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br
3 Novembro/2010
Índice
Í

08 No meio

12 Consumo
Delícias flutuantes
Urbanismo
14 Carros
Cor predominante: verde
28 Resíduos
sustentabilidade 16
Um lugar para viver
Lixo zero
36 Capa
Rota das Emoções
46 Capa
Rota das Cores
56 Capa
Rota das Águas
66 Capa
No movimento dos sonhos
72 Artigo
Svetlana Maria
74 VLP
Especial
Mobilidade pessoal
78 Saneamento
Descarga legal
seca na amazônia 20
É o fundo do poço ou do rio Negro?
80 Exposição
Água na Oca
84 Artigo
Delson Amador
90 Artigo
Edemar Gregorio
94 Velho Ambiente

96 Lente Limpa
Oberti Pimentel
98 Da Redação
Economia
certificação 86
Uma penca de selos verdes

Novembro/2010 4
a

CApa Turismo
Brasil mostra seu potencial turístico
com o aumento expressivo no número
de turistas, que, em 2010, pretende
bater todos os recordes históricos
de visitações, seja por brasileiros,
seja por gringos. O Ministro do
Turismo aponta à Revista Novo
Ambiente novas rotas e planos, mas
nesta edição nós fomos mesmo
para o Nordeste, a fim de trazer
para você alguns dos lugares mais
impressionantes do planeta. Na
estrada, na areia ou na piscina, dicas
de lugares magníficos que ficam
impressos na retina para sempre.

32

Os ventos fortes são parte fundamental da realidade da costa nordestina brasileira.


Movimentam as jangadas, alimentam turbinas eólicas, movem suavemente as re-
des e refrescam o calor intenso da região mais ensolarada do país. Para os turistas,
em paraísos como Jericoacoara o vento é perfeito para a prática de surfe, windsurf e
o crescente kit surf, como registra a foto de Leonilson Gomes na capa desta edição.
Editorial
E

E
Uma publicação da Novo Ambiente Editora e Produtora Ltda.
CNPJ/MF.: 12.011.957/0001-12 ncerrando uma série de matérias sobre o
Rua Professor João Doetzer, 280 - Jardim das Américas - 81540-190 - Curitiba/PR
Tel/Fax: (41) 3044-0202 - atendimento@revistanovoambiente.com.br turismo sustentável no Brasil, nesta edição,
revistanovoambiente.com.br você terá o resultado coletado pelas equi-
Ano 01 - Edição 06 - Novembro/2010 - Distribuição dirigida e a assinantes pes da Revista Novo Ambiente que estiveram em
Impressão - Posigraf A tiragem desta edição de 30.000 exemplares quase todos os lugares belos dos nove estados que
Tiragem - 30 mil exemplares é comprovada pela BDO Auditores Independentes.
compõem a região Nordeste, uma região onde a fai-
Diretoria Geral
Dagoberto Rupp
xa de pobreza ainda é bastante preocupante e urge
dagoberto@revistanovoambiente.com.br por medidas socioeconômicas imediatas. O turismo
RELAÇões de mercado financeiro
João Rodrigo Bilhan Jaqueline Karatchuk
sustentável é o setor que se apresenta mais viável e
rodrigo@revistanovoambiente.com.br jaqueline@revistanovoambiente.com.br que responde mais rapidamente contra a pobreza e a
ADMINISTRATIVo
Paula Santos Mônica Cardoso devastação da natureza.
paula@revistanovoambiente.com.br monica@revistanovoambiente.com.br
comercial (DEC)
O Nordeste é turístico por vocação natural e pela
Paulo Roberto Luz João Augusto Marassi riqueza histórico-cultural, e apresenta, quase em sua
paulo@revistanovoambiente.com.br joao@revistanovoambiente.com.br
João Claudio Rupp totalidade, excelente estrutura para o turismo, de boas
joaoclaudio@revistanovoambiente.com.br
conselho editorial
estradas a ótimos locais de hospedagem. Criamos al-
Dagoberto Rupp João Claudio Rupp guns roteiros que são mais uma provocação para que
dagoberto@revistanovoambiente.com.br joaoclaudio@revistanovoambiente.com.br
João Rodrigo Bilhan João Augusto Marassi
você conheça lugares inesquecíveis e únicos do que um
rodrigo@revistanovoambiente.com.br
Carlos Marassi
joao@revistanovoambiente.com.br
Fábio Eduardo C. de Abreu
resumão para te contar como era por lá. Vá e veja, mas
marassi@revistanovoambiente.com.br fabio@revistanovoambiente.com.br pegue umas dicas importantes nesta edição.
Paulo Roberto Luz Edemar Gregorio
paulo@revistanovoambiente.com.br edemar@revistanovoambiente.com.br A reportagem especial traz uma grande e tris-
JORNALISTA RESPONSÁVEL - Edemar Gregorio te surpresa: a montanha de lixo que surgiu quando
edemar@revistanovoambiente.com.br
revisão - Karina Dias Occaso
o lendário rio Negro atingiu, no final de outubro, o
karina@revistanovoambiente.com.br nível mais baixo desde que este começou a ser medi-
Projeto gráfico - Rafael de Azevedo Chueire
rafael@revistanovoambiente.com.br do, em 1902. Cai mais uma fronteira do nosso imagi-
Central de Jornalismo nário, a de que a Amazônia é um local de rios puros
Carlos Marassi
marassi@revistanovoambiente.com.br
Leonilson Carvalho Gomes
leonilson@revistanovoambiente.com.br
e onde os animais existem em abundância infinita. A
Fernando Beker Ronque Estanis Neto Amazônia ainda é riquíssima, mas é impossível que
fernando@revistanovoambiente.com.br estanis@revistanovoambiente.com.br
Davi Etelvino Marcelo Ferrari o seja dentro de mais alguns anos se este ritmo de
davi@revistanovoambiente.com.br ferrari@revistanovoambiente.com.br
Leandro Dvorak Oberti Pimentel
degradação continuar.
leandro@revistanovoambiente.com.br oberti@revistanovoambiente.com.br
Paulo Negreiros Uirá Fernandes Se algumas notícias não são tão boas, é bom sa-
negreiros@revistanovoambiente.com.br
Leonardo Pepi Santos
uira@revistanovoambiente.com.br
Dagoberto Rupp Filho
ber que esta edição também tem ótimas iniciativas
leo@revistanovoambiente.com.br dagoberto.filho@revistanovoambiente.com.br que mostram que é possível repensar o planeta com
atendimento e assinaturas
Mari Iaciuk Raquel Coutinho Kaseker
uma visão sustentável e agir, fazendo toda a diferen-
mari@revistanovoambiente.com.br raquel@revistanovoambiente.com.br ça. Este é o caso do bairro Cidade Pedra Branca, um
ILUSTRAÇÕES Webdesign
Marco Jacobsen Fernando Beker Ronque novo conceito urbanístico, e do supermercado flu-
marcojabsen@revistanovoambiente.com.br fernando@revistanovoambiente.com.br tuante da Nestlé, um instrumento de “democratiza-
logística
Juliano Grosco ção” dos produtos industrializados sem impactos, já
juliano@revistanovoambiente.com.br
Juvino Grosco Ricardo Adriano da Silva que a embarcação também é um posto de coleta de
jgrosco@revistanovoambiente.com.br
Marcelo C. de Almeida
ricardo@revistanovoambiente.com.br
Tiago Casagrande Ramos
recicláveis e produtos como pilhas e baterias.
marcelo@revistanovoambiente.com.br tiago@revistanovoambiente.com.br
Alexsandro Hekavei Aélcio Luiz de Oliveira Filho
O comportamento do mercado diante de uma
alex@revistanovoambiente.com.br aelcio.filho@revistanovoambiente.com.br onda de selos ambientais mostra a proliferação de
Bem-Estar
Clau Chastalo Maria Telma da C. Lima certificações, e é isso o que mostra nossa matéria de
clau@revistanovoambiente.com.br telma@revistanovoambiente.com.br
Ana Cristina Karpovicz Paulo Fausto Rupp economia deste mês.
cris@revistanovoambiente.com.br paulofausto@revistanovoambiente.com.br
Maria C. K. de Oliveira Janete Ramos da Silva
maria@revistanovoambiente.com.br janete@revistanovoambiente.com.br
Boa leitura!

FSC Central de Jornalismo

Artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da Revista, sendo de total responsabilidade do autor. 7 Novembro/2010
Lula todo elétrico
“Tenho defendido a ideia de que o Brasil é quase
invencível nessa disputa por novos produtos menos
poluentes”, disse o Presidente Lula, elétrico, ou me-
lhor, em um elétrico. A frase foi dita depois que Lula
Fotos: Agência Brasil deu uma voltinha no modelo i-MiEv, construído na fá-
brica da montadora em Catalão, Goiás.
O carro elétrico possui autonomia de 160 km e
pode deixar de emitir 1 tonelada de carbono se com-
parado ao equivalente à gasolina, além de reduzir em
quase 70% o custo do quilômetro rodado. A velocidade
máxima é de 130 km/h. O veículo, que vendeu cerca de
9 mil unidades este ano em outros países, deve chegar
ao Brasil somente em 2013 e ainda não há previsão do
custo ao consumidor. Segundo a empresa, vai depen-
der dos incentivos fiscais para sua produção, a exem-
plo do que vem acontecendo em boa parte dos países
europeus e nos Estados Unidos.

No meio
R$ 1 bi para reduzir emissões na agricultura

O BNDES acaba de aprovar a criação de um programa


para financiar ações que contribuam para a redução de
emissões de gases causadores de efeito estufa geradas
pela atividade agropecuária. O Programa ABC (Programa
para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na
Agricultura) tem orçamento de R$ 1 bilhão e taxa de juros
de 5,5% ao ano (custo final para o tomador).
Outro objetivo do programa, que vigorará até 30 de ju-
nho de 2011, é contribuir para a redução do desmatamento.
O limite de financiamento será de até R$ 1 milhão por
beneficiário por ano-safra. O programa poderá apoiar in-
vestimentos fixos e semifixos destinados a projetos de
recuperação de áreas e pastagens degradadas; implanta-
ção de sistemas de integração lavoura-floresta, pecuária-
-floresta ou lavoura-pecuária-floresta; e implantação e
manutenção de florestas comerciais ou destinadas à re-
composição de reserva legal ou de áreas de preservação
permanente.
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

Novembro/2010 8
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

Energia solar em 400 mil novas moradias


A Secretaria Nacional de Habitação anunciou que cerca de
400 mil casas a serem construídas em 2011, dentro do progra-
ma Minha Casa, Minha Vida, serão equipadas com dispositivos
para a utilização da energia solar, assim como ocorre hoje no in-
terior da Bahia e em Londrina, no Paraná. As casas, em especial
as construídas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, contarão
com a energia do Sol para aquecimento de água, basicamente no
chuveiro, um dos dispositivos que, em sua forma convencional,
são os que mais consomem energia elétrica.

Mulheres no Campo
O programa Mulheres no Campo, da DuPont Brasil vidual (EPIs) nas lavouras. Entre os programas da DuPont
Produtos Agrícolas, aposta na força das mulheres sobretu- para promover a responsabilidade socioambiental no cam-
do para conscientizar maridos e filhos quanto ao manejo po, existem iniciativas destinadas a crianças (filhos de agri-
seguro e responsável de agroquímicos nas lavouras. Mu- cultores), por meio do programa DuPont na Escola; a estu-
lheres no Campo dá sequência a uma série de ações pa- dantes de Agronomia, com o projeto DuPont na Universi-
trocinadas pela empresa dentro do programa Segurança e dade; e aos agricultores, atendidos pelo Segurança e Saúde
Saúde no Campo, adotado há mais de 10 anos, que tem a no Campo. Já o programa chamado Natureza DuPont trata
missão central de treinar e incentivar agricultores em tor- de promover a sustentabilidade nas comunidades onde a
no de boas práticas agrícolas, com vistas ao uso seguro de DuPont está presente. Quase 460 mil pessoas já foram be-
defensivos agrícolas e de equipamentos de proteção indi- neficiadas pela iniciativa desde 2002.

Mudas na lata
O Grupo Petrópolis, terceiro maior fabricante de cerve-
jas do país, lança oficialmente nesta semana as novas latas
das cervejas Itaipava e Crystal com o logotipo do projeto
AMA – Área de Mobilização Ambiental. Produzidas em edi-
ção especial, as 30 milhões de latas serão distribuídas em
todo o Brasil. A lata personalizada foi a forma encontrada
para brindar o esforço da empresa na preservação do meio
ambiente. “Grupo Petrópolis plantando 1,1 milhão de mu-
das em respeito ao meio ambiente” é o slogan utilizado
para propagar a campanha. O projeto é desenvolvido nas
cidades de Petrópolis (RJ), Teresópolis (RJ), Boituva (SP) e
Rondonópolis (MT), onde foi lançada uma série de ações
em prol do meio ambiente. Faz parte do projeto o plantio
de 1,1 milhão de mudas de árvores nativas, que junto com
as áreas de mata preservada, permitirá a retirada de mais
de 85 mil toneladas de CO2 da atmosfera e a retenção de
aproximadamente 36 bilhões de litros de água por ano. Até
o momento, já foram plantadas 324.619 mudas nativas da
Mata Atlântica. A primeira etapa da AMA terá duração de
três anos e está orçada em R$ 10 milhões.
Foto: Divulgação

9 Novembro/2010
Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen
charge
consumo Responsabilidade

Del ícia s
flutu a nte s
O projeto “Nestlé até você a bordo”, uma iniciativa realizada em
parceria com a Tetra Pack, leva um supermercado flutuante aos
moradores ribeirinhos da Amazônia. Além de comercializar produtos
alimentícios, o projeto também desenvolve um importante papel
socioambiental recolhendo materiais recicláveis e destinando-os
para a geração de renda de comunidades locais. São iniciativas que
mostram a diferença entre frases de efeito e ações de fato.

