos dados do Censo de 2010, percebe-se a desigualdade de

gênero em maior expressão em relação as algumas de suas mesorregiões, visto que no

estado, cerca de 60% dos economistas são homens e 40% mulheres.

Tabela 3 – Minas Gerais – Economistas – Distribuição por Gênero conforme


Mesorregiões (2010).
Sexo
Mesorregião
% Masculino % Feminino
1 - Noroeste de Minas 81,30 18,70
2 -Norte de Minas 58,20 41,80
3 - Jequitinhonha 64,50 35,50
4- Vale do Mucuri 76,50 23,50
5- Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 54,60 45,40
6- Central Mineira 51,80 48,20
7- Metropolitana de Belo Horizonte 59,00 41,00
8- Vale do Rio Doce 59,80 40,20
9- Oeste de Minas 56,70 43,30
10- Sul/Sudoeste de Minas 61,10 38,90
11-Campo das Vertentes 55,90 44,10
12- Zona da Mata 66,50 33,50
Minas Gerais 59,15 40,84
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

Relacionando os dados de cor ou raça declarada, conforme a Tabela 4, os

recenseados de cor branca predominam em todas as mesorregiões do estado, constituindo

82,04 % dos que responderam a essa questão. Os economistas que se declararam de cor

preta e indígenas não possuem presença superior a 10% em nenhuma das regiões,

inclusive os indígenas só aparecem (0,29%) na região Metropolitana de Belo Horizonte.

Existe forte participação dos declarados de cor parda nas regiões do Norte de Minas,

Jequitinhonha e Metropolitana de Belo Horizonte, respectivamente, com porcentagens de

42,24%, 40,99% e 16,58%. Conforme a Tabela 4 apenas na região do Vale do Mucuri

observa-se uma porcentagem acima de 10% dos declarados de cor amarela.


Tabela 4 – Minas Gerais – Economistas –Cor ou Raça declaradas por Mesorregião (2010).
Cor ou raça
Mesorregião % % % %
% Branca
Preta Amarela Parda Indígena
1 - Noroeste de Minas 95,07 0,00 0,00 4,93 0,00
2 -Norte de Minas 53,98 2,17 1,61 42,24 0,00
3 - Jequitinhonha 59,01 0,00 0,00 40,99 0,00
4- Vale do Mucuri 76,59 0,00 10,93 12,49 0,00
5- Triâng. Mineiro/Alto Paranaíba 82,24 4,10 0,00 13,66 0,00
6- Central Mineira 87,62 0,00 0,00 12,38 0,00
7- Metropol. de Belo Horizonte 79,60 3,18 0,35 16,58 0,29
8- Vale do Rio Doce 81,88 0,00 5,87 12,26 0,00
9- Oeste de Minas 87,57 2,57 0,00 9,86 0,00
10- Sul/Sudoeste de Minas 92,23 0,67 0,87 6,23 0,00
11-Campo das Vertentes 84,81 1,27 0,00 13,92 0,00
12- Zona da Mata 91,35 1,34 0,43 6,89 0,00
Minas Gerais 82,04 2,61 0,53 14,69 0,14
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

4.3 O Economista no Mercado de Trabalho - Avanço Educacional


4.3.1 Graduados e Avanço Educacional

Conforme Tabela 5, perto de 2.630 economistas graduados mineiros

frequentaram programas de pós-graduação do tipo especialização, mestrado e doutorado,

revelando assim que cerca de 17% do total de recenseados declarados graduados em

economia tem interesse por uma formação que vá além da graduação. No âmbito da

distribuição regional destacam-se as mesorregiões Central Mineira, Metropolitana de BH,

Vale do Rio Doce e Sul/Sudoeste Mineiro onde os graduados em economia buscam o

avanço educacional no estado.

Ainda conforme Tabela 5, apenas 0,42% dos economistas que se declararam

graduados frequentavam programas de Mestrado e Doutorado no Estado de Minas Gerais.

Tal inexpressividade no avanço da formação nestes aportes educacionais também são

percebidos nos economistas brasileiros, isso porque conforme dados do Censo de 2010

para o Brasil, cerca de 0,5% dos economistas graduados frequentavam programas de

mestrado e doutorado. (TABELA 6).


Para Macedo (2015) esse é um problema enfrentado também em outras

profissões, visto que o desenvolvimento dos programas de pós-graduação são

relativamente recentes no Brasil e a hierarquização por titulação na profissão do

Economista também é um fator determinante. Ainda segundo o autor são poucas

ocupações que exigem um mestrado “stricto sensu”, segue ainda mais restrito pela

exigência do Doutorado, nestes casos grande parte dos graduados optam por programas

de pós-graduação do tipo especialização. Esta modalidade de ensino é mais divulgada e

difundida, apresenta menor tempo para conclusão, menor burocracia e menores

exigências no processo seletivo (quando existe), bem como por serem mais direcionados

as ocupações aonde atuam os interessados.

Tabela 5 – Minas Gerais – Economistas – Avanço Educacional – Totais por Região –


(2010).
Curso mais elevado que frequentou
Mesorregião
% Graduação % Especializa % Mestrado % Doutorado
1 - Noroeste de Minas 95,07 4,93
2 -Norte de Minas 86,04 13,96
3 - Jequitinhonha 100 0
4- Vale do Mucuri 81,59 18,41
5- Triâng. Mineiro/A. P 85,47 14,53
6- Central Mineira 70,43 26,67 2,9
7- Metrop. De BH 81,33 17,98 0,54 0,15
8- Vale do Rio Doce 62,65 34,13 3,22
9- Oeste de Minas 88,37 11,63
10- Sul/Sudoeste MG 86,76 12,69 0,55
11-Campo das Vertentes 90,96 9,04
12- Zona da Mata 79,35 20,65
Minas Gerais 83,11 16,44 0,4 0,02
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

Tabela 6 – Brasil e Minas Gerais – Economistas – Avanço Educacional (2010)


Curso mais elevado que frequentou % Brasil % Minas Gerais
Graduação 85,83 6,023
Especialização de nível superior (mín. de 360h) 13,66 1,191
Mestrado 0,48 0,027
Doutorado 0,04 0,007
Total 214.762,68
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.
4.3.2 Faixa etária dos Economistas, comparativo com Avanço Educacional

Neste item, em face da limitação de espaço, apresenta-se somente uma relação

entre a faixa etária dos economistas em relação avanço educacional dos economistas

mineiros. Constata-se pela Tabela 7, o envelhecimento dos economistas graduados, pois

a porcentagem na faixa de 45 a 55 anos (24,93%) supera a daqueles entre 35 a 45 anos

(21,28%), e está a do grupo entre 25 a 35 anos de idade (18,75%), semelhante aos

resultados encontrados para o Brasil no trabalho de Macedo (2015). No caso da

especialização os dados mostram uma concentração na faixa etária entre 35 a 45 anos

com 30,38%, corroborando a discursão anterior a respeito da maior demanda dos

graduados em economia nos cursos avançados de curta duração.

Todavia, para o caso dos graduados em economia com mestrado a participação

é expressiva na faixa etária mais jovem, a saber entre 25 a 35. Vale observar que entre 25

a 35 anos há 49,85% do total de mestres enquanto que entre os economistas graduados

nessa mesma faixa a porcentagem é bem menor, 18,75%. Já entre os doutores observa-se

semelhante à média dos Graduados de 45 a 55 anos, porém fortemente concentrada

composta por 77,15% do total dos profissionais declarados cursando a titulação. Ambos

resultados corroborados pelo trabalho de Macedo (2015) em estudo para o Brasil.

Tabela 7 – Minas Gerais - Faixa etária por avanço educacional (2010).


Curso mais elevado que frequentou
Anos
% Graduação % Especializa % Mestrado % Doutorado % do Total
Até 25 5,00 1,66 4,43
25 a 35 18,75 24,26 49,85 19,75
35 a 45 21,28 30,38 2,85 22,70
45 a 55 24,93 24,01 77,15 24,73
55 a 65 20,09 11,82 8,80 18,67
65 a 75 7,99 7,87 41,35 8,09
> 75 1,96 1,63
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.
4.3.3 – Tipo de Inserção no mercado de trabalho
A partir deste item apresentam-se informações sobre a inserção dos economistas

mineiros no âmbito do mercado de trabalho. Inicialmente trata-se de verificar qual era o

trabalho exercido pelo mesmo no momento de realização da pesquisa do Censo. Vale

ressaltar que em face da limitação de espaço apresentam-se informações no âmbito

estadual e federal para este e demais itens desenvolvidos adiante neste trabalho.

Feita estas considerações, a tabela 8 demonstra as formas de inserção do

economista no mercado de trabalho mineiro e brasileiro para o ano de 2010. Como se

percebe, predominam os profissionais em condições de emprego assalariado, 50,37%

para Minas Gerais e 52,13% para o Brasil, em seguida atuam com maior frequência 19,52

% como conta própria em Minas e 18,81% para o Brasil, seguidos pelos 14,29% de

economistas mineiros no sistema público e 12,73% dos economistas brasileiros. Há

também participação de 10,18% na condição de empregadores em Minas e 5,03% de

empregados sem carteira de trabalho assinada. Ademais, cabe observar que a taxa de

participação dos bacharéis em economia no mercado de trabalho mineiro e brasileiro é de

75,45% e 74,70, respectivamente. Ou seja, estes percentuais demonstram uma elevada

participação de formados nesta profissão efetivamente atuando no mercado de trabalho,

logo, a escolha da formação em economia está fortemente ligada a preocupação de

alcançar uma posição ocupacional no âmbito do mercado de trabalho.

Tabela 8 Brasil e Minas Gerais – Economistas – Tipo de Trabalho (2010)


Formas de inserção no Mercado de Trabalho % MG % Brasil
1- Empregado com carteira de trabalho assinada 50,37% 52,13%
2- Militar do exército, marinha, aeronáutica, polícia militar ou corpo de bombeiros 0,21% 0,59%
3- Empregado pelo regime jurídico dos funcionários públicos 14,29% 12,73%
4- Empregado sem carteira de trabalho assinada 5,03% 5,94%
5- Conta própria 19,52% 18,81%
6- Empregador 10,18% 9,37%
7- Não remunerado 0,40% 0,43%
Total 12.610 175.022
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.
A tabela 9 mostra que a inserção segundo gênero no mercado de trabalho mineiro

para o ano de 2010 assemelha-se aos resultados do total do estado. Todavia cabe notar

que as mulheres apresentam maior presença como trabalhadoras com carteira de trabalho

assinada e funcionárias públicas em relação aos homens. Estes por sinal apresentam uma

proporção maior de inserção no mercado como conta própria. Tal resultado pode ser

explicado pelo aumento da presença feminina conquistado pelas mulheres ao longo das

últimas décadas, corroborado pela taxa de participação das mulheres economistas no

âmbito do mercado de trabalho mineiro de 80% enquanto para os homens é de 79%. Além

desta presença marcante e em expansão das mulheres vale lembrar que as mesmas

permanecem exercendo no tempo que lhes resta nos seus lares as atividades domésticas.

Logo, a saída das mulheres para atividades remuneradas depende da segurança das

mesmas quanto a permanecia no mercado de trabalho, onde sua busca por posições menos

arriscadas explicam os resultados acima mencionados.

Tabela 9 - Minas Gerais – Economistas – Tipo de Trabalho segundo gênero (2010)


% %
Formas de inserção no Mercado de Trabalho
Homens Mulheres
1- Empregado com carteira de trabalho assinada 49,15 52,32
2- Militar do exército, marinha, aeronáutica, polícia militar ou corpo de bombeiros 0,18 0,24
3- Empregado pelo regime jurídico dos funcionários públicos 10,74 20,00
4- Empregado sem carteira de trabalho assinada 4,61 5,71
5- Conta própria 22,84 14,14
6- Empregador 11,95 7,32
7- Não remunerado 0,50 0,23
Total 7.790 4.821
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

4.3.4 – Remuneração Mensal


A Tabela 10 sintetiza as informações que abrangem os rendimentos médios no

trabalho principal dos economistas segundo gênero mineiros e do total do Brasil para o

ano de 2010. Vale ressaltar, no entanto, que os dados do Censo demonstram que a maioria

dos recenseados declararam ter apenas um trabalho, portanto trabalha-se neste estudo com

a informação em média do rendimento do trabalho principal.


Tabela 10 – Brasil e Minas Gerais – Economistas – Rendimento Médio* do Trabalho
Principal segundo gênero (2010)
Mulheres Homens Total
Ocupados 61.559 114.053 175.512
Brasil
Renda Média 3501 5665 4907
Ocupados 4.821 7.790 12.610
Minas Gerais
Renda Média 3067 4884 4191
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010. * O valor do salário-mínimo na data de referência do Censo:
R$510,00 (quinhentos e dez reais).

As informações sobre a distribuição de renda segundo sexo, mostram que

rendimentos médios para os homens são mais elevados do que para as mulheres, em

aproximadamente 30%, para Minas e Brasil. Tanto em Minas quanto no Brasil a renda

média dos homens fica 15,44% acima da renda média total, enquanto a renda das

mulheres fica 26% abaixo para mesmas localidades.

4.3.5 Atividades e Ocupações exercidas

Por fim realiza-se uma análise da ocupação e atividades exercidas pelos

economistas mineiros segundo dados do Censo de 2010. Todavia reagrupamos as famílias

de ocupações de até quatro dígitos para um banco com 9 ocupações de apenas um digito

denominada de grandes grupos ocupacionais. Para a variável atividade produtiva também

agrupamentos as classes de atividades de até cinco dígitos para seção com 1 digito

formando 21 atividades produtivas.

O gráfico 1 apresenta as principais ocupações dos economistas mineiros o

destaque das ocupações dos profissionais das ciências e artes de 27,15%, o qual apresenta

a ocupação de economista (código 2631 dos anexos do Censo), com participação de

9,67% no total das ocupações e 35% de peso nesta grande família. Tal resultado mostra

que o bacharel em Ciências Econômicas do estado exerce em sua maioria ocupação

corresponde a sua formação. A segunda maior porcentagem está entre profissionais que

atuam no setor público com 19,87%, seguida de Escriturários com 16,59%. Vale ressaltar
o desvio de ocupação dos profissionais formados em economia atuantes como técnicos

de nível médio com 10,60% do total das ocupações dos economistas mineiros.

Gráfico 1 - Minas Gerais – Economistas – Principais Ocupações em % (2010)

Mal definidas 12,37

Militares 0,21
Trabalhadores Em Serviços De Reparação E… 0,61

Trabalhadores Da Produção De Bens E Serviços Indust. 0,99

Trabalhadores Da Produção De Bens E Serviços… 1,66

Trabalhadores Agropecuários, Florestais E Da Pesca 2,09

Trabalhadores Dos Serviços, Vendedores Do… 7,86

Trabalhadores De Serviços Administrativos 16,59

Técnicos De Nível Médio 10,60

Profissionais Das Ciências E Das Artes 27,15

Membros Superiores Do Poder Público, Dirigentes De… 19,87

0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00


Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

Tabela 11 - Minas Gerais – Economistas – Atividades em % (2010)


Atividades Produtivas % Atividades Produtivas %
Comércio; Reparação de Veículos 16,15 Alojamento e Alimentação 2,17
Ativ.Financeiras, Seguros, Serviços 14,38 Atividades Imobiliárias 2,11
Admin. Pública, Defesa E Seguridade Social 13,28 Informação E Comunicação 1,89
Indústrias de Transformação 9,61 Construção 1,54
Atividades Maldefinidas 8,82 Indústrias Extrativas 1,48
Ativ.Profissionais, Científicas e Técnicas 7,98 Outras Atividades De Serviços 0,89
Educação 6,95 Eletricidade E Gás 0,59
Agropecuária, extr vegetal, caça e pesca 3,62 Artes, Cultura, Esporte e Recreação 0,46
Saúde Humana E Serviços Sociais 2,87 Água, Esgoto, Ativ. Gestão De Resíduos 0,37
Ativ. Admin. e Serviços Complementares 2,42 Serviços Domésticos 0,04
Transporte, Armazenagem e Correio 2,39 Total 100,00
Fonte: Elaboração própria dados Censo 2010.

Passando para atividades exercidas, a Tabela 11 apresenta um diagnóstico ainda

mais claro que entre as atividades onde atuam os economistas tem maior destaque para

Comércio em geral (16,15%), seguida das Atividades Financeiras (14,38%),

Administração Pública (13,28%) e Indústria de transformação (9,61%).


Portanto, a análise gráfica e da tabela 11 confirmam a hipótese deste estudo de

que os economistas do estado de Minas Gerais atuam nas áreas inerentes a sua formação

profissional segundo dados do Censo para o ano de 2010.

5 Considerações Finais
O presente trabalho teve como proposta contribuir para a temática relacionada a

qualificação e suas possíveis implicações sobre a inserção no mercado de trabalho sob o

prisma do profissional economista no espaço regional mineiro, assunto ainda pouco

explorado no âmbito estadual.

Da análise descritiva realizada, pode-se obter algumas evidências relevantes. No

que tange a distribuição espacial constata-se concentração de bacharéis em economia na

zona urbana e nas mesorregiões metropolitana de BH e triangulo mineiro. Além disso, o

estado de Minas Gerais comporta 7,13% do total de economistas do país. Quanto aos

atributos pessoais, constata-se que em média 40% da amostra do estado de economistas

são mulheres e do total de recenseados predomina de cor branca em todas as mesorregiões

do estado. Quanto ao avanço educacional há um predomínio pela opção de cursos de curta

duração em relação aos cursos de mestrado e doutorado. Tal resultado dá-se em face

facilidades propostas pelos cursos de especialização associada as exigências do mercado

de trabalho, tal fato confirma-se pelo observado envelhecimento dos economistas apenas

com a graduação, a presença de economista com cursos de especialização nas faixas de

35 a 45 anos. Todavia, para as faixas iniciais de idade, a saber 25 a 35 observa-se uma

maior presença de economistas com formação avançada de mestrado. Como proposta de

pesquisas futuras vale observar a partir da publicação do censo de 2020 um avanço destes

indivíduos para cursos de doutorado.

No que tange a inserção no mercado de trabalho constata-se significativa taxa de

participação dos profissionais em economia mineiros e brasileiros, confirmando a


importância da escolha da formação em economia como qualificação para a inserção no

mercado de trabalho. Ademais, verifica-se maior participação das economistas mineiras

em trabalhos que lhes propiciem maior segurança para sua permanência no mercado de

trabalho. Além disso, o valor do rendimento médio delas é aproximadamente 30% menor

que dos homens nas regiões citadas. Na análise das ocupações e atividades produtivas

observa-se que a maioria dos recenseados da nossa amostra estão ocupados em posições

e ou atividades inerentes a formação educacional recebida, bem como inerentes as

previstas pela legislação supracitada da profissão. Tal resultado confirma a hipótese do

presente estudo de que os economistas do estado de Minas Gerais atuam em áreas típicas

de sua profissão no ano de 2010.

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CORECON/MG, Conselho Regional de Economia de Minas Gerais. Disponível em:
http://www.portaldoeconomista.org.br/. Acesso em Outubro de 2016.
EHRENBERG, R. G.; SMITH, R. S. A Moderna Economia do Trabalho. Makron Books,
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FERNANDEZ, Reynaldo, e NARITA (2001), Renata Del Tedesco. Instrução superior e
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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Rio de
Janeiro: IBGE, 2016.
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MACEDO, R. O Economista no Mercado de Trabalho Brasileiro – Implicações
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2015.
SANTOS, M. A.; SOUZA, M. É. P.; CONCEIÇÃO, R. L. C.; PASSOS, H. D. B.;
SANTOS, C. E. R. Uma contextualização do mercado de trabalho do economista no
estado da Bahia em 2013. In: IV Semana do Economista & IV Encontro de Egressos de
Economia da UESC, 2014, Ilhéus - BA. IV Semana do Economista & IV Encontro de
Egressos de Economia da UESC, 2014. Disponível em: <
http://www.uesc.br/eventos/ivsemeconomista/anais/gt1-7.pdf> Acesso em Outubro de
2016.
Discriminação racial no mercado de trabalho brasileiro: uma análise econômica

Ana Paula Ribeiro Moreira – UFSJ –aninharimo@gmail.com


Múcio Tosta Gonçalves – DCECO UFSJ - mucio@ufsj.edu.br

RESUMO: O presente trabalho discute o problema da inserção de negros e negras no

mercado de trabalho brasileiro, bem como discute as desigualdades sofridas neste campo

se comparados à situação dos indivíduos não negros. Para que tal abordagem fosse feita,

foi elaborado um recorte histórico, econômico e social da trajetória dos indivíduos negros,

desde o momento logo após a abolição da escravatura, até os dias atuais.

Palavras-chave: Negros; Negras; Mercado de trabalho.

INTRODUÇÃO

A história da escravidão negra, tal como foi conduzida pelos brancos europeus no

esforço de colonização das Américas e da África, deixou rastros que ainda não foram

superados. Para Jaccoud et. al. (2009) a consolidação da ideologia racista durante a

escravidão permitiu a naturalização de desigualdades étnicas (também chamadas de

“raciais”), firmadas agora em outro ambiente político e também jurídico, o que explica por

que no Brasil o preconceito é estrutural e muitas vezes velado, ou seja, não é reconhecido

de fato pela sociedade.

A dificuldade em aceitar que o preconceito étnico ou de cor ainda persiste no

Brasil dificulta a aplicação de políticas públicas em prol dos negros e das negras, políticas

essas que poderiam tentar reparar as consequências dos abusos físicos e psicológicos da

escravidão e buscar a democracia racial. Segundo Fernandes (1978), todas as humilhações

e a constante subjugação dos negros durante a escravidão contribuíram para a insegurança


deste indivíduo no convívio em sociedade, visto que na época, nenhuma política foi

voltada para a inserção social do liberto e para a promoção de novos tipos de interação dele

com o restante da sociedade sem a referência exclusiva e excludente do trabalho físico e da

subordinação econômica e política.

O intuito deste artigo é o de explorar uma vertente na qual se pode enxergar o

preconceito, apesar dele ser negado: a da organização do mercado de trabalho assalariado.

A principal questão que tal perspectiva faz emergir é a seguinte: a discriminação racial

dificulta a inserção do negro no mercado de trabalho?

METODOLOGIA

O presente artigo é fruto de uma revisão bibliográfica. Foi feita uma breve

consideração sobre momento imediatamente posterior à abolição da escravatura, a fim de

demarcar teoricamente que a adaptação dos negros e negras então libertos frente ao novo

regime de trabalho “livre” não foi um processo linear. A discussão sobre a inserção da

população negra no mercado de trabalho foi realizada tendo em vista a preocupação com o

tema da democracia racial. Por fim, utilizando dados do Departamento Intersindical de

Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, foi realizada uma análise da situação de

negros e negras no mercado de trabalho em diversas regiões metropolitanas brasileiras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A abolição da escravatura intensificou a substituição da força de trabalho dos

escravos negros pela imigrante, o que inclusive já acontecia antes mesmo de 1888 (LARA,

1998). É possível afirmar que a transição do trabalho escravo para o livre esteve
fortemente associada à formulação da questão (ideológica ou valorativa) da incapacidade e

da inferioridade dos negros e negras em relação aos brancos. Segundo Lara (1998):

A exaltação do imigrante branco, associada à ideia da incapacidade do


negro para o trabalho e à afirmação da passividade dos nacionais,
devidamente depuradas de seus termos racistas, reapareceu na base das
teses formuladas por sociólogos e historiadores do século XX sobre a
transição da escravidão para o trabalho livre, da substituição do escravo
negro pelo imigrante (LARA, 1998, p. 29-30).

Apesar de almejarem reconstruir suas vidas e desfrutarem de sua “liberdade”,

negros e negras libertos se confrontaram de fato com uma nova realidade de competição

com o imigrante europeu. A população negra ex-escrava foi, portanto, sendo isolada

econômica, social e culturalmente (FERNANDES, 1978).

Para Fernandes (1978), a escravidão “deformou” negros e negras para o trabalho

livre. Porém, se a situação dos negros e das negras no processo de constituição e

desenvolvimento de um mercado de trabalho “livre” for analisado de forma abrangente,

caberia melhor dizer que a escravidão “deformou” a sociedade brasileira, ou seja, embutiu

nela o pensamento de supremacia da pele branca e a ideologia do racismo como natural.

Rolnik (2013) explica que uma conotação pejorativa foi impregnada no indivíduo

negro: seus gestos, suas danças e até sua religião foram considerados, por uma elite

majoritariamente branca, como atributos primitivos que deveriam ser evitados e

inferiorizados. Carril (2006) explica que a situação de marginalidade social na qual o

indivíduo negro foi colocado após a abolição implicava a inexistência de moradia e de

emprego.

O que tais ênfases significam é que o Brasil, que entre o final do século XIX e o

início do XX, viveu os efeitos de um profundo processo de constituição de uma sociedade

racista, evitando qualquer “revisão ideológica” para produzir uma democracia racial, e
mantendo negros e negras e toda a sua cultura como sujeitos e práticas inferiores. Assim,

consequentemente, a ocupação dos postos de emprego, principalmente aqueles mais

“elevados”, tornou-se (mais) um privilégio dos indivíduos brancos (SILVA, 2013).

A ausência de políticas públicas voltadas para a inserção do liberto na sociedade,

por sua vez, decorreu do fato de que apesar da realidade escravatura ter acabado, ela

carregava uma historicidade racista que não fora abolida junto com a escravidão

(MORAES, 2013).

Mesmo com a abolição da escravatura, negros e negras continuavam sendo

impedidos de frequentar as escolas, não somente pela lei que não os abrangia, mas

socialmente, por meio do racismo: “(...) eles [os negros] eram vítimas de preconceito,

muitos pais de alunos brancos não queriam que seus filhos estudassem com alunos negros,

acreditavam que os negros eram portadores de doenças contagiosas” (MENDES;

ALVES, 2011, p. 2).

Organizações sociais de representação dos interesses dos negros procuraram

organizar ações integracionistas. Um exemplo foi a Frente Negra Brasileira - FNB, que a

partir do diagnóstica da necessidade de educar formalmente negros e negras para a

inclusão social, criaram cursos de alfabetização para jovens e adultos e a escola primária

para as crianças negras (MENDES; ALVES, 2011).

Não obstante, a percepção comumente aceita de que a inserção de um trabalhador

no mercado de trabalho é maior quanto maior for o seu nível educacional, deve ser

interpretada com ressalvas (BALASSIANO; SEABRA; LEMOS, 2005). No caso dos

trabalhadores negros e negras, essa é uma condição que não parece se aplicar. Assim:

“(...)mesmo nos casos em que os não negros poderiam se encontrar em desvantagem, eles

são favorecidos mais a frente, com retorno à escolaridade. Já os negros estão sujeitos a

desvantagens crescentes ao tentar subir a escala educacional” (DIEESE, 2013a, p. 10).


Desse modo, pode-se descrever a manutenção do racismo como parte de um

círculo vicioso e cumulativo, tal como observou Myrdal (1965). Isto é um “ponto chave”

na questão da discriminação racial combinada à da precarização de trabalhadores e

trabalhadoras negros e negras: uma sucessão de acontecimentos somou-se para dificultar a

mobilização social e econômica da população negra, acontecimentos estes que se

relacionam de forma circular, dificultando a inserção de negros e negras no mercado de

trabalho.

Apesar de o mercado de trabalho ter apresentado melhores condições de inclusão

da população negra nos últimos cinquenta anos, esses indivíduos ainda se encontram em

desvantagem, através da discriminação racial que lhes proporciona empregos mais

precários, remunerações menores e impactos na sua qualidade de vida infinitamente

maiores quando desempregados (IPEA, 2014).

Um levantamento feito pelo DIEESE em 2007 mostrou que os empregados negros

têm uma maior jornada de trabalho e que, apesar de trabalharem mais, ainda recebem

menos, mesmo com igual escolaridade (DIEESE, 2007).

Os indivíduos negros economicamente ativos ainda encontram dificuldade para

uma inserção regular no mercado de trabalho, ainda que o país esteja em fase de

prosperidade econômica. Ou seja, ainda que a economia brasileira esteja saudável, negros e

negras enfrentarão dificuldades na busca por emprego (PRONI; GOMES, 2015).

Relatório divulgado pelo DIEESE (2013a) demonstrou que os indivíduos negros

que trabalham em uma mesma empresa e na mesma função que os não-negros têm seu

esforço produtivo menos valorizado - ou seja, diante da possibilidade de eventual

promoção, os trabalhadores negros serão preteridos frente aos trabalhadores não negros.

Fazendo uma análise por setor correlacionando com a escolaridade dos

trabalhadores, o DIEESE (2013a) constatou que, ainda que negros e não negros recebam
algum aumento salarial de acordo com a elevação do nível educacional, não negros

perceberão maiores aumentos.

Dessa forma, observando a hipótese de Myrdal (1965) de que a educação poderia

ser capaz de solucionar o problema do negro nos Estados Unidos, pode-se afirmar, a partir

de dados brasileiros que a educação não é eficaz sozinha. Ainda que negros e negras

tenham adquirido o direito ao acesso às escolas e universidades, ainda que estes indivíduos

tenham adquirido certo nível de escolaridade, o preconceito parece tornar-se ainda mais

perceptível. Ora, se antes a justificativa de desemprego, dos baixos salários e da

precariedade do trabalho dos indivíduos negros estava na sua “incapacidade”, na sua falta

de formação escolar, o que justifica que esses indivíduos – agora escolarizados - ainda

estejam constantemente em desvantagem no mercado de trabalho em relação aos não

negros?

A exposição de dados coletados em 2013 e divulgados pelo DIEESE em 2014

acerca da situação dos indivíduos negros no mercado de trabalho em diversas Regiões

Metropolitanas brasileiras serve para ilustrar as dimensões de tal questão.

No Distrito Federal, a População Economicamente Ativa (PEA) negra configura

um percentual de 68,8%, mas corresponde a 74% do contingente de desempregados, sendo

maior a taxa de desemprego entre trabalhadoras negras - além disso, estas trabalhadoras

compõem a maior parte do emprego doméstico nesta região (DIEESE, 2014a).

Quanto à separação por setores, negros são maioria na construção, no comércio,

na indústria e no serviço doméstico, enquanto não negros são maioria no setor de serviços

(DIEESE, 2014a).

No tocante aos rendimentos médios por hora, no comércio um trabalhador negro

recebe cerca de 79,2% do total recebido por não negros e no setor de serviços esse

percentual cai para 64,4% (DIEESE, 2014a).


Em Salvador, negros e negras são maioria na população total e representam mais

de 90% tanto entre a População em Idade Ativa (PIA) quanto entre a População

Economicamente Ativa (PEA), e, mais uma vez também são a maioria entre os

desempregados (94%) (DIEESE, 2014b).Pode-se perceber, ainda, que nesta região mais

uma vez a maior taxa de desemprego também é das mulheres negras.

Setorialmente falando, negros tiveram participações reduzidas nas indústrias e nos

serviços – média de 0,25% - enquanto na construção e no comércio houve certo aumento –

média de 0,2%. Já na estrutura ocupacional dos não-negros, as mudanças foram maiores,

na indústria o aumento da participação desses indivíduos foi de 1,6%, no comércio foi de

1,4% e no setor de serviços houve uma redução de 1,5% (DIEESE, 2014b).

Acerca dos salários, em 2012 o rendimento médio real dos negros na Região

Metropolitana de Salvador sofreu um decréscimo de 3,2%, enquanto o dos não negros

decresceu em 0,1%, acentuando as discrepâncias salariais entre esses dois grupos. No que

diz respeito aos rendimentos das mulheres negras, elas percebiam um valor de 50,9% dos

rendimentos dos não negros.

Na Região Metropolitana de São Paulo, diferentemente das outras duas regiões

relatadas, o percentual da população negra no total da PEA e da PIA – 35,4% e 35,9%,

respectivamente - é menor que o de não negros e a taxa de desemprego entre negros e

negras é 41,6% (DIEESE, 2014c).

No setor de serviços, negros abrangem uma fatia de 55,4% das ocupações contra

56,8% dos não negros. Na indústria a participação de não negros é 1% maior que a dos

negros, no comércio essa diferença é maior, 1,4%. Na construção, onde a proporção de

negros é maior que a de não negros – 3,7% (DIEESE, 2014c) “(...)e é onde predominam

postos de trabalho com menores exigências de qualificação profissional, remunerações


mais baixas e relações de trabalho mais precárias, sendo, por conseqüência, menos

valorizados socialmente” (DIEESE, 2014c, p. 6).

O estudo do DIEESE (2014c) usado neste trabalho para os dados de emprego da

Região Metropolitana de São Paulo não apresenta especificações sobre a situação da

mulher negra. Entretanto, o estudo feito para a mesma região em 2013, com dados de

2012, mostrou uma sobre representação das negras no emprego doméstico – sendo as

mesmas, em sua maioria, mulheres de idade mais avançada e com baixo nível de

escolaridade (DIEESE, 2013b).

No tocante aos rendimentos, mulheres negras percebiam o valor referente a 49,3%

do salário percebido por homens não negros na Região Metropolitana de São Paulo

(DIEESE, 2013b). Comparando esse percentual com o percentual referente ao das

mulheres não negras, percebe-se uma diferença de 27,7%; já comparado ao de homens

negros, essa diferença cai para 13,7% (DIEESE, 2013b).

Já naquelas ocupações não regulamentadas, negros ocupam uma parcela maior.

No setor privado, assalariados sem carteira assinada 9,2% são negros enquanto 8,7% são

não negros; entre os trabalhadores autônomos 16,0% são negros e 15,4% não negros; a

diferença é ainda mais forte no emprego doméstico, onde 9,7% são negros e 5,1% não

negros (DIEESE, 2014c). Ainda segundo o estudo resenhado:

Importante salientar a distância entre as participações de negros e não


negros assalariados no setor público, cuja explicação possivelmente tem
origem no fato de cerca de metade desses ocupados possuir nível de
escolaridade superior. Essa característica, associada ao fato de o ingresso
no setor público ocorrer principalmente por meio de concursos, permite
inferir que a sub-representação de negros nesse setor deve-se muito mais
às suas históricas dificuldades de acesso aos níveis mais elevados de
ensino do que as eventuais ações discriminatórias das quais possam ser
vítimas (DIEESE, 2014c, p. 6).
É possível perceber a carga histórica destes dados. Está visível que negras e

negros estão empregados em sua maioria naquelas ocupações que exigem menor ou

nenhuma escolaridade. Como argumentado no Relatório de pesquisa do DIEESE: “(...)

negros continuam a enfrentar obstáculos históricos, tanto no que diz respeito ao acesso às

oportunidades do mercado de trabalho, quanto à precariedade das condições de trabalho

e emprego que encontram uma vez ocupados” (DIEESE, 2014c, p. 1).

Assim, por exemplo, no caso dos empregados domésticos e das empregadas

domésticas, que carregam em suas condições de trabalho e de vida maior vulnerabilidade,

a regulamentação ainda não permitiu que fosse possível a criação de um sindicato para essa

categoria afim de que sejam estabelecidos salários e relações de trabalho mais justas1.

Na Região Metropolitana de Recife o percentual de negros e negras na PEA e na

PIA, em 2013, era cerca de 74%, e entre os ocupados e desempregados negros essa

porcentagem configura em 73,6% e 76,9%, respectivamente (DIEESE, 2014d).

Analisando a taxa média de desemprego, o estudo mostrou que entre 2004 e 2012

houve um declínio contínuo, já em 2013 o indicador sofreu um aumento de cerca de um

ponto percentual, mantendo ainda a maior porcentagem entre negros e negras, apesar do

decréscimo dessa desigualdade – de 4,7% em 2009 para 1,9 em 2013 (DIEESE,

2014d).Ainda assim, a taxa de desemprego atingia com mais intensidade às mulheres

negras:

(...) a taxa de desemprego das mulheres negras equivalia a 1,8 vezes a


taxa dos homens não negros. Quando comparada às mulheres não negras,
que também convivem com taxa de desemprego mais elevada (14,5%),

1
Com a aprovação da Lei Complementar nº 150, de 01/06/2015, que regulamentou a Emenda Constitucional
n° 72, empregados domésticos passaram a gozar de direitos aos quais até então não tinham acesso, tal como
adicional noturno, intervalos para descanso e alimentação, depósito no Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço - FGTS, seguro-desemprego, salário família (ESOCIAL, 2015). Alguns desses direitos foram
estabelecidos para as demais categorias trabalhadores desde 1964 e ao longo dos últimos cinquenta anos
foram sendo mantidos e, como no caso do seguro-desemprego, até mesmo ampliados, o que dá uma
dimensão da segregação e da desigualdade no interior do mercado de trabalho brasileiro.
observou-se que as mulheres negras são mais atingidas pelo desemprego
(DIEESE, 2014d, p. 4).

Com relação aos rendimentos médios, observou-se maior desigualdade, entre

2012 e 2013 negros percebiam cerca de 68,8% dos salários percebidos pelos não negros

(DIEESE, 2014d), observa-se ainda, que as mulheres negras percebiam os salários mais

baixos.

Neste caso em particular, negros superam não negros no percentual de

trabalhadores com carteira assinada em 0,3%, entretanto, negros continuam sendo maioria

nas ocupações não regulamentadas, com rendimentos menores e sem carteira assinada no

setor privado, representando uma fatia de 8,5% enquanto não negros são 7,4%, no trabalho

autônomo – 20,7% e 17,0%, respectivamente, e no emprego doméstico – 8,4% e 4,2%,

respectivamente (DIEESE, 2014d).

Quando são analisadas as funções que exigem maior nível de escolaridade, como

por exemplo, os profissionais universitários autônomos, os empregadores e donos de

negócio familiares, a participação de negros é inferior a de não negros, em recife no ano de

2013, o percentual de negros e não negros nessa área era de 6% e 9,1%, respectivamente

(DIEESE, 2014d):

Neste caso, dispor de riqueza acumulada que permita montar um negócio


e/ou possuir nível superior de escolaridade provavelmente são fatores que
explicam a exclusão de grande parte dos negros. Em outras palavras, a
persistência de elementos históricos que perpetuam as diversidades, mais
do que qualquer outro fator, são elementos determinantes que explicam a
desigualdade presente (DIEESE, 2014d, p. 8).

Na Região Metropolitana de Porto Alegre a participação de negros e negras no

mercado de trabalho foi de 56,1% para 55,88% de 2012 para 2013. A taxa de desemprego,

entre 2012 e 2013, decresceu tanto para negros quanto para não negros na região

metropolitana de Porto Alegre, para negros houve um decréscimo de quase dois pontos
percentuais, enquanto para os não negros essa queda foi de 0,5%, observando um

decréscimo mais intenso entre as mulheres negras, entretanto, este ainda é o grupo mais

afetado pelo desemprego (DIEESE, 2014e).

Setorialmente falando, houve aumento da concentração de negros no comércio e

nos serviços e uma queda da participação na construção, enquanto na indústria manteve-se

estável: “A maior retração do nível de ocupação, em termos absolutos, entre os negros

ocorreu na construção (menos 5 mil ocupados, ou -21,7%), seguido por serviços (menos 3

mil, ou -2,3%) e indústria de transformação (menos 1 mil, ou -3,6%)” (DIEESE, 2014e, p.

3).

Quanto aos rendimentos, negros tiveram aumentos médios 0,2% maiores do que o

de não negros, entretanto, continuam percebendo menores salários. Além disso, mulheres

negras continuam ocupando a última posição na escala, percebendo o valor equivalente a

52,6% do salário de homens não negros (DIEESE, 2014e).

Em Fortaleza, a taxa de desemprego em 2013 dos negros ficou, pela primeira vez,

abaixo da dos não negros. Essa redução se deve tanto por uma maior oferta de vagas,

quanto por uma redução na procura por trabalho (DIEESE, 2014f).

Observou-se ainda que a taxa de desemprego era maior para mulheres não negras

(9,8%) seguidas pelas negras (9,6%) (DIEESE, 2014f). Mais uma vez é possível notar que

grande parte do emprego doméstico é ocupado por mulheres negras, além de elas

formarem o segundo grupo com maior porcentagem no emprego sem carteira assinada

(DIEESE, 2014f).

Na estrutura setorial, negros, como na maioria dos casos, continuam sendo

maioria na indústria da transformação e na construção civil, já no setor terciário, não

negros abrangem maior participação – cerca de 6,1% a mais que negros (DIEESE, 2014f).
A redução da taxa de desemprego para a população negra se deve a uma maior

geração de empregos nos setores onde esses indivíduos estão em maior representação, por

exemplo, em 2013 8 mil novas vagas foram geradas na construção civil (DIEESE, 2014f).

Por outro lado, o inverso também é verdadeiro, como por exemplo, no setor público, onde

a população negra é minoria, cerca 6 mil novas vagas foram criadas em 2013 e, nessas,

negros e negras foram pouco contemplados (DIEESE, 2014f). Ainda segundo o estudo:

Esse tipo de constatação mostra a importância de iniciativas, como a Lei


n° 12.990/2014, que estabelece reserva de 20% das vagas para negros nos
concursos públicos, que visam provimento de cargos efetivos e empregos
públicos no âmbito da Administração Pública federal (fundações,
autarquias, empresas públicas, dentre outras). Nota-se, por exemplo, que
a participação da população negra no setor público é não somente inferior
(7,1%), quando comparada a dos não negros (10,8%), como tem sido
decrescente ao longo dos últimos anos (DIEESE, 2014f, p. 7).

Observou-se ainda a desigualdade no rendimento médio real entre negros e não

negros em 2013. Enquanto o rendimento da população negra é, em média, R$1.075, o da

não negra é R$1.423, essa diferença é percebida independente do setor de atividade e da

forma de inserção, mas a maior desigualdade está no setor de serviços, onde a proporção

de não negros é maior, negros percebem 70,8% do valor auferido por não negros, por hora

(DIEESE, 2014f).

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte a desigualdade na nas taxas de

desemprego entre negros e não negros se mantém ao longo dos anos (DIEESE, 2014g). Em

2012 e 2013 houve aumento dessa taxa para ambos os grupos, sendo a dos negros 7,2%

maior (DIEESE, 2014g).É necessário destacar ainda que de 2012 para 2013 a taxa de

desemprego para as mulheres negras subiu de 6,4% para 8,1%, e que mais uma vez a

ocupação majoritária desta parcela da população é no emprego doméstico (DIEESE,

2014g).
Quanto à distribuição por setor, em 2013, 56,0% dos ocupados negros estavam no

setor de serviços; na indústria são 13,6% contra 14,2% de não negros; o comércio e

reparação de veículos são responsáveis por 17,9% das ocupações dos trabalhadores negros

e 18,4% dos não negros; e, novamente, no setor de construção a ocupação representada por

negros é a maior dentre os outros setores, sendo 10,3% contra 7,0% de não negros

(DIEESE, 2014g).

No tocante aos rendimentos médios entre negros e não negros na região

metropolitana de Belo Horizonte, em 2013 pode-se observar a manutenção das suas

desigualdades estruturais, o rendimento médio real por hora de negros chega a

corresponder 89,3% do rendimento dos não negros, apesar de ter sido observado um

aumento de 17,8% na renda dos negros e apenas 2,5% para não negros (DIEESE, 2014g).

Para o DIEESE:

Entre os setores, as maiores desigualdades de rendimentos por raça/cor


continuam sendo verificadas naqueles em que os rendimentos médios são
mais elevados, onde a estrutura produtiva é mais diversificada e com
segmentos de uso intensivo em capital, fatores que requerem uma maior
qualificação dos trabalhadores. Sendo assim, no setor de serviços, os
negros recebem 85,8% do que auferem os trabalhadores não negros desse
setor. Na construção, onde negros são maioria, apesar de ser um
segmento onde parte das atividades não exige qualificação muito alta,
mas que requer qualificações específicas e, por sua vez, paga uma das
mais altas médias de rendimento/hora, os negros auferem 91,3% do que
recebem os não negros. Já na indústria, os negros recebem 86,4% dos
rendimentos/hora dos não negros. Também é expressiva a diferença no
comércio, onde um trabalhador negro recebe cerca de 93,0% do não
negro (DIEESE, 2014g, p. 7).

Quanto aos rendimentos das mulheres negras na Região Metropolitana de Belo

Horizonte observou-se em 2013 que elas percebiam um valor de 67,8% do valor percebido

por homens não negros (DIEESE, 2014g). Apesar de ser o maior valor observado até

agora, dentre as outras Regiões, ainda assim há uma grande discrepância entre um salário e

outro.
Este levantamento sobre diversas Regiões Metropolitanas brasileiras permite uma

visão do racismo no mercado de trabalho. Em todas as regiões abordadas os negros estão

ocupados, em sua maioria, em empregos e em setores mais vulneráveis. Além disso, isso

também torna possível compreender por que políticas públicas voltadas para estes

indivíduos são essenciais e urgentes.

Outra dimensão da mesma problemática refere-se ao emprego da mulher negra,

que pode ser, portanto, entendida como uma dupla discriminação, de gênero e de raça.

Conforme argumentam Lima, Rios e França (2013):

(...) a participação das mulheres negras no mercado de trabalho é um


aspecto extremamente relevante para a compreensão da
interseccionalidade de gênero e raça na constituição das desigualdades
sociais brasileiras. A trajetória socioeconômica das mulheres negras tem
sido analisada como fruto do intercruzamento das mudanças ocorridas na
participação das mulheres no mundo do trabalho e da estabilidade das
desigualdades raciais que só recentemente começou a declinar (LIMA;
RIOS; FRANÇA, 2013, p. 56).

Este é um fato preocupante, uma vez que este grupo representa 25% da população

total brasileira (IPEA, 2013).A mulher negra carrega, além da bagagem histórica da

escravidão, a bagagem do patriarcado. Assim, como afirma Sueli Carneiro (2015), para

essas mulheres é necessária a desconstrução de estereótipos e estigmas que as

desvalorizam socialmente e colaboram para as diferentes práticas discriminatórias das

quais são alvo, principalmente, no mercado de trabalho: “É preciso confrontar o peso da

hegemonia da brancura nessa desqualificação estética das mulheres negras, que tem

impactado a sua empregabilidade e a sua possibilidade de mobilidade social”

(CARNEIRO, 2015, p. 8).

A mobilidade social à qual Carneiro (2015) se refere remete também ao círculo

vicioso e cumulativo de Myrdal (1965).Ou seja, para as mulheres negras o racismo não só
dificulta a busca por melhoria na qualidade de vida, como o machismo cria uma barreira

ideológica que contribui para a desvalorização profissional e social dessas mulheres.

Dessa forma, as novas gerações de negros e negras ainda sentem na pele as

lacunas sociais e econômicas geradas pelos anos de escravidão e pelo descaso que se

seguiu e é por isso que é importante cobrar do Estado posicionamento e reconhecimento de

que as políticas públicas voltadas para a população negra não são “privilégio”, mas sim

medidas reparatórias:

Em relação ao combate ao racismo, temos falado sobre as desigualdades


raciais e sobre as políticas públicas capazes de reduzi-las, mas pouco
temos formulado sobre o combate ideológico ao racismo a partir de uma
política de governo e de Estado. A ausência de uma política consistente
de combate ao racismo permitiu que uma inusitada reação conservadora
se organizasse, envolvendo parcelas diversificadas das elites nacionais
que se somam, neste momento, no combate às políticas de promoção da
igualdade racial. Intelectuais, políticos, formadores de opiniões de
diferentes esferas, conglomerados midiáticos, empresários e juristas, ou
seja, um conjunto de forças que instituiu um verdadeiro “pelourinho
eletrônico” contra as políticas de ação afirmativa e aqui, sobretudo,
contra as cotas. No combate que essas elites nacionais travam contra
políticas de promoção da igualdade racial, elas se servem da
desqualificação pública dos movimentos negros, de seus parceiros e
aliados. Da negação do racismo e da discriminação racial. Da
deslegitimação acadêmica de estudos e pesquisas que há décadas vêm
demonstrando a magnitude das desigualdades raciais e da negação do
negro como sujeito social, demandador de políticas específicas, bem
como de seu direito democrático de reivindicá-lo (CARNEIRO, 2015, p.
7).

CONCLUSÃO

Analisou-se a trajetória dos negros e negras trazidospara o Brasil que, após terem

sido escravizado e alforriados, foram dispensados sem garantias legais de sobrevivência,

desalojado para ser marginalizado e marginalizado para ser rejeitado. Toda uma sucessão

de infortúnios – parafraseando Florestan Fernandes, corrobora aquilo que Gunnar Myrdal

chamou de “causação circular”, contribuindo para a manutenção do racismo e dos seus

efeitos sobre o emprego e os rendimentos de trabalhadores e trabalhadoras negros e negras.


Dessa forma, pode-se afirmar que as ideologias racistas podem ter sido uma força

motriz da marginalização das negras e dos negros. A discriminação racial aqui discutida é

uma realidade na vida dessa parcela da população e mais ainda: contribui para dificultar a

mobilidade social destes indivíduos.

A constante presença como população que tem elevada participação nas taxas de

desemprego e a predominância de homens e mulheres negros em empregos mais precários

não são frutos apenas de uma coincidência ou um “azar”; são consequência de um mercado

de trabalho marcado pelo racismo e pelo machismo e acabam sendo também causa da

dificuldade de ascensão e inserção social das negras e dos negros.

É importante atentar para o fato de que os dados expostosao longo do presente

trabalho não significam apenas números, são pessoas representadas por eles. Não se pode

fugir da realidade na qual estamos inseridos. O Brasil carrega cicatrizes de uma sociedade

escravocrata e inegavelmente racista, mesmo que em pleno século XXI.

Por fim, essa sucessão de acontecimentos engrena o círculo vicioso e cumulativo

de racismo versus um processo que poderia ser virtuoso, pautado na promoção da

qualidade de vida, da empregabilidade, do acesso à escolaridade e ao fim da pobreza. O

racismo gerado e consolidado pela escravidão dificultou e ainda dificulta a mobilidade

social de negros e negras o que, por sua vez, alimenta a discriminação racial.
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O mercado de trabalho na agroindústria da cachaça da microrregião
de Salinas/MG

Patrine Soares Santos*


Maria Thereza Santos Rocha**
Luciana Maria Costa Cordeiro***1

Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES/CCSA/PPGDEE


Campus Universitário Darcy Ribeiro – Vila Mauricéia, Montes Claros-MG, Brasil
{www.unimontes.br}

RESUMO
Localizada no norte do Estado de Minas Gerais, a microrregião de Salinas vem se
destacando na mesorregião da qual pertence, além do destaque também no Estado
mineiro como um todo, diante da expansão e melhoramento da agroindústria da
produção de cachaça artesanal nos últimos tempos. A expansão deste setor contribui de
forma direta e/ou indireta no desenvolvimento econômico local, que por sua vez, tende
a dinamizar mais o mercado de trabalho, o emprego e a renda na microrregião. Diante
disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar as mudanças que ocorreram
durante o período de 2000 a 2010, no emprego, na ocupação e no rendimento das
pessoas ocupadas na microrregião de Salinas, abordando de maneira particular a
População Economicamente Ativa (PEA) participante da cadeia produtiva da cachaça a
fim de verificar a importância deste setor para a evolução do mercado de trabalho e da
atividade econômica da microrregião. A análise dos resultados indicou a grande
importância do setor da agroindústria da cachaça na evolução do mercado de trabalho
na microrregião de Salinas.

Palavras-chave: Mercado de trabalho, agroindústria da cachaça.

ABSTRACT
Localized in Minas Gerais‘north, the Salinas micro-region has been highlighting in the
mesoregion who belongs. Also it is featured in all the State of Minas Gerais because of
the cachaça agroindustry’s expansion and improvement in the lasts times. The cachaça

1 * Graduada em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestranda


em Desenvolvimento Econômico e Estratégia Empresarial – Unimontes. Email: patrineeco15@gmail.com
** Graduada em Administração pela Universidade Estadual de Montes Claros. Mestranda em
Desenvolvimento Econômico e Estratégia Empresarial – Unimontes. Email:
rocha.mariathereza@gmail.com
*** Docente na Universidade Estadual de Montes Claros. Doutora em Economia pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Email: lucianacord@yahoo.com.br
agroindustry’s expansion contributes in a director or indirect way in the local economic
development that helps to boost the labour market, the employment and income in the
micro-region. Therefore, the present work has the goal to analyze the changes that
happened during the period 2000 – 2010, in the employment, occupation and income of
the occupied people in the Salinas micro-region, approaching in a particular way the
economically active population that participates of cachaça’s productive chain, for we
know the importance this sector has in the evolution of the labour market and micro-
region economic activity. The results’ analysis indicated the big importance of cachaça’s
agroindustry in the labour’s market evolution of Salinas micro-region.

Key-words: Labor Market, cachaça’s agroindustry.

INTRODUÇÃO

A mesorregião norte do Estado de Minas Gerais é composta por sete

microrregiões2, dentre elas a microrregião de Salinas (Alto Rio Pardo), que abrange

dezessete municípios e, segundo o Censo Demográfico de 2010 organizado pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), continha uma população de

210.771 habitantes.

Apesar de haver nos municípios desta microrregião a predominância de

atividades econômicas primárias, baseadas na agropecuária, as pequenas indústrias

rurais vêm ganhando destaque e se tornando fontes de dinamismo para a região, é o que

ocorre com a agroindústria da cachaça artesanal. De acordo com o Censo Agropecuário

de 2006, para este ano, a microrregião de Salinas teve uma participação de 64,25% no

total da quantidade produzida da bebida na mesorregião norte de Minas Gerais. A

representatividade desta agroindústria rural na economia regional traz benefícios como a

geração de emprego e renda e confere destaque a esta microrregião no cenário estadual.

Silva et al., (2006) afirmam que o setor alambiqueiro mineiro trata-se de uma atividade

rica, importante do ponto de vista histórico e que desempenha um papel crucial na

estruturação da economia agrária estadual.

2
Microrregiões: Bocaiúva, Grão Mogol, Janaúba, Januária, Montes Claros, Pirapora e Salinas.
O Estado de Minas Gerais diante de sua histórica participação no cenário

produtivo da cachaça artesanal tem neste setor um grande propulsor de desenvolvimento

em pequenas economias locais, visto que os maiores produtores da bebida no Estado,

segundo os dados do IBGE, estão localizados em microrregiões consideradas

socioeconomicamente desiguais, a exemplo daquelas inseridas na mesorregião Norte e

Vale do Jequitinhonha (Censo Agropecuário de 2006 – IBGE).

Diante deste quadro, o estudo tem como objetivo a análise do setor da

agroindústria da cachaça artesanal na microrregião de Salinas e seus desdobramentos no

mercado de trabalho local. Para tanto, se observa a dinâmica do mercado de trabalho na

microrregião, com foco no emprego e renda dos setores ligados à cadeia produtiva da

agroindústria da cachaça, no período de 2000 e 2010 conforme os dados dos Censos

Demográficos destes anos.

Este trabalho prossegue com a apresentação da metodologia, seguida pela

abordagem dos principais resultados alcançados com as pesquisas relacionadas aos

Censos Demográficos de 2000 e 2010. Na conclusão, é feita uma discussão sobre a

ocupação e a qualidade do emprego da PEA ocupada da microrregião de Salinas, bem

como uma abordagem específica sobre a população economicamente ativa na cadeia

produtiva da agroindústria da cachaça.

METODOLOGIA

São utilizados os microdados das amostras dos Censos Demográficos de 2000 e

2010 (vol. Minas Gerais), fornecidos em meio digital pelo IBGE.A população estudada

é constituída pelos indivíduos pertencentes à população economicamente ativa (PEA).

Neste estudo adotou-se o conceito de PEA limpa, com idade entre 10 e 90 anos, para os

dados dos Censos Demográficos, abordando apenas os indivíduos ocupados, ou seja,


aqueles que se encontravam trabalhando na semana de referência, e ainda, excluindo-se

da população estudada os indivíduos que mesmo pertencendo à PEA trabalharam mais

de 90 horas semanais. A agroindústria da cachaça, para efeitos de análise, foi dividida

em dois seguimentos, o cultivo da cana de açúcar (principal matéria-prima) e a

fabricação do aguardente de cana (industrialização do produto).

A análise foi feita a partir de gráficos e tabelas sobre os principais indicadores

que expressam a precariedade ou não do emprego, como escolaridade, rendimento

mensal per capita do trabalho principal e grau de formalidade do trabalho, abordados

para mostrar a importância desta agroindústria no emprego local e como tem sido as

mudanças do perfil socioeconômico dessa população e da dinâmica do emprego nesta

microrregião para o período abordado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A agroindústria da cachaça artesanal traz inúmeros benefícios para o Estado de

Minas Gerais, principalmente por ser um setor no qual a tributação incidente é elevada.

Os resultados desta agroindústria, desde seus primórdios até os dias atuais, fomentaram

em 1992, a criação do programa PRÓ – CACHAÇA, uma forma de incentivo

encontrada pelo governo para estimular tal atividade econômica.

O PRÓ-CACHAÇA foi criado com o foco de abranger o controle da


qualidade e produtividade, desde a obtenção da matéria-prima, passando por
todas as etapas da cadeia produtiva até a comercialização do produto. O
programa foi criado ainda com o objetivo de promover a valorização da
bebida, preservar-lhe o valor cultural, moldar e gerenciar políticas de
fomento a atividade, mobilizando entidades e estimulando projetos de
pesquisa, assistência técnica, comercialização e exportação do produto
(SILVA et al., 2006, p.7).

Através desse objetivo de melhoria do nível da qualidade foi que a cachaça

artesanal de Minas ganhou espaço nacionalmente e internacionalmente, já que afetou

em primeira instância a aceitação do produto nestes mercados, “o trabalho é para que a

Cachaça Artesanal de Minas seja reconhecida internacionalmente e se torne um produto


inigualável, capaz de competir com as mais finas bebidas” (EPAMIG, 2002, p. 4). Além

disso, o PRÓ-CACHAÇA tinha como outra vertente despertar no produtor a

importância da organização, através de cooperativas ou associações.

Para a microrregião de Salinas, região abordada neste estudo, Santiago (2006),

ressalta que, com o lançamento do programa que requer padronização e melhoramento

do produto, o setor produtivo de cachaça artesanal na região ganhou grande impulso

devido ao aumento no nível de qualidade da bebida e no processo de fabricação, o que

agrega um maior valor ao produto.

O grande segredo da cachaça de Salinas está no aspecto geográfico (clima e


solo), na utilização de variedades de cana apropriadas (principalmente a Java)
e na tradição e na disciplina dos produtores, que ainda seguem a estrutura de
produção familiar, numa metodologia artesanal, porém com aspectos
melhorados através das exigências do setor depois do PRÓ -
CACHAÇA.(SANTIAGO, 2006)

De acordo com Oliveira e Ribeiro (2002), a agroindústria da cachaça vem

propiciando grandes melhoras socioeconômicas em regiões consideradas carentes como

o norte e o nordeste do estado. “A mesorregião Norte de Minas é composta por oitenta e

nove municípios e figura como principal região produtora de cachaça artesanal de

Minas Gerais em volume de produção e faturamento.” (BLOG DA CACHAÇA DE

SALINAS, 2015).

Conforme a tabela 1, dos 27.690.000 litros da aguardente de cana, produzida

com matéria-prima própria ou adquirida, em Minas Gerais, 9.100.000 litros são

provenientes da mesorregião Norte de Minas, ou seja, 32,7% do total. A região é o

maior polo produtor de cachaça artesanal do Estado, contando em 2006 com 1.718

unidades produtivas (Censo Agropecuário 2006).

Tabela 1. Quantidade produzida (mil litros) da aguardente de cana no Estado de Minas

Gerais em 2006, por mesorregião.

Mesorregião1 Quantidade produzida c/ Quantidade produzida c/ Total (mil


matéria-prima própria matéria-prima adquirida litros)

Campos da Vertente 589 165 754


Central Mineira 474 183 657
Jequitinhonha 1.903 112 2.015
Metropolitana de BH 3.377 753 4.130
Noroeste de Minas 136 143 279
Norte de Minas 7.838 1.262 9.100
Oeste de Minas 1.091 93 1.184
Sul/Sudoeste de Minas 2.095 317 2.412
Triângulo Mineiro/Alto
651 68 719
Paranaíba
Vale do Mucuri 681 147 828
Vale do Rio Doce 1.309 151 1.460
Zona da Mata 3.856 296 4.152
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – IBGE, elaboração própria.
Obs1: Classificação segundo IBGE.

Constata-se a importância desta mesorregião na produção estadual da bebida,

além da importância deste setor de atividade para a região em estudo, pois os dados

demonstram que aproximadamente 86% do total fabricado na mesorregião Norte utiliza

matéria-prima própria, favorecendo a região que é rica no cultivo da cana-de-açúcar.

Dentre todas as microrregiões que compreendem a mesorregião Norte, Salinas se

destaca nos aspectos relacionados a agroindústria, conforme demonstrado na tabela 2,

que traz o número de unidades produtivas formais, o valor da produção (em mil reais) e

a quantidade produzida (mil litros) da aguardente de cana na mesorregião norte-mineira

em 2006.

Tabela 2. Unidades produtivas formais, valor da produção de aguardente de cana em


mil reais e quantidade produzida total do produto em mil litros na mesorregião norte-
mineira, por microrregião. 2006
Microrregião Quantidade
Unidades Produtivas Valor da Produção (mil
(Mesorregião norte- Produzida Total
mineira) Formais reais) (mil litros)

Bocaiúva 44 659 374


Grão Mogol 31 333 113
Janaúba 68 357 279
Januária 221 1.098 643
Montes Claros 503 2.810 1.815
Pirapora 10 52 29
Salinas 861 5.155 5.847
Total 1.718 10.464 9.100

Fonte: Censo Agropecuário 2006 – IBGE, elaboração própria.

Das 1.718 unidades produtivas formais da mesorregião Norte de Minas, 861 se

encontravam na microrregião de Salinas. Isso corresponde a 50,1% do total, ou seja,

uma expressiva participação dessa microrregião na produção de cachaça da

mesorregião.

O valor da produção da bebida, em 2006, é outra variável que também expressa

a força da microrregião de Salinas. Naquele ano, o valor da produção em Salinas foi de

cerca de R$5,155 milhões, contra R$2,810 milhões em Montes Claros, a segunda

colocada, conforme constata-se nos dados apresentados na tabela 2.

Com relação a quantidade produzida total da aguardente na mesorregião, mais

uma vez destaca-se Salinas, com a maior quantidade produzida. Salinas lidera com uma

produção de 5.847.000 litros. Estima-se que essa produção nos dias atuais tenha

aumentado substancialmente, pois, embora não se tenha dados oficiais do IBGE para a

produção agroindustrial recente, dados da APACS (Associação dos Produtores

Artesanais de Cachaça de Salinas) de 2013 mostram que, só o município de Salinas

produziu cinco milhões de litros nesse ano.

Cabe salientar ainda a relação entre a agroindústria da cachaça e outras

agroindústrias rurais presentes na microrregião em estudo. Pela tabela 3, entre as


principais agroindústrias rurais da microrregião de Salinas, o maior valor da produção

se dá justamente na aguardente de cana, seguida da produção de queijo e requeijão e

ainda a farinha de mandioca. Portanto, a agroindústria da cachaça é aquela que mais

agrega valor no produto final da microrregião de Salinas.

Tabela 3. Valor da produção dos produtos das principais agroindústrias rurais da


microrregião de Salinas/ MG. 2006

Produtos da agroindústria rural Valor da Produção (mil reais)

Aguardente de cana (mil litros) 5.155


Doces e geleias (toneladas) 58
Farinha de mandioca
1.994
(toneladas)
Queijo e requeijão (toneladas) 2.177
Rapadura (toneladas) 854
Total 10.328

Fonte: Censo Agropecuário 2006 – IBGE, elaboração própria.

Além da importância para a economia como um todo, este setor ajudou a

dinamizar e melhorar o mercado de trabalho da região. O setor tem concorrido para a

manutenção e a criação de novos postos de trabalho, como também uma melhor

condição do emprego, destacando-se muito em relação a outros setores da economia

local. Deste modo, foi analisado a importância do mercado de trabalho da agroindústria

da cachaça no âmbito do mercado de trabalho como um todo na microrregião de

Salinas, priorizando-se a análise da PEA ocupada. Definida a população abordada, cabe

ressaltar as variáveis socioeconômicas que foram utilizadas para descrever essa

população.

Um aspecto relevante para compreensão deste mercado de trabalho é o

conhecimento quanto à inserção dos trabalhadores no mesmo. O IBGE define algumas


categorias das variáveis do mercado de trabalho dentre as quais o presente estudo

ressalta: trabalho formal e informal, grau de escolaridade e nível de rendimento.

Assume-se que essas variáveis retratam a ocorrência ou não de precariedade do

trabalho.

Em relação à formalidade, considera-se que empregos formais oferecem

benefícios e direitos inerentes ao empregado, dado que são regidos por contratos. Em

contraste, empregos informais tendem a ser desenvolvidos sem regulação, em situações

precárias e sem o estabelecimento de uma jornada de trabalho coerente, além de níveis

de rendimentos abaixo do estabelecido pela legislação, o que demonstra a importância

da formalidade para o mercado de trabalho.

Outra variável importante é o nível de instrução da população, considerando que

trabalhadores com menor grau de escolaridade tendem a ser submetidos a condições

mais precárias, dado que são atribuídos a eles rendimentos menores e trabalhos mais

laboriosos, como ocorre em atividades primárias a exemplo do cultivo de cana-de-

açúcar, principal matéria-prima da agroindústria da cachaça.

Schultz (1961), Becker (1962) e Mincer (1974) apud Cirino e Lima (2011), ao

formalizar a teoria do capital humano, afirmam que o retorno salarial do trabalho de um

indivíduo é diretamente relacionado a suas qualidades profissionais decorridas de sua

escolaridade e anos de treinamento e experiência. Assim, justifica-se a análise dos

rendimentos na agroindústria da cachaça para melhor compreensão da influência deste

seguimento no mercado de trabalho da microrregião de Salinas. Deste modo, utiliza-se

na análise o rendimento médio auferido no trabalho principal pelos ocupados totais da

microrregião e relacionados aos setores participantes da cadeia produtiva da

agroindústria da cachaça. É necessário lembrar que em 2010 o salário mínimo vigente

era de R$ 510,00, assim para se fazer comparações entre os valores de 2000 e 2010, os
valores daquele ano foram transformados em preços constantes de 2010, usando-se para

isso o INPC calculado pelo IBGE. Uma vez realçadas tais especificações, pode-se

avançar na análise dos dados.

100%
10,6
90%
28,7 32,4
80% 38,1
45,1 45
70%

60%

50%
89,4
40%
71,3 67,6
30% 61,9
54,9 55
20%

10%

0%

Informal Formal

Gráfico 1. Formalidade do trabalho dos empregados da microrregião de Salinas e

setores ligados à produção de cachaça, no período de 2000 e 2010. (%)

Fonte:IBGE – Censos Demográficos 2000 e 2010, elaboração própria.

Conforme o gráfico 1, observa-se uma leve queda na informalidade no período

de 2000 a 2010 para o total da microrregião de Salinas, porém grande parte dos

indivíduos ainda se encontram em uma situação bastante precária no emprego, dado

que, apesar desta redução na informalidade, ainda em 2010, 61,9% do total dos

empregados trabalhavam informalmente. Esta situação ajuda a entender a precariedade

no trabalho enfrentada pelas pessoas ocupadas localmente, pois, as relações de trabalho


pautadas em um contrato formal tendem a melhorar as condições das mesmas, ou pelo

menos tentam coibir qualquer prática abusiva contra a remuneração e qualidade de

trabalho desses empregados. Além disso, representa garantias de seguridade social ao

trabalhador para afastamento em caso de acidente ou doença, aposentadoria, pensões,

etc.

Os resultados auferidos para os empregados ocupados no cultivo da cana-de-

açúcar demonstraram um cenário preocupante. No período vê-se um aumento de

indivíduos na informalidade chegando em 2010 a 67,6 % do total dos empregados.

Diante do contexto observado, destaca-se a agroindústria da cachaça através do

seguimento da fabricação de aguardente de cana. Apesar de, em 2010 ainda haver uma

proporção alta de empregados trabalhando informalmente (55,0% deles), houve uma

redução da informalidade de 34,4 pontos percentuais dessa década, ou seja, saiu de

89,4% em 2000 para a marca de 55,0% em 2010.

Avançando para análise da variável grau de escolaridade, é importante ressaltar

que, para este tópico especificamente, foi adotada a população economicamente ativa

(PEA) com mais de 15 anos.

Tabela 4. Proporção da PEA ocupada da microrregião de Salinas e setores ligados à


produção de cachaça, segundo classes de escolaridade. 2000 e 2010.
Cultivo de cana-de- Fabricação de aguardente
PEA total
açúcar de cana
Nível de Instrução
2000 2010 2000 2010 2000 2010

Sem Instrução 27,0 17,9 41,7 37,4 22,0 13,7


Alfabetizado/ Fund.
50,7 44,9 56,0 45,7 64,9 54,4
Incompleto
Fund. Completo/
11,9 14,1 2,3 10,5 11,0 15,8
Médio incompleto
Médio Completo/
9,4 17,4 0,0 6,4 0,0 14,4
Superior incomp.
Superior Completo 1,0 5,7 0,0 0,0 2,1 1,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: IBGE – Censos Demográficos 2000 e 2010, elaboração própria.

Pela tabela 4, têm-se as informações necessárias para identificarmos o grau de

escolaridade da população estudada. Em relação ao total da microrregião de Salinas,

observamos que o número de analfabetos ou sem instrução reduziu quase dez pontos

percentuais de 2000 para 2010, neste último ano atingindo 17,9% do total das pessoas,

isso demonstra que quase 18,0% dos indivíduos não sabem ler nem escrever, proporção

esta que ainda é alta, e supera a de indivíduos situados na classe com grau um pouco

mais acentuado de formação que é o fundamental completo/ médio incompleto.

Portanto, os ocupados localmente apresentam baixo nível de instrução, pois

aproximadamente 45% dos indivíduos, apesar de alfabetizados, possuem apenas o

ensino fundamental incompleto. Um ponto positivo está no aumento, durante o período,

do número de pessoas com nível superior completo, passando de 1,0% para 5,7%, além

de que, no período também aumentou a proporção de pessoas com ensino médio

completo e/ou superior incompleto.

Observa-se a recorrência de resultados negativos com relação aos empregados

no cultivo de cana-de-açúcar. Apesar da redução do número e da proporção de

indivíduos analfabetos durante o período, em 2010, havia ainda 37,4% das pessoas deste

grupo classificadas como analfabetas, porcentagem muito significativa indicando que os

ocupados deste setor tem um nível de instrução baixíssimo. Ainda em 2010, 45,7% dos

indivíduos eram alfabetizados, porém com ensino fundamental incompleto, ou seja,

83,1% do total possuíam um grau de instrução precário.

A condição da fabricação de aguardente de cana é bem parecida com o total da

microrregião, com a maioria das pessoas situadas na classe de alfabetizadas com ensino

fundamental incompleto, 54,4% em 2010. Dos três cortes populacionais feitos, esta é
que apresenta menor porcentagem de indivíduos considerados analfabetos, cai de 22,0%

em 2000 para 13,7% em 2010. Destaca-se que, assim como nos resultados anteriores,

apesar de no geral ter uma população economicamente ativa com nível de instrução

baixo, houve um salto no número de indivíduos com ensino médio completo e /ou

superior completo. Nos anos 2000 não havia indivíduos nesta categoria, já em 2010

observa-se um percentual de 14,4, mostrando que no período os trabalhadores

procuraram uma maior formação tanto no ensino básico, como no ensino superior.3

Complementando a análise, conforme se verifica na tabela 5, o rendimento

médio do trabalho principal dos ocupados totais da microrregião de Salinas aumentou

durante o período estudado, passando para R$498,18 em 2010, ou seja, apesar do

aumento o rendimento estava abaixo do salário mínimo de R$510,00, vigente nesse ano.

Tabela 5. Rendimento médio no trabalho principal da PEA ocupada da microrregião de


Salinas e setores ligados à produção de cachaça. 2000 e 2010.
Ano
PEA analisada
2000 2010

PEA total 405,29 498,18


PEA cultivo cana-de-açúcar 274,37 300,10
PEA fabricação aguardente 530,78 617,15
Fonte: IBGE – Censos Demográficos 2000 e 2010, elaboração própria.

Quando observado o rendimento médio dos trabalhadores do cultivo da cana-de-

açúcar, foi encontrado o valor R$300,10 em 2010. Esse rendimento não apresentou

grande variação em termos reais ao longo de 10 anos e mostra a precariedade nos

salários destes indivíduos, principalmente quando comparado ao valor do salário

mínimo estabelecido em lei.

3
Uma possível explicação para esse comportamento deve-se ao fato de ter sido implantado no ano de
2005, no Instituto Federal do Norte de Minas – campus Salinas, antiga Escola Agrotécnica Federal de
Salinas, o curso superior de tecnólogo em produção de cachaça, que permitiu às pessoas um maior acesso
ao grau de formação mais elevado.
Apenas os trabalhadores empregados na fabricação da aguardente de cana

apresentaram uma situação melhor, em 2000 o rendimento médio destes era de $530,78

(em valores de 2010), ou seja, muito próximo ao valor do salário mínimo vigente em

2010, estando em uma resultado melhor do que daqueles trabalhadores empregados no

cultivo da cana-de-açúcar, que auferiam R$274,37 mensais no ano de 2000. Já em 2010

subiu para R$617,15 o rendimento médio dos empregados no seguimento de fabricação

da aguardente, ficando acima do salário mínimo vigente e confirmando mais uma vez,

através dos rendimentos, as melhores condições de trabalho dos indivíduos deste setor

com relação aos outros e sua importância para o dinamismo do mercado de trabalho da

microrregião como um todo, uma vez que o nível salarial mostra uma tendência de

agregação de valor por parte deste setor para a economia local dado que a produção de

aguardente envolve elaboração industrial, portanto imprime maior valor agregado e

maior tecnologia no produto.

CONCLUSÕES

O presente trabalho teve por objetivo estudar a dinâmica do mercado de trabalho

na microrregião de Salinas, com foco no emprego e renda dos setores ligados à cadeia

produtiva da agroindústria da cachaça, no período entre 2000 e 2010 para os dados dos

Censos Demográficos dos respectivos anos. De acordo com a abordagem considerada, é

possível elencar algumas características que tendem a afirmar a importância desta

agroindústria para a microrregião de Salinas como fonte geradora de emprego, renda e

dinamismo econômico.

Em relação ao mercado de trabalho, no que tange os dados observados dos

Censos Demográficos de 2000 e 2010, tem-se uma grande evolução, no período, do

mercado de trabalho da microrregião de Salinas. Especificamente para a agroindústria


da cachaça, apesar dos indicadores demonstrarem resultados menos favoráveis para o

cultivo da cana-de-açúcar, o setor da fabricação da bebida superou em itens importantes

a evolução do mercado produtivo deste ramo de modo geral.

Analisando a variável formalidade no emprego, observou-se durante o período

um progresso, dado que houve uma redução da informalidade no setor. Porém, em 2010,

em todos os três cortes abordados, mais da metade dos indivíduos ainda trabalhavam na

informalidade. Cabe salientar que para o setor de fabricação da aguardente houve uma

redução de 34,4 pontos percentuais na taxa de informalidade, enquanto que, para o

mercado de trabalho no geral, esta redução foi de 9,4 pontos percentuais. Infere-se que

essa redução da informalidade possa estar relacionada ao esforço dos produtores em

ampliar seu mercado consumidor através do atendimento às exigências de qualidade e

padronização do produto requeridas pelo programa PRÓ-CACHAÇA.

Com relação ao grau de escolaridade, a análise evidenciou a predominância de

um baixo nível de formação entre os indivíduos. Entretanto, no seguimento da

fabricação da aguardente é importante ressaltar que os dados apontaram um aumento de

pessoas com Ensino Médio Completo, sendo que nos anos 2000 não haviam indivíduos

nesta categoria, já em 2010, essa proporção era de 14,4%. Por fim abordando o nível de

rendimentos, a PEA da fabricação de aguardente foi a única que teve rendimentos

médios acima do salário mínimo vigente no ano, de R$510,00.

Pelo presente estudo é possível extrair do mercado de trabalho na microrregião

de Salinas como um todo que, em 2010 os trabalhadores possuíam um baixo nível de

instrução, uma precariedade no que tange ao elevado nível de informalidade e baixo

nível de rendimento, aquém do salário mínimo. Entretanto, fica evidente uma evolução

nas variáveis abordadas dentro do período estudado.


Na agroindústria da cachaça observa-se uma evolução acima da média do

mercado de trabalho por parte do subsetor de fabricação da aguardente, onde todos os

indicadores não só evoluíram durante o período, como evoluíram acima do total da

microrregião de Salinas. A fabricação de aguardente mesmo não empregando

trabalhadores com alto nível de escolaridade apresenta-se em um patamar mediano,

tendo em vista que houve um aumento dos ocupados com o Ensino de nível Médio no

período, além disso, a formalidade no subsetor vem crescendo. Por se tratar de uma

indústria, ainda que de pequeno porte, fabrica produtos com maior valor agregado, esse

dinamismo reflete em seus rendimentos que também se sobressaem.

Inserida em uma região com mercado de trabalho com baixo dinamismo, esta

agroindústria se mostra capaz de impulsionar a economia local, principalmente no que

se refere ao mercado de trabalho, dadas estas características importantes apresentadas

pelo setor.

Em contrapartida, percebe-se pelos resultados analisados que, apesar do

destaque do seguimento da fabricação da aguardente, os ocupados no cultivo de cana-

de-açúcar estavam em uma situação mais precária do que os demais trabalhadores da

cadeia produtiva da cachaça bem como da microrregião de Salinas como todo. Pelo

perfil traçado é possível inferir que os trabalhadores possuem um baixíssimo nível de

instrução, com a presença de alto grau de informalidade e baixa remuneração.

Depreende-se ao longo do estudo a importância da agroindústria da cachaça para

a microrregião de Salinas, fator que foi reforçado na análise dos resultados. Porém, essa

agroindústria não se restringe à fabricação de aguardente, seu processo produtivo

começa desde o cultivo da cana-de-açúcar. Nota-se que foram empregadas políticas

públicas para o melhoramento do setor de fabricação da aguardente, contudo estas

políticas não repercutiram em um melhoramento do cultivo da matéria-prima envolvida


na produção, qual seja o cultivo da cana-de-açúcar. Em vista disso, é preciso uma maior

atenção a este seguimento que constitui a base para a agroindústria da cachaça artesanal,

com possíveis aplicações de programas/ações que visam dinamizar este subsetor, para

que ele acompanhe os ganhos da fabricação de aguardente na cadeia produtiva da

agroindústria da cachaça. Políticas nesta instância são necessárias para que todo o setor

melhore seus resultados e continue se afirmando como importante atividade econômica

capaz de dinamizar a microrregião de Salinas socioeconomicamente.

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Os impactos da flexibilização trabalhista e o uso da terceirização pela mineradora

Samarco na barragem de Mariana

Raul Lucas Tanigut Brisola Maciel 1

Resumo: Este artigo busca analisar o uso do instituto da terceirização pela mineradora Samarco na barragem
do Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana (MG), tendo em vista os argumentos
do processo da reestruturação produtiva e da “flexibilização” das relações trabalhistas. Parte-se de uma
contextualização da definição e da prática da terceirização para a análise de como esta se tornou comum,
examinando como a terceirização foi adotada pela empresa Samarco e quais impactos sobre os trabalhadores
podem ser observados em relação a: representatividade sindical, precarização das condições de trabalho,
acidentes de trabalho, remuneração, entre outros aspectos.

Palavras-chave: Terceirização, Mariana, Samarco, Flexibilização trabalhista, Reestruturação produtiva.

Abstract: This article intents to analyze the usage of the outsourcing institute by Samarco at Fundão dam,
located in the sub district of Bento Rodrigues, city of Mariana (MG), in view of the productive restructuring
process and the flexibilization of labor relation’s argument. Beginning with a context matter from
outsourcing’s definition and practice to an extensive analysis by how this subject was adopted by the
Samarco Company, specially it’s effects over the company’s workers. The pivot points observed in this study
includes: Union representation, lack of working conditions, labor accidents, wages, among other aspects.

Keywords: Outsourcing, Mariana, Samarco, Flexibilization of labor relations, Productive Restructuring.

INTRODUÇÃO

No dia 05 de novembro de 2015, o rompimento da Barragem do Fundão, onde

havia um volume total de 50 milhões de m³ de rejeitos de mineração de ferro, deu vazão a

pelo menos 34 mi de m³ de resíduos. O resultado do rompimento da Barragem do Fundão e

do transbordamento da Barragem de Santarém foi uma lama que atingiu 663 km de rios e

1
Graduado em Ciências Econômicas (UFPR) e pós-graduado em Especialização em Direito à Cidade
e Gestão Urbana (UP). E-mail: raulmaciel@hotmail.com.br.
resultou na destruição de 1.469 hectares de vegetação, incluindo Áreas de Preservação

Permanente (IBAMA, 2015b). Das 80 espécies nativas da bacia do Rio Doce, 11 são

classificadas como ameaçadas de extinção e 12 são endêmicas do Rio Doce (IBAMA,

2015a, 2015b). O rompimento da barragem teve 19 vítimas fatais2, sendo 13 trabalhadores

terceirizados da Samarco, um empregado próprio da Samarco e cinco moradores de Bento

Rodrigues, dentre os quais, duas crianças (PCMG, 2016; LOBATO, 2016), além de danos

ambientais, econômicos e sociais, tais como

a destruição de moradias e de estruturas urbanas, destruição de áreas de


preservação permanente, isolamento de comunidades, mortandade de animais de
produção, impacto em plantações nas áreas rurais, restrições à pesca, danos à
saúde, mortandade da fauna silvestre e doméstica, interrupção da geração de
energia elétrica pelas hidrelétricas atingidas, suspensão do abastecimento de água
e danos às áreas ambientalmente sensíveis. (IBAMA, 2016, p. 3)

A barragem, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, no município de

Mariana (MG), é de propriedade da Samarco, mineradora fundada em 1977 e controlada

pela Vale e pela BHP Billiton. A Samarco opera nos estados de Minas Gerais e Espírito

Santo e tem duas unidades industriais – a de Germano, em Ouro Preto (MG) e Mariana

(MG), e a de Ubu, em Anchieta (ES) –, as quais são ligadas por um mineroduto de 396km

e que passa por 22 municípios (SAMARCO, 2005, 2014). O quadro de funcionários da

Samarco é composto por mais empregados terceirizados do que próprios (SAMARCO,

2
Sendo os 13 empregados terceirizados da Samarco: Ailton Martins dos Santos, 55 anos, funcionário da
Integral Engenharia; Claudemir Elias dos Santos, 41 anos, funcionário da Integral Engenharia; Cláudio
Fiúza da Silva, 41 anos, funcionário da Integral Engenharia; Daniel Altamiro de Carvalho, 53 anos,
funcionário da Integral Engenharia; Edinaldo Oliveira de Assis, 40 anos, funcionário da Integral
Engenharia; Marcos Aurélio Pereira de Moura, 34 anos, funcionário da Produquímica; Marcos Roberto
Xavier, 32 anos, funcionário da Vix Logística; Mateus Márcio Fernandes, 29 anos, funcionário da
Manserv Montagem e Manutenção; Pedro Paulino Lopes, 56 anos, funcionário da Manserv Montagem e
Manutenção; Samuel Vieira Albino, 34 anos, funcionário da Geocontrole BR Sondagens; Sileno
Narkievicius de Lima, 46 anos, funcionário da Integral Engenharia; Vando Maurilio dos Santos, 37 anos,
funcionário da Integral Engenharia; Waldemir Aparecido Leandro, 48 anos, funcionário da Geocontrole
BR Sondagens. Um empregado da própria Samarco: Edmirson José Pessoa, 48 anos. Os cinco moradores
de Bento Rodrigues: Antônio Prisco de Souza, 74 anos; Emanuelle Vitória Fernandes Izabel, 5 anos;
Maria das Graças Celestino da Silva, 64 anos; Maria Eliza Lucas, 60 anos; Thiago Damasceno Santos, 7
anos (PCMG, 2016; LOBATO, 2016). Priscila Monteiro, 28 anos à época, estava grávida e acabou
sofrendo aborto após ser atingida e arrastada pela lama, e tenta, desde então, incluir seu filho entre as
vítimas do rompimento da barragem (SENRA, 2016).
2014) e no momento do rompimento havia no local muitos trabalhadores que não haviam

passado pelo treinamento adequado (SRTE/MG, 2016), como veremos adiante.

Considerando o instituto da terceirização no contexto de transformações do

mundo do trabalho, marcadas principalmente pela flexibilização e pela precarização

(DRUCK; FRANCO, 2008), pretendemos neste artigo analisar o seu uso pela mineradora

Samarco, buscando focar na Barragem do Fundão. Após a Introdução, na seção A

terceirização na mineração apresentaremos brevemente como o instrumento da

terceirização foi utilizado num cenário de reestruturação produtiva e de variação dos

preços do minério. Na seção A Samarco e a Terceirização buscaremos analisar o uso da

terceirização pela mineradora, apontando seus objetivos e as suas consequências para os

trabalhadores terceirizados. Por fim, apresentamos as principais Conclusões deste trabalho.

A TERCEIRIZAÇÃO NA MINERAÇÃO

Os anos 1990, para o mundo do trabalho, foram marcados pela globalização da

economia, pela reestruturação produtiva e pela implementação de políticas neoliberais,

sendo a flexibilização do trabalho uma característica fundamental dessas transformações

(DRUCK; FRANCO, 2008). A partir desse período, ganham força os discursos pela

diminuição do Estado, pela flexibilização dos fluxos do capital e das mercadorias e pela

flexibilização das relações trabalhistas – tendo como objetivo a redução dos custos com

mão de obra, por meio da desvalorização e da precarização da força de trabalho e da

redução dos salários (HARVEY, 1996; IANNI, 1994).

A terceirização é parte essencial do processo de reestruturação produtiva e é

apresentada como um “instrumento que permite às empresas concentrarem seus esforços

na sua atividade principal, entregando atividades secundárias a terceiros, também

conhecidas como atividades-meio”, segundo Saraiva, Mercês e Magalhães (2008, p. 3),


servindo, portanto, como um “instrumento de focalização”, conforme definição de Druck e

Franco (2008), para que a empresa se concentre naquilo em que é especialista.

Nesse contexto, e considerando a inserção do Brasil na divisão internacional do

trabalho, a terceirização se dá à custa da intensificação da exploração do trabalho e da

manutenção da estrutura do poder (ALVES, 1998), dispondo de um grande número de

trabalhadores que, geralmente, realizam atividades de maior risco e estão mais sujeitos a

acidentes de trabalho, inclusive fatais (BOSSI et al, 2009).

Na Vale, desde a década de 1980, segundo Saraiva, Mercês e Magalhães (2008),

ocorreu a terceirização de serviços como limpeza industrial e predial, restaurantes,

transporte e outros. Nesse processo, de acordo com Godeiro (2007 apud VITTI, 2014), as

mudanças observadas contemplaram uma sequência de demissões, baseadas em um plano

de demissões voluntárias (PDV), e programas de terceirização dos serviços, fazendo com

que muitos trabalhadores da companhia passassem a prestar serviços por meio das

terceirizadas – como exemplo dos resultados dessas políticas, o autor menciona que

número de trabalhadores da empresa caiu em 1990 de mais de 4 mil para cerca de 1700 3,

mesmo tendo sido observado um aumento da produção do minério.

A variação do preço do minério no mercado internacional nos permite observar

como reagem as mineradoras. Em momentos de baixa,

(1) intensifica-se a extração, do que decorre o aumento da geração de rejeitos;


(2) reduzem-se os investimentos em segurança; (3) acentua-se a exploração
sobre aquelas e aqueles que agregam valor ao mineral extraído, de forma a se
aumentar a diferença entre o valor final da mercadoria produzida e o somatório
dos custos vertidos aos meios de produção e ao trabalho empregado para a
obtenção da dita mercadoria. (XAVIER; VIEIRA, 2016, p. 200)

Em função da queda nos preços do minério e do aumento do endividamento da

empresa, a terceirização é utilizada como uma das estratégias na busca pela redução dos

3
Atualmente, a Vale tem 139,7 mil empregados (VALE, 2017), mas sem informar por meio do seu
Relatório de Sustentabilidade quantos são empregados próprios e quantos são terceirizados.
custos relativos e para sustentação dos níveis de lucratividade e de redistribuição aos

acionistas. Sendo a simplificação do processo operacional e o aproveitamento da

especialização de ambos os lados outros argumentos para o processo da terceirização

(VALENÇA; BARBOSA, 2002). A intensificação dos processos produtivos na mineração

acarreta um aumento do consumo de energia elétrica e de água e impõe também a

necessidade de construção de barragens para descarte de rejeitos, constituindo potenciais

riscos ambientais e também para a população do entorno do local afetado pela barragem

(POEMAS, 2015; MAB, 2015).

Ao contrário do que propaga o discurso pela redução do papel do Estado, o

sucesso dos grandes empreendimentos no Brasil – como a atividade mineradora e a

construção de barragens – não seria possível sem a capacidade de articulação das grandes

empresas ao Estado, que é o agente que opera diretamente na viabilidade desses

empreendimentos e “utiliza do ideário de crescimento econômico e desenvolvimento

nacional como argumentos que justifiquem tais investimentos” (BARROSO; ANGELIM,

2016, p. 10).

A crise econômica intensifica o movimento de pressão pela flexibilização da

legislação trabalhista e dá força à defesa da suspensão de contratos de trabalho e de

negociações específicas entre empregados e empregadores (MORETTO, 2010).

A SAMARCO E A TERCEIRIZAÇÃO

Os dados dos Relatórios Anuais de Sustentabilidade da Samarco permitem avaliar

a evolução do número de empregados próprios e terceirizados ao longo dos últimos anos.

Os dados da Tabela 1 mostram que, no período avaliado, apenas em 2008 o número de

empregados próprios da mineradora foi superior ao número de empregados terceirizados e

que em 2005 o percentual de terceirizados superou 60% do total de empregados da


Samarco. Em termos relativos e considerando os dados de 2003 a 2014, o quadro da

empresa é composto em média por 56% de terceirizados e 44% de funcionários próprios.

Tabela 1 – Quantidade de empregados próprios e terceirizados da Samarco entre os anos de


2003 e 2014
Ano Empregados Próprios Empregados Terceirizados Percentual de Terceirizados
2003 1.286 1.372 51,62%
2004 1.275 1.767 58,09%
2005 1.336 2.066 60,73%
2006 1.381 2.005 59,21%
2007 1.743 2.280 56,67%
2008 2.032 1.900 48,32%
2009 1.987 2.191 52,44%
2010 2.061 2.856 58,08%
2011 2.359 3.370 58,82%
2012 2.517 3.433 57,70%
2013 2.899 3.492 54,64%
2014 2.969 3.517 54,22%
Fonte: Samarco, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014. Elaboração própria.

A respeito das condições de trabalho dos trabalhadores terceirizados, Samarco

(2005, p. 97) aponta que “a empresa vem empreendendo esforço para oferecer a esse

público condições semelhantes às de seus empregados”, destacando ainda que esses

empregados terceirizados e próprios passam “por treinamentos em comum, principalmente

na área de Saúde e Segurança e participam de cursos de capacitação específicos para a

atividade que irão desempenhar”. O mesmo documento afirma ainda que:

A Samarco exige, em cláusula contratual, que as contratadas remunerem seus


funcionários no mínimo de acordo com o salário-piso da categoria. Também são
exigidos benefícios como plano de saúde, alimentação e transporte. A empresa
estimula, ainda, o fornecimento de cestas básicas ou vale-alimentação. Os
empregados terceirizados passam por treinamentos de segurança e meio
ambiente em conjunto com os empregados da Samarco. Os cursos
profissionalizantes oferecidos pela empresa, como os de mecânico, soldador e
técnico de mineração, também são extensivos às contratadas. (SAMARCO,
2005, 115)

Não há, entretanto, maiores descrições sobre os esforços empreendidos para que

terceirizados tenham as condições salariais e de trabalho equiparadas às dos empregados da

Samarco. Tampouco encontramos à disposição informações sobre a equiparação do


pagamento dos benefícios – geralmente, os benefícios pagos aos funcionários das empresas

terceirizadas são inferiores aos das empresas para as quais elas prestam serviços, uma vez

que ambas se valem de se tratar de funcionários de categorias e sindicatos diferentes e,

portanto, não haver exigência legal para que os valores sejam equivalentes. A exigência de

remuneração no mínimo de acordo com o salário-piso da categoria não indica equiparação

salarial aos funcionários da Samarco – além de a remuneração do salário-piso da categoria

ser uma garantia legal.

Outra consideração necessária sobre a questão da remuneração e dos benefícios

dos terceirizados, é que há uma “pulverização e enfraquecimento dos sindicatos, cuja

representação é ameaçada pela crescente divisão entre as diversas categorias profissionais,

cada uma com o seu sindicato, com atuações competitivas entre si” (DRUCK; FRANCO,

2008, p. 90), ou seja, a fragmentação sindical tem como consequência a fragmentação das

negociações coletivas e o enfraquecimento das demandas dos trabalhadores e de sua

representação sindical, além de fazer com que o sindicalismo se volte para as greves por

empresa e não por categoria (ALVES, 2009; BORGES; DRUCK, 1993). O aumento do

número de sindicatos e a diminuição do seu poder de mobilização e de negociação podem

afetar também a taxa de sindicalização4.

Xavier e Vieira (2016) verificaram, por exemplo, que os trabalhadores da Vix

Logística SA não são vinculados ao Metabase Mariana (Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria da Extração de Ferros e Metais Básicos de Mariana) e que, portanto, não são

beneficiados pelas negociações e pelos acordos entre a Samarco e o sindicato. A vinculação

4
Não há informações disponíveis sobre a taxa de sindicalização dos funcionários terceirizados da
Samarco. Quanto aos funcionários próprios da mineradora, os relatórios anuais de sustentabilidade mais
recentes também não têm essa informação, sendo dos anos de 2005, 2006 e 2007 os únicos números
disponíveis e que indicam uma taxa baixa de sindicalização, próxima a um terço dos empregados da
mineradora. Em 2005, eram filiados a algum sindicato 35,25% dos empregados da unidade de Germano
e 31,01% dos da unidade de Ubu; em 2006, 16,60% de Germano e 14,90% de Ubu; e em 2007, os
números eram, respectivamente, 23,20% e 32,60%. (SAMARCO, 2005, 2006, 2007).
deles era com o STTROP (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de

Ouro Preto), cujas condições de trabalho e garantias necessárias são completamente

distintas das do trabalho em uma mina. Essa divergência desconsidera os altos índices de

acidente de trabalho, afastamento do trabalho, aposentadoria por invalidez e de acidentes

fatais do setor da mineração em comparação com outros setores, como construção,

transporte, armazenagem e comunicações e agricultura, pecuária, silvicultura e exploração

florestal (BRASIL, 2000).

Para Rodrigues (2001), a Samarco promove o “enriquecimento dos cargos”,

buscando reduzir a faixa etária média do seu quadro de empregados e contratar pessoal

com maior índice de escolaridade, tornando os cargos gerenciais cada vez menos

operacionais e mais estratégicos. Os relatórios disponíveis da empresa não nos permitem

mapear com precisão a distribuição dos funcionários da empresa, mas, de acordo com

Poemas (2015, pp. 38-39), no setor extrativo mineral “os postos de trabalho mais

qualificados são ainda geralmente ocupados por mão de obra originária dos grandes

centros urbanos”, restando à mão de obra local os postos de trabalho com menores

exigências de qualificação e menor remuneração, os quais são em geral firmados por meio

de contratos com empresas terceirizadas prestadoras de serviços para as mineradoras.

Os trabalhadores em regime de terceirização e de contratos temporários ficam

ainda mais expostos ao encerramento ou mesmo renegociação de contratos – o que gera

uma espécie de divisão entre trabalhadores estabilizados, de um lado, e trabalhadores

temporários, do outro (RODRIGUES, 2001). A dependência econômica em relação à

mineração é muito forte, seja para a arrecadação municipal ou para o comércio local, dessa

maneira, especialmente após o rompimento da Barragem do Fundão, as comunidades

locais sofrem o impacto do desemprego e da incerteza e também “da diminuição de

recursos para programas de compensação ambiental, mitigação de impactos ou mesmo


ações de Responsabilidade Social Corporativa” (MILANEZ; LOSEKANN, 2016, p. 409),

o que tem como objetivo a redução de custos e acaba por reduzir a margem de manobra da

negociação realizada com as comunidades atingidas5.

A partir de informações fornecidas pela própria Samarco, SRTE/MG (2016)

dispõe de dados sobre a relação de empregados de empresas terceirizadas que

desempenhavam atividades na obra de infraestrutura e alteamento6 da Barragem do Fundão

à época do rompimento. i) do total de 620 trabalhadores terceirizados, conforme a Tabela

2, 126 não haviam recebido o devido treinamento de segurança, o que corresponde a

aproximadamente 20% do total; ii) não foram mencionadas na relação três empresas

terceirizadas que tinham funcionários entre as vítimas fatais do rompimento da barragem

(Manserv Montagem e Manutenção SA, Geocontrole BR Sondagens SA e Produquímica

Indústria e Comércio SA); iii) a SRTE/MG identificou na lista de presenças empregados de

cinco prestadoras de serviço que também não foram informadas pela mineradora (ECM,

Indumep, Arcadis Logo, Skava Minas e Golder); iv) a análise da SRTE/MG., portanto,

identificou divergências que indicam que a relação apresentada pela Samarco informou

apenas parcialmente quais empregados e empresas trabalhavam nas obras da Barragem do

Fundão e que outras prestadoras de serviço podem ter sido omitidas pela mineradora.

5
Cf. Coelho, Milanez e Pinto (2016, pp. 192-198): “É justamente nas áreas rurais que as empresas
terceirizadas das mineradoras contratam a parte de sua mão de obra com menores rendimentos. Por meio
de contratos de curto prazo, a população mais pobre de Mariana consegue empregos que oferecem
salários maiores do que a média da região, caracterizada por níveis de desemprego e subemprego
elevados. Este é um fato concreto que restringe a capacidade de mobilização crítica aos grandes projetos
mineradores na região e constrange sua população a aceitá-los. [...] Assim, o contexto de relação
comunitária da Samarco se mostra complexo e contraditório. Seu papel de ‘provedora’ para Mariana e
seu entorno se deve, em grande parte, pela forma como a presença da atividade mineradora inviabiliza a
diversificação de atividades econômicas e se calca na terceirização precarizada do trabalho. Em tal
contexto, ações de filantropia e de ‘responsabilidade social’ são vistas como benesses por parte da
população. Esta relação de dependência é ainda fortalecida por programas de ‘gestão de risco social’, que
se propõem a ganhar ‘corações e mentes’, bem como enfraquecer e desorganizar tentativas locais de
organização e contestação social. Assim, a busca pela chamada licença social para operar, presente no
discurso da Vale, da BHP Billiton e da Samarco, não se traduz em procedimentos operacionais mais
seguros ou maior transparência nas atividades da empresa, mas refere-se a mecanismos de proteção
quanto aos riscos e custos que a própria empresa enfrenta ante a crítica pública.”
6
Obra de alteamento da altura de uma barragem. Para maior compreensão, consultar SRTE/MG (2016).
Tabela 2 – Quantidade de empregados por empresa terceirizada na obra de alteamento da
Barragem do Fundão e quantidade de empregados sem treinamento
Empregados sem
Empresa terceirizada Empregados
treinamento
Canadá Locadora de Equipamentos Ltda 13 6
Diefra Engenharia e Consultoria Ltda 20 3
EBJ Assessoria e Gerenciamento Ambientais Ltda 2 2
Engelic Montagem e Manutenção Elétrica Ltda 34 18
Geraes Arquitetura e Engenharia Ltda 49 27
Integral Engenharia Ltda 432 11
JM Reflorestamento e Serviços Ltda 70 59
Fonte: SRTE/MG, 2016. Elaboração própria.

De acordo com engenheiros da Integral Engenharia Ltda – empresa com o maior

número de empregados terceirizados em atividade na obra de alteamento da barragem,

conforme Tabela 2 –, a obra havia começado antes mesmo de a empresa obter a licença

ambiental. No dia do rompimento, 40 funcionários da Integral estavam na Barragem do

Fundão, sete morreram (BERTONI, 2016).

Xavier e Vieira (2016) e SRTE/MG (2016) apontam ainda uma série de

irregularidades cometidas pela Samarco e que resultaram em vários autos de infração à

mineradora: “manter empregado trabalhando em dias feriados nacionais e religiosos, sem

permissão da autoridade competente e sem a ocorrência de necessidade imperiosa de

serviço”, “prorrogar a jornada normal de trabalho, além do limite legal de 2 (duas) horas

diárias, sem qualquer justificativa legal”, “deixar de conceder ao empregado um descanso

semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas”, “deixar de conceder período mínimo

de 11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho”, entre

outros autos relacionados ao descumprimento de NRs (normas regulamentadoras)

(SRTE/MG, 2016, p. 122). Foram 23 autos de infração no total, sendo 18 relacionados a

irregularidades referentes à saúde e à segurança no trabalho, um referente à terceirização

ilícita, em função da realização da atividade-fim da mineradora por uma empresa


terceirizada e os outros autos relacionados a irregularidades quanto à jornada de trabalho

(BRASIL, 2016). A partir de fiscalização realizada após o rompimento da barragem

Constatou-se que a empresa negligenciou o cumprimento da legislação


trabalhista relacionada à segurança do trabalho, submetendo trabalhadoras e
trabalhadores a ritmo intenso de labor, valendo-se de terceirização ilícita e
deixando de apresentar documentação comprobatória da adoção de medidas de
segurança. (XAVIER; VIEIRA, 2016, p. 204)

Contrariando a ideia de que a terceirização permitiria à contratante se concentrar

nas atividades que representam sua atividade-fim, deixando as atividades-meio (tais como

segurança, limpeza, transporte, logística, etc) a prestadoras de serviço especializadas

nessas atividades, verificou-se que uma das empresas contratadas realizava operações

típicas da mineração, ainda que sem total atendimento aos treinamentos necessários para as

atividades e sem que seus funcionários pertençam à mesma categoria e ao mesmo sindicato

que os empregados da Samarco.

Não obstante utilizar-se de mão de obra terceirizada, a Samarco contratava


empresas interpostas para realizarem atividades inerentes à extração mineral,
sendo apontado no relatório que a empresa Vix Logística S.A. realizava
operações típicas da mineração, dentre as quais corte e espalhamento, escavação
e carregamento, transporte de materiais, explosivos e equipamentos, umectação
de vias, nivelamento, compactação e movimentação de materiais. Destaca-se que
a empresa interposta não era especialista nas atividades para as quais fora
contratada. (XAVIER; VIEIRA, 2016, p. 204)

Druck e Franco (2008) apontam que as Normas Regulamentadoras de Segurança e

Saúde no Trabalho muitas vezes não são cumpridas pelas empresas terceirizadas e

prestadoras de serviço – faltando, por exemplo: CIPA (Comissão Interna de Prevenção de

Acidentes), SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina

do Trabalho), PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e PCMSO (Programa

de Controle Médico de Saúde Ocupacional). Outra consequência da terceirização, para as

autoras, é o aumento da dificuldade para obtenção de dados referentes a acidentes de

trabalho e problemas de saúde relacionados ao trabalho. No caso da Samarco, o SESMT e


a CIPA, embora existissem, foram subdimensionados em função do número de empregados

próprios da Samarco e não consideraram totalmente os empregados terceirizados

(XAVIER; VIEIRA, 2016).

O aumento do risco de acidentes de trabalho entre os trabalhadores terceirizados

pode ser atribuído também à terceirização da responsabilidade dos gastos em medidas

preventivas: as empresas contratantes diminuem esses gastos e deixam os funcionários

terceirizados mais sujeitos a acidentes e mortes no local de trabalho (SRT/CUT, 2014). Os

contratos de trabalho a que são submetidos os empregados terceirizados geralmente não

consideram as condições de trabalho de uma mina e da atividade da extração mineral

(POEMAS, 2015). Dessa maneira, os trabalhadores terceirizados são expostos aos mesmos

riscos de acidentes de trabalho e riscos à saúde que os trabalhadores contratados

diretamente pela mineradora, mas sem as mesmas condições e com menor remuneração.

CONCLUSÃO

Nos últimos anos, a reestruturação produtiva e a flexibilização das relações

trabalhistas intensificaram o uso da terceirização como estratégia de redução de custos.

Especialmente na mineração, frente à queda do preço do minério, esse foi um dos

instrumentos utilizados para manutenção da lucratividade e da redistribuição aos

acionistas. Representando maior parte do quadro de empregados da Samarco, os

trabalhadores terceirizados não raramente são expostos às mesmas condições de trabalho

que os funcionários próprios da Samarco, mas sem estarem cobertos pelos mesmos acordos

coletivos, pois não pertencem às mesmas categorias nem estão representados pelo mesmo

sindicato, e, como se pode observar após o rompimento da barragem, sem terem passado

pelo treinamento adequado para o desempenho de suas atividades.


As constatações da fiscalização realizada após o rompimento da barragem do

Fundão evidenciam a relação entre os acidentes de trabalho e a terceirização, ainda que

aplicada corretamente e dentro das hipóteses legais (XAVIER; VIEIRA, 2016). O

descumprimento de normas de segurança atinge especialmente os trabalhadores

terceirizados. Dos 14 trabalhadores mortos em função do rompimento da barragem, 13

eram trabalhadores terceirizados. O vazamento dos rejeitos da Barragem do Fundão não

provoca dano pontual na área atingida, mas altera os ciclos ecossistêmicos locais e a cadeia

alimentar – uma vez que afeta a disponibilidade dos recursos ambientais de sua base

(IBAMA, 2016) –, e prejudica, consequentemente, toda a população do entorno dos

municípios onde a Samarco operava.

A precarização e as condições de trabalho a que são expostos os trabalhadores

terceirizados não são fatos acidentais ou pontuais, mas sim intencionais e contínuos e são

parte importante da redução dos custos com mão de obra – ainda que em detrimento da

saúde e da segurança destes trabalhadores.


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EIXO 7
Agricultura brasileira: as
diversas facetas e
possibilidades de
desenvolvimento econômico e
segurança alimentar
A EXPANSÃO AGROINDUSTRIAL NA MICRORREGIÃO
SUDOESTE DE GOIÁS: MUNICÍPIOS DE MINEIROS, CAIAPÔNIA,
RIO VERDE E JATAÍ
Telma Regina de Barros

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Coordenação de Pós-


Graduação Stricto Sensu, Programa de Pós-Graduação, cursando o Mestrado em Desenvolvimento e
Planejamento Territorial, Goiânia, Goiás; e-mail: telma.economista@gmail.com.

RESUMO ABSTRACT
A expansão da fronteira agrícola na microrregião The expansion of the agricultural frontier in the
sudoeste do Estado de Goiás possibilitou o southwest microregion of state of Goiás has enabled
reordenamento do espaço produtivo, com mudanças the reordering of the productive space, with abrupt
bruscas, num acelerado processo da modernização à changes, in an accelerated process of modernising
industrialização da agricultura. O objetivo do the industrialisation of agriculture. The objective of
presente trabalho é compreender a expansão this work is to understand the agro-industrial
agroindustrial na microrregião sudoeste goiano expansion in the southwest region according to the
segundo o entendimento dos conceitos de território, understanding of the concepts of territory, rural,
rural, espaço, e suas derivações e, consequentemente, space, and its derivatives and, consequently, as this
como essa expansão tem contribuído para o expansion has contributed to regional and local
desenvolvimento regional e local. Para tanto, utiliza- development. For this, the exploratory research of
se a pesquisa exploratória dos perfis the socio-economic profiles of the four largest
socioeconômicos dos quatro maiores municípios em municipalities in the northeast region of the
extensão territorial da microrregião sudoeste do southwest of Goiás state (miners, Caiapônia, Rio
Estado de Goiás (Mineiros, Caiapônia, Rio Verde e Verde and Jataí) is used. In this analysis, the
Jataí). Nesta análise foram ressaltadas as contradictions and social conflicts linked to the
contradições e os conflitos sociais ligados à posse da possession of the land and the problematic of the
terra e a problemática da ocupação agroindustrial e agro-industrial occupation and how it presents itself
como esta se apresenta de forma rápida e intensa rapidly and intensely generating serious
gerando graves impactos ambientais. Por fim, environmental impacts. Finally, it proposes to rescue
propõe-se resgatar o debate estrutural sobre o amplo the structural debate on the broad economic
processo de desenvolvimento econômico da development process of the Southwest region of
microrregião sudoeste do Estado de Goiás com Goiás state with some contributions to the state
algumas contribuições ao planejamento estadual. planning.

Palavras–chave: Desenvolvimento. Sudoeste Key words: development. Southwest of Goiás.


Goiano. Territorialização. Territorialisation.

INTRODUÇÃO

“Nos anos recentes, o interesse pela dimensão espacial dos fenômenos

socioeconômicos vem se fortalecendo nas ciências sociais” (SCHNEIDER;

TARTARUGA, 2004, apud MARIANI; ARRUDA, 2010, p. 2). “Este interesse reveste-se,

sobretudo, das tentativas de explicar o dinamismo de algumas regiões e o declínio de

outras com base em suas configurações espaciais e nas ações empreendidas pelos seus

atores e instituições.”. (MARIANI; ARRUDA, 2010).


“A abordagem territorial, nesse sentido, oferece o suporte analítico necessário para

explicar as dinâmicas de desenvolvimento, tendo como pressuposto o espaço social e as

relações de poder nele operantes.” (MARIANI; ARRUDA, 2010). Em síntese, analisar os

territórios de forma compartimentada e as relações que ambos estabelecem entre si; ou

seja, suas respectivas territorialidades. (id., 2010)

Percebe-se contemporaneamente que “a ocupação agrícola no Sudoeste Goiano é

intensa, e a ocupação tem gerado impactos ambientais sérios e de sumiço de vegetação

nativa tanto perto como distante das áreas fluviais.” (TSUJII et al, 2014). Em face disso

surgiu a ideia de fazer um levantamento dos aspectos socioeconômicos dos quatro maiores

municípios em extensão territorial da microrregião sudoeste do Estado de Goiás, para a

realização desta pesquisa.

Deste modo, as provocações que resultaram na presente investigação resumiram-se

no seguinte problema de pesquisa: De que forma a expansão agroindustrial tem acontecido

nos quatro maiores municípios da microrregião sudoeste do Estado de Goiás, e como têem

contribuído para o desenvolvimento regional e local? Face às investigações que resultaram

na obtenção de dados primários e secundários acerca do problema de pesquisa, elaborou-se

o presente trabalho, que tem como objetivo geral compreender a expansão agroindustrial

do sudoeste goiano segundo o entendimento dos conceitos de território, de rural, de espaço,

e suas derivações e, consequentemente, como essa tem contribuído para o desenvolvimento

regional e local.

METODOLOGIA

Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica no intuito de aprofundar e

dominar os conceitos de território, de rural, de espaço, e de suas derivações, de ocupação

de solo e de desenvolvimento. Em seguida, para ilustrar o objeto de estudo, buscou-se um


exemplo prático que facilitasse a compreensão e a familiaridade com o problema e que

possibilitasse uma melhor aprendizagem ao torná-lo explícito. Para tanto, utilizou-se a

pesquisa exploratória dos perfis socioeconômicos dos quatro maiores municípios, em

extensão territorial, da microrregião sudoeste do Estado de Goiás, elaborado pelo Instituto

Mauro Borges de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Estado de Goiás - IMB.

A escolha da região e dos municípios de Mineiros, Caiapônia, Rio Verde e Jataí,

em princípio, deve-se ao fato de que a pesquisadora é natural da cidade de Jataí. Logo após

iniciar a pesquisa primária percebeu-se a importância destes municípios na geração de

riqueza para o Estado e, consequentemente, para o país. Nesta pesquisa, de forma sucinta,

foram ressaltadas as contradições e os conflitos sociais ligados à posse da terra e à

problemática da ocupação agroindustrial e como esta se apresenta de forma rápida e

intensa, gerando graves impactos ambientais.

Neste processo, pareceu adequado empregar o método dedutivo proposto pelos

racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, que pressupõe que só a razão é capaz de levar

ao conhecimento verdadeiro. Assim, por intermédio da compreensão de alguns conceitos e

da apresentação dos perfis socioeconômicos dos quatro maiores municípios em extensão

territorial analisados, fez-se uma construção lógica para compreender os dados

apresentados e chegar a uma conclusão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos últimos anos, após a expansão neoliberal e o fenômeno da globalização,

Brandão (2004) afirma que a questão territorial voltou ao foco com mais peso do que antes.

Para ele, agora parece que “tudo se tornou territorial”. Os agentes têm suas estratégias

territorializadas. O território “é a construção social conflituosa. Uma produção coletiva,

dinâmica, multidimensional, com trajetória histórica em aberto.” (id., 2004).


Neste contexto, nota-se que o fator diferenciador da definição de território da

concepção de espaço, que diz respeito ao ambiente propriamente dito, são as relações de

poder, bem como as manifestações culturais dos agentes que o habitam. Portanto, “ao se

apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente o ator ‘territorializa’ o espaço.”

(RAFFESTINI, 1993 apud MARIANI; ARRUDA, 2010, p. 5).

Do ponto de vista material e produtivo, os territórios assumem o caráter de sistemas

produtivos locais que territorializam o lugar em que transcorre uma pluralidade de formas

de justificação da ação humana (reciprocidade, cooperação, concorrência, disputa, entre

outras) (PECQUEUR, 1989 apud MARIANI; ARRUDA, 2010: 10) e as territorialidades

são definidas como a síntese das relações sociais que dão corpo e conferem função ao

território. Elas são a “razão de ser” dos territórios, conferindo-lhes existência, seja material

ou imaterial.

Robert Sack (1986) apud Gil (2004, p. 7) afirma que a territorialidade é fruto das

relações econômicas, políticas e culturais, por isso, se apresenta de diferentes formas,

imprimindo heterogeneidade espacial, paisagística e cultural. Para ele, territorialidade é

uma expressão geográfica do exercício do poder em uma determinada área e esta área é o

território.

Na análise das dinâmicas territoriais é importante abordar o rural e as ruralidades,

visto que estes compõem efetivamente as economias locais. Assim sendo, Bitoun;

Miranda; Araújo (2015, p. 4) conceituam a ruralidade a partir da forma como se organiza a

vida social, considerando: a) o acesso aos recursos naturais e aos bens e serviços da

cidadania; b) a composição da sociedade rural em classes e categorias sociais; e, c) os

valores culturais que sedimentam e particularizam os seus modos de vida.

Entretanto, evidencia-se que as ruralidades são cada vez mais contraditórias.

Segundo Gil (2004), essas contradições podem ser apresentadas de maneira sintética:
aqueles que têm acesso à terra e aos recursos que “urbanizaram” o campo e aqueles que

não têm.

Para Gil (2004), estas contradições engendram os conflitos sociais, presentes tanto

na cidade quanto no campo. Ambos, hoje, são opostos que se completam e se apresentam

como lócus da contradição gerada pela concentração de renda e pelas desigualdades

sociais. A posse da terra está no centro dessa questão. Além dos conflitos, as contradições

também agem como inibidoras do desenvolvimento econômico e social regional e local.

Acrescenta-se a isso três premissas centrais que estimulam o debate sobre o rural e

as ruralidades brasileiras na atualidade: a) a interdependência do rural com o urbano e com

outras esferas da vida social; b) a heterogeneidade e a diversidade do território brasileiro; e

c) a falta de regulação territorial. Aliás, superar a visão institucional do que é urbano e

rural no Brasil é a principal premissa para construir um modelo de desenvolvimento

territorial mais equilibrado (BITOUN; MIRANDA; ARAÚJO, 2015, p. 2).

Diante deste cenário, é oportuno resgatar de forma objetiva o processo histórico de

formação da economia goiana que, grosso modo, pode ser dividido em três grandes fases: a

mineradora, a pecuária e a agricultura. Estas, segundo Silva (2002), promoveram a

ocupação do território goiano, abrindo novas fronteiras econômicas para o Estado.

Estevam (1997, p.168) afirma que, nesta análise histórica, cabe destacar algumas

condicionantes básicas: “à influência irradiada pelo centro dinâmico paulista, às políticas

governamentais e a particularidades inerentes à sua própria organização socioeconômica.”.

No período aurífero em Goiás, Estevam (1997, p.28) afirma que a pecuária e

agricultura foram exploradas como atividades complementares e de sustentação, porém,

“o próprio governo, com o desaparecimento do ouro, incentivou a atividade agropecuária com

isenção de dízimos (...).”. A pecuária passou a ser extensiva e a agricultura de subsistência. A

“fazenda sertaneja em Goiás era o lugar de morar, criar gado, plantar roça e sociabilizar-se, ou
seja, viver e produzir.” (id., 1997, p.50). Assim, na primeira metade do século XIX, “com a

ruína da mineração, os moradores foram abandonando os ‘núcleos urbanos’ em direção ao

campo, ruralizando a vida social na maior parte do território.” (id., 1997, p.28)

Além disso, Estevam (1997, p.2) chama a atenção para os dois lados que devem ser

observados ao fazer uma reflexão sobre a evolução histórica do Estado de Goiás:

“(...) de um lado, leva em conta que Goiás é resultado histórico particular do processo de

desenvolvimento capitalista brasileiro, que não se trata de um espaço isolado e sim de fração

integrante e interdependente da sociedade nacional. De outro, que Goiás constitui um ‘mundo à

parte’, que tem o espaço, o movimento e o ritmo de tempo próprios, balizados por progressos,

retrocessos, diversidades, heterogeneidade e contradições específicos.”.

Outro fato que merece destaque se refere às dinâmicas urbana e demográfica do

estado. Para Estevam (1997, p.35)

“se comparado ao montante nacional, Goiás em 1872 tinha 1,6% da população brasileira e, em

1890 apenas 1,5% da mesma. (...)” Para ele “no interior do território goiano, nos anos

oitocentos, aconteceu lenta e silenciosa acomodação.”.

Neste sentido, Silva (2002) relata que a economia goiana possuiu uma pequena

participação no dinamismo da economia nacional até a década de 1930, situação alterada

somente a partir de intervenções estatais voltadas para a ocupação do Centro-Oeste, como

exemplo, a “Macha para Oeste” e a construção da capital: Goiânia.

Assim, no período de 1940 a 1980, segundo Silva (2002), o estado ampliou sua

capacidade de atrair migrantes de outros estados brasileiros, dadas as vantagens advindas

da intervenção estatal no território.

Nesse processo histórico, Estevam (1997) e Silva (2002) relatam que, outros fatores

que também merecem destaque, estão ligados à conformação geoespacial da região e os

impactos que esta causou na economia goiana. Dentre eles, destacam-se três:
“A primeira foi na segunda metade da década de 1950, no Governo JK, quando se criou o

Distrito Federal (DF), dentro do território goiano, dando início à construção de Brasília, a nova

capital federal; a segunda se refere à subdivisão do “antigo” Estado do Mato Grosso, em 1977,

ficando seu nome preservado na parte setentrional, recebendo a outra o nome de Mato Grosso

do Sul; por fim , em 1989, Goiás também foi subdividido, recebendo a parte norte o nome de

Tocantins, que passou a integrar a região Norte do país” (SILVA, 2002, p. 15).

Na década de 1980, período onde “(...) a eficácia das políticas governamentais,

assentadas nos programas regionais de desenvolvimento, perdeu vigor.” (SILVA, 2002, p.

61) e os recursos financeiros advindos do Crédito Rural tiveram significativa diminuição.

“O crédito rural, que, no decênio anterior tivera importante atuação na modernização agrícola,

não manteve o aporte de recursos destinados ao Setor primário. Pelo contrario terminou o

período ofertando, em 1990, menos da metade do que havia destinado no ano de 1981 (redução

de 54%) (SILVA, 2002, p. 65).”

Contudo, Silva (2002, p.61) enfatiza que “(...) a dinâmica do crescimento do

aparelho produtivo, alicerçadas no investimento público, prosseguiu de forma mais tímida,

mas não desprezível”, e apresenta os principais mecanismos que atuaram de forma

compensatória na perda da capacidade de gerar efeitos estimuladores de crescimento

econômico por parte dos programas estaduais e federais. Como por exemplo, a Política de

Garantia de Preço Mínimo (PGPM), a criação do Fundo Constitucional de Financiamento

do Centro Oeste (FCO), a intensificação da “guerra fiscal” entre os estados brasileiros, a

exemplo da criação do programa FOMENTAR1 em Goiás. “Dessa forma, a intervenção

estatal continuou como importante elemento estimulador do crescimento econômico

goiano” (SILVA, 2002, p. 66).

Neste mesmo período, Silva (2002) destaca as transformações econômicas,

ocorridas no estado, que garantiram o crescimento econômico de Goiás em ritmo superior


ao nacional. Como exemplo, a redução da participação do setor agrícola na composição da

renda interna do estado, e inversamente, no mesmo período o aumento da participação do

setor industrial – que contribuía apenas com 7,3% da Renda Interna (década de 70),

elevando sua participação a 29,2% (década de 80) (SILVA, 2002, p. 95).

Portanto, na “Década perdida”, uma referência à estagnação econômica vivida pela

América Latina durante a década de 80, período onde se observou um forte retrocesso da

produção industrial e um menor crescimento das economias dos países latino-americanos,

não se aplicou totalmente a Goiás, que mesmo apresentando desaceleração no crescimento

econômico ocorrido na década de 1970, manteve-se crescendo em ritmo superior ao

nacional, crescimento baseado, principalmente, no aumento da produção industrial

(SILVA, 2002).

Silva (2002) afirma que a década seguinte (1990) foi marcada pela instabilidade

monetária, altos índices de inflação, aumento do desemprego e crescimento da dívida

externa brasileira, somados à acentuação da abertura comercial e financeira e à

implementação da ideologia neoliberal no Brasil. Sendo que, o país só retoma a

estabilidade econômica e o crescimento a partir do Plano Real (1994) que igualava a

moeda nacional ao dólar americano.

Estevam (1997, p.170) afirma que:

“averiguou-se que o aparato institucional do governo, ao promover industrialização da

agricultura, transformou a estrutura socioeconômica regional. A modernização em Goiás foi de

caráter parcial concentrando-se em poucos produtos, em selecionados produtores e esteve

geograficamente localizada no centro-sul do estado. O êxodo rural foi notável e, em

decorrência, houve acelerado incremento populacional em áreas urbanas; o ‘esvaziamento’ do

campo, a dissolução da fazenda tradicional e a concomitante especulação de terras provocou o


‘fechamento’ da fronteira. Goiás passou a contar com algumas grandes cidades e o seu tempo

de transformação entrou em sincronia com o processo nacional.”

Assim também Silva (2002, p. 122) afirma que, “neste cenário, a economia goiana

não tinha como produzir comportamento distinto ao da economia nacional”, manteve-se no

período a desaceleração econômica iniciada na década de 1980.

Segundo Estevam (1997, p.170), as antigas forças

“(...) produtivas da agricultura foram sendo substituídas por ‘novas forças’ do tipo industrial; o

espírito de inovação, o elevado capital técnico por trabalhador, a produção em massa e a alta

produtividade passaram a caracterizar grande parte das atividades produtivas na região. Goiás

especializou sua atividade industrial na transformação de alguns alimentos e foi palco de

acelerada urbanização no período.”.

Silva (2002) demonstra como o estado de Goiás, diante do cenário nacional

marcado por crises econômicas e consolidação de São Paulo como centro industrial do

país, buscou na agroindústria o elemento capaz de promover o desenvolvimento regional

do estado. Nas palavras de Silva (2002, p. 141).

“Com a consolidação do parque industrial em São Paulo (segunda metade da década de 1950),

encerrou-se a possibilidade de industrialização autônoma de Estados da periferia nacional.

Restavam, porém, a alternativa de complementaridade à economia paulista e os investimentos

para o atendimento de demandas localizadas ou fornecimento para o mercado nacional em

determinados segmentos. Assim Goiás encontrou na agroindústria o segmento capaz de

promover desenvolvimento regional.”

Estevam (1997, p.171) afirma que:

“A exploração agrícola moderna exigiu certo montante de capitais para o cultivo e, mesmo

com relação ao gado, a sua criação intensiva somente tornou-se economicamente viável para

quem obtivesse recursos: a maioria dos rebanhos passaram a ser criados em cercados e os
vaqueiros a receber pagamento em dinheiro. As relações de trabalho no campo tornaram-se

monetizadas e contratuais.”.

Diante disso, Silva (2002) afirma que Goiás aprofundou sua integração econômica

de forma complementar ao dinamismo do Sudeste brasileiro e, dessa forma, garantiu o

crescimento econômico superior à média nacional para o período.

A partir dos anos 1970, “a expansão da fronteira agrícola no Sudoeste Goiano

possibilitou o reordenamento do espaço produtivo, com mudanças bruscas, numa rápida

passagem da modernização à industrialização da agricultura, via Revolução Verde. A

ocupação pelo homem do espaço do Centro-Oeste Brasileiro apresentou um elevado

crescimento devido a políticas de expansão agrícola. Esse fato ocorreu por meio da

industrialização agrícola e pela aplicação de fertilizantes, visando elevados níveis de

produção em diversas localidades, como o Sudoeste do Estado de Goiás. Essa concepção

de alta produtividade mantém-se até os dias atuais, indicando a intensidade da dinâmica de

uso e cobertura das terras nesta região (CARMO et al., 2002; PRADO et al., 2009;

FOCKINK, 2007; PAIVA, 2011; RIBEIRO, 2005; RIBEIRO et al., 2008; LIMA et al.,

2010; SANTOS et al., 2010 apud TSUJII et al. 2014, p. 45).

Lima et al. (2010), Santos et al. (2010), Paiva (2011), Carmo et al. (2002), Fockink

(2007), Ribeiro et al. (2008), Ribeiro (2005) e Pedroso et al. (2005) apud Tsujii et al.

(2014, p. 45) deixam claro que, a partir destes fatores, o Sudoeste Goiano torna-se um

expoente em produção de grãos do Estado de Goiás, e sua paisagem, marcada por cultivos

até então recentes na região e tradicionalmente por criação de gado, dá lugar ao arroz, ao

milho, ao sorgo e à soja.

Conforme afirmam Silva et al. (2012, p. 02) apud Tsujii et al. (2014, p. 45), alguns

fatores que contribuíram para a efetivação da região enquanto produtora de grãos são: a) a

proximidade com o mercado consumidor do Centro-Sul Brasileiro; b) a construção de


rodovias; c) a construção de Brasília; d) as características geomorfológicas da região, terras

planas que favoreceram a mecanização; e, e) a implantação de políticas públicas para

fomentar a produção como o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

(POLOCENTRO), o Programa de Desenvolvimento Industrial (PRODUZIR) e o Fundo

Constitucional do Centro-Oeste (FCO) do Ministério da Integração Nacional.

Neste panorama socioambiental, entende-se que “a modernização da agricultura nas

áreas do Cerrado traz consigo um custo social e ambiental muito grande”. (SILVA et al,

2012, p. 11 apud TSUJII et al, 2014, p. 45).

Numa perspectiva geral de análise, Mariani e Arruda (2010), definem o

“desenvolvimento como uma melhora qualitativa no nível de bem-estar de um determinado

grupo social, usando como referência os indicadores sociais, políticos e econômicos

disponíveis.”. Em vista disso, denotou-se que aumentos nos níveis de renda, qualidade de

vida e infra-estrutura, por exemplo, são alguns indicativos de desenvolvimento.

E o desenvolvimento local pode ser conceituado como aquele que é realizado em

escala humana, e possui a capacidade de reafirmar as potencialidades e identidades locais

frente à globalização (MARIANI; ARRUDA, 2010).

Neste sentido, as perspectivas contemporâneas de desenvolvimento que se

organizam sob uma base territorial, além de levarem em conta os distintos recursos do

território (como os recursos naturais e o capital social, por exemplo), se embasam nas

territorialidades e ruralidades, de modo a criar sinergias e modelos de produção adequados

e que efetivamente promovam o desenvolvimento (MARIANI; ARRUDA, 2010).

Mineiros, Caiapônia, Rio Verde e Jataí são municípios brasileiros localizados na

microrregião sudoeste do Estado de Goiás, Região Centro-Oeste do país.

Percebe-se pelos dados apresentados na Tabela 1 que atualmente o município da

microrregião sudoeste de maior densidade demográfica, ou seja, quantidade por habitantes


em quilômetros quadrados é o município de Rio Verde e o de menor densidade

demográfica é o município de Caiapônia.

Tabela 1 – Área territorial, população e densidade demográfica em 2016.


Área, população e densidade. Mineiros Caiapônia Rio Verde Jataí
Área territorial (km²) 9.060,09 8.637,87 8.379,66 7.174,22
População estimada (habitantes) 61.623 18.329 212.237 105.560
População estimada (em
15% 5% 53% 27%
percentual)
Densidade demográfica (hab/Km²) 6,8 2,12 25,33 13,53
Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.

Após a apresentação destes dados, aprofundou-se a pesquisa incluindo parte do

perfil socioeconômico dos municípios, tendo como referência o ano de 2010.

O Gráfico 1 retrata a ocupação da área territorial, ou seja, quantos domicílios

particulares permanentes estão instalados na área urbana e na área rural dos respectivos

municípios analisados.

Gráfico 1 – Domicílios particulares permanentes na área rural e urbana em 2010.


60.000

50.000
Número de domicílios

40.000

30.000
Rural (número)
20.000 Urbano (número)

10.000

0
MINEIROS CAIAPÔNIA RIO VERDE JATAÍ
Municípios

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.

O Gráfico 1 demonstra que a ocupação territorial está em grande parte voltada para

a vida urbana e que os municípios de Rio Verde e Jataí são os que mais se destacam nesta

concentração, isto é, praticamente a maioria da população está vivendo nas cidades.

Segundo Moysés (2004), as cidades possuem magnetismo para atrair as pessoas e as


empresas. “O futuro sinaliza para um mundo totalmente urbanizado. (...) O desafio que se

coloca, portanto, é de como reorganizar o espaço da cidade, social e territorialmente, numa

perspectiva includente.”.

O Gráfico 2 e 3 refere-se aos admitidos e demitidos, à situação da oferta de

empregos e ao rendimento médio por pessoa, conforme o Cadastro Geral de Empregados e

Desempregados (CAGED) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de cada um

dos municípios em 2010, ou seja, a situação do mercado de trabalho na microrregião.

Gráfico 2 – O mercado de trabalho em 2010.


50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
Número

MINEIROS
25.000
CAIAPÔNIA
20.000
RIO VERDE
15.000
10.000 JATAÍ

5.000
0
Admitidos Desligados Empregos
CAGED (Admitidos e desligados) e RAIS (Empregos)

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.
Gráfico 3 – Rendimento Médio (R$) em 2010.
1.300,00
1.250,00
Rendimento médio (R$)

1.200,00
1.150,00
1.100,00
1.050,00
1.000,00
950,00
MINEIROS CAIAPÔNIA RIO VERDE JATAÍ
Municípios

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.

Os Gráficos mostram que a realidade do mercado de trabalho apresentou maior

dinamismo no município de Rio Verde, sendo destaque a quantidade de empregos


ofertados no município. Por outro lado, observa-se que o município de Caiapônia não tem

uma movimentação expressiva, provavelmente em razão de representar apenas 5% da

população em relação aos demais municípios.

Outro dado que chama a atenção é o rendimento médio nos municípios. Percebe-se

que os municípios de Mineiros e de Rio Verde apresentam os melhores rendimentos. No

caso de Rio Verde, apesar do rendimento médio ser um pouco menor do que Mineiros, a

atração àquela cidade é ainda maior, pois a mesma conta com 53% da população em

relação aos demais municípios.

A Tabela 2 apresenta a participação dos referidos municípios no Produto Interno

Bruto por atividade econômica, no Estado de Goiás.

Tabela 2 – Valor Adicionado Bruto a Preços Básicos e o percentual relativo dos municípios em 2010.
Atividades Mineiros Caiapônia Rio Verde Jataí
econômicas (R$ mil) % (R$ mil) % (R$ mil) % (R$ mil) %
Total 1.074.095 14 343.028 5 3.983.231 54 2.035.137 27
Agropecuária 323.596 20 203.455 12 593.343 36 522.810 32
Indústria 201.801 11 22.098 1 1.172.983 63 455.161 25
Serviços 548.698 14 117.475 3 2.216.905 56 1.057.166 27
Administração Pública 129.394 15 40.162 5 447.442 53 221.966 27
Impostos 99.339 13 12.705 2 467.256 59 209.276 26
Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.

A Tabela 2 foi elaborada a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Mauro

Borges, que possibilita traçar, para cada município, seu perfil econômico e setorial. O

cálculo do PIB dos municípios baseia-se na distribuição do valor adicionado bruto, a

preços básicos, em valores correntes das atividades econômicas.

A partir da Tabela 2 apresentam-se os Gráficos 4, 5 e 6 que se referem aos valores


relativos da agropecuária, indústria e serviços, respectivamente, no intuito de corroborar
com a análise. Estes gráficos deixam claro o caminho que a economia do sudoeste goiano
vem adotando nos últimos anos. Destaca-se o grande investimento na industrialização da
agricultura, conforme citado anteriormente, para garantir maior produtividade e,
consequentemente, maior lucratividade.
Gráfico 4 – Agropecuária em valores relativos do ano de 2010.

Agropecuária

20% MINEIROS
32%
CAIAPÔNIA
12%
RIO VERDE
JATAÍ
36%

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora.

Gráfico 5 – Indústria em valores relativos do ano de Gráfico 6 –Serviços em valores relativos do ano de
2010. 2010.
Serviços
Indústria

1% 14%
11% 3%
25% 27%
MINEIROS
MINEIROS
CAIAPÔNIA
CAIAPÔNIA
RIO VERDE
RIO VERDE
JATAÍ
JATAÍ

63% 56%

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro
Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado
pela autora. pela autora.

Percebe-se que o município de Rio Verde, em relação aos demais, apresenta uma

diferença considerável nos setores de serviços (56%) e da indústria (63%), sendo que este

município possui 54% do Total do Valor Adicionado Bruto, o que representa quase o

dobro de Jataí (27%), que é maior do que a soma (19%) dos municípios de Mineiros (14%)

e Caiapônia (5%), conforme Tabela 2. No caso da agropecuária, percebe-se um cenário um

pouco mais equilibrado dos municípios.

Neste sentido, pode-se afirmar que a região é tipicamente pecuarista e agrícola, na


sua maioria monocultura, com alta concentração de renda e intenso processo de

urbanização que, ao se industrializar alterou também a divisão social do trabalho e passou

a abrir espaços para outras atividades, buscando a coesão social, segundo o sociólogo

Émile Durkheim.

Os Gráficos 5 e 6 apresentam o PIB per capita e o Coeficiente Gini dos municípios

analisados, referentes ao ano de 2010.

Apresentou-se o PIB per capita e o Coeficiente Gini por entender que ambos, ao

serem analisados, podem indicar a qualidade de vida da população, pois revelam o perfil da

distribuição de renda de um país.

Gráfico 5 – PIB per capita (R$) em 2010. Gráfico 6 – Coeficiente Gini em 2010.
26.000,00 0,58

25.000,00 0,57
PIB per capita (R$)

24.000,00 0,56
Coeficiente Gini

23.000,00 0,55

22.000,00 0,54
21.000,00
0,53
20.000,00
0,52
19.000,00
MINEIROS CAIAPÔNIA RIO VERDE JATAÍ 0,51
MINEIROS CAIAPÔNIA RIO VERDE JATAÍ
Municípios
Municípios

Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro Fonte: Dados extraídos do site do Instituto Mauro
Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela Borges (http://www.imb.go.gov.br/) e elaborado pela
autora. autora.

Observa-se que o município de Jataí possui um PIB per capita ligeiramente maior

do que o município de Rio Verde. Entretanto, o seu Coeficiente Gini demonstra uma

concentração de renda mais elevada. Ao que parece, o município de Rio Verde, que

apresenta o maior valor adicionado bruto entre os quatro municípios, é o que apresenta

melhor resultado quanto à distribuição de renda, muito provavelmente como consequência

do maior dinamismo dos setores de serviço e da indústria.


Por fim, a Tabela 3 apresenta o Índice de Degradação (ID) das 05 microrregiões do

Estado de Goiás mais degradadas (CUNHA; LIMA; MOURA, 2005).

Tabela 3 - Índice de Degradação (ID) e classificação das microrregiões do Estado de Goiás, em 2005.
Ordem Microrregião ID
01 Meia Ponte (GO) 3.2350
02 Vale do Rio dos Bois (GO) 2.5813
03 Sudoeste de Goiás 2.5363
04 Goiânia (GO) 2.3299
05 Anápolis (GO) 2.1451
Fonte: Tabela elaborada pela autora, a partir de dados extraídos do artigo de CUNHA; LIMA; MOURA
(2005), referentes à pesquisa realizada nos Estados de Goiás e Tocantins.

A Tabela 3 indica que, ainda em 2005, a microrregião Sudoeste de Goiás, onde

estão localizados os municípios de Mineiros, Caiapônia, Rio Verde e Jataí, ocupava o

terceiro lugar do ranking das microrregiões com maior índice de degradação global do

Cerrado, com o índice de degradação de 2,5363. Os dados dessa pesquisa, extraídos do

apêndice do artigo de Cunha; Lima; e Moura (2005) demonstram que as microrregiões

mais degradadas, na sua maioria (94%), são pertencentes ao Estado de Goiás, ou seja, a

modernização da agricultura nas áreas do Cerrado trás consigo um custo social e ambiental

muito grande.

CONCLUSÕES

As provocações iniciais que resultaram na presente investigação detectaram um

complexo campo de disputas de poder que demonstrou as contradições produzidas entre o

desenvolvimento econômico e a degradação do meio ambiente.

Ficou evidente que o crescimento de uma região, apesar da heterogeneidade e

diversidade, deve estar alicerçado no equilíbrio das relações sociais, econômicas, políticas,

culturais e ambientais, ou seja, em suas respectivas territorialidades. Neste sentido, pode-se

aduzir que o desenvolvimento contemporâneo deve ser considerado dentro de um processo


multidimensional e de escalas territoriais.

O exemplo apresentado demonstra que o crescimento da produção e a extensão

territorial, por si só, não são condições suficientes de garantia de desenvolvimento, já que o

crescimento econômico dos municípios analisados parece não ter sido compartilhado pela

população, uma vez que o coeficiente Gini dos que apresentaram melhores desempenhos

econômicos indicam alta concentração de renda.

Com o propósito de sair do discurso e colocar em prática, o desenvolvimento

sustentável deve ser uma força em contraponto ao poder do capital, assumindo um caráter

efetivamente transformador e emancipador do território. Somando-se a isso, deve-se

também desenvolver capacidades diferenciadas de gerar conhecimento e inovar para

tornar-se mais competitivo sem romper com as tradições, potencialidades e especificidades

regionais e locais.

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ANÁLISE DA BALANÇA COMERCIAL DO BRASIL NO PERÍODO DE 2014 A
2016: EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES PARA CHINA

Leila de Fatima de Oliveira Monte, mestre em Economia e Docente da Universidade


Federal do Oeste do Pará, leila_monte@yahoo.com.br.
Edilene Ferreira de Sousa Correa, graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade
Federal do Oeste do Pará, edilene_stm@hotmail.com.
Francisca Driele Machado de Paula, graduanda em Ciências Econômicas pela
Universidade Federal do Oeste do Pará, drielegalvao@gmail.com.

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar o comportamento da balança comercial do
Brasil no período de 2014 a 2016 no que se refere às exportações e importações
realizadas para a China e mostrar se há ou não dependência do Brasil em relação às
compras desse país. A base teórica que enseja essa discussão está fundamentada nas
Teorias da Vantagem Comparativa, Dotação Relativa dos Fatores e Teoria do Comércio
Internacional. Quanto aos métodos de análises adotados para explicitar a problemática
proposta, partiremos de uma pesquisa de caráter quantitativo, permeada com a coleta de
dados secundários obtidos no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior – MDIC, a Secretária do Comercio Exterior – SECEX, Banco
Central – BC e referente a China foram extraídas do Conselho Empresarial Brasil-
China- CEBC. Os resultados obtidos mostram que a China tem considerável
participação na balança comercial brasileira, principalmente nas compras de produtos
agrícolas que pertencem ao agronegócio brasileiro, tal qual, a soja e o milho, por
exemplo.

Palavras-Chaves: Balança Comercial, Comércio Internacional, Agronegócio.

1. INTRODUÇÃO

Tomando como base o atual cenário político e econômico brasileiro, a importância


da balança comercial para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país e o papel
desempenhado pelo setor agrícola, notadamente, os produtos que pertencem ao
agronegócio brasileiro, tal qual a soja, por exemplo, busca-se, neste artigo, analisar o
comportamento da Balança Comercial Brasileira no período de 2014 a 2016,
especificamente, as compras (importações) e as vendas (exportações) realizadas pelo Brasil
em sua relação comercial com a China, que desde 1974 vem mantendo relações
diplomáticas com o nosso país (SANTOS; OLIVEIRA, 2014).
Atualmente, o que se observa no cenário econômico brasileiro, o protagonismo do
mercado exterior, no que tange ao saldo da balança comercial, “segurando”, o crescimento
do PIB do país, haja vista que, o setor agrícola, com a boa safra nos primeiros meses do
ano de 2017, assegurou saldos positivos para a balança comercial brasileira. Se
observamos, o cenário econômico do país, no ano de 2016, por exemplo, temos como
ponto de partida para a análise do crescimento das exportações brasileiras o favorecimento
do dólar, que valorizado, refletiu nas vendas, principalmente, de produtos do agronegócio,
tal como a soja.
Esses produtos do agronegócio brasileiro tem demonstrado a sociedade e também
aos produtores agrícolas a importância de suas vendas no mercado exterior, pois refletem
positivamente no saldo da balança comercial brasileira, competitividade no mercado,
entrada de divisas no país, além do aumento da demanda agregada do país. Neste mercado
exterior, as relações comerciais entre os países se torna fundamental para assegurar as
compras e vendas de bens e serviços e também a conquista de novos mercados. Nesse
contexto, as relações comerciais entre o Brasil e a China tem sido bastante discutidas, pois
chama a atenção o quanto (em termos de porcentagem), este país tem contribuído para a
alavancagem do comércio exterior do Brasil.
Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar o comportamento da
balança comercial no período de 2014 a 2016 no que se refere às exportações e
importações realizadas para a china e mostrar se há ou não dependência do Brasil em
relação às compras desse país. Tendo essa necessidade para manter esses mercados entre
países, eles procuram ter produções em que tem maiores vantagens comparativas, a
exemplo do Brasil em produtos de recursos naturais.
Para a elaboração deste trabalho foram levantados dados sobre as relações
comerciais entre o Brasil e a China, analisando as exportações, importação e os principais
produtos comprados, vendidos entre os dois países e regiões e estados brasileiros. As
informações utilizada para o estudo foram obtidas a partir de dados em instituições de
pesquisa e órgão de controle, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior –MDIC, a Secretária do Comercio Exterior – SECEX, Banco central –
BC e enquanto a outros dados referente a China foram extraídas do Conselho Empresarial
Brasil-China- CEBC.
Este artigo está estruturado em cinco capítulos já incluindo esta introdução. A base
teórica que estruturará esta análise se encontra no segundo capítulo, seguido da
metodologia adotada no terceiro capítulo. As discussões dos resultados estão organizados
no quarto capítulo, seguidos das considerações finais no quinto capítulo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 AS TROCAS ENTRE PAÍSES A LUZ DAS TEORIAS DO COMÉRCIO


INTERNACIONAL
O economista David Ricardo em 1817 publicou a sua obra Princípios de Economia
Política e Tributação1 com o intuito de apresentar a Teoria das Vantagens Comparativas
que explicava como se desenvolvia o comércio entre dois países sem vantagem absoluta na
produção de nenhum bem. Sendo esta teoria a base para a construção de toda uma vertente
de teorias de comércio internacional que dominou por muito tempo o debate econômico
(RICARDO, 1982).
Segundo Carvalho (2000), a Teoria das Vantagens Comparativas fornece uma
explicação para os movimentos de mercadorias no comércio internacional, a partir da
oferta ou dos custos de produção existentes nesses países. Logo, “os países exportariam e
se especializariam na produção dos bens cujo custo fosse comparativamente menor em
relação aos existentes, para os mesmos bens, nos demais países exportadores”
(CARVALHO, 2000, p.13 e 14). Dessa forma, proporcionariam o crescimento local
baseado nas vantagens regionais que possuíssem em relação aos outros países. De outra
maneira, não precisariam necessariamente ter vantagem absoluta na produção de qualquer
mercadoria, para que o comércio internacional entre ele e outro país fosse mutuamente
benéfico. Poderia, apenas, explorar a vantagem relativa na produção que o benefício para
os países envolvidos no comércio ocorreria naturalmente (RICARDO, 1982).
Tem-se como vantagem relativa entre dois países, a razão entre o trabalho
incorporado a duas mercadorias que fossem diferentes entre dois países, de modo que cada
país poderia ter, pelo menos, uma mercadoria na qual a quantidade relativa de trabalho
incorporado fosse menor do que a do outro país, isto é, menor custo de oportunidade para
produzir uma mercadoria (RICARDO, 1982). O autor argumenta coerentemente sobre o
benefício gerado a partir do livre comércio internacional para dois países, pois explica que
mesmo que um deles produzisse todas as mercadorias comercializadas mais eficientemente
do que o outro, essa troca ainda será vantajosa para ambos.
Entretanto, a Teoria das Vantagens Comparativas de Ricardo apresentou algumas
limitações que seriam superadas somente no século XX. Segundo Carvalho (2000) “a
maneira como foram abordadas por David Ricardo, as vantagens comparativas eram
consequência do fato de que o único fator de produção relevante era o trabalho”
1
Ricardo, David (1982). Princípios de Economia Política e Tributação. Coleção Os Economistas. Abril
Cultural, São Paulo.
(CARVALHO, 2000, p.25), e este tinha níveis de produtividades diferentes nos distintos
países e, consequentemente, os bens tinham custos de produção diferentes. No entanto,
Ricardo não apresentou nenhuma justificativa econômica para esse fato.
Mas, no século XX surgiu a Teoria da Dotação Relativa dos Fatores de Heckscher-
Ohin. Esta teoria afirma que “cada país se especializa e exporta o bem que requer
utilização mais intensiva de seu fator de produção abundante” (CARVALHO, 2000, p.26).
Entretanto, se faz necessário averiguarmos que fatores de produção são responsáveis pela
distribuição espacial da produção. Estes foram analisados nos princípios básicos da Teoria
da Dotação Relativa dos Fatores de Heckscher-Ohin, conforme salienta Nobre & Monte
(2012):
O comércio internacional é conduzido, basicamente, pelas diferenças de dotações
de recursos entre os países; ou seja, o comércio internacional seria, em última
análise, uma troca de fatores abundantes por fatores escassos, em cada um dos
países. No caso simples de fatores, dois produtos e duas regiões, o comércio
estaria baseado na troca de bens com produção relativamente mais barata em
cada região, ou seja, aqueles cuja produção requer relativamente maior
quantidade de fator de produção abundante em termos domésticos (Nobre &
Monte (2012, p.2).

De acordo com a Teoria de Heckscher-Ohin, cada país se especializa e exporta o bem


que requer utilização mais intensiva de seu fator de produção mais abundante. A diferença
na dotação relativa dos fatores de produção entre os países implica na diferente
remuneração relativa desses fatores:
Os preços relativos dos fatores escassos são maiores, em relação aos preços
relativos dos fatores abundantes. Caso os fatores de produção pudessem ter
completa mobilidade entre os países, o trabalho poderia migrar em busca de
melhores salários, e o capital poderia deslocar-se para os países em que seu
retorno fosse maior. Esse processo eliminaria as diferenças nas dotações e, como
consequência, influenciaria nas remunerações relativas dos fatores entre os
países. O comércio de bens pode ser considerado como uma troca que traz
embutida a migração indireta dos fatores de produção contidos na elaboração dos
mesmos (KRUGMAN; OBSTFELD, 2009, p. 227).

Ainda no contexto das trocas entre fatores de produção escassos e abundantes entre
diferentes países, o Teorema de Stolper-Samuelson (1941)2 diz que o comércio
internacional se beneficia do fator de produção abundante em detrimento do fator de
produção escasso de cada país. O diferencial entre o Teorema de Stolper-Samuelson e a
Teoria de Heckscher-Ohin é que o teorema avalia os efeitos do comércio na distribuição
funcional da renda, ou seja, em que medida a troca de mercadorias influencia a repartição

2
Stolper, Wolfang & Samuelson, Paul. Protection and real wages. In: Review of Economic Studies, 1941.
da renda entre o capital e o trabalho (KRUGMAN; OBSTFELD, 2009; CARVALHO,
2000).
Em termos de comércio internacional, o Teorema de Stolper-Samuelson argumenta
que “quando o preço relativo de um bem sobe, tal reflete um aumento na sua procura pelos
indivíduos, isto é, um aumento da escassez relativa desse bem. Este, por seu turno, reflete
um aumento na escassez dos fatores que entram na sua produção” (KRUGMAN;
OBSTFELD, 2009, p.257). De fato, para produzir mais do bem, aproveitando a sua subida
de preço, os produtores terão de utilizar mais fatores elevando a sua procura e dispondo-se
a oferecer maior remuneração (CARVALHO, 2000). Assim sendo, quanto mais
intensivamente for um fator utilizado na produção do bem em causa, mais aumentará o seu
preço (remuneração) relativamente ao outro fator.
A nova Teoria do Comércio Internacional implementada por Paul Krugman que
retrata as imperfeições de mercados, retornos crescente de escala e a distribuição
geográfica da atividade econômica supera a análise neoclássica que reduzia o comércio
internacional as diferenças básicas entre os países. Paul Krugman desenvolve a sua teoria
partindo do conceito de “economia de escala” mediante a qual os maiores volumes de
produção com menores custos facilitam a oferta dos seus produtos no mercado
internacional, beneficiando os seus consumidores. Para isso, é necessário que os países se
planejem no sentido de se especializarem em produção de grande escala, custos reduzidos
e diversificação produtiva (SNÁCHEZ; ALDANA, 2008).
Para o caso do Brasil, é o que está faltando na pauta de exportação dos seus produtos
no comércio internacional, a diversidade e a agregação de valor aos seus produtos
agrícolas, principalmente aqueles que compõem o agronegócio brasileiro e que são
bastantes demandados pela China. A seguir discutir-se-á as relações comerciais entre
Brasil e China no comércio internacional de commodities.

2.2 RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE BRASIL E CHINA: COMÉRCIO


EXTERIOR DE COMMODITIES AGRÍCOLAS

As relações diplomáticas entre Brasil e China remontam aos anos 1950 quando então
aumentou o interesse dos chineses pela América Latina, em particular, o Brasil. Entretanto,
somente nos anos 1960, o Brasil começou a se aproximar da China “afirmando que
desacordos ideológicos não deveriam impedir que o país mantivesse relações com todos os
povos” (BECARD, 2011, p.32). Assim, a política de alargamento de parceiros comerciais e
de aumento do prestígio internacional do país fez que, durante a presidência de Jânio
Quadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961), o Brasil aproximasse-se da China (BECARD,
2011).
Em agosto de 1961, por exemplo, o Vice-Presidente João Goulart visitou a China,
tornando-se o primeiro governante brasileiro a realizar uma visita oficial ao país. A partir
da instauração do regime militar brasileiro, em 1 de abril de 1964, o governo de Castello
Branco afastou-se da política externa praticada até então, a chamada política externa
independente, e decidiu juntar-se às potências ocidentais, sobretudo por meio do
alinhamento automático com os Estados Unidos. Romperam-se, de imediato, as relações
com a China, sob a influência de ideias discriminatórias e do repúdio às práticas
comunistas revolucionárias (BECARD, 2011).
Porém, no início da década de 1970, diferentes fatores permitiram uma
reaproximação entre Brasil e China, conforme observa Becard (2011):
Por um lado, a China diminuiu seu apoio aos movimentos revolucionários na
América Latina (considerados inaceitáveis pelo regime militar brasileiro) e
buscou desenvolver uma diplomacia estratégica de governo a governo –
prometendo respeitar o princípio de não intervenção em assuntos internos
(também adotado pela diplomacia brasileira). Interessava à China encerrar o
isolamento de Pequim no sistema internacional, aumentar sua legitimidade
internacional e angariar apoio e reconhecimento, inclusive perante atitudes
independentistas de Taiwan. Frente aos ganhos limitados obtidos até então, a
política externa chinesa também passou a ostentar atitudes menos ideológicas e
mais pragmáticas, voltando-se não apenas para a busca de segurança e
independência, mas principalmente do desenvolvimento nacional (BECARD,
2011, p. 33-34).

Atualmente, a política comercial regional da China tornou-se mais integrada à


economia internacional. Em decorrência disso, a participação chinesa nas exportações
mundiais aumentou drasticamente e ocorreu transição profunda da composição da pauta
setorial, que migrou da exportação de commodities para bens manufaturados. Este
processo, embora fincado em bases econômicas construídas ao longo das últimas décadas
em uma das mais dinâmicas regiões da economia mundial, também se vincula a uma
estratégia de política comercial que conecta interesses geopolíticos à agenda estritamente
econômico-comercial, tomando a China o lugar de polo de poder econômico e político na
região (OLIVEIRA et.al., 2014).
Com a América Latina, em particular, os acordos comerciais da China estabeleceram
como metas primordiais “a obtenção de recursos energéticos, matérias-primas e mercados
para seus exportadores, além da contenção da influência de Taiwan e de apoio político
mútuo em fóruns internacionais” (OLIVEIRA et.al., 2004, p.260). Como fruto de sua
presença na região, registrou-se, na primeira metade dos anos 2000, crescimento do
comércio entre China e países latino-americanos de aproximadamente 70%, com
concentração das trocas em poucos países (Brasil, com 30%, e México, Chile, Argentina,
Panamá, Peru e Venezuela, com 50% do total dos intercâmbios) – e poucos produtos –
minérios, alimentos, pesca e petróleo. Os múltiplos investimentos chineses na região
ocorreram principalmente em áreas relacionadas à extração de matérias-primas e
construção de infraestrutura (BECARD, 2011; NOBRE; MONTE, 2012).
A partir de 2000, registrou-se um forte crescimento da corrente comercial sino-
brasileira, o qual pode ser explicado tanto pelo fim do Plano Real no Brasil – e quebra da
paridade entre o dólar e a moeda brasileira –, quanto pela superação da crise financeira na
Ásia e do surgimento de novos fluxos de crescimento na China. “De 2000 a 2004, houve
aumento, em 351,8%, das compras chinesas no Brasil, e em 106%, das compras brasileiras
na China” (BECARD, 2011, p.6), o que levou este país a transformar-se no quarto
principal parceiro comercial do Brasil. Uma considerável parte das exportações do Brasil
para a China foi composta por matérias-primas e alimentos – minério de ferro, aço e
complexo de soja – que representaram conjuntamente mais de 70% das vendas em 2004. A
ênfase brasileira no agronegócio continuou com o passar do tempo, tendo sido feita,
ademais, reivindicação de espaço no mercado chinês para outros produtos desta área, a
exemplo das carnes (BECARD, 2011).
De 2001 a 2003, as exportações brasileiras para a China foram marcadas por
significativa presença de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico (55%); alto grau de
concentração da pauta exportadora por setores – agropecuária (32%), mineração (21,6%),
siderurgia (7,8%), celulose (5,3%) e óleos vegetais (9,1%) em 2004 – e por produtos (soja
e minério de ferro). Em 2003, as importações realizadas pelo Brasil no mercado chinês
também foram marcadas por alto grau de concentração em poucos setores produtivos –
equipamentos eletrônicos e químicos e farmacêuticos –, embora em menor grau do que o
verificado para as exportações (57% dos importados) (BECARD, 2011; NOBRE;
MONTE, 2012; ECOAGRO, 2016).
Segundo Becard (2011) ao iniciar-se o século XXI, novas perspectivas para as
relações sinobrasileiras apresentaram-se, para as quais contribuíram tanto o avanço no
processo de expansão do capitalismo mundial no leste asiático, quanto as transformações
nas políticas externas do Brasil e da China. Na medida em que a China ganhou destaque
internacional graças ao seu forte desempenho econômico, o país passou a assumir um
papel mais “pró-ativo” na política mundial. Por sua vez, com o avanço da modernização
chinesa – baseada na industrialização intensiva – a política externa chinesa colocou-se
particularmente a serviço da busca por mercados, capital, tecnologia, energia e matérias-
primas estrangeiros, considerados elementos basilares do desenvolvimento chinês. Tais
transformações aproximaram sobremaneira a China da América Latina.
De sua parte, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) “remodelou a
política externa brasileira de modo que esta pudesse colaborar para a construção de uma
identidade de país continental, com ênfase na integração regional” (BECARD, 2011, p.7)
como nova forma de inserção internacional e na diversificação de parcerias com vistas à
transformação do país em global trader e player. O reforço da imagem do Brasil como país
emergente levou a diplomacia brasileira a dar prioridade à busca de mercados em
diferentes regiões do globo, enfatizando-se o universalismo como princípio fundamental da
política externa. Justificou-se, dessa forma, a aproximação e reativação das relações com a
China (BECARD, 2011).
Nos últimos anos, segundo Becard (2011) diversas empresas chinesas instalaram-se
no Pólo Industrial de Manaus (PIM), concentrando seus investimentos nos setores
eletroeletrônico (84% dos investimentos totais de empresas chinesas no PIM) e duas rodas
(11%). Até o ano de 2006, foram investidos R$ 396 milhões nessa região. A título de
exemplo, durante a segunda visita oficial do Presidente Lula a Pequim, foi assinado acordo
de investimento entre a empresa brasileira CR Motors e a chinesa Zongshen Industrie
Group, no valor de US$ 80 milhões. Com esses recursos, a nova companhia binacional
(50% de capital brasileiro e 50% de capital chinês) deverá produzir no Pólo Industrial de
Manaus, a partir de agosto de 2009, motocicletas, motores de popa e motores estacionários.

3. METODOLOGIA

Para a elaboração deste trabalho foram levantados dados secundários sobre as


relações comerciais entre o Brasil e a China, analisando as exportações, importação e os
principais produtos comprados e vendidos entre os dois países. As informações utilizada
para o estudo foram obtidas a partir de dados em instituições de pesquisa e órgão de
controle, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior –MDIC, a
Secretária do Comercio Exterior – SECEX , Banco central – BC e outros dados referente a
China foram extraídas do Conselho Empresarial Brasil-China- CEBC.
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1. Caracterização da Balança Comercial Brasileira no Período 2014-2016
Nesta seção será analisado o desempenho da Balança Comercial Brasileira no
período de 2014 a 2016, levando em consideração os principais produtos exportados e
importados, países de destino e de origem, principais regiões e estados exportadores.
4.1.1 Análise da Balança Comercial Anual 2014-2016
Na tabela abaixo teremos o comportamento e comparação da balança comercial
brasileira nos referidos anos.
Tabela 1: Balança Comercial Brasileira Anual 2014-2016 (US$ – FOB)
Ano Exportação Var. Rel. (%) Importação Var. Rel. (%) Saldo
2013 242.033.574.720 - 239.747.515.987 - 2.286.058.733
2014 225.100.884.831 -7,00 229.154.462.583 -4,42 -4.053.577.752
2015 191.134.324.584 -15,09 171.449.050.909 -25,18 19.685.273.675
2016 185.235.400.805 -3,08 137.552.002.856 -19,77 47.683.397.949

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC


Observa-se que no ano de 2014 a balança comercial fechou com saldo negativo,
portanto um déficit comercial, onde as importações foram maiores que as exportações, ou
seja, o Brasil comprou mais produtos do que vendeu. Já nos anos de 2015 e 2016 fechou
sua balança com saldo positivo, obtendo um superávit. Nota-se também uma queda das
exportações a partir deste mesmo ano, iniciando com uma taxa relativa negativa de 7%.
Em 2015 com uma taxa também negativa de 15,09% e fecha 2016 negativamente com
3,08%. As importações também caíram a partir do ano de 2014 com uma taxa negativa de
4,42%, no ano de 2015 fechou com -25,18% e 2016 encerra o ano negativo com 19,77% a
menos de importação em relação ao ano anterior.

Gráfico 1: Comparação das Importações e Exportações 2014-2016

$250.000.000.000

$200.000.000.000

$150.000.000.000
Exportação
$100.000.000.000
Importação
$50.000.000.000

$-00
2013 2014 2015
2016

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC


4.1.2 Principais Países

De acordo com os dados do MDIC os principais países de destino das mercadorias


brasileiras são China, Estados Unidos e Argentina, permanecendo ambas em primeiro,
segundo e terceiro lugar nos anos de 2014 a 2016. No ano de 2014 a China representou
18,04% de participação nas exportações brasileiras e nas importações representa 16,3% do
total geral. Os Estados Unidos representavam 12,1% das exportações e 15,28% das
importações. A argentina representou 6,34% e 6,17 das exportações e importações
brasileiras. Totalizando 36,48% de participação dos três países nas exportações e 37,75%
nas importações.
No ano de 2015 as exportações para esses países somaram mais de 72,4 bilhões de
dólares, onde a China representou 18,63% desse valor, os Estados Unidos 12,6% e a
Argentina 6,7%. Nas importações o Brasil somou mais de 67,4 bilhões de dólares
comprando dos três países, sendo China 17,92% do total, 15,44% dos Estados Unidos e a
Argentina 6%.
Tabela 2 – Exportações Brasileiras 2014 a 2016 - Principais Países (US$)
2016 Part. 2015 Part. 2014 Part.
TOTAL
185.235.400.805 191.134.324.584 225.100.884.831
GERAL
PAÍSES
China 35.133.589.864 18,97% 35.607.523.612 18,63% 40.616.107.929 18,04%
Estados
23.156.301.916 12,50% 24.079.945.544 12,60% 27.027.771.514 12,01%
Unidos
Argentina 13.417.669.917 7,24% 12.800.015.447 6,70% 14.281.998.035 6,34%
Total de Part. 71.707.561.697 38,71% 72.487.484.603 37,93% 81.925.877.478 36,39%
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)

No ano de 2016 foram feitas vendas externas para os três principais países de
destino no valor de aproximadamente 71,7 bilhões de dólares, onde a China foi o país que
mais comprou do Brasil, tendo participação de 18,97% do total, os Estados Unidos
somaram 12,5% e a Argentina 7,24%. As importações para esses países somaram mais de
56 bilhões de dólares, com participação da China de 17%, os Estados Unidos com 17,3% e
a Argentina com 6,6%.
Tabela 3 – Importações brasileiras - principais países de origem 2014-2016 (US$)
2016 Part. 2015 Part. 2014 Part.
Total Geral 137.552.002.856 171.449.050.909 229.154.462.583
PAÍSES
Estados
23.802.604.305,00 17,30% 26.471.345.593,00 15,44% 37.344.985.579,00 16,30%
Unidos
China 23.363.994.789,00 16,99% 30.719.405.022,00 17,92% 35.018.330.949,00 15,28%
Alemanha 9.130.741.915,00 6,64% 10.379.562.880,00 6,05% 13.837.992.732,00 6,04%
Argentina 9.084.493.810,00 6,60% 10.284.589.084,00 6,00% 14.142.927.904,00 6,17%
Total de Part. 65.381.834.819,00 47,53% 77.854.902.579,00 45,41% 100.344.237.164,00 43,79%
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)

4.1.3 Principais Produtos exportados e importados


Os principais produtos da balança de exportação do Brasil no exercício são: soja
mesmo triturada, minério de ferro e óleos brutos de petróleo, caracterizando-se como
produtos básicos na balança comercial. Em 2014 os três principais produtos vendidos
foram minério de ferro e seus concentrados, soja mesmo triturada e óleos brutos de
petróleo, ambos obtiveram uma participação de 29% nas exportações brasileiras. No ano
de 2015 os principais produtos foram comercializados soja mesmo triturada, minério de
ferro e seus concentrados e óleos brutos de petróleo, com participação de 24,50% nas
vendas no comercio internacional. Em 2016, os três principais produtos de destino foram a
soja mesmo triturada, minério de fero e seus concentrados e óleos brutos de petróleo.

Gráfico 2 – Taxa de Participação dos Três Principais Produtos nas


Exportações Brasileiras de 2014 a 2016

Óleos Brutos de Petróleo

2016
Minério de Ferro
2015
2014

Soja

0,00% 2,00% 4,00% 6,00% 8,00% 10,00% 12,00% 14,00%

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC


4.1.4 Principais Regiões e Estados Exportadores e Importadores
A principal região brasileira de maior exportação no ano de 2014 foi o Sudeste com
mais de US$ 116 Bilhões de divisas entrando no Brasil. Destacando os três principais
estados exportadores São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que foram também os
maiores importadores com aproximadamente US$ 124 bilhões de dólares saindo do Brasil,
fechando com déficit comercial de US$ 8 bilhões.
No ano de 2015 a região Sudeste também foi a maior exportadora, porém houve
uma queda nas exportações de -18,65% em relação ao ano passado, reduzindo para
aproximadamente US$ 94,5 bilhões. Em relação aos principais estados exportadores houve
uma mudança em relação ao ano anterior, sendo agora São Paulo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul que compõe a região Sul. Nas importações destaca-se novamente a região
Sudeste com quase US$ 95 bilhões de produtos importados, com uma redução de 23,77%,
destacando-se os estados de São Paulo, Rio de janeiro e Santa Catarina. Neste ano a
balança comercial do Sudeste fechou com déficit de US$ 377,5 milhões.
Em 2016 o Sudeste foi a região que se destacou em três anos consecutivos nas
exportações, com participação a cerca de US$ 91,8 bilhões com uma pequena queda em
comparação ao ano anterior de -2,75% e os estados que se destacaram foram São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro. Houve destaque para a região Sudeste novamente como a
maior importadora em 2016 com aproximadamente US$ 74,5 bilhões de saídas de divisas
do Brasil. Nota-se que houve uma redução das importações em comparação com o ano
anterior de – 21,36%. A região Sudeste fechou o ano de 2016 com superávit comercial de
mais de 17 bilhões de dólares.

4.2. RELAÇÃO COMERCIAL BRASIL E CHINA: EXPORTAÇÕES E


IMPORTACOES NOS PERÍODOS DE 2014 A 2016

A relação comercial Brasil e China será exemplificada a seguir em termos de


exportação e importação:
4.2.1 As exportações brasileiras para a China 2014 a 2016

Em relação as exportações brasileiras para a China nos períodos de 2014 a 2016 a


Secretaria de Comércio Exterior - SECEX do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior –MDIC, divulgou uma lista dos 100 principais produtos que o Brasil
exportar para a China. Conforme a lista pode perceber que as vendas do Brasil são
formadas em itens que serão empregados no processo produtivo e industrial.
Entre uma variedade de mercadorias vendidas para China, serão destacados desta
lista do SECEX apenas alguns produtos da ordem de 1 a 5. Diante disso, podemos
observar que as exportações brasileiras destinadas à China se concentraram em
commodities primárias agrícolas, minerais e combustíveis. Desta forma fica evidente ao
observar a tabela 4 abaixo, onde apresenta as exportações brasileiras dos principias
produtos para china em 2014-2015, em que a soja, minérios de ferro e seus concentrados e
óleos brutos de petróleo são responsáveis por 78,37% no valor exportado.
De acordo com SECEX, a soja mesmo triturada foi o principal item vendido para
China em 2014, correspondeu a US$ 16.615 bilhões do valor exportado pelo Brasil nesse
período. Podemos constata que os três principais produtos exportados para a China em
2015 continuam sendo a soja 44,34%, minérios de ferro e seus concentrados 16,15% e
óleos brutos de petróleos 11,62% que juntos tiveram uma participação de 72.11%, sendo
menor em relação ao ano de 2014 que foi 78,37%.
A tabela abaixo 4 mostra os cincos principais produtos de exportação do Brasil para
China, apresentando a descrição dos produtos, valor todas das vendas e a participação da
China nas exportações brasileiras.

Tabela 4 - Exportação brasileira para China - principais produtos 2014/2015


Descrição 2015 2014
Valor US$ FOB Part % Valor US$ FOB Part %
Total Geral 35,607,523,612 100,00 40,616,107,92 100,00
Nº Total dos principais produtos exportados 34,956,260,003 98,17 39,464,317,55 97,16
1 Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura 15,787,785,730 44,34 16,615,105,36 40,91
2 Minérios de ferro nao agl. e seus concentrados 5,749,581,730 16,15 11,744,118,11 28,91
3 Óleos brutos de petroleo 4,138,635,289 11,62 3,472,942,587 8,55
4 Pasta quim.madeira de n/conif.a 1,645,642,350 4,62 1,424,041,355 3,51
soda/sulfato,semi/branq
5 Outros acucares de cana 754,512,638 2,12 875,853,017 2,16
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC

Diante desta análise, observa-se que em 2015, a soja continuou sendo o produto
mais exportado para a China somando mais de US$ 15 bilhões sendo responsável por
44,34% do total exportado, enquanto os minérios de ferro e seus concentrados com mais de
US$ 5 bilhões com 16,15% de participação do total exportado.
De acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico
Exportaminas (2017), ocorreu em 2015 uma redução nas exportações de alguns um dos
principais produtos como o minério de ferro, que teve uma queda de US$ 5,99 bilhões,
seguindo a soja que reduziu para US$ 827,31 bilhões.
Tabela 5 - Exportação brasileira para China - principais produtos 2016 /2015
Descrição 2016 2015
Valor US$ FOB Part % Valor US$ FOB Part
%
Total geral 35,133,589,864 100 35,607,523,612 100
Nº Total dos principais produtos 34,661,741,029 98,66 34,076,896,821 95,7
exportados
1 Soja, mesmo triturada, exceto para 14,386,114,444 40,95 15,787,785,730 44,3
semeadura.
2 Minérios de ferro e seus concentrados 7,202,755,212 20,50 5,749,581,730 16,1
3 Óleos brutos de petróleo 3,908,156,336 11,12 4,138,635,289 11,62
Pasta quim. madeira de n /sulfato,
4 1,753,396,255 4,99 1,645,642,350 4,62
semi/branq
Pedaços e miudezas, comest. de
5 859,403,066 2,45 607,659,787 1,71
galos/galinhas, congelados
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC

A tabela 5 acima, mostra que as exportações brasileiras para a China em 2016


foram os produtos: a soja, minério de ferro e óleos bruto de petróleo que continuaram
liderando as exportações nesse período. Podemos observa também que teve um
crescimento significativo de minérios de ferro de 25,27% em relação ao ano anterior, e
uma redução no valor das exportações de soja -8,88%, e óleos brutos de petróleo sofreram
uma queda -5,57% em relação ao ano de 2015.

4.2.2 As importações brasileiras para a China 2014 a 2016

Em relação as importações brasileiras para a China nos períodos de 2014 a 2016 a


Secretaria de Comércio Exterior - SECEX do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior –MDIC, divulga uma lista dos 100 principais produtos que o Brasil
importa da China. Conforme essa lista do SECEX será destacada apenas alguns produtos
da ordem de 1 a 5. Em que podemos perceber que as compras do Brasil são formadas por
peças, componentes, aparelhos, máquinas, produtos em geral e equipamentos de produção
relacionadas à tecnologia.
Conforme Conselho Empresarial Brasil-China – CEBC (2017) em 2014, as
importações brasileiras concentram-se em compras de equipamentos e itens como
aparelhos elétricos para telefonia ou telegrafia que corresponderam 3,91%, aparelhos e
partes para rádio e televisão 3,74%
Conforme os dados à tabela 6 abaixo, demonstra a importação brasileira para dos
dez principais produtos importados pelo Brasil da China, é possível observa que em 2015 a
somam dos 5 produtos somaram 13,43% de sua participação.

Tabela 6 - Importação brasileira para China - principais produtos 2014 /2015


Descrição 2015 2014
Valor US$ FOB Part % Valor US$ FOB Part %
Total geral 30,719,405,022 100 37,344,985,579 100
Total dos principais produtos 13,290,124,538 43,26 41,30
importados 15,424,946,715
1 outs.parts.p/apars.d/telefonia/telegrafia 1,261,003,015 4,10 1,460,822,946 3,91
2 outs.partes p/aparelhos 1,185,835,691 3,86 1,397,065,698 3,74
recept.radiodif.televisao,etc.
3 barcos-farois/quindastes/docas/diques 947,736,499 3,09 379,014,904 1,01
flutuantes,etc.
4 terminais portáteis de telefonia celular 370,370,454 1,21 537,532,064 1,44
5 litorinas (automotoras),de fonte ext.de 360,406,496 1,17 139,352,726 0,37
eletricidade
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC

Conforme a análise do CEBC (2017) as importações de produtos chineses dos


principais produtos em 2016 atingiram US$ 23,363 bilhões, apresentando uma retração no
valor total dos principais produtos importados. Que as compras brasileiras continuam
sendo aparelhos elétricos para telefonia ou telegrafia que corresponderam (4,34%),
aparelhos e partes para rádio e televisão (2,99%).

Tabela 7 - Importação brasileira para China - principais produtos 2016 /2015


descrição 2016 2015
VALOR US$ PART VALOR US$ PART
FOB % FOB %
TOTAL GERAL 100 100,
23,363,994,789 30,719,405,022
Total dos principais produtos importados 43,21 39,14
10,096,324,519 12,023,649,746
1 Outs.parts.p/apars.d/telefonia/telegrafia 4,34 4,10
1,014,440,565 1,261,003,015
2 Outs.partes p/aparelhos 2,99 3,86
recept.radiodif.televisao,etc. 697,741,747 1,185,835,691
3 Barcos-farois/quindastes/docas/diques 2,68 3,09
flutuantes,etc. 625,774,655 947,736,499
4 Terminais portáteis de telefonia celular 2,25 1,21
525,241,322 370,370,454
5 Microprocessadores mont.p/superf.(smd) 1,12 0,53
261,386,376 163,820,158
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC
A tabela 8 abaixo, apresenta o intercâmbio comercial brasileiro com a China,
apresentando o valor total das exportações, importações, do saldo comercial do Brasil com
a China, além da variação entre os anos e participação da China no decorrer de 2014 a
2016.
Tabela 8 - Intercâmbio Comercial com Brasil /China - série histórica

Ano Exportação Importação Resultado

US$ FOB (A) Var. Part. US$ FOB (B) Var. Part. Saldo (a-b) Corrente (a+b)
% % % %
2014 40,616,107,929 -11,75 18,04 37,344,985,579 0,11 16,30 3,271,122,350 77,961,093,508

2015 35,607,523,612 -12,33 18,63 30,719,405,022 -17,74 17,92 4,888,118,590 66,326,928,634

2016 35,133,589,864 -1,33 18,97 23,363,994,789 -23,94 16,99 11,769,595,075 58,497,584,653

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)

Podemos observar na tabela 8 acima, que a exportação para a China tem aumentado
dos períodos de 2014 a 2016. Em 2014 as exportações foram mais de US$ 40 bilhões,
encerrando em 2016 com a sua participação com o percentual de 18,97%. correspondendo
um montante de mais de US$ 35 milhões. Esses dados demonstram o crescimento das
vendas do Brasil para China.
De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China – CEBC (2017) a corrente
comercial do Brasil e China em 2015 totalizou US$ 66,3 bilhões indicando um saldo
comercial entre os dois países de US$ 4,8 bilhões, o corresponde a 49% se comparado a
2014. Em 2016 as exportações da China alcançaram US$ 35 bilhões enquanto nas
importações foram US$ 23 bilhões, resultando em um superávit favorável ao Brasil de US$
12 bilhões, demonstrando excelentes resultados para Balança Comercial Brasileira.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar na Balança Comercial Brasileira que as Exportações e


Importações no período de 2014 a 2016 sofreram uma queda, evidenciando a atual
conjuntura econômica do país, que vive um período de recessão econômica. No ano de
2014 a balança comercial fechou com saldo negativo e nos anos de 2015 a 2016 fechou
com saldo positivo. Notou-se também que os três principais países de destino das
exportações brasileiras nos três anos foram sempre a China, Estados Unidos e Argentina e
nas importações também são os mesmos países de origem das mercadorias.
Os produtos que mais foram exportados foram os da categoria de básico como a
soja, minério de ferro e os óleos brutos de petróleo. Diante disso, entende-se que o Brasil
mantem uma cultura exportadora de produtos sem valor agregado e sem o emprego da
tecnologia. Na relação Brasil e China o comércio de exportação tem sido de commodities
primárias agrícolas, minerais e combustíveis. Os produtos que se destacam na balança
comercial Brasil-China são a soja mesmo triturada, minério de ferro e óleos brutos de
petróleo. Esses produtos foram os mais exportados nos anos de 2014 a 2016. Em 2014 as
exportações desses três produtos somaram 78, 37%, em 2015 as exportações desses
produtos foram de 78,37% e em 2016 a soja, minério de ferro e óleos bruto de petróleo que
continuaram liderando as exportações nesse período.
Nas importações, as compras do Brasil efetuadas da China são formadas por peças,
componentes, aparelhos, máquinas, produtos em geral e equipamentos de produções
relacionadas à tecnologia. Revelando que o Brasil exporta produtos básicos sem valor
agregado e importa produtos mais elaborados com alto nível de tecnologia, portanto com
mais fator agregado.
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maio de 2016.
Análise dos Determinantes da insegurança alimentar no Brasil para o ano de 2013

Adauto Brasilino Rocha Junior1


Aboubacari Mohamed Abdoulaye2
Cristiana Tristão Rodrigues3

Resumo
No presente trabalho realiza-se uma análise dos determinantes da insegurança alimentar no
Brasil, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares (PNAD) realizada
em 2013. Utilizando um modelo logístico ordenado, comprovou-se a hipótese de que a
propensão à insegurança alimentar sofre efeito estatisticamente significativo do perfil
socioeconômico dos indivíduos. Conclui-se que as famílias estatisticamente mais
vulneráveis são chefiadas por mulheres, indivíduos não brancos, mais jovens, com menor
escolaridade ou renda per capta, e que habitam domicílios menores sem saneamento. A
localização na zona urbana, ou nos estados de Piauí e Maranhão, também aumenta a
propensão à insegurança alimentar.
Palavras Chaves: fome; insegurança alimentar; nutrição; políticas sociais.

