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Oxalá

Revista Super Interessante – coleção Divindades Afro-brasileiras – Juliana Sachs. Parecer: Racquell Narducci

Paz, sabedoria e serenidade. Para os antigos povos africanos, uma maneira de alcançar
esse estado de espírito tão difícil de ser cultivado hoje em dia é reverenciando o Orixá que
tem o poder de transmiti-lo aos seus descendentes. Seu nome é Oxalá, considerado nos
Cultos Afro-brasileiros o maior de todos os Orixás, o pai de todos. Seus fiéis costumam
fazer oferendas a ele pedindo tranqüilidade e sapiência para tomar decisões. Também
chamado nos terreiros de Obatalá, Orixalá ou Oxalufã, é considerado o deus do equilíbrio
emocional.
De acordo com a mitologia essas características foram alcançadas pela divindade apenas
na maturidade. Por isso, quando seus seguidores querem almeja-las, fazem oferendas ao
Orixá velho, que leva o nome de Oxalufã – a mesma entidade que nos mitos fora
incumbido de criar o mundo.
O fenômeno é muito parecido com o que ocorreu com Nossa Senhora, mãe de Jesus
Cristo. Dependendo do que os católicos pedem e da circunstancia. Maria recebe um nome
diferente, como Nossa Senhora Desatadora dos Nós ou das Dores. Quando os adeptos do
Candomblé querem invocar Oxalá em sua juventude louvam Oxaguiã.

Oxaguiã não é uma qualidade de Oxalá como muitos pensam e sim ujm orixá em
particular com suas próprias qualidades. Por isso não vejo semelhança com o ocorrido a
Nossa Senhora dos católicos.

Humanos de Barro
Antes de dar origem ao planeta, Oxalá teve de submeter-se a certas exigências. Uma
delas era fazer oferendas a Exu, o orixá mensageiro. De personalidade teimosa, Oxalá
recusou-se a cumprir esse dever e seguiu em frente. Nas suas mãos, carregava um
grande cajado de estanho (opaxoro), um dos seus instrumentos símbolos. No momento
de ultrapassar a porta do alem, foi fiscalizado por Exu. O orixá mensageiro ficou furioso
com a desobediência e o castigou. Com um encanto deixou Oxalá com muita sede. Para
sacia-la o orixá furou com seu cajado a casca de um tronco de dendezeiro que continha
um liquido refrescante. Ali dentro havia vinho de palma, uma bebida feita com a seiva
fermentada da palmeira. Após ingerir o liquido, Oxalá ficou bêbado, adormeceu e não
conseguiu cumprir a missão de criar o mundo. A função então passou para as mãos de
Odudua.
Quando Oxalá acordou recebeu uma penalidade: não poderia mais beber vinho de palma.
Mesmo diante do seu fracasso, foi incumbida de outra missão, a criação de todos os seres
vivos que habitariam a terra. E assim ele modelou em barro os seres humanos. Como
ainda estava sob o efeito do álcool, os fez um diferente do outro. Desenhou homens de
cores e tamanhos distintos e, dessa forma, instaurou a diversidade entre as espécies.

Visita a Xangô
Na língua dos iorubás, Oxalá é chamado também de Alamorere, o proprietário da boa
argila. Conta a lenda que, um dia, ele resolveu visitar seu filho Xangô, rei de Oyó. Como
precaução consultou Ifá (oráculo dos deuses africanos). O jogo mostrou que a viajem não
seria fácil e Oxalá enfrentaria desafios. Decidiu ir mesmo assim. Foi aconselhado a levar 3
mudas de roupas limpas e aceitar com calma tudo o que lhe pedissem na estrada.
Durante o trajeto se encontrou 3 vezes com Exu, que pediu sua ajuda para carregar seu
fardo pesado de azeite de dendê, cola e carvão. Por 3 vezes suas vestes foram sujas com
esses produtos. Em cada uma delas Oxalá procurava o rio mais próximo, se lavava e
trocava novamente de roupa. Agüentou todas as tentações presentes em sua
peregrinação.
Ao chegar em Oyó deparou-se com o cavalo que tinha dado de presente a seu filho
Xangô. Montou no lombo do cavalo para devolve-lo ao rei. Os soldados do rei acharam
que Oxalá queriam rouba-lo e o prenderam injustamente. Enquanto estava na prisão
apareceram no reino fatos estranhos. A cidade de Oyó viveu durante 7 anos a mais
profunda seca. As mulheres e os campos tornaram-se estéreis e muitas doenças
incuráveis assolaram o reino. Era Oxalá usando seus poderes para vingar-se. Xangô
consultou o Babalawo para saber o que se passava. Ouviu que uma pessoa sofria
injustamente na prisão por pagar por crime que não cometera.
Xangô foi até a prisão e surpreendeu-se ao ver que Oxalá, seu pai estava ali. Ordenou aos
soldados que trouxessem água da fonte, limpa e fresca para banhar o velho orixá. Seu
corpo foi lavado e untado com limo da costa. O rei pediu que providenciasse os panos
mais alvos para envolve-lo e ordenou que seus súditos também se vestissem de branco.
Determinou que todos permanecessem em silencio como uma forma respeitosa de pedir
perdão a Oxalá. Xangô o carregou em suas costas e todo o povo da cidade fez saudação
ao Orixá velho. Terminada as homenagens, ele voltou para a sua casa. As reverencias
feitas hoje pelos fieis de Oxalá tentam principalmente relembrar esse episódio.