Novembro/2010 12
C
á entre nós, quantas pessoas que você O supermercado flutuante, que possui acesso para
conhece não gostam de chocolate? Par- idosos e pessoas com necessidades especiais, oferece
te desse grande envolvimento com essa mais de 300 produtos Nestlé. O projeto “Nestlé até você
pasta alimentícia solidificada, composta de cacau e a bordo” é uma iniciativa realizada em parceria com a lí-
açúcar, se deve, em grande parte, à maior empresa der mundial em soluções para processamento e envase
mundial de nutrição, bem-estar e saúde, que atende de alimento, Tetra Pack. Ambas estão comprometidas
pelo nome de Nestlé. Nome herdado de seu criador, em colaborar com o meio ambiente e contribuir com a
o alemão Henry Nestlé. Engana-se quem pensa que inclusão social, uma vez que o material arrecadado será
esta marca se restringe somente ao chocolate, pois direcionado para as cooperativas da cidade de Belém,
ela abrange a area de cereais, cafés e outros gêne- gerando uma oportunidade de melhora na renda das fa-
ros alimentícios. Sua primeira fábrica, instalada em mílias localizadas na região. O Diretor de Regionalização
terras brasileiras foi no ano de 1921. A evolução se da Nestlé Brasil, Alexandre Costa, afirma: “Queremos
traduz em números: atualmente a empresa possui conscientizar as pessoas de que, ao embarcar na onda
30 unidades industriais no país. da reciclagem, elas colaboram com a diminuição da ex-
A nova etapa de crescimento da marca consiste em tração de recursos naturais, com a redução do consumo
acompanhar a ascendência da preocupação ambiental de energia e da poluição, contribuem para a limpeza da
, e era, sem trocadilhos, natural que a marca marcasse cidade e também para a geração de empregos.”
posição sobre o assunto. Inovadora, criou o primeiro a Servindo de exemplo para as outras empresas no
supermercado flutuante do país, atendendo as popu- mesmo ramo, a Nestlé mostra que seu compromisso
lações ribeirinhas da Amazônia, que estão recebendo com o cliente rompe as barreiras do simples comér-
materiais contendo informações sobre como fazer a se- cio, levando suas guloseimas a, literalmente, todos os
paração correta dos resíduos, ressaltando que o objetivo cantos do país. Embora o intuito seja ter um negócio
é estimular a coleta seletiva e também incentivar o re- sustentável economicamente, existe muito mais que
torno das embalagens consumidas e adquiridas no pró- lucro envolvido. A empresa está realmenete preocu-
prio supermercado flutuante. Assim, a empresa coloca pada em aproximar seus produtos (a forma mais gos-
em prática as determinações da Lei de Resíduos Sólidos, tosa de fixar sua marca) das populações mais distantes
sancionada em pelo presidente Lula em agosto e que e ignoradas até então pelo mercado brasileiro. E faz
prevê a logística reversa, ou seja, que as empresas sejam isso de maneira responsável, apontando rumos para
responsáveis por recolher as embalagens ou o produto solucionar o grave problema do lixo, principalmente
que vendeu e que já não serve mais para uso, como ba- em santuários naturais como a Amazônia, onde só não
terias e lâmpadas. bate palmas para a iniciativa quem está com uma das
mãos ocupadas por uma barra de chocolate.
Carros Tecnologia
Foto: Divulgação

Cor predominante:

verde
A indústria automobilística, de tempos em tempos, se move como um
“efeito manada” em determinada direção. Cada época reflete um padrão
de consumo, que identifica como e o que querem os consumidores. O
26.o Salão Internacional do Automóvel marca uma grande movimentação
da indústria automobilística em direção à sustentabilidade.

D
efinitiva, irrevogável e intransigente. A onda verde que,
como um tsunami, varre virtualmente toda a indústria há
pelo menos uns dez anos mostra sinais do aumento de sua
intensidade. Repaginadas, combinadas ou recém-lançadas, as tecno-
logias que prometem fazer com que eu e você rodemos poluindo me-
nos daqui para frente estavam todas lá. Mais do que mostrar soluções
em produtos, os expositores buscaram mostrar a “mudança de com-
portamento” por meio das suas atitudes, como foi o caso da Renault,
que aproveitou a ocasião para apresentar seu instituto, e da Toyota,
que, entre outras iniciativas, tem seu “projeto Arara Azul”, na esteira
do pensamento de que os consumidores, além de poluir menos, que-
rem ver a responsabilidade ambiental aplicada em toda a cadeia pro-
dutiva de seus objetos de desejo.
Sob a ótica de que os carros podem ser considerados um reflexo
de sua época, podemos concluir que o homo verdi procura integrar
seu modo de vida pleno de movimento e distâncias a serem percor-
ridas no menor tempo – até mesmo na busca de materiais mais fa-
cilmente processáveis, recicláveis e menos dispendiosos do ponto de
vista energético – à fabricação do meio de transporte que deu auto-
nomia aos cidadãos, interiorizou nações e marcou uma das grandes
revoluções da mobilidade humana no final do século 19 e início do sé-
culo 20. Participar de um Salão do Automóvel como este, em última
análise, é participar da construção de um momento histórico.

15 Novembro/2010
urbanismo sustentabilidade

Um lugar para
viver

O bairro Cidade Pedra Branca, em Palhoça, região da Grande Florianópolis,


está apontando ao mundo um caminho viável e inteligente para o espaço
que o homem escolhe para viver, na essência mais agradável dessa palavra.
É um megaempreendimento sustentável e integrado, com universidade,
comércio, empresas e residências. Projetado para ter 47 quadras e 30 mil
pessoas em dez anos, a Cidade Pedra Branca já possui vida própria, com
mais de 4 mil habitantes. Desenvolvida por um grande time de profissionais,
já é referência para o mundo.

Novembro/2010 16
Foto: Divulgação

O
bairro sustentável Cidade Pedra Branca,
em Palhoça, Região Metropolitana de
Florianópolis (SC), vem se apresentando
como um dos mais bem-sucedidos projetos do new
urbanism na América Latina. Os conceitos que nor-
teiam o empreendimento preveem a ideia de conví-
vio racional e cooperativo entre residências, comér-
cio, escritórios e instituições de ensino, diferente dos
modelos tradicionais que separam, muitas vezes por
longas distâncias, o lugar de morar do lugar de traba-
lhar ou estudar.
Assim, representa redução de emissões de gases
poluentes dos veículos, economia de combustível e
proporciona a melhoria da qualidade de vida, já que
o bairro prioriza o pedestre com espaços agradáveis
e seguros, reduzindo drasticamente o uso do auto-
móvel – o que também se reflete na saúde, diminuin-
do o sedentarismo daqueles que ali vivem.
A alta performance dos prédios é prioridade, e
sistemas completos de aproveitamento de água e
energia, além de ações inteligentes para a minimiza-
ção dos resíduos (esquemas de coleta seletiva, óleo
de cozinha, baterias, lâmpadas) e a utilização de lâm-
padas LED na iluminação pública, estão entre as me-
didas para aplicar na prática o conceito de sustenta-
bilidade. Não por menos, foi um dos 18 projetos fun-
dadores do Programa de Desenvolvimento do Clima
Positivo, da ONG Climate Initiative, do ex-Presidente
norte-americano Bill Clinton. O projeto encantou es-
pecialistas climáticos e de urbanismo do mundo todo
e é visto também como um modelo de bairro-cidade
que pode contribuir de maneira decisiva para a redu-
ção de impactos ambientais e o controle climático,
evitando a devastação das encostas do entorno da
Pedra Branca.

Interior do Pátio das Flores


O bairro, cujo projeto foi desenvolvido por gran-
des nomes da arquitetura (como o do arquiteto Jai-
me Lerner), engenharia, paisagismo e urbanismo, é
ousado para os padrões brasileiros. Ele começou a
ser construído há cerca de 10 anos, em uma área de
250 hectares em torno do Maciço da Pedra Branca,
onde havia uma fazenda, por iniciativa (ainda mais
visionária na época em que foi iniciado) de Valério
Gomes Neto, um dos herdeiros do grupo Portobelo.
Mais de 4 mil pessoas já residem no bairro, as quais
ocuparam rapidamente as primeiras etapas do lote-
amento destinado à construção de casas. Hoje, 40 Interior da torre de escritórios
empresas ali instaladas geram 4.500 empregos. Exis-
te um campus da Unisul e uma escola técnica, além
de unidades de ensino para todas as idades e séries. Quadras sustentáveis
No início de novembro, a Pedra Branca Urbanismo Sus-
tentável, empresa responsável pelo megaempreendimento,
lançou a pedra fundamental para a segunda quadra integra-
da, o Pátio das Flores. A exemplo do primeiro empreendi-
mento, chamado Pátio da Pedra, é uma joia da sustentabi-
lidade. O Pátio da Pedra possui seis belos prédios, com mais
de 200 apartamentos residenciais de alto padrão, definidos
como torres, cuja distribuição é bastante curiosa, pois em
um mesmo prédio existem apartamentos com diversas me-
tragens, que vão de 2 a 4 quartos. Este é um dos muitos pon-
tos que mostram que o conceito de diversidade é latente,
embora nem sempre seja possível diante dos preços, que (e
não teria como ser diferente neste caso) variam de R$ 200
mil a R$ 1 milhão. Os imóveis do Pátio da Pedra já estão qua-
se todos vendidos; e o Pátio das Flores, a nova quadra em
construção que terá outras cinco belas torres que unem em-
presas, comércio e residências, deve ficar pronto em 2013.

Projeção das torres do Pátio das Flores


Criando cidades inteligentes
O segredo de se criar uma cidade dos sonhos
está no projeto, como explicou o engenheiro Dilnei
Bittencourt, Diretor da Cidade Pedra Branca, durante
a 7.a Conferência Internacional do Lixo Zero, realiza-
da no final de outubro em Florianópolis. “O custo do
projeto é de 1% nas construções tradicionais. É neste
momento que a preocupação com os aspectos ‘ver-
des’ deve ser prevista. Depois de ocupado, não há
como tornar um edifício sustentável. A sustentabili-
dade tem que se traduzir no bolso do cliente. Redu-
ção de custos do condomínio e facilidade na manu-
Pedaladas em volta da lagoa
tenção”, disse Bittencourt.
O bairro Cidade Pedra Branca deve se transfor-
mar, nos próximos 10 anos, em uma minicidade com
47 quadras e 30 mil moradores, com universidade
(a Unisul já possui um campus ali), escolas (inclusi-
ve técnica), supermercados, empresas, shoppings e
Depois de ocupado, não há como áreas de lazer atraentes e seguras. Segundo a empre-
tornar um edifício sustentável. sa, hoje já vivem mais de 4 mil pessoas no bairro sob
A sustentabilidade tem que se o signo do maciço imponente que lhe empresta o
nome. O empreendimento ainda precisa provar que
traduzir no bolso do cliente. será viável tal qual nos projetos, o que tem feito até
Redução de custos do condomínio aqui, mas não é exagero dizer que ele é já o futuro,
e facilidade na manutenção. concreto, que esperamos para que nossas civiliza-
ções enfim evoluam.
Dilnei Bittencourt, engenheiro da Cidade Pedra Branca

Planta do Pátio das Flores

01. Bicicletário no subsolo


02. Piscina adulto
03. Piscina infantil
04. Playground
05. Salão de festa
06. Espaço gourmet
07. Fitness
08. Sala de jogos
09. Solário
10. Área de estar
11. Espaço zen
12. Deck externo
13. Espelho d’água
14. Brinquedoteca

19 Novembro/2010
especial Seca na Amazônia

É o fundo do poço ou
o fundo do rio Negro?

Novembro/2010 20
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

Em 2009, o rio Negro, que banha Manaus, teve o nível mais alto de sua
história. Neste ano, o nível mais baixo já registrado. A inconstância climática
preocupa e faz com que o brasileiro tenha que repensar a Amazônia com
urgência. Desmatamento, montanhas de lixo, matança de animais em
extinção, não é essa a realidade que queremos para uma das maiores
riquezas naturais do planeta.

21 Novembro/2010
As águas do Rio Negro desceram mais de 13 m. Da orla de Manaus pode-se ver muitas embarcações encalhadas

P
ara o homem amazônico, os rios são mais que continua lá, tal qual foi revelado lentamente pela baixa
rios, são entidades. E assim, quando o rio Ne- das águas. Não se observa nenhuma movimentação or-
gro, que generosamente cedeu suas margens ganizada para retirada do lixo, nem mesmo os morado-
para que a capital amazônica nascesse, atingiu, em 24 res dos flutuantes, que vivem daquelas águas, parecem
de outubro, dia do aniversário de Manaus, o patamar ter se incomodado com os entulhos que cercam suas re-
mais baixo desde que seu nível começou a ser medido, sidências, agora assentadas no leito seco do rio.
em 1902, essas entidades mostraram que são mais vul- Nos quase 300 km que a equipe da Revista Novo
neráveis do que se pensava. Depois de descer 13,63 m Ambiente percorreu entre Novo Airão e a Boca do Jaú,
(chegou a descer 24 cm por dia), o que se viu foi um cho- um trecho ainda com boa navegabilidade, as dificulda-
que para a população: toneladas de lixo se escondiam des com os bancos de areia são constantes, e as faixas
no fundo do rio. Geladeiras, sofás, vasos sanitários se de areia que surgiram nas margens do rio criam praias
enroscam em sandálias de plástico, milhares de infalíveis inéditas. “A seca traz problemas no transporte e faz com
sacolas plásticas, seringas – e dá para o leitor fazer sua que o preço dos alimentos aumente, o abastecimento
própria lista de objetos olhando as fotos desta matéria. nas cidades ribeirinhas fica comprometido”, conta Sílvio
Quem joga o lixo é a mesma população que sobrevive Lima, Assessor da Secretaria de Estado Meio Ambiente
do rio. E pior que o cenário que não faria inveja ao Tietê e de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS),
foi a reação diante de tanta podridão: nenhuma. O lixo que acompanhou nossa equipe.