Abstract
In the present paper an analysis of the determinants of food insecurity in Brazil is made,
based on data from the National Survey by Household Samples (PNAD) conducted in 2013.
Using an ordered logistic model, the hypothesis that the propensity for food insecurity
suffers a statistically significant effect of the socioeconomic profile of the individuals was
verified. It is concluded that the statistically most vulnerable families are headed by women,
non-whites, younger, less educated or per capita income, and who live in smaller households
without sanitation. The location in the urban area, or in the states of Piauí and Maranhão,
also increases the propensity for food insecurity.
Keywords: hunger; food insecurity; nutrition; social politics.

1
Engº Agrônomo, mestrando em Economia pelo Departamento de Economia da Universidade Federal de
Viçosa. adauto.junior@ufv.br.
2
Economista, mestrando em Economia pelo Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa.
aboubacari.abdoulaye@ufv.br.
3
Profª adjunta do Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa. cristiana.rodrigues@ufv.br.
1. Introdução

A insegurança alimentar é um dos principais problemas sociais do mundo. Isso se

deve, basicamente, a dois aspectos: primeiro, um indivíduo enquadrado nessa situação,

segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), não tem

acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos para cobrir a demanda nutricional

necessária para que tenha uma vida ativa (FAO, 1996), o que compromete sua saúde, e,

consequentemente, a produtividade de seu trabalho; e segundo, trata-se de um problema

existente até mesmo em nações desenvolvidas, como é o caso dos Estados Unidos, onde, em

2012, quase 15% da população estava em situação de insegurança alimentar, com 5,7% em

situação de insegurança alimentar grave (USDA, 2012).

No Brasil não poderia ser diferente. O país tem à sua disposição uma quantidade

significativa de recursos, mas seu processo de desenvolvimento é marcado pela persistência

de fortes desigualdades econômicas e sociais. De acordo com o relatório “Estados de las

Ciudades de América Latina y el Caribe 2012”, publicado pelo Programa das Nações Unidas

para os Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), o Brasil é o quarto país mais desigual

da América Latina, ficando atrás apenas de Guatemala, Honduras e Colômbia, cujos

coeficientes de Gini estavam acima de 0,56, indicando uma alta concentração de renda

(ONU, 2012).

Esses dados refletem um cenário de alto nível de exclusão social, a qual, segundo

Furtado (1996), está essencialmente relacionada com o processo histórico de

desenvolvimento sócio econômico do país. Isso é preocupante, pois a construção histórica

da desigualdade resultou em diversos efeitos negativos na sociedade, como a pobreza, a

insegurança alimentar, a violência, e a criminalidade. No ano de 2004, por exemplo, 39,9%

da população brasileira sofria com insegurança alimentar, com 7,7% da população em estado
de insegurança alimentar grave (IBGE, 2006), dados que evidenciam a dimensão alarmante

deste problema no Brasil.

No contexto da forte desigualdade econômica e social, e considerando a relevância

da ocorrência de insegurança alimentar enquanto problema político brasileiro, o presente

trabalho tem por objetivo analisar os determinantes da insegurança alimentar no Brasil no

ano de 2013. Utilizando dados da pesquisa suplementar realizada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística no ano de 2013, que aplicou como metodologia a Escala Brasileira

de Insegurança Alimentar, é estimado um modelo Logit Ordenado para avaliar o efeito de

diferentes características dos indivíduos sobre a probabilidade de enquadramento na situação

de insegurança alimentar em seus diferentes graus de severidade. Com base na discussão dos

resultados, avalia-se a hipótese de que a ocorrência de insegurança alimentar envolve

determinantes econômicos e sociais, os quais devem ser considerados na elaboração de

políticas sociais.

2. Metodologia
2.1.Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
No contexto da relevância dos estudos sobre insegurança alimentar e políticas sociais

no Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares (PNAD) realizou no ano de 2013,

em caráter de pesquisa suplementar, a coleta de dados sobre segurança alimentar. Como

metodologia, o IBGE utilizou a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA na

elaboração do questionário, com o objetivo de identificar os domicílios em situação de

insegurança alimentar, e classificá-los quanto à severidade com que o fenômeno ocorre. A

EBIA é definida, segundo a PNAD (2015), como uma escala psicométrica que mensura a

percepção das famílias em relação ao acesso aos alimentos, o que a torna um instrumento

capaz de identificar os grupos populacionais mais vulneráveis à violação do direito humano

à alimentação adequada e apontar as desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero

associadas.
Ainda segundo a PNAD (2015), uma vantagem do uso das escalas psicométricas é

que elas medem o fenômeno diretamente a partir da experiência de insegurança alimentar

vivenciada e percebida pelas pessoas afetadas, captando não só a dificuldade de acesso aos

alimentos, mas também a dimensão psicossocial da insegurança alimentar. Além disso,

segundo Escamilla e Corrêa (2008), essas escalas podem ser adaptadas, através de

metodologias qualitativas, a diferentes contextos socioculturais locais, sendo sua aplicação

e análise relativamente simples.

Considerando as vantagens características desse tipo de escala, a EBIA foi criada por

um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP,

coordenado pela Dra. Ana Maria Segall Corrêa, entre os anos de 2003 e 2004. A escala

brasileira consiste em uma adaptação e validação de uma escala elaborada pelo

Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (United States Department of Agriculture

- USDA) em meados da década de 1990 (PNAD, 2015). Segundo a PNAD (2015), esse

processo demandou a realização de estudos quali-quantitativos, nas áreas urbanas e rurais

das cinco grandes regiões do País, entre os anos de 2003 e 20044.

A análise da EBIA é bastante simples. Considerando o fato do domicílio possuir ou

não moradores com menos de 18 anos, e com base no número de respostas afirmativas à 14

questões- cada resposta afirmativa valendo um ponto- classifica-se o domicílio entre uma

das 4 categorias definidas, segundo o Quadro 1.

As categorias - Segurança Alimentar, Insegurança Alimentar Leve, Insegurança

Alimentar Moderada e Insegurança Alimentar Grave- equivalem aos construtos teóricos

acerca da segurança alimentar (PNAD, 2015), e são definidas no Quadro 2.

1
Estudos realizados com financiamento do Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS
e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. Para melhor detalhamento do processo
de adaptação e validação da EBIA, consultar Corrêa et al. (2003); Sampaio et al. (2006).
Quadro 1: Classificação do domicílio com ou sem moradores com menos de 18 anos entre
os graus de segurança alimentar com base na pontuação da EBIA.
Pontos de corte para domicílios
Classificação
Com menores de 18 anos Sem menores de 18 anos
Segurança alimentar 0 0
Insegurança alimentar leve 1-5 1-3
Insegurança alimentar moderada 6-9 4-5
Insegurança alimentar grave 10-14 6-8
Fonte: PNAD (2015).

Quadro 2: Descrição dos graus de segurança alimentar.


Situação de
segurança Descrição
alimentar
A família/domicílio tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em
Segurança alimentar
quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais
Preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro; qualidade
Insegurança
inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a
alimentar leve
quantidade de alimentos
Insegurança Redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de
alimentar moderada alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos
Redução quantitativa de alimentos entre as crianças e/ou ruptura nos padrões de
Insegurança
alimentação resultante da falta de alimentos entre as crianças; fome (quando alguém
alimentar grave
fica o dia inteiro sem comer por falta de dinheiro para comprar alimentos)
Fonte: PNAD (2015).

Com base na classificação dos domicílios em uma das categorias de segurança

alimentar mostradas no Quadro 2, utilizando as informações oriundas da aplicação do

questionário do EBIA e a avaliação dos dados segundo os critérios definidos no Quadro 1,

pode-se estudar a ocorrência dos diferentes graus desse fenômeno à nível nacional, avaliando

os efeitos de outras variáveis possivelmente explicativas de sua ocorrência.

2.2.Fonte dos dados e variáveis utilizadas


A PNAD é considerada uma das mais importantes fontes de dados para pesquisas

econômicas no Brasil, o que se deve tanto à sua abrangência quanto à diversidade de

variáveis pesquisadas. Por esse motivo o presente trabalho baseia-se na utilização dos dados

da pesquisa básica e da pesquisa suplementar da PNAD do ano de 2013, explorando as

diversas variáveis explicativas da insegurança alimentar disponíveis na pesquisa. Com base

nos dados disponíveis, foram definidas a variável dependente e as variáveis explicativas

utilizadas no trabalho, as quais são apresentadas no Quadro 3.


Quadro 3: Variáveis utilizadas nos modelos.
Variável Dependente Variáveis explicativas
 Grau de Insegurança  Renda per capta
alimentar (segurança  Escolaridade da pessoa de referência
alimentar, insegurança  Gênero da pessoa de referência
leve, insegurança  Pessoa de referência idosa (> 60 anos)
moderada, ou insegurança  Cor ou raça da pessoa de referência
grave)  Pessoas/cômodo
 Luz elétrica
 Água canalizada
 Esgoto
 Unidade da federação
 Área rural
 Policial militar ou funcionário público
 Sem registro em carteira
 Empregado doméstico
 Trabalhador por conta própria
 Empregador
 Aposentado ou pensionista
 Tem criança com idade entre 5 e 17 anos no domicílio
 Pessoa de referência idosa
 Exerceu tarefas em cultivo, pesca ou criação de animais, destinados à
própria alimentação das pessoas moradoras no domicílio
Fonte: Elaboração própria.
Essas variáveis foram escolhidas considerando a multidimensionalidade do tema, e a

disponibilidade dos dados na base da PNAD. Desse modo, explora-se ao máximo possível

as informações disponíveis, desenvolvendo-se uma análise coerente com a complexidade do

problema de pesquisa.

2.3.Escolha e aplicação do modelo econométrico Logit Ordenado

A escolha do modelo de regressão utilizado no presente trabalho leva em

consideração dois aspectos inerentes ao problema de pesquisa: o primeiro é que a variável

dependente é de natureza qualitativa, e apresenta mais de dois valores possíveis; o segundo,

é que as diferentes respostas dessa variável apresentam aspecto hierárquico, ou seja, um

ordenamento, característico da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Por esse motivo,

diferenciando-se do trabalho de Hoffman (2008), optou-se pela estimação de um modelo

Logit Ordenado.

O princípio básico do modelo Logístico ordenado é semelhante ao do Probit

binomial. Assume-se que existe uma variável latente 𝑦 ∗ , que possui valor estimado por uma
regressão linear com relação às variáveis explicativas, e cujo valor determina a variável

dependente observada 𝑌. Matematicamente, tem-se:

𝑦𝑖∗ = 𝑥𝑖′ 𝛽 + 𝜀𝑖 (1)

onde 𝑦𝑖∗ é a variável latente que representa o grau de propensão à insegurança

alimentar para o indivíduo i, 𝑥𝑖′ é o vetor de características do indivíduo i ; 𝛽 é o vetor de

parâmetros associados às variáveis explicativas ; e 𝜀𝑖 é um termo de erro aleatório que capta

o efeito de variáveis não observáveis, é independente e identicamente distribuído, e é

logisticamente distribuído5. No entanto, 𝑦 ∗ não é observável. O que se pode observar são os

resultados da variável dependente Y que são

𝑌 = 1 (𝑠𝑒𝑔𝑢𝑟𝑎𝑛ç𝑎 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑎𝑟) 𝑠𝑒 𝑦 ∗ ≤ µ1
𝑌 = 2 (𝑖𝑛𝑠𝑒𝑔𝑢𝑟𝑎𝑛ç𝑎 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑎𝑟 𝑙𝑒𝑣𝑒) 𝑠𝑒 µ1 ≤ 𝑦 ∗ ≤ µ2
𝑌 = 3 (𝑖𝑛𝑠𝑒𝑔𝑢𝑟𝑎𝑛ç𝑎 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑎𝑟 𝑚𝑜𝑑𝑒𝑟𝑎𝑑𝑎) 𝑠𝑒 µ2 ≤ 𝑦 ∗ ≤ µ3
𝑌 = 4 (𝑖𝑛𝑠𝑒𝑔𝑢𝑟𝑎𝑛ç𝑎 𝑎𝑙𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑎𝑟) 𝑠𝑒 µ3 ≤ 𝑦 ∗ (2).

Considerando a distribuição logística do termo de erro, as probabilidades de

ocorrência de cada valor de Y são dadas por


1
𝑃(𝑦𝑖 = 1) = 𝑃[(𝑥𝑖′ 𝛽 + 𝜀𝑖 ) ≤ µ1 ] = 1+exp(𝑥 ′ 𝛽−µ ,
𝑖 1)
1
𝑃(𝑦𝑖 = 2) = 𝑃[(𝑥𝑖′ 𝛽 + 𝜀𝑖 ) ≤ µ2 ] = 1+exp(𝑥 ′ 𝛽−µ ,
𝑖 2)
1
𝑃(𝑦𝑖 = 3) = 𝑃[(𝑥𝑖′ 𝛽 + 𝜀𝑖 ) ≤ µ3 ] = 1+exp(𝑥 ′ 𝛽−µ ,
𝑖 3)
1
𝑃(𝑦𝑖 = 4) = 𝑃[(𝑥𝑖′ 𝛽 + 𝜀𝑖 ) ≤ µ4 ] = 1+exp(𝑥 ′ 𝛽−µ . (3).
𝑖 4)

A estimativa dos coeficientes desconhecidos β e dos limites µ é realizada por máxima

verossimilhança, maximizando-se a função de probabilidade máxima, onde as

probabilidades apresentadas em (3) são os elementos da função probabilidade. Percebe-se

pela equação (1) que a propensão à insegurança alimentar será proporcional ao valor de 𝛽,

𝑗
ou seja, um valor positivo de 𝛽 indica que a presença da característica 𝑥𝑖 (em caso de

5
A distribuição do termo de erro 𝜀𝑖 é dada por 𝐹(𝜀𝑖 )=1/(1-𝑒 −𝑍𝑖 ) , e 𝜀𝑖 apresenta média igual à zero e
variância igual à um.
variável dummie, por exemplo o gênero feminino ou a cor da pele não branca) ou que um

𝑗
aumento na variável 𝑥𝑖 (em caso de variável contínua, por exemplo a idade ou a renda per

capta), aumentam a propensão à insegurança alimentar, e vice-versa.

Conhecendo-se o valor dos parâmetros 𝛽 e dos pontos de corte µ1 , µ2 , µ3 , µ4, pode-

se calcular a probabilidade estimada de enquadramento de um determinado indivíduo, com

𝑗
características dadas pelo seu vetor de variáveis explicativas 𝑥𝑖 , em cada grau de

insegurança alimentar (representado pelos valores de y que variam de 1 a 4). Esse processo

é utilizado na discussão dos resultados por meio da análise de cenários. Essa análise consiste

na definição de diferentes perfis de indivíduos, e estimação da probabilidade de

enquadramento em situação de insegurança alimentar para cada indivíduo, o que permite a

montagem de gráficos, tornando visível o efeito de diferentes características como idade,

escolaridade, renda, gênero, cor da pele, composição familiar, sobre a propensão à

insegurança alimentar.

É importante ressaltar que, no presente trabalho, avaliou-se a insegurança alimentar

independente desta ser leve, moderada, ou grave, uma vez que a análise com decomposição

entre esses diferentes graus demandaria uma discussão bastante extensa para ser sintetizada

em um artigo. Portanto, estimou-se a probabilidade de segurança alimentar para o indivíduo,

e subtraiu-se esse valor de 1, obtendo-se, desse modo, a probabilidade de enquadramento em

situação de insegurança alimentar leve, ou moderada, ou grave. No entanto, o caráter

multinomial e ordenado da escala EBIA não pode ser ignorado na estimação, o que justifica

a utilização do modelo Logit Ordenado.

2.4.Cenários analisados

Com o objetivo de facilitar a visualização do efeito de cada determinante incluído

nos modelos estimados, foram simuladas as probabilidades de enquadramento em situação

de insegurança alimentar para diferentes cenários. Os cenários foram definidos com o


objetivo de agrupar características da mesma natureza, tornando a apresentação dos

resultados mais didática. No quadro 4 são apresentados os cenários utilizados no presente

trabalho.

Para cada cenário apresentado no quadro 4 foi calculada a probabilidade de

enquadramento em situação de insegurança alimentar utilizando o modelo estimado. É

importante ressaltar que o efeito das variáveis que estão incluídas no modelo e que não são

alteradas entre cenários é controlado, pois utiliza-se, por convenção, o valor médio das

variáveis que não são analisadas. A análise em cenários permite, dessa forma, o isolamento

dos efeitos das variáveis de interesse. A apresentação, na forma de gráficos, das

probabilidades simuladas para cada cenário, torna os resultados didáticos e simplifica a

discussão.

Quadro 4: Cenários simulados


Efeito de gênero e raça para pessoas de referência com diferentes idades
Mulher branca
Mulher não branca
Homem branco
Homem não branco
Efeito do tipo de ocupação para diferentes níveis de salário
Empregado doméstico
Conta própria
Empregador
Funcionário púbico
Sem registro na carteira
Aposentado ou pensionista
Efeito da existência de saneamento e do tamanho relativo da casa (em n º de pessoas por cômodo)
Com água canalizada e esgoto
Sem água canalizada e esgoto
Efeito da composição familiar para diferentes níveis de escolaridade
Pessoa de referência idosa, tem criança, vive na zona rural
Pessoa de referência idosa, tem criança, vive na zona urbana
Sem idoso, tem criança, vive na zona rural
Sem idoso, tem criança, vive na zona urbana
Pessoa de referência idosa, sem criança, vive na zona rural
Pessoa de referência idosa, sem criança, vive na zona urbana
Sem idoso, sem criança, vive na zona rural
Efeito do estado em que o domicílio está localizado
Simulou-se um cenário para cada unidade da federação
Fonte: Elaboração própria.
3. Resultados e discussão
3.1.Determinantes da insegurança alimentar: uma análise de cenários
Antes de desenvolver a análise de cenários, é fundamental avaliar a significância

global do modelo e dos parâmetros estimados para as variáveis explicativas do modelo

logístico ordenado. O teste de Wald para a significância global permitiu a rejeição da

hipótese nula à menos de 1% de significância, o que evidencia que a regressão realizada no

presente trabalho é estatisticamente significativa. Além disso, apenas 7 das 46 variáveis do

modelo não foram significativas à um nível de 10% de significância: as variáveis dummy

dos estados de Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul, a dummy que indica se o domicílio

possui acesso à energia elétrica ou não, a dummy para ocupação como empregado

doméstico, a dummy para trabalho agrícola, e a dummy para existência de criança no

domicílio. A maioria das demais variáveis foi significativa à um nível de 0,1%, o que indica

uma ótima significância dos parâmetros.

É importante ressaltar que, no presente modelo, um parâmetro positivo indica que a

presença da característica representada pela variável dummie, ou um aumento no valor da

variável contínua, aumentam a probabilidade de o domicílio sofrer com insegurança

alimentar. Outro resultado relevante é que a variável dummie Criacaopesca, que indica se o

indivíduo já exerceu tarefas em cultivo, pesca, ou criação de animais, destinados à própria

alimentação das pessoas moradoras no domicílio, foi significativa à 1 % de significância, e

apresentou parâmetro positivo, evidenciando que esse tipo de atividade aumenta a

probabilidade de insegurança alimentar no domicílio. Esse resultado evidencia que a prática

de atividades extrativas ou produtivas de subsistência provavelmente constituem uma

estratégia das famílias em situação de insegurança alimentar para enfrentar esse problema.

Por tratar-se de um fenômeno caracterizado pela restrição ao acesso à alimentação

adequada, a insegurança alimentar é determinada por diversos fatores. É fundamental


considerar que esses fatores não estão associados exclusivamente à escassez de renda, mas

também às características comportamentais dos indivíduos, as quais determinam sua decisão

quanto à alocação dos recursos, e à preocupação com a alimentação adequada. No Gráfico 1

são apresentadas as probabilidades de enquadramento na situação de insegurança alimentar

para domicílios com pessoas de referência com diferentes idades, gêneros, e raças.

Gráfico 1- probabilidade de enquadramento na situação de insegurança alimentar para


domicílios com pessoas de referência com diferentes idades, gêneros, e raças.
Homem Branco Homem não branco Mulher branca Mulher não branca
4,69%
4,08%
3,73%

3,72%
3,24%

3,23%
2,96%

2,95%
2,56%
2,56%

2,34%

2,33%
2,02%

2,02%
1,85%
1,60%
15 ANOS 30 ANOS 45 ANOS 60 ANOS

Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.


No Gráfico 1 pode-se observar que as três variáveis apresentam efeito sobre a

probabilidade de o domicílio enquadrar-se em situação de insegurança alimentar. O efeito

da idade é negativo, evidenciando que quanto maior a idade da pessoa de referência, menor

a probabilidade de o domicílio enquadrar-se em situação de insegurança alimentar. Esse

resultado é coerente com a ideia de que indivíduos com maior idade possuem maior

experiência na alocação de sua renda - segundo Moschis (2003), o comportamento do

consumidor é afetado pelo processo de envelhecimento e pelas experiências individuais – e,

por esse motivo, priorizam a aquisição de alimentos em detrimento de outros gastos

possíveis. É importante ressaltar que o efeito das demais variáveis, como o tipo de emprego

e o nível de renda, são controlados, o que permite inferir que o efeito observado é oriundo

exclusivamente de características comportamentais associadas à idade dos indivíduos.

Os efeitos de gênero e raça são condizentes com os resultados encontrados por

Hoffman (2008), em que as mulheres e os indivíduos não brancos estão associados à uma

maior probabilidade de enquadramento em alguma categoria de insegurança alimentar.


Considerando que o efeito da renda é controlado, o mais provável é que esses resultados se

associem à efeitos comportamentais negativos consequentes da discriminação de gênero e

raça. No entanto, a discrepância entre gêneros e raças diminui com o aumento da idade dos

indivíduos, indicando que a maior experiência na tomada de decisão dos consumidores

compensa parte dos efeitos negativos dessas características sobre sua alimentação adequada.

No Gráfico 2 é apresentada a probabilidade do enquadramento na situação de insegurança

alimentar para diferentes rendas e tipos de emprego da pessoa de referência no domicílio.

Gráfico 2- Probabilidade de enquadramento na situação de insegurança alimentar para


diferentes renda per capta e tipos de emprego da pessoa de referência no domicílio.
Empregado doméstico Conta própria Empregador Sem registro na carteira Aposentado ou pensionista
23,22%
22,59%
21,29%
19,00%
17,39%

14,12%
13,69%
12,82%
11,59%
10,27%

6,80%
6,58%
6,13%
5,50%
4,83%

3,14%
3,03%
2,81%
2,52%
2,20%

1,42%
1,37%
1,27%
1,13%
0,99%
100 400 800 1200 1600

Obs: As categorias empregado doméstico e aposentado ou pensionista foram significativas


ao nível de 20% de significância. A categoria funcionário público ou militar não foi
significativa, por isso foi omitida do gráfico.
Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.
O resultado para o efeito da renda corrobora os trabalhos existentes na literatura, e o

próprio fundamento das políticas de transferência condicionada de renda, que ressaltam a

relação negativa entre essa variável e a insegurança alimentar. No presente trabalho, tem-se

que um aumento da renda per capta de R$100,00 para R$400,00, mantidas constantes as

demais características do indivíduo, reduz em até 9,1 p.p. a probabilidade de o domicílio

enquadrar-se em alguma categoria de insegurança alimentar, o que evidencia a importância

da transferência de renda como política de combate à esse problema social. O efeito da renda

é explicado, segundo Kepple (2014), pelo fato de que quanto menor a renda de um domicílio,

maior a proporção da renda total gasta em alimentos, o que torna os indivíduos mais sensíveis

aos aumentos nos preços dos alimentos e, consequentemente, aumenta o risco de insegurança

alimentar.
As categorias de emprego também apresentaram efeito sobre a ocorrência de

insegurança alimentar. As menores probabilidades de insegurança estão associadas às

categorias empregado doméstico e conta própria, e as maiores estão associadas aos

trabalhadores sem registro na carteira e aos aposentados e pensionistas. O efeito do trabalho

como empregado doméstico, embora contrarie o resultado obtido por Hoffmann (2008),

pode ser explicado considerando que essa ocupação geralmente envolve remuneração não

financeira, recebida de modo informal pelo trabalhador, como resultado da relação entre

empregado e proprietário da residência. Já o efeito da categoria de trabalho conta própria,

explica-se pelo fato de que esse tipo de trabalhador possui mais independência na alocação

de sua mão de obra e de seus rendimentos, o que permite maior flexibilidade na tomada de

decisão, e, consequentemente, permite aos indivíduos priorizar a satisfação de necessidades

básicas, como a alimentação.

O efeito negativo da categoria sem carteira pode ser explicado pela instabilidade

característica dessa situação, em que o indivíduo não possui direitos trabalhistas, o que limita

a sua capacidade de planejamento e controle financeiro. O efeito da categoria aposentado ou

pensionista, por sua vez, pode ser associado à divisão do orçamento familiar desses

indivíduos, mas essa justificativa demanda estudos detalhados a respeito das características

de consumo destes indivíduos.

Além das características individuais como o gênero, a raça, a renda, e a ocupação,

outros fatores podem estar associados à alocação da renda e à tomada de decisão, e,

consequentemente, ao fenômeno da insegurança alimentar, como as características da

residência, da região do domicílio, e da composição familiar. No Gráfico 3 são apresentadas

as probabilidades de ocorrência desse fenômeno para diferentes tamanhos de domicílio e

condições de saneamento.
Gráfico 3- probabilidade do enquadramento na situação de insegurança alimentar para
diferentes tamanhos de domicílio e condições de saneamento.
Com água canalizada e esgoto Sem água canalizada e esgoto

7,91%
5,45%
3,49%
2,37%
1,73%
1,17%

0,1 PESSOAS/CÔMODO 0,6 PESSOAS/CÔMODO 1,2 PESSOAS/CÔMODO

Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.


Conforme os resultados apresentados no Gráfico 3, uma redução no tamanho relativo

do domicílio, representado pela variável número de pessoas por cômodo, assim como o fato

de os indivíduos não possuírem água canalizada e esgoto no domicílio, resulta em aumento

da probabilidade de ocorrência da insegurança alimentar. É importante ressaltar que, nessa

análise (assim como nas outras), é controlado o efeito das demais variáveis do modelo, como

a renda per capta. Nesse caso, o efeito do tamanho relativo do domicílio pode estar associado

ao comportamento econômico dos indivíduos, uma vez que, para indivíduos com mesma

renda e demais características comuns, tamanhos diferentes da residência estão associados à

diferentes priorizações de necessidades básicas como a moradia, o que pode ser extrapolado

para a alimentação, explicando esse efeito. O efeito do acesso ao saneamento, por sua vez,

pode ser explicado pelo fato de que o serviço de saneamento básico geralmente está

associado a outros serviços públicos básicos, que interferem diretamente na questão da

segurança alimentar.

Apesar de a ideia de que indivíduos podem priorizar outras formas de consumo em

detrimento da satisfação de necessidades básicas possa parecer irracional, trata-se de uma

suposição coerente quando se considera que os agentes econômicos tomam decisões na

presença de limites à obtenção e processamento das informações, o que Williamson (1986)

denomina como racionalidade limitada. Nesse caso, a influência do ambiente institucional

(que inclui as normas informalmente estabelecidas, como a excessiva valorização da estética

e da posse de bens de consumo não essenciais como automóveis, celulares, e etc.) pode
distorcer a percepção dos indivíduos com relação à real utilidade do consumo de cada bem,

explicando escolhas aparentemente irracionais.

No Gráfico 4 são apresentadas as probabilidades de enquadramento na situação de

insegurança alimentar para domicílios com diferentes níveis de escolaridade da pessoa de

referência e diferentes composições familiares habitando na zona rural ou na zona urbana.

Gráfico 4- probabilidades de enquadramento na situação de insegurança alimentar para


domicílios com diferentes níveis de escolaridade da pessoa de referência e diferentes
composições familiares habitando na zona rural ou na zona urbana.
Pessoa de referência idosa, tem criança, vive na zona rural Pessoa de referência idosa, tem criança, vive na zona urbana
Sem idoso, tem criança, vive na zona rural Sem idoso, tem criança, vive na zona urbana
Pessoa de referência idosa, sem criança, vive na zona rural Pessoa de referência idosa, sem criança, vive na zona urbana
Sem idoso, sem criança, vive na zona rural Sem idoso, sem criança, vive na zona urbana
2,74%

2,54%

2,32%
2,23%
2,17%

2,11%
2,07%
2,02%

1,89%
1,84%
1,77%

1,72%
1,68%
1,64%

1,50%

1,36%
1,32%

1,23%

1,12%
1,08%
1,05%

1,02%
1,00%
0,97%

0,91%
0,88%
0,85%

0,83%
0,81%
0,79%

0,72%

0,66%
1 ANO 5 ANOS 10 ANOS 15 ANOS

Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.


Pode-se observar no Gráfico 4 que o aumento da escolaridade da pessoa de referência

diminui ligeiramente a probabilidade de ocorrência de insegurança alimentar no domicílio.

Esse efeito da escolaridade pode ser atribuído à melhoria da capacidade de tomada de decisão

decorrente da capacitação, de forma que indivíduos com mesmas características, porém com

diferentes escolaridades, alocam sua renda de forma que as necessidades básicas são

atendidas com diferentes níveis de eficiência, e, portanto, apresentam diferentes propensões

ao problema da insegurança alimentar.

A existência de crianças com idade entre 5 a 17 anos e o fato da pessoa de referência

do domicílio ser idosa também são fatores que diminuem a probabilidade de o domicílio

enquadrar-se em alguma categoria de insegurança alimentar. Uma possível explicação para

esses efeitos, novamente, é a melhoria na capacidade de tomada de decisão com relação à

alocação de renda para a satisfação de necessidades básicas. Entende-se que no caso da

pessoa de referência idosa, a maior experiência na alocação de renda por parte desses
indivíduos resulta em um aumento na importância atribuída à alimentação adequada.

Autores como Ying e Yao (2006) e Leventhal (1997) corroboram essa ideia, com estudos

que demonstram que consumidores idosos apresentam algumas particularidades como, por

exemplo, ter atitudes de consumo mais maduras, priorizar a qualidade dos produtos

consumidos, e a preferência por alimentos mais saudáveis. Esses fatores permitem que, para

domicílios em condições idênticas, aquele no qual a pessoa de referência é idosa apresenta

menor propensão à insegurança alimentar.

O efeito da existência de crianças no domicílio pode ser atribuído à uma maior

preocupação com alimentação adequada, e também à maior propensão, principalmente no

caso de famílias carentes, à recepção de assistência social não financeira, ou à participação

de políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Nesse caso, parte

da renda que seria utilizada na alimentação das crianças torna-se disponível para a

alimentação dos adultos, o que reduz a probabilidade de ocorrência de insegurança

alimentar.

O fato do indivíduo morar na zona rural também teve efeito significativo de redução

na probabilidade de ocorrência da insegurança alimentar, resultado consonante com o obtido

por Hoffmann (2008). Esse efeito, intuitivamente esperado, é explicado pelo fato de que os

indivíduos que habitam a zona rural dispõem da possibilidade de explorar a terra para a

produção de subsistência, o que consiste em um meio alternativo de acesso à alimentação.

Essa característica torna subestimado o valor da variável renda informado pelos habitantes

da zona rural, pois enquanto que na zona urbana os indivíduos necessitam, obrigatoriamente,

utilizar a renda para adquirir alimentos, o valor monetário da produção consumida no próprio

empreendimento pelos habitantes da zona rural geralmente não é contabilizado como renda.

Outro determinante fundamental que deve ser considerado é a Unidade da federação

em que o domicílio está localizado. Pelo fato de cada estado apresentar um conjunto de leis
estaduais próprias, além de características territoriais semelhantes, espera-se encontrar

diferentes propensões à insegurança alimentar para indivíduos idênticos que habitam locais

diferentes. No Gráfico 5 são apresentadas as probabilidades de enquadramento na situação

de insegurança alimentar para indivíduos com características médias nas 27 unidades da

federação.

Gráfico 5- Probabilidades de enquadramento na situação de insegurança alimentar para


indivíduos com características médias nas 27 unidades da federação.

9,58%
8,92%
5,63%
5,46%
5,31%
5,09%
5,01%
4,81%
4,66%
4,60%
4,51%
3,98%
3,89%
3,79%
3,70%
3,57%
3,49%
3,48%
3,35%
3,22%
3,16%
3,15%
2,80%
2,78%
2,77%
2,46%
1,66%

ES SP AP MS RO DF PE MT RJ SC MG PR GO RS AC AL RR RN PA CE SE PB AM TO BA PI MA
OBS: Os efeitos dos estados de Mato Grosso do Sul, Amapá, e Roraima, não foram significativos ao
nível de 10% de significância.
Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.
Conforme observa-se no Gráfico 5, para indivíduos idênticos com relação às demais

variáveis incluídas no modelo, os estados com menor probabilidade de ocorrência de

insegurança alimentar são Espírito Santo e São Paulo, enquanto os estados com maior

probabilidade são Piauí e Maranhão. Esses resultados podem ser explicados por dois fatores,

a disponibilidade diferenciada de formas alternativas de acesso aos alimentos, e a diferença

entre o preço dos alimentos entre unidades da federação.

A primeira justificativa é plausível quando se considera regiões em que existe grande

diferença quanto à disponibilidade de recursos naturais e acesso à terra para cultivo de

subsistência em seus territórios, uma vez que o principal meio alternativo de acesso aos

alimentos é a prática de atividades extrativas e o cultivo da terra para subsistência. A segunda

justificativa resulta da percepção do efeito da renda sobre a probabilidade de insegurança

alimentar.

Como foi verificado no gráfico 2, a renda é um dos fatores que apresenta maior

influência sobre esse fenômeno. No entanto, entende-se que esse efeito depende também do
índice de preços, pois o consumo é determinado pela renda real dos indivíduos. Porém, a

avaliação da hipótese de que a diferença entre o efeito dos estados deve-se à diferença de

preços não é possível neste trabalho, devido à ausência de índices de preço agregados à nível

de unidade da federação.

A discussão desenvolvida permite concluir que o problema da insegurança alimentar

envolve, basicamente, determinantes econômicos (como a renda per capta, características do

domicílio), sociais (tipo de emprego, composição familiar, escolaridade, e idade), e

territoriais (estado em que o indivíduo reside, e localização em zona urbana ou zona rural).

Esses determinantes influenciam desde o poder aquisitivo dos indivíduos (caso dos

determinantes econômicos e territoriais), até a capacidade de tomada de decisão (caso dos

determinantes sociais). A compreensão detalhada da relação causal entre esses fatores,

principalmente aqueles associados ao comportamento econômico dos indivíduos e ao efeito

do território, demanda, no entanto, estudos aprofundados.

4. Considerações finais

Na análise dos determinantes da insegurança alimentar no Brasil no ano de 2013,

identificou-se que a existência de crianças no domicílio, o fato da pessoa de referência ser

idosa, um aumento na renda per capta, na escolaridade, ou na idade da pessoa de referência

do domicílio, diminuem a probabilidade de ocorrência de insegurança alimentar, resultados

atribuídos ao efeito positivo do aumento do poder aquisitivo sobre a alimentação adequada,

e da educação e experiência na priorização da aquisição de alimentos em detrimento de

outros produtos não essenciais. Observou-se também que o fato do indivíduo de referência

no domicílio ser uma mulher ou possuir pele de cor não branca, torna-o mais vulnerável à

insegurança alimentar. Por outro lado, a localização na zona rural, um aumento no tamanho

relativo do domicílio (em pessoas por cômodo), e o fato de possuir condições de saneamento

básico, apresentaram efeito de redução na propensão à insegurança alimentar.


Conclui-se, por fim, que as ações de combate à insegurança alimentar no Brasil

devem ser orientadas com maior atenção às famílias inerentemente mais vulneráveis a esse

problema, como as que são chefiadas por mulheres, indivíduos não brancos, mais jovens,

com menor escolaridade e menor renda per capta, e que habitam domicílios menores

localizados na zona urbana, sem saneamento básico. Também é importante analisar com

maior atenção a ocorrência de insegurança alimentar nos domicílios localizados nos estados

de Piauí e Maranhão, para os quais a propensão à insegurança alimentar é significativamente

superior àquela de domicílios em condições idênticas situados em outros estados. A

consideração dessas observações permite a melhor orientação das medidas necessárias, e,

consequentemente, aumenta a eficácia das políticas públicas de segurança alimentar, e a

eficiência na utilização de recursos públicos para esse fim.

5. Referências bibliográficas
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6. Anexo
Tabela 1- Resultados da estimação do modelo econométrico logístico ordenado.
Ordered logistic regression Number of obs = 73894
Wald chi2(46) = 6733.70 Wald chi2(46) = 6733.70
Log pseudolikelihood = -16784924 Pseudo R2 = 0.2049
seg Coef. Robust Std. Err. z P>z [95% Conf. Interval]
RO .1343084 .0976177 1.38 0.169 -.0570187 .3256355
AM .7990758 .0772342 10.35 0.000 .6476996 .950452
RR .6266797 .1349048 4.65 0.000 .3622712 .8910883
PA .6626027 .0688522 9.62 0.000 .527655 .7975505
AP .1209696 .1699029 0.71 0.476 -.2120341 .4539732
TO .8295397 .0852317 9.73 0.000 .6624887 .9965907
MA 1.435.284 .077524 18.51 0.000 128.334 1.587.228
PI 1.357.087 .0846573 16.03 0.000 1.191.162 1.523.012
AC .4740614 .1290455 3.67 0.000 .2211368 .726986
CE .6954788 .0693968 10.02 0.000 .5594635 .8314941
RN .6477144 .0981034 6.60 0.000 .4554353 .8399935
PB .7547924 .0853284 8.85 0.000 .5875519 .9220329
PE .2561662 .0755656 3.39 0.001 .1080603 .404272
AL .4956789 .1016864 4.87 0.000 .2963772 .6949806
SE .7373331 .0875894 8.42 0.000 .5656609 .9090052
BA .8617925 .0640677 13.45 0.000 .7362222 .9873627
MG .3608641 .0634771 5.68 0.000 .2364512 .4852769
ES -.4013734 .1198366 -3.35 0.001 -.6362488 -.166498
RJ .317046 .0694927 4.56 0.000 .1808428 .4532492
PN .3846728 .0739876 5.20 0.000 .2396597 .5296859
SC .3560363 .1034319 3.44 0.001 .1533135 .5587591
RS .4468655 .0720594 6.20 0.000 .3056317 .5880993
MS .1261868 .1072948 1.18 0.240 -.0841072 .3364809
MT .2783833 .1006379 2.77 0.006 .0811366 .47563
GO .4210984 .0753283 5.59 0.000 .2734577 .5687391
DF .2537278 .103825 2.44 0.015 .0502345 .4572211
Idade -.0160747 .0013954 -11.52 0.000 -.0188097 -.0133398
estudo -.018945 .0037536 -5.05 0.000 -.026302 -.011588
rendPerCapta -.0020315 .0000706 -28.79 0.000 -.0021698 -.0018932
pesporcomodo 1.441.631 .0421532 34.20 0.000 1.359.012 1.524.249
aguacanalizada -.2127518 .0520194 -4.09 0.000 -.3147078 -.1107957
esgoto -.184885 .0300995 -6.14 0.000 -.2438789 -.125891
energia .0754883 .2031755 0.37 0.710 -.3227283 .4737049
funcionariopublicooumilitar .2239963 .0471893 4.75 0.000 .1315069 .3164857
semcarteira .28285 .0342398 8.26 0.000 .2157413 .3499587
empregadodomestico -.0439979 .0541399 -0.81 0.416 -.1501101 .0621144
empregador .2069506 .0900707 2.30 0.022 .0304152 .383486
contapropria .0918974 .0333277 2.76 0.006 .0265762 .1572185
aposentadoriaoupensao .3186513 .0520999 6.12 0.000 .2165374 .4207652
idoso -.2359903 .0659096 -3.58 0.000 -.3651708 -.1068098
criacaopesca .2803888 .0821531 3.41 0.001 .1193717 .441406
rural -.2087675 .040886 -5.11 0.000 -.2889026 -.1286325
FEM .2389869 .0318363 7.51 0.000 .1765888 .301385
nbranco .1475059 .029428 5.01 0.000 .0898281 .2051838
agricola -.0089093 .0426027 -0.21 0.834 -.0924091 .0745905
criança -.7404036 .4557537 -1.62 0.104 -1.633.664 .1528572
/cut1 1.126.858 .2250991 .6856716 1.568.044
/cut2 289.594 .2264813 2.452.045 3.339.835
/cut3 4.005.663 .2290443 3.556.744 4.454.581
Fonte: Elaboração própria.
Determinantes da utilização do crédito rural através do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar em 2014

Adauto Brasilino Rocha Junior1


Francisco Carlos da Cunha Cassuce2
Resumo
No presente trabalho analisa-se os determinantes da utilização do crédito rural por meio do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no ano de 2014.
Através dos dados da Pesquisa Nacional por Amostras domiciliares (PNAD) de 2014,
realizou-se uma análise estatística descritiva, e simulou-se, utilizando um modelo
econométrico logístico, a probabilidade de utilização do crédito rural através do programa
para diferentes perfis de agricultores familiares. Os resultados comprovam a hipótese de que
o perfil do produtor apresenta efeito estatisticamente significativo sobre a probabilidade de
utilização do Pronaf. Identificou-se efeitos positivos decorrentes do aumento da escolaridade
e da posse do título de proprietário do empreendimento; e efeitos negativos do gênero
feminino e da cor de pele não branca. Os efeitos dos diferentes canais de comercialização
foram maiores quanto maior a estabilidade oferecida, com as maiores probabilidades
associadas aos agricultores que vendem para o governo, e as menores associadas aos que
vendem diretamente para o consumidor, ou para intermediários. Conclui-se que a efetividade
do Pronaf como programa de financiamento demanda, além da oferta de crédito, ações
abrangentes de assistência técnica e capacitação administrativa, além de intervenções
específicas para grupos mais vulneráveis, como as mulheres e os indivíduos não brancos.
Palavras chave: Pronaf; investimentos; agricultura familiar.

Determinants of the use of rural credit through the National Family Farming
Strengthening Program in 2014
Abstract
This paper analyzes the determinants of the use of rural credit through the National Program
for Strengthening Family Farming (Pronaf) in the year 2014. Through data from the National
Survey by Household Samples (PNAD) of 2014, a descriptive statistical analysis was carried
out, and the probability of using rural credit through the program for different family farmers
profiles was simulated using a logistic econometric model. The results confirm the
hypothesis that the producer profile has a statistically significant effect on the probability of
using Pronaf. We identified positive effects due to increased schooling and ownership of the
land title; and negative effects of female gender and non-white skin color. The effects of the
different marketing channels were greater the greater the stability offered, the greater the
likelihood associated with the farmers selling to the government, and the smaller ones
associated with those selling directly to the consumer, or to intermediaries. It is concluded
that the effectiveness of PRONAF as a financing program demands, in addition to the credit
supply, comprehensive technical assistance and administrative capacity-building actions, as
well as specific interventions for more vulnerable groups, such as women and non-white
individuals.
Keywords: Pronaf; Investments; family farming.

1
Engº Agrônomo, mestrando em Economia pelo Departamento de Economia da Universidade Federal de
Viçosa. adauto.junior@ufv.br.
2
Profº adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa. francisco.cassuce@ufv.br.
1. Introdução

Mesmo apresentando potencial econômico e social considerável, a agricultura

familiar enfrenta dificuldades próprias, características de uma atividade que é, segundo

(BATALHA, BUAINAIN, e SOUZA FILHO, 2005), exercida por produtores pouco

qualificados, e inseridos em um ambiente altamente competitivo e tecnificado como o da

agricultura brasileira. Segundo Abramovay (1999), algumas restrições ao desenvolvimento

da agricultura familiar no Brasil são a dificuldade na construção de capital social e na

inserção nos mercados, fatores que impedem que os agricultores familiares valorizem os

atributos de sua localização, construam mercados, e transformem, ao seu favor, o ambiente

institucional no qual estão inseridos. Um instrumento para o fortalecimento da atividade

seria, nesse caso, a política de crédito rural.

A percepção de que o acesso ao crédito é um meio para a superação das dificuldades

enfrentadas no setor agrícola familiar fundamenta-se, segundo Abramovay (1999), no

pressuposto básico de que existe um potencial de geração de renda no meio rural, e nos

municípios aos quais se relaciona diretamente, que a sociedade não tem sido capaz de

valorizar. Esse pressupôs justifica-se em algumas considerações, como o fato de que nas

situações de pobreza a produtividade do trabalho pode ser ampliada com base em

investimentos relativamente modestos (JAZAIRY et al., 1992), e a ideia de que o acesso ao

crédito permite aos agricultores familiares a emancipação do círculo de dependência

clientelista a que estão ligados, auxiliando na inserção em mercados competitivos

(ABRAMOVAY, 1999). Segundo essa visão, embora a superação das dificuldades

enfrentadas por essa categoria de produtores esteja condicionada à um conjunto de ações

coordenadas (principalmente a assistência técnica), o crédito rural desempenha papel

fundamental. É nesse contexto que ocorreu a criação do Programa Nacional de


Fotalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf), uma política de crédito rural específica para

o setor agrícola familiar brasileiro.

No contexto da importância do Pronaf como instrumento político de fomento à

agricultura familiar, o presente trabalho consiste em uma análise dos determinantes da

utilização do crédito rural por meio do programa. Mais especificamente, objetivou-se avaliar

o perfil do agricultor familiar brasileiro através da análise estatística descritiva dos dados da

PNAD do ano de 2014; e simular, utilizando um modelo econométrico logístico estimado a

partir da mesma base de dados, a probabilidade de utilização do crédito rural através do

programa para diferentes cenários, visando identificar como as características dos

agricultores familiares afetam essa decisão. Os resultados fundamentam a discussão, e

fornecem embasamento para possíveis melhorias no programa, ou adoção de estratégias

complementares, visando o aumento da eficácia do Pronaf enquanto instrumento de crédito.

2. Metodologia
2.1. Escolha e aplicação do modelo de regressão Logit

Considerando os objetivos do estudo, utilizou-se como método a análise de cenários

através de um modelo logístico. A opção pelo modelo logit orienta-se pela melhor adequação

dessa forma funcional ao problema de pesquisa. Segundo Gujarati e Porter (2011), por razões

históricas e práticas, as FDAs utilizadas nos modelos de probabilidade são a logística e a

normal, a primeira dando origem ao modelo Logit, e a segunda ao modelo Probit (Normit).

Ainda segundo os autores, na maioria das aplicações os modelos são bastante parecidos, não

existindo razões convincentes para a escolha entre um ou outro, sendo que na prática o

modelo Logit é o mais utilizado devido à sua relativa simplicidade matemática.

Apesar da semelhança entre os modelos Logit e Probit, a escolha do Logit para o

presente estudo não foi realizada de forma arbitrária. A comparação entre os testes de
ajustamento dos modelos Logit e Probit para os dados analisados corroborou essa ideia,

evidenciando um ajustamento ligeiramente melhor para o modelo Logit3.

A forma matemática do modelo Logit utilizado neste trabalho é apresentada na

equação 1,
1
𝑃 = 𝐸(𝑌 = 1|𝑋 ) = (1)
𝑖 𝑖 𝑖 1+𝑒−(𝛽1+𝛽2𝐹+𝛽3𝐼+𝛽4𝑛𝐵+𝛽5𝐸+𝛽6𝑉𝐸𝑚𝑝+𝛽7𝑉𝐶𝑜𝑜𝑝+𝛽8𝑉𝐼𝑛𝑡+𝛽9𝑉𝐺𝑜𝑣+𝛽10𝑉𝑃𝑟𝑜𝑝+𝛽11𝑉𝑜𝑐 + 𝛽12𝑛𝑃𝑟𝑜𝑝)

em que Pi é a probabilidade estimada da utilização do crédito rural; β1 é o intercepto; β2, β3,

β4, β5, β6, β7, β8, β9, β10, β11, e β12 são os parâmetros associados às suas respectivas variáveis;

F é a variável dummie de gênero feminino; I é a variável contínua anos de idade; nB é a

variável dummie para cor de pele não branca; E é a variável contínua anos de escolaridade;

nProp é a dummie que indica que o indivíduo não é proprietário do empreendimento agrícola

no qual trabalha; VEmp é a dummie que indica uma empresa como principal comprador da

produção; VCoop é a dummie que indica que a venda para cooperativa é o principal canal

de comercialização; VInt é a dummie que indica que intermediários são os principais

compradores; VGov é a dummie que indica a venda para o governo como principal canal de

comercialização; VProp é a dummie que indica a venda para o proprietário do

empreendimento agrícola como principal canal de comercialização; e Voc é a dummie que

indica que a venda para outra categoria de comprador é o principal canal de comercialização.

As variáveis dummie representam aspectos qualitativos dos indivíduos de referência

e da atividade produtiva, assumindo valor 1 quando a característica está presente, e valor 0

quando a característica não está presente. Como características base foram adotadas a cor da

pele branca, gênero masculino, condição de proprietário, e a venda direta para o consumidor

como principal canal de comercialização.

3
Como teste de ajustamento utilizou-se o valor da área sob a curva Roc para cada modelo estimado. Quanto
mais próximo de 1 esse valor, melhor o ajustamento do modelo. O valor para o modelo Logit (0,7386) foi um
pouco maior que o do Probit (0,7374), indicando um ajustamento ligeiramente melhor.
Considerando que as variáveis explicativas caracterizam o perfil do agricultor

familiar, determinando, como citado anteriormente, a decisão em realizar investimento ou

financiar custeios por meio do Pronaf, ou mesmo a acessibilidade do programa, espera-se

observar efeitos significativos, e da mesma natureza que os já evidenciados na literatura,

como o efeito negativo da discriminação racial e de gênero, o efeito positivo do aumento da

escolaridade e da idade nas decisões de financiamento, o efeito positivo da posse do título

de propriedade da terra, e os efeitos de diferentes níveis de estabilidade financeira oferecido

pelos diversos canais de comercialização. Embora esses resultados sejam esperados, a sua

comprovação demanda estudos consistentes para a construção de uma fundamentação

teórica que auxilie o constante aperfeiçoamento do programa.

2.2. Fonte e preparação dos dados, estimação, e cenários

No contexto da relevância do PRONAF a nível nacional, e da consequente demanda

por dados referentes ao programa, a Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares (PNAD)

realizou no ano de 2014 o levantamento de dados sobre Acesso à Internet e à Televisão e

Inclusão Produtiva, na forma de uma pesquisa suplementar. Esses dados sobre inclusão

produtiva incluem perguntas sobre a área dos empreendimentos, a utilização de crédito rural,

se o crédito utilizado foi acessado por meio do PRONAF, se foi recebida assistência técnica

juntamente com o crédito, entre outras questões referentes a fomento produtivo recebido por

produtores rurais.

O presente trabalho baseia-se na utilização dos dados da pesquisa básica e da

pesquisa suplementar da PNAD de 2014, explorando as diversas variáveis explicativas da

utilização do crédito, disponíveis na pesquisa. As variáveis utilizadas são apresentadas no

Quadro 1.
Quadro 1- Variáveis utilizadas no modelo.
Variável Dependente Variáveis explicativas
Utilização do crédito Idade
rural através do Consumo de parte da produção
PRONAF no ano de Gênero (masculino ou feminino)
2014. Cor da pele (branco ou não branco)
Escolaridade
Principal comprador da produção (venda direta para consumidor, para empresa,
cooperativa, intermediário, governo, para o proprietário da terra, ou para outro
comprador)
Condição em relação à propriedade (proprietário ou não proprietário)
Fonte: Elaboração própria.
Ressalta-se que outras variáveis explicativas foram testadas, como a área do

empreendimento, a renda per capta dos moradores, o número de empregados temporários e

de permanentes, e o efeito do estado da federação no qual o empreendimento se situa. No

entanto, essas variáveis geraram problemas de estimação, como a redução substancial do

número de observações (diminuindo a significância dos parâmetros estimados), e o prejuízo

do ajustamento do modelo. Foi considerando esses aspectos que se recorreu à eliminação

destas variáveis no modelo. Porém, devido à relevância das informações fornecidas por elas,

elas foram utilizadas para uma breve análise descritiva neste trabalho.

Outro aspecto importante é que os dados da PNAD são oriundos de um processo de

amostragem complexa, que abrange todo o território nacional. Esse tipo de amostragem

caracteriza-se pela não aleatoriedade na escolha das observações, e por esse motivo exige

procedimentos específicos de preparação de dados, para que os estimadores obtidos a partir

de sua análise não sejam enviesados. Esse procedimento é conhecido como setagem, e foi

realizado na preparação dos dados para a estimativa do modelo utilizado.

Pelo fato do PRONAF ter como público alvo os agricultores familiares (um perfil

específico de produtor rural), e apresentar alguns critérios de elegibilidade para a

participação, durante a preparação dos dados torna-se necessário excluir da análise as

observações referentes a domicílios e pessoas que não se enquadrariam nos requisitos de

acesso ao programa. Por esse motivo, foram excluídas da amostra utilizada no presente
trabalho as observações: que se enquadram nas situações censitárias urbana (cidade ou vila,

área urbanizada) ou urbana (área urbana isolada); aquelas referentes às pessoas que não são

pessoa de referência de seus domicílios; as referentes aos empreendimentos com área maior

que 480 hectares; e as referentes aos empreendimentos com renda mensal domiciliar maior

do que R$30000,00.

Deve-se ressaltar que, apesar de a preparação dos dados ser realizada com o objetivo

de delimitar a amostra para a população mais próxima o possível daquela definida como

público alvo pelos requisitos de acesso ao Pronaf, existem limitações decorrentes de aspectos

da base de dados, como citado anteriormente. A principal limitação encontrada é o pouco

número de observações em que foi informada a área do empreendimento. Isso é

compreensível devido à dificuldade dos agricultores em informar a área de seu

empreendimento no exato momento da coleta de dados. Porém, considerando a relevância

do tema e a rica disponibilidade de outras variáveis explicativas, entende-se que a existência

de algumas limitações não inviabiliza a análise.

Após a setagem e o truncamento da amostra, pode-se estimar o modelo Logit. As

análises da significância e do ajustamento do modelo são realizadas por meio dos testes de

Wald, e da Curva ROC (Receiver Operating Characteristic). O teste de Wald é um teste de

significância global do modelo, no qual avalia-se a hipótese nula de que os coeficientes são

todos iguais a zero, cuja rejeição significa a aceitação da hipótese alternativa de que a

regressão é estatisticamente significativa.

A utilização da Curva de ROC, por sua vez, objetiva avaliar o ajustamento do

modelo. O princípio desta curva é representar graficamente a relação entre os verdadeiros

positivos (sensitividade) e os falsos alarmes ou positivos (especificidade) (BRAGA, 2000;

CAMERON & TRIVEDI, 2010; FAVERO & BELFIORE, 2014). A análise do ajustamento

do modelo com a Curva ROC baseia-se na utilização da área sob a curva. Quanto mais
próximo de 1 for o valor da área, melhor a precisão do modelo em discriminar o evento de

interesse dos falsos alarmes (BRAGA, 2000; CAMERON & TRIVEDI, 2010; FAVERO &

BELFIORE, 2014), o que indica um melhor ajustamento ao problema de pesquisa.

Com o modelo estimado, e comprovados a sua significância estatística e o seu

ajustamento satisfatório, procede-se à simulação dos cenários. Os diferentes cenários que

caracterizam cada perfil de agricultor foram definidos com base nas variáveis cujos

parâmetros foram estatisticamente significativos no modelo estimado, e foram divididos em

três categorias, visando a melhor visualização dos efeitos das variáveis explicativas

utilizadas. Para cada categoria os resultados foram plotados em gráficos em que o eixo

vertical representa a probabilidade estimada de utilização do crédito rural através do

PRONAF, e o eixo horizontal representa os níveis de escolaridade da pessoa de referência

do domicílio. A probabilidade para cada caso foi estimada tanto para homens quanto para

mulheres, o que permitiu a visualização da diferença para os dois gêneros.

Na primeira categoria, considerou-se o efeito da pessoa de referência do domicílio

ser proprietária ou não do empreendimento agrícola. Por convenção, foi considerada a raça

não branca, o consumo de parte da produção, e a comercialização diretamente para o

consumidor (principal comprador) como características idênticas entre os indivíduos dessa

categoria, de forma que o resultado evidencia, através do gráfico, apenas os efeitos de

interesse.

Na segunda categoria, considerou-se o efeito da cor da pele da pessoa de referência

do domicílio. Por convenção, foi considerada a condição de proprietário, o consumo de parte

da produção, e a comercialização diretamente para o consumidor (principal comprador)

como características idênticas entre os indivíduos dessa categoria.

Na terceira categoria considerou-se, por fim, o efeito de diferentes principais

compradores da produção. Por convenção, foi considerada a cor da pele como não branca, a
condição de proprietário, e o consumo de parte da produção, como características idênticas

entre os indivíduos dessa categoria. Com base na análise estatística descritiva das variáveis

consideradas mais relevantes, e nesses cenários, é construída a discussão dos resultados

3. Resultados e discussão
3.1. Utilização do crédito e perfil dos agricultores: Uma análise descritiva

Com o objetivo de identificar as principais características dos agricultores familiares

do Brasil4, foram estimadas as médias da idade e da escolaridade, e os percentuais de

indivíduos por gênero e cor da pele. Os resultados, representativos das pessoas de referência

dos domicílios agrícolas familiares, são apresentados no Quadro 3.

Quadro 2- Idade e escolaridade média, e percentual por gênero e por cor da pele dos
agricultores familiares do Brasil*.
Média Proporção
Homens 74,42%
Idade 49,47 anos
Mulheres 25,58%
Brancos 37,32%
Escolaridade 4,54 anos
Não Brancos 62,68%
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD (2014).
*Médias e percentuais estimados com uma amostra de 17473 observações, representando uma população de
10211088 pessoas.
Os resultados evidenciam que o perfil típico desses agricultores é caracterizado pela

idade relativamente avançada (49,47 anos) e a baixa escolaridade (4,54 anos de estudo). A

esses aspectos associam-se a predominância de homens, e da cor de pele não branca. É

importante destacar que, apesar de o percentual de mulheres que são pessoa de referência

nos domicílios agrícolas familiares ser inferior ao percentual de homens, as mulheres têm

grande representatividade nessa categoria de produtor, correspondendo à mais de um quarto

dos indivíduos. Esse dado realça a importância das políticas de fomento e das linhas de

4
O termo agricultores familiares é utilizado ao longo da discussão para designar a população representada pelo
recorte amostral utilizada no trabalho. Ressalta-se que o truncamento da amostra foi realizado conforme
descrito na metodologia, com o objetivo de atender ao máximo possível, os critérios estabelecidos em lei e nos
requisitos de acesso ao programa definindo essa categoria de produtores.
crédito específicas para mulheres rurais. O Quadro 4 apresenta os dados referentes ao acesso

ao crédito rural.

Quadro 3- Atividade principal nos empreendimentos agrícolas do Brasil*.


Atividade principal agrícola Atividade principal não agrícola TOTAL
Proporção 63,01% 36,99% 100%
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD (2014).
*Médias e percentuais estimados com uma amostra de 13615 observações, representando uma população de
7910248 indivíduos.
De acordo com o Quadro 4, 36,99% dos domicílios agrícolas familiares têm como

atividade principal um trabalho não agrícola. Esse dado é um indicativo da ocorrência do

fenômeno da pluriatividade na agricultura familiar, fenômeno social que, segundo Schneider

(2003), começou a se generalizar ainda na década de 1970, e corresponde à diversificação

crescente das fontes de renda e da inserção profissional dos indivíduos pertencentes a uma

mesma família de agricultores.

A comprovação empírica desse fenômeno é de grande relevância pois evidencia a

dificuldade, por parte desses agricultores, em explorar a atividade rural de forma que ela

ofereça rentabilidade competitiva com aquela proporcionada por trabalhos de natureza não

agrícola. Essa dificuldade está associada à uma série de fatores, cuja compreensão demanda

estudos detalhados e de abordagem sistêmica.

Esses dados realçam a importância de políticas efetivas de fomento à agricultura

familiar, como o serviço de assistência técnica, visando a capacitação dos produtores para

aumento da produtividade nas propriedades familiares, aumentando a renda e viabilizando o

trabalho agrícola; e também destaca a importância do acesso ao crédito rural em conjunto

com essa assistência, permitindo a realização de investimentos necessários para a

implantação de tecnologias como a irrigação, e de culturas de maior rentabilidade. O Quadro

5 apresenta os dados referentes ao acesso ao crédito rural.


Quadro 4- Frequência e percentual de utilização do crédito rural entre agricultores familiares
brasileiros*.
Percentual
Não utilizou crédito 85,54%
Utilizou crédito via PRONAF 12,80%
Utilizou outra forma de crédito 1,66%
TOTAL 100,00%
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD (2014).
*Médias e percentuais estimados com uma amostra de 3848 observações, representando uma população de
21898005 indivíduos.

A frequência de utilização do crédito rural entre os agricultores familiares foi

relativamente baixa. Conforme apresentado no Quadro 5, apenas 13,56% dos agricultores

incluídos na amostra utilizaram crédito rural no trabalho único ou principal da semana de

referência. Esse percentual de utilização é um indício de que o crédito é um instrumento

pouco explorado pelos agricultores, o que pode estar associado a dificuldades de acesso aos

programas existentes; a baixos incentivos para investimentos na propriedade, expansão da

produção, custeio, ou financiamento de safras; ou à possível independência dos agricultores

com relação aos mecanismos de financiamento, o que seria, no entanto, pouco provável.

Dentre os agricultores que utilizaram crédito rural, 79,50% o fizeram através do

Pronaf, o que evidencia a representatividade do programa como fonte de financiamento para

o público em questão. Além do percentual de utilização, é interessante analisar a frequência

com que o serviço de assistência técnica é oferecido aos agricultores familiares. O Quadro 6

apresenta dados cruzados de recebimento de assistência técnica e utilização do crédito rural

através do Pronaf.

Segundo os dados do Quadro 6, é possível notar que a assistência técnica aos

agricultores familiares é mais comum entre aqueles que utilizaram o crédito rural através do

Pronaf, pois 49,40% dos agricultores que acessaram o programa receberam algum tipo de

assistência técnica no último trabalho, enquanto que entre os agricultores que não utilizaram

o programa esse percentual diminui para 11,54%. Deve-se ressaltar, porém, que apenas

15,62% de todos os agricultores da amostra receberam algum tipo de assistência técnica, o


que evidencia a escassez desse serviço essencial para o aperfeiçoamento da agricultura

familiar.

Quadro 5- Percentual de recebimento de assistência técnica entre agricultores familiares


brasileiros que utilizaram ou que não utilizaram o Pronaf no ano de 2014,
Não utilizou Pronaf Utilizou Pronaf
Percentual que recebeu assistência técnica 11,54% 49,90%
Percentual que não recebeu assistência técnica 88,46% 50,10%
TOTAL 100% 100%
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD (2014).
*Médias e percentuais estimados com uma amostra de 3848 observações, representando uma população de
21898005 indivíduos.
Todos os dados apresentados até o momento evidenciam que os agricultores

familiares brasileiros constituem um público vulnerável, com baixa capacitação, e com

grande propensão aos efeitos da discriminação racial e de gênero, devido ao percentual

elevado de pessoas com cor da pele não branca, e também à relevante participação das

mulheres como pessoas de referência nesse meio. Os dados evidenciam também que o

Pronaf é o principal instrumento de crédito rural utilizado por esses agricultores, o que é

compreensível devido às condições favoráveis à sua utilização, como a taxa de juros baixa e

a diversidade de linhas de crédito disponíveis. No entanto, a utilização do crédito rural ainda

é muito reduzida, e a renda mensal per capta média verificada na amostra foi de R$702,00,

um valor que limita a capacidade dos indivíduos pouparem e realizarem os investimentos

necessários para que a atividade possa se desenvolver tecnologicamente à um nível

competitivo no atual mercado agrícola. Essas características são suficientes para concluir

que os agricultores familiares brasileiros realizam poucos investimentos em suas

propriedades.

É importante ressaltar que o fato desses produtores trabalharem em áreas pequenas,

e com mão de obra predominantemente familiar, não os exime da condição de

microempreendedores. Isso significa que estão inseridos em um mercado competitivo,

disputando seus canais de comercialização com empreendimentos de alta produtividade e


nível tecnológico, e as políticas de fomento devem surtir efeito não apenas na capacidade de

subsistência e permanência desses trabalhadores no campo, mas também devem motivar a

difusão de tecnologias, a melhoria da infraestrutura nas propriedades e a capacitação dos

agricultores familiares.

3.2. Determinantes da utilização do Pronaf no Brasil: uma análise de cenários

A qualidade da análise de cenários depende fundamentalmente da significância e

ajustamento do modelo estimado. Por esse motivo, antes de proceder à discussão dos

resultados, é essencial avaliar o resultado dos testes utilizados. O teste de Wald para a

significância global do modelo estimado permitiu a rejeição da hipótese nula à menos de 1%

de significância, o que significa que a regressão Logit realizada no presente trabalho é

estatisticamente significativa. A área sob a Curva de Roc, por sua vez, apresentou valor

0,7386, o que evidencia, segundo Fávero & Belfiore (2014), que o modelo apresenta poder

discriminatório satisfatório. Esses resultados indicam que o modelo é adequado para a

análise de cenários e, portanto, pode-se desenvolver satisfatoriamente as discussões

propostas.

Como já discutido anteriormente, os agricultores familiares brasileiros constituem

um público vulnerável, com baixa capacitação, e com grande propensão aos efeitos da

discriminação racial e de gênero. Com o objetivo de identificar os efeitos de diferentes

características desses indivíduos sobre a utilização do crédito rural através do Pronaf, foram

estimadas as probabilidades para diferentes cenários. O Gráfico 1 apresenta a probabilidade

de acesso para mulheres e homens com diferentes raças e níveis de escolaridade.

Pode-se observar no Gráfico 1 que a probabilidade de utilização do crédito rural é

maior quanto maior o nível de escolaridade dos indivíduos. Esse efeito positivo da

escolaridade é visível também nos outros gráficos que serão apresentados posteriormente ao

longo da discussão, e é coerente com o esperado pela teoria. Entende-se que um maior nível
de escolaridade implica em maior qualificação dos indivíduos, o que se reflete na capacidade

de tomada de decisão gerencial. Desse modo, agricultores mais capacitados apresentam

maior disposição ou encontram maior facilidade para utilizar o crédito rural como um

instrumento na atividade agrícola.

Gráfico 1- Probabilidade da utilização do crédito rural por homens e mulheres com diferentes
escolaridades e cor da pele.
20% 17,37%
14,07%
15% 11,31% 10,62%
9,45% 8,47%
10% 5,57% 6,72% 6,3%
3,92% 4,98% 3,66%
5% 1,85%3,23% 2,25% 2,87%

0%
1 ano de estudo 5 anos de estudo 10 anos de estudo 15 anos de estudo

Mulher não branca proprietária Mulher branca proprietária


Homem não branco proprietário Homem branco proprietário

Fonte: Elaboração própria com base no modelo econométrico utilizado.


Outros dois efeitos observados no mesmo gráfico são os de gênero e de raça. Com

relação ao gênero, percebe-se que comparando agricultores e agricultoras familiares com o

mesmo perfil profissional, os homens têm mais do que o dobro de probabilidade de utilizar

o Pronaf, diferença que chega a ser maior que 8 p. p. quando se considera indivíduos com

15 anos ou mais de escolaridade. Segundo Melo (2003), as relações desiguais de gênero na

agricultura familiar são evidenciadas na divisão sexual do trabalho, e se apresentam de forma

semelhante ao que ocorre nos demais segmentos da sociedade.

Carneiro (1981) e Heredia (1979) dividem o trabalho na agricultura familiar em

quatro componentes: a roça, que é a área de terra plantada, um lugar definido socialmente

como do homem onde as relações de poder são mais exercidas pelo masculino; a casa, local

administrado pela mulher; a criação de animais, atividade segmentada em esferas masculinas

e femininas; e o quintal, espaço também ambíguo com relação a divisão sexual do trabalho

(MELO, 2003). Ainda segundo Melo (2003), essa divisão de trabalho implica em uma

participação secundária da mulher na agricultura familiar, propiciando condições para um


forte processo de socialização via disposições internalizadas, as quais configuram um não

reconhecimento do trabalho feminino na agricultura familiar não só pelos homens, mas

também pelas próprias mulheres.

Essa internalização das desigualdades de gênero pelas mulheres é uma possível

explicação para o efeito negativo do gênero feminino na probabilidade de utilização do

crédito rural através do Pronaf. O fato das mulheres que são pessoa de referência no

domicílio possuírem valores já assimilados que atribuem a elas um papel secundário na

atividade agrícola familiar tem um efeito negativo direto sobre a segurança nas tomadas de

decisão. A insegurança decorrente desse processo diminui, por sua vez, a probabilidade da

realização de financiamentos.

É importante ressaltar que existem linhas de crédito do Pronaf específicas para

mulheres, no entanto, como já foi discutido, o Gráfico 1 evidencia que existem fatores que

limitam a utilização desse instrumento pelas mulheres. Esse efeito negativo do gênero

feminino sobre a utilização do crédito destaca a importância de estudos aprofundados para a

identificação das dificuldades e diferenças gerenciais entre gêneros na agricultura familiar,

e também evidencia a demanda de ações de assistência técnica específicas para mulheres

rurais.

Com relação ao efeito da cor da pele, o Gráfico 1 evidenciou uma diferença

considerável na probabilidade de utilização do Pronaf, que decorre apenas da cor da pele dos

indivíduos. Os agricultores não brancos, os quais, como discutido no tópico anterior,

correspondem a maioria dos agricultores familiares do Brasil, apresentam menor

probabilidade de utilização de crédito do que agricultores com o mesmo perfil profissional

mas com pele branca.

Vale lembrar que o modelo Logit utilizado para as estimações dessa análise de

cenários controla todos os efeitos decorrentes das variáveis incluídas. Portanto, os efeitos de
escolaridade, canal de comercialização, idade, gênero, consumo de parte da produção, e

condição em relação à propriedade, não explicam as diferenças de probabilidade para

brancos ou não brancos no gráfico 1. Além disso o efeito da renda per capta não foi

significativo, portanto também não pode ser utilizado para a explicação. Isso significa que

essas diferenças devem ser atribuídas à outros fatores, o que torna o resultado intrigante.

Assim como no caso da diferença entre gêneros, esse efeito negativo da cor da pele não

branca sobre a utilização do crédito pode estar associado a influência de forças

discriminatórias enraizadas na sociedade, o que mais uma vez justifica a importância de

estudos aprofundados para a identificação das dificuldades e diferenças gerenciais entre

raças na agricultura familiar, e também evidencia a demanda de ações de assistência técnica

específicas para negros, quilombolas, e outros indivíduos não brancos.

Outra importante característica à se avaliar é o efeito da condição do agricultor em

relação à propriedade. O Gráfico 2 apresenta a probabilidade de utilização do crédito rural

através do Pronaf para homens e mulheres com diferentes escolaridades, proprietários ou

não proprietários.

Gráfico 2- Probabilidade da utilização de crédito rural para homens e mulheres, proprietários


ou não proprietários do empreendimento agrícola, com diferentes níveis de escolaridade.
12% 10,62%
10% 8,47%
8% 6,72%
5,57% 5,72%
6% 4,51%
3,55% 3,66%
4% 2,92% 2,25% 2,87%
1,85% 1,49% 1,9%
2% 0,95% 1,16%

0%
1 ano de estudo 5 anos de estudo 10 anos de estudo 15 anos de estudo

Mulher não proprietária Mulher proprietária Homem não proprietário Homem proprietário

Fonte: Elaboração própria com base no modelo econométrico utilizado.


O Gráfico 2 evidencia que a condição de proprietário do empreendimento aumenta

em cerca de 1,8 vezes a probabilidade de utilização do Pronaf, resultado condizente com as

teorias que abordam o efeito dos direitos de propriedade na tomada de decisão. Esse efeito
é explicado na abordagem da Nova Economia Institucional e da Teoria dos Direitos de

Propriedade, segundo Alston e Libecap (1996), como o resultado de uma maior segurança

sobre os direitos de propriedade da terra, o que afeta positivamente as decisões de

investimentos privados. Entende-se, desta forma, que apesar do Pronaf poder ser acessado

por agricultores que não são proprietários do empreendimento, como posseiros,

arrendatários, cessionários, e meeiros, o fato do indivíduo ser proprietário da terra constitui

mais uma força favorável à utilização do crédito rural para financiamentos agrícolas.

Esse efeito positivo do título de propriedade tem sido considerado também na

elaboração de políticas públicas. Em 2009, por exemplo, o governo federal criou o programa

Terra Legal Amazônia, uma política de regularização da posse de terras públicas ocupadas

por posseiros na Amazônia Legal. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a

regularização da posse leva segurança jurídica aos produtores rurais da Amazônia Legal, e

reforça as políticas públicas de preservação do meio ambiente na região (BRASIL, 2009).

Portanto, pode-se considerar essa política como um exemplo da percepção, por parte dos

agentes públicos, dos efeitos da regularização da posse sobre a atividade rural, o que

representa mais um respaldo para o resultado observado no Gráfico 2.

Outro aspecto fundamental na determinação da tomada de decisão pelos agricultores,

é o canal de comercialização dos produtos. Entende-se que a comercialização é a etapa de

remuneração da atividade agrícola, e diferentes estratégias de comercialização resultam em

diferentes perfis de remuneração, tendo efeito direto sobre a tomada de decisão. O Gráfico

3 apresenta a probabilidade de utilização do crédito rural por agricultores com diferentes

compradores principais da produção, em diferentes níveis de escolaridade.

No Gráfico 3 verifica-se que a probabilidade de utilização do Pronaf é maior entre

agricultores que têm como principal comprador o governo. Esse resultado é coerente com o

esperado, e identifica-se duas causas que o justificam. A primeira é que a comercialização


para o governo é realizada por agricultores que participam das políticas de abertura de

mercados institucionais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de

Aquisição de Alimentos, entre outros. Esses mercados garantem uma maior estabilidade na

demanda quando comparados aos outros canais de comercialização, além de fixarem um

preço compatível com o praticado no mercado regional. Essas características facilitam o

planejamento produtivo, promovendo maior segurança financeira aos agricultores, e

favorecendo, consequentemente, a tomada de decisão a favor da realização de investimentos

ou custeios através de financiamentos, explicando o resultado encontrado.

Gráfico 3- Probabilidade da utilização do crédito rural para agricultores com diferentes


compradores principais da produção, e com diferentes níveis de escolaridade.
Homem que vende diretamente para o consumidor Homem que vende para intermediário
Homem que vende para empresa Homem que vende para cooperativa
Homem que vende para outro comprador Homem que vende para governo

52,48 %
46,24 %
40,12 %
35,42 %

33,36 %
30,14 %
28,56 %
28,05 %
25,15 %
23,74 %
23,29 %
20,74 %
19,91 %

19,51 %
17,64 %
16,56 %

14,12 %
11,35 %

10,62 %
9,06 %

8,47 %
7,54 %

6,72 %
5,57 %

1ANODEESTUDO 5 ANOS DE ESTUDO 10 ANOS DE ESTUDO 15 ANOS DE ESTUDO


Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD (2014).
Uma segunda causa é que a comercialização para o governo através dessas políticas

de abertura de mercados institucionais exigem que o agricultor possua uma Declaração de

Aptidão ao Pronaf, mesmo documento exigido para o acesso ao crédito rural por meio do

programa. Desse modo, as duas políticas apresentam-se burocraticamente associadas, o que

induz a participação dos indivíduos em ambas. Esse resultado evidencia que as políticas de

comercialização direcionadas à agricultores familiares têm efeito positivo na tomada de

decisão, oferecendo segurança para a realização de investimentos, e estimulando a

regularização dos empreendimentos, o que é benéfico para esse público. No entanto, apenas

0,65% dos agricultores têm o governo como principal comprador, o que demonstra a

necessidade de ampliação desses programas.


O Gráfico 3 também mostra que as menores probabilidades de utilização de crédito

rural estão associadas aos agricultores familiares que tem como principal canal de

comercialização a venda direta para o consumidor, e àqueles que comercializam para

intermediários. Entende-se que a comercialização direta para o consumidor não oferece tanta

estabilidade quanto os demais canais. Por mais que o agricultor possua uma clientela

definida, não há nenhum contrato formal que defina as quantidades à serem entregues por

dia, o que dificulta o planejamento da produção e o controle financeiro da atividade. Em

decorrência disso, tem-se menor eficiência produtiva, e limita-se a capacidade administrativa

dos indivíduos, o que se afeta negativamente a decisão de realizar investimentos na

propriedade.

Com relação aos agricultores que tem como principal comprador os intermediários,

trata-se de um público que geralmente comercializa a produção à um preço menor do que

aquele que seria pago por outros compradores, o que permite aos intermediários a

apropriação de uma parcela do lucro da atividade. Apesar de a escolha de vender à um preço

menor para intermediários refletir uma menor capacidade administrativa, e associar-se à

dificuldade em atender aos requisitos dos outros canais de comercialização, é importante

ressaltar que essa estratégia é racional do ponto de vista dos agricultores, e juntamente com

a venda direta para o consumidor, constitui os canais de comercialização adotados por 66,2

% dos indivíduos.

Os resultados encontrados evidenciam, portanto, que a abrangência do Pronaf é

limitada tanto pelo nível de capacitação dos indivíduos, quanto pela regularização da posse,

pelas desigualdades sociais de gênero e raça internalizadas pelos agricultores familiares, e

pela capacidade de planejamento comercial (expressa na escolha entre diferentes canais de

comercialização). O efeito significativo desse conjunto de fatores comprova, por fim, a

hipótese de que diferentes características dos agricultores familiares têm efeito sobre a
decisão de utilizar o crédito rural através do Pronaf, e devem ser consideradas nas políticas

de fomento agrícola orientadas para esses indivíduos.

4. Conclusões
Os resultados da análise econométrica comprovaram a hipótese de que a

probabilidade de utilização do crédito rural através do Pronaf associa-se de forma

estatisticamente significativa às variáveis que definem o perfil de cada produtor. Conclui-se

que a efetividade do Pronaf como programa de financiamento para a agricultura familiar

demanda, além da oferta de crédito rural, ações mais abrangentes de assistência técnica e de

capacitação administrativa. Evidenciou-se também a necessidade de estudos mais

aprofundados, e ações específicas para grupos mais vulneráveis, como as mulheres e os

indivíduos não brancos (como os negros e os quilombolas). Por fim, entende-se que o

presente estudo auxilia a percepção do perfil do agricultor familiar brasileiro, a identificação

de alguns determinantes da utilização do crédito rural através do Pronaf, e evidencia, dessa

forma, a necessidade de mais estudos na área visando propiciar embasamento para o

constante aperfeiçoamento das políticas que almejam o aperfeiçoamento da agricultura

familiar no Brasil.

5. Referências bibliográficas
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v. 28, n. 1, p. 2, 1998.
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BATALHA, M. O.; BUAINAIN, A. M.; SOUZA FILHO, H. M. de. Tecnologia de gestão e
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BRAGA, A. C. da S. Curvas ROC, Aspectos Funcionais e Aplicações. Tese de Doutorado.


Dissertação (Doutorado em Engenharia de Produção e Sistemas)– Área de métodos
numéricos e estatísticos, Universidade do Minho. 2000.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Terra Amazônia Legal: áreas rurais,
regularize sua posse. 2009. Disponível em: <
portal.mda.gov.br/portal/serfal/arquivos/view/Cartilha_Legal-novo.pdf>. Acessado em
22/11/2016.
CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics Using Stata. Rev. ed. College
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CARNEIRO, M. J. Ajuda e trabalho: a subordinação da mulher no campo. V Encontro da
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GOLDBERGER, A. S. Econometric theory. Econometric theory, 1964.
GUJARATI, D. N.; PORTER, D. C. Econometria básica. 5ª Edição. Versão traduzida.
Editora AMGH, 2011.
HEREDIA, B. M. A. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do
Nordeste do Brasil. Paz e terra. Rio de Janeiro. v. 7, p. 164, 1979.
JAZAIRY, I.; ALAMGIR, M.; PANUCCIO, T. The state of world rural poverty: An
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Acessado em 20/11/2016.
MELO, G. M.; RODRIGUES JÚNIOR, W. Determinantes do investimento privado no
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http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/2481>. Acessado em 26/11/2016. 1998.
SCHNEIDER, S. Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, v. 18, n. 51, p. 99-121, 2003.
6. ANEXO

Quadro 6- cenários simulados


Efeito de ser proprietário ou não para homens e mulheres não brancos que
comercializam diretamente para o consumidor (principal comprador), com
diferentes níveis de escolaridade.
Mulher não branca não proprietária
Mulher não branca proprietária
Homem não branco não proprietário
Homem não branco proprietário
Efeito da cor da pele para homens e mulheres proprietários do empreendimento e
que comercializam diretamente para o consumidor (principal comprador), com
diferentes níveis de escolaridade.
Mulher não branca proprietária
Mulher branca proprietária
Homem não branco proprietário
Homem branco proprietário
Efeito da diferença entre principal comprador para homens e mulheres não brancos
e proprietários do empreendimento, com diferentes níveis de escolaridade.
Homem não branco proprietário que vende diretamente para o consumidor
Homem não branco proprietário que vende para intermediário
Homem não branco proprietário que vende para outro comprador
Homem não branco proprietário que vende para empresa
Homem não branco proprietário que vende para cooperativa
Homem não branco proprietário que vende para governo
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 1- Estatísticas do modelo estimado.
Logistic regression Log pseudolikelihood = -695632.44
Number of obs = 3834 Prob > chi2 = 0.0000
Wald chi2(12) = 245.97 Pseudo R2 = 0.1063
utilPRONAF Coef. Robust Std. Err. z P>|z| [90% Conf. Interval]
Idade -.0091478 .0044161 -2.07 0.038 -.0164117 -.0018839
consProd .2763829 .1364928 2.02 0.043 .0518723 .5008935
estudo .0500206 .0156511 3.20 0.001 .0242767 .0757644
compempresa 1.213.401 .1500345 8.09 0.000 .9666158 1.460.185
compcooperativa 1.289.718 .1961933 6.57 0.000 .9670089 1.612.428
compgoverno 2.229.779 .5616205 3.97 0.000 1.305.996 3.153.563
compproprietario 1.811.754 .5964519 3.04 0.002 .8306776 279.283
compintermediario .3245312 .1618614 2.00 0.045 .058293 .5907695
outrocomprador 1.438.385 .672889 2.14 0.033 .3315815 2.545.189
MASC 1.140.166 .3108223 3.67 0.000 .6289084 1.651.423
BRANCO .570768 .1245751 4.58 0.000 .3658602 .7756759
proprietario .6722151 .1730485 3.88 0.000 .3875757 .9568545
- - - -
_cons 4.521.057 .4256952 10.62 0.000 5.221.264 3.820.851
Fonte: Elaboração própria com base no modelo estimado.
LOGÍSTICA DO AGRONEGÓCIO DA SOJA: UMA ÊNFASE NO
TRANSPORTE E EXPORTAÇÃO DE SANTARÉM (PA) ENTRE 2015-
2017
Deyse Cristina Coelho da Silva 1
Elen Carina Duarte Ferreira²
Elisa Araújo de Oliveira³
Romário de Jesus Galúcio 4
Márcio Júnior Benassuly Barros 5

RESUMO
A soja é o principal produto responsável pelo crescimento do agronegócio no Brasil, que está

entre os setores mais participativos da economia. Entre diversos fatores, isto pode ser

explicado pela certa estabilidade que o comércio internacional apresenta em relação à

exportação de produtos que fazem parte do complexo industrial. A presente pesquisa tem por

objetivo discutir algumas das políticas públicas voltadas para a logística de transporte do

agronegócio e a produção da soja que propõem o desenvolvimento regional e nacional,

considerando a lógica de expansão do cultivo da soja na Amazônia, e também a concentração

desta atividade produtiva em Santarém. A metodologia utilizada para este trabalho foi

levantamento bibliográfico e de dados quantitativos secundários, principalmente em sites

como Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – ABIOVE, Companhia

Nacional de Abastecimento – CONAB, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. A entrada do agronegócio de

grãos no município proporcionou para Santarém vários investimentos, assim como,

1 Acadêmica do curso de Ciências Econômicas do 7° Período na Universidade Federal do Oeste do Pará –


UFOPA. deyse_criszinha17@gmail.com
² Acadêmica do curso de Ciências Econômicas do 7° Período na Universidade Federal do Oeste do Pará –
UFOPA. elencarinaduarte@gmail.com
³ Acadêmica do curso de Ciências Econômicas do 7° Período na Universidade Federal do Oeste do Pará –
UFOPA. elisa.oliveira20@yahoo.com.br
4 Acadêmico do curso de Ciências Econômicas do 7° Período na Universidade Federal do Oeste do Pará –

UFOPA. romariogalucio@gmail.co m
5 Doutor em Geografia pela Universidade de Brasília (UNB), Professor do Instituto de Ciências da Sociedade na

Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. marcgeo2000@gmail.co m


recuperação e abertura de estradas e o principal, a construção do Porto Graneleiro. É

perceptível a recuperação da atividade produtiva quanto aos números de soja exportada nos

dois últimos trimestres de 2016, período de fraca colheita e grande corte no número de

empregos, para os dois primeiros trimestres de 2017. É necessário enfatizar que em sua

totalidade os grãos vegetais são movimentados no terminal arrendado da Cargill,

concentrando a exportação.

INTRODUÇÃO

A geopolítica é uma ciência que trata de como as ações políticas do Estado atuam em

relação ao território. Devendo, portanto, considerar as suas características e especificidades

geográficas. Para Becker (2005, p. 71) “A geopolítica sempre se caracterizou pela presença de

pressões de todo tipo, intervenções no cenário internacional desde as mais brandas até guerras

e conquistas de territórios”.

Nesse sentido, ao fazer uma analogia com a questão da geopolítica da soja em solo

amazônico, temos que dentre as décadas de 60 e 80, a presença do Estado com políticas

desenvolvimentistas no território era muito intensa.

A soja caracteriza-se por ser uma “leguminosa herbácea que possui alto valor proteico e

grande adaptalidade climática, tornando-se assim uma das oleaginosas mais consumidas e

cultivadas do mundo” (TEIXEIRA et al, 2012, p.3). O Brasil destaca-se como produtor,

processador mundial da soja em grão e exportador mundial de soja, farelo e óleo. Conforme

dados da CONAB (2017) a estimativa para a safra brasileira de 2016/2017 é de 107,61

milhões de toneladas, representando um aumento de 12,8% em relação à produção anterior.

De fato, ela é o principal produto responsável pelo crescimento do agronegócio no

Brasil e está entre os setores mais participativos da economia. Entre diversos fatores, isto
pode ser explicado pela certa estabilidade que o comércio internacional apresenta em relação

à exportação de produtos que fazem parte do complexo industrial da soja. Apesar de hoje ser

uma commodity de muita relevância para o agronegócio no país, o início do seu cultivo data

do século passado.

Posteriormente, a soja se expandiu cada vez mais pelo território brasileiro. Inicialmente

introduzida no Rio Grande do Sul e Paraná, ela se estendeu para regiões como Centro-Oeste

onde se consolidou (principalmente no estado do Mato Grosso), cerrado e mais recentemente,

na Amazônia. Dentre os estados, o Pará é um dos mais crescentes em área plantada no Brasil,

destacando-se o polo de Paragominas e Santarém.

Teixeira et al (2012) afirmam que a partir de 1997 o agronegócio da soja torna-se mais

incisivo na região do oeste do Pará, principalmente por incentivos governamentais por

intermédio do Banco da Amazônia (BASA).

A presente pesquisa tem por objetivo discutir algumas das políticas públicas voltadas

para a logística de transporte do agronegócio e a produção da soja que propõem o

desenvolvimento regional e nacional, considerando a lógica de expansão do cultivo da soja na

Amazônia, e também a concentração desta atividade produtiva em Santarém.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para este trabalho foi levantamento bibliográfico e de dados

quantitativos secundários, principalmente em sites como Associação Brasileira das Indústrias

de Óleos Vegetais – ABIOVE, Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –

EMBRAPA. Além disso, foram feitas visitas de campo no período de abril de 2015 a maio de

2017, nos órgãos e entidades ligadas ao sistema de escoamento da soja no município de


Santarém. São eles: Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Empresa de Assistência

Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará – EMATER, Agência de Defesa Agropecuária

do Estado do Pará – ADEPARÁ, CARGILL AGRÍCOLA, BERTOLINI TRANSPORTES e

Sindicato Rural de Santarém.

Com base nesses dados, no caso da Amazônia, faz-se necessário observar que o

agronegócio da soja avançou em detrimento do desmatamento, afetando o modo de vida dos

povos tradicionais que ali viviam. De acordo com Santos et al (2012, p. 6) “apesar do cultivo

da soja gerar renda, ela não é distribuída, visto que seu cultivo dá-se em áreas de grandes

extensões territoriais, cujos proprietários devem possuir elevado poder aquisitivo para

investimento em tecnologia”.

Quanto aos impactos ambientais causados pela expansão da soja, Nepstad et al (2008)

destacam inicialmente o aumento na taxa de desmatamento e, consequentemente, o

crescimento nos níveis de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, além do risco de

desaparecimento de regiões de ecossistema vulnerável ao desmate, estressamento de corpos

hídricos de algumas bacias próximas as áreas de cultivo e/ou pecuária, alterando o ciclo de

chuvas da região, ameaçando o bioma amazônico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

POLITICAS DE LOGÍSTICA DE TRANSPORTE DO AGRONEGÓCIO

DA SOJA ENTRE O MATO GROSSO E O PARÁ

A rodovia BR-163 - A Amazônia se tornou uma fronteira do agronegócio. As políticas

públicas com “incentivos" do Governo Federal no entorno do município de Santarém

trouxeram alguns dos principais empreendimentos para a região Oeste do Estado do Pará. À

exemplo da implantação da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) que contribuiu
para uma nova rota de escoamento da produção, como alternativa com menos custos e

distância menor em comparação ao porto de Santos, como mostra a figura abaixo:

FIGURA 1 - Estratégia de localização do município em relação ao destino da produção

Fonte: IGT/SEMDE (2014) apud PEREIRA E JUNIOR (2014)

Dados do DNIT (2002) destacam que o avanço da pavimentação da rodovia BR-163 foi

motivado pela possibilidade de redução dos custos em transporte das cargas provenientes dos

estados de Mato Grosso e Pará, além de ter o intuito de promover o desenvolvimento

econômico e social das regiões localizadas próximas à obra.

De fato, a inserção do agronegócio de grãos no município de Santarém trouxe vários

investimentos, entre estes, a abertura e recuperação de estradas, a construção de silos de

armazenamento e a construção de um porto graneleiro (Cargill Agrícola) na cidade. Do lado

oposto, propiciou o processo de apropriação ilegal de terras e afetou o modo de vida dos

povos tradicionais.

A construção da rodovia BR-163 iniciou em 1973, no entanto, é necessário destacar que

a implantação do asfalto nessa rodovia ainda não foi concluída, no período inverno amazônico

as dificuldades de tráfego são visíveis. Assim, a falta de iluminação e as péssimas condições


(atoleiros, poeira) em vários trechos prejudicam não só processo de escoamento de grãos, mas

a própria população.

FIGURA 2 – Rodovia BR-163

Fonte: Site 3 pátrias (2017)

Recentemente, em fevereiro deste ano (2017), houve um congestionamento de

aproximadamente 50 km na rodovia Cuiabá-Santarém, no trecho entre os municípios de

Trairão e Novo Progresso, que gerou uma fila de cerca de 4 mil caminhões, isso em

decorrência das fortes chuvas que a tornaram intrafegável. Muitos dos motoristas ficaram na

estrada por mais de duas semanas. As populações das localidades também foram prejudicadas

devido ao isolamento causado pelo congestionamento na rodovia.

Rodovia Transamazônica e o Porto de Miritituba - A rodovia BR-230, popularmente

conhecida como Transamazônica, que liga a Amazônia à Região Nordeste, também apresenta

diversas fragilidades. Sua construção visava solucionar os problemas de “vazio demográfico”

na Amazônia, fazendo com que as tensões nordestinas das condições climáticas e baixa

qualidade de vida fossem resolvidas através desta migração. Além disso, estas políticas

públicas ainda são reflexo de um pensamento de décadas anteriores que objetivava integrar e

desenvolver a Amazônia.
A viabilização das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém é continuamente

reintegrada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com o objetivo de incentivar a

competitividade da soja brasileira no mercado internacional, buscando atender a demanda

internacional através do escoamento da produção. Assim, estes programas de incentivo à

produção estão quase sempre relacionados à logística e transporte.

Esta rodovia é também utilizada para escoamento da produção da soja. Isso porque

desde 2014 o porto no distrito de Miritituba, na cidade de Itaituba vem servindo como rota

alternativa para o Porto de Santarém, diminuindo assim a distância que os grãos levam para

chegar ao seu destino. Como a rodovia BR-230 também possui trechos de difícil acesso,

acidentes no decorrer da estrada acabam se tornando comuns.

FIGURA 3 – Nova saída para o corredor logístico da BR-163: Rio Tapajós

Fonte: VALOR (2013)

A Estação de Transbordo de Cargas ETC – Itaituba, desenvolvida pela Cia Norte de

Navegação e Portos – CIANPORT, realizou a instalação da ETC em Miritituba com o intuito


de colaborar com o desembarque da produção agrícola, e também devido aos seguintes

fatores:

Localização estratégica do município, sendo o primeiro entreposto onde se permite


uma ação combinada dos modais; rodoviário (Transamazônica e BR-163) e
hidroviário (hidrovia Tapajós -Amazonas); Ausência de infraestrutura portuária
moderna e aparelhada para a movimentação de cargas; Projeção de construção de
outros empreendimentos portuários no local, auxiliando na busca por melhorias na
infraestrutura regional de responsabilidade governamental. O empreendimento estará
localizado dentro da Zona Comercial Industrial e Portuária (ZCIP), prevista no Plano
Diretor do município. (RIMA, 2012 p. 23.)

Esses fatores têm por objetivo minimizar os custos com a logística do transporte uma

vez que se encontram deficitários em razão da má condição das estradas para o trajeto até o

transbordo, além de diminuir o trecho rodoviário de 1.100 km para Itaituba, com o intuito de

facilitar o escoamento da produção agrícola.

A ETC Itaituba, é designada para receber (rodoviários) e locomover a produção que

será escoada por meio hidroviário (barcaças) Tapajós-Amazonas até os portos autorizados

pelo CIANPORT, para isso “a estimativa de movimentação de barcaças de grãos é de 8

comboios por mês na Fase 1 e de 16 comboios por mês na Fase 2.” (RIMA, 2012, p. 26)

POLITICAS DE TRANSPORTE DE SOJA EM SANTARÉM: O CASO


DO PORTO DA CARGILL

Nem todo o percurso do escoamento da produção da soja é realizado por meio de

rodovias. Um outro modal utilizado para transporte é o hidroviário. Pereira (2011, p.2) afirma

que Santarém possui “[...] porto de intenso movimento, com ancoragem de grandes e médias

embarcações de grandes calados e uma orla com movimentação de mais de 1,3 mil

embarcações diariamente, centralizando o abastecimento para toda a região Oeste do Estado


[...]”. Através do quadro abaixo, é possível visualizar o movimento do porto de Santarém no

que se refere ao escoamento das exportações da soja brasileira.

QUADRO 1 - EXPORTAÇÕES DO COMPLEXO SOJA – JAN-ABR (EM US$ 1.000)


2016 2017 ∆% Anual
Porto UF US$ 1.000 Part. % US$ 1.000 Part. %
Santos SP 3,474,116 38 3,907,525 35 12
Paranaguá PR 2,093,878 23 2,456,041 22 17
Rio Grande RS 924,497 10 1,242,194 11 34
São Luís MA 443,763 5 627,748 6 41
São Francisco do Sul SC 490,858 5 674,028 6 37
Vitória ES 457,486 5 491,594 4 7
Manaus AM 356,708 4 478,927 4 34
Barcarena PA 211,976 2 521,891 5 146
Santarém PA 308,445 3 392,006 3 27
Outros - 413,136 5 488,621 4 18
Total Arco Norte 1,582,954 17 2,300,997 20 45
Total 9,174,863 100 11,280,575 100 23
Fonte: MDIC/Secex. Elaboração: ABIOVE – Coordenadoria de Economia e Estatística.

Apesar de manter 3% de participação nos anos de 2016 e 2017, o Complexo Portuário

de Santarém teve um aumento neste quesito de US$ 308,445 em 2016 para US$ 392,006 no

ano seguinte. Assim sendo, o gráfico abaixo permite a percepção da demanda existentes nesse

complexo portuário.

Grafico 1 - Participação Relativa das naturezas de


carga na demanda do complexo portuário de Santarém
- 2015
1% 3% 4%

Granel Sólido Mineral

Granel Líquido -
Combustíveis e Químicos
92% Granel Sólido Vegetal

Carga Geral

Fonte: Ministério dos Transportes (2017)


Granel Sólido Vegetal corresponde a 92% da demanda do Porto Público do Município

no ano de 2015, nesse caso, em sua grande parte milho e soja, refletindo assim na sua

importância econômica para o município. Todavia, é necessário enfatizar que em sua

totalidade os grãos vegetais são movimentados no terminal arrendado da Cargill,

concentrando a exportação. O Terminal graneleiro da CARGILL foi implantado em abril de

2003 no Porto Público de Santarém. A multinacional hoje opera na compra, armazenagem e

posterior exportação dos grãos (milho e soja).

Quadro 2 – Exportação trimestral do porto da Cargill em Santarém


ANOS
TRIMESTRES
2015 2016 2017
1° Trimestre 429.973.000 868.440.756 782.733.860
2° Trimestre 650.899.000 1.075.961.765 538.198.570
3° Trimestre 807.896.000 473.443.475 -
4° Trimestre 796.017.000 31.921.080 -
Total 2.684.784.000 2.449.767.076 1.320.932.430
Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados da Cargill (2017)

De acordo com o quadro acima ao focarmos para o 1º trimestre dos três anos (2015,

2016 e 2017) destaca-se que o ano de 2015 apresentou o menor registro entre estes. Contudo

no ano seguinte ocorreu expansão dessa quantidade, havendo novamente uma redução no ano

de 2017.

Ao analisarmos a quantidade exportada gerada trimestralmente, constata-se que no ano

de 2015, o 3° trimestre apresentou a maior quantidade vendida com 807.896.000

representando 30% da exportação anual. Por outro lado percebe-se que o 1° trimestre de 2016

fechou o ano sendo o período de menor saída, com 429.973.000, o que significa apenas 16%

da totalidade. Entretanto no ano de 2016 ocorreu uma elevação na quantidade levada ao

exterior no 1° trimestre para 868.440.756, ou seja, um aumento de 49,5% em relação ao ano

anterior.
Ainda sobre o ano de 2016, nota-se que o período do auge das exportações que

fecharam a maior quantidade levada ao exterior foi o 2° trimestre com 1.075.961.765 sendo

44% da exportação montante neste ano, vale destacar que é no decorrer desse trimestre que a

concentração do embarque nas plataformas não só de Santarém, assim como dos demais

portos do país se intensificam, pois se trata do período de colheita, (CONAB, 2017). O

trimestre que apresentou o menor número de exportação foi o 4° com 31.921.080 o que

significa 1,3% da venda para o exterior total do ano.

Em relação ao ano de 2017, no 1° trimestre identificou-se uma queda de -10% em

relação ao mesmo período do ano passado no valor das exportações de 868.440.756 para

782.733.860, o que reflete numa variação negativa. Podemos associar essa queda devida aos

fortes impactos na BR-163, causado principalmente pelas fortes chuvas que atingiram o

estado nos primeiros nesses desse ano, o que dificulta não apenas o transporte da produção de

soja, assim como o plantio e a colheita.

Centenas de caminhões carregados com a colheita de soja de Mato


Grosso estão atoladas num trecho de terra da BR-163 sentido Pará.
Os veículos tentam chegar a Miritituba um distrito de Itaituba, ao
Sul do Pará, onde há Estações de Transbordo de Cargas que levam
os grãos por barcaças até os portos de Santarém.
(GLOBORURA L, 23 DE FEVEREIRO DE 2017).

Associam-se assim os fenômenos naturais como uma das possíveis causas pelos

longos congestionamentos de caminhões ao longo da BR, refletindo em atrasos no

escoamento da produção, no primeiro trimestre deste ano.

É perceptível a recuperação da atividade produtiva quanto aos números de soja

exportada nos dois últimos trimestres de 2016, período de fraca colheita e grande corte no

número de empregos, para os dois primeiros trimestres de 2017. Esse aumento na produção

eleva as expectativas para os próximos trimestres do respectivo ano de 2017 da agropecuária,

o setor econômico que mais faz crescer o PIB brasileiro.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A entrada do agronegócio de grãos no município proporcionou para Santarém vários

investimentos, assim como, recuperação e abertura de estradas e o principal, a construção do

Porto Graneleiro. Diante disso, a pesquisa buscou discutir e destacar as políticas públicas que

minimizam a logística de transporte do agronegócio.

Entretanto, as políticas criadas pelo Estado não atendem devidamente a logística devido

a má condição das estradas para o trajeto até o transbordo, pelo fato de algumas obras mal

acabadas e uns trechos da rodovia BR 163 que liga ao Porto Graneleiro de Santarém ficarem

intrafegáveis devido as condições climáticas no período do inverno. Mas apesar disso, o

Complexo Portuário de Santarém manteve um aumento de 3% de participação nos anos de

2016 e 2017, ressaltando que no 1° trimestre dos três anos (2015, 2016 e 2017) destaca-se que

o ano de 2015 apresentou o menor registro entre estes.

Contudo no ano seguinte ocorreu expansão dessa quantidade, havendo novamente uma

redução no ano de 2017, porém com um valor a mais do que apresentado no ano de 2015. Ao

analisarmos a quantidade exportada gerada trimestralmente, constata-se que no ano de 2015, o

3° trimestre apresentou a maior quantidade vendida com 807.896.000 representando 30% da

exportação anual. Por outro lado percebe-se que o 1° trimestre fechou o ano sendo o período

de menor saída, com 429.973.000, o que significa apenas 16% da totalidade, devido a

demanda existente no Porto.


REFERÊNCIAS

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pdf> Acesso em 17 abr 2017.
O SETOR AVÍCOLA NO BRASIL: UM ESTUDO DA SUA EVOLUÇÃO E
DISTRIBUIÇÃO REGIONAL

Franciele Tremea
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
fran_tremea@hotmail.com

Ariana Cericatto da Silva


Universidade Federal de Uberlândia
ariana_cericatto@hotmail.com

Resumo: A produção nacional de frango de corte tem se destacado entre os demais setores
produtivos nas últimas décadas. O exponencial desempenho do setor possibilitou ao Brasil
assumir posição de destaque no ranking mundial, como o maior exportador e terceiro maior
produtor de carne de frango. Apesar de todos os estados brasileiros produzirem carne de
frango, a produção está concentrada na Região Sul do País, sendo o Paraná o principal
produtor e exportador de aves do País. Nesse cenário, o objetivo principal deste trabalho foi
analisar a especialização da produção de frango de corte, através do Quociente Locacional
(QL) e análise das exportações por meio do Market-Share (MS). Os principais resultados
obtidos apontam que o avanço da tecnologia na produção, melhoramento dos índices de
conversão alimentar, genética, entre outros, contribuíram para a evolução do setor, tanto em
termos de produção quanto em exportação. Neste sentido a região Sul é a mais desenvolvida
e especializada neste segmento. O sistema de contrato de integração facilitou o elo entre
produtores rurais e agroindústria, com o fornecimento da matéria-prima e assistência técnica,
e o produtor com a mão de obra e estrutura necessária.

Palavras-chaves: Setor avícola. Evolução da tecnologia. Produção e exportação de carne


de frango.

Abstract: The national production of broiler chicken has been outstanding among the other
productive sectors in the last decades. The exponential performance of the sector enabled
Brazil to take a leading position in the world ranking, as the largest exporter and third largest
producer of chicken meat. Although all Brazilian states produce chicken meat, production is
concentrated in the Southern Region of the country, with Paraná being the main producer
and exporter of poultry in the country. In this scenario, the main objective of this work was
to analyze the specialization of chicken production Through the Quotient Locacional (QL)
and analysis of exports through Market-Share (MS). The main results obtained indicate that
the advances in technology in production, improvement of feed conversion, genetic indexes,
among others, contributed to the evolution of the sector, both in terms of production and
exports. In this sense, the South region is the most developed and specialized in this segment.
The integration contract system facilitated the link between rural producers and agribusiness,
with the supply of raw material and technical assistance, and the producer with the necessary
manpower and structure.

Keywords: Poultry industry. Technology evolution. Chicken meat production and export.
1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a produção de frango de corte impressiona pelo seu

dinamismo e pela competência. O Brasil se destaca em relação ao ganho de produtividade

associado à coordenação da cadeia avícola, ocupando o primeiro lugar dos países

exportadores e terceiro maior produtor mundial. A carne de frango brasileira é exportada

para mais de 150 países, e em 2013 a participação do Brasil no comércio mundial de carne

de frango foi de 36,60% à 31,33% de participação dos Estados Unidos, segundo maior

exportador (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO -

MAPA, 2014).

Para Buarque (2008), a indústria brasileira de aves se desenvolveu buscando

novos produtos, diversificando a oferta e agregando valor às matérias-primas, buscando

segmentos de mercado. A melhoria nas técnicas de manejo e a modernização tecnológica

resultaram em aumentos expressivos de eficiência da produção.

A produção de frango de corte vem ganhando espaço tanto em pequenas, médias

ou grandes propriedades, principalmente, pelo sistema de integração em que o produtor

possui parceria com a agroindústria facilitando o processo desde a engorda até a venda do

frango de corte, buscando o melhoramento da qualidade do produto ofertado e o ganho da

produção.

Além disso, o setor avícola brasileiro emprega aproximadamente quatro milhões

de pessoas de forma direta e indireta, correspondendo por 1,5% do Produto Interno Bruto

(PIB) em 2013 e está presente em todos os estados do Brasil, sendo a Região Sul a que se

destaca com 46% da produção brasileira (UBA, 2014).

Este trabalho está dividido em quatro partes, sendo a primeira esta introdução.

A segunda parte refere-se aos procedimentos metodológicos, no qual são descritos os

métodos, dados e variáveis que foram utilizados para a realização deste trabalho. Na terceira
parte são apresentados os resultados e discussões, sendo abordados os seguintes assuntos: a

evoluções do setor avícola brasileiro, as especializações produtivas da avicultura entre as

regiões brasileiras e a participação no mercado avícola por regiões brasileiras. As

considerações finais completam o trabalho.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para análise do Quociente Locacional foram utilizadas as variáveis valor total

da produção de frango e da pecuária brasileira, valor da produção de frango e da pecuária

por região brasileira, e para a análise do market-share foram utilizadas as variáveis

exportação nacional de carne de frango e por região brasileira. Foram escolhidas estas

variáveis devido a disponibilidade de dados, e também para verificar a especialização neste

ramo por região.

2.1 QUOCIENTE LOCACIONAL

O Quociente Locacional (QL) da produção de frango i na região j foi definido


como:
VPij VPi.
QLij  (1)
VP. j VP..

O QL compara a participação percentual de uma região, em relação ao valor da

produção de frango, com a participação percentual da mesma região, em relação ao valor da

produção total da pecuária no Brasil. Se o valor do quociente for maior do que 1 (um), isto

significa que a região foi, relativamente, mais importante no contexto nacional, em termos

do valor da produção de frango, do que em termos do valor da produção total da pecuária

nacional. Assim sendo, pode-se entender QL > 1 como um indicativo de concentração da

produção de frango i na região j .


2.2 MARKET-SHARE

O Market Share é uma expressão de origem inglesa, porém ela também é muito

usada no Brasil e seu significado pode ser quota de mercado, fatia de mercado ou porção do

mercado. O índice de Market-Share (MS) indica a participação do Brasil no total de

exportações regionais de carne de frango. É definida como:

%&'
𝑀𝑆 = (2)
%&

Onde:

𝑋)*= exportações de carne de frango i pela região j .

𝑋) = exportações de carne de frango i do Brasil.

A análise da evolução temporal deste indicador permite entender e visualizar o

comportamento exportador das regiões brasileiras.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O modelo de indústria de abate de frangos instalada no Sul do Brasil

(pioneiramente em Santa Catarina), mantém um “contrato de parceria” com o produtor, este

formato de produção é similar ao dos EUA e de grande parte dos principais países produtores

do mundo. No Brasil, este sistema originou-se na região Sul com base na experiência das

empresas do segmento de suínos (BORTOLIN, 2002).

A produção de frangos de corte é cercada de tecnologia. Os aviários utilizam

vários equipamentos para manter o ambiente controlado. Ao mesmo tempo, empresas de

genética, laboratórios e fábricas de ração buscam oferecer às aves saúde e conforto, além de

sustentabilidade na produção. Há ainda investimentos em automação. Para Graziano da Silva


(1990), a seleção genética é um método de se obter em alguns anos aquilo que as forças da

natureza levariam milênios.

O desenvolvimento da avicultura tem sido marcante, e este avanço se faz sentir

principalmente no que se refere à produção de frangos de corte. O plantel avícola brasileiro

cresceu em volume de produção e, principalmente, em parâmetros de produtividade.

Segundo Mendes (1989), a melhor forma de avaliar o desempenho produtivo em avicultura

seria a utilização de um índice que conseguisse ordenar parâmetros de avaliação técnica e

econômica, que possibilitassem identificar o melhor lote e maior rentabilidade. No entanto,

o autor alerta que na prática é difícil mensurar essa rentabilidade devido a variabilidade da

relação dos preços dos insumos avícolas e do produto final.

Utiliza-se o Índice de Conversão Alimentar (ICA) como parâmetro mais

importante na avaliação do desempenho econômico. O ICA é o consumo de ração do animal

em um período de tempo/ganho de peso, quando houver uma piora no desempenho, mais

ração terá sido consumida para a produção de um quilo de frango, sendo a ração o item de

maior representatividade no custo de produção no geral, e o desempenho econômico

depende da eficiência de transformar ração em carne. Esta evolução só foi possível devido

à evolução genética das linhagens modernas associadas às novas técnicas de manejo de

criação, erradicação de enfermidades, ambiência, automação de equipamentos e os avanços

na nutrição (MENDES, 1989; DUARTE, 2011).

Na Tabela 1, apresenta-se a evolução média do ICA, ao se fazer uma análise da

produção avícola brasileira, fica evidente o rápido desenvolvimento em função do

incremento de novas tecnologias e modernização do processo produtivo que alcançou níveis

elevados de produtividade.
Tabela 1 - Evolução Média dos Coeficientes de Produção de Carne de Frango de Corte

Conversão
Ano Peso Frango Vivo (g) Idade de Abate
Alimentar

1930 1.550 3,5 15 semanas


1940 1.550 3,00 14 semanas
1960 1.600 2,25 8 semanas
1970 1.700 2,15 7 semanas
1984 1.860 2,00 47 dias
1994 2.050 1,98 45 dias
2000 2.250 1,88 43 dias
2005 2.300 1,82 42 dias
2008 1.250 1,75 41 dias
2009 2.440 1,76 41 dias
2010 2,300 1,76 41 dias
Fonte: UBA, 2010.

A evolução do ICA foi um dos grandes avanços para a avicultura de corte, em

1930 eram necessárias 15 semanas e 3,5 kg de ração para 1,55 kg de carne de frango, ao

longo dos anos estes dados foram se alterando devido aos avanços genéticos e de

produtividade e, em 2010, eram necessários apenas 41 dias e 1,76 kg de ração para 2,3 kg

de carne de frango (TABELA 1).

Para mencionar a evolução em produtividade, destaca-se o índice de Ganho

Médio Diário (GMD) maior que 50g/dia, isto significa uma taxa de crescimento diário de no

mínimo 20% superior ao peso inicial de 40g. O ICA também evoluiu, diminuindo a

quantidade de alimento por unidade de ganho de peso, nos dias atuais sem maiores

dificuldades obtêm-se um quilograma de peso vivo com não mais de 1,9 kg de ração, isto se

traduz em uma eficiência alimentar superior a 50% (DUARTE, 2011).

O grau de exigência do consumidor internacional e brasileiro por alimentos mais

seguros e a exigência para a alteração dos procedimentos convencionais, fortalecidos por

legislações específicas para cada país, tem forçado a indústria animal a considerar novos

conceitos na utilização de aditivos para as rações. Em vários países especialmente europeus,


a grande maioria destas substâncias só podem ser empregadas em caráter curativo

(DUARTE, 2011).

A evolução na forma de manejo e também nos equipamentos fez com que a

produção de frango se tornasse mais produtiva e lucrativa. As mudanças ocorreram em

vários níveis como, por exemplo, o tipo de barracão, automatização dos equipamentos e

mudanças genéticas das aves. Até os anos 2000, os sistemas utilizados eram chamados

convencionais, onde se utilizava ventiladores para ventilação, maior mão de obra com baixos

resultados e com comedouros e bebedouros manuais (COLUSSI, 2014).

Já a partir dos anos 2000, surgiram os sistemas de penumbra e Dark House 1 que

permitem o controle de luminosidade, em que o custo de implantação é mais elevado, porém

possui um ambiente controlado, com conforto para as aves, melhor produtividade, sistema

de automação, controle da umidade do ar e refrigeração do ambiente, a tecnologia do sistema

permite ganhos como melhor conversão alimentar dos animais, menor taxa de mortalidade

e redução no tempo de alojamento. Ademais, o maior rendimento é atribuído especialmente

à diminuição do estresse e da agitação dos animais, além dos exaustores controlarem a

temperatura, ajudam a evitar gasto de energia das aves (COLUSSI, 2014).

Para França (2000), a utilização de comedouros e bebedouros automáticos tem

apresentado, no Brasil, maior eficiência em termos de limpeza, melhoria no ganho de peso

e redução da mortalidade das aves, além de reduzirem a frequência de pessoas no interior

dos galpões.

O Gráfico 1 demonstra a evolução da produção de carne de frango brasileira

para o período de 1996 a 2015, onde pode-se verificar o aumento desta produção ao longo

das últimas décadas.

1
Instalação de criação em ambiente escuro. Leva em consideração questões de manejo e o desempenho frente
ao sistema tradicional. Evita ao máximo as influências das condições externas dentro do barracão. O produtor
que controla as condições dentro do barracão (NOBREGA, 2016).
Gráfico 1 - Produção de carne de frango - 1996 a 2015 (em mil ton)
14.000

12.000

10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

Fonte: APBA, 2016.

Verifica-se no Gráfico 1, que a evolução da produção de carne de frango

brasileira para o período de 1996 a 2015 mais que triplicou. Em 2011, atingiu a marca de

13.050 milhões de toneladas de carne, tendo um pequeno recuo em 2012 e 2013, voltando a

crescer em 2014 e em 2015 atingiu 13.140 milhões de toneladas de carne de frango

produzida. Em 1996, a produção era mais centralizada na região Sul e, no passar dos anos,

foi se espraiando para as demais regiões brasileiras.

Além do destaque na produção e exportação, a carne de frango é a proteína mais

consumida pelos brasileiros, seguida pela carne bovina e suína. Conforme dados do MAPA

(2015), o consumo de carne de frango representou 43,9% do total, seguida pela carne bovina

e suína com 37,4% e 14,10%, respectivamente, e as demais como peixes, carneiro entre

outras representaram 4,6% do total consumido em 2015.

A carne de frango é uma das mais acessíveis para a população, sendo uma das

proteínas mais baratas existentes no mercado, custando em média de R$6,20 kg. Já a carne

bovina custa em média R$22,67 kg e a suína R$16,15 conforme dados do Instituto de

Economia Agrícola (IEA, 2016).


Em relação ao destino da produção brasileira de carne de frango, verifica-se

através dos dados da ABPA (2016), que 68% da produção de carne de frango é consumida

internamente, sendo o restante exportado. O Brasil exporta sua produção de carne de frango

para todos os continentes, sendo o Oriente Médio o maior importador da carne brasileira

com 1.581.422 toneladas, seguido pela Ásia com 1.232.399 toneladas, África 497.537

toneladas, União Europeia 407.440 toneladas e América 369.953 toneladas de carne de

frango.

Gráfico 2 - Exportação de carne de frango - 2004 a 2015


14000

12000

10000

8000

6000

4000

2000

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Volume (mil ton.) Receita (milhões USD)

Fonte: ABPA, 2016.

A evolução das exportações brasileiras de carne de frango é demonstrada no

Gráfico 2, sendo possível verificar a expansão das exportações da carne de frango, tanto em

receita como em volume exportado. Em 2004, o volume de exportação era de 1.469,7

milhares de toneladas e, em 2015, foi de 4.304,1 milhares de toneladas, maior valor atingido

no período analisado. Em 2009, com o reflexo da gripe aviária, o volume das exportações

caiu, o que foi sentido pelas receitas que tiveram uma queda de 16,34% de 2008 para 2009.

Portanto, verifica-se uma grande importância da produção avícola no contexto

da pecuária brasileira como um todo, gerando emprego e divisas ao país. No entanto, é


pertinente a compreensão de como essa atividade se distribui ao longo do território nacional,

esse assunto é tratado nos itens seguintes.

3.1 PARTICIPAÇÃO NO MERCADO MUNDIAL DA PRODUÇÃO AVÍCOLA POR

REGIÕES BRASILEIRAS

No decorrer dos anos de 1970 se consolidou uma forma peculiar de inserção da

agricultura no comércio internacional no que se refere à composição da produção,

crescimento das atividades ligadas à exportação e aumento do grau de processamento

industrial dos produtos (CARNEIRO, 2002). As indústrias de frangos se estabeleceram

como um segmento moderno graças à política agrícola de crédito subsidiado e a instalação

de frigoríficos, além das articulações entre grupos nacionais e empresas estrangeiras

produtoras de linhagens (RIZZI, 1993).

Em 2004 o Brasil conquistou a liderança mundial nas exportações de frango,

quando ultrapassou os Estados Unidos, que é o segundo maior exportador de frango de corte

do mundo. A dependência da avicultura brasileira em relação ao mercado externo a coloca

em vulnerabilidade, pois, numa situação de crise mundial poderá haver redução das

encomendas, o que desencadearia a adoção de medidas para reduzir a produção no país.

Através das políticas setoriais que elegem prioridades de governo e selecionam mecanismos

de apoio voltados para o sucesso dos setores, foi possível o incremento da produção e da

exportação de frangos (BELUSSO; HESPANHOL, 2010).

Conforme dados da Avisite (2015) apenas a região Sul do Brasil continua a

apresentar evolução consistente na exportação de carne de frango, liderada pelo Paraná, que

aumentou seu volume em quase 20%, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul a expansão

ficou, respectivamente, 0,06% e 1,86%. Já no Centro-Oeste, a forte expansão de Goiás

(expansão de 16%) teve efeito nulo sobre os resultados regionais, visto que as outras três
unidades federativas, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Mato Grosso, apresentaram

reduções de, respectivamente, 1,6%, 13% e 35%.

Além da região Sul, somente a região Sudeste apresentou aumento comparado

ao período de 2014, com expansão de 4% em Minas e de 31% no Espírito Santo e, ainda, de

uma pequena exportação do Rio de Janeiro. Pois São Paulo apresentou ligeiro recuo (-

0,28%). Na Região Nordeste, os três estados exportadores – Bahia, Pernambuco e Paraíba –

registraram forte retração. Com isso, o volume regional recuou 28%.

A partir dos resultados do Market-Share (Gráfico 3), verifica-se que houve

mudança na participação das exportações brasileira de carne de frango, no ano de 2000, a

Região Sul era responsável por quase 100% das exportações para o mercado mundial, já em

2015 verifica-se que as demais regiões passaram a ter maior representatividade no mercado

mundial.

Gráfico 3 – Exportações de carne de frango por região brasileira - 2000 e 2015

Fonte: Resultado da pesquisa com base nos dados do MAPA, 2016.


As regiões Sudeste e Centro-Oeste foram as regiões que mais evoluíram no

período analisado, de 3,02% e 2,66% em 2000 para 10,09% e 13,51% respectivamente, o

aumento nessas regiões se deve as empresas exportadoras estarem ali localizadas, como BRF

e JBS no Sudeste e Bello alimentos no Centro-Oeste.

A região Sul continuou sendo a principal exportadora de carne de frango

brasileira, em 2000 era responsável por 94,32% e em 2015 por 76,20%, nas regiões Norte e

Nordeste a participação foi quase nula, sendo 0,03% e 0,18% respectivamente. Com a

análise destes dados, pode-se verificar que além de ser a região mais especializada em

relação à produção de carne brasileira, a região Sul também é a maior exportadora.

Na Tabela 2, encontram-se as empresas com maior representatividade no

mercado da industrialização de carne de frango e exportadoras do Brasil, em primeiro lugar

encontra-se a empresa Brasil Foods, seguida pela JBS e Aurora Alimentos. A maioria das

sedes dessas empresas estão localizadas na região Sul e Sudeste do país, o que facilita as

exportações devido aos portos de Paranaguá/PR e Santos/SP.

Tabela 2 - Ranking das empresas brasileiras exportadoras de frango - 2015


Ranking das Empresas
1° Brasil Foods (BRF) 11° COOPAVEL
2° JBS 12° ZANCHETTA ALIMENTOS
3° AURORA ALIMENTOS 13° COASUL AGROINDUSTRIAL
4° COPACOL 14° IRMÃOS DALLA COSTA
5° C.VALE 15° COPAGRIL
6° COOP. AGROINDUSTRIAL LAR 16° JAGUAFRANGOS
7° GT FOODS 17° SÃO SALVADOR ALIMENTOS
8° VIBRA 18° AVERAMA ALIMENTOS
9° GLOBOAVES 19° LANGUIRU
10° BELLO ALIMENTOS 20° NOGUEIRA RIVELLI
Fonte: ABPA, 2016.
As empresas BRF e JBS foram responsáveis por cerca de 70% do volume

exportado pelo país em 2013. A BRF, maior processadora de carne de frango do

Brasil, representou 45,8% das exportações brasileiras do produto, já a JBS foi a segunda

principal exportadora de carne de frango no período, com 23,8% de participação nas vendas

externas (UBA, 2014).

3.2 ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA DA AVICULTURA ENTRE AS REGIÕES

BRASILEIRAS

Historicamente, o Sul do país é uma das regiões mais tradicionais para a criação

de aves no Brasil, com grande presença de cooperativas no que se refere à organização e

apoio aos produtores. Granjas dessa região, assim como as do Sudeste, dependem fortemente

de grãos, muitas vezes provenientes do Centro-Oeste. Já na região Centro-Oeste existe a

dificuldade para contratação de pessoal com qualificação, pois o maior número de

funcionários concentra-se nas grandes lavouras, devido à remuneração e condições de

trabalho mais atrativas. Por outro lado, a produção abundante de milho e farelo de soja nessa

região tem atraído integradoras, que buscam reduzir custos em um setor altamente

competitivo. A opção para contornar os problemas relacionados à mão de obra está no

investimento em granjas cada vez mais automatizadas (DE ZEN et al., 2014).

Verifica-se na Figura 1, que nos anos de 2005, 2010 e 2015 a região que

apresentou maior especialização produtiva no setor avícola foi a Região Sul, possuindo um

QL superior a um indicando que esta região possui especialização produtiva e maior

concentração da produção em comparativo com as demais regiões. Já as regiões Centro-

Oeste e Sudeste possuem especialização mediana nos três períodos analisados. A região

Nordeste aumentou sua especialização produtiva, em 2005 apresentava baixa especialização

e nos períodos de 2010 e 2015 passou a apresentar média especialização. A região Norte em
todos os períodos analisados apresentou baixa especialização produtiva, dado que o único

estado da região que possui produção de frango é o Pará.

Figura 1 – Distribuição locacional da produção avícola no Brasil – 2005, 2010 e 2015

Fonte: Resultado da pesquisa com base nos dados do MAPA, 2016.

Segundo dados do MAPA (2016), o valor bruto da produção brasileira de carne

de frango em 2005 foi de R$ 28.293 milhões, em 2010 de R$ 37.535 e de R$ 43.707 milhões

em 2015, sendo que a região Sul representou 57%, 58,33% e 59,45%, respectivamente,

corroborando o resultado do QL que indica a região Sul como a mais especializada.


As regiões Centro-Oeste e Sudeste consideradas com média especialização

(Figura 1), nos anos analisados, tiveram representações no valor bruto da produção de 10%

e 26% em 2005, 13% e 23% em 2010 e 15% e 19% no ano de 2015, respectivamente.

Verifica-se que neste período a representação da região Sudeste foi regredindo em torno de

3% para cada ano, já para a região Centro-Oeste aconteceu o inverso para cada ano analisado,

aumentaram cerca de 2% na representação do valor bruto da produção de aves (MAPA,

2016).

Já a região Nordeste que apresentou baixa especialização produtiva na atividade

avícola em 2005 possuía apenas 1% da representação do valor bruto da produção, em 2010

quando passou a apresentar média especialização, representava 3% no valor bruto da

produção e em 2015 passou para 4%. A região Nordeste em 2005 e 2010 possuía menos de

1% e em 2015 apenas 1% de representação, sendo considerada como região não

especializada na produção de frango de corte (MAPA, 2016).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avicultura de corte brasileira possui grande representação mundial. O Brasil é

o maior exportador mundial, exportando para todos os continentes, e terceiro maior produtor

do setor avícola. Nesse contexto, esta pesquisa teve como principal objetivo a análise da

evolução da produção avícola no Brasil no período de 1995 a 2015. A análise, partiu da

transformação do setor avícola brasileiro, onde inicialmente eram produzidos de forma

artesanal, sem nenhuma tecnologia e eram comercializados em feiras livres, a partir da

década de 1970, com o avanço da tecnologia e implantação dos contratos de integração

incrementou-se o processo de produção e exportação da carne de frango.

Para a realização dessa pesquisa utilizou-se como instrumental metodológico o

Quociente Locacional (QL) para a análise da distribuição do valor da produção de carne de


frango e a especialização produtiva entre as regiões brasileiras. A análise do Market-Share

(MS) foi utilizado para verificar a participação no mercado mundial da carne brasileira.

Verificou-se que o avanço tecnológico foi um dos principais pontos para o

aumento da produção de carne de frango, estes avanços vão desde a estrutura do barracão,

equipamentos e genética dos pintainhos, o que facilitou o manejo, e também a evolução dos

Índices de Conversão Alimentar (ICA) e o tempo para a produção da carne, reduzido de 15

semanas em 1930 para 41 dias em 2009.

Em relação a evolução das exportações brasileiras de carne de frango

segmentada por região, verificou-se que nos anos 2000 apenas a região Sul exportava sua

produção para o mercado mundial, representando 94% das exportações brasileiras. As

regiões Sudeste e Centro-Oeste possuíam apenas 3% e 2% de representação no mercado

mundial. Já em 2015, assim como na produção as demais regiões passaram a ter pequenas

representações.

Ao identificar a concentração produtiva na atividade avícola brasileira,

utilizando o Quociente Locacional, constatou-se que a região Sul possui a maior

representação e especialização da produção, o que corresponde a 59% do valor bruto da

produção de aves do Brasil, seguida pelas regiões Sudeste e Centro-Oeste, e com

representação quase nula pelas regiões Nordeste e Norte.

Portanto, o setor agropecuário de carne de frango possui grande importância e

representação na economia brasileira, destacando-se a região Sul, pioneira na produção e

difusão de tecnologia na atividade. A modernização existente no sistema contribuiu para o

aumento da produção, com a intensificação da especialização da produção regionalmente, o

que repercutiu consequentemente nas exportações.


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OS DETERMINANTES DO CONSUMO ALIMENTAR DOMICILIAR POR
ESTRATOS DE RFENDA NO BRASIL - POF 2008/2009

Diogo Ferraz1
Fabíola Cristina Ribeiro de Oliveira2
Herick Fernando Moralles3
Daisy Aparecida do Nascimento Rebelatto4

Resumo: Em diversas partes do mundo, boa parte da fome e desnutrição foi superada nas

últimas décadas. Isto colocou um novo desafio para os formuladores de políticas públicas:

qual a qualidade nutricional e dietética das classes sociais mais pobres? A fim de contribuir

com esta questão, o objetivo deste artigo é analisar os determinantes do consumo alimentar

domiciliar, comparando a probabilidade do consumo de alguns tipos de alimentos entre os

pobres e as demais classes sociais no Brasil, por meio dos dados da última Pesquisa de

Orçamentos Familiares (POF) de 2008/2009. Foram avaliadas quais são as características de

cada domicílio que afetam a probabilidade de ele consumir algum tipo de alimento. Por meio

de um modelo lógite, verificou-se que os pobres tendem a ter menor probabilidade de

comprar em determinada semana frutas, legumes, verduras, tubérculos e raízes, quando

comparados com as classes média e alta. Por outro lado, foi possível observar maior

consumo de aves, ovos e carne bovina de segunda. Este resultado demonstra a importância

de políticas públicas que proporcionem a melhor distribuição de alimentos frescos e com

maior valor nutricional.

1
Economista. Doutorando em Engenharia de Produção na Universidade de São Paulo (EESC/USP). E-mail:
diogoferraz@usp.br
2
Economista. Doutora em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). Coordenadora
do curso de Relações Internacionais da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail:
fbcoliveira@hotmail.com
3
Economista. Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (EESC/USP). Professor da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: herickmoralles@dep.ufscar.br
4
Engenheira Civil. Professora Associada do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de
São Paulo (EESC/USP). E-mail: daisy@sc.usp.br
Palavras-chave: Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF); Pobreza; Segurança alimentar.

Abstract: In many parts of the world, much of the hunger and malnutrition has been
overcome in the last decades. This posed a new challenge for policy makers: what is the
nutritional and dietary quality of the poorer social classes? In order to contribute to this issue,
the objective of this article is to analyze the determinants of household food consumption,
comparing the probability of consumption of some types of food between the poor and the
other social classes in Brazil, through the data of the last Research of Family Budgets (POF)
for 2008/2009. We evaluated the characteristics of each household that affect the probability
of consuming some type of food. By means of a logistic model, it was found that the poor
tend to be less likely to buy fruits, vegetables, tubers and roots in a given week compared to
the middle and upper classes. On the other hand, it was possible to observe higher
consumption of poultry, eggs and beef from the second. This result demonstrates the
importance of public policies that provide the best distribution of fresh foods with greater
nutritional value.

Keywords: Family Budget Research (POF); Poverty; Food security.

1. INTRODUÇÃO

A pobreza ainda afeta diversas regiões do mundo, pois mais de um quinto da

população mundial vive com menos do que US$ 1,25 por dia. Há consenso de que esta

proporção deve (e pode) ser conduzida para perto de zero até 2030 (Banerjee et al., 2015).

O fato de não possuir um nível mínimo de renda afeta os hábitos alimentares, propiciando

insegurança alimentar. Isto porque as pessoas pobres invariavelmente gastam a maior parte

da sua renda em alimentos (lei de Engel) (Headey e Martin, 2016).

O Brasil tem superado os problemas da fome e da pobreza por meio de políticas de

distribuição de renda. A relação entre pobreza e insegurança alimentar tem sido analisada

por meio de modelos que estimem os determinantes do consumo de alguns tipos de

alimentos. Estes estudos têm mostrado que a renda é um dos principais fatores que
favorecem uma dieta mais saudável. Todo tipo de insegurança alimentar tende a cair a partir

do terceiro estrato da renda domiciliar per capita (R$40) (Hoffmann, 2014), embora o

consumo de alimentos pouco nutritivos aumente entre as classes sociais mais ricas.

Neste cenário, a fome e a desnutrição deixaram de ser o principal desafio. Estudos e

políticas públicas têm se preocupado em analisar o tipo de alimento consumido por pessoas

de baixa renda e menor escolaridade. Sabe-se que produtos industrializados, com baixo valor

monetário e baixo valor dietético, têm preferência em relação aos alimentos saudáveis, como

frutas, legumes e hortaliças. Por outro lado, o consumo de produtos light/diet e orgânicos

aumenta conforme a renda e a escolaridade do indivíduo aumentam (Oliveira, 2014).

Entretanto, ainda existem lacunas sobre aquilo que se conhece da vida econômica

dos extremamente pobres (Banejee e Duflo, 2007), em especial, sobre a relação entre a

pobreza e os hábitos alimentares e de consumo dessa camada social. A fim de contribuir com

esta questão, o objetivo deste artigo é analisar os determinantes do consumo alimentar

domiciliar, comparando a probabilidade do consumo de alguns tipos de alimentos entre os

pobres e as demais classes sociais no Brasil por meio dos dados da Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF) de 2008/2009. Serão avaliadas quais são as características de cada

domicílio que afetam a probabilidade de ele consumir algum tipo de alimento.

2. CONSUMO ALIMENTAR NO BRASIL E (IN)SEGURANÇA ALIMENTAR

O padrão de consumo de alimentos no Brasil e no mundo tem se alterado devido a

fatores sociais e econômicos, que afetam a preferência dos consumidores, como a

urbanização, a pirâmide etária e a inserção da mulher no mercado de trabalho como aspectos

importantes na composição da cesta de alimentos das famílias (Coelho et al., 2009). No

Brasil, a transição nutricional dá indícios de que a maior parte da população deixou de sofrer

com os problemas relativos à fome, mas enfrenta novos desafios. Dentre eles, destaca-se o
combate ao sobrepeso e à obesidade, o que torna este cenário mais complexo, evidenciando

a necessidade de analisar o consumo dos alimentos das camadas mais pobres no Brasil.

Para que esta transição nutricional fosse possível, destaca-se o programa Fome Zero,

que reduziu a fome e desnutrição, além da extrema pobreza. Os programas de transferência

de renda, como o Bolsa Família, Benefício da Prestação Continuada, aposentadorias rurais,

além da política de valorização do salário mínimo, tiveram papel importante na redução da

pobreza e da insegurança alimentar das famílias pobres, particularmente a partir de 2001

(Hoffmann, 2008; Pizzani e Rego, 2013; Hoffmann, 2014). O Bolsa Família contribuiu para

o aumento da segurança alimentar e nutricional, pois 76% das transferências são gastas com

alimentos, garantindo uma melhor dieta para as famílias menos favorecidas (Rocha, 2009).

A participação da despesa com alimentos é de 60,2% na primeira classe de renda

domiciliar per capita (RPC) (RPC até R$ 100), cai para 36,6% na segunda classe (mais de

R$ 100 a R$ 200) e continua diminuindo sistematicamente até atingir apenas 5,2% na classe

de RPC acima de R$ 4 mil (Hoffmann et al., 2007). O arroz e feijão possuem elasticidade

negativa, o que significa que um crescimento proporcional da renda de todos os brasileiros

não deverá causar aumento na demanda por esses produtos (Hoffmann et al., 2007).

A renda é o principal condicionante da insegurança alimentar, medida pela EBIA

(Hoffmann, 2013), Hoffmann (2007, 2008, 2013, 2014) têm analisado os determinantes da

probabilidade de as famílias consumirem alguns tipos de alimentos e de haver insegurança

alimentar nos domicílios. Os dados da PNAD de 2004 mostraram que em 34,9% dos

domicílios ainda havia algum grau de insegurança alimentar (Hoffmann, 2008). Pela PNAD

de 2009, apesar de o número de domicílios na população analisada ter crescido 12,6%, o

número daqueles com insegurança moderada foi reduzido em 40,2% e o número daqueles

com insegurança grave diminuiu 12,4% (Hoffmann, 2013). Segundo o autor, além da renda,
esta melhora está associada com o maior número de domicílios com luz elétrica, água

canalizada e com esgoto, além da redução do número médio de pessoas por cômodo.

A região geográfica do domicílio também afeta a probabilidade de insegurança

alimentar. Se o domicílio estiver nas regiões Sul, Sudeste ou Centro-Oeste, e não no

Nordeste, a estimativa da probabilidade de insegurança alimentar grave cai de 4,4% para

cerca de 3,4% (Hoffmann, 2013). A odds ratio de insegurança alimentar grave no estado de

São Paulo é igual a 3/4 daquela encontrada para o Nordeste. Quando se agregam as três

categorias de insegurança alimentar (leve, moderada e grave), a odds ratio de SP, em

comparação com o Nordeste, é 0,662 (Hoffmann, 2008).

Em relação ao tipo de alimentos consumidos, no Sul há maior probabilidade para o

consumo de carne suína. No Norte e Nordeste é maior a propensão para o consumo de

alimentos básicos (arroz, feijão, farinha de mandioca, leite em pó e margarina). No Sudeste

é maior o consumo de pão francês e no Centro-Oeste o arroz e leite fluido (Coelho et al.,

2009). No estado de São Paulo o consumo anual per capita de farinha de mandioca não atinge

1 kg, enquanto no Nordeste supera 15 kg e no Norte atinge 33,827kg (Hoffmann et al., 2007).

O consumo médio de farinha de mandioca também pode ser explicado pelos

domicílios localizados na zona rural ou urbana. O consumo deste produto é mais de quatro

vezes maior na zona rural do que nas áreas urbanas (Hoffmann et al., 2007). Estima-se que

os domicílios da zona urbana têm maior probabilidade de ocorrer insegurança alimentar,

após controlado o efeito da renda (Hoffmann, 2008). Dados da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 e de 2013 mostraram que o rural mais restrito tende

a ficar com domicílios relativamente mais pobres. A evolução pouco favorável da segurança

alimentar nos domicílios rurais de 2009 a 2013 pode ter decorrido do fato de o “rural” de

2013 ser uma área mais restrita cujos domicílios são relativamente pobres (Hoffmann, 2014).
Quando se analisa a probabilidade de ocorrer insegurança alimentar pelo setor de

ocupação da pessoa de referência da família, os dados da PNAD (2004) mostram que há

maior probabilidade para trabalhadores do setor agrícola (agropecuária) (Hoffmann, 2008).

Contudo, dados mais recentes (PNADs 2009 a 2013), mostraram um aumento na proporção

de lares com segurança alimentar e diminuição dos domicílios com insegurança moderada

ou grave. O autor chama atenção para o fato de que o crescimento da proporção com

segurança é mais intenso entre 2004 e 2009 e menos intenso entre 2009 e 2013 nos

domicílios agrícolas, ocorrendo o inverso para os demais domicílios (Hoffmann, 2014).

A proporção de domicílios com insegurança alimentar grave é quase três vezes maior

entre aqueles cuja pessoa de referência é preta ou parda (10,00%), do que entre aqueles cuja

pessoa de referência é branca (3,55%), segundo os dados da PNAD de 2004, na comparação

sem controles (Hoffmann, 2008). Note-se que, os negros e pardos têm maior probabilidade

de adquirir açúcar, arroz, carne bovina de segunda e farinha de mandioca. Também há

probabilidade negativa para o consumo de carne bovina de primeira, banana, batata, tomate,

queijos e leite fluido, como mostram os dados da POF de 2002-2003, utilizando o efeito

marginal com controle (Coelho et al., 2009).

Este resultado pode estar ligado à elasticidade renda de alguns produtos mais

“nobres” ou relativamente caros, que, por isso mesmo, só são consumidos em maior

quantidade pelos relativamente ricos e brancos. A elasticidade-renda do consumo de carne

bovina de primeira (0,520) é maior do que a carne bovina de segunda (0,110) (Hoffmann et

al., 2007). Contudo, os resultados de Hoffmann (2008) mostraram que as faixas de renda

mais pobres têm maior probabilidade de consumir leite em pó, alimento conhecido por ter

elasticidade-renda maior. O consumo de leite em pó pelos pobres pode também estar

associado com a ausência de geladeira no domicílio. Para Coelho et al. (2009), a presença

de geladeira aumenta a probabilidade de aquisição de leite fluido.


O grau de instrução escolar da pessoa de referência também se mostrou como

variável explicativa para ocorrência da segurança alimentar. Um ano adicional de

escolaridade reduz a insegurança alimentar grave (−8%) e o agregado da insegurança leve,

moderada ou grave (−4,3%) (Hoffmann, 2008). O nível de escolaridade e a distribuição da

renda podem aumentar a probabilidade de consumo por alimentos mais saudáveis, como os

orgânicos e light/diet (Oliveira, 2014).

3. SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

A segurança alimentar tem feito parte da pauta política de diversos países no mundo.

Esta questão de grande relevância política tem atraído muito interesse em pesquisa, mas há

falta de consenso entre os estudos existentes sobre a ligação entre pobreza e segurança

alimentar (Mahadevan e Suardi, 2014; Mahadevan e Hoang, 2016). O primeiro passo para a

segurança alimentar é o acesso aos alimentos (Dimitri et al., 2015), embora já se saiba que

a fome não é causada pela inexistência de alimentos suficientes, mas pelo fato de as pessoas

não terem o direito de acesso (entitlement) aos alimentos (Sen, 1981; 2001). Existe segurança

alimentar quando os membros de um domicílio possuem acesso regular e permanente a

alimentos suficientes (Hoffmann, 2013). Este artigo aborda a segurança alimentar (food

security) sob a ótica do acesso aos alimentos. Contudo, é possível encontrar outros estudos

que analisem a segurança dos alimentos (food safety), a fim de verificar sua qualidade.

Segurança alimentar é um conceito multidimensional que caracteriza amplamente a

disponibilidade de alimentos (acesso físico aos alimentos), acessibilidade alimentar (acesso

econômico aos alimentos), utilização de alimentos (absorção de nutrientes no corpo) e

vulnerabilidade (Mahadevan e Suardi, 2014; Mahadevan e Hoang, 2016).

A renda tem impacto positivo e significativo sobre a segurança alimentar, tanto em

áreas rurais como urbanas. No entanto, a natureza da pobreza (transitória ou persistente)


apresenta diferentes impactos sobre a segurança alimentar nas áreas urbanas e rurais, o que

requer uma análise cuidadosa (Mahadevan e Hoang, 2016).

As famílias de baixa renda tendem a consumir dietas de baixa qualidade,

caracterizadas por quantidades inadequadas de frutas e hortaliças. Consumidores de baixa

renda não podem comprar alimentos saudáveis e pode ocorrer falta de varejões e feiras nos

bairros mais pobres pode comprometer o acesso a alimentos saudáveis. Na Índia, por

exemplo, as feiras livres têm como objetivo incentivar os consumidores de baixa renda

comerem quantidades maiores de frutas e legumes frescos. Este incentivo ocorre pela

disponibilização de cupons para compra deste tipo de alimento. Após receberem os cupons,

mulheres sem diploma de ensino médio tiveram maior probabilidade de consumir frutas e

legumes frescos com mais frequência, em comparação com aquelas com níveis mais altos

de escolaridade (Dimitri et al., 2015).

Em resumo, verifica-se que a segurança alimentar depende do nível de renda e da

estabilidade com que esta renda está disponível. Quando a pessoa de referência não possui

emprego formal ou trabalha por conta própria, a probabilidade de haver segurança alimentar

é menor. Ademais, a elevação da renda dos mais pobres e a redução da desigualdade de

renda podem ter contribuído para a melhora na segurança alimentar (Hoffmann, 2013).

Neste cenário, é importante analisar a escolha por alimentos dos mais pobres.

4. A DIMENSÃO DA POBREZA

A compreensão das características dos pobres e os determinantes das suas escolhas

são aspectos importantes para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes. Uma

família tipicamente pobre tende a possuir maior número de membros, pelo menos em relação

ao tamanho das famílias dos países desenvolvidos (Banerjee et al., 2015). A presença de

crianças nas famílias extremamente pobres é maior. Isto porque os pobres são muito jovens,
devido ao elevado número de pessoas com faixa etária menor, e ao baixo número de pessoas

que conseguem sobreviver até uma idade mais avançada (Banerjee e Duflo, 2012).

Outro aspecto importante para os pobres é o gerenciamento da pouca renda que

possuem. O baixo gasto com educação corresponde a cerca de 2% dos orçamentos

familiares, o que não significa que as crianças estejam fora da escola, mas sim que crianças

pobres frequentam apenas o ensino público (Banerjee e Duflo, 2012). Um dos maiores

desafios que de os pobres enfrentam na atual sociedade é a falta de qualificação profissional.

Embora esta classe social procure oportunidades econômicas, o baixo nível educacional e a

falta de habilidades técnicas prejudicam sua inserção no mercado de trabalho ou na gestão

do próprio negócio. Os pobres perdem oportunidades de terem rendimentos mais elevados

(Banerjee e Duflo, 2012). Outro aspecto discutido na literatura é a dificuldade de os pobres

ingressarem no mercado de trabalho devido à baixa produtividade. Muitos autores atribuem

esta baixa produtividade ao consumo nutricional inadequado.

5. A DESPESA COM ALIMENTOS DAS FAMÍLIAS POBRES

A forma como os pobres escolhem sua alimentação é importante para determinar o

nível de produtividade dos indivíduos. Os pobres precisam comer mais e melhor (mais grãos

e alimentos ricos em ferro e menos açúcar). Note-se que, apenas comer mais não seria

suficiente, pois ao primeiro ataque de alguma doença, o indivíduo ficaria fraco devido à

baixa qualidade nutritiva da dieta (Banerjee e Duflo, 2012; Banerjee et al., 2015).

Interessante observar que, pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia não

gastam toda renda para consumir mais calorias. Dentre 13 países analisados pelos

mencionados autores, o gasto com alimentos representou entre 56 a 78% do orçamento das

famílias que viviam na zona rural e 56 a 74% daquelas que viviam nos centros urbanos.

Ademais, a parte gasta em alimentos é quase a mesma para os pobres e os extremamente


pobres, sugerindo que os extremamente pobres não sentem nenhuma compulsão extra para

comprar mais calorias (Banerjee e Duflo, 2012).

Estimativas apontam que para os extremamente pobres, para cada aumento de 1% no

gasto com alimentos, cerca da metade vai para a compra de mais calorias e a outra metade

vai para a compra de calorias mais caras (e presumivelmente de melhor degustação)

(Banerjee e Duflo, 2012). Na Índia, por exemplo, o gasto com alimentos passou de 70% em

1983 para 62% em 1999-2000, e a participação do milho no orçamento alimentar caiu para

praticamente zero (Deaton e Drèze, 2009; Banerjee et al., 2015).

A questão que se coloca atualmente é: deve haver preocupação com a escolha

alimentar que os pobres têm feito? Ao que tudo indica, os países em desenvolvimento, como

o Brasil, ultrapassaram a barreira da fome e desnutrição, mas enfrentam o desafio de

estabelecer hábitos alimentares saudáveis que evitem o sobrepeso e a obesidade. Neste

aspecto, mais uma vez se constata a importância de compreender as decisões acerca dos

hábitos alimentares dos pobres.

6. ASPECTOS METODOLÓGICOS

6.1. Base de dados

Os dados utilizados neste trabalho são provenientes da Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF) de 2008-2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística(IBGE, 2008-2009). A POF é voltada para a mensuração das estruturas de

consumo, dos gastos, dos rendimentos e parte da variação patrimonial das famílias

brasileiras, tornando possível o levantamento do perfil das condições de vida da população

a partir da investigação de seus orçamentos domésticos. Além das informações diretamente

associadas às estruturas orçamentárias, várias outras características dos domicílios e das

famílias são investigadas, ampliando o potencial de utilização dos resultados da pesquisa.


Por meio dos microdados, também é possível que se estude a composição dos gastos das

famílias segundo diferentes recortes sociais e demográficos, como os que enfocam as

diferenças entre as classes de rendimentos, ou as disparidades regionais e as existentes entre

os moradores das áreas urbana e rural (IBGE, 2011).

6.2. A definição dos domicílios pobres

A pobreza possui questões complexas, que envolvem aspectos multidimensionais

ligados às necessidades elementares do ser humano, como por exemplo, os problemas

educacionais e de formação que qualifique o ser humano para a vida na sociedade e no

mundo do trabalho, a incidência de doenças provocadas por alimentações deficientes e

precárias condições de higiene, as más condições habitacionais, a inacessibilidade a serviços

básicos, como a água encanada, a coleta de lixo, a eletricidade, o alto índice de mortalidade

infantil, dentre outros fenômenos (Sen, 1981; Sen, 1998; Hoffmann, 2008).

A literatura especializada costuma definir a pobreza com base na renda das famílias,

sendo que os pobres são aqueles com renda inferior ao mínimo necessário para aquisição das

necessidades humanas básicas (Monteiro, 2003). Nesta perspectiva, considera-se como

pobres todas as pessoas (ou famílias), cujas rendas são iguais ou inferiores a um valor

correspondente aos custos de atendimento das suas necessidades básicas, e que muitas vezes

são expressos em múltiplos de salários mínimos, delimitando as chamadas linhas de pobreza

em ¼ de salário mínimo (muito pobres) ou em ½ salário mínimo (pobres).

Essa delimitação não garante um consenso, pois para outros autores, como Banerjee

e Duflo (2012), os "extremamente pobres" são aqueles que vivem com menos de US$ 1 por

dia por pessoa, ajustado pela Paridade do Poder de compra de 1985 (PPP). As linhas de

pobreza sempre existiram, sendo que US$ 1 por dia foi escolhido devido à proximidade com
as linhas de pobreza usadas em estudos aplicados aos dados de muitos países pobres. Em

1993, a linha de pobreza foi atualizada para US $ 1,08 por pessoa ajustado pela PPP de 1993.

Quando a linha da pobreza se baseia no custo da alimentação, fala-se em pobreza

extrema, indigência ou mesmo em insegurança alimentar (Monteiro, 2003). O consumo, por

diversas razões, pode ser apontado como uma medida de bem-estar mais apropriada do que

a renda (Rodrigues, 2014). Desta forma, a autora definiu em seu trabalho uma medida para

captar o bem-estar por meio da estimação da linha de pobreza alimentar e linhas de pobreza

ajustadas para itens não alimentares.

Contudo, apesar de se reconhecer a diversidade na definição de linhas de pobreza,

neste presente estudo optou-se por considerar como sendo pobres as famílias dos domicílios

que apresentarem renda domiciliar per capita inferior a R$ 331,39, seguindo a metodologia

de estratificação de renda aplicada aos dados da POF 2008-2009 usada por Oliveira (2014).

Outras duas estratificações foram adotadas, a classe média (com RDPC entre R$ 331,39 a

1.255,75) e a classe rica (ou alta, com RDPC superior a R$ 1.255,75) apenas para efeitos

comparativos. Por fim, destaca-se que, a data usada como referência para os valores

monetários publicados pela POF de 2008-2009 é a de 15 de janeiro de 2009.

6.3. Método de escolha discreta: lógite

Os alimentos ou os subgrupos alimentares que são analisados neste estudo foram

selecionados a partir do cadastro de produtos da POF 2008-20095. É importante destacar

que, apesar de se fazer referência ao “consumo” de um alimento, o IBGE deixa claro que

esta variável se refere a quantidades “adquiridas” de alimentos para consumo no domicílio.

5
Os alimentos foram classificados segundo alguns grupos definidos na POF: a) Cereais e leguminosas; b) Frutas; c) Legumes e verduras;
d) Tubérculos e raízes; e) Aves e ovos: serão usados apenas o consumo de frango e de ovos; f) Carnes: considerando-se apenas e
separadamente as carnes bovinas de 1ª e de 2ª; g) Panificados: serão analisados em conjunto os pães, bolos e biscoitos; h) Farinhas e
massas: em que serão discriminadas a aquisições de farinhas (trigo e milho) e macarrão; i) Bebidas, discriminando-se desse grupo, apenas
o consumo de refrigerantes; j) Leite e derivados; k) Açúcares (todos os tipos); l) Óleos e gorduras e; m) Alimentos preparados.
O método utilizado neste artigo está embasado em outros estudos sobre os

determinantes do consumo alimentar (Coelho et al., 2009; De Oliveira, 2014; Hoffmann,

2014). Para analisar os fatores determinantes do consumo domiciliar de alimentos foram

ajustados dois modelos de escolha discreta pelo método de máxima verossimilhança. O

modelo de escolha discreta adotado foi o modelo de lógite, no qual a probabilidade (𝑃𝑖) de

que haja consumo de determinado tipo de alimento pela i-ésima família é função de um

conjunto de variáveis explicativas, conforme a seguinte equação:

eY i

1
P  
i 1 Y
e 1  exp( Yi )
i

Com Yi     1 X 1i   2 X 2i  ...  kXki

Ou, alternativamente,

Pi
Yi  ln     X 1i   2 X 2i  ...  kXki
1

1  Pi

A vantagem do modelo de lógite é que ele permite estimar como uma determinada

variável independente afeta a probabilidade (P), quando as demais variáveis permanecem

constantes (Hoffmann, 2013). No modelo estimado a variável dependente é a probabilidade

de a família apresentar despesa com algum alimento selecionado. A seleção das variáveis

explanatórias se baseou em estudos anteriores que utilizaram dados da POF 2008-2009 para

analisar os determinantes do consumo de alimentos orgânicos e light/diet (De Oliveira,

2014). As variáveis explanatórias utilizadas foram: a) Duas variáveis binárias para distinguir

os três estratos de renda: domicílios pobres (com RFPC de até 331,49), os domicílios de

classe média (com RFPC de R$ 331,49 a R$ 1.255,75) e os domicílios ricos (com RFPC

superior a 1.255,75), adotando como base o estrato mais pobre; b) Três variáveis binárias

para distinguir quatro faixas de idade do chefe de família: 26 a 40 anos, 41 a 60 anos e mais
de 60 anos de idade. A faixa de idade de até 25 anos foi escolhida como base; c) Cinco

variáveis binárias para distinguir seis níveis educacionais do chefe da família: analfabeto ou

com menos de 1 ano de estudo, 4 a 7 anos de estudo, 8 a 10 anos de estudo, 11 a 14 anos de

estudo e 15 anos ou mais de estudo. O nível de 1 a 3 anos de estudo foi adotado como base;

d) Quatro variáveis binárias para distinguir as cinco grandes regiões: Norte, Sudeste, Sul e

Centro-Oeste. Adotou-se como base a região Nordeste, a mais pobre; e) Uma variável para

distinguir se o chefe familiar é mulher ou homem (base); f) Uma variável binária (urbano)

que assume valor 1 se o domicílio da pessoa está em área urbana e assume valor 0 se o

domicílio estiver em área rural; g ) Uma variável binária (metropolitano) que assume valor

1 se a pessoa reside em capital de estado considerada área metropolitana, Goiânia ou Brasília,

e valor 0 em caso contrário; h) Três variáveis binárias para distinguir as quatro categorias de

cor da pele: preta, parda, amarela. A cor branca foi adotada como base; i) Sete variáveis

binárias para distinguir 8 estratos de número de pessoas na família, que foram definidos da

seguinte forma: família com uma pessoa (base), com 2 pessoas, com 3 pessoas, com 4

pessoas, com 5 pessoas, com 6 pessoas, com 7 pessoas e com 8 a 20 pessoas; j) Uma variável

binária para distinguir duas situações no que se refere ao número de crianças de 0 a 4 anos

na família: nenhuma e uma ou mais. Adotou-se como base a situação em que não há criança

de 0 a 4 anos na família; k) Uma variável binária para distinguir duas situações no que se

refere ao número de crianças de 5 a 9 anos na família: nenhuma (base) e uma ou mais; l)

Uma variável binária para distinguir duas situações no que se refere ao número de crianças

e adolescentes de 10 a 15 anos na família: nenhuma (base) e uma ou mais; m) Uma variável

binária para distinguir duas situações no que se refere ao número de adolescentes de 16 a 17

anos na família: nenhum (base) e um ou mais; n) Uma variável binária para distinguir duas

situações no que se refere ao número de idosos de 60 a 64 anos na família: nenhum (base) e

um ou mais; o) Uma variável binária para distinguir 2 situações no que se refere ao número
de idosos com mais de 64 anos de idade na família: nenhum (base) e um ou mais. As

estimativas foram obtidas pelo método de máxima verossimilhança levando em

consideração os fatores de expansão de cada observação e a estrutura complexa da amostra

da POF de 2008-2009.

7. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As regressões do modelo de lógite, ajustadas aos dados da POF2008/2009, cujos

resultados estão apresentados na Tabela 1, mostram os fatores que afetam a probabilidade

de uma família ter adquirido (ou realizado o dispêndio) de determinado tipo de alimento. Em

todas as regressões, o teste da razão de verossimilhança, que testa se todos os coeficientes,

exceto a constante, são zero foi altamente significativo. Verifica-se que, dos 510 coeficientes

estimados, 392 são significativos (76,9% do total). Os sinais de tais coeficientes também

refletem, na maior parte dos casos, os comportamentos causais esperados.

O consumo de alimentos segundo a renda familiar per capita, tomando como base o

estrato que contém as famílias pobres, segue alguns padrões interessantes, por exemplo, em

relação ao consumo de cereais e leguminosas (grupo onde se inclui a tradicional alimentação

brasileira, o arroz e o feijão), nota-se uma probabilidade menor entre os domicílios de

famílias de classe média frente aos mais pobres. Isto deve estar ligado ao fato desse subgrupo

incluir alimentos baratos e de consumo generalizado.

A renda também tem efeito positivo e significativo (pr. <0.001) sobre a probabilidade

de o domicílio apresentar despesa com frutas, legumes e verduras, tubérculos e raízes, ou

seja, rendas mais altas representam maiores chances de se efetuar a aquisição de tais gêneros

alimentícios. Oliveira (2014) mostrou que o consumo destes tipos de alimentos é mais

elevado entre os mais ricos, apesar destes não atingirem o consumo mínimo de frutas e

hortaliças recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que é de 400g por dia.
Sobre o consumo de aves (frango) e ovos, a probabilidade de aquisição é maior nos

domicílios de baixa renda, o que deve estar ligado ao fato de tais produtos apresentarem

preços acessíveis e de se constituírem parte do cardápio de consumo popular. Já em relação

à carne bovina, há um efeito positivo na probabilidade do consumo entre os mais ricos em

relação aos mais pobres, se se tratar de carne bovina de 1ª qualidade, pois se for de qualidade

inferior, os domicílios ricos apresentam menor possibilidade de despesa domiciliar deste tipo

de bem inferior.

Em relação aos panificados e as farinhas, observou-se que as classes média e alta

consomem menos itens deste tipo do que os pobres. Vale destacar que não houve

significância estatística para o item farinha no grupo de classe média. Itens que compõem os

grupos de alimentos de açúcares, refrigerantes, leite e derivados, óleos e gorduras e

alimentos preparados apresentaram elevação do consumo conforme ocorreu o aumento da

renda. Estes coeficientes foram altamente significativos (pr. <0.001). Este é um resultado

interessante, pois classes de renda mais alta apresentaram maior probabilidade de consumo

de alimentos menos saudáveis. Contudo, deve-se considerar que este artigo não dissociou o

consumo dos vários tipos de óleos disponíveis ao consumidor (óleo de azeite, por exemplo).

Portanto, sugere-se que estudos futuros analisem mais detalhadamente este resultado.

As demais variáveis explicativas selecionadas por este estudo se mostraram

coerentes com modelos estimados previamente por outros autores. Por exemplo, o consumo

de frutas, legumes, verduras, tubérculos e raízes tendeu aumentar conforme cresceu o

número de membros na família e entre as pessoas com maior escolaridade. Por outro lado,

quando comparado com a região Nordeste, a probabilidade de consumo de açúcares, foi

maior no Norte e menor nas demais regiões do país. Enquanto o consumo de refrigerantes

foi maior para todas as regiões, exceto para o Centro-Oeste.


Tabela 1 – Modelo de lógite: alimentos selecionados

Cereais e
Variável explanatória Frutas Legumes e verduras Tubérculos e raízes Aves e ovos Carne bovina de 1ª Carne bovina de 2ª
leguminosas

Constante −0,4225 * −1,624 * −1,7046 * −2,7259 * 0,9196 * −3,4776 * −2,4069 *


RFPC: Mais de 331,39 a 1.255,75 −0,0375 ns
0,4663 * 0,3660 * 0,3920 * −0,1754 * 0,7007 * 0,0553 **
Mais de 1.255,75 0,0463 ns
0,8611 * 0,5999 * 0,5554 * −0,2377 * 1,0451 * −0,0340 ns

Idade: De 25 a 40 anos 0,0730 ns


0,1128 ** 0,2145 * 0,2612 * −0,101 ** 0,2370 * 0,2240 *
De 40 a 60 anos 0,2456 * 0,4087 * 0,4588 * 0,5824 * −0,2168 * 0,3937 * 0,2652 *
De 60 anos ou mais 0,1311 ** 0,4933 * 0,5074 * 0,6666 * −0,1572 * 0,5252 * 0,2044 *
Urbano −0,0392 ns
0,2541 * 0,1107 * 0,0974 * −0,1605 * 0,2348 * 0,3002 *
Metropolitano −0,0424 *** 0,0720 * −0,0453 *** −0,0172 ns
−0,0466 ** −0,0844 * 0,0003 ns

Tamanho da família: 2 pessoas 0,3890 * 0,4463 * 0,6076 * 0,6682 * −0,5297 * 0,6474 * 0,4479 *
3 pessoas 0,5316 * 0,5899 * 0,8501 * 0,8492 * −0,7153 * 0,9305 * 0,5846 *
4 pessoas 0,6190 * 0,7356 * 1,0460 * 1,0671 * −0,9895 * 1,1433 * 0,8356 *
5 pessoas 0,7157 * 0,8170 * 1,0576 * 1,0806 * −1,1382 * 1,1972 * 0,7733 *
6 pessoas 0,8446 * 0,7194 * 1,1155 * 0,9223 * −1,2036 * 1,1818 * 1,0838 *
7 pessoas 0,7766 * 0,6256 * 1,1846 * 1,1516 * −1,1862 * 1,2050 * 0,7736 *
8 ou mais pessoas 0,9879 * 0,4751 * 1,1341 * 0,9408 * −1,415 * 1,3412 * 0,9714 *
Mulher −0,127 * −0,0100 ns
0,0475 ** 0,0409 ** −0,0209 ns
−0,0656 * −0,0659 *
Cor da pele: Preta 0,0258 ns
−0,1716 * −0,0889 * −0,1393 * 0,1261 * −0,2447 * −0,0581 ns

Parda 0,0246 ns
−0,0969 * −0,0346 *** −0,0731 * 0,0396 *** −0,0925 * 0,0019 ns

Amarela −0,0798 ns
−0,0400 ns
−0,0789 ns
−0,2216 *** 0,4399 * 0,3982 * −0,3559 **
Escolaridade: <1 −0,0521 ns
−0,2489 * −0,1556 * −0,2768 * 0,1217 * −0,0884 *** −0,0789 ***
4a7 −0,0983 * −0,0002 ns
0,0334 ns
0,1483 * −0,00783 ns
0,1558 * −0,0835 **
8 a 10 −0,1004 * 0,0576 ns
0,1045 * 0,2015 * −0,0205 ns
0,2841 * −0,1592 *
11 a 14 −0,3032 * 0,1931 * 0,0800 ** 0,2561 * 0,0683 ** 0,3474 * −0,2406 *
15 ou mais −0,2009 * 0,3702 * 0,1407 * 0,3271 * 0,0616 ns
0,3993 * −0,5211 *
Região: Norte 0,2352 * −0,2713 * 0,0220 ns
−0,3016 * −0,1784 * 0,4616 * 0,5428 *
Sudeste −0,8023 * −0,5489 * −0,2182 * −0,0763 * 0,6605 * −0,0636 ** 0,0771 *
Sul −0,5379 * −0,1918 * 0,0475 ns
0,2218 * 0,4409 * −0,0977 ** 0,3478 *
Centro−Oeste −0,6836 * −0,7171 * −0,3598 * −0,2235 * 0,9038 * −0,044 ns
0,0444 ns

Criança de 0 a 4 anos: 1 ou mais −0,0528 *** 0,2279 * −0,0168 ns


0,1576 * 0,0670 ** −0,1125 * −0,0361 ns

Criança de 5 a 9 anos: 1 ou mais 0,0655 ** 0,0520 ** 0,0049 ns


−0,00422 ns
−0,0135 ns
0,0314 ns
0,0772 *
Criança e adolesc. 10 a 15 anos: 1 ou + −0,0372 ns
−0,0373 ns
−0,0883 * −0,0212 ns
0,0478 ** −0,0357 ns
0,0126 ns

Adolescente 16 a 17 anos: 1 ou mais 0,0228 ns


−0,0465 ns
−0,012 ns
−0,00686 ns
0,0196 ns
−0,0123 ns
−0,0434 ns

Adulto de 30 a 64 anos: 1 ou mais 0,0103 ns


0,0321 ns
0,0832 * 0,0116 ns
−0,0133 ns
−0,0518 ns
−0,0364 ns

Idoso de 64 anos ou mais: 1 ou mais 0,1061 * 0,1922 * 0,1651 * 0,1838 * −0,1352 * 0,0282 ns
0,0911 **
Tabela 1 – continuação

Alimentos
Variável explanatória Panificados Farinhas Macarrão Açúcares Refrigerantes Leite e derivados Óleos e gorduras
preparados

Constante 0,3963 * 1,7469 * −1,5975 * −0,719 * −6,3467 * −0,8683 * −1,6803 * −3,6831 *


RFPC: Mais de 331,39 a 1.255,75 −0,3499 * −0,0295 ns
0,0178 ns
0,1210 * 0,7286 * 0,4117 * 0,0026 ns
0,6097 *
Mais de 1.255,75 −0,4849 * −0,0837 *** 0,0093 ns
0,4736 * 1,4433 * 0,6198 * 0,1015 ** 1,1094 *
Idade: De 25 a 40 anos −0,1500 * −0,0795 ns
0,0317 ns
0,0697 ns
0,1074 ns
0,1419 * 0,1547 ** −0,1419 **
De 40 a 60 anos −0,2210 * −0,2439 * 0,0692 ns
0,1902 * 0,3534 *** 0,2483 * 0,3130 * −0,1549 **
De 60 anos ou mais −0,3253 * −0,1986 ** −0,03 ns
0,1498 * 0,4371 *** 0,2510 * 0,2345 * −0,2157 *
Urbano −0,8914 * 0,1834 * 0,0491 ns
−0,0874 * 0,3430 * 0,3688 * −0,0819 * 0,6620 *
Metropolitano −0,287 * 0,1392 * 0,0202 ns
−0,0973 * 0,1113 *** 0,0534 ** −0,1394 * 0,1392 *
Tamanho da família: 2 pessoas −0,5037 * −0,4566 * 0,3203 * 0,3268 * 0,2173 ** 0,5106 * 0,4463 * 0,3550 *
3 pessoas −0,7805 * −0,5559 * 0,4514 * 0,4841 * 0,3540 * 0,7068 * 0,5488 * 0,4685 *
4 pessoas −0,9787 * −0,8043 * 0,6360 * 0,6263 * 0,5337 * 0,9237 * 0,7517 * 0,5526 *
5 pessoas −1,0255 * −0,8306 * 0,6861 * 0,6953 * 0,5545 * 0,9009 * 0,8028 * 0,6253 *
6 pessoas −1,2153 * −0,9365 * 0,7461 * 0,8376 * 0,3145 ns
1,0634 * 0,9379 * 0,6287 *
7 pessoas −0,9853 * −0,8074 * 0,8472 * 0,6719 * −0,0163 ns
0,8811 * 1,0468 * 0,4361 *
8 ou mais −1,0525 * −1,1404 * 0,9812 * 0,9014 * 0,2165 ns
1,0670 * 1,1155 * 0,3593 *
Mulher −0,0396 ns
0,0144 ns
−0,0304 ns
−0,0468 ** 0,1182 *** 0,0453 ** −0,115 * −0,0308 ns

Cor da pele: Preta 0,0341 ns


−0,0891 ** −0,1246 * −0,1061 * 0,0105 ns
−0,185 * 0,0279 ns
−0,2067 *
Parda 0,0218 ns
−0,032 ns
−0,00974 ns
−0,0451 ** −0,404 * −0,1228 * 0,0040 ns
−0,1196 *
Amarela 0,0638 ns
−0,0902 ns
0,0677 ns
0,0271 ns
−0,5355 *** −0,1592 ns
0,0745 ns
0,2861 **
Escolaridade: <1 0,2943 * 0,0670 ns
−0,0968 ** −0,0402 ns
−0,4123 ** −0,2442 * −0,0589 ns
−0,0293 ns

4a7 −0,1478 * 0,1020 * −0,0839 ** −0,0475 ns


−0,0777 ns
0,0857 * −0,0253 ns
0,2693 *
8 a 10 −0,3891 * 0,1922 * −0,1299 * −0,00752 ns
0,2824 ** 0,1984 * −0,1058 * 0,4628 *
11 a 14 −0,2784 * 0,3034 * −0,2196 * −0,0232 ns
0,7834 * 0,1736 * −0,2392 * 0,5138 *
15 ou mais −0,1535 * 0,4449 * −0,1683 * 0,1898 * 1,1587 * 0,3358 * −0,2057 * 0,8244 *
Região: Norte 0,3454 * −0,7503 * 0,1120 * 0,0323 ns
0,0050 ns
0,0354 ns
0,2604 * 0,2793 *
Sudeste 0,4991 * 0,8242 * −0,4312 * −0,5404 * 0,6064 * −0,2292 * −0,2903 * 0,1793 *
Sul 0,6342 * 0,4263 * −0,1427 * −0,1087 * 0,6705 * 0,1431 * −0,0302 ns
0,4185 *
Centro−Oeste 1,2188 * 0,9466 * −0,6324 * −0,7489 * −0,342 ** −0,4564 * −0,2492 * −0,1692 *
Criança de 0 a 4 anos: 1 ou mais −0,0876 ** 0,1031 * −0,0092 ns
0,1434 * −0,2755 * 0,3399 * −0,1428 * 0,1412 *
Criança de 5 a 9 anos: 1 ou mais −0,2351 * −0,0317 ns
0,0531 *** 0,1660 * −0,1912 ** 0,1263 * 0,0429 ns
0,0976 *
Criança e adolesc.10 a 15 anos: 1 ou + −0,1303 * 0,0169 ns
0,0242 ns
0,0804 * −0,2215 * −0,00889 ns
−0,0307 ns
0,1672 *
Adolescente 16 a 17 anos: 1 ou mais −0,0156 ns
−0,1022 * 0,0377 ns
0,0541 *** −0,3828 * −0,00967 ns
0,0599 *** 0,1233 *
Adulto de 30 a 64 anos: 1 ou mais 0,0438 ns
−0,0732 *** 0,0281 ns
0,0110 ns
0,2230 ** −0,0327 ns
0,0258 ns
−0,0748 ***
Idoso de 64 anos ou mais: 1 ou mais 0,0177 ns
−0,1566 * 0,0384 ns
0,0589 *** 0,1421 ns
0,0752 ** 0,0594 ns
−0,1342 *
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos microdados da POF.
Os coeficientes podem ser significativos a 1% (*), 5% (**) e 10% (***) ou não significativos (ns)
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A qualidade dietética e nutricional dos indivíduos tem sido debatida no meio acadêmico.

Não obstante, conhecer os hábitos alimentares das famílias com menor faixa de renda possibilita

a formulação de políticas públicas, a fim de melhorar o tipo de calorias ingeridas. Este artigo

contribuiu por apresentar a probabilidade de consumo de alguns tipos de alimentos, entre

diferentes classes sociais no Brasil, por meio dos dados da POF 2008-2009.

Por meio de um modelo lógite, verificou-se que os pobres tendem comer menos frutas,

legumes, verduras, tubérculos e raízes quando comparados com as classes média e alta. Por

outro lado, foi possível observar maior consumo de aves, ovos e carne bovina de segunda. Este

resultado demonstra a importância de políticas públicas que proporcionem a melhor

distribuição de alimentos frescos e com maior valor nutricional.

Outro resultado importante foi o aumento do consumo de alimentos como açúcares,

refrigerantes, óleos, gorduras e alimentos processados pelas classes de renda mais alta. Isto traz

uma nova discussão para o debate nutricional no Brasil, a fim de compreender a decisão

alimentar não só dos pobres, mas também das classes sociais mais abastadas. Este pode ser um

importante apontamento que exija estudos futuros mais aprofundados, a fim de contribuir para

a formulação de novas políticas públicas.

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POPULAÇÃO JOVEM EM DOMICÍLIO RURAL: CONSIDERAÇÕES
RELACIONADAS AOS PERCALÇOS E FACTILIDADES QUE ENVOLVEM
ESTA SEARA

Rúbia Silene Alegre Ferreira1


Antonio Geraldo Harb2
Marklea da Cunha Ferst3
Helen Rita Menezes Coutinho4
Alessandra Coelho de Castro5

RESUMO
O presente trabalho faz uma abordagem a respeito da população residente em domicílio
rural nas grandes regiões do país, no Estado do Amazonas e na Região Metropolitana de
Manaus (RMM). Faz as observações com base nos dados dos Censos de 1970 a 2010
(IBGE). Os resultados são incisivos em demonstrar que a população nestas áreas reduziu-
se substancialmente nos períodos estudados por pelo menos duas razões: primeira, em
função da redução da fecundidade e segunda por ausência de motivações que firmem esta
população nestas áreas, fator que se agrava dependendo de fatores locacionais e
geográficos.

Palavras-chave: Jovens, domicílio rural.

1
Doutoranda em Economia pela Universidade Católica de Brasília (UCB) – rubia.alegre.melo@gmail.com
2
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) gharb@ig.com.br
3
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná – mcferst@gmail.com
4
Doutorado em Educação pela Universidad de La Empresa (UDE)
5
Graduanda em Artes pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
1. INTRODUÇÃO

Qual a imagem que hoje ainda se faz a respeito do domicílio rural? O que

exatamente se pensa e se reproduz a respeito de morar em áreas afastadas do que se

constitui como “evoluído”, “moderno”? Em que medida pode-se atribuir um peso a

perguntas desta natureza? Em termos etários, essa questão pode apresentar dimensões

significativas?

Relacionado a população jovem, esse problema concreto chega a ser o resultado de

fatores significativos que favoreçam ou não a permanência desta população em áreas

rurais, tais como: suprimento das demandas da vida escolar desde as séries iniciais e sua

continuidade em níveis básicos e superior; atendimento das necessidades de lazer, e de

tantas outras formas de ocupação que rodeiam e fazem parte da vida das pessoas.

Nesta perspectiva, Stropasolas, (2014), discute que é fundamental se problematizar

a formulação desses discursos em relação às representações cristalizadas do que seja o

rural ou urbano, na medida em que se verifica, cada vez mais, desmistificação das

vantagens associadas às cidades, sobretudo pelas experiências advindas dos jovens

migrantes, que informam o que se passa nesse espaço da sociedade aos seus pares que

residem nas comunidades rurais, ou mesmo pelas informações veiculadas nos meios de

comunicação, que colocam em relevo os problemas enfrentados por quem reside nos

centros urbanos.

A realidade vivenciada pelas populações rurais tem demonstrado que por vezes, os

esforços e a boa vontade destas, findam por sucumbir diante das dificuldades e desafios

que são pertinentes a estas áreas em função de se sentirem desassistidas em relação às

políticas públicas. Não obstante, exemplos de casos concretos tem demonstrado que em

uma época tão bem servida de evolução tecnológica, há possibilidades de se elevar o bem

estar social nestas localidades.


Assim, o presente trabalho apresenta a seguinte estrutura: além desta introdução,

faz uma abordagem relacionada a alguns outros enfoques já existentes relacionados a

população jovem residente em áreas rurais do Brasil. Verifica-se nestes que a relação ou o

aporte das políticas públicas tem sido determinante para expandir as melhorias diversas

que se fazem necessárias à vida das pessoais. Em seguida, ainda na revisão da literatura,

aponta o que se tem pontuado nos trabalhos de Von Thunen, enquanto um dos teóricos que

discorreu sobre a participação da produção na área rural e sua importância em termos

relativos voltados para a valorização da terra e como supridora das alimentação da

população que reside na cidade.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2. 1 Jovens do campo, das águas ou das florestas: considerações a respeito das

políticas públicas voltadas para a seara rural brasileira.

Os estudos brasileiros sobre a temática juventude são relativamente recentes.

Atualmente, essa categoria vem ocupando espaços no debate contemporâneo no âmbito

acadêmico, na esfera governamental e na sociedade civil organizada. Todavia, ela ainda é

uma categoria que requer atenção, não apenas porque se trata de uma categoria fluida, mas

também porque a produção acadêmica existente é limitada à juventude urbana,

principalmente das grandes metrópoles brasileiras. Quando se trata da juventude rural

brasileira, é menos conhecida ainda, segundo Trindade (2015).

Nessas últimas décadas, de acordo com Stropasolas, (2014) a sociedade organizada

através de movimentos sociais rurais, sindicatos, ONGs, com apoio de intelectuais,

técnicos, pesquisadores, etc., mobilizaram-se a partir de uma unidade de ações visando

conquistar políticas sociais e econômicas para as populações rurais e camponesas.


A migração ou o êxodo rural, tão discutido no país, tem em suas bases em questões

desta natureza, que de alguma forma exercem influência significativa para a população

jovem no momento em que pensa a respeito de seu futuro, considerando as bases

disponíveis para dar uma garantia.

Assim, tem-se ampliado certo conceitos como rural, agricultura familiar, camponês,

desenvolvimento sustentável, juventude rural, são (re)construídos para pensar e abordar as

problemáticas sociais rurais e propor mudanças, políticas, projetos, etc. Programas como o

Pronaf, o Pronacampo e, mais recentemente, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica são ilustrativos desse processo. Assim, concepções teóricas e intervenções no

cotidiano buscaram (e ainda buscam) abarcar e representar a diversidade de categorias

sociais e suas demandas represadas ao longo da história da agricultura brasileira6.