Vivendo a Mitologia
As celebrações a Oxalá são mantidas tanto na África quanto no Brasil, especialmente na
Bahia. Sua festa é comemorada em Setembro, e a duração varia conforme o terreiro de
Candomblé. O mais comum é 16 dias. Conforme a nação que irá reverencia-lo, nagô ou
bantos, por exemplo, os nomes dados a Oxalá podem variar. São apenas denominações
que seguem a tradição da cultura africana a qual pertencem. Tudo começa numa sexta-
feira, dia da semana que no Brasil é consagrado a Oxalá. Os axés do deus (líquido com
cheiro estranho no qual se misturam o sangue de todos os animais sacrificados no
terreiro) são retirados do seu altar e levados em procissão até uma pequena cabana feita
com palmas trançadas. O local é chamado de barracão. A caminhada simboliza a viajem
de Oxalá e sua estada na prisão. Sete dias depois (uma representação dos 7 anos em que
ficou preso) são realizadas novas homenagens.

Cortejo para Pegar Água


As preparações para a celebração do Orixá da família dos funfun (que significa branco em
iorubá) começam na quinta a noite. Os fiéis chegam ao terreiro e se recolhem dentro do
barracão. Antes da aurora todos se vestem de branco, a cor de Oxalá, que representa a
pureza e a criação. Então, o grupo sai em cortejo para buscar água numa fonte e coloca-
las em pequenas jarras brancas. O silencio é absoluto. “É um momento de tristeza e de
introspecção, que relembra a passagem na qual o povo de Oyó descobre ter prendido
injustamente Oxalá e vai em silencio pegar água para lavá-lo”, diz a historiadora Cecília
Soares, professora da Universidade Católica de Salvador. A cerimônia é chamada de
águas de Oxalá e representam um dos maiores rituais dedicados ao deus. Três viagens
são realizadas até a fonte.

O Jovem Oxalá
No ultimo domingo, finalizando o ciclo das comemorações, ocorre a cerimônia chamada de
Pilão de Oxaguiã.
É uma homenagem a fase jovem do Orixá quando, segundo o mito, ele era rei de Ejigbo.

Na verdade é uma homenagem do filho de Oxalá, que é Oxaguiã, que o esperava em seu
palácio com grande banquete preparado para o Pai, após todos esses 7 anos
desaparecido. A felicidade é grande nesse reencontro após tanto tempo a procura de seu
pai sem saber que este estava preso nos calabouços do Palácio do próprio irmão Xangô.

Diz a lenda que Oxaguiã gostava de guerrear e de comer. Comia pombos brancos,
caracóis e galinhas de penugens brancas (seus animais prediletos que são oferecidos nas
cerimônias).
“Saboreava também canjica feita com milho branco que deu origem a seu prato chamado
de ebô”, diz o historiador Jaime Sodré, professor da Universidade do Estado da Bahia. Mas
o que mais gostava era inhame amassado. Para degustar sua principal iguaria inventou o
pilão e assim foi mais fácil prepara-lo.

Criação do Mundo
As cidades surgiram na terra que foi espalhada pelas galinhas

Na mitologia africana Oxalá recebeu a tarefa de construir o planeta, mas se embriagou e


adormeceu. Enquanto ele dormia Odudua que era um guerreiro terrível, roubou o saco da
criação que Oxalá recebeu de Olodumare, a entidade suprema, a autorização para fazer o
serviço. Quando saiu do além avistou uma intensa e ilimitada quantidade de água. Deixou
cair uma substancia marrom contida no saco que era terra. Formaram se vários montes.
Odudua colocou galinhas sobre eles, que ciscaram e espalharam a terra. Aos poucos toda
a imensidão de água foi coberta e surgiram as cidades.

Protetor dos Corcundas


Exu colocou uma vasilha de sal nas costas de Oxalá.

Além do azeite de dendê e da bebida alcoólica, Oxalá também não consome sal. A
restrição ocorreu porque certa vez ele foi consultar os adivinhos para saber como tocar a
vida de uma maneira melhor. Eles recomendaram que preparasse os alimentos e
oferecessem o prato aos deuses com uma cabaça de sal e um pano branco. Irreverente
que era Oxalá não seguiu o conselho e foi dormir. A noite Exu entrou em seu quarto com
uma vasilha cheia de sal e amarrou em suas costas. No outro dia ele acordou
completamente corcunda, e nunca mais pode saborear esse ingrediente. Porem tornou-se
protetor dos corcundas e dos aleijados.

Nosso Senhor do Bonfim


O orixá motiva a maior manifestação religiosa de Salvador

Na Bahia Oxalá está relacionado com Nosso Senhor do Bonfim, o santo mais popular dos
baianos. Por causa dessa associação, todos os anos, católicos e seguidores do candomblé
reúnem-se para participar de uma mesma festa na igreja, que leva o nome desse santo. A
tradição de unir as duas religiões começou há 200 anos. “Era comum os fazendeiros
católicos levarem os negros para limpar a escadaria”, diz Vanda Machado pesquisadora da
Universidade Federal da Bahia.
O ritual adaptado aos tempos modernos é comandado pelo cortejo de baianas com trajes
típicos carregando vasos com águas de cheiro. A procissão sai da Igreja da Conceição da
Praia. Ao chegar na Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, é realizada a lavagem dó adro e
das escadarias. Ao mesmo tempo os fiéis prestam homenagem ao Nosso Senhor do
Bonfim e a Oxalá.

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