Bancos de areia no Rio Jaú


Fotos: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

No mesmo trajeto, foi possível avistar balsas de


extração de areia, comuns no alto rio Negro, total-
mente encalhadas. Outro representante da SDS que
nos acompanhava, o Chefe de Unidade de Conserva-
ção Francisco Oliveira, comentou: “A maioria destas
balsas têm permissão para extrair areia e seixo em
áreas pré-determinadas, mas também encontramos
algumas irregulares, sem documentação em dia, por
exemplo. Estas encalhadas vêm de Roraima e, se não
conseguirem desencalhar, vão ficar sem sair do lugar
até quando o rio encher. Só resta esperar”, disse.
Poucos quilômetros adiante do ponto de onde os
trabalhadores das balsas tentavam desencalhar inu-
tilmente, com o auxílio de um rebocador, nossa re-
portagem foi abordada por uma lancha da Marinha:
“Vocês sabem se é possível passar para a Boca do Jaú
com esta lancha?”, indagou o oficial. A resposta de
nosso barqueiro foi seca como o rio: “Não.”
Com a variação entre 2010 e o ano passado,
quando o Negro atingiu o nível mais alto já registrado,
29,77 m, o contraste climático é grande. Embora espe-
cialistas apontem que as alterações no nível das águas
dos rios da Amazônia podem ser apenas um processo
natural, ainda pouco se sabe sobre o quanto o desmata-
mento está colaborando com a seca. É indiscutível que
o regime de chuvas na região é fortemente influenciado
pela floresta equatorial. Em uma conta simples: menos
mata, menos chuva. O Governo Federal se prepara para
assumir o compromisso de reduzir em 80% o desma-
tamento da Amazônia. Em vez de isso soar como uma
boa notícia, na verdade é um “tiro no pé”, pois o Estado
assume sua incapacidade de controlar 100% o territó-
Boca do Jaú
rio brasileiro. Cientistas apontam que áreas de savana
avançam sobre as bordas do bioma amazônico. Mais de
1,5 milhão de famílias amazônicas dependem direta-
mente dos recursos naturais para sobreviver.

23 Novembro/2010
Difícil navegabilidade
Malária e dengue
O ciclo hidrológico da Amazônia é de oito meses de
água subindo e quatro meses de água baixando. A que-
bra desse ritmo pode causar desequilíbrios no ecossis-
tema que afetam diretamente a saúde humana. No cli-
ma quente, o metabolismo dos insetos se acelera e seu
desenvolvimento é muito mais rápido, assim como sua
proliferação. Neste caso, os mosquitos transmissores de
doenças como a dengue e a malária são os maiores pro-
blemas, pois encontraram ótimas condições neste ano
e em uma região onde as duas doenças já são, mesmo
sem a seca, problemas de saúde pública.
Para se ter uma ideia das dimensões que a malária
pode ganhar, no município de Anajás, no Pará, somen-
te no primeiro semestre de 2010, foram registrados 10
mil casos da doença. Detalhe: Anajás tem 25 mil ha-
bitantes. Nos primeiros seis meses do ano, o Ministé-
rio da Saúde registrou mais de 120 mil casos no país.
A distância e a dificuldade de acesso por meio aqua-
viário não ajudam no atendimento aos doentes. Para
complicar ainda mais, o Ministério da Saúde admitiu
que houve falta de remédios para malária por alguns
períodos em determinadas regiões.
Um membro de uma equipe de reportagem da Re-
vista Novo Ambiente destacada para cobrir a Amazônia
foi contaminado pela dengue no mês passado, quando
esteve em Manaus e parques dos arredores. Em Cáce-
res, no Mato Grosso, a situação é de risco. Em outros 18
municípios dos estados que compõem a Amazônia Le-
gal, inclusive todas as capitais (com exceção de Cuiabá, Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel
cujos números ainda não foram atualizados), a vigilância
sanitária está em estado de alerta por causa da dengue. usar o rio, a única opção de transporte disponível,
também é mais assustador: os jacarés, que frequen-
temente fazem vítimas humanas na região, ficam
Ataques de animais, ainda mais agressivos com o leito do rio seco e não
é raro que se lancem sobre as canoas. O jacaré-açu,
votos e aulas ou jacaré-gigante, só existe na bacia Amazônica e
pode medir 6 m e pesar até 350 kg. Ao contrário do
Mais de quatro mil crianças ribeirinhas estão que parece, é um animal ágil e veloz e sua abundân-
sem assistir às aulas no Amazonas por causa da di- cia por ali chega a ser um problema – existem pro-
ficuldade de locomoção das canoas e rabetas que as gramas de caça controlada para tentar equilibrar o
levam às escolas, metade delas fechadas. Municípios ecossistema.
como Ipixuma, Carauari e Maraã, no Amazonas, re-
gistraram espantosos índices de abstenções na úl-
tima eleição. O motivo, além da impossibilidade de

Foto: Divulgação
Foto: Ascom/Ampa

A Associação Amigos do Peixe-boi trabalha para a conservação da espécie

Matança de peixe-boi
Por outro lado, animais de grande porte, como o mais, os caçadores acabam destruindo o delicado ecos-
peixe-boi, estão sendo vítimas de matanças que co- sistema do rio.
locam em sério risco a espécie – o mamífero aquático Os pesquisadores temem que, muito em breve,
mais ameaçado de extinção do Brasil. As águas baixa- o peixe-boi possa ter o mesmo destino de uma paren-
ram, revelando vários animais em seus esconderijos e te próxima, a vaca-marinha-de-Steller, extinta no sé-
berçários, e deixaram os animais, que podem atingir até culo 18. O Diretor da Associação Amigos do Peixe-boi
2,5 m de comprimento e 300 km, encalhados e à mer- (Ampa), Jone César Silva, explica: “O peixe-boi é uma es-
cê dos caçadores. O Instituto de Proteção Ambiental do pécie endêmica da região. Ele tem um papel importan-
Amazonas (Ipaam) informou que entre 4 e 10 peixes-boi te para o equilíbrio do ecossistema; como é um animal
estão sendo mortos diariamente em rios amazônicos, herbívoro, alimenta-se de plantas aquáticas, portanto
em especial nos municípios de Autazes, Coari, Silves e evita que as plantas se acumulem no rio, permitindo a
Tefé. Apesar da dificuldade para chegar aos infratores, passagem de canoas. Além disso, suas fezes servem de
os fiscais do Ipaam apreenderam, no fim de outubro, alimento para microorganismos, que por sua vez são co-
vários apetrechos de pesca proibidos, como espinhéis e mida dos peixes. Já os peixes fazem parte de nossa die-
arpões, durante abordagens a canoas e barcos. Os fiscais ta.” A Ampa faz um grande trabalho de conscientização
encontraram também 10 kg de carne de peixe-boi (que e proteção e é um dos últimos faróis que piscam em um
é vendida entre R$ 3 e R$ 5) e 133 ovos de tartaruga. O mar de ignorância e ganância, lutando por indicar um fu-
problema ainda aumenta porque, para chegar aos ani- turo para o peixe-boi e para o próprio ser humano.

25 Novembro/2010
resíduos Consciência

Garantir o cumprimento da Lei de Resíduos Sólidos é papel


do Estado. Mudança no padrão de consumo e produção é
responsabilidade das pessoas e da indústria. Mas é o mercado
que tem tomado as iniciativas mais importantes para a adoção
do audacioso conceito de eliminar qualquer tipo de lixo. E isso
não é remorso ou engajamento, é um negócio lucrativo que
pode ajudar de maneira decisiva para descontaminar o planeta
e evitar um colapso mundial por falta de recursos naturais.

Novembro/2010 28
E
sperar que a consciência ambiental desper- nas de pessoas avançavam sobre o lixo despejado pe-
te para que enfim a humanidade encare los caminhões. Isso algumas horas depois de o Presi-
o problema do lixo ainda é uma utopia. Ao dente Lula, a poucos quilômetros dali, ter sancionado
menos para esta geração, que não está lá muito dis- a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O marco regu-
posta a assumir um passivo destes de uma hora para latório foi estabelecido. Tardou, mas o Poder Legislati-
outra. E é difícil mesmo. Afinal, este despertar exige vo fez sua parte. Resta agora que a lei seja cumprida.
não só uma preocupação imediata e individual com a Diante de montanhas cada dia mais descomu-
destinação do lixo, mas também requer mudanças no nais de lixo sobre a terra, das montanhas invertidas
padrão de produção e consumo, e é diante deste que de lixo sob a água – um triste espetáculo da Lei da
o engajamento ecológico muitas vezes esmorece. Gravidade – e da nossa incapacidade de atender aos
Na edição de setembro, a Revista Novo Ambiente gritos de socorro da natureza com a dedicação que
mostrou a realidade do lixão de Brasília, onde cente- nos é exigida, quem irá nos salvar?
Ninguém diria, mas o mesmo mercado que levou nuam sendo encaminhados para reaproveitamento
a humanidade a uma “sinuca de bico”, na qual não nas indústrias”, diz Sabatini, o engenheiro Presidente
é mais possível esconder nossas sujeiras, é o único da Novociclo Ambiental, empresa de Florianópolis
que pode nos salvar. É a iniciativa privada que tem especializada em consultoria na área de gestão de re-
sido a principal paladina da causa. Pragmática mas síduos e uma das organizadoras do evento. Durante a
sempre obediente ao mercado, tem se empenhado palestra, ele falou sobre a necessidade de alteração
para mostrar que os resíduos, quando aproveitados, nas etapas do processo produtivo para reduzir o im-
podem representar lucro, mas que, quando mal des- pacto ambiental. Para Sabatini, a solução é eliminar
tinados, representam dinheiro pelo ralo e todas as as etapas de descarte e seleção.
implicações negativas na qualidade de vida. O Presidente do Instituto Lixo Zero, Kalil Salim,
“Se tudo em nossa vida é organizado, por que defendeu que é possível, utilizando práticas que já se
com o lixo precisa ser diferente?”, disparou o enge- mostraram possíveis em outros países, extinguir os
nheiro Rodrigo Sabatini durante a 7.a Conferência In- resíduos sólidos em Florianópolis até 2030. Mais pela
ternacional Lixo Zero, que reuniu, em Florianópolis, força do mercado, e menos pela força de ideais, é pos-
19 especialistas de educação e gestão ambiental de sível que uma revolução e descortine diante de nós
vários países do mundo para discutir a destinação nas próximas décadas, que torne o mundo mais limpo,
dos resíduos sólidos. “As pessoas precisam entender reutilizável e mais belo, enfim, mais inteligente.
que os resíduos não são lixo. Quem faz o lixo somos
nós, que misturamos e sujamos os materiais”, disse
Sabatini durante a palestra de abertura da conferên-
cia, que aconteceu em outubro, pela primeira vez
no Brasil. O evento trouxe grandes nomes interna-
cionais do setor de reciclagem e reaproveitamento, As pessoas precisam
como Richard Anthony, Presidente da Zero Waste entender que os resíduos
International San Diego, uma organização que reúne
entidades de vários países, somando experiências não são lixo. Quem faz o lixo
de sucesso e apresentando soluções para a questão somos nós, que misturamos
da destinação do lixo em grande escala. “Temos que e sujamos os materiais.
realizar um processo cíclico, onde os materiais conti-
Rodrigo Sabatini, Presidente da Novociclo Ambiental

Richard Anthony, pressidente da Zero Waste International San Diego


e Rodrigo Sabatini na 7.a Conferência Internacional Lixo Zero.

Foto: Revista Novo Ambiente/Juvino Grosco

Novembro/2010 30
Capa Nordeste

Novembro/2010 32
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

A onda é essa
Brasil mostra seu potencial turístico com o aumento expressivo no
número de turistas, que, em 2010, pretende bater todos os recordes
históricos de visitações, seja por brasileiros, seja por gringos. O
Ministro do Turismo aponta à Revista Novo Ambiente novas rotas
e planos, mas nesta edição nós fomos mesmo para o Nordeste, a
fim de trazer para você alguns dos lugares mais impressionantes
do planeta. Na estrada, na areia ou na piscina, dicas de lugares
magníficos que ficam impressos na retina para sempre.

Praia de Jericoacoara

33 Novembro/2010
Foto: Revista Novo Ambiente/Estanis Neto
E
mbalado pelo crescimento no número de
desembarques domésticos e internacio-
nais, o turismo brasileiro vive um momen-
to de euforia. Segundo o Ministério do Turismo (MT),
entre janeiro e setembro deste ano foram 5,7 milhões
de desembarques internacionais e 49,2 milhões de
nacionais. A expectativa do MT é que esses números
atinjam 7 milhões e 65 milhões respectivamente, ba-
tendo todos os recordes históricos, gerando um cres-
cimento sustentável motivado pelo bom momento da
economia nacional e pela Copa do Mundo de 2014,
com grande atenção para o chamado turismo domés-
tico, que tem ganhado todas as atenções do setor.
Dois bons mecanismos do Governo Federal têm
dado respostas eficientes à demanda e para que o
Brasil, embora em um movimento crescente, deixe
de representar apenas 0,62% da receita cambial que
o turismo gera no mundo, segundo o próprio Minis-
tério do Turismo. A infraestrutura, principalmente vi-
ária, tem conseguido avanços inéditos para apoiar a Além da opção aérea, estamos
atividade turística – a “indústria sem chaminés”, que criando alternativas rodoviárias
pode ser a única solução de vida digna de centenas de
comunidades pobres que vivem em torno de atrativos
que são fundamentais para que
de grande potencial. “Além da opção aérea, estamos se mantenha o fluxo não somente
do turismo, mas comercial e
industrial. É uma saída para que
o Brasil escoe seus produtos para
o Pacífico, e cada vez mais ver a
América Latina integrada.
Luiz Barreto, Ministro do Turismo
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

BR-402 no Ceará

criando alternativas rodoviárias que são fundamentais


para que se mantenha o fluxo não somente do turis- Pé na estrada, na areia e no mar
mo, mas comercial e industrial. É uma saída para que
o Brasil escoe seus produtos para o Pacífico, e cada
vez mais ver a América Latina integrada. Esse tipo Seguindo a série de matérias sobre turismo sus-
de interação já existe no Cone Sul, entre Argentina e tentável iniciada na edição passada, a Revista Novo
Uruguai, Brasil e Peru, e existe a possibilidade de abrir Ambiente enviou três equipes para visitar todos os
uma estrada com o Chile, com quem temos boas rela- estados da região mais ensolarada e com a costa mais
ções”, contou o Ministro do Turismo, Luiz Barreto, com abençoada do Brasil. Ora como turistas, ora observa-
exclusividade à Revista Novo Ambiente durante a 38.a dores do desenvolvimento sustentável em torno do
edição do Congresso Brasileiro de Agências de Viagens turismo, tentamos trazer até você um pouco destes
(Abav 2010 – Feira das Américas), o maior evento do recantos que guardam tesouros naturais fascinantes
setor no continente americano. e que podem fazer toda a diferença na retomada de
Para Barreto, a preocupação do Ministério não perspectivas para um novo e viável Brasil. Na estrada,
é apenas com o turismo em si, mas também com as na areia ou no mar, este foi o Nordeste que sugerimos.
condições sociais e econômicas que o sustentam. Embora não fiquemos alheios a impactos causa-
“Estabelecer roteiros que sejam integradores dos dos pela atividade turística ou aos sérios problemas
processos não só de turismo, mas também do de- de saneamento que comprometem a balneabilidade
senvolvimento dos países, Brasil e Peru. A inaugura- em boa parte das capitais e jogam no lixo tesouros
ção de uma rota área que liga a região da Amazônia naturais, é de seu povo alegre e atencioso, da sua rica
brasileira ao Pacífico com o objetivo de promover um culinária, de seus cenários embasbacadores e de sua
intercâmbio entre regiões como Acre e Amazônia, cultura profunda que guardamos as melhores lem-
com Cuzco e vários estados, peruanos e brasileiros, branças. Esperamos que, para o leitor, elas sirvam ape-
tanto na questão turística quanto cultural e comer- nas como um convite para que cada um confira pes-
cial”, conta o Ministro, que anuncia que tal rota será soalmente o que nem nossas melhores fotos podem
viabilizada ainda neste mês de novembro. traduzir em toda sua plenitude.