Entretanto, hoje, no Brasil, o debate sobre tais categorias não pode se esquecer de

situar como marco histórico o processo de modernização do campo, que se intensificou a

partir de 1960, momento em que as relações entre campo e cidade se tornaram mais

intensas, tanto no que se refere às relações sociais, como às atividades econômicas

desenvolvidas. Nesse contexto, de forma gradual, a abordagem da relação cidade-campo

ganhou atenção como foco de interesse dos pesquisadores da questão agrária brasileira7.

2.2 A importância da produção rural para o abastecimento da cidade: uma

abordagem na teoria de Von Thunen.

A geografia econômica – ou economia geográfica – busca explicar por que as atividades

econômicas optam por se estabelecer em determinados lugares, com o resultado de que em alguns

lugares algumas têm mais sucesso que outras, (THISSE, 2011).

6
Stropasolas (2014)
7
Trindade (2015)
Para Mesquita (1978), uma correta e mais profunda compreensão do conteúdo

econômico da organização espacial da atividade agrária faz-se necessária para uma perspectiva

de construção de uma teoria mais abrangente de localização em agricultura.

Embora o uso genérico do termo aglomeração econômica seja adequado num determinado

nível de abstração, deve-se ter em mente que este conceito diz respeito a situações muito distintas

no mundo real. Num extremo do espectro está a divisão Norte-Sul. No outro, a aglomeração surge

quando restaurantes, cinemas ou lojas que vendem produtos similares se agrupam dentro do mesmo

bairro, ou até na mesma rua. O que distingue os vários tipos de aglomeração é a escala espacial, ou

a unidade de referência espacial escolhida na condução da pesquisa, da mesma forma que existem

tipos diferentes de agregação de agentes econômicos. Embora existam muitas diferenças nos

detalhes, um princípio fundamental é válido, independentemente da escala de análise escolhida: o

surgimento de aglomerações econômicas está vinculado ao surgimento das desigualdades entre

lugares8.

Desta forma, a importância relativa da população rural no sentido de prover à população

urbana de alimentação é um dos pressupostos de se dar base à esta importante atividade. Assim, a

produção teoria da economia regional é abordada nesta seção, no sentido de demonstrar que em

países ricos como a Alemanha essa área foi inicialmente pensada a partir de uma perspectiva

relacionada às atividades produtivas da área rural, como as ideias vonthunianas, que debruçam-se

sobre esta premissa.

O Estado isolado em sua relação com a agricultura e a economia nacional, do

agricultor prático e economista prussiano Johann Heinrich von Thünen, é o trabalho

inaugural na história da teoria dos lugares centrais. Publicado pela primeira vez em 1826,

trata-se do primeiro estudo que procura explicar, de uma perspectiva nomotético-

racionalista, a ordem espacial da produção agrícola, (CABRAL, 2011).

8
Thisse (2011).
O modelo de Von Thünen é um modelo clássico de localização em agricultura. O

exame da literatura existente sobre o enfoque locacional em estudos agrários mostra que,

embora concebido há um século e meio, é esse modelo até hoje empregado para a análise

dos padrões de uso agrário da terra e de intensidade da agricultura em torno das cidades. A

formulação desse modelo de localização das atividades agrárias surgiu a partir de duas

questões fundamentais enunciadas por Von Thünen no capítulo 2 de sua obra (1),

referentes aos padrões de cultivo que se formariam em torno das cidades e ao modo pelo

qual os sistemas agrários seriam afetados pela distância da cidade. Para resposta a essas

questões desenvolveu um método de análise que consiste em manter uniforme a maioria

dos fatores responsáveis pela localização da produção agrícola para isolar a operação de

um só fator. No prefácio da edição de 1842 (2), Von Thünen considerou seu método de

análise o mais importante aspecto contido em toda a sua obra, (MESQUITA, 1978).

Figura 1: Von Thunen (1826) – O Estado Isolado. In: Thisse, (2011)

O modelo de Von Thunen refere-se a localização agrícola. O autor considera um

centro de mercado e uma região agrícola homogênea e isotrópica (que apresenta as mesma
propriedades independentemente da direção) que o circunda. Por meio desse pressuposto

procura explicar o padrão de distribuição das atividades agrícolas, (CLEMENTE e

HIGACHI, 2000).

Conforme sua teoria, idealiza um Estado sem contato com o exterior, cuja atividade

é apenas interna. Assim, em seus anéis, há a demonstração de que esse Estado se divide em

círculos concêntricos, tendo como principal consumidor, uma grande cidade, que absorve a

produção agrícola.

Os anéis9:
 No primeiro, estão verduras, legumes e frutas;
 No segundo, lenha (numa primeira subzona) e madeira de construção (na segunda
subzona);
 No terceiro, um sistema de rodízio entre cereais e tubérculos, com adubação uma
vez por ano;
 No quarto, um sistema de rodízio entre cereais e pastos com pousio;
 No quinto, os mesmos produtos em um sistema de três campos – um com os
cultivos de inverno (trigo ou centeio), outro com os de primavera (cevada ou aveia)
e o terceiro em pousio; e,
 No sexto anel, pecuária extensiva de corte e leiteira. Neste, também seriam
produzidos alguns manufaturados, como laticínios, óleos vegetais, fumo e linho
que, em razão do alto valor agregado por unidade de volume, suportariam
distâncias maiores.

A contribuição de Von Thünen nessa seara possibilitou a inserção de variáveis

importantes na questão espacial, uma vez que economicamente os preços se formam,

também, relativamente a partir da localização de dadas áreas onde o comércio se

estabelece.

As principais argumentações do Modelo de Thunen:

9
In Cabral (2011) apud (Waibel, 1948)
 Há apenas um mercado disponível, auto suficiente sem influência externa.
 Todos os agricultores estão orientados para este mercado e para tanto
produzem bens para este fim.
 O ambiente físico é uniforme (plano), não há desníveis.
 Todos os pontos relacionados no modelo, apresentam distâncias e
acessibilidade iguais a esse mercado.
 Desta forma, há o esforço coletivo dos agricultores para promoverem a
maximização dos lucros.

O produto disponibilizado, evidentemente, segue a exigência do mercado Alemão.

Von Thünen conferiu ao seu modelo acentuado conteúdo empírico, pois, preocupado em

encontrar o sistema mais recompensador de conduzir uma empresa agrícola e em descobrir

as leis que governam o preço dos produtos agrícolas e as leis pelas quais as variações de

preço são traduzidas nos padrões de uso da terra e nos sistemas agrários, usou a sua

experiência pessoal de economista e proprietário agrícola no norte da Alemanha,

(MESQUITA, 1978).

Assim, para Cabral (2011), o gradiente de custo de transporte cria uma variação de

renda da terra, isto é, de produto líquido: quanto mais longe da cidade, menor esse

produto. Essa curva descendente afeta o uso da terra em duas dimensões: quanto ao

sistema de cultivo e quanto aos gêneros que são cultivados. Estes são, em larga medida,

objetos de estudo diferentes – embora certamente interdependentes –, na obra de Thünen.

Outros autores desenvolveram teorias relacionadas não exatamente preso à questão

da produção rural, mas que também são de relevante peso na análise de questões que

abordam a teoria da economia regional. No diagrama a seguir apresenta-se o principais

deles:
Figura 2: Principais teorias em economia regional. In: Monastério e Cavalcante (2011).

De significativa importância, além da contribuição teórica da economia regional,

tem sido a dos avanços legislativos nesta seara, como por exemplo o da Lei da Agricultura

familiar Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a

formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos familiares

rurais. Assim, agricultor familiar é aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo,

simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4


(quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria
família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento;
III - tenha renda familiar predominantemente originada de
atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento
ou empreendimento;
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua
família.
Economicamente, a ativa atuação da políticas públicas no sentido de reduzir as
diferenças regionais, em todos os seus desníveis, surge como uma das pontas de lança que
ajustam as desigualdades, ou pelo menos ajudam a minimizá-las.

De acordo com a Legislação sobre a Agricultura Familiar (2016), a agricultura

familiar respondia no Censo de 2006 por 30% das receitas dos estabelecimentos

agropecuários brasileiros. Essa participação menor nas receitas em parte é explicada

porque apenas 3 milhões (69%) dos produtores familiares declararam ter obtido alguma

receita no seu estabelecimento durante o ano de 2006, ou seja, quase 1/3 da agricultura

familiar declarou não ter obtido receita naquele ano.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para dar resposta ao objetivo proposto no presente trabalho, fez-se uso dos dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos dados do Censo. O foco na

presente abordagem intenciona verificar em que medida a população jovem tem sofrido

mutações significativas na área rural, nas Grandes Regiões do País.

Em segundo plano, faz-se essa verificação relacionada ao Estado do Amazonas e da

Região Metropolitana de Manaus (RMM), no sentido de se perceber mutações

significativas ou se há uma manutenção do ritmo da população jovem rural do País.

Paralelo a essa questão, verifica-se ainda a evolução de políticas públicas voltadas

para o campo, que nesta seara jogam um papel importante, uma vez que as demandas

populacionais, quando não são supridas em determinadas áreas, promove fatores de

expulsão para esta população. Assim, faz-se uma apreciação na evolução das leis que de

certa forma, atuam como motivadores desta permanência ou não evasão populacional das

áreas rurais.
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção se faz a discussão dos resultados obtidos por meio dos dados, no

sentido de dar resposta ao objetivo proposto neste trabalho. Assim, no item a seguir

verifica-se as mutações demográficas ocorridas no campo em um período de 40 anos. A

faixa etária considerada nesta investigação concentra uma população jovem em 04 grupos

etários.

4.1 A população jovem na área rural: Brasil e Grandes Regiões

Os dados apontam que (tabela 1) a população jovem no Brasil, em termos

percentuais sofreu significativa redução em volume. No grupo de 0 a 4 anos, percebe-se

que de 14,94% em 1970, reduz-se para 7,24% em 2010. No segundo grupo etário (5 a 9),

proporcionalmente em nível próximo ao do primeiro (de 14,34% para 7,85%) se dá a

redução. Da mesma forma, nos dois últimos grupos (10 a 14 e 15 a 19), porém de forma

mais moderada. Esta redução de número de crianças é decorrente da redução da

fecundidade que se intensifica no país a partir do ano 2000.

Percentual da população residente em área rural no Brasil


Grupo de idade = 0 a 19 anos

Situação do domicílio Grupo de idade Ano


1970 1980 1991 2000 2010
Total 0 a 4 anos 14,94 13,80 11,25 9,65 7,24
5 a 9 anos 14,34 12,41 11,86 9,76 7,85
10 a 14 anos 12,72 11,98 11,61 10,22 9,00
15 a 19 anos 11,08 11,40 10,23 10,57 8,90
Rural 0 a 4 anos 7,61 5,20 3,27 2,14 1,31
5 a 9 anos 6,89 4,73 3,38 2,23 1,48
10 a 14 anos 5,87 4,35 3,18 2,26 1,68
15 a 19 anos 4,87 3,65 2,63 2,09 1,55
Tabela 1: Percentual da população residente em área rural no Brasil
Fonte: IBGE
No contexto rural, essa redução é sistematicamente mais percebida nas quatro

faixas etárias observadas. Consequência tanto da redução da fecundidade, quanto da

redução populacional jovem nestas áreas.

Percentual da população residente em área rural no Brasil


Grupo de idade = 0 a 4 anos
Grande Região Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Norte 17,77 17,83 14,26 12,74 9,80
Nordeste 16,92 15,86 12,77 10,60 7,98
Sudeste 13,04 12,31 9,98 8,72 6,46
Sul 15,04 12,42 10,48 8,83 6,44
Centro-Oeste 16,59 14,89 11,48 9,82 7,56
Tabela 2: Percentual da população residente em área rural no Brasil
Fonte: IBGE

Percentual da população residente em área rural no Brasil


Grupo de idade = 5 a 9 anos
Grande Região Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Norte 15,57 15,09 14,61 12,46 10,34
Nordeste 15,30 14,13 13,55 10,78 8,72
Sudeste 13,29 11,04 10,63 8,75 7,03
Sul 14,64 11,76 10,85 9,24 7,04
Centro-Oeste 15,37 13,41 11,93 9,98 8,00
Tabela 3: Percentual da população residente em área rural no Brasil
Fonte: IBGE

A distribuição regional da população rural jovem apresenta-se de forma bem

diversificada. Na tabela 2 a observação reside na população com idade entre 0 a 4 anos.

Assim, o menor volume de crianças residente nestas áreas pertence à região Sudeste,

seguida da região Sul.

A região Sul do Brasil é a mais dinâmica e produtiva, obtendo os melhores

indicadores de desenvolvimento econômico, o que requer base institucional e tecnológica

adequada constituída no decorrer do tempo. O mesmo ambiente produtivo com condições

favoráveis às inovações não se verifica no Nordeste. É preciso melhor entender a

heterogeneidade estrutural da agricultura familiar para propor soluções de produção


inclusiva, o que pode beneficiar regiões mais atrasadas nesse processo, conforme Vieira

Filho e Fishlow, (2017).

As crianças de 5 a 9 anos em áreas rurais, no período dos 40 anos observados,

mostram-se em proporções maiores nas grandes regiões. No entanto, de modo semelhante

ao da faixa etária anterior, as maiores proporções encontram-se na região Norte do país.

Percentual da população residente em área rural no Brasil


Grupo de idade = 10 a 14 anos
Grande Região Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Norte 13,49 13,14 13,67 12,08 11,07
Nordeste 12,96 13,38 13,09 11,62 9,88
Sudeste 12,30 10,77 10,60 9,23 8,24
Sul 13,04 12,05 10,59 9,46 8,36
Centro-Oeste 13,14 12,70 11,87 10,12 8,92
Tabela 4: Percentual da população residente em área rural no Brasil
Fonte: IBGE

Percentual da população residente em área rural no Brasil


Grupo de idade = 15 a 19 anos
Grande Região Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Norte 11,45 11,18 11,36 11,81 10,37
Nordeste 11,03 11,56 11,19 11,67 9,68
Sudeste 10,95 11,08 9,51 9,88 8,20
Sul 11,34 11,90 9,62 9,77 8,58
Centro-Oeste 11,32 11,80 10,89 10,62 8,99
Tabela 5: Percentual da população residente em área rural no Brasil
Fonte: IBGE

A população de 10 a 14 anos e de 15 a 19 proporcionalmente são em volumes

maiores o que denota questões como: já podem ser incluídas de certa forma como força de

trabalho no desenvolver das atividades agrícolas; de certa forma nestas localidades existe

oferta que atende às necessidades escolares; ou por estarem ainda sob a tutela dos pais, o

que reduz a autonomia de uma migração para as áreas urbanas. As maiores proporções são

das regiões Norte e Nordeste.


As duas regiões na realidade são as que apresentam as maiores concentrações

populacionais residentes em áreas rurais, considerando todas as faixas etárias: Norte,

26,45%; Nordeste, 26,86%; Sudeste, 7,05%; Sul, 15,06% e Centro-Oeste 11,21%,

conforme Censo de 2010.

4.2 A população jovem na área rural do Amazonas e da RMM.


Dos Estados da região Norte, o Amazonas é o que possui o menor nível de conexão

por meio de estradas com o restante do país. A principal estrada que liga o Estado aos

demais, a BR 319, ainda é extremamente necessitada de reparos estruturais em toda a sua

extensão e é causa de diversos impedimentos ambientais. A mobilidade no Estado se dá

por meio das águas.

No Amazonas as estradas são rios. No entanto há ainda a necessidade de

investimentos no setor, o que aliado às grandes distancias entre os municípios, findam por

causar um isolamento significativo. Escoar produção rural nestas condições torna-se

sobremodo desmotivador para os que pouco produzem no Estado.

Percentual da população residente - População total


Grupo de idade
Grupo de idade Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Amazonas 0 a 4 anos 18,07 18,67 14,31 13,79 10,66
5 a 9 anos 16,03 15,40 15,20 13,18 11,03
10 a 14 anos 13,75 13,10 14,25 12,02 11,50
15 a 19 anos 11,51 11,23 11,53 11,86 10,47
Manaus – RMM 0 a 4 anos - - - - 9,29
5 a 9 anos - - - - 9,60
10 a 14 anos - - - - 10,39
15 a 19 anos - - - - 9,89
Tabela 7: Percentual da população residente no Amazonas e RMM
Fonte: IBGE

Observando-se os dados da tabela 7 verifica-se que, em todas as faixas etárias, um

volume superior a 10%, inclusive na idade entre 15 a 19 anos. Na RMM esse volume é
bem menor, com o maior percentual para a faixa etária entre 10 e 14 anos (10,39%). São

dados da população total.

Percentual da população residente - População Rural


Grupo de idade
Grupo de idade Ano
1970 1980 1991 2000 2010
Amazonas 0 a 4 anos 11,06 8,18 4,90 4,27 2,89
5 a 9 anos 9,52 6,80 5,05 4,22 2,95
10 a 14 anos 7,87 5,46 4,27 3,36 2,83
15 a 19 anos 6,34 4,13 3,04 2,78 2,22
Manaus – RMM 0 a 4 anos - - - - 0,70
5 a 9 anos - - - - 0,78
10 a 14 anos - - - - 0,80
15 a 19 anos - - - - 0,63
Tabela 8: Percentual da população residente em área rural no Amazonas e RMM
Fonte: IBGE

A população do total do Amazonas no Censo de 2010 era de 3.483.985 habitantes e

a proporção desta em domicílio rural era de 20,92%. Assim, por meio da tabela 8, em

termos etários, essa proporção sofre redução significativa no decorrer destes anos

avaliados. Consequência não apenas da queda da fecundidade, mas também do êxodo rural

que ainda é muito forte no Estado do Amazonas, em função de ter-se ainda necessidades

sérias a serem supridas nas áreas urbanas destes municípios, o que pode nos fazer refletir a

respeito de “como” se dá o suprimento destas necessidades em áreas rurais.

5. CONCLUSÃO
Por meio dos postulados da teoria de Von Thunen é possível se verificar que a

resposta para muitas das demandas populacionais da cidade, podem surgir das áreas rurais.

A produção rural em diversas áreas do Brasil tem sido a principal fonte de abastecimento

de alimento, uma vez que comer, é uma necessidade vital.


Quanto mais estruturada a cadeia produtiva, mais fácil se dá o transbordamento do

conhecimento, que será captado pelos agentes produtivos, segundo Viera Filho e Fishlow,

(2017). Em regiões mais desenvolvidas, tem-se uma maior eficiência no uso dos recursos

disponíveis, gerando maior produtividade da terra e/ou do trabalho, associada a menores

custos produtivos.

Nas 4 macrorregiões: Sudeste, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, o escoamento da

produção não se configura como uma problemática, uma vez que de fato, o ambiente físico

não é penalizado pela ausência de estradas que possibilitem o escoamento produzido pelas

famílias agricultoras. O mesmo não pode ser afirmado para a região Norte, sobretudo para

o Amazonas, que é o Estado mais isolado dos sete que formam a região.

Desta forma, ao se considerar que a população jovem que reside nas áreas rurais

pode ser a geração que pode dar continuidade às diversas e significativas contribuições que

estas áreas podem proporcionar às cidades, torna-se relevante a promoção de

fortalecimento das demandas desta faixa etária nas áreas rurais.

Nessa perspectiva, conforme Stropasolas (2014), torna-se desafio nada desprezível

conceber e implementar políticas públicas para as juventudes do campo, das florestas e das

águas que não impliquem classificações ou vieses políticos reproduzindo ou criando novas

hierarquizações, exclusões ou assimetrias de poder em territórios, famílias, comunidades e

entidades em que se inserem as populações de jovens. Os mecanismos de unificação de

categorias sociais por parte do Estado, que não deixam de ser resultantes também de

iniciativas da sociedade civil visando aglutinar forças e lutar por conquistas sociais e

políticas (como foi o caso da categoria agricultura familiar e a consolidação do Pronaf),

como instrumento de planejamento, normatização e gestão de políticas públicas, devem ser

problematizados ao se pensar políticas para os diversos públicos que integram a categoria

juventude rural.
REFERENCIAS

CABRAIL, Diogo de Carvalho. Von Thünen e o abastecimento madeireiro de centros


urbanos pré-industriais. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 405-427,
jul./dez. 2011.

CLEMENTE, Ademir; HIGACHI, Hermes. Economia e desenvolvimento regional. São


Paulo: Atlas, 2000.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Demográficos.

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leis e decretos relacionados a agricultura familiar / Câmara dos Deputados. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2016.

MONASTÉRIO, Leonardo. CAVALCANTE, Luís Ricardo. Fundamentos do


pensamento econômico regional. In: Economia regional e urbana: teorias e métodos com
ênfase no Brasil / organizadores: Bruno de Oliveira Cruz ... [et al.].- Brasília : Ipea, 2011.

STROPASOLAS, Valmir Luiz. A dimensão da diversidade social na concepção de


políticas Públicas para a juventude rural. In: Juventude Rural e Políticas Públicas no
Brasil. / organizadores: Marilda Aparecida de Menezes ... [et al.].- Coleção Juventude -
Série Estudos, n.1 – Brasília, 2014.

STROPASOLAS, V. L. O mundo rural no horizonte dos jovens. Florianópolis: Ed. da


UFSC, 2006.

TISSE, Jacques-François. Geografia Econômica. In: Economia regional e urbana: teorias


e métodos com ênfase no Brasil / organizadores: Bruno de Oliveira Cruz ... [et al.].-
Brasília : Ipea, 2011.

VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro; FISHLOW, Albert. Agricultura e indústria no


Brasil: inovação e competitividade – Brasília: Ipea, 2017.

MESQUITA, Olindina Viana. O modelo de Von Thunen: uma discussão. Revista


Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, 40 (2): 60-130, abr./jun. 1978.

TRINDADE, Domingos Rodrigues da. Constituição social do ser jovem camponês no


contexto de assentamentos da Reforma Agrária na microrregião Guanambi, Bahia.
Universidade de Brasília (UNB). Faculdade de Educação. Tese de Doutorado, 2015.
EIXO 8
A questão urbana e
regional no processo de
desenvolvimento
A alienação dos imóveis rurais da União no Distrito Federal sob a ótica da Lei

nº 13.465/2017

Flávia Pedrosa Pereira


Instituições:
Superintendência do Patrimônio da União no Distrito Federal (SPU/DF) - Servidora Pública
Federal – Arquiteta.
Universidade de Brasília - doutoranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UnB.
Endereço eletrônico: flaviapereira09@gmail.com; flavia.pereira@planejamento.gov.br

Resumo

A União é proprietária de cerca de 40.000 (quarenta mil) hectares de terras públicas rurais

altamente valorizadas no Distrito Federal, o que corresponde a 7% do território do DF. Com

a investigação procura-se compreender as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017,

que se originou da MP 759/2016, em relação aos procedimentos para alienação dos imóveis

rurais da União e suas possíveis consequências. A importância da abordagem consiste em

fomentar uma discussão sobre a relevância dos bens públicos pertencentes à União, as atuais

formas de destinação, as receitas públicas geradas ou não, as peculiaridades das terras

públicas rurais no Distrito Federal; e os valores definidos para sua alienação. Para isso

realizou-se revisão da legislação específica e elaboraram-se mapas temáticos utilizando o

software Quantum Gis. Conclui-se que as maiores modificações introduzidas pela Lei nº

13.465/2017, no que diz respeito à alienação dos imóveis rurais da União, foram a definição

de regras para avaliação e a necessidade de edição futura de Portaria, que definirá os bens

que interessam alienar e os procedimentos a serem seguidos. Nesse sentido, há que se

dedicar especial atenção às definições que virão, tendo em vista a terra urbana e rural no

Brasil serem alvo de crescentes disputas que desafiam o cumprimento da função social.

Palavras-chave: legislação urbanística, imóveis da União, mapas temáticos.


1. Introdução

No Brasil, o passivo decorrente das desigualdades na ocupação das terras tem

demandado iniciativas do poder público, a nível federal e local, que se configuram em

avanços e retrocessos em termos de políticas públicas voltadas a questões urbanas e

fundiárias.

Pode-se afirmar que, com a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade (Lei

nº 10.257/2001) e demais leis e decretos que vieram na sequência com o intuito de

regulamentação, houve, em diferentes intensidades ao longo dos últimos 25 anos, a

ampliação do acesso à moradia, o aumento das instâncias participativas, a elaboração de

planos a nível local, programas de urbanização de favelas, a ampliação das infraestruturas

urbanas, a utilização de instrumentos urbanísticos e a implantação de programas e projetos

de regularização fundiária, em terras públicas e particulares.

Apesar dos citados avanços, diante de problemas estruturais presentes nos

municípios brasileiros, em termos de acesso à terra e a moradia com infraestrutura, e a

entraves de natureza política, jurídica e administrativa que persistem ou até mesmo se

agravam, tem-se que os desafios persistem em todas as unidades da federação.

Nesse contexto, o Distrito Federal (DF) apresenta questões peculiares no que se

refere ao uso e ocupação do solo, e isso se deve à própria configuração territorial originária

do período da sua criação. Corresponde a um quadrilátero com 5.783 Km², formado por

áreas anteriormente pertencentes ao estado de Goiás. Cerca da metade desse território foi

desapropriado, e o poder público passou a deter o domínio da gestão fundiária. Assim se

formou a capital federal no plano piloto e seu entorno, com cidades satélites, núcleos

urbanos e áreas rurais.

A ocupação e o parcelamento irregular do solo, em desconformidade com a

legislação urbanística local, estão entre os principais problemas enfrentados pelas iniciativas
de ordenamento territorial no Distrito Federal, que tem variado de foco e características de

acordo com a gestão governamental e o desenvolvimento ou não de políticas públicas

específicas.

A SPU (Secretaria do Patrimônio da União) é o órgão ligado ao Ministério do

Planejamento, Desenvolvimento e Gestão legalmente imbuído de administrar, fiscalizar e

outorgar a utilização, nos regimes e condições permitidos em lei, dos imóveis da União.

Atualmente, as áreas rurais localizadas no Distrito Federal, que pertencem e são

administradas pela União, através da Superintendência do Patrimônio da União no Distrito

Federal, ocupam cerca de 40.000 (quarenta mil) hectares, ou 400(quatrocentos) Km², o que

corresponde a 7% do território do DF.

Com a presente investigação procura-se compreender as alterações propostas pela

Lei nº 13.465/2017, no que se refere aos procedimentos para alienação dos imóveis rurais

da União no Distrito Federal, e suas possíveis consequências. A importância da abordagem

consiste em fomentar uma discussão sobre a relevância dos bens públicos pertencentes à

União, as atuais formas de destinação, as receitas públicas geradas ou não, as peculiaridades

das terras públicas rurais no Distrito Federal; e os valores definidos para sua alienação.

É um tema que apresenta relevância do ponto de vista social e para a consecução de

políticas públicas, tendo em vista a possibilidade de afetar os usos e destinações atuais dos

imóveis em comento, muito dos quais voltados à produção agrícola e a criação de animais

em pequena escala. Ademais, a necessidade de preservação das características enquanto

imóveis rurais para a proteção ao meio ambiente, sobretudo aos recursos hídricos; e da

reserva de terras públicas para viabilizar iniciativas governamentais sem que seja necessário

o desembolso de somas vultuosas para desapropriações, reforçam a importância da

investigação.
Assim, parte-se do pressuposto que as terras rurais da União são uma importante

reserva de terras para a consecução de políticas públicas no Distrito Federal, que muitos se

localizam em áreas ambientalmente protegidas, ou próximos a estas, e que procedimentos

que visem sua alienação devem ser conduzidos de maneira a garantir suas características

enquanto imóveis rurais, com aproveitamento nesse sentido, garantindo a permanência de

pequenos produtores e procurando evitar a especulação imobiliária e a concentração de

terras.

Alguns questionamentos orientam o debate como, por exemplo: é importante manter

uma reserva de imóveis públicos no Distrito Federal? Quanto esses imóveis geram de receita

pública e quanto poderiam gerar? Na sequência realiza-se uma comparação entre os

procedimentos para alienação dos imóveis antes e depois da Lei nº 13.465/2017,

identificando-se as principais modificações e procurando responder à questão: o que

esperar?

2. Métodos e procedimentos

A pesquisa pode ser caracterizada como qualitativa e analítica. A afirmação de ser

uma pesquisa qualitativa baseia-se nas definições de Leedy (1993), segundo as quais é a

natureza dos dados que indica a metodologia. Além disto, a pesquisa qualitativa tende a uma

aproximação indutiva dos fatos e informações e considera o próprio pesquisador como um

instrumento, visto que percebe a presença dos dados e interpreta seus significados.

Realizou-se estudo da legislação e revisão bibliográfica para efetuar descrição e

análise das modificações introduzidas pela MP 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017,

relativas à alienação dos imóveis da União, com foco nos imóveis localizados nas áreas

rurais do Distrito Federal. Houve a participação, como ouvinte, em eventos anteriores à

aprovação do Projeto de Lei de Conversão, a exemplo do encontro realizado no dia

17/04/2017, na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), no qual


alguns políticos se manifestaram acerca da MP759/20161, e no seminário promovido pelo

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios no dia 12/05/2017, intitulado Medida

Provisória nº 759/2016 e seus desdobramentos urbanísticos, ambientais e sociais.

Para ilustrar e subsidiar as análises do problema explicitado foram elaborados 3

(três) mapas temáticos, em escala definida para impressão em papel tamanho A4, utilizando

o software Quantum Gis (Q-Gis). Os mapas apresentam dados qualitativos e quantitativos.

As glebas da União são representadas por polígonos, em camada sobre a base cartográfica

adotada pela SPU/DF. Utiliza-se a variável visual tonalidade e pontos, que encontram

correspondência nas legendas.

Assim, no Mapa 01 são identificadas as glebas públicas da União no DF, utilizando-

se tonalidades e números de referência. No Mapa 02 é efetuada a identificação das glebas

que possuem ou não ocupantes regularmente inscritos. Já no Mapa 03, selecionaram-se 5

(cinco) glebas que foram transferidas entre 2016 e 2017, identificando-se os valores das

transações (valores de mercado), e os valores para alienação de acordo com a Lei Nº 11.977,

de 7 de julho de 2009, que não mais se aplicam. Destacou-se cada gleba com uma

tonalidade. Na legenda, cada tonalidade aparece com a explicitação dos 2 (dois) valores,

para fins de comparação e análise. Nos 3 (três) mapas elaborados, utilizou-se o sistema de

projeção UTM (coordenadas planas), Datum horizontal SIRGAS 2000 e imagens de satélite

do Google Earth.

3. Revisão Bibliográfica

Procedeu-se a uma revisão da legislação específica que trata da avaliação e

destinação dos imóveis públicos da União, através da identificação e análise do marco

regulatório. O texto original da MP 759/2016, disponível no site do Senado Federal, foi o

1
Entre os quais o Deputado Federal Izalci Lucas, do PSDB, Presidente da Comissão Mista sobre a Medida
Provisória 759/2016.
ponto de partida, juntamente com as leis nº 9.636/1998 e nº 13.240/2015 que, entre outros

assuntos, regulamentam aspectos relacionados à alienação dos imóveis da União. Durante

o processo de tramitação, com a incorporação de emendas2 e de oito adequações redacionais

pelo relator, o referido texto original da MP 759/2016 sofreu modificações. Nesse sentido,

procedeu-se a uma análise comparativa entre essa versão inicial e o texto oficial do Projeto

de Lei de Conversão encaminhado à sanção presidencial, que se transformou na Lei nº

13.465/2017 no último dia 12 de julho.

De maneira preliminar tem-se que a Medida Provisória 759, de 22 de dezembro de

2016 alterou, entre outras3, leis que disciplinavam a regularização fundiária e os

procedimentos para alienação de imóveis da União.

As origens da MP 759 remontam a meados do ano de 2016 quando, durante o

processo de impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff4, o Ministro de Estado das

Cidades formalizou grupo de trabalho denominado Rumos da Política Nacional de

Regularização Fundiária. Através da Portaria nº 326, de 18/06/2016, indicaram-se os

componentes do GT, em um total de 16 (dezesseis) representantes, com a finalidade de

debater propostas de alteração do marco legal da regularização fundiária e definir diretrizes

e metas para a Política Nacional de Regularização Fundiária. As atividades coordenadas

2 Foram apresentadas 732 (setecentas e trinta e duas) emendas por Deputados e Senadores. Destas, 122 (cento
e vinte e duas) foram acatadas pelo relator, o Senador Romero Jucá.
3
Altera as Leis nºs 8.629, de 25 de fevereiro de 1993; 13.001, de 20 de junho de 2014, 11.952, de 25 de junho
de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de
1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho 2009, 9.514, de 20 de novembro de
1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001,
12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015; 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de
11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de
agosto de 2012; a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001; e os Decretos-Leis nºs 2.398, de 21
de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho
de 1941; e revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10
de outubro de 2016; e dá outras providências.
4
No dia 31 de agosto de 2016, através de processo iniciado em 2 de dezembro de 2015, o Senado aprovou,
por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o impeachment de Dilma Rousseff. A presidente afastada foi
condenada sob a acusação de ter cometido crimes de responsabilidade fiscal – as chamadas "pedaladas fiscais"
no Plano Safra e os decretos que geraram gastos sem autorização do Congresso Nacional.
pelo grupo de trabalho culminaram com a outorga, pelo Presidente Michel Temer, da

referida Medida Provisória, que:

Art. 1º (...) dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a

liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a

regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para

aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e

dá outras providências.

A sequência da revisão bibliográfica focou em artigos que abordam temas

relacionados ao geoprocessamento, análise espacial e mapas temáticos, para subsidiar as

análises desenvolvidas neste artigo. O primeiro5 inicia com uma caracterização dos bens

públicos pertencentes à União. Ressalta que a ocupação ou posse dessas áreas pode ser

legitimada através de vários mecanismos, como a alienação, aforamento, inscrição de

ocupação com pagamento de taxa anual e cessão de uso gratuita.

Em um dos mapas, elaborado com o software Quantum-Gis, os autores identificam

os principais imóveis rurais (fazendas) da União no Distrito Federal geridos pela SPU/DF.

Também relacionam imóveis pertencentes a particulares, ao Governo do Distrito Federal e

em processo de desapropriação. As Unidades de Conservação de Proteção Integral

administradas por órgãos federais foram registradas. O segundo artigo em análise6, propôs

uma avaliação do uso das terras situadas na porção norte da APA do Rio Descoberto,

englobando algumas microbacias. Destacou-se que o Reservatório do Descoberto abastece

cerca de 60% da população do Distrito Federal e entorno. Foram utilizadas técnicas de

5
FORTES, Paulo de Tarso Ferro de Oliveira. Et al. Regularização fundiária em imóveis da União no Distrito
Federal. Parte 2: identificação de ocupantes. Disponível em:
http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2007/01.26.17.16/doc/5241-5248.pdf. Acesso em:
30/04/2017.
6 CHAVES, Aurélio Alves Amaral. Uso das terras da parte norte da Bacia do Rio Descoberto, Distrito Federal,

Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-87052010000300024.


Acesso em: 30/04/2017.
geoprocessamento para elaboração de um mapa de caracterização dos usos das terras.

Gerou-se um mapa de adequabilidade do uso das terras, por meio do qual, com base em

técnicas de cruzamento e operações de tabulação cruzada entre os mapas de uso e aptidão

agrícola das terras, foi possível identificar que a maior parte da área estudada está abaixo

do seu potencial agrícola, o que caracterizaria uma utilização sustentável dos recursos

naturais.

Nos artigos analisados foram utilizados dados cadastrais e dados temáticos para a

construção de mapas temáticos. São abordados temas distintos, porém inter-relacionados.

Um trata do uso e ocupação do solo em terras públicas e o outro de avaliação acerca do

potencial agrícola numa área de preservação ambiental, ambos em áreas rurais do Distrito

Federal. A partir dos exemplos de mapas temáticos apresentados, pode-se inferir que,

quando as variáveis visuais são aplicadas seguindo critérios adequados, o mapa temático se

torna um eficiente instrumento de transmissão da informação.

4. Resultados e discussão

Os imóveis rurais pertencentes à União no Distrito Federal, caracterizados como

dominiais7 e geridos pela Superintendência do Patrimônio da União no DF, totalizam cerca

de 40.000 (quarenta mil) hectares de terras públicas. Correspondem a Fazenda Sálvia,

Fazenda Contagem de São João, Fazenda Palma e Rodeador, gleba da Fazenda Brejo ou

Torto, remanescente da Papuda, Granja Modelo II - Ipê, remanescente da Fazenda Riacho

Fundo, Pátio Rodoferroviário e parte da Fazenda Sucupira.

A própria configuração urbana de Brasília, enquanto cidade planejada, capital do

país e que limita as possibilidades de adensamento urbano para fins de preservação do

conjunto tombado, favorece a dispersão urbana e os movimentos pendulares entre as regiões

7 Bens dominiais ou dominicais são aqueles que pertencem ao patrimônio público, mas não possuem uma
destinação específica. Podem ser cedidos a terceiros, a exemplo dos imóveis rurais da União no Distrito
Federal.
administrativas e cidades satélites do DF e entorno e o plano piloto, local de concentração

dos empregos. Tais características causam uma grande valorização imobiliária, não apenas

no plano piloto, mas também nos demais imóveis localizados no Distrito Federal, sejam

urbanos ou rurais, a despeito das dificuldades de transporte e carências em termos de

infraestrutura.

Apesar de serem caracterizados como rurais, os imóveis da União no DF

(principalmente a Fazenda Sálvia) dispõem de ocupações tipo condomínios, oriundos de

parcelamentos e fracionamentos irregulares do solo e que não obedecem à fração mínima

de parcelamento para fins rurais. O módulo rural, no DF, corresponde a 5 (cinco) ha, e a

fração mínima de parcelamento a 2 (dois) hectares.

No Mapa 01 pode ser observada a localização dos referidos imóveis, a maior parte

na Região Administrativa de Sobradinho. Nem toda área ocupada pelas propriedades

públicas, no entanto, pode ser destinada a usos com características rurais, tendo em vista a

existência de áreas ambientalmente protegidas, sendo a maior delas o Parque Nacional de

Brasília. Através do Mapa percebe-se que a Fazenda Sálvia, a Fazenda Contagem de São

João e a Fazenda Palma e Rodeador correspondem às propriedades rurais da União com

maiores dimensões e que, por isso, abrigam a maior parcela dos ocupantes regulares e

irregulares e representam um desafio do ponto de vista da gestão e fiscalização.

Os direitos de utilização dos bens imóveis da União podem ser destinados pela

Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a agentes públicos ou privados. Há diferentes

instrumentos8 para a referida transferência de direitos, e sua aplicação depende das

8
Os principais instrumentos de destinação do patrimônio da União são: aforamento, alienação, autorização de
uso, cessão de uso gratuita, cessão de uso onerosa, cessão em condições especiais, cessão provisória,
concessão de direito real de uso – CDRU, concessão de uso especial para fins de moradia – CUEM, declaração
de interesse do serviço público, entrega, entrega provisória, guarda provisória, inscrição de ocupação,
permissão de uso, termo de autorização de uso sustentável – TAUS, e transferência (gratuita). Fonte:
http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao/patrimonioda-uniao/gestao-patrimonio-da-uniao. Acesso
em: 10/06/2017.
características do imóvel e do interesse público na utilização proposta. Não é objetivo do

presente trabalho abordar cada um desses instrumentos, tendo em vista que, para os imóveis

rurais de propriedade da União no Distrito Federal, o instrumento tradicionalmente e quase

unicamente utilizado até os dias de hoje é a inscrição de ocupação.

Mapa 01 – Localização das áreas rurais de propriedade da União no Distrito Federal. Fonte: Elaboração
própria, 2017.

Ao considerar a predominância da inscrição de ocupação sobre os demais

instrumentos de destinação, tem-se que esta se encontra prevista na Lei nº 9.636, de 1998,

no Decreto-lei nº 9.760, de 1946 e na Portaria MP n. 259/2014, que teve como objetivo

regulamentar os procedimentos. É um ato administrativo precário que pressupõe o efetivo

aproveitamento do terreno pelo ocupante. Não gera direito real sobre o imóvel e representa

o reconhecimento de uma situação de fato. Os ocupantes regularmente inscritos devem

recolher anualmente à União uma taxa correspondente a 2% do valor do imóvel, excluídas


as benfeitorias. Famílias de baixa renda podem solicitar a isenção que, para ser deferida,

deve observar uma série de critérios, como a necessidade do ocupante residir no imóvel.

Para que um ocupante, pessoa física ou jurídica, seja cadastrado na SPU/DF como

responsável por determinado imóvel rural de propriedade da União, deve ter autorizado o

pedido de inscrição de ocupação. Quando inscrito, o ocupante torna-se responsável pelo

imóvel no cadastro dos bens dominiais da União, para efeitos de administração e cobrança

de receitas patrimoniais9. Todos os anos acontece a cobrança de taxas de ocupação dos

imóveis dominiais da União no Distrito Federal, conforme definido no Decreto-lei 2398/87,

que determina caber privativamente à SPU a fixação dos valores locativos e venais

Ressalte-se, que, de acordo com o art. 9º da Lei nº 9.636/1998, são vedadas

inscrições de ocupações que ocorreram após 10 de junho de 2014. Assim, apenas para

aqueles que conseguem comprovar que já ocupavam o imóvel anteriormente a essa data

acontece a análise processual objetivando a inscrição de ocupação. Os que desejem adquirir

imóveis rurais da União, posteriormente a essa data necessitam fazê-lo de quem possui

inscrição de ocupação regular, solicitando para isso uma transferência de ocupação.

Para cálculo da taxa de ocupação, cobrada anualmente, multiplica-se a área do

imóvel, em m², pelo valor publicado da PVG atualizada, por 2% (dois por cento) 10. Nesse

sentido, a título de exemplo, uma gleba com 20.000m² (vinte mil metros quadrados), ou 2

ha (dois hectares), na fazenda Sálvia, em 2017, pagará R$ 648,00 (seiscentos e quarenta e

oito reais) de taxa de ocupação.11

Ao se observar os dados de arrecadação em decorrência da cobrança de taxas de

ocupação para as áreas rurais da União no Distrito Federal, verifica-se que, de 2010 a 2017

9
O Decreto-Lei 2398/87. Dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de
propriedade da União, e dá outras providências.
10
Esta taxa de 2% (dois por cento) é definida pelo Decreto-lei Nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987.
11
Valor obtido a partir da seguinte expressão: 20.000 (área) x 1,62 (valor da PVG) x 2% (índice definido em
Lei) = 648.
arrecadou-se R$ 11.032.369,81 (onze milhões, trinta e dois mil, trezentos e sessenta e nove

reais e oitenta e um centavos), conforme tabela abaixo. Os valores referentes ao ano de 2017

são parciais, tendo em vista que ainda não contemplam os pagamentos das taxas de

ocupação e de outras receitas, que acontecem no decorrer do ano.


MULTA DE PAGAMENT
TAXA DE MULTA DE O TAXA DE
Receita LAUDÊMIO OCUPAÇÃO TRANSFERÊNCIA UNIFICADO OCUPAÇÃO Total
Ano do
Crédito Valor Total Valor Total do Valor Total do Valor Total Valor Total do Valor Total do
do Crédito Crédito Crédito do Crédito Crédito Crédito
2010 247.244,61 764,48 1.256.950,85 1.504.959,94
2011 307.570,49 968,73 563,44 1.335.168,28 1.644.270,94
2012 120.422,24 2.943,79 1.174.791,20 1.298.157,23
2013 257.642,62 1.133,31 1.570.906,74 1.829.682,67
2014 181.261,50 6.948,74 1.997.687,50 2.185.897,74
2015 315.241,21 1.334,50 87.352,25 2.016.568,37 2.420.496,33
2016 83.383,29 236.513,18 1.603.460,49 1.923.356,96
2017 24.745,91 225,00 61.741,00 76.836,38 163.548,29
Total 1.537.511,87 968,73 13.913,26 385.606,43 11.032.369,81 12.970.370,10
Tabela 02: Receitas da SPU/DF, oriundas dos imóveis rurais, entre os anos de 2010 e 2017. Fonte: Sistema
Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA). Fonte: Evaldo Rodrigues, 2017.

A importância de compreender a forma de cálculo e de ter acesso a informações

relativas a arrecadação em decorrência das taxas de ocupação acontecem em razão dos

argumentos utilizados, durante a edição da MP que deu origem à nova lei, para justificar as

modificações efetuadas no que diz respeito as condições para alienação dos imóveis da

União.

Apesar dos 40 (quarenta) mil hectares de terras rurais da União no DF não serem

destinados em sua totalidade a inscritos em ocupações, aproximadamente 20 (vinte) mil

hectares12 são atualmente parcelados em glebas com dimensões variadas e podem contar

com ocupantes inscritos. No mapa 02 observa-se que, das 1849 (mil, oitocentos e quarenta

e nove) glebas pertencentes à União no DF, 1160 possuem ocupantes cadastrados, e 679

não. Esse é certamente um dos motivos da baixa arrecadação com taxas de ocupação.

12
A soma das áreas de todas as glebas da União cadastradas na SPU-DF totaliza 198947914, m², ou quase
20.000ha.
Ao se efetuar um rápido exercício, considerando-se os aproximados 20 (vinte) mil

hectares que são atualmente parcelados em glebas com dimensões variadas e podem contar

com ocupantes inscritos, percebe-se que a arrecadação anual deveria girar em torno de R$

6.480.000 (seis milhões, quatrocentos e oitenta mil reais)13, ou seja, um ano a arrecadação

corresponderia ao que vem se arrecadando em um período de três anos. Tal constatação

pode significar alto grau de inadimplência e deficiências na gestão dos referidos bens, por

exemplo.

Mapa 02 – Identificação das glebas rurais da União com e sem ocupantes cadastrados na SPU-DF. Fonte:
Elaboração própria, 2017.

Partindo-se para o tema específico da alienação, as leis nº 9.636/1998 e nº

13.240/2015 são os principais instrumentos que dispõem sobre a matéria. A Lei nº

13.465/2017 acrescentou e modificou alguns artigos nas referidas leis. A alienação é o

13
Cálculo: 200.000.000 (área) x 1,62 (valor da PVG) x 2% (índice definido em Lei) = 6.480.000.
instrumento a ser utilizado para os imóveis que ao longo do tempo perderam a capacidade

de atender as necessidades da União, levando-se em consideração, também, a previsão de

intervenções por parte do Governo Federal. É aplicável quando não houver interesse

público, econômico ou social em manter o domínio da União. Pode ser realizada mediante

a venda, permuta ou doação do domínio pleno e deve ser respeitada a Lei 8.666/93. Ressalta-

se a manutenção dessa definição dada pela Lei nº 9.636/1998 mesmo com a nova Lei nº

13.465/2017.

Um ponto importante a ser destacado são as modificações entre a versão original da

MP e aquela encaminhada à sanção presidencial e convertida em Lei. A principal, entre

todas as modificações, foi a retirada do art. 40-A do texto original da MP 759/2016 que

alterava, reduzindo, os valores para alienação dos imóveis rurais de propriedade da União.

Da maneira como originalmente disposto, os valores para alienação dos imóveis, a depender

do tamanho das áreas, variavam entre 30% a 60% do valor mínimo da Planilha de Preços

Referenciais do INCRA. Cite-se como exemplo uma “venda” de gleba da União localizada

no Núcleo Rural Lago Oeste (Sobradinho-DF). Considerando-se o valor mínimo da Planilha

de preços referenciais do INCRA de 2016, que corresponde a R$ 1,34/m² (um real e trinta

e quatro centavos o metro quadrado), pela Lei nº 12.024/09, uma gleba como a descrita

poderia ser alienada por R$ 26.800,0014 (vinte e seis mil e oitocentos reais), um valor já

muito aquém do negociado atualmente no mercado, como pode ser observado no Mapa 03.

O disposto no texto inicial da MP 759/2016 possibilitava a alienação de glebas com essas

características por 30% do valor mínimo da planilha referencial do INCRA, tornando

possível a União transferir a área ao particular por R$ 8.040,00 (oito mil e quarenta reais).

Reitera-se que essa possibilidade foi retirada do texto final, não mais existindo.

14
A possibilidade de alienação com base na Planilha de Preços Referenciais do INCRA, de acordo com o
definido no art. 18 da Lei no 12.024/09, voltou a ser possível com a retirada do art. 40-A da MP 759.
Apesar desta modificação manteve-se na Lei nº 13.465/2017, conforme previsto no

texto original da MP 759/2016, a vedação da aplicação do art. 18 da Lei nº 12.024, de 27 de

agosto de 2009. Ou seja, para imóveis rurais da União e do Incra situados no Distrito Federal

não há mais a possibilidade de alienação ou Concessão de Direito Real de Uso, por valor de

referência que tome como base o valor mínimo da planilha do INCRA.

Com as mudanças no texto original da MP observa-se que, na versão final convertida

em Lei, todos os procedimentos relativos aos imóveis da União foram remetidos ao Título

III, e tratados em separado dos demais imóveis.

As regras para alienação dos imóveis com inscrições de ocupação regulares foram

definidas com a modificação de artigos da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015.

Merece destaque a possibilidade de alienação dos imóveis, aos ocupantes cadastrados na

Secretaria do Patrimônio da União, pelo valor do domínio pleno do terreno, excluídas as

benfeitorias, de acordo com os critérios de avaliação previstos no art. 11-C da Lei nº 9.636,

de 1998; bem como a necessidade do Ministro de Estado do Planejamento,

Desenvolvimento e Gestão, permitida a delegação, editar Portaria com a lista de áreas ou

imóveis sujeitos à alienação.

Outro artigo da Lei nº 13.465/2017 que merece atenção especial é o que autoriza a

Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a receber Proposta de Manifestação de Aquisição

por ocupante de imóvel da União que esteja regularmente inscrito e adimplente com suas

obrigações com aquela Secretaria. Tal proposta deve ser instruída com os documentos

necessários, mas não constituirá nenhum direito ao ocupante perante a União. Ou seja,

mesmo que o ocupante regularmente inscrito manifeste sua intenção para aquisição do

imóvel, somente haverá essa possibilidade caso o imóvel conste na lista editada pelo

Ministro, caso seja efetuada avaliação mediante o disposto no art. 11-C da Lei 9636 e sejam

obedecidos os trâmites ainda a serem definidos.


Haverá necessidade de avaliação prévia com base no valor de mercado (excluídas as

benfeitorias) e também dependerá das definições que virão com a edição da Portaria pelo

Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Ou seja, as maiores modificações

introduzidas pela Lei nº 13.465/2017, no que diz respeito à alienação dos imóveis rurais da

União, foram a definição de regras para avaliação e a necessidade de edição de Portaria pelo

Ministro do Planejamento, ou pessoa por ele delegada, definindo os bens que interessam

alienar e os procedimentos a serem seguidos para isso. A regulamentação será editada em

até 12 (doze) meses a partir da publicação da nova lei.

Há que se prestar atenção, no entanto, aos valores de mercado praticados em

negociações que envolvem glebas da União localizadas no Distrito Federal. Com o objetivo

de efetuar comparação entre esses valores e aqueles definidos pela Planilha de Preços

Referenciais do INCRA elaborou-se o Mapa 03 no qual foram identificadas algumas glebas

da União que, no ano de 2016, passaram por procedimentos de transferência de titularidade

na ocupação. Através das Escrituras Públicas de Cessão de Direitos Possessórios que

constam nos processos administrativos de cada imóvel, na SPU/DF, foi possível identificar

os valores declarados das transações, para efeitos de comparação com os valores da planilha

do INCRA de 2016. Percebe-se que, em cinco glebas da Fazenda Contagem de São João,

todas com dimensões aproximadas de 2ha, os valores de mercado são incomparavelmente

mais altos que aqueles definidos pela planilha do INCRA, chegando a superá-los em mais

de 2000%.
Mapa 03 – Identificação de glebas de propriedade da União no Distrito Federal negociadas entre
particulares no ano de 2016, comparando os valores de mercado com os valores mínimos calculados com base
na Planilha de Preços Referenciais do INCRA. Fonte: elaboração própria.

Diante do exposto percebe-se que, quando for editada Portaria detalhando o

procedimento e a listagem dos imóveis passíveis de alienação, estes provavelmente serão

acessíveis a poucos, diante dos altos valores praticados no mercado. Mesmo que os atuais

ocupantes possam optar por continuar a pagar regularmente as taxas de ocupação, mantendo

os imóveis sob o domínio da União, não é difícil perceber que haverá uma pressão de

terceiros interessados em adquirir as propriedades.

O receio perante iniciativas que estimulem a alienação desses imóveis recai,

sobretudo, na possibilidade de aceleração do processo que transforme o uso de rurais para

urbanos, e das consequências como expulsão dos atuais ocupantes (principalmente quando

são pobres e pequenos agricultores), impermeabilização do solo e comprometimento dos

recursos naturais. O Distrito Federal tem passado por uma crise hídrica, que vem se
agravando ano a ano, e que parte dos imóveis rurais da União estão localizados nas

proximidades da Área de Proteção Ambiental do Rio Descoberto. O Reservatório do

Descoberto abastece cerca de 60% da população do Distrito Federal e entorno.

Hoje em dia, apesar dos parcelamentos irregulares observados em glebas rurais da

União, há a manutenção das características da maioria desses imóveis enquanto rurais,

ocupados por pequenos produtores. Adotar mecanismos que estimulem a alienação desses

imóveis pode representar, ainda, a concentração de terras nas mãos de poucos e uma

escassez de terras disponíveis para a execução de políticas públicas.

5. Considerações Finais

Na abordagem foram consideradas as possibilidades de alienação de imóveis rurais

pertencentes à União no Distrito Federal, mas apenas para aqueles imóveis que obedecem à

fração mínima do módulo rural. Não foram objeto de análise os imóveis que, apesar de

localizados em áreas rurais, apresentam características de parcelamentos urbanos. Esses

obedeceriam a outros critérios, incluídos Lei nº 13.465/2017, nos moldes da Regularização

Fundiária Urbana (Reurb), dos tipos “E” e “S”. É uma discussão para outro artigo.

Através do estudo da legislação e elaboração de mapas temáticos realizou-se uma

caracterização dos imóveis rurais da União no DF, identificando a regularidade ou não das

ocupações, as formas de destinação e as modificações introduzidas pela Lei nº 13.465/2017

no que se refere aos procedimentos para a alienação.

Pelo disposto, percebe-se que muitas das definições relativas à alienação dos imóveis

rurais da União no Distrito Federal foram remetidas para regulamentações posteriores à Lei

nº 13.465/2017. Retirou-se do texto final a possibilidade de alienação por valores inferiores

ao mínimo definido pela Planilha de Preços Referenciais do INCRA e manteve-se a vedação

de alienações por valores equivalentes aos preços mínimos desta mesma planilha, em terras

da União e do INCRA no DF. No entanto, a definição de mecanismos para avaliação, a


possibilidade de manifestação de interesse na aquisição pelo atual ocupante e a necessidade

de edição de Portaria Ministerial com os bens “alienáveis” e com o detalhamento dos

procedimentos poderão significar o crescente esvaziamento na reserva de terras públicas no

Distrito Federal.

A baixa arrecadação com taxas de ocupação e as deficiências de fiscalização por

parte da SPU reforçam os argumentos dos que defendem a alienação dos referidos bens

públicos. Tais argumentos se reforçam no contexto atual de crise econômica, no entanto, o

que por um lado pode ser considerado como fonte de receitas e desoneração das obrigações

do Estado, por outro pode significar o aumento na concentração de terras, torná-las

inacessíveis aos pequenos produtores, e também a aceleração do comprometimento

ambiental, sobretudo dos recursos hídricos.

Cabe uma especial atenção as definições que virão, pois, como afirma Harvey

(1992), a anarquia do mercado e do empreendedorismo competitivo tem substituído as

capacidades deliberativas baseadas em solidariedades sociais. É nesse contexto que se insere

a presente discussão, tendo em vista que a terra urbana e rural no Brasil são alvo de

crescentes disputas, que desafiam o cumprimento da função social.

6. Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei nº 9760, de 5 de setembro de 1946.

BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001.

BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.

BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998.

BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.

BRASIL. Lei nº 12.024, de 27 de agosto de 2009.

BRASIL. Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015.

BRASIL. Lei no 13.465, de 11 de julho de 2017


BRASIL. Medida Provisória Nº 759, DE 22 de dezembro de 2016.

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Acesso em: 28/05/2017.

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ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das

finanças. 1. Ed., Editora Boitempo: São Paulo, 2015.

ROSENFELDT, Yuzi Anai Zanardo e Carlos Loch. Necessidade Técnica e Cartográfica

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Disponível em: https://www.ufpe.br/cadastrogt/images/pdf/necessidade_tecnica.pdf.

Acesso em 28/05/2017.
A ATUAÇÃO DA SUDENE NO MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS -
CONTEXTO HISTÓRICO E IMPLICAÇÕES.

1
Maria Valdeny Pereira de Souza

RESUMO

Este artigo objetivou discutir de forma especial um modelo de intervenção na economia.


Para tanto será discutida a criação e atuação da SUDENE na região norte de Minas Gerais,
que historicamente é considerada uma das regiões mais vulneráveis do estado e do país,
que por sua vez, motivou a atuação dessa superintendência neste espaço regional. É
importante destacar que o foco principal desse trabalho é apresentar essa discussão sobre a
criação e o objetivo da SUDENE, destacando sua atuação no norte de Minas como um todo
e de forma especial este município, que a partir da atuação da SUDENE, passa a ser o
município mais desenvolvido no contexto regional. Consequentemente provoca mudanças
importantes no cenário local, sobretudo no emprego. Essa discussão é importante para
inserir o leitor num debate que é municipal, mas também não deixa de ser é regional.

Palavra Chave: SUDENE, Montes Claros.

ABSTRAT

This article aims to discuss in a special way a model of intervention in the economy. To
that end, the creation and operation of SUDENE in the northern region of Minas Gerais,
which historically is considered one of the most vulnerable regions of the state and the
country, will be discussed, which in turn motivated the performance of this oversight in
this regional area. It is important to emphasize that the main focus of this work is to present
this discussion about the creation and the objective of SUDENE, highlighting its
performance in the north of Minas Gerais as a whole and in a special way this
municipality, that from the SUDENE performance, becomes The most developed

1
Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
Endereço para contato: valdeny10@hotmail.com.
municipality in the regional context. Consequently it causes important changes in the local
scenario, especially in employment. This discussion is important to insert the reader into a
debate that is municipal, but it is also regional.

Keyword: SUDENE, Montes Claros.

1 INTRODUÇÃO

O município de Montes Claros se encontra na Região Norte de Minas Gerais e segundo


Rodrigues (2000) é uma região com dificuldades estruturais de emprego e renda. Isso e
outros fatores possibilitaram que em 1965 a região fosse beneficiaria dos incentivos da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). A SUDENE foi uma
política intervencionista formulada pelo economista Celso Furtado dentro do governo do
presidente Juscelino Kubitschek, para reverter problemas sócios econômicos e de
dificuldades de desenvolvimento da região Nordeste (SUDENE, 2016).

Com a importância dessa política, o estudo permitirá também mensurar o papel da


intervenção do governo, por meio da SUDENE na promoção do emprego e no
desenvolvimento local, bem como as mudanças que ocorreram neste município após sua
instalação.

O presente estudo também tem relevância acadêmica e social, pois ao buscar compreender
o comportamento do emprego no município de Montes Claros (MG), durante as últimas
décadas, será possível compreender as potencialidades e desafios deste município no
passado, no presente e possíveis desafios para o futuro.

Além desta introdução, este estudo apresenta um referencial teórico, com um breve
contexto histórico da criação da SUDENE e sua abrangência no norte de Minas Gerais. No
terceiro tópico apresenta a metodologia utilizada para elaboração do trabalho; logo após,
no quarto tópico, terá resultados e discussões a atuação da SUDENE no município e
mudanças ocorridas na cidade. E por último, no quinto tópico, terá as considerações finais
deste artigo.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A criação da SUDENE e sua atuação no norte de Minas Gerais

De acordo com Brasil (1983), a SUDENE foi criada pela lei nº 3.692, de 15 de Dezembro
de 1959. Em 1965 o Escritório da SUDENE foi instalado em Minas Gerais, com sede em
Montes Claros, para além de atender a região nordeste, atender a região norte mineira, que
em 1965, 42 municípios faziam parte da Área Mineira da SUDNE, todos em convergências
na cidade de Montes Claros, que por sua situação geográfica e vários outros fatores
determinantes tornou-se um pólo de desenvolvimento. Com o passar dos anos, mais
municípios mineiros passam a ser atendidos pela SUDENE, que atualmente alcançou o
número de 85 municípios mineiros.

A SUDENE foi criada no governo de Juscelino Kubitschek (JK), com o objetivo de


estimular por meio da administração de incentivos e benefícios fiscais: os investimentos
privados prioritários, as atividades produtivas, e as iniciativas de desenvolvimento sub-
regional em sua área de atuação, conforme definição do Conselho Deliberativo, em
consonância com o § 2º do art. 43 da Constituição Federal, e na forma da legislação
vigente (SUDENE, 2016)2.

De acordo com Pereira (2007), para a criação da SUDENE, existiram diversas


mobilizações políticas e sociais no Nordeste, como por exemplo: a mobilização da Igreja
Católica com encontro dos Bispos no nordeste em 1956, e o Seminário para o
Desenvolvimento do Nordeste na cidade de Garanhuns em 1959, com a participação do
Presidente Juscelino Kubistcheck. Isso aconteceu em meio à euforia do desenvolvimento
do Centro-Sul, enquanto o Nordeste sofria com as calamidades da seca de 1958. Em
fevereiro de 1959 o projeto SUDENE foi enviado ao congresso Nacional e foi aprovado
em dezembro do mesmo ano (Lei 3.692). Enquanto o projeto da SUDENE não tinha sido
aprovado, Celso Furtado e seus auxiliares atuavam por meio do CODENO (Conselho de
Desenvolvimento do Nordeste), criado também no governo de JK.

2
Disponível em http://www.sudene.gov.br. Acesso em 05/06/2016.
Segundo Pereira (2007), anteriormente a criação da SUDENE, o governo brasileiro já se
preocupava com a seca que afetava o Nordeste. Quando a SUDENE foi criada, em 1959, já
havia aproximadamente quatro grandes instituições federais que visava os problemas dessa
região: o Departamento Nacional de Obras contra a Secas (DNICS), a Companhia
Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) e o
Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Entretanto, a SUDENE foi a forma mais organizada e
sistemática de intervenção do estado brasileiro no Nordeste. E um dos principais objetivos
dessa autarquia é “centralizar, orientar, disciplinar todas as ações do Governo Federal na
região.” (Pereira, 2007 p. 47).

Santos e Souto (2013), complementa que a criação da SUDENE, na década de 1950, só foi
possível a partir de um planejamento elaborado pelo economista Celso Furtado, onde ele
faz uma referência nas discussões sobre o desenvolvimento nacional. Furtado foi o
primeiro superintendente daquela instituição, onde tinha como objetivo promover e
coordenar o desenvolvimento da região Nordeste através da intervenção governamental.

Oliveira (2000), explica que o espaço de atuação da SUDENE foi definido como o
Nordeste e a Área Mineira do Polígono das Secas. Porém, o Norte de Minas só foi integrar
oficialmente na área de atuação da SUDENE em 1963.

O escritório da SUDENE foi instalado em Montes Claros, com a finalidade de fazer


interlocução entre as demandas regionais e a sede da superintendência em Recife-PE. Para
Pereira (2007), o papel da SUDENE na região do Norte de Minas foi à concessão de
incentivos fiscais. No mesmo ano da instalação do escritório, ajudou a completou-se a rede
de transmissão de energia entre Montes Claros e o sistema de Três Marias, além da
inauguração do Frigorífico Norte de Minas (FRIGONORTE).

Segundo Braga (2008) após a instalação do FRIGONORTE, o projeto subsequente foi a


fábrica de cimento Cia de Materiais Sulforosos/ MATSULFUR. Após essa instalação,
Montes Claros passa a ter uma industrialização diversificada. Braga (2008) cita:

[...] Foram aprovados pela SUDENE projetos para instalação de curtimento de


couros bovinos (CORTNORTE), óleo e farelo de mamona (VALSA),
microscópios, binóculos e óculos (SION), sabão e glicerina (GLICENORTE),
calças masculinas e femininas (TOK), fiação e tecelagem (COTEMINAS),
eletrodos para soldas (DENVER), macarrão, fubá e germes (INTERPASTIL),
balas, doces, e caramelos (IIND. BRASILEIRA DE CHOCOLATE E
CARAMELO), semicondutores eletrônicos (TRANSIT), envelopes cartões e
pastas (AGAPRESS), máquinas e equipamentos rodoviários (MECA), fios,
tecidos e malhas de algodão (FIAÇÂO E TECELAGEM SANTA HELENA),
bicicleta e ciclomotores (ALMEC), leite e manteiga (ITASA), acessórios para
andaimes (METALÚRGICA SANTA ROSA), implementos agrícolas
(PETROGARD), vacinas anti-aftosa (VALLÉ NORDESTE) e muitos outros.
(Braga, 2009 p. 74)

Quando a SUDENE foi criada, acreditava-se que a chave para o desenvolvimento seria a
industrialização. Dessa forma, o setor secundário foi à principal preocupação dessa
autarquia, que utilizou o recurso de subsídios para atrair capital para a região,
principalmente na industrialização (LEITE, 2008).

Cardoso (2000) afirma que o Norte de Minas é uma Região particular dentro do Estado de
Minas Gerais, pois a mesma apresenta muitas características sociais, culturais e
econômicas semelhante à nordestina. Por apresentarem tais semelhanças em seus
indicadores, isso pode ter influenciado a inclusão da região mineira na área do programa da
SUDENE. Existem várias especulações sobre quais os motivos que levaram a incorporar
em tal área. Todavia, a visão oficialmente aceita pelos documentos da autarquia, a exemplo
de SUDENE, é que a área mineira apresenta aspectos físico-climáticos parecidos aos do
semi-árido nordestino e está incluído no Polígono das Secas.

Sobre isso, Albuquere apud Brasil (1983) argumenta que a inclusão do território
setentrional mineiro na área de abrangência da SUDENE, ultrapassa a visão ecológica do
Polígono das Secas e a compreensão que as fronteiras administrativas não possuem
barreiras ao desenvolvimento regional.

Com a participação do norte de minas na área de atuação da SUDENE, houve muita


contribuição para modificação da realidade econômica e social, através de programas e
políticas controlados pela autarquia.
De acordo com Rodrigues (2000), anteriormente á SUDENE, acreditava-se que a energia,
o transporte e telecomunicações, era o ponto principal de estrangulamento da infra-
estrutura do Norte de Minas. Isso ocasionava dificuldades ao desenvolvimento econômico,
pois impedia a implantação de unidades produtivas com maior desenvolvimento
tecnológico. A limitada divisão do trabalho, produtividade e produção também podem ser
associadas a esse estrangulamento da infra-estrutura. Para Cardoso (2000), a partir da
criação da SUDENE, intensificaram os esforços dos governos, federal e estadual, em
promover integração de sua economia com as do centro-sul do país. Além de proporcionar
transformação de muitas características produtiva do norte de minas, possibilitou também a
mudança de vários aspectos culturais, sociais e econômicos. Cardoso (2000) completa:

Para que se tenha ideia do que representou a SUDENE para o Norte de Minas,
basta observar algumas de suas ações nesta Região. Conforme informações do
escritório da SUDENE em Minas Gerais, até novembro de 1995 já haviam sido
aprovado 94 pleitos de Reinvestimento do Imposto de Renda, 380 pleitos de
Isenção do Imposto de Renda e 86 pleitos de Redução de Imposto de Renda. (...)
No que se refere aos incentivos financeiros, segundo a mesma fonte, foram
aprovados para o Norte de Minas 108 projetos industriais, 07 agroindustriais e
107 agropecuários num total de 222 projetos (Cardoso, 2000 p. 222).

Cardoso (2000) argumenta ainda que, a partir do surgimento da SUDENE, a região do


Norte de Minas teve grandes oportunidades de vantagens econômicas. Os centros urbanos
com maior estruturação, mais dinâmica e maior representatividade regional foram
beneficiados. “Estes centros, especialmente Montes Claros, tanto reforçaram quanto
ampliaram a sua importância relativa na Região” (Cardoso, 2000 p. 224). A realidade
social e econômica do Norte de Minas foi se transformando: alguns aspectos reforçando e
outros modificando a estrutura produtiva, conforme o Estado e os diversos agentes
econômicos vão intensificando suas ações. Albuquere apud Brasil (1983), completa que a
atuação da SUDENE no Norte de Minas tem sido promissor ao desenvolvimento,
principalmente pela posição que ocupa, unindo a região seca pelo frio das águas do São
Francisco.
A SUDENE investiu em diversos projetos no Norte de Minas: projetos agropecuários, de
turismo, de telecomunicações e de energia elétrica. As cidades de Jaíba, Janaúba e Pirapora
são exemplos de modernos projetos de irrigação de solo que foi incentivado na área
agrícola da região. Através desses projetos, foram criadas novas vagas de emprego e renda
para a população desses municípios. Sobre isso Gomes (2007) esclarece:

Desde a implantação da SUDENE, foram aprovados, na Área Mineira da


SUDENE, 228 projetos nos diferentes setores, gerando 57.000 empregos
diretos e 225.256 empregos indiretos. Os incentivos fiscais (isenção,
redução e reinvestimento do imposto de renda) e incentivos financeiros
através do Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) foram os
instrumentos de política de desenvolvimento econômico, utilizados pela
SUDENE. (Gomes, 2007 p. 44)

3 METODOLOGIA

Este trabalho terá como objetivo fazer um levantamento histórico sobre a atuação da
SUDENE no município de Montes Claros e as implicações da sua atuação sobre algumas
variáveis econômicas e sociais.

Para alcançar este objetivo utiliza-se análise descritiva de dados, que de acordo com Gil
(1996) este método tem como objetivo principal a exposição das características de
determinada população, fenômeno ou a relação entre variáveis.

Como procedimento a pesquisa classifica-se como bibliográfica. Para Marconi e Lakatos


(2010) a pesquisa bibliográfica envolve consulta de bibliografia já tornada pública
associada ao tema estudado, para saber qual o estado atual do problema, quais os trabalhos
realizados sobre o mesmo e quais as opiniões predominantes sobre o assunto. Para isto, o
presente trabalho se apoiará em diversos trabalhos existentes sobre o tema como livros,
artigos científicos, teses, etc.

Como exemplos, o trabalho de Menezes e Somerlate (2015), cujo objetivo é perceber o


nível de adesão das empresas do Vale do Mucuri, área de atuação da SUDENE desde
2007, a partir dos incentivos fiscais da Superintendência. Que teve como resultado que os
municípios mineiros apresentam um baixo índice dos incentivos fiscais concedidos pela
SUDENE, tendo o Vale do Mucuri um menor índice de adesão entre as cidades atendidas.

Manolescu e Moura (2004) elaboraram um trabalho pretendendo analisar o papel


governamental, através da atuação da SUDENE, no desenvolvimento industrial do
município de Montes Claros. Concluíram que as indústrias incentivadas foram e são
importantes para o desenvolvimento regional, todavia após um período de concessão de
incentivos fiscais, é necessário criar mecanismos para que as empresas não tenham mais
esta dependência com o Estado.

Irá ser realizado também, um a pesquisa documental. Marconi e Lakatos (2010) explicam
que a pesquisa documental tem como fonte de coleta de dados os documentos, que podem
ser escritos ou não, podendo ser feitas depois que o fato ocorre, ou até mesmo no momento
de ocorrência. Neste caso a coleta de dados, será feita em sites oficiais que disponibilizam
os dados necessários para analise, como por exemplo, os sites do instituto brasileiro de
geografia e estatística (IBGE), Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), e entre outros.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Atuação da SUDENE em Montes Claros

Antes da década de 1960 Montes Claros se caracterizou por uma economia primária, tendo
como destaque a pecuária de corte. A agricultura só começa ter significado comercial com
a produção de algodão e mamona, as demais lavouras era de subsistência (BRAGA, 2008).

A partir dos dados, expostos na tabela 2, nota-se que a atividade agropecuária, na década
de 1960, com mais de 66% dominava o ramo das atividades em Montes Claros.

Tabela 1: Mão de obra – pessoas de 10 anos ou mais, por setor de atividade de


dependência e condição de atividade montes claros – 1960
Atividades Pop. Economicamente Ativa (PEA)
Quantidade Porcentagem (%)
Agropecuária 26.297 66,8
Industrial 2.462 6,25
Outras 10.606 26,95
Atividades
Total 39.365 100
Fonte: Elaboração própria com dados de Oliveira (2000:62)

Até em meados da década de 1970 a economia de Montes Claros era voltada para a
exploração agropecuária e no comércio, ficando em terceiro lugar a produção industrial.
Por meio das políticas governamentais de desenvolvimento socioeconômico aumenta as
relações capitalistas de produção, levando a implantação de várias indústrias de pequeno e
médio porte na área urbana. Com isso o município passa por diferentes modificações em
sua economia e em suas características sociais. O setor terciário torna-se a principal base
da economia, em segundo lugar o setor secundário e em terceiro o setor primário (LEITE,
2008).

De acordo com Cabral (1985) em 1973 a SUDENE havia aprovado apenas 517 projetos
agro-pecuários, na época investimentos de 3,1 bilhões de cruzeiros, enquanto 971 projetos
industriais, com inversões de 19,10 bilhões. Esse período havia um desanimo para os
agricultores, por causa da escassez de chuva.

De acordo com Cabral (1985), surgiram em Montes Claros algumas fábricas de tecido,
como por exemplo, a firma Costa e Cia instalada em 1914. Mas, não existia na cidade
energia elétrica, faltavam estradas e outros meios de comunicação, a que pode ter
contribuído para fracasso das indústrias têxteis (RODRIGUES, 2000).

Houve um atraso ao desenvolvimento industrial da região quando comparado com a


algumas cidades de Minas Gerais e as outras áreas mais desenvolvidas do país, como
exemplo Belo Horizonte, São Paulo, etc. O que explica esse fraco desenvolvimento é a
falta de energia elétrica e a deficiência dos meios de transportes. Para Oliveira (2000), não
foi à energia elétrica que impediu a industrialização, o próprio atraso industrial explica a
falta de energia.

Oliveira (2000) complementa que:

Em 1944, a cidade foi ligada a Central Hidro-Elétrica de Santa Marta (na época
município de Grão Mogol). No ano de 1954, a cidade ganhava um novo impulso
através da instalação de um conjunto diesel, reforçado em 1955. No entanto, o
abastecimento só seria definitivamente resolvido após a criação da CEMIG que,
em 1965, com ajudados recursos da SUDENE, interliga Montes Claros com o
sistema Três Marias, garantindo energia confiável e em volume necessário a um
maior impulso industrial. (Oliveira, 2000 p. 34)

Com a abrangência de Montes Claros na região da SUDENE, na década de 1960, houve


vários fatores de atração de capital para a cidade, como exemplo a isenção fiscal e
financiamento, que despertaram interesses não somente dos empresários local, mas
também de outras cidades. A partir dos incentivos da SUDENE, diversas empresas se
propuseram a fabricar produtos, desde os mais frágeis, como lentes de óculos, até aos mais
simples e grosseiros, como parafusos (CABRAL, 1985).

Para Gomes (2007), o advento de novas indústrias atraídas política de incentivos fiscais da
SUDENE, trouxe para Montes Claros grandes mudanças, como por exemplo:

Mecanização no campo, aumento dos fluxos migratórios intra-regionais, êxodo


rural, aumento da população na área urbana da cidade, melhorias na infra-
estrutura urbana, saneamento básico, ampliação dos serviços públicos e privados
(saúde, educacionais, administrativos, financeiros), expansão dos serviços de
produção ou de apoio ao setor industrial (energia, comunicação, transporte,
armazenamento) e ampliação da rede rodoviária (Gomes, 2007 p. 171).

De acordo com Carvalho (1983), Montes Claros era uma cidade sem nenhuma tradição
industrial e foi escolhida pela SUDENE para ser área industrial, provocando várias
alterações na estrutura urbana, econômica e social da cidade. Para Oliveira (2000), uma
característica importante pela qual o escritório da SUDENE se instalou em Montes Claros,
foi o tamanho do núcleo urbano do município. Fator importante para a instalação. “Tudo
indica ser sua localização geográfica o principal fator condicionante desta situação, pois
favorece ao intercâmbio comercial e a conexão do norte mineiro com as demais regiões do
País” (Braga, 2008 p.40).

Entre as cidades mineiras atendidas pela SUDENE, Montes Claros foi a que mais obteve
investimentos. Isso devido à localização geográfica, a posição como centro regional e do
fato de possuir boa infra-estrutura urbana. A partir dessas condições, os incentivos atrás da
SUDENE, motivaram diversas indústrias se instalassem em Montes Claros. (LEITE, 2008)

De acordo co Oliveira (2000), alguns fatores contribuíram para que Montes Claros tivesse
um percentual significativo de investimentos, como por exemplo, a maior densidade
populacional e melhores condições de infraestrutura. Outro fator importante é a distancia
do Norte de Minas a Belo Horizontes e aos demais centros, fazendo com que o Montes
Claros tivesse quase todos os serviços administrativos descentralizados de âmbito regional.
Com isso “a cidade se fortalecia como centro de serviços, administração e comércio.”
(Oliveira, 2000 p. 28).

Atualmente Montes Claros se caracteriza como Pólo Socioeconômico Regional, tendo


grande influência no processo de desenvolvimento e expansão das regiões norte de Minas e
parte do Vale Jequitinhonha. A grande transformação da cidade se deu através dos
incentivos fiscais da SUDENE. Tais incentivos proporcionaram mudanças estruturais na
realidade do município, ocasionando aproximação de Montes Claros aos demais centros
produtores e consumidores do Brasil. (ACI, 2008)3. De acordo com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade do Norte do Estado de Minas Gerais, Montes
Claros, apresenta população estimada em 2016 de 398.288 habitantes e área da unidade
territorial em 2015 foi de 3.568.941 km².

3
Disponível em http://www.montesclaros.mg.gov.br/desenvolvimento%20economico/div_ind-
com/pdf/potencialidades.pdf. Acesso em 11/11/2016.
Gráfico 1: Emprego em Montes Claros no período de 1985 a 2015

100000
90000
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do RAIS

O gráfico 1 mostra a evolução na quantidade de emprego no Município de Montes Claros


de 1985 a 2015. De acordo com os dados, o total de emprego no município, praticamente
quadruplicou. Em 1985, a quantidade de postos de trabalho correspondia a 23.595,
passando para 89.941 em 2015. Entretanto, apresentou aumentos significativos
principalmente a partir de 2004. Em 2004 a quantidade de empregos era de 48.030,
aumentando 4.290 novos empregos, de 2004 para 2005. Representando um aumento
significativo de 8,9%.

De acordo com os dados extraídos do RAIS (2017), em até 1985, o município tinha o total
de 1.812 de empresas ativas, distribuídas no setor de indústria, construção civil, comércio,
serviços e agropecuária. Já em 2015 a quantidade de empresas já alcançava o número de
9.152 ativas no mercado local.
Tabela 2: Emprego por setor econômico

Construção
Ano Indústria Civil Comércio Serviços Agropecuária
1985 6.110 436 4.999 10.809 1.241
1990 7.378 1.508 5.635 13.522 1.102
1995 9.391 2.515 6.420 14.308 2.255
2000 9.426 3.215 10.105 16.948 2.264
2005 7.671 1.445 9.458 16.512 744
2010 2.848 2.543 9.731 19.199 567
2015 12.335 5.065 23.244 47.528 1.769
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do RAIS

Com base na tabela 2, é perceptível que no último ano em questão, 2015, os setores que,
mas empregam são o setor de serviços e comércio, respectivamente. Ficando em terceiro
lugar o setor industrial, em quarto lugar a construção civil e em quinto a agricultura.

Segundo Brasil (1983), a cidade de Montes Claros possui agência de colocação de


orientação profissional para melhor seleção de candidatos a emprego. Entretanto de acordo
com Santos (2009), o mercado de trabalho em Montes Claros é precário, devido à falta de
um regime produtivo estável, para garantir trabalho de elevada parte de mão-de-obra,
estabilidade no emprego e salários satisfatórios. Todavia apresenta um número de limitado
de pessoas ocupadas formalmente. Os contratos de trabalho possuem padrões de
flexibilidade e precariedade, estendido de grande quantidade de pessoas desempregadas ou
inseridas na informalidade. Há ainda uma estratificação de sexo em relação às atividades
econômicas. Embora tenha um crescimento ocupacional maior do sexo feminino em
relação ao sexo oposto, os homens têm vantagens no número contratos.

4.1 As Mudanças Demográficas em Montes Claros

De acordo com Leite (2008), depois das instalações das indústrias em Montes Claros,
houve aumento da população urbana nesse município. Acredita-se que houve uma maior
atração de migrantes da zona rural e de cidades vizinhas, provocando aumento
significativo da população montes-clarense.

Tabela 3: Montes Claros- crescimento da população 1940 – 2010


ANO TOTAL % RURAL % URBANA

1940 61.532 75,11 24,89

1950 71.736 85,49 14,51

1960 131.337 60,02 39,98

1970 116.486 26,90 73,10

1980 177.302 12,41 87,59

1991 250.062 8,92 91,08

2000 306.947 5,79 94,21

2010 361.915 4,83 95,17

Fonte: Organização própria com base de dados do IPEA (2017).

De acordo com a tabela 3, é perceptível crescimento significativo na população urbana em


Montes Claros. Em 1960 a população rural representava mais de 60% da população total.
A partir de 1970, após a instalação do escritório da SUDENE no município, esses dados se
reinventem. Em 1970 a população urbana ocupou mais de 73% da população. Em 2010 a
população urbana alcança mais de 95%, enquanto a rural correspondeu a 4% da população.
Visto que, além das pessoas da zona rural migrar-se para a zona urbana, houve também a
chegada de pessoas de outras cidades vizinhas em busca de emprego. Dessa forma a em
Montes Claros no período de 1960, com a chegada da SUDENE, triplicou a quantidade de
população residente. Segue o gráfico 1, para melhor visualização.
Gráfico 2: crescimento populacional em montes claros de 1940 a 2010

350.000

300.000

250.000

200.000
Rural
150.000 Urbana

100.000

50.000

0
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Fonte: Criação própria a partir de dados do IPEA (2017).

Segundo Silveira apud Braga (2008) há quem defende a importância da SUDENE no


processo de desenvolvimento de Montes Claros. Porém, a quem critique a atuação da
mesma, pois com os incentivos da SUDENE houve um grande dano em fatores sociais,
através de inchamento na cidade, com surgimento de favelas. Pois a industrialização na
cidade provocou estímulo para milhares de pessoas de outros municípios migrarem para
Montes Claros em busca de emprego. Enquanto que em Montes Claros, teve grande
crescimento demográfico nas décadas de 1970 e 1980, as populações dos outros
municípios diminuíam.

Sobre isso Gomes (2007), complementa que esse inchamento da cidade trouxe como
resultado a formação de bairros de baixa densidade demográfica, a periferização, a
proliferação de assentamentos subnormais e um grande número de vazios urbanos. A partir
de 1970 o centro ficou cada vez mais centralizado em atividades terciárias (comércio e
serviços); as indústrias foram implantadas no Distrito Industrial recém-criado; e os novos
loteamentos formaram bairros predominantemente residenciais.
Tabela 4: Evolução a população de Montes Claros e dos municípios vizinhos4
MUNICÍPIO POPULAÇÃO
1960 1970 1980 1991 2000 2010
Bocaiúva 39.567 35.392 40.466 47.045 42.806 46.654
Capitão Enéas 11.234 9.934 11.731 13.113 14.206
Claro dos Poçõe 8.567 7.982 8.238 8.193 7.775
Coração de Jesus 31.523 30.140 30.098 32.688 25.729 26.033
Engenheiro Navarro 5.285 6.070 7.566 7.085 7.122
Francisco Sá 31.752 26.736 24.633 24.993 23.562 24.912
Glaucilândia 2.767 2.962
Guaraciama 4.469 4.718
Itacambira 8.245 8.719 6.807 4.558 4.988
Jequitaí 13.306 8.030 8.392 9.346 8.750 8.005
Juramento 6.480 7.797 6.883 6.389 3.901 4.113
Montes Claros 131.337 116.486 177.302 250.062 306.947 361.915
Mirabela 13.137 14.573 16.893 12.552 13.042
Olhos d’Água 4.284 5.267
São João da Lagoa 4.400 4.656
Fonte: Elaboração própria, com dados do IPEA (2017).

Como mostra a tabela 3, várias cidades vizinhas de Montes Claros, ficaram com população
praticamente estagnada ou diminuíram o volume populacional. Enquanto a população de
Montes Claros obteve crescimento positivo em todos os anos. Segundo Braga (2008), os
municípios próximos á Montes Claros, apresentaram esta diminuição no número da
população, porque não tinha demanda correspondente à mão de obra residente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade de Montes Claros passou por diversas mudanças com a passar do tempo,
mudanças na qual foi intensificada a partir da instalação e atuação da SUDENE no

4
As 14 cidades escolhidas são localizadas em até 100 quilômetros de distância de Montes Claros. Algumas
cidades foram utilizadas também em trabalho feito por Braga (2008:59). Não foram apresentados dados em
algumas cidades, em determinados anos, por não ter base de dadas para estas cidades.
município. Houve crescimento principalmente, no número de população residente, e
mudanças no perfil da população, que antes de fazer parte da área da SUDENE,
predominava a população rural, e após a atuação desta autarquia, a população urbana
passar ser maior em sua quantidade. Mudanças também acontecem no emprego, que além
de aumentar a quantidades de empresas no município, passar a predominar os setores de
serviços e comercio, deixando de ser o setor agropecuário.

Cidade que tinha vários problemas estruturais, e após a instalação do escritório desta
Superintendência no município, passa a ser caracterizada como pólo socioeconômico
regional e tornando-se influência sobre desenvolvimento das regiões mais próximas.

REFERÊNCIAS:

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Um Estudo de Caso: Montes Claros. Montes Claros Editora Unimontes 2008.

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1983.

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1985

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Luciene (orgs). Formação social e econômica do norte de Minas. Montes Claros: Editora
UNIMONTES, 2000.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3 ª ed. São Paulo: Editora
Atlas, 1996.

GOMES, Fernanda Silva. Discursos contemporâneos sobre Montes Claros:


(re)estruturação urbana e novas articulações urbano-regionais. Dissertação
apresentada ao Núcleo de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte Escola de
Arquitetura da UFMG, 2007.

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www.ibge.gov.br/cidadesat. Acesso em 01/07/2016.

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Acesso em 01/07/2016.

LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Mariana de Andrade. Fundamentos De


Metodologia Científica. 7 ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.

LEITE, Marcos Esdras e PEREIRA, Anete Marília. Metamofose: do espaço intra-


urbano de Montes Claros. Montes Claros Editora: Unimontes 2008.

MANOLESCU, Friedhilde M.K.. MOURA, Eliseu Ribeiro de. SUDENE, a atuação do


estado na desconcentração industrial – o caso de Montes Claros. Artigo publicado VII
Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IV Encontro Americano de Pós-
Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2004.

MENEZES, João Paulo Calembo Batista. SOMERLATE, Rosane Lopes de Alcântara.


Incentivos fiscais: o mito do lucro da exploração na região do vale do mucuri. Artigo
publicado em I congresso UFU de contabilidade. Uberlândia / MG 2015.

PEREIRA, Laurindo Mékie. A Cidade do Favor: Montes Claros em meados do século


XX. Montes Claros editora Unimontes 2002.

PEREIRA, Laurindo Mékie. Em nome da região a serviço do capital: o regionalismo


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História Econômica. Universidade de São Paulo (UPS), São Paulo, 2007.
OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. (2000). O processo de formação de Montes Claros
e da Área Mineira da SUDENE. In: OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. RODRIGUES,
Luciene (Org.). Formação social e econômica do Norte de Minas. Montes Claros:
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com/pdf/potencialidades.pdf Acesso em 11/11/2016.

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SOUTO, Karine Gomes dos Santos. SANTOS, Gilmar Ribeiro dos. O


DESENVOLVIMENTO NO NORTE DE MINAS NA PERSPECTIVA DA SUDENE.
2013, disponível em: http://www.congressods.com.br/quarto/anais/GT11/05_GT_11.pdf
acesso 21/01/2017.

SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).


Disponível em: www.sudene.gov.br. Acesso em 05/06/2016.
AVALIAÇÃO DA FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE EM

MINAS GERAIS ENTRE 2011 E 2014

Rafael Lara Mazoni Andrade

Fundação João Pinheiro

rafaelmazoni13@gmail.com

Resumo

Inteligência geoespacial e geotecnologias podem ser usadas como uma maneira apropriada

de cotejar se os problemas sociais têm sido tratados e resolvidos. Neste trabalho, utiliza-se

o geomarketing, comparando a demanda por serviços de saúde pública – dada pela

esperança de vida – e a oferta de gastos e investimentos governamentais em Minas Gerais,

entre 2011 e 2014, num workframe geográfico. Utilizando-se geotecnologias, pode-se

apresentar esses dados para subsidiar o processo de tomada de decisão. Assim, utilizando-

se base da dados aberta e software livre, mostra-se que os gastos e investimentos

governamentais em Minas Gerais com saúde pública não apresentam um padrão ou um

continuum – o que pode ser visto como um problema, porque algumas políticas e projetos

são meramente descontinuados sem dinheiro e recursos.

Palavras-chave: Geomarketing; Inteligência geoespacial; Avaliação de políticas públicas.

Introdução

O orçamento público é um instrumento que consiste da organização da estimativa de

receitas e da previsão de despesas para a atividade governamental. Ao definir como,

quando, onde e em que quantidade os recursos serão destinados, esse instrumento de

planejamento formalizado legalmente carrega consigo o poder de interferir diretamente na


qualidade e nos impactos da própria ação governamental (PINTO, 2008). Ainda, esse

instrumento possibilita a articulação entre planejamento, execução e controle de recursos

públicos e possibilita mais fiscalização e controle das ações estatais (SILVA, 2009). Como

disse o ministro Luis Roberto Barroso, as decisões envolvidas no processo de elaboração

do orçamento carregam consigo “escolhas trágicas, que estabelecem até mesmo quem vai

viver e quem vai morrer” (BARROSO, sem data).

No que tange, então, ao orçamento para as políticas de saúde, essa problemática

ganha um peso ainda maior. O acesso universal às políticas de saúde é preconizado pela

Constituição Brasileira, e há um crescente esforço para tal universalização (MEDICI,

2011). Além disso, “as necessidades de saúde são amplas e mudam constantemente, mas

os recursos para provê-las são limitados diante da magnitude e do crescimento progressivo

dessas necessidades na percepção individual e coletiva” (MEDICI, 2011, p. 24).

Diante dessa enorme importância que a pasta da saúde possui, o que inclui um

orçamento relativamente grande e demandas universais (CAVALIERI & PAZELLO,

2004), é preciso estipular prioridades (MEDICI, 2011). Assim, as políticas públicas de

saúde acabam por ter enorme sensibilidade em face de escolhas de valores éticos e sociais

no processo de elaboração do orçamento. Uma escolha sobre alocação de recursos na

saúde, em alusão a o que disse o ministro Barroso, pode claramente decidir quem vive e

quem morre. Sabe-se que os gastos com saúde se concentram nas áreas onde a renda per

capita é mais alta. A despeito das tentativas de corrigir disparidade regionais via

planejamento, não há compensação entre as regiões mais ricas e mais pobres (MEDICI,

2011).

As políticas públicas de saúde são executadas por estados e municípios. Assim,

essa questão das escolhas do orçamento ganha ainda mais relevo quando se aplica a um

contexto de desigualdades, que é o caso do estado de Minas Gerais – uma área com
586.000 km2 (o que corresponde a 6,9% do território brasileiro), por onde se espalham

quase 20 milhões de habitantes em 853 municípios, dos quais a grande maioria se situa na

categoria de municípios de pequeno porte, ainda mais carentes e dependentes (REZENDE,

2011). Paulo Roberto Haddad afirma que “quase 94% dos municípios de Minas tem uma

renda per capita inferior à média nacional” (HADDAD, 2004, p. 25). Ainda, seu estudo

aponta para “uma concentração de municípios nas faixas dos valores que equivalem de 30

a 70% da média nacional” (HADDAD, 2004, p. 25). Devido a diversos fatores de ordem

física, social, política, econômica e cultural, o desenvolvimento do estado se dá permeado

por desequilíbrios. Sabe-se que os municípios de pequeno porte – grande maioria em

Minas Gerais – têm finanças públicas deficitárias e, por isso, dependem de transferências

de outros entes. Logo, esses municípios geralmente não têm recursos para implementar

suas próprias políticas públicas, o que condiciona sua dependência das políticas

implementadas por governos de outros níveis (estado ou União).

Em face desses desequilíbrios em Minas Gerais, algumas regiões do estado têm

sido alvo de ações prioritárias do governo estadual, visando ao desenvolvimento

(SANTOS & PALES, 2012). Como expressa o Plano Mineiro de Desenvolvimento

Integrado – PMDI 2011-2030 –, a diversidade intra-regional em Minas Gerais e a grande

extensão territorial do estado requerem inovações na forma de governar (MINAS

GERAIS, 2011a). Vale destacar que, desde a década de 1980, o território de Minas Gerais

está dividido em dez regiões de planejamento, com fins voltados à facilitação da

administração estadual (SEPLAN, 1994).

Um estado que preconiza a visão de futuro de ser “o melhor estado para se viver”

(MINAS GERAIS, 2011a), no cerne das discussões acerca daquilo que se chama de

“Gestão para a cidadania”, precisa estar atento à execução orçamentária das suas políticas

de saúde. Isso se dá, sobretudo, no caso das regiões de Minas Gerais que apresentam
indicadores de qualidade de vida mais baixo, como é o caso das regiões Norte de Minas e

Jequitinhonha/Mucuri (LOPES, 2013). Para, enfim, chegar a esses incrementos

demandados, o governo do estado de Minas Gerais tem repensado a estratégia de

regionalização de suas ações a fim de “potencializar suas vantagens comparativas e

compensar as carências territoriais minimizando as assimetrias regionais” (MINAS

GERAIS, 2011a, p. 57).

Assim, este trabalho possui como objetivo a avaliação da focalização regionalizada

dos gastos com as políticas públicas de saúde encabeçadas pela Secretaria de Estado de

Saúde de Minas Gerais1 nos anos de 2011 a 2014 entre as regiões de planejamento do

estado, aplicando o geomarketing à questão das demandas da sociedade por incrementos

qualitativos e quantitativos nas políticas de saúde, a fim de aferir se há focalização dos

investimentos, e se alocação de recursos se adéqua às demandas da população e às

diretrizes preconizadas no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – sobretudo no

que atine às demandas das regiões Norte de Minas e Jequitinhonha/Mucuri.

Sabe-se que, em média, o gasto do setor público brasileiro com políticas

relacionadas à saúde se adéquam à necessidade quantitativamente. Dados do Banco

Mundial afirmam que o Brasil gasta o esperado de acordo com a magnitude de sua renda

per capita (MEDICI, 2011): “não existem grandes discrepâncias entre o Brasil e outros

países quanto à magnitude do gasto em saúde, inclusive no que se refere ao gasto público,

considerando seu nível de renda per capita” (MEDICI, 2011, p. 46).

No entanto, há pouca efetividade nas políticas sociais brasileiras, de modo geral, e

os mesmos problemas persistem há anos. Paes de Barros e Carvalho (2003) afirmam que

isso se deve a déficits na focalização das intervenções e na má distribuição geográfica dos

1
Faz-se necessário destacar que apenas os gastos que constam no orçamento estadual serão avaliados, o que
não significa que não haja investimentos senão os realizados pelo governo do estado, posto que os
municípios recebam recursos do governo federal para a execução das ações do setor de saúde (MEDICI,
2011).
recursos: “A política social brasileira tem sistematicamente falhado em atingir os mais

pobres” (BARROS; CARVALHO, 2003, p. 5).

Espera-se que essa aplicação da inteligência geoespacial ao setor público preencha

duas lacunas: (i) do lado do geomarketing, busca-se preencher uma carência por aplicações

ao setor público – ainda em desenvolvimento lento, porque “hoje o setor público

desconhece largamente o poder do geomarketing” (COGNATIS, sem data); e (ii) do lado

da avaliação e monitoramento da ação governamental, responder a uma demanda por

incrementos inovadores de práticas que possibilitem o aumento da efetividade e da

eficiência da ação do Estado (COSTA; CASTANHAR, 2003; CAVALIERI; PAZELLO,

2004; BARROS; CARVALHO, 2003).

Ademais, busca-se uma pesquisa que seja relevante teórica e socialmente, no

sentido de ser uma tentativa de aumentar o poder explicativo das teorias – sobretudo no

que atine ao geomarketing, a fim de empoderar, afirmar e alargar o escopo de pesquisa dos

pensadores da ciência geográfica –, associando conceitos interdisciplinares e

demonstrando a existência de relações entre fenômenos distintos (LUNA, 2002). Aspira-se

a uma interpretação da realidade que possa fornecer diretrizes de ação aos profissionais do

campo da Geografia, da Gestão Pública e campos afins, Ciência Política, Direito Público,

Contabilidade Pública, Economia, Finanças Públicas e Administração Financeira e

Orçamentária; bem como à ação na área do Planejamento Governamental e da

Administração Pública. Em suma, espera-se que o uso dessa tecnologia envolvida em

inteligência geográfica possa ser uma ferramenta útil, pouco dispendiosa e tempestiva para

facilitar o processo de tomada de decisão, posto que seu uso adequado e com base em

princípios e teorias possa comunicar a realidade espacial de uma maneira sui generis.

Este trabalho se divide da seguinte maneira: para melhor entendimento da temática,

o próximo item trata de conceituações acerca de planejamento governamental, ação do


Estado, desenvolvimento e desigualdade em Minas Gerais e geomarketing, dentre outros.

Na sequência, busca-se o detalhamento da metodologia utilizada para o procedimento

desta avaliação da regionalização das políticas públicas de saúde em Minas Gerais. Depois

disso são discutidos os seus resultados, culminando na discussão de considerações finais

acerca das relações encontradas entre o orçamento, sua execução e seus impactos no

contexto de Minas Gerais.

Metodologia

A literatura aponta para problemas na focalização de diversas políticas sociais, casos em

que os indivíduos mais pobres são sub-representados tanto no acesso às políticas quanto na

distribuição dos gastos (CAVALIERI; PAZELLO, 2004), e a efetividade da política social

brasileira, como um todo, demanda maior focalização em indivíduos que dela dependem

substancialmente (BARROS; CARVALHO, 2003). Além disso, sabe-se que “Quanto mais

inclusivo for o alcance [...] dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que

mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria” (SEN,

2000, p. 113).

Em termos gerais, sabe-se que quanto menor o valor da esperança de vida ao nascer

em uma região, maior a demanda por incrementos qualitativos e quantitativos nas políticas

de saúde, conforme Belon e Barros (2011). Ainda, afirma-se que “o gasto público é um

elemento importante para a geração de bens e serviços sociais que se situam no rol das

responsabilidades do Estado” (CASTRO; CARDOSO JR, 2005). Ademais, verifica-se um

viés de focalização dos gastos com saúde, porque os gastos do SUS acabam sendo mais

elevados nas áreas onde a renda per capita é mais alta, conforme Medici (2011).

Assim, este trabalho possui como objetivo a avaliação da focalização regionalizada

dos gastos com as políticas públicas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais nos
anos de 2011 a 2014 – especificamente, de suas unidades orçamentárias FUNED

(Fundação Ezequiel Dias), FHEMIG (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais),

HEMOMINAS (Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais) e FES

(Fundo Estadual de Saúde), aplicando o geomarketing à questão das demandas da

sociedade por incrementos qualitativos e quantitativos nas políticas de saúde, a fim de

aferir se há focalização dos investimentos, e se alocação de recursos se adéqua às

demandas da população e às diretrizes preconizadas no Plano Mineiro de Desenvolvimento

Integrado.

Para tanto, serão comparados os gastos e investimentos na pasta de saúde – apenas

aqueles que possam ser localizados espacialmente, o que corresponde a um valor bastante

inferior ao total gasto com saúde no ínterim analisado – com base nas Leis Orçamentárias

Anuais (LOAs) de 2011 a 2014 (extraídos dos documentos relativos ao “Orçamento Fiscal

- Administração Direta e Administração Indireta” e à “Distribuição Regional dos

Investimentos”) e as demandas por serviços de saúde – que serão dadas aqui pela análise

da esperança de vida ao nascer em cada região. Esse indicador considera a média da

esperança de vida ao nascer em cada município de cada região de planejamento de Minas

Gerais. A esperança de vida ao nascer, fornecida pelo IBGE em seus censos, foi escolhida

por sintetizar as condições de saúde e salubridade.

Para essa avaliação, os dados obtidos serão tratados em um software de

geoprocessamento gratuito, o QGIS, versão 2.8.1 (também conhecido como QuantumGIS).

Além do uso de um software livre, vale dizer que essa análise baseia-se somente em dados

secundários gratuitos e de livre acesso: layers disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística e dados de desenvolvimento humano por município retirados do

Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – desenvolvido em conjunto entre a

Fundação João Pinheiro, o IPEA e o PNUD – e dados do orçamento – nas Leis


Orçamentárias Anuais, as LOAs – disponibilizados pela Secretaria de Estado de

Planejamento e Gestão de Minas Gerais.

Aos layers dos limites dos municípios foram adicionados, através da ferramenta

“Uniões”, dados extraídos do Atlas do Desenvolvimento Humano (esperança de vida ao

nascer) e dados fornecidos pela SEPLAG-MG (acerca das Regiões de Planejamento). Em

seguida, foram obtidos os shapes das Regiões de Planejamento (que não estavam

disponíveis para download) através de tratamento no software, a partir da seleção dos

municípios de cada Região. Na sequência, foram obtidos mapas temáticos representando a

esperança de vida ao nascer de cada município de Minas Gerais e a média simples dos

valores dos municípios em cada uma das regiões de planejamento.

Por fim, foram extraídos manualmente os dados acerca do orçamento para os anos

em questão – retirados das respectivas LOAs. Os dados tiveram de ser extraídos

manualmente porque os orçamentos só são disponibilizados em formato .pdf. Nesse

processo, a indisponibilidade de detalhes levou a algumas generalizações – alguns valores

estavam vinculados a mais de um município sem, contudo, que houvesse explicações

acerca de valores para cada município. Para esses casos, foram feitas divisões paritárias – o

que justifica, em alguns casos, o fato de duas Regiões possuírem o mesmo valor para um

certo ano.

Depois do processo de tabulação manual desses dados, eles foram agrupados em

suas respectivas Regiões de Planejamento. Os valores totais foram divididos pela

população total de cada Região. Em seguida, os valores obtidos – gasto per capita com as

políticas analisadas – foram adicionados às tabelas de atributos de cada layer

correspondente às Regiões de Planejamento no QGIS. Para a apresentação dos mapas

mostrando os gastos por Região para cada um dos anos, foi feita a distribuição dos valores

por classes segundo método estatístico descrito por Triola (2001, pp. 36-38): excetuando-
se os valores nulos, foram criadas seis classes de valores. Na sequência, comparam-se os

resultados, como mostra a próxima seção deste trabalho.

Resultados

A aplicação da metodologia elencada acima gerou alguns mapas que sintetizam os

resultados da avaliação da focalização dos gastos com saúde em Minas Gerais para os anos

em questão, que estão no anexo B.

De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010, a esperança de vida ao

nascer em Minas Gerais varia entre 68,37 e 78,15 anos, com média igual a 74,42 anos e

desvio padrão igual a 1,7891.

FIGURA 1- Esperança de vida ao nascer em 2010 para cada município de Minas Gerais
O mapa abaixo apresenta a esperança de vida ao nascer para cada município mineiro no

ano de 2010. A esperança de vida ao nascer será utilizada neste trabalho para apontar para

a demanda por serviços de saúde. Quanto menor o seu valor, maior a demanda por

incrementos qualitativos e quantitativos nas políticas de saúde (BELON; BARROS, 2011).

Neste mapa, cada valor possui uma cor, numa escala entre vermelho e azul, tal que o

vermelho é pior e o azul, melhor.

FIGURA 2- Média simples da esperança de vida ao nascer para as regiões de planejamento

em Minas Gerais em 2010


FIGURA 3 – Gasto per capita por região de planejamento em 2011 (em R$)

FIGURA 4 – Gasto per capita por região de planejamento em 2012 (em R$)
FIGURA 5 – Gasto per capita por região de planejamento em 2013 (em R$)

FIGURA 6 – Gasto per capita por região de planejamento em 2014 (em R$)
A análise desses últimos mapas aponta para uma constatação narrada na introdução

deste trabalho. Corroborando o que foi dito, percebe-se que as regiões Norte de Minas e

Jequitinhonha/Mucuri apresentam indicadores de qualidade de vida mais baixos –

inclusive, a média da esperança de vida nessas regiões é inferior à média do estado.

Outrossim, um estado que carrega a visão de futuro de ser “o melhor estado para se

viver” (MINAS GERAIS, 2011a) precisa estar de fato atento à execução orçamentária das

suas políticas de saúde – sobretudo nessas regiões. Segundo o Plano Mineiro de

Desenvolvimento Integrado, a ideia é “potencializar [...] vantagens comparativas e

compensar as carências territoriais minimizando as assimetrias regionais” (MINAS

GERAIS, 2011a, p. 57).

A análise dos gastos passíveis de espacialização leva a crer em um aumento da

diversificação do foco dos gastos. Se em 2011 a região Central reunia 73,34% do valor,

sua participação passa a ser de 32,45% - uma redução de 39%. Outras regiões – como

Jequitinhonha/Mucuri, Norte de Minas, Triângulo, Mata e Sul de Minas apresentaram

aumentos consideráveis na participação. Um caso à parte é a região Noroeste de Minas,

que não recebeu nenhum valor nesse ínterim.

Sabe-se, contudo, que esses dados acabam enviesados pela proporção de habitantes

que cada região possui. Por exemplo, a Região de Planejamento Central concentrava um

número expressivo dos gastos e investimentos espacializáveis em 2011 (73,34% do total),

mas também concentrava pouco mais de 35% dos habitantes de Minas Gerais em 2010.

Tentando minimizar esse efeito, os quatro mapas abaixo apresentam – para cada ano entre

2011 e 2014 – o gasto per capita (considerando o dado de população de 2010 como uma

proxy) com essas políticas que vêm sendo analisadas.


Percebe-se, em linhas gerais, que não há tendências que possam ser apontadas para

os gastos e investimentos em políticas de Saúde passíveis de espacialização para o ínterim

2011-2014 em Minas Gerais. Algumas regiões mantêm-se no mesmo patamar de gastos e

investimentos (como a Região de Planejamento Noroeste de Minas, que manteve valores

nulos nos quatro anos), enquanto outras apresentam grande aumento em um ano, seguido

de queda abrupta no período seguinte (como foi o caso da Região de Planejamento Norte,

que começa com poucos investimentos per capita, passa a ter a segunda colocação em

2012, mantém seu ritmo de crescimento em 2013 e cai abruptamente em 2014).

Discussões

Em face da complexidade do tema e da enorme relevância – tanto social quanto econômica

– da questão da focalização das políticas públicas de saúde, este trabalho buscou apresentar

um diagnóstico da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais no ínterim 2011-2014.

No contexto das reformas encabeçadas pelo governo do estado de Minas Gerais, o

Choque de Gestão buscou trazer racionalidade ao planejamento. Para Aécio Neves, que

governou o estado durante boa parte do Choque de Gestão, essa reforma constitui-se de

“medidas administrativas, mas também de profundo significado ético” (MINAS GERAIS,

2013, p. 3). Sem dúvidas, foram mudanças estruturais e culturais na Administração Pública

de Minas Gerais, com bastantes resultados positivos.

No entanto, o caso aqui estudado aponta para alguns desvios. Se o planejamento

visa a tirar o gestor da tirania do curto prazo, o que ocorre para os investimentos e gastos

com saúde em Minas Gerais é a própria exacerbação dessa tirania. A análise feita mostra

que não há tendências que possam ser apontadas para os gastos e investimentos em

políticas de Saúde passíveis de espacialização para o ínterim 2011-2014 em Minas Gerais.

Sabe-se que algumas regiões se mantiveram no mesmo patamar de gastos e investimentos,


enquanto outras apresentam grande aumento em um ano, seguido de queda abrupta em

períodos posteriores:

Se de um lado foram alcançados muitos progressos na oferta de serviços


públicos em geral, de outro ainda persistem problemas relacionados à redução da
pobreza, à desigualdade social, à diversificação da economia, aos serviços
públicos de saúde, de educação e de segurança, dente outros. (MINAS
GERAIS, 2011a, p. 11, grifo nosso).

A importância desse trabalho, como proposto desde a introdução, é (i) preencher

uma carência por aplicações de inteligência geográfica ao setor público (COGNATIS, sem

data); e (ii) responder a uma demanda por incrementos inovadores de práticas que

possibilitem o aumento da efetividade e da eficiência da ação do Estado (COSTA &

CASTANHAR, 2003; CAVALIERI & PAZELLO, 2004; BARROS & CARVALHO,

2003). Nesse sentido, Amartya Sen afirma que:

a necessidade de discutir a valoração de capacidades diversas no que concerne às


prioridades públicas é [...] uma vantagem, pois nos força a deixar claro quais são
os juízos de valor em uma esfera na qual os juízos de valor não podem – e não
devem – ser evitados. [...] Por exemplo, a suposição – com frequência feita
implicitamente – de que duas pessoas com a mesma função de demanda têm de
ter a mesma relação entre pacotes de mercadorias e bem-estar (independente de
uma ser doente e outra não, de uma ser incapacitada e a outra não etc.) é
basicamente um modo de fugir da necessidade de levar em conta muitas
influências significativas sobre o bem-estar (SEN, 2000, p. 134).

Num estado que preconiza a visão de futuro de ser “o melhor estado para se viver”

(MINAS GERAIS, 2011a), a instabilidade dos recursos com saúde podem ser um

empecilho a uma boa administração pública. A avaliação feita, aplicando o geomarketing à

questão das demandas da sociedade por incrementos qualitativos e quantitativos nas

políticas de saúde, mostra uma focalização dos investimentos e gastos um tanto quanto

incerta, demasiadamente variável e instável. Diante dessa variação muito grande, os

projetos, programas e políticas acabam descontinuados – o que traz consigo enormes


prejuízos para a população, sobretudo para municípios localizados em Regiões mais pobres

e mais dependentes de recursos do governo do estado.

Completando essa discussão, André Medici, autoridade acerca de políticas públicas

de saúde no Brasil, afirma que:

Um estado mais eficiente e mais justo não se mede pela quantidade de


propriedade pública que ele detém, mas sim pela quantidade de produto social
que ele consegue comandar, regular e atender aos setores mais desfavorecidos da
população (MEDICI, 2011, p. 77).

Conclusões

Como conclusões, pode-se dizer que se distanciam realidade e as concepções universalistas

de direitos sociais relativos à cidadania, tal qual preconiza a Carta Cidadã de 1988. Esse

padrão de financiamento percebido através da aplicação de geomarketing reflete-se nas

políticas públicas de saúde na forma de fragmentação, pulverização, ausência de

planejamento, ausência de avaliação e monitoramento e com grandes riscos à interferência

de interesses internos ou eleitoreiros. O que se percebe aqui é uma tentativa da burocracia

de se insular – defendendo-se através da racionalização e da instrumentalização do

planejamento (NUNES, 2010). Essa tentativa de defesa fortalece o viés das teorias da

administração na busca pela hegemonia do planejamento governamental (SANTOS, 2011).

Logo, a burocracia se distancia da política e se distancia da realidade, e o planejamento

governamental é visto apenas pela lente da administração (SANTOS, 2011).

Observa-se ainda uma preponderância da lógica orçamentária de curto prazo, em

detrimento da característica prospectiva de orientar o planejamento. Além disso, “quando a

gestão pela gestão sufoca o debate de conteúdo no planejamento e o modelo não consegue

dar vazão às decisões, o modelo revela seus limites” (SANTOS, 2011, p. 312).
Além dessa lógica de curto prazo preponderante, afirma-se a incompletude de

informações. O texto do orçamento é complicado de se entender, e as informações são

incompletas e dão margem a dúvidas. Por exemplo, em um dos programas, afirma-se o

objetivo de melhorar qualidade de vida através de ações de promoção à saúde nos

municípios de menor IDH, mas não são estabelecidos quaisquer critérios. Em outros casos,

não há descrição completa dos municípios que receberão certos recursos e, de modo geral,

não existem justificativas para priorizações.

Outra questão que merece ser discutida é a própria regionalização. Os orçamentos

tratam ou citam as regiões e a regionalização, mas não há nem consenso acerca do termo.

Como diz o ditado português, “o papel aceita tudo”. A ideia de regionalizar e

descentralizar as políticas de saúde está na lei, está na agenda e está nos planos de governo.

Todavia, em linhas gerais, não se demonstra tanta atenção à regionalização nem à

determinação de tratar da equidade territorial.

Emerge daí a necessidade de se pensar acerca da região. Em suma, a ideia de

“dividir para governar”, afeita ao próprio conceito de região, se esbarra em questões

técnicas ligadas à saúde, bem como ao próprio funcionamento de um sistema de saúde em

questões de escala – que têm mais a ver com regiões polarizadas que regiões homogêneas.

Ainda há muito o que se discutir acerca desse tema.

Diante de tudo isso, espera-se que essa discussão interdisciplinar consiga apontar

para a centralidade das questões espaciais no que atine ao planejamento regional – o que

empodera o profissional geógrafo. Nesse mesmo sentido, percebe-se o geomarketing como

uma maneira de afirmar e alargar o escopo de pesquisa dos pensadores da ciência

geográfica.

Além disso, infere-se que o uso adequado de geotecnologias – envolto em

conceitos e teorias – pode ser uma ferramenta útil, pouco dispendiosa e tempestiva para
facilitar o processo de tomada de decisão e engendrar melhorias para condições de vida. A

Geografia e suas tecnologias têm muito a oferecer para subsidiar o planejamento e a

gestão, garantindo um eficiente controle da ação do Estado.

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Anexo A – Regiões de planejamento em Minas Gerais

O território de Minas Gerais foi dividido em dez Regiões de Planejamento, definidas pela

Fundação João Pinheiro no ano de 1992 (SEPLAN, 1994). Como o próprio nome, essa

proposta de regionalização seria baseada na tentativa de facilitar as ações de planejamento

e gestão do governo do estado. A divisão feita está calcada na interdependência – com

ênfase nas áreas de influência urbana e em elementos de homogeneidade, associando

fatores técnicos e político-administrativos (DINIZ; BATELLA, 2005). Por essas Regiões

se distribuem os 853 municípios do estado e seus 19.597.330 habitantes. O mapa abaixo

apresenta a localização das Regiões de Planejamento do estado de Minas Gerais,

acompanhado de uma tabela que sintetiza dados sobre a quantidade de municípios, a área e

a população – absolutas e relativas – de cada uma dessas Regiões de Planejamento:

Regiões de planejamento em Minas Gerais


Quadro comparativo das Regiões de Planejamento em Minas Gerais

REGIÃO DE TOTAL DE % DE ÁREA % DE

PLANEJAMENTO MUNICÍ- HABITANTES HABITAN- (km2) ÁREA

PIOS TES

ALTO 31 655.353 3,34 36.935,75 6,28

PARANAÍBA

JEQUITINHONHA/ 66 1.002.119 5,11 63.085,51 10,72

MUCURI

MATA 142 2.173.374 11,09 35.849,17 6,09

CENTRAL 158 6.971.049 35,57 80.580,91 13,70

CENTRO-OESTE 56 1.120.202 5,72 31.628,72 5,38

NOROESTE DE 19 366.418 1,87 62.759,66 10,67

MINAS

NORTE DE MINAS 89 1.610.413 8,22 128.571,49 21,85

SUL DE MINAS 155 2.588.280 13,21 53.091,07 9,02

RIO DOCE 102 1.620.993 8,27 41.931,34 7,13

TRIANGULO 35 1.489.129 7,60 53.895,66 9,16

Fonte: IBGE (2010), SEPLAG-MG (2015), FJP (2002)


Economia do Insumo-Produto: uma análise de impacto
dos investimentos anunciados para o Espírito Santo entre
2011-2016

Marlon Porfírio Casotto1


Celso Bissoli Sessa2

RESUMO: O objetivo é mensurar os impactos econômicos dos investimentos anunciados


para o Espírito Santo 2011-2016 a partir da MIP. Será apresentado um panorama da economia
capixaba para contextualizar o cenário no qual ocorrerão os investimentos, bem como será
exposto o modelo de insumo-produto. Poderá se verificar que, caso todos os investimentos
aconteçam, o impacto na economia capixaba será significativo, com setores apresentando
crescimento pouco provável baseado na sua importância para o Estado. Existem indícios de
que os investimentos estejam superestimados em virtude do volume divulgado e da incerteza
da efetividade da realização em sua integralidade no prazo de cinco anos.

PALAVRAS-CHAVE: Economia Capixaba, Matriz de Insumo-Produto, Impacto


Econômico.

JEL CLASSIFICATION: C67, D57, R15.

ABSTRACT: The objective is to measure the economic impact of investments announced for
Espírito Santo in 2011-2016 from the MIP. An overview of the state economy to
contextualize the scenario in which investments will occur and will be exposed to the input-
output model will be presented. It can be seen that if all investments occur, the impact on the
state economy will be significant, with sectors presenting unlikely growth based on its
importance to the state. There is evidence that investments are overestimated because of the
reported volume and the uncertainty of the effectiveness of achievement in their entirety
within five years.

KEYWORDS: Capixaba Economics, Matrix Input-Output, Economic Impact.

JEL CLASSIFICATION: C67, D57, R15.

1
Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: marlonmandino@yahoo.com.br
2
Doutorando em Economia no CEDEPLAR/UFMG e professor Adjunto do Departamento de Economia da
Universidade Federal do Espírito Sando (UFES). E-mail: celso.bissoli@gmail.com
1. Introdução

O investimento agregado em uma economia constitui um dos elementos mais importantes

devido à duplicidade de seu caráter: ao mesmo tempo em que o investimento é um dos principais

componentes de curto prazo da demanda, essa variável também é considerada fundamental no

crescimento de longo prazo de uma localidade (MAGALHÃES e TOSCANO, 2010). Nos últimos

anos, a economia do Espírito Santo vem se destacando no cenário nacional por apresentar um

crescimento acima da média nacional baseado principalmente nas commodities (minério de ferro, aço,

celulose, e, mais recentemente, petróleo e gás). Parte do crescente desenvolvimento econômico do

Estado é fruto dos desdobramentos dos investimentos nos Grandes Projetos (no período 1975-1990) e,

mais recentemente, do desenvolvimento da indústria de petróleo e gás atrelado aos resultados do

comércio internacional.

Segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves (2012), entre 2011 e 2016, a economia

capixaba deve receber investimentos superiores a R$ 100 bilhões, o maior volume já identificado para

o estado, distribuídos entre 1.373 projetos com valor médio de R$ 73,3 milhões. Em termos agregados,

o setor de energia é o que deve receber o maior volume de recursos (40,3%), seguido do setor de

indústria (32,5%) e pelo setor de comércio, serviço e lazer (7,3%). No que diz respeito à distribuição

regional dos investimentos, a região litoral sul e a região metropolitana receberão 45,5% e 25,2% dos

investimentos, respectivamente.

Os investimentos previstos para o estado estão concentrados nos setores produtores de

commodities de exportação, corroborando a hipótese de tendência ao aprofundamento do atual perfil

da economia capixaba. Assim, em virtude do desempenho recente da economia do Espírito Santo e

tendo em vista o grande volume de recursos que o estado pode vir a receber nos próximos anos, o

objetivo é mensurar os impactos econômicos que serão gerados.

A mensuração do impacto econômico que os investimentos anunciados para o Espírito Santo

entre 2011 e 2016 trarão para a economia capixaba será feita a partir da Matriz de Insumo-Produto e

dos dados da pesquisa “Investimentos Anunciados para o Espírito Santo 2011-2016”, realizada pelo

Instituo Jones dos Santos Neves (IJSN).


A principal contribuição deste trabalho reside na identificação das distribuições, intensidades e

transmissões dos efeitos projetados no sistema produtivo da economia capixaba, especialmente

considerando a geração de informações para as estratégias dos formuladores de política no Estado.

Caso todos os investimentos aconteçam, o impacto na economia capixaba será significativo, com

setores apresentando crescimento pouco provável baseado na sua importância para o Estado, havendo

indícios de que os investimentos estejam superestimados em virtude do volume divulgado e da

incerteza da efetividade da realização em sua integralidade no prazo de cinco anos.

Para melhor entendimento, o artigo será dividido em três seções, além desta introdução e das

considerações finais. Na seção 2 será apresentada uma breve discussão sobre desenvolvimento

regional e um panorama da economia capixaba nas últimas décadas com a finalidade de apresentar o

cenário no qual os investimentos já citados vão ocorrer. Na seção 3 será apresentado o modelo de

insumo-produto, que servirá de base metodológica deste artigo para o estudo de impacto econômico.

E, finalmente, a seção 4 será composta pelo estudo de impacto econômico realizado através da matriz

de insumo-produto do Espírito Santo. Esta seção conterá, ainda, uma breve descrição dos resultados

obtidos, seguido pela última seção: as considerações finais.

2. Desenvolvimento Regional e Caracterização Econômica do Espírito Santo

O debate sobre desenvolvimento regional enfatizou que o processo de crescimento econômico

acontece de forma desigual entre as regiões. Nas palavras de Perroux (1955, p. 146), “o crescimento

não aparece por toda a parte; manifesta-se em pólos de crescimento, com intensidades variáveis,

expande-se por diversos canais e tem efeitos terminais variáveis no conjunto da economia”. Na mesma

direção, Myrdal (1957) argumentou, baseado no princípio da causalidade cumulativa, que as regiões

tenderiam a seguir caminhos diferentes ao longo do tempo, pois os investimentos com maiores

retornos se concentrariam em algumas regiões e em razão de crescentes economias internas e externas

esse processo se tornaria cumulativo, embora houvesse efeitos de espraiamento (DINIZ, 2001). A

concentração tenderia a ser permanente, pois os efeitos propulsores (ou de espraiamento) não seriam

capazes de reverter esse processo, a não ser em algumas poucas regiões (WILTGEN, 1991).

Hirschman (1958) também constatou que as regiões mais desenvolvidas atraíam mais investimentos
em relação às regiões mais atrasadas, reforçando a desigualdade entre elas, mas também reconhecia a

existência de alguns efeitos positivos sobre as regiões atrasadas (DINIZ, 2011).

Esses princípios do desenvolvimento desigual ajudam na compreensão da realidade regional

do Espírito Santo, um estado marcado historicamente por diferenças econômicas em seu espaço

geográfico. A caracterização dos 3 ciclos de desenvolvimento econômico3 pelos quais o estado passou

ilustra o cenário econômico no qual acontecerão os investimentos anunciados entre 2011 e 2016,

especialmente em relação ao 3º ciclo, que ainda está em curso.

Até 1950, a economia capixaba foi caracterizada como agroexportadora baseada na cultura do

café, produzido em sua maior parte em pequenas propriedades e com mão–de-obra de predominância

familiar. O 1º ciclo de desenvolvimento do estado foi marcado justamente por essa característica, o

que representa, de certa forma, um prolongamento da economia cafeeira que predominou no Brasil até

o processo de industrialização capitaneado por São Paulo inicialmente e, mais tarde, estendido a outros

estados do país (CAÇADOR, 2008).

Este cenário só teve um ponto de ruptura estrutural a partir da década de 1950 com a crise de

superprodução e de preços do café que atingiu a cafeicultura nacional. A partir de uma política de

erradicação dos cafezais implantada pelo governo federal através do Grupo Executivo de

Racionalização da Cafeicultura (GERCA), o Espírito Santo foi beneficiado com recursos financeiros

que permitiram investimentos em infraestrutura para criar condições favoráveis ao processo de

industrialização. Outro resultado da política de erradicação dos cafezais foi a grave crise social que

teve como resultado um intenso processo de êxodo rural aliado a altas taxas de desemprego, afetando

em torno de 240 mil pessoas (ROCHA e MORANDI, 1991).

A partir da década de 1960, o Espírito Santo passou por profundas alterações em sua estrutura

produtiva. Ao longo de apenas 40 anos, sua economia de base preponderantemente agrícola e

dependente da cultura do café passou a ter um perfil fortemente industrial, com setores de serviço e

comércio, principalmente aqueles ligados ao comércio exterior, bastante desenvolvidos (MORANDI et

al., 2012). A partir da segunda metade da década de 1970, o Espírito Santo já apresentava

3 A denominação ciclo de desenvolvimento possui aqui a conotação de períodos de desenvolvimento socioeconômico


caracterizados por poucas atividades econômicas.
infraestrutura portuária, de transportes e de abastecimento energético que possibilitaram a atração de

novos investimentos, agora com um novo perfil e uma dinâmica completamente distintas da anterior

(ROCHA e MORANDI, 1991). A primeira fase do ciclo pode ser entendida como um processo de

transformações profundas, mas também que criou bases para a atração dos Grandes Projetos4.

Os Grandes Projetos (Aracruz Celulose, atualmente Fibria; Companhia Siderúrgica de

Tubarão (CST), atualmente Arcellor Mittal Tubarão; e Samarco) que se instalaram no Espírito Santo,

resultados do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), se beneficiaram da conjuntura do

mercado internacional e da estagnação da economia brasileira na década 1980.

Na década de 1990, o Brasil passou por um intenso processo de mudanças político-

institucionais e econômicas: ruptura do Modelo de Substituição de Importações (MSI); eleições diretas

para presidente, o que não acontecia desde 1960; privatizações; Consenso de Washington e Plano

Brady; abertura comercial e financeira; e estabilização da economia a partir de 1994 com a

implantação do Plano Real. Para Castro (2005), entre 1990 e 1994 o Brasil passou por uma mudança

em seu “modelo” de crescimento. Após 10 anos sem investimentos e em luta (sem sucesso) contra a

inflação, o processo de crescimento baseado no MSI chegou ao limite. A década de 90 foi marcada

pelo início do processo de privatização e da abertura econômica.

Em meio a todo este cenário, verificou-se que o crescimento da economia capixaba (3,9%) se

manteve superior à média nacional (2,4%), conforme tabela 1. Os Grandes Projetos industriais

continuaram a influenciar de forma crucial e decisiva a dinâmica da economia estadual. Os fatores

mais relevantes que promoveram o desempenho econômico capixaba neste período foram: o

crescimento das importações estaduais através das companhias importadoras (tradings), beneficiadas

pelo mecanismo do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (FUNDAP)5; a extração de

petróleo e gás; a evolução dos arranjos produtivos importantes para a economia local, como o de

alimentos e bebidas, o metal-mecânico, o de rochas ornamentais e o moveleiro; e, por fim, o

4 O termo Grandes Projetos refere-se aos investimentos realizados em plantas industriais produtoras de commodities no
estado entre meados de 1970 e início de 1980.
5 O FUNDAP é um financiamento para apoio a empresas com sede no Espírito Santo e que realizam operações de comércio

exterior tributadas com ICMS no Estado. Ressalta-se que devido à aprovação do PRS 72/2010 pelo Senado Federal em
24/04/2012 o mecanismo FUNDAP perdeu atratividade. O projeto unifica em 4% a alíquota do ICMS cobrada sobre produtos
importados em operações interestaduais. A nova regra passou a vigorar em janeiro de 2013 com a proposta de acabar com a
“guerra dos portos” nas operações interestaduais com produtos importados. Para maiores informações ver Felipe (2012).
desempenho do sistema GERES/BANDES (CAÇADOR, 2008). Para Mota (2002), o que

proporcionou este salto foi a utilização do FUNDAP aliada à abertura comercial do país, o que fez

com que na década de 1990 houvesse um salto nas importações capixabas e uma elevação no número

de empresas importadoras (tradings) com domicílio fiscal no estado6.

Tabela 1 - Taxa média anual de crescimento do PIB (%) de ES e do Brasil (1990-2009)


1990-2000 2000-2009
Setores
ES BR ES BR
Agricultura 6,1 0,7 6,9 3,7
Indústria 2,7 1,8 3,0 2,3
Terciário 4,3 1,1 6,0 3,6
Total 3,9 2,4 4,6 3,3
Fonte: Caçador (2008) para os anos 1990 e 2000 e Bacen (2013) para os demais anos

De forma geral, os setores marcantes do 3º ciclo de desenvolvimento capixaba, que ainda se

encontra em curso, são: os segmentos de minerais básicos (basicamente pelotização de minério de

ferro), metalurgia, papel e celulose, extração de petróleo e gás, alimentos e bebidas, móveis, rochas

ornamentais e vestuário e os serviços ligados ao comércio exterior (CAÇADOR, 2008). Apesar de

uma relativa diversificação nas atividades a partir da implantação dos Grandes Projetos na década de

1970, atualmente a economia capixaba ainda permanece dependente da produção de commodities no

setor industrial. No setor de serviços, as atividades relacionadas ao comércio exterior representam o

ponto mais importante.

Fonte: elaboração própria a partir de IPEA (2013)

6Para maiores esclarecimentos a respeito da importância do mecanismo FUNDAP para a economia capixaba na década de
1990 e seus desdobramentos, consultar Mota (2002).
Consoante com Caçador (2008), a economia capixaba continua dependente da produção de

commodities voltadas para o comércio exterior e, mais recentemente, o setor de petróleo e o da

construção civil passaram a ocupar lugar de destaque na produção capixaba. A construção civil tem

impactado no setor de serviços, no de atividades imobiliárias, no de aluguéis e de serviços prestados.

Toda a análise apresentada pode ser demonstrada no gráfico 1, que revela a composição setorial do

PIB do Espírito Santo entre 1990-2009, período no qual o crescimento do setor terciário e industrial

foi expressivo.

3. A Matriz de Insumo Produto

Esta seção abordará a teoria de insumo-produto, desenvolvida inicialmente por Wassily

Leontief, e suas respectivas aplicações em economia com vistas a servir de base metodológica para o

estudo de impacto econômico que será realizado.

3.1 O Modelo de Insumo-Produto

Elaborada a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais, a matriz de insumo-produto

(MIP) apresenta o fluxo de bens e serviços entre os setores da economia, sendo um quadro de dupla

entrada que registra, por um lado, os insumos utilizados pelas diversas atividades econômicas e, por

outro, o destino da produção, demonstrando as relações de interdependência entre os setores e

permitindo avaliar os impactos de variações na demanda final dos produtos (KURESKI, NUÑEZ e

RODRIGUES, 2007). Para Leontief (1964), o ponto central da análise de insumo produto é a ideia de

que há uma relação fundamental entre o volume de produto de uma indústria e a quantidade de insumo

que a mesma absorve.

No modelo são adotadas duas hipóteses, resumidas por Guilhoto (2011): a) homogeneidade,

não se considera diferenciação de produtos, havendo razão fixa de insumos (tecnologias fixas no

processo produtivo), com rendimento constante de escala (apenas uma tecnologia é empregada na

produção de um produto); e b) proporcionalidade, os insumos consumidos em cada atividade são

função somente do nível de produção da respectiva atividade.

O modelo de Insumo-Produto, representado na Figura 1, é dividido em setores (1, 2, … , 𝑛),

obtendo para cada um deles a demanda intermediária ∑ 𝑥 , a demanda final (𝑌 ) e o valor bruto da

produção (𝑋 ). A diferença entre o valor bruto da produção e o consumo intermediário resulta no


valor adicionado, que é usado como a remuneração dos fatores de produção como salários, aluguéis,

lucros e juros (KURESKI, NUÑEZ e RODRIGUES, 2007).

Figura 1 – Fluxo de bens por setores de origem e destino


DEMANDA INTERMEDIÁRIA Total da Valor Bruto da
ATIVIDADES
Setor 1 Setor 2 ⋯ Setor 𝑛 Demanda Final Produção
Setor 1 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
Setor 2 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮
Setor 𝑛 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
Valor Adicionado 𝑍 𝑍 ⋯ 𝑍
Valor Bruto da Produção 𝑋 𝑋 ⋯ 𝑋
Fonte: Kureski, Nuñes e Rodrigues (2007)

A partir do cálculo dos coeficientes técnicos, que são as necessidades diretas de

insumos dos diversos setores (relações intra e interindustriais diretas) e da determinação dos

efeitos diretos e indiretos resultantes do aumento da demanda final (𝑌), tem-se a equação

básica do modelo:
𝟏 (1)
𝑿 = (𝑰 − 𝑨) 𝒀

Onde:
𝑿 = valor bruto da produção7;
(𝑰 − 𝑨) 𝟏 = matriz de Leontief;
𝒀 = demanda final.

Para avaliar os reais impactos sobre a economia determinados pela matriz insumo-produto é

necessário identificar e quantificar os efeitos multiplicadores de impacto setorial de cada atividade

econômica. Os dois multiplicadores principais são:

i) multiplicador direto: mede o impacto de um aumento unitário da demanda final de uma

determinada atividade sobre uma variável de renda, considerando apenas as atividades que

fornecem insumos diretamente a esta atividade;

ii) multiplicador total (direto mais indireto): mede o impacto de um aumento unitário da

demanda final de uma determinada atividade sobre uma variável de renda, considerando

todas as atividades que fornecem insumos, direta e indiretamente a essa atividade.

Ao se aplicar um valor de choque pertinente à alteração das demandas, observa-se o impacto

causado pelos efeitos multiplicadores dos setores.

7
Valor bruto da produção representa toda a receita bruta gerada na economia, ou seja, compreende a totalidade
das transferências realizadas mais as vendas efetuadas mais as variações dos estoques.
3.2 Modelo MIP para o Espírito Santo

A matriz Insumo-Produto do Espírito Santo (MIPES) de 2003 procura analisar a relação inter-

regional do Estado e é dividida em 36 setores.

Tabela 2 – Estrutura Setorial e Multiplicadores da MIPES


Multiplicador Participação no Multiplicador
Setores
Total Local Inter-Regional Local Inter-Regional
Agropecuária 1,928 1,126 0,802 58% 42%
Extrativa mineral 2,000 1,274 0,726 64% 36%
Extração de petróleo e gás 1,387 1,096 0,291 79% 21%
Produtos de minerais não-metálicos 2,093 1,367 0,725 65% 35%
Metalurgia básica 2,470 1,376 1,094 56% 44%
Outros metalúrgicos 2,506 1,414 1,093 56% 44%
Máquinas e equipamentos 1,875 1,244 0,632 66% 34%
Material elétrico 2,435 1,399 1,036 57% 43%
Equipamentos eletrônicos 1,885 1,194 0,691 63% 37%
Automóveis, caminhões e ônibus 2,361 1,211 1,150 51% 49%
Autopeças e outros veículos 2,414 1,353 1,061 56% 44%
Celulose, papel e gráfica 2,109 1,403 0,706 67% 33%
Produtos da borracha e artigos plásticos 2,192 1,283 0,908 59% 41%
Elementos químicos, farmacêuticos e veterinários 2,175 1,208 0,968 56% 44%
Refino do petróleo 2,053 1,452 0,601 71% 29%
Têxtil 2,637 1,167 1,470 44% 56%
Vestuário 2,366 1,152 1,214 49% 51%
Calçados 2,146 1,182 0,963 55% 45%
Indústria alimentícia, bebidas, fumo e biocombustíveis 2,556 1,260 1,295 49% 51%
Madeira, mobiliário e indústrias diversas 2,072 1,261 0,811 61% 39%
Energia elétrica (produção e distribuição) 1,891 1,474 0,417 78% 22%
Gás encanado (produção e distribuição) 2,055 1,337 0,718 65% 35%
Água e saneamento 1,681 1,403 0,278 83% 17%
Construção civil 1,908 1,307 0,601 68% 32%
Comércio 1,876 1,315 0,562 70% 30%
Serviços de transporte rodoviário 2,199 1,358 0,841 62% 38%
Serviços de transporte ferroviário 2,178 1,321 0,857 61% 39%
Serviços de transporte aéreo 2,302 1,381 0,921 60% 40%
Serviços de transporte – outros modais 1,776 1,205 0,571 68% 32%
Serviços de comunicações 1,584 1,206 0,378 76% 24%
Instituições financeiras 1,456 1,175 0,281 81% 19%
Serviços prestados às famílias 1,910 1,163 0,747 61% 39%
Serviços prestados às empresas 1,569 1,231 0,338 78% 22%
Aluguel de imóveis 1,260 1,068 0,192 85% 15%
Administração pública 1,504 1,211 0,293 80% 20%
Serviços privados não-mercantis 1,150 1,046 0,104 91% 9%
Fonte: MIP

O 3º ciclo de desenvolvimento da economia capixaba continua em curso, com destaque para

os seguintes setores: minerais básicos (principalmente pelotização de minério de ferro), metalurgia,

papel e celulose, extração de petróleo e gás, alimentos e bebidas, móveis e rochas ornamentais,

vestuário e serviços. A tabela 2 apresenta os coeficientes técnicos dos 36 setores da MIPES e o

destaque fica justamente para os setores que compõem o curso recente de desenvolvimento do estado.

Apesar de alguns deles não apresentarem o maior coeficiente total de impacto, em termos de

coeficientes locais os números são bem relevantes e importantes para a economia capixaba na medida

em que os coeficientes locais determinam os impactos ocorridos que permanecem dentro do estado.
Os coeficientes técnicos refletem o quanto cada setor necessita de produto de outro setor. A

partir do conhecimento deles é possível realizar previsões de produção bem como verificar o impacto

de diversas alternativas de políticas econômicas sobre a atividade produtiva. Esses coeficientes

refletem a estrutura da economia e não apresentam mudanças significativas a curto e médio prazos, o

que os tornam importantes indicadores para previsões (LOPES e VASCONCELLOS, 2009).

Com relação à economia capixaba recente, consoante gráfico 2, os setores mais importantes e

multiplicadores em destaque são: metalurgia básica; outros metalúrgicos; papel, celulose e gráfica;

construção civil; madeira, mobiliário e indústrias diversas; gás encanado; refino de petróleo; extração

mineral; comércio; extração de petróleo e gás e produtos de minerais não-metálicos. Basicamente,

como exposto anteriormente, são os setores que compõem o 3º ciclo de desenvolvimento capixaba.

Gráfico 2: Multiplicadores de Impacto dos Setores mais Importantes do Espírito Santo


3

2,5

1,5

0,5

0
15 RefinoPetr
6 OutMetalur

27 TransFerro
5 MetalurBas

20 MadMobDiv
18 CalcadCour

24 ConstCivil
17 Vestuario
2 ExtMineral

7 MaqEquip
3 PetrGas
4 ProdMnNMet

10 AutomOnib

14 QuiFarmVet

22 GasNatEnc
1 Agropec

16 IndTextil

21 Energia

31 InstFinanc

36 SerPriNMerc
13 BorracPlast

26 TransRodo
8 MatEletrico

11 PecasOutVe

32 ServPrestFam

35 AdmPublica
19 AlimBebFum

34 AlugImov
12 CelPapGraf

25 Comercio

29 TransAquav
30 Comunic
9 EquipEletron

23 AguaSan

28 TransAereo

33 ServPrestEmp

Local Inter-regional

Fonte: MIP

4. Estudo do Impacto Econômico dos Investimentos para o Espírito Santo 2011-2016

Nesta seção será realizado um estudo de impacto econômico através da matriz de insumo-

produto do Espírito Santo em relação aos investimentos previstos entre 2011 e 2016, com ênfase nos

setores de infraestrutura e da indústria, bem como serão apresentados os resultados obtidos. Também

será demonstrada a base de dados utilizada e uma breve descrição a respeito dos principais

investimentos e setores contemplados.


4.1 Base de Dados

A pesquisa “Investimentos Anunciados para o Espírito Santo 2011-2016” consiste em um

levantamento sistemático de intenções de investimentos relacionadas ao estado do Espírito Santo ao

longo de um período de cinco anos. Os investimentos podem ser tanto de origem pública quanto

privada, tendo como ponto de partida investimentos com valores maiores ou iguais a R$ 1 milhão. As

fontes primárias de dados são os levantamentos diretos realizados pelo Instituo Jones dos Santos

Neves. Os projetos de investimentos contidos nesta pesquisa são oriundos basicamente de anúncios de

investimentos divulgados pelos principais meios de comunicação em níveis nacional e estadual.

A tabela 3 evidencia os principais investimentos que serão realizados no período 2011-2016,

basicamente apresenta o panorama geral dos investimentos e principais setores contemplados em

termos agregados. Segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves (2012), entre 2011 e 2016, a

economia capixaba deve receber investimentos superiores a R$ 100 bilhões, o maior volume já

identificado para o estado, distribuídos entre 1.373 projetos com valor médio de R$ 73,3 milhões. Em

termos agregados, o setor de energia é o que deve receber o maior volume de recursos (40,3%),

seguido do setor de indústria (32,5%) e pelo setor de comércio, serviço e lazer (7,3%). No que diz

respeito à distribuição regional dos investimentos, a região litoral sul e a região metropolitana

receberão 45,5% e 25,2% dos investimentos, respectivamente.

Tabela 3 - Investimentos, segundo setores, por número de projetos e valor total, em milhões (2011-2016)
Setores Projetos % Investimentos % Valor Médio
Infraestrutura 347 25,3 53.214,3 52,8 153,4
Energia 82 6,0 40.577,3 40,3 494,8
Porto, aeroporto e armazenagem 67 4,9 6.544,5 6,5 97,7
Transporte 198 14,4 6.092,5 6,1 30,8
Indústria 82 6,0 32.724,8 32,5 399,1
Comercio, serviço e lazer 160 11,7 7.393,8 7,3 46,2
Outros serviços 784 57,1 7.358,5 7,3 9,4
Saneamento e Urbanismo 421 30,7 3.888,6 3,9 9,2
Educação 187 13,6 1.232,4 1,2 6,6
Meio ambiente 8 0,6 808,4 0,8 101,1
Saúde 105 7,6 851,0 0,8 8,1
Segurança Pública 63 4,6 578,1 0,6 9,2
Total 1.373 100 100.691,4 100 73,3
Fonte: IJSN (2012)

Na tabela 4 constata-se que R$ 91,6 bilhões serão destinados às 10 principais atividades,

representando 90,9% do total dos investimentos. Nesta perspectiva, a principal atividade a receber

investimentos é a de extração de petróleo e gás natural, com aportes de R$ 26,8 bilhões. Esses
investimentos se destinam à prospecção, ao processamento e o ao desenvolvimento da produção da

bacia do Espírito Santo e da bacia de Campos, além dos projetos implantados em terra (IJSN, 2012). A

metalurgia ocupa o segundo lugar, com R$ 12,4 bilhões, destinados basicamente à implantação no

estado de uma nova planta siderúrgica (Companhia Siderúrgica UBU – CSU/Vale) no município de

Anchieta, e à modernização e ampliação das plantas já existentes no setor (IJSN, 2012).

Em seguida tem-se a extração de minerais metálicos com investimentos previstos na ordem de

R$ 11,4 bilhões do total, voltados para a instalação de novas plantas pelotizadoras (8ª usina da Vale e

a 4ª usina da Samarco Mineração) bem como a implantação da Ferrous Resources do Brasil, no

município de Presidente Kennedy, que consiste em um complexo de pelotização associado a um porto

de águas profundas destinado ao escoamento da produção (ISJN, 2012). Já o setor eletricidade, gás e

outras utilidades representa 10,6% dos investimentos. Basicamente, os projetos dessa área se

concentram na transmissão e na geração de energia elétrica pelas usinas termelétricas e hidrelétricas

(IJSN, 2012). E, por fim, a atividade de fabricação de produtos químicos representa 7,6% ou R$ 7,7

bilhões do total, composta por três atividades com destaque para o complexo gás-químico

(PETROBRAS) previsto para ser instalado no município de Linhares, no norte do estado (IJSN, 2012).

Ainda em relação à tabela 4, nota-se a concentração dos investimentos em poucas atividades

produtivas, o que corrobora a tese de Caçador (2008) a respeito da “diversificação concentradora”.

Tabela 4 - Principais atividades receptoras de investimentos no Espírito Santo – 2011-2016


CNAE Classificação R$ milhões (%)
06 Extração de petróleo e gás natural 26.829,50 26,6
24 Metalurgia 12.365,60 12,3
07 Extração de minerais metálicos 11.379,20 11,3
35 Eletricidade, gás e outras utilidades 10.636,50 10,6
20 Fabricação de produtos químicos 7.655,00 7,6
42 Obras de infraestrutura 6.953,90 6,9
41 Construção de edifícios 6.715,50 6,7
52 Armazenamento e atividades auxiliares dos transportes 4.348,10 4,3
49 Transporte terrestre 2.840,90 2,8
30 Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores 1.837,80 1,8
11 Fabricação de bebidas 1.259,80 1,3
85 Educação 1.187,40 1,2
36 Captação, tratamento e distribuição de água 953,40 0,9
86 Atividades de atenção à saúde humana 831,70 0,8
17 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 751,30 0,7
84 Administração pública, defesa e seguridade social 660,90 0,7
27 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 524,90 0,5
19 Fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis 514,20 0,5
55 Alojamento 353,20 0,4
Outros 2.092,70 2,1
Total 100.691,50 100,0
Fonte: IJSN (2012)
4.2 Estimativas de Impacto

Nas estimativas considerou-se que a estrutura econômica do Espírito Santo permaneceu

estática desde 2003, sendo as oscilações oriundas apenas dos impactos diretos e indiretos dos

investimentos anunciados para o Espírito Santo 2011-2016. Ressalta-se, ainda, que para as simulações

a partir da MIPES os valores dos projetos acima descritos foram deflacionados pelo deflator implícito

da FBCF, para dezembro de 2003, que representa melhor a variação de preços desse componente da

demanda final. Cabe ressaltar, consoante tabela 4, que o setor “Outros” não faze parte das estimativas

em função deste setor não apresentar uma correspondência direta com os setores da MIPES. Do

investimento total previsto, essa simulação contempla 97,92%.

Os recursos previstos para investimentos não necessariamente representam choques favoráveis

de demanda nos setores da tabela 4, mas sim naqueles setores listados no vetor de absorção de

investimentos de cada setor que fornecem insumos que contribuem para a sua formação bruta de

capital fixo (FBCF). Como cada setor apresenta um comportamento diferenciado de alocação dos

recursos para investimentos, os choques para a simulação foram aplicados nos setores da matriz de

acordo a Unidade Padrão de Investimento (UPI) da Matriz de Absorção de Investimentos (MAI),

seguindo a metodologia proposta por Freitas (2009) e Miguez et al. (2014).

Tabela 5 – Distribuição dos Investimentos seguindo a UPI da MAI (R$ milhões)


Setor Sigla Nome Valor
6 OutMetalur Outros metalúrgicos 7.025,10
7 MaqEquip Máquinas e equipamentos 25.077,01
9 EquipEletron Equipamentos eletrônicos 16.132,30
10 AutomOnib Automóveis, caminhões e ônibus 6.223,50
11 PecasOutVe Autopeças e outros veículos 1.806,08
20 MadMobDiv Madeira, mobiliário e indústrias diversas 10.527,51
24 ConstCivil Construção civil 14.124,45
25 Comercio Comércio 12.527,47
26 TransRodo Serviços de transporte rodoviário 2.018,19
33 ServPrestEmp Serviços prestados às empresas 869,08
34 AlugImov Aluguel de imóveis 2.268,13
TOTAL 98.598,80
Fonte: Elaboração própria.

A tabela 6 apresenta o resultado dos impactos gerados, em termos de valor bruto da produção,

na economia capixaba pelos investimentos anunciados. Ao utilizar-se os multiplicadores totais de

produção para medir os impactos gerados na economia capixaba pelos investimentos anunciados se

faz necessário atentar para o tamanho do investimento em relação à capacidade produtiva do setor.
Consoante os resultados apresentados pela tabela 6, o setor de equipamentos eletrônicos, por exemplo,

deverá aumentar 3.466.759,56%. Outros setores com o mesmo resultado são: peças e outros veículos

(160.362,42%); automóveis, caminhões e ônibus (643.974,33%); e madeira, mobiliário e indústrias

diversas (779.061,54%). O possível percentual de crescimento muito elevado em função dos

investimentos que serão recebidos pode ser explicado em função da pouca expressividade destes

setores na economia capixaba. Como a base produtiva desses setores é pequena na economia do

estado, depara-se com um problema estatístico de se trabalhar com números muito pequenos

relacionados à base produtiva do setor e números grandes com relação aos investimentos, ou seja, são

setores muito pequenos com a expectativa de receber investimentos muito altos.

Tabela 6 - Impacto dos investimentos anunciados no Espírito Santo (2011-2016)


Espírito Santo
Brasil
Setores Alteração na Produção (R$ milhões)
Demanda (R$
milhões) Base Impacto Nova var % var %
1 Agropec 0,000 1.912 314 2.227 16,43% 0,6%
2 ExtMineral 0,000 3.307 218 3.525 6,58% 3,5%
3 PetrGas 0,000 4.363 798 5.161 18,29% 2,9%
4 ProdMnNMet 0,000 3.108 1.949 5.057 62,71% 1,4%
5 MetalurBas 0,000 5.104 3.353 8.457 65,68% 8,5%
6 OutMetalur 7.025,104 10.080 13.464 23.543 133,57% 3,9%
7 MaqEquip 25.077,006 932 25.432 26.364 2727,80% 2,7%
8 MatEletrico 0,000 1 1 1 120,90% 3,7%
9 EquipEletron 16.132,296 0 16.133 16.133 3466759,56% 5,9%
10 AutomOnib 6.223,496 1 6.224 6.225 643974,33% 0,1%
11 PecasOutVe 1.806,079 1 1.808 1.809 160362,42% 3,9%
12 CelPapGraf 0,000 7.486 1.370 8.856 18,30% 1,5%
13 BorracPlast 0,000 462 496 958 107,50% 4,8%
14 QuiFarmVet 0,000 3 1 4 41,15% 2,5%
15 RefinoPetr 0,000 2.495 2.810 5.305 112,59% 3,3%
16 IndTextil 0,000 1 0 1 3,10% 1,2%
17 Vestuario 0,000 547 4 551 0,77% 0,1%
18 CalcadCour 0,000 0 0 0 14,49% 0,2%
19 AlimBebFum 0,000 3.360 24 3.384 0,72% 0,1%
20 MadMobDiv 10.527,513 1 10.528 10.529 779061,54% 3,2%
21 Energia 0,000 665 418 1.082 62,84% 2,2%
22 GasNatEnc 0,000 0 0 0 4,57% 5,0%
23 AguaSan 0,000 1.070 573 1.643 53,52% 1,7%
24 ConstCivil 14.124,447 5.598 14.971 20.570 267,43% 0,1%
25 Comercio 12.527,472 5.149 12.965 18.114 251,79% 2,2%
26 TransRodo 2.018,186 4.393 3.112 7.505 70,85% 1,7%
27 TransFerro 0,000 165 59 224 35,70% 2,2%
28 TransAereo 0,000 301 94 396 31,24% 1,2%
29 TransAquav 0,000 435 124 559 28,42% 2,2%
30 Comunic 0,000 897 851 1.749 94,89% 1,6%
31 InstFinanc 0,000 4 3 7 90,15% 3,6%
32 ServPrestFam 0,000 3.546 108 3.654 3,04% 0,2%
33 ServPrestEmp 869,076 4.743 3.394 8.137 71,56% 1,6%
34 AlugImov 2.268,126 2.819 3.194 6.014 113,29% 0,3%
35 AdmPublica 0,000 8.480 - 8.480 0,00% 0,0%
36 SerPriNMerc 0,000 1 - 1 0,00% 0,0%
Fonte: Elaboração própria.
Dos setores com maior base produtiva no estado, segundo a tabela 6, Extração Mineral

apresenta um crescimento de 6,58%, Metalurgia Básica 65,68%, Papel e Celulose 18,30%, Refino de

Petróleo 112,59%, Construção Civil 267,43% e Alimentos, bebidas e fumo 0,72%. São os setores que

compõem a base da economia do Espírito Santo associados aos setores já citados de Energia e Petróleo

e gás. Com relação ao impacto no resto do Brasil, o destaque de crescimento no valor bruto da

produção entre 2011-2016 fica nos setores: Gás Encanado (5,0%); Extração Mineral (3,5%);

Metalurgia Básica (8,5%) e Instituições Financeiras (3,6%). Dos setores que não devem receber

investimentos diretos merecem destaque: Produção de minerais não-metálicos (62,71%); Instituições

financeiras (90,15%); Comunicação (94,89%); e Borracha e plástico (107,50%). O crescimento desses

setores, apesar da ausência de investimento direto, demonstra a interdependência entre os setores

como preconizado por Leontief.

O resumo dos impactos é apresentado na tabela 7. Observa-se que 64,0% do impacto total

ocorrerá na economia do estado, enquanto que no resto do país o impacto total será de 36,0%. Além

disso, as alterações na produção do Espírito Santo serão de 153,24%.

Tabela 7 - Resumo dos Impactos (cenário 1)


Base Impacto Nova Produção
Produção
R$ milhões R$ milhões % R$ milhões var %
Espirito Santo 81.433 124.792 64,0% 206.225 153,24%
Resto do Brasil 4.194.511 70.235 36,0% 4.264.745 1,67%
Brasil 4.275.944 195.027 100,0% 4.470.970 4,56%
Fonte: Elaboração própria.

Cabe ressaltar que existem muitos investimentos que se encontram em estágio de

oportunidades e que em um universo de 5 anos podem apresentar grandes alterações devido à sua

magnitude e também devido ao cenário internacional, uma vez que muitos deles são voltados ao

comércio exterior. É possível que o volume total esteja superestimado para uma economia do tamanho

da do Espírito Santo em função até mesmo do crescimento exorbitante que alguns setores podem ter

caso esse cenário se concretize8.

8
Além disso, cabe observar que as projeções de um modelo de insumo-produto já são sobrevalorizadas em razão
dos preços serem rígidos e, portanto, não captar efeitos de substituição entre os insumos.
Figura 1: Mapa dos Investimentos Previstos de 2011 a 2016

Fonte: IJSN (2012)

Mesmo que os investimentos representem impactos significativos, as variações provocadas

tendem a não alterar o grau de especialização produtiva do Estado na produção de commodities.

Embora alguns autores como Caçador e Grassi (2009) apontem para um processo de “diversificação

concentradora” no Estado, ainda há um padrão de concentração setorial (produção de commodities).

Mapa 1 – Distribuição da Indústria e da Agropecuária no Espírito Santo

Fonte: Elaboração própria.


A distribuição geográfica dos impactos acima apresentados pode ser observada a partir dos

mapas 1 e 2, que mostram a participação dos municípios capixabas na Agropecuária, na Indústria, no

Comércio e Serviços e, também, no PIB estadual. Mesmo que a distribuição geográfica seja dos

setores, e não dos investimentos específicos, é possível perceber a concentração espacial dos impactos

econômicos.

Os investimentos em atividades industriais estão relacionados às atividades mais localizadas e,

portanto, com maior potencial desequilibrador. A distribuição geográfica (mapa 1) indica a forte

concentração do crescimento econômico na região litorânea do Estado. No município de Serra estão

presentes muitas atividades industriais, inclusive siderúrgicas, em função de grandes empresas como

Vale e ArcelorMittal Tubarão. O município de Aracruz, apesar das atividades agrícolas, conta com a

presença da Fibria (antiga Aracruz Celulose). E no litoral sul destaca-se o município de Anchieta, que

possui projetos importantes na área de mineração e petróleo (Samarco e Petrobrás). Além dos

impactos serem muito localizados, é importante observar que essas atividades (mineração, siderurgia,

papel e celulose) possuem limitados encadeamentos a montante e a jusante (MORANDI et al., 2011),

inclusive porque a demanda por serviços complexos derivada dessas atividades (serviços às empresas,

serviços de informação, intermediação financeira) é suprida por outras capitais do Sudeste,

principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

As atividades agropecuárias terão pouco crescimento em razão dos investimentos, de forma

que os municípios localizados no interior do estado, com economias baseadas na agricultura muitas

vezes familiar e pouco eficiente em termos de produtividade e de geração de renda, quase não serão

beneficiados com esse crescimento, possivelmente ampliando a desigualdade entre eles.

Embora o Plano de Desenvolvimento do Estado, denominado Espírito Santo 2025 (ES 2025)9,

preconize em umas de suas metas a interiorização do desenvolvimento, os investimentos tenderão a

beneficiar principalmente o crescimento dos municípios do litoral do Espírito Santo, enquanto os

municípios do interior possivelmente continuarão a apresentar um esvaziamento econômico

progressivo (via redução de suas participações econômicas). Os municípios com melhor desempenho

econômico têm se mantido os mesmos nos últimos anos (Região Metropolitana da Grande Vitória,

9 Disponível em <http://www.planejamento.es.gov.br>. Acesso em: 14 de abril de 2013.


Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Colatina e São Mateus), o que tem gerado um processo de

crescimento econômico desigual entre regiões do Estado.

Mapa 2 – Distribuição do PIB e do Comércio e Serviços no Espírito Santo

Fonte: Elaboração própria.

Corroborando as ideias de Ruiz e Crocco (2009), como o crescimento econômico no Espírito

Santo tem sido acompanhado por uma grande concentração das atividades produtivas em um número

restrito de municípios, tem-se no Estado a reprodução do padrão locacional da industrialização

brasileira (centrípeto, concêntrico e hierárquico) baseado na exploração de vantagens de escala da

concentração espacial (economias de aglomeração e urbanização).

5. Considerações Finais

Como resultados desse esforço de pesquisa ressalta-se que existe ainda uma tendência de

concentração dos investimentos nos setores produtores de commodities de exportação, ou seja, nos

próximos anos não há evidências de que ocorrerão mudanças no perfil da economia capixaba, apesar

dos investimentos representarem um montante de recursos importante para uma economia do tamanho

do Espírito Santo.

Alguns setores apresentaram crescimento, em termos de valor bruto da produção, muito

elevado, de certa forma improvável de acontecer. Em função dos resultados apresentados, reforça-se a
possibilidade dos investimentos anunciados para o Espírito Santo 2011-2016 estarem superestimados,

ficando como sugestão de pesquisa futura uma investigação mais precisa destas informações no

sentido de tornar as análises posteriores mais realistas. Um problema associado a este fato é o maior

detalhamento das informações que o governo ainda não tornou disponível, ficando esta indicação

também como sugestão de estudos futuros.

No geral, para um horizonte de cinco anos, tem-se o volume considerável de recursos que

podem ser injetados na economia capixaba, promovendo o crescimento de vários setores. Entretanto,

permanece, ainda, a concentração de recursos em setores atualmente tradicionais na economia do

Estado como metalurgia, petróleo e gás, mineração e energia, demonstrando que a economia estadual

ainda estará produzindo produtos de baixo conteúdo tecnológico e na maioria dos setores voltados ao

mercado externo.

As simulações evidenciam que os desequilíbrios regionais se baseiam principalmente no

crescimento dos municípios do litoral e do esvaziamento econômico progressivo do interior do estado.

Essa concentração das atividades produtivas em alguns municípios reproduz o padrão locacional da

industrialização brasileira baseado na exploração de vantagens de escala da concentração espacial. Os

resultados previstos dos investimentos no Espírito Santo parecem ir ao encontro das ideias de

polarização de Myrdal, uma vez que os efeitos propulsores (ou de espraiamento) provocados em

algumas regiões não serão capazes de reverter o processo de concentração.

6. Referências Bibliográficas

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Estudo de variáveis que impactam na formação dos preços de compra,

venda e aluguéis residenciais em João Monlevade-MG

Williane Cristina Ribeiro, Universidade Federal de Ouro Preto, willianecr@gmail.com

Vanessa Rosa Silva, Universidade Federal de Ouro Preto, vanessa.sr@hotmail.com

Paganini Barcellos de Oliveira, Universidade Federal de Ouro Preto,

paganini@decea.ufop.br

Resumo

Este trabalho objetiva descrever e apresentar algumas das variáveis determinantes para a

formação dos preços praticados no mercado imobiliário de compra, venda e aluguéis

residenciais da cidade de João Monlevade-MG. Trata-se de uma pesquisa baseada em

dados reais do ano de 2016 obtidos por meio de pesquisas em websites e visitas de campo

em locais públicos e privados. Os dados da oferta e da demanda foram coletados e

organizados em planilhas eletrônicas, a partir de critérios: (i) estruturais, por tipo de imóvel

(apartamento ou casa) e quantidade de cômodos; (ii) geográficos, através da divisão por

bairros e suas vias de acesso; e (iii) geradores de informação, pelas diferentes fontes de

coleta; resultando em uma análise estatística descritiva do mercado. Para justificar os

resultados obtidos na análise estatística foram levantados dados referentes à infraestrutura

de saneamento básico e ao acesso a serviços de utilidade pública (saúde, educação,

transporte, comércio e segurança), que poderiam influenciar na decisão de escolha dos

consumidores. Fatores como a violência e a localização dos bairros em relação ao centro

comercial foram elementos de maior impacto na formação dos preços.


Palavras-chave: mercado imobiliário residencial de João Monlevade-MG; precificação de

imóveis.

Abstract

This paper aims to describe and present some determinant variables to establish the

residential purchase, sale and rent real estate market prices, in João Monlevade-MG city.

The survey is based on real data for the year 2016 obtained through the websites and visits

in public and private places. Supply and demand data were collected and organized in

electronic spreadsheets, based on the following criteria: (i) structural, by property type

(apartment or house) and number of rooms; (ii) geographical location, through the division

by districts and their access roads; and (iii) information generators, from different search

sources; resulting in a market's descriptive statistical analysis. In order to justify the results

obtained in the statistical analysis, data on basic sanitation infrastructure and public

services (health, education, transport, commerce and security) were collected to verify if

there could be influence on the consumer’s choice. Factors such as violence and the

location considering the retail center were elements of greater impact in establishing

prices.

Keywords: João Monlevade-MG’s residential real estate market; real estate pricing.

1. Introdução

Um mercado é caracterizado por um conjunto de ações e movimentações, onde existe uma

oferta (agentes interessados em vender) e uma demanda (agentes interessados em comprar)

(SANTOS, 2010). Mais especificamente, o mercado imobiliário residencial é caracterizado

pela existência de compradores e vendedores, ou alternativamente locadores e locatórios


(aluguéis), que surgem devido à necessidade natural de consumo em um ambiente

habitacional de qualidade (demanda) e à expectativa de rendimentos dos imóveis (oferta).

Segundo Pindyck e Rubinfeld (2013) a escolha de cada consumidor individual é dada em

função de sua restrição orçamentária e do grau de utilidade que as cestas de mercado que

contém diferentes produtos/serviços podem oferecer, visando atingir a máxima satisfação.

No mercado imobiliário existem inúmeros atributos de valor que podem compor estas

cestas mercado, sendo que os consumidores e fornecedores potenciais tentam converter

esses atributos no preço (PASCALE e ALENCAR, 2006).

Autores como Alonso (1964) e Wingo (1961), consideram apenas questões de transporte e

espaço físico (m²) como fatores de influência nas escolhas, sendo que a maximização da

satisfação ocorre quando o custo do transporte em função da localização é menor e o

espaço físico é máximo. Já Dantas, Magalhaes e Vergolino (2007) consideram também que

as negociações no mercado imobiliário não ocorrem apenas por atributos reais e sua

localização, mas também pela avaliação de “reputação de preços” que recai sobre uma

região e sua vizinhança. Pascale e Alencar (2006) e Arraes e Souza Filho (2008) mostram

que além dos aspectos citados anteriormente, existem inúmeros outros fatores que

influenciam e alteram o preço do mercado, tais como atributos ambientais (nível de

poluição); proximidade com comércios e outro tipos de serviços; infraestrutura

(saneamento básico e fornecimento de energia elétrica); e aspectos socioeconômicos (renda

da região e índices de violência).

Em pesquisas recentes, Aguirre (2012) apresenta um estudo em regiões do Distrito Federal,

que converge com os estudos anteriores e mostra que os aspectos que influenciam o preço,

podem variar seu peso de uma região para outra. Já Carmo (2014) investiga uma pesquisa

com foco na precificação por m² em Uberlândia-MG, e discute alguns aspectos


relacionados à área total de cada bairro, em função da quantidade total de domicílios,

escolas, habitantes por m² e crimes violentos.

Outro fator que pode impactar nos preços dos imóveis é a situação econômica do país.

Quando o país está crescendo e se desenvolvendo economicamente, as linhas de crédito

para moradia são facilitadas e há uma tendência natural das pessoas em buscarem adquirir

um imóvel próprio, o que acarreta em um cenário de tendência a valoração dos imóveis e

terrenos, como ocorreu no Brasil em 2014 (CARMO, 2014). Por outro lado, o Portal G1

discute a ideia de que em tempos de instabilidade econômica, tendo como exemplo os

últimos 10 anos no Brasil, há um processo de desvalorização dos imóveis.

Em se tratando do mercado imobiliário da cidade de João Monlevade-MG, foco deste

estudo, o Jornal A Noticia Online (2015) mostra que a situação econômica do país em

2015 prejudicou o mercado imobiliário da cidade, uma vez que era perceptivo o aumento

do número de faixas e cartazes anunciando venda ou aluguel de imóveis, e que os

ofertantes estavam abertos à negociação dos preços. Além disso, o jornal destaca que nove

anos antes, houve um período inverso, devido às expectativas de duplicação de uma

multinacional localizada na cidade e a instalação de dois campi de universidades públicas.

Nesse contexto o presente trabalho objetiva a realização de um estudo que permita

identificar variáveis que impactam diretamente na formação dos preços de compra, venda e

aluguéis residenciais da cidade de João Monlevade-MG, por meio do levantamento das

características e valores (preços anunciados e praticados) que descrevam o perfil dos

imóveis de cada bairro da cidade. É de se esperar que os resultados apresentados por esse

estudo sirvam de base para entender o perfil da oferta e demanda do mercado e abra portas

para pesquisa futuras.


2. Metodologia

A primeira etapa deste estudo consistiu em um levantamento bibliográfico sobre o assunto,


visando identificar algumas das principais ideias e técnicas disponíveis na literatura, que
serviriam de base para poder compreender o comportamento do mercado imobiliário.
Paralelamente ao levantamento bibliográfico, definiu-se um período de um mês, setembro
de 2016, para a coleta de todos os anúncios de venda e aluguel de imóveis na cidade de
João Monlevade-MG, via websites. Foram identificadas 16 websites, que incluem
imobiliárias que também possuem instalações físicas na cidade (Casa Forte, Casa Nova,
Delci Couto, Green, Janete Lage, Logos, Martins, MMD, Remo, Roberto, São José, Senna,
Sollar, e Vila Plena), e websites especializados apenas em anúncios online (Trovit e OLX).
É valido destacar que foi necessária a realização de um filtro nos dados, visando excluir a
possibilidade de dupla contagem de um mesmo imóvel, que poderia estar sendo anunciado
em mais de um website. Como resultado obteve-se volume total de dados apresentados na
Tabela 1.

Tabela 1 - Anúncios de imóveis localizados em João Monlevade via websites no mês de setembro de 2016

Imóvel Anúncios de Venda Anúncios de Aluguéis


Casas 401 99
Apartamentos 336 202
Total 737 301

Pela Tabela 1 verifica-se que o quantitativo de anúncios de venda no período, supera em

mais de 145% a quantidade de anúncios de aluguéis. Os dados de cada um dos imóveis

citados na Tabela 1 foram reunidos e organizados em planilhas eletrônicas, por meio do

software Microsoft Excel 2013, contendo as seguintes informações: preço anunciado;

quantidade de cômodos; e localização geográfica (bairro).

Uma vez realizada essa primeira etapa coleta e análise dos dados, decidiu-se por realizar

outros três procedimentos de coleta de dados: (i) preços efetivamente pagos pelos

moradores residentes em imóveis alugados na cidade, nos meses de outubro e novembro de


2016; (ii) preços de venda efetiva de imóveis ao longo de todo o ano de 2016; (iii)

variáveis poderiam influenciar nos preços anunciados de venda e aluguel.

Para levantamento dos preços dos aluguéis na cidade nos meses de outubro e novembro de

2016 foi elaborado e disponibilizado, em meios de comunicação virtuais (e-mails e mídias

sociais), um questionário online. O questionário perguntava quais eram: o valor do aluguel

pago; o tipo do imóvel (casa ou apartamento); a localização do imóvel (bairro); o número

de cômodos, entre outros dados sobre as preferências dos locadores quanto à escolha do

imóvel. Infelizmente, mesmo com um período de dois meses de coleta, o quantitativo de

respostas foi muito abaixo do esperado, resultando em apenas 65 imóveis, divididos em 38

apartamentos e 27 casas. Em função desse baixo número de respostas ao questionário os

pesquisadores resolveram visitar as imobiliárias, na expectativa de conseguir mais dados,

mas novamente sem sucesso, tendo como alegação que os dados somente poderiam ser

repassados com o aval dos moradores.

Os dados de todas as transações de vendas de imóveis no ano de 2016 foram obtidos por

meio da Prefeitura Municipal de João Monlevade. Foram coletados os preços pagos pelos

imóveis, o valor efetivamente tributado, o valor do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens

Imóveis) pago ao município e a informação da localização do imóvel vendido. Em 2016

foram vendidas 41 casas e 65 apartamentos, totalizando 106 imóveis na cidade.

A escolha das variáveis que poderiam impactar nos preços foi definida em função de

alguns aspectos que a bibliografia sobre o assunto apresentava, e também de um

brainstorming realizado pelos pesquisadores, com a presença de alguns moradores da

cidade. A Tabela 2 apresenta as variáveis investigadas e suas respectivas fontes.


Tabela 2. Variáveis explicativas levantadas através do estudo.

Variáveis Fontes

Saneamento Básico Plano municipal de saneamento básico, fornecido pelo:


Departamento de Águas e Esgoto (DAE) de João Monlevade.
Escolas municipais e instituições Prefeitura Municipal (http://www.pmjm.mg.gov.br/).
de ensino superior
Unidades de Saúde Prefeitura Municipal (http://www.pmjm.mg.gov.br/).

Criminalidade na cidade Polícia Militar de Minas Gerais, 17ª Companhia de Polícia


Independente de João Monlevade.
Localização e acessos Mapa de todas as vias da cidade fornecido pelo departamento de
obras da prefeitura municipal.

Em complementaridade às informações de localização foi desenvolvido um grafo de

incidência a partir do mapa da cidade, o qual é possível identificar o acesso de cada bairro

a partir dos bairros vizinhos. A ideia desse grafo era tentar estabelecer se havia alguma

influência dos preços causada pela proximidade entre cada um dos 55 bairros registrados

na cidade. Além disso, algumas informações específicas da cidade de João Monlevade

foram retiradas do site do IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/). O site do IBGE

mostrava, por exemplo, que o número de domicílios registrados em João Monlevade no

ano de 2010, era estimado em 24.372, e que em 2016 tinha uma população de 79.100, o

que representava uma taxa de ocupação de 3,24 hab./domicílio, em uma extensão territorial

de 99,65 km².

Em uma etapa final da pesquisa foi realizada uma análise estatística descritiva dos dados,

com auxílio de gráficos criados no Microsoft Excel 2016 e o Minitab 2017, resultando em

informações como: média; variância; desvio padrão; máximos; e mínimos.

A partir dos procedimentos metodológicos descritos anteriormente é possível classificar a

metodologia de pesquisa, a partir de quatro principais eixos, são eles: a natureza, os

objetivos, a abordagem e o método (TURRIONE e MELLO, 2011). Quanto à natureza,

trata-se de uma pesquisa aplicada, pois a mesma tem um caráter prático, voltado para
solução de problemas reais. No quesito objetivo, a pesquisa tem características descritivas

e exploratórias, por buscar explicar características de um mercado, relacionando com os

atributos que expliquem a precificação dos imóveis, e por tornar explícito e criar hipóteses

que auxiliem a compreensão do mercado, respectivamente. Em relação à abordagem pode

ser vista como uma pesquisa combinada, quali-quantitativa, ao relacionar informações

obtidas por meio de dados reais com aspectos subjetivos do problema. Por fim quanto ao

método, a pesquisa tem mais proximidade com survey, por investigar quais são as variáveis

que influenciam direta ou indiretamente no comportamento dos preços dos imóveis.

3. Resultados e Discussão

Em função do elevado volume de dados coletados, optou-se pela apresentação apenas dos

dados resumidos, como pode ser visto nas Tabelas de 3 a 12 localizadas nos apêndices

deste artigo, de tal forma a poder levantar as discussões sobre os resultados obtidos através

deste estudo. As Tabelas de 3 à 6 apresentam os dados estatísticos referentes aos preços de

aluguéis de apartamentos e casas, respectivamente. A Tabela 7 mostra o valor médio

anunciado e tributado de apartamentos vendidos em 2016, enquanto a Tabela 8 apresenta

os dados das casas. As Tabelas 9 e 10 apresentam as médias de cômodos de apartamentos e

casas anunciadas para venda na cidade em setembro de 2016. Por fim, a Tabela 11 mostra

um resumo da relação de centros de saúde e/ou centros de ensino públicos da cidade e a

Tabela 12 mostra o quantitativo de ameaças, furtos, roubos e outros crimes que ocorreram

na cidade no período de 2014 a 2016.

Os resultados desse estudo estão organizados em duas seções, a primeira para avaliar

apenas o segmento de aluguéis dentro do mercado imobiliário, e a segunda para avaliar

aspectos relacionados à compra e venda de imóveis, como é apresentado em sequência.


3.1. Avaliação do segmento de aluguéis

Primeiramente ao observar 301 preços anunciados de aluguéis na cidade, por meio das

Tabelas 3 e 5, pode-se perceber que o preço médio do aluguel na cidade varia de R$

250,00 a R$ 1900,00. Verifica-se também que a quantidade de imóveis disponíveis para

locação supera os já locados em 78.4%. Por outro lado, acredita-se que essa diferença não

represente a realidade do mercado em função do baixo volume de dados coletados de

imóveis já locados. Para auxiliar a interpretação das Tabelas 3 e 5 foram construídos os

Gráficos 1 e 2, que por sua vez estão organizados ordem em decrescente em função do

total de imóveis anunciados por bairro.

Gráfico 1 - Quantidade de apartamentos anunciados Gráfico 2 - Quantidade de casas anunciadas por


por bairros a partir da Tabela 3 bairros a partir da Tabela 4

Ao comparar os Gráficos 1 e 2 é possível perceber que a oferta de apartamentos para

aluguel é maior do que a oferta casas, o que indica uma tendência de crescimento vertical

da cidade, com destaque para a região central da cidade, mais especificamente o bairro

Carneirinhos.

No que tange o preço médio anunciado e cobrado dos aluguéis na cidade, observa-se que

existe diferença entre os preços efetivamente pagos e os anunciados. Como exemplo, os


bairros Carneirinhos e República mostram que o valor médio dos aluguéis pagos supera os

valores anunciado tanto para apartamentos quanto para casas. Por outro lado, há casos em

que o oposto acontece, como se observa no bairro Novo Horizonte, por exemplo. Para

avaliar o grau de dispersão dos dados em relação à média foram levantadas a variância e o

desvio padrão dos preços. Verifica-se uma alta variabilidade entre os preços médios por

bairros, tanto para apartamentos quanto para casas, como mostrado nos Gráficos 3 e 4 que

ilustram apenas os apartamentos e casas anunciadas.

Gráfico 3. Boxplot de apartamentos anunciados com base na Tabela 3

Apartamentos anunciados
2500

2000

1500
Data

1000

500

Gráfico 4. Boxplot de casas anunciadas com base na Tabela 5.

Casas anunciadas
2000

1500
Data

1000

500

0
Esse padrão também ocorre com os imóveis já locados, o que pode ser verificado nas

Tabelas 4 e 6. Outro aspecto importante verificado é que existe uma variabilidade

significativa dos preços entre os bairros, que é contatada através dos coeficientes de

variação de Person1, que indicam uma volatilidade de até 76%. Isso leva a conclusão que a

localização geográfica na cidade é um fator que influencia na formação dos preços.

Foi levantada a possibilidade de agregação dos dados nos casos em que apenas se tinha

uma única informação de preço por bairro, porém, como se verificou diferença nos preços

entre os bairros (com informação superior a um único imóvel), a ideia foi descartada.

3.1.1. Avaliação do efeito de outras variáveis nos preços dos aluguéis

São apresentadas a seguir as análises de outras variáveis que foram investigadas, são elas:

disponibilidade de saneamento básico; acesso à energia elétrica; proximidade com escolas

públicas (educação); proximidade com cetros de saúde públicos; proximidade dos bairros

em relação ao centro comercial; e o índice de criminalidade por bairro.

A cidade possui um plano nacional de saneamento básico (versão mais atualizada referente

ao ano de 2012), que mostra que o abastecimento municipal de água na cidade (DAE)

atende 96,7% da população. Deste total, uma pequena parcela de bairros é atendida de

forma gratuita pelo Sistema-Arcelor2, o que reduz os gastos financeiros dos moradores

dessas regiões, mas não é visto como um elemento que agregue valor aos imóveis, devido

ao elevado nível de poluição provocado pela própria empresa fornecedora de água.

Verificou-se que mais de 90% da população tem acesso a coleta de esgotos e que o

município conta com uma unidade de tratamento, localizada no bairro Cruzeiro Celeste. A
1
O cálculo dos coeficientes é dado pela razão entre os desvios padrões e suas respectivas médias,
multiplicado por 100. Os coeficientes calculados variam de 5,66% a 76,15%.
2
Abastecimento de água fornecido pela multinacional ArcelorMittal (http://brasil.arcelormittal.com.br/) em
bairros na proximidades da empresa.
coleta de lixo atende 94,1% da população, e a cidade possui um aterro sanitário que atende

também outros três municípios vizinhos. A empresa Cemig, responsável pela distribuição

de energia elétrica afirma que atende quase que por completo todos os imóveis da cidade,

assim como o transporte público atende todos os bairros. Portanto, baseado nos dados

apresentados, chega-se a conclusão que fatores como acesso a saneamento básico,

iluminação, água e transporte público, não sejam elementos de influência significativa nos

preços dos aluguéis.

Em se tratando de aspectos relacionados à educação, este estudo não fez um levantamento

de empresa privadas em função de dificuldades de acesso a informação, sendo apresentado,

portanto, uma avaliação baseada apenas na localização das instituições públicas. A Tabela

11 mostra que a cidade possui 15 escolas públicas municipais. É valido destacar que a

cidade conta com 3 campi de universidades de ensino superior, duas públicas e uma

privada, localizados no Loanda, Baú e Vila Tanque, e que as escolas estaduais de ensino

médio não estão incluídas entre as 15 citadas (não houve um retorno em tempo hábil da

secretaria de educação sobre a quantidade de escolas e a localização). Outro aspecto

importante em relação à educação diz respeito ao transporte dos alunos, que na cidade é

totalmente coberto de forma gratuita. Portanto, conclui-se que a localização dos centros de

ensino não devem ser elementos de grande impacto nos preços.

No quesito atendimento de saúde pública, a cidade conta com 9 unidades de saúde, sendo 1

hospital/Pronto atendimento (privado, mas que atende pelo SUS – Sistema único de Saúde)

1 policlínica e 7 unidades de atendimento básico a saúde. Quando confrontados os dados

de preços dos aluguéis com a localização dos centros de saúde da cidade não foi possível

chegar a alguma conclusão clara sobre o assunto. Esse cenário está alinhado com os

trabalhos de Pascale e Alencar (2006) e Arraes e Souza Filho (2008), uma vez que o
primeiro atribui um peso de apenas 4% a este fator de influência nos preços, e o segundo

afirma que a proximidade de pontos de atendimento para a saúde atua como fator negativo

ao preço, devido à preocupação com tráfego de carros, poluição sonora e ambiental (lixo

hospitalar), o que justifica nossa hipótese.

Finalmente, em se tratando dos fatores proximidade com o centro comercial e

criminalidade, verifica-se que ambas as variáveis podem ter sim uma parcela significativa

de contribuição na formação dos preços dos aluguéis em João Monlevade. A Figura 1

apresenta uma relação lógica entre o acesso de alguns bairros com o bairro central

(Carneirinhos).

Figura 1. Diagrama que mostra como é possível acessar os bairros a partir de Carneirinhos.

Observando a Figura 1 e as Tabelas 4 e 6 verifica-se que existe uma tendência natural dos

consumidores escolherem alugar residências localizadas em bairros próximos ao centro, e

também que nesses locais as médias de preços dos aluguéis são mais altas. Provavelmente

essa condição seja confirmada devido à elevada procura por imóveis “bem localizados”,

que estão próximos a diferentes tipos de serviços de utilidade, tais como bancos, agências

dos correios, e o comércio varejista em geral, situação essa constatada também em outras

cidades como apresentado em Ferreira Neto (2002) e Arraes e Souza Filho (2008).

Em relação ao impacto do índice de criminalidade, conforme mostra a Tabela 11, é

possível fazer uma avaliação considerando como exemplos os dois bairros mais violentos
da cidade, Carneirinhos e Cruzeiro Celeste. O preço médio do aluguel nestes dois bairros é

inversamente oposto, sendo que o Cruzeiro Celeste tem média baixa e Carneirinhos tem

média alta. No caso do Cruzeiro Celeste, é fácil perceber que por se tratar de um bairro

periférico da cidade e com índice de violência mais alto, torna a região mais sensível aos

preços dos aluguéis, o que está alinhado com as conclusões de Andrade e Rondon (2002).

Por outro lado, seria uma falha avaliar que a segurança pública não tem impacto no preço

dos aluguéis de João Monlevade, pelo fato do bairro Carneirinhos ser o mais violento ao

mesmo tempo apresentar uma média de preços alta. Esse cenário provavelmente ocorra

devido a uma espécie de trade-off 3, o qual as pessoas tenham preferência pelos benefícios

de se morar em uma região central (acesso fácil a diversos serviços) em detrimento das

elevadas taxa de violência, provavelmente ligadas em sua maioria a furtos e roubos nos

comércios.

3.2. Avaliação do segmento de compra e venda de imóveis

Todas as análises realizadas na §3.1 foram estendidas ao segmento de compra e venda de

imóveis, de tal forma a chegar às conclusões apresentadas em sequência. Primeiramente é

válido destacar que se têm dois conjuntos de dados para serem confrontados, a partir das

Tabelas 7 e 8, que são: preços médios dos imóveis anunciados no mês de setembro de

2016; e o preço médio efetivamente tributado das vendas do ano de 2016. As Tabelas 7 e 8

não apresentam os dados dos bairros que somente tiveram dados de anúncios ou vendas

efetivas.

Em se tratando do volume de imóveis anunciados em setembro de 2016 quando comparado

com o quantitativo de imóveis estimado pelo IBGE, verifica-se que apenas 3,02% do total

3
Trata-se de uma expressão em inglês, que pode ser entendida como uma relação perde-e-ganha, o qual para
se obter um benefício você abre mão de outras coisas.
de imóveis da cidade estão à venda. Já a relação considerando o quantitativo de vendas

efetivas em 2016 e o total de imóveis é de apenas 0,43% do total. Através das Tabelas 7 e

8 é possível perceber que a maioria dos preços médios anunciados de apartamentos e casas,

respectivamente, são mais altos do que a média de valores efetivamente pagos. Apenas em

três casos esse cenário não é confirmado. Neste contexto, três hipóteses foram levantadas:

(i) os vendedores superestimam os preços para dar descontos no momento da negociação

de venda; (ii) os compradores não declaram exatamente o preço efetivamente pago; e (iii)

o fato da oferta de imóveis, verificada em um único mês, ser muito superior ao total de

vendas anual, mostra que aqueles que efetivamente vendem são aqueles que abrem mão de

um percentual do valor anunciado. Para comprovação de uma ou mais dessas hipóteses

seria necessário um novo estudo para entender melhor o perfil dos ofertantes e dos

compradores da cidade.

O fator proximidade com o centro comercial novamente pode ser considerado um requisito

desejado, que influencia nas escolhas dos compradores dos imóveis (casas e apartamentos)

em João Monlevade, o que acarreta um maior preço médio, e que pode ser verificado nas

Tabelas 7 e 8, tendo como exemplo os bairros JK e Carneirinhos e Santa Bárbara.

Para investigar o perfil dos preços anunciados para venda de apartamentos e casas nos

diferentes bairros da cidade foram elaborados os Gráficos 5 e 6, respectivamente. As

diferenciações por cores nos Gráficos 5 e 6 são adotadas para construir as Figuras 2 e 3, o

qual as dez maiores médias de preços de apartamentos e casas anunciadas estão marcadas

em verde, e as dez menores em vermelho, respectivamente. O bairro Carneirinhos (centro

comercial) é destacado com uma estrela preta.


são sempre localizados muito longe do centro comercial.

quando se tratam de valores médios baixos (vermelhos), tanto apartamentos quanto casas

dispersão dos valores médios em relação ao centro comercial (Figura 3). Por outro lado,

para a definição do preço médio de casas na cidade, uma vez que existe uma maior

aqueles que estão situados próximos a região central da cidade. Esse perfil não é observado

Ao observar o Gráfico 5 e a Figura 2, fica claro que os apartamentos mais valorizados são

R$100.000,00

R$200.000,00

R$300.000,00

R$400.000,00

R$500.000,00

R$600.000,00

R$700.000,00
R$1.000.000,00

R$1.200.000,00

R$1.400.000,00
R$200.000,00

R$400.000,00

R$600.000,00

R$800.000,00

R$-
R$-
Nossa Senhora da Conceição
Aclimação
República
Nossa Senhora da Conceição
Castelo Aclimação

Gráfico 5: Preço médio do anúncio de apartamentos por bairro.


Carneirinhos JK
Vale da Serra Carneirinhos

Gráfico 6. Preço médio do anúncio de casas por bairro.


Vila Tanque
Novo Horizonte
Novo Horizonte
Paineiras Lucília
Lourdes Santa Bárbara
Alvorada Rosário
Santa Bárbara
Mangabeiras
Lucília
República Alvorada
Mangabeiras Recanto do Paraíso
São Jorge Belmonte
Teresópolis
Vale da Serra
Petrópolis
Campos Elísios Paineiras
Rosário Centro
Industrial Novo Cruzeiro
Satélite
Lourdes
Cidade Nova
José de Alencar José Elói
Jardim Vitória Nova Aclimação
Santo Hipólito São Benedito
Areia Preta
Centro Industrial
São Jorge
São Geraldo Loanda
Loanda Industrial
Cruzeiro Celeste Sion
São Benedito
Belmonte
Castelo
Ipiranga Sion Petrópoles
Palmares Metalúrgico
Vera Cruz
Teresópolis
Campo Alegre
Baú
Campo Alegre
Laranjeiras Satélite
Boa Vista Palmares Cidade
Metalúrgico
Nova José de
José Elói
Nova Esperança
Alencar Vale do
Novo Cruzeiro Sol Cruzeiro
São João Celeste Campos
Nova Aclimação
Elísios Nova
Tanquinho
Serra
Esperança
Nova Monlevade
Figura 2 - Representação espacial da oferta de apartamentos considerando o preço médio do anúncio

Fonte: Adaptado a partir da imagem do Google Maps (2017).

Figura 3 - Representação espacial da oferta de casas considerando o preço médio do anúncio

Fonte: Adaptado a partir da imagem do Google Maps (2017)

Quando a informação de média de cômodos é incorporada ao estudo (Tabelas 9 e 10) é

possível notar que as maiores médias de preços nem sempre coincidem com os bairros que

possuem a maior média de cômodos, ou vice-versa. Para exemplificar, o bairro Cruzeiro

Celeste possui uma boa média de cômodos nos apartamentos, mas possui também um

baixo preço médio de seus anúncios. O mesmo ocorre no bairro Metalúrgico quando

avaliamos os anúncios de casas.


Assim como no caso dos aluguéis, fatores como: saneamento básico; fornecimento de água

e energia elétrica; acesso ao transporte público; e a proximidade com centros de ensino e

saúde, não foram considerados itens que tem um grau de influência significativo em

relação aos preços de venda dos imóveis em João Monlevade. Por outro lado, foi

constatado que a índice o de criminalidade afeta tanto o valor dos aluguéis quanto o valor

dos anúncios de vendas.

4. Conclusões

Este estudo objetivou identificar algumas das variáveis que poderiam influenciar nos

preços praticados no mercado imobiliário de compra, venda e aluguéis residenciais na

cidade de João Monlevade-MG. Ao longo do desenvolvimento do trabalho foram coletados

dados gerais sobre o mercado, referente ao ano de 2016, o que permitiu criar hipóteses

sobre quais fatores poderiam impactar nos preços dos imóveis.

Os resultados mostraram que, entre as variáveis identificadas, apenas a localização

geográfica dos bairros, a proximidade dos bairros com o centro comercial, e o índice de

criminalidade de cada bairro, sejam fatores capazes de impactar de forma significativa nos

preços médios dos anúncios e das vendas efetivas de imóveis para locação e compra da

cidade.

Para trabalhos futuros existe a expectativa que seja possível desenvolver ferramentas e/ou

aplicativos que possibilitem selecionar os melhores locais para se alugar e/ou comprar um

imóvel na cidade de João Monlevade, de acordo com o perfil dos clientes. Além disso,

existe um projeto em andamento que visa à criação de modelos de precificação hedônicos,

baseado em ferramentas estatísticas via regressões lineares múltiplas, para estimar os

preços de aluguel e venda de imóveis em João Monlevade, de forma automática.


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WINGO, Lowdon. Transportation and urban land. Washington, D. C.: Resources for
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APÊNDICES

Tabela 3. Análises estatísticas dos dados aluguéis de apartamentos anunciados

BAIRROS Var. Desv. Máx. Mín. Média Qtd.


Aclimação 62862,87879 250,724 R$ 1.600,00 R$ 780,00 R$ 1.060,83 12
Alvorada 55558,333 235,71 R$ 1.350,00 R$ 780,00 1032.5 4
Belmonte 17500 132,2876 R$ 800,00 R$ 500,00 R$ 625,00 4
Carneirinhos 196858,8 443,6877 R$ 2.300,00 R$ 450,00 R$ 941,56 32
Castelo - - R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 600,00 1
Centro Industrial 26261,9 162,0553 R$ 900,00 R$ 550,00 R$ 724,29 7
Cidade Nova 3958,33 62,91 R$ 700,00 R$ 550,00 R$ 612,50 4
Cruzeiro Celeste 16616,67 128,9057 R$ 750,00 R$ 480,00 R$ 638,33 6
JK 20666,67 143,7591 R$ 1.500,00 R$ 1.100,00 R$ 1.283,33 6
José de Alencar 1260,606 35,505 R$ 600,00 R$ 480,00 R$ 523,33 12
José Elói 71666,67 267,7063 R$ 1.000,00 R$ 600,00 R$ 650,00 4
Loanda 7226,67 85,01 R$ 900,00 R$ 650,00 R$ 703,75 8
Lourdes 80975 284,5611 R$ 1.600,00 R$ 800,00 R$ 953,33 9
Lucília 90973,08 301,6174 R$ 1.500,00 R$ 450,00 R$ 906,92 13
Mangabeiras 29523,81 171,825 R$ 1.000,00 R$ 500,00 R$ 842,85 7
Metalúrgico - - R$ 500,00 R$ 500,00 R$ 500,00 1

Nossa Senhora da
Conceição 2000 141,4214 R$ 900,00 R$ 700,00 R$ 800,00 2
Nova Aclimação 16200 127,2792 R$ 880,00 R$ 700,00 R$ 790,00 3
Nova Esperança - - R$ 800,00 R$ 800,00 R$ 800,00 3
Novo Horizonte 144136,4 379,653 R$ 1.700,00 R$ 400,00 R$ 1.118,18 11
Paineiras 29086,2 170,5468 R$ 1.000,00 R$ 550,00 R$ 791,80 5
Palmares 10833,33 104,0833 R$ 700,00 R$ 500,00 R$ 616,67 3
República 86416,67 293,9671 R$ 1.300,00 R$ 550,00 R$ 708,33 6
Rosário 31428,57 177,28 R$ 1.200,00 R$ 650,00 R$ 850,00 8
Santa Bárbara 33681,82 183,5261 R$ 1.100,00 R$ 650,00 R$ 777,27 11
São Jorge - - R$ 1.300,00 R$ 1.300,00 R$ 1.300,00 1
Satélite - - R$ 450,00 R$ 450,00 R$ 450,00 1
Sion - - R$ 500,00 R$ 500,00 R$ 500,00 1
Vale do Sol 5289,744 72,73062 R$ 600,00 R$ 400,00 R$ 496,92 13
Vale da Serra 11250 106,066 R$ 850,00 R$ 700,00 R$ 775,00 2
Vera Cruz - - R$ 900,00 R$ 900,00 R$ 900,00 1
Vila Tanque - - 500 R$ 500,00 R$ 500,00 1
Tabela 4. Análises estatísticas dos dados aluguéis de apartamentos alugados

BAIRROS Var. Desv. Máx. Mín. Média Qtd.


Aclimação - - R$ 1.100,00 R$ 1.100,00 R$ 1.100,00 2
Alvorada - - R$ 1.000,00 R$ 1.000,00 R$ 1.000,00 1
Belmonte - - - - - -
Carneirinhos 66739 258,3389 R$ 1.500,00 R$ 800,00 R$ 1.107,33 9
Castelo - - - - - -
Centro Industrial - - - - - -
Cidade Nova - - - - - -
Cruzeiro Celeste - - - - R$ 600,00 1
JK 5000 70,71 R$ 1.300,00 R$ 1.200,00 R$ 1.250,00 2
José de Alencar - - R$ 450,00 R$ 450,00 R$ 450,00 1
José Elói - - - - - -
Loanda - - R$ 850,00 R$ 850,00 R$ 850,00 1
Lourdes - - - - - -
Lucília 39389,58 198,47 R$ 1.100,00 R$ 650,00 R$ 903,75 4
Mangabeiras - - R$ 700,00 R$ 700,00 R$ 700,00 1
Metalúrgico - - - - - -

Nossa Senhora da
Conceição 23630 153,72 R$ 1.180,00 R$ 750,00 R$ 964,00 5
Nova Aclimação - - - - - -
Nova Esperança - - - - - -
Novo Horizonte 31250 176,7767 R$ 1.100,00 R$ 850,00 R$ 975,00 2
Paineiras - - R$ 700,00 R$ 700,00 R$ 700,00 1
Palmares - - - - - -
República 5000 70,71 R$ 1.000,00 R$ 900,00 R$ 950,00 2
Rosário 1531250 1237,44 R$ 2.500,00 R$ 750,00 R$ 1.625,00 2
Santa Bárbara - - - - - -
São Jorge - - R$ 1.300,00 R$ 1.300,00 R$ 1.300,00 1
Satélite - - - - - -
Sion - - - - - -
Vale do Sol 30833,33 175,5942 R$ 800,00 R$ 450,00 R$ 616,66 3
Vale da Serra - - - - - -
Vera Cruz - - - - - -
Vila Tanque - - - - - -
Tabela 5. Análises estatísticas dos dados aluguéis de casas anunciadas

BAIRROS Var. Desv. Máx. Mín. Média Qtd.


Aclimação - - R$ 1.900,00 R$ 1.900,00 R$ 1.900,00 1
Alvorada - - R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 600,00 1
Areia Preta - - R$ 800,00 R$ 800,00 R$ 800,00 1
Baú 10520 102,567 R$ 880,00 R$ 600,00 R$ 762,00 5
Belmonte - - R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 600,00 1
Boa Vista - - R$ 780,00 R$ 780,00 R$ 780,00 1
Campos Elísios - - R$ 900,00 R$ 900,00 R$ 900,00 1
Carneirinhos 96190,48 310,1459 R$ 1.400,00 R$ 450,00 R$ 857,14 7
Centro Industrial 269041,1 518,6917 R$ 2.000,00 R$ 380,00 R$ 851,25 8
Cidade Nova - - R$ 450,00 R$ 450,00 R$ 450,00 1
Cruzeiro Celeste 10833,33 104,0833 R$ 650,00 R$ 400,00 R$ 525,00 4
Ernestina Graciana - - R$ 750,00 R$ 750,00 R$ 750,00 2
Ipiranga - - R$ 630,00 R$ 630,00 R$ 630,00 1
José de Alencar - - R$ 950,00 R$ 950,00 R$ 950,00 3
José Elói 23033,33 151,7674 R$ 850,00 R$ 550,00 R$ 686,66 3
Laranjeiras 11250 106,066 R$ 700,00 R$ 550,00 R$ 625,00 2
Loanda 238250 488,1086 R$ 1.700,00 R$ 450,00 R$ 870,00 5
Lourdes 117291,7 342,4787 R$ 1.600,00 R$ 450,00 R$ 1.112,50 4
Lucília - - R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 600,00 1
Mangabeiras 151250 388,9087 R$ 1.400,00 R$ 850,00 R$ 1.125,00 2
Metalúrgico - - R$ 800,00 R$ 800,00 R$ 800,00 1

Nossa Senhora da
Conceição 30833,33 175,5942 R$ 1.200,00 R$ 850,00 R$ 1.016,66 3
Novo Horizonte 3333,33 57,735 R$ 1.000,00 R$ 900,00 R$ 966,66 3
Palmares - - R$ 800,00 R$ 800,00 R$ 800,00 1
Petrópolis - - R$ 700,00 R$ 700,00 R$ 700,00 1
Pinheiros - - R$ 1.200,00 R$ 1.200,00 R$ 1.200,00 1
República 232023,8 481,6885 R$ 2.000,00 R$ 550,00 R$ 1.057,14 7
Rosário 111146,7 333,3867 R$ 1.500,00 R$ 600,00 R$ 873,33 6
Santa Bárbara 96666,67 310,9126 R$ 1.200,00 R$ 250,00 R$ 716,66 6
Santa Cruz - - R$ 250,00 R$ 250,00 R$ 250,00 1
São Geraldo - - R$ 650,00 R$ 650,00 R$ 650,00 1
Satélite 30000 173,2051 R$ 700,00 R$ 400,00 R$ 600,00 3
Sion 11250 106,066 R$ 600,00 R$ 450,00 R$ 525,00 2
Teresópolis 30711,07 175,2457 R$ 1.100,00 R$ 650,00 R$ 774,33 6
Vila Tanque 781250 883,8835 R$ 2.000,00 R$ 750,00 R$ 1.375,00 3
Tabela 6. Análises estatísticas dos dados aluguéis de casas alugadas

BAIRROS Var. Desv. Máx. Mín. Média Qtd.


Aclimação 361250 601,0408 R$ 1.850,00 R$ 1.000,00 R$ 1.425,00 2
Alvorada 92506,67 304,1491 R$ 1.300,00 R$ 540,00 R$ 919,66 6
Areia Preta - - - - - -
Baú - - - - - -
Belmonte - - - - - -
Boa Vista - - - - - -
Campos Elísios - - - - - -
Carneirinhos - - R$ 1.600,00 R$ 1.600,00 R$ 1.600,00 1
Centro Industrial 20000 141,4214 R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 700,00 2
Cidade Nova - - - - - -
Cruzeiro Celeste - - - - - -
Ernestina Graciana - - - - - -
Ipiranga - - - - - -
José de Alencar - - R$ 560,00 R$ 560,00 R$ 560,00 1
José Elói - - R$ 750,00 R$ 750,00 R$ 750,00 1
Laranjeiras - - - - - -
Loanda - - - - - -
Lourdes - - - - - -
Lucília - - R$ 1.850,00 R$ 1.850,00 R$ 1.850,00 1
Mangabeiras - - - - - -
Metalúrgico - - - - - -

Nossa Senhora da
Conceição - - - - - -
Novo Horizonte 244993 494,9677 R$ 1.978,00 R$ 1.100,00 R$ 1.407,00 3
Palmares - - - - - -
Petrópolis - - - - - -
Pinheiros - - - - - -
República 85833,33 292,9733 R$ 1.850,00 R$ 1.300,00 R$ 1.516,66 3
Rosário 973333,3 986,5766 R$ 2.500,00 R$ 700,00 R$ 1.366,66 3
Santa Bárbara 245000 494,9747 R$ 1.800,00 R$ 1.100,00 R$ 1.450,00 2
Santa Cruz - - - - - -
São Geraldo - - - - - -
Satélite - - - - - -
Sion - - - - - -
Teresópolis - - - - - -
Vila Tanque 125000 353,5534 R$ 1.800,00 R$ 1.300,00 R$ 1.550,00 2
Tabela 7. Valor médio anunciado e tributado de apartamentos vendidos em 2016

VALOR MÉDIO TOTAL VALOR MÉDIO TOTAL ANUNCIADO/


BAIRRO
ANUNCIADO ANUN. TRIBUTADO TRIB. TRIBUTADO
Aclimação R$ 487.692,31 13 R$ 319.463,50 2 1,53
Carneirinhos R$ 411.333,33 15 R$ 214.361,88 7 1,92
Centro Industrial R$ 280.000,00 1 R$ 126.500,00 1 2,21
Cidade Nova R$ 182.857,14 7 R$ 163.141,24 1 1,12
JK R$ 460.294,12 17 R$ 290.690,75 7 1,58
José de Alencar R$ 164.285,71 14 R$ 124.698,20 1 1,32
José Elói R$ 270.000,00 5 R$ 124.229,73 1 2,17
Lourdes R$ 276.666,67 6 R$ 173.333,33 3 1,60
Lucília R$ 386.470,59 17 R$ 360.231,78 2 1,07
Nossa Senhora da
Conceição R$ 600.000,00 1 R$ 151.232,87 1 3,97
Nova Aclimação R$ 260.000,00 2 R$ 118.638,51 2 2,19
Novo Horizonte R$ 400.809,52 21 R$ 550.000,00 1 0,73
Paineiras R$ 281.785,71 14 R$ 260.000,00 1 1,08
Rosário R$ 338.666,67 15 R$ 102.279,98 4 3,31
Santa Bárbara R$ 370.386,96 23 R$ 197.948,20 1 1,87
São Benedito R$ 260.000,00 1 R$ 172.335,63 2 1,51
Satélite R$ 191.363,64 11 R$ 114.232,73 6 1,68
Sion R$ 244.545,45 22 R$ 222.500,00 2 1,10
Teresópolis R$ 214.615,38 13 R$ 145.000,00 1 1,48
Vale da Serra R$ 285.000,00 2 R$ 123.199,40 3 2,31
Vale do Sol R$ 161.878,05 42 R$ 99.920,46 4 1,62
Tabela 8. Valor médio anunciado e tributado de casas vendidas em 2016

VALOR MÉDIO TOTAL VALOR MÉDIO TOTAL ANUNCIADO/


BAIRROS
ANUNCIADO ANUN. TRIBUTADO TRIB. TRIBUTADO
Aclimação R$ 1.258.333,33 12 R$ 2.150.000,00 1 0,59
Alvorada R$ 583.333,33 9 R$ 209.991,00 1 2,78
Baú R$ 242.500,00 4 R$ 190.000,00 1 1,27
Belmonte R$ 273.090,91 11 R$ 153.290,69 2 1,78
Carneirinhos R$ 854.000,00 10 R$ 247.767,00 5 3,45
Cruzeiro Celeste R$ 282.714,29 28 R$ 195.264,20 1 1,45
Ipiranga R$ 263.333,33 3 R$ 375.952,60 1 0,70
José Elói R$ 239.250,00 20 R$ 169.089,40 1 1,41
Laranjeiras R$ 242.100,00 9 R$ 204.000,00 1 1,19
Lourdes R$ 598.157,89 19 R$ 258.867,18 4 2,31
Nossa Senhora da
Conceição R$ 1.046.000,00 5 R$ 186.742,61 1 5,60
Novo Cruzeiro R$ 208.333,33 9 R$ 59.989,27 1 3,47
Novo Horizonte R$ 637.777,78 9 R$ 460.403,79 2 1,39
Paineiras R$ 607.272,73 11 R$ 250.000,00 1 2,43
Palmares R$ 255.000,00 2 R$ 250.000,00 1 1,02
Petrópolis R$ 446.000,00 5 R$ 135.000,00 1 3,30
Santa Bárbara R$ 579.888,89 9 R$ 389.976,80 5 1,49
São Geraldo R$ 300.000,00 2 R$ 142.875,42 1 2,10
Satélite R$ 357.142,86 7 R$ 183.245,26 3 1,95
Sion R$ 255.625,00 16 R$ 170.000,00 1 1,50
Vale da Serra R$ 840.000,00 1 R$ 276.666,67 3 3,04
Vila Tanque R$ 686.285,71 36 R$ 301.706,00 1 2,27
Tabela 9. Média de cômodos de apartamentos anunciados Tabela 10. Média de cômodos de casas anunciadas
para venda na cidade em setembro de 2016 para venda na cidade em setembro de 2016
MÉDIA MÉDIA
BAIRRO Q G COMODOS BAIRRO Q G COMODOS
Nossa Senh. da Conc. 3 2 11 Vale da Serra 4 4 11
Recanto do Paraiso 5 2 10 Aclimação 4 4 10
JK 3 2 9 José de Alencar 4 4 10
Aclimação 3 2 8 Báu 4 2 10
Carneirinhos 3 2 8 Metalúrgico 3,5 2,5 9,5
Castelo 3 2 8 Alvorada 4 2,5 9
Lourdes 3 2 8 Lourdes 4 2 9
Loanda 3 1 8 Lucília 4 2 9
Rosário 3 1 8 São Jorge 4 1 9
Santa Bárbara 3 1 8 Carneirinhos 3,5 2 9
Campo Alegre 3 1 8 Castelo 3 8 9
São Benedito 3 1 8 Santa Bárbara 3 2 9
Belmonte 3 2 7,5 Satélite 3 2 9
Campos Elísios 3 1 7,5 Vila Tanque 3 2 9
Nossa Senh.da
Novo Cruzeiro 3 1 7,5 Conc. 4 1 8
Cruzeiro Celeste 2 3 7,5 Paineiras 3 4 8
Lucília 3 2 7 Novo Horizonte 3 2,5 8
Paineiras 3 2 7 Campo Alegre 3 2 8
José de Alencar 3 1 7 Cruzeiro Celeste 3 2 8
José Elói 3 1 7 Loanda 3 2 8
Mangabeiras 3 1 7 Novo Cruzeiro 3 2 8
Metalúrgico 3 1 7 Rosário 3 2 8
Novo Horizonte 3 1 7 São Geraldo 3 2 8
República 2 2 7 Teresópolis 3 2 8
Vale da Serra 2 2 7 Areia Preta 3 1 8
Cidade Nova 2 1 7 Boa Vista 3 1 8
Sion 2 1 7 José Elói 3 1 8
Industrial 3,5 1,5 6,5 República 3 1 8
São Jorge 3 1 6,5 Laranjeiras 3 3 7
Palmares 2 2 6 Cidade Nova 3 2 7
Alvorada 2 1 6 Ipiranga 3 2 7
Nova Esperança 2 1 6 Petrópolis 3 2 7
Petrópolis 2 1 6 Sion 3 2 7
Satélite 2 1 6 Belmonte 3 1 7
Teresópolis 2 1 6 Nova Esperança 2 1 7
Vale do Sol 2 1 6 Mangabeiras 3 2 6
Nova Monlevade 2 0 5 Campos Elísios 3 1 6
São João 3 1 6
Tanquinho 2 1 6
Q – Média de quartos; G – Média de vagas de Garagem Nova Aclim. 1 1 3
Tabela 11. Resumo da relação de centros de saúde e/ou centros de ensino públicos da cidade.

BAIRROS SAÚDE EDUCAÇÃO


Aclimação 1
Boa vista 1
Carneirinhos 1
Centro Industrial 1
Industrial 1 1
Laranjeiras 1
Loanda 1 2
Nossa Senhora da
Conceição 1
Nova Aclimação
Nova Esperança 1
Nova Monlevade 1
Novo Cruzeiro 1 2
Novo Horizonte 2
Santo Hipólito 1
Serra 2
Sion 1
Vale do Sol 1
Vila Tanque 1
Tabela 12. Número de crimes na cidade por bairro, tipo e ano

2014 2015 2016


Bairro A F R O A F R O A F R O
ABM 4 6 4 14 1 13 0 9 1 13 0 7
Aclimação 5 6 2 21 2 11 7 11 5 2 5 29
Alvorada 5 7 9 12 4 13 4 17 3 15 1 31
Amazonas 2 1 1 1 1 4 1 10 3 1 0 5
Areia Preta 6 4 1 19 4 4 3 16 5 2 1 16
Baú 9 10 3 46 18 22 2 57 23 25 7 54
Belmonte 25 40 9 78 20 45 21 60 16 55 18 75
Boa Vista 8 9 0 18 15 17 5 34 13 8 2 19
Campo Alegre 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1
Campos Elísios 8 8 0 19 7 34 4 37 2 25 7 29
Carneirinhos 50 143 28 255 46 176 50 242 46 183 57 261
Castelo 3 12 1 11 1 9 0 9 0 2 0 9
Centro Industrial 4 16 2 12 6 10 2 21 2 17 2 16
Cidade Nova 6 3 0 12 8 5 0 22 7 8 0 35
Corumbiara de
Vanessa 4 1 0 7 0 2 0 6 0 0 0 4
Cruzeiro Celeste 48 90 10 184 47 127 29 184 35 109 49 184
Ernestina Graciana 5 2 0 7 1 1 1 16 2 3 0 6
Estancia Burian 3 5 0 10 1 5 4 9 0 6 5 2
Estrela Dalva 7 5 0 26 7 3 0 25 8 6 2 13
Industrial 4 5 1 20 7 12 2 20 8 13 1 23
Ipiranga 3 0 0 18 5 5 0 15 9 4 2 10
Jacuí 6 2 2 14 1 4 6 7 10 3 7 13
Jose de Alencar 5 9 1 20 3 6 0 17 1 8 3 18
Jose Elói 13 10 0 34 10 9 2 26 13 7 3 28
Juscelino Kubitschek 1 24 0 21 4 15 2 28 4 29 14 31
Laranjeiras 13 12 1 12 6 16 2 27 12 17 1 25
Loanda 42 36 1 132 38 49 16 109 30 71 32 110
Lourdes 15 10 5 29 10 23 12 26 11 36 8 30
Lucília 12 18 2 30 9 21 4 35 5 13 9 31
Mangabeiras 2 6 3 8 1 8 1 13 2 11 2 12
Metalúrgico 14 16 1 17 4 17 3 27 7 25 1 27
Monte Sagrado 4 0 1 6 1 3 0 10 0 4 1 7
Nossa Senhora da
Conceição 7 15 4 25 6 21 10 22 8 21 15 31
Nova Cachoeirinha 2 2 2 6 4 2 1 8 2 4 0 13
Nova Esperança 11 6 1 24 7 6 1 30 4 8 4 20
Nova Monlevade 17 6 0 33 15 10 1 31 18 12 2 32
Novo Aclimação 2 3 0 6 1 7 0 5 2 8 3 5
Novo Cruzeiro 16 49 1 46 18 49 5 79 27 58 12 72
Novo Horizonte 8 4 3 17 6 16 5 12 2 12 7 19
Paineiras 1 3 1 6 0 10 0 6 1 8 2 6
Palmares 2 3 1 17 5 8 0 11 6 1 3 10
Pedreira 3 2 1 5 2 13 1 8 1 11 0 8
Petrópolis 13 11 2 31 13 25 3 30 6 13 8 22
Pinheiros 0 4 0 1 1 1 2 3 0 3 1 4
Primeiro de Maio 3 1 0 7 12 3 0 9 2 2 1 7
Promorar 11 11 0 25 4 11 0 28 8 8 0 28
Recanto Paraiso 1 0 0 0 2 2 0 1 1 0 1 0
República 8 12 6 37 13 34 8 39 8 29 12 37
Rosário 13 22 4 60 9 36 7 63 8 37 13 51
Santa Barbara 11 15 7 41 9 27 13 43 6 18 8 40
Santa Cecília 7 5 0 17 7 0 2 14 1 2 3 6
Santa Cruz 2 4 0 9 3 8 2 8 3 7 1 11
Santo Hipólito 11 22 1 26 10 38 14 30 17 36 5 33
São Benedito 2 1 1 4 1 2 0 4 1 1 1 2
São Geraldo 3 4 0 14 9 18 3 11 4 5 1 9
São João 12 2 0 38 10 7 2 33 11 4 1 30
São Jorge 1 4 0 6 1 2 2 3 1 5 1 5
Satélite 10 14 5 33 8 28 5 37 6 15 9 31
Síon 7 23 2 35 6 48 5 50 13 24 4 35
Tanquinho 6 16 4 12 7 7 2 19 4 8 4 21
Teresópolis 14 17 5 24 15 25 5 38 7 30 19 31
Tiete 4 5 1 11 1 19 0 21 7 14 2 13
Vale da Serra 1 13 3 13 0 3 0 6 0 4 2 6
Vale do Sol 8 7 1 8 2 2 0 7 0 4 1 5
Vera Cruz 4 3 0 9 6 3 1 8 2 9 2 13
Vila Tanque 14 25 6 36 20 32 5 62 20 30 9 49
Total 570 827 151 1774 517 1213 288 1924 490 1172 397 1866
A – Ameaça; F – Furtos; R – Roubos; O – Outros.
O Ciclo das Commodities e Crescimento Regional Desigual no Brasil: uma
aplicação de Equilíbrio Geral Computável (EGC)
Celso Bissoli Sessa1
Thiago Cavalcante Simonato2
Edson Paulo Domingues3

RESUMO: Os princípios do desenvolvimento desigual são importantes para a compreensão


da realidade regional brasileira, que apresenta contornos peculiares pela dependência em
relação à exportação de commodities. Dada a rigidez locacional e a volatilidade dos preços
característica desse mercado, a distribuição espacial dos impactos dessas atividades assume
importância na persistência das desigualdades regionais. Este trabalho avança a partir do uso
do modelo IMAGEM-B (Integrated Multi-Regional Applied General Equilibrium Model -
Brazil), configurado para captar os impactos que o aumento da demanda externa por
commodities teve sobre o desempenho econômico brasileiro, permitindo identificar os
principais canais capazes de estimular o crescimento econômico. Resultados preliminares
apontam que a economia brasileira apresentou respostas significativas ao efeito-preço das
exportações (investimento, emprego regional, renda e consumo), ao efeito-quantum nas
exportações para outras regiões exportadoras (exportação e importação domésticas) e ao
resultado agregado do PIB. As tendências observadas refletem não apenas diferentes níveis de
industrialização e de estruturas produtivas regionais, mas também uma concentração
econômica (seletiva setorial e espacialmente) sustentada numa divisão regional da produção,
que não tem permitido, aparentemente, reduzir as desigualdades regionais.

PALAVRAS-CHAVE: Ciclo de Commodities, Desigualdades Regionais, Equilíbrio Geral


Computável.

ABSTRACT: The principles of uneven development are important for understanding the
Brazilian regional reality, which has peculiar contours by dependence on commodity exports.
Given the locational rigidity and the volatility of prices characteristic of this market, the
spatial distribution of the impacts of these activities assumes importance in the persistence of
regional inequalities. This work proceeds from the use of IMAGEM-B model (Integrated
Multi-Regional Applied General Equilibrium Model - Brazil) configured to capture the
impact that the increase in foreign demand for commodities had on Brazil's economic
performance, allowing to identify the main channels capable of stimulating economic growth.
Preliminary results indicate that the Brazilian economy showed significant responses to effect
price of exports (investment, regional employment, income and consumption), the quantum
effect in exports to other exporting regions (export and domestic import) and the aggregate
result of GDP. The observed trends reflect not only different levels of industrialization and
regional production structures, but also an economic concentration (sectoral and spatially
selective) held a regional division of production, which has not allowed apparently reduce
regional inequalities.

KEYWORDS: Commodities Cycle, Regional Inequalities, Computable General Equilibrium.

JEL Classification: R11, R13, C68.


1
Doutorando em Economia no CEDEPLAR/UFMG e professor Adjunto do Departamento de Economia da
Universidade Federal do Espírito Sando (UFES). E-mail: celso.bissoli@gmail.com
2
Doutorando em Economia na FEA/USP. E-mail: thiagocavalcantesimonato@hotmail.com
3
Doutor em Economia pela FEA/USP e professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) e do
CEDEPLAR/UFMG. E-mail: domingues.edson@gmail.com
1. Introdução

As disparidades regionais têm sido objeto de estudo em vários países, especialmente nos

subdesenvolvidos, nos quais os diferenciais de renda e crescimento são mais acentuados (WILTGEN,

1991). Nas últimas décadas vários estudos trouxeram grandes contribuições para o debate em torno do

desenvolvimento regional e uma das principais constatações foi a de que o processo de crescimento

econômico acontece de forma desigual entre as regiões.

Esse princípio do desenvolvimento desigual é importante para a compreensão da realidade

regional do Brasil, um país marcado historicamente por significativas diferenças econômicas em seu

espaço geográfico, e que apresenta contornos mais peculiares pelo fato de haver uma significativa

dependência da economia em relação à exportação de commodities e a produção desses bens, por sua

vez, está distribuída de forma desigual no território. Em função da rigidez locacional e da volatilidade

dos preços característica do mercado de commodities (baixa elasticidade-preço da oferta), a

distribuição espacial dos impactos dessas atividades assume grande importância no entendimento da

persistência das desigualdades regionais ao longo do tempo.

Gráfico 01 – Receita, Quantidade e Preço Médio das Exportações de Commodities (2005 a 2014)
700

600

500

400

300

200

100

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Receita (US$ milhões) Quantidade (1.000 t) Preço Médio (US$/t)

Fonte: SECEX/MDIC. Elaboração própria.


Descrição: Índice Base (2005 = 100)

Os preços internacionais das commodities apresentaram grande evolução desde o ano 2005 e,

mesmo com a crise de 2008, esses preços ainda permanecem em níveis bem maiores aos registrados

até então. A relevância desse aumento de preços reside no forte estímulo que as regiões produtoras

têm para intensificar a exportação desses bens. A resposta aos altos preços internacionais pode ser
vista a partir da participação das commodities na pauta de exportação brasileira, que saltou de 57,96%

em 2005 para 71,24% em 2014.

Considerando as relações entre os setores e as diferentes regiões, este trabalho pretende

avançar, a partir de um modelo de Equilíbrio Geral Computável (EGC), no entendimento sobre os

impactos que o aumento e a diminuição da demanda externa por commodities tiveram sobre o

desempenho econômico brasileiro e, também, sobre os efeitos alocativos inter-regionais como

resultados de forças de mercado, permitindo identificar os principais canais capazes de estimular o

crescimento econômico e seu impacto na concentração regional. O que se pretende discutir, portanto, é

se o recente ciclo de preços das commodities reforçou ou atenuou os padrões de crescimento regional

desigual no Brasil.

2. Metodologia

O presente trabalho faz uso do modelo IMAGEM-B (Integrated Multi-Regional Applied

General Equilibrium Model - Brazil), que leva em consideração as características estruturais e inter-

regionais do sistema econômico brasileiro de forma integrada e consistente, especialmente

configurado para captar os impactos dos choques nas commodities selecionadas4.

Trata-se de um modelo multi-regional estático do tipo Johansen, com estrutura bottom-up para

os 27 estados, que segue a base teórica do modelo TERM (HORRIDGE et al, 2005), e top-down para

as 558 microrregiões brasileiras. Ao nível estadual, as regiões são endógenas e o comportamento dos

agentes é modelado. Ao nível nacional, os resultados são gerados através de agregações dos resultados

estaduais e, ao nível microrregional, os resultados são decomposições consistentes do resultado

estadual de forma a manter coerência com a estrutura agregada em quatro setores do PIB municipal do

IBGE em cada estado.

Os dados utilizados na calibragem do módulo top-down microrregional são as participações de

cada microrregião nos setores do modelo. Os dados utilizados são o PIB municipal/setorial do IBGE

4
A cesta de commodities segue a classificação da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (SECEX/MDIC). Os 23 produtos são: açúcar em bruto; açúcar
refinado; algodão; café em grão; carne bovina “in natura”; carne de frango “in natura”; carne suína “in natura”;
celulose; couro; farelo de soja; fumo em folhas; milho; óleo de soja em bruto; soja em grão; suco de laranja;
etanol; gasolina; óleos combustíveis; petróleo em bruto; alumínio; laminados planos; minério de ferro;
semimanufaturados de ferro/aço.
(quatro grandes setores), os dados setoriais/municipais de emprego da RAIS e o mapeamento de

estados, microrregiões e municípios do IBGE. Além disso, o modelo considera 27 estados, 110

produtos/setores e 4 demandantes (famílias, investimento, exportação e governo). Na base de dados do

modelo os 23 produtos que terão choques (commodities) e os dois bens de margens (Comercio,

TranspCarga) são mantidos e os outros produtos/setores são agregados em Resto da Agropecuária,

Resto da Indústria e Serviços. O ano-base do banco de dados é 2005.

A partir da estrutura do modelo IMAGEM-B, a simulação realizada utiliza as taxas de

crescimento anual das commodities (preços e quantidades), conforme a tabela abaixo:

Tabela 01 – Taxas de Crescimento Anual das Commodities (Preços e Quantidades)


Quantidade (1.000 t) Preço (US$/t)
Classificação
2005-2011 2011-2014 2005-2011 2011-2014
2 MilhoGrao 43,337 21,464 17,099 -9,903
5 SojaGrao 4,070 8,487 13,023 0,722
8 FumoFolha -2,379 -3,612 12,274 -0,717
9 AlgodaoHerba 11,674 -0,321 10,524 -3,584
11 CafeGrao 4,800 2,622 15,708 -9,162
19 PetroleoGas 13,903 -3,543 15,511 -3,293
20 MinerioFerro 6,702 1,009 25,371 -12,242
22 MinMetNaoFer -2,354 -10,670 4,718 -3,746
24 AbatePrCarne -4,564 10,618 14,733 -1,846
25 CarneSuino -4,624 -1,028 7,246 4,045
26 CarneAves 4,407 0,547 8,705 -1,149
29 OleoSojaBrut -5,949 -6,322 17,454 -8,584
38 PrUsinasAcuc 5,734 -1,125 18,209 -9,360
41 OutProdAlime 11,238 -0,990 7,869 -3,672
48 CouroArtefat 0,749 8,521 5,727 0,853
51 CelulosPapel 8,213 5,486 7,355 -3,849
55 GasolAutomot -30,409 2,983 10,256 -0,012
57 OleoCombust -0,500 -0,664 16,292 -1,714
60 Alcool* 9,553 -8,213 15,311 -4,034
74 SemiAcabAco -0,132 -3,201 6,235 -5,879
Fonte: SECEX/MDIC. Elaboração própria.
* Quantidade em milhões de litros e preço em US$/l
Para o objetivo deste trabalho, foi utilizado um fechamento de curto prazo, que se diferencia

principalmente por considerar o estoque de capital fixo, como segue:

1) Mercado de Fatores: oferta de capital e de terra fixa (nacionalmente, regionalmente e entre

setores) para todos os setores;

2) Mercado de Fatores: emprego regional endógeno (responde a variações no salário real

regional) e emprego nacional fixo;

3) Salário real regional endógeno (salário nominal indexado ao IPC).

4) Consumo real ajusta-se endogenamente e segue a renda disponível.


5) Saldo comercial externo, como proporção do PIB, é endógeno.

6) Gasto real do governo exógeno.

Cabe observar que o fechamento representa hipóteses de operacionalização do modelo,

associadas ao horizonte temporal hipotético das simulações, que se relaciona ao tempo necessário para

a alteração das variáveis endógenas rumo ao novo equilíbrio.

A simulação de cenários de expansão da produção e exportação das commodities

(deslocamentos na curva de demanda por exportações) busca identificar quais os mecanismos de

transmissão desse choque na estrutura de interação entre as regiões e verificar qual o impacto do

aumento das interações com o setor externo para a estrutura econômica das regiões.

O primeiro choque (2005-2011) foi aplicado ao cenário-base do modelo (2005), gerando um

conjunto de resultados em termos de taxas de crescimento anual para o período. Posteriormente, a

partir do primeiro choque, a base de dados do modelo foi atualizada para o ano de 2011, constituindo

um novo cenário econômico. Neste novo cenário foi aplicado o segundo choque (2011-2014). Os

resultados obtidos apresentam as variações anuais em relação a uma trajetória tendencial (baseline),

representando apenas os efeitos adicionais decorrentes dos choques das commodities, não sendo

consideradas outras mudanças.

3. Resultados e Discussão

A evolução conjunta da estrutura regional e do ciclo econômico de expansão das exportações

de commodities depende da existência de mecanismos de transmissão por meio dos quais as

disparidades regionais podem ser condicionadas ao longo do tempo.

3.1. Efeito-Preço

Os primeiros resultados apresentados se referem ao efeito-preço das exportações de

commodities sobre o investimento, o emprego regional, a renda e o consumo (tabela 02).

O primeiro componente do efeito-preço afeta a alocação dos investimentos em certas

atividades e regiões. No primeiro período (2005-2011), como há crescimento significativo das

exportações de commoditites, todos os estados apresentam variação anual positiva do investimento. O

vínculo entre a estrutura produtiva e as flutuações do investimento pode ser visualizado mais
claramente no caso de regiões cujas exportações dependem de poucas matérias-primas. É o caso do

Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Espírito Santo e Mato Grosso.

As variações no investimento apresentam uma reversão, do primeiro para o segundo período,

de forma que, em geral, os estados que apresentam significativo crescimento do investimento também

registram as maiores reduções. Este resultado evidencia o grau de especialização produtiva destas

regiões na produção de commodities. É importante observar, novamente, que os resultados

apresentados indicam apenas a variação do investimento advinda dos choques das exportações de

commodities em relação ao cenário de 2005 e de 2011.

Além disso, cabe observar que para quase todos os estados (exceto Amapá), o crescimento

anual do investimento no primeiro período é bem superior à redução observada no segundo. Mesmo

considerando que a base de comparação do segundo período é maior, essa diferença nas variações do

investimento indica que o movimento provocado pelas commodities não foi totalmente revertido. Estas

informações podem ser observadas também no mapa 01.

A volatilidade de preços típica dos ciclos de commodities tem implicações importantes sobre

as regiões com elevado grau de dependência desses produtos ao reduzir as taxas de investimento e do

crescimento em longo prazo. Isso porque, embora a contração do investimento tenha efeitos de curto

prazo sobre a demanda agregada e sobre o emprego, implica em menor crescimento do estoque de

capital, o que prejudica a capacidade da economia de gerar empregos. Além disso, essa contração tem

um efeito negativo sobre a produtividade ao postergar a adoção de métodos de produção baseados em

um uso mais intensivo de capital e de tecnologia. Em relação aos aspectos do desenvolvimento

regional, um problema associado às atividades de commodities é o fato de que muitas empresas

costumam operar em enclaves e o alto grau de concentração da propriedade faz com que o aumento da

produtividade se concentre em poucas empresas e sua disseminação para outros setores seja bastante

reduzida (CEPAL, 2014).

Além disso, a volatilidade de preços altera a rentabilidade relativa dos investimentos entre os

setores ou regiões, redefinido constantemente a orientação espacial desses investimentos. No caso dos

estados com elevada dependência em relação aos setores exportadores de commodities, pode-se ter

ideia do impacto que a alta de preços teve na tendência de se concentrar os investimentos justamente
nos setores já estabelecidos, reforçando o padrão de especialização dessas economias e, com isso,

dificultando a transformação da estrutura produtiva (CEPAL, 2014). Esse processo tende a ser

cumulativo, estimulando a concentração em certas regiões e ampliando as desigualdades via

crescentes economias internas e externas, nos moldes das ideias apresentadas por Myrdal (1957).

Tabela 02 – Efeito-Preço: Investimento, Emprego, Salário Real e Consumo (2005-2011 e 2011-2014)


Investimento Emprego Salário Real Consumo
Região Estados
05-11 11-14 05-11 11-14 05-11 11-14 05-11 11-14
Rondônia 0,250 -0,150 -0,340 0,120 0,860 -0,230 -0,150 0,060
Acre 0,110 -0,020 -0,410 0,150 0,760 -0,190 -0,310 0,130
Amazonas 1,100 -0,410 -0,120 0,020 1,160 -0,380 0,370 -0,200
Norte Roraima 0,440 -0,150 -0,210 0,090 1,040 -0,280 0,160 -0,020
Pará 2,180 -1,290 0,000 -0,110 1,330 -0,550 0,650 -0,490
Amapá 0,490 -1,380 -0,320 0,000 0,890 -0,390 -0,100 -0,230
Tocantins 0,690 -0,120 -0,070 0,100 1,230 -0,250 0,490 0,010
Maranhão 0,560 -0,110 -0,150 0,130 1,130 -0,220 0,310 0,070
Piauí 0,600 -0,260 -0,170 0,030 1,100 -0,360 0,250 -0,160
Ceará 0,590 -0,210 -0,220 0,060 1,020 -0,320 0,130 -0,100
Rio Grande do Norte 5,350 -1,610 0,770 -0,270 2,400 -0,770 2,510 -0,870
Nordeste Paraíba 1,410 -0,690 -0,040 -0,060 1,270 -0,480 0,560 -0,370
Pernambuco 1,160 -0,590 -0,080 -0,050 1,220 -0,470 0,470 -0,360
Alagoas 3,240 -1,990 0,310 -0,300 1,770 -0,810 1,410 -0,940
Sergipe 3,770 -1,380 0,690 -0,270 2,300 -0,770 2,330 -0,880
Bahia 1,290 -0,450 0,150 0,010 1,540 -0,380 1,010 -0,200
Minas Gerais 3,340 -1,670 0,240 -0,170 1,670 -0,630 1,250 -0,640
Espírito Santo 9,970 -4,460 0,970 -0,580 2,680 -1,190 2,980 -1,600
Sudeste
Rio de Janeiro 2,040 -0,820 0,080 -0,090 1,440 -0,520 0,850 -0,450
São Paulo 0,920 -0,280 -0,060 0,030 1,250 -0,360 0,510 -0,160
Paraná 0,900 -0,250 -0,050 0,070 1,260 -0,300 0,530 -0,060
Sul Santa Catarina 0,510 -0,270 -0,250 0,100 0,990 -0,270 0,070 0,000
Rio Grande do Sul 0,510 -0,090 -0,260 0,120 0,970 -0,230 0,040 0,060
Mato Grosso do Sul 1,830 -0,090 0,240 0,110 1,670 -0,240 1,240 0,030
Centro- Mato Grosso 2,470 -0,100 0,810 0,310 2,470 0,020 2,620 0,500
Oeste Goiás 1,100 -0,330 0,060 0,100 1,410 -0,260 0,790 0,000
Distrito Federal 0,440 -0,130 -0,350 0,110 0,850 -0,250 -0,160 0,020
BRASIL 1,320 -0,500 0,000 0,000 1,330 -0,400 0,710 -0,240
Fonte: Elaboração própria.

O segundo componente pelo qual o crescimento dos preços das commodities é capaz de atingir

o crescimento econômico é através do aumento do emprego. Os impactos positivos sobre o emprego,

no primeiro período, são associados à expansão das exportações e ao o estímulo para se aumentar os

investimentos nas regiões exportadoras (em comparação ao custo de oportunidade de se aplicar

recursos no setor industrial). E a perda de empregos, no segundo período, está relacionada à elevação

das importações (mais concorrência no mercado doméstico). Em relação ao emprego, os resultados

também podem ser vistos no mapa 02.

No caso do emprego, é importante observar que as simulações foram realizadas a partir de um

fechamento que considera o emprego regional endógeno (respondendo a variações no salário real
regional) e emprego nacional fixo. Com isso, as regiões que ampliam a participação no emprego total

o fazem em razão, necessariamente, da redução da participação de outras regiões, ou seja, o

comportamento dos empregos resulta em soma zero. As variações regionais do emprego ocorrem

pelos diferenciais de salário real. É importante observar que o modelo de EGC permite captar os

efeitos indiretos do mercado de trabalho em outros setores e na atividade econômica em geral, e não só

no setor de commodities.

Mapa 01 – Variação Anual do Investimento Mapa 02 – Variação Anual do Emprego Regional

Mapa 03 – Variação Anual do Salário Real Mapa 04 – Variação Anual do Consumo das Famílias

Fonte: Elaboração própria.

No primeiro ciclo, o nível de empregos em quase todos os estados diminui em direção a

alguns poucos estados, notadamente das regiões Sudeste e Centro-Oeste, ampliando algumas

disparidades regionais, inclusive porque esses efeitos migratórios em direção às regiões mais

dinâmicas tendem a ser seletivos, ao menos pelo fator idade e de renda. Esse resultado reforça a tese

defendida por Hirschman (1958) de que as regiões mais desenvolvidas atraem trabalho qualificado das

regiões mais atrasadas, reforçando a desigualdade entre elas. No segundo ciclo, essa tendência se

reverte, mas em menor intensidade. A especialização produtiva tende a gerar menor oferta de trabalho,
razão pela qual os estados com maior dependência dos setores exportadores apresentam as maiores

reduções no emprego (Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e alguns estados do Nordeste).

Em relação à renda (salário real), o impacto pode ser visto também no mapa 03. As regiões em

expansão requerem mais trabalho, o que aumenta a remuneração do trabalho e desloca recursos

produtivos das outras regiões da economia para as áreas em expansão. Seguindo a mesma tendência do

investimento, os estados com maior taxa de crescimento anual do investimento via commodities

também apresentaram a maior taxa de aumento do salário real. Apesar dos salários reais crescerem em

todo o Brasil, reflexo do aumento de atividade, isso ocorre especialmente no caso dos estados de Mato

Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, Sergipe e Rio Grande do Norte.

Em relação ao segundo período, a retração da atividade econômica pressiona os salários para

baixo. Destaque para os estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pará. O

único estado que apresenta pouca variação dos salários reais é Mato Grosso, provavelmente pela

existência de um modelo produtivo exportador agrícola que favorece a produção extensiva que não

fomenta a criação de empregos, causando menos pressão nos salários.

Os efeitos das variações das commodities sobre o consumo podem ser vistos no mapa 04. É

importante observar que o consumo das famílias é, em muitos casos, considerado uma proxy para o

bem-estar. De forma geral, o comportamento desta variável é semelhante ao da renda (salário real).

Um efeito associado ao ciclo de commoditites é a melhora do balanço de pagamentos que

possibilita estimular a demanda doméstica (aumento do crédito, elevação do salário mínimo e

programas sociais que estimulam o consumo, por exemplo), resultando em estímulo ao crescimento

sem fortes impactos no balanço de pagamentos e na dívida externa. Depois de 2008, quando os preços

dos produtos básicos registraram uma queda devido à crise financeira mundial, o país pôde expandir

seus gastos como medida de estímulo, justamente com base nas poupanças fiscais acumuladas,

demonstrando os benefícios de contar com a capacidade de aplicar políticas fiscais anticíclicas, que

reduziram o impacto da crise financeira de 2008 (CEPAL, 2013).

Os maiores aumentos do consumo foram no Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Espírito

Santo e Mato Grosso (os mesmos estados que aumentaram muito o investimento). Em contrapartida,

no segundo ciclo de preços esses estados reduziram o consumo mais do que a média do Brasil.
3.2. Efeito-Quantum

O segundo efeito principal a ser apresentado é o efeito-quantum nas exportações e

importações para outros estados que também são exportadores de commodities (tabela 03). Esse efeito

é indireto e depende da existência de relações comerciais consolidadas entre as regiões que se

beneficiam com a valorização dos preços das commodities. Como pode ser observado, o aumento na

demanda externa pelas commoditites proporciona um efeito positivo na economia e, portanto, aumenta

a demanda pelos produtos e serviços não exportáveis.

Tabela 03 – Efeito-Quantum: Exportação e Importação Domésticas (2005-2011 e 2011-2014)


Exportação Importação
Região Estados
2005-2011 2011-2014 2005-2011 2011-2014
Rondônia 0,370 -0,230 -0,270 0,150
Acre 0,620 -0,070 -0,510 0,190
Amazonas 1,440 -0,460 -0,290 0,010
Norte Roraima 0,540 -0,100 -0,070 0,050
Pará 0,320 -0,150 1,100 -1,080
Amapá 1,670 -0,830 -0,300 -0,170
Tocantins 0,610 -0,270 0,400 0,190
Maranhão 0,670 -0,450 -0,030 0,290
Piauí 0,650 -0,280 0,090 -0,110
Ceará 0,920 -0,430 -0,130 -0,010
Rio Grande do Norte 5,400 -1,570 2,540 -0,870
Nordeste Paraíba 1,270 -0,610 0,350 -0,300
Pernambuco 0,930 -0,410 6,750 -1,970
Alagoas 1,140 -0,580 1,850 -1,250
Sergipe 4,350 -1,350 2,190 -0,820
Bahia 1,620 -0,470 3,010 -0,920
Minas Gerais 0,760 -0,280 2,610 -1,400
Espírito Santo 1,220 -0,430 3,820 -1,910
Sudeste
Rio de Janeiro 1,860 -0,710 0,780 -0,530
São Paulo 0,940 -0,330 0,520 -0,370
Paraná 0,840 -0,350 0,800 -0,270
Sul Santa Catarina 0,740 -0,260 -0,010 0,180
Rio Grande do Sul 1,100 -0,380 -0,040 0,100
Mato Grosso do Sul 0,820 -0,480 1,300 0,140
Mato Grosso 0,480 -0,910 2,750 0,360
Centro-Oeste
Goiás 0,550 -0,440 1,080 0,260
Distrito Federal 0,510 -0,140 -0,190 0,050
BRASIL 3,790 -1,150 4,420 -1,400
Fonte: Elaboração própria.

Os resultados sobre o efeito-quantum permitem observar os efeitos propulsores (“spread

effects”) e os que agem em direção contrária (“backwash effects”), em conformidade com discussões

desenvolvidas por Myrdal (1957) e Hirschman (1958). Ou seja, são os ganhos obtidos pelas regiões

por meio do fornecimento de bens de consumo e/ou matérias-primas para as regiões em expansão. Se

tal expansão é forte o suficiente para cobrir os efeitos de polarização dos centros mais antigos, novos
centros econômicos surgem. Porém, de acordo com os padrões apresentados pelas diferentes regiões5 a

partir da análise conjunta das exportações e importações domésticas (mapas 05 e 06), as exportações

de commodities, em geral, são fracas geradoras de efeitos de transbordamento, não sendo capazes de

conferir um impulso dinâmico significativo para o desenvolvimento da economia.

É importante observar, como o fazem Haddad e Perobelli (2002), que para os estados

brasileiros as vendas domésticas superaram, em diferentes magnitudes, as exportações internacionais.

Além disso, os fluxos interestaduais possuem importância relativamente maior para os estados menos

desenvolvidos.

A região Norte apresenta elevado grau de dependência em relação ao Sudeste no que se refere

à aquisição de produtos, notadamente o estado do Amazonas (Zona Franca de Manaus). E essa

dependência ocorre, principalmente, em relação ao estado de São Paulo. Em relação ao Nordeste, tem-

se que os estados dessa região dependem muito mais do restante da economia como fonte de aquisição

de bens do que o contrário. Assim como no caso da região Norte, a dependência em relação ao Sudeste

é grande, com destaque para São Paulo e Minas Gerais.

Os resultados para o Sudeste, que é a região mais integrada de todas, corroboram a ideia de

que os estados menores dependem em maior grau do resto da economia brasileira do que os estados

maiores. Os insumos utilizados no Sudeste são encontrados, em quantidade considerável, dentro da

própria região ou importados do resto do mundo. Os próprios estados da região Sudeste são o principal

mercado de aquisição de produtos, havendo uma concentração de fluxos intra-regionais. São Paulo se

destaca como polarizador desse processo (PEROBELLI, 2004). Os resultados evidenciam o papel

concentrador dos fluxos de comércio, tanto pela concentração na região mais desenvolvida do país

como pela dependência das regiões menos desenvolvidas. É o que Haddad (2004) chama de

“armadilha espacial”, polarizada por São Paulo. Este centro de gravidade funciona, no curto prazo,

como ponto de convergência devido à melhor acessibilidade dos mercados, gerando os maiores

impactos em termos de eficiência. No longo prazo, os movimentos de realocação do capital e trabalho

também parecem fortalecer essa concentração (MAGALHÃES, 2009).

5 Esses padrões, em grande medida, corroboram as conclusões obtidas por Perobelli (2004).
A região Sul apresenta uma forte interação entre os seus estados, o que torna a região uma

importante fonte de aquisição de bens para estes estados. E a região Centro-Oeste, no que tange à

aquisição de bens, é mais dependente do resto da economia brasileira do que o contrário. A região

Sudeste é o principal mercado para a aquisição de bens dos estados do Centro-Oeste, enquanto os

fluxos em direção ao Norte e ao Nordeste ainda são incipientes.

Mapa 05 – Variação Anual das Exportações Domésticas Mapa 06 – Variação Anual das Importações Domésticas

Fonte: Elaboração própria.

Observa-se que, em geral, a estrutura produtiva do Brasil tem limitado os possíveis benefícios

advindos dos impulsos dinâmicos da demanda mundial e da demanda interna. O comportamento de

certas regiões não está intimamente ligado ao desempenho nos mercados internacionais, mas sim à

articulação com as demais regiões e, mais especificadamente, dos estados em termos do mercado

doméstico (HADDAD e PEROBELLI, 2002).

Para alguns estados, as exportações crescem mais que as importações, no primeiro período,

indicando que o ciclo de preços das commodities tem estimulado a diminuição da dependência

regional. Isso é importante porque diminui o vazamento de poupança das regiões periféricas. Para

outros estados, as importações domésticas (que são mais sensíveis em relação à renda) crescem mais

rapidamente que as exportações regionais, razão pela qual quando as regiões aceleram seu crescimento

surgem desequilíbrios que freiam o impulso expansivo. Esse é o caso dos estados do Pará,

Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e de quase toda a região Centro-Oeste.

Dessa forma, os superávits de algumas regiões são utilizados para financiar as importações de outras

regiões, beneficiando estas últimas. Como as regiões mais dinâmicas não são autossuficientes, o

comércio funciona como meio de transmissão de crescimento, pois parte da riqueza gerada na região é
gasta em outra região complementar. As entradas de capitais podem financiar esses desequilíbrios,

porém, no longo prazo, o crescimento será sustentável apenas se houver uma mudança na estrutura

produtiva.

3.3. PIB Regional

A partir dos dois efeitos apresentados, parte-se para a análise agregada do PIB das regiões, que

é impactado diretamente pelo aumento das vendas externas e, indiretamente, a partir de um

multiplicador keynesiano da renda, do consumo e do investimento (HADDAD e GRIMALDI, 2011).

Em relação ao produto (PIB real), os resultados podem ser vistos na tabela 04 e no mapa 07.

Tabela 04 – Variação Anual do PIB (Simulação), do Crescimento Real e ICDC (2005-2011 e 2011-2014)
PIB (Simulação) Crescimento Real ICDC
Região Estados
2005-2011 2011-2014 2005-2011 2011-2013 2005-2011 2011-2013
Rondônia 0,000 0,030 7,50 -0,36 0,00 -8,37
Acre -0,120 0,090 5,53 0,46 -2,17 19,38
Amazonas 0,540 -0,210 4,66 1,69 11,59 -12,41
Norte Roraima 0,280 -0,050 7,48 2,44 3,74 -2,05
Pará 1,140 -0,610 7,60 5,69 15,00 -10,71
Amapá 0,150 -0,280 6,34 5,36 2,37 -5,22
Tocantins 0,490 0,000 5,12 1,26 9,56 0,00
Maranhão 0,340 0,060 7,04 4,13 4,83 1,45
Piauí 0,310 -0,140 7,75 2,24 4,00 -6,24
Ceará 0,190 -0,090 6,83 1,77 2,78 -5,09
Rio Grande do Norte 2,620 -0,830 6,24 6,55 41,99 -12,68
Nordeste Paraíba 0,540 -0,300 6,58 3,08 8,21 -9,75
Pernambuco 0,420 -0,260 6,70 3,77 6,27 -6,90
Alagoas 1,300 -0,780 5,38 4,73 24,18 -16,47
Sergipe 2,490 -0,840 4,87 3,62 51,08 -23,19
Bahia 0,940 -0,200 3,68 -0,20 25,53 100,00
Minas Gerais 1,360 -0,660 5,09 1,46 26,72 -45,27
Espírito Santo 3,330 -1,640 7,14 2,40 46,64 -68,36
Sudeste
Rio de Janeiro 0,960 -0,420 4,17 5,28 23,00 -7,95
São Paulo 0,490 -0,140 4,37 1,02 11,21 -13,68
Paraná 0,500 -0,060 3,06 5,14 16,36 -1,17
Sul Santa Catarina 0,170 -0,020 5,15 1,95 3,30 -1,03
Rio Grande do Sul 0,170 0,000 2,67 -0,53 6,36 0,00
Mato Grosso do Sul 1,020 -0,010 6,38 6,48 15,99 -0,15
Centro- Mato Grosso 1,820 0,340 2,82 4,15 64,46 8,20
Oeste Goiás 0,650 -0,010 6,24 5,48 10,42 -0,18
Distrito Federal -0,030 0,010 6,32 -4,56 -0,47 -0,22
BRASIL 0,710 -0,240 4,70 2,08 15,10 -11,54
Fonte: Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e Simulações. Elaboração própria.
Legenda:
Crescimento acima da média nacional
Crescimento abaixo da média nacional

No primeiro período (2005-2011), como há crescimento significativo das exportações de

commoditites, praticamente todos os estados apresentam variação anual positiva do PIB real. É

importante observar que os resultados apresentados indicam apenas a variação do PIB real advinda dos

choques das exportações de commodities, em relação ao cenário registrado em 2005, ou seja, não
mostram o crescimento efetivamente apurado das regiões no período. O exercício proposto, ao isolar o

efeito das commoditites, permite identificar melhor a resposta das regiões ao comportamento do

comércio mundial desses bens. Em praticamente todos os estados, o PIB cresce mais que o emprego, o

que significa que esse impacto estimula a substituição do trabalho por capital.

Considerando a elevada relação massa/volume das commodities, a via de transporte

internacional utilizada para sua exportação é a marítima. Este fato explica em grande medida o

impacto no PIB dos estados do Espírito Santo (3,33% a.a.), Rio Grande do Norte (2,62% a.a.) e

Sergipe (2,49% a.a.). Os resultados de Minas Gerais (1,36% a.a.) e do Pará (1,14% a.a.) se explicam,

em grande medida, pela estrutura produtiva com vínculos mais sensíveis à evolução da demanda por

commodities minerais. Mato Grosso tem impacto significativo (1,82% a.a.) pela produção de

commodities agrícolas como a soja e seus derivados. São Paulo cresce menos em termos relativos

(0,49% a.a.), mas, considerando o tamanho da economia paulista, tem-se significativa variação em

termos absolutos, especialmente porque o estado é importante elo comercial nacional.

Grande parte dos estados do Nordeste apresenta pouco crescimento em razão das commodities

(Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba e Pernambuco), assim como os estados do Sul do país. Além disso, o

Acre registra um impacto negativo desse boom no período (-0,12% a.a.), assim como o Distrito

Federal (-0,03% a.a.), cuja economia é representada em mais de 90% pelo setor de serviços, e, por fim,

Rondônia (0,00% a.a.), que não se beneficia como a ampliação das exportações de commodities,

apesar da recente expansão da soja.

Mapa 07 – Variação Anual do PIB Real

Fonte: Elaboração própria.


A razão para que se observem impactos distintos do boom das commodities está no fato de que

a produção desses bens está distribuída de forma desigual no território e, a depender da integração

econômica dos estados e da intensidade dos fluxos comerciais, esses impactos podem se concentrar

espacialmente.

No segundo período (2011-2014), como houve queda nas exportações de várias commoditites,

os resultados negativos foram bastante generalizados, basicamente pelas mesmas razões que explicam

o impacto positivo durante o primeiro período. Isso mostra como muitos estados dependem fortemente

da exportação de commodities.

Os estados que apresentaram os maiores impactos positivos no primeiro período também são

os que apresentam maior perda com a queda das exportações de commoditites: Espírito Santo, devido

à forte concentração da estrutura produtiva, Rio Grande do Norte e Sergipe. Minas Gerais e Pará

respondem basicamente pela queda do minério. São Paulo é afetado negativamente e os estados do

Maranhão, do Acre e de Rondônia, que pouco responderam ao boom observado em 2005-2011,

também pouco se influenciaram com as variações em 2011-2014.

Em termos dos impactos desiguais dos choques nas exportações de commoditites, é importante

observar que o impulso no crescimento do PIB real durante o primeiro período dura mais tempo e tem

maior intensidade (maiores taxas) quando comparado ao segundo período. Assim, tem-se que os

efeitos do primeiro são mais intensos que o do segundo, ou seja, a tendência de crescimento desigual

via commoditites em 2005-2011 não é suplantada em 2011-2014.

Por meio dos dados do PIB é possível identificar se há, exclusivamente pelo movimento das

commodities, uma tendência de convergência ou divergência entre as economias estaduais. Seguindo

ideia já amplamente difundida na literatura, a convergência ocorre quando regiões menos avançadas

crescem a taxas superiores às das regiões mais desenvolvidas, ocorrendo uma aproximação da média,

reduzindo o grau de desigualdade inter-regional. Em sentido oposto, a divergência ocorre quando as

regiões menos avançadas crescem a taxas menores, resultando em afastamento da média, ampliando o

grau de desigualdade inter-regional.

Na simulação, pode-se dizer que o efeito das commodities não é no sentido de convergência

para vários estados do Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, pois eles crescem abaixo da média
nacional. A exceção mesmo ocorre nos estados produtores de commodities. Ou seja, esse ciclo de

expansão estimula a divergência entre os estados. No segundo ciclo, de queda, essa tendência é

parcialmente atenuada. Mas para vários estados do Nordeste, a redução é maior que a média, ou seja,

esses estados tendem a piorar suas posições relativas. Isso acontece também com quase todos os

estados do Sudeste, exceto São Paulo. Esse ciclo de commodities vai ao encontro das ideias de

polarização de Myrdal, uma vez que os efeitos propulsores (ou de espraiamento) provocados em

algumas regiões não são capazes de reverter o processo de concentração.

É interessante fazer essa mesma análise com os dados do PIB real total, que foi o crescimento

efetivamente ocorrido nos estados, e não apenas o advindo das commodities. A partir desses dados

observa-se que quase todos os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste crescem mais que a média

nacional, indicando convergência. Com isso, conclui-se que outros fatores econômicos suplantaram os

efeitos dos ciclos de commodities, indicando que as economias desses estados não são tão dependentes

assim desses ciclos. Ou seja, dada a estrutura de comércio interestadual, conclui-se que o crescimento

econômico das regiões talvez não esteja intimamente ligado a especializações produtivas e às

exportações de commodities. Mesmo assim, apesar do crescimento do PIB com crescimento mais

rápido das regiões mais pobres, a convergência ainda parece bastante lenta. No segundo período essa

tendência se mantém parcialmente.

Como forma de analisar a dependência que os estados têm do comércio de commoditites,

propõe-se neste artigo o cálculo de um indicador referente ao crescimento regional dependente das

commoditites. O ICDC (Índice de Crescimento Dependente de Commodities) mede peso do

crescimento via commodities no crescimento real efetivamente observado dos estados.

A tabela 04 também apesenta os valores do ICDC6 para cada estado nos dois períodos de

análise. O ICDC do país, no primeiro período, indica que 15,10% do crescimento real da economia

brasileira se devem ao comportamento das commodities. O elevado grau de dependência do

crescimento pode ser observado para vários estados do Nordeste (Sergipe e Rio Grande do Norte, em

especial), do Sudeste (Espírito Santo e Minas Gerais) e do Centro-Oeste (Mato Grosso).

6Apesar das simulações neste trabalho compreenderem o período 2005-2014, o ICDC é calculado para 2005-2011 e para
2011-2013, pois os dados do PIB regional só estão disponíveis até este ano.
Para o segundo período, o Brasil apresenta um ICDC de -11,54%, o que significa que as

variações provocadas pelas commoditites equivalem, em magnitude, a 11,54% das variações

efetivamente observadas, mas, nesse caso, no sentido inverso, ou seja, de puxar o crescimento real

para baixo. Os índices mais expressivos são os da Bahia, que registrou um PIB real negativo e um

ICDC equivalente a 100%, o que implica dizer que a totalidade7 da variação observada se deve aos

efeitos diretos e indiretos do comportamento das commoditites (o indicador é positivo em razão das

duas variações terem ocorrido na mesma direção, neste caso de diminuição). Além disso, Espírito

Santo e Minas Gerais se destacam pela significativa dependência de suas economias.

A reposta desigual de algumas regiões pode ser constatada pelo fato de que a razão de

dependência de commoditites de alguns estados é maior no primeiro período do que no segundo, ou

seja, são estados que parecem se beneficiar mais dos choques positivos do que perder com a retração

do comércio internacional desses bens (Rio Grande do Norte, Sergipe e Mato Grosso). Nos casos do

Espirito Santo e de Minas Gerais a tendência é oposta, de forma que a participação da queda das

commodities é superior à parcela causada por seu crescimento.

4. Conclusão

A economia brasileira apresentou respostas significativas ao efeito-preço das exportações de

commodities (investimento, emprego regional, renda e consumo), ao efeito-quantum nas exportações

para outras regiões exportadoras de commodities (exportação e importação domésticas) e ao resultado

agregado do PIB. Essas informações revelam que, nos ciclos econômicos recentes, as regiões

brasileiras seguem a mesma configuração: crescendo quando cresce a economia nacional, em seu

conjunto, e desacelerando-se quando o país reduz seu crescimento. No entanto, isso ocorre com

regiões registrando taxas distintas, resultando em concentração econômica no Sudeste e num tímido

processo de desconcentração em outras poucas regiões. Para as regiões muito dependentes das

commodities, o principal efeito da volatilidade dos preços é a redução das taxas de investimento e do

crescimento em longo prazo. Essas constatações reforçam a tese defendida por Gruss (2014) de que o

que tem sido mais relevante para o crescimento econômico das regiões exportadoras de commodities

7Considerando os procedimentos numéricos para obtenção de soluções para os modelos de EGC, as magnitudes relativas e
os sinais encontrados são mais relevantes para as análises do que os valores exatos extraídos do modelo.
não é o nível dos preços reais desses produtos, mas sim sua taxa de crescimento. Ou seja, o problema

do crescimento econômico dessas regiões é sua dependência do crescimento permanente dos preços

das commodities, exigindo novos choques favoráveis nos preços para que a atividade econômica não

perca fonte de dinamismo, pois os efeitos multiplicadores a partir do comércio externo são

temporários.

As tendências observadas refletem uma concentração econômica (seletiva setorial e

espacialmente), que não tem permitido, aparentemente, reduzir as desigualdades regionais. Mantém-se

forte desigualdade intra e inter-regional e o processo de desconcentração espacial iniciado nas últimas

décadas tem sido restrito e parece perder fôlego para reverter o alto grau de desigualdade existente na

economia nacional (DINIZ, 2013). Embora possa existir uma tendência à convergência entre as

regiões, esta convergência é lenta e tende a se estabilizar num patamar de grande heterogeneidade

(surgimento de “ilhas de produtividade”), além da permanência da concentração econômica no

Centro-Sul do país e uma grande dependência do Norte e Nordeste em relação a esta região. Além

disso, o comportamento de certas regiões não está intimamente ligado ao desempenho nos mercados

internacionais, mas sim à articulação com as demais regiões, e mais especificadamente, dos estados

em termos do mercado doméstico.

A questão colocada para muitos estados brasileiros está no baixo potencial de upgrading das

atividades primárias em direção ao maior valor adicionado dos produtos, sua baixa capacidade de

spillover e fraco encadeamento com outras atividades produtivas domésticas (CEPAL, 2014). São, em

geral, as mesmas ideias apontadas por Hirschman de que as commodities são fracas geradoras de

efeitos de transbordamento, não sendo capazes de conferir um impulso dinâmico significativo para o

desenvolvimento da economia. Aspectos estruturais da economia brasileira indicam que as

exportações não constituem uma fonte relevante e permanente de impulso ao crescimento, pois à

medida que o crescimento doméstico acelera e, principalmente, o investimento começa a aumentar, as

importações crescem mais rápido que o PIB.

A análise dos impactos exclusivos do ciclo das commodities permite concluir que esse

movimento tende a reforçar uma trajetória de concentração espacial ou de acirramento de

desigualdades regionais, a exemplo das ideias de base de exportação de North, mas agora num
contexto de maior inserção do país e das regiões na economia mundial e de maiores dificuldades dos

Estados em compensar os custos sociais de uma maior desigualdade regional (MACEDO e MORAIS,

2011). Em resumo, ainda permanece a discussão sobre os estímulos ao crescimento regional como

forma de diminuir as desigualdades ainda existentes e a forma como as regiões brasileiras estão

inseridas na economia mundial.

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OS IMPACTOS DA APLICAÇÃO DO CFEM SOBRE O DESENVOLVIMENTO
LOCAL MEDIDO ATRAVÉS DO IFDM: UMA ANÁLISE PARA OS MUNICIPIOS
BENEFICIÁRIOS DOS ESTADOS DE MINAS GERAIS, PARÁ E SERGIPE

Lizandra Duarte da Silva1*


Rafaela Nascimento Santos¹*
Samara Leite Santos2*
José Ricardo de Santana3*
Fábio Rodrigues de Moura4*

Resumo:
A indústria extrativa mineral vem apresentando uma expansão no cenário econômico do país.
Desta forma, a exploração de minérios nas localidades afetadas proporciona o recebimento de
uma compensação financeira, constituindo os royalties minerais. No Brasil, mais da metade
da arrecadação é destinada para os estados de Minas Gerais e Pará, tornando-se os principais
arrecadadores. Sendo assim, o trabalho objetivou investigar os possíveis efeitos gerados pelo
CFEM no desenvolvimento econômico dos municípios de Minas Gerais, Pará e Sergipe, a
partir dos indicadores de desenvolvimento municipal (IFDM). Para isso, foi adotado um
modelo econométrico de dados em painel com efeitos aleatório para os anos de 2005 a 2012.
Devido às proporções dos royalties recebidos por cada município serem consideravelmente
diferentes, foram construídos quatro Grupos para a análise, com base na CFEM per capita.
Como principais resultados, destaca -se que a CFEM apresenta efeito positivo sobre os
indicadores municipais de desenvolvimento, porém o efeito estimado é bastante baixo,
cabendo questionar o gerenciamento alocativo desses recursos.

Palavras-chave: Royalties minerais; CFEM; IFDM; Desenvolvimento.

Abstract:
The mineral extraction industry has been showing an expansion in the country's economic
scenario. In this way, the exploitation of ores in the affected localities provides the receipt of a
financial compensation, constituting the mineral royalties. In Brazil, more than half of the
collection is destined for the states of Minas Gerais and Pará, becoming the main collectors.
Therefore, the objective of this work was to investigate the possible effects generated by the
CFEM in the economic development of the municipalities of Minas Gerais, Pará and Sergipe,
using municipal development indicators (IFDM). For this, an econometric panel data model
1
Mestre em economia pelo Programa Acadêmico de Pós-Graduação em Economia – NUPEC/UFS. Faz parte do
grupo de pesquisadores do Laboratório de Economia Aplicada e Desenvolvimento Regional - LEADER.
Departamento de Economia (DEE/UFS).
2
Graduanda em Ciências econômicas pela Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Economia
(DEE/UFS).
3
Professor associado da Universidade Federal de Sergipe (UFS), vinculado ao Departamento de Economia, ao
Programa de Pós-Graduação em Economia e ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Propriedade
Intelectual. Doutor em Economia de Empresas pela Fundação Getulio Vargas – SP.
4
Professor associado da Universidade Federal de Sergipe (UFS), vinculado ao Departamento de Economia, e ao
Programa de Pós-Graduação em Economia. Faz parte da equipe de professores de pós-graduação do Laboratório
de Economia Aplicada e Desenvolvimento Regional - LEADER.

* Av. Marechal Rondon, s/n, Jardim Rosa Elze, CCSA II. CEP 49100-000. São Cristovão, Sergipe.
with random effects was adopted for the years 2005 to 2012. Because the proportions of the
royalties received by each municipality were considerably different, four Groups were
constructed for the analysis, based on the CFEM per head. As main results, it is highlighted
that the CFEM has a positive effect on the municipal development indicators, but the
estimated effect is quite low, and it is necessary to question the allocative management of
these resources.

Keywords: Mineral royalties; CFEM; IFDM; Development.


Jel-code: R15.

1. INTRODUÇÃO

O setor de produção mineral tem se destacado cada vez mais no cenário econômico
brasileiro, fato esse, que é corroborado pela sua participação no Produto Interno Bruto – PIB
industrial do Brasil em 5% no ano de 2014, correspondendo a um total de US$ 40 bilhões. Já
no que tange a economia externa, a indústria extrativa mineral brasileira, exportou nesse
mesmo ano, US$ 34 bilhões (INSTITUTO BRASILEIRO DE MINEIRAÇÃO – IBRAM,
2015).
No segundo semestre do ano de 2015, apesar do cenário de crise no Brasil e da queda
internacional dos preços das commodities minerais, a indústria mineral apresentou um
crescimento geral de 6,3%, sendo esse, medido pelo Índice de Produção Mineral (IPM), em
comparação com o mesmo período no ano anterior. O setor mineral, foi a única atividade
industrial a apresentar crescimento positivo no agregado de janeiro a dezembro de 2015
(DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL – DNPM, 2015).
A importância que o setor mineral vem desempenhando sobre a economia brasileira,
demonstra a importância em se debater e planejar a forma como se dá e se destina a
Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM, sendo esta compensação, um
royalty pago aos municípios exploradores de minério, bem como aos Estados e União. Nesse
contexto, no ano de 2013, o Brasil bateu recorde em arrecadação deste, com um valor de R$
2,376 bilhões (IBRAM, 2015).
Os principais estados brasileiros arrecadadores CFEM, são Minas Gerais, seguido do
Pará, em que juntos, arrecadaram em 2016, 77,03% de todo CFEM brasileiro, sendo que
Minas Gerais, sozinha recebeu quase a metade desse royalty, com 47,75% o que correspondeu
a R$ 858.495.783,06, enquanto que o estado do Pará, arrecadou 526.443.296,28 (DNPM,
2017). O estado de Sergipe, embora não esteja entre os maiores arrecadadores de CFEM
brasileiro, ainda sim é um estado importante para a indústria extrativa mineral, sendo neste
estado instalado a única unidade produtora de potássio fertilizante no Brasil, além de estar em
andamento o projeto da instalação de uma unidade produtora de cimento no estado com
potencial gerador de empregos (DNPM,2015). Como esse aumento na receita é de caráter
temporário, visto que os royalties minerais, aqui intitulado por CFEM, são justamente uma
compensação pelo uso de um recurso natural não renovável, ou seja, finito, é de suma
importância saber se o mesmo está sendo aplicado, de maneira tal, que gere um
desenvolvimento do qual a geração futura possa se aproveitar.
Assim, o que se buscou foi detectar a relação entre o CFEM com os indicadores de
desenvolvimento municipal. Dessa maneira, o objetivo específico é examinar por meio do
modelo econométrico os tipos de impactos, seja positivo ou negativo, que os royalties
minerais causam nas áreas de educação, saúde e renda, sendo estes vistos por meio do Índice
Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) dos municípios selecionados. Para tal, utilizou-
se de 227 municípios dos estados de Minas Gerais e do Pará, no período de 2005 a 2012.
A pesquisa é de natureza explicativa, descritiva e quantitativa, no qual se mensura e
elucida os impactos que o CFEM exerce sobre o desenvolvimento local dos municípios
componentes dos estados de Minas Gerais, Pará e Sergipe. O modelo econométrico aplicado
foi o de dados em painel com efeitos aleatórios, tendo como variável dependente o IFDM
geral e suas subcategorias (educação, saúde e renda), ao tempo em que os CFEM per capita,
produto interno bruto per capita e população ocupada foram especificados como variáveis
independentes.
O artigo está estruturado em cinco seções incluindo a introdução. A segunda seção é
referente a revisão da literatura, onde se trata do debate dos efeitos da aplicação dos royalties
minerais e desenvolvimento sustentável. A terceira seção expõem a metodologia, descrevendo
o modelo empírico e a composição de suas variáveis. Na quarta seção exibe-se a análise e a
discussão dos resultados das estatísticas descritivas e da estimação do modelo econométrico.
E por fim, as considerações finais

2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E USO DA CFEM

Esta seção abordará o conceito de desenvolvimento sustentável e renda mineral e


levantará a discussão sobre royalties minerais, intitulado de CFEM (Compensação Financeira
pela Exploração Mineral) e seus impactos na economia, perfazendo assim, uma abordagem de
estudos empíricos sobre os efeitos dos royalties minerais nos municípios brasileiros.

2.1 Desenvolvimento sustentável

O agravamento de problemas ambientais resultado, parcialmente, do rápido


crescimento observado em diversos países-periféricos e desenvolvidos durante o pós-guerra,
impulsionaram discussões em diferentes esferas sociais (política, econômica, religiosa etc.)
em torno de questões relacionadas à preservação ambiental (BARBIERI, 2007).
Em 1972, um documento denominado Limites do Crescimento foi publicado, no qual
se sugere que, para evitar agressões ao meio ambiente seria necessário conter o
desenvolvimento (LISBOA, 2007). No mesmo ano, ocorre em Estocolmo a Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, com o objetivo de criar na sociedade a
conscientização de melhorar a forma como lidar com o meio ambiente, para desta forma
atender as necessidades da população presente de forma que não comprometa o futuro das
próximas gerações (MARTINES, 2006).
Em meio à preparação para conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente
Humano, ficou-se evidente a existência de duas vertentes. A primeira, advinda de um grupo
considerado otimista, demostrava que a preocupação exacerbada com o meio ambiente era
inapropriada, pois, esta atrasaria o desenvolvimento, assim, deveria ser dada prioridade à
aceleração do crescimento, os quais consideravam que, nas palavras de Gandhi “a maior
poluição é a pobreza” (BARBIERI, 2007). Para este grupo, quando fosse alcançado um
determinado nível de riqueza, a sociedade tenderia naturalmente a recuperar o que destruiu
para alcançar o crescimento desejado. Já a segunda vertente, partia-se de um grupo
considerado pessimista, defendia a estagnação do crescimento econômico e demográfico, para
que no futuro a humanidade não tivesse que escolher entre o desaparecimento pela falta de
recursos ou por consequência da poluição (SACHS, 2008). Ambas as vertentes foram
descartadas, era preciso encontrar um ponto de equilíbrio, onde crescimento e meio ambiente
estivessem em harmonia. Surge então a ideia de eco desenvolvimento ou desenvolvimento
sustentável, que segundo Sachs é uma “abordagem fundamentada na harmonização de
objetivos sociais, ambientais e econômicos”.
A ONU em 1987, publicou um documento intitulado “Nosso Futuro Comum”, nele é
relatado às bases do desenvolvimento sustentável, no qual fica claro que a expansão da
economia deve ser realizada concomitantemente com avanços nos indicadores sociais e
preservação ambiental (LISBOA, 2007). Neste documento, que ficou conhecido como
relatório de Brundtland, o termo sustentabilidade tornou-se mais popular, no qual, se definiu o
termo desenvolvimento sustentável como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades
presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias
necessidades” (UCZAI; TAVARES; QUEIROZ, 2012, p. 24).
Segundo Sachs (2004), ao se falar em desenvolvimento sustentável, é preciso
considerar a existência de cinco dimensões, sendo essas: social, que definiu como
fundamental, por conta das fortes divergências a qual esta dimensão é acometida. Ambiental,
pois é nesta em que a vida se sustenta. Territorial, em que se dividi o espaço dos recursos,
bem como, da população e atividades. Econômica, como condicionante para tudo que se
realize. Por fim, a política, que se faz como necessária para que haja governança nas
realizações de tudo que se aconteça. Por meio destas dimensões Sachs demonstrou, que para
alcançar a sustentabilidade, é necessário conectar objetivos sociais, econômicos, territoriais,
políticos e ambientais pertinentes ao desenvolvimento, ou seja, é preciso uma harmonização
da sociedade, focando em todas as partes que compõem a estrutura social.
De acordo com a literatura econômica, o conceito de renda esteve inicialmente ligado
à propriedade da terra, pois, Postali (2002) existem terras férteis e menos férteis. E sendo a
oferta de terra fértil limitada, à medida que a população cresce e consequentemente a
demanda por produtos agrícolas, as terras menos férteis começam a ser ocupadas e cultivadas.
Entretanto, o custo de produção dessas terras é maior, o que eleva o preço dos produtos
agrícolas. Tal elevação de preços beneficia os proprietários das terras mais férteis, pois, o
custo de produção destas é menor, fator este responsável pelo surgimento de uma renda
diferencial.
Postali (2002), faz uma analogia a teoria de Ricardo (1996) ao retratar que as reservas
minerais podem ser comparadas as terras férteis, pois, ambas são limitadas, ou seja, a renda
mineral é fruto de recursos finitos, não renováveis. A extração hoje impossibilita a extração
futura, o que implica na ausência desse recurso pelas futuras gerações. Esse fato justifica a
cobrança de royalties minerais, este é uma forma de indenização pela exploração mineral. No
entanto, é necessário garantir o equilíbrio entre as gerações em seu uso, como é um bem
público, todos devem se beneficiar da exploração dos recursos minerais.
Um dos primeiros autores a abordar a temática de desenvolvimento sustentável, para
as rendas minerais, foi Hotelling (1931), fazendo uma análise através do custo de
oportunidade, em que se escolhe de forma racional, entre a exploração demasiada desses
recursos no presente, o que, consequentemente levará ao rápido esgotamento desse recurso
não renovável no futuro, entretanto, garantindo retornos imediatos, ou, a exploração desse
recurso de forma gradativa, assim prolongando o seu uso, na expectativa de ter ganhos ainda
maiores no futuro.
Hartwick (1977), nessa perspectiva, fez uma análise sobre a sustentabilidade no uso
das rendas minerais, para investigar, de que forma os investimentos provenientes das rendas
minerais, poderia promover equidade entre as gerações, visto que, o consumo presente desse
bem, considerado público, logo de livre acesso a todos, está privando que as próximas
gerações, tenham esse mesmo direito e concluiu que, se a aplicação for feita, de forma
preferencial em bens de capital e capital humano, ou seja, em capital reprodutível, o consumo
per capita se tornaria constante ao longo do tempo, sendo essa forma de aplicação a que
geraria maior equidade entre as gerações atuais e futuras. Essa teoria, acabou por ser chamada
de a “Regra de Hartwick”, e corrobora, para demostrar a importância do planejamento para a
aplicação do CFEM, de forma a compensar as gerações futuras, pelo fim desse recurso natural
não renovável.
Segundo Bresser Pereira (2008), a forma mais usada, para medir o desenvolvimento
econômico, é a divisão do aumento da renda por habitante, entretanto, há exceções, como nas
localidades produtoras de petróleo, em que, nem sem sempre, o nível da renda per capita é
sinônimo de desenvolvimento econômico. Podendo ainda, essas localidades, serem vítimas da
doença holandesa e ocorrer de a renda per capita aumentar de forma limitada, sem que haja
mudanças estruturais de caráter desenvolvimentista, tão pouco aumento no padrão de vida da
população local. Assim, para Bresser (2007) a doença holandesa caracteriza-se como uma
falha de mercado fundamental, que se origina na existência de recursos minerais que mantem
a taxa de câmbio apreciada por um tempo indeterminado e, dessa forma impedindo a
produção de bens comercializáveis usando tecnologia no estado da arte, sendo um obstáculo
ao crescimento do lado da demanda agregada porque limita as oportunidades de investimento.
Esta mesma lógica pode ser replicada as localidades produtoras de minerais, como já vem
sendo discutido na literatura.

2.2 Estudos empíricos sobre os efeitos da CFEM

Dentre os estudos que analisam os efeitos provenientes da arrecadação dos royalties


minerais, intitulados de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), destaca-
se aqui, os autores que abordaram nessa temática, o desenvolvimento local nos municípios
beneficiados, e consequentemente os impactos deste recurso sobre a economia.
O estudo realizado por Leite (2009), com o objetivo de analisar a contribuição da
CFEM no processo de desenvolvimento dos principais municípios mineradores de Minas
Gerais beneficiados por esses recursos, sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável,
demonstrou uma tendência, por parte dos municípios beneficiados da CFEM, em aplicar esse
recurso, preferencialmente em administração, saneamento, saúde e urbanismo, assim como,
em assistência social, gestão ambiental e segurança pública, desta forma, destinando-se,
principalmente, na categoria outras despesas correntes. Os resultados mostraram também, que
a CFEM não está impactando em gastos com educação e trabalho, assim como não influencia
os gastos com as funções agricultura, comércio e serviços e indústria e sobre o valor do
investimento e das inversões financeiras realizadas pelas prefeituras municipais.
Rodrigues et al. (2009), realizaram um estudo com intuito de analisar a eficiência dos
municípios arrecadadores e não arrecadadores de CFEM, no estado de Minas Gerais, na
aplicação dos recursos destinados as áreas sociais (educação, saúde e saneamento básico). Por
meio de modelos de eficiência, com tratamento dos dados através do teste t para igualdade de
médias independentes e a abordagem DEA (Data Envelopment Analysis), observaram que os
municípios arrecadadores de CFEM apresentaram superioridade em seus indicadores
orçamentários e de educação, mas não eficiência, quando contrapostos com os municípios que
não são arrecadadores do CFEM. Entretanto, o indicador de saúde, se mostrou igual, para os
municípios beneficiários e não beneficiários.
Estudos realizados por Borges e Borges (2011) e Rodrigues e Moreira (2013)
apontam que a atividade mineral não proporciona maiores índices de geração de emprego. No
entanto, a pesquisa desenvolvida por Vasconcelos et al. (2014) demonstra que a mineração
contribui para a geração de emprego.
Quando se trata de desenvolvimento humano os estudos empreendidos por Borges e
Borges (2011) e Rodrigues e Moreira (2013) divergem. O primeiro conclui que a mineração é
um importante fator de crescimento e estímulo ao desenvolvimento do capital humano dos
municípios mineradores. Já o segundo estudo, aponta que o aumento da dependência dos
royalties da mineração implica na redução do desenvolvimento humano dos municípios de
base mineral. Borges e Borges (2011) realizaram o estudo no município de Parauapebas no
Pará e para tratamento dos dados o modelo utilizado foi o da taxa geométrica de crescimento,
e o do coeficiente de correlação. Rodrigues e Moreira (2013) utilizaram como amostra para
seu estudo os principais municípios mineradores de Minas Gerais em 2010 e para tratamento
dos dados técnicas de regressão linear e análise de clusters.
Fernandes (2013), ao utilizar o modelo de painel dinâmico, com objetivo, assim como
neste trabalho, de verificar se a CFEM apresenta impactos positivos sobre o desenvolvimento
econômico medido através do IFDM, chegou à conclusão de que o CFEM não apresenta
nenhum impacto sobre o IFDM dos principais beneficiadores.
2.3 Legislação CFEM

O marco legislativo inicial onde se regulamentou a compensação financeira pela


exploração de recursos minerais, se deu, com a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, em
que se estabeleceu que seu uso seja destinado a aproveitamento econômico, com teto de 3%
sobre o valor do faturamento líquido que advir da venda do produto mineral, através da última
fase do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.
O Art. 02 da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, complementou a Lei nº 7.990/1989
e definiu a porcentagem em que seria destinada a compensação financeira pela exploração de
recursos minerais, ficando estabelecida que 23% seria destinado aos Estados e o Distrito
Federal, 65% para os municípios, 2% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – FNDCT e 10% para o Ministério de Minas e Energia, dos quais, 2% seria
destinado à proteção mineral em regiões mineradoras, por meio do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.
Ainda no Art. 02 da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, foram estabelecidas de que
forma se daria as alíquotas no cálculo da desta compensação financeira, sendo estas
determinada a partir das classes das substancias minerais, em que, 3% seria de minério de
alumínio, manganês, sal-gema e potássio, 2% de ferro, fertilizante, carvão e demais
substâncias minerais e 0,2% pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais
nobres, sendo excluídas dessas alíquotas os tributos incidentes sobre a comercialização do
produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros.
A Lei nº 8.876, instaurada em 2 de maio de 1994, autorizou o Poder Executivo a
instituir como Autarquia o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) com o
objetivo de promover o planejamento, fomentar a exploração e o aproveitamento dos recursos
minerais, além de, superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral,
assim como, assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo
o território nacional.
Através da lei nº 9.993, de 24 de julho de 2000, alterou-se a Lei nº 8.001, de 13 de
março de 1990, a fim de que os recursos da compensação financeira pela exploração dos
recursos minerais fossem destinadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, estabeleceu-se que, 3% iria para o Ministério do Meio Ambiente, 3% ao
Ministério de Minas e Energia e 4% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, sendo que estes, deveriam ser alocados em categoria de programação específica,
assim como, reservados para o financiamento de programas e projetos de pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico do setor de recursos hídrico. Definiu ainda que 30% dessas
compensações financeiras, deveriam ser destinadas a projetos nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste.

3. MODELO DE ANÁLISE DO IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO DOS


MUNICÍPIOS
Nesta seção, será apresentada a metodologia que orientará o presente estudo. A
pesquisa é de natureza quantitativa abordando o uso da quantificação na coleta de dados, por
meio de técnicas estatísticas. Além disso, o método utilizado para obtenção de dados é o de
levantamento de dados secundários, onde apresenta dados desbalanceados. A investigação
tem como finalidade a verificação dos efeitos do CFEM (compensação financeira pela
exploração de recursos minerais) nos indicadores do IFDM.
O presente trabalho tem como principal referência metodológica o estudo de Bregman
(2007) e Fernandes (2013). O primeiro estudo apontou critérios que devem nortear a
aplicação dos recursos das participações governamentais e avaliou a adequação da aplicação
dos recursos apropriados por estados e municípios a esses critérios. Assim, análise consiste na
relação entre dois indicadores de dependência dos recursos (royalties per capita e relação
royalties-receita orçamentária) e dois indicadores de despesa pública (proporção das despesas
de capital e proporção das despesas de overhead) entre 1999 e 2005. Para tal, utilizou-se
dados em painel para os beneficiários. Os principais resultados apontaram que os municípios
mais dependentes da renda petrolífera estão destinando maior parte desse aumento às
despesas de capital. Já os estados e os municípios de dependência intermediária estão
destinando a maior parte desses recursos às despesas correntes. Já o segundo trabalho utilizou
o modelo de painel dinâmico, com objetivo, assim como neste trabalho, de verificar se a
CFEM apresenta impactos positivos sobre o desenvolvimento econômico medido através do
IFDM, chegou à conclusão de que o CFEM não apresenta nenhum impacto sobre o IFDM dos
principais beneficiadores.

3.1 Amostra e Formação de Grupos

A amostra que será utilizada na presente investigação toma como referência o estudo e
a base de dados de Fernandes (2013). São considerados 1071 municípios dos estados de
Minas Gerais, Pará e Sergipe, entre os anos de 2005 e 2012. Entretanto, para a composição da
amostra, o seguinte critério foi estabelecido:
1) O município deve ter sido beneficiário do CFEM em todos os 8 anos no
período de 2005 a 2012;
2) O município deve ter ao menos um orçamento disponível no Tesouro Nacional,
no período de 2005 a 2012.
Tomando por base o requisito acima, 227 municípios foram enquadrados, dentre os
1071 municípios que receberam CFEM. Esses 227 municípios, receberam em valores reais,
aproximadamente R$ 158 milhões (utilizando o deflator do IPCA, ano base 2012).
Conforme Bregman (2007), a amostra foi estratificada em quatro grupos de
dependência (diferentes níveis de dependência dos royalties), formados a partir do valor dos
seguintes indicadores: CFEM Per Capita e CFEM Receita Corrente. Cada município
apresenta um valor de referência de CFEM PC e CFEM RC para que sejam formados os
grupos, os quais serão representados pelas medianas nos anos.
No presente estudo, o CFEM per capita é descrito como entre o valor dos royalties
minerais (CFEM) recebidos pelo município (i), em determinado ano (t) e a estimativa da
população da localidade (i) no mesmo ano (t). A expressão dada a seguir:

𝐶𝐹𝐸𝑀𝑖,𝑡
𝐶𝐹𝐸𝑀 𝑃𝐶 𝑖, 𝑡 = (1)
𝑃𝑜𝑝𝑢𝑙𝑎çã𝑜𝑖,𝑡

No cálculo do CFEM PC, os dados foram provenientes do Departamento Nacional de


Produção Mineral – DNPM. Desta forma, o CFEM torna-se o principal indicador para a
formação dos grupos.
Já o segundo indicador para a estratificação da amostra é o CFEM – Receita Corrente,
definido pela razão entre a soma dos valores do CFEM recebidas pelo município (i ) em
determinado ano (t ) e o valor da receita corrente anual do município (i ) no ano (t ) . A
expressão é dada a seguir:

𝐶𝐹𝐸𝑀 𝑖,𝑡
𝐶𝐹𝐸𝑀 𝑅𝐶 𝑖, 𝑡 = (2)
𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐶𝑜𝑟𝑟𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑖,𝑡

O primeiro critério utilizado para a formação dos grupos de dependência foi o do


CFEMPC. Para tanto, foi calculada a média anual do CFEMPC de cada município no período
entre 2005 e 2012. Em seguida, a mediana das médias definiu o corte entre os municípios:
aqueles que apresentam CFEMPC médio anual mais alto do que a mediana das médias foram
separados dos que receberam um valor médio mais baixo, de modo a formar dois grupos:
altos CFEMPC e baixos CFEMPC (Tabela 1).
Da mesma forma foram organizados os grupos de CFEM RC, de forma que aqueles
com valores de CFEM RC médio acima da mediana das médias foram separados dos que
apresentaram valores abaixo. Isto permitiu a formação de quatro grupos.

Tabela 1 -Grupos de maiores e menores beneficiários do CFEMPC


Número de Número de Número de
CFEM PC CFEM RC
Municípios Municípios Municípios
Altos CFEM PC: Alto CFEM RC: Grupo 1 56
113
227 Grupos 1 e 2 Baixo CFEM RC: Grupo 2 57
Baixo CFEM PC: Alto CFEM RC: Grupo 3 57
114
Grupos 3 e 4 Baixo CFEM RC: Grupo 4 57
Fonte: Bregman (2007).

No quadro 1 é feita uma caracterização de cada grupo dos beneficiários gerado na


Tabela 1, mostrando a importância e o volume dos royalties minerais que cada grupo de
municípios possui.

Quadro 1 – Formação dos Grupos


Grupos CFEM PC CFEM RC Volume / Importância dos Royalties
Agrega municípios com alto volume de royalties por
Grupo 1 Alto Alto habitante, com grande importância desse componente na
receita arrecadada pelo município.
Agrega municípios com alto volume de royalties por
Grupo 2 Alto Baixo habitante, com pequena importância desse componente na
receita arrecadada pelo município.
Alto (acima Agrega municípios com baixo volume de royalties por
Grupo 3 Baixo da habitante, também com pequena importância desse
mediana) componente na receita arrecadada pelo município.
Baixo Agrega municípios com baixo volume de royalties por
Grupo 4 Baixo (abaixo da habitante, com pequena importância desse componente na
mediana) receita arrecadada pelo município.
Fonte: Reis (2013).

3.2 Variáveis utilizadas

O Índice de Firjan de desenvolvimento Municipal (IFDM) é um indicador composto


que é calculado a partir da média aritmética simples dos três componentes, Emprego &
Renda, Educação e Saúde. O índice de Firjan (IFDM) busca: acompanhar através de
estatísticas públicas oficiais as três principais áreas de desenvolvimento (Emprego & Renda,
Educação e Saúde); O IFDM possui periodicidade anual, recorte municipal e cobertura
nacional dos 5.565 municípios brasileiros; O indicador possui foco no município e considera
que a execução de políticas públicas para atuar no desenvolvimento local das variáveis
acompanhadas deve ser passível de responsabilização municipal; E permite comparações
absolutas e relativas, identificando se a melhora ocorrida em determinado município decorreu
da adoção de políticas específicas ou apenas da queda ou ascensão dos demais municípios no
ranking.
O índice varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior o
desenvolvimento da cidade. No Quadro 2 são definidas as classificações para o IFDM.

Quadro 2 – Classificações para o IFDM


Municípios com IFDM Nível de Desenvolvimento
Entre 0 e 0,4 Baixo
Entre 0,4 e 0,6 Regular
Entre 0,6 e 0,8 Moderado
Entre 0,8 e 1,0 Alto
Fonte: Firjan, 2014.
No quadro 3, resume-se as áreas que compõem o cálculo do IFDM. O IFDM-Emprego
& Renda é composto por duas dimensões: Emprego – avalia a geração de emprego formal e a
capacidade de absorção da mão-de-obra pela localidade – e Renda – acompanha a geração de
renda e sua distribuição no mercado de trabalho da municipalidade. Casa uma destas
dimensões representa 50% do índice de Emprego & Renda. Os dados são catalogados junto
ao Ministério do Trabalho, a partir da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

Quadro 3 - Resumo dos Componentes do IFDM – por Área de desenvolvimento.


IFDM -RENDA E
IFDM - EDUCAÇÃO IFDM - SAÚDE
EMPREGO
- Geração de emprego - Número de consultas pré-
- Matrículas na educação infantil
formal natal
- Absorção da mão de obra - Óbitos por causas mal
- Abandono no ensino fundamental
local definidas
- Distorção idade-série no ensino - Óbitos infantis por causas
- Geração de Renda formal
fundamental evitáveis
- Salários médios do - Docentes com ensino superior no - Internação sensível à
emprego formal ensino fundamental atenção básica (ISAB)
- Média de horas aula diárias no ensino
- Desigualdade fundamental
- Resultado do IDEB no ensino
fundamental
Fonte: Firjan, 2014.
Conforme se observa na Tabela acima, o IFDM-Educação é constituído por seis
indicadores. Ele busca captar a oferta de educação infantil e a qualidade da educação prestada
no ensino fundamental, em escolas públicas e privadas. Ao ensino fundamental foi atribuído
peso de 80% (55% para indicadores de processo e 25% para indicadores outputs) e 20% para
o ensino infantil. Os dados do IFDM-Educação são oriundos do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação.
O foco do IFDM-Saúde é a saúde básica e contempla indicadores cujo controle é
de competência municipal. A base de dados do indicador é oriunda do Sistema de Informação
sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do
Sistema Internações Hospitalares (SIH), todos do DATASUS, do Ministério da Saúde. O
IFDM-Saúde é composto por quatro indicadores cujos pesos são distribuídos de forma
igualitária, isto é, 25% cada.
Em resumo, a composição do IFDM proporciona um acompanhamento mais
denso do desenvolvimento municipal, permitindo analisar as transformações socioeconômicas
ocorridas ao longo do tempo.
Foram catalogados os dados do IFDM para os anos de 2005 a 2012. A ideia é
monitorar o IFDM (e suas subcategorias) em um período amplo e verificar se há
transformações substantivas desse indicador ao longo do tempo, sobretudo quando
contrastados com o ingresso do CFEM nos grupos de dependência formados nesta
investigação.
Pretende-se detectar, nos grupos de dependência, se há uma relação significativa
entre o ingresso de royalties minerais, e os indicadores de IFDM (Geral, Emprego & Renda,
Educação e Saúde). Entende-se que os indicadores do IFDM sofrem influência de uma série
de variáveis de ordem econômica, social e política. Assim, além do valor do CFEMPC, serão
adicionados à especificação do modelo o Produto Municipal per capita e a população ocupada
com carteira assinada como variáveis de controle. O Produto Municipal per capita foi obtido
junto ao IBGE e a população ocupada foi obtida na RAIS.

3.3 Modelo econométrico

O modelo empírico é baseado em Fernandes (2013), no qual utilizou o método de


Mínimos Quadrados Ordinários Agregados (MQO pooled), com efeitos fixos, cuja as
variáveis de controle são CFEM per capita, IFDM (Geral, Emprego & Renda, Educação e
Saúde), PIB per capita e População.
Para o modelo econométrico foi adotado o método de Mínimos Quadrados Ordinários
(MQO), utilizando dados em painel com efeitos aleatórios em dois modelos. O modelo
empírico, que é definido pelas equações (3), (4), (5) e (6), pressupõe uma relação entre os
IFDM (Geral, Emprego & Renda, Educação e Saúde) e CFEMPC. Nesse sentido, busca-se
evidenciar se há influência do volume ingressado dos royalties minerais no desenvolvimento
dos municípios.

IFDM_Geralit = β0+β1logCFEMPCit+β2logPIBPCit+β3logOCUit+Ci+εi (3)


IFDM_Saúdei t = β0+β1logCFEMPCit+β2logPIBPCit+β3logOCUit+Ci+εi (4)
IFDM_Educaçãoi t = β0+β1logCFEMPCit+β2logPIBPCit+β3logOCUit+Ci+εi (5)
IFDM_Renda it = β0+β1logCFEMPCit+β2logPIBPCit+β3logOCUit+Ci+εi (6)
Onde i = 1, 2, ..., N é o indexador cross-section para os municípios da amostra, N = 227, t =
1, 2, ..., T é o indexador das observações anuais de cada município, T = 8, β0 é o intercepto da
equação, β1 a β3 são os coeficientes de cada grupo, Ci é um parâmetro que capta efeitos
específicos não observados e invariante no tempo em cada município, e Ɛit é o termo de erro
idiossincrático.
Desta forma o modelo exposto apresenta uma abordagem em dados em painel. Optou-
se por utilizar um modelo com efeitos aleatórios, pois trata-se de efeitos individuais com
variáveis aleatórias, supondo que não há correlação entre os efeitos individuais e as demais
variáveis aleatórias. Pois o propósito dessa análise, é testar a amostra das variáveis que
classificam os grupos do CFEM PC, sendo assim, interpretou-se para esse fim, a
especificação dos efeitos aleatórios como a mais apropriada.

4. ANÁLISE EMPÍRICA DO EFEITO DO CFEM SOBRE O


DESENVOLVIMENTO DOS MUNICÍPIOS

4.1 Análise descritiva


O tratamento das características qualitativas e quantitativas da variável de royalties minerais
(CFEM) e dos indicadores de IFDM (Geral, Emprego & Renda, Educação e Saúde) nos
grupos de dependência é importante para auxiliar na interpretação da investigação
econométrica que será feita posteriormente.
Conforme retrata a Tabela 1, existe uma disparidade alta entre os grupos de
arrecadadores de CFEM per capta, nos municípios analisados, enquanto no Grupo 1 a média
de arrecadação é R$ 348,20, chegando a um máximo de R$ 11.495,19, no grupo 4 seu valor
máximo não chega a R$ 4,00.

Tabela 1: CFEM médio, mínimo e máximo por grupo em R$


Grupos Média Mínimo Máximo
1 348,201 0,048 11.495,19
2 4,650 0,001 54,973
3 0,742 0,002 10,781
4 0,200 0,001 3,583
Fonte: Elaboração dos autores.

Ao analisar o PIB per capita médio dos arrecadadores de CFEM, apresentada na


Figura 1, a análise se torna mais intrigante, pois o grupo 4, que é o que possui a menor
dependência em relação a esses recursos advindos dos royalties minerais, apresenta um PIB
per capta médio superior ao grupo 2 e 3. Evidenciando assim, indícios de doença holandesa
para esses municípios.

Figura 1: Média do PIB per capita por grupo


Fonte: Elaboração dos autores.

A Figura 2, demonstra que ao analisar os IFDM geral e seus segmentos a partir das
médias dos grupos por município, que nenhum dos grupos apresentou um IFDM geral alto de
desenvolvimento, mesmo assim cabe ressaltar que o grupo 4 foi o que apresentou melhor
desenvolvimento, que corrobora com a análise feita para o PIB per capita médio, sendo mais
um indicio de doença holandesa para esses municípios. Dentro dos segmentos do IFDM geral
o IFDM educação se destacou por apresentar superioridade entre todos os grupos, entretanto
para nenhum, seu índice chegou ao nível para ser considerado como de alto desenvolvimento,
sendo o grupo 4 o que mais uma vez apresentou melhor desempenho entre todos.

Figura 2: IFDM médio por grupo

Fonte: Elaboração dos autores.

* O índice varia de 0 (mínimo) a 1 ponto (máximo) para classificar o nível de cada localidade em
quatro categorias: baixo (de 0 a 0,4), regular (0,4 a 0,6), moderado (de 0,6 a 0,8) e alto (0,8 a
1) desenvolvimento. Ou seja, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade
(FIRJAN, 2017).
O IFDM emprego e renda, foi o segmento que se destacou por exibir a pior média
entre os grupos para os municipios analisados, como mostrou a Figura 2. Num comparativo
entre eles, novamente foi o grupo 4 que apresentou o melhor desempenho, entretanto, ainda
assim se situando no nível regular de desenvolvimento.

4.1 Resultados das Estimativas

As estimações, para todos os grupos e para a amostra completa com os 227


municípios, foram realizadas pelo modelo de dados em painel com Efeitos Aleatórios.5 A
Tabela 2 apresenta os resultados do CFEM per capta para a amostra completa. Com exceção
para o IFDM renda e emprego, a CFEM per capita apresentou efeito significativo a 1%,
contrariando assim, o estudo feito por Fernandes (2013). Porém, a magnitude do coeficiente é
consideravelmente baixa.
Estima-se que um aumento de 1% na CFEM per capita gera uma variação positiva de
0,0000477 no valor esperado do IFDM geral. Apesar de estatisticamente significativo, o
efeito estimado é mínimo, o que pode ser uma evidência de ineficiência da aplicação dos
royalties nos diversos canais que compõem o índice Firjan.

Tabela 2: Estimativas do CFEM per capita para toda a amostra


VARIABLES IFDMgeral IFDMempregorenda IFDMeducacao IFDMsaude
LOGPIBPC 0.0650*** 0.0389*** 0.106*** 0.0685***
(0.00704) (0.00675) (0.0107) (0.0104)
LOGOCU 0.0499*** 0.0649*** 0.0240*** 0.0338***
(0.00416) (0.00387) (0.00521) (0.00654)
LOGCFEMPC 0.00477*** -4.79e-05 0.0102*** 0.00724***
(0.00118) (0.00132) (0.00166) (0.00203)
Constant -0.384*** -0.332*** -0.519*** -0.260***
(0.0554) (0.0548) (0.0806) (0.0882)

Observations 1,802 1,806 1,812 1,816


Number of i 227 227 227 227
R2 Within 0.407 0.0830 0.442 0.206

Erros-padrão robustos em parênteses.


*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Elaboração dos autores.

A Tabela 3 apresenta os resultados da CFEM per capita para o Grupo 1, ou seja, os


municípios que detêm alto CFEM per capita e alta participação desse recurso na receita
corrente. Para esse grupo, o efeito da CFEM per capita foi não significativo sobre o IFDM
geral, e negativo a 10% para o IFDM emprego e renda. Rodrigues e Moreira (2013)
encontraram resultado semelhante para o IFDM emprego e renda, demonstrando-se assim,
que os gestores desses municípios não estão conseguindo gerenciar esses recursos de forma a
gerar melhorias e incentivos no emprego e na renda desses municípios. Tal efeito negativo,
pode ser interpretado segundo Borges e Borges (2011), pelo fato de que em alguns períodos a
5
Portanto, supõe-se que não há correlação entre os efeitos individuais e os regressores. Além disso, como a
população total de municípios que receberam royalties foi reduzida para uma amostra de 227 municípios (e
subamostras menores para os Grupos), entende-se que o modelo de efeitos aleatórios é mais adequado para a
inferência, dado que a estimativas por efeitos fixos é condicional aos efeitos fixos estimados para a amostra
específica utilizada (impossibilitando a inferência para a população). O teste de Hausman também mostrou
resultados diversos para cada variável dependente e cada Grupo.
extração mineral é negativa nesses municípios, como, sendo essa uma das principais fontes de
riqueza nestas localidades, leva os trabalhadores a irem para o mercado informal de trabalho.

Tabela 3: Estimativas do CFEM per capita para o Grupo 1


VARIABLES IFDMgeral IFDMempregorenda IFDMeducacao IFDMsaude
LOGPIBPC 0.0526*** 0.0525*** 0.0718*** 0.0428***
(0.00827) (0.0115) (0.0100) (0.0126)
LOGOCU 0.0537*** 0.0778*** 0.0145 0.0424***
(0.00716) (0.00619) (0.0109) (0.0156)
LOGCFEMPC 0.00301 -0.00776* 0.0116*** 0.00793*
(0.00393) (0.00456) (0.00452) (0.00422)
Constant -0.300*** -0.518*** -0.172* -0.104
(0.0779) (0.0855) (0.100) (0.150)

Observations 445 445 448 448


Number of i 56 56 56 56
R2 Within 0.470 0.150 0.439 0.261

Erros-padrão robustos em parênteses.


*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Elaboração dos autores.

O único segmento a apresentar significância a 1% e impacto positivo no Grupo 1 foi o IFDM


educação (Tabela 3), o que difere do resultado encontrado por Leite (2009), porém, corrobora
com o estudo de Rodrigues e Moreira (2013). Já a análise para o IFDM saúde, demonstra um
impacto positivo, embora expressivamente baixo, de 0,0000793 no valor esperado do
indicador de saúde, para cada aumento percentual na CFEM per capita (a um nível de
significância de 10%).
A Tabela 4 apresenta os resultados do CFEM para o Grupo 2. O efeito positivo e
significativo da CFEM per capita sobre os indicadores coincide com o obtido para o Grupo 1
apenas quanto ao IFDM educação. A magnitude dos coeficientes da variável royalties
também permanece excessivamente baixo neste grupo.

Tabela 4: Estimativas do CFEM per capita para o Grupo 2


VARIABLES IFDMgeral IFDMempregorenda IFDMeducacao IFDMsaude
LOG PIB PC 0.0868*** 0.0119 0.174*** 0.143***
(0.0231) (0.0236) (0.0289) (0.0333)
LOG OCU 0.0498*** 0.0783*** 0.0164 0.0144
(0.00941) (0.00816) (0.0104) (0.0127)
LOG CFEM PC 0.00496** 0.00167 0.00979** 0.00414
(0.00225) (0.00413) (0.00470) (0.00396)
Constant -0.578*** -0.188 -1.071*** -0.807***
(0.165) (0.181) (0.218) (0.251)

Observations 440 442 446 448


Number of i 56 56 56 56
R2 Within 0.374 0.0644 0.461 0.222
Erros-padrão robustos em parênteses.
*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Elaboração dos autores.

No Grupo 3, todos os indicadores, com a exceção mais uma vez do IFDM emprego e
renda, apresentaram uma relação positiva e significativa com a CFEM per capita (Tabela 5).
Ademais, os o tamanho dos coeficientes continua pequeno, de forma que o efeito dos
royalties, apesar de ser captado pelas estimativas como positivo, é inexpressivo dentro da
métrica dos indicadores.

Tabela 5: Estimativas do CFEM per capita para o Grupo 3


VARIABLES IFDMgeral IFDMempregorenda IFDMeducacao IFDMsaude
LOG PIB PC 0.0823*** 0.0455*** 0.176*** 0.0698***
(0.0130) (0.0145) (0.0214) (0.0233)
LOG OCU 0.0431*** 0.0637*** 0.0112 0.0281**
(0.00763) (0.00607) (0.0103) (0.0141)
LOG CFEM PC 0.00653*** -0.00228 0.00958*** 0.0139***
(0.00239) (0.00267) (0.00320) (0.00472)
Constant -0.482*** -0.389*** -1.039*** -0.209
(0.105) (0.120) (0.163) (0.184)

Observations 446 448 446 448


Number of i 56 56 56 56
R2 Within 0.428 0.0742 0.538 0.258
Erros-padrão robustos em parênteses.
*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Elaboração dos autores.

O Grupo que apresenta menor grau dependência aos royalties minerais (per capita e
em relação à receita corrente) é o Grupo 4. As estimativas para este grupo, são apresentadas
na Tabela 6 e mostram uma uniformidade com relação às estimativas anteriores para o
coeficiente da CFEM per capita na equação do IFDM emprego e renda.

Tabela 6: Estimativas do CFEM per capita para o Grupo 4


VARIABLES IFDMgeral IFDMempregorenda IFDMeducacao IFDMsaude
LOG PIB PC 0.0778*** 0.0383*** 0.102*** 0.0712***
(0.0164) (0.0103) (0.0265) (0.0240)
LOG OCU 0.0357*** 0.0548*** 0.0162 0.0304**
(0.00918) (0.00700) (0.0107) (0.0125)
LOG CFEM PC 0.00539** -0.00635 0.0202*** 0.00722**
(0.00227) (0.00414) (0.00379) (0.00292)
Constant -0.376*** -0.262** -0.363* -0.240
(0.139) (0.104) (0.196) (0.220)

Observations 447 447 448 448


Number of i 56 56 56 56
R2 Within 0.357 0.0907 0.407 0.182
Erros-padrão robustos em parênteses.
*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1
Fonte: Elaboração dos autores.

A tabela 6 ainda demonstra que, os royalties per capita apresentam um efeito positivo
e significativo sobre os demais indicadores; todavia, a baixa magnitude estimada dos
coeficientes da variável royalties neste modelo vai ao encontro do que foi observado
anteriormente para os demais grupos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho objetivou investigar os possíveis efeitos gerados pelo CFEM no
desenvolvimento econômico dos municípios de Minas Gerais, Pará e Sergipe, a partir dos
indicadores de desenvolvimento municipal (IFDM). Para isso foi adotado um modelo
econométrico de dados em painel com efeitos aleatório para os anos de 2005 a 2012. Devido
às proporções dos royalties recebidos por cada município serem consideravelmente diferentes,
foram construídos quatro Grupos para a análise, com base na CFEM per capita e no peso da
CFEM sobre a receita corrente dos municípios.
Observa-se que a CFEM apresenta em sua maioria efeito positivo sobre os indicadores
municipais de desenvolvimento (exceto para o IFDM emprego e renda), porém a magnitude
do efeito estimado é bastante baixo, cabendo questionar o gerenciamento alocativo desses
recursos. No entanto, este resultado já difere do encontrado por Fernandes (2013), que
demonstrou que o CFEM em nada impactava no IFDM. Cabe ressaltar, que os efeitos gerados
pelo CFEM, são advindos principalmente do IFDM educação.
Os resultados encontrados para o IFDM educação (apesar da baixa magnitude do
impacto) demonstram que esses municípios estão em consonância com a “Regra de
Hartwick”, na qual se apresenta que a única forma de se promover equidade entre as gerações
sobre o uso das rendas minerais, visto que esse recurso é não renovável, seria investindo em
bens de capital e capital humano, ou seja, em capital reprodutível, pois são esses que acabam
por permitir o crescimento sustentado. Portanto, a partir dos resultados encontrados para o
IFDM educação, essa regra aparenta estar sendo aplicada nos municípios analisados.
Apesar de o foco deste estudo não ter sido direcionado a verificar se estes recursos têm
levado os municípios a apresentarem a doença holandesa, também denominada de maldição
dos recursos naturais, os resultados encontrados demonstram que há indícios de que isso
possa estar ocorrendo, visto que o Grupo 4, no qual estão inseridos os municípios que detêm
menor dependência do CFEM foram os que apresentaram os melhores níveis no desempenho
de desenvolvimento.
Por fim, cabe ressaltar que IFDM emprego e renda, se apresentou divergente ao
demais em todos os resultados encontrado, impactando em sua maioria em efeitos negativo,
cabendo um estudo mais aprofundado sobre esse segmento, para os próximos estudos.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA E DESENVOLVIMENTO NO

BRASIL: IMPACTOS E DESAFIOS

Rafael Lara Mazoni Andrade

Fundação João Pinheiro

rafaelmazoni13@gmail.com

Claudio Burian Wanderley

Fundação João Pinheiro

claudio.burian@fjp.mg.gov.br

Resumo

A partir da constatação de um cenário de crise urbana e da imperiosa necessidade de ação

do Estado brasileiro nessa seara, este trabalho busca apresentar resultados de avaliações de

impacto de políticas de regularização fundiária – políticas públicas usadas para dar títulos

de propriedade a posseiros, simplificando a aquisição de terras, bem como dando-lhes

melhores condições de vida através de melhores moradias, urbanização e recuperação

ambiental. Para robustecer o argumento apresentado, de que políticas de regularização

fundiária podem impactar positivamente a fruição de direitos e as finanças públicas,

impactando assim o desenvolvimento regional, o trabalho empreendeu uma pesquisa

bibliográfica em busca de resultados de pesquisas empíricas relacionadas à regularização

fundiária. Os resultados estudados mostram que essas políticas têm impacto positivo sobre

indicadores de bem-estar social, sendo chave determinante do desenvolvimento econômico

impactando também a oferta de trabalho, o rendimento do trabalho, o investimento

domiciliar das famílias beneficiárias de baixa renda e a arrecadação dos municípios,


reduzindo sua dependência de transferências intergovernamentais e possibilitando melhores

respostas aos problemas específicos de sua jurisdição. Por fim, discutem-se soluções para os

desafios das cidades brasileiras, a partir do uso de políticas de regularização fundiária, no

bojo de uma política urbana responsável e capilarizada.

Palavras-chave: planejamento urbano; desenvolvimento regional; avaliação de impacto de

políticas públicas.

Introdução

As cidades expressam hoje um cenário de crise. Paralelamente às economias de

aglomeração que justificam o crescimento das cidades, a urbanização é acompanhada de

vários problemas. No Brasil, como afirma Raymundo Faoro (2001), as cidades já surgem

como expressão de conflitos entre a metrópole e os colonos. Dentre vários defeitos de um

processo de urbanização rápido, intenso e predatório, observam-se problemas como poluição

ambiental, carências habitacionais, precariedade de assentamentos, irregularidade fundiária,

trânsito caótico, violência e carências na acessibilidade (BRASIL; CARNEIRO, 2014).

Tudo isso soma-se a problemas nas finanças públicas municipais – o que acaba

retroalimentando tais defeitos advindos do próprio processo de urbanização brasileiro. A

baixa dinamicidade e as dificuldades em arrecadar tributos próprios faz com que as finanças

públicas municipais dependam fortemente de transferências de valores vindos de outros

entes. Isso enrijece os orçamentos e reduz a margem de manobra dos gestores municipais, o

que engendra dificuldade em atender às demandas especificas de cada jurisdição – incluindo

aí os próprios problemas relacionados à urbanização.

A irregularidade fundiária é um dos recorrentes problemas que desafiam a gestão

pública brasileira neste início do século XXI. No Brasil, na virada do século passado, já se

estimava que mais de 20% da população dos grandes centros urbanos viviam em áreas
informais (MARICATO, 1999). Ainda, essa irregularidade não se restringe às áreas mais

pobres – antes, espalha-se pelas cidades, desde os morros até os luxuosos condomínios

fechados.

Como uma tentativa de reverter esse quadro, a Constituição de 1988 traz em seu

artigo 183 um instrumento de regularização fundiária. Promulgado em 2011, o Estatuto da

Cidade regulamenta esse artigo e constitui um paradigma inovador no que diz respeito à base

fundiária e imobiliária urbana (MARICATO, 2003).

Num estudo inédito no país, dados para o estado de Minas Gerais mostram que 36%

dos domicílios próprios do estado estão em situação irregular do ponto de vista fundiário

(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2016). De acordo com os dados da Pesquisa por Amostra

de Domicílios em Minas Gerais (PAD-MG) 2013, em áreas classificadas como subnormais

– áreas caracterizadas por ocupações ilegais e urbanização fora dos padrões vigentes ou

precariedade de serviços públicos tidos como essenciais (energia, coleta de lixo e redes de

água e esgoto) – as estatísticas são ainda mais alarmantes: mais de 38% dos domicílios

próprios são irregulares.

As razões para tal irregularidade são diversas, desde a indefinição da origem da terra,

fraudes em documentos, invasões, dentre outras. Embora esses problemas fundiários sejam

praticamente invisíveis aos olhos da maioria das pessoas, eles acionam uma grande cadeia

de efeitos negativos sobre os padrões de vida nas cidades (ÁVILA; FERREIRA, 2016).

O objetivo geral deste trabalho é descrever a problemática relacionada à

regularização fundiária no Brasil, destacando o impacto que essas políticas públicas possuem

sobre a garantia de direitos e as finanças públicas municipais e, assim, sobre o

desenvolvimento regional.

Para atingir esse objetivo, este trabalho buscará também:


 Proceder uma breve pesquisa bibliográfica acerca de planejamento e gestão de

cidades, política urbana, relações intergovernamentais, federalismo e temas

correlatos;

 Apresentar o tema da regularização fundiária, sua base legal e suas práticas;

 Apresentar resultados de pesquisas empíricas relacionadas à regularização fundiária;

 Apresentar o caso da regularização fundiária no município de Belo Horizonte.

À maneira ensinada por Laville e Dionne (1999), a justificativa para a realização

deste trabalho assenta-se em quatro aspectos: sua importância, sua relevância, sua

contribuição e as vantagens em fazê-lo. Em primeiro lugar, a importância do tema é crucial

para ampliar o olhar dos gestores sobre o atual da gestão pública – sobretudo a administração

municipal – no Brasil, de efervescência de movimentos buscando maior qualidade da

resposta do Estado aos problemas urbanos. Ainda, o crescimento e o desenvolvimento

econômico tanto almejados pelo Estado brasileiro demandam soluções eficientes para seus

problemas estruturais, e a tese aqui defendida é de que a regularização fundiária – no bojo

de uma política urbana responsável – seria, ao mesmo tempo, solução para esses dois

problemas.

Quanto à sua relevância, pode-se afirmar que há uma lacuna na produção acadêmica.

A literatura menciona várias avaliações do impacto trazido pelas ações de regularização

fundiária. No entanto, nenhuma publicação discutia – em linhas gerais – os resultados desses

trabalhos.

Quanto à sua contribuição, atentando à lacuna na produção acadêmica, este trabalho

– especialmente no contexto em que serão feitas as revisões dos Planos Diretores dos

municípios brasileiros – busca ser um subsídio à tomada de decisões e um incentivo à

cooperação entre prefeituras e os outros níveis de governo. Por fim, sua vantagem relaciona-
se ao fato de ser realizada por um estudante que atua no âmbito do desenvolvimento local,

favorecendo a adoção de avanços e melhorias nas políticas relacionadas a esse tema.

2- REFERENCIAL TEÓRICO

Para buscar um entendimento mais abrangente dessa problemática das políticas de

regularização fundiária no Brasil, serão aqui reunidas algumas discussões de conceitos e

temas.

2.1- Irregularidade fundiária nas cidades: crise e demandas

Alguns autores afirmam que a crise seria um aspecto intrínseco às cidades, posto que

elas sejam “o lugar onde há mais mobilidade e mais encontros” (SANTOS, 2006, p. 159).

Fato é que as urbes surgem a partir de um processo de implosão-explosão, descrito por

Lefebvre (1986). O crescimento das aglomerações para cima – na verticalização – e para os

lados – na periferização – acarretaria a exacerbação de seus problemas e a deterioração das

condições de vida nas cidades.

No Brasil, as cidades já surgem como reflexo de conflitos. Como disse Faoro (2001),

as urbes surgiriam sob a égide do pelourinho – e o instrumento de tortura lembraria a todos

que havia um poder, e que ele estaria pronto a intervir em caso de recalcitrâncias.

Ao passo em que o Brasil tornou-se um país majoritariamente urbano, esses

problemas se amplificaram. Os grandes movimentos populacionais em direção aos centros

urbanos encontraram cidades incapazes de prover adequadas condições de vida

(MARICATO, 2003). A análise de dados dos censos demográficos realizados pelo IBGE

mostra que há um crescimento explosivo da população urbana no Brasil. Houve momentos

em que o crescimento populacional chega à casa dos 412%, como em Belo Horizonte em

seus anos iniciais, no período posterior à Primeira Guerra Mundial, entre 1900 e 1920; e que
passa dos 360% em São Paulo, entre 1890 e 1900. Como padrão, observa-se forte incremento

populacional nos municípios analisados no ínterim 1920-2000, sobretudo a partir do término

da Primeira Guerra Mundial, entre 1940 e 1950.

Todavia, a população que evade os campos em direção aos centros urbanos depara-

se com cidades problemáticas. Assim, o crescimento desenfreado das cidades gerou vários

problemas que se fazem presentes nessa crise das cidades brasileiras. No Brasil, dentre

vários defeitos de seu processo de urbanização, podem-se citar a poluição ambiental, as

carências habitacionais, a precariedade dos assentamentos, a irregularidade fundiária, o

trânsito caótico, a violência e as carências na acessibilidade (MAZONI ANDRADE, 2016).

Se não fosse o bastante, as ações do Estado em suas políticas urbanas acabaram agravando

tais deficiências. As premissas de saneamento e embelezamento das cidades acabaram

resultando em segregação socioespacial, desigualdades e concentração da pobreza

nas periferias (MARICATO, 2013):

as deficiências e mesmo a omissão do poder público no enfrentamento da


problemática urbana no curso histórico da urbanização brasileira resultaram num
quadro socioespacial precário, caracterizado por desigualdades e processos de
exclusão, e pela magnitude do déficit habitacional e da informalidade de ocupação,
dentre outros aspectos (BRASIL; CARNEIRO, 2009, p. 13).

A irregularidade fundiária é um dos recorrentes problemas que desafiam a gestão

pública brasileira neste início do século XXI. Sobre isso, Edésio Fernandes assinala que

“Hoje, cerca de 40% das cidades brasileiras com menos de 20 mil habitantes têm loteamentos

clandestinos. Isso não é um mero sintoma de um modelo de desenvolvimento, mas o próprio

modelo. Não estamos falando de uma exceção, mas da regra” (FERNANDES, 2006, p. 16).

Nessa mesma vertente, estima-se que, no fim do século passado, no mínimo 20% da

população dos grandes centros urbanos brasileiros viviam em áreas informais (MARICATO,

1999). Concentradas, mas não restritas às áreas mais pobres, as irregularidades na titulação
das moradias nas áreas urbanas podem afetar toda a área de um município. Embora esses

problemas fundiários sejam praticamente invisíveis aos olhos da maioria das pessoas, eles

acionam “uma larga cadeia de efeitos negativos sobre a vida dos cidadãos, suas famílias e a

cidade como um todo” (ÁVILA; FERREIRA, 2016, p. 198). Além disso, do ponto de vista

da prestação de serviços públicos, a incerteza sobre o domínio da terra pode frear

investimentos, posto que a provisão pública de equipamentos urbanos tenha como condição

a comprovação da dominialidade das terras (ÁVILA; FERREIRA, 2016).

Outra face da irregularidade fundiária diz respeito àquilo que Maricato (2003, p. 158)

chama de “ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental”. Para além

do desrespeito ao direito à moradia digna1, há um comprometimento de recursos

fundamentais de toda a sociedade – como o caso dos mananciais de água. Ainda, problemas

de drenagem, riscos ambientais resultantes de movimentos de massa e outros efeitos

geomorfológicos e obstáculos à cobertura por rede de água e esgotos, nas palavras da

urbanista “torna[m] inviável ou extremamente cara a urbanização futura” (MARICATO,

2003, p. 158.). Assim,

A legalização da posse deve ser entendida como uma das condições mínimas
necessárias para a resolução integral do problema social nos assentamentos
irregulares. A falta de titulação dos imóveis aprofunda o imenso fosso que separa
seus moradores dos direitos inerentes ao titular de um imóvel regularmente
inscrito no Cartório de Registro de Imóveis, como, por exemplo, o acesso às fontes
de financiamento habitacional, pleno exercício do direito sucessório, valorização
da propriedade (D’OTTAVIANO; SILVA, 2009, p. 210).

2.2- Planejamento urbano e seus instrumentos

Toda essa problemática relativa às questões urbanas no Brasil gera fortes demandas

em relação ao setor público. Estes graves problemas que impactam fortemente o bem-estar

1
Conceito trazido pela Lei Federal 11.124/2005, considerado “como direito e vetor de inclusão social”.
dos cidadãos impõem ao Estado brasileiro a necessidade de implantar políticas que os

resolvam.

Nesse sentido, o conceito de planejamento urbano pode ser descrito como “a

disciplina que lida com as escolhas políticas voltadas para uma mudança social construtiva

em ambiente urbano – dotado de especificidades e complexidades” (MAZONI ANDRADE,

2016, p. 74). O urbanista Flávio Villaça (2010, p. 179) caracteriza-o como a “ação planejada

do Estado sobre o espaço urbano”. Souza (2010, p. 73) o resume como “estratégias de

desenvolvimento urbano, alimentadas por pesquisa social básica, tanto teórica quanto

empírica”. Para Deák (2010, p. 13), esse planejamento seria o “conjunto das ações de

ordenação espacial das atividades urbanas que, não podendo ser realizadas ou sequer

orientadas pelo mercado, tinham de ser assumidas pelo Estado”.

Para buscar essa mudança social construtiva, o planejamento urbano dispõe de

institucionalidades específicas. No Brasil, a legislação urbanística – cujas peças principais

são a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade – prevê condições para o uso de

vários instrumentos. De modo genérico, esses instrumentos podem ser divididos entre os

mais tradicionais, como zoneamentos e índices urbanísticos, passando por incentivos na

forma de tributos – como o IPTU progressivo no tempo e o solo criado –, até instrumentos

ditos mais modernos, como operações urbanas consorciadas e regularização fundiária

(MAZONI ANDRADE, 2016).

A partir dessa constatação, nesta seção busca-se apresentar sumariamente o tema da

regularização fundiária. As próximas partes dessa seção versarão sobre a gênese e o conceito

da regularização fundiária, seus princípios, seus instrumentos e o envolvimento dos

diferentes entes.

A cartilha do Ministério das Cidades que trata sobre a Lei Federal nº 11.977/2009,

afirma que
Morar irregularmente significa estar em condição de insegurança permanente; por
esse motivo, além de um direito social, podemos dizer que a moradia regular é
condição para a realização integral de outros direitos constitucionais, como o
trabalho, o lazer, a educação e a saúde (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013, p.
12).

A regularização fundiária é uma resposta a reivindicações formuladas no âmbito dos

pensadores da Reforma Urbana no Brasil, buscando solucionar adequadamente o problema

dos assentamentos irregulares (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). Dessa forma,

entende-se por regularização fundiária um processo que visa a integrar assentamentos

irregulares à cidade legal, garantindo o direito constitucional à moradia aos seus ocupantes

e assegurando às famílias a segurança da posse.

Do ponto de vista da dimensão jurídica, a regularização fundiária busca um

enfrentamento para a irregularidade dominial – ou, em outras palavras, busca dar segurança

jurídica ao ocupante de uma terra pública ou privada. As dimensões urbanística e ambiental

dizem respeito ao licenciamento, ao respeito à legislação urbana e à proteção do meio

ambiente. Do ponto de vista da dimensão social, a regularização fundiária “é especialmente

importante nas ocupações de baixa renda, de forma a ampliar o direito à cidade, o exercício

da cidadania e assegurar sustentabilidade a todo o processo de regularização fundiária”

(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013, p. 16). Fernandes elucida essa discussão em um de

seus textos mais citados sobre regularização fundiária:

a regularização é um processo multidimensional que deve combinar uma


dimensão jurídica de legalização das áreas e titulação dos lotes com uma dimensão
urbanística, ambiental e social, é crucial que medidas efetivas sejam tomadas nesse
sentido por meio de programas e políticas compreensivas de regularização
(FERNANDES, 2006, p. 16).

A regularização fundiária traz consigo melhoria na qualidade de vida da população

através da segurança jurídica, entendendo esse princípio como a imposição de “limites à


retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos

legislativos” e no que tange “à proteção, à confiança das pessoas no pertinente aos atos,

procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação” (COUTO

E SILVA, 2004, p. 36).

Assim sendo, pode-se afirmar que a regularização fundiária amplia a segurança de

posse em face de despejos. A grande tolerância que o Estado brasileiro tem para com as

ocupações, não é uma garantia contra despejos – que podem ocorrer a qualquer instante para

implantação de um empreendimento lucrativo (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007).

Nesse sentido, a regularização fundiária garante a segurança de posse e assegura o direito à

moradia, evitando arbitrariedades na aplicação da lei no direito urbano brasileiro.

A regularização fundiária também garante o direito a um nível adequado de vida, o

direito à renda e ao trabalho. Isso ocorreria porque

quando um terreno numa favela ou loteamento é legalizado, ele se valoriza muito,


gerando renda para a família. Além disso, um terreno regularizado pode ser dado
como garantia de um empréstimo, seja para melhorar ou ampliar a moradia, seja
para abrir ou ampliar um negócio (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 13).

Essa ideia defendida pelo Ministério das Cidades apresenta grande consonância às

ideais defendidas por Hernando De Soto (2001), Acemoglu e Robinson (2012), dentre

outros. A regularização fundiária teria o potencial de agir contra a dependência dos

municípios sob a óptica das finanças públicas. Isso ocorreria porque a segurança ao direito

de propriedade – fundamental para que haja investimento, produtividade e, por conseguinte,

desenvolvimento econômico – destravaria o capital morto, latente nos imóveis,

transformando-o em capital ativo para a produção.

Acemoglu e Robinson utilizam-se de vários exemplos na história do

desenvolvimento econômico para provar que “Os direitos de propriedade são cruciais, uma
vez que somente quem os tiver assegurados vai se dispor a investir e aumentar a

produtividade” (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 59). Enfim, sua tese é de que faltam

incentivos para investimentos, que viria a partir da segurança da propriedade provida pelo

Estado.

A opinião de Hernando De Soto, por sua vez, é de que

el capital muerto existe porque hemos olvidado […] que convertir un activo físico
en uno generador de capital, valerse de la casa para obtener dinero en préstamo y
financiar una empresa, por ejemplo, supone un proceso muy complejo. Este
proceso no se diferencia mucho del que Albert Einstein nos enseñó, mediante el
cual un solo ladrillo puede liberar una inmensa cantidad de energía mediante una
explosión atómica. Por analogía, el capital es el resultado de descubrir y
desencadenar la energía potencial de los millones de millones de ladrillos que los
pobres han acumulado en sus edificaciones (DE SOTO, 2001, p. 29).

Na mesma seara, Engerman e Sokoloff (2005, p. 21) afirmam que “Although the

prevalence of land ownership was markedly lower in the South [...] the overall picture is one

of a series of liberal land policies, leading up to the Homestead Act of 1862, providing broad

access to this fundamental type of economic opportunity”.

Além disso, estima-se que os municípios passariam a arrecadar mais impostos –

principalmente o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a

Transmissão de bens inter vivos (ITBI), diretamente relacionados à propriedade de imóveis

–, o que pode trazer-lhes maior capacidade de investir ou gastar, independentemente das

transferências de outros entes e suas vinculações, que reduzem substancialmente o poder

discricionário da administração pública municipal (REZENDE; LEITE; SILVA, 2015).

Ainda, a regularização fundiária garante o direito à saúde, ao lazer, ao trabalho – e,

por conseguinte, à cidade. Isso pode ocorrer a partir da inclusão da área nas rotinas

administrativas ou a partir da mudança do status. Sobre o primeiro ponto, o Ministério das

Cidades afirma que, após a legalização, faz-se mister ao Poder Público prover serviços

básicos – água, esgoto, pavimentação, transporte, educação, dentre outros – sem que isso
seja meramente um “favor” ou moeda de troca de políticos (MINISTÉRIO DAS CIDADES,

2013). Sobre o segundo ponto, Maricato diz que

A regularização jurídica completa a melhoria das condições sociais já que confere


mais estabilidade e segurança ao morador que pode até passar a livrar-se de uma
condição penosa de morador de favela, condição essa que interfere nas chances de
obtenção de emprego, crediário e até salários (MARICATO, 2003, p. 163).

O Ministério das Cidades (2007, p. 14) resume essa problemática:

Nesses 500 anos de história do Brasil, nunca se quis concretizar e enraizar a


cidadania dos pobres com o título de propriedade da terra que ocupavam. Fechou-
se a porta para eles já na entrada das cidades: negou-se a eles acesso a uma terra
segura, infra-estruturada e legalizada. A regularização fundiária, concretizada no
registro do título, simboliza uma mudança no curso dessa história. O título
representa um reconhecimento de fato e de direito dos pobres como cidadãos.

Por fim, a regularização fundiária garante a igualdade de direitos, concretizando a

noção de cidadania como a conjugação de direitos civis, direitos políticos e diretos sociais,

ligados à participação na riqueza e na provisão de serviços (MARSHALL, 1967).

3- RESULTADOS DE PESQUISAS EMPÍRICAS SOBRE IMPACTOS DA

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA SOBRE A FRUIÇÃO DE DIREITOS,

DESENVOLVIMENTO HUMANO E FINANÇAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

Seguindo o exemplo das proposições elencadas por Lefebvre (1999), Corrêa (2002),

Caldeira (2000), Maricato (1999; 2013), Jesus et al. (2010) e Brasil e Carneiro (2010), o

mainstream dos estudos acerca de política e planejamento urbanos e regularização fundiária

enfoca as assimetrias de acesso à terra urbanizada e à moradia – mormente pela população

de baixa renda.

Sabe-se de partida que as políticas urbanas têm impacto positivo sobre a

produtividade (GALLUP; GAVITIA; LORA, 2007). A explicação por trás disso seria a
facilidade trazida por investimentos públicos em infraestrutura urbana sobre a

movimentação de mercadorias, bens e pessoas.

Para além desses trabalhos já citados, vários estudos empíricos reforçam algumas

das teorias consoantes às desigualdades de acesso à terra e as políticas relacionadas à

regularização fundiária. Andrade e Pero (2011), mostram impacto positivo de um programa

de regularização fundiária sobre indicadores de bem-estar social. Para isso, foi utilizado o

método de propensity score matching para o estudo do caso do Programa de Regularização

Fundiária implementado pela Prefeitura do Rio de Janeiro na comunidade da Quinta do Caju.

Para as autoras, o programa avaliado tem impacto positivo e estatisticamente significativo

na renda domiciliar per capita dos domicílios beneficiados pelo programa. Esses achados

refletem a afirmação de que direitos de propriedade bem definidos, atribuídos e garantidos

se refletem em menores custos de transação e, consequentemente, maior será o valor do ativo

e da renda dos proprietários destes ativos. Além disso, a partir da segurança dos direitos de

propriedade, os moradores de comunidades de baixa renda são incluídos na cidade formal e

passam a ter mais acesso a diversos mercados.

Em artigo publicado pelo World Bank, Moura, Bueno e Leoni (2009) mostram que

a segurança dos direitos de propriedade é uma chave determinante do desenvolvimento

econômico. A partir do uso de técnicas econométricas com famílias escolhidas de maneira

randômica em dois bairros distintos – um que recebeu um programa de regularização

fundiária e outro, vizinho a este, que não o recebeu –, os autores estimam que a posse do

título reduz a participação de crianças na força de trabalho.

Por seu turno Dantas (2013) mostra, em sua dissertação de mestrado, que a

regularidade fundiária urbana possui impacto positivo sobre a oferta de trabalho, o

rendimento do trabalho e o investimento domiciliar das famílias beneficiárias de baixa renda.


Para poder afirmar esse impacto, tal qual Andrade e Pero (2011) fizeram, esse autor utiliza-

se do método de propensity score matching.

Em consonância àquilo que propõem Ávila e Ferreira (2016), a segurança da posse e

o reconhecimento de uma moradia pela administração local são instrumentos de inclusão e

de cidadania – nos termos descritos por Marshall (1967) e, depois, Carvalho (2011): a

conjugação de direitos civis, ligados à ideia de liberdade; direitos políticos, atinentes à

participação no governo, por exemplo, a partir do voto; e diretos sociais, ligados à

participação na riqueza e na provisão de serviços.

Outros achados de extrema relevância são as obras de Acemoglu e Robinson e De

Soto. Acemoglu e Robinson (2012) destacam a segurança ao direito de propriedade como

ponto central para estimular a atividade econômica e o crescimento econômico – posto que

aqueles que não possuam tal segurança não estariam dispostos a investir e aumentar a

produtividade. Ainda, seguindo as ideias desses autores, instituições econômicas inclusivas

requerem a garantia ao direito de propriedade e oportunidades econômicas para toda a

sociedade. Por seu turno, De Soto (2001) afirma são necessários mecanismos para destravar

o capital morto acumulado em imóveis, transformando o seu potencial econômico em capital

ativo para a produção:

Un paseo por las calles del Oriente Medio, de la antigua Unión Soviética o de
América Latina le mostrará muchas cosas: casas en las que vive la gente; parcelas
de tierra en labranza, siembra o cosecha; mercaderías que se compran y se venden.
En los países en desarrollo y en los que salen del comunismo los activos sirven
sobre todo para estos propósitos físicos inmediatos. En cambio, en Occidente, esos
mismos activos llevan además una vida paralela, como capital externo al mundo
físico. Pueden ser usados para aumentar la producción, atendiendo a los
intereses de otras partes como “garantía” de una hipoteca, por ejemplo, o
asegurando el suministro de otras formas de crédito, así como de servicios
públicos (DE SOTO, 2001, p. 29 – grifo nosso).

Para ele, como afirmam Ávila e Ferreira,


não é o valor em si dos imóveis que importa, mas como eles interrelacionam-se
no sistema legal gerando capital, isto é, como o sistema de propriedade legal
possibilita que se estabeleça uma rede efetiva de ativos, a partir da articulação
adequada das leis oficiais com a ordem social (ÁVILA; FERREIRA, 2016, p.
199).

Isto ocorreria porque os proprietários poderiam utilizar tais imóveis como garantias

de empréstimos; que é a única garantia possível para as parcelas mais pobres da população,

e em cuja ausência os agentes seriam excluídos do mercado financeiro. Ou seja, a

regularização fundiária serviria como instrumento de combate à exclusão financeira das

parcelas mais pobres da população.

Ao utilizar o método de propensity score matching2 para testar esses efeitos da

regularização fundiária sobre as receitas municipais, utilizando-se dados de 2001 a 2011,

Mazoni Andrade (2016) aferiu que a arrecadação de IPTU é impactada em R$ 7,01 per

capita. Ou seja, municípios que fizeram ações de regularização fundiária no período

pesquisado arrecadaram pouco mais de R$ 7 por habitante a mais que os demais municípios

com características iguais – levando em consideração uma série de variáveis disponíveis em

bases de dados de pesquisas municipais, como a MUNIC, do IBGE. Por sua vez, a

arrecadação de ISS é impactada em R$ 20,42 per capita; e a arrecadação de ITBI, a despeito

de não ser um resultado estatisticamente significativo aumenta R$ 2,68 per capita (MAZONI

ANDRADE, 2016).

Conclusões

A pesquisa que gerou este trabalho propôs-se a uma discussão dos impactos das

politicas de regularização fundiária no Brasil. Para tanto, partindo das premissas da

2
Esse método seleciona, dentre os mais de 5.550 municípios brasileiros, aqueles que têm características
econômicas e demográficas semelhantes, ao ponto de sua única diferença ser o fato de ter recebido ações de
regularização fundiária ou não.
importância do tema – dada a crescente e efervescente busca por melhores respostas do

Estado brasileira frente aos desafios da gestão pública –, sua relevância – posta a lacuna

explicitada na produção acadêmica –, sua contribuição e suas vantagens, este trabalho

buscou descrever a problemática relacionada à regularização fundiária no Brasil, destacando

o impacto que essas políticas públicas possuem sobre a garantia de direitos e as finanças

públicas municipais.

Para tanto, propôs-se uma breve pesquisa bibliográfica sobre temas relacionados à

política urbana e ao planejamento urbano, revelando a problemática das cidades brasileiras

e a imperiosa necessidade de ação do poder público para saná-la. A partir disso, apresenta-

se a regularização fundiária como uma proposta de solução desses problemas.

Para robustecer o argumento apresentado, de que políticas de regularização fundiária

podem impactar positivamente a fruição de direitos e as finanças públicas, impactando assim

o desenvolvimento regional, o trabalho buscou resultados de pesquisas empíricas

relacionadas à regularização fundiária.

Utilizando-se métodos quantitativos, Andrade e Pero (2011), mostram impacto

positivo de um programa de regularização fundiária sobre indicadores de bem-estar social.

Por seu turno, Moura, Bueno e Leoni (2009) mostram que a segurança dos direitos de

propriedade é uma chave determinante do desenvolvimento econômico. Nesse mesmo

sentido, Dantas (2013) mostra que a regularidade fundiária urbana possui impacto positivo

sobre a oferta de trabalho, o rendimento do trabalho e o investimento domiciliar das famílias

beneficiárias de baixa renda. Por fim, com base na obra de Acemoglu e Robinson (2012) e

De Soto (2001), Mazoni Andrade (2016) mostra a regularização fundiária pode impactar

significativamente a arrecadação dos municípios, reduzindo sua dependência de

transferências intergovernamentais e possibilitando melhores respostas aos problemas

específicos de sua jurisdição.


Por fim, a partir de discussões encontradas na literatura, o trabalho apresenta

sucintamente o caso da regularização fundiária no município de Belo Horizonte, apontando

para o seu sucesso e suas especificidades, no que diz respeito à luta pela permanência da

população nos seus assentamentos originais e a aplicação do conceito de regularização

fundiária plena – que vai além do sentido jurídico e da entrega dos títulos de posse, mas

lança um olhar sobre variáveis ambientais e urbanísticas, promovendo sua adequação para,

enfim, o consequente alcance do direito à cidade.

Enfim, faz-se necessário grande esforço de pesquisa e estudo para o melhor

entendimento dos traços marcantes da política urbana brasileira. Faz-se mister conhecer bem

sua formação e suas características – sejam elas positivas, pensadas como vocações, ou

negativas, pensadas como problemas e entraves ao desenvolvimento.

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SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E ESPAÇO SOCIAL

ALIMENTAR: UMA ANÁLISE POR MEDIDAS OBJETIVAS

Cícero Augusto Silveira Braga


UFV – Departamento de Economia Rural
ciceroaugustosv@gmail.com
Lorena Vieira Costa Lelis
UFV – Departamento de Economia Rural
lorena.costa@ufv.br

Resumo: A temática da Segurança Alimentar e Nutricional vem ganhando destaque


principalmente a partir dos anos 2000, quando é incluída nas pautas de desenvolvimento
econômico e social, e passa a ser entendida a relação de disponibilidade, acesso e suficiência
alimentar, a partir da nutrição e também da obesidade, por exemplo. Este trabalho utiliza
dados da POF 2008-2009 e analisa a relação entre as características dos domicílios (e
ambiente em que estão inseridos) e a Insegurança Alimentar, propondo medidas objetivas
para a mesma (gastos com alimentação, obesidade e ingestão calórica diária). A estimação
foi realizada a partir de três especificações econométricas, consideradas em um modelo logit.
As estimativas mostram que as peculiaridades do domicílio foram significativas
especialmente pela análise da renda, tendo destaque, aqui, a localização geográfica
observada pelas macrorregiões. Além disso, não observou-se correlação entre as variáveis
determinadas, confirmando o tratamento multidimensional do tema.

Palavras-Chave: Segurança Alimentar e Nutricional; Pesquisa de Orçamento Familiar;


Espaço Alimentar.

Abstract: The debate about Food Security and Nutrition has become especially popular
since 2000, and was included in the economic and social development agenda. Thus, the
relationship of availability, access and food sufficiency of aspects such as nutrition and
obesity, for example. The paper use the data from Household Budget Survey 2008-2009
(POF/IBGE) and analyzes the relationship between the households characteristics (and the
environment inserted) and the food insecurity, proposing objective measures to it (income
spending with food, obesity and daily intake of calories). The estimation was made from 3
econometrics specifications using a logit model. The estimates show that the household
peculiarities were significant especially by the income analyze, highlighting the geographic
location observed by the macro regions. Furthermore, was not observed correlation between
the determined variables, confirming the multidimensional concept.

Palavras-Chave: Segurança Alimentar e Nutricional; Pesquisa de Orçamento Familiar;


Espaço Alimentar.

INTRODUÇÃO

O tema da alimentação e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) em suas

diversas dimensões está diretamente relacionado ao do desenvolvimento econômico. As


mais recentes e diversas agendas para o desenvolvimento internacional e nacional vêm

pautando a necessidade de se entender a soberania e segurança alimentar como imperativos

para o desenvolvimento de uma nação. É o caso, por exemplo, dos Objetivos do Milênio

propostos pela ONU que exprimem como primeiro objetivo erradicar a extrema pobreza e a

fome, reduzindo pela metade a proporção de pessoas famintas (UN, 2000). Mais

recentemente, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável também manifesta como

objetivo central acabar com a fome no mundo e alcançar um estado de segurança alimentar,

enfatizando a necessidade de se erradicar todas as formas de má nutrição (UN, 2015).

Nesse aspecto, são notórios os avanços para a maioria dos países, especialmente

aqueles em desenvolvimento, como o Brasil. Em relatório que faz um balanço dos Objetivos

do Milênio, a ONU (2015) mostrou que a proporção de pessoas subnutridas nas regiões em

desenvolvimento caiu quase pela metade desde 1990, partindo de 23,3% entre 1990 e 1992,

para 12,9% entre os anos de 2014 e 2016. O Brasil, de forma similar, apresentou uma queda

de 85% de pessoas subalimentadas entre 1990 e 2014.

Em termos de SAN, em 2013 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -

PNAD, mostrou que 77,4% dos domicílios encontravam-se em situação de Segurança

Alimentar, sendo que entre aqueles considerados em Insegurança Alimentar (IA), grande

parte pertencia à classificação “leve”1 (IBGE, 2014). No mapa do Global Food Security

Index (GFSI)2, o Brasil encontra-se na posição de melhor ambiente quanto à segurança

alimentar, e juntamente com a Argentina, constituem nos únicos países latino-americanos a

conseguirem esta classificação (EIU, 2015).

1
A partir da PNAD é possível encontrar três subclassificações da Insegurança Alimentar: leve,
moderada e grave.
2
Índice desenvolvido pela The Economist Intelligence Unit e analisa 28 indicadores para 113 países
de todo o mundo. Para ler mais sobre o índice, visitar <http://foodsecurityindex.eiu.com/Home/About>.
Apesar disso, à medida que a população altera seus padrões de vida e hábitos

alimentares, surgem novas preocupações no âmbito da segurança alimentar. Esse é o caso

do excesso de peso e obesidade, que são fatores de risco para uma série de doenças como

diabetes, disfunções cardiovasculares, cânceres, dentre outras (POPKIN, ADAIR, 2014). A

Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO)

mostrou que aproximadamente 60% da população brasileira está ao menos em situação de

sobrepeso, número que subiu mais de 10% em 10 anos (ABESO, 2015).

Dessa discussão percebe-se o desafio quanto à definição e, portanto, mensuração da

SAN. Trata-se de fenômeno multidimensional e pré-requisito importante para a saúde e

desenvolvimento individual. Mensurar suas incidências conforme diferentes medidas, bem

como avaliar os fatores que elevam a propensão à vivência de insegurança alimentar

constitui no principal objetivo deste trabalho.

Por se tratar de conceito amplo e complexo, neste trabalho reúnem-se e comparam-

se três diferentes medidas e definições de insegurança alimentar, com o intuito de fornecer

as bases para uma análise unificada e ao mesmo tempo multidimensional do tema, baseado

na análise objetiva. Este tipo de análise utiliza de medidas determinadas a nível individual,

domiciliar, nacional ou internacional, como medidas antropométricas ou de consumo

calórico e nutricional, não partindo, portanto, da percepção pessoal (caso das medidas

subjetivas).

Assim, três medidas de insegurança alimentar são consideradas. A primeira baseia-

se na ingestão calórica, na qual consideram-se inseguros aqueles indivíduos com consumo

calórico diário inferior ao recomendado. Essa medida busca avaliar a dimensão quantitativa

da dieta disponível e portanto, oferece uma primeira aproximação à situação de privação

alimentar. Além disso, famílias que gastam grande parte de suas rendas com alimentação

encontram-se usualmente em uma situação de vulnerabilidade alimentar. Para identificar


essa dimensão de insegurança alimentar, consideram-se inseguros os domicílios que

destinam mais que 70% ou mais da sua renda à alimentação. Por fim, para contemplar o

aspecto referente à obesidade, procede-se à análise antropométrica com o Índice de Massa

Corporal (IMC), que permite identificar os indivíduos obesos.

Esse recorte se justifica dado o quadro de “transição nutricional” em que o país vem

passando, marcado pela má alimentação e presença da ingestão inferior à necessária de

nutrientes e aumento do número de pessoas com sobrepeso (COUTINHO, et. al., 2008;

BATISTA; RISSIN, 2003). Além disso, ao se contemplar a vulnerabilidade das famílias,

permite-se entender os aspectos que a acentuam e formas de atenuá-la, particularmente em

ambientes de instabilidade econômica como os atuais.

Além da consideração de diferentes dimensões da insegurança alimentar, este

trabalho tem como objetivo avaliar o papel do ambiente domiciliar nesse processo. Para isso,

são observadas as variáveis relacionadas ao indivíduo (cor, sexo, e educação, por exemplo),

ao domicílio (como o espaço e estrutura física da casa) e ao entorno de onde as famílias

vivem (como a violência, oferta de serviços públicos e vizinhança, por exemplo). As

variáveis exploradas foram obtidas a partir da Pesquisa de Orçamento Familiares (2008-

2009) e da Tabela de Valores Nutricionais do IBGE (IBGE, 2009; IBGE, 2010a).

É esperado que características locais e especificidades do domicílio impactem

diretamente na probabilidade de o domicílio estar ou não em Insegurança Alimentar e esse

impacto será melhor observado quando combinado com outras características fundamentais,

como relacionadas ao indivíduo e ao ambiente que o domicílio estiver inserido.

O trabalho divide-se, portanto, em quatro seções, além desta introdução: o primeiro

aborda a estratégia metodológica, bem como procedimentos e considerações a respeito da

base de dados e modelo teórico; o segundo discute e apresenta os resultados. Por fim,

apresentam-se na última seção as considerações finais.


METODOLOGIA

No Brasil, as principais formas de mensuração da segurança alimentar se diferenciam

primeira e essencialmente pela base de dados. Pode-se destacar, por um lado, a análise

subjetiva, que possui como referência principalmente a Escala Brasileira de Insegurança

Alimentar (EBIA), que parte de questionários subjetivos (baseados em análises

psicométricas) para determinar, dentro de uma escala entre 1 a 5 a situação de insegurança

alimentar vivenciada. Na literatura são comuns trabalhos3 que fazem a pesquisa por esta

ótica utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). Hoffman

(2008) sugere ser necessário superar a subjetividade (uma vez que a análise é feita da

percepção individual) para avaliar se os efeitos de interesse se manterão e fornecerão

resultados semelhantes a partir de outras perspectivas.

Por outro lado, tem-se a análise objetiva que utiliza principalmente dos dados de

renda e orçamento familiar, como aqueles provenientes da Pesquisa de Orçamento Familiar

(POF). Por essa ótica, a questão da segurança alimentar pode ser medida a partir de nível de

consumo calórico, nutricional, e também por medidas antropométricas. A partir destes

dados, objetivos e coletados por meio de visitas a domicílios selecionados, torna-se possível

perceber variações na renda da família, serviços públicos, forma de consumo e preparo do

alimento, e aspectos relacionados ao entorno do domicílio (violência, proximidade de

comércio, etc.).

Neste trabalho, avalia-se a IA pela segunda ótica, a objetiva.

A compreensão de que a SAN consiste em um fenômeno multidimensional fornece

a motivação para a busca do entendimento do papel das características do domicílio e do seu

entorno para o bem estar nutricional da população. De fato, o acesso a serviços públicos de

3
Pode-se aqui citar, por exemplo, Hoffman (2008); Segall-Corrêa e Marin-Leon (2009).
qualidade (e consequentemente do ambiente em que se inserem) é usualmente relacionado

ao melhor aproveitamento, cuidado e escolha do alimento consumido (PERÉZ-

ESCAMILLA; SEGALL-CORRÊA, 2008).

A discussão que cerca o papel desses fatores na determinação da segurança alimentar

é embasada pela teoria espaço social alimentar de Poulain e Proença (2003). Os autores

buscam discutir a alimentação a partir de uma concepção das ciências sociais, chamada de

Espaço Social Alimentar, que torna-se uma útil ferramenta para estudos da área da

alimentação, de maneira geral. Como exibido pela Figura 1, os autores propõem uma divisão

da teoria em algumas dimensões: a “ordem do comestível” diz respeito àquelas escolhas para

aquisição, seleção e conservação de alimentos; o “sistema alimentar”, traduz as estruturas

que garantem a ligação entre a produção até o consumo; o “espaço culinário”, é o espaço no

sentido geográfico, social e de relações estruturais, dizendo respeito a questões desde a

preparação das refeições, até a divisão sexual que perpassa este processo; “o espaço dos

hábitos e do consumo alimentar” pontua hábitos culturais, como regras de disposição e

modalidades, por exemplo; e por fim, a “temporalidade alimentar” permite visualizar ciclos

temporais socialmente determinados” (POULAIN; PROENÇA, 2003; GIORGI, 2015).

Figura 1 – O Espaço Social Alimentar e suas dimensões

Fonte: Poulain e Proença (2003).


A análise proposta pelos autores indica que deve-se, em um primeiro momento,

analisar as mudanças epistemológicas e posteriormente passar à análise do espaço onde se

inserem os indivíduos. É importante, portanto, que mudanças nos hábitos de consumo e a

transação alimentar sejam entendidas no aspecto da Insegurança Alimentar; além disso, a

vulnerabilidade econômica pode ser determinante, uma vez que condiciona a alocação e

distribuição de recursos no que tange à alimentação.

Deste modo, para a determinação do domicílio em situação de Insegurança

Alimentar, utilizam-se das medidas de consumo calórico, participação dos gastos com

alimentação na renda e do IMC. Entretanto o consumo e as necessidades alimentares são

individuais e variam principalmente de acordo com a idade dos indivíduos, sendo necessário

estabelecer uma equivalência entre os habitantes do domicílio, como propõe Hagenaars e

Zaidi (1994).

Esta normalização é feita utilizando-se da escala de equivalência modificada da

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), que permite a

mensuração do número de pessoas em um domicílio em termos de Adulto Equivalente (AE).

Esta escala, atribui valor igual a um para a pessoa de referência do domicílio, 0.5 para cada

adulto adicional e 0.3 para cada criança, como mostra a Equação 1.

(1)

Cada pessoa, dado seu sexo, idade, nível de atividade física, estado fisiológico,

antropométrico, etc., necessita uma quantidade específica de consumo de energia para a

manutenção da saúde e boa nutrição. A fim de simplificação, porém, indica-se que para a

população como um todo, um parâmetro de ingestão energética para um brasileiro saudável

seria de uma média diária de 2.000 calorias (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

Para a observação da obesidade, é utilizada a medida antropométrica de referência, o

Índice de Massa Corpórea (IMC). O cálculo do Índice é realizado de acordo com o indicado
pela OMS (WHO, 1995; WHO, s.d.), como mostra a Equação 2. Diferentemente da relação

nutricional, o IMC utiliza de características muito específicas, impossibilitando de usá-lo na

forma de equivalência para o domicílio. Desta forma, manteve-se somente a informação

equivalente à pessoa de referência do domicílio para a análise do IMC.

(2)

Já para a determinação dos gastos em relação à renda, seguir-se-á a indicação de

Smith (2002), reproduzida por outros autores como Costa (2013), em que aqueles domicílios

que destinam mais de 70% da sua renda para gastos com alimentação estão em situação de

vulnerabilidade, uma vez que compromete seu acesso a alimentos no futuro.

Em síntese, os valores limites para cada variável dependente que determina a situação

de IA, foi definida como segue na Tabela 1.

Tabela 1 - Valores determinados para mensuração da Insegurança Alimentar

Variável Quantidade Unidade de Medida


Calorias¹ <2000 Kcal por AE
IMC² ≥ 30 IMC do chefe
Gastos com Alimentação <70% Gastos com alimentação/Renda
total do domicílio da família
Fonte: Elaboração própria.
¹ Valores determinados pela Anvisa.
²
Valores para obesidade, determinada pela OMS.

Definida a situação de insegurança alimentar, especificam-se três modelos empíricos que

têm o objetivo de avaliar os fatores que se associam a cada tipo insegurança. Assim, têm-se

três variáveis dependentes binárias:

 Yji=1 caso o i-ésimo domicílio seja considerado inseguro com respeito ao critério j

= ingestão calórica insuficiente, obesidade do chefe da família, vulnerabilidade

(gasto de 70% ou superior da renda com alimentação)4.

4
No caso da obesidade, especificamente, são utilizadas informações da pessoa de referência do
domicílio.
 Yji=0 caso contrário.

O modelo recorrentemente utilizado para identificação dos fatores que se associam à

situação de insegurança alimentar é o modelo logit5, que se baseia em uma função de

distribuição logística acumulada, mantendo as probabilidades estimadas entre 0 e 1 e

garantindo a eficiência das estimações, dado que é estimado por Máxima Verossimilhança.

O modelo logístico apresenta as possibilidades de ocorrência do evento, ilustrado pela

Equação 3, onde Yi é a variável dependente (que, neste caso são três) que, por sua vez, está

em função das características dos indivíduos, contidas no vetor I6, dos domicílios (D), e do

ambiente domiciliar (A), todos seguidos de seus respectivos parâmetros, mais o termo

constante.

𝑝(𝑦𝑖 = 1|𝐼, 𝐷, 𝐴) = 𝐹(β0 + IβI + DβD + AβA) (3)

Considerando que a probabilidade de o domicílio estar em situação de Insegurança

Alimentar é dada por Pi (Equação 4), onde Z é o mesmo que a função da Equação (3), tem-

se que a probabilidade de ocorrência do evento é dada pela Equação 4:

1 1
Pi  ( 0  I 1  D  2  Ai )
 (4)
1 e 1 e Z

Assim sendo, pode-se encontrar a razão de chances a favor do acontecimento do

evento (Equação 5) que, ao aplicar o logaritmo natural, encontra-se o log de chances (Li),

que é linear tanto nos parâmetros quanto nas variáveis dependentes, apresentado pela

Equação 6.

5
Para maiores especificações do modelo, consultar Greene (2012) ou Wooldrige (2006).
6
Apesar de o trabalho não focar nas características individuais como determinantes para a
insegurança alimentar, os resultados da PNAD e da PNDS mostram que a SAN está diretamente
relacionada à fatores como sexo, raça e renda, por exemplo (IBGE, 2014). Desta forma, omitir tais
variáveis poderia causar um viés no modelo, como apontam Angrist e Pischke, (2008).





Em modelos deste tipo a análise é facilitada se realizada a partir das razões de

chances, já que trata da explicação de uma variável que é qualitativa. Ela expressa a

probabilidade de ocorrência daquele evento de interesse acontecer. Dessa forma, neste caso,

sempre que as razões de chance forem maiores que 1, maiores as probabilidades de se

observar a Insegurança Alimentar.

A base de dados utilizada neste trabalho é a Pesquisa de Orçamento Familiar dos

anos de 2008 e 2009, última pesquisa disponível até então. Desta pesquisa, utilizam-se

principalmente de quatro registros7: domicílio, pessoas, condições de vida e consumo

alimentar. Foram extraídos dados de consumos alimentares por domicílio, bem como as

características do indivíduo, do domicílio e do ambiente.

Extraído o nível de consumo domiciliar, utilizou-se para conversão das quantidades

consumidas em calorias e gramas, a Tabela de Valores Nutricionais disponibilizada pelo

IBGE (2010a)8.

Da base de dados, foram excluídas as informações duplicadas por domicílio,

domicílios chefiados por pessoas menores de 15 anos, e as que não possuem informações

para a renda, escolaridade, ou características referentes ao domicílio. As variáveis

explicativas consideradas são aquelas relacionadas ao domicílio, ao indivíduo e ao ambiente

em que se inserem os domicílios, listadas e descritas na Tabela 1A do Apêndice.

7
Os microdados da POF são disponibilizados a partir de 16 diferentes registros (IBGE,
2008).
8
Aqui, especificamente, utilizou-se a tabela “Energia, macronutrientes e fibra na
composição de alimentos por 100 gramas de parte comestível”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo a classificação do IMC, em 2008 a maior parte dos chefes de domicílios

brasileiros estava no intervalo normal de peso (46.3%) e apenas 2.31% dessas pessoas

encontravam-se abaixo do peso conforme mostram os dados da POF (2008). Entretanto,

parcela significativa das pessoas encontravam-se acima do peso, (36.7%) (situação de pré-

obesidade) e 14.63% eram classificadas como obesas. Neste último grupo, a maioria das

pessoas estava na classificação de Obesidade Classe I, a menor dentre todas as categorias de

obesidade, como mostra a Tabela 2. Esses números refletem o quadro de transição

nutricional que passa a população brasileira, onde prevalecem as crescentes taxas de pessoas

acima do peso e obesas, especialmente entre os homens (COUTINHO et. al., 2008).

Tabela 2 – Classificação do IMC pela OMS e porcentagem de brasileiros em cada categoria.


IMC (kg/m²)
Classificação Percentual de
Pontos de Corte Brasileiros (%)
Abaixo do peso <18.50 2.31
Magreza Severa <16.00 0.19
Magreza Moderada 16.00 - 16.99 0.40
Magreza suave 17.00 - 18.49 1.72
Intervalo Normal 18.50 - 24.99 46.36
Acima do peso Pré-Obesidade 25.00 - 29.99 36.71
Obesidade ≥30.00 14.63
Obesidade Classe I 30.00 - 34.99 11.48
Obesidade Classe II 35.00 - 39.99 2.52
Obesidade Classe III ≥40.00 0.62
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da World Health Organization (WHO) e POF
2008-2009.

Com o intuito de identificar a coerência entre as diferentes medidas de insegurança

alimentar, a Tabela 3 mostra a matriz de correlações entre as diferentes definições, conforme

a insuficiência calórica, situação de obesidade e vulnerabilidade quanto ao gasto com

alimentação. O que se observa é que a correlação entre elas é quase inexistente, o que

comprova o caráter multidimensional da Insegurança Alimentar e o retrato simplificado que

cada medida isolada pode trazer. Como esperado, a ingestão insuficiente de calorias por
adulto do domicílio e a obesidade do chefe da família são negativamente correlacionadas,

ao passo que a vulnerabilidade não parece relacionar-se com o fato das famílias estarem

inseguras do ponto de vista calórico, nem mesmo com a situação de obesidade do chefe da

família.

Tabela 3 – Matriz de Correlação entre as variáveis de IA

Calorias Obesidade Vulnerabilidade


Calorias 1 - -
Obesidade -0.0058 1 -
Vulnerabilidade 0.0315 -0.0338 1
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da POF 2008-2009

Na Tabela 4 encontram-se as razões de chance de que o domicílio (ou o chefe de

família, no caso da obesidade) esteja em situação de Insegurança Alimentar. Valores

superiores a 1 indicam que aquela variável possui um impacto positivo sobre a variável

dependente que representa a Insegurança Alimentar. Valores menores que 1, por outro lado,

indicam um impacto negativo sobre a probabilidade do domicílio se encontrar em situação

de IA.