35 Novembro/2010
Capa Nordeste

Rota das
Emoções

Lagoa do Paraíso, Jericoacoara


Fotos: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

Uma inteligente união entre a iniciativa privada e o poder público


de três estados criou uma rota que leva os turistas a um conjunto
espantoso e encantador de maravilhas da natureza. São dunas
entrecortadas por centenas de lagoas criadas pelas chuvas, praias
idílicas, matas intocadas. O sol é constante e o vento torna o clima
insuperável. Um contato inesquecível com a natureza. Prepare-se para
conhecer uma região cada vez mais estruturada para receber turistas e
que tem tudo para ser um modelo de sustentabilidade.

S
e tem uma coisa difícil de conquistar é o título de
melhor roteiro turístico de um país como o Brasil.
Em 2009, Rota das Emoções, um roteiro que integra
Maranhão, Piauí e Ceará, realizou esta façanha e foi vence-
dora do Troféu Roteiros do Brasil, uma iniciativa do Programa
de Regionalização do Turismo, do Ministério do Turismo, que
reconhece exemplos de sucesso do setor em oito categorias.
Nem precisa dizer que foi escolhido não por acaso. É um ro-
teiro que honra o nome que carrega, um passaporte para um
quase inacreditável mundo ensolarado e fascinante. Do pon-
to de vista socioeconômico, seus benefícios são imperativos.
“A Rota das Emoções, além de ser uma via para a divulgação e
promoção dos estados, se torna importante para levar turis-
tas para várias localidades, o que, por sua vez, movimenta a
economia e gera divisas econômicas para o estado”, conta o
Secretário de Turismo do Estado do Maranhão, Tadeu Palá-
cio, com exclusividade à Revista Novo Ambiente.
A Rota das Emoções, apesar de consagrada pela crítica,
ainda é muito pouco conhecida pelos brasileiros. Na verda-
de, é só uma boa desculpa para conhecer a costa mais oci-
dental do Nordeste, uma região de natureza rara, poderosa
e ao mesmo tempo delicada. Os três principais pontos de re-
ferência são os Parques Nacionais de Jericoacoara e dos Len-
çóis Maranhenses e a Área de Proteção Ambiental do Delta
do Parnaíba. Não existe uma ordem correta para se conhecer
esses locais ou tempo determinado de permanência em cada
lugar. Deixe seu espírito decidir, de preferência, lá mesmo.
Recomendamos a escolha de uma agência de confiança
que ofereça e providencie hospedagem de acordo com suas
preferências. Os pacotes vão de R$ 3 mil a R$ 6 mil por pes-
soa, mas isso é só uma média. A agência que escolhemos foi a
Tropical Adventure, que tem sua sede em Barreirinha, a “Ca-
pital dos Lençóis Maranhenses”, e, por isso, ao contrário do
costumeiro, resolvemos começar pelo Maranhão. Dividimos
a viagem em cinco etapas, que incluem no roteiro as capitais,
que serviram como nossos pontos de partida e chegada.

37 Novembro/2010
Etapa 1
A Ilha do Amor
Embora São Luís não faça parte oficialmente do
Roteiro das Emoções, não tem graça ir ao Maranhão
e não visitar a “Cidade dos Azulejos”. “Quem optar
por conhecer os Lençóis Maranhenses também tem
a facilidade de esticar um pouco mais a viagem e visi-
tar a capital, São Luís, conhecida por sua rica cultura,
artesanato, culinária e ainda carimbada como cidade
Patrimônio da Humanidade, atrativos que pesam na
hora de escolher o destino turístico”, aponta sabia-
mente Tadeu Palácio.
Que se saiba, poucas praias em São Luís são re-
comendadas para banho por causa da falta de sanea-
mento. Espera-se uma solução rápida para isso, pois o
turismo maranhense não pode prescindir de tão belas
praias pela falta de resolução de um problema básico.
vv São Luís é a única capital fundada por franceses
no Brasil, em 1612. A arquitetura lusitana, no entan-
to, predomina e dá uma beleza única, principalmen-
te no Centro Histórico e suas ruas que terminam em
grandes escadarias. São mais de 3.500 casarões e
sobrados tombados pelo Patrimônio Histórico. Pelos
becos dali, por onde se pode sentir a inspiração que
fabricou grandes poetas brasileiros, pode-se ouvir
música dos diversos centros culturais e acompanhar
outras belas manifestações artísticas, como tapeça-
ria e artesanato. Os azulejos predominam na arquite-
tura, uma inteligente solução para conter a umidade.
A cultura quadricentenária do lugar deixa a essência
do povo quase palpável. Deixe-se levar pela cidade,
mas cuidado com a segurança. Máquinas fotográfi-
cas expostas e muita pinta de turista podem atrair
assaltantes, que, infelizmente, são recorrentes em
todo o litoral brasileiro.
A “Capital Brasileira do Reggae”, ou a insuspeita
“Ilha do Amor”, tem uma noite movimentada e com
várias opções tanto para apreciar a culinária rica em
frutos do mar quanto lugares agradáveis para beber
com os amigos ou dançar com a pessoa amada. “Da
hora!”, como se diz por lá, numa versão local do “ok”.

Praia da Ponta da Areia, São Luís

Novembro/2010 38
Etapa 2
Lençóis Maranhenses
Distribuídos por 155 mil hectares, onde dunas e Bom mesmo é conhecer o Orlando, o Geraldo e a
milhares de lagoas de água quase morna repousam Simone. Quem são? Alguns dos macacos-prego que
tranquilas, o Parque Nacional dos Lençóis Mara- vivem soltos no mangue e aparecem por ali quando
nhenses configura-se como um lugar único no plane- chamados pelos donos da tenda, porque sabem que
ta. Os pontos mais belos estão mais próximos de San- lá vem banana. O turista pode comprar as bananas
to Amaro, mas é a pequena cidade de Barreirinhas para dar aos bichos, que vêm pegar em sua mão de-
que, pela infraestrutura turística, ficou conhecida pois correm de volta para as árvores. Você paga o
como a “Capital dos Lençóis”. quanto achar justo pela atração, mas certamente pa-
Dali, uma boa pedida é sair bem cedo para fazer um gará sempre menos do que valeu a experiência.
instigante passeio pelo rio Preguiças, com suas águas Seguindo pelo rio – excelente para um mergu-
azuis e translúcidas e seu fundo de areia. No trajeto até lho porque ali perto das dunas o calor refletido pela
o mar, é só beleza. Impressionantes e imponentes man- areia branca torna-se insuportável –, a água vai se
guezais cercam o rio. Ali se encontram os biomas ama- tornando salobra até, já bem próxima a sua foz, fi-
zônicos, a caatinga e a Mata Atlântica. Também é possí- car salgada. Quando isso acontecer, é porque você já
vel ver os coletores de açaí trabalhando em seus barcos chegou a um restaurante que vai servir um escondi-
que singram os igarapés. Na primeira parada, na locali- dinho de carne de sol acompanhado de uma comida
dade de Vassouras, o visitante pode se dirigir a uma ten- caseira que vai fazer você ter inveja desse povo.
da nas dunas que surgem à beira do rio e se refrescar Outros passeios arrebatadores podem ser feitos
tomando uma água de coco ou um guaraná Jesus, um de quadriciclo, cavalos ou nas guerreiras Toyota, que
hit parade no estado, tão gostoso que a Coca-Cola com- são praticamente as únicas que suportam com classe
prou sua fábrica para que fosse comercializado apenas as trilhas pelas dunas, que levam a dezenas de lagoas
no Maranhão e não invadisse o Brasil. alucinantes (em outubro, final do período de estia-
Já em Vassouras, pode-se arriscar um passeio gem, várias delas secam, restando bem poucas, até a
pelas dunas, mas não é o melhor lugar para isso. volta das chuvas).

Distribuídos por 155 mil hectares, onde dunas e milhares


de lagoas de água quase mornas repousam tranquilas, o
Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses configura-se
como um lugar único no planeta.
Resort Porto Preguiças

Que Preguiças!

Se você está precisando mesmo é ser tratado mergulhe até o bar molhado e peça uma margarita.
como um pachá, fique uns três dias no Porto Preguiças Pode ser de dia ou à noite, porque a água está sempre
Resort. Depois de instalado, coloque sua roupa de ba- em torno de 30 graus, sobre o inédito fundo de areia
nho, vá correndo e pule na piscina de mais de 700 m2, branca que vai massagear seus pés. Se esta atividade
cansar você, leve seu corpo para descansar em uma
das dezenas de redes espalhadas nos gazebos e fique
olhando as folhas de coqueiro que cobrem o teto. O
som ambiente é por conta da natureza.
O Porto Preguiças é um desses empreendimentos
do bem que não significam apenas um oásis para os
turistas, mas trabalho digno e qualificação para a co-
munidade local, de onde vêm todos os funcionários.
Para Barreirinhas, é um chamariz de turistas ávidos
para gastar. Construído por um paulistano que sabe o
que é bom e mudou-se para o local depois de pronto,
o resort está à margem do rio Preguiças, incrustado
respeitosamente em um bosque nativo de carnaúbas
de 150.000 m2. Durante sua construção, um exemplo
de cuidados ambientais, preservou toda a mata ciliar
de mais de 120.000 m2. O lugar possui instalações
de alto padrão, mas com todo charme de um arraial
do interior, e tem até uma igrejinha, além de animais
como gansos africanos e galinhas-d´angola que circu-
lam livremente. Uma olaria funciona ali e produz be-
líssimas peças, e os hóspedes também podem arriscar
fazer suas artes sob orientação de um funcionário.
Enólogos podem fazer uma trabalhosa pesquisa de
campo em um universo de 100 rótulos de vinhos cui-
dadosamente escolhidos. Dedique-se, mais de 1.500
garrafas o esperam. Viu?! Menos de três dias não dá.

Novembro/2010 40
Etapa 3
Delta do Parnaíba
Um dos mais intocados ecos- freguês. Cajueiro da Praia, pró- é uma cidade espalhada, com ra-
sistemas do planeta está no Delta ximo à foz do rio Timonha, já na zoável infraestrutura, e possui
do Parnaíba, quando o rio adentra divisa com o Ceará, é um paraíso poucos atrativos urbanos, mas
no oceano distribuído em cinco para os ecoturistas. Ali, o projeto uma excelente culinária e os pre-
braços no meio dos quais há mais Peixe-Boi Marinho já preserva a ços médios mais baixos da rota.
de 70 ilhas – um relicário ecológi- espécie há 13 anos e tornou-se Lagoas azuis e transparentes não
co com muitas praias despovoa- ainda mais importante diante dos faltam perto da cidade. A belíssi-
das onde pensar em passear sem massacres ocorridos por causa da ma Lagoa do Portinho é, parafra-
roupas pela areia não parece uma baixa dos rios amazônicos neste seando o fôlder oficial, “um convi-
má ideia. Afinal, se tem um lugar ano. O projeto estimula o desen- te ao prazer”.
bom de brincar de Adão e Eva, volvimento socioambiental da re- Não deixe de visitar o charmo-
este lugar é ali. gião, levando cidadania, pesquisa, so Porto das Barcas, uma região de
Na costa continental, mais turismo e educação para a popu- construções históricas onde você
dunas e lagoas lindas de viver o lação local e assim protegendo es- encontra bares, restaurantes e lo-
esperam. Seguindo pelo mar, a tes fabulosos mamíferos da água. jas com um artesanato de primei-
costa leste do Piauí descortina-se Parnaíba, a segunda maior ci- ra. Parnaíba não tem grandes ho-
completamente desconhecida dade do Piauí e “Capital do Delta”, téis, mas possui o simpático Hotel
do grande público. Existem sete foi uma terra de grande pujança Portal dos Ventos, com confortá-
praias no município de Luís Cor- nos séculos 18 e 19. Os comér- veis instalações e um atendimento
reia para atender dois pecados cios nacional e internacional co- de primeira. Nele, você também
capitais: a gula e a preguiça – os locavam o estado entre as quatro não vai esquentar a cabeça com
outros pecados são por conta do maiores economias do país. Hoje hospedagem.