Tabela 4 - Fatores associados à Insegurança alimentar medida pela Insuficiência Calórica,


Obesidade e Vulnerabilidade, Razões de Chance e Desvio Padrão, Brasil, 2008-2009
Variáveis Calorias Obesidade Renda
1.5579 1.4224 1.2018
Sexo¹
(0.1166)*** (0.0352)*** (0.1933)***
1.0330 0.9711 1.1675
Características do Cor/Raça²
(0.0827) (0.0249) (0.0322)***
Indivíduo (chefe do
0.9855 0.9959 0.9667
domicílio) Escolaridade
(0.0066)* (0.0016)* (0.0026)***
0.9999 1.0001 .
Renda dom. per capita
(0.0001)* (0.0000)*** .
1.0902 0.9122 1.3794
Pouco Espaço
(0.0828) (0.02436)** (0.0375)***
1.2690 0.9785 1.2807
Casa Escura
Características do (0.1103)** (0.0306) (0.0368)***
Domicílio 0.8465 1,0561 0.7329
Telhado com Goteira
(0.0922)* (0.0278)** (0.1887)***
0.9735 1,0074 0.8858
Densidade Moradores
(0.0299) (0.0087) (0.0096)***
1.1649 1.0157 0.8555
Inundações
(0.1067) (0.0410) (0.3265)***
1.0088 1.0236 0.9276
Vizinhos Barulhentos
(0.0881) (0.0290) (0.0276)**
1.1812 1.0968 1.0578
Poluição
(0.1137)* (0.0344)** (0.0363)*
0.9702 1.0968 1.0626
Violência
(0.0808) (0.0266) (0.2999)**
0.7393 0.9938 1.1769
Lixão
(0.1701) (0.0687) (0.0772)**
1.2474 1.0664 1.0239
Esgoto
(0.1501)* (0.0448) (0.0426)
0.9202 0.9910 1.1042
Encosta
(0.1927) (0.0697) (0.0733)
Características do 1.0218 1.2205 0.7752
Área Industrial
ambiente (0.1716) (0.0622)*** (0.0485)***
0.8213 0.7765 1.4368
Zona Rural
(0.0788)* (0.0248)*** (0.0421)***
0.6220 0.8774 1.3005
Região Norte
(0.0803)*** (0.0394)** (0.0620)***
0.7761 0.8556 1.9328
Região Nordeste
(0.0826)* (0.0315)*** (0.0782)***
0.8011 0.9297 0.9186
Região Sudeste
(0.0916)* (0.0354)* (0.0427)*
0.5841 1.1256 0.8027
Região Sul
(0.0916)*** (0.0505)* (0.0475)***
LR chi(2) 131.97*** 601.60*** 3281.96***
Count R² 98.7 85.4 85.6
Nível de significância: *10%. **5%. ***1%.
¹ Indica se a pessoa de referência é do sexo feminino.
²
Indica se a pessoa de referência do domicílio é autodeclarada preta ou parda
Fonte: Resultados da pesquisa.

Todas as especificações, para todas as variáveis consideradas, apresentaram um valor

de LR com probabilidade menor que 0.000, mostrando, portanto, que todas as variáveis, em

seu conjunto, são estatisticamente diferentes de zero a 1% de significância. Além disso,


analisando o valor do count R², as especificações econométricas encontram-se bem ajustadas

e conseguem prever, pelo menos, 85%9 das observações corretamente (Tabela 5).

A primeira análise pode ser feita a partir das variáveis referentes à pessoa de

referência do domicílio, determinantes para a alocação dos recursos intradomiciliares. As

estimativas mostram, em consenso, que os domicílios chefiados por mulheres possuem

maiores chances de estarem em situação de IA, em qualquer uma das medidas, enquanto o

aumento da escolaridade média da pessoa de referência reduz a probabilidade de insegurança

alimentar. A mulher, na posição de chefe de domicílio, se vê incumbida não só do sustento

da casa, como de tarefas de cuidado da mesma. Dessa forma, geralmente essas mulheres

precisam assumir diferentes turnos e modalidades de trabalho, fazendo com que o domicílio

esteja em situação de vulnerabilidade10. Por outro lado, o maior tempo de escolaridade da

pessoa de referência do domicílio sugere melhor habilidade para alocação dos recursos, além

de maiores rendimentos médios. Dessa forma, a postura alimentar, bem como a proporção

da renda gasta com alimentos, tende a ser melhor vista em domicílios onde o (a) chefe é mais

bem instruído.

A variável correspondente à raça da pessoa de referência só mostrou-se significativa

para explicar a Insegurança Alimenta pela ótica da renda. Por esta, observa-se que domicílios

chefiados por pessoas pretas e pardas têm maiores chances de gastarem mais de 70% de sua

renda com alimentação. Este resultado também é coerente se se observa o perfil destes

domicílios de forma geral, já que são aqueles com menor presença de eletrodomésticos e

acesso a serviços, por exemplo. Além disso, são os (as) negros (as) que recebem, em média,

os menores salários no Brasil (IPEA, 2017).

9
Menor valor de ajustamento encontrado, para o consumo calórico. As demais estimativas
das medidas de ajuste, encontram-se na Tabela 5.
10
Essa é uma ampla e ambígua discussão encontrada principalmente na literatura da
Economia Feminista, a qual o trabalho não pretende avançar. Para mais informações, sugere-se
trabalhos de Delgado (2013), Teixeira (2008) e Villairel (2004), por exemplo.
Quanto à renda domiciliar per capita, essa apresentou-se “neutra” para determinação

da IA a partir das variáveis selecionadas, além de não ter sido significativa a variável

relacionada à raça para a mensuração calórica e da obesidade. Entretanto, os efeitos da renda

são melhores analisados quando posto pela variável dependente (como dado pela terceira

especificação), já que consegue captar melhor as determinações da IA. Estes resultados

aproximam-se do que também observaram Costa et. al. (2014) e Salles-Costa (2008).

Partindo para a análise das características do domicílio em si, da mesma forma que

as características relacionadas ao pouco espaço e ao fato da casa ser escura associam-se à

maior probabilidade de o domicílio estar em situação de IA para a análise a partir de renda

e ingestão calórica, elas associam-se à menor probabilidade de obesidade. As demais

variáveis foram significativas para explicar o evento apenas a partir da análise da renda. O

que se observou é que a presença de possíveis fatores negativos para um ambiente adequado,

bem como aumento da densidade de moradores, inundações e presença de vizinhos

barulhentos reduzem as possibilidades de o domicílio presenciar IA; contrariamente ao

esperado.

Quanto às características do ambiente em que se insere o domicílio, mostrou-se, de

forma robusta, que o fato de situar-se em região com poluição eleva a propensão de se

encontrar em situação de IA. Além disso, destaca-se a relação dos gastos com o ambiente

violento e presença de lixão, onde ambas mostraram-se relação positiva com a situação de

Insegurança Alimentar.

Domicílios localizados em áreas rurais estão mais propensos a gastarem parte

significativa de sua renda com a alimentação. Entretanto, são nestes domicílios que as

probabilidades de não ingestão mínima calórica e presença de obesidade é menos provável.

Ou seja, são mais vulneráveis analisando pela renda, mas menos vulneráveis em relação ao

tipo de consumo alimentar. Este resultado está coerente com o observado por Sampaio et.
al. (2006), que mostraram que produtores e moradores de áreas rurais percebiam a Segurança

Alimentar a partir de aspectos como qualidade dos alimentos, apontando a preferência de

alimentos naturais à industrializados, por exemplo.

A análise das macrorregiões mostra que domicílios localizados na região norte e

nordeste são mais propensos a terem seus gastos majoritariamente destinados à alimentação,

estando, portanto, vulneráveis por esta ótica; a análise para as regiões sudeste e sul são

contrárias. Por outro lado, analisando pelas variáveis relacionadas à obesidade e ingestão

calóricas, há uma relação negativa entre essas regiões e IA. Este resultado se justifica dada

a heterogeneidade observada nas diferentes regiões do país, que podem sobressair em relação

a aspectos locais.

CONCLUSÕES

Neste trabalho, a insegurança alimentar é entendida como um processo complexo e

multidimensional. Embora essa compreensão dificulte a mensuração objetiva desse

fenômeno, buscou-se avaliar três dimensões que podem ter características distintas e

portanto, podem exigir medidas de controle diferentes. As medidas consideradas foram

baseadas no consumo insuficiente de calorias, na presença de obesidade do chefe da família

(com base em medida antropométrica com o IMC) e vulnerabilidade quanto à alimentação,

definida como a situação na qual a família gasta parte substancial (70% ou mais) de sua

renda com alimentação. Com essas definições, objetivou-se avaliar os fatores associados a

cada caso com vistas a destacar possíveis aspectos comuns ou importantes disparidades

quanto aos seus determinantes. Em particular, buscaram-se identificar os efeitos do ambiente

interno e externo e das características pessoais e das famílias brasileiras para a maior ou

menor propensão à insegurança alimentar.

As variáveis, de maneira geral, mostraram-se significativas para explicar a situação

de vulnerabilidade das famílias. Dessa maneira, reforça-se o papel da análise de questões


urbanas e regionais para as análises do desenvolvimento. Essa análise não se descola,

inclusive, de questões que estão comumente ligadas ao campo, como é o caso da Insegurança

Alimentar.

Entre as variáveis explicativas analisadas, as evidências trazidas em relação ao

gênero, a renda (dada a importância do modelo de vulnerabilidade), a densidade de

moradores por cômodo e a moradia na zona rural, mostram-se em geral, as mais relevantes.

Apesar de as variáveis não terem sido significativas, de maneira geral, em relação às

características do entorno do domicílio, destacaram-se, principalmente, aquelas que dizem

respeito à proximidade a lixão e esgoto.

Finalmente, o modelo empírico não conseguiu sustentar, de fato, a relação entre as

particularidades dos domicílios em relação à insegurança alimentar domiciliar. Entretanto,

dadas as particularidades encontradas na base de dados, sugere-se, para pesquisas futuras,

um recorte especial apenas para os domicílios que apresentem vulnerabilidades específicas

como estarem perto de áreas degradantes como o lixão ou esgoto, por exemplo. Uma vez

que a relação “acesso, disponibilidade e suficiência” – que são sugeridas por variáveis

macrorregionais e individuais – mostraram-se críveis para a análise, tal recorte pode

sustentar melhor as relações existentes nos casos de insegurança alimentar. Além disso, urge

a necessidade para determinação objetiva que seja consistente e consiga abarcar as diferentes

variáveis que possam impactar a situação de IA, seja a nível macro ou microeconômico.

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Apêndice
Tabela 1A - DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS EXPLICATIVAS DO MODELO11.

Dummy: Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de


Pouco Espaço pouco espaço no domicílio em que a sua família reside. Categorias: (0) Não (1)
Sim.

Dummy: Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de casa


Casa Escura
escura no domicílio em que a sua família reside. (0): Não (1) Sim.

Dummy: Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de


Telhado com
telhado com goteira no domicílio em que a sua família reside. Categorias: (0) Não
Goteira
(1) Sim.

Densidade
Moradores Identifica a proporção de moradores por cômodos no domicílio.

Dummy: Identifica se a pessoa de referência do domicílio é mulher. Categorias:


Sexo
(0) Não (1) Sim.

Dummy: Identifica se a pessoa de referência do domicílio é negra. Categorias: (0)


Cor/Raça
Não (1) Sim.

Escolaridade Identifica a escolaridade da pessoa de referência do domicílio.

Renda domiciliar
per capita. Indica a renda monetária per capta por domicílio.

Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de poluição ou


Poluição problemas ambientais causados pelo trânsito ou indústria no domicílio em que a
sua família reside. Categorias: (0) Não (1) Sim.

Dummy: Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de


Violência violência ou vandalismo na área de residência de sua família. Categorias: (0) Não
(1) Sim.

Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de inundação no


Inundações
domicílio em que a sua família reside. Categorias: (0) Não (1) Sim.

Dummy: Identifica a opinião do informante sobre a existência do problema de rua


Vizinhos
ou vizinhos barulhentos no domicílio em que a sua família reside. Categorias: (0)
Barulhentos
Não (1) Sim.

Identifica se o domicílio está localizado em ou próximo a lixão ou depósito de lixo


Lixão
tóxico ou perigoso. Categorias: (0) Não (1) Sim.

Identifica se o domicílio está localizado em ou próximo a esgoto a céu aberto ou


Esgoto
valão. Categorias: (0) Não (1) Sim.

11
Descrição de acordo com a Descrição dos Registros da POF 2008-2009.
Identifica se o domicílio está localizado em ou próximo a encosta ou área sujeita a
Encosta
deslizamento. Categorias: (0) Não (1) Sim.

Identifica se o domicílio está localizado em ou próximo a área industrial.


Área Industrial
Categorias: (0) Não (1) Sim.

Identifica se o domicílio está localizado em zona rural. Categorias: (0) Não (1)
Zona Rural
Sim.

Identifica se o domicílio está localizado na região Norte. Categorias: (0) Não (1)
Região Norte
Sim.

Identifica se o domicílio está localizado na região Nordeste. Categorias: (0) Não


Região Nordeste
(1) Sim.

Identifica se o domicílio está localizado na região Sudeste. Categorias: (0) Não (1)
Região Sudeste
Sim.

Região Sul Identifica se o domicílio está localizado na região Sul. Categorias: (0) Não (1) Sim.
TRAJETÓRIA DA POLÍTICA URBANA E DESAFIOS AO

DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

Rafael Lara Mazoni Andrade

Fundação João Pinheiro

rafaelmazoni13@gmail.com

Germana de Campos Gonçalves

Universidade Fumec

germanacamposarq@gmail.com

Claudio Burian Wanderley

Fundação João Pinheiro

claudio.burian@fjp.mg.gov.br

Resumo

As cidades brasileiras refletem um cenário de crise, fruto de um processo de urbanização

rápido, intenso e predatório. Problemas como poluição, carências habitacionais,

assentamentos precários, irregularidade fundiária, trânsito caótico, violência e carências

na acessibilidade impõem-se como desafios à gestão pública brasileira. Este trabalho

propõe-se a uma exploração bibliográfica para compreender as dinâmicas do

planejamento urbano no Brasil entre 1889 e 2016. Para tanto, esse ínterim da história do

Brasil será dividido em seis períodos: (i) República Velha (1889-1930); (ii) Era Vargas

(1930-1945); (iii) Quarta República (1946-1964); (iv) Regime Militar (1964-1985); (v)

transição, redemocratização e estabilização econômica (1985-2002) e (vi) atualidade


(2003-atual). Enfim, a pesquisa permite afirmar que o Estado brasileiro vem se

mostrando incapaz de agir de maneira adequada e tempestiva nesse setor. Os avanços

observados em alguns períodos são seguidos de grandes retrocessos e descontinuidades,

em um intenso movimento pendular.

Palavras-Chave: Desenvolvimento urbano; Política urbana; Políticas habitacionais.

Introdução

As cidades expressam hoje um cenário de crise. No Brasil, as cidades já surgem como

reflexo de conflitos. Como disse Faoro (2001), as urbes surgiriam sob a égide do

pelourinho – e o instrumento de tortura lembraria a todos que havia um poder, e que ele

estaria pronto a intervir em caso de recalcitrâncias.

Como mostram vários autores acerca do urbano no Brasil, a produção do seu

espaço deu-se na forma de um processo rápido, intenso e predatório (Brasil & Carneiro,

2014). Ao passo em que o Brasil se tornou um país majoritariamente urbano, esses

problemas se amplificaram, porque os grandes movimentos populacionais em direção

aos centros urbanos encontraram cidades incapazes de prover adequadas condições de

vida (Maricato, 2003). Isso amplificou problemas como poluição ambiental, carências

habitacionais, precariedade de assentamentos, irregularidade fundiária, trânsito caótico,

violência e carências na acessibilidade (Mazoni Andrade, 2016).

Diante desses problemas recorrentes e que são grandes desafios impostos à gestão

pública brasileira neste início do século XXI, exigem-se do Estado grandes intervenções.

Historicamente, contudo, o Estado brasileiro vem se mostrando incapaz de agir correta e

tempestivamente nessa seara (Maricato, 2003; 2013).

Metodologia
Diante disso, este trabalho propõe-se a uma exploração bibliográfica para compreender

as dinâmicas do planejamento urbano no Brasil desde suas origens. A principal

justificativa para tal empreendimento é a procura por subsídios para se pensar

proposições de melhoria à atuação do Estado no tema.

Histórico das políticas habitacionais no Brasil

República Velha (1889-1930)

As iniciativas de planejamento urbano eram restritas durante a República Velha –

período contabilizado entre a proclamação da República, em 1889, e a Revolução de

1930. Nessa época, o planejamento urbano no Brasil era voltado para o embelezamento e

para melhorias voltados para áreas nobres das cidades (Brasil & Carneiro, 2009;

Maricato, 2003).

Fazem parte desse momento cenas de conflitos relacionados a intervenções de

cunho sanitarista, como a revolta desencadeada a partir da vacinação compulsória contra

varíola. Como afirmam Brasil e Carneiro (2009), essas ações mostravam-se alijadas de

premissas como inclusão social, cidadania e direito à cidade.

Era Vargas (1930-1945)

As ações do Estado brasileiro passaram por diversas fases, iniciando-se com o

intervencionismo populista da Era Vargas – que foi marcante para as políticas

habitacionais, dado o reconhecimento da importância da habitação para a reprodução da

força de trabalho e para a consequente concretização de modus operandi industrial

(Bonduki, 1994).

Refletindo a preocupação que Henry Ford preconizava em suas relações de

trabalho, a provisão de habitação para os operários era compreendida nesse período


como base para o desenvolvimento e fortalecimento “de uma sociedade de cunho

urbano-industrial, capitalista”, como disse Bonduki (1994, p. 711). A produção das

cidades no Brasil à época ficou marcada, como observa-se no Rio de Janeiro, pela

construção dos chamados Parques Proletários, que seriam residência temporária aos

trabalhadores retirados das favelas da cidade (Gomes, 2009); e em Nova Lima, pelos

bonserás – residências pequenas, com apenas uma janela na frente, que se espalham no

centro da cidade (Mazoni Andrade, 2014).

Nesse período, então, a ação do Estado brasileiro buscava melhorias nas

condições de vida dos trabalhadores urbanos, encampando intervenções relacionadas a

previdência e assistência social, educação, alimentação e habitação (Brasil & Carneiro,

2009). Dentre as ações relacionadas a esse último setor, além das iniciativas de provisão

de unidades habitacionais subsidiadas, o congelamento dos aluguéis e a regulamentação

das relações de inquilinato fizeram parte da gramática varguista nas intervenções no

setor de habitação (Bonduki, 1994).

Quarta República (1946-1964)

Quando Vargas deixa o cargo de presidente, suas iniciativas no setor de habitação – que

já não eram grandes – são descontinuadas (Bonduki, 1994). Na sequência, observa-se o

início de um segundo ciclo econômico, ancorado na modernização produtiva e na

substituição de importações. O Estado assume progressivamente a função de assegurar

condições para a industrialização – seja a partir da provisão pública de infraestruturas,

equipamentos e serviços urbanos, que impactariam positivamente a produtividade e a

acumulação de capital (Brasil & Carneiro, 2009).

A despeito da existência de inversões públicas em infraestrutura urbana, não se

observaram grandes alterações no que tange à política habitacional nesse período.


Refletindo a ausência de investimento estatal em habitação, crescem nesse período as

iniciativas do setor privado – e as políticas de governo acabavam por privilegiar os

interesses dos empresários. Para aqueles que não podiam acessar o mercado imobiliário,

restava a informalidade – e o que se observa a partir desse momento é a intensificação do

processo de favelização e ampliação da percepção de problemas urbanos (Bernardes,

1986).

Regime militar (1964-1985)

Quando da emergência do intervencionismo do governo militar, a característica mais

marcante das iniciativas de planejamento urbano foi, conforme discute Cardoso (1999), a

exacerbação da centralização. Cumpre lembrar também a forte centralização de recursos

promovida pelo regime militar no governo central. Ou seja, nesse cenário era impossível

às unidades subnacionais financiar políticas públicas mais dispendiosas.

Durante as décadas de 1960 e 1970, outros países no mundo já discutiam formas

de participação popular no planejamento. No Brasil, todavia, a ditadura militar impunha

limites aos direitos políticos, restringindo fortemente quaisquer tentativas de participação

popular em qualquer área da esfera política. Conforme mostram Brasil e Carneiro

(2009), sobre esse período, observa-se o ápice do crescimento urbano no Brasil, e o

agravamento das deficiências nas cidades.

Além disso, a partir da ascensão dos militares ao poder é extinta a Fundação da

Casa Popular, criada em 1946, e é criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), em

1964. Isso se daria porque o modelo era considerado pelos burocratas do regime como

“verdadeiras doações”, vindo a chocar-se com as diretrizes em voga (Fagnani, 1997).

Fagnani (1997) afirma que houve limitado caráter redistributivo da política de habitação

nessa fase, somado a uma grande privatização – vista a importância dos representantes
dos interesses da indústria, da construção civil e do sistema financeiro na formulação e

na implementação dessa política nesse período.

A partir da década de 1970, algumas iniciativas podem ser lidas, como afirmam

Brasil e Carneiro (2009, p. 17), “como ensaios na direção de uma política urbana de

cunho compreensivo”, como a criação de uma comissão e um conselho na área de

política urbana e desenvolvimento urbano. “Entretanto”, destacam os mesmos autores,

“esvaziados de poder efetivo, tais órgãos não lograram assumir o papel de coordenação

das políticas urbanas federais, pensado para eles” (Brasil & Carneiro, 2009, p. 17).

Durante essa década, então, o esgotamento do ciclo de expansão da economia brasileiro,

conhecido como “milagre econômico”, em consonância àquilo que dizem vários dos

pensadores do espaço urbano brasileiro, Brasil e Carneiro (2009, p. 17) destacam que “o

aprofundamento das desigualdades sociais desvela a cidade como um lugar privilegiado

e objeto dos conflitos sociais”.

Transição, redemocratização e estabilização (1985-2002)

Tensões entre o Estado e a sociedade no Brasil levaram à redemocratização em meados

da década de 1980 (Brasil & Carneiro, 2009). O período subsequente é caracterizado

pelas tentativas de estabilização macroeconômica nos tempos de crise, pela promulgação

da Constituição de 1988 e por certo hiato pensamento urbano brasileiro (Monte-Mór,

2008): “Os anos 1980 marcam-se pela crise fiscal do Estado e assistem ao esvaziamento

do planejamento e da política urbana no país, bem como à revisita crítica de suas

práticas” (Brasil & Carneiro, 2009, p. 19).

Logo em 1985, instituiu-se um grupo de trabalho para discutir propostas de

reformulação no Sistema Financeiro da Habitação, que propôs que os programas de

moradia popular fossem separados daqueles que eram voltados a estratos de maior renda.
O BNH seria, então, desmembrado, havendo estruturas específicas para gestão e

financiamento de políticas habitacionais para cada recorte de renda (Fagnani, 1997).

Depois disso, em novembro de 1986, o BNH foi extinto. Há, a partir disso, o que

Fagnani (1997) chama de precipitação do esvaziamento da estratégia de reforma: “Após

a extinção do BNH, os paradoxos da política habitacional acentuaram-se, pela

sobreposição da crise institucional à crise financeira crônica, herdada do autoritarismo”

(Fagnani, 1997, p. 222). Nesse mesmo período, observa-se o que Arretche (1996, apud

Fagnani, 1997) chama de “via-crúcis” dos programas habitacionais para população de

baixa renda – com descontinuidades e paralisia decisória.

A convocação da Assembleia Constituinte deu-se em meio de afirmação da

atuação e do papel da sociedade civil, a construir e definir agendas e marcos das políticas

sociais (Brasil & Carneiro, 2009, p. 20): “No âmbito mais geral, cabe sublinhar a

mobilização em torno das propostas de descentralização [...] e de municipalização, bem

como de reconhecimento e ampliação dos direitos sociais e de democratização das

relações entre Estado e sociedade”. Nesse contexto, emendas populares poderiam ser

apresentadas à Assembleia Constituinte. O movimento de reforma urbana no Brasil, em

sua atuação, conseguiu o apoio de cento e trinta mil eleitores a mais que o necessário

para apresentar uma emenda.

Dessa maneira, o texto constitucional contém apenas dois artigos oriundos

daquela emenda relacionada à reforma urbana; os artigos 182 e 183. A avaliação que

Souza (2010) faz acerca do texto constitucional aponta para a diluição e as modificações

que a emenda popular sofreu: uma “derrota estratégica”. Na opinião do geógrafo,

algumas discussões ficam inconclusas – como a questão da “função social da

propriedade” –, e engendra-se certo legalismo e “tecnocratismo de esquerda” (Souza,

2010).
A despeito dos avanços trazidos pela Constituição de 1988 – sintetizados na

mobilização popular que culmina na promulgação da “Constituição Cidadã”, na

inovação no tratamento da propriedade, com a noção de “função social da propriedade”,

e com sua preocupação com os direitos sociais (Monte-Mór, 2008) –, o governo de

Fernando Collor foi marcado por grande embate entre os poderes Executivo e

Legislativo (Fagnani, 1997). Isso justifica a demora na aprovação dos textos de várias

leis complementares, incluindo aquela que viria a ser chamada, anos mais tarde, de

Estatuto da Cidade, regulando o capítulo da Constituição que trata de política urbana.

Além disso, no governo Collor, a área de habitação foi caracterizada por uma forte

centralização do processo decisório no Ministério da Ação Social e na Caixa Econômica

Federal. Os recursos eram concedidos aos municípios de maneira pulverizada, com base

em relações clientelistas. Por fim, “Outro traço da política habitacional implementada no

governo Collor é a ausência de mecanismos de acompanhamento e controle da execução

física e financeira dos projetos” (Fagnani, 1997, p. 231).

Durante o governo de FHC – sobretudo em seu primeiro mandato –, os gastos

com a área de habitação observaram o maior crescimento relativo de gastos no período

(Castro & Cardoso JR, 2005). Ainda, no segundo mandato de Cardoso foi, enfim,

publicado o Estatuto da Cidade, 4paradigmático no tratamento do direito urbano

(Maricato, 2003).

Atualidade (2003-2016)

Durante o governo Lula, foram criados conselhos e fundos relacionados ao urbano e o

Ministério das Cidades – que apresentou, originalmente, “uma composição heterogênea

de expertises, que aponta para uma expressiva inclusão da sociedade civil em sintonia

com as plataformas de reforma urbana” (Brasil & Carneiro, 2009, p. 27). Além disso,
durante o último mandato desse presidente foi promulgada a Lei Federal nº 11.977, de

2009, que institui o programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV) e que lança bases

para o processo de regularização fundiária em área urbana (Mazoni Andrade, 2016).

Brasil e Carneiro (2009, p. 26) avaliam que “podem-se sinalizar inflexões na atuação do

poder executivo federal a partir do governo Lula”. Para eles, o mandato de Lula

caracterizou-se por uma redefinição do papel do Estado, “mais atuante no campo das

políticas urbanas, reintegradas à agenda governamental”.

Sob o governo de Rousseff, leis importantes para a temática do urbano foram

promulgadas, e o programa MCMV ganha maior destaque. Já no governo Temer,

observam-se três questões principais: a necessidade de empreender esforços no sentido

de manter o aporte de recursos do MCMV em meio ao imperativo de contrair os gastos

públicos, com discussões acerca de uma possível reformulação – que mudaria, além do

nome, o público-alvo dos financiamentos (Portal Brasil, 2016); a proposta de criação de

um subsídio para reformas e o posicionamento favorável à criação de um programa

nacional de regularização fundiária (Folha de São Paulo, 2016).

Conclusões

As grandes desigualdades e a concentração de terras somam-se nas cidades, o que

incorre em grandes carências habitacionais. Esse desafio imposto à gestão pública

brasileira exige-se do Estado uma ação de planejamento e intervenção. Pode-se afirmar

que o Estado brasileiro vem se mostrando incapaz de agir de maneira adequada e

tempestiva nesse setor. Os avanços observados em alguns períodos são seguidos de

grandes retrocessos e descontinuidades.

Observa-se, de modo geral, que a incapacidade do Estado brasileiro em prover

soluções para os problemas urbanos – dentre os quais arrola-se o problema da habitação


– reflete incapacidades na burocracia nos governos locais. Obedecendo o intuito dos

legisladores constituintes, as soluções para os problemas de âmbito local são

competência dos municípios, mas as gestões municipais carecem de qualificação e

inteligência aplicada ao planejamento. Como mostra Mazoni Andrade (2016), o

movimento municipalista brasileiro vem apontando histórica e sistematicamente para as

questões da ausência de autonomia e das desigualdades nas receitas entre os níveis de

governo.

Nesse sentido, a exploração trazida por esse trabalho pode apresentar grandes

contribuições para as tomadas de decisão na gestão local, apontando para avanços e

retrocessos nas políticas de habitação. Sobretudo em um contexto de incertezas e crise,

faz-se mister aprender com os erros do passado.

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EIXO 9
Reformas econômicas e
política
Carga tributária e evasão fiscal no Brasil: uma análise empírica dos aspectos de
longo prazo

Felippe Clemente1
Viviani Silva Lírio2
Fabiano Luiz Alves Barros3

Resumo:

Por meio de séries temporais acerca da carga tributária e da evasão fiscal para o período
1947-1 a 2015-4, investigou-se empiricamente e a longo prazo as características da
evasão fiscal e da relação com a carga tributária no Brasil. Três questões até então
inexploradas são abordadas. Em primeiro lugar, utilizou-se o conceito de carga
tributária efetiva ao invés da carga tributária comumentemente calculada. Em segundo
lugar, explorou-se técnicas de cointegração para quantificar a elasticidade entre evasão
fiscal e a taxa média de imposto no Brasil. Em seguida, comentou-se sobre a complexa
interação dinâmica entre a carga fiscal e a evasão fiscal para averiguar se há evidências
de qualquer ''ciclo vicioso'' entre eles.

Palavras-chaves: Evasão fiscal, Carga tributária efetiva, interação dinâmica.

Código JEL: D02, H26, H40

Abstract:

Through time series about the tax burden and tax evasion for the period 1947-1 to 2015-
4, he investigated empirically and long-term characteristics of tax evasion and the
relationship with the tax burden in Brazil. Three issues hitherto unexplored are
addressed. Firstly, it used the concept of effective taxes rather than commonly
calculated taxes. Second, it was explored cointegration techniques to quantify the
elasticity of tax evasion and the average tax rate in Brazil. Then commented to the
complex dynamic interaction between the tax burden and tax evasion to ascertain
whether there is evidence of any ''vicious cycle'' between them.

Keywords: Tax evasion, effective tax rate, dynamic interaction.

JEL Code: D02, H26, H40

1
Pós doutorando em economia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
felippe.clemente@ufv.br;
2
Professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: vslirio@ufv.br;
3
Doutorando em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail:
Fabiano.luiz@ufv.br;
1. Introdução

A carga tributária é vista, tanto em estudos teóricos quanto empíricos, como a

principal determinante da evasão fiscal e da economia informal. Trapacear o governo é

uma prática comum na maioria dos países, e em particular o Brasil onde a última

estimação oficial da sonegação indicou valores em torno de R$ 415 bilhões (Clemente

et al, 2014).

Apesar dos determinantes da evasão fiscal ter sido extensivamente examinados,

pouco tem-se investigado a cerca das características de longo prazo. Nesse trabalho,

explora-se as séries temporais carga tributária e evasão fiscal no Brasil desde 1947 até

2015, considerando os aspectos de longo prazo. Essa estimação é extremamente

importante não porque é um período suficientemente longo, mas também porque indica

o tamanho e a manutenção da produção informal na economia: evadir impostos significa

sub-reportar fabricação de produtos, atividades de trabalho e as receitas.

Seguindo os passos de Chiarini et al (2013), que analisaram as características de

longo prazo da carga tributária e da evasão fiscal para a Itália, focou-se na investigação

dos aspectos de longo prazo da sonegação de impostos no Brasil e, usando modelos de

cointegração, checou-se a existência de um equilíbrio de longo prazo entre carga

tributária e impostos evadidos. Essas estimações permitiu mensurar as elasticidades de

longo-prazo da evasão fiscal para e carga tributária e vice versa. Além disso, por meio

das relações de equilíbrio, quantificou-se a intensidade das interações dinâmicas

complexas entre taxação e não cumprimento fiscal. Isso possibilitou a verificação da

não existência de qualquer ciclo vicioso entre alíquotas de impostos e evasão fiscal.

Esse trabalho está organizado da seguinte forma. Na próxima seção apresenta-se

uma breve revisão de literatura a cerca das causas de evasão. A seção 3 enfatiza as
evidências empíricas sobre a relação entre carga tributária e evasão fiscal no Brasil. A

seção 4 reporta as relações estacionárias entre as variáveis estudadas, discutindo os

parâmetros de longo prazo e as implicações para as dinâmicas de ajuste, além de

analisar as funções impulso resposta e a decomposição da variância. A seção 5 conclui o

trabalho.

2. Evasão fiscal e carga tributária: uma breve revisão de literatura

Um número considerável de modelos teóricos tem sido desenvolvido para

determinar a relação entre evasão fiscal e carga tributária.

O trabalho seminal foi o de Allinghan e Sandmo (1972), que sinalizou uma

relação positiva entre a taxação e a evasão, assumindo algumas proposições a cerca da

aversão ao risco e das penalidades aos agentes sonegadores. A partir desse modelo,

diversos trabalhos passaram a calibrar o modelo básico de Allinghan e Sandmo com

valores para os parâmetros e para as aversões ao risco e evidenciaram que pode ser uma

escolha racional para o agente sonegar mais que ele aparenta fazer (Slemrod e Yitzhaki,

2000). Esses estudos permitiram aos economistas devotar consideráveis esforços na

expansão do modelo básico de evasão fiscal com o objetivo de combinar as evidências

com a teoria.

A literatura tradicional tem desenvolvido estudos que levem em conta os efeitos

da dissuasão e os determinantes do comprometimento fiscal, bem como as interações

entre elas. De acordo com Feld e Frey (2007), cumprimento fiscal é influenciado por

uma espécie de contrato fiscal psicológico que implica em direitos e obrigações para os

contribuintes e os cidadãos, mas também para o estado e a administração tributária.

Contribuintes são mais honestos ao pagar impostos se eles obtêm serviços públicos de
qualidade. O relacionamento entre contribuintes e o fisco também é levado em conta

nesse estudo. Se os agentes são tratados como parceiros da administração tributária ao

invés de subordinados dentro de uma escala hierárquica, eles cumprem suas obrigações

e os contratos “psicológicos” mais facilmente.

Em um outro estudo, Fiorio e Zanardi (2006), usaram os resultados da “Survey

on Household Income and Wealth in Italy” e mostraram que a maior parte dos

entrevistados (46%) alegaram cometer algum tipo de sonegação devido às altas cargas

tributárias. Outras razões para o não cumprimento das obrigações fiscais foram: o uso

indevido das receitas pelo governo (45%), custo excessivo na fiscalização (25%) e a

baixa probabilidade de detecção (53%).

Poucos trabalhos vão à direção de que aumentos dos impostos levam a quedas na

sonegação fiscal. Em particular, Yitzaki (1974) mostra que aumentos na carga tributária

podem reduzir a evasão apenas no caso em que a punição é dependente do valor do

montante evadido.

Por meio dessa breve literatura, percebe-se que os esforços dos pesquisadores

estão no sentido de compreender a interação das variáveis carga tributária e evasão

fiscal, bem como entender o impacto que elas geram entre elas.

3. Carga tributária e evasão fiscal no Brasil

A sonegação fiscal no Brasil é muito alta e traz muitos problemas econômicos

como realização orçamentária, distribuição de renda e má alocação dos recursos

produtivos. Mesmo após a criminalização da evasão fiscal nos anos 1980, o problema

ainda persiste e se mostra crescente (Alexandre, 2013).


Moreira (2003) mostra estimativas de evasão fiscal para o Brasil e compara com

alguns outros países. Para o Brasil, o autor evidencia uma sonegação fiscal de 40% do

Produto Interno Bruto (PIB). Para outros países, como Rússia, Chile e Estados Unidos,

a sonegação atinge valores de 42,7%, 26% e 17%, respectivamente.

Clemente et al (2014) analisa uma das relações entre a carga tributária e evasão

fiscal no Brasil e aponta problemas que uma variável pode causar na outra. A primeira

evidência dos autores é acerca do crescimento econômico do Brasil nos últimos dez

anos. O PIB brasileiro tem crescido há uma média de 2,5% ao ano, sendo que em 2013

atingiu um valor de R$ 4,840 trilhões. Esse alto crescimento econômico do Brasil fez

com que o país saltasse da 15ª para a 7ª maior economia do mundo, de acordo com o

Fundo Monetário Internacional (FMI). Juntamente com esse crescimento econômico,

vem o aumento da coleta de tributos, que em 2013 foi de 36,42% do PIB (R$ 1,139

milhões), de acordo com os dados da Receita Federal.

Freitas (2012) evidencia que, de acordo com a Organização para a Cooperação

Econômica e Desenvolvimento (OECD), em 2009, o Brasil ocupava a 14ª posição em

relação aos países com maiores cargas tributárias (CTB4) no mundo. Em 2012, o

montante arrecadado foi de 35,51% do PIB, o maior valor registrado no país. A

distribuição desses tributos empresariais é feita da seguinte forma: o Governo Federal

fica com 70,0% do total da arrecadação, enquanto os estados ficam com 24,4% e os

municípios com 5,5% (SINPROFAZ, 2013).

Diversos tipos de contribuintes são tributados: pessoas físicas e jurídicas sobre

diversas modalidades de impostos. O principal imposto é o calculado sobre a renda (IR),

4
Definição de CTB para a Receita Federal: cálculo da Carga Tributária busca-se aferir o fluxo de
recursos financeiros direcionado da sociedade para o Estado que apresente características econômicas de
tributo, independente de sua denominação ou natureza jurídica. Em geral, consideram-se no cálculo da
CTB os pagamentos compulsórios realizados por pessoas físicas e/ou jurídicas, inclusive as de direito
público, para o Estado, excluindo-se aqueles que configurem sanção, penalidade ou outros acréscimos
legais.
o qual é proporcional ao nível de rendimento do contribuinte. As empresas, além de

pagar o imposto sobre a sua renda (IRPJ) também pagam diversos outros tributos como

o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza (ISS),

etc. Além dos impostos, as empresas pagam diversas contribuições sociais como a

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento

da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS) e Programa de

formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). De acordo com a Receita

Federal, esses tributos somaram mais de R$ 440 milhões em receitas para o governo no

ano de 2013, um aumento de 6% na arrecadação em relação ao mesmo período do ano

anterior.

Haja vista que a coleta de tributos tem como principal objetivo a manutenção e

ampliação do bem-estar social são esperadas que países com altas cargas tributárias (em

torno de 20% do PIB) possuam um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima

de 0,800 (Clemente et al, 2014).

Entretanto isso não é observado no Brasil e em alguns outros países da América

Latina, que também possuem cargas tributárias elevadas. De acordo com dados das

Organizações para as Nações Unidas (ONU), em 2014 o IDH brasileiro foi de 0,718.

Países como Argentina e México, que possuem cargas tributárias mais baixas que a do

Brasil (na ordem de 29% e 11% respectivamente), têm IDH mais elevado (0,797 e 0,77,

respectivamente).

Pode-se observar que a relação entre carga tributária e retornos à sociedade

brasileira é ineficiente, o que pode explicar os altos níveis de evasão fiscal.

Na última década, a evasão fiscal se mostra em média em 6% do PIB, sendo que

em 2013 atingiu 10%, resultando em perdas de mais de R$ 415 bilhões aos cofres
públicos. Uma pesquisa realizada em 1982 junto à Delegacia da Receita Federal em

Brasília mostrou que, das 108 pessoas jurídicas fiscalizadas, 88,9% apresentaram

resultados de evasão, sendo para cada Cr$ 1,00 de imposto declarado, havia uma evasão

de Cr$ 0,93 (SIQUEIRA, 2004).

O que se pode concluir, a princípio, com essa literatura é que a alta carga

tributária no Brasil está diretamente e fortemente relacionada ao aumento no montante

evadido por pessoas físicas e jurídicas, o que nos dá suporte para investigar relações

mais complexas entre essas variáveis ao longo desse estudo.

3.1.Variáveis e Fonte de dados

Carga tributária é comumentemente citada entre um dos maiores determinantes

da evasão fiscal e, de forma geral, da economia informal. Ela torna-se então a chave

para entender os aspectos de longo prazo da sonegação fiscal. A partir daí, considerou-

se os dados trimestrais de carga tributária disponibilizada pela Receita Federal do Brasil

(RFB) entre os anos de 1947 a 2015. O valor disponibilizado está em termos percentuais

do PIB de cada ano. Alguns trabalhos evidenciam a vantagem de se utilizar a carga

tributária efetiva5 ao invés da carga tributária em valor absoluto. Chiarini et al (2013)

utiliza a carga tributária efetiva e diz que as principais vantagens são: i) possibilidade de

ter dados trimestrais; e ii) representar a receita realmente arrecadada pelo governo.

Assim, nesse trabalho, utilizou-se para análise a carga tributária trimestral efetiva

brasileira6. A figura 1 mostra a evolução da carga tributária do Brasil no período acima

citado.

5
A Carga Tributária Efetiva leva em conta o montante sonegado. Assim tem-se ,
onde é a Carga Tributária Efetiva.
6
A partir desse ponto, toda vez que se referir a carga tributária, deve-se entender carga tributária efetiva.
0,5
0,45
0,4
0,35
0,3
0,25
0,2
0,15
0,1
0,05
0
1965

1995
1947
1950
1953
1956
1959
1962

1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992

1998
2001
2004
2007
2010
2013
Figura 1 – Evolução da Carga Tributária Efetiva no Brasil – 1947-2015
Fonte: Elaborado pelos autores com dados da RFB

Dado que a evasão fiscal é desconhecida e difícil de determinar, os estudos sobre

sonegação fiscal utilizam de proxys para mensurar a evasão corrente. De acordo com

Tsakumis et al (2007), dentre as diversas formas de mensuração, a mais utilizada como

proxy para evasão é o cálculo da economia informal dividido pelo PIB do país. Para os

dados de evasão fiscal, utilizou-se de informações sobre o tamanho da economia

informal do Brasil para obter-se o montante evadido. Schneider (2004) estimou a

economia informal para 145 países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. O autor

considerou a variável economia informal como percentual do PIB para cada país. Como

resultados, evidenciou que países com grandes economias informais são vistos como

países com altas sub-declarações de rendimentos e altas taxas de evasão. Pode-se assim

estender o valor da economia informal calculada como sendo a evasão fiscal de um país.

Seguindo esse raciocínio, consideraram-se estudos que calcularam o tamanho da

economia informal para o Brasil no período de 1947 a 2015, a saber: Barbosa Filho

(2012), Schneider et al (2010), Arvate et al (2009) e Schneider e Enste (2000) e

calculou-se esse montante do PIB brasileiro de cada trimestre correspondente na análise.


A Figura 2 mostra a evolução da evasão fiscal7 trimestral em porcentagem do PIB no

Brasil no período de 1947 a 2015.

0,16

0,14

0,12

0,1

0,08

0,06

0,04

0,02

0
1947
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
2013
Figura 2 – Evolução da Evasão Fiscal Trimestral no Brasil (%PIB) – 1947-2015
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Barbosa Filho (2012), Schneider et al
(2010), Arvate et al (2009) e Schneider e Enste (2000)

4. Avaliação do efeito da carga tributária sobre a evasão.

As evidências disponíveis para o Brasil nos dizem a respeito a um aumento nos

impostos nas últimas décadas e alta volatilidade da base tributária. Isso sugere, a uma

primeira análise, as causas do aumento da sonegação fiscal.

A segunda questão, que ainda não está clara, é quão perversa é a interação entre

a carga tributária e evasão fiscal de longo prazo.

Aqui objetiva-se investigar essa interação entre evasão fiscal e carga tributária

de forma a fornecer suporte empírico para as reivindicações acima.

4.1. O modelo estatístico


7
A partir daqui, ao citar evasão fiscal, subentende-se evasão fiscal em proporção do PIB ( ).
Haja visto que as duas variáveis, evasão fiscal e carga tributária, são não-

estacionárias8, utiliza-se o teste de Johansen para verificar o grau de cointegração entre

as séries. Os procedimentos de estimação são os seguintes: após determinar o número

apropriado de lags do modelo VAR, testa-se a existência de um vetor de cointegração e,

finalmente, testa-se se há fraca exogeneidade das variáveis.

As equações estimadas são derivadas de um sistema de duas variáveis com uma

equação de co-integração e estrutura de lag incluindo dois lags no modelo VAR. A

notação usual para o modelo VAR é dada por9:

∑ (1)

onde ∑ ∑

Nesse caso, y é o vetor que contém as duas variáveis não estacionárias e ϵt é o

vetor de inovação. Sabe-se que se o coeficiente da matriz tem um grau reduzido (r <

k = 2 o número de cointegração nesse estudo) então existe duas matrizes α e β onde β é

o vetor de cointegração.

É possível observar que as séries desse estudo são caracterizadas por tendências

estocásticas, por médias não negativas e tendências determinísticas. Similarmente, as

relações estacionárias pedem interceptos e tendências.

4.2. Os equilíbrios de longo-prazo

8
Pelo teste Dicker-Fuller Aumentado (ADF) constata-se que as séries, em nível, são não-estacionárias,
passando a ter raiz unitária, e portanto, serem estacionárias, quando efetuamos a primeira diferença.
9
Ver Johansen (1995).
Considerando VATE a evasão fiscal e τ a carga tributária, têm-se as seguintes

relações de cointegração (valores dos erro-padrão em parêntesis)

(2)

(3)

O vetor de cointegração e a variável residual mostram-se estatisticamente

satisfatórias. O resíduo do modelo VEC estimado mostra que a hipótese nula de não

correlação serial com 2 lags é aceita.

Os modelos acima exibem as elasticidades de longo prazo da evasão fiscal para a

carga tributária (0,494) e da carga tributária para a evasão fiscal (1,858). Esses valores

indicam que há uma alta velocidade de ajuste quando ocorre um distúrbio nas relações

de equilíbrio. Na verdade, conforme destaca Chiarini et al (2013) essas elasticidades são

apenas indicativas: relações estacionárias devem ser interpretadas cuidadosamente, pois

seus coeficientes não podem ser interpretados como elasticidades usuais, na medida em

que outras relações dinâmicas são ignoradas. As análises requerem que as dinâmicas de

curto prazo e processos de ajustes intertemporais sejam levadas em consideração. As

análises impulso resposta, que levam em conta o sistema completo, pode proporcionar

conclusões mais confiáveis.

4.3. Coeficientes de dinâmicas de ajuste

Suponha que o coeficiente de ajuste da evasão fiscal quando o vetor de

cointegração normalizado seja o indicado na equação (2). Suponha também que a


perspectiva do tempo é t. Então, no tempo t – 1 a economia não está em equilíbrio, o

que sinaliza que a evasão fiscal e/ou a carga tributária precisam ser modificadas:

(4)

O desequilíbrio implica que evasão fiscal deve ser reduzida e/ou carga tributária

deve ser aumentada. A equação (2) mostra um valor positivo e pequeno para o

coeficiente de ajuste para a carga tributária. Assim, se a carga tributária aumentar, o

equilíbrio se restabelece, mas de forma lenta. Por outro lado, o coeficiente de ajuste da

evasão fiscal é positivo e grande, indicando que, sob desequilíbrio (4), a evasão fiscal

precisa imediatamente decrescer para restaurar o equilíbrio. O resultado perfeitamente

consistente coincide com um comportamento zig-zag em torno da evasão fiscal.

4.4. Análise das funções impulso-resposta

As análises impulso-resposta (IR) correspondem às simulações dinâmicas de

todo o sistema (parâmetros de longo-prazo, efeitos de curto-prazo) quando ocorre o

choque no tempo t = 0 em uma simples variável. A unidade do eixo vertical mede o

tempo de reação de cada variável impulsionada pela variável que recebe o choque. Na

parte superior da Figura 3 reporta-se a resposta da evasão fiscal a um choque na evasão

fiscal (lado esquerdo) e na carga tributária (lado direito). Similarmente, na parte inferior

da mesma figura mostra-se a reação da carga tributária subsequente a um impulso na

evasão fiscal (lado esquerdo) e na carga tributária (lado direito).


a Resposta da evasão fiscal para b Resposta da evasão fiscal
evasão fiscal para carga tributária

c Resposta da carga tributária para d Resposta da carga tributária


evasão fiscal para carga tributária

Figura 3 – Função impulso-resposta (Cholesky one standard deviation) com 95% de


intervalo de confiança. a Resposta da evasão fiscal para evasão fiscal, b Resposta da
evasão fiscal para carga tributária, c Resposta da carga tributária para evasão fiscal, d
Resposta da carga tributária para carga tributária.

A partir da Figura 3, quatro fatos principais emergem. O primeiro é que evasão

fiscal e carga tributária causa-Granger cada uma: sonegação fiscal legitima altas cargas

tributárias e esse último empurra para cima a evasão. Segundo, ambas as carga tributária

e evasão fiscal exibem uma resposta persistente para cada outro impulso. A evasão

fiscal reage inicialmente de forma contrária as mudanças na carga tributária, mas, logo

após, passa a ter reações positivas (Figura 3b). A carga tributária, por sua vez, reage
positivamente aos choques iniciais da evasão fiscal, buscando restaurar um equilíbrio no

longo prazo (Figura 3c). Os resultados apresentados na figura destacaram qualquer

ausência de ciclo vicioso entre a evasão fiscal e carga tributária. Como as duas variáveis

afetam positivamente a cada uma (no longo prazo), há fortes evidências que elas

convergem para um novo equilíbrio de longo-prazo. Terceiro, um impulso na carga

tributária leva a um decréscimo permanente no nível da carga tributária (Figura 3d)

assim como choques na evasão fiscal geram, sobre ela própria, quedas iniciais e

permanentes no nível de evasão fiscal (Figura 3a).

Finalmente, conforme descrito acima, a análise impulso resposta nos fornece

informações mais confiáveis sobre as elasticidades se comparado aos coeficientes das

estimações em (2) e (3). A resposta da evasão fiscal para um choque Standard

Deviation (SD) na carga tributária é positiva em 5% para os primeiros três trimestres e

positivas em torno de 6% após um ano e seis meses. A resposta da carga tributária para

um choque SD sobre a evasão fiscal é de 4% nos primeiros três trimestres, mas aumenta

para aproximadamente 10% após seis semestres.

4.5. O equilíbrio sonegador

Conforme Chiarini et al (2013), o equilíbrio sonegador é caracterizado por uma

relação de longo prazo entre evasão fiscal e carga tributária e é definido no modelo

VAR estimado. Sempre que a carga tributária aumenta (por exemplo, para financiar os

gastos públicos), os sonegadores de impostos desejam anular esse desequilíbrio

(evitando o aumento dos impostos), mostrado na equação (4), a qual indica o qual

rápido este desequilíbrio será removido. Na realidade, uma definição simples das

variáveis usadas neste estudo nos mostra às relações identificadas e quantificadas por
meio do modelo estatístico. Assim, a carga tributária τ, definida como a razão entre as

receitas com impostos (REC) e o Produto Interno Bruto (PIB), tem-se que ̂ define a

carga tributária efetiva, ou seja,

̂ (5)

Sempre que τ aumenta, a análise impulso resposta nos deixa claro que a parcela

de impostos sonegados, reage positivamente, buscando restaurar o equilíbrio.

Implicitamente, isso produz uma alta carga tributária efetiva, ̂ .

A sonegação fiscal reflete um comportamento visando uma espécie de “corte

aparente nos tributos”: dado o relacionamento de longo prazo entre evasão fiscal e carga

tributária, o tamanho da evasão é adaptada a fim de prosseguir o alvo, o que implica em

uma mudança na carga tributária efetiva.

Note que ambas a carga tributária e a evasão fiscal são direcionadas pelas

elasticidades de longo prazo para convergirem para um alto equilíbrio. Isso significa

que tanto a carga tributária quanto a carga tributária efetiva movem-se no tempo, mas o

gap se mantém constante.

Vale ressaltar que as evidências deste trabalho referem-se às agregações

macroeconômicas, que são sem dúvida o resultado de ações individuais.

4.6. Análise da Decomposição da Variância

A análise da decomposição da variância (Tabela 1) do modelo nos fornece

informações interessantes sobre o curto e longo prazo da evasão fiscal e da carga

tributária no Brasil. Essa análise separa as variâncias da previsão da variável k


distinguindo a contribuição da variável j. A Tabela 1 apresenta os resultados da

decomposição da variância para evasão fiscal e carga tributária.

Os resultados mostram que após um ano a importância de uma aparente pressão

na carga tributária em afetar parte da produção não declarada no modelo é próxima de

28%. No final do segundo ano de decomposição tem-se que 99,15%% da variância da

evasão é devido à sua própria inovação e 33,65%% às inovações na carga tributária.

Interessante é que após dez trimestres o componente da política fiscal da decomposição

da variância na evasão fiscal é de aproximadamente 36%. Analisando a decomposição

da variância da carga tributária, observa-se que ela não é imediatamente afetada pela

invocação da evasão fiscal (0,28%% do total da variância após um ano). No longo

prazo, após dez trimestres, os dois componentes da decomposição da variância da carga

tributária mostram uma dominância da carga tributária em afetar o seu próprio padrão

(1,19% e 63,91%, respectivamente para evasão fiscal e carga tributária).

Tabela 1 – Análise da decomposição da variância

Variância da Evasão Fiscal atribuída a: Variância da Carga Tributária atribuída a:


Trimestres Evasão Fiscal Carga Tributária Evasão Fiscal Carga Tributária
1 1.0000 0.2611 0.000 0.7388
2 0.9990 0.2624 0.0009 0.7375
3 0.9982 0.2732 0.0018 0.7267
4 0.9971 0.2855 0.0028 0.7144
5 0.9959 0.2983 0.0040 0.7016
6 0.9945 0.3111 0.0054 0.6888
7 0.9931 0.3239 0.0069 0.6760
8 0.9915 0.3365 0.0085 0.6634
9 0.9898 0.3488 0.0102 0.6511
10 0.9880 0.3608 0.0119 0.6391
Fonte: Dados da pesquisa.
Como esperado, no curto prazo cada variável explica a preponderância dos seus

próprios valores passados. No longo prazo, após 10 trimestres, a pressão da carga

tributária passa a explicar 36% das previsões da variância da evasão fiscal, enquanto

que a evasão fiscal passa a explicar apenas 1,19% das previsões da variância da carga

tributária. Essa assimetria é explicada pela natureza institucional da carga tributária,

uma variável política impulsionada principalmente pela necessidade de equilíbrio da

gestão pública.

As dinâmicas geradas pela decomposição da variância nos mostra que os

sonegadores não agem de forma aleatória, mas sim seguem uma estratégia coerente. O

comportamento dos agentes sonegadores é fortemente influenciado, na tentativa de

enganar as autoridades fiscais, pela política tributária: eles aprendem e estão dispostos a

mudar as estratégias. Entretanto, ao longo do tempo, a evasão torna-se pouco

substancial na determinação da política fiscal do Brasil.

5. Conclusão

Evasão fiscal é parte de um conjunto de acontecimentos ligados à política

tributária que inclui complexidade nos sistemas tributários e esforços para uma perfeita

arrecadação. Rendas subdeclaradas, exageros nas deduções e o não pagamento das

obrigações com o fisco são os principais fenômenos da chamada “sonegação fiscal”.

Essas falhas vêm contribuindo para os desequilíbrios no orçamento brasileiro desde a

década de 1940.

Nesse trabalho, utilizaram-se as séries oficiais da Receita Federal para a carga

tributária brasileira no período de 1947 a 2015, bem como cálculo do montante evadido,
levando em consideração a economia informal no Brasil. Os principais resultados da

análise são listados abaixo.

Os modelos estimados evidenciaram resultados quantitativos sobre as

elasticidades de longo prazo entre evasão fiscal e a carga tributária. No equilíbrio, se

ocorre aumentos no montante evadido, faz-se necessário diminuir a carga tributária, de

forma a retorna ao ponto de equilíbrio inicial. Aumentos dos impostos implicam em

mais sonegação fiscal. Assim, cada variável, perigosamente, causa Granger na outra.

Além disso, os parâmetros de longo prazo estimados implicam em um lento ajuste para

o equilíbrio. Isso sugere a existência de estratégias de longo prazo para os contribuintes.

Sempre que uma nova reforma ou uma nova ferramenta entra no sistema tributário e

gera desequilíbrio, isto é lentamente absorvido pelos sonegadores. Este resultado

confirma que não há um processo subjacente explicando a evasão fiscal no Brasil, que é

invariável ao longo de décadas, de gerações e de governo.

Finalmente, apesar do fato de que a evasão fiscal está no centro da economia

brasileira, não há evidências de ciclos viciosos com pressão tributária, uma vez que a

dinâmica de interação entre essas duas variáveis sempre convergem para um equilíbrio

de longo prazo.

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Ciclos polı́ticos orçamentários: proposta de um
modelo teórico baseado em agentes∗
Julyana Covre † Leonardo Bornacki de Mattos ‡
Fabiano Luiz Alves Barros §

RESUMO
O trabalho propõe um modelo teórico do oportunismo polı́tico-econômico à luz
da economia comportamental e simula um modelo computacional embasado em
agentes para analisar os fatores que influenciam o agente polı́tico na decisão
do comportamento oportunista. Assume-se a hipótese de que o oportunismo
polı́tico-econômico é condicionado pela expectativa do agente de que não será
punido e que a percepção do eleitor, acerca do oportunismo polı́tico-econômico,
influencia a decisão do polı́tico. Os resultados apontam que os eleitores conside-
ram mais importante os resultados do governo do que a atitude oportunista do
polı́tico. Por sua vez, salienta-se a baixa eficiência do Estado como incentivo dos
polı́ticos em praticar oportunismo polı́tico-econômico, sendo os benefı́cios de ser
oportunista maiores que os custos.
Palavras-chave: modelos baseados em agentes, ciclos polı́ticos orçamentários, lei de
improbidade administrativa.

ABSTRACT
The paper proposes a theoretical model of political and economic expediency in
the light of behavioral economics and simulates a computer model grounded in
agents to analyze the factors that influence the political agent in the decision
of opportunistic behavior. It is assumed the hypothesis that the political and
economic opportunism is conditioned by the agent’s expectation that will not
be punished and that the perception of voters, about the political and economic
opportunism, influence the decision of the political. The results show that voters
consider most important government results than the opportunistic attitude of
the politician. In turn, it highlights the low efficiency of the state as an incentive
for politicians to practice political and economic opportunism, and the benefits
of being opportunistic higher than the costs.

Keywords:agent-based models, political budget cycles, administrative improbity law.

Código JEL: C62, H11, K42


∗Artigo
extra´ıdo da tese de doutorado da 1 a autora.
† Doutora
em Economia Aplicada da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Minas Gerais. E-mail:
julyana.covre@ufv.br.
‡ Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. E-mail: lbmattos@ufv.br
§ Doutorando em Economia Aplicada da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Minas Gerais.

E-mail: fabiano.luiz@ufv.br.
1 Introdução

Casos de corrupção e de improbidade administrativa são assuntos recorrentes


na mı́dia brasileira. No primeiro trimestre de 2015, foram contabilizadas 10.216 açoes
contra improbidade administrativa tramitando no Ministério Público Federal: Bahia
(1.222 ações), Maranhão (947 ações) e Pará (802 acões), os estados com maior número
de ações (BRASIL, 2015). A improbidade administrativa é definida pela Lei 8.429 de
1992 e decorre do desrespeito aos princı́pios da administração pública, como a legali-
dade, impessoalidade, moralidade, honestidade, imparcialidade, eficiência e lealdade às
instituições.

A Teoria dos Ciclos Polı́ticos Orçamentários define o oportunismo polı́tico-


econômico, no qual o polı́tico para permanecer no poder utiliza instrumentos de polı́tica
fiscal como sinalizadores de sua competência1 . Apesar de os Ciclos Polı́ticos Orçamentários
não estarem diretamente descritos na Lei 8.429 de 1992, eles ferem os princı́pios da ad-
ministração pública.

Para mitigar os Ciclos Polı́ticos Orçamentários, Rogoff (1990) sugere a adoção


de regras fiscais que restrinjam alteracões no orçamento público em anos eleitorais.
No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal desempenha essa função. O Artigo 73 da
Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que as infrações cometidas contra o erário serão
punidas, entre outras leis, pela Lei de Improbidade Administrativa.

Frey (1997), Frey (1998), Frey e Jegen (2001) e Bénabou e Tirole (2007) ana-
lisam a ligação entre comportamento econômico e leis, normas sociais. O principal
conceito desenvolvido por Frey sobre motivação é que pessoas com baixas virtudes
cı́vicas2 são atraı́das para carreiras públicas, por não se sentirem coagidos pelas regras
constitucionais (punições).
1 Rogoff
(1990) desenvolve um modelo econômico em que os eleitores e polı́ticos são racionais e que
o eleitor escolhe o polı́tico ao avaliar sua competência na administração da produção de bens públicos.
Os polı́ticos, por sua vez, causariam distorções no orçamento público em anos eleitorais para gerar
mais bens públicos, como um sinalizador de sua competência.
2 As virtudes cı́vicas são os instrumentos da participação social e polı́tica, a saber: a justiça, a

coragem e a tolerância cı́vica, simplicidade, prudência, senso cı́vico e senso comunitário. Para mais
informações consultar Bignotto (2008).
Considerando a existência de ciclos polı́tico-orçamentários e as condições adver-
sas das regras fiscais como suas mitigadoras, este trabalho propõe um modelo teórico do
oportunismo polı́tico-econômico com a incorporacão das heurı́sticas da economia com-
portamental e simula um modelo computacional embasado em agentes para analisar
os fatores que influenciam o agente polı́tico na decisão do comportamento oportunista.
Assume-se a hipótese de que o oportunismo polı́tico-econômico seja condicionado pela
expectativa do agente de que não será punido. O presente trabalho avança ao propor
um modelo de oportunismo polı́tico-econômico adaptável para a realidade brasileira.
Os resultados poderão ser utilizados para avaliar as atuais leis sobre o tema e também
auxiliar na formulação de polı́ticas de mitigação do oportunismo polı́tico-econômico.

Os resultados simulações feitas apontam que, dada a morosidade do Estado em


julgar casos de improbidade administrativa, as Leis de Responsabilidade Fiscal e de
Improbidade Administrativa não são um inibidor do oportunismo polı́tico-econômico
do incumbente. O eleitor, preocupado com os resultados em detrimento da ideologia,

é propenso a votar em um polı́tico que pratica oportunismo polı́tico-econômico, desde


que os resultados da polı́tica sejam satisfatórios.

O trabalho está dividido em outras quatro seções, além desta introdução. A


seção 2 descreve o modelo do comportamento oportunista. A seção 3 expõe a meto-

dologia utilizada e os designs das simulações. A seção 4 é destinada à apresentação e

discussão dos resultados. A seção 5 conclui o trabalho.

2 Proposta do modelo teórico do oportunismo polı́tico-

econômico

O modelo é composto por três tipos de agentes: os polı́ticos, como agentes do


comportamento oportunista; o Estado, como regulador; e os eleitores, como agentes de
resposta ao comportamento oportunista do polı́tico3 .

2.1 O agente polı́tico

Pela Teoria dos Ciclos Polı́ticos o agente polı́tico é aquele que pode cometer a
ação oportunista4 . A construção do agente polı́tico considera o modelo racional opor-
tunista de Rogoff (1990), em que o polı́tico escolhe seu comportamento sem considerar
as ideologias do partido ao qual é vinculado5 . A população de polı́ticos é dada por
p ∈ {1, 2, 3, ..., P }. Em cada perı́odo t ∈ {1, 2, 3, ..., T } o polı́tico p pode escolher entre

agir de forma oportunista ou não. Assim, a utilidade Von Neumann Morgenstern do


polı́tico p é dada por:

Up,t = ap,t(rp,t + E(mp,t) + E(dt)) + (1 − ap,t)(rp,t + E(mp,t))


(1)
0 < ap,t < 1

Segundo Frey (1997), a escolha do agente é uma ponderação de custos e be-


nefı́cios de determinada ação. Incorporando a análise de economia comportamental, o

agente não é homo economicus, sua racionalidade é limitada e sua visão dos custos e

benefı́cios é mı́ope, sendo uma ponderação da sua renda pecuniária, seu salário, (rp,t ),
da sua renda reputacional (mp,t ) e dt 6 , que é o valor pecuniário que o polı́tico pode
ganhar com o oportunismo, subordinado às motivacões intrı́nsecas (vp,t ) e extrı́nsecas,
(γt ). A probabilidade de agir de forma oportunista ap,t é condicionada aos efeitos de
3 A proposta do modelo teórico do oportunismo polı́tico-econômico foi construı́da pela reflexão

acerca dos trabalhos de Rogoff (1990) Frey (1997), Aidt et al. (2011) e Bénabou e Tirole (2007),
Benabou e Tirole (2011).
4 A ação oportunista é quando o polı́tico pratica oportunismo polı́tico-econômico.
5 A Teoria dos Ciclos Polı́ticos é dividida em dois grandes grupos: Modelos Clássicos, que consi-

deram expectativas adaptativas, e Modelos Racionais em que os agentes têm expectativas racionais.
Esses grupos são subdivididos em oportunistas e partidários: nos modelos oportunistas, os polı́ticos
não avaliam as ideologias do seu partido para tomar suas decisões; nos modelos partidários, os polı́ticos
avaliam as ideologias do seu partido para tomar suas decisões.
6 Por definição, o valor pecuniário que o polı́tico pode ganhar com o oportunismo é o valor médio,

igual para toda a população de polı́ticos (P).


crowding-out e crowding-in das motivações:

vp,t ≤ γt (2)

Assim, o polı́tico p é oportunista quando suas motivações intrı́nsecas (vp,t ), no


perı́odo atual, são menores do que as motivações extrı́nsecas(γt ). Se a Equação 2
for verdadeira ocorre o efeito crowding out, ap,t = 1 e o agente é oportunista. Caso

contrátio ocorre o efeito crowding in, ap,t = 0 e o agente não comete o ato oportunista.

A motivação intrı́nseca (vp,t ) é formada pela cultura familiar, religiosa e social

(o meio em que o indivı́duo está inserido), é subjetiva e individual. Por simplificação,


as culturas familiar e religiosa não são sistematizadas no modelo. Do mesmo modo,
o meio social é reduzido à percepção da influência da renda reputacional (mp,t ,) e

das motivações externas (yt e ct ), de modo que, ao longo do tempo, a motivação


intrı́nseca é adaptativa em relação a esses fatores do perı́odo passado (mp,t−1 , yt−1 e

ct−1 ). A intensidade na qual o meio social afeta a motivação intrı́nseca é definida como
um choque aleatório (εi,t ), distribuı́do randomicamente entre [-1,1], com distribuição

normal. Quanto maior vp,t do polı́tico p, menor a probabilidade de agir de forma


oportunista.

vp,t = vp,t−1 + (mp,t−1 + γt−1)εp,t (3)

A renda reputacional (mp,t ) é fundamentada pelo trabalho de Rogoff (1990),


que define a renda do ego7, e pelos trabalhos de Benabou e Tirole (2011), que pondera
sobre custos e benefı́cios reputacionais8 Para Benabou e Tirole (2011)Para este autor,
7A
renda do ego definida por Rogoff (1990), que é a renda não monetária que o polı́tico recebe
enquanto está no poder, condicionada à importância que ele dá em continuar no cargo pelo poder e
prest´ıgio.
84
os custos e benefı́cios reputacionais refletem o julgamento e a reação das pessoas à ação
do agente, neste caso, do polı́tico.. Assim, algo que afete a reputação do polı́tico p tem
efeito sobre sua escolha de ser oportunista ao impactar sua utilidade.

mp,t = αp,t[βpE(ht)] (4)

O termo αp,t representa a popularidade do polı́tico p no perı́odo atual t (fornecido

pelo agente eleitor). O parâmetro β < 1 é a taxa de importância, desconto, que indica o
peso do oportunismo na reputação, e quanto mais próximo de um, maior a importância

que o polı́tico atribui à reputação de não ser oportunista. O termo βp E(ht ) mede a

valoração para o polı́tico p do custo moral do oportunismo.

As motivações extrı́nsecas (γt ) podem incentivar ou desincentivar o comporta-


mento oportunista, sendo, por definição, iguais para todos os polı́ticos.

γt = yxt − ctωt−1 (5)

Os incentivos de ser oportunista podem ser monetários ou morais. Os incentivos


monetários são representado por yt , que é o valor que o polı́tico pode ganhar ao escolher

ser oportunista. Os incentivos monetários, yt , são definidos pela esperança do valor

pecuniário que o polı́tico pode ganhar ao escolher ser oportunista, dt condicionados ao


ganho do perı́odo anterior.

yt = E(dt|dt−1) (6)

O incentivo moral, fornecido pelo agente Estado, é caracterizado como a eficiência


do Estado (wt−1 ) e construı́do tendo como referência as heurı́sticas definidas por Tversky
e Kahneman (1974). Seguindo as heur´ısticas da representatividade e da disponibili-
dade, o polı́tico p observa a eficiência do agente Estado em combater o oportunismo
polı́tico-econômico do perı́odo anterior à sua decisão, de modo que o incentivo moral
aumenta exponencialmente o custo de o agente polı́tico ser oportunista.

As motivações externas que podem desincentivar o polı́tico a ter um comporta-


mento oportunista são os custos (ct ) vinculados à referida acão.

ct = E(gt|gt−1) (7)

Os custos monetários (gt ) são os valores das multas e restituições que o polı́tico
p pode pagar caso tenha a ação oportunista descoberta e seja julgado culpado. Dado
o processo administrativo do Estado para averiguar as acões do polı́tico, a ação do
polı́tico no perı́odo atual, t, não será julgada em t, de modo que o polı́tico não tem

certeza em t de qual será sua punição caso escolha ser oportunista. Novamente, pela
heurı́stica da disponibilidade, os custos monetários no perı́odo atual serão a expectativa
dos custos em t condicionados aos custos do perı́odo anterior t − 1.

2.2 O agente Estado

O Agente Estado representa a aplicação da Lei. Segundo Berger (2008, p.70),

o Agente Estado “detém o monopólio da administracão da Justiça”. As regras de


comportamento desse agente se referem ao caráter normativo da Lei no que tange aos
trâmites dos processos de improbidade administrativa e a suas possı́veis penalidades,
inclusive as pecuniárias. Deste modo, a eficiência do Estado (wt ) é medida pela sua
competência em julgar os processos irregulares9 (δt ). Acrescenta-se ainda o termo ξt ,
9 Para o polı́tico que escolhe a ação oportunista, não importa como o governo trata os casos de
oportunismo, assim, a eficiência considera somente os processos julgados irregulares, excluindo os que
não apresentam problemas.
que é um choque aleatório, distribuı́do randomicamente entre [-1,1], com distribuição
normal, que representa choques institucionais para mudanças legislativas e nas normas
do Estado, que pode, aleatoriamente, diminuir ou aumentar a eficiência do Estado.

ω t = δt + ξ t (8)

δt é o cálculo da eficiência do Estado, que pondera o total de condenações e o


tempo dos processos em relação ao total de processos em tramitação.

condt
δt = 1 − (9)
tram t tm

condt é o total de condenações pecuniárias e morais no perı́odo atual, t. tm é o

tempo médio de tramitação dos processos com penas pecuniárias e morais. E tramt é
o total de processos em tramitação no mesmo perı́odo.

2.3 O agente eleitor

O Agente Eleitor é aquele que observa o comportamento do polı́tico p. A po-


pulação de eleitores é dada por n ∈ {1, 2, 3, ..., N }. Em cada perı́odo t ∈ {1, 2, 3, ..., T },
o eleitor n observa o comportamento do polı́tico e decide se apoia ou não esse polı́tico.
A popularidade do polı́tico p, (αp,t ) é definida pela proporção de eleitores que o apoiam
Σ N
p ( i=1 φn,p ) em relação ao número total de eleitores (N ):

ΣN
αp,t = n=1
φn,p (10)
Nt

O número total de eleitores (Nt ) no perı́odo atual é dado pelo número total de
eleitores no perı́odo anterior (popelet−1 ) mais o número de novos eleitores, dada a taxa
de crescimento anual da população eleitoral (τ ).

Nt = popelet−1 + τpopelet−1 (11)

O apoio ao polı́tico p é condicionado à sua confiança e à sua imagem p e ao grau


de informação do eleitor. Assim como o polı́tico, o eleitor necessita de heurı́sticas para
fazer sua escolha. Portanto, tendo como referência a ancoragem, ψ mede a confiança,

no perı́odo atual, do eleitor n no polı́tico p, em que repp,t é o peso do partido polı́tico

do polı́tico p no ambiente, e N ump é o número de eleitores que apoiam o polı́tico p e

In é a ideologia partidária do eleitor n.

ψp,t = repp,tNumpIn (12)

A imagem é definida por κ, em que (λn ap,t−1 ) é a ponderação do oportunismo

polı́tico-econômico (ap,t−1 ), dada a percepção do eleitor quanto à gravidade dessa ação


e o grau de informação. Então λn é o peso do eleitor n para atos oportunistas. Para
λn = 0, o eleitor n não desaprova o oportunismo e para λn = 1, ele considera o
oportunismo como algo ilegal. Desse modo, mesmo que o polı́tico p seja oportunista,

pode ocorrer de o eleitor n não ponderar a ação no seu processo de decisão.

κp,t = λnap,t−1 (13)

O eleitor pondera ainda sobre os resultados do governo, Rp Borsani(2003) faz


uma discussão sobre como o eleitor decide seu voto no cenário de ciclos polı́ticos,
afirmando que o importante para o eleitor é o resultado da polı́tica, não os meios pelos

quais esse resultado foi alcançado. O parâmetro ln é o grau de informação do eleitor n

em relação as ações do polı́tico, assume valor 1, quando a informação é simetrica, e é


menor do que um quando existe assimetria de informações. Quanto mais próximo de
zero, maior a assimetria. Portanto, o eleitor n escolhe o polı́tico p se a confiança e a
imagem deste polı́tico forem maiores do que as dos seus oponentes, ou seja, o restante
da população de polı́ticos.

O eleitor pode ainda escolher não votar em nenhum polı́tico ao utilizar o voto
como um protesto polı́tico, em que descontente com todos os polı́ticos “disponı́veis”
escolhe não votar ou anular o seu voto. No caso de um polı́tico novo, toda a escolha
do eleitores em relação a este polı́tico é orientada para o futuro, de modo que o eleitor
forma expectativas em relação às promessas deste polı́tico. O modelo não pressupõe
escolha ótima, dado os vieses da escolha comportamental. O modelo teórico baseado
em agentes visa estudar as alterações no comportamento de cada agente, dado suas
interações ao longo do tempo. Deste modo, o agente polı́tico interage diretamente
com o eleitor e com o Estado, suas ações interferem na escolha do eleitor, enquanto a
eficiência do Estado e o apoio do eleitor influenciam sua escolha.

3 Metodologia

Para avaliar a escolha do agente polı́tico em utilizar ou não o oportunismo

polı́tico-econômico dado os aspectos da motivacão intrı́nseca dos agentes e suas res-


postas à motivação extrı́nseca é utilizada a metodologia da economia computacional10
baseada em agentes (ACE, Agent-based computacional economics)11. O presente tra-
balho utiliza a análise de sensibilidade, pois Kleijnen et al. (2005, p.269) afirma que a
10 A
economia computacional é o estudo computacional de processos econômicos.
11 O
simulador é um software gratuito disponı́vel em http://www.labsimdev.org
análise de sensibilidade possibilita desenvolver insights sobre a situação estudada12 .

3.1 Design da simulação

Para testar a hipótese de que o oportunismo polı́tico-econômico é condicionado


pela expectativa do agente de que não será punido e que a percepção do eleitor, acerca
do oportunismo polı́tico-econômico, influencia a decisão do polı́tico são feitas simulações
da proposta de modelo teórico do oportunismo polı́tico-econômico. As motivaçoes
externas podem incentivar ou desincentivar o oportunismo polı́tico-econômico, sendo,
por definição, iguais para todos os polı́ticos, de modo que as simulações são focadas na
resposta (ações) do polı́tico aos regulamentos do Estado, às punições e à sua imagem
perante os eleitores.

As simulações da proposta de modelo teórico do oportunismo polı́tico-econômico


foram construı́das tendo como base as eleições para prefeitos no Brasil, dado que se-
gundo Rogoff (1990) os ciclos polı́ticos orçamentários são mais suscetı́veis de ocorrer
em entes subnacionais e que Souza (2001) afirma que “o municı́pio é a esfera mais
capaz de cumprir os anseios do povo”.

Nessa estrutura, o oportunismo polı́tico-econômico que fere a Lei de Impro-


bidade Administrativa sempre será cometido por um agente que é o administrador
responsável pelas contas pública. Nessa abordagem, referido como Agente Polı́tico,
representado na simulação pelos prefeitos.

A violação da Lei de Improbidade Administrativa deve ser combatida por um


agente em nome da sociedade, aqui representado pelo Agente Estado. As regras de
comportamento desse agente referem-se ao caráter normativo da Lei, no que tange
aos trâmites dos processos de improbidade administrativa e suas possı́veis penalidades,
inclusive as pecuniárias. O Agente Eleitor é o agente que observa o comportamento
12 Como
as equações 3 e 8 apresentam variáveis aleatórias, o modelo está sujeito à variações do
resultado dada as seeds das simulações. presente trabalho utilizou o procedimento proposto por
Valente (2014) e as alterações das seeds iniciais não alteraram o padrão das simulações, validando a
robustez das mesmas diante da presença de variáveis aleatórias.
do Agente Polı́tico oportunista e sua punição e decide se vota ou não nele, em con-
trapartida, essa decisão afeta o Agente Polı́tico quanto maior for o impacto na sua
popularidade.

No que tange aos resultados do comportamento oportunista do polı́tico, espera-


se, pela heurı́stica da disponibilidade, que a motivação do agente público esteja relaci-
onada com sua expectativa de probabilidade de punição: quanto maior a expectativa
de punição, menor o comportamento oportunista.

Foram realizadas simulações com três polı́ticos (A, B e C), disputando o apoio
dos eleitores. A escolha do número de polı́ticos considera as estatı́sticas das eleições de
2016 para prefeitos no Brasil, disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foram
registradas 16.568 candidaturas para prefeitos em 5.570 municı́pios, uma média de 2.97
candidatos por munic´ıpio.

A Tabela 1 apresenta os parâmetros iniciais utilizados nas simulações. Os


parâmetros d, tm, cond e tram foram extraı́dos do Conselho Nacional de Justiça, Brasil

(2012). Como proxy do valor médio do ganho com o oportunismo, d, é utilizado o valor

médio dos ressarcimentos efetuados nos processos finalizados nos Tribunais Federais.

Tabela 1: Parâmetros iniciais das simulações


Parâmetro Descrição Valor Fonte dos dados
d valor médio do ganho com o oportunismo R$ 97.939 Brasil (2012)
tm tempo médio dos processos 6,6 anos Brasil (2012)
cond número total de condenações 945 Brasil (2012)
tram número total de processos tramitando 18.265 Brasil (2012)
r salário médio anual dos polı́ticos R$ 198.888 Leis Municipais
repA representação do partido do polı́tico A 23% Brasil (2016a)
repB representação do partido do polı́tico B 33% Brasil (2016a)
repB representação do partido do polı́tico B 33% Brasil (2016a)
Fonte: Elaborado pela autora.

O parâmetro tm é o tempo médio do processo, desde o recebimento ao julga-


mento definitivo da ação. A média de todos os Tribunais de Justiça do Brasil é de 6
anos e 6 meses. O Estado da Paraı́ba apresenta o menor tempo médio, de 3 anos e
11 meses. O Estado da Bahia apresenta o maior tempo médio, de 10 anos e 1 mês
(BRASIL, 2012). Os parâmetros cond e tram são o número total de condenações e de
processos tramitando, respectivamente, no ano de 201113, em que foram julgados em

definitivo 945 processos de um universo de 18.265 processos em tramitação.

O salário dos prefeitos é definido por leis municipais autônomas. O artigo 37


da Constituição Federal limita a remuneração máxima dos prefeitos, em que a mesma
não pode exceder a remuneração mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,
que em 2016 é de R$36.813 (BRASIL, 2016b). O salário médio anual dos polı́ticos (r

) é referente ao salário médio dos prefeitos.

A representação dos partidos foi elaborada considerando o número total de par-


tidos polı́ticos no Brasil (35 em 2016) e a participação dos mesmos na eleição de 2016,
os 10 partidos com mais candidaturas detêm 55% do total de candidaturas válidas.
Os 10 partidos com mais candidaturas são PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB, PT, PDT,
PR, PTB e DEM, onde PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB detêm 33% das candidaturas
(BRASIL, 2016a). Assim, considerou-se que um representa os 5 maiores partidos e dois
fazem parte dos dez primeiros.

Foram estimadas 8 rodadas para análise de sensibilidade. A quantidade de


rodadas é definida pelo número de combinações possı́veis dos parâmetros, dado que cada
parâmetro tem dois valores e que são três parâmetros. As combinações foram geradas

pelo software Laboratory for Simulation Development-LSD. A Tabela 2 relaciona os

parâmetros para a análise de sensibilidade.

Tabela 2: Parâmetros para análise de sensibilidade


Parâmetros 1 2 3 4 5 6 7 8
mu 0 3 0 3 0 3 0 3
λ0 0 0 0 0 1 1 1 1
λ1 0 0 1 1 0 0 1 1
Fonte: Elaborado pela autora.

A análise de sensibilidade visa analisar se mudanças iniciais nos parâmetros


causam mudanças estruturais nas simulações. As multas, mu, são definidas pelo Artigo
13O
último levantamento do Conselho Nacional de Justiça disponibilizado é do
ano de 2011. Disponı́vel em: http : //www.cnj.jus.br/images/pesquisas −
judiciarias/Publicacoes/reldiagimprobidade.pdf .
12 da Lei de Improbidade Administrativa. O valor da multa é calculado com base no
valor do dano causado e depende do tipo de ato de Improbidade Administrativa. Assim,
o parâmetro mu assume valor 0 quando o processo não aplica multa e valor 3 quando o

polı́tico é condenado à pagar multa de 3 vezes o valor do dano causado (Lei no 8.429/92,
art.12,I). Nas simulações o parâmetro mu é mutiplicado por d para gerar o valor da
multa, de modo que o custo monetário do oportunismo polı́tico-econômico é o valor
dos ressarcimentos (d) devidos mais o valor das multas.

Existem dois tipos de eleitores, o tipo 0 e 1. Os parâmetros λ0 e λ1 é o peso


que o eleitor para os atos oportunistas do polı́tico. Quando λ0 e λ1 são 0, os eleitores
não usam o fator do oportunismo polı́tico-econômico, dado que não o desaprovam,
para decidir o voto. Quando λ0 e λ1 são 1, os eleitores usam o fator do oportunismo

polı́tico-econômico, para decidir o voto.

4 Resultados

A simulação considera três polı́ticos (A e B e C), o Estado e uma população


de eleitores que cresce, e que pode, em cada perı́odo ter quatro ações: apoiar A, apoiar
B, apoiar C ou não apoiar nenhum, denominado “nulo”. Oito casos são simulados,
considerando a taxa de importância dos polı́ticos, em um total de 64 simulações14 .

Nota-se que a alteração da taxa de importância dos polı́ticos não causou mu-
danças significativas no modelo, as mudanças foram em nı́vel, não estruturais. As
Figuras 1 e 2 mostram os benefı́cios e custos do oportunismo polı́tico-econômico. Os in-
centivos monetários de praticar o oportunismo são crescentes, mas com tendência mais
suave de crescimento. Por sua vez, o custo oscila em uma trajetória de crescimento, em

função da eficiência do Estado (wt ) e do custo monetário da ação oportunista. Mesmo

em perı́odos em que os custos foram menores do que os benefı́cios , predominou a


14O Caso I, em que βA = 0, βB = 0 e βC = 0. O Caso II, em que βA = 0, βB = 0 e βC = 1. O
Caso III, em que βA = 0, βB = 1 e βC = 1. O Caso IV, em que βA = 0, βB = 1 e βC = 0. O Caso V,
em que βA = 1, βB = 0 e βC = 0. O Caso VI, em que βA = 1, βB = 0 e βC = 1. O Caso VII, em que
βA = 1, βB = 1 e βC = 0. O Caso VIII, em que βA = 1, βB = 1 e βC = 1.
escolha do oportunismo polı́tico-econômico (ap,t = 1) pelo agente polı́tico, pois sua
motivação intrı́nseca de não ser oportunista é menor do que as motivações extrı́nsecas.

Figura 1: Custos da simulação para três polı́ticos


Fonte: Elaborado pela autora.

Figura 2: Benefı́cios da simulação para três polı́ticos


Fonte: Elaborado pela autora.

A decisão do eleitor ficou condicionada à representação do partido polı́tico e dos


resultados da polı́tica. As Figuras 3, 4 e 5 apresentam a popularidade dos polı́ticos
A, B e C. A quantidade inicial de eleitores é dividida, pela ideologia, pela metade, de
modo que 33% dos eleitores apoiam A, 33% apoiam B e 33% apoiam C. O polı́tico B
apresenta melhores resultados do que os polı́ticos A e C. Ao longo da simulação, inde-
pendentemente da percepção do eleitor em relação ao oportunismo (λ), a popularidade
dos polı́ticos A e B diminui à medida que a do polı́tico B aumenta.

Pondera-se que as rodadas de análise de sensibilidade não alteraram os resul-


tados principais, os parâmetros de multa e peso do eleitor para atos oportunistas do
polı́tico não alteraram o padrão de comportamento, as alterações foram de nı́vel. Nesse
sentido, Rogoff (1990) sugere a criação de regras fiscais como forma de mitigar os ciclos
polı́ticos orçamentários, mas somente a implantação das regras não garante a dimi-
nuição ou o fim destes ciclos. Frey (1997) aponta a importância da construção das
normas para sua efetividade, construções com punição monetária em detrimento da
punição moral podem incentivar o ato que a norma gostaria de mitigar. A economia
comportamental, ao quebrar a premissa de racionalidade econômica, norteia a pesquisa
econômica para que ela considere os vieses das decisões dos agentes. Assim, o polı́tico
decide usar o oportunismo polı́tico-econômico, considerando não somente a construção
da norma, mas sua efetividade.

Em relação à efetividade dos processos de improbidade administrativa, a aplicação


de multas é um prática comum. Diante disto, é importante definir a distinção de mul-
tas e taxas. Para Sandel (2015, p.66) “as multas conotam desaprovação moral, ao
passo que as taxas são simplesmente preços, sem qualquer subentendido de julgamento
moral”. Considerando que as pessoas agem por incentivos, a expansão do uso da multa
como incentivo de coerção, implica na atribuição de um preço a um bem não econômico,
isso faz com que o indivı́duo (polı́tico) observe a multa como um taxa, se isentando da
desaprovação moral.

Destarte, o polı́tico considera três fatores para escolher ser oportunista. O


primeiro fator é a motivação intrı́nseca de não ser oportunista, que é endógena, de
difı́cil mensuração, sendo complexo fazer inferências sobre ela. O segundo fator é a
motivação extrı́nseca, que corresponde aos custos e benefı́cios de ser oportunista. O
oportunismo polı́tico-econômico é contemplado na Lei de Responsabilidade Fiscal e
punido pela Lei de Improbidade Administrativa.

As simulações apontaram que os custos (punições) são menores do que os be-


nef´ıcios para todos os casos. Isso ocorre pelo processo judicial do Brasil. O processo
de improbidade administrativa começa com uma denúncia no Ministério Público, que
instaura uma investigação destinada a apurar o ato desta improbidade. Após essa
etapa, é instaurado um processo nos Tribunais de Justiça Estaduais ou no Tribunal de
Justiça Federal, dependendo da jurisdição onde aconteceu o ato.

O Conselho Nacional de Justiça mantém um cadastro de condenações de atos


de improbidade administrativa. No último levantamento feito por este conselho (2011),
consta que os processos nos Tribunais de Justiça demoram em média 6.6 anos, trami-
tando até o trânsito em julgado. Esse prazo desconsidera o tempo da investigação do
Ministério Público e o tempo de prescrição do ato, visto a denúncia poder ocorrer até
cinco anos após este ato. Nesse mesmo levantamento, constatou-se que, por ano, so-
mente 5% dos processos chegam à sentença final. Desse modo, percebe-se a morosidade
da justiça nos julgamentos de Improbidade Administrativa.

Então, pela heurı́stica da disponibilidade, os polı́ticos não se sentem coagidos


pelas punições do oportunismo polı́tico-econômico, tendo em vista serem pequenas e de
longo prazo as probabilidades destas punições, enquanto as decisões são de curto prazo.
O terceiro fator é a renda reputacional, que é afetada pela popularidade do polı́tico.
Segundo Rogoff (1990), o polı́tico utiliza o oportunismo polı́tico-econômico para sinali-
zar “competência”, melhorando os resultados do seu governo em anos eleitorais. Desse
modo, o eleitor avalia os resultados, não a ação oportunista. Esse comportamento gera
fidelizaçao eleitoral. Os resultados das simulações evidenciam esse comportamento do
eleitor.

As simulações apontam a permanente escolha dos polı́ticos pelo oportunismo


polı́tico-econômico em concordância com os trabalhos de Nakaguma e Bender (2006),
Sakurai (2009), Videira e Mattos (2011) e Klein e Sakurai (2015), evidenciando a
existência de ciclos polı́ticos orçamentários no Brasil e seus efeitos sobre as contas
públicas.

5 Conclusões

O trabalho, ao formalizar o problema do oportunismo polı́tico-econômico,


aponta para a relevância das motivações extrı́nsecas e das motivações intrı́nsecas tanto
do polı́tico como do eleitor no processo decisório, apesar da dificuldade de mensurá-
las. Os resultados deste trabalho estão em concordância com a Teoria dos Ciclos
Polı́tico-Orçamentários, em que regras fiscais são uma forma de mitigar o oportunismo
polı́tico-econômico. Entretanto, os modelos teóricos dos Ciclos Polı́tico-Orçamentários
ponderam que a simples existência de regras fiscais são mitigadoras do oportunismo
polı́tico-econômico, apesar de trabalhos empı́ricos apontarem que as regras fiscais aju-
dam, mas não acabam com os ciclos polı́ticos orçamentários. O trabalho contribui
ao analisar as regras fiscais em um contexto do processo decisório do polı́tico, o qual
depende da interação entre as motivações intrı́nsecas e extrı́nsecas.

Através da proposta do modelos teórico do oportunismo polı́tico-econômico e


dos resultados da simulação é possı́vel fazer duas inferências acerca da mitigação do
comportamento oportunista do polı́tico. A mitigação pode ocorrer pela conjunção de
dois fatores, a eficiência do Estado e o voto do eleitor. Em relação à eficiência do Estado
no Brasil, ressalta-se que existem leis sobre o tema, mas a morosidade do Estado em
aplica-las é uma limitação. A celeridade dos processos é um tema amplamente discutido
no âmbito jurı́dico, o presente trabalho reforça as implicações práticas da morosidade
do Estado e destaca a necessidade da discussão de mecanismos para tornar o processo
jurı́dico mais célere. No âmbito da constituições das regras fiscais, salienta-se que a
implantação de multas em detrimentos de penas morais podem estimular o oportunismo
polı́tico-econômico. A utilização de incentivos de mercado em normas sociais deve ser
precedida da avaliação moral das implicações dos incentivos de mercado. As multas são
implantadas como incentivos para o polı́tico não violar as regras fiscais, contudo, na
prática, são uma forma de quebrar a lógica moral da virtude cı́vica e de autojustificação
do oportunismo polı́tico-econômico.

O voto do eleitor é o indicativo da aprovação das atitudes do polı́tico, dos fatores


que determinam o voto, salienta-se a importância das informações. A assimetria de
informação causa vieses na decisão do eleitor. Sugere-se estudos no que tange o impacto
das notı́cias polı́ticas e econômicas (e a forma com que são divulgadas) na decisão do
eleitor. Este trabalho é uma rota inicial de pesquisa da relação entre ciclos polı́ticos
orçamentários e economia comportamental. Como limitação aponta-se a dificuldade
de mensurar as motivações intrı́nsecas dos polı́ticos.

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GOVERNANÇA PÚBLICA E REELEIÇÕES MUNICIPAIS EM MINAS GERAIS

Alexandre de Cássio Rodrigues


Universidade FUMEC
alexandrerodrigues.engprod@gmail.com

Suzana Braga Rodrigues


Universidade FUMEC
suzana.braga.rodrigues@gmail.com

Resumo:
As publicações da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei da “Ficha Limpa” e da Lei de Acesso à
Informação, ocorridas no Brasil nos últimos anos, são exemplos de algumas iniciativas que visam
aprimorar a estrutura da governança pública. Paralelamente, tem-se ampliado o debate sobre a
continuidade ou extinção do instituto da reeleição de chefes do poder executivo, o qual foi instaurado
no país em 1997. Neste contexto, o objetivo deste artigo é analisar a relação entre a governança
pública e as reeleições municipais em Minas Gerais, em 2016. Fundamentada no modelo da
reputação, a primeira hipótese da pesquisa admite que a possibilidade de reeleição influencia os
prefeitos a adotarem boas práticas de governança pública. No sentido inverso, baseada na teoria das
expectativas racionais, a segunda hipótese considera que prefeitos que adotam boas práticas de
governança pública tendem a ser premiados pelo eleitorado com a reeleição. Os resultados dos
modelos de regressão multivariada revelam que a possibilidade de reeleição não influencia os
prefeitos a adotarem boas práticas de governança, porém prefeitos que adotam boas práticas de
governança tendem a ser reeleitos. A conclusão é que, aparentemente, as estruturas de governança
pública têm impedido que a reeleição siga uma lógica oportunista. Isso, somado à constatação de que
os eleitores, através do voto, selecionam os candidatos à reeleição que mais adotam boas práticas de
governança pública, reforça os argumentos dos defensores da continuidade do instituto da reeleição.

Palavras chave: Governança pública, Reeleições municipais, Modelo da Reputação, Teoria das
Expectativas Racionais.

PUBLIC GOVERNANCE AND MUNICIPAL REELECTIONS IN MINAS GERAIS

Abstract
The publications of the Fiscal Responsibility Law, the "Ficha Limpa" Law and the Access to
Information Law, which have taken place in Brazil in recent years, are examples of some initiatives
aimed at improving the structure of public governance. At the same time, the debate on the continuity
or extinction of the institute for the reelection of heads of executive power, which was established in
the country in 1997, has been expanded. In this context, the objective of this article is to analyze the
relationship between public governance and reelections municipalities in Minas Gerais in 2016.
Based on the reputation model, the first research hypothesis admits that the reelection possibility
influences the mayors to adopt good practices of public governance. On the other hand, based on the
theory of rational expectations, the second hypothesis considers that mayors who adopt good practices
of public governance tend to be rewarded by the electorate with the reelection. The results of
multivariate regression models suggest that the reelection possibility does not influence mayors to
adopt good governance practices, but mayors who adopt good governance practices tend to be
reelected. The conclusion is that, apparently, public governance structures have prevented reelection
from following opportunistic logic. This, coupled with the finding that voters select reelection
candidates who adopt best practices of public governance, through the vote, reinforces the arguments
of the continuity of the reelection institute.

Key-words: Public Governance, Municipal Reelections, Reputation Model, Rational Expectations


Theory.
1. INTRODUÇÃO

A análise da relação entre a governança pública e a dinâmica do sistema político é um

tema relevante por vários motivos. Primeiramente, segundo a Teoria da Agência (JENSEN;

MECKLING, 1976), a assimetria de informação e os desequilíbrios de poder e autoridade

entre o principal (a sociedade) e o agente (o governante) pode gerar conflitos de interesses na

medida em que o último, para maximizar seus próprios benefícios (reeleger-se), pode

contrariar os interesses do primeiro. Assim, para reduzir conflitos, alinhar ações e trazer mais

segurança à sociedade, estruturas de governança pública se fazem necessárias (ANAO, 2014;

IFAC, 2014; TCU, 2014; OCDE, 2015). Nesse sentido, no Brasil, destacam-se a Lei de

Responsabilidade Fiscal, publicada em 2000, que tem por objeto aspectos éticos, morais e de

comportamento da liderança; a Lei da “Ficha Limpa”, publicada em 2010, que dispõe sobre as

condições, motivos e situações que tornam um candidato inelegível a cargo público; e a Lei de

Acesso à Informação, publicada em 2011, que facilita o monitoramento e o controle da

conduta dos agentes públicos.

Além disso, há que se frisar que a reeleição para chefes do poder executivo no Brasil é

um fenômeno relativamente recente, pois somente foi instituída em 1997. Logo, passados

cinco mandatos de prefeitos, governadores e presidentes após essa mudança, a literatura ainda

carece de compreensão dos reais efeitos da reeleição sobre o comportamento dos gestores

públicos e, por consequência, das práticas de governança de seus governos. Outra justificativa

para o estudo é que a opinião pública, na maioria das vezes, tem debatido sobre a

continuidade ou extinção da reeleição para cargos do poder executivo sem fundamentação

empírica suficiente (CAVALCANTE, 2016).

Neste contexto, o objetivo deste artigo é analisar a relação entre governança pública e

reeleição de prefeitos. A investigação concentra-se na eleição de 2016, a mais recente, e em


Minas Gerais, o estado brasileiro com o maior número de municípios (853; 15,3% do total).

Pretende-se responder a duas questões: i) a possibilidade de serem reeleitos influencia os

prefeitos a adotarem boas práticas de governança?; e ii) prefeitos que adotam boas práticas de

governança são premiados pelos eleitores com a reeleição? No primeiro caso a hipótese

fundamenta-se no modelo de reputação (BESLEY; CASE, 2003); no segundo baseia-se na

teoria da expectativa racional na explicação do voto (ROGOFF, 1990).

A análise dos determinantes da reeleição de prefeitos não é inédita no Brasil. Porém, a

literatura enfatiza, sobretudo, a relação entre gestão fiscal e reeleição (ARAÚJO JÚNIOR;

SHIKIDA; SILVA, 2003; MENDES; ROCHA, 2004; ARAÚJO JÚNIOR; CANÇADO;

SHIKIDA, 2005; MENEGUIM; BUGARIM; CARVALHO, 2005; STRANZ; KREBS;

BOSSELI, 2008; SILVA; BRAGA, 2013; CAVALCANTE; 2015). Possivelmente, a

governança pública, um conceito mais abrangente que a gestão fiscal (CFA, 2017; TCU,

2014), tem sido ignorada devido à falta de um índice robusto capaz de mensurá-la

(OLIVEIRA; PISA, 2015). Contudo, recentemente, o Conselho Federal de Administração

(CFA) lançou o Índice de Governança Municipal (IGM), o qual será utilizado neste artigo

como proxy da governança pública. Desse modo, esta pesquisa é inovadora, pois analisa o

impacto da possibilidade de reeleição de prefeitos sobre a adoção boas práticas de governança

pública e também o inverso, isto é, o efeito da adoção de boas práticas de governança pública

sobre a probabilidade de reeleição dos prefeitos.

Adiante o artigo discorre sobre a governança pública, o modelo de reputação e a teoria

da expectativa racional, os quais fundamentam as hipóteses da pesquisa. Em seguida,

apresentam-se as variáveis, mostram-se os modelos econométricos e discutem-se os

resultados das estimações. Por fim, têm-se as considerações finais.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. GOVERNANÇA PÚBLICA: CONCEITO, PRINCÍPIOS E AVALIAÇÃO

No contexto da Teoria da Agência, quando as organizações deixaram de ser geridas

diretamente por seus proprietários (o principal) e passaram à administração de terceiros (o

agente), houve a possibilidade de conflitos de interesses, agravada, sobretudo, pelo fato de o

principal não dispor de todas as informações para avaliar o desempenho do agente (JENSEN;

MECKLING; 1976). Para reduzir os impactos dessa assimetria de informações, surgiu a

necessidade da governança, um conceito inicialmente aplicado às corporações, que, embora

não seja livre de contestações (SECCHI, 2009), pode ser entendido como sendo o sistema

pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, o que envolve os

relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e

controle e demais partes interessadas (IBGC, 2015).

O conceito de governança pode ser aplicado às organizações públicas. Neste caso, é a

governança pública que determina o equilíbrio de poder entre cidadãos e governantes com o

propósito de permitir que o bem comum prevaleça sobre os interesses pessoais (MATIAS-

PEREIRA, 2010). Assim, a governança pública “compreende essencialmente os mecanismos

de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a

atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de

interesse da sociedade” (TCU, 2014, p. 26).

Princípios da boa governança pública são apontados por entidades como a Australian

National Audit Office (ANAO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE) e o Internacional Federation of Accountants (IFAC), que, em comum,

destacam a transparência (disclosure), a prestação de contas (accountability) e a integridade

(compilance). Porém, para ser coerente com a fonte do conceito de governança pública
adotado neste trabalho, considera-se os princípios sugeridos pelo Banco Mundial, os quais são

utilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU):

Quadro 1: Princípios da Governança Pública


Princípio Conceito/finalidade
Visa ampliar a incidência do controle externo da administração para além da
Legitimidade aplicação isolada do critério de legalidade. Não basta verificar se a lei foi
cumprida, mas se o interesse público foi alcançado.
É garantia de que todos tenham acesso ao exercício de seus direitos civis –
Equidade liberdade de expressão, de acesso à informação, de associação, de voto, igualdade
entre gêneros -, políticos e sociais – saúde, educação, moradia e segurança.
É o zelo que os agentes de governança devem ter pela sustentabilidade das
Responsabilidade organizações, visando a sua longevidade, incorporando considerações de ordem
social e ambiental na definição de negócios e operações.
É fazer o que é preciso ser feito com a qualidade adequada ao menor custo
Eficiência possível. Não se trata de redução de custo de qualquer maneira, mas de buscar a
melhor relação entre qualidade do serviço e qualidade do gasto.
É o dever dos servidores públicos de demonstrar probidade, zelo, economia e
observância às regras e procedimentos do órgão ao utilizar, arrecadar, gerenciar e
Probidade
administrar bens e valores públicos; é a obrigação que os servidores têm de
demonstrar que são dignos de confiança.
É a possibilidade de acesso a todas as informações relativas à organização pública;
é um dos requisitos de controle do Estado pela sociedade civil. A adequada
Transparência
transparência resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas
relações de órgãos e entidades com terceiros.
É a obrigação que os agentes têm de prestar contas de sua atuação de forma
Accountability
voluntária, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões.
Fonte: TCU (2014)
Haja vista a complexidade de seus princípios, avaliar a governança pública é um

desafio. O Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a

OCDE publicam índices de governança, mas isto é feito somente para países. No tocante ao

Brasil, Oliveira e Pisa (2015) propõem um índice de governança pública fundamentado nos

princípios da efetividade, transparência, accountability, participação, equidade, conformidade

legal e integridade e ética. Com isso, os autores conseguem mensurar a governança dos

estados, Distrito Federal e União, porém reconhecem que a aferição da governança municipal

deva ser objeto de novos estudos.

Nesse sentido, em dezembro de 2016, o Conselho Federal de Administração (CFA),

por meio da Câmara de Gestão Pública, lançou o Índice de Governança Municipal (IGM),

uma métrica da governança pública dos municípios brasileiros, que varia de 0 a 1, sendo

melhor quanto maior. O IGM é calculado a partir da média aritmética simples de índices
relacionados às dimensões Qualidade da Gestão, Gastos e Finanças Públicas, e Desempenho,

que também variam entre 0 e 1, sendo melhores quanto maiores.

Os indicadores que compõem a dimensão Qualidade da Gestão do IGM são expostos

no Quadro 2. Em particular, nota-se que essa dimensão agrega ao menos dois princípios da

governança pública – transparência e eficiência – pois, respectivamente, examina se o

município adota boas práticas de transparência e avalia o tamanho da máquina pública em

relação ao porte populacional. Cabe ressaltar que, segundo Calderini (2011), a reeleição de

prefeitos é influenciada pela eficiência dos gastos públicos.

Quadro 2: Indicadores da dimensão Qualidade da Gestão do IGM


Indicador Objetivo Cálculo Polaridade
Verificar se a oferta de serviços
Terceirização de Variáveis binárias em que 1
de saneamento é feita por Maior-melhor
serviços básicos equivale a sim e 0 a não
empresas terceirizadas
Averiguar se as prefeituras Variáveis binárias em que 1
Informatização Maior-melhor
possuem sistemas informatizados equivale a sim e 0 a não
Identificar se o município
participa consórcios públicos nas Variáveis binárias em que 1
Articulação
áreas de educação, saúde, equivale a sim e 0 a não Maior-melhor
institucional
turismo, meio ambiente etc.

Apurar se o município dispõe de


Planejamento Variáveis binárias em que 1
legislação sobre planejamento Maior-melhor
urbano equivale a sim e 0 a não
urbano
Variáveis binárias em que 1
Examinar se o município adota equivale a sim e 0 a não, de
Transparência Maior-melhor
boas práticas de transparência acordo com itens avaliados pelo
Ministério Público Federal
Aferir a proporção de servidores
Razão entre o número de
Servidores em relação ao tamanho da Menor-melhor
servidores e população
população
Medir a proporção de servidores Razão entre o número de
Comissionados comissionados no total de servidores comissionados e total Menor-melhor
servidores de servidores
Fonte: CFA (2017, adaptado)
O Quadro 3 mostra os indicadores que compõem a dimensão Gastos e Finanças

Públicas do IGM. Em síntese, essa dimensão captura o comprometimento do gestor com as

áreas sociais em detrimento às demais funções governamentais como também verifica a

disciplina e a qualidade da gestão orçamentária e financeira. Tais fatores, conforme salienta

Cavalcante (2015), se relacionam positivamente com a chance de reeleição dos prefeitos e,

também, podem ser afetados por ela.


Quadro 3: Indicadores da dimensão Gastos e Finanças do IGM
Indicador Objetivo Cálculo Polaridade
Gasto per capita
Medir o grau de investimento em Razão entre os gastos nestas
em saúde e Maior-melhor
saúde e educação áreas e população
educação
Média ponderada de indicadores
Mensurar a disciplina e a
Índice FIRJAN de relativos à receita própria, gastos
qualidade da gestão orçamentária Maior-melhor
Gestão Fiscal com pessoal, investimentos,
e financeira
liquidez e custo da dívida
Fonte: CFA (2017, adaptado)
Por sua vez, o Quadro 4 destaca os indicadores da dimensão Desempenho do IGM, os

quais se associam, principalmente, ao princípio da equidade da governança pública.

Quadro 4: Indicadores da dimensão Desempenho do IGM


Indicador Objetivo Cálculo Polaridade
Mensurar o percentual da Razão entre a população que
Qualidade população que tem acesso à água vive em domicílios com acesso a
Maior-melhor
habitacional encanada, banheiro e coleta de serviços básicos e população
lixo. total
Razão entre o número de cada
Analisar o grau de grupo vulnerável e total do
Vulneralibilidade Menor-melhor
vulnerabilidade da população grupo sem a característica de
vulnerabilidade
Mensurar a proporção de
Atendimento Razão entre número de consultas
médicos e de consultas em Maior-melhor
médico (e médicos) e população
atenção básica saúde
Razão entre o número de
Mensurar o percentual de
crianças de 0 a 5 anos que estão
Educação crianças que estão na escola ou Maior-melhor
na escola e total de crianças
creche
daquela faixa etária.
Número de crianças que não
Mortalidade Obter um panorama da saúde
sobrevivem até o primeiro ano Menor- melhor
infantil pública
de vida a cada 1000 nascimentos
Avaliar o nível de
Média geométrica das dimensões
IDHM desenvolvimento humano Maior-melhor
renda, longevidade e educação
municipal
Fonte: CFA (2017, adaptado)

Apresentados o conceito, os princípios e as formas de avaliação da governança

pública, adiante, com base no modelo da reputação e na teoria das expectativas racionais,

fundamentam-se as hipóteses que relacionam a governança pública às reeleições de prefeitos.

2.1. O MODELO DA REPUTAÇÃO E A TEORIA DAS EXPECTATIVAS RACIONAIS

O instituto da reeleição no sistema eleitoral brasileiro foi introduzido pela emenda

constitucional número 16, de 04 de junho de 1997. Com isso, os chefes do poder executivo
passaram a ter o direito de disputar a reeleição para a mesma função, para um único mandato,

e no exercício do cargo. Desde então, já foram realizadas cinco eleições para presidente da

república, governadores e prefeitos. Em meio aos debates sobre as consequências políticas e

institucionais da reeleição, tanto na academia quanto entre os decisores políticos, em maio de

2017, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial para analisar uma proposta de

emenda à constituição que acaba com a reeleição para cargos do poder executivo.

Os contrários à reeleição argumentam que essa medida fere os princípios de

alternância do poder e, principalmente, interfere nas condições de equidade da competição

eleitoral. Afinal, a possibilidade de reeleição motivaria os candidatos que podem se reeleger a

utilizar a máquina pública para obter sucesso eleitoral (BRAMBOR; CENVIVA, 2012), ou

seja, a reeleição seguiria uma lógica oportunista, haja vista a suposição de irracionalidade dos

eleitores (NORDHAUS, 1975). Nesse contexto, o modelo de reputação (reputation model),

proposto por Besley e Case (2003), ressalta a importância da credibilidade do governante

perante os eleitores. Isso porque quando o governante tem possibilidade de se manter no cargo

por mais um mandato, prevalece a percepção de que ele possui mais incentivos para se alinhar

às preferências do eleitorado (adotando práticas de boa governança pública, por exemplo),

pois isso facilitaria a consecução do objetivo de reeleger-se. Por outro lado, esse

comportamento não seria observado em governantes em segundo mandato, uma vez que a

limitação de apenas uma reeleição tenderia a diminuir a motivação deles em adotar boas

práticas de governança pública. Logo, a primeira hipótese desta pesquisa é:

H1: a possibilidade de reeleição influencia os prefeitos a adotarem boas práticas de

governança pública.

Por outro lado, os defensores da reeleição sustentam que um único mandato limita a

capacidade de realização do governo, estimula a descontinuidade administrativa e despreza a

experiência acumulada pelo chefe do executivo. Especialmente, alegam que a reeleição pode
ser uma forma de aperfeiçoar a capacidade decisória dos eleitores, pois permite-lhes punir ou

premiar os políticos de acordo com a performance deles. Em outras palavras, a reeleição

funcionaria como uma espécie de accountability dos governantes (BRAMBOR; CENVIVA,

2012). De acordo com a teoria das expectativas racionais (ROGOFF, 1990), o governante

somente consegue se reeleger se a sua competência (expressa por meio da adoção de boas

práticas de governança, por exemplo) estiver acima de um nível mínimo esperado pelos

eleitores racionais, já que eles, mesmo diante de um cenário de assimetria de informações,

utilizariam todo o conhecimento disponível para prever a competência ótima do candidato.

Diante disso, a segunda hipótese desta pesquisa é:

H2: prefeitos que adotam boas práticas de governança pública tendem a ser premiados

pelo eleitorado com a reeleição.

Nas duas seções seguintes testam-se as hipóteses supracitadas. Com isso, pretende-se

contribuir para a compreensão da relação entre governança pública e reeleições para prefeitos,

uma temática atual, que embora seja de suma importância, ainda é pouco explorada pela

literatura.

3. A POSSIBILIDADE DE REELEIÇÃO INFLUENCIA A GOVERNANÇA PÚBLICA?

Esta seção dedica-se a testar a primeira hipótese da pesquisa: dada a possibilidade de

reeleição, prefeitos em primeiro mandato tendem a adotar boas práticas de governança

pública. Logo, a variável dependente é a governança pública, cuja proxy é o Índice de

Governança Municipal (IGM), referente a 2015, o único disponível, que foi coletado no sítio

do Conselho Federal de Administração.

Dentre as variáveis independentes, a principal é a possibilidade de o prefeito se

reeleger, denominada, poss_reel, que assume o valor 1 caso o prefeito esteja em primeiro

mandato e 0, caso esteja em segundo mandato. Assim, de acordo com o modelo da reputação,
espera-se que sejam observadas melhores práticas de governança pública em governos de

prefeitos em primeiro mandato.

Ainda quanto ao aspecto político, para explicar a governança pública, considera-se a

variável força política, que é medida pelo percentual de votos que o prefeito obteve no pleito

anterior, ocorrido em 2012. Espera-se que quanto maior for a força política, maior será o

patrimônio eleitoral do governante e, portanto, menor deverá ser a preocupação dele com a

performance do seu governo (MENDES; ROCHA, 2004), em termos de governança pública.

O alinhamento partidário entre governantes de diferentes esferas de governo é um fator

que pode influenciar a implementação de políticas públicas (CAVALCANTE, 2016;

NOVAES; MATTOS, 2010) e, consequentemente, a governança pública. Assim, o modelo

incorpora a variável dicotômica PT, que verifica o alinhamento do partido do prefeito ao

partido do governador de Minas Gerais e da presidente da república, que, em 2015, era o

Partido dos Trabalhadores (PT). Todos os dados das variáveis políticas foram extraídos do

sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Além disso, o modelo engloba variáveis de controle socioeconômicas (PIB per capita)

e demográficas (tamanho da população - pop), as quais podem também impactar a

implementação de políticas públicas (SILVA; BRAGA, 2013), e, por conseguinte, a

governança pública. Os dados destas variáveis foram coletados no sítio do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE).

A amostra contemplou 525 dos 853 municípios de Minas Gerais, para os quais se

dispunha de dados de todas as variáveis. Devido à falta de simetria e ao peso das caudas da

distribuição das variáveis independentes contínuas (força eleitoral, PIB per capita e

população), foi tomado o logaritmo delas, o que, como pode ser verificado no Apêndice,

solucionou o problema. Desta forma, estimou-se o modelo dado pela equação (1):
IGM i   0  1 poss _ reel i   2 ln  força _ eleitoral i   3 PTi 
(1)
 4 ln PIB per capita i   5 ln  pop i   i

Os resultados das estimações são mostrados na Tabela 1. Observa-se que a

significância global da regressão está garantida, conforme a estatística F. Também não se

verificam problemas de autocorrelação dos resíduos, uma vez que a estatística d, de Durbin-

Watson, foi estimada em 2,113. O coeficiente R² ajustado, cotado em 0,501, indica que 50,1%

das variações do IGM podem ser explicadas pelas variáveis independentes. Outros testes

realizados relevaram não haver problemas de colinearidade, endogeneidade ou

heterocedasticidade.

Tabela 1: Efeitos sobre a governança pública


Variável Coeficiente Erro-padrão Estatística t Valor p
Constante 0,291 0,048 6,035 0,000
Possibilidade de reeleição 0,000 0,005 0,033 0,974
Força eleitoral -0,022 0,010 -2,169 0,031
Partido governador/presidenta -0,001 0,010 -0,088 0,930
PIB per capita 0,061 0,004 16,133 0,000
População 0,016 0,002 7,413 0,000
Estatística F 106,00 0,000
Estatística d (Durbin-Watson) 2,113
R² ajustado 0,501
Fonte: Elaboração dos autores

Comentados os indicadores econométricos, passa-se à discussão da significância e do

sinal dos coeficientes estimados. Analisando-se os resulados da Tabela 1, nota-se que, ao

nível de 5% de significância, o coeficiente da principal variável independente, que indica a

possibilidade de reeleição do prefeito, não é significativo, o que leva à refutação da primeira

hipótese da pesquisa. Isso quer dizer que não há diferença entre a governança pública de

governos de prefeitos em primeiro ou em segundo mandato. Este resultado se assemelha ao

obtido por Cavalcante (2016), que concluiu que a expectativa de reeleição não afeta a gestão

fiscal dos municípios. Possivelmente, a evidência encontrada neste trabalho está relacionada
às estruturas de governança recentemente implantadas na Administração Pública,

especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, que restringem as ações de todos os prefeitos.

As evidências empíricas também apontam quanto que maior a força eleitoral do

prefeito, menor é a governança pública. Uma explicação para isso é quando o governante

possui um grande patrimônio eleitoral, o que pode favorecê-lo em uma eventual disputa de

recondução ao cargo, ele tem menos incentivos para adotar boas práticas de governança.

Verifica-se ainda que o alinhamento entre o partido do prefeito e o partido dos chefes do

poder executivo das esferas superiores não influencia a governança pública. Com relação às

variáveis de controle socioeconômico e demográfico, conforme esperado, quanto mais rico e

populoso é o município, maior tende a ser a governança pública.

4. A GOVERNANÇA PÚBLICA INFLUENCIA A PROBABILIDADE DE

REELEIÇÃO?

Nesta seção testa-se a segunda hipótese da pesquisa: prefeitos que adotam boas

práticas de governança tendem a ser premiados pelo eleitorado com a reeleição. Então, a

variável dependente é a probabilidade de reeleição do governante municipal (reeleito), a qual

é representada por uma dummy, que assume o valor 0 quando o prefeito em primeiro mandato

candidatou-se à reeleição e perdeu e 1, quando o prefeito em primeiro mandato candidatou-se

à reeleição e venceu.

Para explicar a reeleição dos prefeitos, a principal variável é a governança pública, que

é representada pelo IGM. Considerando-se a teoria das expectativas racionais, espera-se que

prefeitos cujos governos adotem boas práticas de governança tenham maior probabilidade de

serem reeleitos.

Como na seção anterior, incorporam-se variáveis políticas, socioeconômicas e

demográficas. Assim, já que representa o patrimônio eleitoral do governante, espera-se que a


força política influencie positivamente a probabilidade de reeleição dele. Quanto ao

alinhamento entre os partidos do prefeito aos partidos do governador e do presidente, optou-se

por fazer uma estratificação. O motivo disso foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff,

acontecido em 31 de agosto de 2016, que pode ter impactado nos resultados das eleições

municipais ocorridas em outubro daquele ano. Desse modo, além da variável dummy PT,

consideraram-se as variáveis PMDB e PSDB, que, respectivamente, indicam o alinhamento

do partido do prefeito ao partido do sucessor da presidenta impedida e ao partido do principal

adversário dela nas eleições de 2014. Logo, espera-se que, em consequência do impeachment,

prefeitos filiados ao PT tenham menor probabilidade de serem reeleitos, diferentemente do

que é esperado daqueles filiados ao PMDB ou PSDB.

Um ponto importante a se frisar que é embora Cavalcante (2016, p. 320) afirme que

“os recursos da campanha eleitoral para prefeito, sem dúvida, constituem um fator crucial para

a compreensão do sucesso dos candidatos”, o modelo proposto pelo autor não considera o

impacto do dinheiro sobre o desempenho eleitoral. Entretanto, haja vista a disponibilidade, no

sítio do TSE, dos recursos empregados pelos candidatos a prefeitos nas eleições de 2016,

decidiu-se incluir no modelo a variável gasto. Tal iniciativa torna a pesquisa ainda mais

interessante porque a disputa eleitoral daquele ano foi a primeira em que a lei, além de fixar o

limite máximo de gastos nas campanhas eleitorais, permitiu apenas o financiamento por

pessoas físicas, vedando, portanto, as doações de empresas, permitidas até então (BRASIL,

2015). Diante disso, a variável gasto é a razão entre as despesas contratadas pelo candidato à

reeleição e o limite de gastos permitido pela legislação.

A amostra contemplou 248 dos 405 prefeitos de Minas Gerais que se candidataram à

reeleição em 2016. A exclusão dos demais se deu porque os candidatos tiveram candidatura

indeferida com base na Lei da “Ficha Limpa” ou porque algum dos dados das variáveis de

interesse não estava disponível. Como no modelo 1, devido à falta de simetria e ao peso das
caudas da distribuição das variáveis independentes contínuas (força eleitoral, PIB per capita,

população e gasto), foi tomado o logaritmo delas, o que resolveu o problema, conforme pode

ser verificado no Apêndice. Na estimação dos coeficientes do modelo (equação 2), adotou-se

a regressão logit, uma das mais indicadas quando a variável dependente é binária

(WOOLDRIGE, 2006).

Re eleito i   0   1 IGM i   2 ln  força _ eleitoral i   3 PT i   4 PMDB i 


(2)
  6 PSBD i   7 ln PIB per capita i   8 ln  pop i   9 ln  gasto i   i

Os resultados das estimações são mostrados na Tabela 2. Nota-se que o modelo

estimado prevê corretamente 62,9% da classificação dos prefeitos em reeleito ou não. Outros

testes realizados relevaram não haver problemas de colinearidade, endogeneidade ou

heterocedasticidade.

Tabela 2: Efeitos sobre a reeleição de prefeitos


Variável Coeficiente Erro-padrão Odds ratio Valor p
Constante 4,611 3,328 100,542 0,116
IGM – governança pública 6,479 3,092 651,563 0,036
Força eleitoral 0,102 0,615 1,107 0,869
PT -2,172 0,795 0,114 0,006
PMDB -2,259 0,338 0,771 0,443
PSDB -0,267 0,391 0,766 0,495
PIB per capita 0,400 0,360 1,492 0,266
População -0,628 0,170 0,534 0,000
Gasto 0,627 0,213 1,871 0,003
% de previsões corretas 62,9
Pseudo R² 0,166
Fonte: Elaboração dos autores

Ainda observa-se, ao nível de 5% de significância, que a governança pública, a

principal variável independente, afeta positivamente a probabilidade de reeleição dos

prefeitos, o que confirma a segunda hipótese da pesquisa. Objetivamente, o odds ratio dessa

variável (651,563) indica que o incremento de 0,01 no IGM implica no aumento da

probabilidade de o prefeito ser reeleito em cerca de seis vezes. Isso é um indício de que,
mesmo havendo assimetria de informações, os eleitores conseguem avaliar os candidatos,

reelegendo aqueles que mais adotam boas práticas de governança. Nesse sentido, é realçada a

importância de estruturas de governança como a Lei de Acesso à Informação, a qual facilita o

monitoramento e o controle da conduta dos prefeitos.

Com relação às variáveis políticas, nota-se que a força eleitoral não altera a

probabilidade de reeleição dos prefeitos. Esse resultado contraria as conclusões obtidas por

Calvalcante (2016), que investigou o impacto da margem de vitória no pleito anterior sobre os

resultados das eleições para prefeitos em 2000, 2004, 2008 e 2012. A evidência encontrada

nesta pesquisa pode estar relacionada ao aperfeiçoamento da capacidade decisória dos

eleitores, pois um bom desempenho de um candidato em uma eleição não é garantia de

sucesso na eleição seguinte; o que importa são práticas de governança adotadas por ele. Além

disso, conforme esperado, nota-se que prefeitos filiados ao PT têm menor probabilidade de

serem reeleitos. Mais especificamente, ser filiado ao PT reduz a chance de reeleição em

88,6% (1 - 0,114 = 0,886), ou seja, aparentemente, os eleitores penalizam nas urnas

candidatos cujos partidos estejam envolvidos em casos de corrupção ou de improbidade

administrativa. Contudo, divergindo das expectativas, ser filiado ao PMDB ou PSBD não

impacta na probabilidade de reeleição.

Tem-se ainda que o PIB per capita não influencia a probabilidade de reeleição dos

prefeitos, resultado que é condizente com conclusão de Silva e Braga (2013), que analisaram

os determinantes da reeleição municipal da Bahia para o período de 2000 a 2008. Todavia,

quanto maior a população, menor é chance de reeleição dos prefeitos. Em outras palavras, em

municípios menos populosos, a probabilidade de os prefeitos serem reeleitos é maior, o que

pode ser explicado pelo fato de nestes a concorrência ser menor, pois, em geral, o número de

candidatos é pequeno. Constata-se também que quanto maior o gasto em campanha em

relação ao limite permitido pela legislação, maior é a probabilidade de reeleição dos prefeitos,
o que reafirma as conclusões de Speck e Cervi (2016) sobre a importância do dinheiro para o

sucesso eleitoral de candidatos a prefeito.

Ainda que interessantes, os resultados anteriores podem apresentar viés de seleção,

pois podem ter concorrido à reeleição justamente os prefeitos cujos governos adotaram boas

práticas de governança, o que, naturalmente, aumentaria a probabilidade de recondução destes

governantes ao cargo. Desse modo, para verificar um possível efeito de viés de seleção, assim

como fizeram Mendes e Rocha (2004), recorreu-se ao modelo de dois estágios proposto por

Heckman (1979). A ideia deste modelo é estimar duas equações conjuntamente, sendo que a

primeira avalia a probabilidade de o prefeito se candidatar à reeleição (Equação 3; regressão

logit) e a segunda mede as chances de sucesso levando em conta a decisão de disputar a

reeleição (Equação 4, que é idêntica à Equação 2):

Cand i   0   1 IGM i   2 ln  força _ eleitoral i   3 PT i 


(3)
 4 ln PIB per capita i   5 ln  pop i   i
Re eleito i   0   1 IGM i   2 ln  força _ eleitoral i   3 PT i   4 PMDB i 
(4)
  6 PSBD i   7 ln PIB per capita i   8 ln  pop i   9 ln  gasto i   i

Neste caso, supõe-se que ηi e εi tenham distribuição normal bivariada com média 0 e

variância 1, havendo correlação ρ entre os erros. Caso ρ seja maior que zero, então os mesmos

fatores não considerados no modelo que aumentariam (diminuiriam) a probabilidade de

candidatura também aumentariam (diminuiriam) a probabilidade de reeleição, relevando,

assim, um viés de seleção. Por outro lado, se ρ for igual a zero, não há viés de seleção, o que

implica que as equações de candidatura e reeleição são independentes e, portanto, pode-se

apenas estimar a equação de reeleição, como foi feito anteriormente.

Na estimação da equação de candidatura a amostra contemplou 424 dos 684 prefeitos

de Minas Gerais que podiam se candidatar à reeleição em 2016. A exclusão dos demais se deu

porque os candidatos tiveram candidatura indeferida com base na Lei da “Ficha Limpa” ou
porque algum dos dados das variáveis de interesse não estava disponível. Como nos casos

anteriores, devido à falta de simetria e ao peso das caudas da distribuição das variáveis

independentes contínuas (força eleitoral, PIB per capita e população), foi tomado o logaritmo

delas, o que resolveu o problema, conforme pode ser verificado no Apêndice.

Os resultados da estimação da equação de candidatura são mostrados na Tabela 3.

Nota-se, ao nível de 5% de significância, que somente a força eleitoral é importante para

explicar a decisão do prefeito em se candidatar à reeleição. Ou seja, conforme esperado,

quanto maior é o patrimônio eleitoral do político, maior é a probabilidade de ele disputar a

recondução ao cargo. Particularmente, não foram encontradas evidências de que a adoção de

boas práticas de governança influencie o prefeito concorrer a reeleição. Isso, possivelmente,

está atrelado ao fato de estruturas de governança como a Lei da “Ficha Limpa” impedir que

agentes públicos que não adotem boas práticas de governança, sobretudo com relação ao

cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, possam se candidatar a cargos públicos.

Tabela 3: Efeitos sobre a candidatura de prefeitos – modelo de seleção de Heckman


Variável Coeficiente Erro-padrão Valor p
Constante -2,621 1,590 0,099
IGM – governança pública 1,151 1,373 0,402
Força eleitoral 0,751 0,337 0,026
PT 0,240 0,290 0,407
PIB per capita -0,133 0,142 0,350
População -0,043 0,071 0,549
% de previsões corretas 59,9
Pseudo R² 0,025
Fonte: Elaboração dos autores

Os resultados da estimação da equação de reeleição são mostrados na Tabela 4.

Primeiramente, nota-se, ao nível de 5% de significância, que a correlação entre os erros das

equações estimadas – ρ – não é significativa, ou seja, não há evidências para refutar a hipótese

de que ρ seja nula. Esse resultado confirma que as duas equações estimadas são

independentes, isto é, o que facilita (dificulta) a candidatura não facilita (dificulta) a reeleição.
Por sinal, enquanto somente a força eleitoral é determinante para explicar a candidatura

(Tabela 3), se fosse adotado o modelo de seleção, a reeleição seria determinada somente pelo

gasto em campanha em relação ao limite permitido pela legislação (Tabela 4).

Tabela 4: Efeitos sobre a reeleição de prefeitos – modelo de seleção de Heckman


Variável Coeficiente Erro-padrão Valor p
Constante -2,244 12,588 0,859
IGM – governança pública 2,151 3,656 0,556
Força eleitoral 0,659 2,371 0,781
PT 0,523 0,750 0,485
PMDB 0,057 0,092 0,537
PSDB 0,034 0,110 0,753
PIB per capita -0,001 0,430 0,999
População -0,152 0,147 0,301
Gasto -0,129 0,054 0,018
ρ 0,889 5,499 0,872
Fonte: Elaboração dos autores

Em suma, o modelo de seleção não se mostrou adequado para analisar o fenômeno de

reeleições de prefeitos em Minas Gerais, pois não foi identificado viés de seleção. Logo,

pode-se estimar apenas a equação de reeleição, o que tornam válidos os resultados

apresentados no início desta seção.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou a relação entre governança pública e reeleição de prefeitos em

Minas Gerais, o que foi feito a partir de duas hipóteses: a possibilidade de reeleição influencia

os prefeitos a adotarem boas práticas de governança e os eleitores tendem a premiar com a

reeleição prefeitos que adotam boas práticas de governança.

A primeira hipótese foi refutada, o que indica que não foram encontradas evidências

de que exista diferença entre a governança em governos de prefeitos que podem se candidatar

à reeleição e naqueles cujos prefeitos não podem fazê-lo devido à restrição imposta pela
legislação em vigor. Isso pode ser um indício de que as recentes estruturas de governança

implementadas na Administração Pública brasileira possam estar sendo eficazes, pois, mesmo

impedidos de candidatar-se à reeleição, os prefeitos em segundo mandato adotam práticas de

governança similares aos prefeitos em primeiro mandato, os quais, de acordo com o modelo

da reputação, teriam mais incentivos para fazê-lo.

Já a segunda hipótese foi confirmada, o que indica que prefeitos que adotam boas

práticas de governança tendem a ser reeleitos. Uma possível interpretação desse fato é que,

embora haja assimetria de informações, os eleitores, racionalmente, conseguem avaliar o

governante, punindo com a derrota nas urnas aqueles que não praticam boa governança. Isso,

somado ao resultado anterior, reforça os argumentos dos defensores da continuidade do

instituto da reeleição, pois, por um lado, aparentemente, as estruturas de governança,

notadamente a legislação, impedem que a reeleição siga uma lógica oportunista e, por outro,

os eleitores, através do voto, selecionam os candidatos à reeleição que mais adotam boas

práticas de governança pública.

A extensão desta pesquisa a todos os municípios brasileiros é um interessante caminho

para generalizar as conclusões aqui encontradas. Além disso, trabalhos futuros poderão

investigar se a adoção de práticas de boa governaça varia entre os mandatos de prefeitos que

foram reeleitos, o que contribuiria para melhor compreender o efeito da reputação. Isso requer

que sejam conhecidos os índices de governança municipal para vários anos. Como esses

estavam disponíveis somente para 2015, não foi possível tratar daquela problemática nesta

pesquisa.

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APÊNDICE

Analisando-se as estatísticas das variáveis contínuas (exceto o IGM) dos modelos 1, 2 e 3,


mostradas, respectivamente, nas Tabelas 5, 6 e 7, nota-se que são assimétricas e que têm peso
nas caudas (média distinta da mediana e no caso da população, além disso, desvio-padrão
maior que a média).
Tabela 5: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas originais do modelo 1 (N1 = 525)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
IGM 0,478 0,475 0,064 0,251 -0,125
Força eleitoral 55,39 54,00 11,50 1,535 4,929
PIB per capita 10,46 7,78 10,42 6,445 66,329
População 29754 10382 124090,68 16,163 310,382
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do CFA, TSE e IBGE

Tabela 6: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas originais do modelo 2 (N2 = 248)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
IGM 0,477 0,473 0,064 0,259 -0,117
Força eleitoral 56,10 55,00 12,996 1,322 3,871
PIB per capita 9,881 7,794 7,762 4,802 39,334
População 28222,51 9527,50 75896,466 6,630 48,863
Gasto 0,449 0,411 0,272 1,123 3,242
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do CFA, TSE e IBGE

Tabela 7: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas originais do modelo 3 (N3 = 417)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
IGM 0,478 0,475 0,064 0,193 0,238
Força eleitoral 54,95 54,00 11,181 1,485 5,062
PIB per capita 10,589 7,936 10,803 6,775 70,609
População 26455,27 10517 64395,80 7,165 60,344
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do CFA, TSE e IBGE

Contudo, a transformação logarítmica daquelas variáveis possibilitou a obtenção de uma


distribuição simétrica e a minimização dos pesos das causas, como pode ser constatado
analisando-se a assimetria e a curtose dos dados expostas nas Tabelas 8, 9 e 10.
Tabela 8: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas transformadas do modelo 1 (N1 = 525)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
ln (Força eleitoral) 3,995 3,990 0,195 0,231 2,695
ln (PIB per capita) 2,136 2,052 0,577 1,117 1,895
ln (População) 9,385 9,248 1,059 1,128 2,029
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do TSE e IBGE
Tabela 9: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas transformadas do modelo 2 (N2 = 248)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
ln (Força eleitoral) 4,010 4,000 0,229 0,858 1,338
ln (PIB per capita) 2,119 2,053 0,540 0,866 0,931
ln (População) 9,377 9,162 1,071 1,189 1,704
ln (Gasto) -1,018 -0,889 0,725 -0,867 0,814
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do TSE e IBGE

Tabela 10: Estatísticas descritivas das variáveis contínuas transformadas do modelo 3 (N3 = 424)
Variável Média Mediana Desvio-padrão Assimetria Curtose
ln (Força eleitoral) 3,988 3,983 0,193 0,140 2,835
ln (PIB per capita) 2,142 2,071 0,587 1,054 1,772
ln (População) 9,417 9,261 1,041 0,995 1,190
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos nos sítios do TSE e IBGE

As estatísticas descritivas das variáveis categóricas dos modelos 1, 2 e 3 são mostradas,


respectivamente, nas Tabelas 11, 12 e 13.
Tabela 11: Estatísticas descritivas das variáveis categóricas do modelo 1 (N1 = 525)
Possibilidade de reeleição
Frequência % Frequência acumulada % acumulada
1° mandato 424 80,1 424 80,1
2º mandato 101 19,9 101 100
Partido governador/ presidenta
Filiado ao PT 24 4,6 24 4,6
Não filiado ao PT 501 95,4 525 100
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos no sítio do TSE

Tabela 12: Estatísticas descritivas das variáveis categóricas do modelo 2 (N2 = 248)
Reeleição
Frequência % Frequência acumulada % acumulada
Não reeleito 127 51,2 127 51,2
Reeleito 121 48,8 248 100
Partido
Não filiado ao PT 233 94,0 233 94,0
Filiado ao PT 15 6,0 248 100
Não filiado ao PMDB 191 77,0 191 77,0
Filiado ao PMDB 57 23,0 248 100
Não filiado ao PSDB 211 85,1 211 85,1
Filiado ao PSDB 37 14,9 248 100
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos no sítio do TSE

Tabela 13: Estatísticas descritivas das variáveis categóricas do modelo 3 (N3 = 424)
Candidatura à reeleição
Frequência % Frequência acumulada % acumulada
Não candidatou 168 39,6 168 39,6
Candidatou 256 60,4 424 100
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados obtidos no sítio do TSE
Inflação e Volatilidade de Preços Relativos na Economia Brasileira Pós-Plano Real

Hugo Carcanholo Iasco Pereira1


Michel Cândido de Souza2

RESUMO
O objetivo do presente trabalho foi investigar a relação entre inflação e a volatilidade
preços e a presença de rigidez nominal para a economia brasileira após a adoção do Plano
Real (Julho de 1994 a Maio de 2016). Para isto, calculou-se a volatilidade de preços
relativos para as 11 capitais consideradas pelo IPCA, e dividiu-se o período pós-Real até
2016 em três subperíodos de acordo com as especificidades macroeconômicas
identificadas. Os resultados das estimações sugeriram que existe uma relação positiva entre
a variação do nível de preços e a volatilidade de preços relativos da economia brasileira.
Ademais, as estimações mostraram que: i- a intensidade desta relação se reduziu
sistematicamente após o Plano Real; ii- a adoção do sistema de metas de inflação
contribuiu para a redução da volatilidade de preços relativos; e iii- não há evidência de
rigidez nominal para os três subperíodos, mas há evidência para o período todo.

Palavras Chave: Inflação, Volatilidade de Preços Relativos e Painéis econométricos

ABSTRACT
The objective of the present study was to investigate the relationship between inflation and
price volatility and the presence of nominal rigidity for the Brazilian economy after the
adoption of the Real Plan (from July 1994 to May 2016). The relative price volatility
thereunto was calculated for the 11 capitals considered by the IPCA, and the post-Real
period until 2016 was divided into three periods according to the identified macroeconomic
specificities. The results of the estimations suggested that there is a positive relation
between the inflation and relative price volatility. In addition, the estimates showed that: i-
intensity of this relation was systematically reduced after the Plan Real; ii- the adoption of
the inflation targeting contributed to the reduction of relative price volatility; iii- there is no
evidence of nominal rigidities in the three sub periods, but there is in the all period.

Keywords: Inflation, Relative price volatility and Econometric Panel

JEL Classification: C23,C33, E31

1
Doutorando em Economia, CEDEPLAR/UFMG. E-mail: hclpereira@cedeplar.ufmg.br
2
Doutorando em Economia, CEDEPLAR/UFMG. E-mail: mcsouza@cedeplar.ufmg.br
1- Introdução

A inflação é um fenômeno sempre presente ao longo da história econômica brasileira,

o controle efetivo da mesma é algo relativamente recente que remonta ao Plano Real. Tal

estratégia de estabilização possuiu como substrato analítico a teoria da inflação inercial, na

qual o processo inflacionário passa a ser descolado da dinâmica de ajuste entre oferta e

demanda agregada à medida que os agentes econômicos incorporam a taxa de inflação

passada em seus preços para defender o respectivo nível de renda real. Paralelamente a esta

literatura (mas com uma estrutura analítica totalmente diferente), os modelos novo-

keynesianos também fornecem explicações para uma dinâmica inflacionária associada à

recessão, em que o trade-off da curva de Phillips não é válido, ou é alterado e também

sofre influência do componente defasado dos preços. No desenvolvimento do presente

trabalho, sustenta-se que ambas as literaturas sugerem uma relação teórica positiva entre a

taxa de inflação e a volatilidade de preços relativos, tal como os resultados da literatura

empírica da área.

O cálculo do IPCA nacional pelo IBGE é uma média ponderada da variação de

preços de uma cesta de bens para 11 capitais brasileiras (Goiânia, Brasília, Belém,

Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto

Alegre). Diversos trabalhos estimaram a relação entre inflação e volatilidade de preços

para a economia brasileira considerando o IPCA como esta média através de metodologias

econométricas de séries temporais: Moura da Silva e Kadota (1982), Resende e Grandi

(1992), Landau e Peixoto (1992), Gomes (2007; 2015).

Não obstante, Balk (1983) ressalta que o nível de agregação do índice de inflação

utilizado pode alterar os resultados obtidos. Tendo isto em mente, o objetivo deste trabalho

foi estimar a relação entre inflação e a volatilidade preços, tal como a possibilidade de

rigidez nominal para a economia brasileira após a adoção do Plano Real (Julho de 1994 a
Maio de 2016) com periodicidade mensal. Para tanto, utilizou-se o IPCA ao seu nível mais

desagregado para o cálculo da volatilidade de preços para os 11 municípios abrangidos

pelo mesmo, para, então, estimar tal relação por três metodologias de painéis

econométricos específicos à macroeconomia: i- Feasible Generalized Least Squares

(FGLS), ii- Panel Corrected Standard Error (PCSE) e iii- Painel de Vetores

Autoregressivos (PVAR). A metodologia é adequada por que ela é capaz de considerar a

heterogeneidade da dinâmica da variação do nível de preços e da volatilidade ao nível mais

desagregado (municipal) ao longo do tempo, tratando a possível correlação do termo de

erro entre as unidades cross section e ao longo do tempo.

Argumenta-se que ao utilizar a taxa de inflação mensal nas estimações, supõe-se que

o reajuste de preços da economia brasileira é perfeitamente sincronizado, ou, de outro

modo, que todos os setores reajustam os seus preços ao mesmo tempo. A história recente

pré-estabilização da economia brasileira mostra que tal suposição é bastante irrealista, já

que todas as estratégias de estabilização procuravam desinflacionar o sistema econômico

sincronizando de alguma maneira os reajustes de preços relativos. O êxito do Plano Real

está fundamentalmente relacionado com o sucesso de implementar um reforma monetária

que zerasse a memória inflacionária através de um mecanismo de sincronização dos

reajustes de preços de tal modo que não houvesse transferência de renda entre os agentes.

Sendo assim, além da abordagem metodológica original, buscamos contribuir com a

literatura utilizando a taxa de inflação acumulada nos últimos 12 meses a partir de Julho de

1994, supondo que este intervalo seria suficiente para todos os setores reajustarem seus

preços dentro de uma estrutura de rejuste de preços defasada.

A estrutura do trabalho fora dividida da seguinte maneira: primeiro apresentamos o

referencial teórico inercialista e novo-keynesiano, tal como a literatura empírica da área.

As metodologias econométricas foram apresentadas no item dois, seguido da apresentação


dos dados estatísticos e dos modelos estimados na terceira seção e dos resultados obtidos

pelas estimações nas seções quatro e cinco. Por fim, têm-se as considerações finais do

trabalho.

2- Inflação e Volatilidade de Preços em uma Perspectiva Teórica e Empírica

A relação entre inflação e volatilidade de preços pode ser explicada por duas

vertentes teóricas: i- a Novo-Keynesiana e ii- a Neoestruturalista Inercialista, ambas com

argumentos que sustentam uma relação positiva entre as duas variáveis.

A teoria Novo-Keynesiana é fundamentada em uma estrutura analítica

microfundamentada a partir dos trabalhos seminais de Blanchard (1987), Mankiw (1985) e

Romer (1993), dentre outros. A literatura Novo-Keynesiana ressalta a rigidez de preços e

salários como determinantes das flutuações cíclicas do emprego e renda. Neste sentido, a

rigidez de preços advém do descolamento entre a dinâmica de preços do processo de

ajustamento entre oferta e demanda agregada devido a imperfeições do mercado, como

informação imperfeita, estrutura de mercado oligopolista, heterogeneidade setorial e custo

de menu. Esta é incorpora a rigidez nominal na formação racional das expectativas, de

modo a otimizar a função de utilidade dos agentes. Uma dinâmica de preços bastante usada

nestes modelos é a de Calvo (1983). As firmas escolhem alterar seus preços com a

probabilidade , de modo que o nível de evolui de acordo com uma média

ponderada entre os valores ajustados e o nível de preços passado:

(1)

onde, representa o nível de preços no período corrente, o nível de preços no

período anterior, o preço ótimo ajustado pela parcela das empresas.

Considerando o custo marginal das empresas , o valor natural deste custo e a taxa de

desconto subjetiva , o preço ótimo escolhido pelo agente é:

∑ (2)
Quando todas as firmas reajustam seus preços, o parâmetro assume valor igual a

zero e, logo, desvios do preço são iguais aos do custo marginal e, portanto, os agentes

escolhem os preços de acordo com o custo marginal esperado. Neste caso, a volatilidade de

preços relativos é nula por que os preços relativos se encontrarão inalterados. Todavia, se

apenas uma parcela das firmas reajustar seus preços (o parâmetro é diferente de zero), os

preços aumentam à medida que o custo marginal esperado pelas firmas seja maior,

afetando a volatilidade. Nota-se, então, que existe uma relação positiva entre a inflação e a

volatilidade de preços relativos no escopo teórico Novo-Keynesiano.

Por outro lado, na teoria inercialista, a inflação é um fenômeno real pautado pelo

conflito distributivo entre os agentes econômicos ao redor da repartição do produto real.

Nesta literatura, os trabalhos seminais são de Arida e Lara-Resende (1985) e Lopes (1985).

À medida que a inflação significa um processo de transferência de renda real entre os

agentes econômicos, os mesmos procuram considerar a inflação passada na formulação de

seus preços para defender a respectiva renda real. Isto significa a reprodução das taxas

pretéritas de inflação no presente, ou inércia inflacionária, a qual, por definição, é

descolada do processo de ajuste entre oferta e demanda agregada.

Em um processo inflacionário, os preços e rendimentos nominais aumentam.

Contudo, a velocidade de crescimento dos preços dos setores com periodicidade de

reajuste fixo (alugueis e salários, por exemplo) é menor que a velocidade de ajustamento

dos setores com reajuste automático (Lopes, 1985). Ou seja, a estrutura de preços relativos

é defasada (a indexação de preços não é perfeita) já que os preços de alguns setores se

encontram no valor de pico enquanto outros estão no vale. Este diferencial de velocidade e

defasagem dos preços relativos provoca uma transferência de renda real entre os agentes

proporcional à diferença de velocidade de ajustamento dos preços relativos (Lopes, 1976).


Os agentes procuram estabelecer o preço de seus produtos de modo a se defender deste

processo de transferência de renda real.

A inflação deve ser entendida em razão dos picos da renda, da periodicidade dos

reajustes, e pela defasagem dos preços relativos da economia. Por conseguinte, quanto

maior a pressão social dos agentes econômicos pela elevação dos picos de renda real e pela

redução da periodicidade do reajuste da renda nominal, maior será a taxa de variação dos

preços ou a volatilidade dos preços relativos (Arida e Lara-Resende, 1985). Nesta

dinâmica, dois aspectos inter-relacionados são de grande importância na manutenção do

nível da renda real dos agentes e na determinação da volatilidade dos preços relativos; i- o

intervalo de reajuste e ii- a taxa de inflação. Quanto maior a aceleração da variação do

nível dos preços, menor a memória inflacionária do sistema econômico, o que realimenta a

taxa de inflação e aumenta a volatilidade dos preços relativos (Arida e Lara-Resende,

1985). Em suma, na literatura inercialista, a volatilidade dos preços relativos está

relacionada com a tentativa de os agentes defenderem a respectiva parcela relativa de renda

real. Quanto maior a taxa de variação dos preços, os preços relativos se tornam mais

voláteis por que os agentes defendem a respectiva renda real através dos reajustes de seus

preços.

No tocante à literatura empírica, diversos trabalhos a nível internacional sugeriram

uma relação positiva entre a taxa de inflação com a variabilidade dos preços relativos,

como Parks (1978), Fischer(1981), Parsley (1996) e Choi (2010) para os Estados Unidos,

Balk (1983) para a Holanda, Hoomissen (1988) para Israel e Tommasi (1992) para a

Argentina. Alguns trabalhos tentaram estimar a relação entre a volatilidade dos preços

relativos com a taxa de inflação para a economia brasileira. Moura da Silva e Kadota

(1982) indicaram uma relação positiva entre a taxa de inflação e a volatilidade dos preços

relativos entre 1972 e 1980. Resende e Grandi (1992) testaram a causalidade de Granger
para estas duas variáveis para o período dos anos 1976-1985, não apresentando resultados

conclusivos. Landau e Peixoto (1992) não encontraram evidências de que a volatilidade

dos preços relativos estaria relacionada positivamente com a taxa de inflação da economia

brasileira da década de 1980, o argumento dos autores é que o complexo mecanismo de

indexação presente à época infringiu uma dinâmica própria à volatilidade dos preços

independente da taxa de inflação. Gomes (2007) estudou a relação entre o IPCA (e suas

desagregações; preços livres, administrados, comercializáveis, não comercializáveis e

serviços) com a volatilidade dos preços relativos através de modelos ARIMA-GARCH,

causalidade de Granger e funções resposta impulso a partir do Plano Real em 1994 e 2006.

As conclusões do autor indicam que a adesão do regime de metas de inflação diminuiu a

volatilidade dos preços relativos da economia brasileira.

Nenhum dos trabalhos citados buscou uma análise desagregada dos indicadores de

preço em relação aos municípios base para a média do cálculo do IPCA. Argumentamos

que uma estrutura econométrica de dados em painel podem proporcionar resultados mais

robustos para relação entre inflação e volatilidade de preços.

3- A Metodologia Econométrica

3.1- Feasible Generalized Least Squares (FGLS)

Partindo de uma especificação em painel:

; i = 1, (...), N; t = 1, (...), T (3)

Sabemos que assumir que erros independentes e homocedásticos implica um risco de

que as estimações por MQO sejam inconsistentes e ineficientes, principalmente para dados

relativos a variações de preços. Logo, um método econométrico de painéis que considere a

correlação nestas duas dimensões e forneça estimadores consistentes é desejável. A

equação (3) pode ser estimada por Mínimos Quadrados Generalizados (MQG) caso a
matriz de covariância dos erros Ω seja conhecida. O MQG atua através da transformação

do coeficiente estimado da equação (3), tornando os erros esféricos:

{ } (4)

A matriz de covariância é:

( { }) (5)

Mas como na prática a matriz de covariância não é conhecida, o FGLS utiliza uma

estimação da mesma, ̂ . Este procedimento além de corrigir a correlação contemporânea já

corrige a heterocedasticidade. Parks (1967) utilizou pela primeira vez o procedimento

FGLS para painéis (TSCS). A transformação FGLS atua em duas etapas. Primeiro, corrige

a correlação contemporânea dos erros utilizando os resíduos da equação (3). Escrevendo

, onde é matriz de covariância contemporânea, 3. Segundo,

utilizando o resíduo da estimação com a correção da covariância contemporânea, Park

(1967) assume que o termo de erro segue um AR (1) para corrigir a correlação serial.

(6)

3.2- Panel Corrected Standard Error (PCSE)

Beck e Katz (1995) argumentam que a transformação de Parks (1967) subestima a

variância dos erros pelo fato de que a equação (3) é estimada apenas com base em T

observações. Partindo desta crítica ao modelo FGLS, Beck e Katz (1995) sugerem o Panel

Corrected Standard Error (PCSE) como uma alternativa. Beck e Katz (1995) indicam que,

se os erros são esféricos, os erros padrão da estimação OLS estão corretos. Mas se os erros

são caracterizados por uma estrutura de dados longitudinais, a fórmula original está

incorreta. Para um modelo de painel com correlação contemporânea e erros

heterocedásticos, Beck e Katz (1995) mostram que os elementos da matriz podem ser

estimados usando os resíduos da equação (3) através de:


3
A correção de Park (1967) exige que T seja maior que N.

̂
∑ . (7)

3.3 – Painel de Vetores Autoregressivos (PVAR)

O painel de vetores autoregressivos (PVAR) deriva da formulação original do VAR,

em que todas as variáveis endógenas são interpendentes ao longo do tempo, mas,

adicionalmente, considera-se a relação cross sectional entre as mesmas. O PVAR possui a

característica intrínseca de capturar a interpendência estática (a correlação cross sectional

do termo de erro) e a dinâmica (lags de todas as variáveis endógenas), o que implica

considerar a heterogeneidade cross sectional impondo uma estrutura específica à matriz de

covariância dos termos de erro (Canova e Cicarelli, 2013). No escopo do presente trabalho,

o PVAR foi estimado conforme Abrigo e Love (2016), com a seguinte estrutura de efeito

fixo:

(8)

é um vetor (1xk) de variáveis dependentes, é um vetor (1xL) de variáveis exógenas,

é o efeito fixo, erros idiossincráticos, os elementos A e B são os parâmetros a serem

estimados. Reescrevendo a equação (8) de forma compacta ̅̅̅̅ , onde éa

primeira diferença e ̅̅̅̅ ( ) ( ), o

termo de erro é ̿̿̿̿ √ , ̿̿̿̿ é média de , tem-se que o

estimador GMM é:

̅̅̅ ̂ ̅̅̅ ̅̅̅ ̂ ̅̅̅ (9)

onde ̂ é uma matriz de pesos de ordem (LxL) não singular, sendo a matriz que aumenta a

eficiência do estimador. Como as equações estimadas pelo PVAR são de difícil

interpretação, concentramos o esforço analítico na interpretação das funções resposta

impulso (IRF), com intervalos de confiança bootstrap, na decomposição da variância do

erro (FEVD) e no teste de causalidade de Granger para o PVAR.


4- Apresentação dos Dados Estatísticos e dos Modelos Estimados

A série utilizada para mensurar a taxa de inflação da economia brasileira nas

estimações econométricas desta pesquisa foi o índice nacional de preços ao consumidor

(IPCA) acumulada nos últimos 12 meses. A periodicidade mensal dos dados respeita o

intervalo entre Julho de 1994 e Maio de 2016. Neste trabalho, utilizaremos a ideia que a

volatilidade dos preços relativos em um processo inflacionário é o desvio padrão (ou a

variância) da inflação da estrutura econômica em relação à taxa de inflação média da

economia como um todo (Debelle e Lamont, 1997). A fórmula para o cálculo do rpv é

apresentada na equação (10), idêntica a de Gomes (2015):

√ ∑ (10)

onde b é o número de itens considerados pelo cálculo do IPCA, wt,n,i é peso do item no

cálculo (fornecido pelo IBGE), é a inflação acumulada nos últimos 12 meses do setor

i, no tempo t, no município n, ao passo que é o IPCA acumulado no tempo t do

município n.

A volatilidade dos preços relativos da economia brasileira foi calculada considerando

os 11 municípios base do cálculo do IPCA (Goiânia, Brasília, Belém, Fortaleza, Recife,

Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) e os nove

setores do mesmo (Alimentos e Bebidas, Habitação, Artigos de Residência, Vestuário,

Transportes, Saúde, Despesas Pessoais, Educação e Comunicação). As estatísticas

descritivas para o IPCA e a volatilidade dos preços relativos da economia brasileira são

apresentadas no Apêndice I (Tabela 01). Observou-se que, entre Julho de 1994 e Maio de

2016, tanto a volatilidade de preços relativos quanto a taxa de inflação seguiram uma

trajetória decrescente em termos de média, variância, valores máximos e mínimos.


Os Gráficos 01 e 02 (presentes no Apêndice II) apresentam a dinâmica da taxa de

inflação acumulada nos últimos 12 meses e a volatilidade de preços relativos dos

municípios brasileiros entre Julho de 1994 e Maio de 2016. É possível perceber três

grandes períodos nestas variáveis, com as seguintes características:

i- Julho de 1994-Julho de 1999: o êxito da estabilização do Plano Real se refletiu na

dinâmica de desaceleração da taxa de inflação acumulada nos últimos 12 meses dos

municípios brasileiros, tal como a diminuição da volatilidade de preços relativos no

período pós-Junho de 1994. O Plano Real conseguiu de fato reduzir a memória

inflacionária da economia brasileira de tal modo que a inércia, ou a reprodução das taxas

pretéritas de inflação no presente, deixou de fazer sentido no comportamento crônico dos

agentes de alterar os respectivos preços relativos para defender a consequente renda real na

renda nacional. Logo, a volatilidade dos preços relativos acompanhou o comportamento da

taxa de inflação.

ii- Agosto de 1999-Dezembro de 2008: a crise cambial de 1999 teve um efeito

aceleracionista no nível de preços e na volatilidade dos preços relativos da economia

brasileira, levando-a a um patamar de inflação mais elevado em relação ao pós-Plano Real,

com forte elevação no período da eleição de 2002 por conta do “efeito Lula” e a

consequente desvalorização da moeda nacional frente ao dólar. A política anticíclica do

Governo como reação à crise de 2008 provocou uma aceleração da taxa de inflação e da

volatilidade dos preços relativos.

iii- Janeiro de 2009-Maio de 2016: entre altos e baixos, a taxa de inflação acumulada

dos 12 meses se estabilizou em torno de uma média após a crise de 2008. Contudo, dois

fatores contribuíram para a recente elevação da taxa de inflação e da volatilidade de

preços: i- a depreciação cambial como uma reação à reeleição de Dilma e ii- o

descongelamento dos preços públicos administrados do Governo Dilma II.


Utilizando as metodologias FGLS e PCSE4, estimar-se-ão dois modelos para a

economia brasileira, as equações (11) e (12). O objetivo da equação (11) é capturar a

relação entre o comportamento dos preços relativos à dinâmica da taxa de inflação, tal

como Parks (1978) e Debelle e Lamont (1997). Originalmente a literatura utiliza

defasagens da variável dependente rpv e o valor modular da taxa de inflação como

regressor. Não obstante, utilizar a taxa de inflação acumulada dos últimos 12 meses possui

duas implicações: i - A magnitude da variação de preços será sempre positiva (Gráfico 01),

portanto, não faz sentido especificar o modelo em valores absolutos; ii- A defasagem da

variável explicativa (rpv) já está incorporada indiretamente ao utilizar o IPCA acumulado

(tanto no cálculo da volatilidade de preços como para inflação acumulda). Com isto, a

primeira especificação de modelo estimado foi:

(11)

Jaramillo (1999) sugere que é possível captar a rigidez nominal da economia

adicionando uma dummy no modelo a ser estimado. A não rigidez nominal (flexibilidade)

implica que variações positivas e negativas na taxa de inflação geram variações

proporcionais na volatilidade dos preços. Entretanto, se há rigidez nominal, aumentos na

taxa de inflação aumentam a volatilidade, mas reduções na taxa de inflação não tem

qualquer impacto na volatilidade de preços (JARAMILLO, 1999). Adicionar-se-á uma

dummy na segunda especificação do modelo a ser estimado para capturar o efeito da

redução do nível da inflação (IPCA) sob a volatilidade dos preços relativos na equação

conforme a metodologia empregada por Parks (1978): 0 para valores positivos e 1 para

taxas negativas multiplicando pelo valor do IPCA. Em termos econométricos, se o

coeficiente desta dummy não é estatisticamente significante descarta-se a hipótese de

4
Os testes de raiz unitária para painéis (ver Apêndice) indicaram que as variáveis IPCA e rpv são
estacionárias em nível, ou seja, ambas são I(0). Assim, as regressões foram estimadas com as variáveis em
nível. Os dados foram dessazonalizados via ARIMAX-13.
rigidez nominal. Jaramillo (1999) sugeriu incorporar esta dummy multiplicando-a pelo

valor modular da taxa de inflação. Na especificação da equação (12) a dummy será

introduzida multiplicada pela variação da taxa de inflação acumulada5:

(12)

A estimação do modelo de PVAR foi feita nos moldes da equação (11). Por fim,

considerando as especificidades macroeconômicas da economia brasileira sintetizadas

anteriormente, as equações (11) e (12) foram estimadas através das metodologias

econométricas para 4 períodos: i- Julho de 1994 à Maio de 2016, ii- Julho de 1994 à Julho

de 1999 (pós-Plano Real), iii- Agosto de 1999 à Dezembro de 2008 (adesão ao regime de

metas de inflação à crise de 2008), iv- Janeiro de 2009 à Maio de 2016. Os resultados são

apresentados a seguir.

5- Resultados das Estimações Econométricas

5.1- As estimações por FGLS e PCSE

As estimações da equação (11) são apresentadas no Apêndice III (Tabela 02). Tanto

o modelo FGLS quanto o PCSE sugerem uma relação positiva entre a taxa de inflação e a

volatilidade de preços da economia brasileira para os quatro períodos. Todos os

coeficientes estimados são estatisticamente significantes ao nível 1% de significância.

Os coeficientes estimados diferiram entre os períodos, o que fornece evidências que a

relação entre volatilidade de preços e inflação não foi constante ao longo do tempo. No

período imediato ao pós-Plano Real (1994-1999) o coeficiente α foi o maior em relação

aos outros (FGLS: 1,49 e PCSE: 1,67), enquanto que entre 1999-2008 foi o menor (FGLS:

0,69 e PCSE: 0,66), mas entre 2009-2016 voltou a se elevar (FGLS: 0,70 e PCSE: 0,97).

5
Cabe notar que, como a inflação acumulada nos últimos 12 meses é sempre positiva, a dummy foi
adicionada na situação em que o IPCA acumulado diminuiu - o que equivale a pensar que a taxa de inflação
mensal se reduziu. Considerando os 11 municípios, para cada período tem-se respectivamente os seguintes
episódios de redução do IPCA acumulado: i- Julho 1994 – Julho 1999 (366); ii- Agosto 1999- Dezembro
2008 (621); e iii- Janeiro 2009- Maio 2016 (464).
As estimações da equação (12) com a dummy , presente no

Apêndice III (Tabela 03) indicaram a mesma dinâmica para o coeficiente α: valor

relativamente mais alto entre 1994 e 1999 (FGLS: 1,52 e PCSE: 1,72), entre 1999 e 2008

se reduz para o valor mais baixo (FGLS: 0,74 e PCSE: 0,68), mas que aumenta entre 2009

e 2016 (FGLS: 0,76 e PCSE: 0,96).

Não existe uma convergência de resultados comuns em relação ao modelo (12) com

a dummy nas estimações por FGLS e PCSE. As estimações feitas por FGLS indicam

que a dummy , ao nível de 5% de significância, não é significativa para os dois

períodos entre 1994 e 1999 e entre 2009 e 2016, mas que é significante entre 1999 e 2008.

Porém, a dummy é significativa para o período todo 1994-2016.

Já as estimações feitas pelo modelo PCSE sugerem que a dummy não é

significativa para nenhum dos 3 períodos específicos, mas que é significativa para toda a

extensão temporal entre 1994 e 2016. Isto era esperado uma vez que a própria fórmula da

variância incorpora esta dimensão ao sugerir que quanto maior T, menor é a variância.

5.2- Resultados das Estimações do Painel de Vetores Autoregressivos (PVAR)

A análise anterior, baseada nos estimadores FGLS e PCSE, fornece bons insights a

respeito da relação entre inflação e volatilidade de preços. Contudo, procuramos avançar

na investigação da direção causal (no sentido de Granger) e na resposta em relação a

possíveis choques nessas variáveis através da abordagem PVAR e pelo teste de causalidade

de Granger para PVAR.

A seleção do número de defasagens da estimação PVAR, em cada período, foi

realizada através da análise de critérios de informação específicos para modelos de Painel

Auto Regressivo: MBIC, MAIC e MQIC. Foram utilizadas as respectivas defasagens nas

estimações para cada período: 1994-2016 (2), 1994m6-1999m7 (2), 1999m8-2008m12 (3)

e 2009m1-2016m5 (2), conforme a Tabela 04 (Apêndice I). Todos os modelos estimados


satisfazem a condição de estabilidade (Tabela 05, Apêndice I), sendo possível, portanto, a

representação do sistema como um MA ( ) e, então, a interpretação das funções resposta

impulso e a decomposição da variância.

A Figura 01(Apêndice IV) apresenta a função resposta-impulso (IRF) com um

horizonte temporal de 10 meses dos modelos PVAR estimados. Para o período inteiro entre

o Plano Real em 1994 e 2016 (primeiro quadrante da esquerda da Figura 01), um choque

de um desvio padrão no IPCA provocou um aumento da volatilidade dos preços relativos

do sistema (como esperado de acordo com a literatura), que se estabiliza na média a partir

do décimo mês. Já um choque na de um desvio padrão na volatilidade de preços aumenta o

IPCA até o terceiro mês, a partir do qual converge à média. Entretanto, ao separar este

período em horizontes temporais menores conforme eventos históricos, percebemos que a

relação entre as variáveis do sistema não foi uniforme.

Um choque no IPCA provocou variações positivas na volatilidade de preços nos três

períodos em questão. Não obstante, a intensidade do choque diferiu entre os mesmos. Após

a estabilização da economia brasileira em 1994, a intensidade de um choque inflacionário

na volatilidade de preços se reduziu sistematicamente, sobretudo após a adoção do regime

de metas de inflação em 1999, seguindo tal trajetória até 2016.

Por outro lado, impactos de choques da volatilidade de preços no IPCA, além de

diferirem em intensidade, também divergem em sinal. No período imediato à estabilização

da economia brasileira em 1994, a relação entre a volatilidade preços e o IPCA é negativa,

o que reflete o êxito do Plano Real em controlar a inflação. Todavia, isto se modifica a

partir da adoção do regime de metas de inflação por que tal relação se tornou positiva,

mantendo-se positiva, mas diferindo em intensidade entre os períodos Agosto de 1999 e

Dezembro de 2008, e Janeiro de 2009 e Maio de 2015 no sentido de choques na

volatilidade de preços causarem variações positivas menores na inflação.


A Tabela 06 presente no Apêndice V apresenta a decomposição da variância do erro

de previsão (FEVD) dos modelos estimados para os quatro períodos. A participação do

IPCA na variância do erro de previsão da volatilidade de preços até o décimo mês, por

período analisado, é de: 38% (1994 a 2016), 60% (Junho de 1994 a Julho de 1999), 0,04%

(Agosto de 1999 a Dezembro de 2008) e 0,02% (Janeiro de 2009 a Maio de 2016). Já em

relação ao quanto a volatilidade de preços explica a variância do erro de previsão da

inflação, temos 0,01% (1994 a 2016), 0,07% (Junho de 1994 a Julho de 1999), 0,31%

(Agosto de 1999 a Dezembro de 2008) e 0,13% (Janeiro de 2009 a Maio de 2016). Nota-

se, portanto, que a decomposição da variância do erro de previsão mudou ao longo dos

períodos analisados.

O teste de Granger é apresentado na Tabela 07. Constata-se que, ao nível de

significância de 5%, IPCA Granger-causa volatilidade de preços e que a variável

volatilidade de preços Granger-causa IPCA para todos os períodos, incluindo o intervalo

de tempo entre 1994 e 2016. Ou seja, existe causalidade bidirecional, no sentido de

Granger, entre as variáveis em todos os períodos delineados nesta pesquisa.

6- Considerações Finais

O cálculo do IPCA nacional pelo IBGE é uma média ponderada da evolução de uma

cesta de bens para 11 capitais brasileiras (Goiânia, Brasília, Belém, Fortaleza, Recife,

Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre). Diversos

trabalhos estimaram a relação entre inflação e volatilidade de preços considerando o IPCA

nacional. O objetivo do presente trabalho foi explorar a relação entre inflação e

volatilidade de preços entre o período imediato pós Plano Real em Agosto de 1994 à Maio

de 2016 para a economia brasileira. Este trabalho utilizou o IPCA de cada município no

cômputo da relação entre inflação e volatilidade de preços relativos através da metodologia

econométrica de painéis longos e painel de vetores autoregressivos. A principal razão


dessa abordagem proposta é o ganho de informações, normalmente ignorado quando se

utiliza o IPCA como uma média desta variável para os municípios brasileiros.

A fundamentação teórica do Plano Real encontra respaldo analítico na interpretação

inercialista. O objetivo desta estratégia de estabilização fora implementar uma reforma

monetária para zerar a memória inflacionária do sistema econômico brasileiro e, por

conseguinte, controlar o processo hiperinflacionário. No escopo deste trabalho, isto

significa reduzir a volatilidade de preços relativos através da redução da taxa de

crescimento do nível de preços. Tendo em mente o êxito do Plano Real em fazê-lo e que a

estrutura de indexação da economia brasileira é dessincronizada (o que no Novo

Keynesianismo se traduz em um parâmetro diferente de zero), este trabalho tentou

contribuir com a literatura incorporando estes elementos por meio do IPCA acumulado nos

últimos doze meses a partir de Julho de 1994 (imediatamente após o Plano Real), supondo

que 12 meses é o suficiente para todos os setores da economia brasileira repassar a inflação

passada para os respectivos preços.

Em consonância ao objetivo do trabalho, foram estimados modelos econométricos

pelas metodologias de painéis longos FGLS e PCSE, e de painéis de vetores

autoregressivos - PVAR, com periodicidade mensal de Julho de 1994 a Maio de 2016 e,

adicionalmente, para mais três subperíodos definidos por especificidades históricas da

economia brasileira: i- o período imediato pós Plano Real e a adoção do regime de metas

de inflação (Junho de 1994 e Julho de 1999); ii- após adoção do regime de metas de

inflação e a crise de 2008 (Agosto de 1999 e Dezembro de 2008); e iii- no pós crise de

2008 (Janeiro de 2009 e Maio de 2016).

As estimações por FGLS e PCSE sugeriram uma relação positiva entre inflação e a

volatilidade de preços. Porém, esta relação não é constante ao longo do tempo já que o

coeficiente estimado por ambos os modelos (significante ao nível de 1%) foi mais elevado
no período imediato à implementação do Plano Real, atingindo o menor valor entre a

adoção do regime de metas de inflação e a crise de 2008 e se elevando a partir de então. Os

resultados obtidos devem ser analisados à luz das políticas macroeconômicas dos períodos

em questão. O elevado coeficiente obtido para a extensão temporal entre 1994 e 1999 é

resultado do processo de redução da taxa de variação do nível de preços por meio do Plano

Real, como pôde ser visto no Gráfico 01 e 02 e na Tabela 01. O coeficiente obtido entre

1999 e 2008 (menor dos estimados) é resultado da adoção do regime de metas de inflação.

Por fim, o período entre a crise de 2008 e 2016 é notoriamente marcado pela adoção de

congelamento e posteriormente descongelamento de preços e tarifas públicas pelo Governo

Dilma I e II, o que explica o diferencial positivo de magnitude do parâmetro.

Em relação ao modelo com dummy, tanto a estimação FGLS quanto a PCSE

indicaram que, ao nível de 1% de significância, podemos descartar a hipótese nula de não

significância estatística para o período entre 1994 e 2016, ou seja, não podemos rejeitar a

hipótese de rigidez nominal para esta extensão temporal. Porém, este período é

demasiadamente extenso. Ao considerar as especificidades macroeconômicas destes 22

anos, notamos que apenas a dummy do período de pós-adoção do regime de metas de

inflação à crise de 2008 pelo método FGLS foi estatisticamente não significante ao nível de

1%. Todavia, como Beck e Katz (1995) mostraram, o modelo FGLS subestima a variância

dos termos de erro, o que implica em um intervalo de confiança “menor” que o verdadeiro

e, logo, na possibilidade de cometer o erro tipo dois. Por sua vez, ao consertar isto, o

modelo PCSE sugeriu que todas as dummies dos três subperíodos são estatisticamente não

significantes, isto é, não há evidências de rigidez nominal ao considerar as especificidades

macroeconômicas de cada período.

As funções resposta impulso obtidas pelo PVAR também indicaram uma relação

positiva entre inflação e a volatilidade de preços, mas a intensidade de um choque de um


desvio padrão no IPCA diferiu substancialmente entre os subperíodos. As estimações

sugeriram que a intensidade se reduziu sistematicamente após 1994, atingindo o menor

patamar no subperíodo do pós-crise de 2008. Percebeu-se que, após a adoção do regime de

metas de inflação, a intensidade do impacto de um choque no IPCA sob a volatilidade de

preços diminuiu bastante em relação ao período imediato ao Plano Real, isto é, a

convergência da variável volatilidade de preços se deu em valores bastante menores para

os dois períodos entre Agosto de 1999 e Dezembro de 2008 (sobretudo neste), e Janeiro de

2009 e Maio de 2016. Em suma, os resultados do PVAR estão de acordo com os resultados

dos modelos FGLS e PCSE de que a adoção do regime de metas de inflação proporcionou

a redução da volatilidade de preços.

Referências Bibliográficas
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APÊNDICE I
Tabela 01- Estatísticas Descritivas
Rpv IPCA
Período ̅ ̅
Xmax Xmin Xmax Xmin
1994m7- 85,93 4,11 37,60 0,75
16,35 178,57 7,98 27,10
2016m5 SP-1995m12 SP-2010m8 BE-1995m6 SP-1998m12

1994m7- 85,93 4,19 37,60 0,75


30,61 455,50 11,33 75,72
1999m7 SP-1995m12 BS-1999m1 BH-1995m6 SP-1998m12
1999m8- 33,33 5,01 21,11 1,69
13,38 20,50 7,39 12,33
2008m12 BS-1999m11 SP-2004m8 BS-2003m4 RJ-2000m1
2009m1- 24,67 4,11 12,79 2,69
10,56 12,58 6,45 3,14
2016m5 FO-2013m4 SP-2010m8 CU-2015m12 GO-2010m6
Fonte: Elaboração do autor.

Tabela 04- Seleção de lag do Modelo PVAR


Período Lag CD J J-valor MBIC MAIC MQIC
1 0,99 131,40 0,00 36,13 107,40 81,68
1994-2016 2 0,99 11,34 0,18 -52,16 -4,65 -21,80
3 0,98 7,54 0,10 -24,20 -0,45 -9,02
1 0,99 55,80 0,00 -20,38 31,80 11,44
1994m6-1999m7 2 0,99 17,72 0,02 -33,06 1,72 -11,84
3 0,99 3,63 0,45 -21,76 -4,36 -11,15
1 0,99 117,40 0,00 32,67 93,40 70,49
1999m8-2008m12 2 0,99 23,83 0,00 -32,65 7,83 -7,43
3 0,98 4,052 0,39 -24,19 -3,94 -11,58
1 0,98 43,71 0,00 -37,79 19,71 -2,26
2009m1-2016m5 2 0,98 10,11 0,25 -44,22 -5,88 -20,53
3 0,96 8,02 0,09 -19,14 0,02 -7,29
Fonte: Elaboração do autor com base nos testes de estacionariedade

Tabela 05- Condição de Estabilidade (Eigenvalue)


1994-2016 1994m6-1999m7 1999m8-2008m12 2009m1-2016m5
Eigenvalue Eigenvalue Eigenvalue Eigenvalue
Real Imaginário Real Imaginário Real Imaginário Real Imaginário
0,95 0,05 0,95 -0,06 0,97 0 0,99 0
0,95 -0,05 0,95 0,06 0,85 0 0,85 0
0,48 0 0,39 0 0,55 0 0,34 0
,25 0 0,30 0 0,23 0 0,14 0
Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados do PVAR.

Tabela 07- Teste Wald de Causalidade PVAR-Granger


Período Equação Excluído GL Prob > Granger-Causa (5%)?
rpv ipca 95,98 2 0,000 Sim
1994-2016
ipca rpv 39,55 2 0,000 Sim
rpv ipca 71,44 2 0,000 Sim
1994m6-1999m7
ipca rpv 27,62 2 0,000 Sim
rpv ipca 8,89 2 0,012 Sim
1999m8-2008m12
ipca rpv 8,20 2 0,017 Sim
rpv ipca 7,59 2 0,022 Sim
2009m1-2016m5
ipca rpv 16,74 2 0,000 Sim
Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados do PVAR
APÊNDICE II

Gráfico 01- Dinâmica do IPCA acumulado pelos últimos 12 meses entre Julho de 1994 e
Maio de 2016

Estabilização-
Plano Real

Meta de Efeito
Inflação Lula

Descongelamento
Crise de
de Preços Públicos
1999 Crise de
2008

Fonte: IPCA; IBGE (http://www.sidra.ibge.gov.br/snipc/tabelaIPCA.asp, acessado em 27/06/2/2016) o cálculo da taxa de


inflação acumulado nos últimos 12 meses foi feita pelo autor a partir dos dados do IPCA fornecidos pelo IBGE.

Gráfico 02- Dinâmica da volatilidade dos preços relativos entre Julho de 1994 e Maio de
2016

Estabilização-Plano
Real

Meta de
Inflação

Crise de
1999 Crise de Descongelamento
2008 de Preços Públicos

Fonte: O vetor rpv fora calculado pelo autor com base nos dados do IPCA.
APÊNDICE III

Tabela 02- Resultados do Modelo sem a dummy de deflação


Coeficientes FGLS
Período R2 T N λ
Constante IPCA (
1994- 6,29*** 1,05***
2016
- 263 11 0,83
(0,29) [0,00] (0,04) [0,00]
1994m6- 9,50*** 1,49***
1999m7
- 60 11 0,76
(1,91) [0,00] (0,07) [0,00]
1999m8- 8,18*** 0,69***
2008m12
- 114 11 0,76
(0,61) [0,00] (0,58) [0,00]
2009m1- 5,30*** 0,70***
2016m5
- 89 11 0,70
(0,68) [0,00] (0,08) [0,00]
Coeficientes PCSE
1994- 4,37** 1,46***
2016
0,26 263 11 0,83
(2,03) [0,03] (0,13) [0,00]
1994m6- 10,69* 1,67***
1999m7
0,28 60 11 0,76
(5,74) [0,06] (0,30) [0,00]
1999m8- 8,73*** 0,66**
2008m12
0,24 114 11 0,76
(0,08) [0,00] (0,08) [0,00]
2009m1- 4,24*** 0,97***
2016m5
0,16 89 11 0,70
(1,29) [0,00] (0,177) [0,00]
Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados estimados.

Tabela 03- Resultados do Modelo com a dummy de deflação


Coeficientes FGLS
Período R2 T N λ
Constante IPCA (
1994- 5,58*** 1,13*** -2,09***
- 263 11 0,80
2016 (1,04) [0,00] (0,05) [0,00] (0,74) [0,00]
1994m6- 9,35*** 1,52*** -2,57
- 60 11 0,71
1999m7 (1,76) [0,00] (0,08) [0,00] (1,56) [0,10]
1999m8- 7,69*** 0,74*** -2,63***
- 114 11 0,76
2008m12 (0,63) [0,00] (0,05) [0,00] (0,86) [0,00]
2009m1- 4,89*** 0,76*** -1,78*
- 89 11 0,70
2016m5 (0,71) [0,00] (0,08) [0,00] (0,97) [0,06]
Coeficientes PCSE
1994- 3,46* 1,55*** -7,60***
0,27 263 11 0,80
2016 (1,85) [0,06] (0,13) [0,00] (2,88) [0,00]
1994m6- 9,57* 1,72*** -12,86
0,30 60 11 0,71
1999m7 (5,22) [0,06] (0,29) [0,00] (9,26) [0,16]
1999m8- 8,55*** 0,68*** -1,29
0,24 114 11 0,76
2008m12 (0,93) [0,00] (0,90) [0,00] (1,66) [0,43]
2009m1- 4,31*** 0,96*** 0,76
0,16 89 11 0,70
2016m5 (1,34) [0,00] (0,18) [0,00] (2,39) [0,75]
Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados estimados.
APÊNDICE IV
Figura 01- Função Resposta Impulso (IRF) do PVAR para 1994-2016, 1994m6-1999m7, 1999m8-2008m12 e 2009m1-2016m5

1994-2016 1994m6-1999m7

1999m8-2008m12 2009m1-2016m5

Fonte: Elaboração dos autores com base nos resultados do PVAR.


APÊNDICE V

Tabela 06- Função de Decomposição da Variância (FEV)

rpv: 1994-2016 ipca: 1994-2016

rpv: 1994m6-1999m7 ipca: 1994m6-1999m7

rpv: 1999m8-2008m12 ipca: 1999m8-2008m12

rpv: 2009m1-2016m5 ipca: 2009m1-2016m5

Fonte: Elaboração do autor com base nos resultados do PVAR.


APÊNDICE VI

Tabela 08- Testes de Estacionariedade para Painéis: Rpv (1994-2016)


Variável Teste Lag H0 H1 p-valor Tendência
Rpv1994-2016 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994-2016 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994-2016 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994-2016 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994-2016 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994m7-1999m6 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994m7-1999m6 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994m7-1999m6 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1994m7-1999m6 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,003 Não
Rpv1994m7-1999m6 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,010 Não
Rpv1999m7-2008m12 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1999m7-2008m12 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1999m7-2008m12 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1999m7-2008m12 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv1999m7-2008m12 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv2009m1-2016m5 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv2009m1-2016m5 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv2009m1-2016m5 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv2009m1-2016m5 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Rpv2009m1-2016m5 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
Fonte: Elaboração do autor com base nos testes de estacionariedade.

Tabela 09- Testes de Estacionariedade para Painéis: IPCA (1994-2016)


Variável Teste Lag H0 H1 p-valor Tendência
IPCA1994-2016 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1994-2016 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1994-2016 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1994-2016 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1994-2016 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1994m7-1999m6 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA1994m7-1999m6 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA1994m7-1999m6 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA1994m7-1999m6 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA1994m7-1999m6 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA1999m7-2008m12 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1999m7-2008m12 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1999m7-2008m12 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1999m7-2008m12 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA1999m7-2008m12 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Não
IPCA2009m1-2016m5 Levin-Lin-Chu 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA2009m1-2016m5 Harris-Tzavalis 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA2009m1-2016m5 Breitung 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA2009m1-2016m5 Im-Pesaran-Shin 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
IPCA2009m1-2016m5 Fisher Type 0 Raiz Unitária Estacionário 0,000 Sim
Fonte: Elaboração do autor com base nos testes de estacionariedade.
Neodesenvolvimentismo, neoliberalismo e crise política no Brasil: o modelo lulista
em cheque.

Marco Antonio Bestetti Paccola*:


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
marcopaccola@hotmail.com

Resumo:
Esta pesquisa visa desnudar as disputas entre as frações de classe dentro do bloco no
poder no Brasil ao longo do período em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente
do governo Federal. Analisando como esta disputa resultou na consolidação do modelo
político econômico lulista. Procuraremos relacionar a política econômica do governo, ao
longo dos últimos anos, com os movimentos das frações da classe dominante brasileira
e com a conjuntura internacional que tem influenciado diretamente estas políticas.
Assim, busca-se demonstrar que, a política nacional foi determinada, neste período, pela
disputa entre os setores financeiros e produtivistas da burguesia brasileira. Luta esta que
se realizou devido à contestação da hegemonia neoliberal no Brasil, sustentada pela
fração financeira e que passou a ser contrabalanceada por uma política
neodesenvolvimentista, que buscou no governo federal e na cooptação das classes
subalternas, romper com o domínio dos setores financeiros. Esta disputa teria
exacerbado as ambiguidades da política econômica do modelo lulista e levado o país a
uma crise política de grandes proporções, que culminariam na substituição do PT no
governo federal, na erosão do modelo lulista e, consequentemente, a sobreposição da
fração financeira no bloco no poder, reafirmando a hegemonia do neoliberalismo no
país.

Palavras chave: Neodesenvolvimentismo, Lulismo, Neoliberalismo.

Introdução:

A ruptura do modelo desenvolvimentista em fins da década de 1980 e a

emergência do neoliberalismo como modelo de desenvolvimento em substituição ao seu

predecessor, a partir da década de 1990, estabeleceu uma nova conjuntura político-

econômica para o Brasil. Durante o período seguinte, o modelo neoliberal foi edificando

sua hegemonia sobre as classes no Brasil de modo a consolidar sua dominação1.

* Professor da Universidade Estadual do centro oeste (Unicentro), Doutorando em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Contudo, ao longo dos últimos anos, observou-se o acirramento da disputa, no seio da

classe dominante brasileira, em relação à orientação da política-econômica do país.

Estas disputas são polarizadas pelo que se denominou corrente neodesenvolvimentista,

que estaria em conflito com a corrente neoliberal. O que levanta a indagação sobre a

possibilidade de uma erosão da hegemonia neoliberal no país e uma reformulação do

modelo de desenvolvimento nacional.

O acirramento da disputa se dá a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva e

do Partido dos Trabalhadores para o Governo Federal em 20022. Apesar do processo de

cooptação que garantiu a adesão do partido às classes dominantes3, inclusive tornando

possível sua vitória nas urnas, a eleição do PT significou um novo período para a

política-econômica nacional. Sem romper com os alicerces do modelo neoliberal,

durante os mais de 13 anos em que esteve no governo, o PT passou gradativamente a

aglutinar as disputas entre as duas correntes. Isso porque, apesar do neoliberalismo

permanecer hegemônico na política brasileira, as disputas levaram o governo a adotar

políticas ambíguas em relação à economia, atendendo às demandas dos setores

neodesenvolvimentistas, em alguns casos, em detrimento dos setores neoliberais.

De forma geral, o governo manteve o rumo da política-econômica que vinha

sendo implementada no Brasil desde a década de 1990 e que faz parte das políticas

neoliberais em ascensão no mundo nesse período. Assim, herdando a diretriz econômica

consolidada com o Plano Real de 1994 e mantida até 2002 pelos governos de Fernando

Henrique Cardoso, o Partido dos trabalhadores moldou seu projeto político à esta

herança, de modo a não realizar grandes alterações de conjuntura. Estas diretrizes

1
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3
BOITO JR., Armando. 2003. Ob. cit. p. 5.
neoliberais estão expressas em princípios que tornariam se objetivos declarados do

partido a partir de então, como o Superávit primário, controle da inflação, autonomia do

Banco Central, política cambial e de juros atreladas à estabilidade inflacionária,

manutenção do pagamento da dívida pública, reforma da previdência, entre outros4.

Contudo, apesar da manutenção e até mesmo intensificação das políticas

neoliberais, passariam a figurar no programa de governo, um conjunto de políticas

econômicas que não constavam nos governos anteriores e que estão relacionadas à nova

orientação que consolidava-se entre as classes dominantes brasileiras neste período,

principalmente a burguesia produtivista5. Dessa forma, caminhou-se no sentido da

redução da taxa básica de juros, apesar dessa manter-se em níveis anacrônicos com a

economia nacional, da depreciação cambial, da participação ativa do Estado na indução

de investimentos, principalmente em setores de infraestrutura e da implantação de

políticas protecionistas para o mercado interno. Caminho que foi aprofundado no

primeiro mandato de Dilma Rousseff a partir de 2011, levando inclusive a uma redução

do superávit primário e dos spreads bancários, pilares da política econômica neoliberal.

O que se observou, portanto, nos governos do PT, foi o fortalecimento da orientação

neodesenvolvimentista para a política nacional, que, contudo, não pressupõe a ruptura

do ciclo neoliberal no país, mas condiciona a ela um conjunto de medidas que

beneficiam outros setores da burguesia, além dos tradicionalmente atendidos pelas

políticas neoliberais.

Essa ascensão do neodesenvolvimentismo mostra que a política de Estado sob os


governos petistas tem direção clara e visa ao desenvolvimento capitalista sem, no
entanto, romper com alguns pilares do modelo neoliberal – citemos a rolagem da dívida

4
Idem, 2003, p. 1.
5
Idem, 2013, p. 174.
pública, que inibe a capacidade de investimento do Estado, e a abertura comercial, que
mina a indústria interna6.

Este aspecto, por si já seria suficiente para estabelecer a separação entre os

governos anteriores e os governos do PT, entretanto as divergências não param por ai.

Essa orientação passaria a conviver também, num sentido antagônico, com políticas que

contradizem ou não fazem parte do modelo neoliberal, entre elas: o aumento real do

salário mínimo, a expansão do crédito consignado, além de políticas de assistência

social com grande impacto econômico como o programa Bolsa Família7.

Para compreender como estes antagonismos se materializaram na política

econômica e social do governo do PT, buscamos analisar a correlação de forças que se

estabeleceu durante este período, principalmente no que tange às frações de classe

dominante, presentes no Bloco no poder, relacionando as decisões políticas deste

período a esta correlação, assim como as condicionantes externas que se fizeram

presentes.

Metodologia:

A pesquisa se insere dentro de uma perspectiva materialista-histórica, pois

consideramos que, a luta de classes é o fator determinante na configuração da política,

tanto em seus aspectos econômicos como nos aspectos sociais. Nesse sentido,

enxergamos as disputas entre as frações de classe dentro do bloco no poder,

principalmente a fração financeira e a fração produtivista, como uma forma que a luta

de classes assumiu na sociedade brasileira e que, apesar de não promover um confronto

direto entre as classes fundamentais, tem potencial de determinar os rumos da economia

e da política nacionais.

6
Ibidem, 2013, p. 174.
7
SINGER, André. 2012. Ob. cit. p. 162.
Em virtude das estruturas do Estado capitalista, em virtude da participação particular na
dominação política de várias classes e frações de classe, constata-se a relação entre esse
Estado e a organização política dessas classes ou frações em bloco no poder8.

Dessa forma, entendemos as disputas no bloco no poder como o elemento

determinante dos desdobramentos políticos nos últimos anos, em específico durante os

governos do PT. Para tanto, buscamos relacionar estas disputas com busca pela

consolidação ou a reafirmação de uma hegemonia na sociedade brasileira. Utilizando o

conceito Gramsciano, que estabelece o domínio de uma classe ou fração de classe tanto

na esfera da produção, ou seja, na esfera econômica, quanto na esfera política e social,

como condições ao estabelecimento de sua hegemonia9.

Nessa perspectiva entendemos as transformações surtidas na política econômica

e social, como inseridas no processo de cooptação das classes subalternas pelas disputas

entre as frações da classe dominante e que tiveram papel fundamental na determinação

desta disputa, pois elas se relacionam diretamente com a construção da hegemonia.

A pesquisa encontra-se em estágio inicial de desenvolvimento, portanto, as

contribuições apresentadas neste artigo são provenientes da análise bibliográfica acerca

do tema suscitado, relacionado às disputas entre as referidas frações de classe, às

transformações ocorridas no campo da política econômica durante o período, ao modelo

político econômico implantado pelo Partido dos trabalhadores, aos projetos políticos

propostos durante o governo e seus desdobramentos na sociedade e à mudanças na

conjuntura internacional que possam ter exercido influência sobre esta luta.

Discussão e resultados:

8
POULANTZAS, Nicos. Ob. cit. 1977. p. 229.
9
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 33.
O modelo desenvolvido pelo PT como resultado das disputas entre as frações de

classe do Bloco no poder, foi responsável, por um duplo redirecionamento da política

nacional, primeiro por vincular ao programa neoliberal, uma rede de proteção social

com intuito de reduzir os altos índices de miséria e pobreza enfrentados pelo país e uma

política de expansão da renda que apesar do ritmo ameno, se mostrou constante. Assim,

o partido logrou conciliar a herança macroeconômica do período anterior com

características próprias a sua formação histórica10. E, segundo, ao incorporar o

neodesenvolvimentismo à plataforma econômica do Estado, buscando conciliar este

modelo ao projeto neoliberal brasileiro.

Este modelo, que se convencionou chamar de “lulismo”, apesar de constituir

aspecto recente da política brasileira, vem sendo intensamente debatido e analisado11.

Contudo, a iminência dos fatos torna difícil a tarefa de compreender e sintetizar

objetivamente as características do mesmo. Ainda assim, é possível interpretar o modelo

a partir de um conjunto de políticas, principalmente no âmbito econômico e social, que

o caracterizaram ao longo de sua consolidação e que expressam, de forma latente, uma

determinada conjuntura de classes do Bloco no poder brasileiro12.

Nesse sentido, é possível interpretar o lulismo como um modelo permeado por

políticas antagônicas, uma vez que ele comporta a continuidade do núcleo do modelo

econômico neoliberal, enquanto realiza um projeto de redistribuição e de elevação dos

rendimentos das camadas mais pobres da população e busca a retomada do crescimento

econômico a partir de políticas desenvolvimentistas. Esse antagonismo, expresso na

política econômica, e que materializou-se no modelo lulista, é resultado da equação

10
RESENDE, André Lara. Op. cit.
11
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia
das Letras, 2012. p. 69.
12
BOITO JR., Armando. O lulismo é um tipo de bonapartismo? Uma crítica às teses de André Singer.
Critica Marxista. São Paulo, v. 37, p. 171-181, 2013. p. 175 e p. 178.
entre as disputas de classe no Bloco no poder da sociedade brasileira, as quais

configuraram o modelo político dominante do período. Assim, a intensificação dos

antagonismos na política econômica lulista, principalmente a partir de 2011, podem

indicar as relações que se estabelecem entre as frações de classe presentes no bloco no

poder no país.

Este conceito de bloco no poder, que não é utilizado expressamente por Marx ou
Engels, indica assim a unidade contraditória particular das classes ou frações de classes
politicamente dominantes, na sua relação com a forma particular do Estado capitalista.
[...] Neste sentido, o conceito de bloco no poder relaciona-se ao nível político, recobre
o campo das práticas políticas, na medida em que este campo concentra em si, e
reflete, a articulação do conjunto das instâncias e dos níveis de luta de classe de um
estágio determinado13.

Apesar da constatação de antagonismos entre as frações de classe no bloco no

poder brasileiro, não podemos considerar o lulismo como um modelo de conciliação

entre os interesses divergentes das classes dominantes e subalternas no capitalismo

brasileiro, arbitradas pelo governo, como em alguns momentos faz parecer a análise de

André Singer14. Apesar da ambiguidade, e da existência de políticas compensatórias e

redistributivas no lulismo, estes governos permanecem como representantes da classe

dominante. “Os governos Lula e Dilma são governos burgueses, especificamente da

grande burguesia interna. Não são árbitros entre as classes fundamentais e nem são

governos do subproletariado15”. Esta orientação torna-se evidente ao analisarmos o

eixo estrutural da política econômica do governo durante seus treze anos de mandato,

prevalecendo como dito anteriormente, as orientações neoliberais16.

O conceito de bloco no poder não pressupõe, portanto, a existência de um

equilíbrio de forças entre as frações de classe e classes em uma determinada sociedade.

13
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 229.
14
SINGER, André. 2012. Ob. cit. p. 169.
15
BOITO JR., Armando. 2013. Ob. cit. p. 178.
16
PACCOLA, Marco Antonio Bestetti. Política econômica e industrialização no Brasil. Novas edições
acadêmicas, Saarbrücken, 2016. p. 166.
O que ele estabelece, é a existência de um conjunto de frações dentro da classe

dominante, dentre as quais, uma deve ocupar a posição hegemônica. E que, apesar das

contradições entre estas frações, elas compartilham o interesse comum de preservação

do modo de produção capitalista, sustentado na exploração econômica e na dominação

política por parte da burguesia.

Ora, a noção de fusão não pode permitir pensar o fenômeno do bloco no poder. Este
constitui de fato não uma totalidade expressiva com elementos equivalentes, mas uma
unidade contraditória complexa com dominante. É aqui que o conceito de hegemonia
pode ser aplicado a uma classe ou fração no interior do bloco no poder. Essa classe ou
fração hegemônica constitui, com efeito, o elemento dominante da unidade contraditória
das classes ou frações politicamente “dominantes”, que fazem parte do bloco no
poder17.

Por isso mesmo, o modelo neoliberal permaneceu na posição hegemônica na

sociedade brasileira durante o período, pois, apesar da intensificação das políticas

neodesenvolvimentistas, a fração de classe que detém a hegemonia na política brasileira

continua sendo a burguesia financeira. Nesse contexto, não são os interesses da classe

dominante que estão sendo colocados em confronto pelos antagonismos da política

econômica do governo, não são os interesses do subproletariado que opõem-se ao

modelo neoliberal18, mas sim os pontos de divergência entre as frações presentes no

bloco no poder, que tem levado à contradições no seio do Estado.

Apesar disso, é inegável que as classes subalternas, principalmente aquelas em

situação de extrema precariedade na sociedade brasileira, obtiveram ganhos

significativos com o governo do PT. Quais seriam, então, as razões para que um

governo representante das classes dominantes, como dito anteriormente, fizesse

concessões às classes subalternas, contrariando os interesses da classe dominante e

aplicando um conjunto de políticas antagônicas?

17
POULANTZAS, Nicos. Ob. cit. 1977. p. 232.
18
SINGER, André. 2012. Ob. cit. p. 173.
A razão destes ganhos precisa ser ponderada de maneira mais detalhada, mas

podemos apontar algumas interpretações divergentes; a que ela seria resultado das

concessões realizadas pelo governo durante o arbítrio entre as classes, realizado pelo

lulismo19, hipótese que descartamos. Ou que elas representam um conjunto de políticas

compensatórias necessárias para cooptação das classes subalternas20. Dentro dessa

hipótese é preciso analisar sobre quais condições as concessões foram realizadas e qual

fração da classe dominante buscou a cooptação. Visto que, ao iniciarem-se os governos

do PT a hegemonia política do neoliberalismo, consolidada pelos governos

predecessores, passou a ser contrabalanceada por políticas neodesenvolvimentistas

apoiadas na burguesia produtivista nacional, a qual passaria a buscar o apoio de setores

das classes subalternas para a concretização de seu modelo21.

No Brasil, desde a eleição de Lula para a presidência da República, em 2002, vivemos


um período de transição de uma ordem centrada no mercado para um modelo
econômico com maior coordenação pelo Estado. Se há linhas de continuidade,
predominam os pontos de descontinuidade. A manutenção da política macroeconômica
do governo anterior indica que a coalizão financeira e internacional continua influente,
mas desde a substituição do ministro da fazenda Antonio Palocci por Guido Mantega
tivemos um reforço das idéias novo-desenvolvimentistas. Este fato se acentuou, no
segundo governo Lula com a escolha de Luciano Coutinho para a presidência do
BNDES22.

Partindo desta interpretação, os ganhos das classes subalternas estariam

relacionados às disputas no interior da classe dominante brasileira, que colocariam os

setores neodesenvolvimentistas em disputa com os setores neoliberais, corrente

hegemônica.

Na verdade a grande burguesia interna, nas suas disputas com a fração burguesa
perfeitamente integrada ao grande capital financeiro internacional, converteu-se em

19
Ibidem. 2012. p. 172.
20
BOITO JR., Armando. 2003 Ob. cit. p. 22.
21
BRESSER-PEREIRA. Ob. cit. 2009. pp. 92 - 98.
22
Ibidem. 2009. p. 99.
força dirigente de uma ampla e heterogênea frente política que poderíamos denominar
neodesenvolvimentista23.

No desenrolar desta disputa, o lulismo teria garantido o consentimento passivo

das classes subalternas através de políticas públicas de incremento dos salários e

redistribuição de renda, de um lado, enquanto assegurava o apoio dos sindicatos e

órgãos de classe, através da cooptação de suas lideranças para posições chave na

burocracia estatal e a concessão do controle de importantes fundos de pensão24. Através

deste apoio, o governo foi capaz de sustentar uma política menos alinhada aos interesses

financeiros e colocar em prática elementos da política neodesenvolvimentista.

Contudo, a partir de 2013, observou-se um gradativo realinhamento das frações

de classe em torno do modelo, enquanto no período anterior, o neodesenvolvimentismo

foi capaz de aglutinar diversos setores da burguesia nacional como a burguesia

industrial e o agronegócio e ainda setores das classes subalternas ao seu projeto político.

No período seguinte, a frágil aliança neodesenvolvimentista viria a erodir, fazendo

eclodir uma crise política que se tornaria latente a partir da segunda eleição de Dilma

Rousseff (2013)25. O afastamento de setores antes fiéis ao governo, como a Federação

das indústrias de São Paulo (FIESP) minou a capacidade do partido em manter a

política ambígua que marcou o período lulista.

Dessa forma, o PT viu-se diante de um paradoxo ao qual não foi capaz de dar

resposta. As propostas do governo não foram capazes de reverter a cisão de sua base de

apoio nas classes dominantes. A crise política iniciada em 2013 levou o governo a

retroceder a política neodesenvolvimentista, que havia se intensificado no início da

23
BOITO JR., Armando. 2013. Ob. cit. p. 178.
24
Braga, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2012, p. 181.
25
SINGER, Andre. Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato
de Dilma Rousseff (2011-2014). Novos Estudos, n. 102, Julho 2015. p. 61.
década26, apontando para a ruptura do modelo e a reversão do quadro político nacional à

hegemonia neoliberal.

A aparente reversão da conjuntura político-econômica nacional, coroada com o

impeachment da presidente Dilma em 2016, parece indicar que o ensaio

neodesenvolvimentista fracassou. Nesse sentido, a crise política seria reflexo do

reordenamento das frações de classe no Bloco no poder, às quais deixaram de apoiar o

governo, como ocorrera em períodos anteriores.

Embora ampla e contraditória na sua composição de classe, a frente política


neodesenvolvimentista existe e atua como tal. [...] Foi assim em 2002 na eleição
presidencial de Lula da Silva; em 2005, na crise política que ficou conhecida como
“Crise do Mensalão” e chegou a ameaçar a continuidade do governo Lula; em 2006, na
reeleição de Lula da Silva para a presidência da República, e novamente em 2010 na
campanha eleitoral vitoriosa de Dilma Rousseff. Em todos os momentos críticos
citados, a sobrevivência dos governos neodesenvolvimentistas esteve ameaçada e, em
todos eles, importantes associações patronais, centrais sindicais, movimentos
camponeses, movimentos populares por moradia bem como o eleitorado pobre e
desorganizado apoiaram, com manifestações dos mais variados tipos ou simplesmente
com o seu voto, os governos e as candidaturas Lula da Silva e Dilma Rousseff27.

Como dito, a crise política não nos parece constituir a única causa de

esgotamento do modelo, contudo ela acentuou o processo, ao minar o modelo político

sobre o qual se estruturou o neodesenvolvimentismo neste período, o modelo lulista, de

modo a ruir as bases sobre as quais o PT estruturou sua política nos últimos anos,

deixando o partido sem condições de sustentar sua posição no governo.

A incapacidade do partido em dar resposta satisfatória à crise política decorre,

não exclusivamente, mas em parte, de um duplo movimento realizado pelo Partido dos

26
Ibidem. p. 61.
27
BOITO JR, Armando. As bases políticas do neodesenvolvimentismo. Trabalho apresentado na edição
de 2012 do Fórum Econômico da FGV / São Paulo. disponível em: http://sistema.bibliotecas.fgv.br/ p.
11.
Trabalhadores ao longo das duas últimas décadas e que se concretizou em uma

bipolaridade intrínseca do modelo.

O primeiro movimento, que tem início a partir da derrota nas eleições

presidenciais de 1989, é a gradual aproximação do partido às classes dominantes, a

gradual interiorização do projeto político hegemônico. Que tem como objetivo

viabilizar o partido, como possível representante da classe dominante na política

nacional. Este movimento foi realizado ao longo de vários anos, e não corresponde a

mudanças restritas apenas à orientação política dos líderes do partido, mas sim a um

processo de reorientação ideológica do partido como um todo28.

Este movimento fica evidente a partir da análise das transformações ocorridas

nas plataformas de governo propostas pelo PT para as eleições subsequentes, 1994,

1998 e 2002.

Agora, é importante destacar uma ideia geral: ocorreu um processo político e social no
Brasil ao longo dos anos 90 que resultou na implantação de uma nova hegemonia
burguesa em nosso país, baseada no discurso e na prática do modelo capitalista
neoliberal dependente. Colocado o problema dessa forma, a “conversão” do PT ao credo
do livre mercado aparece como mais um episódio - ainda que sem dúvida um episódio
de importância maior - nesse processo de implantação e consolidação da nova
hegemonia burguesa29”

O Segundo movimento, consiste na mudança radical da base de apoio do partido

na sociedade brasileira. Desde as eleições de 1989 até a vitória em 2002, o PT contou

com forte apoio das camadas com mais altos rendimentos na sociedade. Enquanto que o

apoio ao partido nas camadas de baixa renda, nunca havia sido predominante. A partir

do primeiro mandato do PT no governo federal, essa situação se alteraria. Em um

primeiro momento pela expansão do apoio dos setores populares ao partido, movimento

28
BOITO JR., Armando. 2003 Ob. cit. p. 2.
29
BOITO JR., Armando. 2003 Ob. cit. p. 4.
este que pode ser relacionado à expansão de programas sociais e ao aumento real do

salário mínimo, medidas implantadas pelo partido e que beneficiariam principalmente

estas parcelas da população. O que se viu a partir de 2003, portanto, foi a ampliação da

base de apoio ao partido, abrangendo setores que antes não se encontravam em seu

espectro. Entretanto, as denúncias de corrupção que surgiram a partir de 2005, tiveram

como consequência a redução da base de apoio ao partido dentro das camadas da

população com altos rendimentos.

Este fluxo de duplo sentido ocorrido na base de apoio popular ao partido resulta

na transformação da base de apoio popular ao governo. Em 2002, a principal base de

apoio do PT encontrava-se nos setores médios, enquanto que em 2006 esse apoio

transfere-se majoritariamente para os setores populares30.

Neste duplo movimento realizado pelo PT ao longo de sua história, reside um

dos aspectos que explicam a incapacidade do partido em levar adiante uma reorientação

da política econômica no Brasil. Assim como a dar uma efetiva resposta à crise política

gerada pelas disputas entre as frações financeira e produtivista no bloco no poder. Uma

vez que, o primeiro movimento, ao aproximar o partido do projeto político hegemônico

neoliberal, através da cooptação de suas lideranças e das alianças estabelecidas com

representantes desta fração de classe - entre eles o próprio PMDB, principal partido

aliado do PT no governo - como forma de viabilizar seu projeto de poder, o PT

estabeleceu laços profundos com a fração financeira da burguesia brasileira.

Por outro lado, o segundo movimento, esta relacionado à aproximação do

partido às classes populares, através das políticas de redistribuição de renda, aumento

real do salário mínimo, crescimento do emprego e grandes investimentos estatais. Essas

30
SINGER, André. 2012. Ob. cit. p. 88.
políticas foram responsáveis, portanto, pela adesão das classes populares ao modelo

lulista e à base de apoio do PT e possibilitaram uma certa “flexibilidade” ao governo na

condução da política econômica.

Incapaz de atender integralmente aos interesses da fração financeira, sem minar

diretamente sua base de apoio popular e, incapaz de atender aos interesses da fração

produtivista sem erodir as alianças que tornaram possível sua sustentação política, o

modelo lulista tornara-se insustentável na conjuntura econômica atual. Nessa

incapacidade parece estar um dos elementos de ruptura do governo Rousseff, como

veremos a seguir.

Conclusões:

Consideramos que os fatores determinantes para a ruptura do ensaio

desenvolvimentista e do lulismo não estão dados apenas pela conjuntura política. As

razões que levaram os setores antes comprometidos com o governo a romper com a

plataforma neodesenvolvimentista precisam ser analisados de forma a apontar os limites

e contradições que decretaram a erosão do modelo. Nesse sentido, podemos apontar

algumas possíveis causas, sem esgotar as hipóteses.

Em primeiro lugar, podemos relacionar o esgotamento do

neodesenvolvimentismo à conjuntura internacional. O boom das commodities, o

crescimento econômico chinês e o cenário externo profundamente favorável, teriam

gerado um redirecionamento no padrão de desenvolvimento nacional, tornado possível a

aplicação de uma política voltada para os setores produtivistas. Com a reversão deste

cenário, a partir da crise econômica de 2008, as condições para a manutenção do

modelo neodesenvolvimentista foram esvaindo-se, apesar dos esforços do governo,

levando à sua ruptura.


Outra possível interpretação seria que os limites do neodesenvolvimentismo

seriam dados pelas disputas no seio da classe dominante. A disputa entre estes frações

de classe no bloco de poder no Brasil, a burguesia financeira aliada ao capital

internacional e a burguesia nacional produtivista, que tem procurado cooptar os setores

populares da sociedade. Essa disputa desestabiliza a hegemonia política do

neoliberalismo no Brasil, colocando em cheque o domínio da burguesia financeira. A

qual passaria a exigir de seus representantes no governo, uma maior observância para

com os seus interesses, pressionando-os nesse sentido, a reduzir as ambiguidades da

política econômica e a focalizar nos interesses deste setor. O que culminou na crise

política que depôs o PT do governo e erodiu modelo neodesenvolvimentista.

O argumento que desejamos fixar é que a durabilidade do lulismo não depende


exclusivamente das condições externas. [...] Em outras palavras, o sucesso do lulismo
pode vir a depender do resultado da disputa entre as coalizões produtivista e rentista
descrita no capítulo 3, e não da conjuntura internacional31.

Ademais, a fragilidade do modelo neodesenvolvimentista estaria na própria

composição de classes que o sustentou, a aliança entre setores, os mais diversos,

contava com limitações estruturais. Em primeiro lugar, as contradições entre a fração de

classe dominante e as classes subalternas que apoiavam o modelo levariam, cedo ou

tarde, a um conflito interno no grupo. As políticas de aumento real do salário,

redistribuição de renda e expansão do emprego empoderou a classe trabalhadora, dando

melhores condições de participação na luta de classes, o que desagradou a fração

dominante do grupo, levando ao seu gradativo afastamento32. Em segundo lugar, a

composição orgânica da fração produtivista coloca limites ao apoio desta classe ao

modelo. Isso porque, ao mesmo tempo em que tem seu capital vinculado ao setor

produtivo, esta fração possui capital investido no setor financeiro, de modo que, seus

31
SINGER, André. 2012. Ob. cit. p. 152.
32
Idem. 2015. Ob. cit. p. 65.
interesses estão ao mesmo tempo em contradição e sintonia com a fração financeira, já

que ela mesma é, em parte, rentista.

A dupla condição dos industriais restringiria o grau de empenho na plataforma


produtivista. Como capitão de indústria, deseja crédito barato, portanto, redução dos
juros. Todavia, como proprietário de conglomerado que é também financeiro, aspira a
juros altos, que remunerem o dinheiro aplicado33.

Essa tese coaduna com argumento que relaciona a ruptura do

neodesenvolvimentismo à conjuntura externa, visto que, durante o período em que os

ganhos no setor produtivo puderam ser potencializados pelo cenário internacional, a

fração da burguesia, que conserva capitais tanto no setor financeiro quanto no setor

produtivo, defendeu o aprofundamento de seus ganhos através de políticas voltadas para

este setor. Porém, dada a reversão da conjuntura externa, esta fração deixa de apoiar as

políticas neodesenvolvimentistas, tendendo ao setor financeiro. Isso explica também,

porque as contestações do setor produtivista concentraram-se em aspectos específicos

da política-econômica, principalmente a taxa de juros, sem realizar um questionamento

contundente acerca de questões estruturais do modelo neoliberal.

Por fim e seguindo as preposições já explicitadas, podemos questionar a

dimensão e o potencial reformulador da plataforma neodesenvolvimentista brasileira,

visto a indissociação entre as frações produtivista e financeira no capitalismo nacional,

este modelo estaria mais relacionado a alterações pontuais dentro da hegemonia

neoliberal, do que a propostas com potencial reformulador do padrão de acumulação

nacional, como ocorreu com o desenvolvimentismo do século passado34.

33
Ibidem. p. 65.
34
SAMPAIO JR, Plínio de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serv.
Soc. Soc., São Paulo, n. 112, out./dez. 2012. p. 678.
Na prática, a terceira via torna‑se uma espécie de versão ultra light da estratégia de
ajuste da economia brasileira aos imperativos do capital financeiro. O diferencial do
neodesenvolvimentismo se resume ao esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da
ordem global sobre o crescimento, o parque industrial nacional e a desigualdade
social35.

Neste sentido, os limites do neodesenvolvimentismo estariam circunscritos ao

próprio modelo neoliberal e as possibilidades de alteração comportadas pela fração

dominante do Bloco no poder.

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2015.

VEIGA, José Eli da. Neodesenvolvimentismo quinze anos de gestação. In São Paulo
em Perspectiva, v. 20, n. 3, jul./set. 2006.
O ESTADO CONTEMPORANEO EM DEBATE: APONTAMENTOS SOBRE AS
REFORMAS NEOLIBERAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NO MUNDO
GLOBALIZADO

Vinícius Figueiredo Silva1


Acson Gusmão Franca2

RESUMO

O objetivo deste trabalho é entender a partir de um breve resgate histórico as principais


transformações ocorridas no Estado frente ao contexto neoliberal. Para tanto, iniciamos
esta discussão apontando os principais elementos históricos que influenciaram a adoção
das políticas neoliberais por parte dos países capitalistas. Em seguida, apresentamos
sumariamente as bases teóricas que justificam suas ideias, bem como, evidenciamos as
diferenças entre o arcabouço liberal e sua nova roupagem com intuito de entendermos
como se constituiu o neoliberalismo enquanto projeto político. Na última parte, são feitos
apontamentos sobre o neoliberalismo no Brasil.

Palavras – chave: Estado, Neoliberalismo, Capitalismo.

ABSTRACT:

The objective of this paper is to understand from a brief historical rescue the main
transformations occurred in the State in front of the neoliberal context. To do so, we began
this discussion by pointing out the main historical elements that influenced the adoption of
neoliberal policies by the capitalist countries. Next, we present briefly the theoretical bases
that justify its ideas, as well as, we show the differences between the liberal framework and
its new drapery in order to understand how neoliberalism was constituted as a political
project. In the last part, notes are made on neoliberalism in Brazil.

Key-words: State, Neoliberalism, Capitalism.

1. Introdução

As novas concepções do pensamento liberal surgiram no início do séc. XX com o

objetivo de oferecer consistência e novas formas às políticas econômicas e avançar sobre a

economia globalizada nascente. Seus princípios, baseavam-se na sobreposição dos

1
Estudante do programa de mestrado em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da
UNICAMP.
2
Estudante do programa de mestrado em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da
UNICAMP.
interesses individuais e do mercado sobre o Estado, tendo este um papel distinto das

prescrições keynesianas amplamente utilizadas pelos governos capitalistas para combater

os efeitos da crise da década de 1929.

Em termos de política econômica, suas recomendações só seriam adotadas de forma

mais efetiva, nos anos 1970, quando a “quarentena” dos neoliberais começou a romper-se

decididamente por meio da crise estrutural que se configurou nesta década. As

consequências geradas pela crise, aliadas às transformações do quadro político e

econômico repercutiram na atuação do Estado como reflexo da adoção da política

neoliberal - principal instrumento político e ideológico de vários governos

neoconservadores para salvar o capitalismo das amarras do comunismo.

Ao voltarem à cena, em ocasião propícia, não somente as crenças ortodoxas, mas

também as companhias multinacionais se aproveitaram deste contexto de reorganização do

capitalismo para espalharem pelo mundo suas filiais a fim de movimentavam seus fundos

financeiros e potencializar seus lucros e seu poderio (MORAES, 2001). Deu-se então um

amplo processo de descentralização das políticas empreendidas pelo Estado, não apenas

nos países centrais, mas também nos países periféricos, a exemplo do Brasil.

Afetado por essas transformações e particularmente pela crise da dívida da década

de 1980, a configuração da gestão do Estado neoliberal neste último, instituiu novas

estratégias de interação entre o público e o privado. Foi influenciado pelo caráter

mantenedor da acumulação capitalista, que subjugado às políticas neoliberais agora

globalizadas, que o Estado seria cooptado a operar uma ampla reforma administrativa.

Partindo desta realidade, o objetivo deste trabalho é entender por meio de um breve

resgate histórico as principais transformações ocorridas no Estado frente ao contexto

neoliberal. Para tanto, iniciamos esta discussão apontando os principais elementos

históricos que influenciaram a adoção das políticas neoliberais por parte dos países
capitalistas. Logo após, apresentamos sumariamente as bases teóricas que justificam suas

ideias, bem como, evidenciamos as diferenças entre o arcabouço liberal e sua nova

roupagem com intuito de entendermos como se constituiu o neoliberalismo enquanto

projeto político. Na última parte, são feitos apontamentos sobre o neoliberalismo no Brasil.

2. Antecedentes Históricos

A partir de meados da década de 1970, o mundo capitalista vivenciou uma série

de eventos históricos que contribuíram para o definhamento do Estado de bem-estar social.

Todo o período de otimismo das décadas anteriores classificado por Mandel (1990) como

“os anos gloriosos do capitalismo”, que como vimos - em sua política econômica,

pretendia ajustar os interesses capitalistas e da classe trabalhadora, se contrastaria com a

queda da lucratividade e recuo dos níveis de acumulação.

Para Carcanholo e Baruco (2006), as dificuldades em sustentar os altos níveis de

crescimento conquistados no pós-segunda guerra, surgiram mediante a incapacidade dos

governos das principais economias desenvolvidas em sustentar o sistema monetário e

financeiro internacional constituído em 1944, na Conferência de Bretton Woods. Para além

da missão de proporcionar um clima monetário e financeiro estável para a retomada do

comércio internacional, os acordos de Bretton Woods haviam refletido a alteração da

correlação de forças no seio da economia mundial. O Reino Unido, a grande potência

industrial e comercial até a Primeira Guerra Mundial, “cedia” definitivamente o lugar de

chefia aos EUA: saídos da Guerra não apenas como a principal potência econômica, mas

também militar e política.

A vitória das ideias defendidas pelo secretário do tesouro americano Dexter

White, corresponderam a este ambiente favorável à emergência dos EUA enquanto motor

de recuperação da economia internacional. Diante desta incumbência, os EUA passariam a


dispor do privilégio de possuir oficialmente uma moeda de aceitação universal vinculada à

mercadoria que historicamente representou o dinheiro universal: o ouro. Ademais, foram

estabelecidas novas normas de comércio que seriam prescritas pelo FMI e pelo Banco

Mundial: órgãos que a partir de então seriam responsáveis por policiar o comércio, as

práticas monetárias e financiar os desequilíbrios de balanço de pagamentos dos países

membros (MENDONÇA, 1990).

A dificuldade em manter o sistema monetário e financeiro internacional

constituídos no acordo, encontrava nas pressões inflacionárias que se acumulavam em

vários países, seu maior obstáculo. Vários fatores reforçaram este processo, entre os quais

é importante destacar os problemas encontrados pelos EUA para equilibrar sua balança de

pagamentos.

O montante de gastos com investimentos diretos, gastos militares e a ajuda

financeira a outros países, antes atenuados pelo amplo saldo da balança comercial, já não

era mais possível de ser realizado sem afetar negativamente as contas do EUA com o

exterior. Neste mesmo contexto, países como o Japão e a Alemanha já reconstruídos, com

seus sistemas organizacionais e financeiros mais novos e permeáveis às mudanças

tecnológicas, passaram a disputar mercados com os produtos americanos3.

Além de uma economia desequilibrada, na esfera política, o país também

apresentava outros problemas. Internamente, o escândalo político de Watergate que levou

a renúncia do presidente Nixon, as investigações de ações secretas e ilegais por parte da

CIA e outros organismos americanos e questionamentos acerca do assassinato do

Presidente Kennedy drapejaram sobre a esfera política. Externamente, a derrota não

assumida no Vietnã, a crise dos mísseis em Cuba, o fortalecimento militar da União

3
A penetração de produtos importados no mercado americano foi marcadamente pronunciada nos setores de
automóveis, maquinaria e tecidos Moffit (1984, p.30).
Soviética e da China representaram na prática, os sintomas da instabilidade da potência

estadunidense. Somava-se a esta questão, os gastos com o financiamento direto e indireto

nas políticas locais na América Latina, Ásia e Oriente Médio (BLOCK, 1987).

Porém, o acontecimento mais relevante que colaborou para a referida crise e para

a expansão do processo inflacionário, sem sombra de dúvida, foi o aumento do preço do

petróleo ocorrido inicialmente no final de 19734. Nesse período, como resultado das

decisões do cartel dos países produtores do petróleo, a OPEP - o preço do petróleo saltou

de US$ 3,5 por barril de petróleo bruto para expressivos US$ 11,65 por barril

(CARCANHOLO, 2002).

As transformações estruturais induzidas por essas respostas constituíram a partir

de então, no principal impulso das mudanças ocorridas nos países capitalistas. A falência

do potencial de expansão do padrão de acumulação anterior e as rupturas no marco

institucional geraram profundas mudanças nas condições de rentabilidade do capital e

desencadearam reações estratégicas por parte das empresas e dos governos.

Ao lado do crescente número de desempregados, foi amplificada a pressão por

desregulamentação e flexibilização dos mercados, principalmente do mercado de trabalho.

Estava dada a largada de um movimento cíclico que seria constituído por uma crise em

1974-1975, seguido de uma suave recuperação no período de 1976-1977, e por uma nova

crise, iniciada no ano de 1979 e que seria agravada pela subida da taxa de juros

4
O fim das paridades fixas e a enxurrada de petrodólares do primeiro choque (1973) impulsionou ainda uma
tendência de especulação com moedas, que minavam o poder do dólar americano e, paradoxalmente,
fortaleciam o marco e o iene. Estas tendências policêntricas que se desenhavam no sistema financeiro
internacional influenciaram o processo de contestação do papel de dominância do Estado norte-americano. O
próprio sistema bancário privado norte americano e suas empresas transacionais se movimentavam muitas
vezes à revelia do interesse nacional, favorecendo ainda mais à modernização e expansão europeia e
nipônica. Ver KILSZTAJN, Samuel (1989). O acordo de Bretton Woods e a evidência histórica: O sistema
financeiro internacional no pós-guerra. Revista de Economia Política, 9(4): 88-100, out/dez.
estadunidense5 - o que possibilitou que as propostas neoliberais ganhassem cada vez mais

espaço tanto no debate acadêmico quanto como política prática (CAMPOS, 2009).

3. O neoliberalismo e suas bases teóricas

Por definição, o neoliberalismo constitui em primeiro lugar, uma corrente de

pensamento, “uma reação teórica contra o estado intervencionista e de bem-estar”

(ANDERSON, 1995, p.9). Apesar de suas propostas serem promovidas com maior força

somente a partir da crise do modelo econômico do pós-guerra, as raízes da experiência

“neoliberal” estão associadas a realização do Colóquio Walter Lippmann ocorrido na

França no ano de 1938.

Este colóquio serviu como ponto de convergência dos pensadores liberais

europeus e americanos que viam na construção do welfare state uma ameaça à liberdade

individual e se sentiam impotentes diante da hegemonia das ideias keynesianas e

socialistas – especialmente as noções de planejamento econômico das propostas contidas

no New Deal do Presidente Roosevelt (1935) e no planejamento centralizado dos planos

quinquenais dos anos 1930 empreendido pela URSS. Mais do que uma adaptação do antigo

liberalismo às novas condições do capitalismo do século XX, autores como Raymond

Aron, Louis Baudin, B. Lavergne, Walter Eucken, Louis Rougier, Friedrich Hayek,

5
Como medida de reafirmação da hegemonia dos EUA e da sua moeda, o FED decidiu adotar uma política
restritiva sobre a expansão da massa monetária dos EUA. Tal reação, provocou níveis recordes das taxas de
juros e a alta da cotação moeda estadunidense. Em resposta, outros países industrializados também foram
obrigados a elevar suas taxas de juros para evitar quedas maiores das cotações de suas moedas. Certamente,
os países periféricos foram os mais afetados com a subida dos juros. Espremidos entre a súbita escassez do
meio de pagamento internacional e o elevado serviço da dívida externa já contratada estes países também
sofreriam com a queda do preço das commodities registrada no mesmo ano. Para uma análise mais detalhada
ver TAVARES, M. C. (1985). A retomada da hegemonia norte‑americana. Revista de Economia Política, 5
(2), abril‑junho. Republicado, em versão ampliada, em TAVARES, M. C. & FIORI, J. L., orgs. Poder e
Dinheiro. Petrópolis: Vozes, 1997.
Ludwing von Mises, Jacques Rueff, L. Marlio e W. Ropke ven Zeeland tinham como pauta

a necessidade de repensar a relação entre Estado e mercado6.

Para Carcanholo (2002), apesar da recuperação do individualismo metodológico,

do naturalismo e da noção de progresso presentes na própria ideia de harmonia natural, a

atualização da tradição liberal possuía cinco diferenças em relação ao liberalismo clássico

dos séculos XVII e XVIII. A primeira diferença se referia ao contexto histórico. Enquanto

o liberalismo clássico possuía um caráter mais progressista vinculado a luta travada pela

burguesia contra a aristocracia, às regalias da nobreza e aos direitos divinos, em defesa de

sua inserção no espaço político e ideológico; o neoliberalismo foi esculpido através do

combate de seus defensores contra o Estado interventor keynesiano e o planejamento

econômico socialista, nos marcos do próprio capitalismo. Em outras palavras, ao contrário

do “antigo liberalismo”, o ideário neoliberal, refletia seu caráter conservador na busca pelo

retorno de uma ordem já estabelecida anteriormente, em que a concorrência e a democracia

eram, como se pressupõe, a norma.

Em segundo lugar, ao contrário da sua fonte de inspiração, a perspectiva

neoliberal concatenou-se de tal forma com as transformações econômicas e políticas

enfrentadas nas últimas décadas, que sua aceitação não foi uma mera alternativa

ideológica, mas uma pretensa aceitação de fatos. Em outras palavras, ao exaltar as virtudes

abstratas dos mercados, o neoliberalismo acabou por ocupar todos os espaços da sociedade,

demonstrando pelo menos na aparência, sua hegemonia ideológica e unilateralidade

(CARCANHOLO, 2002).

6
EZCURRA, Ana María. Qué es el neoliberalismo?: evolución y límites de un modelo excluyente. Lugar
Editorial –IDEAS, 1998.
A terceira distinção estava associada aos conceitos de liberdade e igualdade

pregados pelo liberalismo clássico. No liberalismo dos tempos de Smith e Ricardo, tais

fundamentos pertenciam à filosofia dos direitos naturais e postulava que os homens

nasciam livres e racionais. Desse modo, tanto a razão quanto a liberdade eram valores

fundamentais, enquanto virtudes filosóficas e políticas. Sob outra perspectiva, o

neoliberalismo não encontrou seu significado na filosofia moral ou política - representa

“uma receita de política econômica, onde as esferas políticas e sociais são reflexos do

comportamento econômico, subordinadas a critérios de eficiência” (CARCANHOLO,

2002, p.28). Isto é, não estava mais subordinado aos ditames dos valores do liberalismo

clássico, mas de uma visão economicista voltada basicamente aos interesses do mercado.

A ordem desses valores se relacionava com a quarta diferença: os conceitos de

liberdade e igualdade. Esses conceitos no liberalismo clássico, eram intimamente

interligados, ao menos no que se refere à esfera jurídica. Cada indivíduo era perfeitamente

livre para buscar seu próprio interesse, a seu próprio modo, desde que não violasse as leis

da justiça (CORAZZA, 1986). No caso do pensamento neoliberal, essa subalternidade

mútua entre liberdade e igualdade não se apresentava. Ao invés disso, a desigualdade se

tornou um valor, ao passo que, pelo lado das relações econômicas, esta seja justificável

como recompensa aos mais produtivos e eficientes e moralmente, como mecanismo de

incentivo à "ascensão social" por esforço pessoal. Logo, para a corrente neoliberal, “a

desigualdade econômica não é justa ou injusta, já que o mercado não é algo voluntário,

mas impessoal” (CARCANHOLO, 2002, p.29).

Em última instância, também podemos definir esses dois tipos de pensamento pela

ótica do papel do Estado. Ao mesmo tempo em que, o liberalismo clássico concebia um

Estado mínimo, no qual a liberdade individual estaria garantida por uma relação não entre
governo e governados, mas por um pacto social estabelecido pelos indivíduos que prezasse

pelos direitos naturais do homem, dentre eles, o direito à propriedade - na versão

neoliberal, este mesmo Estado deveria ser mínimo no sentido de propiciar o livre

funcionamento do mercado, ou seja, à ordem natural harmônica (BARUCO, 2005).

Em seu sentido teórico, podemos ver tudo isso apresentado por Hayek em “O

caminho da servidão”. Neste livro, ao estabelecer uma ligação direta entre o sistema de

propriedade privada como a mais importante garantia de liberdade, Hayek buscou

demonstrar a incompatibilidade entre o planejamento e a democracia. Todo o planejamento

econômico, por menor que seja, seria baseado na criação de um suposto bem comum ou

nacional que, por conseguinte, conduziria as nações que o aplicassem ao totalitarismo e

perda de liberdades individuais. Na visão de Hayek, planificar significaria racionalizar a

regulação do sistema por fora das bases decisórias individuais e do mercado. Tal afirmação

fica clarividente nas palavras de Hayek (1990, p.56):

O conceito de "planejamento" deve sua popularidade em grande parte ao


fato de todos desejarmos, obviamente, tratar os problemas ordinários da
forma mais racional e de para tanto precisarmos utilizar toda a capacidade
de previsão possível. Neste sentido, se não for um completo fatalista,
todo indivíduo será um planejador; todo ato político será (ou deveria ser)
um ato de planejamento, de sorte que só haverá distinção entre o bom e o
mau planejamento, entre um planejamento sábio e previdente e o míope e
insensato.

Hayek temia que acontecesse na Inglaterra o mesmo que havia ocorrido na

Alemanha nazista e na URSS. Seu alvo de crítica naquele momento era a agenda

socialdemocrata do Partido Trabalhista inglês que iria disputar as eleições gerais em 19457.

Para o autor, a socialdemocracia mesmo sendo portadora de boas intenções acabaria por

engendrar historicamente o mesmo desastre que o nazismo alemão (ANDERSON, 1995).

7
Ainda assim, sua posição não foi exclusivamente direcionada aos partidários da revolução e da economia
planificada, “mas a toda e qualquer medida política, econômica e social que indique a mais tímida simpatia
ou concessão para com as veleidades reformistas ou pretensões de fundar uma "terceira via" entre
capitalismo e comunismo” (MORAES, 2001, p.13).
Apesar dos anseios de Hayek e da vitória das tropas inglesas na Segunda Guerra Mundial,

os conservadores de Churchill perderam as eleições para os trabalhistas, liderados por

Clement Attlee, que se tornou na ocasião, o primeiro-ministro.

Essa derrota não fez com que Hayek deixasse para trás seus ideais. Em 1947, o

herdeiro das ideias de Ludwig von Mises conduziu os trabalhos de uma "internacional dos

neoliberais", a Sociedade do Mont Pèlerin. Além de continuar a levar a cargo as tarefas do

Colóquio Walter Lippmann, a sociedade de Mont Pèlerin atuaria como principal referência

dos ideólogos do livre mercado que surgiram durante o colapso do consenso keynesiano

(HOBSBAWN, 1995). Dentre eles, o mais destacado centro de difusão desta corrente de

pensamento foi a Universidade de Chicago. Núcleo que, através da chamada “escola

monetarista” e de seu principal mentor, o catedrático Milton Friedman, começou a ganhar

cada vez mais espaço tanto na academia quanto na condução da política econômica de

diversos países (BARUCO, 2005).

4. O neoliberalismo enquanto projeto político

As teorias neoliberais foram decisivas para a constituição de um novo projeto

político-econômico não apenas no âmbito mundial, mas também para a América Latina.

Através delas foram estabelecidas normas de interação econômicas globais baseadas na

liberalização e desregulamentação dos mercados, das atividades produtivas e financeiras.

Neste sentido, a preponderância da liberdade de mercado instituía uma série de

efeitos malignos que contrapunha à cultura democrática e igualitária do indivíduo na

sociedade e enterravam a possibilidade de o planejamento econômico exercer qualquer

influência sobre a economia. Mudanças que sobremaneira, impactaram diretamente nas

tradicionais funções atreladas ao Estado.


Esse novo projeto de Estado – inspirado nas teses liberais da autorregulação do

mercado em favor do “não intervencionismo” – encontrou no processo de valorização do

capital as condições necessárias e suficientes para o fortalecimento das ações a serem

executadas. Os neoliberais contestavam a intervenção estatal e defendiam o retorno dos

mecanismos de mercado na regulação da atividade econômica, entendendo que a

participação do Estado se resumia às funções de regulação e supervisão prudencial, o que

levaria à retomada dos investimentos, do crescimento econômico e da distribuição de

renda, perdidos com a crise (MORAES, 2001).

Com base nesta perspectiva, acreditavam que as raízes da crise de 1970

localizavam-se no poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários, os quais

corroíam as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicatórias para

aumento dos salários e principalmente sobre o Estado, que a partir desta lógica, tinha que

arcar com o aumento nos gastos sociais (ANDERSON, 1995). Foi com este discurso, que o

programa neoliberal ganhou adeptos e conquistou líderes partidários alinhados com esses

preceitos em governos de importantes países, possibilitando que seu receituário se tornasse

hegemônico. Destes, cabe destacar os governos de Margaret Thatcher na Inglaterra e de

Ronald Reagan, em 1980, nos EUA e o de Helmut Kohl, em 1982 na Alemanha

(HOBSBAWN, 1995).

Dado seu ambicioso pacote de medidas ortodoxas aplicadas no país, o modelo

inglês foi considerado o pioneiro e o mais puro de todas as experiências neoliberais em

países de capitalismo avançado. Thatcher preconizou o retorno dos valores vitorianos

exaltando o papel do individualismo, impostos mais baixos sobre os rendimentos altos para

incentivar o investimento e estimular o mercado, bem como, uma nova legislação

antissindical casada com um extenso programa de privatizações que visavam amputar o


setor público e mais da metade dos seus ativos - seja em setores de transporte, de

comunicações ou mesmo em indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo e

gás8. Nas palavras de Anderson (1995, p.12):

Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária elevaram as taxas


de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos,
aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de
desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova
legislação anti-sindical e cortaram os gastos sociais. E finalmente – esta
foi uma medida surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo
programa de privatização, começando por habitação pública e passando
em seguida a indústrias básicas como aço, a eletricidade, o petróleo, o gás
e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de
todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado.

Nos Estados Unidos, a prioridade neoliberal era motivada pelas tensões decorrentes

da competição militar com a União Soviética. Sua estratégia era desestabilizar a economia

soviética e, por esta via, derrubar o regime comunista na Rússia. Por outro lado, em sua

política interna, Reagan também reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas

de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão. Contudo, não respeitou a disciplina

orçamentária perseguida por Thatcher; ao contrário, lançou-se numa corrida armamentista

sem precedentes, envolvendo gastos militares enormes, que criaram um déficit público

muito maior do que qualquer outro presidente da história norte-americana (HOBSBAWN,

1995).

A partir da década de 1990, o receituário neoliberal se tornou hegemônico,

encontrando apoio no advento da chamada globalização. Nesta condição, o processo de

globalização traduzia-se na intensa circulação, não somente de mercadorias, mas também

de capitais – instaurando nas economias mundiais a internacionalização dos mercados

como principal estratégia de disseminação das políticas neoliberais e de sobrevivência para

8
Ver HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX : 1914-1991 /; tradução Marcos Santarrita ;
revisão técnica Maria Célia Paoli- — São Paulo : Companhia das Letras, 1995, Cap.8.
os antigos mecanismos de exploração e acumulação capitalista (CARCANHOLO, 1997, p.

2002).

Para Chesnais (1996), a substância desta globalização pode ser manifesta no

termo “mundialização do capital9”. Muito mais do que a representação das atividades dos

grupos empresariais e dos fluxos comerciais decorrentes do processo de globalização, tal

expressão demonstraria que este novo fenômeno de tática global apesar de aparentemente

integrador se mostrou cada vez mais excludente e, portanto, incapaz de abarcar as

economias periféricas.

Sob a égide desta mundialização do capital, cujo o único interesse é a valorização

do capital, a economia mundial passou a se reproduzir com alto poder monopolista de

concentração e centralização de capital. A hipertrofia da esfera financeira criou inúmeros

mecanismos para romper as amarras das relações sociais, leis e regulamentações impostas

pelo jogo do livre mercado, de forma a impulsionar a formação de oligopólios mundiais

que ultrapassariam quaisquer fronteiras, mediante as chamadas práticas de

desterritorialização. O resultado desse processo é a criação de mercados imperfeitos e uma

sociedade polarizada, como afirma Chesnais (1996, p.37):

A polarização é em primeiro lugar interna a cada país. Os efeitos do


desemprego são indissociáveis daqueles resultantes do distanciamento
entre os mais altos e os mais baixos rendimentos, em função da ascensão
do capital monetário e da destruição das relações salariais estabelecidas
(sobretudo nos países capitalistas avançados) entre 1950 e 1970. Em
segundo lugar, há uma polarização internacional, aprofundando
brutalmente a distância entre os países situados no âmago do oligopólio
mundial e os países da periferia.

9
Nas palavras de Chesnais (1996, p.34): “A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos,
estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caraterizado como a mais longa fase de
acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às
políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais
e democráticas, que foram aplicados desde o início da década de 1980, sob o impulso de Thatcher e Reagan”.
Neste novo contexto, a tríade formada pela desregulamentação, privatização e a

globalização se colocou como a nova base estratégica deste novo Estado que, na sua

complexidade, intervém diretamente nas diferentes esferas da sociedade; no entanto, não

para regular o mercado, mas sim, para favorecê-lo a qualquer preço (CHESNAIS, 1996).

Desse modo, o que se prega é “a austeridade nos gastos sociais e a minimização das

intervenções econômicas” (CARCANHOLO, 1997, p.201).

Por isso, os mecanismos de ação praticados por este Estado se resumiam no

crescimento do aparelho estatal enquanto indutor dos investimentos privados que

porventura, deviam ser totalmente desvinculados de quaisquer benefícios à esfera social

(NETTO, 2001). Tal postura demonstraria em que medida a globalização foi perdendo seu

discurso simplório de promoção de transformações qualitativas e quantitativas para o

conjunto dos países e passou a representar um dos ingredientes principais do receituário do

regime capitalista. Até porque, sob esta perspectiva, o Estado, deveria ter como principal

objetivo, favorecer a autonomia do capital a fim de beneficiar a classe rentista e o

“processo de livre concorrência" em detrimento do próprio interesse coletivo

(CARCANHOLO, 1997).

5. Apontamentos sobre o Neoliberalismo no Brasil

O Brasil foi o último dos países da América Latina a implementar a política

neoliberal. Diferentemente dos países da Europa e outros também da América Latina, no

Brasil o processo de hegemonia do neoliberalismo deveu-se ao resultado da disputa

política de classes, não de um debate ideológico anterior a sua implementação10. Com o

10
Na América Latina, o discurso neoliberal começou a se afirmar na década de 1980. No ano de 1989, foi
realizada uma reunião entre membros dos organismos internacionais financeiros que ficou mundialmente
conhecida como Consenso de Washington. O consenso possuía um caráter tipicamente neoliberal e
objetivava fornecer subsídios aos países da América Latina e para isto, propôs aos países participantes a
adoção de um conjunto de medidas como redução da intervenção do Estado e abertura total e ilimitado dos
esgotamento do Modelo de Substituição de Importações e o fracasso dos planos de

estabilização monetária – Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão – o neoliberalismo

foi se fortalecendo (FILGUEIRAS, 2006).

Anteriormente a esse momento, o Brasil tinha desfrutado de altas taxas de

crescimento em decorrência da intervenção estatal do período militar. Contudo, os anos de

1980 demonstraram grande endividamento do Estado em decorrência da política

intervencionista A maioria dos Estados latino americanos encontrava-se em profunda

dívida pública, vendo-se forçados a renegociarem suas dívidas frente ao FMI.

Diante dessa conjuntura decadente, o crescimento com endividamento havia se

tornado insustentável, o que desacelerou a política desenvolvimentista11 contida nos planos

executados nas décadas anteriores. Em consonância a isto, as preocupações do Estado se

deslocaram para a criação de políticas de estabilização orientadas a controlar a dívida

externa, reduzir os desequilíbrios nos balanços de pagamentos e a inflação, uma vez que

tais debilidades influenciavam diretamente nos rumos do país (MIGLIOLI, 1982). Essas

condições deixavam claros os limites da política econômica até então adotada. Desse

modo, a década de 1980 assistiu, nos países da América Latina, a uma virada ideológica

em favor do discurso neoliberal e suas políticas econômicas restritivas em favor de uma

pequena parcela da população (GROS, 2002).

No caso do Brasil, não foi diferente: as condições econômicas do período

aprofundaram a desigualdade social e redundaram as políticas estatais a favor da

mercados. Sobre o tema, ver BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos
problemas Latino-Americanos. In: Caderno Dívida Externa. n. 6, PEDEX, São Paulo, 1994.
11
No Brasil, a virada das décadas de 1970/80 marcou o final do Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) e uma subsequente reviravolta no planejamento econômico brasileiro, haja vista o
cenário corrente de crise fiscal e financeira do Estado. Como vimos, uma grande parcela de responsabilidade
por esses problemas competiu ao novo choque externo representado pelo recrudescimento da inflação
mundial, sob a liderança do petróleo, o que deteriorou as relações de troca entre os países, inclusive no do
Brasil. Além disto, a elevação da taxa de juros internacional também cumpriu um papel negativo nesse
processo, seja pelo aumento dos serviços da dívida externa ou pelo estreitamento do raio de manobra da
política monetária doméstica (CARNEIRO, 2002).
famigerada classe burguesa. O desemprego conquistou taxas altíssimas e a tributação

recaía principalmente sobre a classe trabalhadora, através de tributos sobre os salários e

sobre o consumo, em comparação aos exíguos tributos sobre os rendimentos de capital e

propriedade. Isso acarretou uma alta concentração de renda no Brasil a partir da década de

1990 (CARNEIRO, 2002).

Para os países centrais, a política neoliberal resultaria no retorno ao período de

acumulação perdido com as crises da década de 1970, através da abertura comercial e a

expansão dos mercados além das fronteiras nacionais também para os países periféricos.

Na medida em que os processos econômicos se “mundializaram”, a política neoliberal

apontava a necessidade de abertura das economias também dos países periféricos a fim de

absorver o desenvolvimento (CHESNAIS, 1996). Essa abertura comercial trouxe como

consequência a desnacionalização: venda e fusão de empresas ao capital internacional, o

que provocou também um processo de desindustrialização no país e a dominação de

setores caracteristicamente primários como o agronegócio e a pregação da “vocação”

agrária brasileira (FILGUEIRAS, 2006).

Isso resultou no fortalecimento político e econômico dos grupos financeiros e o

predomínio do capital financeiro nas relações econômicas através do processo de

desregulamentação dos mercados financeiros e financeirização da economia apoiada na

dívida pública. A abertura dos mercados tornou a economia nacional instável e

extremamente dependente do saldo de exportações para garantir um mínimo de

estabilidade, o que pôde ser constatado nas crises cambiais de finais dos anos 1990,

exigindo cada vez mais a obtenção de saldos positivos na conta de transações correntes,

para minimizar a extrema volatilidade (FILGUEIRAS, 2006).

Outro componente da política neoliberal foi o processo de flexibilização das

relações de trabalho, resultando na precarização do trabalho por meio do processo de


terceirização e subcontratações. Tal flexibilização levou até mesmo a precarização do

trabalho no setor público, por meio de reformas administrativas que permitiram demissões

e contratações para além de concursos públicos (ANTUNES, 2003). Enquanto isso,

Emendas Constitucionais possibilitaram reformas na previdência, no governo FHC e Lula,

que levaram a redução de benefícios e direitos por parte dos trabalhadores com

consequente aumento das contribuições, principalmente em decorrência da necessidade de

superávits primários.

Em decorrência da quebra dos monopólios estatais e das privatizações, o Estado

diminuiu sua participação nas atividades produtivas, cumprindo um dos objetivos buscados

pela política neoliberal. Soma-se a isso o crescimento acelerado da dívida pública e a

subordinação das políticas macroeconômicas ao capital resultando na fragilidade do Estado

e na dependência cada vez maior da economia brasileira aos ditames do capital financeiro

internacional. Além disso, a instabilidade econômica em decorrência da abertura comercial

e financeira vulnerabilizaram o balanço de pagamentos, resultando na necessidade de uma

política de altas taxas de juros para regulação dos preços.

Toda essa instabilidade comprometeu tanto o crescimento econômico, como

também as finanças públicas e potencializaram as reformas liberalizantes já citadas que,

embora tenham se firmado no Brasil durante o governo Fernando Collor, se mantiveram

nos governos de Itamar Franco (1992-1994), no governo Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002) e se aprofundaram de forma, mesmo que velada, nos governos posteriores,

marcadamente alinhados ao enfoque neodesenvolvimentista.

6. Considerações finais

A partir deste breve resgate histórico, é possível notar que a partir dos anos 1980 o

mundo capitalista vivenciou uma nova era histórica, em que o advento das políticas
neoliberais aliado aos efeitos da globalização atingiu proporções gigantescas, de forma a

debelar qualquer possibilidade de um Estado intervir na economia, a não ser nos moldes

ortodoxos. Ao sacramentar a defesa dos interesses expansionistas do capitalismo

conjugado aos interesses da classe trabalhadora em meio a falência dos anos gloriosos do

capitalismo, o neoliberalismo garantiu a sua permanência e dinamismo enquanto aparato

de restruturação do capitalismo.

Nesse sentido, concordamos com Perry Anderson (1995), ao afirmar que realizar

qualquer balanço ou análise atual sobre o neoliberalismo possui um caráter provisório, pois

este movimento é inconcluso. Até porque a implementação do receituário neoliberal, ao

contrário do que garantiam seus defensores, não se processou nos moldes prometidos,

redundando em perdas sociais, econômicas e por parte dos Estados.

Nos países latino-americanos, por exemplo, os gastos governamentais foram

ampliados e redirecionados ao pagamento da dívida e à circulação financeira. Em

contrapartida, os níveis de crescimento apresentados por estes países foram irrisórios

quando comparados àqueles apresentados durante a fase excepcional de prosperidade e

modernização do pós-Segunda Guerra.

No Brasil, especificamente, essas práticas, embora tenham se firmado em fins da

década de 1980, com a eleição do Presidente Collor, responsável pelo processo de abertura

econômica, foi no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso com a efetivação do

tripé ortodoxo: câmbio flutuante (ainda que só em seu segundo mandato), controle da

inflação, taxa de juros, que as mesmas se solidificaram. Essa forma de intervenção do

Estado ao invés de tornar a economia brasileira menos vulnerável em termos

macroeconômicos, instaurou aqui uma lógica liberalizante que a mantém presa às

armadilhas externas.
Esse conjunto de argumentações nos permite concluir que o atual modelo de

intervenção estatal instaurado nos países latino-americanos se mostrou incapaz de intervir

efetivamente na economia e em prol de medidas que garantissem maiores níveis de

equidade. Mesmo porque, esculpido pelos interesses privados, o Estado Neoliberal

desvinculou-se cada vez mais dos interesses sociais. Convive-se então com um verdadeiro

“imbróglio”: que em sua essência se mostrou incompatível com a concepção de sociedade

organizada e de Estado planejador tal qual fora caracterizado por Tavares (2014).

7. Referências Bibliográficas

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PREVIDÊNCIA E FINANÇAS PÚBLICAS: Um debate sobre a reforma e seu

impacto nos gastos do governo.

Alex Eugênio Altrão de Morais1


Filipe Marques Dias2
Matheus Gomes do Carmo de Souza3
Stela Rodrigues Lopes Gomes 4
Warllen Júnio Gonzaga5
Universidade Federal de Ouro Preto

Resumo:

O artigo faz inicialmente uma análise sobre a estrutura fiscal do Estado,

após traçar este cenário, os esforços serão concentrados no entendimento das variantes

ligadas a reforma no âmbito da previdência. Dentro desse tema permanecem diversas

discussões, alguns defensores de que não é necessária, outros de que ela é urgente e

aqueles que sugerem reformar gradualmente. Por fim, é introduzido um debate a cerca da

Proposta de Emenda à Constituição (PEC 287) proposta pelo governo. Desse modo serão

examinados os sérios problemas que aprofundam e acirram o debate sobre esse cenário e

causam profundo impasse político e social.

Palavras-chave: Reforma previdenciária, gasto público e dívida.

1 Graduando em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Municipal de Franca. Atualmente


mestrando do Programa de Pós Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) e integrante da Liga Acadêmica de Estudos Econômicos - alex.altrao50@gmail.com;
2 Economista e Especialista em Finanças pela PUC Minas. Atualmente mestrando em economia aplicada
pela UFOP e integrante da Liga Acadêmica de Estudos Econômicos - marquesfil@hotmail.com;
3 Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Juiz de Fora Campus Governador Valadares.
Atualmente mestrando em Economia Aplicada pela UFOP e integrante da Liga Acadêmica de Estudos
Econômicos - matheusgomessousa@gmail.com;
4 Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente mestranda em
Economia Aplicada também pela UFOP e integrante da Liga Acadêmica de Estudos Econômicos -
stelarodrigues2486@gmail.com;
5Graduado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente
mestrando em Economia Aplicada pela UFOP e integrante da Liga Acadêmica de Estudos Econômicos -
warllengonzaga@gmail.com.
Abstract:

The article initially makes an analysis of a fiscal structure of the State, after

tracing this scenario, efforts will be concentrated on the understanding of the variants

linked to retirement in the field of social security. Within the subject matter several

discussions permanently, some advocates are not needed, others of which it is urgent and

those who suggest reform gradually. Finally, a debate is introduced on the proposed

Government's Amendment to the Constitution (PEC 287). This examines the serious

problems that deepen and intensify the debate on this scenario and causes a profound

political and social impasse.

Key-Words: Reform social securit, public spending and debt.

Introdução

A década de 1990 foi um marco nas reformas das finanças do Estado,

prevalecia nesse período um intenso debate sobre a necessidade de mudanças com relação

à responsabilidade do governo com os gastos públicos. Dentro de uma agenda neoliberal,

os principais meios de atuação do Estado para realização das reformas foram alguns

dispositivos de leis e métodos de planejamento impostos pela Constituição Federal de

1988.

Segundo Silva (2010), na década de 1990 o Estado Brasileiro buscava uma

melhor harmonia no campo macroeconômico, através do estabelecimento de uma política

fiscal restritiva, que só pode ser efetiva depois da implantação do Plano Real. A Lei de

Responsabilidade Fiscal, promulgada em 04 de maio de 2002, foi uma das medidas

tomadas para permitir uma melhor gestão dos recursos públicos, evitando o descalabro

fiscal. Desta forma, o governo vigente tentou manter as condições de governabilidade,

reunindo os recursos necessários para a tomada de decisões e reformas.


Mesmo vinte anos depois o debate dessa questão continua atual, com a

necessidade de entender as mudanças ocorridas, chegou-se ao ponto que o debate precisa

ser retomado. Isto vai de encontro com a ideia de que no momento se a decisão não for

tomada poderá acontecer um estrangulamento das finanças do Estado. Portanto, o artigo

pretende atualizar esse debate no cenário estrutural brasileiro, inserindo nesse espectro a

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma previdenciária, levantando as

demandas atuais para esse tema.

Com o objetivo de averiguar o patamar da reforma previdenciária e

demonstrar as posições de estudiosos que sejam a favor ou contra o processo, o artigo

utiliza-se de análise bibliográfica e estatística descritiva para denotar os pressupostos

coerentes com o tema. Assim, inicia-se com uma análise do cenário econômico, denotando

uma possível necessidade de mudanças em certas regras que conduzem a economia.

Utiliza-se na segunda seção, ponderações a respeito das correntes de

pensamentos a favor da reforma da previdência e os que provavelmente são contra,

explicando a mudança demográfica pela qual o Brasil vem passando, demonstrando

principalmente seu impacto aritmético e o pressuposto de falso déficit nas contas da

seguridade social, repartição que é integrada pela previdência.

Na terceira seção do presente trabalho, demonstra-se as projeções, feitas

pelo Ministério da Fazenda, para as contas públicas de acordo com alguns cenários

possíveis. Basicamente se discute um cenário em que ocorre a reforma e outro em que a

mesma não é aprovada, demonstrando os impactos e perspectivas para o resultado

primário.

Por fim, aponta-se que há necessariamente uma pretensão perspicaz de

ajuste nas regras da Previdência Social. No entanto, vale destacar que esse reajuste não

deve ser realizado de tal modo, pois existe uma imprudência em alguns artigos que
fatalmente levariam para um descompasso retroativo para os direitos sociais conquistados

até o momento, bem como a uma noção de democracia frágil para a constituição vigente.

1 Um estudo sobre a perspectiva do gasto público

É evidente que o cenário econômico brasileiro está passando por um dos

momentos mais críticos de sua história, as despesas públicas a cada ano sofrem

significativos aumentos, e na procura do equilíbrio fiscal o governo eleva a carga tributária,

o que torna estas políticas um círculo vicioso. Porém, o ajuste fiscal de uma economia em

crise não deve ser realizado apenas por compensação de gastos através da tributação,

precisam ser analisados os dispêndios efetuados pelo governo para buscar mudanças que

possam controlar o desequilíbrio econômico, não apenas no curto prazo, mas

principalmente em longo prazo.

Segundo Oliveira (2015), o problema da gestão fiscal no Brasil está

diretamente ligado ao crescimento da dívida pública, sendo este um dos principais

argumentos utilizados para justificar as medidas de ajuste fiscal. A Dívida Pública Federal

líquida (DPFl), passou de 11% do PIB em 1993 para de 35% em 2002, com uma média de

crescimento anual de 3% neste período, como mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Dívida Pública Federal líquida (% do PIB)

Fonte: Elaboração Própria – IpeaData


Apesar da redução contínua entre 2002 e 2014, a dívida pública Federal

bruta manteve-se em patamares elevados, e voltou a crescer no final de 2014. Como pode

ser observado no Gráfico 2, que apresenta a evolução da Dívida Bruta do Governo Geral

(DBGG) juntamente com a da Dívida Federal Líquida, o aumento do endividamento

público se deu primeiro e de uma maneira mais acentuada na DBGG. Em 2014 o patamar

da DBGG passou de um pouco mais de 50% para 70% do PIB, e a dívida líquida passou de

20% para cerca de 35% do PIB.

Gráfico 2 - Dívida Bruta do Governo Geral e Dívida Federal Líquida

Fonte: Elaboração Própria - IpeaData e Banco Central.

Parte deste aumento no endividamento está relacionado com a contínua

elevação dos gastos primários do governo, com destaque a partir de 2013, que segundo

Barbosa Filho (2015) teria sido uma “expansão fiscal desbalanceada”, onde o governo teve

dificuldades em atingir as metas fiscais, devido a redução do crescimento e aumento do

custo fiscal. Para Almeida Jr (2015), os principais responsáveis pelo aumento foram as

despesas com saúde, educação e previdência, que conjuntamente cresceram cerca de 6,86%

do PIB entre 1991 e 2014. Assim, a partir de 2014, às despesas totais ultrapassam as
receitas primárias, acarretando seguidos déficits primários, que representam a elevação da

dívida pública novamente, como demonstrado no Gráfico 3.

Gráfico 3 - Receita Total e Despesa Total Primária (R$ milhões)

Fonte: Elaboração Própria - Banco Central e Tesouro Nacional

A piora da situação fiscal, de acordo com Almeida Jr (2015), é fruto

basicamente de três problemas estruturais: deterioração das contas públicas, inflação

elevada, e desaceleração da economia, principalmente a partir de 2014. Conjuntamente o

desequilíbrio fiscal é resultado de políticas econômicas equivocadas, e de uma necessidade

de gastos crescentes maiores que o crescimento do PIB.

Esses desequilíbrios macroeconômicos resultaram de uma política fiscal

expansionista e da aceitação de maiores taxas de inflação, que foram agravadas pela

redução da produtividade total dos fatores e intervenções equivocadas. A retração do

crescimento, mais acentuada que no restante do mundo, devido à desaceleração chinesa,

causou diminuição na geração de empregos, prejudicando ainda mais o cenário econômico

(ALMEIDA JR, 2015).

Dado o crescimento dos gastos do estado, cabe verificar quais foram as

principais despesas que se elevaram. Segundo Barbosa Filho (2015), entre 2002 e 2014 os

gastos que mais se elevaram foram com transferências de renda a indivíduos, como
demonstrado na Tabela 1. As transferências de renda iniciaram 2002 representando uma

despesa de cerca de 6% do PIB para em 2014 já está no patamar de 9% do PIB. As

despesas com previdência nesse agrupamento cresceram menor que os demais programas,

mas representam cerca de 80% destas transferências.

Tabela 1 – Evolução do Gasto Primário da União, em % do PIB, sem capitalização da

Petrobras.

Fonte: Barbosa Filho (2015) – IBRE/FGV

Além de observar as despesas primárias em relação ao PIB, cabe estudar

também as despesas em relação ao Orçamento Geral da União (OGU). Segundo a auditoria

cidadã da dívida pública, de 2012 a 2016, de todos os recursos pagos, em torno de 22%

foram destinados à Previdência Social, enquanto, cerca de 43%, ou seja, quase o dobro da

previdência, teriam sido destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida

pública.

Diante do cenário apresentado, os ganhos sociais da década de 2000 foram

comprometidos com a piora no mercado de trabalho, o mal resultado das contas públicas,

o baixo crescimento, e alta parcela de pagamentos destinados à dívida pública. Sem as

reformas necessárias, que passam pelo reconhecimento desse cenário e ajustes estruturais,
a expectativa de gastos crescentes com a política desenvolvimentista podem gerar uma

recessão maior (ALMEIDA JR, 2015).

Diante de toda evolução fiscal, Barbosa Filho (2015) apresenta medidas

necessárias para que esses ganhos sociais não sejam perdidos, e que não ocorra um

descompasso entre os benefícios e as condições do estado. Algumas delas são: (i)

estabilizar as transferências de renda a indivíduos, compatibilizando o crescimento dessas

despesas com o crescimento do PIB; (ii) reduzir o custo de créditos da União junto aos

bancos públicos, retraindo os empréstimos a estes bancos e diminuindo a Taxa de Juros de

Longo Prazo (TJLP), o que reduz a diferença entre a captação e aplicação dos recursos

públicos; (iii) realizar uma reforma no PIS/COFINS, que aliada a uma simplificação das

regras, permite uma redução do custo tributário, a fim de aumentar a competitividade das

empresas e que não reduza a receita tributária.

2 Reforma da previdência

A previdência social no Brasil é formada por dois sistemas, o Regime Geral

de Previdência Social (RGPS), que é relativo aos trabalhadores do âmbito privado, e o

Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) que trata dos servidores públicos

estatutários e militares, sendo o primeiro administrado pelo INSS (Instituto Nacional do

Seguro Social) e o segundo por entes da Federação.

O sistema previdenciário brasileiro é solidário6 e a sua regra de repartição7

limita que o necessário a ser destinado aos aposentados deve equivaler-se à contribuição

6 O termo solidário se refere ao fato de que não contribuintes têm direito ao benefício.
7 Repartição refere-se que os contribuintes ativos que contribuem para o pagamento dos benefícios dos
inativos. Sendo que, o recolhimento é feito de forma tripartite, isto é, o trabalhador contribui
proporcionalmente ao salário e o empregador recolhe de acordo com a folha de pagamento. A terceira parte
ainda cabe ao governo federal, que é obrigado a cobrir eventuais casos de insuficiência financeira do sistema.
dos que estão trabalhando. Isto acontece para que não exista a necessidade de retirar

recursos de outras áreas com o fim de sustentar a Previdência.

O ajuste das regras da previdência é uma das reformas mais urgentes para

controle dos gastos realizados pelo governo. A expectativa de vida dos brasileiros teve

expressivo aumento nos últimos anos, e tornou-se necessária uma revisão das leis de

aposentadoria dos trabalhadores, pois a tendência é que os aposentados recebam o

benefício por mais tempo do que a previdência conseguiria financiar.

No entanto, houve nesse assunto várias discussões, enquanto o governo

alega uma necessidade de reforma, alguns estudiosos discordam dessa atitude. Wagner et.

al. (2017), afirma que segundo uma pesquisa realizada pela Associação Nacional dos

Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), os déficits não existem de fato,

apenas se referem a um modo particular de cálculo do governo.

A constituição brasileira mostra que a seguridade social é dividida em três

setores, os quais deveriam ser contados em conjunto em qualquer análise, sendo eles:

saúde, assistência social e a previdência. E neste sistema, a única que possivelmente está

em déficit é a previdência, que de fato não fecha suas contas por extrema indisposição do

governo na cobrança dos devedores que são os grandes produtores e parceiros do poder

(WAGNER et. al., 2017).

Esse é o problema, para Wagner et.al (2017) e demais simpatizantes dessa

linha de pensamento. Para que uma reforma na previdência saísse de fato, o governo

infringiu a constituição no que diz respeito ao cálculo em conjunto da seguridade social, e

apenas denotou a quebra surreal da Previdência Social, ação facilmente contrabalanceada

com uma cobrança mais intensa por parte do governo.

Por outro lado, há também os simpatizantes da reforma, os quais atendem a

linha do governo seguindo a justificativa de que o processo de envelhecimento da


população como um todo vem sofrendo mudanças claras, e a única solução seria o ajuste

nas regras da Previdência Social, evitando o estrangulamento ainda mais acentuado das

contas da instituição.

Vale destacar que atualmente a taxa de fecundidade da população encontra-

se decrescente, enquanto a população idosa apresenta taxas de crescimento constantes, e

assim o número de adultos contribuindo para a previdência ao longo dos próximos anos

tende a cair, enquanto o dispêndio com as aposentadorias só aumenta acarretando assim

despesas maiores que arrecadações.

Gráfico 4 - Histórico de Pirâmides Etárias e o Problema apontado pelo Governo

Fonte: Elaboração própria. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Com esses argumentos o governo brasileiro alegou a tendência inversa a dos

parâmetros etários da população, o que possivelmente ocasionará no estrangulamento das

contas previdenciárias no futuro próximo. Segundo o IBGE a população idosa do Brasil em


20108 perfazia o total de 10% (19,6 milhões de pessoas), no entanto, a instituição prevê que

esse valor triplicará até 20509, passando a ter em torno de 66,5 milhões de pessoas acima

de 60 anos de idade, representando em torno de 30% da população total no mesmo ano.

É neste ponto, substancialmente, que se justifica a reforma. Haja vista que

duas variáveis, a estagnação da produtividade do trabalho e a mudança na pirâmide etária,

trabalham contra o montante a ser contribuído pelos ativos nos próximos anos.

A instituição ainda completa que a reviravolta da pirâmide etária ocorreria

em meados de 2030, período em que o total absoluto de idosos acima de 60 anos ultrapassa

o total absoluto de crianças entre 0 e 14 anos de idade, montante em que os recolhimentos

da previdência não sustentaria as aposentadorias e pensões.

Na legislação vigente, existem três módulos de aposentadorias, por idade,

tempo de contribuição e invalidez, onde muitos brasileiros conseguem aposentar antes

mesmo da idade mínima, que é de 60 anos para mulheres e 65 para homens, e assim

acabam adiantando o período em que começam a receber o benefício. Outro fator que deve

ser analisado é o das pensões por morte, as quais são concedidas às viúvas, em casos que

elas estão aptas a trabalhar, ou mesmo se o cônjuge não era beneficiário.

Esses são os casos que devem ser examinados quando fala-se de previdência

brasileira, pois embora garantida na constituição cidadã 10 uma igualdade, solidariedade e

distributividade, os moldes de gestão impostos pelo governo quando referencia-se a

instituição nem sempre garantem que a mesma tenha condição de liquidar suas pendências,

8 Censo Demográfico de 2010 <http://censo2010.ibge.gov.br/>, realizado de dez em dez anos, o Censo 2010
é o último estudo realizado no Brasil, com busca de mapear várias características populacionais da nação.
9 Projeção da variação crescente da população brasileira.
<http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>.
10 “Constituição Brasileira, promulgada em 1988, acabou absorvendo grande parte das reivindicações do
movimento de “Participação Popular na Constituinte”, institucionalizando várias formas de participação da
sociedade na vida do Estado, sendo que a nova Carta Magna ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”
pelo fato de, entre outros avanços, ter incluído em seu âmbito mecanismos de participação no processo
decisório federal e local.” (VAZ, Flávio Tonelli; MUSSE, Juliano Sander; SANTOS Rodolfo Fonseca dos
(Coords.). 20 anos da Constituição Cidadã : avaliação e desafios da Seguridade Social. Brasília : ANFIP,
2008).
refletindo assim nas contas negativas ao decorrer dos anos, por conseguinte esta situação

denota reflexões prováveis à arrecadação da entidade.

Assim, Giambiagi & Afonso (2009), realizaram uma análise11 da alíquota

paga pelos contribuintes ao INSS, que representa 31%12 do salário dos trabalhadores com

carteira assinada. Levando em conta que a população comece a contribuir com 20 anos de

idade e tenha expectativa de vida de 80 anos, com uma taxa de desconto de 3% e um

crescimento real da renda ao longo da vida ativa destes de 2,2% a.a., os autores concluíram

que trabalhadores que aposentam por tempo de contribuição, que atualmente é de 30 anos

para mulheres e 35 para homens, deveriam pagar uma alíquota de 27,7% e 23,7%

respectivamente.

Nota-se que a diferença na alíquota paga por mulheres deveria ocorrer,

ainda segundo Giambiagi & Afonso (2009), devido à contribuição realizada por estas ser

feita em tempo menor e também pela expectativa de vida das mulheres ser maior que à dos

homens. Porém quando analisadas as aposentadorias por idade, os trabalhadores deveriam

pagar uma alíquota maior, pois os valores vigentes em média não cobrem os benefícios

recebidos, sendo necessárias alíquotas entre 33,6% - 56,7% para homens e 52,7% - 70,7%

para mulheres.

Entretanto, a análise realizada pelos autores não leva em consideração

outras despesas realizadas pela previdência como aposentadoria por invalidez, auxílio

doença e pensões por morte, sendo necessário um estudo que leve em consideração

também estes aspectos para uma abordagem correta sobre a alíquota paga pelos

trabalhadores atualmente.

11 O estudo considerou vários fatores, como gênero, tempo de contribuição, expectativa de vida, anos de
estudo etc.
12 Alíquota paga por trabalhadores que recebiam entre R$ 911,71 e R$ 1.519,50 em 2009, sendo 11% pago
pelo trabalhador (descontados na folha de pagamento) e 20% pagos pelo empregador.
É notório que, para um entendimento completo dos problemas com a

previdência, o acesso a informação dessa grande parcela de distribuição de renda deve-se

aprimorar, de modo a garantir noções precisas de valores pagos e arrecadados. No entanto

o que acontece em todas as entidades brasileiras é o inverso.

Partindo de outro estudo e observando a proporção de contribuintes

inativos/ativos através do conhecido bônus demográfico, Castelar (2016), estima que o país

crescerá a 1,5% nos próximos anos, cenário preocupante, pois esse crescimento pífio, pode

colocar o Brasil na armadilha da renda média13.

Assim no sistema padrão, para cada inativo há 2,4 ativos contribuintes

atualmente, o que daria um salário de aposentadoria de 74% (2,4 x 31%) 14 do que se

recebe. Para dimensionar o rombo, com a mudança demográfica esperada para 2050, o

número de ativos para cada inativo passará de 2,4 para 1,6 , o que levaria necessariamente

a um corte de salário de aposentadoria, com recebimento de 49,6% (1,6 x 31%) do que se

recebe atualmente. Observa-se que este cálculo não carece de discussões sobre

informalidade ou idade de aposentadoria, tais parâmetros encontram-se embutidos na razão

ativos/ inativos (GIAMBIAGI & AFONSO, 2009).

3 Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 um debate necessário sobre

as contas públicas

Através das análises realizadas pelo próprio Ministério da Fazenda, no

relatório de Projeções Financeiras e Atuariais para o Regime Geral de Previdência Social

de 2016, a necessidade de financiamento do RGPS que em 2015 foi em média 1,45% do

13 Armadilha da Renda Média: A armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um
período de estagnação após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha da pobreza e a
armadilha malthusiana. Tendo chegado ao nível da renda média, a trajetória do crescimento econômico
efetuada durante a decolagem deixa de ser sustentável.
14 O cálculo é realizado a partir da alíquota de 31% citada anteriormente no estudo de Giambiagi & Afonso
(2009).
PIB, passaria a ser de 2,37% em 2020 e 11,14% em 2060. Isso seria resultado de uma

receita constante em relação ao PIB e de uma despesa que cresceria em torno de 0,22 % a

mais que o PIB por ano, acumulando um crescimento de cerca de 9% do PIB até 2060.

Diante do cenário previsto pelo Governo, a proposta da PEC 287/2016 traria

uma economia de apenas R$ 1,70 bilhões em 2018, mas em um cenário de longo prazo

essa economia chegaria em R$ 203 bilhões. O gráfico 5 apresenta a trajetória da

previdência social com e sem aprovação da PEC segundo ofício realizado pelo Ministério

da Fazenda.

Gráfico 5 - Previdência Social (RGPS e RPPS) com e sem a PEC ·287 /2016 (R$ bilhões)

Fonte: Ofício n°13 do Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles, encaminhado ao Presidente da CPI da

Previdência, senado Paulo Paim, no dia 12 de maio de 2017.

Aliado a essa reforma, o estado passou pela recente aprovação da PEC 55,

que limita as despesas do Estado, corrigidas pela inflação em até vinte anos, e procura

implementar mais algumas mudanças na estrutura fiscal do governo. Essas medidas visam

reduzir o crescimento dos gastos públicos, diminuir o déficit primário e a relação

dívida/PIB. Elas sinalizam que o governo está procurando demonstrar que assumiu um
compromisso com a responsabilidade fiscal, e busca trazer tanto uma estabilidade quanto a

retomada do crescimento na economia.

Assim, a reforma não resolve a situação dos déficits primários no curto

prazo, prevendo uma economia maior somente para o longo prazo, quando segundo os

relatórios do governo, as despesas da previdência já estariam em cerca de 9% do PIB.

Segundo projeções da Instituição Fiscal Independente 15, mesmo com as

reformas, num cenário positivo, o superávit primário seria alcançado somente em 2022.

Essa situação seria ainda pior caso essas reformas estiverem afrouxadas, ou caso elas não

aconteçam, como demonstra o Gráfico 6.

Gráfico 6 - Evolução do Resultado Primário nos diferentes cenários (%PIB)

Fonte: Elaboração Própria - RAF/junho 2017. IFI

É importante notar que essas projeções dependeram da pressuposição da

evolução de alguns agregados macroeconômicos como PIB e inflação e também de alguns

indicadores como o salário mínimo, Taxa de Juros e Prêmio de Risco. Ambos mantém uma

relação de interdependência com a situação fiscal do governo, onde um maior

15 A Instituição Fiscal Independente tem o objetivo de ampliar a transparência nas contas públicas. Criada
em 2016, ela atende basicamente quatro funções: I - divulgar suas estimativas de parâmetros e variáveis
relevantes; II - analisar a aderência do desempenho de indicadores fiscais e orçamentários; III - mensurar o
impacto de eventos fiscais relevantes, e IV - projetar a evolução de variáveis fiscais determinantes para o
equilíbrio de longo prazo do setor público.
afrouxamento das contas públicas permite, segundo a instituição, taxas de crescimento

maiores e níveis de inflação e taxa de juros menores.

Além das reformas já comentadas, é possível perceber que principalmente

no curto prazo a situação do Estado ainda precisa ser revista, dado que o impacto da

reforma na previdência aliado com o teto dos gastos, projeta uma previsão de superávit

somente por volta do ano de 2020. Assim, o debate sobre as finanças públicas, passa por

uma investigação ainda maior em relação a sustentabilidade do atual modelo de

governabilidade, que apresenta um contínuo aumento de gastos que ultrapassam os

crescimentos das receitas.

4 Considerações Finais

Na busca de equacionar as despesas públicas e dado a mudança nas

características da população brasileira quanto a expectativa de vida percebe-se o peso da

Previdência Pública na composição do gasto. Assim, na pretensão de melhorar as

potencialidades do Estado na atuação em outros setores de sua competência torna-se

necessário realizar reduções nos dispêndios com vistas a potencializar o poder decisório e a

liberdade na adoção de políticas públicas.

Devido o sistema brasileiro de previdência ser do tipo repartição, os

aspectos demográficos são de extrema importância para determinar a solvência do sistema

e o seu funcionamento futuro. Portanto, algumas variáveis como o crescimento

populacional, faixa etária da população e expectativa de vida ao nascer são fatores que

orientam e determinam a necessidade de aplicar mudanças. Nesse nível pode-se perceber

ao longo da pesquisa diversos condicionantes que impõe a necessidade de reforma para o

médio e longo prazo, pode-se destacar o aumento da expectativa de vida e com isso o
aumento da porcentagem de idosos em relação ao total da população, e ainda é relevante

relembrar que a previdência já representa cerca de 80% dos gastos.

Em linhas gerais, a reforma da previdência dará maior alívio fiscal ao

Estado e, consequentemente, contribuirá substancialmente para o equacionamento das

despesas com as receitas do governo, como imposto pela PEC 55, do teto dos gastos, bem

como contribuirá para a estabilização da proporção dívida pública bruta/PIB, que se

estima, chegará ao final de 2018 em 71,5%, além de que, influenciará diretamente na

redução da taxa de juros básica (Selic) da economia, na medida em que uma política fiscal

mais contracionista abre espaço para uma política monetária mais frouxa, possibilitando a

maior alocação de recursos em setores produtivos em detrimento de setores rentistas.

Entretanto, realizar reformas sem um planejamento efetivo abarcando as

limitações e necessidades do Estado brasileiro, que vão além do cumprimento de regime

fiscal estabelecido, mas também tem o compromisso de assegurar direitos fundamentais

como saúde, educação, cultura, firmados na Constituição de 1988, não seria desejável.

Com isso a falta de contraditório permite a realização de reformas que podem precisar ser

refeitas novamente causando ainda mais problemas com a opinião pública.

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EIXO 10
Políticas públicas para o
desenvolvimento
A expansão do consumo e a dinâmica do bem-estar das famílias brasileiras:
uma análise de decomposição da desigualdade

Leonardo S. Oliveira*
Viviane C.C. Quintaes*
Luciana A. dos Santos*
Debora F. de Souza*
Resumo
Este artigo reúne análises que envolvem aspectos dinâmicos do bem-estar e da
desigualdade no Brasil nos períodos de 2002-2003 e 2008-2009 sob a ótica do consumo
per capita. Por meio dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), são
avaliadas as evoluções das estruturas do consumo nos períodos citados, segundo a
localização das famílias nas Grandes Regiões brasileiras e nas áreas urbanas e rurais. O
estudo recorre a análises gráficas e de dominância assim como ao cálculo de funções
(abreviadas) que permitem mensurar e separar os efeitos do crescimento e da
redistribuição sobre bem-estar social. O papel da estrutura do consumo no crescimento e
na queda da desigualdade é avaliado segundo decomposições analíticas e contrafactuais.
Os principais resultados encontrados indicam que estes os bens duráveis contribuíram de
forma marcante para o crescimento do consumo, do bem-estar social, mas também
geraram desigualdades que quase impediram a queda do índice de Gini.

Palavras-chave: Índice de Gini, Padrão de Vida, Bem-estar geral, Índice de preços ao consumidor, Valor
de Shapley

Abstract
This paper analyzes the dynamic aspects of welfare and inequality in Brazil in 2002-2003
and 2008-2009 from per capita consumption point of view. Through the data of the
Household Budget Survey (POF), we assess the evolution of consumption structures in
those periods by regions and by urban and rural areas. We use graphic and dominance
analysis as well as (abbreviated) functions that measures and separate the effects of
growth and redistribution from each other in the welfare analyzes. The role of the
consumption structure on growth and inequality is evaluated by analytical and
counterfactual decompositions. The main results indicate that these durable goods
contributed to the growth of consumption and social welfare, but also created inequalities
that limited the fall of the Gini index.

Keywords: Gini Index, Living standards, General Welfare, Consumer price index, Shapley Value
JEL: C02, C43, D31, D69, I31
*Diretoria de Pesquisas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Leonardo.s.oliveira@ibge.gov.br, Luciana.santos@ibge.gov.br,
Viviane.Quintaes@ibge.gov.br, debora.Souza@ibge.gov.br
IBGE está isento de qualquer responsabilidade relacionada com as opiniões, informações, dados e conceitos expressos neste artigo
que são de responsabilidade exclusiva dos autores. Os autores gostariam de agradecer a Paulo Roberto Coutinho Pinto, Juliano
Junqueira e André Martins por sua colaboração e Marta Antunes, Nícia Brendolin e Isabel Martins por seus comentários.
Introdução

A complexidade e multidimensionalidade da desigualdade e da pobreza tornam a definição

de um indicador apropriado, que capte o bem-estar das pessoas e das famílias, uma das

questões fundamentais para o estudo e dimensionamento destes temas. O objetivo deste

trabalho é contribuir com novas análises através da construção de um agregado de consumo

familiar e dos avanços recentes da literatura, utilizando os dados da Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF) 2002-2003 e 2008-2009, de forma a permitir a mensuração e análise do

bem-estar e da desigualdade das famílias com ênfase em seus aspectos dinâmicos. Como

enfatizado em Ferreira (2010), grande atenção tem sido dada aos aspectos dinâmicos do

bem-estar, que mostram como as distintas taxas de crescimento do consumo (ou da renda)

dos mais pobres e dos mais ricos determinam os valores da desigualdade, da pobreza e do

consumo (ou da renda) médio ao longo do tempo.

O período analisado neste trabalho foi marcado por importantes aspectos no cenário

econômico interno e externo que são relevantes destacar. No Brasil, os anos compreendidos

entre 2002 e 2009 foi marcado por um acentuado crescimento econômico, com aumento real

em torno de 25% no PIB, incentivo fiscal para a produção e aquisição de bens duráveis,

como eletroeletrônicos e automóveis, queda da taxa de juros (44 p.p) e expansão da oferta

de crédito. Este período foi chamado de “boom do consumo” no país. No contexto

internacional, deve-se destacar que no momento da eclosão da crise do subprime, em 2008,

iniciada nos EUA e de efeitos mundiais.

O impacto desse crescimento econômico na redução da desigualdade, neste período, já foi

analisado em diversos trabalhos, principalmente sob a ótica da renda. A principal fonte

desses estudos foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Barros et al

(2007) apontam uma queda da desigualdade brasileira ocorrida entre 2001 e 2005,

impulsionada pelo aumento das transferências públicas, em especial, as aposentadorias e


pensões e também pela expansão da cobertura dos programas sociais, BPC e Bolsa Família.

Neri (2011) analisa a transição das classes sociais mais pobres para a classe média, a

chamada classe C, entre 2001 e 2009, que aumentou sua população em 29 milhões enquanto

a classe E reduziu-se em 20,5 milhões de pessoas. Já Hoffmann (2010), estuda a evolução

da distribuição de renda familiar per capita brasileira, utilizando as POFs 2002-2003 e 2008-

2009. O autor encontra uma redução da desigualdade medida pelo índice de Gini de 0,59 em

2002-2003 para 0,56 em 2008-2009.

No entanto, poucos trabalhos avaliaram a evolução sob a própria ótica do consumo, ou

mesmo da despesa. Um exemplo desses estudos é Campolina e Gaiger (2013) que realizaram

um estudo com base na evolução das despesas e mostraram que o aumento de participação,

entre 2003 e 2009, dos 70% mais pobres no valor total dos orçamentos monetários familiares

foi de somente 0,4 p.p. enquanto os 10% mais ricos preservaram sua participação. Outro

exemplo é Oliveira et al (2016) que analisaram o consumo ao invés das despesas. Os autores

construíram um agregado de consumo com base na POF 2008-2009 a partir da seleção de

gastos não esporádicos que, em geral, representam ganhos de bem-estar, calcularam o valor

dos serviços dos bens duráveis pelo custo de uso, imputaram o valor das despesas de

alimentação quando necessário e aplicaram deflatores espaciais. Como resultado,

verificaram que o agregado de consumo proposto reflete as escolhas das famílias em

múltiplas dimensões e possibilita a análise do bem-estar socioeconômico a partir dos dados

da POF.

No presente trabalho, seguimos e estendemos o trabalho de Oliveira et al (2016) a partir da

padronização do cálculo de agregado de consumo nas duas edições da pesquisa (POF 2002-

2003 e POF 2008-2009). Essas edições da POF são as únicas que abrangem todo território

nacional e permitem uma comparação tanto ao nível geográfico quanto da estrutura do

consumo a partir dos itens de despesa. Isto também nos permitiu estudar a evolução do
consumo e a dinâmica do bem-estar e da desigualdade entre as famílias brasileiras. A partir

dos agregados de consumo construídos observamos o crescimento do consumo ao longo da

distribuição, calculamos as medidas de desigualdade e bem-estar usuais e utilizamos

decomposições1 analíticas e contrafactuais para uma análise dinâmica do consumo e seus

componentes, aqui definidos como: i) alimentação; ii) bens duráveis; iii) habitação; iv)

saúde, educação e transporte e; v) outros bens.

Além dessa introdução, este trabalho conta com mais cinco seções. A primeira trata da

metodologia de construção dos agregados. Em seguida, faz-se uma análise descritiva do

comportamento do consumo médio per capita e seus componentes. Na seção três, avalia-se

o efeito da variação do consumo sobre o bem-estar e a desigualdade medido através de

decomposições estáticas e dinâmicas. Por fim, na última seção, são realizadas as

considerações finais.

1. Agregado de Consumo

A construção do agregado de consumo é a primeira e crucial etapa do processo deste

trabalho, ele é um exercício complexo que requer uma discriminação detalhada e precisa

dentre as despesas que devem ser incluídas ou não, com o intuito de comparar os níveis de

bem-estar e a ordenação correta de diferentes famílias. Esta discriminação é guiada pela

literatura aplicada e pelas hipóteses teóricas sobre a contribuição para o bem-estar de

diferentes bens e serviços, assim como as necessárias adaptações à cultura e hábitos

brasileiros. A POF, investiga as despesas, rendimentos e variação patrimonial das famílias,

essenciais aos orçamentos domésticos, assim como as percepções sobre as condições de vida

das famílias brasileiras. A partir dos milhares de registros da pesquisa é realizada uma

1 Decomposições analíticas: Rao (1969); Shorrocks (1982); Jenkins (1995);Lerman and Yitzhaki (1985); Soares (2006);
Hoffmann (2006). Decomposições contrafactuais:Shorrocks, 2012 Shapley (1953); Barros et al (2006); Duclos and Araar
(2006); Azevedo et al (2013).
identificação, compatibilização e classificação um a um dos itens para a construção dos

agregados de consumo.

A construção dos agregados de consumo seguiu a mesma metodologia utilizada em Oliveira

et al (2016) que através das recomendações da literatura internacional2 selecionaram os itens

de despesas que permitiriam comparar os níveis de bem-estar das famílias, classificando-os

em cinco grupos: a) Alimentação; b) Bens duráveis; c) Habitação; d) Educação, Saúde e

Transporte; e) Outros Bens. Para definição de quais itens de despesa deveriam compor o

agregado de consumo, cumpriu-se os critérios de aquisição não esporádica, de contribuir

para a comparação do bem-estar entre as famílias e de aquisição que gere ganho de bem-

estar. A seguir, explicaremos brevemente3, as etapas dos tratamentos dos dados para cada

grupo de despesa analisado nesses agregados de consumo.

1.1. Tratamento de dados nos componentes do consumo

Todas as despesas do grupo alimentação foram incluídas no agregado. Como a POF utiliza

um período de referência curto (7 dias) para captar a aquisição de alimentos é comum que

algumas famílias não registrem despesas com alimentação, não significando que elas não

tenham consumido esses tipos de bens durante o período dos sete dias. As situações em que

se identifica famílias com perfil de despesa alimentar não-nula, imputa-se as despesas

alimentares nulas, através do método Propensity Score Matching (Rosenbaum e Rubin,

1983).

Em relação ao grupo de bens duráveis, sua inclusão no agregado de consumo foi uma das

principais contribuições realizadas em Oliveira et al (2016). De acordo com os autores, a

posse de bens duráveis é um importante indicador do bem-estar das unidades de consumo,

mas existe uma dificuldade em usá-lo porque a maioria dos preços de aquisição desses bens

2 Hentschel and Lanjow (1996), Lanjow and Lanjow (2001),Deaton and Zaidi (2002), ILO-ICLS-17 (2003), Haughton
and Khandker (2009), Lanjow (2009), Stiglitz, Sen and Fitoussi (2009).
3 Para mais detalhes da etapa de construção do agregado de consumo ver Oliveira et al (2016).
é elevada o que pode prejudicar a comparação entre as famílias que já possuíam tais bens e

as demais que os adquiriram apenas no período de referência da pesquisa. Ao considerar

apenas o valor dos serviços (calculado pelo custo de uso de cada bem durável) e não seu

valor de aquisição este problema é resolvido. Para mais detalhes do método deste cálculo,

ver Oliveira et al (2016).

No grupo habitação, incluíram-se os seguintes tipos de despesas: aluguel, serviços de

utilidade pública, reformas do lar, mobiliários e artigos do lar, eletrodomésticos e consertos

de eletrodomésticos e artigos de limpeza.

As despesas do grupo educação, saúde e transporte tem alguns itens que podem ser

interpretados como “necessidades lamentáveis”4 e revelar pouco sobre as

escolhas/preferências dos consumidores ou mesmo sobre seus ganhos/hierarquia de bem-

estar das famílias. De acordo com Oliveira et al (2016), Lanjow (2009) e Deaton e Zaidi

(2002), as despesas com educação deveriam ser incluídas em sua totalidade e as de saúde

apenas as que se referem aos planos de saúde e dentários. Já em relação aos dispêndios com

transporte, são excluidos os gastos com transporte de massa, como sugerido em Nordhaus e

Tobin (1972) e Sen, Stiglitz e Fitoussi, (2009), e inclui as outras despesas relacionadas a

transportes particulares e as despesas de viagem.

O grupo outros bens agrega as despesas relacionadas com vestuário, cultura e lazer, serviços

pessoais, higiene e cuidados pessoais, hábitos de fumar e outras despesas diversas (festas,

comunicação e serviços profissionais).

1.2. Deflator de preços


Para podermos comparar o padrão de consumo entre diferentes contextos geográficos é

necessário aplicar um deflator espacial, que corrija as diferenças de preços existentes entre

4 Oliveira et al (2016), Lanjow (2009) e Deaton e Zaidi (2002) sugerem a exclusão de muitos destes itens.
eles. Seguindo Oliveira et al (2016), os deflatores foram criados com apenas os itens em

comum para vinte contextos geográficos5.

1.2.1. Deflator de preços espacial


O índice de preços utilizado para o deflacionamento espacial foi uma versão adaptada do

índice de preços de Laspeyres. O índice de Laspeyres fixa uma cesta de consumo de uma

região de referência, neste caso a região metropolitana de São Paulo (RMSP), e compara os

preços de cada contexto geográfico analisado em relação a essa cesta. A versão adaptada do

índice de Laspeyres para os anos 2002-2003 e 2008-2009, foi baseada em Ferreira, Neri e

Lanjow (2000) e World Bank (2007), no qual utilizaram a participação da despesa de

habitação de cada área geográfica sobre a região de referência, a separando do restante do

cálculo do índice de Laspeyres tradicional. Neste trabalho, aplicamos essa razão para as

despesas de comunicação, pois não temos na pesquisa valores relativos a quantidade para

esse grupo.

A fim de homogeneizar as cestas de consumo das famílias, escolheram-se as unidades de

consumo que estão na faixa de renda do segundo ao quinto decil, selecionando as despesas

das categorias de gás, comunicação, água e esgoto, energia elétrica, habitação e alimentação.

Após a seleção dessas despesas, foi aplicado o índice de Laspeyres adaptado que é a relação

entre o custo de aquisição da cesta de consumo da região de referência e o custo de aquisição

dessa mesma cesta de consumo nos demais contextos geográficos. Entretanto, a parcela

referente as despesas com comunicação têm um cálculo separado: a razão do total das

despesas de comunicação do contexto geográfico sobre o total das despesas de comunicação

da região de referência. A equação (1) apresenta o índice de Laspeyres adaptado utilizado

nos agregados, para cada contexto.

5 Regiões Metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e
Porto Alegre); e Distrito Federal; Área Urbana não-metropolitana e Área Rural de cada uma das cinco grandes regiões
brasileiras)
∑𝑖 𝑃𝑖𝑗 .𝑄̅𝑖𝐵
(1) 𝐿 = (1 − 𝑆 ) | +𝑆𝑉𝑐𝑜𝑚𝑢𝑛𝑖𝑐çã𝑜,𝑗
𝑎𝑑𝑝𝑡,𝑗 𝐵 ∑ 𝑃 .𝑄̅ 𝐵𝑉
𝑖 𝑖𝐵 𝑖𝐵 𝑖≠𝑐𝑜𝑚𝑢𝑛𝑖𝑐𝑎çã𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑢𝑛𝑖𝑐çã𝑜,𝐵

Onde Pij = preço do produto ou serviços i no contexto geográfico j; 𝑄̅𝑖𝐵 = quantidade do produto ou serviço i no
contexto geográfico base (Região Metropolitana de São Paulo); P iB = preço do produto ou serviços i no
contexto geográfico base; SB = fração da despesa com comunicação na despesa total do contexto geográfico
base; Vj = total das despesas em "comunicação" do contexto geográfico j.
Após o cálculo do índice de Laspeyres adaptado para cada uma das cestas de consumo dos

respectivos anos da pesquisa, seria possível utilizar o deflator espacial gerado com 2008-

2009 para corrigir os preços nas duas edições da pesquisa, ou utilizar o deflator gerado com

2002-2003. No entanto, optou-se pela média dos números índices obtidos.

1.2.2. Deflator de preços temporal


A base de dados da POF 2002-2003 foi disponibilizada com todos os seus produtos e

serviços a preços de janeiro de 2003, enquanto a POF 2008-2009 está a preços de janeiro de

2009. Sendo assim, para poder comparar os dois agregados de consumo no tempo, precisa-

se levar os valores do agregado de 2002-2003, para preços de janeiro de 2009. Utilizou-se o

índice de preços ao consumidor amplo (IPCA), ajustando os preços de cada grupo de despesa

com seu índice correspondente, conforme tabela 1.

Tabela 1: Deflatores temporais, segundo os grupos de despesa do agregado de consumo e sua


respectiva compatibilização com os grupos e subgrupos do IPCA.
O deflacionamento temporal é a última etapa da construção dos agregados de consumo. A

seguir será apresentada a análise do consumo per capita do Brasil nos períodos 2002-2003 e

2008-2009.

2. Crescimento do consumo, desigualdade e seus efeitos sobre o Bem-estar

Nesta seção, analisa-se o crescimento do consumo no período entre as duas edições da POF

estudadas, bem como seus efeitos sobre o bem-estar. A evolução dos componentes do

consumo é também avaliada.

2.1. A evolução do consumo per capita médio no período de 2002-2003 a 2008-2009

Após os cálculos descritos anteriormente, pode-se observar o comportamento do consumo.


Conforme observado na tabela 2, o consumo per capita médio cresceu em todas as áreas

geográficas analisadas entre os períodos 2002 e 2009. No Brasil cresceu 17%, passando de

R$544 para R$638. Em relação as áreas geográficas, houve crescimento em todas as grandes

regiões, sendo que as regiões Sul (22,5%) e Norte (22%) apresentaram maiores variações.

Comparando-se as áreas urbanas e rural, a segunda registrou um aumento de cerca de 30%,

número muito acima do observado nas áreas urbanas, com aproximadamente 16%.

Tabela 2: Média per capita dos componentes do consumo segundo áreas geográficas
Avaliando os componentes do consumo, todas as categorias registraram aumento, porém ele

não se deu de forma homogênea. O componente dos bens duráveis subiu de 83,7% no

período enquanto os demais componentes cresceram em média 11,2%. Esse destaque na

categoria bens duráveis foi registrado em todas as grandes regiões, tanto nas áreas urbanas

quanto nas rurais. As áreas rurais e a região Nordeste, foram as que tiveram maior

crescimento, 103,2% e 98,5%, respectivamente. A área rural registrou aumentos expressivos

de consumo também nos grupos de saúde, educação e transporte (50,8%), outros bens

(38,8%) e habitação (26,9%).

Tabela 3: Taxa de participação dos componentes do consumo, segundo áreas geográficas


Em relação à composição do agregado de consumo (tabela 3), observa-se que a estrutura do

padrão de consumo não se alterou apesar do forte crescimento dos bens duráveis, passando

de 8,6% para 13,5% de participação, entre 2002 e 2009. O componente responsável pela

maior parte das despesas das unidades de consumo brasileiras permanece sendo a habitação,

seguido da alimentação. Esta relação se manteve apesar do aumento de 4.9 p.p. de

participação dos bens duráveis, pois os demais componentes de consumo tiveram pequenas

reduções em suas participações. A alimentação foi o componente que sofreu a maior perda

no período, cerca de 1.7 p.p..


2.2. A incidência do crescimento do consumo e seus componentes

Essa subseção analisa como a distribuição do Consumo per capita (CPC) evoluiu entre as

edições 2002-2003 e 2008-2009 da POF, seus impactos sobre a crescimento (médio), sobre

a desigualdade e o bem-estar social.

Figura 1: (a) Parada de Pen – truncada em 95% - Brasil e (b) Curva de incidência do crescimento

A partir da Parada de Pen, Figura 1-a, se observa que os valores do CPC de 2008-2009 estão

sempre acima dos valores de 2002-2003, demonstrando um crescimento do consumo do 1º

ao 95º percentil da população. Com o auxílio da curva de incidência do crescimento (GIC),

Figura 1-b, tem-se a taxa de crescimento do CPC de cada percentil e assim observa-se melhor

a incidência desse crescimento. Como se pode notar o crescimento do consumo no período

só não é generalizado porque no último percentil da distribuição não há incremento. Como

o CPC não cresceu no percentil mais elevado, a GIC tem uma parte negativa e não se pode

afirmar que o bem-estar de cada indivíduo/família aumentou. Para uma melhor avaliação do

bem-estar social, assume-se uma função que valoriza tanto incrementos no CPC quanto

transferências progressivas (Pigou-Dalton).

Figura 2: (a) Curva de Loren Generalizada e (b) Decomposição parcial do crescimento médio por
componentes do consumo
A Figura 2-a, mostra que a Curva de Lorenz Generalizada (GLC) de 2008-2009 está sempre

acima da GLC de 2002-2003. Nesse caso, pode-se afirmar que: o bem-estar social é maior

em 2008-2009 para uma classe abrangente de funções (estritamente S-concavas e crescentes)

que valorizam não só os incrementos de consumo, como também transferências

progressivas.

Já através da Figura 2-b, descreve-se como os incrementos da GLC são decompostos pelos

incrementos em cada um dos componentes do consumo, então pode-se identificar o quanto

as variações contribuem para o crescimento do CPC médio de diferentes parcelas da

população. Assim, tem-se que, para os primeiros 10% da população, um pouco mais de 40%
do crescimento do CPC é proveniente do item habitação e cerca de 27% do item outros bens.

No percentil 60 os componentes (habitação e bens duráveis) contribuem com a mesma

participação para o aumento da GLC, cerca de 25%. Depois desse ponto (P60), o

componente bens duráveis passa a ser o que mais contribui para o aumento da GLC.

Considerando 100% da população, nota-se claramente o grande destaque do componente

bens duráveis em relação aos demais. Sozinho, esse componente foi responsável por mais

de 40% do aumento do CPC médio.

2.3. Efeitos do crescimento do consumo e da desigualdade sobre o bem-estar

Para mensurar o impacto do consumo sobre o bem-estar das famílias brasileiras, foram

adotadas funções (abreviadas) de bem estar social6, sensíveis tanto ao crescimento quanto a

redistribuição ocorridos no período de 2002-2003 e 2008-2009. Tais funções abreviadas

resumem as informações contidas nas funções de bem-estar social em dois parâmetros, o

CPC médio e a desigualdade. Essas funções abreviadas serão representadas neste artigo pelas

médias de Sen (associada ao índice de Gini) e a média geométrica (associada ao índice de

Atkinson (com e=1). As expressões da média de Sen WSen(c), e da média geométrica,

WGeo(c), são apresentadas abaixo7:

(2) WSen(c) = ∑i ∑j min{ci,cj}/ N2 = µ(c).(1-IGini(c)) (3) WGeo(c) = (∏i ci)1/N = µ(c).(1-IAtk(c))

onde: ci = consumo do indivíduo i; cj= consumo do indivíduo j , N= total da população , I Gini(c)= índice de
Gini; IAtk(c)= índice de desigualdade de Atkinson; µ(c)= consumo per capita médio

Tabela 4: Funções de bem-estar, crescimento e desigualdade


A Tabela 4 mostra os valores das médias WSen(c), WGeo(c), µ(c) assim como dos índices de

desigualdade IGini(c) e IAtk(c) nas edições 2002-2003 e 2008-2009 da POF. Uma questão que

chamam atenção é a "relativa estabilidade" da desigualdade no Brasil entre as duas edições

6 Assumimos que as funções de bem estar social são homogêneas de grau 1 (ou que haja uma transformação monótona
que a torne homogênea de grau 1).
7 Mais detalhes sobre estas funções de bem estar e estes índices de desigualdade podem ser encontrados em Sen e Foster

(1997), Lambert (2001), Duclos e Araar (2006).


da pesquisa. Ao olhar para o Brasil como um todo, observa-se que IGini(c) diminui 0,6,

passando de 50,2 para 49,5 enquanto IAtk(c) diminui 0,5. Duas exceções são a região Sul e

as áreas rurais onde as variações são maiores. Dada a queda sutil da desigualdade e o

crescimento do consumo observados, pode-se concluir que o crescimento do consumo foi o

principal responsável pela evolução do bem estar social. As duas últimas linhas da Tabela 4

mostram que para o Brasil o crescimento explica 93% ou 95% do aumento do bem-estar

social dependendo da medida de bem-estar adotada, WSen(c) ou WGeo(c), respectivamente.

Vimos que os bens duráveis contribuem de forma relevante para o aumento do bem-estar

social, resta saber, se contribuem para as reduções modestas da desigualdade reportadas.

3. Decomposição da desigualdade

Para entender os principais componentes do consumo responsáveis pela pequena redução da

desigualdade observada, serão realizadas, nesta seção, exercícios de decomposições

estáticos e dinâmicos e a análise dos resultados obtidos.

3.1. Decomposições estáticas

A seguir descreveremos os exercícios de decomposição analíticas e contrafactuais utilizados

para mensurar a contribuição do crescimento e de cada componente do consumo para a

desigualdade. Para avaliar numericamente a contribuição dos cinco componentes do

consumo para a desigualdade serão utilizadas quatro decomposições estáticas8, em que duas

podem ser ditas analíticas e as demais contrafactuais.

O cálculo da decomposição analítica do CV do consumo per capita segue Shorrocks (1982)9,

onde para cada componente k (k= 1,...,5), são calculados, o seu peso no consumo total (Sk),

8 Asdecomposições analíticas são baseadas em Rao (1969), Lerman e Yitzhaki (1985), Shorrocks (1982), Jenkins
(1995), Soares (2006) e Hoffmann (2006) e as decomposições contrafactuais são baseadas no valor de Shapley (1953),
Shorrocks (1999;2012), Barros et al (2006); Duclos and Araar (2006) e Azevedo et al (2013).
9Shorrocks sugere que a contribuição relativa do componente k seja dada pela razão R =cov(CPC ,CPC)/var(CPC), onde
k K
CPCK é o consumo per capita do componente k, independente da medida de desigualdade utilizada. Repare que esta
expressão é equivalente a expressão utilizada na decomposição do CV. Jenkins (1995) e Ferreira et al (2006) utilizam o
mesmo princípio para decompor a entropia generalizada IGE(2)=[CV2/2].
a sua correlação com o CPC (ρk) e seu coeficiente de variação (CVk). Assim, para o CV, a

contribuição relativa do componente k é dada por RCV,k=[SkρkCVk/CV] e a contribuição

absoluta é dada por ACV,k=[SkρkCVk]=RCV,kCV, sendo que a soma das contribuições

relativas deve ser igual a um, ∑kRCV,k =1.

Por sua vez, o cálculo da decomposição analítica do Gini baseou-se em Rao (1969) e Lerman

e Yitzhaki (1985). Neste método, são calculados, para cada componente k, o seu peso no

consumo total (Sk), a sua correlação de Gini (rk), o seu índice Gini (IGini,k), assim como o seu

coeficiente de concentração (θk). Dessa forma, para o Gini, a contribuição relativa do

componente k é dada por RGini,k=[SkrkIGini,k/IGini]=[Skθk/IGini] e a contribuição absoluta é dada

por AGini,k=[SkrkIGini,k]=[Skθk ], onde AGini,k=RGini,kIGini com ∑kRGini,k=1.

A principal vantagem desses métodos é descrever a desigualdade a partir de três

características dos seus componentes: seu peso, sua desigualdade e sua associação com o

CPC. A maior desvantagem está no fato destas decomposições analíticas não

corresponderem diretamente a um exercício contrafactual (Jenkins, 1995). Por essa razão, a

desigualdade também foi analisada através de decomposição contrafactual.

Para a decomposição contrafactual seguiu-se Shorrocks (2012;1999) e Duclos e Araar

(2006) que descrevem o uso do valor de Shapley na decomposição das medidas de

desigualdade. A seguir, é apresentado o exercício chamado Shapley-Gini(mean) em que os

cinco componentes do CPC são substituídos pelas suas médias.

Na decomposição Shapley-Gini(mean), toma-se uma sequência inicial de cinco passos. Em

cada passo, um dos componentes do consumo (k) é substituído pela sua média. A variação

do índice de desigualdade dada por A1mean,k=Δ1mean,kIGini é calculada e guardada como uma

contribuição estimada desse componente. Ao final dessa sequência inicial, tem-se cinco

contribuições estimadas, uma para cada componente. O exercício segue até cobrir todas as

T sequências de substituições possíveis em 5 passos. Ao final, considera-se a média de todas


as contribuições estimadas do componente k como a sua contribuição absoluta, a qual é dada
∑ 𝐴𝑡
por 𝐴mean,k = 𝑚𝑒𝑎𝑛,𝑘 , t=1,...,T. A contribuição relativa do componente k é dada pela razão
𝑇

da contribuição absoluta sobre o índice de Gini, expressa por Rmean,k=Amean,k/IGini.

Tabela 5: Decomposição da desigualdade por componentes de consumo


A Tabela 5 mostra como cada componente do consumo contribuiu para o nível de

desigualdade observado na POF 2002-2003 e na POF 2008-2009, segundo as quatro

decomposições descritas acima. Observa-se a proximidade dos resultados entre as duas

decomposições analíticas, CV e Gini, e a decomposição contrafactual que substitui os

componentes pelas suas médias Shapley-Gini(mean). Para estas três decomposições, em

2002-2003, a Habitação contribuiu com cerca de 33% a 36% da desigualdade observada e

Educação, saúde e transporte contribuiu com cerca de 23% a 25%. A alta contribuição do

primeiro componente (Habitação) se deve ao seu elevado peso no consumo (34%). A

contribuição da Educação, saúde e transporte ocorre pela desigualdade e concentração no

consumo do próprio componente. De toda forma, esses dois componentes são os que mais

contribuem para a desigualdade em 2002-2003. Em compensação, o componente Bens

duráveis possui a menor contribuição (de 6% a 9%) em razão do seu menor peso sobre o

consumo (9%) em 2002-2003.

Analisando as mesmas três decomposições em 2008-2009, observa-se que as contribuições

de Habitação (31% a 36%) e de Educação, saúde e transporte (21% a 24%) diminuíram,

enquanto a dos Bens duráveis (11% a 15%) aumentou, indicando uma certa mudança na

estrutura da desigualdade nesse período. Apesar disso, Habitação e Educação, saúde e

transporte permanecem sendo os componentes com maior contribuição para o nível da

desigualdade, enquanto que Bens duráveis é o componente de menor contribuição.

3.2. Decomposições da variação da desigualdade


Os últimos procedimentos adotados em relação a desigualdade visam decompor sua

evolução. Para tanto, cinco exercícios foram realizados, sendo que dois deles,

Gini(Hoffmann-Soares) e Shapley-Gini(new), são de aspecto dinâmico e os três demais

simplesmente utilizam as informações já calculadas das decomposições estáticas da

subseção anterior. Esses últimos três exercícios são realizados, basicamente, a partir das

variações das contribuições absolutas de cada componente (ΔACV,k , ΔAGini,k , ΔAmean,k ou

ΔAzero,k) e das variações dos índices de desigualdade (ΔCV ou ΔIGini). Em seguida, são

calculadas as razões da variação de cada componente sobre a variação da desigualdade

(ΔACV,k/ΔCV, ΔAGini,k/ΔIGini , ΔAmean,k/ΔIGini ou ΔAzero,k/ΔIGini). O resultado é uma

estimativa da contribuição relativa de cada componente para a evolução da desigualdade.

As duas decomposições dinâmicas seguem abordagens diferentes. A Shapley-Gini(new) se

baseia em um novo exercício contrafactual onde os componentes do consumo de 2002-2003

são substituídos pelos componentes do consumo de 2008-2009, como sugerido por Barros

et al (2006) e Azevedo et al (2013). O valor de Shapley foi utilizado e, analogamente aos

exercícios "estáticos" anteriores, calculou-se a contribuição estimada do componente k na

sequência t como Atnew,k=Δtnew,kIGini. Assim, a contribuição absoluta e a contribuição relativa

∑ 𝐴𝑡
do componente k são dadas, respectivamente, por 𝐴new,k = 𝑛𝑒𝑤,𝑘 , (onde t = 1, . . . , T) e
𝑇

Rnew,k=Anew,k/ΔIGini. Note que nessa decomposição não há a preocupação ou o interesse em

calcular a contribuição do componente para o nível de desigualdade, mas apenas a sua

contribuição para a variação (ou para a evolução) do índice de Gini. A segunda

decomposição dinâmica segue Hoffmann (2006) e Soares (2006). Esses autores calculam a

contribuição absoluta de um componente k como o resultado de dois efeitos, o efeito

composição e o efeito concentração. Os resultados obtidos a partir destes novos exercícios

podem ser vistos na tabela 6.


Tabela 6: Decomposição da variação da desigualdade por componente de consumo
A Tabela 6 mostra o resultado desses cinco processos, os analíticos são chamados de: CV;

Gini e Gini(Hoffmann–Soares); e os contrafactuais com base no valor de Shapley são

chamados de: Gini(média) e Gini(new). As contribuições relativas com valores negativos

indicam que o componente contribuiu para o aumento da desigualdade, de forma análoga,

os valores positivos contribuem para a sua redução. Pode-se observar que para as

decomposições CV e Gini, apenas o componente bens duráveis contribui negativamente para

a redução da desigualdade. Ou seja, caso a desigualdade associada a esse componente fosse

eliminada, a queda na desigualdade seria 272% e 478%, respectivamente, a mais do que a

observada. O componente Outros Bens teve impacto relevante para a redução das

desigualdades, de 101% a 187%, dependendo do método de decomposição utilizado.

Na decomposição Shapley-Gini(mean), a concentração do consumo dos bens duráveis,

contribuiu, em termos absolutos, com 0,029 pontos para o aumento do Gini entre 2002-2009,

em termos relativos a evolução dessa concentração significou que o componente impediu

que a desigualdade caísse 472% a mais do que a queda registrada. As decomposições

dinâmicas Shapley-Gini(new) e Gini(Hoffmann-Soares) indicam que se a desigualdade

gerada pela evolução dos bens duráveis fosse eliminada o índice de Gini se reduziria 105%

e 83%, respectivamente, a mais do que o observado. Em contrapartida, o componente Outros

bens foi o que mais contribuiu para a redução das desigualdades (101% e 105%).

4. Considerações Finais

Este artigo buscou avaliar como o impacto do crescimento do consumo e de sua composição

reflete sobre o bem-estar e a redução da desigualdade das famílias brasileiras, incorporando

um aspecto dinâmico em sua análise. Para tal, foram construídos agregados de consumo com

os dados das edições de 2002-2003 e 2008-2009 da POF, baseando-se na metodologia

aplicada em Oliveira et al (2016). Uma importante etapa da construção do agregado de


consumo utilizada foi o uso do valor dos serviços dos bens duráveis que são incorporados

segundo o custo de uso e não pelo seu valor de aquisição.

A avaliação do consumo per capita do Brasil apontou aumento de 17% entre 2002 e 2009.

Além disso, também houve crescimento em todas as grandes regiões, e nas áreas urbanas e

rurais, assim como em todos os cinco componentes avaliados. No entanto, o componente

bens duráveis foi o principal destaque, responsável por cerca de 40% desse crescimento,

seguido da Habitação (25%). Os efeitos do crescimento do consumo sobre o bem-estar social

analisados a partir das funções bem-estar social representadas pelas médias Sen e

geométrica, apontaram que o principal motor do aumento do bem-estar foi o crescimento do

consumo e não a sua redistribuição, dado que a redução das desigualdades foi modesta.

Essas evidências também foram mostradas pelos exercícios de decomposições analíticas e

contrafactuais baseadas no cálculo do valor de Shapley. De acordo com os resultados das

decomposições dinâmicas Shapley-Gini(new) e Gini(Hoffmann-Soares), caso a

desigualdade gerada pela evolução dos Bens duráveis fosse eliminada, a queda da

desigualdade seria 105% e 83%, respectivamente, maior que a observada. Tanto os

exercícios estáticos quanto os dinâmicos mostraram que o crescimento desigual dos Bens

Duráveis limitou a queda da desigualdade e alterou a sua estrutura entre as duas edições da

POF.

Sendo assim, tem-se que o componente bens duráveis foi responsável tanto pelo aumento do

bem-estar das famílias brasileiras de forma marcante, quanto pela geração de novas

desigualdades que limitaram a queda do índice de Gini.

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I. Tabelas
Tabela 1: Deflatores temporais, segundo os grupos de despesa do agregado de consumo Tabela 3: Taxa de participação dos componentes do consumo, segundo áreas
e sua respectiva compatibilização com os grupos e subgrupos do IPCA geográficas

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009

Tabela 4: Funções de bem-estar, crescimento e desigualdade


Centro- Áreas Áreas
Bem-Estar POF Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009 Oeste Urbanas Rurais
2002-2003 543 357 363 653 658 555 314 590
µ(c) 2008-2009 638 436 429 756 805 657 408 685
Tabela 2: Média per capita dos componentes do consumo segundo áreas geográficas Dif.(%) 17% 22% 18% 16% 22% 18% 30% 16%
Educação, Saúde e
Áreas Total Alimentação Bens Duráveis Habitação Bens Duráveis 2002-2003 50.1 46.9 50.3 48.4 45.3 49.0 45.5 49.5
Transporte
Geográficas IGini(c) x 100 2008-2009 49.5 47.1 50.1 48.0 43.3 47.9 47.6 48.9
2002-2003 2008-2009 2002-2003 2008-2009 2002-2003 2008-2009 2002-2003 2008-2009 2002-2003 2008-2009 2002-2003 2008-2009
Dif. -0.6 0.1 -0.2 -0.4 -2.0 -1.1 2.1 -0.6
Brasil 543 638 128 140 47 86 183 205 85 96 100 111 2002-2003 35.9 31.3 35.5 33.7 30.1 34.2 30.1 35.1
Grandes Regiões IAtk(c) x 100 2008-2009 35.4 31.6 35.3 33.5 28.1 32.9 32.8 34.6
Norte 357 436 110 126 19 37 112 129 40 49 76 95 Dif. -0.5 0.3 -0.2 -0.2 -2.0 -1.2 2.7 -0.6
Nordeste 363 429 112 119 24 48 108 122 46 55 73 85 2002-2003 271 189 180 337 360 283 171 298
Sudeste 653 756 137 150 57 102 231 257 111 124 118 122
WSen(c) = µ(c) . (1-IGini(c) ) 2008-2009 322 231 214 393 457 342 214 350
Sul 658 805 147 162 74 134 219 249 105 121 113 140
Dif.(%) 19% 22% 19% 17% 27% 21% 25% 18%
Centro-Oeste 555 657 116 130 51 98 189 221 94 96 105 111
2002-2003 348 245 234 433 460 365 220 383
Location
Áreas Urbana 590 685 129 143 50 91 204 227 96 106 110 120 WGeo(c) = µ(c) . (1-IAtk(c) ) 2008-2009 412 298 278 503 579 440 274 449
Áreas Rural 314 408 121 125 31 64 79 100 32 48 51 71 Dif.(%) 18% 22% 19% 16% 26% 21% 25% 17%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009 Δln(Wµ(c) ) / Δln(WSen(c) ) 93% 101% 97% 95% 85% 89% 118% 92%
Efeito do crescimento (%) ≈
Δln(Wµ(c) ) / Δln(WGeo(c) ) 95% 102% 98% 98% 88% 90% 118% 94%

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009


Tabela 5: Decomposição da desigualdade por componentes de consumo II. Gráficos
Participação e Educação, saúde
Alimentação Bens duráveis Habitação Outros bens Valor do índice
Contribuição Relativa e transporte
POF 2002-2003

Participação 24% 9% 34% 16% 18%


CV 14% 6% 36% 25% 19% 1,226
Gini 17% 9% 33% 23% 18% 0,501
O que ocorre se o componente fosse consumido de forma igualitária
Gini (Mean)
18% 9% 33% 23% 18% 0,501
Participação 22% 13% 32% 15% 17%
POF 2008-2009

CV 13% 11% 36% 24% 16% 1,206


Gini 16% 15% 32% 21% 16% 0,495
O que ocorre se o componente fosse consumido de forma igualitária
Gini (Mean)
17% 15% 31% 21% 16% 0,495

Tabela 6: Decomposição da variação da desigualdade por componente de consumo


Educação, saúde Variação do Figura 1: : (a) Parada de Pen – truncada em 95% - Brasil e (b) Curva de incidência do
Alimentação Bens duráveis Habitação Outros bens crescimento
e transporte índice
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009
CV 69% -272% 54% 85% 164% -0,02
Gini 109% -478% 132% 150% 187% -0,006
Gini (Hoffmann-
-27% -83% 13% 92% 105% -0,01
Soares)
O que ocorre se o componente fosse consumido de forma igualitária em cada período
Gini (Mean)
112% -472% 130% 151% 179% -0,006
O que ocorre quando substituiu o componente do 2º período no 1º período
Gini (New)
11% -105% 84% 9% 101% -0,006

Figura 2: Curva de Loren Generalizada e (b) Decomposição parcial do crescimento médio


por componentes do consumo
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF - 2002-2009
A influência do Tamanho da Família na Obesidade Infantil

Elisa Nolasco Pedrosa


Lorena Vieira Costa
Resumo
A Organização Mundial de Saúde vem destacando a constante elevação das taxas de
sobrepeso e obesidade no mundo, principalmente em países de baixa renda. Dentre os
fatores que interferem na obesidade infantil, a composição e o ambiente familiar
ganham destaque importante quanto a qualidade e quantidade de alimentos ingeridos
pela criança, além da obtenção de hábitos saudáveis como a prática de atividade física.
Assim, esse estudo tem como principal objetivo avaliar a relação entre o tamanho das
famílias e a obesidade infantil, a partir de dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF-2008/2009). O modelo utilizado foi o Probit com regressores endógenos, dado
que existem fatores não observados que afetam o tamanho da família, por essa ser uma
decisão dos pais, o que caracteriza endogeneidade. Os resultados encontrados sugerem
uma relação negativa entre o tamanho da família e a obesidade infantil, indicando que
um filho a mais diminui a probabilidade de ocorrência de obesidade infantil. Diante da
crescente preocupação com a expansão dessa doença crônica, esse estudo visa contribuir
para a elaboração de programas e políticas públicas que buscam o combate, tratamento e
prevenção da obesidade infantil, levando em consideração a formação familiar.
Palavras-chave: Tamanho da Família, Obesidade Infantil, Probit com regressores
endógenos

Abstract
The World Health Organization to highlight the constant increase of overweight and
obesity rates in the world, mainly in low-income countries. Among the factors that
interfere in childhood obesity, the composition and the home environment are
highlighted as important as the quality and amount of food eaten by the child, in
addition to the acquisition of healthy habits and the practice of physical activity. Thus,
this study has as main objective to evaluate the relationship between the size of families
and childhood obesity, from the data of Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF-
2008/2009). The model used was the Probit with endogenous regressors, since there are
no observed factors that affect the size of the family, being a parental decision, what
characterizes endogeneity. The results suggest a negative relationship between the size
of family and childhood obesity, indicating that a child more decreases the likelihood of
childhood obesity. In the face of growing concern about the expansion of this chronic
disease, this study aims to contribute to the elaboration of programs and public policies
that seek to combat, treatment and prevention of childhood obesity, taking into
consideration the family formation.
Keywords: family size, childhood obesity, Probit with endogenous regressors.

1 Introdução

Em todo o mundo, assim como no Brasil, a obesidade tem se tornado uma

importante questão no debate sobre a segurança alimentar e a saúde dos indivíduos.

Decorrente do armazenamento excessivo de gordura corporal, essa doença crônica,


associa-se a diversos outros problemas de saúde que, conjuntamente, podem impedir o

aproveitamento de benefícios que elevam a expectativa de vida.

Segundo Hammond e Levine (2010) diversos impactos econômicos decorrem de

altas taxas de obesidade em uma população, entre eles destacam-se: os custos médicos

diretos, custos indiretos em termos de produtividade no mercado de trabalho, custos de

transportes (veículos maiores e maiores gastos de combustíveis) e custos em termos da

acumulação de capital humano. Esse último item, em particular, diz respeito ao fato de

que a obesidade infanto-juvenil tem sido associada a menores níveis de escolaridade, de

frequência escolar e de aprendizado. Nesse sentido, especificamente para as crianças, o

acompanhamento do peso representa uma etapa fundamental para a garantia de

desenvolvimento do capital humano e prevenção de doenças. De fato, como destacam

Antônio e Mendes (2010b), apesar de crianças obesas ainda não possuírem doenças ou

alterações na saúde advindas da obesidade, os fatores predisponentes para tais doenças

já estão presentes e atuantes e poderão traduzir-se em complicações futuras, dependendo

de predisposições individuais. Além disso, como ressaltam Oliveira et al (2013) a

compreensão do estado nutricional infantil significa uma oportunidade ímpar para traçar

medidas objetivas da evolução das condições de saúde da população. Nesse aspecto,

cabe mencionar que o crescimento físico das crianças é mundialmente aceito como

reflexo das condições de vida e saúde dos indivíduos (ANTÔNIO e MENDES, 2010a).

Assim, conhecer os fatores que podem ser responsáveis por uma maior incidência de

obesidade infantil é de suma importância, tanto em termos de contribuição a políticas de

saúde pública, quanto de desenvolvimento individual.

Na realidade, as taxas de obesidade e sobrepeso entre crianças têm se elevado

nos últimos anos, conforme ressalta a OMS (2016), particularmente entre os países de

baixa renda. Essa tendência é resultado das mudanças nos hábitos alimentares,
disponibilidade, acessibilidade e comercialização de alimentos, bem como do declínio

da prática de atividades físicas associado, entre outros fatores, ao aumento do

sedentarismo provocado pela difusão de brinquedos eletrônicos. No Brasil, a taxa de

obesidade entre crianças de 5 a 9 anos passou de 4,1% em 1989 para 16,6% em 2008-

2009 entre meninos e de 2,4% para 11,8% entre meninas, no mesmo período (POF,

2008-2009) . Ao mesmo tempo, tem-se observado uma inversão nos indicadores

nutricionais, com o declínio da desnutrição e aumento expressivo no índice de

obesidade.

Dentre os fatores mais importantes que determinam a obesidade infantil estão a

composição e o ambiente familiar, que afetam diretamente a quantidade de alimento que

uma criança consome e seu nível de atividade física. Além disso, a família tem

influência direta no apoio social e interpessoal na formação dos hábitos e costumes na

infância, representando a principal fonte de aprendizagem social e adoção de práticas

saudáveis (CHEN e ESCARCE, 2010). Segundo He (2013), além da estrutura familiar,

a situação socioeconômica também tem significado um componente chave para a

compreensão do estado nutricional infantil, tanto na China quanto nos demais países em

desenvolvimento.

Com o intuito de contribuir para esse debate, este estudo tem o objetivo de

adicionar evidências acerca da importância da estrutura familiar, particularmente o

tamanho da família, sobre a obesidade em crianças de 0 a 10 anos de idade , no Brasil.

Chen e Escarce (2014) destacam que estudos já identificaram a influência do número de

irmãos no estado de saúde das crianças, o que sugere que a estrutura familiar pode afetar

também a obesidade infantil. Lundborg et al (2015) destacam duas importantes razões

para a investigação do efeito do tamanho da família sobre a saúde das crianças.

Primeiro, permite compreender o estado de saúde na infância, devido a recente


evidência sobre a relevância da saúde infantil nos resultados posteriores da vida, tais

como educação e rendimentos; segundo, os resultados dessa análise são indicativos para

a avaliação de custos e benefícios na elaboração de políticas públicas que visam o

controle de fertilidade.

A hipótese de que o tamanho da família possa afetar os níveis de obesidade

infantil baseia-se principalmente em dois efeitos esperados: i) famílias maiores tendem

a investir no consumo de alimentos de maior densidade energética (para reduzir os

custos totais com alimentação), elevando a probabilidade de obesidade infantil e ii)

famílias maiores tendem a reduzir a quantidade total de alimentos consumidos (para

reduzir os custos totais com alimentação), reduzindo a probabilidade de incidência de

obesidade infantil.

Considerando essa introdução, o trabalho foi dividido em cinco seções. A

segunda seção aborda o modelo econômico e uma revisão literária sobre a relação entre

tamanho da família e a saúde infantil. A terceira seção apresenta a estratégia empírica

utilizada, e em seguida a fonte de dados e as variáveis da estimação. As estatísticas

descritivas e o efeito do tamanho da família sobre a probabilidade de obesidade infantil

são apresentadas na seção quatro. E por fim, na quinta parte, se encontram as

considerações finais.

2 A tomada de decisão quanto ao tamanho da família e a saúde infantil

2.1 Modelo econômico de tomada de decisão

Modelos econômicos sobre a tomada de decisão em termos da fertilidade

mostram evidências da existência de uma relação entre o número de filhos e os

resultados posteriores na vida adulta dos mesmos. Becker e Lewis (1973) propõem a

existência de uma interação explícita entre a qualidade e a quantidade de crianças. No

modelo proposto, a qualidade das crianças é representada, entre outros fatores, pelo
investimento em capital humano definido basicamente por nível de escolaridade e

saúde. Dessa maneira, a qualidade dos filhos é incorporada à função de utilidade dos

pais, juntamente com a quantidade de filhos e o consumo dos demais bens.

De maneira similar, Becker (1981) supõe que a família possua apenas uma

função de utilidade familiar e que a decisão de alocação de recursos destinados à

investimento em capital humano dos filhos depende das preferências familiares, do

número de filhos e da restrição orçamentária familiar. Desse modo, o investimento em

qualidade dos filhos está agrupado às demais despesas, e esse problema pode ser

expresso por:

(1)

onde n refere-se à quantidade de filhos e q a qualidade dos mesmos; Z sintetiza o

consumo dos demais bens privados; consiste no "preço da qualidade" dos filhos e ,

um vetor de preços dos demais bens consumidos pela família. Ao maximizar a função

de utilidade restritos à sua renda, o resultado obtido implica em uma relação positiva

tanto entre o preço da qualidade das crianças e a quantidade, quanto entre esse preço e a

qualidade dessas. Desse modo, o aumento da quantidade, dado a qualidade, demanda

um custo mais elevado, e de maneira semelhante, um aumento na qualidade, dado a

quantidade, eleva os custos da família. Esse modelo também considera a hipótese de

rivalidade entre irmãos, onde os pais visam o investimento em seus filhos de forma

eficiente, podendo investir seus recursos de forma igual ou não entre eles.

Nesse contexto, há um trade-off entre quantidade e qualidade dos filhos, no qual

, em geral, os pais optam por terem menos filhos visando uma qualidade melhor para

cada um deles. Ou seja, o custo de uma criança adicional aumenta a medida que se

busca o investimento em qualidade.


Nesse enfoque, Blake (1989) argumenta sobre a hipótese de diluição de recursos

familiares, onde famílias maiores dividem recursos como atenção dos pais, atenção

emocional e física, além dos recursos materiais que permitem o investimento maior em

qualidade dos filhos. Segundo essa abordagem, os pais dividem de forma igual o

investimento entre os filhos

Em suma, uma vez que as decisões familiares são afetadas pela função de

utilidade conjunta e pela restrição orçamentária, o tamanho da família pode representar

uma adequação do consumo dos bens familiares, podendo afetar o acesso à alimentos

nutritivos e de maior qualidade. Assim, a quantidade de filhos se relaciona diretamente

com a qualidade de vida que os pais almejam para seus filhos, o que pode afetar

diretamente o estado nutricional infantil.

2.2 O tamanho da família e a saúde infantil: uma revisão

Em geral, os estudos da relação entre o tamanho da família e resultados

posteriores da vida, têm se concentrado sobre o nível educacional e pobreza dos

indivíduos (Marteleto, 2002; Lam e Marteleto, 2010; Bagger et al, 2013; Black et al,

2004, Leone et al, 2010, entre outros).

Trabalhos mais recentes, no entanto, têm se esforçado em determinar o efeito do

número de pessoas na família sobre saúde e especificamente obesidade infantil. Para a

Suíça, Lundborg et al (2015), buscam evidências quanto ao efeito do aumento do

tamanho da família sobre saúde das crianças, e encontram que uma criança adicional

eleva a altura média da família, sendo esse um indicador geral do estado de saúde.

Chen e Escarce (2010) avaliam o efeito de diferentes estruturas domiciliares (o

fato de se morar apenas com a mãe ou com a mãe e o pai, e o efeito do número de

irmãos) sobre o índice de massa corporal e o risco de obesidade entre as crianças do

jardim de infância nos Estados Unidos. Seus resultados indicam que crianças que
moram com ambos os pais e com irmãos são menos propensas a serem obesas. Em

outro trabalho, analisando a ocorrência de obesidade em crianças da 8° série, Chen e

Escarce (2014) encontram resultados semelhantes, sendo que crianças sem irmãos

apresentam maiores índices de massa corporal em relação à crianças com irmãos.

Para o Brasil, alguns trabalhos da área da saúde destacam a relação entre o

número de irmãos e o excesso de peso. A fim de estimar a prevalência de excesso de

peso em menores de cinco anos e os fatores associados em áreas urbanas das cinco

regiões brasileiras, Müller et al (2014) concluem que o número de irmãos é um

importante fator, já que filhos únicos tiveram prevalência de excesso de peso 26% maior

que irmãos não únicos. Zöllner et al (2006), para a cidade de São Paulo, investigam os

fatores associados ao estado nutricional de crianças de 4 a 84 meses e encontram

evidências de uma relação negativa entre o numero de irmãos e a ocorrência de

sobrepeso.

Assim, embora existam indicações de que a estrutura familiar é importante

determinante da saúde infantil, pouco tem sido avaliado em termos da saúde nutricional

das crianças, particularmente a obesidade. No Brasil, as evidências são ainda mais

escassas, principalmente entre estudos econômicos. Nesse sentido, esse artigo busca,

por meio de uma análise econômica, preencher algumas dessas lacunas. Primeiro, todas

as regiões brasileiras são avaliadas, incluindo áreas urbanas e rurais. Segundo,

investigam-se diferentes fatores que podem associar-se à obesidade infantil. Terceiro, a

investigação quanto ao papel do tamanho da família pode fornecer indicações quanto

aos hábitos alimentares de famílias mais e menos numerosas, que podem ser úteis à

compreensão de tendências futuras, já que o tamanho médio das famílias brasileiras

vem se reduzindo.
3 Estratégia empírica e fonte dos dados

3.1 Estratégia empírica

Este trabalho busca evidências quanto a uma possível relação causal entre o

tamanho da família e a obesidade infantil. Dessa forma, pretende-se isolar o efeito do

tamanho da família, definida como o número de irmãos1, no estado nutricional dos

filhos. No entanto, o ideal seria avaliar a situação de obesidade de uma mesma criança,

estando ela em uma família pequena versus grande. Diante da impossibilidade de

observação das duas situações, a estratégia empírica desenvolvida neste estudo busca

estimar a seguinte equação:

(2)

onde obesidade é uma variável dummy sendo igual a 1 se a criança é obesa e 0 caso

contrario; é a matriz transposta de características observáveis que afetam a

obesidade infantil; tamanhodafamilia é a variável referente ao número de irmãos e

consiste no termo de erro aleatório. Todas essas variáveis são mensuradas ao nível de

crianças, i.

O tamanho da família constitui em uma decisão dos pais, podendo ter

motivações difíceis de se observar ou controlar. Nesse sentido, os mesmos fatores não

observáveis que ajudam a família a decidir quanto ao número de crianças podem ser

aspectos que influenciam a decisão ao investimento em saúde nutricional de seus filhos.

Essa situação - derivada da incapacidade de se controlar todos os fatores relevantes -

leva à endogeneidade resultante do viés de variável omitida, comprometendo a

estimação da equação (2) por meio do Método dos Mínimos Quadrados Ordinários

(MQO). A correlação entre a variável de interesse e o termo de erro leva a dois efeitos

1
Medida usualmente utilizada na literatura; ver MARTELETO-2002, LAM E MARTELETO-2010,
LUNDBORG et al-2015
sobre a variável dependente, o efeito direto do tamanho da família e o efeito indireto do

erro (CAMERON E TRIVEDI, 2005).

Uma das formas de lidar com a inconsistência devido a endogeneidade da

variável referente ao tamanho da família é buscar uma fonte exógena de variação em

seu valor. Nesse intento, procede-se à utilização de uma variável instrumental que

apenas determine a obesidade infantil por meio de seu efeito sobre o tamanho da

família. Formalmente, para que o instrumento seja válido, ele deve satisfazer às

seguintes propriedades:

(i) não apresentar correlação com o termo de erro: suposição de exogeneidade da

variável instrumental

(ii) ser parcialmente correlacionado com a variável endógena, mantendo-se fixas as

demais variáveis explicativas: o instrumento deve ser forte

Conforme amplamente utilizado na literatura sobre a análise do efeito do

tamanho da família nos resultados sobre as crianças, esse trabalho utiliza como

instrumento a ocorrência de nascimento de gêmeos, dado que esse evento afeta a

demanda por filhos na medida que pelo menos uma das crianças não é planejada ou

esperada. Dessa forma, pode-se pensar no seguinte sistema de equações:

(2)

(3)

onde gemeos representa a variável instrumental do tamanho da família. A partir da

equação (2), chamada de forma estrutural, e da equação (3), equação de primeiro

estágio, a forma reduzida é obtida:

(4)
Assim assume-se que não haja relação linear entre o instrumento (gemeos) e o

erro aleatório ( da equação principal, mas a correlação entre o instrumento e a

variável endógena existe e é suficientemente forte:

Conforme mencionado anteriormente, a variável dependente é a obesidade

infantil. Usualmente, para a classificação da obesidade de adultos é utilizado o Índice de

Massa Corpórea (IMC). Pra uma melhor análise infantil, a Organização Mundial de

Saúde (OMS) estabelece uma referência de IMC-por-idade para avaliação da faixa

etária pediátrica. O diagnóstico de obesidade recomendado pela OMS baseia-se na

distribuição do escore-z de IMC-por-idade que é a relação entre o IMC encontrado e o

IMC ideal para a idade da criança. A tabela 1 apresenta os valores do escore z de

referência para o diagnóstico de obesidade, de maneira que o interesse são as crianças,

de 0 a 10 anos de idade, que se encontram na faixa de " > escore z +2".

Tabela 1 - Valores referência IMC por idade


Valor Crítico Diagnóstico Nutricional
< escore z -3 magreza acentuada
≥ escore z -3 < escore z -2 Magreza
> escore z +1 Sobrepeso
> escore z +2 Obesidade
Elaboração Própria com dados da OMS 2007

Dessa maneira, a variável de interesse, obesidade infantil assume valor 1 se a

criança é considerada obesa, de acordo com a referência para a idade, e 0 caso contrário.

Diante da natureza binária dessa variável, na equação (2), ajustou-se um modelo probit

para a relação entre a probabilidade de uma criança ser obesa em relação ao tamanho da

família, além das características da criança e dos pais. Dessa forma, dada a suposição de
que os erros de (2) e (3) são conjuntamente normalmente distribuídos, o modelo Probit

se faz o mais adequado (CAMERON e TRIVEDI, 2009).

O modelo Probit especifica:

(5)

onde é a probabilidade da criança estar obesa, são as variáveis observáveis de

controle consideradas e Φ(.) é a função de distribuição Normal acumulada.

Diante de uma equação estrutural definida por uma variável dependente binária e

com uma variável de interesse considerada endógena, duas formas de estimação podem

ser apropriadas. Segundo Cameron e Trivedi (2009), a primeira delas é a estimação por

máxima verossimilhança, considerando um modelo probit com variáveis instrumentais.

A segunda forma consiste em uma estimação do mesmo modelo, por meio de duas

etapas sequenciais (estimador two-step) com um estimador mínimo de qui-quadrado.

Como a priori não se tem certeza quanto ao estimador mais consistente para a

estimação proposta nesse artigo, a estimação dos dois métodos foi realizada para fins de

robustez.

3.2 Fonte dos dados e variáveis

Os microdados utilizados nesse estudo foram retirados da Pesquisa de

Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE). A POF constitui uma rica fonte de dados sobre a estrutura dos

orçamentos (aquisições de produtos, serviços e rendimentos), estado nutricional e

condições de vida das famílias e população brasileira (IBGE, 2008). Já foram realizadas

até o momento quatro edições, 1987-1988, 1995-1996, 2002-2003 e 2008-2009. Dentre

as diferenças entre as edições está a abrangência geográfica, sendo que as duas

primeiras foram realizadas para o município de Goiânia e Distrito Federal, além das

nove regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), já as edições de 2002-2003 e 2008-2009

incluem todos os estados brasileiros inclusive as áreas rurais.

Nesse trabalho, foi utilizada a POF 2008-2009, realizada entre maio de 2008 a

maio de 2009. A amostra é constituída por crianças de 1 a 10 anos de idade,

pertencentes a família do tipo casal com filhos. Esse formato de família foi utilizado

pelo fato do número de filhos ser uma decisão conjunta dos pais, e também pelo

interesse em investigar a influência do estado nutricional e da escolaridade dos pais na

ocorrência de obesidade, o que pode afetar os hábitos alimentícios e de atividades

físicas, sendo que para isso, é necessário que os dois residam com os filhos. Compõe a

amostra um total de 22.103 observações. A Tabela 2 apresenta as variáveis utilizadas e

suas definições, cuja escolha baseou-se em estudos que atrelam o tamanho da família

aos resultados dos filhos.

Tabela 2 - Variáveis de controle e de interesse utilizadas


Variável Descrição
Masculino 1 se sexo masculino, 0 caso contrário
Idade Idade calculada em anos
Branco 1 se branco, 0 caso contrário
Idade da mãe Idade da mãe calculada em anos
Idade do pai Idade do pai calculada em anos
Escolaridade da mãe Anos de estudos completos da mãe
Escolaridade do pai Anos de estudos completos do pai
Ln Renda Logaritmo da renda familiar per capita
IMC mãe Índice de Massa Corpórea da mãe
IMC pai Índice de Massa Corpórea do pai
Urbana 1 se reside na área urbana, 0 caso contrário
Norte 1 se reside na região Norte, 0 caso contrário
Nordeste 1 se reside na região Nordeste, 0 caso contrário
Sudeste 1 se reside na região Sudeste, 0 caso contrário
Sul 1 se reside na região Sul, 0 caso contrário
Tamanho da família Número de filhos
Elaboração Própria
Além das características das crianças como idade, sexo e raça, foram incluídas

idade e escolaridade dos pais afim de captar a influência das características dos pais na

obesidade. As variáveis de região censitária e demográfica buscam caracterizar aonde a

obesidade infantil é mais acentuada. Ressalta-se o interesse em se investigar possíveis

diferenças quanto à obesidade infantil entre as áreas urbanas e rurais. Por fim, a variável

de interesse, tamanho da família contempla o número de filhos.

4 Resultados

4.1 Características selecionadas das famílias brasileiras: estatísticas

descritivas

Na Tabela 3 são apresentadas algumas estatísticas descritivas da amostra

considerada, para as principais variáveis de interesse deste estudo.

Tabela 3 - Estatísticas básicas das variáveis utilizadas


Média Desvio Padrão Mínimo Máximo
Obesidade 0.13 0.33 0.00 1.00
Tamanho da Familia 2.58 1.51 1.00 14.00
Idade 5.26 3.14 0.00 10.00
Masculino 0.51 0.50 0.00 1.00
Branco 0.40 0.49 0.00 1.00
Norte 0.20 0.40 0.00 1.00
Nordeste 0.36 0.48 0.00 1.00
Sudeste 0.20 0.40 0.00 1.00

Sul 0.10 0.30 0.00 1.00


Rural 0.31 0.46 0.00 1.00
Escolaridade da Mãe 7.13 4.03 0.00 15.00
Escolaridade do Pai 6.39 4.15 0.00 15.00
IMC da Mãe 25.04 4.40 12.24 46.90
IMC do Pai 25.31 3.87 15.13 47.40
Idade da Mãe 31.15 7.28 12.00 77.00
Idade do Pai 35.51 8.86 11.00 84.00

Logaritmo da renda 5.58 0.98 0.00 10.03

N 22414
Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2008/2009
Observa-se que do total da amostra, 13% das crianças são consideradas obesas,

e possuem uma idade média de 5,26 anos. Sobre a variável de interesse tamanho da

família, que remete ao número de irmãos, tem-se uma média de 2,56 entre as famílias

consideradas. Do total de observações 51% são meninos e 40% são brancos. A maioria

da amostra se concentra no nordeste, sendo 36%, e o menor percentual se encontra no

sul com 10% apenas. Quanto a região censitária, 31% das crianças estão na zona rural.

A escolaridade média das mães é de 7,13 anos de estudos e dos pais de 6,39 anos. O

IMC médio dos pais é em torno de 25, índice considerado de sobrepeso para adultos.

A seguir, a Tabela 4 apresenta a relação entre o tamanho da família e a

ocorrência de obesidade infantil. Observa-se que a incidência de obesidade é maior em

famílias com um e dois filhos, com percentuais de 3,9% e 4,9% do total da amostra,

respectivamente. Esse percentual se reduz a medida que a família aumenta, chegando a

zero casos de obesidade em famílias de 8 filhos ou mais.

Tabela 4 - Distribuição da Obesidade Infantil quanto ao Tamanho da Família


Tamanho da Família
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 ou mais
Não Obesa 19.4% 30.2% 19.8% 9.0% 4.1% 2.2% 1.3% 0.6% 0.3% 0.1% 0.1%
Obesa 3.9% 4.9% 2.5% 0.9% 0.3% 0.2% 0.1% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0%
Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2008/2009

A relação entre a obesidade infantil e a idade é apresentada na tabela 5. Do total

de observações, 1,5% das crianças obesas tem 3 anos, e a menor incidência é em

crianças de 10 anos.

Tabela 5 - Distribuição da Obesidade Infantil quanto à Idade


Idade
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Não Obesa 6.8% 6.9% 7.2% 7.7% 7.8% 8.0% 8.1% 8.8% 9.1% 8.7%
Obesa 1.2% 1.1% 1.5% 1.3% 1.2% 1.3% 1.4% 1.4% 1.4% 1.0%
Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2008/2009
4.2 Efeito do tamanho da família sobre a probabilidade de obesidade

infantil

Com o intuito de fornecer uma primeira aproximação quanto ao efeito do

tamanho da família sobre a obesidade infantil, apresenta-se primeiramente um modelo

Probit sem considerar a endogeneidade da variável tamanho da família. Em seguida, o

modelo Probit com regressores endógenos foi estimado por máxima verossimilhança e

por duas etapas2, utilizando como instrumento para o tamanho da família a ocorrência

de nascimento de gêmeos. A seguir, a Tabela 5 apresenta os resultados das três

estimações.

Tabela 5 - Estimação do efeito do tamanho da família sobre a probabilidade de obesidade infantil


Estimação por Máxima Verossimilhança
Varáveis Estimador Probit Estimador two-step
Estimador com VI 1° Estágio
Tamanho da família -0.10*** -0.54*** -0.66***
(0.01) (0.07) (0.14)
Idade 0.01*** 0.02*** 0.02*** 0.02***
(0.00) (0.00) (0.00) (0.00)
Masculino 0.17*** 0.14*** 0.01 0.17***
(0.02) (0.02) (0.02) (0.02)
Branco 0.03 -0.04 -0.14*** -0.05
(0.02) (0.03) (0.02) (0.03)
Norte -0.10** 0.12** 0.44*** 0.15*
(0.04) (0.05) (0.03) (0.08)
Nordeste -0.10*** -0.15*** -0.15*** -0.18***
(0.04) (0.03) (0.03) (0.04)
Sudeste 0.03 -0.01 -0.07*** -0.01
(0.04) (0.03) (0.03) (0.04)
Sul 0.09** 0.04 -0.06* 0.05
(0.04) (0.04) (0.03) (0.05)
Rural -0.06** 0.01 0.13*** 0.02
(0.03) (0.03) (0.02) (0.03)
Escolaridade da Mãe 0.02*** -0.01** -0.06*** -0.02*
(0.00) (0.01) (0.00) (0.01)
Escolaridade do Pai 0.01** 0.01* 0.00 0.01*
(0.00) (0.00) (0.00) (0.00)
IMC da Mãe 0.02*** 0.02*** 0.00 0.02***
(0.00) (0.00) (0.00) (0.00)
IMC do Pai 0.03*** 0.02*** 0.00 0.03***
(0.00) (0.00) (0.00) (0.00)
Idade da Mãe 0.00 0.02*** 0.04*** 0.03***
(0.00) (0.00) (0.00) (0.01)

2
Pelo teste de Wald, ambas a estimações, por máxima verossimilhança e por duas etapas, mostram
resultado significativos rejeitando a hipótese nula de que não há endogeneidade, justificando assim a
utilização da variável instrumental para tamanho da família
Idade do Pai 0.00 0.01*** 0.02*** 0.01***
(0.00) (0.00) (0.00) (0.00)
Logaritmo da Renda -0.01 -0.25*** -0.52*** -0.30***
(0.02) (0.04) (0.01) (0.08)
Gêmeos 0.93***
(0.07)
Constante -2.60*** -0.42 3.71*** -0.51
(0.13) (0.48) (0.09) (0.54)

Observações 22,103 22,103 22,103 22,103


Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2008/2009
*** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Os resultados dos estimadores são semelhantes nas duas estimações que

consideram a endogeneidade, com maior erro padrão na estimação de duas etapas

mostrando menor precisão para essa estimação. Apesar de não serem diretamente

comparáveis, as duas estimações são úteis para a confirmação de significância

estatística das variáveis.

Dessa maneira, os resultados encontrados apontam uma relação negativa entre o

tamanho da família e a ocorrência de obesidade infantil. No modelo Probit, um filho a

mais, diminui a razão de chances de obesidade em cerca de 10%. Porém, esse modelo

não considera a endogeneidade da variável "tamanho da família" o que pode levar a um

resultado subestimado. Considerando a endogeneidade, na estimação com variáveis

instrumentais, um filho a mais diminui a razão de chances de obesidade infantil em

54%. Já a estimação por duas etapas, a razão de chances diminui em 66% se o tamanho

da família aumentar em uma unidade.

Para uma interpretação mais coerente dos resultados, são apresentados os efeitos

marginais da estimação por máxima verossimilhança, na Tabela 6:

Tabela 6 - Efeitos Marginais


Variável MV
Tamanho da família -0.1344
Idade 0.0048
Masculino 0.0350
Branco -0.0102
Norte 0.1297
Nordeste -0.0372
Sudeste -0.0023
Sul 0.0103
Rural -0.0031
Escolaridade da mãe -0.0031
Escolaridade do pai 0.0014
IMC da mãe 0.0047
IMC do pai 0.0061
Idade da mãe 0.0061
Idade do pai 0.0020
ln_renda -0.0621
Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2008/2009

Dessa forma, conclui-se que, em média, mantendo-se as demais variáveis

constantes, um irmão a mais na família diminui a probabilidade da criança ser obesa em

torno de 13 pontos percentuais. Resultado semelhante ao encontrado por Chen e Escarce

(2010) para dados dos Estados Unidos e por Zollner para o município de São Paulo.

Conforme Müller et al (2014) a prevalência de excesso de peso é

significativamente maior em crianças do sexo masculino e com mais idade, o que é

confirmado pelos resultados encontrados que mostram que um ano a mais de idade e ser

do sexo masculino afetam positivamente a probabilidade da criança ser obesa, em 0,4 e

3,5 pontos percentuais, respectivamente.

Segundo Grossman e Mocan (2010), dentre outros fatores, a obesidade infantil

está relacionada com a condição socioeconômica dos pais, onde a investigação dos

impactos e influências dessas fatores se torna relevante no estudo do peso corporal dos

filhos. Assim, quanto às características dos pais, um ano a mais de estudo da mãe

diminui a probabilidade de obesidade infantil (0,3 p.p.), e quanto maior o IMC dos pais,

maior a probabilidade da criança estar acima do peso.

Quanto à região, observa-se uma maior probabilidade de incidência de obesidade

infantil na região norte em comparação com a região centro-oeste (categoria omitida),


representando um aumento na probabilidade em 12,9 p.p.. por outro lado, a região apresenta

menor probabilidade de obesidade infantil.

A partir da análise da região censitária, a zona rural apresenta menor probabilidade, em

relação a zona urbana em 0,31 p.p.. O que pode ser decorrente do estilo de vida das famílias

dessas regiões, com maior acesso a alimentos de qualidade e baixo consumo de produtos

industrializados, além de possuírem uma rotina que exige um esforço físico elevado.

5 Considerações Finais

Esse trabalho teve como objetivo principal avaliar o efeito do tamanho da

família na obesidade infantil, através da utilização de dados da Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

de 2008/2009.

A amostra foi composta por crianças de 1 a 10 anos de idade, de famílias do tipo

casal com filhos, totalizando 22.103 observações. Assim como comumente utilizado na

literatura sobre a estrutura familiar, o tamanho da família nesse artigo foi considerado

como o número de irmãos residentes no domicílio.

Dessa maneira, esse estudo visa abordar a discussão sobre a importância da

estrutura familiar na formação de hábitos e práticas saudáveis na infância, que elevam o

bem estar social e são essenciais para os resultados posteriores da criança. Os resultados

obtidos na estimação apontam que famílias menores têm maior probabilidade de terem

crianças obesas. Esse resultado pode estar associado ao fato de que o número de irmãos

pode afetar o tempo e a atenção dos pais, além de diluírem os recursos familiares. Em

adicional, a interação entre irmãos pode exercer um papel importante no incentivo à

prática de atividade física no tempo livre das crianças.

Com o uso do nascimento de gêmeos como instrumento para o tamanho da

família, as estimações se deram por meio do método do Probit com regressores

endógenos (por meio de dois estimadores). Os resultados obtidos indicaram relação


negativa entre o tamanho da família e a ocorrência de obesidade infantil na família,

indicando que um filho a mais na família diminui a probabilidade de se ter uma criança

obesa.

Dessa maneira, a presente pesquisa sinaliza a importância de se investigar

aspectos referentes à composição e ao ambiente familiar, e suas influências sobre a

saúde infantil, particularmente sobre a obesidade. Se famílias menores são aquelas mais

prováveis de criarem filhos obesos, políticas públicas voltadas à informação e

conhecimento nutricional e de hábitos saudáveis devem ser extremamente úteis, diante

da prospecção de que as famílias têm se tornado cada vez menos numerosas.

Para pesquisas futuras sugere-se a análise do estado nutricional infantil em

diferentes níveis (magreza acentuada, magreza, sobrepeso e obesidade), além de uma

investigação do efeito das diferentes composições familiares.

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ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS CHEFIADAS POR
MULHERES (IDFCM) NO NORDESTE BRASILEIRO
Felipe Miranda de Souza Almeida
Mestrando em Economia na Universidade Federal de Viçosa (PPGE-UFV)
felipemiranda.almeida@gmail.com

Peter Felipe dos Santos


Doutorando em Economia Aplicada na Universidade Federal de Viçosa (PPGEA-UFV)
peterfelipe.santos@gmail.com

João Eustáquio de Lima


Professor Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa
(DER-UFV)
jelima@ufv.br

Resumo: O trabalho, através da estimação do Índice de Desenvolvimento das Famílias


chefiadas por mulheres (IDFCM) da região nordeste do Brasil, buscou identificar os perfis de
condições de vidas dessas famílias utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
Domiciliar (PNAD) de 2015. Como método, utilizou-se a análise fatorial, além da
metodologia proposta por Barros, Carvalho e Franco (2003). Os resultados para o IDFCM e
para o IDFCM utilizando a técnica multivariada, foram respectivamente 0,73 e 0,61.
Entretanto, apesar da diferença, os resultados mais baixos e os mais elevados demonstraram
estar relacionados com a mesma variável, sendo respectivamente, o acesso a renda advinda
do mercado de trabalho e o acesso a educação de crianças, adolescentes e jovens. Assim,
sugere-se a implantação de políticas públicas que visem dar oportunidades para que
principalmente as mulheres chefes de família tenham condições de aperfeiçoar o capital
humano.
Palavras-chave: Índice de desenvolvimento das famílias; Famílias chefiadas por mulheres;
Nordeste.
Abstract: The work, through the estimation of the Index of Development of Households
Headed by Female (IDFCM) in the northeastern region of Brazil, sought to identify the
profiles of the conditions of life of these households using the data from the Pesquisa
Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) of 2015. As a method, factorial analysis was
used, in addition to the methodology proposed by Barros, Carvalho and Franco (2003). The
results for the IDFCM and for the IDFCM using the multivariate technique, were 0.73 and 0.61,
respectively. However, despite the difference, the lowest and highest results showed to be
related to the same variable, being respectively, the access to income from the labor market
and the access to the education of children, adolescents and young people. Thus, it is
suggested to implement politics to provide opportunities for the female-headed households
being able to improve the human capital.
Palavras-chave: Index of Development of Households; Households Headed by Female;
Northeastern.
Eixo temático: Políticas públicas para o desenvolvimento.
1. Introdução
Nas últimas décadas têm crescido os estudos que visam descrever a qualidade de vida

das famílias. Esses estudos partem de uma visão unidimensional, onde a vulnerabilidade é

determinada pela renda monetária, até uma visão multidimensional que determina a

vulnerabilidade não apenas como a falta de recursos monetários para o consumo de bens e

serviços no mercado, mas também como a privação de direitos sociais mais amplos

(BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2003; CLARET; MOARA, 2014; JANNUZZI,

2015).

Após a criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pelo Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) diversas pesquisas têm buscado construir

indicadores que sintetizem todas as dimensões relevantes para a qualidade de vida das

famílias. Nesse sentido, Najar, De Faria Baptista e De Andrade (2008), através dos dados do

Censo Demográfico 2000, construíram um índice de desenvolvimento familiar para 21

municípios do Rio de Janeiro que estavam envolvidos no Projeto de Consolidação e

Expansão da Saúde da Família (PROESF) em 2000. Os autores evidenciaram que os grupos

mais vulneráveis eram aqueles formados por famílias chefiados por mulheres e famílias cujo

chefe de família tinha mais de 65 anos. Evidenciando também que as dimensões mais críticas

foram as relacionadas aos aspectos disponibilidade de recursos, acesso ao mercado de

trabalho e acesso ao conhecimento.

Furtado (2012) constrói um índice de vulnerabilidade, baseados nas famílias,

utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003 e

2009. O autor aponta que a vulnerabilidade como um todo se concentra fortemente nas áreas

rurais dos estados de Alagoas, Maranhão e Piauí e no interior dos estados do Ceará e de

Pernambuco. O autor ressalta que entre o período analisado a região Norte apresentou menor

evolução e a região Nordeste apresentou os maiores valores absolutos. Chama atenção


também para as diferenças entre as unidades de Federação (UF’s) quanto às dimensões de

vulnerabilidade, quanto à qualidade de vida nas sedes metropolitanas e suas periferias e

quanto à heterogeneidade das famílias.

Sousa, Santos e Sousa (2016) buscaram descrever o perfil socioeconômico e analisar

o nível de desenvolvimento dos munícipios da Amazônia Legal nos anos de 2000 e 2010

através da criação do IDF, utilizando os dados do Censo Demográfico. Os resultados da

pesquisa apontaram que a região ainda apresenta limitações em relação ao seu

desenvolvimento, devido uma pequena parcela dos municípios estudados encontrarem-se

em situações de médio nível de desenvolvimento.

As pesquisas de Furtado (2012), Najar, De Faria Baptista e De Andrade (2008) e

Sousa, Santos e Sousa (2016) tiveram como base o trabalho de Barros, Carvalho e Franco

(2003). Estes construíram um índice, denominado como Índice de Desenvolvimento da

Família (IDF), que visa mensurar a qualidade das famílias e pode ser facilmente agregado

para qualquer grupo demográfico, utilizando de uma gama de 48 indicadores distribuídos

em 6 dimensões, com pesos neutros, consideradas essenciais pelos mesmos 1. Entretanto, os

autores salientam que o procedimento proposto no estudo permitiria a utilização de qualquer

número de indicadores, dimensões e qualquer sistemas de pesos (BARROS; CARVALHO;

FRANCO, 2003).

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral identificar os perfis de

condições de vida de famílias chefiadas por mulheres na região nordeste do Brasil.

Especificamente busca-se i) elaborar um Índice de Desenvolvimento das Famílias chefiadas

por mulheres com os escores fatoriais (IDFCMFatorial) ponderados pelas variâncias dos fatores;

ii) identificar os perfis de condições de vida desses domicílios através do Índice de

1
Os autores destacam que a definição de quais indicadores, dimensões e sistemas de pesos devam ser utilizados
não é uma decisão técnica, estatística e nem matemática, mas sim um reflexo das preferencias sociais
(BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2003).
Desenvolvimento das Famílias chefiadas por mulheres (IDFCM) utilizando os dados da

PNAD 2015; iii) verificar a coerência do IDFCMFatorial com o IDFCM calculado; iv) propor

políticas públicas que visem diminuir a vulnerabilidade dessas famílias.

Nas últimas décadas tem crescido o número de famílias chefiadas por mulheres no

Brasil. Segundo Berquó (2001), isto é um fenômeno tipicamente urbano, onde a maioria é

do tipo monoparental, destacando-se as mulheres mais jovens, separadas, negras, mais

pobres e com baixo grau de escolaridade. A grande concentração da chefia feminina

encontra-se nas camadas pobres, visto que a própria condição de pobreza, e muitas vezes

miséria, conduz as mulheres ao mercado de trabalho em situações que vão desde o

compartilhar a manutenção da casa com o companheiro, até responsabilizar-se sozinha pelo

domicilio (MENDES, 2002).

Assim, conhecer a realidade das famílias de um país deve ser um dos objetivos dos

governos, pois permite assim entender as necessidades e deficiências básicas da população

como um todo, possibilitando assim a formulação e implementação de políticas públicas

com mais eficiência.

Além dessa breve introdução, esse artigo está distribuído em metodologia, onde são

apresentados o Índice de Desenvolvimento da Família (IDF) chefiadas por mulheres e os

conceitos básicos da análise fatorial, seção de resultados e discussões, onde serão

apresentados os resultados e as discussões dos mesmos e por fim as conclusões.

2. Metodologia
Nesta seção apresenta-se, além da técnica multivariada de análise fatorial, o Índice

de Desenvolvimento das Famílias chefiadas por mulheres (IDFCM) tendo como base o Índice

proposto por Barros, Carvalho e Franco (2003). Esta técnica tem como principal objetivo a

redução do número de variáveis a um nível de melhor compreensão e de maior facilidade de

explicação (HAIR et al., 2009). Assim, os fatores construídos pela análise fatorial
representam as dimensões do índice proposto, substituindo assim, em contraste com a

literatura, a agregação dos indicadores de forma simétrica em componentes, posteriormente

em dimensões e, por fim, no índice.

2.1. Índice de Desenvolvimento da Família para famílias chefiadas por mulheres (IDFCM)

Barros, Carvalho e Franco (2003) buscaram, através do IDF, sintetizar dimensões

relevantes para a pobreza em uma análise a nível de família. Tal índice permite a agregação

para qualquer grupo demográfico, como por exemplo famílias chefiadas por mulheres.

Assim como o IDF, o Índice proposto neste trabalho é constituído por 6 dimensões

(D), quais sejam, i) Ausência de Vulnerabilidade, ii) Acesso ao Conhecimento, iii) Acesso

ao Trabalho, iv) Disponibilidade de Recursos, v) Desenvolvimento Infantil e vi) Condições

Habitacionais. Tais dimensões buscam captar a existência de necessidades básicas satisfeitas

e não satisfeitas das famílias e são decompostas em 26 componentes (C) constituídos de 48

indicadores (I) descritos no Quadro 1 (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2003).