Porto das Barcas, rio Parnaíba

41 Novembro/2010
Etapa 4
Jericoacoara
Se você seguiu a rota na ordem em que a fizemos,
deve estar muito próximo de acreditar que nenhum
cenário mais o espantaria por sua beleza, mas você vai
adorar saber que está enganado. Bem-vindo a Jerico-
acoara, um lugar deslumbrante cuja estrutura turísti-
ca teve a chance de crescer de forma ordenada. Para
chegar à pequena e organizada estância turística, você
deve seguir até Jijoca, quando então recomendamos
que pegue um guia cadastrado, que poderá guiar seu
carro até Jericoacoara. Só os guias conhecem as trilhas
seguras – e nem tente dirigir por conta própria, pois
terá de passar por duas estradas onde você afunda até
as canelas! Só os guias e os compressores portáteis
que carregam nas mochilas conseguem não encalhar
nas armadilhas de areia (que ainda assim torraram
dois pneus do nosso carro). Mas tudo isso são apenas consequências das belezas
Jericoacoara possui ao menos 120 pousadas de to- naturais protegidas pela criação de um parque nacional.
dos os padrões, com diárias que vão de R$50 a R$700. As praias são banhadas por um mar de muitas to-
O que impressiona é a enorme quantidade e qualidade nalidades. No entanto, o vento chega a ser incômodo
dos restaurantes, decorados de forma atraente e impe- para os banhistas. Não para os praticantes de kitesurf e
cável, mesmo quando parecem casuais. Pode-se comer windsurf, que coalham as águas. Passeios de buggy pe-
pratos do mundo todo e, claro, todas as variantes da las praias desertas são uma boa pedida, principalmente
comida nordestina. Música de primeira. Samba, MPB, se o destino for alguma tenda ao lado daquelas que são
choro, pop rock e reggae. Ótimo lugar para eternas luas as mais belas lagoas do Nordeste – a Lagoa do Paraíso e
de mel. Não é difícil encontrar, principalmente em julho a Lagoa Azul –, onde se pode tomar uma água de coco
e agosto, mais estrangeiros do que brasileiros em Jeri; deitado na rede, dentro da água que invariavelmente
por isso, se você for branco, não estranhe que todos lhe estará quase morna, mas boa o suficiente para refres-
dirijam a palavra em inglês ou espanhol. car e permitir vasculhar seu fundo de areia e vegeta-
ções esparsas usando óculos de mergulho.
Lagoa Azul
Aqui vai uma dica que vale um sorriso toda vez que
lembrar: vá até a Lagoa Azul, pegue o veleiro do Pirata
para atravessar até a ilha onde existe a tenda. Isso de-
mora só uns 10 minutos e custará R$ 2, ida e volta. Che-
gando à tenda, verifique nas margens da lagoa, dentro
da água, alguns suportes simples para dar uns pulos de
ponta. Entre na água e suba em um deles. Pule de pon-
ta e continue mergulhando até atingir o fundo da lagoa,
uns dois metros e meio. Aí, volte para a superfície lenta-
mente, olhando em direção ao sol, que se multifacetará
na água de muitas cores simultâneas. Você poderá acre-
ditar que está vendo os raios solares aprisionados em
bolhas que voltam dançando para a superfície. Quando
chegar lá em cima, você saberá por que Jericoacoara é
considerada um dos lugares mais bonitos da Terra.
Entre as melhores coisas de Jeri, estão os passeios
de quadriciclo, mas você não vai deixar de dar uma vol-
tinha em um jegue, vai?! O passeio à enigmática Pedra
Furada e à Árvore da Preguiça vale a pena. Não se es-
queça de parar diante de um dos milhares de cajueiros
espalhados por toda parte e experimentar uma fruta
cheirosa e doce como o mel. Doce como Jericoacoara,
de onde nunca se volta o mesmo.
Etapa 5
Fortaleza
Ao final de uma rota como essas, em que todos
os sentidos foram presenteados pela natureza, era
de se esperar que o viajante fosse tomado pela tris-
teza. Mas foi por isso que trouxemos você por esse
caminho, porque no fim da trilha está um lugar onde
é proibido ser triste: Fortaleza, a “Capital da Ale-
gria”. Um programa rápido e certeiro é passar o dia
no parque aquático Beach Park, que conta com uma
ótima estrutura, agradável e segura, e depois jantar
na Praia do Futuro, em uma das barracas mais bem
estruturadas do litoral nordestino. No dia seguinte,
você pode aproveitar as belezas de Canoa Quebra-
da, próximo da capital cearense, e ainda voltar para
assistir aos famosos (e numerosos) shows de humor
que deram os melhores humoristas aos país.

Para conhecer a Rota das Emoções, recomendamos:

Tropical Adventure Expedições:


(98) 3349 - 1987 • (98) 9993 - 0322
www.tropical-adventure-expedicoes.com

Rota das Emoções

43 Novembro/2010
Novembro/2010 44
Capa Nordeste

A Rota das Cores

Novembro/2010 46
Foto: Revista Novo Ambiente/Juliano Grosco

Cor é luz. Refletida ou emitida, cor é luz. Também é frequência,


que a retina capta e o cérebro decodifica. O processo frio
descrito no papel, no entanto, torna-se algo maior, subjetivo
e por isso mesmo inexplicável, que chamamos de olhar. Neste
contexto, se o Brasil é um país pictórico, a palheta de tintas
é o Nordeste. Convidamos você a ver tons e nuances únicas,
que compõem parte da escala cromática nordestina: Alagoas,
com sua badalada e azul Maceió; Pernambuco, com sua culta
e turquesa Recife; e Paraíba, com a sua verde e imortal João
Pessoa. Você pode discordar das cores que usamos para definir
as cidades ou suas qualidades. Não faz mal. Sob o prisma do
olhar de quem contempla, não há resposta certa, nem errada.
João Pessoa

• Dois em um

O
sol. Pablo Picasso costumava representar
o sol como uma lâmpada. Ele também re- Embora, curiosamente, uma fachada as congre-
presentava Deus desta forma, fundindo gue igreja e “convento” (como denominado erro-
astro e conceito em força geradora. Da mesma forma neamente no prospecto que nos foi entregue, pois
binomial, parece que basta que “ele” (astrológica ou convento, segundo o dicionário Michaelis, possui
metafisicamente, o leitor fique à vontade para esco- acepção para gênero feminino, mais adequado a frei-
lher) entre em cena para iniciar o movimento na vida ras, portanto, e não para frades ou monges – no caso
desta João Pessoa. Sacra, ela detém uma curiosidade franciscanos –, cujo termo correto seria monastério
que não escapou à equipe da Revista Novo Ambiente, ou mosteiro), as edificações do conjunto São Francis-
que teve o privilégio de galgar os degraus do conjunto co coexistiram desde a taipa à construção do muro,
(e centro cultural) São Francisco. Não se trata do fato mais recente, concluída em 1788.
de ela ser o mais oriental ponto das Américas, dando
bom-dia ao sol antes de todos, mas sim do fato de ela
ter seu marco zero, e por conseguinte seu centro his-
tórico, distante da orla, ao contrário do que é mais co-
mumente verificado na maioria das capitais e cidades
litorâneas do Brasil.
João Pessoa, primeiramente chamada de Po-
voação de Nossa Senhora das Neves, nasceu do rio
Sanhauá, afluente do Paraíba. Peculiar desde o co-
meço, ela possui atrações únicas, sem paralelo com
outras cidades do alvorecer do Brasil.

Centro Cultural São Francisco: Praça São Francisco,


s/n, Centro – João Pessoa /PB – Fone: (83) 3218 4505
Novembro/2010 48
• Pedala, João Pessoa

A convidativa e bem planejada orla de João Pessoa passou a con-


tar neste início de ano com mais um atrativo para aqueles que
curtem pedalar livremente: o “Pedala, João Pessoa”, uma interes-
sante iniciativa da Prefeitura que possibilita o empréstimo de bi-
cicletas em pontos específicos como o que pudemos ver no Cabo
Branco. É só seguir as instruções para liberar a bicicleta, via celu-
lar, mediante a compra antecipada de créditos, e sair pedalando.
Não é necessário devolver a magrela exatamente onde você a
pegou, desde que haja uma posição livre em outro ponto. Basta
encaixá-la e voilá, você permite que outra pessoa a utilize.

• Arte como invólucro da arte


Passar o adro significa escolher entre dois cami-
nhos, ambos interessantes. Um histórico, outro com
um quê de contemporâneo. Para o visitante que op-
tar pela “sinistra”, o olho mágico vazado deixará en-
trever a visão da gênese da cidade, adentrando um
pouco a rotina franciscana. Já o que optar pela “des-
tra” estará inserido em um mix artístico refinado,
que engloba arte contemporânea, sacra e uma ar-
quitetura que faz lembrar os tempos de escola a to-
dos que estudaram em colégios antigos de tradição
cristã. A professora de História ficaria feliz: barroco e
rococó estão em perfeitas condições, com pisos ori-
ginais da época (em alguns ambientes 100%) e res-
taurações primorosas.

Olinda
As estreitas e coloridas vielas são testemunhas plena de experiências inusitadas. O lugar respira arte
da criatividade assaz ilimitada do pernambucano. O por todos os cantos. Onde quer que se vá, a produ-
labirinto estende-se até um mirante onde todas as ção dos “mestres” está disponível para todos os bol-
cores se fundem no infinito e indizível azul do mar, sos, dando a cada visitante a oportunidade de levar
tendo como suporte o skyline de Recife. Olinda é consigo – e sem dano para o patrimônio histórico –
mesmo maravilhosa (escrever “linda” seria pouco) e um pedacinho do charmoso bairro na bagagem.
Recife
As rodas tocam o chão. A potente pinça dos freios exerce sua pressão. Tudo,
em progressão matemática, é jogado para a frente. A realidade presa por um cinto
que se quer desafivelado ao menor sinal luminoso do teto. A ansiedade se justifi-
ca. Todos querem pôr os pés em Recife primeiro. Senão em primeiro, em segundo
lugar, e para ficar – como quis o holandês Maurício de Nassau, que pelejou com
os portugueses, mas sucumbiu ante à inanição provocada pela própria companhia
das índias que o fomentou. Aliás, o curto domínio sob seu júdice deixou profun-
das marcas na gente e na cultura da capital pernambucana. Uma personalidade
cosmopolita, cujo refinamento artístico e a valorização de manifestações culturais
populares foram capazes de gerar, entre outras coisas, gêneros musicais como não
se via desde a Tropicália (vide o Mangue Beat, que congregava Chico Science, Fred
04, Jorge Du Peixe e suas bandas, Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, fundamentais
para quem gosta de MPB e quer entender música brasileira). A equipe da Revista
Novo Ambiente ainda esperou pacientemente pelas malas que teimavam em não
aparecer na esteira. O carro alugado, à espera, já estava com o rádio ligado: “Al-
zira bebendo vodca defronte da Torre Malakoff / Descobre que o chão do Recife
afunda um milímetro a cada gole...” Muito bem. Lenine dá o tom para que a cidade
ofereça o que tem de melhor: conteúdo e estética inebriantes.
Visite a Sinagoga Kahal Zur Israel: Rua do Bom Jesus (antiga
Rua dos Judeus) , 197, Recife - PE. Por apenas R$ 5,00 você
pode aprender um pouco mais do Brasil do século 17 e, de
quebra, ainda conhecer um pouco mais da cultura judaica.
• Sinagoga Kahal Zur Israel
Parece história de filme. Durante escavações • Guerra, cerco e fuga
para as obras de uma reforma, é encontrada uma sé-
rie de artefatos muito antigos. É decretada, então, a Por três vezes, antes da rendição, em 1654, os ho-
transformação do canteiro de obras em sítio arque- landeses foram derrotados pelas tropas portuguesas.
ológico. Cada pincelada dos arqueólogos revela os Durante o cerco, a população sofreu muito, pois falta-
detalhes de uma insuspeita correlação direta entre vam gêneros de primeira necessidade, e qualquer coisa
Recife e Nova Iorque. O sítio em questão é a primeira que pudesse ser comida o era. Porém, para os judeus, a
sinagoga das Américas, construída durante domínio salvação veio no nome de duas embarcações, o Falcão e
holandês – tolerante quanto à liberdade de culto, o Elisabeth, que chegaram a tempo para permitir a fuga:
como rezava o regimento da Companhia das Índias “No dia nove do quarto mês, dois navios tornaram-se
Ocidentais: “(...) que não sejam molestados ou su- para meu povo como que remédio predestinado”, es-
jeitos a indagações em suas consciências ou em suas creveu o rabino Isaac Aboab da Fonseca, autor do pri-
casas” (Haia, 13 de outubro de 1629). Estavam lança- meiro texto hebraico das Américas e líder espiritual da
das as bases para um movimento migratório tanto de comunidade. Expulsa do Recife, parte dessa população
judeus holandeses quanto de portugueses, que para voltou a Amsterdã ou foi para “Nova Amsterdã”, futura
cá vieram e estabeleceram uma comunidade que, na Nova Iorque, sendo os primeiros judeus admitidos lá.
época, correspondia a 50% da população branca de Findo o período brutal da Inquisição, a cidade somente
Recife. Profissionais liberais, comerciantes e senho- voltaria a receber judeus na segunda metade do século
res de engenho, eles rapidamente se inseriram na 19, passando a ter uma comunidade judaica realmente
vida econômica da capital. forte no século 20, demonstrando, assim, a consolida-
ção do Brasil como uma nação democrática, pronta a
acolher as mais diversas etnias.

51 Novembro/2010
Oficina Cerâmica Francisco Brennand. Propriedade Santos Cosme e Damião,
s/n - Várzea Recife/PE . Fone: (81) 3271 2466.
Lá é possível comprar um pouquinho da arte de Brennand, em um “café” cli-
matizado onde, entre um gole e outro do refrigerante gelado – necessário
após caminhar sob o sol forte que dá moldura às obras ao ar livre, conversa-se
sobre a magnífica experiência de “imersão”.

Novembro/2010 52
.
• A dimensão Brennand
“Mestre dos sonhos”, como estampado no fôlder.
Esta é a mais adequada tradução do nome Francisco
Brennand para o português. Expressão idiomática fun-
damental em uma língua desconhecida, o criador é o
verbo. O verbo que desde o princípio conduz o apre-
ciador a um universo particular, cuja simbologia am-
bígua está apoiada no repertório daquele que a con-
templa. Deus e o diabo na terra do sol. A santidade,
a volúpia, a luxúria, a exuberância, a inocência. Tudo
convive harmoniosamente de forma integrada e natu-
ral dentro da oficina que dá ao artista sua “base” no
planeta Terra. O canto gregoriano que soa pelas caixas
de som denota um cuidado magistral, em uma com-
posição que coisifica pessoas e personaliza animais.

• Pequeno. Sinta-se pequeno


As mulheres pernambucanas são também a per-
sonificação do colosso de peso e barro maciço da obra
de uma vida. Parte de uma exposição permanente,
cuja curadoria é legitimada pelo sentido literal da pa-
lavra, na figura de uma guardiã abnegada. O passeio é
um prazer que não tem prazo de validade, assim como
as praias que fazem a fama deste chão que vira arte,
quando o “Midas” pernambucano o toca.
A presença viva em constante evolução não deve
ser importunada. O deus vivo caminha ante suas cria-
turas: “Não, não vamos incomodá-lo.” Uma oração no
idioma nativo, apreendido entre o rinchar intermiten-
te e lépido da borracha do tênis nas pastilhas, basta
como reverência.
.