Quadro 1 – Dimensões, Componentes e Indicadores


D1 - Ausência de Vulnerabilidade
I1 – Nenhuma mulher teve filho nascido vivo no último ano;
C1 – Fecundidade
I2 – Nenhuma mulher teve filhos nascido vivo nos últimos dois anos;
C2 - Atenção e I3 – Ausência de criança;
cuidados especiais I4 - Ausência de criança ou adolescente;
com crianças,
I5 - Ausência de criança, adolescente ou jovem;
adolescentes e jovens
C3 - Atenção e
cuidados especiais I6 - Ausência de idoso;
com idosos
C4 - Dependência I7 – Presença de cônjuge;
econômica I8 – Mais da metade dos membros encontra-se em idade ativa;
I9 – Não existe criança no domicílio cuja mãe tenha morrido;
C5 – Presença da mãe
I10 – Não existe criança no domicílio que não viva com a mãe.
D2- Acesso ao Conhecimento
I11 – Ausência de adulto analfabeto;
C6 - Analfabetismo
I12 – Ausência de adulto analfabeto funcional;
I13 – Presença de pelo menos um adulto com fundamental completo;
C7 - Escolaridade
I14 – Presença de pelo menos um adulto com ensino médio completo;
C8 - Qualificação I15 – Presença de pelo menos um adulto com alguma educação superior;
Profissional I16 – Presença de pelo menos um trabalhador com qualificação média ou alta.
D3 – Acesso ao Trabalho
I17 – Mais da metade dos membros em idade ativa encontra-se ocupada;
C9 – Disponibilidade
de trabalho I18 – Presença de pelo menos um trabalhador há mais de seis meses no trabalho
atual;
C10 – Qualidade do I19 - Presença de pelo menos um ocupado no setor formal;
posto de trabalho I20 – Presença de pelo menos um ocupado em atividade não-agrícola;
I21 – Presença de pelo menos um ocupado com rendimento superior a 1 salário
mínimo;
C11 - Remuneração
I22 – Presença de pelo menos um ocupado com rendimento superior a 2 salário
mínimo;
D4 – Disponibilidade de Recurso
C12 – Extrema
I23 – Renda familiar per capta superior à linha de extrema pobreza;
pobreza
C13 – Pobreza I24 - Renda familiar per capta superior à linha de pobreza;
C14 – Capacidade de
I25 – Maior parte da renda familiar não advém de transferência.
geração de renda
D5 – Desenvolvimento Infantil
C15 – Trabalho I26 – Ausência de criança com menos de 14 anos trabalhando;
precoce I27 – Ausência de criança com menos de 16 anos trabalhando;
I28 – Ausência de criança de até 6 anos fora da escola;
C16 – Acesso à escola I29 – Ausência de criança de 7-14 anos fora da escola;
I30 - Ausência de criança de 7-17 anos fora da escola;
I31 – Ausência de criança de até 14 anos com mais de 2 anos de atraso;
C17 – Progresso
I32 – Ausência de adolescente de 10 a 14 anos analfabeto;
escolar
I33 – Ausência de jovem de 15 a 17 anos analfabeto;
I34 – Ausência de mãe cujo filho tenha morrido;
C18 – Mortalidade
I35 – Há, no máximo, uma mãe cujo filho tenha morrido;
infantil
I36 – Ausência de mãe com filho nascido morto.
D6 – Condições Habitacionais
I37 – Domicílio próprio;
C19 – Propriedade
I38 - Domicílio próprio ou cedido;
C20 – Déficit
I39 – Densidade de até 2 moradores por dormitório;
habitacional
C21 – Abrigabilidade I40 – Material de construção permanente;
C22 – Acesso a
I41 – Acesso adequado a água;
abastecimento de água
C23 – Acesso a
I42 – Esgotamento sanitário inadequado;
saneamento
C24 – Acesso a coleta
I43 – Lixo não é coletado;
de lixo
C25 – Acesso a
I44 – Acesso a eletricidade;
energia elétrica
I45 – Acesso a fogão e geladeira;
C26 – Acesso a bens I46 – Acesso a fogão, geladeira, televisão ou rádio;
duráveis I47 – Acesso a fogão, geladeira, televisão ou rádio e telefone;
I48 – Acesso a fogão, geladeira, televisão ou rádio, telefone e comutador.
Fonte: adaptado de Barros, Carvalho e Franco (2003).

2.2. Análise Fatorial

Segundo Hair et al. (2009), o objetivo central da Análise Fatorial (AF) é encontrar

uma maneira de resumir a informação contida em diversas variáveis originais em um número

menor de fatores com perda mínima de informação. Assim, espera-se que as variáveis

originais 𝑋𝑖, 𝑖 = 1,2, … , 𝑝 sejam agrupadas em subconjuntos de novas variáveis não


correlacionadas, tendo que o objetivo da AF é encontrar estes fatores de agrupamento

(MINGOTI, 2005).

O modelo de análise fatorial pode ser expresso da seguinte maneira:

𝑋𝑖 =∝𝑖1 𝐹1 +∝𝑖2 𝐹2 + ⋯ +∝𝑖𝑗 𝐹𝑗 + 𝑒𝑖 (1)


onde 𝑋𝑖 são as varável padronizada analisadas; ∝𝑖𝑗 são as cargas fatoriais do i-ésimo escore;

𝐹𝑗são os fatores comuns não relacionados entre si; e 𝑒𝑖 é um erro que representa a parcela

da variável i que não é explicada por um fator nem por outra variável do conjunto analisado.

Há dois enfoques diferentes para tal análise, a Análise Fatorial Explanatória (AFE) e

Análise Fatorial Confirmatória (AFC). A AFE, utilizada neste trabalho, tem como objetivo

a determinação de fatores partindo-se de um conjunto de variáveis e que a solução conduz a

uma relação de todas a variáveis com todos os fatores. Já na AFC, parte-se de um conjunto

de variáveis e de um conjunto de hipóteses sobre o número de fatores e sobre quais variáveis

se relacionam com quais fatores, que tem como objetivo confirmar se as variáveis formam

os fatores da forma em que modelo foi assumido. Então, enquanto na AFE a teoria e o

conhecimento empírico são utilizados para a interpretação dos resultados, na AFC elas são

utilizadas para formular o modelo que será testado com a aplicação da técnica (HAIR et al.,

2009; MINGOTI, 2005).

A estimação das cargas fatoriais é frequentemente realizada pelos métodos de

Componentes Principais, de Fatores Principais e de Máximo Verossimilhança. O método

dos Componentes Principais, utilizada no presente artigo, é o mais utilizado e tem como base

o uso das raízes características e vetores característicos relacionados com componentes para

a estimação. O método do Fator Principal é uma extensão do método de Componentes

Principais em que utiliza-se uma matriz de correlação modificada (matriz de correlação com

estimativas das comunalidades) e o de Máxima Verossimilhança maximiza uma função de

verossimilhança formada com a pressuposição de que o vetor de variáveis aleatórias 𝑋 segue


distribuição normal p-variada com vetor de médias 𝜇 e matriz de variâncias e covariâncias

∆𝑝𝑥𝑝.

A análise de qualidade do ajustamento do modelo foi feita utilizando o Alpha de

Cronbach, que é um coeficiente que originalmente proposto para medir a confiabilidade de

questionários e consistências internas das respostas. Na literatura, valores superiores a 0.70

são considerados aceitáveis, indicando uma boa qualidade de ajustamento (HAIR et al.,

2009).

Visando uma solução mais simples e facilmente interpretável, utilizou-se a técnica

de rotação dos eixos relativos aos fatores comuns. Vale destacar que a quantidade de

variância extraída e as comunalidades não se alteram com os fatores rotacionados.

Entretanto, a variância é redistribuída de modo que o padrão de cargas fatoriais e o percentual

da variância para cada fator é ligeiramente diferente. E a interpretação da matriz fatorial é

simplificada (HAIR et al., 2009).

2.3. Cálculo do IDFCM e do IDFCMFatorial

O cálculo do IDFCM inicia-se com o cálculo dos 48 indicadores utilizando os dados

da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015. Posteriormente, calcula-

se os valores dos 26 componentes. Como apresentado na equação (2), o valor do componente

i (𝐶𝑖) é a média aritmética dos indicadores utilizados para representar esse componente.

∑1𝑛 𝐼𝑛𝑑𝑖𝑐𝑎𝑑𝑜𝑟𝑖 (2)


𝐶𝑜𝑚𝑝𝑜𝑛𝑒𝑛𝑡𝑒𝑖 = , 𝑖 = 1,2,3 … , 𝑛
𝑛
De posse dos valores dos componentes, calcula-se os valores para as 6 dimensões.

Seguindo o mesmo princípio do cálculo dos componentes, o valor da dimensão j (𝐷𝑖) é média

aritmética dos componentes utilizados para representa-los. Este cálculo pode ser visto na

equação (3).

∑1𝑚 𝐶𝑜𝑚𝑝𝑜𝑛𝑒𝑛𝑡𝑒𝑗 (3)


𝐷𝑖𝑚𝑒𝑛𝑠ã𝑜𝑗 = , 𝑗 = 1,2,3, … , 𝑚
𝑚
Finalmente, o Índice de Desenvolvimento da Família, como apresentado na equação

(4), é média aritmética dos valores das 6 dimensões.

(𝐷1 + 𝐷2 + 𝐷3 + 𝐷4 + 𝐷5 + 𝐷6) (4)


𝐼𝐷𝐹𝐶𝑀 = 6
O cálculo do IDFCM com os escores fatoriais (IDFCMFatorial) é representada pela

equação (5), onde IDFCMFatoriali é o índice para a observação i, 𝜆𝑗 é a raiz característica

relacionada com o fator j, isto é, a proporção de variância explicada pelo fator j, 𝐹𝑖𝑟 é o valor

do escore do fator j na i-ésima observação.


𝑟
∑𝑗=1 𝜆𝑗𝐹𝑖𝑟 (5)
𝐼𝐷𝐹𝐶𝑀𝐹𝑎𝑡𝑜𝑟𝑖𝑎𝑙𝑖 = ∑𝑟 𝜆 , 𝑖 = 1,2,3 … , 𝑛 𝑒 𝑗 = 1,2,3, … , 𝑟
𝑗=1 𝑗
Para evitar valores negativos para os escores fatoriais, visto que são variáveis

padronizadas, transformou-se os escores, antes do cálculo do Índice, com o intuito de trazê-

los para o primeiro quadrante.

3. Resultados
Os resultados alcançados na estimação do Índice de Desenvolvimento das Famílias

chefiadas por mulheres (IDFCM) na região nordeste para o ano de 2015 estão divididos em

três seções, a primeira onde são apresentados os resultados encontrados através da estimação

que utilizou da técnica de análise fatorial exploratória para definir o valor final do índice, a

segunda seção é destinada aos resultados encontrados para a estimação tradicional do índice

e por fim, encontra-se uma seção onde existe uma comparação dos resultados alcançados

por diferentes metodologias.

3.1. Índice de Desenvolvimento das Famílias chefiadas por mulheres com os escores
fatoriais (IDFCMFatorial)
A análise fatorial explanatória definiu oito fatores que explicam 71,66% da variância

total para as famílias chefiadas por mulheres. A consistência interna das variáveis se

apresentou adequada, demonstrada pelo valor do alpha de Cronbach 0,83, acima do que se

considera o mínimo ideal na literatura (0,7).


Assim como no trabalho original de Barros, Carvalho e Franco (2003), as respostas

encontras na PNAD foram transformadas em variáveis dummy, assumindo valor 1 em caso

positivo e 0 caso contrário. Através desse procedimento, as famílias que possuem um maior

somatório nas respostas são aquelas que apresentam maior desenvolvimento familiar, dentro

dos aspectos trabalhados nesse artigo que são demonstrados através dos fatores. Na Tabela

1 encontra-se a distribuição dos indicadores entre os fatores e os respectivos valores da

variância explicada através da matriz com rotação ortogonal varimax.

Tabela 1 – Descrição dos fatores do IDFCMFatorial


Nº de
Fatores Indicadores v* va**
indicadores

I1, I2,I3, I4, I5, I9, I10, 0,18


1. Características familiares 11 I28, I31, I37 e I39 0,18
I11, I12, I13, I14, I15,
2. Educação dos Adultos 7 0,10 0,28
I16 e I35
I38, I44, I45, I46, I47 e
3. Acesso a bens duráveis 6 0,09 0,37
I48
I7, I19, I21, I22, I23 e
4. Renda do Domicílio 6 0,08 0,46
I24
I20, I36, I40, I41, I42 e
5. Infraestrutura básica domiciliar 6 0,07 0,53
I43
6. Educação de crianças, adolescentes e jovens 4 I29, I30, I32 e I33 0,07 0,60

7. Dependência Econômica 5 I6, I8, I17, I25 e I34 0,06 0,66

8. Trabalho infantil e Estabilidade de renda 3 I18, I26 e I27 0,05 0,71


Nota: *Variância explicada; **Variância explicada acumulada.
Fonte: Dados da pesquisa.

Com pode-se observar, o fator 1 engloba os Indicadores com os temas fecundidade,

presença de crianças, adolescentes e jovens na família, acesso a escola e progresso escolar

das crianças, além de duas características domiciliares, se ele é próprio e qual a densidade

populacional existente. Devido a esse amplo leque de questões relacionadas às

características familiares, com uma ênfase na presença de crianças ou não, esse fator foi

denominado Características familiares.

O fator 2 representa primordialmente o acesso ao conhecimento da família, que é

avaliado através da escolaridade formal e qualificação profissional dos adultos. O fator 3


caracteriza-se pela possibilidade ou não de acesso a bens duráveis básicos em um domicílio,

como fogão, geladeira, televisão, rádio, computador e telefone, assim como indica se o

domicílio é próprio ou cedido e se possui energia elétrica ou não.

O fator 4 foi classificado como a renda do domicílio, pois ele capta o acesso ao

mercado de trabalho por partes dos integrantes das famílias assim como a renda que a família

dispõe com base em salários mínimos. O fator 5 indica em maior medida as características

de infraestrutura básica do domicílio, como acesso adequado a água, saneamento e coleta de

lixo, assim como se a estrutura da casa é de material de construção permanente ou de algum

outro tipo.

O fator 6 foi denominado educação de crianças, adolescentes e jovens, pois se

caracteriza pela presença ou não desse grupo na escola e pela presença adolescentes e jovens

analfabetos na família. O fator 7 inclui fatores relacionados a dependência econômica, como

por exemplo a presença de idosos e a capacidade de geração de renda dos membros da

família através do mercado de trabalho.

E por fim, o fator 8 indica a presença de trabalho infantil na família e também se essa

família possui ao menos um trabalhador que está estável no mesmo emprego a mais de 6

meses, indicando uma possível estabilidade de renda.

Após a divisão dos fatores foi possível analisar que os indicadores relativos ao

componente mortalidade infantil do IDF proposto por Barros, Carvalho e Franco (2003),

foram distribuídos em fatores diversos, não possibilitando assim a análise específica desse

componente.

Os resultados médios da estimação de cada fator, assim como o desvio padrão e os

valores de máximo e mínimo são demonstrados na Tabela 2. É possível observar que todos

os fatores tiveram a amplitude máxima, indicando a existência de famílias que se apresentam


em situação de extrema vulnerabilidade e outras com nenhuma vulnerabilidade em cada

fator.

Os efeitos dos fatores são captados no IDFCMFatorial, com valor médio de 0,61,

variando de 0,34 a 0,74. Entre os fatores estimados, o fator que capta as características das

famílias foi o que apresentou melhor desempenho, indicando que altas taxas de fecundidade,

ou uma alta densidade habitacional não são os principais aspectos da vulnerabilidade das

famílias chefiadas por mulheres. Dentre as 14.490 famílias da amostra, apenas 10,6%

tiveram alguma mulher obtendo filho nos últimos 2 anos e 85% das famílias vivem em

domicílios com densidade de 2 ou menos habitantes por dormitório.

Tabela 2 – Resultado do IDFCMFatorial


Fatores Obs. Média Desvio Padrão Mínimo Máximo
1. Características familiares 14490 0,67 0,14 0 1
2. Educação dos Adultos 14490 0,57 0,20 0 1
3. Acesso a bens duráveis 14490 0,62 0,09 0 1
4. Renda do Domicílio 14490 0,53 0,13 0 1
5. Infraestrutura básica domiciliar 14490 0,57 0,11 0 1
6. Educação de crianças, adolescentes e
14490 0,64 0,10 0 1
jovens
7. Dependência Econômica 14490 0,58 0,17 0 1
8. Trabalho infantil e Estabilidade de
renda 14490 0,57 0,11 0 1

IDFCMFatorial 14490 0,61 0,05 0,35 0,74


Fonte: Dados da pesquisa.

Outro fator que apresentou bom resultado foi o de escolaridade das crianças,

adolescentes e jovens, com um valor médio do fator de 0,64. Esse resultado pode ser

interpretado como um produto das políticas de obrigatoriedade das crianças e adolescentes

frequentarem a escola e nas políticas contra o analfabetismo infantil. Da totalidade das

famílias da amostra, não chega a 1% as que possuem adolescentes ou jovens analfabetos e

3,63% possuem alguma criança/adolescente de 7 a 17 anos fora da escola.

O pior resultado encontrado, foi o fator 4, com média de 0,538. Esse fator indica a

renda das famílias, ou seja, o principal problema para o desenvolvimento das famílias
chefiadas por mulheres na região nordeste é a baixa renda. Dentre a amostra analisada, 9,8%

das famílias viviam com uma renda per capita inferior a linha da pobreza, porém o que é de

maior impacto é que 83% das famílias não possuem algum membro com renda superior a

dois salários mínimos, ficando evidente que esse é o principal fator de vulnerabilidade dessas

famílias.

O fator 2, referente a educação dos adultos, demonstrou o maior desvio padrão (0,20),

indicando a não homogeneidade da formação escolar dos adultos que compõem essas

famílias chefiadas por mulheres na região nordeste. Na composição da amostra, as famílias

possuíam algum adulto com ensino superior em 14% das vezes, com apenas o ensino médio

em 42%, com apenas o ensino fundamental completo em 13% e sem o ensino fundamental

completo o montante foi 29% das famílias.

O fator que apresentou menor desvio padrão foi o terceiro, que indica o acesso a bens

duráveis, isso se explica devido à composição desse índice ser de bens considerados

essenciais para qualquer família que possua o mínimo de renda, como energia elétrica,

geladeira, fogão, televisão e telefone. E também pelo componente possuir ou não imóvel

próprio também ter tido pouca variação, visto que 83% da amostra vive em imóvel próprio

ou cedido.

Os fatores 5 e 8, se comportaram da mesma maneira, com resultados médios de 0,57

e desvio padrão de 0,11. Um aspecto positivo a se considerar do fator 8 é baixa presença de

trabalho infantil nas famílias analisadas, totalizando apenas 0,48%.

3.2. Índice de Desenvolvimento das Famílias chefiadas por mulheres (IDFCM)

Nessa seção do trabalho são apresentados os resultados para a estimação do Índice

de Desenvolvimento das Famílias chefiadas por mulheres (IDFCM) tendo como base o Índice

proposto por Barros, Carvalho e Franco (2003). Na Tabela 3 são apresentados o valor IDFCM

da região nordeste e os valores para cada dimensão analisada no ano de 2015.


Tabela 3 – Resultados estimados para o IDFCM
Dimensões Obs. Média Desvio Padrão Mínimo Máximo

Ausência de vulnerabilidade 14490 0,66 0,19 0 1

Acesso ao conhecimento 14490 0,53 0,34 0 1

Acesso ao trabalho 14490 0,56 0,23 0 1

Disponibilidade de recurso 14490 0,90 0,18 0 1

Desenvolvimento infantil 14490 0,92 0,08 0,29 1

Condições habitacionais 14490 0,83 0,13 0 1

IDFCM 14490 0,73 0,12 0,29 1

Fonte: Dados da pesquisa.

A dimensão acesso ao conhecimento obteve o pior resultado (0,53) e o maior desvio

padrão (0,34), indicando que existe um problema na questão da baixa educação formal e

baixa qualificação profissional, entretanto ele não se apresenta uniformemente distribuído,

esse alto desvio padrão também ocorreu no fator 2 do índice anterior, que também visou

medir a escolaridade dos adultos.

Outra dimensão que também obteve um resultado comparativo bem ruim foi o acesso

ao trabalho (0,56). Esse resultado se mostra bem coerente com o resultado da dimensão

anterior, dado que o processo de se encontrar um emprego é ainda mais severo para os

indivíduos que possuem uma educação formal ou qualificação profissional baixa.

As dimensões disponibilidade de recursos e desenvolvimento infantil apresentaram

ótimos resultados, acima de 0,9. Contudo uma observação deve ser feita, na dimensão 4, o

objeto de análise é a renda per capita acima da linha da extrema pobreza e pobreza, que são

valores bem baixos. Quando a comparação é realizada utilizando o salário mínimo como

parâmetro, fica evidente a baixa renda auferida por essas famílias, conforme demonstrado

no índice anterior. Nesse método de cálculo o questionamento a respeito da renda

comparativamente a salários mínimos está incluso na dimensão acesso ao trabalho.


De maneira geral, o resultado médio para o IDF foi de 0,73, valor um pouco acima

do resultado para a região nordeste encontrado no cálculo original de Barros, Carvalho e

Franco (2003) que teve como base a PNAD 2001, que foi de 0,64. Ou seja, comparando as

famílias chefiadas por mulheres no ano de 2015 com as famílias nordestinas em geral no ano

de 2001, houve uma melhora no índice de desenvolvimento familiar em torno de 15%.

3.3. Comparação entre o IDFCMFatorial e o IDFCM

Realizando a análise comparativa entre os índices observa-se que os resultados

comparativos entre as dimensões e fatores se mostrou coerente, ambos os índices destacaram

que o acesso a renda por meio do mercado formal é o principal problema desse tipo de

família na região nordeste. Destaca-se também que o acesso a educação formal e a

qualificação profissional dos adultos é uma dificuldade de parte dessas famílias, esse fator

fica em segundo plano, pois não é a maioria que tem essa dificuldade, visto o alto grau de

desvio padrão existente em ambos os cálculos.

O resultado positivo em ambos os índices refere-se ao acesso à educação de crianças,

jovens e adultos, indicando que políticas públicas de incentivo a educação estão surtindo

efeito, um exemplo de política é o bolsa família, que tem como obrigatoriedade a criança

frequentar a escola.

Comparando o valor do índice propriamente dito, de 0,61 do IDFCMFatorial e 0,73 do

IDFCM, indicando que este pode estar superestimando o desenvolvimento das famílias

nordestinas chefiadas por mulheres.

Como conclusão, pode-se destacar aspectos positivos e negativos de cada

metodologia. A análise fatorial tem certa vantagem em relação a maneira tradicional visto

que utiliza de artifícios matemáticos para distribuir as questões nos diferentes fatores e

também para calcular a carga fatorial de cada um deles. Contudo, alguns arranjos de fatores
podem ficar com perguntas que não se relacionam com o conjunto geral, não possibilitando

a sua análise, como foi o caso da mortalidade infantil.

O ponto positivo da análise tradicional é a possibilidade de comparação entre

diferentes localidades em diferentes anos, visto que a composição das dimensões é fixa. O

lado negativo é a arbitrariedade com que se dividem os indicadores nas dimensões, como

por exemplo do estudo, a dimensão acesso a renda enquadrava apenas questões relacionadas

a pobreza e extrema pobreza, mas não as perguntas que tinham como base o salário mínimo.

4. Conclusões
Através da estimação do mesmo índice por dois métodos distintos observou-se que a

pode existir uma superestimação do desenvolvimento das famílias pelo cálculo do IDF

proposto por Barros, Carvalho e Franco (2003), os resultados para cada índice foram de 0,61

do IDFCMFatorial e 0,73 do IDFCM.

Entretanto, apesar das diferenças no nível, os resultados mais baixos demonstraram

estar relacionados com as mesmas variáveis, acesso a renda advinda do mercado de trabalho

por parte das famílias chefiadas mulheres, assim como a heterogeneidade da formação

profissional e educação formal dos adultos dessas famílias.

Através dos resultados, sugere-se a implantação de políticas públicas que visem dar

oportunidades para que principalmente as mulheres chefes de família tenham condições de

aperfeiçoar o capital humano. A maior oferta de vagas e horários em escolas de ensino

técnico profissionalizante e de educação de jovens e adultos (EJA’s) é uma medida que pode

ser adotada e assim melhorar a competitividade dessas trabalhadoras no mercado de trabalho

e consequentemente ter um aumento na renda, parando esse ciclo vicioso de

subdesenvolvimento familiar.

Por fim, destaca-se o aspecto positivo observado nos dois índices calculados, que

dizem respeito ao acesso de crianças, adolescentes e jovens a escola, demonstrando


resultados efetivos de políticas públicas de incentivo a educação infantil e de combate ao

analfabetismo infantil. Como sugestão de trabalhos posteriores, seria valido realizar uma

análise da qualidade da educação auferida por essas crianças que estão em números cada vez

maiores frequentando a escola.

5. Referencial Bibliográfico
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2014.

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Desenvolvimento Regional em debate, v. 6, n. 3, p. 125–148, 2016.
Economic infrastructure and growth in Latin America: a qualitative and quantitative

approach in data panel

Infraestrutura econômica e crescimento na América Latina: uma abordagem

qualitativa e quantitativa em painel de dados.

Victor Medeiros1

Francisco Carlos da Cunha Cassuce2

Jader Fernandes Cirino3

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a importância dos setores de transportes,

telecomunicações e energia para o crescimento econômico de longo prazo dos países da

América Latina, em termos qualitativo e quantitativo. A justificativa da escolha dos países

latino-americanos se deve a posição retardatária dos mesmos no que se refere a infraestrutura

econômica. Para o alcance dos objetivos, utilizou-se a metodologia de dados em painel, mais

especificamente modelos de efeitos fixos. Os principais resultados do trabalho mostram que

a infraestrutura se relaciona positivamente com o crescimento da renda na América Latina,

tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. A opção pela expansão da oferta ou

melhoria na qualidade deve levar em consideração o setor envolvido, de forma a maximizar

os retornos gerados sobre a renda dos diversos países.

Palavras-chave: Infraestrutura, Crescimento Econômico, América Latina.

Abstract: The objective of this paper is to analyze the importance of the transportation,

telecommunications and energy sectors for the long-term economic growth of the Latin

American countries in terms of quality and quantity. The justification for the choice of Latin

American countries is due to their lagging position regarding economic infrastructure. In

1
Mestrando em economia pelo CEDEPLAR/UFMG e bolsista CAPES. vmedeiros@cedeplar.ufmg.br
2
Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa - Departamento de Economia, Brasil.
3
Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa - Departamento de Economia, Brasil.
order to reach the objectives, the panel data methodology was used, more specifically fixed

effects models. The main results of the study shows that infrastructure is positively related

to income growth in Latin America, both quantitatively and qualitatively. The option to

expand supply or improve quality must take into account the sector involved in order to

maximize the returns generated on the income of the various countries.

Key words: Infrastructure, Economic Growth, Latin America.

Código JEL: H54, O40, O54.

1. INTRODUÇÃO

Infraestrutura econômica pode ser conceituada como a base para as atividades do

setor primário, secundário e terciário, consistindo-se nas rodovias, ferrovias, portos e

aeroportos, oferta de energia e serviços de comunicação que torna possível a instalação das

mais diversas atividades produtivas.

Hirschman (1958) argumenta que, além de aumentar a capacidade produtiva da

economia, o aumento das inversões em infraestrutura possui efeito completivo sobre os

demais investimentos. No entanto, o autor ressalta que nos países em desenvolvimento

haveria um descompasso4 entre oferta e demanda desses serviços essenciais, acarretando em

escassez dos mesmos e gargalos ao processo de crescimento econômico.

No caso latino-americano, observa-se queda substancial, na maioria dos países, dos

investimentos em infraestrutura nas décadas de 1990 e 2000, com consequente deterioração

dos serviços. De acordo com Estache (2012), os investimentos médios em infraestrutura por

país necessários para manter o crescimento na América Latina, no período 2010-2015,

estariam entre 4% e 6% como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Nota-se, porém,

4
Devido aos custos fixos elevados, alto risco e longo período de maturação dos investimentos, dentre outros
fatores, o setor privado não seria capaz de prover os recursos necessários para expandir a infraestrutura nesses
países.
que essas inversões ficaram em torno de 2% na década de 2000, evidenciando a defasagem

infraestrutural desses países.

No descrito contexto, torna-se importante analisar o papel da infraestrutura sobre o

crescimento econômico latino-americano. Diversos estudos têm investigado sobre a descrita

importância das inversões nos setores de transportes, comunicações e energia. Aschauer

(1989), pioneiro nesta abordagem, descreve que os gastos em infraestrutura são capazes de

aumentar a produtividade dos fatores de produção. Ademais, como argumentado em Banco

Mundial (1994), economias com serviços de infraestrutura mais modernos e eficientes

apresentam crescimento da produtividade maior do que as demais.

Calderón e Serven (2002) estudaram os efeitos da infraestrutura econômica sobre o

crescimento de diversos países entre 1960-1997, buscando analisar o grau de defasagem dos

países da América Latina em relação ao resto mundo. Os principais resultados encontrados

pelos autores foram que a infraestrutura se relaciona positivamente com a expansão do

produto e, a deterioração dos serviços de telecomunicações, energia e transportes nos países

latino-americanos foi crucial para o insatisfatório desempenho dos mesmos em termos de

crescimento, no período analisado.

A partir desses estudos iniciais, uma série de novas investigações surgiram com o

mesmo intuito, verificar a importância da infraestrutura sobre o crescimento econômico.

Ainda que a base de dados, as variáveis e a metodologia empregada nos diferentes estudos

variem, os resultados mais comuns tendem a confirmar impacto positivo da infraestrutura

sobre o crescimento da renda (ver, por exemplo, Canning (1998) e Canning e Bennathan

(2002) para dados Americanos, Ferreira (1996), Ferreira e Malliagros (1998), Rigolon e

Piccinini (1997) e Araújo Jr. (2006) para dados brasileiros).5

5
Maiores detalhes sobre a literatura na área podem ser obtidos em Ferreira e França (2004).
Com o objetivo de explicar as diferenças dos retornos da infraestrutura econômica

sobre o crescimento entre países, regiões e estados de federação, alguns estudos emergiram

com a utilização da metodologia de dados em painel (como exemplo, pode-se citar Canning

(1999), Easterly e Rebelo (1993), Pessoa, Gomes e Veloso (2004), Boopen (2006), Silva,

Jayme Jr. e Martins (2009) e Bertussi e Ellery Jr (2011)). As principais conclusões dos

descritos trabalhos corroboram com os resultados comuns da literatura na área, que são a

existência de relação positiva entre infraestrutura e crescimento econômico. Ademais, como

em Bertussi e Ellery Jr (2011), existe impacto positivo da infraestrutura econômica sobre a

diminuição das desigualdades regionais.

Mais recentemente, Ismail e Mahyideen (2015) analisaram o impacto da

infraestrutura sobre o comércio e o crescimento econômico nos países asiáticos, através de

um modelo gravitacional. Para alcançar os objetivos propostos, os autores utilizaram tanto

variáveis qualitativas6 quanto quantitativas, com o intuito de obter resultados mais

consistentes, dada a diversidade de variáveis utilizadas como proxies de infraestrutura na

literatura especializada. Análise similar foi feita por Calderón e Serven (2010), no entanto,

com enfoque voltado para as diferenças entre regiões no mundo. Os principais resultados

obtidos foram que a quantidade de infraestrutura afeta positivamente o crescimento, porém,

melhoria da qualidade desses serviços gera mais elevada e eficiente produção e ganhos

superiores em termos de crescimento econômico sustentável.

O presente artigo pretende contribuir com a discussão sobre a importância da

infraestrutura sobre o processo de crescimento dos países latino-americanos. A contribuição

deste estudo para essa literatura se dará na análise da importância dos setores de transportes,

comunicações e energia para o crescimento econômico de longo prazo dos países da América

6
Outros estudos, como Palei (2015) e Paula e Silva (2015), utilizaram índices de qualidade como proxies para
infraestrutura
Latina7, em termos qualitativo e quantitativo. Para alcançar os objetivos, toma-se como base

uma abordagem teórica que trata a infraestrutura como um insumo na função de produção e

a estimação em dados em painel estático, no período 2006-2013.

O trabalho será estruturado em três, além desta introdução. A segunda seção

descreverá a metodologia e a terceira dissertará sobre os resultados empíricos do trabalho.

Por fim, a última seção considera as conclusões da pesquisa.

2. METODOLOGIA

Para verificar a relação entre infraestrutura e crescimento econômico nos países

latino-americanos8 no período 2006-2013, será utilizada a metodologia de dados em painel.

Como descrito em Gujarati (2006) e Wooldridge (2002), o uso desse método possui

vantagens perante técnicas que analisam separadamente dados de séries temporais ou de

seção cruzada, pois possibilita análise da heterogeneidade entre as unidades da amostra.

Adicionalmente, a utilização de dados em painel aumenta o número de informações e graus

de liberdade, diminui a colinearidade entre as variáveis independentes e aumenta a

variabilidade dos dados.

Os modelos econométricos a serem estimados partem do pressuposto de que a relação

entre as variáveis é linear. A forma genérica modelo que capta a heterogeneidade seria pode

ser observada a seguir:

𝑦𝑖𝑡 = 𝑥𝑖𝑡𝛽𝑖𝑡 + 𝑣𝑖𝑡 (16)

Onde 𝑦 a variável dependente; x um vetor de variáveis independentes; 𝛽 o vetor de

parâmetros a serem estimados; i representa os países, sendo i=1,2,...,15; t representa o

7
A justifica da escolha dos países latino-americanos consiste na defasagem dos mesmos em relação aos
serviços de infraestrutura, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, que tem agido com gargalos ao
processo de crescimento econômico dos mesmos.
8
Os países considerados na amostra são Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador,
Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
período de tempo, sendo t=2006, ..., 2013, e; 𝑣𝑖𝑡 são os erros aleatórios. As variáveis

utilizadas serão as seguintes:

𝑦𝑖𝑡: é o PIB per capita (Paridade do Poder de Compra) do país i no período t;

O vetor 𝑥𝑖𝑡 é composto pelas variáveis de infraestrutura e de controle: 𝑘𝑓𝑖𝑠𝑖𝑡 é a

formação bruta de capital fixo como proporção do PIB do país i no ano t, que servirá como

proxy para o nível de capital físico; 𝑘ℎ𝑢𝑚𝑖𝑡 são as matrículas no ensino secundário9 do país

i no ano t, proxy para capital humano; 𝑃𝑜𝑝𝑖𝑡 é a taxa de crescimento populacional do país i

no ano t; 𝐼𝑛𝑓𝑟𝑎𝑖𝑡 será a infraestrutura (representada por uma proxy) do país i no período t.

Como o trabalho abordará a infraestrutura em aspectos qualitativos e quantitativos e, não há

consenso na literatura em questão sobre qual variável deve ser utilizada como proxy para

infraestrutura, serão utilizadas variáveis diversificadas (ver Tabela 3), buscando dar maior

entendimento sobre os efeitos dos serviços de energia, telecomunicações e transportes sobre

o produto per capita dos países latino americanos.

Todas as variáveis utilizadas foram baseadas na literatura especializada que trata do

tema infraestrutura e crescimento econômico. Como exemplos de trabalhos que utilizaram

as mesmas, pode-se citar Calderón e Serven (2010), Ismail e Mahyideen (2015), Palei (2015)

e Kamara (2007), dentre outros. Espera-se que a infraestrutura econômica e os capitais físico

e humano se relacionem positivamente com a renda per capita, enquanto o crescimento

populacional impacte negativamente o produto por trabalhador.

Tabela 1: Variáveis utilizadas como proxies para infraestrutura.

Nome Variável
𝑇𝑟𝑎𝑛𝑠𝑝𝑖𝑡 (1) Transporte aéreo: passageiros transportados
Quantitativas 𝐸𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑡 (2) Consumo de energia elétrica (kWh per capita)
𝑇𝑒𝑙𝑒𝑐𝑖𝑐 (3) Assinaturas de telefone fixo
Qualitativas 𝑄𝑖𝑛𝑓𝑟𝑎𝑖𝑡 (4) Índice de qualidade da infraestrutura

9
Neste caso, considera-se indivíduos com idade entre 11 e 18 anos.
𝑄𝑡𝑟𝑎𝑛𝑠𝑝𝑖𝑡 (5) Índice de qualidade de transportes
(5.a) Índice de qualidade das rodovias
(5.b) Índice de qualidade dos portos
(5.c) Índice de qualidade do setor aéreo
𝑄𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑡 (6) Índice de qualidade do fornecimento de eletricidade
𝑄𝑡𝑒𝑙𝑒𝑐𝑖𝑡 (7) Usuários de Internet (por 100 habitantes)
Fonte: Elaboração própria.

Ressalta-se, no entanto, que a modelagem de dados em painel pode diferir no que se

trata da abordagem sobre a heterogeneidade entre as unidades de seção cruzada. No modelo

de efeitos fixos, tem-se 𝛽𝑘𝑖𝑡 = 𝛽𝑘, ∀ 𝑖, 𝑡, exceto para k = 1, ou seja, os parâmetros serão os

mesmos para todos os indivíduos, exceto o intercepto, que variará de individuo para

individuo de forma a explicitar as diferenças entre os mesmos. Neste caso em que as

diferenças individuais são tidas como fixas, haverá correlação entre os resíduos e os X’s e,

consequentemente, viés de heterogeneidade, ainda que os termos de erro não sejam

serialmente correlacionados. Portanto, deve-se controlar as variáveis constantes no tempo,

de forma a retirar o viés. Com essas suposições, o estimador não inclui parcela ligada ao

estimador “entre”10, mas apenas as variações vinculadas àquelas variáveis que mudam no

tempo. Portanto, o estimador de EF é mais adequado quando se tem características fixas,

invariantes no tempo.

O modelo de efeitos aleatórios, por outro lado, tratará as particularidades individuais

como um processo aleatório, ou seja, a heterogeneidade é captada através do termo de erro

(𝛽𝑖𝑡 = 𝛽 𝑒 𝑣𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝑢𝑖𝑡), ou especificamente, do termo erro de composição (𝛼𝑖), que será

somado ao intercepto comum da equação.

Cabe notar, todavia, que as diferenças entre os modelos são marginais, o que

possibilita escolher o modelo com base nas características das variáveis e do problema de

10
A variação “entre” nada mais é do que uma soma de quadrados das diferenças entre as médias de cada
indivíduo e a média de toda a amostra, ou seja, capta as diferenças entre os indivíduos
pesquisa (GUJARATI, 2006). Desta forma, optou-se pela utilização do modelo de efeitos

fixos, visto que existem diferenças importantes entre os países, inalteráveis no tempo, por

exemplo, particularidades culturais, institucionais, políticas e geográficas. Adicionalmente,

serão realizados testes para autocorrelação (teste de Wooldridge) e heterocedasticidade (teste

de Wald modificado) e, caso seja verificada a presença desses quesitos, serão feitas as

respectivas correções11 para tornar as estimativas robustas.

Fonte e tratamento dos dados

Todas as variáveis utilizadas são de periodicidade anual. Os dados referentes a

Produto Interno Bruto per capita (PPP), formação bruta de capital fixo (% do PIB),

crescimento populacional (variação anual), transporte aéreo: número de passageiros

transportados, consumo de energia elétrica (kWh per capita) e assinaturas de telefone fixo

foram obtidos a partir da base de dados do Banco Mundial12. As variáveis Índice de

qualidade da infraestrutura, Índice de qualidade de transportes, Índice de qualidade do

fornecimento de eletricidade e Usuários de Internet (por 100 habitantes) foram retiradas da

base de dados do Fórum Econômico Mundial13. A variável referente a qualidade dos serviços

de transporte foi obtida a partir do cálculo da média de qualidade das rodovias, portos e setor

aéreo. A variável matrículas no ensino secundário foi captada a partir do Institute for

Statistics, UNESCO14.

Os dados referentes as variáveis qualitativas de infraestrutura só existem para o

período igual ou posterior a 2006. Desta forma, a amostra abrangerá o período de tempo

11
No caso de existência de heterocedasticidade e autocorrelação, é indicado utilizar o método Bootstrap para
correção dos erros-padrão.
12
World Development Indicators, disponível em http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-
indicators.
13
O arquivo específico se denomina The Global Competitiveness Index Historical Dataset: 2005-2015, e está
disponível em http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2015-2016/.
14
Disponível em http://data.uis.unesco.org/.
2006-2013. Considera -se, ainda, que as variáveis foram tomadas em termos logarítmicos

naturais, visando fornecer medidas de elasticidades das mesmas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O primeiro procedimento na análise econométrica foi verificar a existência de

heterocedasticidade em grupo e de autocorrelação. De acordo com os testes estatísticos (ver

Tabela 1A), pode-se observar que os erros são heterocedásticos e autocorrelacionados.

Portanto, procedeu-se com a correção dos erros-padrão a partir do método Bootstrap.

Os modelos estimados buscaram incluir diferentes variáveis de infraestrutura, de

forma a dar maior suporte prático e analisar as principais demandas dos países latino-

americanos em termos de oferta e, ou, qualidade dos serviços de energia, transportes e

telecomunicações. Os resultados, que levam em consideração as variáveis quantitativas,

estão descritos na Tabela 4.

Em relação aos serviços de infraestrutura, os resultados do modelo (1) indicam que

o setor de transportes afeta positivamente o PIB per capita dos países da América Latina. O

aumento de 1% na oferta de serviços de transportes elevaria a renda por habitante em torno

de 0,12%, na média. Quanto ao setor energético, mostrado pelo modelo (2), seu

relacionamento com a renda foi positivo e significativo, indicando que, quando se expande

os serviços de energia, há aumento médio de cerca de 0,68% no produto dos países

analisados. Por fim, o modelo (3) mostra que o impacto do setor de telecomunicações sobre

o PIB per capita foi não significativo no período 2006-2013.

Tabela 2: Impactos da infraestrutura econômica sobre o crescimento: América Latina

(2006-2013).

Variável explicativa/Modelo Transportes (1) Energia (2) Telecomunicações (3)


0,1201
Transp - -
(0,0395)***
0,6868
Energ - -
(0,1433)***
0,0341
Telec - -
(0,1214)
0,2312 0,1369 0,3426
Kfis
(0,061)*** (0,0673)** (0,0834)***
0,4735 0,1793 0,6105
Khum
(0,2072)** (0,0875)** (0,1660)***
0,1049 0,0454 0,1292
Pop
(0,2298) (0,1223) (0,3715)
0,0764 1,3642 -0,8513
Constante
(2,9297) (1,0676) (2,9638)
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota: (***) = significativo a 1%; (**)

significativo a 5%; erros-padrão bootstraping entre parênteses.

Em síntese, pode-se afirmar que os resultados encontrados corroboram com as

análises feitas por Aschauer (1989), Canning (1998), Canning e Bennathan (2002), Ferreira

(1996), Ferreira e Malliagros (1998), Rigolon e Piccinini (1997), Araújo Jr. (2006), dentre

outros. Os resultados mais gerais dos descritos trabalhos foram que há relação positiva entre

expansão da oferta de infraestrutura e crescimento econômico.

A análise seguinte foi estimar o PIB per capita dos países latino americanos em

função das variáveis qualitativas de infraestrutura, além das variáveis de controle

previamente mencionadas. As estimações estão descritas na Tabela 5, e os resultados gerais

comprovam a relação positiva entre qualidade da infraestrutura e expansão da renda nos

países latino americanos.

Tabela 3: Impactos da qualidade da infraestrutura econômica sobre o crescimento:

América Latina (2006-2013).

Variável
Infraestrutura Transportes Rodoviário
explicativas/ Portos (5.b) Aéreo (5.c) Energia (6) Telec (7)
Geral (4) (5) (5.a)
Modelo
0,1289
Qinfra - - - - - -
(0,0638)**
-0,1609 0,1362 0,1922 0,1095 -
Qtransp - -
(0,1703) (0,0612)** (0,1207) (0,1004)
0,0929
Qenerg - - - - - -
(0,0929)
0,1300
Qtelec - - - - - -
(0,0269)***
0,3532 0,3885 0,3550 0,3173 0,3420 0,3547 0,2721
Kfis
(0,0779)*** (0,0975)*** (0,0703)*** (0,0596)*** (0,0708)*** (0,0893)*** (0,0718)***
0,5164 0,6114 0,5345 0,4821 0,5895 0,5256 0,1703
Khum
(0,1537)*** (0,1450)*** (0,2045)*** (0,1783)*** (0,1418)*** (0,2071)** (0,1821)
0,0996 0,1480 0,0923 0,1152 0,0830 -0,0107 0,1789
Pop
(0,2831) (0,3224) (0,2767) (0,2969) (0,2789) (0,3010) (0,1411)
0,7931 -0,3052 0,5350 1,3102 -0,2004 0,6976 5,6625
Constante
(2,3089) (2,1177) (3,0737) (2,5099) (2,0552) (3,0685) (2,6186)**
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota: (***) = significativo a 1%; (**)

significativo a 5%; erros-padrão bootstraping entre parênteses.

Ao se analisar o impacto da infraestrutura geral sobre a renda dos países da amostra,

observa-se sinal positivo e significativo, indicando que uma melhora de 1% no índice de

qualidade aumenta a renda em 0,13% aproximadamente, em termos médios. Tal resultado

reforça a principal conclusão dos trabalhos de Ismail e Mahyideen (2015), Calderón e Serven

(2010), Palei (2015) e, indiretamente, Paula e Silva (2015), os quais concluem que, quanto

mais modernizados e eficientes os setores de infraestrutura, melhores serão os resultados em

termos de comércio internacional, produtividade e, em via última, de crescimento e

desenvolvimento econômico.

Em relação a análise desagregada dos setores, observa-se que apenas a qualidade do

setor de telecomunicações foi capaz de impactar significativamente a renda dos países latino

americanos entre 2006-2013. Neste caso, a elevação de 1% no índice de qualidade desses

serviços, mais especificamente retratado pelo acesso da população aos serviços de internet,

tende a gerar aumento médio na renda de 0,13%.


Ressalta-se, no entanto, que ao examinar o setor de transportes por desagregação em

modais aéreo, rodoviário e portuário, o único modal que apresentou significância estatística

foi o rodoviário. Este resultado indica que, no caso das rodovias, seria importante melhorar

a qualidade através, por exemplo, da pavimentação de estradas. Em muitos dos países latino

americanos, como no caso brasileiro, há predominância do setor rodoviário na matriz de

transportes, indicando que há oferta expressiva e, possivelmente, excessiva desse serviço.

Por outro lado, o aperfeiçoamento desse mesmo modal acarretaria retornos substanciais em

termos de crescimento da renda.

No que se refere as variáveis de controle, a variável Kfis apresentou impacto positivo

e significativo em todas as especificações, indicando que quanto maior o nível de

investimentos de determinado país da amostra, maior tende a ser seu nível de renda. Sobre a

variável Khum, na maioria das especificações, esta foi significativa e, em todos os modelos,

seu impacto sobre o crescimento foi positivo, indicando que quanto maior o nível de capital

humano dos países, mais propícios os mesmos estarão a dar continuidade ao processo de

crescimento econômico. Por fim, a variável Pop foi não significativa em todas as

modelagens, indicando que o crescimento populacional não teve papel importante sobre o

crescimento da renda dos países da amostra entre 2006 e 2013.

Em termos de sensibilidade da renda em relação a cada um dos setores de

infraestrutura, percebe-se que os resultados variaram de setor para setor em termos da

importância da qualidade e expansão da oferta (ver Tabela 6).

Tabela 4: Sensibilidade da renda em relação as variáveis qualitativas e quantitativas

de infraestrutura: América Latina (2006-2013).

Setor Quantidade Qualidade


Transportes 0,12% Não significativo
Energia 0,69% Não significativo
Telecomunicações Não significativo 0,13%
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa.

No caso do setor de transportes, observa-se que a elasticidade da renda em relação a

infraestrutura se deu, de maneira significativa estatisticamente, em termos de quantidade.

Desta forma, pode-se argumentar que haveria a necessidade de expandir as rodovias, portos,

aeroportos, redes ferroviárias, dentre outros modais, visto que são fatores importantes para

o crescimento econômico dos países latino americanos. Ademais, como tais países possuem

grande escassez desse tipo (transportes em geral) de infraestrutura, é possível que, antes de

optar por políticas de melhoria da qualidade desses serviços, essas nações escolham políticas

que expandam a oferta, principalmente de modais menos utilizados15.

Resultados similares foram encontrados para o setor energético. Enquanto a variável

qualitativa foi não significativa, a relação positiva entre oferta de energia e crescimento

parece indicar maior necessidade de expansão dos serviços. Portanto, seria importante

aumentar a capacidade produtiva dos setores envolvidos, possibilitando o aumento do

consumo e, consequentemente, da renda dos países latino americanos.

Por fim, o setor de telecomunicações foi o único que apresentou papel importante de

melhorias na qualidade em contraposição a quantidade de infraestrutura. Quando se analisa

a evolução desse setor na América Latina, percebe-se que o mesmo recebeu vultuosos

recursos no fim da década de 1990 e nos anos 2000, muito em parte proporcionados pelas

reformas estruturais instituídas. A expansão desses investimentos foi responsável pelo

aumento da oferta dos serviços e, por grande parte da literatura especializada, a privatização

15
No caso brasileiro, por exemplo, cerca de 60% de transportes de cargas é feito pelo modal rodoviário. Como
argumentado em Morgan Stanley (2010), o setor rodoviário é o setor com custos de frete mais elevados (exceto
o setor aéreo), o que contribui para o aumento dos custos das firmas brasileiras e o desestímulo ao seu
crescimento. Dessa forma, há um elevado custo de oportunidade do modal rodoviário em relação aos outros
modais de transportes, que poderiam gerar substanciais retornos ao se expandirem.
no setor de telecomunicações é vista como ação de êxito na maioria dos países latino

americanos. Desta forma, pode-se concluir que a oferta de serviços de tecnologia da

informação e comunicação não foi capaz de afetar significativamente a renda dos países

latino americanos no período analisado, no entanto, a melhoria desses serviços seria um

importante fator para dar continuidade ao processo de crescimento e desenvolvimento dos

mesmos.

Em síntese, os resultados gerais foram coerentes com a abordagem teórica proposta

no trabalho. De acordo com Hirschman (1958), Ferraz et al (1996), expansão da oferta e

modernização da infraestrutura são fatores importantes para o crescimento econômico dos

países. Ademais, observou-se que, nos setores em que há oferta considerável de serviços,

notadamente telecomunicações, os impactos do aumento da oferta dos mesmos são nulos,

indicando que os retornos para o crescimento econômico nesse setor estariam vinculados ao

aperfeiçoamento tecnológico. Por outro lado, nos setores de energia e transporte, os quais

possuem oferta escassa, a expansão dos serviços acarretaria retornos elevados, em

contraposição aos efeitos qualitativos insignificantes estatisticamente.

4. CONCLUSÕES

O presente trabalho teve como objetivo analisar os impactos da infraestrutura

econômica sobre o crescimento dos países da América no período 2006-2013. Para isso,

foram obtidos dados a respeito da oferta e da qualidade dos setores de transportes, energia e

telecomunicações, de forma a dar melhor entendimento sobre a relação desses setores com

o crescimento econômico latino americano.

Com base na metodologia de dados em painel com efeitos fixos, relacionou-se os

indicadores de oferta e qualidade da infraestrutura (geral e desagregada), bem como as


variáveis de controle (capital físico, capital humano e crescimento populacional) com a renda

per capita dos países analisados.

Os resultados mostram que a infraestrutura se relaciona positivamente com o

crescimento da renda por habitante na América Latina, tanto em termos quantitativos quanto

qualitativos. Uma observação importante, no entanto, diz respeito a análise desagregada em

setores da infraestrutura, a qual demonstra diferentes retornos em termos de qualidade e

oferta dos diferentes serviços.

Em relação ao setor de transportes, observa-se que uma expansão do mesmo seria

fator importante para o crescimento da renda. No entanto, uma melhoria na qualidade do

setor não teve papel significativo, a não ser para o setor rodoviário, o que indica que

aperfeiçoamentos tecnológicos e ganhos de eficiência nesse setor tiveram capacidade de

aumentar a renda dos países da América Latina, no período analisado.

O setor energético também indicou relação positiva e significativa entre quantidade

dos serviços e crescimento da renda. Este resultado ressalta a escassez de infraestrutura

energética observada nos países analisados e, aponta para o impacto positivo que a expansão

da oferta dos serviços de energia elétrica, e demais tipos, traria sobre o crescimento

econômico.

Por fim, o setor de telecomunicações foi o único que apresentou significância para o

indicador qualitativo, em detrimento da variável quantitativa, a qual foi não significativa.

Esta estimação indica que a oferta dos serviços de telecomunicações pode ter atingido um

nível adequado para os países latino americanos, no entanto, a melhoria da qualidade dos

mesmos teria papel importante sobre a expansão da renda per capita dos países da amostra.

De acordo com os principais resultados da pesquisa, seria interessante que os governos dos

países da América Latina destinassem os recursos necessários para a ampliação e

modernização dos setores de infraestrutura. Ademais, a opção pela expansão da oferta ou


melhoria na qualidade deve levar em consideração o setor envolvido, de forma a maximizar

os retornos gerados sobre a renda dos diversos países, contribuindo para que os mesmos

avencem em termos de crescimento e desenvolvimento econômico.

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novembro de 2016.

APÊNDICE
Tabela 1A: Testes para heterocedasticidade (Wald) e autocorrelação (Wooldridge).
Teste/
(1) (2) (3) (4) (5) (5.a) (5.b) (5.c) (6) (7)
Modelo
Wooldridge 52,977*** 21,595*** 45,103*** 45,535*** 48796*** 39,936*** 50,837*** 48,625*** 46,228*** 18,419***

Wald 97,28*** 196,23*** 257,45*** 492,02*** 110,12*** 993,44*** 148,37*** 339,80*** 490,27*** 247,80***

Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota: *** Significativo a 1%.
O IMPACTO DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO NA CRIMINALIDADE EM

MINAS GERAIS (2004-2014)

Julyara Fátima Oliveira Costa (julyaracosta@gmail.com)


Flávia Chein (flavia.chein@ufjf.edu.br)
Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo

A discussão acerca dos impactos da arma de fogo na violência e o modo como o Estado
trata a questão tem sido intensa no Brasil. Neste sentido, o presente trabalho propõe avaliar os
efeitos do Estatuto do Desarmamento, na criminalidade em Minas Gerais, no período de 2004 a
2014, por meio da metodologia de diferenças em diferenças. Como proxy para a intensidade
do efeito da lei, utilizou-se uma dummy de existência de postos de desarmamento, e para a
criminalidade, índices produzidos pela Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). Os
resultados foram obtidos a partir da regressão com duas especificações: a primeira sem a
inclusão de nenhuma variável de controle, e a segunda com o controle de habitantes por policial
militar e número de policiais militares. A metodologia empregada, permitiu encontrar o efeito da
existência de postos de coletas de armas de fogo, após o Estatuto, nos municípios que o
possuem. Além disso, os coeficientes estimados da interação da dummies de ano com a de
presença de postos de desarmamento apontaram para intensidades diferenciadas do impacto da
lei ao longo do tempo.
Palavras-chave: Estatuto do desarmamento, homicídio, arma de fogo.

1. Introdução

Pesquisas1 realizadas nos anos noventa nos EUA, na Europa e na América Latina

apontaram que o crime e a violência são, dos problemas contemporâneos, motivo de grande

preocupação pelas sociedades (FAJNZYLBER; ARAUJO JÚNIOR, 2001). A violência afeta o

bem estar da população, reduzindo a qualidade de vida e o senso de segurança

(FAJNZYLBER; LEDERMAN; LOAYZA, 2002). Além de interferir no valor dos imóveis, uma

vez que esses têm seu preço diminuído se estiverem localizados em lugares mais violentos, e,

eventualmente, os negócios e a produção são prejudicados (CERQUEIRA, 2014). Além disso,

os crimes letais reduzem o capital humano atingindo diretamente o desenvolvimento econômico

dos países.

1
Pesquisas citadas em International Centre for the Prevention of Crime (1998), Blumstein (1995) e
Londoño e Guerrero (1999).
No Brasil, somente em 2001 as perdas devido a homicídios foi, medida monetariamente,

de R$ 9,1 bilhões (CARVALHO et al., 2007). Se medida em termos percentuais, enquanto a

população cresceu 61% de 1980 a 2012, as mortes matadas por arma de fogo cresceram

387%, sendo superior a 460% quando considerados apenas os jovens e maior ainda quando

considerados apenas os jovens negros (WAISELFISZ, 2015). Isso reflete a degradação do

ambiente social brasileiro, que se mistura racismo, impunidade e violência.

Destaca-se, ainda, que grande parte dos custos de cuidados para lesões agudas por armas

de fogo ou são pagos por financiamento público ou são absorvidos pelo governo e pela

sociedade em forma de financiamento assistencial não compensado e por taxas pagas mais

elevadas. Nos EUA, os cofres públicos são responsáveis por aproximadamente 80% dos

gastos com tratamento de traumas e lesões por causas violentas (CLANCY et al, 1994).

De acordo com o Relatório Mundial Sobre a Prevenção da Violência publicado em 2014

pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,3 milhões de pessoas morrem por ano em todo o

mundo por causa da violência, isso representa 2,5% da mortalidade global. Contudo, os governos

que puseram em prática medidas específicas de combate à violência no final do século viram suas

taxas decaírem. Como no Canadá, onde seus valores declinaram 28% entre 1980 e 1995, nos

Estados Unidos, 22% entre 1980 e 1997 e, no México, 39% entre 1990 e 1995. Enquanto no

Brasil, os dados aumentaram até 1997, e os de 1997 e 1998 parecem evidenciar apenas um

pequeno declínio (HELENA; MELLO, 2001).

O Relatório Sobre a Prevenção da Violência (OMS, 2014), identificou a redução ao

acesso a armas de fogo e facas como uma das sete melhores estratégias para prevenção e

redução da violência. Legislações que regulam o mercado consumidor de armas de fogo


são bem recentes na história do Brasil. A necessidade sobre o controle de armas no país se

tornou evidente no período após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando um

crescimento abrupto da violência armada contra civis no interior do país trouxe novas

problematizações a respeito da segurança e do papel das armas de fogo. Dados do Ministério da

Saúde (2014) mostram que, a partir de 1980, houve um aumento significativo no total de

homicídios ocorrido em todo o Brasil: de 13.910 homicídios naquele ano, para 49.640 em 2002.

A partir da década de 1990, a preocupação com o aumento do número de homicídios

introduz o controle de armas de fogo com mais vigor na pauta de discussões de

pesquisadores, autoridades e agentes de segurança pública. Em 1997, foi criada a Sistema

Nacional de Registro de Armas (Sinarm), que abrangia dados cadastrais, de produção, de venda

e importação de armamentos. E em dezembro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.826,

conhecida como Estatuto do Desarmamento, com o objetivo de regular o registro, a posse e a

comercialização de armas de fogo e munição no Brasil, tornando o país mais criterioso em relação

ao acesso da arma pelo cidadão comum.

Juntamente com a aprovação do ED, foram instalados no país postos de coletas de

armas de fogo, para mobilizar a população, e através de campanhas de desarmamento retirar

o maior número possível de armas de circulação. As campanhas aconteceram em 2004, e

2008/2009, com o pagamento de indenização. Desde 2004, as companhas de desarmamento

recolheram 650.336 armas em todo o Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).

Em 2005, a UNESCO junto com equipes da Secretaria de Vigilância em Saúde, do

Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça, realizou uma pesquisa intitulada “Vidas

Poupadas”, com o intuito de mensurar quantas mortes foram evitadas em decorrência do

Estatuto e da primeira campanha do desarmamento. O impacto dessa estratégia foi uma


queda de 15,4% no número de mortes por armas de fogo em 2003, e 12,5% no primeiro

semestre de 2004. No segundo semestre o impacto foi de 18,4%, o que significou evitar

3.271 mortes por armas de fogo.

Sapori, Sena e Silva (2012) observaram a dinâmica temporal dos homicídios para a

cidade de Belo Horizonte durante 20 anos. Os dados mostram que a capital mineira vivenciou

patamares relativamente baixos e estáveis, de 1990 a 1996 − com cerca de 300 homicídios por

ano. Os anos de 1997 a 2004 apresenta um crescimento consecutivo dos números absolutos de

mortes, alcançando o nível mais elevado de ocorrências em 2004, com mais de 1.200 mortes.

Por fim, há reversão de tendência de 2005 até 2009, com valores significativamente inferiores

ao período de pico vivenciado cinco anos antes.

Em 2015, a política de controle de armas e a sua eficácia voltou a ser pauta de

discussão e manifestações no Congresso Nacional. No dia 3 de novembro de 2015, a Comissão

especial da Câmara dos Deputados, que analisou mudanças no Estatuto do Desarmamento

aprovou a criação do Estatuto de Controle de Armas de Fogo, e a proposta segue para votação

em Plenário, se aprovado o novo estatuto revogara o estatuto vigente. Esta nova lei propõe,

dentre outros pontos, a diminuição de 25 para 18 anos a idade mínima para a posse de armas de

fogo, além de aumentar o número de armas e munições permitidas por cada cidadão.

É neste contexto que se insere a discussão proposta neste artigo, cujo objetivo é analisar a

eficácia e o alcance do Estatuto e das Campanhas do Desarmamento, e avaliar a associação da

presença e disponibilidade de armas de fogo no crescimento da violência nos municípios do

estado de Minas Gerais de 2004 a 2014. Pretende-se com isso, elucidar o cenário sobre a

criminalidade em Minas Gerais, e fornecer subsídios para a formulação de novas políticas ou

reforma das já existentes que tentem minimizar o efeito de armas de fogo sobre a violência.
A pergunta central dessa pesquisa é: A posse de armas de fogo pela população mineira

influencia a flutuação nos índices de violência no estado? A hipótese de identificação é de que o

Estatuto funcionou como um choque exógeno à disponibilidade de armas nos municípios mineiros

e por isso houve queda nos principais índices de violência. Esperamos que o efeito do ED tenha

sido mais efetivo nos municípios onde foram implantados postos de desarmamento. A avaliação é

feita aplicando-se a metodologia de análise de intervenção por Diferenças em Diferenças

Metodologia

2.1 Base de dados

A fonte básica dos dados usados neste estudo foi indicadores publicados pela Fundação

João Pinheiro (FJP), desde 2004 e que são usados para formar o Índice Mineiro de

Responsabilidade Social (IMRS). Os dados são da Secretaria de Estado de Defesa Social -

SEDS e a principal fonte de informação, utilizada na construção da base de dados do IMRS são

os registros administrativos.

Para essa pesquisa são usados alguns dos indicadores que formam o subíndice de

Segurança Pública. Os indicadores de criminalidade e de recursos humanos, que serão usados

como variáveis de controle, são apresentados na Tabela 1 a seguir:

TABELA 1- Indicadores de Criminalidade e de Recursos Humanos

Variável Definição
Razão entre o número de ocorrências, registradas pelas
policias militar e civil, de crimes violentos (homicídio,
Taxa de crimes violentos
homicídio tentado, estupro, roubo e roubo à mão armada) e
a população do município; multiplicada por 100.000.

Razão entre o número de ocorrências, registradas pelas


policias estaduais (militar e civil), de crimes contra o
Taxa de crimes violentos contra o patrimônio
patrimônio (roubo e roubo à mão armada) e a população do
município; multiplicada por 100.000.

Razão entre o número de ocorrências, registradas pelas


policias estaduais (militar e civil), de crimes contra a
Taxa de crimes violentos contra a pessoa
pessoa (homicídio, homicídio tentado e estupro) e a
população do município; multiplicada por 100.000.
Razão entre o número de ocorrências, registradas pelas
Taxa de ocorrência de homicídios dolosos policias estaduais (militar e civil), de homicídio doloso e a
população do município; multiplicada por 100.000.

Razão entre o nº absoluto de vítimas de agressão por


causas externas (CID-10: X85-Y09) segundo a organização
Taxa de vítimas de mortes por agressão
dos dados do SIM do DATASUS e a população do
município, multiplicada por 100.000.

Razão entre a quantidade de ocorrências de homicídios


dolosos registradas pelas instituições policiais e a
Homicídios dolosos por policial militar
quantidade de policias militares lotadas no município.

Razão entre a população total do município e o nº de


Habitantes por policial militar policiais militares lotados na unidade (informado pela
corporação).

Número de policias militares lotados no município


Número de policiais militares
(informado pela corporação).
Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG

Além desses dados, serão utilizadas informações sobre o número de postos de coletas de

armas de fogo disponibilizadas pelo Ministério da Justiça. De 2004 até 2011, o recebimento de

armas e munições pela Campanha do Desarmamento era realizado apenas pela Polícia Federal.

Em 2008, as policias militares e civis, em acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social e

outros órgãos, assinaram um convênio para ampliar o número de postos de recolhimento em

Minas Gerais. A partir de 2011, outros órgãos da segurança pública passaram a receber as

armas, como o Corpo de Bombeiro Militar; Guarda Municipal; Polícia Civil; Polícia Militar;

Polícia Rodoviária Federal; e entidades da sociedade civil, em todo o país. Os postos

encontram-se geograficamente distribuídos nas

26 Unidades da Federação, entre seus mais populosos municípios, e no Distrito Federal

(SOUZA, R. S. R., 2014).

Os postos de desarmamento por cem mil habitantes será a proxy para mensurar o possível

efeito, no estado, da política de buy back realizada em âmbito nacional. A intenção desses dados

é fazer um comparativo dos índices de criminalidade entre os


municípios que possuem postos de coletas de armas e os que não possuem, a fim de mensurar o

efeito do Estatuto do Desarmamento.

As Figuras 1 e 2 ilustram a distribuição das taxas de crimes violentos, de crimes violentos

contra o patrimônio, de crime violento contra a pessoa, de ocorrência de homicídios, de vítimas

de morte por agressão e homicídios por policial militar, no estado de MG, e a disposição dos

postos de coleta de armas nos municípios. Foram feitos dois mapas para cada variável, um antes

da lei do estatuto, no ano de 2002, e um depois, no ano de 2014. As divisões foram feitas por

quintil, sendo os municípios coloridos do tom mais claros, pertencentes aos quintis com menores

taxas. A linha representa a divisão microrregional segundo o IBGE e as marcas verdes são as

unidades de recolhimento de armas em número absoluto.

FIGURA 1- Taxa de crimes violentos, taxa de crimes violentos contra o patrimônio e


taxa de crime violento contra a pessoa– 2002 e 2014

Fonte: Elaboração própria com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG


Ao comparar o mapa de 2002, que representa a situação dos municípios antes do Estatuto

do Desarmamento, ao mapa de 2014, percebe-se que há uma concentração de postos de

desarmamento naqueles locais em que possuem maiores taxas de criminalidade em ambos os

anos.

FIGURA 2- Taxa de ocorrência de homicídios, taxa de vítimas de morte por agressão,


homicídios por PM – 2002 e 2014

Fonte: Elaboração própria com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG

2.2 Estratégia empírica

A estratégia empírica utiliza dados em painel de 2000 a 2014, para todos os

municípios de MG, e compara os resultados nos municípios com e sem postos de desarmamento,

como pode ser observado nas Figuras 1 e 2, antes e depois da implantação dos mesmos, como

uma simulação do que os resultados teriam sido caso não houvesse a implantação de tais postos,

essa metodologia é conhecida como Diferenças em Diferenças


(DID). O DID permite isolar o efeito de interesse através da comparação com um grupo de

controle, e é muito utilizado como método na avaliação de impacto (FOGEL, 2012).

Ao utilizar metodologias de avaliação de tratamento, três tipos de viés podem ocorrer: o

viés decorrente de diferenças em características observáveis, gerado por diferenças na

distribuição dos atributos observáveis entre os tratados e controles; o viés de ausência de suporte

comum, ou seja, as amostras de tratados e controles podem não ter sobreposição da função de

densidade condicional das características observáveis; e o viés de seleção que decorre das

diferenças em características não observáveis que influenciam conjuntamente o resultado e o

recebimento do tratamento, condicionado às variáveis observáveis (HECKMAN et al., 1998).

Assim na tentativa de controlar os vieses que poderiam surgir ao estimar o impacto

médio do ED na criminalidade, utilizou-se a metodologia de Diferenças em Diferenças, cuja

hipótese de identificação é sustentada no fato de que os dois grupos que estão sendo comparados

apresentavam trajetórias paralelas nas variáveis de resultado, ou seja, possuíam apenas

tendência temporal.

O grupo de tratamento serão aqueles municípios que possuíam postos de coleta de armas

em t=1 (2004 em diante). A hipótese é de que a presença dos postos de coleta de armas, torna

o Estatuto do Desarmamento mais efetivo naquele município.

O método das diferenças em diferenças é usado para contornar o viés gerado pela

heterogeneidade não observada. Esse método assume que a heterogeneidade não observada

existe, mas que tais fatores tenham se mantido constantes ao longo do tempo. Logo, mesmo que

ainda existem diferenças não observáveis entre os grupos, se essas forem fixas no período

considerado, a estimação de impactos pelo DID pode controlá-las.

O DID observa resultados para dois grupos em dois períodos de tempo. Um dos grupos

dos municípios possui postos de desarmamento no segundo período, mas não no


primeiro período (grupo de tratamento). O segundo grupo de municípios não é exposto ao

tratamento durante ambos os períodos, pois nesses lugares não há unidades de coletas de armas

(grupo de controle). Pode-se escrever o modelo para um município genérico de qualquer um dos

grupos como:

Onde é a variável de interesse resultante para o município i no tempo t, mede os

efeitos fixos individuais (características dos municípios que não mudam ao longo do tempo) e d2 é

uma variável dummy para o segundo período de tempo (após a implantação dos postos). A

dummy dB captura possíveis diferenças entre os grupos de tratamento e controle antes dos

postos, ele assume valor unitário para o grupo de tratamento e zero, caso contrário. é o estimador

de diferenças-em-diferenças e mede o efeito da implantação dos postos na criminalidade

(WOOLDRIDGE, 2015).

Desse modo, o método das diferenças em diferenças permite que os impactos sejam

estimados comparando os grupos de tratamento e de controle em termos das mudanças nos

resultados ao longo do tempo. Considerando dois períodos, antes (t = 0) e depois (t = 1) da

implementação dos postos de desarmamento, pode-se representar o cálculo do efeito médio do

Estatuto do Desarmamento da seguinte forma:

em que indicam respectivamente, os resultados dos municípios tratados e de controle

no tempo 0. T1=1 denota a presença do posto de coleta de armas em t= 1 e T1=0 a ausência do

posto. Na literatura de avaliação, é chamado de efeito médio do tratamento

sobre o tratado. O impacto médio é dado pela diferença média dos resultados antes e depois do

tratamento para os tratados subtraída da diferença média.


2. Resultados

A Tabela 2, a seguir, apresenta as médias dos grupos de tratamento e controle, antes e

depois de 2004, ano em que passa a vigorar o Estatuto do Desarmamento e o recolhimento de

armas. A intenção deste teste é avaliar a diferença da composição entre os grupos em termos de

variáveis de resultado e características observadas no que tange ao policiamento.

TABELA 2. Teste de média das variáveis de resultado e controle

Antes Depois
Sem postos Com postos Diff Sem postos Com postos Diff
Taxa de crimes 81,38 320,35 -238,96*** 101,12 336,48 -235,35***
violentos
Taxa de crimes
violentos contra o 40,42 260 -219,58*** 58,89 272,39 -213,5***
patrimônio
Taxa de crimes
violentos contra a 41,09 60,88 -19,79*** 42,46 64,03 -21,57***
pessoa
Taxa de ocorrência
de homicídios 9,57 13,29 -3,71*** 10,87 18,17 -7,29***
dolosos
Taxa de vítimas de
mortes por 0,61 33,11 -32,49*** 1,08 41,64 -40,56***
agressão
Homicídios 0,077 0,021 0,055*** 0,089 0,044 0,044***
dolosos por policial
militar
Habitantes por 972,41 442,95 529,46*** 977,88 478,85 499,03***
policial militar
13,37 480,34 -466,97*** 13,45 481,46 -468,01***
Número de
policiais militares

Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG


Notas:*** Significativo a 1% **Significativo a 5%; *Significativo a 10%. De svio padrão entre parênteses

Observa-se na Tabela 2, que a incidência de crimes é maior para os municípios que

possuem postos de recolhimento comparativamente aos demais municípios. Por exemplo, a


diferença entre os grupos, nas taxas de crimes violentos e crime violento contra o patrimônio

diminuíram 1,51 e 2,77% depois do Estatuto. Isso mostra um aumento maior da média dessas

taxas nos municípios sem postos do que nos municípios com postos, apesar de a diferença ainda

ser significativa e de grande magnitude.

As taxas de crimes violentos contra a pessoa, mortes por agressão e homicídios dolosos,

também são diferentes entre os grupos, apesar de serem maiores depois da implantação dos

postos de recolhimento de armas, refletindo uma maior média para os tratados após a política.

Conclui-se, com isso, que os grupos de tratamento e controle são diferentes para todas as

variáveis em termos de magnitude em características observadas, pois todas as diferenças deram

significantes em ambos os períodos. Isso reforça a necessidade de utilizar métodos de avaliação,

como o Diferenças em Diferenças, que controla as características dos municípios, que pode afetar

as taxas de criminalidade, permitindo inclusive controlar o viés de seleção não observado na

escolha dos locais de implantação de postos. Esse resultado reforça a análise gráfica realizada

anteriormente (Figuras 1 a 12), em que aponta para uma concentração de unidades de

recolhimento de armas em município com altas taxas de criminalidade.

Assim, como os indicadores de criminalidade são mais altos onde há concentração de

postos, o policiamento, representado pelas variáveis habitantes por policial militar e número de

policiais militares é focalizado. Portanto como já era de se esperar, conforme a literatura, as

variáveis de controle também são maiores nas localidades de maior criminalidade.

A estimação do modelo conforme a Equação 2 é apresentada nas Tabelas 3 e 4. A Tabela

3 retrata os coeficientes para as variáveis dependentes taxa de crimes violentos, taxa de

crimes violentos contra o patrimônio, taxa de crimes violentos contra a pessoa e a


Tabela 4 para as variáveis taxa de ocorrência de homicídios dolosos, taxa de vítimas de mortes

por agressão e homicídios dolosos por policiais militar.

A estimação foi realizada a partir de duas especificações para o método de diferenças em

diferenças. A primeira especificação é a regressão sem a inclusão de nenhuma variável de

controle, apresentada na primeira coluna para cada variável. Na segunda especificação são

incluídos controle de habitantes por policial militar e número de policiais militares, apresentado na

segunda coluna para as mesmas.

A magnitude e o sinal dos coeficientes da variável de interação entre a dummy antes e

depois e a dummy de tratamento (posto) produzem o indicador de interesse em relação à

diferença entre a variação das taxas de criminalidade dos grupos de tratamento e controle, antes e

depois de 2004.

Na Tabela 3, é possível observar, por meio da variável de interação entre ano e

tratamento, que a diferença entre controle e tratados após a implantação dos postos foi uma

variação de -20,42 na taxa de crimes violentos. Ou seja, os municípios que possuem postos

tiveram uma variação de 20,42 crimes violentos por 100.00 habitantes a menos que os municípios

que não possuem postos. Antes de se inserir no modelo as variáveis de controle, essa variação

era de -21,19, portanto, parte deste efeito, apresentado na coluna 1 é causado pelo aumento do

policiamento nos municípios tratados, como pode ser como pode ser observado na Tabela 2.

A Tabela 4 apresenta os coeficientes para taxa de homicídios dolosos, mortes por

agressão e homicídios dolosos por policial militar. Após controlado o efeito do policiamento, os

municípios tratados tiveram uma variação de 1,82 homicídios dolosos por

100 mil habitantes e 1,56 nas mortes por vítimas por agressão por 100 mil habitantes, comparado

aos municípios de controle, mostrando o aumento dessas taxas mesmo após a


implantação dos postos. A variável homicídios doloso por policial militar, não é

significativa à 10% de significância.

TABELA 3. Estimativas do efeito dos postos de desarmamento sobre crimes violentos


Taxa de crimes
Variáveis Taxa de crimes violentos Taxa de crimes violentos violentos contra a
contra o patrimônio pessoa
(1) (2) (1) (2) (1) (2)
Posto*depois -21.189** -20.422*** -13.848* -14.653** -8.218*** -6.572**
(diff-in-diff) (8.322) (7.764) (7.117) (6.512) (3.148) (3.133)
Municípios 256.548*** 211.913*** 227.346*** 183.021*** 29.791*** 29.528***
Com posto (7.105) (6.713) (6.077) (5.631) (2.688) (2.709)
Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Habitantes 0.002 -0.005*** 0.007***
por PM (0.002) (0.001) (0.001)
Número de 0.096*** 0.092*** 0.005***
PM (0.002) (0.002) (0.001)
Observações 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795
R² 0.571 0.627 0.477 0.563 0.504 0.509
Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG
Notas:*** Significativo a 1% **Significativo a 5%; *Significativo a 10%.
Desvio padrão entre parênteses

TABELA 4. Estimativas do efeito do desarmamento sobre homicídios dolosos e


mortes por agressão
Variáveis Taxa de ocorrência de Taxa de vítimas de mortes Homicídios dolosos por
homicídios dolosos por agressão policial militar
(1) (2) (1) (2) (1) (2)
Posto*depois 1.297 1.821* 1.393 1.563* -0.008 0.016
(diff-in-diff) (1.074) (1.069) (0.902) (0.899) (0.011) (0.010)
Municípios 5.999*** 5.676*** 8.778*** 7.626*** -0.037*** -0.007
Com posto (0.917) (0.924) (0.771) (0.777) (0.010) (0.009)
Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Habitantes por 0.002*** 0.001*** 0.000***
PM (0.000) (0.000) (0.000)
Número de 0.002*** 0.003*** 0.000
PM (0.000) (0.000) (0.000)
Observações 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795
R² 0.355 0.362 0.330 0.338 0.218 0.353
Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG
Notas:*** Significativo a 1% **Significativo a 5%; *Significativo a 10%. Desvio padrão entre parênteses

A Tabela 5 apresenta a tendência temporal dos crimes violentos para os municípios com

postos ao longo do período analisado, tendo 2000 como ano base. A coluna 1 é o resultado das

estimativas antes de se inserir as variáveis de controle e a coluna 2, após as variáveis habitantes

por policial militar e número de habitantes serem inseridos na equação.


Observa-se que, antes de 2003, comparado a 2000, a taxa de crimes violentos era

negativa, devido a outros fatores que não o Estatuto, e que vão além do escopo deste trabalho.

De 2003 a 2005 a variação dessa taxa cresceu 32,2%. Os dados para 2006 e 2007 não foram

significativos, nem antes de se controlar o policiamento. A partir de 2008, começa-se a notar o

possível efeito do estatuto na taxa de crimes violentos, que alcança em 2010 uma variação de -

114,54 crimes violentos por 100 mil habitantes em relação a 2000, nos municípios com postos.

Esse efeito permanece alto até 2010, quando volta a crescer novamente, porém a taxa continua

negativa até 2012.

Trajetória parecida ao dos crimes violentos, acontece para os crimes violentos contra o

patrimônio, que cai a partir de 2005, alcançando níveis cada vez menores até 2011. Pode- se

observar um aumento constante da variação entre 2003 a 2007. Em 2010, os municípios com

postos tiveram 86,1 crimes contra o patrimônio por 100 mil habitantes a menos que em 2000. A

partir de 2009, os municípios do estado que possuem postos passam a ter variações negativas

em relação a 2000 e a aos municípios sem postos. Neste ano, estes municípios tiveram 58,42

crimes violentos contra o patrimônio por 100 mil habitantes a menos que o restante do estado.

Essa variação negativa permanece até 2012, quando esta taxa varia -40,81 nos municípios com

postos.

Um fator que possa possivelmente explicar tal trajetória é a retomada da campanha do

desarmamento em 2008 pelo governo de Minas e a ampliação do número de postos de

recolhimento. O convênio que retoma a campanha foi assinado pela Secretaria de Estado de

Defesa Social (Seds), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese),

Superintendência Regional da Polícia Federal, e pelas Polícias Civil e Militar e a Agência de

Cooperação e Desenvolvimento Social (Acodes), no dia 15 de dezembro de 2008. O objetivo

desse acordo foi incentivar a população a entregar armas de fogo em delegacias da Polícia Civil

ou nas unidades da Polícia Militar.


Segundo dados da Polícia Federal, 3.510 armas foram recolhidas no território mineiro

entre 2008 e 2010. Outras 90 armas foram entregues espontaneamente em 2011. Além das

armas recolhidas neste período no estado, 2.302 novas armas foram registradas e

77.502 tiveram seus registros renovados (SEDS, 2011).

Apesar de haver outros fatores na taxa de crimes violentos contra a pessoa, que fazem com

que essa taxa diminua até antes do estatuto, é nessa variável que mais se observa a possível

validade da política. Os crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes, são negativos e

significantes em todos os anos analisados e ainda vêm diminuindo continuamente. 2008

apresenta uma variação desses crimes de -33.303 por 100 mil habitantes em relação aos

municípios que não possuem postos, comparados a 2000. Justamente ano, em que o estado

retoma a campanha do desarmamento e amplia os números de postos.

A Tabela 6 apresenta a mesma análise que a Tabela 5, porém para as variáveis

homicídios dolosos e mortes por agressão por 100 mil habitantes. A taxa de ocorrência de

homicídios dolosos varia, em 2008 e 2010, -5,15 e -5,19, respectivamente. Porém quando

controlado o efeito do policiamento, esses resultados desaparecem, corroborando a necessidade

de maior policiamento para diminuição dos homicídios.

Quanto a taxa de vítimas de mortes por agressão, o estatuto não parece ter efeitos

positivos. Os coeficientes apresentados mostram, para 2005 e 2006, variações de 4,42 e 4,52

mortes por agressão por 100 mil habitantes em relação aos municípios som postos e em relação

a 2000. Apenas em 2014, pode-se notar a queda dessa taxa, quando os municípios sem postos

tiveram 7,95 mortes por agressão a menos que os municípios que não possuem postos em

relação a 2000, mesmo após controlado o efeito do policiamento.

Quanto aos homicídios dolosos por policial militar, qualquer efeito de redução dessa razão,

desaparece quando controlado o efeito do policiamento.


TABELA 5. Estimativas do efeito anual dos postos de desarmamento sobre crimes
violentos
Taxa de crimes violentos Taxa de crimes violentos
Taxa de crimes violentos
Variáveis contra o patrimônio contra a pessoa
(1) (2) (1) (2) (1) (2)
Municípios com 261.474*** 214.149*** 210.934*** 168.700*** 52.790*** 47.522***
posto (13.675) (12.790) (11.668) (10.696) (5.202) (5.201)
(ano==2001)*posto -54.712*** -51.074*** -21.101 -23.895 -35.871*** -29.140***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.439) (7.520) (7.507)
(ano==2002)*posto -2.449 1.186 24.440 21.652 -29.151*** -22.429***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.439) (7.520) (7.507)
(ano==2003)*posto 37.013* 40.645** 63.776*** 60.993*** -29.030*** -22.317***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.439) (7.520) (7.506)
(ano==2004)*posto 38.069* 41.697** 66.809*** 64.031*** -30.994*** -24.290***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.439) (7.520) (7.506)
(ano==2005)*posto 50.120** 53.746*** 76.222*** 73.450*** -28.374*** -21.678***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.438) (7.520) (7.506)
(ano==2006)*posto 25.677 29.300 55.253*** 52.486*** -31.859*** -25.172***
(19.767) (18.461) (16.867) (15.438) (7.520) (7.506)
(ano==2007)*posto 12.212 15.832 43.175** 40.413*** -33.223*** -26.545***
(19.767) (18.460) (16.867) (15.438) (7.520) (7.506)
(ano==2008)*posto -52.050*** -45.184** -13.759 -13.832 -40.560*** -33.303***
(19.767) (18.469) (16.867) (15.446) (7.520) (7.510)
(ano==2009)*posto -84.482*** -84.622*** -51.713*** -58.425*** -35.028*** -28.145***
(19.767) (18.468) (16.867) (15.445) (7.520) (7.509)
(ano==2010)*posto -114.539*** -113.387*** -81.377*** -86.090*** -35.445*** -29.304***
(19.767) (18.452) (16.867) (15.431) (7.520) (7.503)
(ano==2011)*posto -94.900*** -92.535*** -66.122*** -69.213*** -34.361*** -28.650***
(19.767) (18.444) (16.867) (15.424) (7.520) (7.499)
(ano==2012)*posto -58.846*** -53.946*** -39.946** -40.816*** -21.165*** -15.129**
(19.767) (18.448) (16.867) (15.427) (7.520) (7.501)
(ano==2013)*posto -22.057 -17.757 0.918 -1.051 -25.003*** -18.443**
(19.767) (18.458) (16.867) (15.436) (7.520) (7.505)
(ano==2014)*posto 13.522 17.665 38.749** 36.900** -27.375*** -21.105***
(19.767) (18.452) 12,795 12,795 (7.520) (7.503)
Habitantes por 0.002 -0.004*** 0.007***
PM (0.002) (0.001) (0.001)
Número de PM 0.096*** 0.092*** 0.005***
(0.002) (0.001)
Dummies de Ano Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Observações 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795
R² 0.577 0.634 0.487 0.573 0.505 0.510
Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG
Notas:*** Significativo a 1% **Significativo a 5%; *Significativo a 10%. Desvio padrão entre parênteses

TABELA 6. Estimativas do efeito anual dos postos de desarmamento sobre


homicídios dolosos e mortes por agressão
Variáveis Taxa de ocorrência de Taxa de vítimas de Homicídios dolosos por
homicídios dolosos mortes por agressão policial militar
(1) (2) (1) (2) (1) (2)
Municípios com 10.930*** 8.997*** 8.663*** 6.971*** 0.014 -0.034**
posto (1.776) (1.775) (1.490) (1.489) (0.019) (0.017)
(ano==2001)*posto -8.745*** -6.567** -1.791 -1.050 -0.075*** 0.031
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2002)*posto -6.999*** -4.824* -0.406 0.334 -0.068** 0.038
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2003)*posto -4.420* -2.248 2.668 3.407 -0.065** 0.040
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2004)*posto -4.267* -2.097 2.400 3.138 -0.061** 0.045*
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2005)*posto -3.397 -1.230 3.690* 4.427** -0.068** 0.037
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2006)*posto -3.117 -0.953 3.781* 4.518** -0.058** 0.047*
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2007)*posto -5.873** -3.712 0.523 1.258 -0.075*** 0.030
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2008)*posto -5.154** -2.790 0.671 1.544 -0.079*** 0.033
(2.567) (2.563) (2.154) (2.151) (0.027) (0.024)
(ano==2009)*posto -3.403 -1.195 1.562 2.223 -0.064** 0.047*
(2.567) (2.563) (2.154) (2.151) (0.027) (0.024)
(ano==2010)*posto -5.190** -3.214 1.255 1.877 -0.056** 0.042*
(2.567) (2.561) (2.154) (2.149) (0.027) (0.024)
(ano==2011)*posto -1.883 -0.038 3.392 4.002* -0.039 0.051**
(2.567) (2.560) (2.154) (2.148) (0.027) (0.024)
(ano==2012)*posto -1.223 0.739 4.851** 5.556*** -0.037 0.057**
(2.567) (2.560) (2.154) (2.148) (0.027) (0.024)
(ano==2013)*posto -3.180 -1.054 3.131 3.872* -0.063** 0.040
(2.567) (2.562) (2.154) (2.150) (0.027) (0.024)
(ano==2014)*posto -3.283 -1.250 -8.663*** -7.954*** -0.053** 0.045*
(2.567) (2.561) (2.154) (2.149) (0.027) (0.024)
Habitantes por 0.002*** 0.001*** 0.000***
PM (0.000) (0.000) (0.000)
Número de 0.002*** 0.003*** 0.000
PM (0.000) (0.000) (0.000)

Dummies de Ano Sim Sim Sim Sim Sim Sim


Observações 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795 12,795
R² 0.356 0.363 0.333 0.341 0.219 0.353
Fonte: Elaboração próprias com base em dados da Secretaria de Defesa Social/MG
Notas:*** Significativo a 1% **Significativo a 5%; *Significativo a 10%. Desvio padrão entre parênteses

3. Conclusão

Este artigo utilizou o método de diferenças em diferenças para estimar o impacto médio do

Estatuto do Desarmamento nos municípios de Minas Gerais. Foi usado como proxy para o ED, a

presença de postos de coleta de armas nos municípios para a aplicação do método de diferenças

em diferenças. O objetivo foi comparar alguns índices de


criminalidade dos municípios que possuem postos de coletas de armas, com os que não

possuem, antes de depois do Estatuto.

O impacto da política de recolhimento de armas, como, as campanhas do desarmamento e

as novas regras para registro de armas, são potencialmente elevados sobre criminalidade. Os

resultados encontrados indicam, em geral, que os municípios com postos de desarmamento

possuíam, após o Estatuto, menores taxas de criminalidade.

Os crimes violentos, e os crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes caíram

21,42 e 6,54, respectivamente, nos municípios com postos de coleta de armas, após controlado

o efeito de variação no policiamento. Já a taxa de crimes violentos contra o patrimônio variaram -

14,65, número 5,87% menor, após o controle.

Porém, é visível que essas medidas se tornam mais evidentes no estado, quando o governo,

com medidas locais, retoma as campanhas do desarmamento e ampliam os postos de coletas

para além das unidades da Polícia Federal.

Os efeitos do estatuto na taxa de homicídios dolosos desaparecem, quando controlado o

efeito do policiamento. Quanto à taxa de vítimas de mortes por agressão, o estatuto só parece ter

efeito em 2014, quando os municípios sem postos apresentam 7,95 mortes por agressão por 100

mil habitantes a menos que os municípios que não possuem postos em relação a 2000, mesmo

após controlado o efeito do policiamento. Quanto aos homicídios dolosos por policial militar,

qualquer efeito de redução dessa razão, desaparece quando controlado o efeito do policiamento

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POBREZA MULTIDIMENSIONAL FEMININA NAS GRANDES REGIÕES
BRASILEIRAS: UMA APLICAÇÃO DO MÉTODO ALKIRE FOSTER (AF)

Taís Regina da Silva Ferreira1


Solange Regina Marin2

Resumo: A pobreza tem sido objeto de estudo nos últimos anos e as análises têm evoluído
de um contexto unidimensional, para uma análise multidimensional. O objetivo deste
trabalho é calcular uma medida multidimensional de pobreza aplicado as mulheres das
cinco grandes regiões do Brasil, nos anos de 2001 e 2011. A base de dados utilizada foi da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Utilizou-se o método Alkire
Foster (AF), composto de doze etapas, que permite não só a identificação de quantos são
os pobres, mas a intensidade da pobreza. Foram utilizados dezoito indicadores distribuídos
em quatro dimensões. Os resultados demonstram que o Nordeste foi a região que
apresentou a maior concentração da pobreza média (A) e da incidência ajustada (M0) em
2001. O contrário ocorreu na região Sudeste. Em 2011, a maior pobreza média (A) se
concentrou na região Norte e a menor, na região Sul. Esses resultados revelam a
importância de ações sociais e econômicas integradas que contribuam para a promoção do
desenvolvimento e focalizem a resolução das dificuldades encontradas pelas mulheres
dessas regiões.

Palavras-chave: Pobreza multidimensional; Grandes regiões; Método Alkire-Foster.

Abstract: Poverty has been the object of study in recent years and the analyzes have
evolved from a one-dimensional context to a multidimensional analysis. The objective of
this study is to calculate a multidimensional measure of poverty applied to women in the
five major regions of Brazil, in the years 2001 and 2011. The database used was the
National Household Sample Survey (PNAD) (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios). Was used the method Alkire Foster (AF) composed of twelve steps, which
allows not only identification of those who are poor, but the intensity of poverty. Eighteen
indicators were distributed in four dimensions. The results show that the Northeast was the
region with the highest concentration of average poverty (A) and the adjusted incidence
(M0) in 2001. The opposite occurred in the Southeast region. In 2011, the highest average
poverty (A) was concentrated in the North and the lowest in the South. These results reveal
the importance of integrated social and economic actions that contribute to the promotion
of development and focus on solving the difficulties encountered by women Regions.
Key-Words: Multidimensional poverty; Large regions; Alkire-Foster method.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Endereço eletrônico: tais.ferreirax@gmail.com
2
Professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Endereço eletrônico: solmarin@gmail.com
1 INTRODUÇÃO

O tema pobreza vem ganhando espaço nas ciências sociais, incluindo a ciência

econômica. Relacionado com a questão do desenvolvimento econômico, o seu estudo tem

avançado em direção a uma visão mais multifacetária do conceito e dos métodos de

mensuração, repercutindo na formulação das políticas que tem por objetivo sua redução.

Esta tem sido objeto de estudo nos últimos anos e as análises têm evoluído de um

contexto tradicional, baseado na unidimensionalidade, para uma análise mais qualitativa e

multidimensional. Nessa nova perspectiva, é interessante o questionamento sobre o que é

ser pobre e também sobre quais são os critérios que definem uma pessoa ou uma família

ser classificada como pobre. A questão maior não está em apenas identificar o número de

pessoas privadas em várias dimensões de sua vida, mas em descobrir em quais indicadores

e qual a intensidade da privação sofrida.

O problema da pobreza sempre existiu e está longe de ser eliminado. Em 1994, os

pobres representavam 34% da população brasileira (em torno de 56 milhões de pessoas);

em 2003 este número subiu para, aproximadamente, 61 milhões (35% da população) e em

2009 diminuiu para cerca de 40 milhões de pessoas (21% da população) (PNAD/IBGE

2015).

A partir de uma análise multidimensional, a problemática que orientou o presente

trabalho é: em quais dimensões e indicadores as mulheres mais sofreram privações nas

grandes regiões brasileiras? O objetivo geral é calcular uma medida multidimensional de

pobreza para as mulheres das cinco grandes regiões brasileiras, nos anos de 2001 e 2011,

por meio do método Alkire Foster (AF).

Optou-se por selecionar apenas mulheres para compor a amostra, pois segundo

Todaro et al (2012) são as mulheres que realizam a educação básica das crianças e
disponibilizam mais renda para acesso dos filhos do que os pais. Elas são geralmente mais

pobres que os homens, sendo mais privadas, por exemplo, na educação e em todas as

formas de liberdade. Para Sen (1997), mesmo com as mulheres cada vez mais

participativas na vida econômica, ainda são elas que apresentam maior vulnerabilidade

juntamente com as crianças. Em uma pesquisa realizada em 1997, Sen concluiu que o

maior número de famílias que caem abaixo da linha de pobreza são chefiadas por

mulheres.

A hipótese central deste estudo é de que parte da população residente nas grandes

regiões brasileiras sofre privações importantes que não podem ser captadas por uma análise

unidimensional da pobreza. Acreditar que a renda monetária por si só consegue captar

todas as formas de manifestação da pobreza é questionável, e a teoria sobre pobreza

multidimensional é a que pode ajudar na realização de uma análise mais completa.

O estudo está dividido em cinco partes, a começar por essa introdução. Na segunda

parte é apresentada a metodologia utilizada no trabalho, assim como também as dimensões

e indicadores considerados para a realização das análises aqui desenvolvidas. A terceira

parte discute os resultados obtidos para as grandes regiões brasileiras e para finalizar, serão

apresentadas algumas considerações.

2 METODOLOGIA

2.1 O Método Alkire-Foster (AF) e a Pobreza

As dimensões da pobreza vão muito além de rendimentos inadequados ao abranger a

saúde e a nutrição deficientes, um baixo nível de educação e competências, meios de

subsistência inadequados, más condições de habitação, exclusão social e falta de

participação. Por afetar pessoas no mundo inteiro, a pobreza é multifacetada e, por isso,

multidimensional (RDH, 2010).


Sabina Alkire e James Foster (2007) criaram um novo método para medir a pobreza

multidimensional (referido como AF para Alkire Foster). Ele inclui a identificação de

‘quem é pobre’, sem deixar de considerar as várias dimensões que o indivíduo sofre

privação, ao agregar as informações e refletir a pobreza da sociedade de forma a poder

decompor os resultados (OPHI, 2014).

Além disso, o método é o único que consegue distinguir um grupo (ou indivíduo) de

pessoas pobres, que sofre apenas uma privação, de outro grupo que sofre mais de uma

privação. Dentre os usos mais comuns estão as medidas nacionais, regionais ou

internacionais de pobreza ou bem-estar, monitoramento dos programas ao longo do tempo

e direcionamento de políticas públicas (OPHI, 2014).

A aplicação do novo método para a medição de pobreza multidimensional

compreende 12 passos. Os seis primeiros, comuns a qualquer medida de pobreza e os

seguintes específicos do método.

(1) Escolha da unidade de análise. Pode ser um indivíduo ou família ou, ainda, uma

comunidade, escola ou outra unidade.

(2) Escolha das dimensões. É um dos passos mais importantes e menos aleatório do

que as pessoas assumem. David Grusky e Ravi Kanbur (2006 apud Alkire, 2008) sugerem

que a etapa da escolha das dimensões merece atenção, pois não há um consenso sobre qual

dimensão utilizar e nem como definir a dimensão que efetivamente importa.

Para Alkire (2008), há cinco métodos que podem selecionar as dimensões que serão

empregadas, e que podem ser utilizados separadamente ou em conjunto: a) conveniência,

através de dados existentes, que possuem as características exigidas; b) suposições sobre o

que realmente as pessoas valorizam, que podem ser feitas com base em uma teoria; c) lista

de dimensões, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Objetivos do

Milênio, entre outras de repercussão significativa; d) exercícios participativos


deliberativos, com o objetivo de identificar os valores e perspectivas; e) evidências

empíricas sobre os valores das pessoas e\ou comportamento.

O Relatório de Desenvolvimento Humano de 1992 sugere que se considerem outras

dimensões além da renda, pois a erradicação da pobreza deve ser combatida desde o início

pelo investimento em pessoas. Pessoas com saúde e educação, além de participar do

planejamento e execução do programa de desenvolvimento, aumentam seus próprios

padrões de vida e promovem o crescimento econômico de país como um todo.

(3) Escolha dos indicadores. São escolhidos para cada uma das dimensões

consideradas.

(4) Definição da primeira linha de pobreza. Um corte de pobreza é definido para cada

um dos indicadores de forma que seja possível identificar o indivíduo como pobre ou não

pobre em determinado indicador. Por exemplo, se o indicador é anos de estudo: 6 ou mais

anos de estudo seria não privado, 1-5 seria privado;

(5) Aplicação da primeira linha de pobreza: substitui a realização com o status da

pessoa com respeito a cada corte considerado; por exemplo, na dimensão saúde, quando os

indicadores são acesso à atendimento médico e morbidade corporal autodeclarada, as

pessoas são identificadas como privadas (P) ou não privadas (NP) para cada indicador. O

processo é repetido para todos os indicadores de todas as dimensões. P significa que a

pessoa é privada (seu valor nesse indicador é menor do que o corte) e NP significa que a

pessoa é não privada (seu valor é maior que o corte);

(6) Contagem do número de privações de cada indivíduo. Admite-se pesos iguais

para os indicadores (simplicidade), o processo é encontrar o número de indicadores n onde

cada pessoa é privada.


(7) Estabelecimento da segunda linha de pobreza. Identificado como k, que dá o

número de indicadores em que uma pessoa deve ser privada para considerá-la como

multidimensionalmente pobre.

(8) Aplicação da linha k para obter o grupo de pessoas pobres e omitir os dados das

pessoas que não são consideradas multidimensionalmente pobre (os não pobres recebem

zero nos resultados das dimensões). O foco a partir desse passo é somente o perfil dos

pobres e dos indicadores em que são privados.

(9) Cálculo da incidência H: a proporção de pessoas que são privadas em k ou mais

indicadoras sobre o total de indivíduos analisados. O número de indivíduos

multidimensional pobres é uma medida útil, mas não aumenta se os pobres se tornarem

mais carente, nem pode ser discriminada por indicador para analisar como a pobreza difere

entre os grupos. Por essa razão, precisamos de um conjunto diferente de medidas.

(10) Cálculo do hiato de pobreza média A: proporção de privações que cada pessoa

pobre sofre sobre o total de indicadores somado ao mesmo cálculo das demais, dividido

pelo total de pessoas pobres.

(11) Cálculo da incidência ajustada M0: H x A.

(12) A decomposição por grupos e segmentação por dimensões: M0 pode ser

decomposto para cada subgrupo da população, depois disso pode-se analisar a contribuição

de cada dimensão para a pobreza geral. A é dividido pelos pobres na dimensão j,

resultando em Aj que multiplicado por H leva a M0j, a dimensão ajustada que mostra a

participação da dimensão j na pobreza global.

É importante ressaltar que o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) publicado

em 2010 no Relatório de Desenvolvimento Humano tem por base o método AF. O IPM

fundamenta-se na Abordagem das Capacitações proposta por Amartya Kumar Sen, e inclui

uma variedade de dimensões, porém limitadas devido à indisponibilidade de dados. O IPM


complementa as medidas baseadas somente na renda monetária ao efetuar uma abordagem

mais ampla, baseada em múltiplos aspectos, além disso, consegue captar quantas pessoas

sofrem privações sobrepostas e quantas privações enfrentam em média (RDH, 2010).

O IPM pode ser discriminado por dimensão e indicador e, assim, mostrar a

composição da pobreza multidimensional em incidência e intensidade nas diferentes

regiões, grupos étnicos, entre outros, de forma a contribuir para políticas públicas úteis.

2.2 As etapas do método Alkire Foster aplicado às grandes regiões brasileiras

Escolher a unidade de análise é o primeiro passo da metodologia AF – as mulheres

das grandes regiões brasileiras. Mas, porque as mulheres? A escolha das mulheres é devido

ao fato de que são elas que permanecem com os filhos quando as famílias se desfazem,

visto que as crianças são as que possuem a maior vulnerabilidade dentro das famílias

(Santos et al, 2010). Em caso de separação, 86% das mães ficam com os filhos (IBGE,

2015). Sen (1997) argumenta sobre o importante papel das mulheres no processo de

desenvolvimento como expansão das capacitações humanas.

Segundo Todaro et al (2012), são as mulheres que realizam a educação básica das

crianças e disponibilizam mais renda para acesso dos filhos do que os pais. Elas são

geralmente mais pobres que os homens, sendo mais privadas, por exemplo, na educação e

em todas as formas de liberdade. Para Sen (1997), mesmo com as mulheres cada vez mais

participativas na vida econômica, ainda são elas que apresentam maior vulnerabilidade

juntamente com as crianças. Ainda segundo o autor, o maior número de famílias que caem

abaixo da linha de pobreza são chefiadas por mulheres.

Para David Grusky e Ravi Kanbur (2006 apud Alkire, 2008) a escolha das

dimensões merece atenção; não há um consenso sobre qual dimensão utilizar e nem como
definir a importância de cada dimensão. Dimensões não são derivadas da ideia sobre o que

é ter vida boa, mas são valores ou motivos que são reconhecidos na própria experiência de

vida do indivíduo.

A realização do segundo passo – escolha das dimensões – foi baseada na literatura

sobre as medidas multidimensionais de pobreza como, por exemplo, o trabalho de Barros e

Silva (2006), Kageyama e Hoffmann (2006), Alkire e Santos (2010), Kerstenetzy et al

(2011), Albuquerque e Cunha (2012), e Brites et al (2013).

Para se conhecer as ameaças que a pobreza estabelece, é preciso compreender a sua

dimensão e o processo por meio do qual ela é medida. Em uma abordagem

multidimensional, a análise deve ser contextual, para que assim gere informações

relevantes para a tomada de decisões e políticas públicas específicas para cada região ou

país (MIDEROS, 2012).

Alkire (2002) apresentou alguns motivos sobre a necessidade de se especificar as

dimensões. Uma das razões fundamentais é de que se busca reduzir a pobreza ao

maximizar o bem estar em função do objetivo multidimensional do desenvolvimento

humano. Outra razão está relacionada com a necessidade de metodologias eficazes para

avaliar vantagens e desvantagens dentro de diferentes culturas. Uma terceira razão, é que

um conjunto de dimensões pode ajudar os grupos a identificar impactos não intencionais.

A quarta e última razão é referente à determinação de dimensões que sejam facilmente

entendidas para que possam se propagar.

Ainda não existe uma formula única para a construção dos indicadores. Barros e

Silva (2006) lembram que existem diversas possibilidades para a construção dos

indicadores de pobreza multidimensional, mesmo que dois trabalhos com mesmas

dimensões e mesmos indicadores venham a ser comparados, ambos podem apresentar

pesos diferentes para cada variável.


Definir os indicadores para cada dimensão escolhida é o terceiro passo da

metodologia AF. Com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD),

o Quadro 1 apresenta as quatro dimensões selecionadas (acesso a condições básicas de

sobrevivência, acesso a trabalho e renda, acesso ao conhecimento e controle sobre o

próprio ambiente) divididas em dezoito indicadores e suas linhas de corte que definem se a

pessoa é ou não privada. Estas dimensões, indicadores e linhas de corte foram aplicadas a

um total de 379.685 mulheres (194.757 mulheres em 2001 e 184.928 mulheres em 2011)

que é o número de mulheres pesquisadas.

Quadro 1 – Dimensões, indicadores e linhas de corte.


Dimensões Indicadores Privado se...
1. Material 1. O material predominante na construção
predominante na das paredes externas do prédio não for de
construção das paredes alvenaria ou madeira aparelhada
externas do prédio
2. Tem água canalizada 2. Não tiver água canalizada em pelo menos
em pelo menos um um cômodo do domicílio
cômodo do domicílio
3. Tem banheiro ou 3. Não tiver banheiro ou sanitário no
Acesso a
sanitário no domicílio domicílio ou na propriedade
condições ou na propriedade
básicas de 4. Destino do lixo 4. O destino do lixo não for através de
sobrevivência domiciliar coleta direta ou indireta
5. Forma de iluminação 5. A iluminação do domicílio não for
do domicílio elétrica (de rede, gerador, solar).
6. Tem fogão de duas ou 6. Não tiver fogão de duas bocas ou mais
mais bocas
7. Tem rádio 7. Não tiver rádio
8. Tem televisão em 8. Não tiver televisão em cores
cores 9. Não tiver geladeira de uma ou duas
9. Tem geladeira portas
1. Posição na 1. Não esteve empregado com carteira de
ocupação no trabalho trabalho assinada ou militar ou
principal funcionário público estatutário ou
trabalhador doméstico com carteira de
trabalho assinada ou trabalho por conta
Acesso a própria ou é empregador.
2. Horas
trabalho e renda trabalhadas por semana
para todos os trabalhos 2. Não trabalhar quarenta e quatro horas
por semana
3. Faixa do rendimento
mensal domiciliar per 3. Rendimento mensal inferior a 1⁄2
capita salário mínimo
1. Anos de estudo 1. Se a pessoa não possuir seis anos ou
Acesso ao 2. Sabe ler e escrever mais de estudo
conhecimento 2. Não saber ler e escrever
3.Tem microcomputador
3. Não tiver microcomputador
1. Tempo de
percurso diário de ida da
residência para o local de 1. O tempo de percurso for maior de 1 hora
trabalho
Controle sobre o 2. Condição de
2. A condição de ocupação do domicilio
próprio ambiente ocupação do domicílio
não for próprio, já pago ou próprio,
ainda pagando ou alugado.
3. Teve algum
trabalho no período de
3. Não teve nenhum trabalho no período de
referência de 365 dias
referência de 365 dias.
(menores, de 5 a 9 anos
de idade)
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base nos dados da PNAD 3.

O quarto passo do método AF consiste na definição da 1a linha de pobreza, ou seja,

a determinação de um valor para cada um dos indicadores considerados, conforme terceira

coluna do Quadro 1, por exemplo: o indivíduo é considerado privado se não souber ler nem

escrever.

O quinto passo é a aplicação da primeira linha de pobreza que define se a pessoa é

privada (P) ou não privada (NP) para cada um dos indicadores das quatro dimensões

consideradas. Por exemplo, na dimensão “acesso a condições básicas de sobrevivência”, no

indicador “tem geladeira”, a pessoa é considerada privada (P) se não tiver esse bem, e não

privada (NP) se tiver geladeira em seu domicílio.

O passo seis consiste na soma das privações de cada indivíduo, ou seja, em quantos

indicadores cada pessoa é privada; cada variável tem peso igual dentro da sua dimensão

(RDH, 2010).

O sétimo passo consiste em definir a segunda linha de pobreza – linha denominada

de k – e o oitavo passo em aplicá-la. Essa linha determina o número de privações que um

indivíduo precisa apresentar para ser considerado multidimensionalmente pobre. O k

3
Dados secundários coletados via PNAD, porém, faltam informações, principalmente, referente a saúde.
escolhido como a 2ª linha de pobreza é k = 64; equivale a 1/3 do total de indicadores

considerado neste trabalho.

O nono passo resulta na incidência H, ou seja, a proporção de pobres. Por exemplo,

se a população total é formada por 15.000 pessoas e 6.000 são consideradas

multidimensionalmente pobres, tem-se H=0,40, ou seja, 40% da população é considerada

pobre.

O décimo passo é o cálculo de A (pobreza média), que mostra em média em

quantos indicadores as pessoas são pobres. Para este cálculo é necessário dividir o total da

amostra dos indivíduos com k=6 ou mais privações pelo total de indicadores a serem

considerados (18). Este resultado deve ser dividido pelo total de pessoas de cada região

brasileira para se chegar à pobreza média.

O penúltimo passo mede o M0, incidência ajustada, obtida através da multiplicação

da proporção de pobres (H) pela pobreza média (A); que resume em um único índice a

incidência e a intensidade da pobreza multidimensional. A importância do M0 está na

capacidade de avaliar as políticas públicas de combate à pobreza, visto que a medida de

pobreza diminuirá conforme a política beneficie os pobres que sofrem uma pobreza mais

intensa (Gallo e Roche, 2011).

Segundo Gallo e Roche (2011, p. 11), “(...) es decir M0, se interpreta como

laproporción de carencias que experimenta lapoblación pobre, respecto al máximo posible

de privaciones que podría experimentar toda lapoblación”. Sendo assim, M0 é a soma

ponderada de privações, que é interpretada como a “falta de liberdade” da população, que

neste artigo é representada pelas mulheres (Alkire, 2011).

4
Alkire e Seth (2009) ressaltam a importância de estabelecer valores intermediários para k. Se o gestor
público ou o pesquisador adotar um posicionamento de que pobre é a pessoa que é privada em um ou mais
indicadores, tem-se que 100% da amostra estará sujeita a ser privada, um meio termo é indispensável.
Além disso, Gallo e Roche (2011) também afirmam que é possível interpretar o

valor de M0, que varia entre 0 e 1 (quanto mais próximo de 1 mais pobre e maior privação

nas dimensões) como porcentagem de uma possível situação de extrema pobreza que

poderia sofrer uma determinada população.

Por último, o passo 12, é a decomposição de M0 e a segmentação por dimensões.

Neste caso, optou-se por identificar os indicadores que possuem o maior número de

privações em cada dimensão e os indicadores onde as mulheres são mais privadas em cada

uma das grandes regiões.

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nos últimos passos do método AF é calculada a proporção dos pobres (H), a

intensidade da pobreza ou pobreza média (A) e a incidência ajustada pela intensidade (M0).

O “M0” é obtido, como destacado na seção sobre o método, por meio da

multiplicação da proporção de pobres (H) pela pobreza média (A), M0=H x A (essa medida

permite a decomposição, por exemplo, por área rural e urbana, entre outras).

Nas tabelas abaixo são apresentados os resultados agregados correspondentes aos

passos 7 a 11 do método AF descritos anteriormente, nos anos de 2001 e 2011, para cada

k=6.

Tabela 1 – Pobreza multidimensional das grandes regiões brasileiras para k=6 indicadores
em 2001
Incidência
Total de Proporção de Pobreza Média
Região N° de Pobres Ajustada
Mulheres Pobres (H) (A)
(M0 = H * A)
Norte 21176 3662 0,1729 0,4159 0,0719
Nordeste 63073 17839 0,2828 0,4555 0,1288
Centro-Oeste 20893 2191 0,1049 0,4101 0,0430
Sudeste 59590 3567 0,0599 0,4019 0,0241
Sul 30025 1926 0,0641 0,3964 0,0254
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Quanto maior é o número de indicadores (k) considerados no cálculo da privação de

uma pessoa, menor é o número de mulheres pobres. Se for considerado que pobre é a

pessoa que sofrer privação em todos os indicadores das diferentes dimensões, tem-se que

nenhuma pessoa é pobre. Em 2001, a região Nordeste foi a que apresentou a maior

proporção de mulheres pobres (28%), e a região Sul foi quem concentrou a menor

proporção quando k=6.

No que se refere à pobreza média (A), quando k = 6, as mulheres apresentam em

média privações em quatro indicadores em todas as regiões. A última coluna da tabela 6

apresenta a incidência ajustada (M0), seu valor máximo a ser considerado é um (onde toda

população é pobre) e o mínimo é zero (onde ninguém é pobre), sendo que a maior

incidência ajustada em 2001 foi da região Nordeste; este indicador apontou que as

mulheres são consideradas privadas em aproximadamente 13% dos indicadores.

Tabela 2 – Pobreza multidimensional das grandes regiões brasileiras para k=6 indicadores
em 2011
Incidência
Total de Proporção de Pobreza
Região N° de Pobres Ajustada
Mulheres Pobres (H) Média (A)
(M0 = H * A)
Norte 28839 4920 0,1706 0,4148 0,0708
Nordeste 54974 8119 0,1477 0,4030 0,0595
Centro-Oeste 19206 617 0,0321 0,3618 0,0116
Sudeste 53087 1156 0,0218 0,3648 0,0079
Sul 28822 478 0,0166 0,3648 0,0061
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Em 2011, cerca de 17% das mulheres foram consideradas pobres, quando utilizado

k = 6 na região Norte, não apresenta variação se comparado com o ano de 2001. Portanto,

cerca de 83% da população feminina é considerada não privada (NP) em nenhum dos

dezoito indicadores. Quanto a pobreza média (A), ao considerar k = 6, constatou-se que as

mulheres apresentaram, em média, privações em 4 indicadores em todas as regiões, não


ocorrendo grandes variações. A incidência ajustada foi maior na região Norte; as mulheres

são consideradas privadas em 7% dos indicadores.

Nota-se que diferentemente do ano de 2001, quando a região Nordeste concentrava

a maior proporção de mulheres privadas e a maior incidência ajustada, em 2011, essa

concentração estava na região Norte. Observa-se que, de 2001 para 2011, as regiões

Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste (onde ocorreu a redução de pobreza mais

significativa) obtiveram uma redução de privações; somente a região Norte apresentou

resultados quase insignificantes, pois em 2001 a incidência ajustada apresentada foi de 7%

e em 2011 também.

3.1 Identificação dos indicadores que as mulheres mais sofrem privações

No último passo do método AF, optou-se por identificar quais os indicadores que as

mulheres mais sofrem privação em cada dimensão por grande região do Brasil. A questão

está em verificar se ocorreu alguma alteração nos indicadores que apresentaram privação

nos anos de 2001 e 2011 para as diferentes regiões.

Com a tabela 3 (abaixo) é possível verificar quais foram os indicadores que as

mulheres mais sofreram privações no ano de 2001, ao considerar k=6, sendo possível

comparar as grandes regiões para cada um dos anos estudados.

Em 2001, na dimensão acesso a condições básicas de sobrevivência, destaca-se o

indicador posse de TV em cores que foi o item que as mulheres apresentaram maior

numero de privações; na segunda dimensão, acesso a trabalho e renda, evidencia-se a faixa

de rendimento domiciliar per capita; na dimensão acesso ao conhecimento, a posse de

microcomputador foi o indicador que apresentou maior privação; a quarta e última

dimensão – o controle sobre o próprio ambiente, a condição de ocupação do domicílio

possui maior privação.


Tabela 3 – Indicadores que as mulheres sofrem maior privação, quando k = 6, em
porcentagem no ano de 20015.
Indicador / NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL
Grande Região
Tem TV em cores 63,95% 71,96% 63,62% 65,85% 71,72%
Faixa do rendimento 83,17% 86,55% 59,76% 78,22% 76,53%
mensal domiciliar per
capita
Tem microcomputador 99,37% 99,82% 99,32% 99,75% 99,27%
Condição de Ocupação do 79,90% 78,33% 54,18% 60,25% 65,75%
Domicílio
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Ao observar a tabela 4 (abaixo), assim como na tabela 3 (acima), é possível

identificar não só as dimensões, mas também os indicadores que as mulheres mais sofrem

privações em 2011, por grande região. Na primeira dimensão, acesso a condições básicas

de sobrevivência, destaca-se o indicador destino do lixo domiciliar; na dimensão acesso a

trabalho e renda, distingue-se a faixa de rendimento domiciliar per capita; no acesso ao

conhecimento, a posse de microcomputador foi o indicador que apresentou maior privação;

na quarta e última dimensão, que é o controle sobre o próprio ambiente, a condição de

ocupação do domicílio foi onde as mulheres apresentaram maior privação.

Tabela 4 – Indicadores que as mulheres sofrem maior privação, quando k = 6, em


porcentagem no ano de 2011.
Indicador /
NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL
Grande Região
Destino do Lixo
Domiciliar
72,64% 76,52% 62,24% 57,09% 54,39%
Faixa do rendimento
mensal domiciliar per 79,55% 81,54% 68,88% 74,48% 73,01%
capita
Tem microcomputador 99% 99,67% 95,95% 97,58% 95,82%
Condição de Ocupação do
Domicílio
17,42% 19,66% 55,75% 44,64% 40,59%
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Para ambos os anos (2001 e 2011) os indicadores que as mulheres mais sofreram

privações em cada dimensão foram os mesmos, com exceção da dimensão acesso a

5
As tabelas 8 e 9 foram formuladas ao considerar k = 6 em função da importância de se considerar valores
intermediários para evitar que extremos ocorram, como por exemplo, 100% da população vir a ser
considerada pobre (quando k = 1) ou 0% da população ser pobre quando k = 18.
condições básicas de sobrevivência que em 2001 o indicador de maior privação era a TV

em cores e em 2011 foi o destino do lixo domiciliar. Observa-se que em 2001, em todas as

regiões, mais de 99% das mulheres foram consideradas privadas no indicador posse de

microcomputador. Já em 2011, neste mesmo indicador, as condições das mulheres (de

acesso ou não a este bem) melhoraram, sendo que as regiões Sul e Centro-Oeste

apresentam os melhores resultados 95,82% e 95,95%, respectivamente. Este bem é de

suma importância para o acesso ao conhecimento.

Quanto à faixa de rendimento, em 2001 a região Nordeste era onde as mulheres

consideradas pobres recebiam os menores salários. Este grupo de mulheres que recebem

menos que 1⁄2salário mínimo mensal, representava 86,5% da população feminina da

região. O inverso ocorreu na região Centro-Oeste, que apresentou a melhor situação

comparada às demais regiões onde 60% das mulheres ganhavam menos de 1⁄2salário

mínimo. Em 2011, a única região que não apresentou melhorias em relação a faixa de

rendimento das mulheres (em relação ao ano de 2001) foi a Centro-Oeste. Para Sen (2010),

mesmo a renda monetária não sendo o único meio para se alcançar a redução da pobreza, é

ainda uma das dimensões mais importantes da pobreza.

Na região Norte e Nordeste, no indicador destino do lixo domiciliar, em 2011, cerca

de 75% das mulheres não recebiam cobertura deste serviço; já na região Sul, os índices

foram os melhores para este ano, aproximadamente 55% das mulheres ainda não estavam

recebendo este serviço. Este indicador é considerado essencial, pois o não recolhimento do

lixo domiciliar colabora para a proliferação de doenças e da poluição (DDS, 2014).

Em 2001, no indicador acesso a TV em cores (que se destacou na dimensão acesso

a condições básicas de sobrevivência), as regiões Nordeste e Sul possuem o maior número

de mulheres sem acesso a este bem, aproximadamente, 72% da população feminina.


A condição de ocupação do domicílio foi o indicador que apresentou os resultados

mais significativos no quesito melhorias. Observa-se que em 2001, as regiões Norte e

Nordeste possuíam quase 80% de suas mulheres privadas neste indicador, porém, em 2011,

o número de mulheres que apresentaram privação nestas mesmas regiões foi inferior a

20%, onde, é considerado privado o indivíduo que não possuir residência própria (já paga

ou ainda pagando) (IBGE, 2015).

A principal vantagem do método é essa possibilidade de identificação, não só das

dimensões/indicadores nos quais as mulheres mais são privadas, como também do quanto

elas são privadas em cada um deles.

3 CONCLUSÃO

Sob o enfoque multidimensional da pobreza e o uso do método Alkire Foster (AF)

foi possível identificar as maiores privações sofridas pelas mulheres das grandes regiões do

Brasil para os anos de 2001 e 2011. Ao adotar a análise multidimensional proposta para as

cinco grandes regiões do Brasil, constatou-se que: o Sul, tanto em 2001 quanto em 2011, foi

a região que teve a maior concentração de mulheres sem privação nenhuma. O inverso

ocorre para o Norte, onde, em ambos os anos essa região apresentou a maior concentração

de mulheres com privação (se comparada às demais regiões).

O Nordeste apresentou a maior concentração da pobreza média (A) em 2001. Em

contrapartida, a região Sudeste registrou a menor pobreza média (A) e por consequência a

menor incidência ajustada. Diferentemente de 2011, que a maior pobreza média (A) se

concentrou na região Norte e a menor, na região Sul.

O índice de pobreza multidimensional calculado possibilitou identificar a região

Nordeste como a que possuía as mulheres mais próximas da pobreza em 2001 (mas ainda

longe da situação de extrema pobreza), ao considerar k = 6 ou mais indicadores. Porém, o


quadro se inverte em 2011, quando a região Norte passa a ser identificada como a que

possui as mulheres mais próximas da pobreza. O Sul é a região que apresentou os melhores

resultados para ambos os anos (2001 e 2011), as mulheres residentes nessa região estão

muito afastadas da situação de extrema pobreza (0,6% em 2011).

Os resultados obtidos na pesquisa multidimensional da pobreza demonstram que,

quando considerado k = 6 (onde as mulheres são privadas em pelo menos seis indicadores),

ocorreu uma queda significativa no número de mulheres pobres em 2011 comparadas a

2001.

Em 2001 e 2011, de forma geral, os indicadores em que as mulheres mais

apresentaram privações para cada dimensão foram os mesmos, com exceção da dimensão

acesso a condições básicas de sobrevivência que em 2001 destacou-se o indicador posse de

TV em cores e, em 2011, sobressaiu o indicador destino do lixo domiciliar.

Estes resultados podem e devem ser utilizados para identificar os locais e quais as

variáveis que mais precisam de atenção para determinado investimento, problemas sociais

podem ser resolvidos, quando identificados não só em quantidade, mas também, em

proporção em que ocorrem.

Interpretar a pobreza como um fenômeno multidimensional é essencial na atual

conjuntura social em que se estrutura o país. Isso significa que é preciso ações sociais e

econômicas integradas que contribuam para a promoção do desenvolvimento que,

consequentemente, permita a eliminação dos riscos de incidência da pobreza não só para as

mulheres, mas para todos os indivíduos.


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TODARO, M. P; SMITH, S. C. Economic Development. 10 th ed.; 2012.


Renda Relativa e Consumo:
Uma Investigação Empı́rica sobre o Efeito Demonstração

Michel Cândido de Souza Souzaa,1


a
Doutorando em Economia (CEDEPLAR-UFMG), Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Abstract
The present study seeks to test the validity of the theoretical hypothesis of Duesenberry (1949)
on the ”demonstration effect”, that is, to measure the effect of income differences on consumption,
both globally and particularly in the Brazilian case. For these finds, the methodologies of Dynamic
Panels and Autoregressive Vectors were used. From the results obtained, it seems that for countries
with increasing incomes, in relation to the United States, there is a tendency to decrease the average
propensity to consume, and it is probable that part of this income does not spend with consumption
flow to capital goods. In sequence, analyzing quarterly data for the Brazilian economy we estimated
a vector model that supports the previous analysis. The results indicate that a positive shock, of
a standard deviation, in the variable income ratio leads to a decrease in the average propensity of
consumption. Then, we believe that public policies to encourage savings and investment spending
are useful to offset the ”demonstration effect”and to lead countries to better development paths
Keywords: Relative Income, Dynamic Panel, VAR.

Resumo
O presente estudo busca testar a validade da hipótese teórica de Duesenberry(1949) sobre o ”efeito
demonstração”, ou seja, mensurar o efeito das diferenças de renda sobre o consumo, tanto em escala
global quanto particularmente no caso Brasileiro. Para estes fins, foram utilizadas as metodologias
de Painéis Dinâmicos e Vetores Autoregressivos. A partir dos resultados obtidos, parece que para
rendas cada vez maiores dos paı́ses, em relação aos Estados Unidos, existe uma tendência a diminui-
ção da propensão média a consumir, sendo provável que parte desta renda não gasta com consumo
flua para bens de capital. Em sequência, analisando dados trimestrais para economia brasileira
foi estimado um modelo vetorial que da suporte a análise anterior. Os resultados apontam que
um choque positivo, de um desvio padrão, na variável razão de rendas leva a uma queda pequena,
porem significativa, da propensão média de consumo. Assim, acreditamos que politicas públicas de
incentivo a poupança e gastos com investimentos são úteis para compensar o ”efeito demonstração”e
conduzir os paı́ses a trajetórias de desenvolvimento melhores.

Palavras-chave:Renda Relativa, Painel Dinâmico, VAR.

Área 10: Polı́ticas Públicas para o Desenvolvimento

1
mcsouza@cedeplar.ufmg.br
1. Introdução

O consumo apresenta um papel central na teoria macroeconômica, e seu estudo é interessante


devido a importância vital que exerce na determinação do nı́vel de produto e emprego de uma
economia. Logo, a melhor compreensão dos seus determinantes é um caminho recorrente. A noção
macroeconômica de função consumo ganhou destaque nos estudos desenvolvidos por Keynes, nos
quais o consumo é uma função da renda presente das famı́lias.

Dois componentes derivados da teoria de consumo de Keynes merecem atenção especial: A


propensão média e marginal a consumir. A propensão média a consumir é definida como a proporção
da renda gasta com consumo em um determinado perı́odo de tempo. É interessante notar que a
partir desta teoria, a propensão média para diferentes nı́veis de renda cai à medida que a renda
se eleva. Outro indicador famoso é a propensão marginal a consumir, que mostra a variação do
consumo quando a renda aumenta em uma unidade.
Porém, Kuznets (1942) critica a fórmula keynesiana mostrando que esta não considera a exis-

tência de possı́veis lags de ajustamento do consumo à renda. O autor encontrou, por meio de uma

análise de séries temporais de 50 anos, que a trajetória do consumo tende a ser mais estável que a
da renda. Outras teorias intertemporais também buscaram tratar os efeitos dinâmicos do consumo,
como: a teoria da renda permanente de Friedman (1957), em que o consumo é determinado pela
renda permanente dos agentes e não apenas pela sua renda corrente; a teoria do ciclo de vida de
Ando e Modigliani (1963) que leva em consideração o patrimônio adicionalmente ao fator da renda
permanente; e mais especificamente a teoria da renda relativa de Duesenberry (1949) que perma-
nece dentro do esquema keynesiano mas incorpora outros elementos explicativos do consumo, como
a diferença de renda entre duas nações.
Este trabalho tem como objetivo investigar as implicações do que foi levantado por Duesen-
berry(1949) para dados recentes entre paı́ses e especificamente no caso Brasileiro. Na próxima seção,
será feita uma breve revisão sobre a importância do consumo na definição de poupança/investimento,
bem como a exposição teórica da hipótese de renda relativa. Na terceira seção os métodos de aná-
lise econométrica serão abordados, em sequência os dados trabalhados serão indicados e por fim, a
quinta e sexta seção tratam os resultados e a conclusão respectivamente, encerrando o trabalho.
2. Revisão de Literatura

Para Harvey(1992), o capitalismo é por necessidade organizado e dinâmico, no entanto, o modo


de produção é inconsistente e contraditório quanto a acumulação e consumo. Isto torna o sistema
muito propenso a crises já que o objetivo de acumulação do capital não pode ser eliminado, se
tratando de uma peça chave para o processo de auto manutenção.
A relação entre o consumo e a acumulação de capital (ou investimento) é cı́clica, de forma
que para aumentar a poupança interna e incentivar o crescimento, existem duas possibilidades
recorrentes de acordo com a teoria clássica: aumento da renda ou queda no consumo. Em geral,
o desejável é que ocorra um aumento na renda sem restrições ao consumo, mas as limitações são
consideráveis.

O crescimento da renda é possı́vel através do aumento da produtividade do trabalhador (criando


condições para que ele produza mais com menos insumos) ou do capital (dinamizando o processo
produtivo e gerando maiores lucros). No entanto, para melhorar a produtividade dos fatores de
produção e agregar eficiência no processo produtivo, ambas as possibilidades ficam condicionadas
ao aumento do investimento, seja em treinamentos profissionais ou na formação de capital tec-
nológico. O que liga novamente o problema clássico da acumulação de capital a capacidade de
investimento/poupança.

Autores como Nurkse(1953) e Lewis(1954) também compreendem o capital como um fator funda-
mental para o impulso do processo de desenvolvimento econômico, ressaltando que sua acumulação
estaria diretamente condicionada aos movimentos da poupança (a parte da renda não consumida).
Nurkse(1953) ressalta que altos padrões de consumo, em paı́ses com escassez de capital, podem
gerar dificuldades ao próprio processo de desenvolvimento econômico, já que uma constante ”ilu-
são”quanto à necessidade e frequência do consumo implicaria em redução dos recursos destinados a
acumulação produtiva por parte das classes de alto pode aquisitivo, levando a um direcionamento

ineficiente do excedente capitalista.


Lewis(1954) afirma que não se pode explicar nenhuma revolução industrial enquanto não houver
uma explicacão para o aumento relativo da poupança no paı́s em questão. A tese central é de que
toda poupança advém da classe que recebe lucros e rendimentos do capital, então se a poupança do
paı́s aumentou em relação a renda nacional, certamente a participação dos lucros cresceu. Por fim,
o modelo tratado apresenta indı́cios de que se os lucros não são consumidos e sim reinvestidos no
processo produtivo, os rendimentos aumentarão continuamente em relação a renda nacional.
Partindo dessa linha de pensamento, Harvey(1992) define que o homem pós-moderno pode ser
visto como um produto do sistema de acumulação flexı́vel, onde as condições sociais de trabalho
(junto aos ganhos de bem estar) são constantemente maquiadas por uma cultura que busca estabe-
lecer uma base de consumo forte em função do ganho de capital. Neste ponto, existe uma grande
discussão sobre o quão prejudiciais seriam os novos padrões do homem pós-moderno, que consome
de forma acelerada e substitui intensamente os produtos de acordo com tendências.

De acordo com Bastos e d’Avila(2009), em harmonia com a visão Cepalina, é justamente por
meio destes hábitos comparativos de consumo que parte do excedente capitalista, em paı́ses subde-
senvolvidos, pode não fluir corretamente para poupança/investimento. Ou de forma mais agravante,
é devido ao consumo baseado, em certo grau, nos padrões das nações mais desenvolvidas (com renda
mais elevada), que parte dos recursos destinados a formação de capital acabam sendo esgotados em
consumo de bens supérfluos pelos grandes capitalistas (ou por uma minoria detentora da maior
parcela da renda nacional).
Prebisch(1949) trata com atenção especial essa relação entre o consumo de luxo, a diferença
de rendas e a acumulação de capital. O autor caracteriza o consumo de luxo dos grupos mino-
ritários como um gasto improdutivo dentro da economia. Este gasto seria uma manifestação de
inconformidade e pressa em aproximação do estilo de vida que paı́ses de técnica mais avançada
alcançaram progressivamente, graças ao aumento de produtividade e capitalização. Em resumo, o
gasto improdutivo reduziria a poupança, investimento e crescimento de longo prazo nas economias
latino-americanas, já que as formas imitativas de consumo dos grupos de altas rendas prejudicava
a economia e acentuava o desequil´ıbrio externo.

Duesenberry(1949) classifica este fenômeno como ”efeito demonstração”, no qual as funções con-
sumo de duas nações em diferentes estágios de desenvolvimento se relacionariam a partir do nı́vel
de renda real relativo. Segundo autor, este efeito contribuiria diretamente para explicar algumas
escolhas entre consumo e poupança das nações mais atrasadas, já que explicitamente existiria uma
maior facilidade das classes dominantes (principalmente) em adotar hábitos de consumo baseados
em paı́ses mais desenvolvidos do que investir em métodos de aperfeiçoamento da produção.
No entanto, a forma e a intensidade desse impacto, segundo Nurkse(1953), dependeria primor-
dialmente de dois fatores: a dimensão da diferença entre as rendas dos paı́ses e o grau de consci-
entização da nação atrasada em relação a essa diferença. Mas independentemente da intensidade
deste impacto, o autor conclui que em paı́ses subdesenvolvidos a utilização de potenciais fontes de
geração do capital tendem a ser limitadas devido ao efeito demonstração, que em resumo seria um
reflexo da insatisfação e da impaciência das nações mais atrasadas. Nurkse (1953) afirmar que:

”As grandes e crescentes diferenças entre os nı́veis de renda de diferentes paı́ses,


aliadas a uma consciência maior do fato, podem vir a elevar a propensão geral ao con-
sumo das nações mais pobres, a reduzir sua capacidade de poupança (...) o contato e
conhecimento de esquemas de consumo superiores dão asas à imaginação criando novas
necessidades (...) a tendência a copiar os padrões de consumo americano tende a limitar
a oferta de fundos de inversão”(p. 271-272)

Furtado (1972) avança na questão do consumo sobre o processo de desenvolvimento, mais espe-
cificamente, o autor destaca que seria inviável, na periferia, uma combinação entre desenvolvimento
econômico e consumo de luxo crescente, por parte de uma minoria detentora dos meios de produ-
ção. O autor, ainda, concorda que o consumo de luxo resulta de um aspecto psicológico da elite, a
qual busca um padrão externo, baseado em paı́ses adiantados. Por fim, a ruptura desse padrão de
consumo minoritária, socialmente danoso, só se faria possı́vel com mudanças diretas na estrutura
polı́tica e cultural da periferia.

2.1. Renda Relativa e Efeito Demonstração

A hipótese de renda relativa, inicialmente estudada por Brandy e Friedman(1947) é o ponto


de partida para análise do efeito demonstração, pois sugere que poupança e consumo de um paı́s
dependem não somente do nı́vel absoluto da sua renda, mas também da sua posição relativa numa
determinada escala de rendas. Ou seja, de acordo com esta hipótese, indivı́duos consomem bens
e serviços em função da renda própria e também do comportamento dos vizinhos. Em resumo, a
renda se torna relativa a posição do paı́s em uma escala global, existindo interdependências nas
decisões de consumo por parte dos agentes e influência de fatores como moda e propaganda. Essa
relação pode ser representada como:
c y
=α+β (1)
y y∗

Onde β < 0, c representa o consumo, y a renda nacional e y ∗ a renda relativa de comparação.


Os autores afirmam que esta hipótese é compatı́vel com evidências empı́ricas, quando se considera

as diferenças nas propensões médias a poupar entre paı́ses. Em resumo, num dado perı́odo um
paı́s deverá poupar uma parcela de sua renda condicionada a posição relativa na escala de rendas
observada. Assim, quanto maior a proporção da renda nacional em relação a renda externa, menor
a distância e o efeito sobre o consumo.2
Teoricamente, grandes avanços foram feitos por Duesenberry (1949), que fornece uma estrutura
mais sólida para análise da hipótese de rendas relativas. O autor argumenta que as funções de
preferências das nações seriam interligadas e as decisões relativas ao consumo condicionadas aos
nı́vel de gastos do grupo mais desenvolvido. Assim a fração poupada dependeria diretamente da
diferença relativa entre os nı́veis de rendas.

Σ c Σ
i
Ui = Ui (2)
αijcj

Sendo Ui a representação da função utilidade do paı́s i, ci os gastos com consumo do i-ésimo paı́s,
cj os gastos com consumo do j-ésimo paı́s e αij é importância que i-ésimo paı́s da ao consumo do
j-ésimo, relativamente 3 . Essa representação mostra claramente a ideia defendida por Duesenberry
(1949), de que a parcela poupada por uma nação depende inteiramente da relação e do grau de
consciência que esta tem em relação a seus vizinhos mais adiantados economicamente.
A hipótese da relatividade da renda também pode ser vista também sob o ponto de vista tem-
poral. Segundo Brown (1952), deve-se incorporar um componente de defasagem ou de memória
na função para capturar o efeito do consumo no perı́odo anterior. O que poderia ser representado

2
Esta relação também pode ser pensada de forma inversa: se a renda de comparação for colocada no numerador,com
β > 0, quanto maior a razão maior o efeito sobre o consumo.
3
Ressaltando que aqui o consumo é tratado pelo autor como uma função da renda
analiticamente da seguinte forma:

ct ct−1 yt
= α + β1 + β2 ∗ (3)
yt yt−1 yt
yt
O efeito demonstração é representado pelo termo β 2 yt∗ na equação acima, este sugere uma relação
entre o consumo de paı́ses subdesenvolvidos e as diferenças de renda externa. Com base no que foi
apresentado, Duesenberry (1949) destaca que a hipótese de renda relativa além de buscar explicações
mais consistentes para oscilações na proporção da renda consumida, confere um papel fundamental

à discussão sobre a distribuição da renda como determinante do consumo agregado. Intuitivamente,


se o nı́vel de consumo de uma nação é determinada a partir da posição relativa na distribuição
de rendas globais, dadas as necessidades demonstrativas e psicológicas, quando menor o diferencial

entre o produto per capita das nações, menor o efeito ”imitativo”ou ”efeito demonstração”. Assim,
uma redistribuição da renda mais igualitária reduziria a parte do consumo agregado puxada pelos
grandes capitalistas.

No entanto, segundo o próprio autor, se uma sociedade prevalece o padrão de ”competitivi-


dade”ou ”superioridade”, que pode ser mais comum em pa´ıses economicamente mais adiantados,
os indivı́duos passam a consumir com intuito de superar os próprios padrões. Ou seja, o efeito é
oposto nas sociedades que costumam representar o vetor de comparação, quanto menor a diferença
de rendas relativas mais os indivı́duos da nação considerada avançada consomem.

Além disso, existe discordância da teoria discutida com a conhecida hipótese da renda abso-
luta. Na última, um decréscimo na desigualdade da renda tende a elevar o consumo agregado.
Segundo Duesenberry, essa implicação só seria verdadeira quando as preferências individuais fossem
independentes. Caso contrário, uma redução na desigualdade tenderá a reduzir o consumo agregado.
A partir do que foi exposto nesta seção, é possı́vel concluir que compreender a validade dessa
hipótese, bem como mensurar seu efeito (dentre uma amostra representativa de paı́ses) é relevante
para análises do impacto das oscilações de renda externa sobre o crescimento econômico de paı́ses
subdesenvolvidos. Sendo assim, o problema principal que este trabalho busca investigar é se: A

diferença de renda entre paı́ses impacta o consumo?


O principal objetivo do trabalho é testar a validade da hipótese teórica de Duesenberry(1949)
sobre o ”efeito demonstração”, ou seja, mensurar o efeito das diferenças de renda sobre o consumo.
Os objetivos especı́ficos são: i- Mensurar quanto do consumo dos paı́ses advém da diferença de
renda externa, testando hipóteses de significância e ii- Investigar como um choque na renda externa
afetaria o consumo corrente de um pa´ıs economicamente atrasado.

Vale destacar que o objetivo aqui não é afirmar qual teoria do ciclo de consumo é mais adequada,
ou qual seria a forma mais correta de modelar a dinâmica das rendas entre diferentes paı́ses. Busca-
se simplesmente testar se existe, recentemente, uma relação significativa entre a razão de rendas e
propensão média a consumir, utilizando um arcabouço teórico já conhecido, com intuito de reforçar
(ou não) o papel das polı́ticas públicas de investimento e incentivo a poupança na economia.

3. Metodologia

3.1. Painel Dinâmico

O primeiro método econométrico proposto é a estimação de um modelo de painel dinâmico,


seguindo os trabalhos de Arellano e Bond (1991), Arellano e Bover (1995) e Blundell e Bond (1998).
Roodman (2006), afirma que esta metodologia é adequado na presença de algumas caracterı́sticas:
a variável dependente defasada é relevante no modelo, o perı́odo de tempo é reduzido relativo ao
número de indivı́duos, a relação funcional é linear e existem efeitos fixos para os indivı́duos dentro
do painel. Considerando um modelo:

yi,t = αyi,t−1 + βxi,t−1 + ui,t (4)

Onde entre pa´ıses temos que:


ui,t = vi + si,t (5)

Uma série de condições deve ser imposta, de acordo com o procedimento padrão da estimação
Arellano-Bond: i- Os efeitos estocásticos especı́ficos de painel, vi , são não correlacionados com o
componente aleatório, si,t . ii- Os distúrbios si,t são não serialmente correlacionados; iii- As condições
iniciais yi,1 e xi,1 são não correlacionadas com o termo aleatório, de forma que os estimadores
Arellano-Bond são capazes de evitar o viés de painel dinâmico que emerge da correlação entre as
variáveis defasadas e o termo erro.
Em sequência, para eliminar os efeitos fixos individuais vi , toma-se a primeira diferença:

(yi,t − yi,t−1) = α(yi,t−1 − yi,t−2) + β(xi,t−1 − xi,t−2) + (ui,t − ui,t−1) (6)

As variáveis defasadas, no entanto, ainda são endógenas, pois yi,t−1 em ∆yi,t e xi,t−1 em ∆xi,t são

correlacionados com si,t−1 em ∆si,t . Para solucionar esse problema, defasagens maiores são
usadas como instrumentos, dado que são ortogonais ao erro, resultando nas seguintes condições de
momento:

E[yi,t−j ∆si,t ] = 0 ∀j = 2, ..., t − 1 e ∀t = 3, ..., T

E[xi,t−k∆si,t] = 0 ∀k = 2, ..., t − 1 e ∀t = 3, ..., T

O estimador Arellano-Bond (1991) baseado nas condições de momento apresentadas é chamado de

Difference-GMM. Contudo, Blundell e Bond (1998) alertam que devido à persistência das séries, as
variáveis em nı́vel são instrumentos fracos para a equação em diferença, resultando em viés e em
precisão precária em amostras finitas. Assim, para aumentar a eficiência do estimador, é imposta a
condição adicional nos valores iniciais de que as variáveis em diferença são não correlacionadas com
os efeitos fixos individuais. Dessa forma, mais instrumentos podem ser utilizados, aumentando o
poder do teste e melhorando sua eficiência, além de fornecer condições de momento adicionais para

a regressão em nı́vel:

E[∆yi,t−1ui,t] = 0 ∀i = 1, ..., N e ∀t = 3, ..., T

E[∆xi,t−1ui,t] = 0 ∀i = 1, ..., N e ∀t = 3, ..., T

Consequentemente, o System-GMM é formado por duas equações :a equação original, ou a equação


em nı́vel, que usa as defasagens em diferença como instrumentos; e a equação transformada ou em
diferença, que usa as variáveis defasadas em nı́vel como instrumentos.
Neste artigo, emprega-se o System-GMM e, seguindo Roodman (2006), reportam-se todas as
escolhas de especificação do modelo. Inicialmente, os estimadores Arellano-Bond e Blundell-Bond
têm variantes one-step e two-step. O estimador twostep é assintoticamente mais eficiente, mas
os erros-padrão reportados nesse caso tendem a ser severamente viesados para baixo. Por esse
motivo, usa-se uma correção de amostras finitas, derivada por Windmeijer (2005), para a matriz
de covariância da variante two-step, o que torna as estimações robustas do two-step mais eficientes
do que as robustas do onestep, especialmente para o System-GMM. Um problema adicional surge
quando os instrumentos são muitos, excedendo o número de variáveis instrumentadas e viesando
os resultados em direção àqueles dos estimadores OLS/GLS. Portanto, neste artigo, adota-se uma
quantidade de instrumentos menor do que o número de grupos da amostra (100 paı́ses).
Sendo um método baseado em variáveis instrumentais, o GMM depende da validade das condi-

ções de momento. Para verificar essas condições, testa-se sobreidentificação das condições de mo-
mento por meio das estatı́sticas de Sargan e de Hansen. A hipótese nula é a de que os instrumentos
são válidos, ou seja, não correlacionados com o termo erro e que os instrumentos excluı́dos (aque-
les utilizados para instrumentar as variáveis endógenas) foram corretamente excluı́dos da equação
estimada. A estatı́stica de Sargan é um caso especial da J de Hansen sob a suposição de homos-
cedasticidade. Além disso, é importante notar que esses testes têm baixo poder se o modelo inclui
uma ampla selecão de instrumentos relativamente ao número de indivı́duos. Logo, neste trabalho
voltamos a atenção para o teste de exogeneidade de grupos particulares de instrumentos, o teste
difference-Hansen. O teste é definido como a diferença entre a estatı́stica de Hansen com um número
menor de instrumentos, excluindo-se os instrumentos com validade suspeita, e a equação com todos
os instrumentos, inclusive aqueles com suspeita de serem instrumentos precários. A hipótese nula

é a de que ambos, o número reduzido de instrumentos e os instrumentos suspeitos adicionais, são


válidos.

3.2. VAR-VECM

Segundo Lutkepohl (2005), o modelo básico de vetores auto regressivos V AR(p) pode ser bas-

tante restritivo para representar de forma suficiente as principais caracter´ısticas dos dados. Em
particular, outros termos determinı́sticos, tais como uma tendência temporal linear ou dummies sa-
zonais podem ser necessários para representar os dados corretamente, bem como, variáveis exógenas
estocásticos podem ser fundamentais para o modelo. A forma geral do modelo VAR (p) com termos
determinı́sticos e variáveis exógenas é dada por:

Yt = Φ1Yt−1 + Φ2Yt−2 + ... + ΦpYt−p + ΘDt + st (7)


Onde Dt representa uma matriz (lL) de componentes determin´ısticos, Xt Representa uma matriz
(M 1) de variáveis exógenas e Φ e Γ são matrizes de parâmetro. A causalidade de Granger pode não
nos fornecer informações completas sobre as interações entre as variáveis do sistema. É interessante
saber a resposta de uma variável ao impulso de uma outra variável em um sistema que envolve um
número maior de variáveis. A função impulso-resposta permite avaliar o impacto de um choque
em uma variável do modelo sobre as demais variáveis. Segundo Hamilton (1994), a função de

impulso-resposta é dada por:


s ∂Yi,t+s ∂Yi,t (8)
Ψij = =
∂sj,t ∂sj,t−s

Onde Ψs se refere à matriz de multiplicadores de impacto de um choque sobre as variáveis endógenas.


Nos modelos estacionários, o efeito de um choque em uma das variáveis decai ao longo do tempo,
assim, ela tende a voltar para a média.

4. Dados e Modelo Empı́rico

4.0.1. Painel Dinâmico

Na primeira parte deste trabalho, serão utilizados dados anuais disponı́veis no World Bank entre

1990-2014, para 100 pa´ıses:

Tabela 1: Variáveis Painel

Variável Tı́tulo Periodicidade

ci,t Propensão Média a Consumir Anual(1990-2014)


Dif Yi,t Renda Relativa Anual(1990-2014)
Ri,t Taxa de Juros Anual(1990-2014)
LaFi,t Força de Trabalho Anual(1990-2014)
Fonte: Elaboração Própria

As principais variáveis que buscamos investigar a relação são: Propensão Média a Consumir e
Renda Relativa 4 . A seguir, o gráfico das séries 5 é apresentado:

4
Razão entre o produto doméstico per capita e o produto externo per capita adotado neste trabalho como renda
do EUA
5
O valor anual das variáveis é encontrado a partir da média dos cem paı́ses para cada ano, somente para esta
Figura 1: Séries Cross-Country

Além disso, as séries apresentam coeficiente de correlação de aproximadamente -0,548. O gráfico


de dispersão reforça os indı́cios da relação negativa entre as variáveis:

Figura 2: Dispersão

Após a análise descritiva, a estratégia inicial da estimação é a seguinte: como os dados traba-
lhados são anuais, os habitantes de um paı́s só observam a diferença de renda entre as nações um
perı́odo após a realização da mesma. Logo, o consumo ao longo de t não é definido pela diferença de

rendas no próprio perı́odo t, já que os dados são divulgados somente ao final da janela de tempo. Ou

seja, existe certo delay, que colocamos aqui como a relação defasada. Além de buscar compreender
melhor o fenômeno, esta estratégia também serve como instrumento para o próprio valor do perı́odo
corrente, evitando um possı́vel problema de simultaneidade na regressão já que ambas as variáveis

representação gráfica.
sofrem efeito do produto doméstico. O modelo estimado proposto segue:

ci,t = β0 + β1ci,t−1 + β2 Dif Yi,t−1 + β3Ri,t + β4Li,t + ui,t

4.0.2. VAR

Na segunda parte, serão analisados dados para Brasil e Estados Unidos, com periodicidade
trimestral obtidos a partir das seguintes bases de dados: OCDE, IpeaData e IBGE. . A variável
6

C BR representa a propensão média a consumir do Brasil no perı́odo analisado e Dif Y BR/U


t
S a razão
t

entre o produto brasileiro per capita e o produto externo per capita adotado neste trabalho como
renda do EUA.

Tabela 2: Variáveis VAR

Variável Tı́tulo Periodicidade

CtBR Propensão Média a Consumir (2000:01-2014:04)


BR
Rt Taxa de Juros (2000:01-2014:04)
BR
Ut Taxa de Desemprego (2000:01-2014:04)
Dif YtBR/US Renda Relativa (2000:01-2014:04)

Fonte: Elaboração Própria

O modelo vetorial emp´ırico proposto segue:

Zt = Φ1Zt−1 + Φ2Zt−2 + ... + ΦpZt−p + ΘDt + st (9)

Os lags ideais serão selecionados com base no teste de Akaike e o vetor Zt compõe as seguintes
variáveis: C BR
t que representa as proporção média de consumo para o Brasil; Dif Y BR/U
t
S que
representa a renda relativa ou razão de rendas entre Brasil e Estados Unidos ao longo do perı́odo
analisado; RBR a taxa de juros básica do Brasil (Selic) e U BR a taxa de desemprego média trimestral.
t t

Além disso, Dt é o vetor de variáveis exógenas no modelo vetorial, como possı́veis dummie de quebra
por exemplo. Vale destacar que neste estudo, o foco é sobre a relação de como as defasagens da

6
Todos os dados agregados trabalhados se encontram em dólares,dessazonalizados e ajustados pela PPP
diferença entre rendas afeta o consumo corrente do Brasil.

5. Resultados

5.1. Painel Dinâmico

Inicialmente, verificamos a presença de raiz unitária a partir de testes próprios para painéis
e só então partimos para estimação. Os testes utilizados são descritos a partir dos trabalhos de
Levin,Fin e Chu(2002), Harris e Tzavalis(1999) e Im, Pesaran e Shin(2003).A tabela abaixo mostra
os p-valores reportados pelos testes, onde a hipótese nula (H0 ) é que existe raiz unitária no painel:

Tabela 3: Teste Raiz Unitária

Variável Teste LLC Teste HT Teste IPS

ci,t 0,000 0,000 0,038


Fonte: Elaboração Própria

Logo, a série ci,t pode ser tratada em nı́vel na estimação. Em sequência, os resultados encontra-
dos para as variáveis de interesse, a partir de estimações utilizando o software Stata 13, são:

Tabela 4: Resultados Painel Dinâmico

Variável Coeftciente Erro Padrão p-valor

ct−1 0.5760 0.0736 0.000

Dif Yt−1 - 0.0789 0.0266 0.003


Rt 0.0012 0.0008 0.161
Lt -1.44e-09 1.02e-09 0.158
const 0.3850 0.0761 0.000
Fonte: Elaboração Própria

A estimação foi feita em dois estágios e de forma robusta em relação a heterocedasticidade


e autocorrelação dos resı́duos. Vale destacar que além do valor defasado da razão relativas das
rendas, dummies de anos também foram utilizadas como instrumentos, seguindo um pouco do que

é exposto por Roodman(2006), em busca de controlar possı́veis efeitos conjunturais globais para o
perı́odo analisado.
Os resultados indicam que tanto a defasagem da propensão média a consumir quanto a defasa-
gem da razão relativa entre rendas per capita são significantes para explicar a propensão média de
consumo corrente. Ou seja, conforme o esperado: quanto maior a propensão média a consumir no
perı́odo anterior, maior a propensão corrente. Por exemplo, um aumento de cerca de 1% na propen-
são média tende a aumentar 0, 57% na propensão do perı́odo seguinte. Além disso, quanto maior
a proporção da renda doméstica sobre a renda externa, menor a propensão corrente a consumir,
de forma que uma queda de 1% na renda brasileira (em proporção a renda americana) impacta-
ria em cerca de 0, 07% a propensão a consumir do perı́odo seguinte. No entanto, taxa de juros e
força de trabalho parecem não afetar de forma significativa a variável dependente. Por fim, o teste
difference-Hansen, que possui como hipótese nula a exogeneidade dos instrumentos, aponta para
validade do modelo e das variáveis utilizadas:

Tabela 5: Teste difference-Hansen

Instrum. Level GMM-Style Instrum. Standard Instrum.

0,998 0,924 0,979

Fonte: Elaboração Própria

5.2. VAR

Para o modelo vetorial, antes de trabalharmos as séries disponı́veis é necessário verificarmos a


presenca de tendência e raiz unitária. Os testes utilizados foram ADF, ADF-GLS e KPSS7 . Os

p-valores seguem:

Tabela 6: Testes de Raiz Unitária

Variável Teste ADF Teste ADF-GLS Teste KPSS

CtBR 0,0423 0,0512 0,0731


RtBR 0,6951 0,3640 0,0091
UtBR 0,8142 0,3096 0,0003
Dif Y tBR/US 0,8293 0,6024 0,0012
Fonte: Elaboração Própria

7
A hipótese nula, neste caso, é de estacionariedade
Os resultados apontam que somente a propensão média a consumir apresenta comportamento
estacionário em nı́vel, indicando raiz unitária para as demais. No entanto a partir da análise gráfica,
suspeitamos da presença de tendência determinı́stica nas séries de desemprego e taxa e juros, bem
como possibilidade de quebra na série de razão entre as rendas. Removendo a tendência pelo filtro

de Hodrick-Prescott (considerando o parâmetro do filtro λ = 1600) e executando novamente os

testes, verificamos estacionariedade para desemprego e juros.

Prosseguindo para variável de renda relativa, utilizamos o método de Zivot and Andrews (1992),
que propõem um teste com especificação próxima da utilizada em Perron (1989), onde o ponto de
quebra considerado na especificação dos modelos é determinado endogenamente, considerando a
hipótese da existência de apenas uma quebra estrutural. Com a utilização de regressões do teste
ADF, aumentadas pela especificação das dummies que permitem modelar as quebras nos termos
determinı́sticos. A hipótese nula é de que o processo segue um random walk com drift e sem quebra
contra a alternativa de estacionariedade com quebra. Os resultados identificam um ponto de quebra
significativo em (2009:02) com 99% de significância.

Tratando devidamente as séries de interesse, podemos seguir para seleção de defasagens do


modelo VAR. Os critérios AIC, BIC e HQC indicam que para as séries tratadas o modelo mais
adequado é o VAR(1). A estimacão se mostra robusta e estável, dado que as raı́zes inversas se
encontram dentro do cı́rculo unitário.
O modelo foi estimado utilizando a seguinte ordem: como variáveis endógenas Dif Y BR/U
t
S em

n´ıvel, RBR
t filtrada, UtBR filtrada e CBR
t em nı́vel. Além de incluir como variável exógena uma
dummy de quebra em nı́vel para Dif Yt BR/U S . Tal escolha foi feita em busca de funções impulso
resposta mais adequadas após a decomposição de Choleski. A função impulso resposta de interesse,
buscando investigar a resposta de CtBR a um choque em Dif Y tBR/US segue:
Figura 3: Impulso Resposta

A região sombrada representa o intervalo de confiança, o gráfico mostra que para um impulso
de um desvio padrão na variável de razão entre as rendas a propensão média de consumo no Brasil
tende a cair, conforme o esperado, por cerca de 5 perı́odos. Buscando verificar a robustez dos
resultados, alguns testes foram executados. O teste de Jarque-Bera tem como hipótese nula a

normalidade. Assim, se o p-valor for menor do que 5% , p < 0, 05, então rejeitamos a normalidade.

Já se p > 0, 05, aceita-se a normalidade. Já no teste de não autocorrelação de Hosking se os p-valores

forem for menores do que 5%, p < 0, 05, ent ao rejeitamos a hipótese nula de não autocorrelação

dos resı́duos, ou seja, se p > 0, 05, aceita-se a não autocorrelação. A hipótese de normalidade dos

resı́duos é desejável para construção dos intervalos de confiança mais ajustados aos dados, mas a
não normalidade não implica inviabilidade da análise. Porém, a hipótese de autocorrelação residual
já é um pouco mais problemática no que diz respeito as inferências de relação entre as variáveis.
Nos dados apresentados, não houve problema de autocorrelação serial, porém a não normalidade
dos resı́duos foi aceita em algumas equações.

6. Conclusões

O objetivo principal deste trabalho foi testar a existência de relação significativa entre a renda
relativa e propensão média a consumir. Inicialmente buscou-se investigar esta relação dentre di-
versos paı́ses, controlando os efeitos de variáveis como força de trabalho e taxa de juros que estão
diretamente relacionadas ao consumo médio das famı́lias. A partir dos resultados obtidos, parece
que para rendas cada vez maiores dos paı́ses, em relação aos Estados Unidos, existe uma tendência
a diminuição da propensão média a consumir, sendo provável que parte desta renda não gasta com
consumo flua para bens de capital. Vale ressaltar que o efeito do próprio consumo sobre a variação
de renda foi considerado na estimativa de impacto, já que tomamos o termo defasado como variável
explicativa, ressaltando a importância do hábito.
Em sequência, analisando dados trimestrais para economia brasileira foi estimado um modelo
vetorial que da suporte a análise anterior. Os resultados, após os devidos cuidados com problemas
de quebra e tendência, apontam que um choque positivo, de um desvio padrão, na variável razão
de rendas leva a uma queda da propensão média de consumo. Ou seja, uma aumento na diferença
proporcional entre rendas do Brasil para os Estados Unidos tende a reduzir a propensão média a
poupar de forma modesta por cerca de cinco trimestres e volta a cair novamente.

Logo, podemos concluir que aparentemente a hipótese levantada por Duesenberry(1949) sobre
o ”efeito demonstração”ainda apresenta alguma validade para dados recentes, tanto de forma geral
quanto no caso brasileiro, mas que os impactos da razão entre as rendas sobre a propensão média
a consumir seria pequeno.
Assim, quanto maior a distancia relativa das rendas, maior a queda na poupança e no investi-
mento. Logo, politicas de incentivo a poupança e gastos com investimentos são importantes para
cobrir o efeito demonstração. No caso Brasileiro, a situação parece um pouco mais branda do que no
geral, contudo as polı́ticas públicas governamentais também são fundamentais para ”compensar”as
perdas do efeito demonstração ao longo da última década.

7. Referências

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2006.
8. ANEXO A

Tabela 7: Pa´ıses Analisados.1


N. Paı́s N. Paı́s
1 Albania 26 Congo, Dem. Rep.
2 Algeria 27 Congo, Rep.
3 Angola 28 Cyprus
4 Argentina 29 Denmark
5 Australia 30 Dominican Republic
6 Bahamas 31 Ecuador
7 Bahrain 32 Egypt, Arab Rep.
8 Bangladesh 33 Fiji
9 Barbados 34 Finland
10 Belgium 35 France
11 Belize 36 Gabon
12 Bolivia 37 Gambia, The
13 Botswana 38 Greece
14 Brazil 39 Guatemala
15 Brunei Darussalam 40 Guinea
16 Bulgaria 41 Guyana
17 Burundi 42 Honduras
18 Cameroon 43 Hong Kong
19 Canada 44 Iceland
20 Central African Republic 45 India
21 Chad 46 Indonesia
22 Chile 47 Ireland
23 China 48 Israel
24 Colombia 49 Italy
25 Comoros 50 Jamaica
Tabela 8: Pa´ıses Analisados.2
N. Paı́s N. Paı́s
51 Japan 76 Peru
52 Jordan 77 Philippines
53 Kenya 78 Portugal
54 Korea, Rep. 79 Russian Federation
55 Kuwait 80 Rwanda
56 Lesotho 81 Sierra Leone
57 Luxembourg 82 Singapore
58 Macao SAR, China 83 Spain
59 Madagascar 84 Sri Lanka
60 Malawi 85 St. Lucia
61 Malaysia 86 St. Vincent and the Grenadines
62 Malta 87 Swaziland
63 Mauritania 88 Sweden
64 Mauritius 89 Switzerland
65 Mexico 90 Syrian Arab Republic
66 Mongolia 91 Thailand
67 Morocco 92 Tonga
68 Mozambique 93 Trinidad and Tobago
69 Namibia 94 Uganda
70 Nepal 95 United Kingdom
71 Netherlands 96 United States
72 New Zealand 97 Uruguay
73 Nigeria 98 Vanuatu
74 Norway 99 Venezuela, RB
75 Oman 100 Zimbabwe
9. ANEXO B

Figura 4: Total Impulsos Resposta


EIXO 11
Inovação e economia
criativa
O Impacto Econômico do Financiamento da Ciência no Brasil: um estudo
comparativo entre importação e produção de um bem de capital em
nanotecnologia
Celso Bissoli Sessa1
Márcia Siqueira Rapini2
Ado Jório de Vasconcelos3
Márcia Dias Diniz Costa4

RESUMO: Esse artigo apresenta uma análise sobre o impacto gerado na economia brasileira
pela nacionalização e comercialização de um determinado bem de capital para uso em pesquisas
científicas em nanociência e nanotecnologia. Tal impacto é calculado utilizando a Matriz de
Insumo-Produto Brasileira, considerando três cenários: (i) compra do equipamento importado;
(ii) compra do equipamento nacional, considerando montagem no Brasil a partir de
componentes importados e nacionais; e (iii) compra do equipamento nacional, considerando a
situação, fictícia no presente, em que todos os componentes do equipamento são produzidos no
Brasil. Demonstra-se que o impacto econômico da compra de equipamentos nacionais torna o
investimento em ciência superavitário, independentemente dos resultados científicos,
tecnológicos ou de inovação advindos das pesquisas a serem realizadas, e propõe-se a
nacionalização de bens de capital e insumos para pesquisa como modelo sustentável para
viabilizar economicamente o desenvolvimento científico e tecnológico nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Instrumentação Científica; Matriz de Insumo-Produto, Impacto
Econômico.

The Economic Impact of the Financing of Science in Brazil: a comparative


study between import and production of a nanotechnology equipment
ABSTRACT: This article presents an analysis about the economic impact in the Brazilian
economy by the nationalization and commercialization of a capital asset used in scientific
research in nanoscience and nanotechnology. This impact is calculated using the Brazilian
Input-Output Matrix, considering three scenarios: (i) purchase of imported equipment; (ii)
purchase of national equipment, considering assembly in Brazil from imported and domestic
components; and (iii) purchase of national equipment, considering the situation, fictitious at
present, in which all components of the equipment are produced in Brazil. It is demonstrated
that the economic impact of the purchase of national equipment makes a surplus to investment
in science, regardless of the scientific, technological or innovation results coming from the
researches to be carried out, and it proposes the nationalization of capital goods and research
inputs as sustainable model to economically make possible the national scientific and
technological development.
KEYWORDS: Scientific Instrumentation; Matrix Input-Output, Economic Impact.
JEL-CODES: C67, D57, O30.

1
Doutorando em Economia no CEDEPLAR/UFMG e professor Adjunto do Departamento de Economia da
Universidade Federal do Espírito Sando (UFES). E-mail: celso.bissoli@gmail.com
2
Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ e professora do Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional (CEDEPLAR) da UFMG. E-mail: msrapini@cedeplar.ufmg.br
3
Doutor em Física pela UFMG e professor Titular do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). E-mail: adojorio@gmail.com
4
Pesquisadora Tecnologista em Metrologia e Qualidade do INMETRO. E-mail: mdinizcosta@gmail.com
1. Introdução

As pesquisas científicas, dado o aumento da complexidade dos estudos em determinadas áreas,

requerem cada vez mais investimentos em infraestrutura tecnológica para aumentar a capacidade de se

observar e medir fenômenos naturais. Especificamente em relação às ciências experimentais, o acesso a

equipamentos de alta tecnologia é fundamental para o avanço do conhecimento, embora a pesquisa para

o desenvolvimento de tais equipamentos seja pouco considerada pelo meio científico brasileiro.

A ênfase dada ao papel da instrumentação científica no progresso do conhecimento variou ao

longo dos últimos 80 anos (SHINN, 2001). Neste período, os instrumentos científicos foram

classificados desde meros aparatos para comprovação de teorias até elementos fundamentais para o

nascimento de novas disciplinas. Ao tratar deste assunto, Shinn (2001) destaca que foi primeiramente

no campo da astronomia que houve a percepção da instrumentação como dando estrutura a um campo

científico.

Além de dar estrutura a um campo científico, a instrumentação pode ampliar o rol de aplicações

interdisciplinares de um efeito mensurável e, quando altamente difundida, pode modificar a estrutura de

organização do trabalho nas instituições. De um ponto de vista mais estratégico, a instrumentação pode

garantir o monopólio do conhecimento ao grupo que detém o acesso à tecnologia e, com isso,

proporcionar vantagens a profissionais e a instituições.

Porém, ao se considerar os custos e os riscos envolvidos nas atividades de pesquisa necessárias

para o desenvolvimento de instrumentos científicos, o papel desempenhado pelo Estado passa a ser

fundamental para criar as condições adequadas de estímulo à realização das atividades de pesquisa

científica. A literatura e as evidências empíricas reforçam a ideia de que elevados níveis de investimento

em ciência e tecnologia são essenciais para garantir o crescimento econômico no longo prazo.

Sob a perspectiva socioeconômica, o domínio do conhecimento de tecnologias de

instrumentação é condição básica para a competitividade científica e industrial do país. As necessidades

de investimento e de indução da pesquisa em ciência no Brasil, apesar dos avanços, ainda contrastam

com os modelos de industrialização historicamente adotados pelo país, que basicamente foram

estruturados sobre a importação maciça de tecnologia e que, em geral, inibiram o desenvolvimento de

soluções tecnológicas nacionais.


Neste trabalho, além de se apontar a relevância do tema, procura-se demonstrar, por meio de um

estudo de caso, que a estratégia de investimento governamental em estruturas para gerar instrumentação

de alta tecnologia pode gerar efeitos positivos sobre a economia brasileira, em oposição aos efeitos

diretos da importação de tecnologia. A mensuração do impacto econômico do investimento em

instrumentação será feita a partir da Matriz de Insumo-Produto do Brasil. Uma das principais

contribuições deste trabalho reside na identificação das distribuições, intensidades e transmissões dos

efeitos projetados no sistema produtivo.

2. A Instrumentação Científica e a Nanociência

A nanociência tem apresentado grande potencial para revolucionar a tecnologia de forma ampla,

da medicina à engenharia (ALVES, 2005; FERREIRA e ALBUQUERQUE, 2005). Os bens de capital

e de consumo para o avanço da nanociência ainda estão em fase de desenvolvimento no mundo e têm

valores muito elevados devido ao alto grau tecnológico agregado, ficando obsoletos com alguns anos de

uso devido à velocidade do desenvolvimento da nanotecnologia. Em muitos casos, são segredos de

estado, não chegando ao Brasil, ou chegando em suas versões menos avançadas. Porém, apesar disso, o

Brasil possui significativa formação de recursos humanos nessa área, formação fundamentada no

trabalho realizado com equipamentos e materiais de consumo majoritariamente importados. De acordo

com uma pesquisa realizada feita pela Sociedade Brasileira de Física (Tabela 1), a instrumentação

científica foi apontada como um dos principais gargalos a serem superados para que a Física brasileira

se torne mais competitiva.

Tabela 1 - Gargalos de infraestrutura de acordo com cada comunidade de Física


Gargalos
Instrumentação

Computação de
Multiusuários

Larga Escala
Laboratórios

Registro de

Programa

Programa
Nacionais

Científica

Espacial
Patentes

Comunidades de
Nuclear

Outros

Respostas
Física

Universidade 3.260 833 814 532 477 257 189 158


Colégio/Escola 864 212 199 121 144 78 84 26
Empresa 214 55 45 45 28 17 14 10
Instituto de Pesquisa 703 163 163 102 80 81 77 37
Outros 2.623 629 617 424 402 233 224 94
7.664 1.892 1.838 1.224 1.131 666 588 325
TOTAL
100% 24,68% 23,98% 15,97% 14,75% 8,68% 7,67% 4,24%
Fonte: SBF (2012).
No Brasil, toda a infraestrutura que tem sido montada para o desenvolvimento da nanociência

está fundamentada na importação destes bens de capital. Centros de microscopia eletrônica têm sido

estruturados em Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) abrangendo um parque de equipamentos

bastante custosos. Ao se adicionar a isto os custos de manutenção, esta soma ainda cresce, tanto do ponto

de vista financeiro quanto econômico, influenciada por fatores como o tempo ocioso do equipamento e

a dificuldade de acesso a assistência técnica estrangeira.

De acordo com o Gráfico 1, entre os anos de 2000 e 2016, o setor de microscopia eletrônica foi

constantemente deficitário, com as importações superando as exportações. Mesmo com a redução das

importações a partir de 2013, o déficit da balança comercial referente a estes produtos indica a

dependência tecnológica do país em relação aos produtos estrangeiros, de forma que o fornecimento de

tais produtos para atender a demanda de produção em nanotecnologia depende basicamente do aumento

das importações.

Gráfico 1 – Importação e Exportação de Produtos de Microscopia Eletrônica5 (milhões U$) – 2000 a 2016
40,0

30,0

20,0

10,0

0,0

-10,0

-20,0

-30,0

-40,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Saldo Comercial -2,13 -2,88 -3,68 -4,21 -3,81 -4,03 -15,08-15,27-16,05-17,77-18,04-27,71-32,88-34,52-23,42-16,06-12,69
Importação 2,13 2,90 3,78 4,21 3,81 4,04 15,09 15,28 16,06 17,78 18,04 28,08 33,21 34,53 23,49 16,09 12,72
Exportação 0,00 0,02 0,10 0,00 0,00 0,01 0,01 0,02 0,01 0,01 0,00 0,37 0,33 0,01 0,07 0,03 0,03

Fonte: SECEX/MDIC. Elaboração própria.

5
Os dados se referem aos códigos 9012.10.10 (Microscópios eletrônicos) e 9012.90.10 (Partes e acessórios de
microscópios eletrônicos), seguindo a Nomenclatura Comum do Mercosul.
Apesar de alguns avanços no desenvolvimento científico, o Brasil ainda se apresenta em

condição desfavorável quando em competição com países mais desenvolvidos, ampliando o espaço para

o questionamento dos atuais investimentos em nanociência no Brasil. Piketty (2014) defende que o

compromisso do progresso científico está atrelado à geração de bens intangíveis, razão pela qual estes

investimentos são historicamente frágeis, sofrendo cortes desestruturantes sempre que a economia

nacional passa por processos de contração6.

Um dos principais avanços na nanociência está atrelado ao desenvolvimento da Espectroscopia

Raman (RAMAN, 1928; RODRIGUES & GALZERANI, 2012), que é um método poderoso de análise

para caracterização química de compostos, vastamente utilizado em campos como a física, a química, a

ciência dos materiais e, mais recentemente, nos campos da biologia e da medicina (SCHRADER, 2008).

Suas aplicações atuais vão desde a ciência básica, na determinação de propriedades da matéria

condensada (CARDONA, 1983), até aplicações em estudos antropológicos de características do solo

(JORIO et al., 2012; RIBEIRO‐SOARES et al., 2013), protocolos de referência para análise da

composição de biodiesel (MIRANDA et al., 2014) e métodos diagnósticos diferenciais para doenças

(RYZHIKOVA et al., 2015).

Os avanços da nanociência nos últimos anos provocam uma demanda por desenvolvimentos

técnicos e de instrumentação na nanoescala (ZHANG et al., 2012). No caso da espectroscopia Raman,

há dois principais limitantes para sua aplicação em escala nanométrica. Um deles é o limite de difração,

que restringe a resolução óptica mínima a aproximadamente metade do comprimento de onda da luz

incidente, que é da ordem de centenas de nanômetros. Outro limitante é a baixa probabilidade de

ocorrência do efeito Raman em relação aos outros efeitos da interação luz-matéria. Apesar de específico

– e por isso uma poderosa técnica de caracterização – o efeito Raman é pouco provável e de baixa

eficiência.

6
Um exemplo específico, mas não limitante, é a pesquisa sobre grafeno, uma folha de átomos de carbono com
propriedades eletrônicas, mecânicas e térmicas únicas, importante objeto da ciência de nanoestruturas, que promete
modificações drásticas nas áreas tecnológicas, da engenharia à medicina (GEIM e NOVOSELOV, 2007;
NOVOSELOV, 2012). A Comunidade Europeia lançou, em 2010, com aporte da ordem de um bilhão de euros,
um projeto intitulado “Graphene Flagship”, focado no desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao grafeno.
No Brasil, o estado de Minas Gerais, através da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig),
investiu em 2016 cerca de 21,3 milhões de reais no projeto MGgrafeno, uma planta piloto para a produção de
grafeno a base de grafite mineral. O estado de São Paulo criou, em 2010, o centro MackGrafe, com um
investimento de R$ 26 milhões para o desenvolvimento de tecnologia a base de grafeno.
Em 2000 (STÖCKLE et al., 2000) foi relatado o primeiro experimento demonstrando o efeito

TERS (sigla em inglês para Tip-Enhanced Raman Spectroscopy, ou espectroscopia Raman auxiliada

por sonda), embora o desenvolvimento dos conceitos relacionados a técnica seja bem anterior

(NOVOTNY, 2007; YEO et al., 2009). O conceito teórico foi relatado em 1985 (WESSEL, 1985),

fundamentado em conceitos de campo próximo, introduzidos pela primeira vez em 1928 (SYNGE,

1928). Nos experimentos conduzidos, os autores incidiram uma fonte de laser monocromática,

usualmente utilizada em medidas do efeito Raman e, ao mesmo tempo, aproximaram da amostra uma

sonda metálica com ápice de dimensões nanométricas, similar às sondas utilizadas em técnicas já

conhecidas de microscopia de varredura por sonda (ou Scanning Probe Microscopy - SPM na sigla em

inglês). Os principais efeitos da aproximação da sonda são o aumento do sinal Raman devido à

ressonância plasmônica na sonda, e o aumento da resolução espacial por efeitos de campo próximo, que

é nesse caso limitada pela dimensão do ápice da ponta metálica. Dessa forma, a nova técnica passou a

permitir realizar experimentos de detecção do efeito Raman em nanoestruturas (HARTSCHUH et al.,

2003), com eficiência para medir a resposta espectral relacionada a um único átomo (MACIEL et al.,

2008).

A técnica TERS, portanto, é uma combinação de duas técnicas anteriormente conhecidas, que

permite caracterizar amostras por meio da obtenção de informação química e estrutural, como resultado

da realização simultânea da espectroscopia Raman e da microscopia de varredura por sonda. Ao longo

dos últimos 15 anos, houve a difusão principalmente acadêmica da técnica TERS, e uma série de

conferências internacionais no tema se iniciou no ano de 2009, no National Physical Laboratory (NPL)

no Reino Unido.

No âmbito do avanço do conhecimento teórico, pesquisas são direcionadas para a compreensão

dos fenômenos de ressonância plasmônica (CANÇADO et al., 2009) e a coerência espacial no regime

de campo próximo (BEAMS et al., 2014), ambas fundamentadas em conceitos fundamentais de simetria

(JORIO et al., 2017), cujo domínio tem possibilitado aperfeiçoamentos instrumentais, principalmente

nas técnicas de fabricação de sondas, o elemento chave da tecnologia.

Da perspectiva de mercado, empresas como NT-MDT, Horiba, Renishaw e RHK já

introduziram soluções comerciais, ainda pouco difundidas no mercado mundial, em parte devido à baixa
reprodutibilidade e confiabilidade das medições. A falta de reprodutibilidade em medidas em tais

equipamentos deve-se, em parte, à precariedade dos processos de reprodutibilidade na produção de

sondas de qualidade. A engenharia de produção de sondas é complexa, e é foco de pesquisas de fronteira.

Trata-se de um consumível com alto valor agregado e, por ser o “core” da tecnologia, crucial na obtenção

da resolução e do aumento do sinal Raman proporcionado pelo efeito TERS.

Conforme apontou Von Hippel (1998), as fontes de inovação de produtos estão em diferentes

ambientes e podem ser desempenhadas por diferentes atores, sejam eles profissionais da indústria de

manufatura, fornecedores de componentes, ou mesmo usuários finais. E isto varia conforme o tipo de

inovação. Para inovações em instrumentação científica, os maiores inovadores são os usuários, e não os

fabricantes. Inovadores, sob esta perspectiva, são definidos como indivíduos ou firmas que

primeiramente desenvolvem uma inovação até um estado útil, segundo uma prova documentada, qual

seja, a publicação de resultados em revistas científicas, a partir o equipamento melhorado. De acordo

com Rosenberg (1982) as novas técnicas de instrumentação, muitas vezes surgidas não

intencionalmente, e a difusão de suas aplicações em áreas diversas daquela em que foram originados,

são produtos da academia com forte impacto econômico. Tal impacto é muitas vezes subestimado e

raramente mensurado.