• De buggy, em Maragogi beis, as doceiras imprimem um ritmo forte de traba-


lho, aparentemente indiferentes ao pano de fundo,
composto pelo mar, pelas areias da praia e as baloi-
A grafia é uma incógnita até hoje. Boogie, bug- çantes palmeiras. Sabor atestado, é hora de voltar. A
gie, bugue, bugre... há formas (assim como mode- chave gira e os gordos pneus põem a equipe em mo-
los) para todos os gostos e idiomas. Acredita-se que vimento: é hora de sair do caminho de areia e “cair
venha da palavra bug, em inglês, assim, para inseto no asfalto” novamente.
mesmo. O fato é que o termo se refere àquele tipo
de carro feito a partir do chassi do Fusca, coinciden-
temente também chamado de “besouro”. Em uma • Praia do Francês
montagem cuja anatomia permite um comporta-
mento dinâmico excelente na areia, a vocação é re-
forçada pelos pneus “balão” com grande superfície, Igualmente belas, porém distintas em suas pro-
próprios para acrobacias na praia. postas. A calmaria das areias de Maragogi faz um con-
Há muitos anos eles estão associados à paisagem traponto diametralmente oposto à agitação e badala-
nordestina. “Jegues modernos”, eles fazem a alegria ção das que estão espalhadas pela Praia do Francês.
da turistada, levando os mais aventureiros a lugares Tal qual duas irmãs gêmeas, a distância que separa
incríveis. Há mais de 40 bugueiros cadastrados na dois caminhos e gostos – conciliáveis, é verdade – pos-
prefeitura. Organizada, a categoria é unida e se reve- sibilita amplas escolhas dentro dos estilos compatíveis
sa para atender a todos que quiserem dar suas “in- com o devaneio que cada um de nós procura ao longo
certas” pelas belas praias de Alagoas. Conscientes de das mudanças de humor ou das fases da vida.
que, mais do que profissionais em exercício, são re-
presentantes das comunidades que percorrem, fica
patente o cuidado dos “pilotos” ao trafegar pela orla,
em baixa velocidade, normalmente até cumprimen-
tando os trauseuntes, vez ou outra dando algumas
buzinadinhas de longe, para não assustar os mais
incautos, extasiados com a beleza do mar. Acertado
um dia antes, o passeio que fizemos contou com a
perícia do “comandante” Amilton, profundo conhe-
cedor da região e muito popular na comunidade.
Nosso itinerário incluiu Maragogi, praia do Camacho,
praia do São Bento, praia do Salgado e foi até Japara-
tinga, com direito a paradas estratégicas para as be-
líssimas fotos que você vê nesta reportagem e a três
águas de coco colhidas diretamente do coqueiro.
A equipe da Revista Novo Ambiente também
pôde ver como funciona uma pequena fábrica de
sequilhos, feitos à mão com auxílio de tesouras, que
ajudam a dar formatos inusitados para a massa. Há-

Novembro/2010 54
• Conhecer e preservar

O belíssimo patrimônio que salta aos olhos de todos,


independente do perfil, é uma questão de estado, tida
como prioridade absoluta, como a Revista Novo Ambien-
te pôde verificar em uma entrevista exlusiva com a Secre-
tária de Turismo de Alagoas, Danielle Govas Pimenta
Novis: “Alagoas possui o segundo maior recife de corais
do mundo, atrás somente da Austrália. Existe um termo
de conduta para disciplinar o uso desses corais, que nos
permite preservar esse ativo de valor incalculável que
é o meio ambiente” diz, complementando a declaração
com uma dica para a equipe: “No litoral sul, temos al-
guns cartões-postais como a Praia do Francês e a Barra de
São Miguel, que possuem muita diversidade, um turismo
mais massivo, mas que vem se configurando dentro de
um padrão de qualidade alto que estamos consolidando
como diferencial.” Ao visitar Alagoas, a Revista Novo Am-
biente é taxativa: reserve tempo, conheça todas as praias
e forme você mesmo sua opinião.

Rota das Cores

55 Novembro/2010
capa Nordeste

A rota das
Águas
Foto: Revista Novo Ambiente/Leandro Dvorak

O calor do Nordeste sugere atividades refrescantes. Banho de praia ou de


rio é uma tentação debaixo de um sol que faz os termômetros passarem
facilmente dos 40 graus. Se esse banho tiver um cenário de cartão-postal,
então, torna o passeio mais interessante. Na Bahia e em Sergipe, partimos
das capitais com destino a dois paraísos diferentes. No estado baiano, o litoral
sul e as paisagens de Itacaré. Em Sergipe, trocamos a água salgada de Aracaju
pela água doce do rio São Francisco. Em um mergulho nos cânions de Canindé
de São Francisco, próximo à usina de Xingó, percebemos e transmitimos as
emoções de estar junto da imponência da natureza nordestina.

57 Novembro/2010
Bahia

V
isto de cima, da janela navios carregados, prontos para algo entre 1,5 milhão e 2 milhões
do avião, o litoral baia- descarregar, com o Pelourinho ao de turistas. Mas essa baiana parece
no atiça os instintos fundo; os blocos de concreto, sime- ter o que outras capitais não têm:
de explorador em qualquer ser tricamente ajustados às ladeiras e à um sotaque que só ali se percebe,
humano que tenha o mínimo de geografia da Baía de Todos os San- diferente até mesmo do de outras
espírito aventureiro. É impossí- tos; condomínios e favelas integra- cidades da Bahia. Uma pimenta tão
vel não imaginar-se desbravando dos aos desníveis da terra e, ao mes- forte que só tem lá. Quem não é de
aqueles quilômetros de costa, mo tempo, tão próximos do mar. Salvador, mesmo negro ou calado,
que se perdem no infinito. Praias Salvador é sempre uma sur- não consegue disfarçar e acaba se
desertas, manguezais, rios, baías presa. Como toda capital, tem seus entregando forasteiro no jeito de
e muito, muito coqueiro. dias e noites agitados. A cidade, andar ou por meio de uma expres-
Durante o sobrevoo, junto com com quase 3 milhões de habitan- são facial diferente da despretensio-
a capital Salvador chega o impacto: tes, deve receber no próximo verão sa maioria que vive ali.

A capital Salvador

Novembro/2010 58
Túnel de bambus na saída do aeroporto de Salvador

• Terra à vista
Depois de atravessar o túnel curta graças à conclusão da ponte passageiros e outras ações. “Lan-
de bambus na saída do aeroporto entre Camamu e Itacaré, diminui çamos o turismo náutico, isenção
e viajar pela Baía de Todos os San- a distância em um bom punhado de imposto às empresas que se
tos a bordo de um ferry boat até de quilômetros. instalarem na Bahia para construir
a Ilha de Itaparica, a rodovia BA- Para o Secretário de Turismo barcos de passeio. Nosso mar é de
001 guia o carro por lugares im- da Bahia, Antonio Carlos Tramm, almirante e nosso céu é de briga-
pressionantes. Uma viagem pelo a grande recuperação da malha deiro durante os doze meses do
litoral sul da Bahia, que está mais rodoviária estadual é um dos prin- ano”, afirma o Secretário.
cipais incentivos ao turismo no Ele conta que US$ 90 milhões,
estado, visto que 52% dos turis- vindos de um financiamento do
tas são os próprios baianos. Além Prodetur, serão aplicados na Baía
das estradas, o governo pretende de Todos os Santos, em obras de
investir no transporte marítimo, construção de pontes e recompo-
com construção de terminal de sições, bem como outras ações.

Lançamos o turismo náutico, há isenção de


imposto para as empresas que se instalarem
na Bahia e construir barcos de passeio.
Nosso mar é de almirante e nosso céu é de
brigadeiro durante os doze meses do ano.
Antonio Carlos Tramm, Secretário de Turismo da Bahia

59 Novembro/2010
• Paixão além-mar
Talvez muito mais conhecida no exterior que
no próprio Brasil, Itacaré atrai cada vez mais turis-
tas estrangeiros. Europeus e americanos ficam tão
encantados com aquele pedaço de terra, cercado
de praias, rios, cachoeiras e coqueiros por todos os
lados, que, além de visitar frequentemente, voltam
para residir e investir.
O fenômeno é compreensível. Quantos lugares
no mundo concentram tanta beleza em uma área
tão pequena? Bem próximas ao centro da cidade,
seis praias são acessíveis de carro, bicicleta ou a pé.
Coroinha, uma praia dentro do rio de Contas, guarda
com segurança as embarcações pesqueiras e de pas-
seio. Na foz do mesmo rio fica a Concha, com águas
tranquilas, ideal para banho para quem não tem mui-
ta habilidade com a natação. Continuando pela mar-
gem direita, sentido sul, vêm na sequência: Resende,
depois Tiririca, Costa e por último, Ribeira. Todas Pista de skate na praia da Tiririca
saídas de cartão-postal. Mar lindo, ondas perfeitas,
areia limpa e clara e mata nativa, principalmente co- Arrumaram o jardim e construíram uma pista de ska-
queiros. A partir daí o acesso às praias começa a ficar te para deixar o lugar ainda mais agradável. “Os grin-
mais difícil. Alcançadas somente por trilhas ou barco, gos investem, mas os nativos acabam morando nas
podem ser comparadas a irmãs, filhas dos mesmos favelas”, reclama ele, que trabalha em um projeto
pais, e top models. Todas são parecidas, mas não social que traz cinema para a comunidade.
iguais. Cada qual com sua beleza, nenhuma delas Boa parte de hotéis e pousadas, restaurantes ou
tem unanimidade, mas todas têm. Contam as más lojas pertencem ou têm recurso de algum gringo que
línguas que a Prainha seria a preferida de quem as se apaixonou pelo lugar. Há os que se apaixonam en-
“concebeu”. Concursos a elegeram entre as mais be- tre si e vão celebrar em Itacaré. Eóin Mac Maoilir e
las “miss praia” em concursos internacionais. Louise Malone, americanos de Orlando, vieram para
O fotógrafo Mario Noronha conta que na praia o casamento de amigos que escolheram fazer a fes-
da Tiririca, que recebe eventos do circuito mundial ta no mini paraíso. Quando conversaram com nossa
de surf por causa da qualidade e constância de suas equipe, já estavam há uma semana em Itacaré, en-
ondas, os estrangeiros chegaram a refazer o cenário. cantados com tanta beleza natural.

Prainha
Novembro/2010 60
Nicole Lacampagne também desenvolveu uma
relação passional com Itacaré. Primeiro acomodou,
pouco a pouco, uma pousada dentro da Mata Atlân-
tica. Passados 15 anos, dá para perceber que o am-
biente não só não reclamou como gostou da ideia. As
árvores centenárias abraçaram os quartos, que lhes
pareceram simpáticos, já que têm paredes de madei-
ra, telhados de palha, coletam água da chuva e ainda
por cima não têm televisão.
Nicole, que é francesa, foi além. Não só contrata
funcionários que sejam do local como, na zona rural
de Itacaré, na periferia, desenvolve projetos sociais
dentro das comunidades. O importante, segundo ela,
é “viver de uma maneira simples, mas suficiente”.

Árvores centanárias

• A gestão pública
Alguns moradores reclamam da administração Ilhéus e Itacaré. Não foi feito um planejamento urba-
municipal. Dizem que os votos estão na periferia, no. Agora é que estamos organizando o Plano Diretor
então praticamente não existe interesse dos políti- de Itacaré, que não existia, apesar de o município es-
cos em investir nas praias. Se avaliarmos a questão tar dentro de uma Área de Proteção Ambiental.” Ele
a partir da coleta de lixo, por exemplo, devemos con- afirma que o pior problema não é a coleta, mas sim
siderar a bronca. Nossa equipe flagrou cenas como a a destinação do lixo. “A prefeitura está desenvolven-
de cavalos como se fossem cães vira-latas, comendo do um plano básico de destinação de lixo urbano. Em
sacos de lixo direto das lixeiras em frente às residên- parceria com a Universidade Estadual de Santa Cruz,
cias. Em outra ocasião, a cinematográfica praia da adquirimos equipamentos para a separação e tria-
Costa serviu de pano de fundo para um saldo indi- gem”, aponta.
gesto de embalagens e cocos, resultado de um fim
de semana de sol, areia, mar, calor e muito consumo. Embalagens e cocos
O Prefeito Antônio Damasceno se defende e afir-
ma que a área territorial de Itacaré é muito grande
(730 km2) e os recursos são poucos. “A cidade não
estava preparada para a quantidade de turistas que
passou a receber após a conclusão da estrada entre

Cavalos comendo sacos de lixo direto das lixeiras

61 Novembro/2010
• De veleiro pelo litoral brasileiro
Alheios a essa discussão, Gustavo Sabino e Nilton
Baluch (o primeiro, carioca residente em Florianó-
polis; e o segundo, paranaense morador da Ilha do
Mel) escolheram a praia da Coroinha para ancorar o
veleiro que os leva de volta ao Sul. A viagem de ida
começou no final de julho. Depois de uma viagem
que partiu da capital catarinense e fez escalas em
diversos pontos do litoral brasileiro, eles apostaram
corrida com outros barcos à vela, em uma regata que
saiu de Recife para Fernando de Noronha. Chegaram
em quarto lugar e agora, sem nenhuma pressa, estão
voltando na velocidade do vento, como um piloto
que passeia pela pista de corrida enquanto come-
mora sua conquista. A dupla recebeu nossa equipe a
bordo do Super Pimpo, o vitorioso veleiro de 32 pés
construído num estaleiro em Santa Catarina.
Nilton diz que tem planos de construir um Villa-
ge sustentável na Ilha do Mel. “Durante a viagem,
aproveito para conhecer como funcionam essas ins-
talações ao longo da costa brasileira. Se for construir
em um lugar como esse, tem que ser uma constru-
ção sustentável.” Gustavo, o comandante, conta
das principais passagens do trajeto: dias sem vento,
encontros com baleias e a comunicação com outras
embarcações fazem parte do cotidiano dos três, Gus-
tavo, Nilton e Super Pimpo. “Teve um companheiro,
em outro barco, que chegou a colidir com uma ba-
leia. O veleiro sofreu avarias e a baleia, apesar de
não ter se ferido gravemente, perdeu muito sangue.
As imagens foram chocantes. Por isso, quando avis-
tamos uma baleia, já mudamos a rota para evitar o
choque”, explica o comandante.

• O governo estadual e o meio ambiente

A Secretaria de Meio Ambiente trabalha para equa-


cionar o investimento em infraestrutura, de hotéis e de
transporte, com políticas fundamentais de preservação
da biodiversidade. Segundo o Secretário Eugênio Spen-
gler, ações de recuperação de áreas degradadas, melho-
ria no saneamento e treinamento de comunidades que
vivem no entorno de áreas de preservação são algumas
das ações desenvolvidas pelo governo estadual para
buscar o equilíbrio.
“Não podemos desconsiderar as outras atividades
econômicas. Temos que criar condições de convivência
entre elas e até o fortalecimento de uma pela presença
da outra”, diz o Secretário, que é filósofo por formação.
Ele usa como exemplo o cacau-cabruca, um sistema de
produção de cacau plantado no meio da Mata Atlântica
sem prejudicar a vegetação remanescente.

Novembro/2010 62
• Sugestão de hospedagem

Itacaré – Pousada Sítio Ilha Verde


www.ilhaverde.com.br

Sergipe
No estado com a menor área territorial do Brasil nhas de divulgação nacional por períodos prolongados e
(o Sergipe tem 21.900 km2), escondem-se riquezas e sem interveniência ou cortes. “O problema é que um go-
belezas de tamanho grande demais para ser mensura- verno chega e faz um trabalho, o que sucede desmancha
do. A capital, Aracaju, ainda está longe de ser um dos e começa outro. Nosso turismo ainda é muito pequeno,
principais roteiros turísticos do Brasil. Com exceção do mas se tiver 100 turistas em Aracaju, 80 vêm ao Cariri”,
Carnaval e das festas de junho, quando acontece o For- garante o proprietário da tradicional casa de forró e res-
ró Caju, o fluxo de visitantes não está entre os grandes taurante, situada na famosa via gastronômica Passarela
responsáveis pela movimentação econômica da cidade. do Caranguejo, e que há 12 anos oferece a cultura nor-
Na opinião de José Hamilton de Santana, faltam campa- destina em forma de música, dança e gastronomia.
• Projeto Tamar
Seguindo pelo litoral na
direção norte, logo chega-se a
Pirambu, onde começa a Re-
serva Biológica de Santa Isabel.
Lá, uma base do projeto Tamar
guarda boas histórias. Nos-
so cicerone, José Antônio dos
Santos, confessa que já esteve
do outro lado. Era pescador e
admite que o ovo da tartaruga
é muito saboroso. Hoje, Zé An-
tônio é um dos principais defen-
sores dos simpáticos animais.
“Monitoramos mais de 46 km
de praia. Quatro espécies brasi-
leiras (cabeçuda, pente, verde e
oliva) desovam aqui na praia de
Pirambu. De mil ovos, apenas
um ou dois irá sobreviver”, aler-
ta ele. A raposa e os cachorros domésticos são os pio- da cadeia alimentar, as tartarugas têm que lutar con-
res predadores na fase inicial, quando os ovos ainda tra redes de pesca e diversos tipos de lixo, lançados
estão nos ninhos. Depois o perigo vem do céu. Aves ao mar pelo homem. “As sobreviventes, depois de 30
e caranguejos interceptam o caminho das tartarugui- anos, voltam para a praia em que nasceram e deso-
nhas rumo ao mar. Quando enfim atingem a água, os vam pela primeira vez. Isto está acontecendo agora
filhotes têm que escapar de bagres, corvinas, cações aqui em Pirambu. É um clico que se completa”, come-
e tubarões. Não bastassem todos esses adversários mora o protetor das tartarugas marinhas.

• Banho de rio na terra do Cangaço

Canindé de São Francisco seria mais um municí-


pio comum do interior de Sergipe não fosse a passa-
gem do rio, que é cantado por poetas e repentistas
nordestinos. O São Francisco faz a fronteira de Ser-
gipe com Alagoas e compõe cenários dignos de pre-
servação, visitas e estudos aprofundados o ano todo.
Em um passeio de catamarã, barco a motor com
vv

espaço para até 250 pessoas, pode-se avistar forma-


ções rochosas com mais de 60 milhões de anos. O câ-
nion do Xingó é o quinto maior cânion navegável do
mundo. O ponto alto do tour está na Gruta do Talha-
do, quando o barco atraca e os encalorados passagei-
ros podem mergulhar no rio São Francisco e, de den-
tro da água, se encantar com os paredões de rocha.
A história do cangaço está incrustada na região.
Atravessando a ponte para Alagoas, está Piranhas, ci-
dade que teve a cabeça de Lampião e a de outros de
seu bando expostas em praça pública. Piranhas é re-
conhecida como Patrimônio Histórico Nacional pelo
• Sugestão de hospedagem

Canindé de São Francisco – Xingó Parque Hotel


www.xingoparquehotel.com.br

Rota das Águas

65 Novembro/2010
capa Nordeste

No movimento
dos sonhos

O sol nasce para todos, mas nasce mais para quem está em Natal,
ensolarada 300 dias por ano. Tanto as praias urbanas da capital como
outras 50 praias na costa do Rio Grande do Norte possuem uma beleza
que mexe com os sentidos de forma avassaladora. Estão todas ali,
ao alcance dos seus desejos mais profundos de encontrar a paz (ou a
festa) de que precisa. Apesar de quadricentenária, Natal é uma cidade
moderna, alegre e dinâmica que vai te seduzir, fácil, fácil.

Novembro/2010 66
Foto: Revista Novo Ambiente

Meu pai dizia que a rede fazia parte


da família. A rede colabora no
movimento dos sonhos.

Câmara Cascudo, sociólogo, pesquisador e escritor. Natalense, foi uma das mais
brilhantes cabeças do Brasil e conhecia a alma de seu povo como ninguém.

S
e você for bem esperto, o melhor é duvidar
dos folhetos de propaganda sobre Natal, re-
tocados pelo Photoshop, e conferir essas
informações pessoalmente. Não se deixe enganar! Aí,
você vai descobrir que ainda vai demorar cem anos
para que exista um software com talento (e petulância)
para fazer retoques em imagens da capital potiguar.
Estes presentes da natureza, especialmente em
estados áridos como o Rio Grande do Norte, repre-
sentam mais que um cenário perfeito para turistas
entrarem em contato com seu deus, seja qual for ele
(embora não devamos esquecer que o nome de sua
capital, fundada em 25 de dezembro de 1599, é uma
homenagem ao nascimento de Jesus). O turismo
representa a possibilidade de redenção econômica
para uma população com poucas opções no campo
ou na indústria. “Estamos trabalhando para diver-
sificar nossos produtos turísticos do Rio Grande do
Norte, criando oportunidades que não somente as
praias, que são o nosso carro-chefe, mas investindo
no turismo de aventura e ecoturismo, turismo cultu-
ral e turismo de negócios”, diz à Revista Novo Am-
biente José Paulo Dantas, Diretor de Eventos da Se-
cretaria Municipal de Turismo de Natal.
A cadeia de serviços em torno do turismo em
Natal girou quase R$ 6 bilhões em 2008, contra pou-
co mais de R$ 13 milhões da pecuária, segundo o
IBGE. O desafio é o mesmo no mundo todo para o
setor: não matar a galinha dos ovos de ouro. É hora
de investir em obras de infraestrutura urbana e ho-
teleira (que já é uma das melhores do país, dispon-
do de cerca de 28 mil leitos), de qualificar pessoas e
comunidades sem que isso represente a destruição
do patrimônio natural. O desafio é grande. O poder
público ganha por um lado, combatendo com vitó-
rias importantes os lixões; por outro, não consegue
acompanhar o crescimento vertiginoso da população
que dobrou nas últimas três décadas, e o crescimen-
to desordenado causa seus estragos, do saneamento
à segurança pública, mesmo Natal sendo considera-
da a mais segura das capitais brasileiras.
Forte dos Reis Magos

Praias e lagoas
Várias praias urbanas de Natal apresentam boas
condições de banho, com destaques para a concorri-
da Praia dos Artistas, bastante utilizada pela popula-
ção local e por surfistas. A praia da Ponta Negra, me-
nor e mais charmosa, também é mais elitizada e com
boas baladas. Ali está localizado o famoso Morro do
Careca, um tanto devastado pelo lazer no passado e
que hoje é uma área de proteção ambiental.
A Praia do Forte, em torno do Forte dos Três Reis
Magos, apresenta uma formação inconstante por
causa da maré. De um verde muito claro e intenso,
suas águas são sedutoras, convidativas e aparente-
mente muito limpas, o que se pode notar quando a
maré baixa e o fundo de areia das piscinas naturais e
do rio Potengi, que ali deságua, fica exposto e não se
vê lixo algum, tampouco se nota mau cheiro. É uma
generosa mistura de vegetação, sol, mar e areia. Ir-
resistível.
As lagoas, no entanto, decepcionam. Quase todas
as mais famosas estão em propriedades particulares,
que criam clubes, restaurantes e brinquedos aquá-
ticos (cuja falta de normas mínimas de segurança es-
panta) em torno delas, alterando por completo sua
beleza natural com estrutura bastante questionável e
feia. Programa furado é o nome disso, evite. Se você
se contenta com contemplação, não deixe de visitar
a lagoa de Jenipabu, uma área protegida onde não é
possível dar nem um mergulhinho. Ainda assim, você
pode arriscar um divertido passeio de dromedário,
com direito a roupas árabes e tudo para tirar fotos.

Quer nadar?
O melhor mesmo é o mar, mas também existem pachorra de buzinar para os pedestres saírem do ca-
algumas ressalvas. Tanto na costa sul quanto na cos- minho. Natal é conhecida como a capital mundial do
ta norte existem dezenas de praias, invariavelmente buggy e não é nada difícil perceber por quê. Maraca-
belas. Para o norte, por exemplo, existe a bela praia jaú também é uma praia linda e o paraíso dos mer-
de Muriú – mas cuidado, porque há momentos em gulhadores, que podem apreciar um mundo de cores
que ela parece uma autopista de buggies, que têm a incríveis que compõem o ecossistema marinho local.
Ponte de Todos - Newton Navarro

As melhores dicas estão no sul. Em Tabatinga, no começa a se pôr e a maré baixa, secando quase todas as
município de Nísia Floresta, você pode se deleitar em piscinas e abrindo um espaço sabe para quem passar,
grandes piscinas naturais que se formam atrás das im- às manadas, alegremente? Sim, eles, os buggies, uma
ponentes barreiras de corais, que viram muros separan- diversão insuperável nas dunas, mas inconvenientes
do as piscinas do mar, à medida que a maré vazante vol- e perigosos à beira-mar, alheios às placas que indicam
ta para o mar (é bom ter cuidado com a forte correnteza que é proibida a entrada de carros na praia.
nessa hora). Uma cerveja, camarões na manteiga da Já o Diretor de Eventos da Prefeitura aponta os lo-
terra acompanhados de feijão verde (mergulhe sem dó cais com melhor estrutura no Estado: “O europeu vem
na culinária local), logo ali ao lado daquelas águas ab- ao Brasil em busca de sol e mar. No estado, temos a
surdamente confiáveis, farão você repensar a vida, pra cidade de Natal e a praia do Pipa, são os dois destinos
melhor. Bem, isso até as quatro da tarde, quando o sol turísticos mais consolidados”, informa Dantas.

Programa de turista

Praia de Muriú. Aos olhos dos mais aventureiros que gostam


fazer suas próprias e exclusivas descobertas, os ôni-
bus descarregando dezenas de velhinhos da melhor
idade, com seus chapeuzinhos brancos, não são um
prenúncio de que aquele atrativo seja lá muito emo-
cionante. Mas, que isso! Não seja assim tão precon-
ceituoso! Na capital e arredores, existem vários pas-
seios de massa que valem muito a pena, como as tri-
lhas no Parque das Dunas, o segundo maior parque
urbano do país, e o Museu Câmara Cascudo.
Outras duas dicas imperdíveis são o Forte dos
Reis Magos e o maior cajueiro do mundo. Construí-
do em 1599, e portanto dando origem a Natal, o forte
alimenta o relicário em torno da história de Cristo. É
belo, reconfortante (e não é que suas paredes cen-

69 Novembro/2010
O maior cajueiro do mundo.

tenárias transmitem mesmo segurança?), além de que tem. Ela foi plantada por Luiz Inácio de Oliveira
bastante arejado, refrescado pelo vento incessante em 1888, que desde sempre se apaixonou pelo ca-
que forma as dunas, infla as velas e gera energia no jueiro. Oliveira morreu aos 93 anos de idade sob a
estado. Toda a história, desde antes da construção, sombra do cajueiro, deixando como legado uma be-
até próximo aos dias atuais, é contada nos comparti- líssima história de respeito e convívio, além de um ne-
mentos. Já o maior cajueiro do mundo é interessante gócio que gera renda para centenas de comerciantes,
não apenas por suas dimensões, que ocupam mais de guias e funcionários que organizam a visitação. A en-
8 mil m2 e não param de crescer. Você também pode trada custa só R$ 3, mas imagine isso multiplicado por
colher e comer cajus dulcíssimos (o pé produz nada milhares de velhinhos de chapéus brancos por mês. O
menos que 80 mil frutas por ano) de uma árvore que lugar conta com uma boa feirinha de artesanato onde
tem um motivo muito especial para ter o tamanho é bem possível que você deixe uns trocos.

Hotel-escola
Uma ótima dica de hospedagem é o Barreira
Roxa, um hotel-escola administrado pelo Senac/RN
que fica no suntuoso parque hoteleiro da Via Costei-
ra. O nome se deve às cores das belas falésias que se
precipitam para o mar, logo ao fundo do hotel, vista
que pode ser devidamente apreciada do bar molha-
do da piscina. O Barreira Roxa é emblemático e sua
história é interessante: ele foi inicialmente projetado
para servir como residência do Governador, mas, por
uma visão empreendedora de José Agripino Maia,
então Governador do Rio Grande do Norte, foi trans-
formado em hotel-escola e inaugurado em 1985. De
lá para cá, formou milhares de profissionais do turis-
mo, que colaboraram para que o estado tivesse um
dos corpos de profissionais mais qualificados para o
turismo em todo o Nordeste.
“São possibilidades de as pessoas mudarem sua
qualidade de vida ganhando qualificação profissio-
nal e expandindo seus horizontes. Com o advento
da Copa do Mundo, na qual Natal será uma das se-
des, essa qualificação torna-se ainda mais necessá-
ria e urgente, para que a sociedade brasileira como
um todo possa se beneficiar diretamente com este
evento”, conta Newton Guerra Filho, Subgerente do
hotel-escola.