O Laboratório de Nanoespectroscopia – LabNS da UFMG foi criado em 2006 no Departamento

de Física, focado no desenvolvimento das técnicas de espectroscopia Raman e microscopia por

varredura de sonda. Contando com financiamento do CNPq, um dos coordenadores do LabNS foi

coordenador científico da Rede de Microscopia de Varredura por Sonda – Rede SPM Brasil, no período

de 2006 a 2011, com o objetivo de incentivar desenvolvimentos em instrumentação em SPM. Como

produto deste projeto, um equipamento para realizar TERS foi construído no LabNS/UFMG. Com este

resultado, uma nova rede foi financiada pelo CNPq e também coordenada pelo coordenador do LabNS,

a Rede Brasileira de Pesquisa e Instrumentação em Nanoespectroscopia Óptica, com duração de 2012 a

2016, projeto com financiamento recentemente renovado. Por meio deste projeto, o LabNS conduziu a

replicação do protótipo laboratorial do equipamento para TERS em duas outras instituições de pesquisa

do Brasil: o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro, e a Universidade

Federal do Ceará – UFC, instituições pertencentes à rede e com recursos humanos capacitados para
conduzir e dar continuidade às pesquisas em TERS. As principais informações sobre o financiamento

das atividades do grupo estão na tabela 2.

Tabela 2 – Financiamento das Atividades do LabNS – 2002 a 2017


Ano Recursos Fonte Descrição
2002 30.350,00 PRPq/UFMG Equipamentos/consumo
2003 12.432,00 Fapemig Equipamentos/consumo
2004 16.000,00 CNPq Equipamentos/consumo
2005 9.109,00 Fapemig Equipamentos/consumo
45.000,00 CNPq Equipamentos/consumo
25.000,00 Capes/DAAD Custeio
2006
117.066,00 Instituto do Milênio Compra do 1º RHK
174.814,06 Rede SPM Brasil Equipamentos/consumo
2008 246.194,00 Rede Nanotubos Equipamentos/consumo
150.000,00 AFOSR/USA Equipamentos/consumo
2009 122.000,00 INCT Nanocarbono Compra do 2º RHK
200.000,00 CNPq/MCT Equipamentos/consumo
144.600,00 Pronex/Fapemig Equipamentos/consumo
2010
6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
2011 1.347.854,50 CNPq/MCT Equipamentos/consumo e Bolsa de produtividade
2.000,00 i-Vision Equipamentos (doação de câmera para o TERS)
2012
6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
2.167.000,00 Finep Equipamentos/consumo
2013
6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
611.000,00 CNPq/MCT Equipamentos/consumo e Bolsa de produtividade
2014
104.000,00 CNPq e Capes Organização de evento (TERS 4)
6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
2015 1.000,00 Governo Suíço Divulgação Tecnológica
4.932,00 IBM Research Brasil Recursos humanos
200.000,00 USArmy Research Lab Equipamentos/consumo
6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
2016
7.700,00 Governo Suíço Divulgação Tecnológica
6.125,00 IBM Research Brasil Recursos humanos
2017 6.000,00 CNPq/MCT Bolsa de produtividade
TOTAL 5.780.176,56
Fonte: LabNS. Elaboração própria.
A especialização adquirida pela equipe de pesquisadores do LabNS deve-se, em grande

proporção, a avanços conquistados na automatização de processos, na concepção e produção de sondas

de alta qualidade, por meio de diferentes métodos de fabricação, bem como à compreensão teórica do

efeito TERS. Este fato, aliado à extensa colaboração internacional com grupos de especialistas,

construiu autoridade científica e reputação do grupo, refletidos nas publicações científicas e pedidos de

patente por seus pesquisadores (CANO-MARQUEZ et al., 2015; VASCONCELOS et al., 2015; PI

1105968-0; PI 1105972-9; PI 1107185-0; BR 1020120269732; BR 1020120333040;

BR1020150103522 e PCT/IB2016/052610; BR1020160291267; PCT/IB2016/057583 e

PCT/IB2016/057583). Em termos de recursos humanos, o projeto envolveu, até o momento, 11 alunos

de iniciação científica, 4 de mestrado, 7 de doutorado, 5 de pós-doutorado e 1 sênior (externo),

resultando em 10 patentes nacionais e 5 internacionais.


3. Metodologia: a Matriz de Insumo-Produto

Esta seção abordará a teoria de insumo-produto, desenvolvida inicialmente por Wassily

Leontief, com vistas a servir de base metodológica para o estudo de impacto econômico realizado.

Elaborada a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais, a matriz de insumo-produto (MIP)

apresenta o fluxo de bens e serviços entre os setores da economia, sendo um quadro de dupla entrada

que registra, por um lado, os insumos utilizados pelas diversas atividades econômicas e, por outro, o

destino da produção, demonstrando as relações de interdependência entre os setores e permitindo avaliar

os impactos de variações na demanda final dos produtos (KURESKI, NUÑEZ e RODRIGUES, 2007).

O modelo de insumo-produto faz uso dos diversos fluxos entre as distintas atividades

econômicas, tendo como base as informações necessárias para descrever as relações entre si e com a

demanda final a formação bruta de capital fixo (𝐼), exportações (𝑋), variação de estoques (𝑉𝐸),

consumo do governo (𝐺) e consumo pessoal (𝐶𝐹), sua conta de renda e as importações (𝑀). Para

Leontief (1964), o ponto central da análise de insumo produto é a ideia segundo a qual há uma relação

fundamental entre o volume de produto de uma indústria e a quantidade de insumo que a mesma absorve.

Para o modelo são adotadas duas hipóteses, resumidas por Guilhoto (2011): a) homogeneidade, não se

considera diferenciação de produtos, havendo razão fixa de insumos (tecnologias fixas no processo

produtivo), com rendimento constante de escala (apenas uma tecnologia é empregada na produção de

um produto); e b) proporcionalidade, os insumos consumidos em cada atividade são função somente do

nível de produção da respectiva atividade.

O modelo de Insumo-Produto, representado na Figura 1, é dividido em setores (1, 2, … , 𝑛),

obtendo para cada um deles a demanda intermediária ∑ 𝑥 , a demanda final (𝑌 ) e o valor bruto da

produção (𝑋 ). A diferença entre o valor bruto da produção e o consumo intermediário resulta no valor

adicionado, que é usado como a remuneração dos fatores de produção como salários, aluguéis, lucros e

juros (KURESKI, NUÑEZ e RODRIGUES, 2007).


Figura 1 – Fluxo de bens por setores de origem e destino
DEMANDA INTERMEDIÁRIA Total da
Valor Bruto da
ATIVIDADES Setor 1 Setor 2 ⋯ Setor 𝑛 Demanda
Produção
Final
Setor 1 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
Setor 2 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮ ⋮
Setor 𝑛 𝑥 𝑥 ⋯ 𝑥 𝑌 𝑋
Valor Adicionado 𝑍 𝑍 ⋯ 𝑍
Valor Bruto da Produção 𝑋 𝑋 ⋯ 𝑋
Fonte: Kureski, Nuñes e Rodrigues (2007)
Os coeficientes técnicos 7 são conceituados como as necessidades diretas de insumos dos

diversos setores, ou pelas relações intra e interindustriais diretas, calculadas pela seguinte fórmula:
𝒙𝒊𝒋
𝒂𝒊𝒋 = (1)
𝑿𝒋
Onde:
𝒂𝒊𝒋 = coeficiente técnico;
𝒙𝒊𝒋 = consumo intermediário;
𝑿𝒋 = valor da produção.
Dessa forma, com o aumento da demanda final, ocorrem impactos diretos e indiretos de um

aumento unitário da produção da atividade 𝑗 sobre a produção 𝑖. Assim, o valor bruto da produção 𝑋 é

dado por:

𝑿𝟏 = 𝒙𝟏𝟏 + 𝒙𝟏𝟐 + ⋯ + 𝒙𝟏𝒏 + 𝒀𝟏


𝑿𝟐 = 𝒙𝟐𝟏 + 𝒙𝟐𝟐 + ⋯ + 𝒙𝟐𝒏 + 𝒀𝟐
⋮ (2)
𝑿𝒏 = 𝒙𝒏𝟏 + 𝒙𝒏𝟐 + ⋯ + 𝒙𝒏𝒏 + 𝒀𝒏
Isolando-se o valor do insumo da fórmula (1), tem-se:

𝒙𝒊𝒋 = 𝒂𝒊𝒋 𝑿𝒋 (3)


Substituindo a equação (3) na equação (2), obtém-se:

𝑿𝟏 = 𝒂𝟏𝟏 𝑿𝟏 + 𝒂𝟏𝟐 𝑿𝟐 + ⋯ + 𝒂𝟏𝒏 𝑿𝒏 + 𝒀𝟏


𝑿𝟐 = 𝒂𝟐𝟏 𝑿𝟏 + 𝒂𝟐𝟐 𝑿𝟐 + ⋯ + 𝒂𝟐𝒏 𝑿𝒏 + 𝒀𝟐 (4)

𝑿𝒏 = 𝒂𝒏𝟏 𝑿𝟏 + 𝒂𝒏𝟐 𝑿𝟐 + ⋯ + 𝒂𝒏𝒏 𝑿𝒏 + 𝒀𝒏
Em forma matricial, a equação (4) pode ser escrita assim:

𝑿 = 𝑨𝑿 + 𝒀 (5)
Onde:
𝑿 = vetor-coluna do valor bruto da produção;
𝑨 = matriz dos coeficientes técnicos;
𝒀 = vetor-coluna do valor da demanda final.

7
Esses coeficientes refletem a estrutura da economia e não apresentam mudanças significativas a curto e médio
prazos, o que os tornam importantes indicadores para previsões (LOPES e VASCONCELLOS, 2009).
Isolando-se 𝑌 na equação (4), obtém-se:

(𝟏 − 𝒂𝟏𝟏 )𝑿𝟏 − 𝒂𝟏𝟐 𝑿𝟐 − ⋯ − 𝒂𝟏𝒏 𝑿𝒏 = 𝒀𝟏


−𝒂𝟐𝟏 𝑿𝟏 + (𝟏 − 𝒂𝟐𝟐 )𝑿𝟐 − ⋯ − 𝒂𝟐𝒏 𝑿𝒏 = 𝒀𝟐 (6)

−𝒂𝟑𝟏 𝑿𝟏 − 𝒂𝟑𝟐 𝑿𝟐 − ⋯ + (𝟏 − 𝒂𝒏𝒏 )𝑿𝒏 = 𝒀𝒏
E na forma de matriz, a equação (6) pode ser representada por:

(𝑰 − 𝑨)𝑿 = 𝒀 (7)
Em que:
𝑰 = matriz identidade;
𝑨 = matriz dos coeficientes técnicos;
𝑿 = vetor-coluna do valor bruto da produção;
𝒀 = vetor-coluna do valor da demanda final.
Para a determinação dos efeitos diretos e indiretos resultantes do aumento de uma unidade monetária na

demanda final (𝑌), é necessário isolar o valor bruto da produção na equação (7), assim:

𝟏 (8)
𝑿 = (𝑰 − 𝑨) 𝒀
Onde:
𝑿 = valor bruto da produção;
(𝑰 − 𝑨) 𝟏 = matriz de Leontief;
𝒀 = demanda final.
Para avaliar os reais impactos sobre a economia determinados pela matriz insumo-produto é

necessário identificar e quantificar os efeitos multiplicadores de impacto setorial de cada atividade

econômica. Os dois multiplicadores principais são: (1) multiplicador direto: mede o impacto de um

aumento unitário da demanda final de uma determinada atividade sobre uma variável de renda,

considerando apenas as atividades que fornecem insumos diretamente a esta atividade; (2) multiplicador

total (direto mais indireto): mede o impacto de um aumento unitário da demanda final de uma

determinada atividade sobre uma variável de renda, considerando todas as atividades que fornecem

insumos, direta e indiretamente a essa atividade. Ao se aplicar um valor de choque pertinente à alteração

das demandas, observa-se o impacto causado pelos efeitos multiplicadores dos setores.

Para este trabalho foi utilizada a matriz Insumo-Produto do Brasil de 2013, que é dividida em

68 setores e 128 produtos. A matriz foi construída a partir de dados das Contas Nacionais segundo a

metodologia apresentada por Guilhoto e Sesso Filho (2005, 2010). No Gráfico 3 são apresentados os

multiplicadores de impacto dos setores da matriz.


Gráfico 3 - Multiplicadores Totais de Impacto dos Setores da MIP

Serviços domésticos 1,0000


Atividades imobiliárias 1,1097
Atividades de vigilância, segurança e investigação 1,2449
Educação pública 1,2819
Produção florestal; pesca e aquicultura 1,3829
Administração pública, defesa e seguridade social 1,3979
Desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação 1,4157
Aluguéis não-imobiliários e gestão de ativos de propriedade… 1,4161
Outras atividades administrativas e serviços complementares 1,4284
Extração de petróleo e gás, inclusive as atividades de apoio 1,4413
Educação privada 1,4420
Atividades jurídicas, contábeis, consultoria e sedes de empresas 1,4421
Saúde pública 1,4578
Extração de minério de ferro, inclusive beneficiamentos e a… 1,4578
Serviços de arquitetura, engenharia, testes/análises técnicas e… 1,4761
Comércio por atacado e a varejo, exceto veículos automotores 1,5255
Água, esgoto e gestão de resíduos 1,5389
Saúde privada 1,5442
Intermediação financeira, seguros e previdência complementar 1,5446
Comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas 1,5579
Armazenamento, atividades auxiliares dos transportes e correio 1,5732
Atividades artísticas, criativas e de espetáculos 1,5925
Alojamento 1,6241
Agricultura, inclusive o apoio à agricultura e a pós-colheita 1,6334
Organizações associativas e outros serviços pessoais 1,6720
Transporte aéreo 1,6806
Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos 1,7621
Atividades de televisão, rádio, cinema e gravação/edição de… 1,7631
Pecuária, inclusive o apoio à pecuária 1,7717
Manutenção, reparação e instalação de máquinas e… 1,7810
Alimentação 1,7908
Extração de carvão mineral e de minerais não-metálicos 1,8129
Fabricação de equipamentos de informática, produtos… 1,8144
Impressão e reprodução de gravações 1,8148
Fabricação de móveis e de produtos de indústrias diversas 1,8169
Edição e edição integrada à impressão 1,8382
Construção 1,8401
Telecomunicações 1,8443
Confecção de artefatos do vestuário e acessórios 1,8551
Transporte aquaviário 1,8678
Fabricação de produtos da madeira 1,8902
Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto… 1,9198
Transporte terrestre 1,9707
Fabricação de máquinas e equipamentos mecânicos 1,9708
Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e… 1,9788
Fabricação de calçados e de artefatos de couro 1,9902
Fabricação de produtos do fumo 1,9960
Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 2,0176
Fabricação de produtos têxteis 2,0254
Outras atividades profissionais, científicas e técnicas 2,0335
Fabricação de defensivos, desinfestantes, tintas e químicos… 2,0375
Fabricação de produtos de borracha e de material plástico 2,0491
Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos 2,0578
Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores 2,0589
Fabricação de bebidas 2,0844
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 2,0870
Energia elétrica, gás natural e outras utilidades 2,0933
Fabricação de químicos orgânicos e inorgânicos, resinas e… 2,0992
Produção de ferro-gusa/ferroligas, siderurgia e tubos de aço… 2,1099
Fabricação de produtos de limpeza, cosméticos/perfumaria e… 2,1342
Fabricação de automóveis, caminhões e ônibus, exceto peças 2,1798
Metalurgia de metais não-ferosos e a fundição de metais 2,2305
Extração de minerais metálicos não-ferrosos, inclusive… 2,2433
Outros produtos alimentares 2,2716
Fabricação de biocombustíveis 2,3073
Fabricação e refino de açúcar 2,3412
Abate e produtos de carne, inclusive os produtos do laticínio… 2,4559
Refino de petróleo e coquerias 2,4598
0,0000 0,5000 1,0000 1,5000 2,0000 2,5000 3,0000

Fonte: MIP
4. Estudo do Impacto Econômico e a Nacionalização

4.1 A Base de Dados

A base de dados utilizada para as simulações se refere às informações dos investimentos

necessários para a operação da spinoff FabNS no mercado brasileiro pela comercialização de 13

equipamentos TERS durante seus primeiros cinco anos. Para tanto, calculou-se qual seria o gasto ou

desembolso total da empresa para este montante de produção, segundo os elementos de despesa do

quadro 1, contabilizando também um equipamento permanente da empresa designado para o

desenvolvimento. Este cálculo é uma extrapolação do orçamento inicial do modelo de negócios. O

modelo parte da produção e entrega sob demanda, onde a receita de uma venda é utilizada para a

produção do equipamento seguinte. Para os cálculos da presente análise, já se considera os gastos com

a produção e venda do total dos 13 equipamentos no período de cinco anos.

Quadro 1 – Total de desembolsos por elemento de despesa para cinco anos de operação da spinoff
Elemento de Despesa Desembolso (R$)
Material de consumo em geral 16.800,00
Componentes internacionais para a montagem de 13 TERS 3.593.060,12
Impostos (despesas de internação) de componentes importados para a montagem de 13 TERS 1.827.347,47
Componentes nacionais para a montagem de 13 TERS 1.069.097,25
Salários de equipe própria 869.352,00
Viagens e Diárias 288.668,19
Serviços de terceiros/consultorias/testes 103.852.84
Obras e instalações 32.503.74
Softwares 39.036,00
Máquinas e equipamentos nacionais
Componentes nacionais TERS de desenvolvimento 82.239,25
Demais 69.716,21
Máquinas e equipamentos importados
Componentes importados TERS de desenvolvimento 276.389,24
Demais 24.071,51
Despesas operacionais e administrativas 529.365,08
TOTAL 8.685.142,32
Fonte: Elaboração própria.
4.2 Estimativas de Impacto e Análise de Cenários

As estimativas de impacto foram realizadas no sentido de avaliar a diferença de impacto na

economia entre confeccionar o produto a partir de componentes adquiridos no mercado nacional, ou

internacional, ou ambos. Para tanto, desenhou-se três cenários:

Cenário 1: venda do produto a partir de componentes importados

Cenário 2: venda do produto a partir de componentes nacionais e importados

Cenário 3: venda do produto a partir de componentes nacionais


Quadro 2 – Detalhamento dos impactos totais nos 3 cenários
Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
Setores
Choque Impacto Choque Impacto Choque Impacto
1 Agricultura, inclusive o apoio à agricultura e a pós-colheita 0,000 0,015 0,000 0,017 0,000 0,021
2 Pecuária, inclusive o apoio à pecuária 0,000 0,006 0,000 0,006 0,000 0,005
3 Produção florestal; pesca e aquicultura 0,000 0,002 0,000 0,005 0,000 0,009
4 Extração de carvão mineral e de minerais não-metálicos 0,000 0,002 0,000 0,003 0,000 0,004
5 Extração de petróleo e gás, inclusive as atividades de apoio 0,000 0,020 0,000 0,043 0,000 0,070
6 Extração de minério de ferro, inclusive beneficiamentos e a aglomeração 0,000 0,001 0,000 0,003 0,000 0,005
7 Extração de minerais metálicos não-ferrosos, inclusive beneficiamentos 0,000 0,001 0,000 0,002 0,000 0,005
8 Abate e produtos de carne, inclusive os produtos do laticínio e da pesca 0,000 0,012 0,000 0,010 0,000 0,006
9 Fabricação e refino de açúcar 0,000 0,003 0,000 0,004 0,000 0,005
10 Outros produtos alimentares 0,000 0,011 0,000 0,011 0,000 0,012
11 Fabricação de bebidas 0,000 0,006 0,000 0,007 0,000 0,005
12 Fabricação de produtos do fumo 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
13 Fabricação de produtos têxteis 0,000 0,002 0,000 0,005 0,000 0,006
14 Confecção de artefatos do vestuário e acessórios 0,000 0,003 0,000 0,004 0,000 0,004
15 Fabricação de calçados e de artefatos de couro 0,000 0,000 0,000 0,001 0,000 0,001
16 Fabricação de produtos da madeira 0,000 0,002 0,000 0,011 0,000 0,013
17 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 0,000 0,010 0,000 0,043 0,000 0,111
18 Impressão e reprodução de gravações 0,000 0,011 0,000 0,059 0,000 0,079
19 Refino de petróleo e coquerias 0,000 0,034 0,000 0,079 0,000 0,144
20 Fabricação de biocombustíveis 0,000 0,003 0,000 0,004 0,000 0,005
21 Fabricação de químicos orgânicos e inorgânicos, resinas e elastômeros 0,000 0,008 0,000 0,026 0,000 0,061
22 Fabricação de defensivos, desinfestantes, tintas e químicos diversos 0,000 0,006 0,000 0,018 0,000 0,041
23 Fabricação de produtos de limpeza, cosméticos/perfumaria e higiene pessoal 0,000 0,002 0,000 0,005 0,000 0,008
24 Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos 0,000 0,002 0,000 0,002 0,000 0,003
25 Fabricação de produtos de borracha e de material plástico 0,000 0,008 0,000 0,043 0,000 0,127
26 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 0,000 0,011 0,000 0,012 0,000 0,011
27 Produção de ferro-gusa/ferroligas, siderurgia e tubos de aço sem costura 0,000 0,008 0,000 0,021 0,000 0,038
28 Metalurgia de metais não-ferosos e a fundição de metais 0,000 0,003 0,000 0,015 0,000 0,035
29 Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos 0,000 0,011 0,016 0,046 0,000 0,075
30 Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos 0,000 0,006 1,141 1,371 5,011 5,979
31 Fabricação de máquinas e equipamentos elétricos 0,000 0,005 0,016 0,052 0,016 0,138
32 Fabricação de máquinas e equipamentos mecânicos 0,000 0,004 0,000 0,011 0,000 0,024
33 Fabricação de automóveis, caminhões e ônibus, exceto peças 0,000 0,001 0,000 0,001 0,000 0,004
34 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores 0,000 0,006 0,000 0,008 0,000 0,015
35 Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores 0,000 0,002 0,000 0,002 0,000 0,003
36 Fabricação de móveis e de produtos de indústrias diversas 0,000 0,003 0,056 0,064 0,056 0,070
37 Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos 0,000 0,012 0,006 0,032 0,006 0,045
38 Energia elétrica, gás natural e outras utilidades 0,000 0,050 0,063 0,152 0,063 0,164
39 Água, esgoto e gestão de resíduos 0,000 0,051 0,017 0,052 0,017 0,035
40 Construção 0,000 0,080 0,000 0,057 0,000 0,028
41 Comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas 0,000 0,012 0,000 0,017 0,000 0,035
42 Comércio por atacado e a varejo, exceto veículos automotores 0,000 0,068 0,000 0,291 0,000 0,796
43 Transporte terrestre 0,000 0,040 0,000 0,101 0,000 0,245
44 Transporte aquaviário 0,000 0,001 0,000 0,005 0,000 0,014
45 Transporte aéreo 0,000 0,009 0,122 0,142 0,122 0,156
46 Armazenamento, atividades auxiliares dos transportes e correio 0,000 0,027 0,000 0,057 0,000 0,108
47 Alojamento 0,000 0,007 0,075 0,084 0,075 0,088
48 Alimentação 0,000 0,045 0,000 0,036 0,000 0,018
49 Edição e edição integrada à impressão 0,000 0,005 0,002 0,032 0,002 0,034
50 Atividades de televisão, rádio, cinema e gravação/edição de som e imagem 0,000 0,014 0,000 0,389 0,000 0,422
51 Telecomunicações 0,000 0,039 0,017 0,096 0,017 0,134
52 Desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação 0,000 0,059 0,042 0,141 0,042 0,138
53 Intermediação financeira, seguros e previdência complementar 0,000 0,270 0,000 0,238 0,000 0,231
54 Atividades imobiliárias 0,000 0,021 0,084 0,131 0,084 0,155
55 Atividades jurídicas, contábeis, consultoria e sedes de empresas 0,000 0,046 0,034 0,159 0,034 0,312
56 Serviços de arquitetura, engenharia, testes/análises técnicas e P & D 0,000 0,029 0,003 0,039 0,003 0,074
57 Outras atividades profissionais, científicas e técnicas 0,000 0,034 0,894 0,986 0,894 1,065
58 Aluguéis não-imobiliários e gestão de ativos de propriedade intelectual 0,000 0,017 0,010 0,046 0,010 0,065
59 Outras atividades administrativas e serviços complementares 0,000 0,126 0,000 0,131 0,000 0,143
60 Atividades de vigilância, segurança e investigação 0,000 0,037 0,000 0,034 0,000 0,031
61 Administração pública, defesa e seguridade social 3,412 3,422 1,827 1,848 0,000 0,035
62 Educação pública 0,000 0,001 0,000 0,001 0,000 0,003
63 Educação privada 0,000 0,006 0,000 0,012 0,000 0,014
64 Saúde pública 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
65 Saúde privada 0,000 0,001 0,000 0,001 0,000 0,000
66 Atividades artísticas, criativas e de espetáculos 0,000 0,004 0,000 0,019 0,000 0,022
67 Organizações associativas e outros serviços pessoais 0,000 0,007 0,000 0,020 0,000 0,041
68 Serviços domésticos 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
TOTAL 3,412 4,770 4,424 7,357 6,450 11,792
Fonte: Elaboração própria a partir da MIP.
Os Cenários 1 e 2 representam situações factíveis, cuja escolha se daria a partir do

direcionamento estratégico da spinoff. O Cenário 1, entretanto, não seria o foco deste estudo, nem

tampouco a missão da empresa, uma vez que o argumento proposto neste artigo é a nacionalização na

geração de instrumentação científica; sua hipótese é utilizada para comparação. O Cenário 2 é o mais
provável e o que reflete a realidade atual do projeto. Já o Cenário 3 é hipotético, uma vez que

determinados padrões de qualidade e confiabilidade ainda não podem ser garantidos atualmente pela

spinoff a partir somente de componentes nacionais. Entretanto, este último cenário é particularmente

relevante para a discussão de que a demanda a partir da operação da empresa poder fomentar o

desenvolvimento, no mercado local, de fornecedores especializados.

Por meio da MIP foram calculados os choques nos setores pertinentes, provocados pela

alteração das demandas. O Quadro 2 apresenta o detalhamento dos impactos totais nos três cenários em

termos de valor bruto da produção8.

A Tabela 4 mostra o resumo dos resultados obtidos e contém a descrição dos cenários, do choque

aplicado, do impacto gerado e do multiplicador geral resultado da matriz.

Tabela 4 – Resultados da aplicação da MIP na estimativa de impacto econômico da spinoff


Produção (R$)
Cenários Descrição
Choque Impacto Multiplicador Geral
Todos os equipamentos são importados, a um
preço unitário médio de R$ 1.749.719,16, sendo
o choque na economia causado apenas pela
Cenário 1 3.411.952,36 4.769.548,56 1,398
arrecadação de impostos (aquisição pela
universidade com alíquota de 15% do imposto
de importação).
A FabNS está em operação produzindo os
Cenário 2 TERS, importando apenas parte dos 4.407.508,24 7.357.160,58 1,669
componentes dos equipamentos.
A FabNS está em operação e a importação dos
componentes é substituída pela produção
Cenário 3 nacional, ou seja, substituição de importação via 6.449.610,13 11.791.593,35 1,828
desenvolvimento de capacidade tecnológica
nacional.
Fonte: Elaboração própria a partir da MIP.
No Cenário 1, o choque de R$ 3,4 milhões está relacionado ao pagamento de impostos com a

importação dos equipamentos, sendo o choque aplicado ao setor “Administração pública, defesa e

seguridade social”. O impacto gerado seria de R$ 4,7 milhões na economia, o que representa um fator

multiplicador de 1,398. Apesar da importação de todos os componentes, este cenário movimentaria,

ainda que pouco, a economia. No Cenário 2, o choque é aplicado em 17 setores da economia, com valor

de R$ 4,4 milhões, o que causaria um impacto de R$ 7,3 milhões. O fator multiplicador geral neste caso

é de 1,668. No Cenário 3, onde todos os componentes seriam adquiridos nacionalmente para a

montagem, produção e venda do equipamento, o choque é de R$ 6,4 milhões em 16 setores da economia.

8
Valor bruto da produção representa toda a receita bruta gerada na economia, ou seja, compreende a totalidade
das transferências realizadas mais as vendas efetuadas mais as variações dos estoques.
Neste caso, exclui-se o setor impactado pelos impostos de importação (“Administração pública, defesa

e seguridade social”), em relação ao Cenário 2. O choque para o Cenário 3 causa um impacto de R$

11,8 milhões na economia, com fator multiplicador geral de 1,828.

Destaca-se que nesta análise preliminar, para todos os cenários, consideraram-se apenas os

investimentos ou desembolsos a serem realizados para a produção dos equipamentos e não as receitas

advindas da atividade. Portanto, as projeções mostradas podem ser consideradas como um limite inferior

dos impactos totais9. Os setores impactados em cada um dos cenários podem ser observados no quadro

2. Cabe ressaltar que o crescimento dos diversos setores, apesar da ausência de investimento direto,

demonstra a interdependência entre os setores como preconizado por Leontief.

5. Considerações Finais

O cenário do desenvolvimento científico brasileiro, no qual a pesquisa acadêmica foi instalada

tardiamente e com base produtiva dominada, em setores-chave, por multinacionais, levou a um quadro

de baixa inovação para o tamanho da economia brasileira. A compra de equipamentos científicos de alta

tecnologia para a pesquisa acadêmica no Brasil é realizada, na maioria das vezes, por meio de

financiamento de órgãos de fomento através de aquisição internacional. A participação do Estado no

apoio à inovação não é apenas desejável, é condição sine qua non para o desenvolvimento rumo à

sociedade do conhecimento.

No caso analisado neste artigo, demonstrou-se que a criação de uma spinoff para a venda de 13

equipamentos para TERS, para o segmento de clientes do mercado acadêmico, causaria um impacto de

aproximadamente R$ 7,3 milhões (Cenário 2), mesmo com parte dos componentes importados. Em

comparação à importação total do equipamento, o Cenário 2 é mais favorável que o Cenário 1, ou seja,

produzir os equipamentos no país movimenta mais a economia que importá-los, mesmo que o valor dos

impostos seja elevado.

9
As projeções de um modelo de insumo-produto já são sobrevalorizadas em razão dos preços serem rígidos e,
portanto, não captar efeitos de substituição entre os insumos. Como se trata de um modelo de equações lineares
em um ambiente econômico com hipóteses de retornos constantes de escala e oferta ilimitada de insumos, os
cenários elaborados apresentam resultados proporcionais e similares em termos de estrutura, apenas com
modificações nos valores das variações projetadas.
Os resultados obtidos com a análise da aplicação da MIP ao estudo de caso da criação de spinoff

para a venda de equipamentos TERS indicam que o investimento em empresas de base tecnológica de

instrumentação a partir do conhecimento gerado na universidade é de relevante impacto econômico e

deveria ser foco de políticas públicas específicas no país. O argumento se fortalece quando se considera

os outros transbordamentos possíveis com a produção nacional: formação de recursos humanos

especializados, fomento à criação de fornecedores de componentes de alto valor agregado, fluxo de

conhecimento entre os atores da cadeia de valor e soberania científica e industrial.

Ao integrar atores (academia, governo, indústria) e grandes áreas do conhecimento (ciência,

engenharia, metrologia, economia), o campo da instrumentação pode assumir um protagonismo na

agenda da inovação tecnológica de um país, como é o caso da Alemanha e dos Estados Unidos. Sob a

perspectiva socioeconômica, deter o conhecimento de tecnologias de instrumentação é sinônimo de

soberania e competitividade científica e industrial para um país. Neste trabalho, além de apontar a

relevância do tema, demonstrou-se que o investimento governamental em estruturas para gerar

instrumentação de alta tecnologia pode ser superavitário. Em adição à perspectiva econômica, os

transbordamentos do investimento chegariam também à formação de recursos humanos, construção de

uma indústria forte de fornecedores especializados, fluxo de informação, conhecimento e aprendizado

entre setores diretamente envolvidos, para citar alguns. Apesar de não ser medido diretamente, esses

elementos reforçam uma função importante da universidade, pois é dela o papel essencial, e

praticamente exclusivo, de treinamento de mão-de-obra qualificada, principalmente de cientistas e

engenheiros que serão absorvidos pelas firmas. O desempenho da spinoff, dentro do sentido de eficiência

schumpeteriana, passa a ser explicado, em primeiro lugar, pelos recursos que possui e, em segundo, pelo

conhecimento e capacitações que foram acumulados e que estão incorporados em seus ativos e em suas

rotinas, principalmente as dinâmicas.

A ideia do negócio na universidade se beneficia por terem acesso a novos conhecimentos e ao

avanço científico, talvez abrindo novas oportunidades a serem exploradas, principalmente por meio de

uma atividade de pesquisa continuada. Em segundo, por ter acesso aos laboratórios e equipamentos das

universidades, além de acesso a recursos humanos altamente qualificados, inclusive para identificação

de alunos para recrutamento futuro. As universidades, por outro lado, adquirem maior competência ao
conhecer os problemas reais, conhecendo a realidade empresarial e os problemas existentes e, assim,

obtendo novas informações para suas atividades de ensino, incorporando novas informações nos

processos de ensino e pesquisa, principalmente para a pós-graduação. Além disso, a interação com

empresas abre a possibilidade para geração de rendas adicionais para os pesquisadores universitários e

para os centros de pesquisa, permitindo, inclusive, a expansão das expectativas profissionais dos

pesquisadores individuais.

Esse estudo mostra que, com a nacionalização da produção de bens de consumo ou capital, é

possível amenizar o processo de dependência tecnológica. Através da estruturação de um setor industrial

voltado para a produção de bens de capital e consumo, e políticas públicas voltadas ao estímulo à criação

de empresas nacionais de alta tecnologia, o investimento em ciência torna-se superavitário,

independentemente dos resultados científicos, tecnológicos ou de inovação advindos da pesquisa

relacionada. Defende-se, ainda, que esta é uma transformação necessária no ambiente de inovação

brasileiro, caso queira-se adotar o conhecimento como base para o desenvolvimento científico e

tecnológico. Em nanociência e nanotecnologia, esta transformação faz-se especialmente necessária, por

ser um campo tecnológico que está em sua infância.

6. Referências

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O SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE A
PARTIR DE ESTATÍSTICAS DE PATENTES

Jordana Teatini Duarte


Mestranda em Ciências Econômicas pelo PPGEco/UFES
jordanateatini@gmail.com

Ednilson Silva Felipe


Professor do Departamento e do Mestrado em Economia da UFES
ednilsonfelipe.ufes@gmail.com

Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar o Sistema Nacional de Inovação do
Brasil a partir de estatísticas de patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade
Industrial, no período entre 2000 e 2012. Especificamente, busca-se analisar a origem dos
depósitos (residente e não-residentes), as especificidades dos depósitos nacionais, bem como
o padrão de concentração regional e setorial da atividade de patenteamento nacional.
Evidencia-se o caráter desigual das regiões brasileiras, relacionando-se os aspectos
inovativos e econômicos das mesmas. Observa-se que, apesar das pequenas mudanças, as
regiões do território brasileiro com baixa intensidade de patenteamento, são compostas por
baixo fluxo de conhecimento advindo da atividade tecnológica universitária, bem como são
inexpressivas na geração de renda do país ao longo do período analisado. Percebe-se também
a falta de alinhamento entre o padrão tecnológico das patentes residentes e não-residentes,
constatando um aspecto inercial nacional frente ao dinamismo internacional.

Palavras-chave: Inovação; Patentes; Sistema Nacional de Inovação

1. Introdução

A relação entre tecnologia, ciência e desenvolvimento econômico viabiliza uma agenda de

estudos econômicos, que tem por finalidade o entendimento da tecnologia como um

fenômeno capaz de influenciar de diversas maneiras a atividade científica e o desempenho

econômico, de maneira que a atividade tecnológica deve ser tratada pelos economistas como

um fator endógeno, e não exógeno a este desenvolvimento (Rosenberg, 2006). A inovação

tecnológica relaciona-se com a capacidade de solução de problemas; à medida que padrões

de resolução de problemas vão sucedendo, modelos e procedimentos específicos vão sendo

desenvolvidos e aperfeiçoados (Dosi, 1988). Logo, inovação é um processo contínuo de

aprendizagem, o qual envolve além da atividade de pesquisa e desenvolvimento, o


compilado de instituições que influenciam a capacidade tecnológica de uma nação (Nelson

e Rosenberg, 1993).

O caráter e eficácia do sistema de educação e formação profissional de um país, não só

determinam a oferta de profissionais competentes para o setor público, mas também

influenciam as atitudes dos trabalhadores para o avanço técnico em demais setores da

economia. As instituições financeiras e a forma como as empresas são conduzidas,

influenciam profundamente as atividades técnicas que são viáveis à competência dos

gestores (Nelson e Rosenberg, 1993).

Nesta perspectiva, autores neoschumpeterianos discutem a geração e difusão da tecnologia

dentro das fronteiras geográficas dos países, considerando os diversos arranjos entre

instituições e demais agentes econômicos responsáveis pela performance tecnológica dos

mesmos. É esta interpretação sistêmica sobre a inovação que a insere em um contexto de

espaço e tempo que será abordada ao longo deste artigo.

O presente trabalho está dividido em duas seções além desta introdução e das considerações

finais. A segunda seção aborda uma revisão metodológica do conceito de Sistemas de

Inovação, o qual será responsável pela sistematização dos dados e orientação da discussão

desta pesquisa. A terceira seção discute os resultados obtidos, especificamente a construção

e composição do Sistema Brasileiro de Inovação.

2. Sistemas de Inovação

Não é novidade que a tecnologia assume um papel importante na competitividade entre os

países e setores. Freeman (1982) questiona como países alcançaram as lideranças

tecnológica e econômica mundiais e como deve ser o processo de “catching up” dos demais;
além de como o sistema tecno-cientifico de um país, bem como suas políticas nacionais são

responsáveis pelo desenvolvimento econômico dos mesmos. São questões como essas, e

como investimentos em infraestrutura tecnológica e industrial, que se tornaram foco de

análise de diversos estudos econômicos que tem como cerne o termo Sistemas de Inovação

(Freeman, 1982; Nelson e Rosenberg, 1993; Nelson, 1992; Cook et. al, 1997; Malerba, 2003;

Lundvall, 2007), tendo como precursor o autor alemão Friedrich List, que difundiu na

economia o conceito de Sistemas Nacionais.

A abordagem do conceito de Sistemas de Inovação tornou-se algo multidisciplinar; há

aproximadamente 30 anos, este conceito passou a fazer parte do vocabulário de formadores

de políticas públicas nacionais e, portanto, extrapolou as esferas da ciência econômica e

passou a fazer parte daqueles que tentam explicar e compreender fenômenos relacionados à

inovação e à construção de competências (Lundvall, 2007). Isto, pois o entendimento de tal

conceito ajuda a identificar os desajustes entre os agentes que comprometem a performance

tecnológica tanto a nível micro (firmas), quanto macroeconômico (países) (OECD, 1997).

O conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI) está correlacionado com as interações

entre as instituições e os demais agentes econômicos que determinam performances

tecnológicas, principalmente as firmas nacionais, as quais geram produtos e processos

inteiramente novos ou aperfeiçoados (Nelson e Rosenberg, 1993). Sendo assim, este

conceito relaciona-se com o entendimento dos processos de desenvolvimento e das

motivações da estagnação ou progresso tecnológico e econômico das mais diferentes nações.

A aglomeração de políticas (públicas e privadas que sejam diretamente ou não relacionadas

à inovação) incorporada no conceito de SNI é direcionada aos diferentes objetivos de cada

nação, bem como às economias domésticas de cada uma delas (Nelson, 1992; Lundvall,

2007). Um diálogo contínuo entre tais políticas e, principalmente, a coordenação entre as


mesmas é fundamental para o aprimoramento e desenvolvimento de um SNI consistente que

visa o desenvolvimento das atividades tecnológicas, dada as dimensões das economias e

realidade de cada país.

Lundvall (2007) define que o núcleo do SNI é constituído por firmas e organizações que

inovam, inclusive, a partir da interação entre as mesmas. Entretanto, outros dois atores são

relevantes nos estudos de SNI: as universidades e os governos (Nelson, 1992). As

universidades por serem o lugar de formação acadêmica dos profissionais que atuam nas

firmas, e por concentrarem um grande número de pesquisas cientificas diversificadas. E os

governos por serem os responsáveis pelas políticas públicas de seus países que fomentam as

inovações e competitividade das indústrias. De acordo com as particularidades de cada país,

diversos outros fatores influenciam a performance inovadora dos mesmos, como a rede de

telecomunicações, a indústria militar e segurança pública, e a exportação e importação de

manufaturas e matéria prima (Nelson, 1992).

Novos conceitos como Sistemas Regionais de Inovação (SRI) e Sistemas Setoriais de

Inovação (SSI) germinaram na literatura na intenção de enfatizar características sistêmicas

de inovação com foco em outras esferas da economia que não a nível abrangente do estado

nacional. Devido à complexidade de se estudar as consequências e todas as demais relações

advindas da inovação a nível nacional, uma metodologia alternativa seria pesquisar os

sistemas regionais em uma primeira instância.

Dentro de um único país e até mesmo estado, existem regiões que se diferem

consideravelmente quanto alguns aspectos, como regiões próximas à capital, de alta

tecnologia, de concentração industrial, de serviços, agrícolas e periféricas. Sendo assim, as

evoluções das regiões são resultantes de combinações políticas, sociais e econômicas locais,

que devem ser considerados nos estudos de SRI (Cooke et. al, 1997). Portanto, o conceito
SRI é caracterizado pela análise do uso, geração e difusão de inovações em determinada

localidade, bem como os aspectos sociais e institucionais da mesma.

O conceito de SSI, por sua vez, relaciona-se com uma visão multidimensional, integrada e

dinâmica dos distintos setores da economia. Este conceito é uma importante ferramenta na

realização de análises descritivas e estudos que dizem respeito às diferenças e semelhanças

nas estruturas, dinâmicas e fronteiras entre os setores, assim como no entendimento das

performances internacionais destes setores, além do crucial papel na formulação de políticas

públicas (Malerba, 2003)1.

Nos estudos realizados por Albuquerque (1996, 1999a, 1999b, 2000) sobre o SNI brasileiro,

fica evidenciado a prematuridade deste sistema a partir de uma tipologia desenvolvida pelo

mesmo2. O autor chegou à conclusão a respeito da imaturidade do sistema de inovação

brasileiro a partir de comparações de indicadores de ciência e tecnologia brasileiros com

sistemas de países representativos de outros níveis tecnológicos, como a estrutura industrial,

distinções locais a partir do sistema regional de inovação, estatísticas de artigos científicos

e pesquisadores e, majoritariamente presente nos estudos, estatísticas de patentes. Tais

1
A partir dos principais resultados de um projeto denominado ESSY, Malerba (2003) analisou seis grandes
sistemas setoriais europeus e constatou que, mesmo apresentando diferentes fontes e características de
conhecimento, todos demonstraram grande interesse no desenvolvimento de atividades relacionadas à ciência,
as quais são responsáveis pela dinamização dos mesmos. Ele verificou também, que este processo de geração
de conhecimento e aprendizado está correlacionado com os agentes por meio da demanda dos consumidores,
universidades e produção de P&D; e que na maioria dos setores, quanto maior for a multidisciplinaridade da
base de conhecimento, mais heterogêneos são estes agentes. Sobre as instituições, Malerba (2003) averiguou
que, mesmo que algumas sejam específicas de cada setor, elas representam um papel significativo na atividade
inovativa e mudança tecnológica dos setores, ora corroborando seus avanços, ora seus retrocessos.
2
De acordo com esta tipologia, os sistemas nacionais podem ser classificados a partir de características
importantes sobre inovações tecnológicas em três categorias. A primeira categoria abrange os principais
sistemas de países desenvolvidos que são líderes mundiais na capacitação tecnológica como Estados Unidos,
Japão e Alemanha. A segunda é composta pelos países dinâmicos em tecnologia, mas sendo a difusão das
mesmas e não a sua geração a atividade principal de seus sistemas, como Dinamarca, Suécia e Holanda. A
terceira e última envolve sistemas de inovação ainda incompletos, aqueles que construíram mas não evoluíram
a mínima infraestrutura tecnológica.
estatísticas apresentam uma característica singular sobre inovação, a qual está evidenciada

na literatura (Nagaoka et al., 2010).

O propósito declarado do sistema de patentes é incentivar a invenção e o progresso técnico,

proporcionando um monopólio temporário para o inventor e a divulgação antecipada das

informações necessárias para a fabricação do novo produto ou o funcionamento do novo

processo (Griliches, 1990). Vale ressaltar que as patentes consistem em um indicador

limitado de atividade tecnológica. “Nem todas as invenções são patenteáveis, nem todas as

invenções são patenteadas, e as invenções que são patenteadas diferem-se muito em

qualidade, na magnitude da produção inventiva associada a elas” (Idem, p. 15)3. Entretanto,

tais deficiências não invalidam as análises consistentes feitas a partir deste indicador.

As legislações patentárias auxiliam a construção dos sistemas nacionais de inovação, uma

vez que representam um mecanismo legal de proteção à inovação. O fortalecimento

institucional dos escritórios nacionais de patentes de maneira a tornarem-se eficientes, é

elemento fundamental para estimular a capacidade tecnológica e investimento em pesquisas

e desenvolvimento, visto que a inovação fruto destas atividades estará legalmente protegida.

Logo, a institucionalização do sistema de patentes como meio jurídico crível é

imprescindível para a constituição de um sistema nacional de inovação.

3. Atividade de patenteamento e o SNI brasileiro

Baseado na discussão apresentada na seção anterior e em que “o espaço apresenta fortes

repercussões sobre o processo de inovação tecnológica” (Santos, 2017. p. 200), na sequência

3
Tradução livre.
é feita uma análise do sistema nacional de inovação a partir de estatística de patentes

retiradas do site do INPI, que compõem a base de dados utilizada neste artigo.

Conforme a definição da World Intellectual Property Organization (WIPO), as patentes

podem ser classificadas de acordo com três modalidades: Patente de Invenção, Modelo de

Utilidade e Certificado de Adição. Com a finalidade de facilitar as comparações

internacionais, alguns estudos entendem por patentes como referindo-se apenas às patentes

de invenção, enquanto modelo de utilidade e certificados de adição são apresentados

separadamente (WIPO, 2014). Seguindo esta metodologia internacional e a disponibilidade

dos dados, o presente trabalho analisa somente as patentes de invenção depositadas no INPI

no período entre 2000 e 2012. As Patentes de Invenção constituem 86% (274.728 depósitos)

de patentes totais do período e apresentam maior conteúdo tecnológico; logo, são as

responsáveis pela real caracterização do desenvolvimento tecnológico.

Comparando-se os anos de 2000 e 2012, número de patentes depositadas internamente

aumentou 176%. Entretanto, não é pertinente deduzir imediatamente deste aumento uma

maior atividade tecnológica do país, pois as patentes são depositadas por agentes (pessoas

físicas e jurídicas) residentes e não-residentes no Brasil.

A partir da metodologia do primeiro depositante utilizada pela WIPO, é possível identificar

a residência do primeiro autor que consta no documento de patente, facilitando a

compreensão e as comparações internacionalmente. Desta forma, o INPI identificou a

origem de 274.266 depósitos de acordo com esta metodologia, classificando-os em

residentes e não residentes. Do total de patentes depositadas, o Brasil corresponde a 19%

dos depósitos totais do período; os demais países correspondem aproximadamente 81%.

Países desenvolvidos são os grandes responsáveis pela implementação das inovações

radicais e incrementais que estão na fronteira tecnológica internacional. Quanto maior for a
capacidade destes países desenvolverem atividades inovativas, maior será a tendência ao

patenteamento. Portanto, países inovadores que difundem suas tecnologias pelo mundo, são

os grandes patenteadores em diversos outros países (Albuquerque, 1999a). Países em

desenvolvimento, como o Brasil, concentram suas atividades tecnológicas na adaptação de

tecnologias estrangeiras, seja através da imitação ou de melhoramentos marginais.

Estão representados no Gráfico 1 os países líderes no patenteamento no Brasil. Tais países,

incluindo o Brasil, são responsáveis por 77% dos depósitos totais, os demais 23% foram

depositados por 140 países. Isto demonstra que os poucos países que compõem a fronteira

tecnológica internacional, são os responsáveis pela maioria dos depósitos estrangeiros no

Brasil. Somente os Estados Unidos realizaram mais depósitos internamente no Brasil do que

o próprio ao longo de todo período analisado.

Gráfico 1 – Países líderes no depósito de patentes de invenção no Brasil, 2000-2012

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados do INPI, BADEPI v. 2.0.

Especificamente, quando o interesse é investigar a atividade tecnológica doméstica de um

país, “as patentes de residentes podem ser consideradas como uma proxy das atividades

tecnológicas do país” (Albuquerque, 2000. p. 122). Os depósitos de patentes dos residentes

podem ser classificados quanto à natureza jurídica do primeiro depositante: pessoas físicas
e pessoas jurídicas. Observa-se, através do Gráfico 2, que o número de patentes depositadas

anualmente por pessoas físicas não oscilou significativamente. A elevada participação de

depósitos de indivíduos é uma característica de países em desenvolvimento (Penrose, 1973),

geralmente por dois motivos: abrangem menores conteúdos tecnológicos e são depositados

por pesquisadores individuais e não pelos centros de pesquisa que pertencem.

Gráfico 2 – Depósitos de patentes nacionais segundo a natureza jurídica do primeiro


depositante, 2000 - 2012

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados do INPI, BADEPI v. 2.0.

No entanto, percebe-se que a disparidade entre a quantidade de depósitos de pessoas físicas

e jurídicas começou a diminuir a partir do ano 2010, sendo que, em 2012, as patentes de

pessoas jurídicas ultrapassaram as de pessoas físicas. Isto sinaliza o início de um processo

de aprimoramento da capacitação tecnológico dos entes que compõem o sistema nacional

brasileiro, que se aproxima com as características de economias mais avançadas.

Entretanto, é necessário investigar a composição dessas pessoas jurídicas. Para tanto,

analisar-se-á o ranking dos maiores depositantes nacionais do período estudado. A Tabela 1

diz respeito ao peso das universidades entre os principais depositantes nacionais. Dos 10

principais patenteadores residentes, 6 são universidades federais, 2 são empresas estatais de


capital aberto, 1 é um instituto governamental de pesquisa agropecuária e 1 é subsidiária da

Whirlpool Corporation (multinacional americana do ramo de eletrodomésticos).

Tabela 1 – Maiores depositantes residentes de PI no Brasil, 2000 - 2012


Participação
Total Participação
Rank Nome Total
2000-2012 Residentes
Depósitos
1 Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras 730 1,39% 0,27%
2 Whirlpool S.A. 659 1,26% 0,24%
3 Universidade Estadual de Campinas - Unicamp 620 1,18% 0,23%
4 Universidade de São Paulo - USP 468 0,89% 0,17%
5 Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG 425 0,81% 0,15%
6 Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ 235 0,45% 0,09%
7 Universidade Federal do Paraná - UFPR 208 0,40% 0,08%
8 Vale S.A. 173 0,33% 0,06%
9 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS 163 0,31% 0,06%
10 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa 133 0,25% 0,05%
Top 10 - Total 3.814 7,27% 1,39%
Total de depósitos de residentes 52.450 100,00% 19,09%
Total de depósitos 274.726 100,00%
Fonte: INPI, BADEPI v. 2.0, 2017

A composição da Tabela 1 não é arbitrária; a localização destas universidades, bem como a

tecnologia desenvolvida pelas empresas e o instituto de pesquisa revelam, ainda que de

maneira frugal, características do SNI brasileiro. “Esse quadro reafirma a importância das

instituições de origem estatal para a atividade tecnológica no sistema nacional brasileiro,

assim como reflete a debilidade tecnológica da indústria nacional” (Santos, 2017. p. 221).

Cabe agora uma análise da localização dos depósitos de patentes no território brasileiro, com

a finalidade de identificar a abrangência regional do sistema nacional de inovação, além de

corroborar e validar os dados contidos na Tabela 1.

3.1 A concentração regional da atividade de patenteamento nacional

A Figura 1 mostra a distribuição espacial da atividade tecnológica no Brasil por estados em

três intervalos temporais distintos: 2000 a 2003, 2004 a 2007, 2008 a 2012, a partir do
somatório de depósitos de patentes para cada uma dessas regiões. Esta figura apresenta uma

grande concentração de patentes no eixo Sul-Sudeste e uma grande extensão territorial com

baixa ocorrência de depósitos, em todos os períodos4.

Figura 1 – Distribuição estadual de depósitos de patentes, 2000-2003 (I), 2004-2007


(II), 2008-2012 (III)

Fonte: elaboração própria a partir do software Open GeoDa.

É possível observar que 12 estados (Roraima, Amapá, Acre, Rondônia, Pará, Maranhão,

Piauí, Alagoas, Sergipe, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) persistiram com a

quantidade de patentes depositadas inferior a 100 unidades em todos os períodos analisados.

Ou seja, não apresentaram evolução alguma na prática de patenteamento, permanecendo no

menor nível de quantidade de depósitos. Os estados do Ceará, Pernambuco, Goiás, Espírito

Santo e o Distrito Federal também permaneceram na mesma condição de atividade

tecnológica, encontrando-se no segundo patamar com a quantidade de depósitos entre 101 e

500 unidades em todos os três períodos apresentados. Os estados Rio Grande do Sul e Rio

de Janeiro, assim como os demais apresentados até agora, se mantiveram na mesma divisão

4
Vale dizer que nenhum estado brasileiro retrocedeu na quantidade de patentes depositadas, assim como não
apresentaram depósitos nulos.
desde o primeiro período até o último, sendo esta equivalente ao intervalo entre 1.001 e

2.000 depósitos. Todos estes 19 estados apresentados até agora, mesmo que em estágios

diferentes, não apresentaram nenhuma evolução em suas performances tecnológicas

mensuradas a partir de depósitos de patentes.

Do primeiro para o segundo período, observa-se que o Amazonas passou da primeira

categoria para a segunda, permanecendo assim até o último período; assim como Paraná e

Santa Catarina passaram do terceiro para o quarto nível, também permanecendo neste

patamar até o último período. Já do segundo para o terceiro e último período, Rio Grande do

Norte e Paraíba passaram a integrar a segunda categoria e a Bahia a terceira; Minas Gerais

passou da quarta para a quinta categoria, e São Paulo do sexto para o sétimo e mais alto nível

desta escala. É possível identificar o processo de catchin up de poucos estados. Nesse

sentido, pode ser constatado o aumento no número de localidades do Nordeste na realização

de progresso tecnológico nacional através da atividade de patenteamento. No entanto, tal

aumento não foi suficiente para que houvesse um processo de desconcentração da atividade

tecnológica do país no período analisado, pois os estados das regiões Sul e Sudeste foram os

responsáveis pela maioria dos registros em todos os intervalos temporais, seguidos dos

estados do Nordeste.

Nessa perspectiva, é possível vislumbrar um conjunto maior de estados que passou a integrar

o SNI brasileiro ao longo do período; entretanto, a atividade tecnológica exibe uma

distribuição estadual bastante desigual no território nacional, pois permanece concentrada

no núcleo formado pelas regiões Sul e Sudeste, sendo que as demais regiões apresentam um

grupo pequeno de estados atuando nesta atividade indispensável para o SNI.

Como indicado na Tabela 1, os principais depositantes residentes são compostos, em sua

maioria, por universidades federais, as quais são entes fundamentais no SNI. Logo, cabe
agora uma análise da distribuição territorial dos depósitos de patentes realizados pelas

universidades de acordo com os estados que elas pertencem, com a finalidade de identificar

a produção tecnológica universitária, bem como sua relação com o padrão de concentração

identificado na Figura 1.

Figura 2 – Distribuição estadual de patentes depositadas por universidades, 2000-


2003 (I), 2004-2007 (II), 2008-2012 (III)

Fonte: elaboração própria a partir do software Open GeoDa.

Observa-se, através da Figura 2, o aumento da produção tecnológica dentro das

universidades associado ao seu espalhamento ao longo do território brasileiro durante os

períodos analisados. “Trata-se de um reflexo claro da expansão verificada no sistema

universitário brasileiro, principalmente no que tange às universidades federais, que lideram

a pesquisa científica no país” (Santos, 2017. p. 225). A consequência da propagação do

ensino superior ao longo do Brasil foi a expansão territorial da pesquisa universitária, como

pode ser identificada a partir do aumento do número de estados (a partir das universidades)

a realizar depósitos de patentes entre os anos 2000 e 2012.


Entretanto, a disparidade regional permanece grande, mesmo com a maior abrangência da

atividade de patenteamento no território brasileiro. Isso é uma consequência da assimetria

na intensidade da atividade de patenteamento entre as universidades de diferentes estados. É

relevante o fato de que as universidades de 5 estados não realizaram depósitos em momento

algum; mas verifica-se que o processo de concentração de depósitos realizados pelas

universidades pertencentes ao eixo Sul-Sudeste é contínuo ao longo do tempo. Assim, fica

claro que as universidades que compõem o ranking da Tabela 1 estão localizadas neste eixo,

o qual é o mesmo responsável pelo processo de concentração demonstrado na Figura 1.

É inevitável relacionar este padrão de concentração de patentes no território nacional

(Figuras 1 e 2), com o fator tendencial da desigualdade entre as regiões no que se refere ao

aspecto econômico. Está representada no Gráfico 3 a relação entre a média da renda das

cinco regiões brasileiras, mensuradas a partir do produto interno bruto (PIB), e os depósitos

de patentes das mesmas, para cada intervalo de tempo.

Observa-se que a região Sudeste se manteve distante das demais em todos os períodos; sendo

que, no último deles, ela se posicionou no ponto mais alto e à direita do gráfico. Esta região

é a encarregada pela maioria dos depósitos realizados internamente e pela maior geração de

renda no país. A região Sudeste produziu em média por período, aproximadamente 57% do

PIB, seguida da região Sul (17%), Nordeste (13%), Centro-Oeste (9%)e Norte (4%).

As regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul se deslocaram em relação às suas posições

iniciais em direção à região Sudeste. No entanto, tal deslocamento foi deveras inferior ao

necessário para que se alcançasse esta região. Isto quer dizer que, mesmo que tais regiões

tenham melhorado seus desempenhos econômicos e tecnológicos (ainda que minimamente

como no caso da região Norte), eles não foram suficientes para uma mudança estrutural

significativa de patamares.
Gráfico 3 – Renda versus depósitos de patentes nas regiões brasileiras

Fonte: elaboração própria a partir do IPEADA e INPI

O efeito chamado Rainha Vermelha é ilustrado nesta situação. De acordo com Rapini et al.

(2017), tal efeito é uma alusão à uma passagem do livro Alice através do espelho, e foi

originalmente formulado pela literatura da ciência biológica, com a finalidade de descrever

o processo de desenvolvimento das espécies necessário para que as mesmas sejam capazes

de se manterem na mesma situação, dada a co-evolução das demais. No estudo comparativo


de indicadores de ciência e tecnologia de países realizado por Rapini et al. (2017), verifica-

se este efeito para a África do Sul que, mesmo aumentando sua taxa de crescimento, tal

melhora não foi suficiente para que o país deixasse o seu grupo e evoluísse de patamar.

O mesmo pode ser dito em relação às regiões brasileiras, especialmente a região Sul que

mostrou evolução no desempenho econômico e inovativo ao longo dos períodos. Entretanto,

tal crescimento foi concomitante ao promovido pela região Sudeste, a qual abriu um

distanciamento ainda maior das demais regiões ao longo do tempo. Portanto, assim como o

efeito da Rainha Vermelha anuncia, para as regiões brasileiras “saírem do lugar”, elas devem

se desenvolverem a taxas muito mais elevadas.

3.2 Comparação do padrão tecnológico dos depósitos nacionais e internacionais

De acordo com a IPC, as patentes são classificadas a partir de uma hierarquia seção, classe,

subclasse e grupo, de acordo com o estado da arte da tecnologia que nelas estão contidas. O

Gráfico 4 apresenta a distribuição dos depósitos de residentes e não-residentes, por campo

tecnológico considerando o primeiro símbolo de classificação IPC das patentes.

Gráfico 4 - Depósito de patentes por campo tecnológico, considerando o primeiro


símbolo da classificação IPC, por origem

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados do INPI, BADEPI v. 2.0.


Observa-se, através do Gráfico 4, que o setor químico é predominante entre os depósitos

estrangeiros em todos os períodos, ao passo que, embora também relevante entre os

depósitos nacionais, é o setor de engenharia mecânica dominante no país. De acordo com

Rapini et al. (2017), a distribuição tecnológica setorial do Brasil nos anos 2000 a 2011 não

se aproximava do padrão internacional. Segundo os autores, o Brasil apresentou um quadro

de estagnação relativa frente ao cenário internacional, permanecendo no setor de

automóveis, o qual já era recorrente na economia brasileira, sem aprimorar-se em setores

tecnológicos emergente. De certa forma, o Gráfico 4 corrobora esta análise, uma vez que ele

revela a falta de semelhança entre os padrões de depósitos de residente e não residentes;

assim como também demonstra uma estagnação relativa setorial dos depósitos nacionais.

A política industrial é “uma peça-chave em estratégias de catching up tecnológico” (Suzigan,

2017. p.253). No entanto, no que diz respeito à política industrial brasileira, o autor ressalta

o seu baixo dinamismo desde o século passado, e o fato de ser um produto híbrido resultante

dos interesses de grupos organizados e da burocracia do estado. Este é um dos motivos pelo

qual “o país nunca logrou um avanço consistente e sustentado em seu processo de

industrialização” (Idem, p. 256).

Especificamente, o autor se refere à indústria automobilística como um desses grupos que é

beneficiário da política industrial brasileira desde a década de 1950, assim como também

ressalta a falta de compromisso deste tipo de política com o desenvolvimento de demais

setores tecnológicos. Este fato também está ilustrado no Gráfico 4, o qual evidencia o setor

de engenharia mecânica (predominante no setor automotivo) e baixa produtividade

tecnológica dos demais setores.


4. Considerações Finais

Revelada neste artigo, a concentração regional é uma característica de países em

desenvolvimento, pois nestes países é possível relacionar a centralização da renda em poucas

regiões com uma distribuição menos igualitária dos agentes que formam o sistema nacional

de inovação (Santos, 2017). O caso do Brasil entre os anos 2000 e 2012 demonstrou esta

relação, a qual foi evidenciada pela concentração da atividade tecnológica (inclusive dos

depósitos realizados pelas universidades) e da renda nos estados que compõem a região Sul

e Sudeste.

A coordenação entre política, economia e gestão, é a essência da política industrial (Suzigan,

2017). No Brasil, esta coordenação enfrenta grandes dificuldades, resultantes do

descompasso entre a política industrial e a macroeconômica, a formação de recursos

humanos e as mudanças institucionais, os quais são elementos essenciais para que tais

políticas não sejam malsucedidas (Idem).

Portanto, o padrão de concentração regional e setorial da atividade tecnológica nacional que

caracteriza o Sistema de Inovação Brasileiro no período analisado não é casual, tampouco

injustificado. Constatou-se que, apesar das pequenas mudanças, aquelas regiões do território

brasileiro com baixa intensidade de patentemanto, são compostas por baixo fluxo de

conhecimento advindo da atividade tecnológica universitária, bem como são inexpressivas

na geração de renda do país ao longo anos analisados. Pode-se dizer que em tias regiões há

baixo incentivo à inovação.

Em contrapartida, a região Sudeste é caracterizada não só pela intensidade na atividade de

patenteamento e concentração de universidades, como também pela participação relativa no


PIB. Observou-se também a baixa dinâmica da atividade inovativa brasileira no que diz

respeito aos setores tecnológicos, tal como a disparidade com o padrão internacional.

Estes desfechos são resultantes da desarmonia entre os entes e políticas que compõem o

sistema nacional de inovação que foram, até então, incapazes de integrar os setores e as

regiões do país em prol do desenvolvimento econômico e tecnológico do mesmo. Isto mostra

a deficiência do Brasil em realizar o processo de catching up em direção às economias mais

desenvolvidas.

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SEN E SCHUMPETER: QUALIDADE DE VIDA NO PROCESSO DE INOVAR -

UMA ANÁLISE EMPÍRICA DE PAÍSES

Alexandre Ricardo de Aragão Batista (alexandre.ricardo.batista@usp.br)1


Claílton Ataídes de Freitas (lcv589@gmail.com)2
Jaqueline Moraes Assis Gouveia (jaquelinemagouveia@gmail.com)3

RESUMO

Este trabalho analisa se qualidade de vida é relevante no processo de criar inovação. É

realizada uma regressão linear múltipla em que o Global Innovation Index é variável

dependente proxy de inovação. As variáveis explicativas, proxies de qualidade de vida, são

os índices de longevidade, utilização de Internet, desigualdade, renda per capita e teste

PISA (Programme for International Student Assessment). Uma variável independente de

investimento em P & D, também é introduzida no modelo. A regressão é feita por MQO

para o ano de 2013, com 60 países. São utilizados conceitos de Schumpeter para Inovação

e de Amartya Sen para qualidade de vida, na busca de proxies mensuráveis. Os resultados

são consoantes entre a teoria apresentada e a análise empírica. Os coeficientes de

longevidade, PISA, renda per capita e de Internet impactaram positiva e significantemente

no Global Innovation Index a 10%, 5%, 5% e 10%, respectivamente, de acordo com os p-

valores.

Palavras-chave: Desenvolvimento Humano, Inovação, Bem-estar

Código JEL: O15, O39, I00

1
Mestrando em Teoria Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Econômica da UNICAMP.
2
Doutor em Economia Aplicada (ESALQ/USP). Professor adjunto do Departamento de Economia e do
Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM).
3
Doutoranda em Teoria Econômica pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Econômica da UNICAMP.
1. INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva analisar, em nível de países, se a qualidade de vida

populacional é relevante no processo de criar inovação. Ou, dito de outra maneira, se

populações providas com condições socioeconômicas dignas produzem mais inovações. O

ponto de partida é que economicamente, para este problema, por suposição, acredita-se que

pessoas mais bem nutridas, estudadas e com melhor saúde tenham mais condições de criar

inovação. Uma nação de pessoas saudáveis, com condições dignas de sobrevivência, está

mais apta para inovar.

Estatisticamente, a hipótese nula de pesquisa H0 está associada à relação de que

países com maior qualidade de vida de sua população não estão mais propensos a criar

inovação, tudo o mais constante e; como hipótese alternativa H1, que a qualidade de vida

da população dos países cria ambiente para a inovação.

A vida econômica cotidiana leva à crença de que priorizar o desenvolvimento

humano permite maior produtividade, inclusive no processo de criar inovação, na

contemporaneidade. Porém, a dificuldade de quantificar “inovação” e “qualidade de vida”

implica que deva ser utilizado algum mecanismo para que se possa mensurá-los. Neste

trabalho, estas definições são obtidas por meio da literatura de Sen (2012) e Schumpeter

(1911/1988). Após sua obtenção, restará apenas substituí-las por proxies mensuráveis.

Feito isto, é realizada uma regressão linear múltipla em que o Global Innovation Index 4

(GII) é usado como uma variável dependente proxy de inovação.

As variáveis explicativas, consideradas proxies de qualidade de vida, são

longevidade, renda per capita, desigualdade de renda, Internet e o teste PISA (Programa

Internacional de Avaliação de Estudantes). Uma variável independente de investimento em

4
Índice de Inovação Global (tradução nossa)
pesquisa e desenvolvimento, também é introduzida no modelo. A regressão é feita por

mínimos quadrados ordinários para o ano de 2013, com uma amostra de 60 países.

Além desta Introdução, o artigo está dividido em mais 4 seções e um anexo. A

Seção 2 apresenta o “Referencial Teórico” subdivido em “Crescimento, Desenvolvimento

Econômico, Inovação e Qualidade de Vida”, com definições e conceitos dos principais

termos utilizados. A Seção 3 compreende a Metodologia, onde é formalizado o modelo e a

hipótese de pesquisa. Na Seção 4 é mostrada a análise dos resultados. A Seção 5 traz as

Considerações Finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Inovação, como no sentido de Schumpeter (1911/1988), pode ser o motor principal

na definição de desenvolvimento econômico. Já qualidade de vida chega a ser subjetivo,

pois o que é bom para uma pessoa, pode não ser para outra. Esta seção procura esclarecer

melhor tais definições.

2.1 Desenvolvimento econômico, inovação e qualidade de vida

De acordo com Todaro e Smith (2012), o estudo econômico tradicional, sobretudo

dos pensadores neoclássicos, prioriza a alocação eficiente dos recursos. Já o

desenvolvimento econômico abrange, além da eficiência, mecanismos políticos,

socioeconômicos e institucionais, estejam estes na esfera pública ou privada. As principais

abordagens acerca de desenvolvimento, no presente estudo, são pautadas por Schumpeter

(1911/1988) e Sen (2012).

Schumpeter não vê o desenvolvimento econômico de um país como um fenômeno a

ser explicado economicamente. Entendia por “desenvolvimento” as mudanças da vida

econômica a partir de um processo endógeno e o tratava como “[...] uma mudança

espontânea e descontínua nos canais de fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e


desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente”

(SCHUMPETER,1911/1988, p.47).

A inovação é caracterizada por combinar materiais diferentes, de modo contínuo,

por métodos distintos e que podem causar alterações no modo de produção, é esta que leva

ao desenvolvimento econômico. Destaca-se que não se pode confundir inovação com

invenção, pois ainda que esta última possa se tornar inovação, caso não seja amplamente

utilizada, é economicamente irrelevante.

Schumpeter não é muito claro no desvendar de como se produz uma inovação, mas

mostra algumas caracterizações do agente inovador, tratado como empreendedor no

sentido daquele que tem o desejo de conquistar, que tem “[...] a alegria de criar, de fazer as

coisas, ou simplesmente de exercitar a energia e engenhosidade”

(SCHUMPETER,1911/1988, p.65). Já maduro, em seu livro “Capitalismo, Socialismo e

Democracia” de 1942, observa que a inovação se reduziu à rotina: “O progresso

tecnológico se transforma cada vez mais em atividade de grupos especialistas, que

fornecem o que se lhes encomenda e fazem o produto operar de maneira previsível.”

(SCHUMPETER,1942/1961, p.167). Ou seja, o processo de criar inovação passou a ser

“domesticado”.

Já Sen designa o desenvolvimento por meio do que se convencionou chamar por

“abordagem das capacitações”, é “[...] um processo de expansão das liberdades reais que as

pessoas desfrutam.” (SEN, 2012, p.55). Caracteriza a expansão das liberdades como fins

primordiais (ou “papel constitutivo”) e o principal meio (ou “papel instrumental”) do

desenvolvimento. A primeira caracterização relaciona-se à importância da liberdade

substantiva no enriquecimento da vida humana, que é formada pela inclusão de

capacidades elementares como, por exemplo, “[...] ter condições de evitar privações como

a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades


associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de

expressão, etc..” (SEN, 2012, p.55). A segunda caracterização traz as liberdades

instrumentais, nas quais são várias, mas salienta as principais como liberdades políticas,

facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança

protetora. Em suma, por um lado, o autor defende que, para se alcançar o desenvolvimento

humano, deve haver acesso a toda segurança social e política.

Em Sen (2003), boa saúde, longevidade e boa educação são proxies de qualidade de

vida. Estas podem, inclusive, ajudar na produtividade. Além disso, Sen (2012) exemplifica

a qualidade de vida traduzida em liberdades substantivas, tais como a liberdade de

participação política, a oportunidade de receber educação básica e a assistência médica.

Estas, conjugadas com direitos “[...] também contribuem muito eficazmente para o

progresso econômico;” (SEN, 2012, p.19).

Note-se que esta análise não é nova. A obra humana, a sua capacidade intelectual e

a genialidade já podiam ser traduzidas em Proudhon quando dizia que “A máquina é o

símbolo da liberdade humana, a insígnia de nossa dominação sobre a natureza, o atributo

de nosso poder, a expressão de nosso direito, o emblema de nossa personalidade.”

Proudhon (1846/2007, p.155).

2.1 Revisão de Literatura

O fator humano é abordada amplamente na literatura no que se refere a questões

econômicas e, consequentemente, à inovação.

Freeman (1995) aborda a concepção, a maturação e a adequação aos novos tempos

do que chama o “Sistema Nacional de Inovação”. Seu ponto de partida são os escritos de

Friedrich List, nos quais analisa a importância da educação, das instituições de

treinamento, da participação do Estado, etc.. O sucesso dos sistemas nacionais de inovação


não está relacionado apenas aos montantes designados às pesquisas e desenvolvimento

(P&D). É preciso que estas funcionem adequadamente sua estrutura deve estar

interconectada, tais como mercados, canais de distribuição, institutos educacionais, etc..

Freeman (1995) compara o Japão e a antiga União Soviética ao analisar que esta

última direcionava mais recursos à P&D, em termos percentuais de PIB, que seu par

asiático. Porém, como a destinação dos recursos era em maior parte ao setor militar, obteve

menos sucesso em termos de interações no mercado nacional e competitividade no

internacional. Analogamente, o caso da América Latina indicou alta deterioração no

sistema educacional, com fraco investimento em P&D. Isto acabou por levar a região a

uma infraestrutura industrial pobre. Porém seu trabalho fala pouca coisa de qualidade de

vida além da educação e dos benefícios de pesquisas voltadas aos fins civis.

Mais contemporaneamente, o relatório do Global Innovation Index de 2014 teve

como tema o “fator humano em inovação”, e explorou o papel do indivíduo no processo de

inovar. É observado que existe escassez de indivíduos talentosos, bem como a migração

destes para países com melhores oportunidades seja de trabalho ou estudo. Dutta et

al.(2014), neste mesmo relatório, encontram que o fator humano é mais crítico para o

sucesso em inovação em países com mais alta renda que os de baixa. Veem que é mais

provável que cidadãos mais educados tenham mais sucesso em economias de alta renda ao

alavancar os contextos favoráveis no direcionamento de inovação.

Schaaper (2014) analisa que nos países com as maiores quantidades de matrículas

no nível superior são também os países com maior número de pesquisadores. Encontra que

Pesquisa e Desenvolvimento são menos rentáveis em países com baixos níveis de capital

humano. Em resumo, conclui que os dados que analisou confirmam a ligação entre

inovação e habilidades, a citar dentre outras, a correlação entre educação e nível de

desenvolvimento econômico.
Para obtenção de resultados que possibilitam análises, alguns autores, cuja temática

é similar, utilizaram métodos econométricos, como o proposto neste artigo. Por exemplo,

Gezer e Cardoso (2015) fazem uma análise da relação entre o nível de desenvolvimento

econômico e social e o nível da atividade empreendedora no mundo. Utilizam modelos de

mínimos quadrados ordinários e de regressão logística. Para tanto, fazem uso do Índice de

Desenvolvimento Humano como proxy para desenvolvimento social e, para

competitividade global, o Índice de Competitividade Global. Têm como conclusão que

países com altas taxas de empreendedorismo não necessariamente obtêm desenvolvimento

econômico social.

Outro trabalho é o de Doh e Acs (2010) que explora o impacto do capital social

sobre inovação ao construir uma medida de capital social mais geral. Testam a hipótese

que capital social tem impacto positivo sobre inovação em nível nacional e encontram que

há uma relação positiva entre ambos. Utilizam um modelo econométrico log-linear e

adotam como proxy de atividade de inovação o número de patentes nos Estados Unidos.

Como capital humano, escolhem o Índice de Desenvolvimento Humano do Programa de

Desenvolvimento Humano das Nações Unidas como proxy. Seus resultados mostram que

capital humano é positivo e significante, estatisticamente, a um nível de 5%. Também

indica que a inovação de um país é positivamente relatada aos investimentos em P&D.

3. METODOLOGIA

Por meio da teoria estimulada anteriormente, faz-se uma análise quantitativa

relacionando inovação e qualidade de vida. A escolha das variáveis segue a mesma

trajetória das definições encontradas na literatura de Sen (2012) e Schumpeter

(1911/1988), conforme já exposto.


3.1 Análise das variáveis e das suas fontes

Os dados foram obtidos por meio do Banco Mundial (World Bank), PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e do The Global Innovation Index,

conforme Quadro 1. Encontra-se, aí, o nome original da variável e sua representação, em

código. O índice de inovação global (GII) é criação recente e não há estimativas

disponíveis de muitos anos anteriores. Sua metodologia é dinâmica e, por vezes, altera-se

anualmente.

Quadro 1: Código das variáveis com seus respectivos nomes originais e fontes

Código Nome original Fonte

GII Global Innovation Index https://www.globalinnovationindex.org

Int Internet users http://hdr.undp.org


Assessment in reading, mathematics, and
PISA https://www.globalinnovationindex.org
science
PC Gross Domestic Product Per Capita http://data.worldbank.org/indicator

Long Life Expectancy at byrth, total (years) http://data.worldbank.org/indicator


Elaboração própria baseado em dados do
PD http://data.worldbank.org/indicator
Banco Mundial
Desig Inequality in income (%) http://hdr.undp.org

Fonte: Elaboração Própria

Problemas operacionais (datas diferentes para coletas de dados, por exemplo)

impedem que todos os países tenham disponibilidade de informações concomitantemente o

que ocasionou em dados faltantes. Esta foi uma limitação encontrada neste experimento. A

partir de mais de 200 países, a amostra se resumiu a 60. Os países podem ser vistos no

Quadro 2, anexo A. O ano de 2013 foi escolhido pelo fato de se ter a maior amostra

possível de países. Para o estudo aqui proposto, “inovação” e “qualidade de vida” são

trazidas por meio de variáveis proxies, descritas a seguir.


É muito comum, na literatura, utilizar patentes como proxy de inovação. Entretanto,

alternativas estão surgindo. Destaca-se o GII (Global Innovation Index), ou Índice de

Inovação Global (tradução nossa), produzido pela Johnson Cornell University e parceiros.

O GII baseia-se em dois sub-índices de inovação: um de insumos, com os pilares de

instituições, capital humano e pesquisa, infraestrutura, sofisticação de mercado,

sofisticações de negócios e outro de produto, com os pilares de conhecimento e tecnologia

e outro de criatividade. Tais pilares são compostos por outros indicadores, totalizando 79.

Deve ser notado que não apenas incorporam patentes, mas outras coisas, incluindo

estabilidade política, etc.. Dada tal riqueza de informações, este é o índice utilizado como

proxy de inovação no presente estudo.

Como proxies da definição de qualidade de vida, baseadas nos trabalhos de

Amartya Sen e outros autores, analisados na seção anterior, foram escolhidas a

porcentagem da população com Internet, a média do teste PISA5, a renda per capita, a

longevidade das pessoas e o índice de desigualdade.

Acessar a Internet é uma proxy de acesso à informação, ao conhecimento, é uma

intitulação que uma pessoa tem de poder escolher, de pesquisar, e de evoluir. No mundo

contemporâneo, ter acesso à rede, provavelmente, é sinal de ter uma qualidade de vida

melhor do que quem não tem. A variável escolhida neste trabalho tem como unidade de

medida a porcentagem populacional com acesso à rede, de determinado país. Para se

encontrar os valores, os países seguem uma padronização metodológica de acordo com

orientação da International Telecommunication Union.

A escolha do teste PISA resultou de sua aparência ser melhor do que número de

matriculados em escolas ou taxa de alfabetização. Isso porque estar matriculado numa

5
PISA é sigla de Programme for International Student Assessment - Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes e é um conjunto de testes para leitura, matemática e ciência. A média do PISA será utilizada como
proxy de educação.
escola não significa que haja qualidade no ensino. Assim como estar alfabetizado não

significa que a pessoa consiga entender cognitivamente um texto.

Renda per capita, embora não seja tão fundamental em Sen (2003,2012) ainda

serve para composições no que se refere ao desenvolvimento humano. Na falta de uma

variável de salários, renda per capita é utilizada como proxy. Esta captura a riqueza média

de um país, isto é, rendas per capitas altas normalmente ocorrem em países desenvolvidos,

a exceção fica a cargo dos grandes produtores de petróleo, por exemplo. A renda per

capita está em dólares constantes de 2010.

Longevidade, conforme Sen (2012) é proxy de saúde, pois, quanto mais longevo for

uma pessoa, melhor é o seu estado de saúde e maior a sua qualidade de vida.

Desigualdade de renda é incorporada também como proxy de qualidade de vida.

Supõe-se que sociedades, cujas rendas não sejam tão díspares, preocupam-se mais com o

aspecto humano do que com o econômico/financeiro.

Investimento em pesquisa e desenvolvimento não é proxy de qualidade de vida

neste artigo. Porém, é colocado no modelo, pois é uma das maneiras mais tradicionais de

tentar alcançar uma inovação. Esta variável foi construída por meio do cruzamento de

dados entre o PIB, em dólar, a preços correntes, obtidos no Banco Mundial, multiplicado

pela porcentagem de investimento do PIB tanto do setor público quanto do privado.

Assim como Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, é esperado,

economicamente, que todas as variáveis de qualidade de vida impactem positivamente no

índice de inovação global, pois se pressupõe que indivíduos com mais qualidade de vida,

sejam mais capazes de produzir inovação que aqueles sem. A única variável que é esperada

impactar negativamente é a de desigualdade, pois esta é medida da forma que quanto maior

o seu valor, mais desigual em renda é a sociedade.


3.2 O modelo econométrico

É utilizada a regressão linear múltipla, com dados em cross section, para o ano de

2013. O modelo especifica a importância da qualidade de vida, inspirado nas obras de

Amartya Sen, com o conceito schumpeteriano de inovação6. Essa relação é dada por:

log GIIi  Const  1Inti  2 PISAi  3 PCi  4 Longi  5 log PDi  6 Desigi  ui (1)

em que,

logGII (Global Innovation Index) é o logaritmo de GII, um índice de inovação; Int é a

porcentagem da população do país i que possui acesso à Internet; PISAi é uma escala média

do teste PISA para leitura, matemática e ciência no país i; PC é a renda per capita no país

i; Longi é uma variável independente referente à expectativa de vida ao nascer dos

cidadãos no país i; logPDi é o logaritmo do quanto foi investido (a preço de mercado em

US$) em pesquisa e desenvolvimento no país i; Desig é desigualdade em renda (%)

baseado em dados obtidos por meio de pesquisas com famílias e estimado com a utilização

do índice de desigualdade de Atkinson; β0 é uma constante inerente a todos os países; βk , k

= 1,..,6 são os coeficientes de inclinação de suas respectivas variáveis, ou parâmetros;

3.3 Procedimentos econométricos

Uma vez que se faz uso de um modelo de regressão por mínimos quadrados

ordinários (MQO), é conveniente que as hipóteses de Gauss-Markov sejam estreitamente

atendidas. São estas a linearidade nos parâmetros, amostragem aleatória, colinearidade

imperfeita - inexistência de linearidade exata entre as variáveis independentes -, média

condicional zero e homocedasticidade.

O primeiro teste que se apresenta é o de erro de especificação da regressão

(RESET) de Ramsey. Uma estatística F significante no teste RESET, joga contra a

6
Essse tipo de abordagen não é incomum. Por exemplo, Gezer e Cardoso (2015) analisam o desenvolvimento
econômico e social e o nível de atividade empreendedora no mundo, conforme discutido na Seção 1.
hipótese nula indicando algum problema na forma funcional. O teste ajuda a verificar,

então, problemas com variáveis omitidas e linearidade nos parâmetros. O problema é que

não informa uma solução. Contudo, alguns problemas podem ser resolvidos por meio da

utilização de logaritmos, os quais facilitam a linearização sobre as variáveis, sejam estas

dependentes e/ou independentes.

Para tornar as distribuições amostrais dos parâmetros estimados passíveis de

tratamento, é incluída, além das hipóteses de Gauss-Markov, a hipótese de normalidade no

erro. O erro populacional é independente das variáveis explicativas, tem média zero e

variância σ². A normalidade permite, assim, que os mínimos quadrados tenham um

desempenho mais eficiente. O teste utilizado aqui é o teste de normalidade de Doornik-

Hansen e tem uma distribuição χ² se a hipótese nula de normalidade é verdadeira

(normalmente distribuída).

A hipótese de homocedasticidade do erro não observável u é necessária, pois,

conforme Wooldridge (2010), justificam os testes t e F, bem como os intervalos de

confiança da estimação MQO do modelo de regressão linear, mesmo com amostras

constantes. Resíduos heterocedásticos geram estimadores ineficientes. O teste utilizado foi

o teste Breusch-Pagan da heterocedasticidade e é baseado nos multiplicadores de

Lagrange. A hipótese nula é que os dados são homocedásticos e se for encontrado um p-

valo baixo, alguma correção deve ser feita.

Com relação à questão da multicolinearidade, Gujarati e Porter (2011) mostram que

mesmo se esta for alta, os estimadores de MQO ainda conservarão a propriedade de

melhores estimadores não viesados, apesar de serem menos eficientes. O maior problema

deste fenômeno é a dificuldade em obter estimativas dos coeficientes com erros padrão

pequenos. Em Adkins (2014), uma das formas de fazer um diagnóstico de colinearidade é


utilizar o fator de inflação de variância (FIV). Se o FIV for maior do que 10, há evidência

de um problema de colinearidade.

Adicionalmente, para se verificar qual o modelo mais bem ajustado, foi realizado o

teste MWD de forma funcional. Este teste consiste em verificar se a forma funcional

correta é o modelo linear ou log-linear. Suas hipóteses, de acordo com Gujarati e Porter

(2011), são:

H0: modelo linear: Y é uma função linear dos regressores, os X.

H1: modelo log-linear: ln Y é uma função linear dos regressores, os logaritmos de X.

De modo que H0 e H1 são as hipóteses nula e alternativa, respectivamente. Para se

obter a significância do teste, é utilizada uma variável auxiliar Z que se transforma em um

regressor, é inserida na equação do modelo linear e, em seguida, faz-se a regressão. Z é

obtido pela diferença entre o valor estimado de Y menos o valor estimado de logY. Porém,

é possível verificar, anteriormente, se o modelo log-linear é o mais bem ajustado. Neste

caso Z é calculado com o antilogaritmo de log de Y estimado menos Y estimado.

Alternativamente, a escolha de um modelo também pode ser feito pelo critério de

Akaike. Gujarati e Porter (2011) assinalam que, ao compararmos dois ou mais modelos, o

modelo com o valor mais baixo do critério de Akaike é o preferido.Por fim, uma vez que o

modelo tenha sido rodado e obtido coeficientes sem significâncias estatísticas, pode ser

realizado um teste de restrição de exclusão. O teste adotado para esta situação foi o F que

verifica, conforme Wooldridge (2010), se um grupo de variáveis não tem efeito sobre a

variável dependente. Ou seja, a hipótese nula é que um conjunto de variáveis não tem

efeito sobre a variável dependente, já que outro conjunto de variáveis foi controlado.
3.4 Hipótese de pesquisa

O presente estudo tem como hipótese nula de pesquisa H0 que está associada à relação de

que países com maior qualidade de vida de sua população não estão mais propensos a criar

inovação, tudo o mais constante e; como hipótese alternativa H1 de que a qualidade de vida

da população dos países cria ambiente para a inovação. Assim, os testes estatísticos jogam

contra H0, isto é, caso haja significância estatística no teste t (ou avaliação feita pelo seu p-

valor), implica dizer que os parâmetros  da Equação (1) são diferentes de zero e que as

variáveis são relevantes para o modelo e, consequentemente, podem ser importantes para a

consecução da dependente. Isso leva a rejeição de H0 e valida a hipótese H1 de interesse.

Em termos formais, as hipóteses bicaudais são dadas por H0 :  j  0; H1 :  j  0


.

4 ANÁLISE DE RESULTADOS

Antes de proceder a estimativa da Equação (1) e com intuito de validá-la, foram

realizados os testes relacionados na Seção 3.3.

Após várias simulações, um bom modelo ajustado foi o log-lin expresso pela

equação (1). Neste caso, pelo teste MWD, o coeficiente da variável Z mostrou um p-valor

de 0,0853, isto é, o modelo linear seria preferível a um nível de 10%. Além disso, passou

no teste RESET com p-valor de 0,22, ao contrário de outras tentativas que tiveram

problemas – log-log, por exemplo. Seu critério de Akaike foi de −110,3088. Uma vez que

os resultados dos testes MWD mostraram, de certa maneira, indiferença à escolha de

alguns modelos, pelo critério de Akaike conjugado com o teste RESET, o Modelo (1)

mostrou-se o mais apto para o experimento e, a partir daí, houve a continuidade dos demais

procedimentos.

Com p-valor de 0,91039, não se rejeitou a hipótese de normalidade dos resíduos no

Modelo (1). Já, com p-valor igual a 0,111310, o teste de Breusch-Pagan para
heteroscedasticidade indicou que não se pode rejeitar a hipótese de homocedasticidade,

conforme apresentado na Tabela 1. Tal pressuposto é imprescindível no momento de se

utilizar o teste-t, uma vez que variância heterocedástica afeta a eficiência dos estimadores.

Tabela 1: Testes em relação ao Modelo (1)

Teste Hipótese Nula Estatística calculada


RESET Não linearidade não omitida P(F(2,51) > 1.56094) = 0,22

Normalidade de Resíduos normalmente χ² (2) = 0,188 com


resíduos distribuídos p-value 0,91039

Teste Breusch- Homocedasticidade P(χ² (6)) > 10.333035) = 0,111310


Pagan

Variance Inflation Valores > 10.0 podem indicar um Não há


Factors problema de colinearidade

Fonte: Elaboração Própria

Conforme Gujarati e Porter (2011), a multicolinearidade é uma questão de grau e

não de tipo. Além disso, é uma característica da amostra e não da população. Fez-se, então,

uma análise de correlação parcial entre as variáveis explicativas. A correlação parcial

busca analisar a correlação entre duas variáveis e, ao mesmo tempo, mantém constante o

efeito das demais, desconsiderando-as. Os coeficientes estimados estão na Tabela 2 do

Anexo A e, pode-se observar baixa correlação entre as variáveis.

Como esperado, dada a baixa correlação parcial, no teste de colinearidade, por meio

do teste de Fatores de Inflacionamento da Variância (FIV) visto na seção 3.3, as variáveis

não apresentaram problemas, pois forneceram valores abaixo de 10 (Tabela 1).

No que diz respeito à regressão propriamente dita, conforme está retratado na

Tabela 3, o intercepto (Const) foi estatisticamente significante a 1% e assumiu um valor

positivo de 2,20. Esta não possui muita explicação econômica, mas é aceitável que todo

país possua características naturais que sejam propensas ao ato de criar inovação.

Estatisticamente, indica uma direção a um modelo bem ajustado.


Tabela 3: Resultados da regressão com uso do Modelo (1)

Regressor Coeficiente e desvio-padrão Sinal esperado de β Sinal obtido de β

2,20211***
Const Não há +
(0,347549)
0,00237*
Int + +
(0,00133995)
0,00113**
PISA + +
(0,000452055)
0,000003**
PC + +
(0,000001)
0,00891*
Long + +
(0,00522298)
0,00775NS
PD + +
(0,00687386)
−0,000501NS
Desig - -
(0,00184071)

n = 60 R² = 0.84

Fonte: Elaboração própria. Obs.: ***, **, * e NS indicam significância a 1%, 5%, 10% e
não significante, respectivamente.

O coeficiente da variável internet (Int) mostrou-se significante a 10% e com o sinal

positivo, conforme esperado economicamente, e teve magnitude de 0,00237, o que

significa dizer que a cada unidade percentual a mais desta variável (uma vez que é dada em

porcentagem populacional com acesso à Internet, de acordo com os dados originais), pode

haver um incremento de 0,237 pontos percentual na taxa do índice de inovação.

Economicamente faz sentido que quanto mais acesso tem a população à Internet, mais

possibilidades de criar inovação existe, dada a quantidade informacional disponibilizada. A

magnitude encontrada parece razoável.

A variável PISA mostrou significância do parâmetro a 5% com sinal positivo,

conforme esperado economicamente, e teve magnitude de 0,00113. Isto significa que a

cada ponto a mais que um país tem como média no teste PISA, é verificado um incremento

de 0,113% na taxa do índice de inovação.


A variável per capita (PC) mostrou significância do parâmetro a 5%. Seu

coeficiente foi positivo, conforme esperado economicamente, e teve magnitude de

0,000003. Isto significa que a cada dólar a mais na renda per capita, é verificado um

incremento de 0,0003% na taxa do índice de inovação. O incremento de 0,0003% de

magnitude, ainda que pareça baixo à primeira vista, tem significância econômica. Um país

cuja renda estaria em 1000 dólares, teria um impacto de 0,3% na taxa do índice de

inovação, por exemplo. Este valor, dependendo do ponto de vista (em taxas cumulativas,

por exemplo), pode não ser considerado baixo.

A variável longevidade (Long) mostrou significância do parâmetro a 10% com sinal

positivo, conforme esperado economicamente, e teve magnitude de 0,00891, o que

significa dizer que a cada ano a mais que um indivíduo vive, pode haver um incremento a

mais de 0,891% na taxa do índice de inovação. Economicamente este é um número alto,

pois o quanto mais um indivíduo vive, percentualmente, mais se inova.

As variáveis log investimento em pesquisa e desenvolvimento (PD) e desigualdade

(Desig) não foram estatisticamente significantes nem a 15%. Embora seus sinais

estivessem de acordo com o esperado economicamente, não se mostraram impactantes no

processo de criar inovação. Isso é revelador, e pode estar apontando que variáveis inerentes

às capacidades humanas talvez sejam mais efetivas que investimentos diretos em inovação.

Ao se realizar o teste de F omissão de variável para estas duas variáveis, obteve-se p-valor

de 0,530168, indicando que não se rejeita, estatisticamente, que seus coeficientes sejam

iguais a zero conjuntamente.

A equação (1) apresentou R² elevado, pois teve o valor aproximado em 0,84,

demonstrando um bom ajuste da reta de regressão. Ao se analisar os resultados obtidos,

pode-se constatar que a hipótese de pesquisa é confirmada, em sua maior parte, pois, os

coeficientes dos parâmetros no que se refere à qualidade de vida têm relações significantes
e positivas no processo de criar inovação, sob a utilização de proxies. Exceção é vista com

relação à desigualdade de renda. Adicionalmente é importante salientar que investimentos

diretos em Pesquisa e Desenvolvimento acabaram não sendo significativos.

Em linhas gerais, os resultados corroboram que a qualidade de vida populacional

impacta no processo de criar inovação nos países.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho estimou um modelo econométrico com intuito de verificar a

relação entre qualidade de vida no sentido de Sen e de inovação no sentido de Schumpeter,

além de uma variável de investimento em pesquisa e desenvolvimento. O resultado proveu

significância estatística aos parâmetros de longevidade, PISA, renda per capita, Internet e

corroborou a importância da qualidade de vida, conforme a análise teórica de Sen. As

significâncias estatísticas desses parâmetros ressaltam a importância da qualidade de vida

no processo de criar inovação, revelando, inclusive, ser mais relevante do que

investimento. Isto qualifica a necessidade de se manter a prioridade no material humano.

A variável de pesquisa e desenvolvimento não apresentou parâmetro significativo.

Isto entra em conformidade com a análise histórica de Freeman no qual relata que o

sucesso dos sistemas nacionais de inovação não está relacionado apenas aos montantes

designados às pesquisas. A variável de desigualdade também não revelou significância no

parâmetro, o que implica dizer que talvez essa questão não impacta diretamente na criação

de inovação. Também, conforme analisado, o coeficiente significativo de PISA indica a

importância da compreensão de leitura, matemática e ciências no índice de inovação GII.

Isto também é compatibilizado com a observação de Freeman e Sen.

No geral, com exceção da variável representante de desigualdade de renda, a qual

não foi relevante, junto com o logaritmo de investimento em pesquisa e desenvolvimento,


os resultados alcançados mostraram que é mais interessante direcionar esforços para que a

qualidade de vida das pessoas seja elevada em primeiro lugar e, secundariamente

direcionar recursos financeiros para pesquisas e desenvolvimento. Este achado pode causar

sérias discussões na literatura correspondente preponderante, portanto deve-se atentar a

isso.

Para finalizar, é necessário ratificar que ao se ter um indivíduo bem instruído, com

melhor acesso à informação, à saúde, tem-se um maior potencial para a criação de

inovação. É um desperdício que pessoas com grande potencial possam estar direcionando

seus esforços e energias para as necessidades básicas, para melhorar a vida, evitar a fome,

por exemplo, ao invés de entrar no processo de criação tecnológica, inovação e melhorar,

não apenas a sua própria vida, mas também a da sociedade, inclusive economicamente.

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ANEXO A
Quadro 2: Países da Amostra
Albania Estados Unidos Malta
Alemanha Estônia Maurício
Argentina Federação Russa México
Austrália Finlândia Moldova
Austria França Montenegro
Azerbaijão Geórgia Noruega
Bélgica Grécia Países Baixos
Brasil Hungria Panamá
Bulgária Índia Polônia
Canadá Indonésia Portugal
Cazaquistão Irlanda Reino Unido
Chile Islândia República da Kirguízia
China Israel República Tcheca
Colômbia Itália Romênia
Costa Rica Japão Sérvia
Croácia Jordânia Suécia
Dinamarca Letônia Suiça
Eslováquia Lituânia Tailândia
Eslovênia Luxemburgo Turquia
Espanha Macedônia Uruguai

Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos

Tabela 2: Correlações parciais das variáveis independentes do Modelo (1)

Long PISA Int PC Desig


Long -
PISA 0,2951 -
Int 0,2681 0,4984 -
PC 0,3728 -0,3017 0,4836 -
Desig 0,3679 -0,2725 -0,1647 -0,2770 -
logPD -0,1447 0,5972 -0,2549 0,4205 0,3363
Fonte: Elaboração Própria
EIXO 12
Economia e questões de
gênero
Gênero, famílias e distribuição de renda no Brasil: sinergias e impasses

Nathalie Reis Itaboraí – Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ)

(nitaborai@iesp.uerj.br)

Resumo

A revolução de gênero no Brasil avança em diferentes frentes, mas suas repercussões

econômicas ainda são insuficientemente estudadas. O estudo destaca impactos das

transformações no comportamento feminino para a distribuição de renda, considerando

simultaneamente desigualdades entre mulheres, sobretudo de classe. A renda familiar per

capita, medida usual de desigualdade e pobreza, é afetada pelo número de membros da

família e por sua capacidade de ganhos econômicos, duas dimensões que passaram por

expressivas transformações no século XX, em sinergia com as mudanças nas relações de

gênero que se expressam em especial no crescimento do trabalho femini no e nas mudanças

no comportamento reprodutivo que repercutiram na redução do número de filhos. Além de

revisar evidências da literatura disponível, são analisados dados do Ipeadata e dados

originais das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios de 1976, 1986, 1996, 2006 e

2012, empregando medida de classe baseada em categorias ocupacionais. Observam-se

sinergias entre dinâmicas nas relações familiares e de gênero que afetam a capacidade das

famílias de gerar renda e o número de pessoas com quem dividi-la, bem como impasses

como o desafio de avançar na estrutura de cuidados para permitir ampliar o trabalho feminino

e melhorar as oportunidades educacionais nas classes baixas.

Palavras-chave: Gênero. Distribuição de renda. Desigualdades.


Introdução

Seja através dos estudos de economistas feministas (FERBER; NELSON, 2004), seja

por reflexões a partir de seu próprio mainstream (ESWARAN, 2014), crescentemente

estudos demonstram que o gênero importa para a economia, em aspectos os mais diversos

como o comportamento familiar, a crescente qualificação educacional das mulheres, seu

aporte no mercado de trabalho, ou preferências de consumo genderizadas. Este trabalho

destaca que a interface entre economia, gênero e famílias permite visibilizar sinergias e

vazios na interpretação das dinâmicas das desigualdades no Brasil, considerando o problema

da distribuição de renda.

O gênero importa para entender não apenas microdinâmicas, mas igualmente os

macroprocessos delas resultantes, estabelecendo pontes analíticas entre o que se passa nas

famílias e indicadores agregados, como o nível de desigualdades sociais. Para um exemplo

atual, pode-se citar a interpretação feminista da visão de Piketty acerca do “capitalismo

patrimonial” feita por Boushey (2017), que levanta importantes questões sobre as dinâmicas

das desigualdades sociais (de classe, raça e gênero) e a herança social. Ela lembra que visões

anteriores (como a de Kuznets e a teoria do capital humano) supunham que o crescimento

geraria inclusão, sendo o salário função da produtividade e a prática da discriminação uma

decisão irracional visto que os empregadores de sucesso escolheriam as pessoas mais

produtivas. Segundo Boushey, Piketty teria avançado ao mostrar que maior igualdade

econômica não é um resultado automático e que os valores meritocráticos encontram-se

ameaçados num contexto em que cresce a riqueza herdada (ao invés da renda do trabalho, o

que o leva ao termo “capitalismo patrimonial” para sugerir um retorno a antes do século

XX). Todavia, segundo a autora, são negligenciadas, por Piketty, as formas como o

casamento e a família afetam a transmissão de riqueza na moderna economia, aspectos que

experimentaram mudanças importantes, como os direitos civis e econômicos das mulheres


– incluindo o fim da progenitura e a igualdade de herança, ainda que persistam indicadores

de que mais frequentemente é o filho que herde os negócios das famílias ou receba maiores

investimentos educacionais (BOUSHEY, 2017, p. 380) – ; a crescente participação feminina

na renda familiar; impactos dos tipos de arranjos familiares e da homogamia para o nível de

desigualdade e a vulnerabilidade à pobreza; e mudanças na socialização dos filhos (com a

transferência de riqueza não apenas de forma direta mas também pela obtenção do “emprego

certo”).1

A economia feminista tem destacado também o valor do trabalho não pago da

mulher, o papel da produção doméstica, tentado abrir a caixa preta das famílias, pressupostas

como unidade, e pouco analisadas em suas negociações e distribuição desigual de recursos

(monetários mas também de tempo, cuidados, deferência, ou seja, as várias “moedas” da

vida privada). Passadas mais de duas décadas desde a crítica de Marilyn Waring (If women

counted, lançado em 1988) ao viés de gênero nas contas públicas (SAUNDERS; DALZIEL,

2017), tornou-se mais reconhecida, ainda que não rotinizada, a contabilização do tempo de

trabalho não remunerado (doméstico e de cuidado) em termos de contribuição para o PIB

nacional nas chamadas contas satélites (MELO; CONSIDERA; SABBATO, 2007)2. No

entanto, importa não apenas visibilizar a contribuição dos trabalhos doméstico e de cuidados

para o PIB, mas também seu impacto e inter-relação com outros eventos econômicos,

inclusive o trabalho feminino. Muitos estudos investigaram a “child penalty” para as mães,

1
Boushey também destaca, com dados para os EUA, que os homens seguem muito mais presentes que as
mulheres nos postos de poder político e econômico, além de que as mulheres ricas o são por herança em
proporção maior do que os homens, dentre os quais é mais frequente o self-made man (se comparado à
proporção de self-made woman).
2
Calculando o valor do trabalho doméstico a partir do valor que seria pago caso este fosse contratado no
mercado, Melo, Considera e Sabbato chegam a seguinte conta: “[...] conclui-se que essas atividades valem
cerca de 11,2% do PIB brasileiro e que corresponderam no ano de 2006 a R$ 260,2 bilhões. Ou seja, o PIB
nacional aumentaria nesse valor caso a sociedade contabilizasse essas tarefas ligadas à reprodução da vida.
Além do mais, 82% desse trabalho ou, pelo ângulo monetário, daquele valor, cerca de R$ 213 bilhões foram
gerados pelas mulheres. É preciso esclarecer que chegou-se a esse montante por que a economia brasileira paga
baixíssimos salários, e o serviço doméstico remunerado é uma das atividades econômicas de piores salários na
economia, o que vai refletir-se nessa medição” (2007, p. 451-452).
calculada como a renda de trabalho que a mulher receberia se não escolhesse a maternidade.

Este problema tende a se agravar com a “crise de cuidados”, problematizada no Brasil3 e no

mundo4, relacionada ao envelhecimento populacional. Glenn (2010) constata que o

problema do cuidado ganhou visibilidade pública a medida em que deixou de ser um

problema das famílias pobres e passou a afetar as rotinas das camadas médias e superiores,

detalhando os vários impactos econômicos do cuidado, em especial sobre as oportunidades

de trabalho de quem cuida, suas perdas financeiras e sua vulnerabilidade à pobreza.

As relações entre Economia, gênero e famílias, exploradas em debates gerais, é aqui

aprofundada em sua aplicação ao problema da distribuição de renda no Brasil, evidenciando

sinergias e vazios na interpretação das dinâmicas das desigualdades econômicas, de gênero

e entre famílias.

Metodologia

A família é unidade central para entender o nível de renda e a qualidade de vida da

população, visto ser a maior instituição que não é de mercado na qual a renda é gerada em

conjunto, acumulada e redistribuída (BEM-PORATH, 1982). Os estudos de desigualdade e

pobreza usualmente consideram a renda das famílias ainda que existam outras dimensões

passíveis de serem analisadas – como nos estudos de pobreza de tempo, ou de desigualdades

de acesso a serviços públicos. Alguns estudos consideram a distribuição de renda na

população economicamente ativa (PEA); mas, quando o que está em jogo é o nível de bem-

estar desfrutado pelas pessoas, a medida usual é domiciliar, uma vez que as famílias ou

3
Para uma análise da crise de cuidados no Brasil, ver Soares (2016).
4
Mais uma vez tem-se diversos fenômenos inter-relacionados, como a redução no tamanho das famílias,
mobilidade geográfica e altas taxas de emprego feminino, os quais favoreceram a redução das reservas de
cuidado representadas por esposas, mães e filhas, com base na “obrigações de status”, ou seja, atribuições de
gênero tradicionalmente relacionadas a tais papéis. Por outro lado, o exercício de cuidado pago segue
racializado, feminizado e desvalorizado, enquanto os arranjos públicos e gratuitos são negligenciados ou
insuficientes (GLENN, 2010).
grupos domésticos reúnem e distribuem recursos entre seus membros, o que permite a

sobrevivência daqueles inativos (em especial crianças, que diferentemente de idosos,

desempregados e doentes não contam com seguros ou aposentadorias).

Tendências distintas quanto ao nível de desigualdade e pobreza podem ser

observadas quando o que se considera é a renda pessoal ou a familiar, como ilustra a análise

de Hoffmann sobre o período 1979-1986, para o qual observa que a desigualdade entre

famílias é praticamente estável, mas a desigualdade entre pessoas economicamente ativas

aumenta, indicando que esta diferença de mensuração reflete “mudanças na composição das

famílias e na contribuição de seus membros para a formação do rendimento familiar.” (1989,

p. 41).

Se a família é uma unidade de bem-estar importante para os estudos de distribuição

de renda, o que se passa dentro das famílias nem sempre é considerado. Embora a teoria

econômica implicitamente suponha um patriarca benévolo (STRASSMANN, 2004, p. 89)

que opera a distribuição de renda nas famílias, a distribuição desigual de recursos nas

famílias vem sendo analisada pelos estudos de gênero e por outros autores, como Sen (1990).

Ao contrário, mostram-se mais frequentes as matriarcas benévolas, como indicado por

políticas públicas, como as transferências de renda propugnadas pelo Banco Mundial (o que

inclui o Bolsa Família no Brasil), que priorizam as beneficiárias mulheres, e sobretudo mães,

supondo um comportamento econômico altruísta em prol do grupo familiar.

É bastante documentado também o quanto a desigualdade de recursos nas famílias

têm implicações para outras esferas das desigualdades de gênero, como as relações de

autoridade no casal 5. Ao observar o poder dentro do casamento de uma “perspectiva de

barganha”, England (1997) destaca que a capacidade de ganho no mercado, tipicamente

5
Razão pela qual é reconhecido o impacto das transferências estatais para o empoderamento das mulheres.
exercida pelos maridos, é uma contribuição que pode ser levada consigo ao sair do

casamento, ao contrário do trabalho doméstico e de cuidado que, se exercido de forma

exclusiva pelas mulheres, reduz as alternativas dela fora da união.

Outras dinâmicas familiares em curso, com o crescimento do trabalho feminino e a

redução da fecundidade, também impactam a distribuição de renda. Para evidenciar como as

mudanças nos arranjos familiares afetam de variadas formas as desigualdades sociais, basta

dizer que a renda familiar per capita (rfpc) é diretamente proporcional ao número de ativos

e inativos com rendimento e suas respectivas remunerações médias e inversamente

proporcional ao tamanho da família (FIGUEIREDO; SILVA, 1990). Logo, o aumento do

trabalho feminino representa um aumento no numerador enquanto a correspondente

mudança no comportamento reprodutivo, com redução do número de filhos, representa uma

diminuição no denominador. Este trabalho contribui para evidenciar tais aspectos,

oferecendo, por um lado, revisão bibliográfica das evidências encontradas sobre as relações

entre mudanças nas famílias, no lugar da mulher nelas e seu impacto nas desigualdades de

renda, e, por outro lado, resultados de análise de dados em curso. São analisados dados

coletados e processados pelo Ipeadata, para descrever aspectos da evolução da pobreza e

desigualdade; e dados originais das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD

– IBGE) dos anos 1976, 1986, 1996, 2006 e 2012, para investigar variações por classe nas

transformações nas famílias e na contribuição econômica das mulheres. A construção de

medida de classe familiar inspirou-se no método de dominância de Erikson (1984), que

considera a posição mais alta entre os cônjuges. Empregou-se agregação das categorias

ocupacionais propostas por Valle Silva (2003).6

6
O esquema ocupacional resultante é composto pelas classes descritas a seguir, doravante denominadas nos
gráficos apenas por seu número por razões de economia de espaço. Classe 1 - Trabalhadores rurais, Classe 2 -
Trabalhadores na indústria tradicional, nos serviços pessoais e domésticos, Classe 3 - Trabalhadores nos
serviços gerais e vendedores ambulantes, Classe 4 - Trabalhadores na indústria moderna, Classe 5 -
Empresários por conta-própria, Classe 6 - Ocupações não-manuais, técnicas, artísticas, de rotina e supervisão,
Espera-se, assim, problematizar limites e possibilidades nas análises de distribuição

de renda a partir da agenda de temas que emergem das mudanças nas relações de gênero, os

quais vem sendo exploradas na literatura internacional mas necessitam maiores estudos no

Brasil.

Resultados e Discussão

O quadro bastante conhecido da redução da pobreza e da desigualdade no Brasil

mostra contornos mais nuançados quando se consideram as transformações nas relações de

gênero, em especial no trabalho feminino e no comportamento reprodutivo. Após descrever

brevemente a evolução das desigualdades sociais e da pobreza no Brasil, problematiza-se

como as transformações nas relações familiares e de gênero contribuem para a dinâmica das

desigualdades, a partir de evidências da literatura brasileira e novos dados.

Já é bastante documentado que, desde os anos 1990 e mais intensamente nos anos

2000, observa-se redução da pobreza e da extrema pobreza no Brasil. Por outro lado,

simultaneamente à redução da pobreza, ocorreu redução dos níveis de desigualdade,

captados pelo Índice de Theil desde os anos 1990 e visíveis pelo Coeficiente de Gini apenas

nos anos 2000. Esta variação na mensuração deve-se às próprias características dos índices,

visto que o Gini capta melhor mudanças no meio da distribuição e o Theil mais mudanças

nos extremos.

Classe 7- Proprietários e dirigentes, Classe 8 - Profissionais de nível superior.


Gráfico 1 – Proporção de domicílios pobres e extremamente pobres e evolução dos índices
de Gini e Theil, Brasil, 1976 a 20147
45,00 1,000
40,00 0,900
35,00 0,800
30,00 0,700
25,00
0,600
20,00
0,500
15,00
0,400
10,00
0,300
5,00
0,00 0,200
1976
1979
1983
1986
1989
1993
1997
2001
2004
2007
2011
2014
0,100
0,000

1976
1979
1983
1986
1989
1993
1997
2001
2004
2007
2011
2014
Proporção de domicílios extremamente
pobres
Proporção de domicílios pobres Coeficiente de Gini Índice de Theil

Fonte: Elaboração própria a partir de dados processados Ipeadata com base nas Pesquisas
Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE).

Observou-se igualmente melhoria na distribuição de renda com aumento da parcela

apropriada pelos cinco percentis mais baixos (50% mais pobre) e redução da desigualdade

entre extremos da distribuição. Não obstante, como se observa pelo gráfico 2,a parcela

apropriada por cada segmento segue muito desigual. Se tomarmos a velha metáfora da fatia

do bolo, o que se observa é que cabia aos 10% mais ricos metade do bolo, enquanto aos 10%

mais pobres farelos da ordem de menos de 5%. Esta distribuição é menos desigual em 2014,

visto que os mais ricos passaram a reter 40,89% da renda enquanto os mais pobres 1,16%

7
Nesta sequência de dados, o ano de 1986 representa uma inflexão na renda devido ao Plano Cruzado e o
congelamento dos preços. Dados não disponíveis para 1980, 1991, 2000 e 2010 (anos de censos, quando não
há Pnads) e 1994, ano em que excepcionalmente não foi realizada a Pnad.
Segundo nota do Ipeadata, a linha de extrema pobreza aqui considerada é uma estimativa do valor de uma cesta
de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em
recomendações da FAO e da OMS. São estimados diferentes valores para 24 regiões do país. A linha de pobreza
é o dobro da linha de extrema pobreza. Já o Coeficiente de Gini e Índice de Theil medem o grau de desigualdade
na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos. Seu valor pode variar teoricamente desde 0,
quando não há desigualdade (as rendas de todos os indivíduos têm o mesmo valor), até 1, quando a
desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros
indivíduos é nula).
(em 1976, os percentuais eram respectivamente 51,04 e 0,85). Considerando as rendas

médias de cada percentil, observa-se que desde a década de 2000 ocorreu melhora da renda

ao longo de todos os percentis, mas a renda do percentil mais rico cresce proporcionalmente

mais, aumentando as distâncias sociais entre os extremos da distribuição. Em 2014, o

percentil mais alto recebia uma renda domiciliar per capita média de R$4.711,91 e o mais

baixo de apenas R$133,12, mas nota-se um grau de variação menor entre os nove percentis,

sendo a renda média do 9º percentil de R$1.800,75.

Gráfico 2 – Valor médio e participação na renda domiciliar per capita por décimo da
população, Brasil, 1976 a 20148
5.000,00 100%
4.500,00 90%
4.000,00 80%
3.500,00 70%
3.000,00 60%
2.500,00 50%
2.000,00 40%
1.500,00 30%
1.000,00 20%
500,00 10%
0,00 0%
1976
1979
1983
1986
1989
1993
1997
2001
2004
2007
2011
2014

1976
1979
1983
1986
1989
1993
1997
2001
2004
2007
2011
2014

10º 9º 8º 7º 6º 1º 2º 3º 4º 5º
5º 4º 3º 2º 1º 6º 7º 8º 9º 10º

Fonte: Elaboração própria a partir de dados processados pelo Ipeadata com base nas PNADs.

Na outra ponta, os estratos mais baixos experimentaram melhorias na sua renda

relacionadas ao aumento do emprego e à valorização do salário mínimo. O aumento do valor

8
Segundo nota do Ipeadata, considerou-se a média da renda domiciliar per capita mensal dos indivíduos
pertencentes ao décimo da população, ordenada com renda crescente e dividida em dez grupos com o mesmo
número de pessoas. O 1º décimo corresponde aos 10% mais pobres da população. Considerou-se também a
proporção da renda total do país apropriada por cada percentil (o 10% são os 10% mais ricos) da distribuição
segundo a renda domiciliar per capita. A série foi calculada com valores reais aos preços vigentes na realização
da última edição da pesquisa (2014), atualizados conforme o deflator para rendimentos da Pnad apresentado
pelo Ipeadata.
real do salário mínimo reflete não apenas a dimensão da política salarial, mas também o

impacto do controle da inflação, que penaliza os mais pobres, na medida em que possui o

“efeito de redistribuir renda contra os assalariados” (HOFFMAN, 1989, p. 36). Muitos

estudos analisaram a queda da desigualdade no Brasil explorando seus determinantes (Ipea,

2005), dentre os quais se incluem também as políticas e transferências públicas (como

aposentadoria e pensões, Benefício de Prestação Continuada e Bolsa Família). Se grande

parte das análises enfatizam aspectos econômicos, quando se retoma o significado da renda

familiar per capita é preciso considerar outras transformações importantes que afetam a

dinâmica da pobreza e da desigualdade, indagando em que medida mudanças na distribuição

de renda expressam também transformações nas relações familiares e de gênero que afetam

a oferta pelas famílias de mão de obra.

O crescimento do trabalho feminino (como observado no gráfico 3) processa-se no

Brasil desde os anos 1970 refletindo novas dinâmicas nas relações familiares e de gênero e

impactando o numerador da rfpc. Outra transformação importante, que afeta o denominador,

foi a redução da fecundidade. Considerando a fecundidade de uma perspectiva de longa

duração, de 1950 a 2015 para o Brasil e a América Latina com dados do Cepalstat, nota-se

que nos anos 1970 fica evidente o processo de queda da fecundidade que afetará

subsequentemente a estrutura da população e o tamanho das gerações que entram no

mercado de trabalho, e o número de dependentes a serem cuidados pelas famílias.

Portanto, se os anos 2000 foram marcados no Brasil e na América Latina em média

por crescimento econômico e redução da desigualdade, o período representa também a

estabilização do processo de declínio da fecundidade. Mais riqueza e menos pessoas com

quem dividi-la favorecem o quadro macro de redução das desigualdades sociais. Ademais,

é num contexto em que as mulheres são crescentemente provedoras de suas famílias e


mudam seu comportamento reprodutivo com expressiva queda do número de filhos que se

observa a redução da incidência de pobreza (LEONE; MAIA; BALTAR, 2003).

Gráfico 3 - Taxa de atividade9 feminina (Brasil, 1976 a 2007) e taxa de fecundidade (Brasil
e América Latina, 1950 a 2015)
7,00

6,00

5,00
50,352,4
4,00
taxa de atividade feminina

48,147,247,5

filhos
39,239,6 3,00
35,636,9
32,9 2,00
28,8
1,00

0,00

1950_1955
1955_1960
1960_1965
1965_1970
1970_1975
1975_1980
1980_1985
1985_1990
1990_1995
1995_2000
2000_2005
2005_2010
2010_2015
Brasil América Latina

Fonte: Fundação Carlos Chagas. Série “Mulheres no mercado de trabalho: grandes números”
(disponível em: https://www.fcc.org.br/bdmulheres/serie1.php?area=series) e Cepalstat.

Questões sobre os efeitos das transformações familiares, e em especial do trabalho

feminino, sobre as desigualdades sociais estão muito presentes na literatura internacional,

mas ainda recebem pouca atenção no Brasil. Um aspecto que vem sendo destacado é que a

igualdade de gênero pode aumentar as desigualdades de classe, pois, se os casais se tornam

menos assimétricos, a maior igualdade de rendimentos nos casais implica maior

desigualdade entre famílias (SCHWARTZ, 2010). Outros estudos destacam o efeito do

trabalho feminino para reduzir, ou impedir o aumento, da desigualdade, destacando também

9
Definida pelo IBGE como a percentagem das pessoas economicamente ativas em relação às pessoas de 10 ou
mais anos de idade. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm>. É
preciso observar que em 1992 houve mudança na metodologia de mensuração da população economicamente
ativa, que passou a incluir produção para o consumo e construção próprios. Para mais detalhes, ver notas
metodológicas da FCC, disponível em: <https://www.fcc.org.br/bdmulheres/notas.php?area=notas>.
a desigualdade entre quem tem acesso e quem não tem às políticas de cuidado e a licenças

parentais remuneradas (um problema especialmente destacado nos EUA - WARNER, 2015),

evidenciando que o crescimento das desigualdades no mundo varia conforme fatores sociais,

econômicos e políticos dos diferentes países, sendo que em alguns casos, como a Suécia, o

crescimento do trabalho feminino apoia-se em políticas mais generosas que permitem uma

melhor articulação entre trabalho e família.

Alguns estudos brasileiros abordaram, mesmo que indiretamente, como a maior

participação feminina no mercado de trabalho influencia a distribuição da renda pessoal e

familiar. Hoffmann (1989) havia identificado entre 1979 e 1985 uma nítida tendência de

crescimento da desigualdade entre mulheres, apresentando como explicação que houve

“pequena mas crescente participação de mulheres em empregos relativamente bem

remunerados. Mas a maioria das mulheres ocupadas continua recebendo remunerações

muito baixas”. Neste contexto houve maior polarização e mais desigualdade de renda entre

mulheres trabalhadoras pois “o crescimento do número de mulheres na cauda superior da

distribuição de rendimentos, mantendo-se a maioria com remunerações baixíssimas, faz com

que aumente a desigualdade entre mulheres na PEA” (p. 32).

Já Ribeiro e Machado (2016) observam, no caso das esposas, redução das

desigualdades nas décadas de 1990 e 2000 e constatam “uma correlação positiva e crescente

entre os rendimentos de maridos e esposas no Brasil, bem como uma diminuição da

desigualdade entre as esposas e um aumento da proporção da renda domiciliar devido ao

trabalho das esposas” (p. 3). Destacam que importa considerar como o trabalho feminino se

difunde entre os estratos sociais, pois “se o aumento da participação ocorresse apenas para

mulheres com rendas mais altas haveria uma tendência de aumento da desigualdade, mas se

ocorresse para mulheres com rendas medias ou baixas haveria uma tendência de diminuição

das desigualdades.” (p. 5).


Hoffmann e Leone (2004) também destacaram que o efeito do trabalho feminino na

renda familiar depende dos diferenciais de salários por gênero (de quão baixos são os salários

das mulheres comparados aos dos homens), do percentual de mulheres que participa do

mercado de trabalho e do seu perfil, bem como do grau de associação entre os rendimentos

das mulheres e as outras fontes de renda dos domicílios (o trabalho dos homens, as

aposentadorias e pensões, os aluguéis, as doações, os juros e outros rendimentos). Neste

sentido, alertam que as diferenças entre trabalho feminino e masculino estão diminuindo,

mas as causas não são apenas melhorias na condição feminina, mas também pioras na

condição masculina: “as diferenças de trabalho masculino e feminino estão diminuindo, só

que agora não somente pela capacidade das mulheres de entrarem no mercado reservado aos

homens, mas também pela redução deste último e pela participação conjunta de homens e

mulheres nos empregos precários que hoje o mercado de trabalho oferece a ambos os sexos”

(p. 37). Os autores investigaram o percentual de domicílios que contam com renda do

trabalho de mulheres e o quanto sua renda significa proporcionalmente para a renda

domiciliar. Ambas as medidas tendem a aumentar com a renda familiar, mas reduzem seus

valores nos dois estratos mais altos. Parte da explicação é (ainda que a renda do trabalho seja

a principal fonte da população) o maior peso nos estratos mais altos de outras rendas (além

do trabalho) no domicílio. Por outro lado, “nos estratos inferiores os rendimentos das

mulheres correspondem a uma parcela maior dos rendimentos dos homens, conseqüência

dos baixos salários dos homens nesses estratos de renda. As maiores diferenças de

rendimentos do trabalho são verificadas nos domicílios dos estratos superiores de renda,

reflexo da elevada renda dos homens desses domicílios.” (HOFFMANN; LEONE, 2004, p.

46).

Empregando uma medida de classe familiar, foi possível observar que o crescimento

do trabalho feminino, e em especial das mulheres unidas, nas últimas décadas ocorreu em
todos os estratos sociais (gráfico 4). Não obstante, se antes de 1976 o engajamento feminino

no mercado de trabalho era mais comum nos dois extremos (aproximando-se sua

configuração de um formato em U), nas últimas décadas observa-se que a participação

feminina no mercado de trabalho tende a crescer com a condição de classe (aproximando-se

a uma reta cuja inclinação indica que o trabalho feminino é tanto maior quanto mais alta a

posição de classe). Deve-se, então, indagar o quanto este perfil de engajamento feminino no

mercado de trabalho favorece o aumento ou manutenção das desigualdades de renda entre

famílias no Brasil.

Gráfico 4 - Percentual de mulheres unidas de 15 a 54 anos que trabalha por classe social,
Brasil, 1976, 1986, 1996, 2006 e 2012
100%
80%

60%

40%

20%

0%
Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe 5 Classe 6 Classe 7 Classe 8

1976 1986 1996 2006 2012

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados das PNADs de 1976, 1986, 1996, 2006 e 2012.

Por outro lado, como se observa pelo gráfico 5, se em 1976 predominavam

fortemente (mais de 70%) os casais em que as esposas não tinham renda, em 2012

predominam (entre 30 e 40% do total) aqueles em que a mulher tem até 40% da renda do

casal e crescem também os casais em que as mulheres detém entre 40 e 60% da renda do

casal (entre 20 e 30% dos casais). Os maiores percentuais de mulheres que detém a maior

parte da renda do casal (60% ou mais) são encontrados nos extremos, nas classes 1 e 8, onde

chegam a representar 17% dos casais em 2012.


Gráfico 5 – Participação da mulher na renda dos casais (mulheres com 15 a 54 anos) por
classe, Brasil, 1976 e 2012*
1976 2012
100% 100%
80% 80%
60% 60%
40% 40%
20% 20%
0% 0%

Sem renda Menos de 40% Sem renda Menos de 40%


40 a 60% Mais de 60% 40 a 60% Mais de 60%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das PNADs de 1976 e 2012.

Se há consenso de que a renda das mulheres tende a se tornar mais importante

no orçamento familiar, ainda é pouco estudado não apenas as desigualdades entre mulheres,

mas também como esta dinâmica interage com outras transformações em curso, como a

contribuição da renda das mães para adiar a entrada de filhos no mercado de trabalho.

As mudanças na oferta de trabalho nas famílias é um tema clássico, em especial

como a oferta de trabalho nas famílias pode ser usada para reequilibrar o orçamento

doméstico em contextos econômicos adversos (ZILBERSTAJN; PAGOTTO; PASTORE,

1983). Inversamente, pode-se pensar como o aumento na renda dos provedores adultos pode

ajudar a prolongar a escolarização das crianças, bem como ter recursos para melhor investir

nelas.

O prolongamento escolar é uma transformação (em curso inclusive nas classes

baixas) importante para reduzir desigualdades entre famílias no futuro. A saída da escola

precoce e a entrada no mercado de trabalho dos filhos possuem efeitos imediatos e futuros

no orçamento familiar. Se no contexto imediato a renda dos filhos pode ajudar a completar
o orçamento familiar, no médio e longo prazo sacrifica suas possibilidades de escolarizar-se

e obter melhor inserção no mercado de trabalho.

Os filhos afetam as desigualdades de renda entre as famílias não apenas do ponto de

vista de sua contribuição para a renda familiar, mas também de seu impacto na razão de

dependência. Logo, é preciso considerar dinâmicas demográficas das famílias, como a taxa

de fecundidade e a razão de dependência. Pelo gráfico 6, observa-se redução contínua da

fecundidade e convergência entre as classes em níveis de mais baixa fecundidade desde

2006, ainda que persistam diferenciais no número de filhos, que oscilam entre 2,8 filhos

(classe 1) e 1,1 (classe 8) em 2012 (os diferenciais eram de 6,6 a 2,5 filhos em 1976).

Gráfico 6 - Taxa de fecundidade por classe social, Brasil, 1976, 1986, 1996, 2006 e 2012
7 Classe 1
6 Classe 2
5 Classe 3

4 Classe 4

3 Classe 5
Classe 6
2
Classe 7
1
1976 1986 1996 2006 2012 Classe 8

Fonte: Elaboração própria, empregando a técnica de Brass, a partir de dados das PNADs de
1976, 1986, 1996, 2006 e 2012.

Esta é outra importante transformação nas relações de gênero, evidenciando a

sinergia entre mudanças no comportamento reprodutivo e no engajamento no mercado de

trabalho das mulheres. Ademais, do ponto de vista das desigualdades de classe, como

discutido por Esping-Andersen (2009), a fecundidade diferencial implica que os poucos

filhos dos estratos mais altos contarão com superinvestimentos capazes de maximizar suas

chances de manutenção da posição social de seus pais.


Por outro lado, não obstante reduza-se a razão de dependência10 nas classes baixas,

em 2012 se comparadas a 1976 (gráfico 7), estas seguem tendo um maior percentual de

crianças e idosos sob seu cuidado. Se os idosos em grande medida dispõe de renda de

aposentadoria e/ou pensão, as crianças representam responsabilidades econômicas e de

cuidado, o que, diante da insuficiência de soluções de cuidado – sobretudo infantil (pré-

escola, escola em tempo integral etc.) – tende a aumentar as desigualdades sociais não apenas

entre os adultos na PEA, pois gera-se uma competição desigual no mercado para os que têm

responsabilidades familiares (como reconhecido na Convenção 156 da OIT), mas também

entre famílias, diante da tendência de melhores soluções de cuidado para os mais ricos (que

podem pagar por serviços de cuidado e assim ampliar seu leque de alternativas) e piores para

os mais pobres, afetando também a escolarização das crianças e suas oportunidades futuras.

Gráfico 7 - Razão de dependência por classe social, Brasil, 1976 e 2012


1976 2012
100% 100%
80% 80%
60% 60%
40% 40%
20% 20%
0% 0%

razão de dependência 65 anos e mais razão de dependência 65 anos e mais


razão de dependência 0 a 14 anos razão de dependência 0 a 14 anos

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados das PNADs de 1976 e 2012.

As desigualdades na estrutura de cuidados agravam as desigualdades econômicas.

Como destacam Ramos, Aguas e Furtado (2011), “apesar de as mulheres pertencentes a

famílias com maior inclinação à pobreza terem maior probabilidade de estar na PEA, esse

10
A razão de dependência é definida pelo peso da população considerada inativa (0 a 14 anos e 65 anos e mais
de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64 anos de idade).
efeito é anulado, e até revertido, se elas possuírem filhos pequenos” (p. 607), demonstrando

que a subutilização do trabalho feminino funciona como empecilho à redução da pobreza,

ainda mais porque a inserção feminina na PEA é mais difícil justamente entre as mais pobres.

Conclusões

A relação entre gênero, famílias e distribuição de renda tem diversas

dimensões. No caso das mudanças no engajamento das mulheres no mercado de trabalho,

pode-se indagar em que medida às desigualdades de renda de trabalho existentes entre os

homens somam-se cada vez mais também as desigualdades entre as mulheres. Se no passado

os investimentos educacionais femininos funcionavam nos estratos superiores como

reservas, hoje expressam-se como renda efetiva, e, com homogamia (propensão ao

casamento entre pessoas com escolaridade e renda semelhantes), tornam-se mais complexas

as diferenciações na renda familiar.

Os diferenciais no número de dependentes (relacionado a transformações

demográficas, com redução da fecundidade e da mortalidade, que culminam no

envelhecimento da estrutura populacional, com menos crianças mas mais idosos e doentes

para cuidar) e no acesso a serviços de cuidado de dependentes é outra dimensão que afeta a

renda das famílias, de forma direta e indireta11. Outra fonte usual de desigualdade de renda

entre famílias diz respeito à diversificação dos arranjos familiares, emergindo arranjos

bastante díspares em suas possibilidades de obter e redistribuir renda, tais como os casais

com dois provedores e nenhuma criança (apelidados DINC) e as famílias monoparentais,

11
Diante de tais variadas desigualdades, cresce hoje a convicção de que os custos com as crianças devem ser
vistos como investimentos, opinião presente em autores com perspectivas bem distintas como Esping-
Andersen e James Heckman, como aponta Thevenon (2009, p. 18). Os filhos possuem custos diretos estimados
em termos das despesas médias com alimentação, vestimento, alojamento, educação etc. Dentre os custos
indiretos, estão as perdas salariais da mãe devido à interrupção ou redução da atividade, com as consequentes
perdas de aquisição de capital humano relacionadas à experiência de trabalho, além do déficit de políticas de
conciliação.
estas últimas tradicionalmente apontadas como experimentando déficit de renda, devido a

várias causas cumulativas (apenas um provedor, em geral mulheres as quais ganham menos

que os homens, com acúmulo de carga de trabalho remunerado, doméstico e de cuidados).

Todas estas questões mostram o quanto o que se passa nas relações de gênero e

familiares – das decisões reprodutivas à carga de trabalho doméstico e de cuidado não

remunerado e as possibilidades de engajamento no trabalho pago – afeta as relações

econômicas, particularmente a distribuição de renda. Se as famílias organizam relações de

gênero e gerações, bem como fluxos de renda e serviços domésticos e de cuidado entre

homens e mulheres, crianças, adultos e idosos, deve-se enfatizar que a divisão dos trabalhos

(no mercado, doméstico e de cuidado) ocorre no nível micro das famílias (a partir da divisão

sexual do trabalho e das relações intergeracionais), mas também é regulada socialmente,

pelo Estado. Leis que regulam herança, licenças parentais, transferências de renda para

crianças ou idosos via políticas públicas são todas formas de definir relações de gênero e

geracionais do macro ao micro. Assim, outra dimensão (que gera desigualdades entre

famílias, gêneros e gerações), ainda pouco contabilizada, diz respeito ao impacto das

políticas públicas, em particular quem se beneficia das transferências governamentais (em

dinheiro ou serviços) e quão equalizadores os gastos sociais são (LUSTIG, 2017).

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PARTICIPAÇÃO DA MÃE NO MERCADO DE TRABALHO E O DIFERENCIAL

EDUCACIONAL POR GÊNERO ENTRE ADOLESCENTES

Ana Cecília de Almeida – Universidade Federal de Viçosa


João Eustáquio de Lima – Universidade Federal de Viçosa
Lorena Vieira da Costa Lelis - Universidade Federal de Viçosa

RESUMO

Atualmente, o número de crianças que crescem em famílias em que as mães são ativas no

mercado de trabalho, é significativamente superior ao de gerações anteriores. Essa

mudança demográfica envolve alterações quanto ao tempo e cuidado materno dedicado aos

filhos, podendo afetar suas vidas atuais e prospecções futuras. Por isso, o objetivo desta

pesquisa é contribuir para o debate acerca dos efeitos relacionados à participação da mãe

no mercado de trabalho e a escolaridade dos filhos, medida pelas horas de trabalho. Os

resultados são estimados por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) e a fim de isolar os

efeitos causais entre a decisão pelo mercado de trabalho das mães e a escolaridade dos

filhos, as estimações são obtidas por meio de variáveis instrumentais, nas quais as

condições do mercado de trabalho local são utilizadas como instrumentos. Entre os

resultados, destaca-se que o aumento das horas trabalhadas da mãe reduz a educação deles.

Em relação ao diferencial educacional entre os sexos, observa-se que o efeito da mãe

trabalhar não é responsável por introduzir diferenciais educacionais entre os sexos.

Palavras chave: Participação da mãe no mercado de trabalho; Diferencial educacional

entre gêneros.

ABSTRACT

Currently, the number of children raised by working mothers is significantly higher than in

previous generations. This demographic change involves shifts regarding to duration and

type of childcare, which may affect children’s lives. Because of this, the objective of this
research is to contribute to the debate about the effects regarding mother’s labor force

participation and the schooling of their children, measured by hours worked.The results is

estimated by Ordinary Least Squares (OLS) and in order to isolate the causal effect

between the decision by the mothers' labor force and the schooling of their children, the

estimates are also performed using instrumental variables, in which local labor market

conditions are used as instruments. Among the results, it is noteworthy that the fact that the

mother’s worked hours decreases the children’s education. Regarding the educational

gender gap, mother’s workis not responsible for introducing educational differentials

between the sexes.

Key-Words:Maternal employment; Educational differential between sexes.

1INTRODUÇÃO

A questão sobre igualdade de gênero na educação faz parte das seis metas para

melhorar os sistemas educacionais no mundo, assinadas por 164 países no ano 2000 no

Fórum Mundial de Dakar1. De acordo com os dados do Relatório de Monitoramento

Global UNESCO (2015), o progresso foi mais expressivo no ensino médio, nível em que

68% dos países conseguiram alcançar a paridade de gênero até 2015. Já no ensino

fundamental, apenas 48% dos países tiveram sucesso até esse mesmo ano. A diferença

entre o número de matrículas também reduziu, mesmo ainda permanecendo maior a

probabilidade das meninas nunca se matricularem em relação aos meninos, 48% contra

37%. Porém, quando matriculadas, elas apresentaram maiores chances de concluírem sua

educação, pois apresentaram menor probabilidade de abandonar a escola (20% contra 26%

para os homens).
1
Segundo o Relatório de Monitoramento Global UNESCO (2015), esse é o objetivo 5 do Compromisso de
Educação para Todos (EPT): Paridade e igualdade de gênero, cuja meta é eliminar da educação primária e
secundária as diferenças de gênero até 2005 e chegar a igualdade educacional entre os sexos, em todos os
níveis educacionais, até 2015. O principal objetivo é garantir o acesso completo e equitativo das mulheres a
uma educação básica de qualidade.
No Brasil, não há paridade entre os sexos, e sim uma reversão do hiato em favor

das mulheres, ou seja, as mulheres possuem em média mais anos de estudo do que os

homens. Segundo o trabalho feito por Beltrão e Alves (2009), analisando os dados

desagregados por coorte de idade, percebe-se que a reversão do gap educacional por

gênero ocorreu primeiramente entre as pessoas com idades entre 10 a 14 anos, na década

de 1960. Essa mudança ocorreu inicialmente no ensino fundamental, evoluindo para o

ensino médio, e, a partir de 1970, para o ensino superior.

Em uma análise para os anos mais recentes, observa-se na Figura 1 que as mulheres

continuam estudando mais que os homens. As médias de escolaridade vêm crescendo para

ambos os sexos, mas em todos os anos de análise as mulheres têm médias maiores que os

homens, sendo essa diferença mais acentuada no ano de 2014.

Figura 1– Média de anos de estudo da população brasileira por sexo e para os anos

de 2011 a 2014.

6,96
6,74 6,83
6,53 6,43
6,23 6,31
6,03

2011 2012 2013 2014

Anos de estudos dos homens Anos de estudo das mulheres

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das PNADs de 2011 a 2014 (IBGE).

Uma das implicações da elevação da escolaridade das mulheres diz respeito à sua

maior inserção no mercado de trabalho. No Brasil, verifica-se pelos dados da PNAD,

representados Figura 2 que entre os anos de 2004 e 2014, houve um aumento de 7,169

milhões de mulheres na população locada nos postos de trabalho. Em relação às mães,

segundo Souza e Rios-Neto (2008) nos grupos com idades entre 21 e 35 anos e com no
mínimo dois filhos, a taxa de participação laboral passou de11,3% no ano de 1970 para

39,81% em 2000. Além disso, 30% da população feminina empregada em 2006 era

representada por mulheres chefes do domicílio e, entre elas, 50,6% não eram casadas e

moravam com seus filhos.

Figura 2- Quantidade de mulheres ocupadas maiores de 5 anos, em milhões – Brasil

44.000

39.000

34.000
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011 2012 2013 2014

População feminina ocupada

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das PNADs de 2004 a 2014 (IBGE).
Obs.: *Nesse ano a PNAD não foi realizada, de modo que se utiliza uma média dos anos imediatamente
adjacentes.

Essas estatísticas sugerem uma tendência de elevação da participação das mães no

mercado de trabalho, um movimento importante no sentido de contribuir para a igualdade

de oportunidades laborais entre os gêneros (ainda que persistam desigualdades salariais).

Como resultado, tem-se observado uma redução no tempo da mãe em casa com os filhos, o

que pode levar a diferentes implicações sobre os domicílios. Verificar o impacto dessas

tendências é de suma importância dado que poderiam indicar efeitos benéficos do trabalho

das mães sobre seus filhos (tanto por meio da elevação da renda quanto do empoderamento

feminino e do exemplo a ser seguido) ou impactos prejudiciais (principalmente

relacionados à redução do tempo de qualidade com os filhos associada à uma ausência de

contrapartida dos cônjuges no cuidado com os adolescentes).

A literatura apresenta evidências de uma série de alterações comportamentais e

demográficas dentro do domicílio, que podem ser resultado dessa maior participação das
mulheres no mercado de trabalho. Um exemplo disso é o estudo deRuhm (2008) para os

Estado Unidos, que busca, por meio de três perspectivas, identificar o efeito de a mãe

trabalhar sobre o desenvolvimento dos adolescentes: desenvolvimento cognitivo,

problemas socioemocionais e saúde. Os resultados indicam que as horas de trabalho

semanais das mães se associam a uma redução das notas dos filhos e de problemas

comportamentais e a uma elevação na obesidade, no uso de cigarros e de bebidas

alcoólicas.

Na literatura nacional, Vieira et al. (2015) analisa a relação entre a renda e a oferta

de trabalho dos pais nas decisões entre trabalho e estudo dos adolescentes. Esses autores

encontraram que tanto a participação da mãe quanto a do pai no mercado de trabalho

diminuem a probabilidade dos adolescentes só estudar. Dessa forma, os adolescentes cujos

pais estão trabalhando tendem a dividir o seu tempo não somente com os estudos, mas com

outras atividades, como cuidar dos irmãos e da casa. A renda de ambos os pais apenas

diminui a probabilidade dos filhos escolherem a opção de apenas trabalhar.

Um dos meios utilizados por Aquino e Pazello (2011) para verificar o papel da

família sobre o desempenho escolar das crianças brasileiras foi a análise entre o trabalho

materno e a probabilidade de aprovação dos seus filhos. Foram utilizados dois períodos

diferentes, de 1986 a 1995 e de 2002 a 2006. Para ambos os períodos, o impacto da entrada

da mãe no mercado de trabalho na aprovação dos filhos, caso ela não tivesse entrado, foi

negativo. Para a amostra mais antiga esse impacto é menor do que para as gerações mais

novas. Quando analisado o trabalho da mãe em diferentes jornadas de trabalho, o fato de a

mãe trabalhar meio período em relação a não trabalhar aumentou a probabilidade de

aprovação das crianças, mas não foi significativo.

Além disso, autores como González de San Román e de la Rica Goiricelaya (2012)

e Fan et al.(2015) identificaram que filhos de sexos diferentes com mães ativas no mercado
de trabalho, tendem a ter diferenças educacionais, sendo o fato em média mais benéfico

para as mulheres do que para os homens. Entretanto, outros autores divergem de opinião e

consideram que não há diferença entre os sexos (BAUM, 2004 e HAN et al.,2001).

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho, é verificar de que forma no Brasil, a

oferta de trabalho das mães se relaciona com o diferencial no nível de escolaridade dos

adolescentes de sexo diferentes, o que será analisado pelos anos de estudos. Este trabalho,

além de contribuir para o debate existente nos estudos que investigam a relação entre a

vida laboral das mulheres e a educação dos filhos, poderá cooperar para formulação de

políticas públicas. Como exemplo dessas políticas, pode-se citar: políticas de licença

familiar, de igualdade entre os sexos, entre outras que possam promover o empoderamento

da mulher.

De acordo com Duflo (2012), entende-se por empoderamento o melhoramento das

possibilidades de acesso da mulher a fatores de desenvolvimento econômico, como acesso

à saúde, educação, participação política e igualdades salariais. Além disso, o

empoderamento da mulher pode acelerar o desenvolvimento econômico, pois estão

altamente associados, visto que o desenvolvimento pode sozinho levar a igualdade entre os

sexos, enquanto que a continua discriminação em relação às mulheres pode dificultar o

desenvolvimento de uma nação. Sendo assim, além das medidas anteriores, esse trabalho

pode contribuir para formulação de políticas de desenvolvimento econômico, pois além do

mencionado anteriormente a educação é a principal fonte de capital humano, a qual se

consubstancia como um dos fatores responsáveis por desenvolver uma economia.


2METODOLOGIA

O modelo a ser estimado para explicar o efeito dessa participação sobre o

diferencial educacional entre os sexos, dos adolescentes de 12 a 18 anos, define-se a

seguinte equação:

𝑦𝑖 = 𝜌 + 𝜍ℎ𝑡𝑟𝑎𝑏𝑚ã𝑒𝑖 + 𝛼(ℎ𝑡𝑟𝑎𝑏𝑚ã𝑒𝑖 ∗ 𝑠𝑒𝑥𝑜𝑓𝑖𝑙ℎ𝑜𝑖 ) + 𝑋𝑖′ 𝜎 + 𝜑𝑠𝑒𝑥𝑜𝑓𝑖𝑙ℎ𝑜𝑖 + (1)

𝑉𝑖′ 𝛽 + 𝑒𝑖 , i=1,n

ondee 𝑦𝑖 indica a média de anos de estudo do adolescente i, sendo que cada série concluída

com aprovação corresponde a um ano de estudo dessa variável. A variável de interesse é

ℎ𝑡𝑟𝑎𝑏𝑚ã𝑒𝑖 , refere-se às horas trabalhadas por semana pela mãe, variando de 0 a 98 horas.

Entre as variáveis independentes tem-se 𝑋𝑖 , um vetor de variáveis de controle que contém

as seguintes variáveis: raça, educação da mãe, educação do pai, idade da mãe no

nascimento do filho, estado civil da mãe, tamanho da família, renda familiar mensal e

dummies para as macrorregiões do Brasil. Além disso, tem-se a variável 𝑠𝑒𝑥𝑜𝑓𝑖𝑙ℎ𝑜𝑖 uma

dummy que recebe valor de um se o filho i é do sexo masculino, e zero caso contrário.

Barros e Lam (1996) ressaltam que, o custo de oportunidade do tempo dispendido

para o estudo está altamente relacionado com a idade da criança, e, com isso, a demanda

por estudo também está relacionada com a idade. Sendo assim, é necessário eliminar o fato

de que crianças com idades diferentes naturalmente terão anos de estudos diferentes, por

ainda não terem concluído o ensino básico, controlando por dummies para cada idade dos

adolescentes, que estão incluídas no vetor de variáveis 𝑉𝑖 . Por fim, 𝑒𝑖 é a variável referente

ao termo do erro.

Assim como realizado por Fan et al. (2015), Baum (2004) e Blau e Grossberg

(1990), neste trabalho, o efeito do trabalho da mãe sobre a escolaridade dos filhos de
diferentes sexos é captado pela interação entre horas trabalhadas da mãe e sexo do

filho (ℎ𝑡𝑟𝑎𝑏𝑚ã𝑒𝑖 ∗ 𝑠𝑒𝑥𝑜𝑓𝑖𝑙ℎ𝑜𝑖 ), como descrito na equação (1)2. Nesse caso, o efeito

marginal da mãe trabalhar sobre os anos de estudo dos meninos em relação às meninas é

dado pelo coeficiente 𝛼3. Caso ele seja negativo e estatisticamente significativo, então o

aumento de uma hora de trabalho da mãe é mais prejudicial (ou menos benéfico) para os

meninos do que para as meninas, aumentando o diferencial de anos de estudo entre os

sexos.

O maior problema de estimar corretamente a relação entre o trabalho da mãe e os

anos de estudo dos adolescentes de diferentes sexos, é a correlação entre a variável que

denota o emprego da mãe e o termo do erro (𝑒𝑖 ), causando o problema de endogeneidade.

Conforme Blau e Grossberg (1990), a decisão de trabalhar é um auto seleção, e essa

decisão será tomada comparando a produtividade em casa e no mercado de trabalho. As

produtividades se relacionam com características não observadas, por exemplo, depende de

quanto à mãe é eficiente em estimular seus filhos.

Se o modelo for estimado por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) as

estimativas serão inconsistentes e viesadas para os parâmetros de interesse. A direção do

viés é difícil de ser observada a priori, possivelmenteocorrerá de duas formas: para as mães

com produtividade alta em casa, principalmente em relação aos filhos, o viés será para

baixo, mas para as mães que são altamente capacitadas para o mercado de trabalham e que

ganham bem, esse viés terá direção contrária. Como os erros da estimação por variável

instrumental foram heterocedásticos, é mais eficiente estimar usando o Método dos

Momentos Generalizados (GMM) em duas etapas.

2
As variáveis de controle: estado civil da mãe, renda familiar e anos de estudo dos pais também estão
interagidas com a dummy de sexo do filho, buscando controlar as diferenças que essas variáveis estabelecem
entre os filhos de diferentes sexos.
3
Dessa forma, 𝜍 é o efeito marginal de a mãe trabalhar sobre a média de anos de estudo das meninas e 𝜍 + 𝛼
é o efeito marginal sobre os meninos.
O instrumento empregado é o mesmo utilizado por Anderson et al. (2003), Baum

(2003) e James‐Burdumy (2005): condição do mercado de trabalho local. São testados os

quatorze potenciais instrumentos propostos por Baum (2003) para a variável endógena

deste trabalho (horas de trabalho da mãe), sendo os instrumentos escolhidos a taxa de

desemprego local e população local empregada no setor de serviços. Como as variáveis

endógenas são usadas também na regressão em interações com a variável dummy de sexo

do filho, de acordo com Wooldridge (2002), os instrumentos também devem ser

interagidos com essa dummy. Para Hoynes (2000), essas condições são determinantes

válidas para oferta de trabalho.

Os instrumentos utilizados são válidos4 e foram retirados da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) do ano de 2014, agregados por estados brasileiros, através

do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). De acordo com Leone (1999), a

decisão dos membros da família por trabalhar (inclusive das mulheres), é relacionada às

incertezas e precariedade do mercado de trabalho. Sendo assim, as condições do mercado

de trabalho local são importantes para explicar a oferta de trabalho tanto das mulheres

quanto das mães. De forma que, quanto menor a taxa de desemprego localhá indícios que

nesse local há uma maior facilidade de absorção da mão de obra.Em relação à população

ocupada no setor de serviços, segundo Bruschini e Lombardi (1996), é nesse setor que as

mulheres têm maior facilidade de inserção. Então quanto maior a população local ocupada

nesse setor, maior a probabilidade de ter mulheres e, provavelmente, mães empregadas.

4
Para provar a validade dos instrumentos, deve ser utilizado o teste de sobreidentificação de Hansen (1982).
Não há um teste formal bem estabelecido para verificar a relevância dos instrumentos, mas alguns sinais
podem ser usados para diagnosticar se o instrumento é fraco, como a magnitude do teste F do primeiro
estágio e o teste o teste Cragg-Donald Wald. Todos esses testes foram feitos.
3 FONTE E TRATAMENTO DOS DADOS

Os dados utilizados nessa pesquisa são retirados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD), disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) para o ano de 2014. São considerados na amostra todos os estados, totalizando 26 e

o Distrito Federal. A PNAD é uma pesquisa amostral “complexa”, pois incorpora níveis de

complexidade como: estratificação das unidades de amostragem, probabilidades desiguais

de seleção em um ou mais estágio, conglomeração (seleção de amostras em diferentes

estágios) e ajustes de pesos amostrais. Isso implica que todas as análises estatísticas e

econométricas devem incluir as variáveis amostrais, sendo essas as variáveis que definem

o tamanho da amostra, representadas de modo geral, pelos estratos e pesos amostrais.

A base de dados está em nível de indivíduos e é limitada aos adolescentes entre 12 a

18 anos de idade e que moram com a mãe5. Essa restrição é importante, pois o objetivo

desse estudo é mensurar se a ausência da mãe em casa, devido à sua participação no

mercado de trabalho, afeta a educação de seus filhos, e se esse efeito é assimétrico entre os

adolescentes de sexo diferentes. Se for considerado na amostra crianças que não moram

com a mãe, estas já estarão ausentes independente de estar trabalhando ou não, o que

poderia comprometer os resultados. Além disso, a amostra limitou-se às mães que tinham

entre 15 e 49 anos de idade quando tiveram seu primeiro filho, pois esse é o período de

idade fértil da mulher. No total, a amostra é formada por 31.747 adolescentes, sendo

16.759 meninos e 14.988 meninas.

Essa base de dados foi escolhida por conter informações relevantes acerca da

educação dos adolescentes, assim como características deles e dos seus familiares que

podem estar afetando a sua média de anos de estudo e o diferencial dessa média entre os

sexos. O ano de 2014 foi escolhido por ser, a época, o último ano com dados disponíveis.

5
São consideradas todas as mães na amostra, podendo ter somente um filho ou mais.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nessa subseção analisa-se o efeito da intensidade trabalhada pela mãe, por meio das

horas trabalhadas por semana, em relação aos anos de estudo dos filhos e o diferencial

educacional de gênero. Identificou-se a necessidade do uso de variáveis instrumentais para

controlar a endogeneidade na variável referente às horas de trabalho da mãe e o modelo foi

estimado por Método dos Momentos Generalizados (GMM)6.

Os instrumentos válidos7 foram: taxa de desemprego por estado, proporção de

pessoas por estado empregadas no setor de serviços e suas interações com a variável

binária para sexo do filho. Tanto pelo teste F8 calculado, quanto pelo teste de Cragg-

Donald Wald 9, pode-se concluir que os instrumentos para verificação dos efeitos de

participação da mãe no mercado de trabalho são fracos.

Instrumentos fracos podem gerar algumas consequências para a estimação por

variável instrumental. Conforme Cameron e Trivedi (2005), o estimador de variável

instrumental é viesado em amostras finitas, mesmo sendo assintoticamente consistente.

Esse viés pode aumentar quando os instrumentos são fracos, o que é conhecido por viés da

amostra finita. Mas isso pode deixar de ser um problema caso esteja em uma amostra

suficiente ampla para tornar grande o F da forma reduzida do primeiro estágio. O aumento

6
Equação 1: Breusch-Pagan = 299,94***. Equação 2: Pagan-Hall = 76,756***. Equação 3: Breusch-Pagan
= 272,85***. Equação 4: Pagan-Hall= 788,205***. Dessa forma, nas quatro equações rejeita-se a hipótese
nula de que os erros são homocedásticos a 1%.
7
Teste de Hansen (1982) para os instrumentos: taxa de desemprego por estado, proporção de pessoas por
estado empregadas no setor de serviços e a interação dessas variáveis com a dummy de sexo. Equação 2, para
os dois primeiros instrumentos: Hansen's J chi2(1) = 0,5539 (p-valor = 0,4567). Equação 4, para todos os
instrumentos: Hansen's J chi2(2) = 3,3337 (p = 0,1888) dessa forma aceita a hipótese nula de que os
instrumentos são válidos a 10%.
8
O teste F calculado para a equação de primeiro estágio da variável horas trabalhadas da mãe é de 2,67**, ou
seja, menor que 10. Enquanto que para a equação de segundo estágio da interação entre horas trabalhadas e
sexo do filho é de 21,65***.
9
Equação 2: Cragg-Donald Wald F= 4,798e valor calculado de Stock-Yogo a 10% igual a 19,93. Equação 4:
Cragg-Donald Wald F= 2,656 e valor calculado de Stock-Yogo a 10% igual a 7,56. Dessa forma aceita a
hipótese nula de que os instrumentos são fracos na equação 2 e 4 a 10% .
desse viés é diretamente proporcional ao aumento do número de instrumentos, e, por isso,

foi utilizado o mínimo de instrumentos possíveis para que eles fossem válidos.

Como os instrumentos foram fracos apenas para a variável horas trabalhadas e

fortes para a interação dessa variável com a de sexo do filho, na Tabela 1, foi estimada a

equação por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) e depois por Método dos Momentos

Generalizados (GMM), utilizando-se variável instrumental, com o intuito de testar se há

diferença estatisticamente significativa entre os dois estimadores10. Para tal, foi usado o

teste Durbin-Wu-Hausman (DWH), que pode ser verificado na Tabela 2. Conclui-se que o

melhor modelo a ser utilizado é o de variável instrumental. Além disso, com a finalidade

de analisar os dois efeitos de a mãe trabalhar - sobre os anos de estudo dos adolescentes e

sobre o diferencial educacional de sexo - foram estimadas as duas primeiras equações sem

as variáveis interagidas com o sexo do filho e as duas últimas com essas variáveis

presentes.

Inicialmente analisando as duas primeiras equações, observa-se que a magnitude do

coeficiente referente à participação da mãe no mercado de trabalho se eleva, continua

significativo, mas há uma mudança de sinal. Na equação por Mínimos Quadrados

Ordinários (MQO), quanto mais horas trabalhadas pela mãe maior é a educação dos filhos,

enquanto que no modelo por variável instrumental há uma redução nos anos de estudo

desses adolescentes. Essa mudança no sinal também ocorre em Fan et al. (2015), quando

controla a endogeneidade usando efeito fixo de família e estimando a regressão por

diferença em diferenças, o que, segundo esses pesquisadores, comprovam que a

endogeneidade existia no outro modelo que não foi tratado.

10
As equações de primeiro estágio para cada uma das variáveis endógenas estão nos apêndices C, D e E.
Tabela 1- Efeito das horas trabalhadas da mãe, como medida de emprego, nos anos de

estudo dos adolescentes - Brasil - 2014.

Variável Anos de estudo dos adolescentes para Anos de estudo dos adolescentes

ambos os sexos de sexos diferentes

MQO (1) VI (2) MQO (3) VI (4)

Horas trabalhas mãe 0,002** -0,210*** -0,001 -0,188***

(0,001) (0,075) (0,001) (0,063)

Horas trab. mãe x Masculino - - 0,005*** 0,028

(0,002) (0,031)

Solteira -0,428*** 0,885 -0,375*** 0,708

(0,083) (0,501) (0,121) (0,438)

Solteira x Masculino - - -0,097 -0,091

(0,170) (0,367)

Rendimento familiar 0,013*** 0,077*** 0,009*** 0,060***

(0,003) (0,024) (0,003) (0,020)

Rendimento fam. x Masculino - - 0,009 0,015

(0,005) (0,018)

Anos estudo mãe 0,084*** 0,144*** 0,070*** 0,119***

(0,003) (0,022) (0,005) (0,019)

Est. Mãe x Masculino - - 0,026*** 0,026

(0,007) (0,018)

Anos est. Pai 0,039*** 0,075*** 0,023*** 0,048***

(0,003) (0,015) (0,004) (0,013)

Pai est. x Masculino - - 0,029*** 0,037**

(0,007) (0,017)

Tamanho da família -0,149*** -0,337*** -0,149*** -0,304***

(0,010) (0,071) (0,011) (0,058)

Idade mãe no nasc. 0,001 -0,015** 0,001 -0,013**


Tabela 1, Continuação

(0,002) (0,007) (0,002) (0,006)

Branco 0,176*** 0,224*** 0,175*** 0,209***

(0,026) (0,065) (0,025) (0,056)

Norte -0,233*** -0,744*** -0,232*** -0,651***

(0,037) (0,200) (0,037) (0,165)

Sul -0,023 0,415** -0,018 0,351**

(0,037) (0,175) (0,034) (0,144)

Nordeste -0,173*** -0,862*** -0,171*** -0,743***

(0,032) (0,255) (0,032) (0,207)

Centro Oeste 0,011 0,045 0,011 0,035

(0,042) (0,098) (0,037) (0,083)

Masculino -0,486*** -0,519*** -1,095*** -1,982**

(0,023) (0,056) (0,078) (0,851)

Constante 3,967*** 10,774*** 4,302*** 10,406***

(0,082) (2,412) (0,090) (2,052)

Dummiesde idade Sim Sim Sim Sim

R2 0,60 0,13 0,60 0,18

Fonte: Resultados da pesquisa.


Nota: (1) (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1%, 5% e 10%, respectivamente. (2) Nas
regressões 1 e 2, não estão inseridas as variáveis interagidas com sexo do filho e as estimativas são
produzidas pelo MQO e GMM, respectivamente. (3) Nas regressões 3 e 4, são incluídas as variáveis
interagidas com sexo do filho e da mesma forma, as estimativas são produzidas pelo MQO e GMM,
respectivamente. (4) Os valores entre parêntese são os erros padrões. (5) Tabela incluindo os coeficientes
estimados para as dummies de idade estão no Apêndice A.

Tabela 2- Teste de endogeneidade para horas trabalhadas da mãe em relação aos anos de

estudo e ao diferencial educacional entre os sexos.

Regressão Durbin-Wu-Hausman (DWH)

Anos de estudo dos adolescentes 𝑋 2= 36.8488 ***

Diferencial educacional entre os sexos 𝑋 2= 32,9762***

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (***) indica nível de significância de 1%. Ou seja, rejeita a hipótese nula de que as variáveis
instrumentadas são exógenas a 1%.
Observa-se então pela equação 2 da Tabela 1, que quanto maior a quantidade de

horas trabalhadas pela genitora, menor é a média de anos de estudo dos seus filhos, ou seja,

a intensidade do trabalho da mãe prejudica a educação dos adolescentes. Uma hora a mais

de trabalho pela mãe reduz em média, 0,210 os anos de estudo dos filhos tudo o mais

constante. Os trabalhos encontrados que utilizam horas trabalhadas, medindo a intensidade

do trabalho da mãe, fazem essa análise para os primeiros anos de vida das crianças e

encontram também um efeito negativo no desenvolvimento cognitivo dos filhos (BAUM,

2003 e JAMES‐BURDUMY, 2005).

Verifica-se também pela regressão 2 da Tabela 1, que a maior escolaridade dos pais

associa-se a um maior número médio de anos na escola dos adolescentes, o efeito

marginal da escolaridade da mãe nos anos de estudo dos adolescentes é de 0,144, enquanto

que do pai é 0,075, tudo mais constante. Além disso, o fato de os filhos serem brancos em

relação a outras raças também está associado a uma melhora na educação dos filhos, sendo

esse efeito de 0,224. Observa-se ainda que, filhos de mães solteiras têm em média 0,885

anos de estudo a mais que os filhos de pais casados, mas não foi estatisticamente

significativo. Quanto maior o tamanho da família e quanto maior a idade da genitora no

nascimento do filho, menores são as médias de anos de estudo dos adolescentes.

O resultado da regressão 2 da Tabela 1, mostra que quanto maior o rendimento

familiar, maior é a escolaridade dos filhos, o efeito marginal é de 0,077, tudo o mais

constante, o que está de acordo com os resultados encontrados por Datcher-Loury (1988).

No que concerne às regiões do Brasil, de acordo com a análise, o fato dos adolescentes

morarem nas regiões Nordeste e Norte está associado a uma menor escolaridade média e

na região Sul a uma maior quando comparado com a região Sudeste, sendo apenas não

significativa a região Centro-Oeste.


Em relação ao diferencial educacional de sexo (modelo 4 da Tabela 1), é

encontrado que o aumento de uma hora trabalhada pela mãe diminui os anos de estudo das

meninas em 0,188 em média, mas o diferencial educacional entre os sexos, não foi

significativo, indicando que as horas trabalhadas da mãe não tem efeito diferente entre os

sexos dos filhos. Também não contribuem para introduzir diferenças educacionais entre os

sexos o estado civil da mãe, a renda familiar e os anos de estudo da mãe, já que esses

coeficientes também não foram significativos. Mais uma vez, o tempo de escolarização do

pai é responsável por aumentar os anos de estudo dos filhos, sendo mais favorável para os

meninos do que para as meninas. Para as meninas um ano a mais de escolaridade do pai

está associado a um aumento, em média, de 0,048 anos de estudo, enquanto que para os

meninos o aumento é de 0,085 anos em média, tudo o mais constante. Dessa forma,

quanto maior o nível educacional do pai, menor será o hiato educacional no Brasil.

Mesmo que as horas trabalhadas tenham um efeito negativo sobre a educação dos

filhos, esse efeito pode ser reduzido devido ao aumento da renda da família, proveniente do

emprego da mãe e pode influenciar de maneira distinta na educação dos filhos de sexos

diferentes, o que é conhecido como canal da renda. Para verificar se isso acontece, foram

estimadas as duas equações da Tabela 3. Não é verificado o canal da renda no modelo que

analisa o diferencial educacional de gênero, pois conforme observado no modelo 4 da

Tabela 1, a interação entre renda e sexo do adolescente não foi significativa, demonstrando

que o canal da renda não é responsável por introduzir diferenças educacionais entre os

sexos, resultado também encontrado por Fan et al. (2015).

No primeiro modelo da Tabela 3, sem controlar pela variável da renda, é possível

observar a relação entre a mãe trabalhar e o efeito do aumento da renda proveniente disso

nos anos de estudo dos filhos. Verifica-se pelo modelo 2 que, a renda foi estatisticamente

significativa e seu efeito foi positivo nos anos de estudo dos adolescentes. No entanto, a
inclusão das variáveis referentes à renda da família fez com que o coeficiente das horas

trabalhadas se tornasse mais negativo (ou menos positivo), o que indica que o aumento das

horas trabalhadas tem um efeito positivo nos anos de estudo dos adolescentes pelo canal da

renda.

Tabela 3 - Canal da renda nos anos de estudo dos adolescentes - Brasil - 2014.

Variável Anos de estudo dos adolescentes de ambos os sexos

Modelo (1) Modelo (2)

Horas trabalhas mãe -0,2045*** -0,210***

(0,07) (0,075)

Rendimento familiar - 0,077***

(0,024)

Branco Sim Sim

Dummies de background familiar Sim Sim

Dummies de macrorregiões do Brasil Sim Sim

Dummies de idade Sim Sim

R2 0,14 0,13

Fonte: Resultados da pesquisa.


Nota: (1) (***) indica nível de significância de 1%. (2) Tabela incluindo os coeficientes estimados para a
variável branco, para as dummies de background familiar, de macrorregiões e de idade estão no Apêndice B.

Sem as variáveis do rendimento familiar, o impacto referente ao aumento de uma

hora trabalhada pela mãe foi negativo de 0,2045 e controlando por essas variáveis foi de

0,21, ou seja, o aumento da renda decorrente do aumento das horas trabalhadas pela

genitora, contribui para reduzir o efeito de seu trabalho em 0,005 (Tabela 3). Esse canal da

renda também é observado por Baum (2003). O autor conclui que, para afirmar se houve

uma redução grande ou pequena nos anos de estudo devido a participação da mãe no

mercado de trabalho, irá depender de quanto foi o aumento da renda da família proveniente

dessa participação.
5 CONCLUSÕES

O presente estudo teve o objetivo de contribuir para a análise da educação no

Brasil, com o intuito de verificar se existem relações entre a participação da mãe no

mercado de trabalho e a educação de seus filhos adolescentes, com foco no diferencial

educacional entre os sexos. Esses efeitos foram avaliados de acordo com as horas semanais

trabalhadas da mãe.

Na literatura internacional há uma vasta quantidade de estudos sobre isso, embora

não se tenha ainda um consenso nos resultados encontrados. Os díspares na literatura

internacional podem ser ocasionados devido a um problema econométrico detectado nesse

trabalho e que merece atenção: a correlação das variáveis referentes ao mercado de

trabalho da mãe e o termo do erro. Para tentar controlar essa endogeneidade, o modelo foi

estimado usando variáveis instrumentais relativas às condições locais do mercado de

trabalho.

Os resultados encontrados sugerem que quanto mais horas a genitora se abstém dos

cuidados dos filhos para trabalhar, mais comprometida torna-se a educação deles. Diversos

fatores podem contribuir para essa decorrência, como o possível cansaço da mãe, que pode

aumentar se ela passa grande quantidade do tempo no trabalho e a necessidade de

organização do tempo após o trabalho entre cuidados com o filho e com a casa.No que se

refere ao efeito da mãe trabalhar no diferencial educacional de sexo, observa-se que o

aumento das horas trabalhadas da mãe, não é responsável por introduzir diferenciais

educacionais entre os sexos, pois não afeta de maneira distinta os anos de estudo dos

meninos e das meninas.

Foram encontradas algumas limitações devido às bases de dados disponíveis no

Brasil. Outros controles poderiam ter sido usados, tais como a utilização de base de dados
que identificassem na ausência da mãe, o cuidado de outras pessoas, como irmãos,

professores e avós. No entanto, reitera-se que não foi possível estender a análise nesse

sentido devido aos dados disponíveis. Ainda que fosse possível controlar esses outros

fatores, seria difícil inferir se os outros cuidados aplicados foram de qualidade e, também,

haveria dificuldade em identificar se o tempo da mãe em casa com os filhos é ou não

direcionado à educação e ao desenvolvimento dos mesmos. Em relação às limitações deste

trabalho, que ficam de sugestões para futuras pesquisas, é adicionar como controles a

participação do pai e dos adolescentes no mercado de trabalho. Nesse sentido, os

resultados encontrados não indicam uma relação causal, mas sim que existem importantes

relações entre o fato da mãe trabalhar e a educação dos adolescentes. Ademais, essa não

causalidade também se deve ao fato de que, a mãe trabalhar é determinado pelas condições

do mercado de trabalho, o que é controlado pela utilização das variáveis instrumentais.

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APÊNDICES
APÊNDICE A- EFEITO DAS HORAS TRABALHADAS DA MÃE NOS ANOS DE ESTUDO DOS

ADOLESCENTES E NO DIFERENCIAL EDUCACIONAL DE GÊNERO, COMPARANDO OS

ESTIMADORES DE MQO E VI – BRASIL – 2014 – INCLUINDO DUMMIES DE IDADE

Diferencial educacional entre os


Anos de estudo dos adolescentes
sexos

MQO (1) VI (2) MQO (3) VI (4)

Horas trabalhas mãe 0,002** -0,210*** -0,001 -0,188***

(0,001) (0,075) (0,001) (0,063)

Horas trab. mãe x


- - 0,005*** 0,028
Masculino

(0,002) (0,031)

Solteira -0,428*** 0,885 -0,375*** 0,708

(0,083) (0,501) (0,121) (0,438)

Solteira x Masculino - - (0,097) (0,091)

(0,17) (0,367)

Rendimento familiar 0,013*** 0,077*** 0,009*** 0,060***

(0,003) (0,024) (0,003) (0,02)

Rendimento fam. x
- - 0,009 0,015
Masculino

(0,005) (0,018)

Anos estudo mãe 0,084*** 0,144*** 0,070*** 0,119***

(0,003) (0,022) (0,005) (0,019)

Est. Mãe x Masculino - - 0,026*** 0,026

(0,007) (0,018)

Anos est. pai 0,039*** 0,075*** 0,023*** 0,048***

(0,003) (0,015) (0,004) (0,013)

Pai est. x Masculino - - 0,029*** 0,037**

(0,007) (0,017)
Apêndice A, Continuação

Tamanho família -0,149*** -0,337*** -0,149*** -0,304***

(0,01) (0,071) (0,011) (0,058)

Idade mãe no nasc. 0,001 -0,015** 0,001 -0,013**

(0,002) (0,007) (0,002) (0,006)

Branco 0,176*** 0,224*** 0,175*** 0,209***

(0,026) (0,065) (0,025) (0,056)

Norte -0,233*** -0,744*** -0,232*** -0,651***

(0,037) (0,2) (0,037) (0,165)

Sul -0,023 0,415** -0,018 0,351**

(0,037) (0,175) (0,034) (0,144)

Nordeste -0,173*** -0,862*** -0,171*** -0,743***

(0,032) (0,255) (0,032) (0,207)

Centro Oeste 0,011 0,045 0,011 0,035

(0,042) (0,098) (0,037) (0,083)

Masculino -0,486*** -0,519*** -1,095*** -1,982**

(0,023) (0,056) (0,078) (0,851)

Constante 3,967*** 10,774*** 4,302*** 10,406***

(0,082) (2,412) (0,09) (2,052)

Idade = 13 0,879*** 0,933*** 0,875*** 0,917***

(0,043) (0,104) (0,033) (0,088)

Idade = 14 1,760*** 1,845*** 1,759*** 1,827***

(0,042) (0,103) (0,033) (0,087)

Idade = 15 2,688*** 2,881*** 2,685*** 2,851***

(0,043) (0,122) (0,038) (0,102)

Idade= 16 3,555*** 3,650*** 3,555*** 3,633***

(0,043) (0,108) (0,040) (0,092)

Idade = 17 4,434*** 4,508*** 4,435*** 4,504***

(0,044) (0,110) (0,042) (0,095)


Apêndice A, Continuação

Idade = 18 5,135*** 5,323*** 5,138*** 5,295***

(0,045) (0,128) (0,048) (0,108)

R2 0,6 0,13 0,6 0,18

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (1) (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1% , 5% e 10%, respectivamente. (2) Os valores
entre parêntese são os erros padrões.

APÊNDICE B - CANAL DA RENDA NOS ANOS DE ESTUDO DOS ADOLESCENTES – BRASIL –

2014 – COM TODOS OS CONTROLES

Anos de estudo dos adolescentes


Variável
Modelo (1) Modelo (2)

Horas trabalhas mãe -0,204*** -0,210***

(0,071) -0,075

Solteira 0,629 0,885

(0,419) (0,501)

Rendimento familiar 0,077***

(0,024)

Anos estudo mãe 0,159*** 0,144***

(0,026) (0,022)

Anos estudo pai 0,092*** 0,075***

(0,019) (0,015)

Tamanho da família -0,318*** -0,337***

(0,064) (0,071)

Idade mãe no nasc. -0,009 -0,015**

(0,006) (0,007)

Branco 0,29*** 0,224***

(0,071) (0,065)
Apêndice B, Continuação

Norte -0,764*** -0,744***

(0,200) (0,2)

Sul 0,401** 0,415**

(0,167) (0,175)

Nordeste -0,888*** -0,862***

(0,255) (0,255)

Centro Oeste 0,093 0,045

(0,099) (0,098)

Masculino -0,515*** -0,519***

(0,055) (0,056)

Constante 10,399*** 10,774***

(2,234) (2,412)

Idade = 13 0,934*** 0,933***

(0,102) (0,104)

Idade = 14 1,855*** 1,845***

(0,102) (0,103)

Idade = 15 2,879*** 2,881***

(0,119) (0,122)

Idade= 16 3,667*** 3,650***

(0,108) (0,108)

Idade = 17 4,530*** 4,508***

(0,109) (0,11)

Idade = 18 5,362*** 5,323***

(0,132) (0,128)

R2 0,14 0,13

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (1) (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1% , 5% e 10%, respectivamente. (2) Os valores
entre parêntese são os erros padrões.
APÊNDICE C - EQUAÇÃO DE PRIMEIRO ESTÁGIO PARA HORAS TRABALHADAS DA MÃE NOS

ANOS DE ESTUDO DOS ADOLESCENTES – BRASIL – 2014

Horas trabalhadas mãe Coeficiente Erro padrão

Taxa de desemprego 0,2689*** 0,1017

População serviços 0,0186 0,0802

Solteira 6,1914*** 0,8484

Rendimento familiar 0,3047*** 0,0310

Anos est. Mãe 0,2822*** 0,0347

Anos est. Pai 0,1633*** 0,0338

Tamanho família -0,9021*** 0,1020

Idade mãe no nasc. -0,0758*** 0,0210

Branco 0,2337 0,2679

Norte -2,7739*** 0,5223

Sul 2,9656*** 0,4917

Nordeste -3,6352*** 0,4852

Centro Oeste 0,5816 0,4515

Idade = 13 0,2588 0,4444

Idade = 14 0,4163 0,4338

Idade = 15 0,8961** 0,4420

Idade = 16 0,4481 0,4446

Idade = 17 0,3564 0,4540

Idade = 18 0,8762 0,4629

Masculino -0,1446 0,2387

Constante 29,8836*** 1,7739

Número de observações 22262

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1% , 5% e 10%, respectivamente.
APÊNDICE D- EQUAÇÃO DE PRIMEIRO ESTÁGIO PARA HORAS DE TRABALHO
DA MÃE NO DIFERENCIAL EDUCACIONAL ENTRE OS SEXOS – BRASIL – 2014

Horas trabalhadas mãe Coeficiente Erro padrão

Taxa de desemprego 0,2593** 0,1177


Tx. desemprego x Masculino 0,0186 0,1134
População serviços -0,0345 0,0982
Pop serv. x Masculino 0,1014 0,1082
Solteira 5,8297*** 1,2311
Solteira x Masculino 0,7023 1,6618
Rendimento familiar 0,2688*** 0,0418
Rend. Familiar x Masculino 0,0796 0,0612
Anos est. mãe 0,2528*** 0,0500
Est. Mãe x Masculino 0,0528 0,0686
Anos est. pai 0,1241*** 0,0484
Pai est. X Masculino 0,0708 0,0669
Tamanho família -0,9030*** 0,1020
Idade mãe no nasc. -0,0768*** 0,0210
Branco 0,2258 0,2679
Norte -2,7732*** 0,5222
Nordeste -3,6257*** 0,4852
Centro Oeste 0,5776 0,4515
Idade = 13 0,2353 0,4445
Idade = 14 0,4055 0,4339
Idade = 15 0,8763** 0,4422
Idade = 16 0,4325 0,4446
Idade = 17 0,3489 0,4539
Idade = 18 0,8682* 0,4630
Masculino -3,6307 2,2445
Constante 31,7548*** 2,1372
Número de observações 16938

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1% , 5% e 10%, respectivamente.
APÊNDICE E - EQUAÇÃO DE PRIMEIRO ESTÁGIO PARA INTERAÇÃO ENTRE HORAS DE

TRABALHADAS DA MÃE E SEXO DO FILHO – BRASIL – 2014

Horas trabalhadas X Masculino Coeficiente Erro Padrão

Taxa de desemprego 0,4869*** 0,0859

Tx. desemprego x Masculino -0,6750*** 0,0828

População serviços -0,2028*** 0,0717

Pop serv. x Masculino 0,4169*** 0,0789

Solteira 0,3694 0,8983

Solteira x Masculino 5,5659*** 1,2126

Rendimento familiar -0,0060 0,0305

Rend. Familiar x Masculino 0,3505*** 0,0447

Anos est. Mãe -0,0241 0,0365

Est. Mãe x Masculino 0,3460*** 0,0501

Anos est. Pai -0,0345 0,0353

Pai est. X Masculino 0,2618*** 0,0488

Tamanho família -0,4682*** 0,0745

Idade mãe no nasc. -0,0189 0,0154

Branco 0,3233* 0,1955

Norte -1,7072*** 0,3810

Sul 1,2091*** 0,3588

Nordeste -1,8436*** 0,3540

Centro Oeste 0,2886 0,3294

Idade = 13 -0,1152 0,3243

Idade = 14 0,1647 0,3166

Idade = 15 0,0346 0,3226


Apêndice E, Continuação

Idade = 16 -0,0142 0,3244

Idade = 17 -0,2616 0,3312

Idade = 18 0,2341 0,3378

Masculino 22,8947*** 1,6377

Constante 2,9740 1,5594

Número de observações 16938

Fonte: Resultados da pesquisa


Nota: (***), (**) e (*) indicam níveis de significância de 1% , 5% e 10%, respectivamente.

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