Farol da Mãe Luíza


72 Svetlana Maria de Miranda
advogada especialista em Direito Ambiental

O Direito à Informação
Ambiental
O direito à informação ambiental decorre do di-
reito fundamental da pessoa humana de viver
em ambiente ecologicamente equilibrado. Asseguran-
e a participação popular, colocando as informações à
disposição de todos. (...)
Almeja-se, assim, garantir a participação comu-
do-se isso, permite-se a conscientização dos indivíduos nitária ativa e consciente no desenvolvimento e na
para a devida e esperada participação nas decisões e implementação das políticas públicas referentes às
controle do Estado. questões ambientais.
O direito ao acesso à informação está assegura- O grande desafio está na instrumentalização dos
do no inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal e meios de aquisição da informação por meio de pro-
estabelecido como um dos objetivos da Política Na- cedimentos, instâncias, prazos, formas, sistematiza-
cional do Meio Ambiente. ção, organização e padronização de banco de dados.
Nessa seara, enuncia o princípio 10 da Declara- De igual modo, carece de aprimoramento a legisla-
ção do Rio de Janeiro de 1992 sobre Meio Ambiente ção que regulamenta o sigilo industrial, indispensá-
e Desenvolvimento (ECO-92) que a melhor maneira vel à segurança da sociedade e do próprio Estado.
de tratar as questões ambientais é assegurar a par- Contudo, apesar dos entraves a serem solucio-
ticipação, no nível apropriado, de todos os cidadãos nados, compete a cada um de nós, no exercício de
interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá nossa cidadania, despertar a nossa consciência am-
acesso adequado às informações relativas ao meio biental em busca da informação ambiental, que, in-
ambiente de que disponham as autoridades públi- discutivelmente, será nossa maior e mais eficiente
cas, inclusive informações acerca de materiais e ativi- arma na luta pela preservação do meio ambiente
dades perigosas em suas comunidades, bem como a ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo
oportunidade de participar dos processos decisórios. e essencial à sadia qualidade de vida, sendo este nos-
Os estados vão facilitar e estimular a conscientização so dever para as presentes e futuras gerações.

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen


Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen
VTPTecnologia

Mobilidade
pessoal Carros elétricos sem motorista guiam
a ficção científica para as vias urbanas,
otimizando tempo, organizando o fluxo
e não interferindo na qualidade do ar.
Trânsito congestionado nunca mais.
Ilustração: Fernando Beker Ronque

Novembro/2010 74
S
egunda-feira, Washington, 2.054. O vapor tê- uma central de controle, a central decide a melhor rota
nue do café quente se dissipa no ar, o relógio enquanto o passageiro aproveita a viagem em segu-
no table marca em um canto discreto da notí- rança e com tranquilidade. O veículo se move por tri-
cia 7:30. Livre do trânsito caótico, o funcionário faz o nó lhos de estação por estação, e o fluxo permanece cons-
cruzado na gravata enquanto espera o horário do VTP. tante nas pistas sem conflito.
Se o filme Minority Report, de Steven Spielberg, é O veículo tem capacidade para cinco adultos e tem
a visão do vindouro, bem-vindo, você está no futuro. sistema de temperatura interna. Hoje, o terminal tem
Com 21 veículos em atividade, o aeroporto de Hea- estações em pontos como o metrô, prédios públicos,
throw, Reino Unido, traz das telas do cinema a realida- universidades, centros empresariais e shoppings. Já
de dos Veículos de Trânsito Pessoal (VTP). O VTP é um em Abu Dhabi, Emirados Árabes, está sendo constru-
minitrem elétrico sem motorista que recebe os passa- ída a cidade sustentável de Masdar, onde a intenção é
geiros na estação, o ponto final é selecionado em um substituir, até 2015, todo o transporte por carros elé-
monitor touchscreen que envia as informações para tricos guiados por marcadores magnéticos no chão.

75 Novembro/2010
Saneamento Equipamentos

Descarga legal
Ah, por que ninguém pensou em algo tão óbvio
antes?! Soluções simples como as descargas de
dois botões prometem promover uma pequena
revolução. Os sistemas de reaproveitamento
de água estão cada vez mais presentes nos
projetos urbanísticos, mas, enquanto isso não
se populariza para as estruturas já existentes, o
negócio é racionalizar, sem ter que racionart.

S
e é um desperdício utilizarmos água potá-
vel nos vasos sanitários, mais desperdício
é jogar dez litros cano abaixo por causa de
um xixizinho inocente. Conheça alguns sistemas que
controlam o volume de água em cada descarga. Um
botão para resíduos líquidos, outro para descarga
completa. É inteligente: você economiza na conta de
água, reduz a retirada de água dos rios e manda me-
nos líquidos para o esgoto. É também uma descarga
de consciência.

Um botão para resíduos líquidos, outro para


descarga completa. É inteligente: você economiza
na conta de água, reduz a retirada de água dos
rios e manda menos líquidos para o esgoto.

Novembro/2010 78
• Acabamento para válvula de descarga
Clássica Salvágua Chrome (Docol)
Reduz o volume de água utilizado por meio do acio-
namento de duas teclas de acionamento parcial,
para os líquidos e total. O consumo pode ser reduzi-
do em mais de 30%.

• Deca
Seu design inovador permite fácil iden-
tificação do volume de descarga dese-
jado: descarga rápida no botão menor
e descarga total no botão maior. Na
descarga de 3 litros (botão menor), o
volume é limitado, mesmo quando o
botão permanece pressionado. Isso é
possível graças ao seu mecanismo in-
terno, que limita o ciclo de descarga.
Economiza até 40% de água em com-
paração com um sistema de descarga
convencional, uma vez que 80% da uti-
lização do sanitário residencial é para
remoção de dejetos líquidos.

• Fabrimar
Por meio de um controle externo, apenas com uma
chave, é possível regular a vazão e o tempo de des-
carga. Aprovada para uso em banheiros para pessoas
com dificuldades motoras, pela facilidade de aciona-
mento. É ideal para uso público, dada sua economia
e menor consumo de água. Tem a única válvula de ci-
clo fixo do mercado, enquadrada no Programa de Uso
Racional de Água.

79 Novembro/2010
Água Exposição

Água na Oca
De 26 de novembro de 2010 até 8 de maio de 2011, acontece
na OCA, Parque do Ibirapuera, aquela que promete ser a
maior exposição sobre água já feita no mundo. Um evento
cheio de atrações para quem quer mergulhar no universo de
um dos bens mais preciosos do planeta.

Novembro/2010 80
A
megaexposição Água na Oca trata da relação
entre a água e o planeta, enfatizando o que essa
substância representa para o Brasil e o seu povo,
detentor do maior manancial do globo. Aliando ciência, arte
e tecnologia, serão apresentadas instalações interativas,
obras de arte, peças de acervo museológico, aquários reais
e virtuais, fotografias e instalações audiovisuais, que ocupa-
rão os 8.000 m² do pavilhão da Oca. Durante os cinco meses
em que permanecerá em São Paulo, Água na Oca realizará
também palestras, workshops e um extenso programa edu-
cacional, voltado para toda a rede de ensino.
Idealizada e realizada pelo Instituto Sangari em parce-
ria com o Museu de História Natural de Nova Iorque, Água
na Oca é apresentada pela IBM e pela Petrobras. O que será
visto nos 8.000 m² do pavilhão “é uma mostra integralmente
concebida no Brasil e para o Brasil. Em termos de espaço, di-
versidade e alcance, é quase dez vezes maior do que a ameri-
cana. Fazer uma exposição sobre a água é como montar uma
exposição sobre a vida, um assunto igualmente grandioso e
infindável”, afirma o curador brasileiro Marcello Dantas.

81 Novembro/2010
A mostra é dividida por temas, de acordo com
cada andar do pavilhão da Oca:

• o subsolo é o andar dedicado às obras de arte que


envolvem água, seja como elemento de inspiração
ou como material que pode ser esculpido. Denomi-
nado “Desaguar”, o piso apresenta cinco obras que
foram comissionadas a artistas brasileiros;

vv
• no térreo, o visitante encontra o “Mundo d’Água”,
que trata das relações entre a água, a vida e o planeta,
suas propriedades, problemas e potenciais. Neste es-
paço, é possível conhecer as diferentes relações entre
a água e os seres vivos, desde aqueles que vivem no
mar até os que sobrevivem em condições extremas
de escassez deste recurso. Esse andar terá uma faixa
de aquários com mais de 60 espécies de peixes que
vivem em sete ecossistemas diferentes. Será possível
conhecer espécies que habitam o rio Negro, cursos
d’água da floresta de Sumatra e a bacia do Congo;

• o primeiro andar mostrará cenas como a fúria das


enchentes, um problema grave, principalmente no
verão, que devasta cidades, casas, leva vidas e se re-
pete todos os anos. Os visitantes serão conduzidos
por uma instalação que simula uma casa durante
uma tempestade e a ameaça da enchente;

• o zona abissal é uma a grande atração do segundo


andar, chamado de “A Última Fronteira”. Neste espa-
ço, o espectador assistirá a um vídeo que o levará a
diferentes lugares, desde os conhecidos recifes de
coral até as partes mais obscuras do oceano.

Novembro/2010 82
84 Delson Amador
engenheiro eletricista

Do “Grooving” ao “Finger”
R eformas incipientes, tardias e subdimensio-
nadas marcam os “esforços” brasileiros para
fazer com que a infraestrutura aeroportuária possa
ternamente. Bons modelos de gestão existem, estão
à disposição e extremamente adaptados para a reali-
dade nacional, que possui demandas específicas que
atender às agendas internacionais que se acumulam. caracterizam o “jeito” brasileiro de voar. As soluções
Na maioria dos casos, nas rápidas conversas de fila importadas, à primeira vista, soam melhores, po-
de check in, as experiências compartilhadas, quan- rém, uma vez que a “festa acabar”, podem tornar-se
do não de desorganização e desinformação, são de monumentais elefantes brancos, inviáveis em sua
pura e simples irritação. “Voar no Brasil é complica- operação cotidiana.
do!”, ouço da analista de sistemas formada em Nova Vejo com bons olhos, dentro do raciocínio acima
Jersey que se acomoda à minha esquerda. Realmen- proposto, o modus operandi dos aeroportos regio-
te, voar no Brasil é complicado, repito, enquanto nais do estado de São Paulo. Como foi possível ob-
procuro mentalmente uma justificativa para as três servar, em parte, por meio da reportagem “Seguran-
mudanças de portão de embarque pelas quais passa- ça e respeito”, veiculada no debut desta publicação.
mos e para a demora demasiada da permanência de Estruturados no monitoramento constante das va-
nossa aeronave em solo. riantes ambientais e em um cuidadoso acompanha-
Aéreas e administradores de aeroportos pare- mento da demanda, eles operam sem alvoroço e
cem não falar a mesma língua. Truncada, a informa- sem surpresas para os usuários. Eficientemente di-
ção divulgada na tela se apaga e é automaticamente mensionados e com projeções corretamente estabe-
deletada da memória dos atendentes, que, via seus lecidas, eles propiciam uma interação que difere da
pequenos HT’s, passam a receber de uma espécie de de outras estruturas visivelmente saturadas e, quan-
“oráculo” invisível as vidências e previsões de um sis- do não, desgastadas e defasadas.
tema em transe. “Por que voar no Brasil é complica- É preciso melhorar o desempenho dos aeropor-
do?” talvez seja a correta inflexão de frase a ser pro- tos brasileiros. É preciso estabelecer condições den-
ferida. Convidando à reflexão, ao planejamento, ao tro dos arranjos financeiros da união, dos estados –
entendimento e à análise, não ao conformismo. e por que não dos municípios? – que tornem mais
Há quem julgue inúmeros exemplos como o pulverizada a captação dos investimentos para estas
“modelo” a ser seguido. Os americanos e sua grande benfeitorias, viabilizando aportes constantes, pro-
capilaridade de linhas aéreas, ágeis e desembaraça- gressivos e não apenas ações pontuais, com mon-
das; os precisos ingleses com sua justificada pontu- tantes razoáveis, expressos com grande alarde nas
alidade e organização. Mais do que inspiração em placas de obras que podemos ver onde há alguma
modelos externos, o Brasil pode – e deve – voltar-se intervenção em andamento. Não dá para ficar nas
para as experiências de sucesso levadas a efeito in- aparências. É preciso agir – e agir agora.

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen


Economia Certificação
Uma
penca de
selos verdes
A discussão acerca das formas de
produção e consumo ganha força
no mundo todo a cada mês. E como
sabemos, em quase tudo na vida,
para cada nova solução, temos um
novo problema. Um tema que deve
ganhar cada vez mais destaque
nos debates sobre um mundo
sustentável parece ser a proliferação
dos chamados “selos verdes”.

87 Novembro/2010
?
V
ocê já parou para se perguntar quantos

??
“selos verdes” existem hoje? Antes ape-
nas comprávamos um produto por achar
que sua marca era confiável, seu acabamento decen-
te, e sua qualidade garantidora da utilidade deseja-
da e duradoura. Certamente nosso consumo segue
o mesmo desenrolar, mas nos tempos de busca de
compras responsáveis, estes novos selos parecem
procriar-se mais rapidamente do que a própria ino-
vação de produtos, em todas as esferas possíveis da
indústria global.
Prova de tal afirmação está disponível na grande
teia cibernética. Pela web, você se depara com mar-
cas mais “verdes” que outras, processos produtivos
mais socialmente responsáveis e empresas que ale-
gam “emissão zero” de carbono em suas operações,
e tudo isso supostamente embasado em “selos” de
autenticidade daquilo que se afirma.

?
Em setembro, representantes de entidades glo-
bais como a Organização Internacional do Trabalho
ou o Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewar-
dship Council – FSC), Rainforest Alliance e WWF In-
ternational, discutiam, em Londres, um tema amplo
e relevante: Certificação, Consumo e Mudança (Cer-
tification, Consumption, and Change).
Por aqui, a Revista Novo Ambiente, em sua edi-
ção 5, cobriu um evento que reuniu o setor privado e o
Governo Federal com o objetivo de avançar em tema
semelhante e desenvolver o Plano de Ação para Pro-
dução e Consumo Sustentáveis – o PPCS. Ou seja, as
intenções são boas, mas o consumidor final talvez se
veja emaranhado em uma outra teia – a da certifica-
ção de produtos sustentáveis ou produzidos de manei-
ra mais eco-inteligente que outros.
Para se ter uma ideia da evolução trazida pela
certificação, um interessante artigo publicado pela
companhia SustainAbility – entidade que atua desde
1987 “para catalisar inovações e prover soluções para
tornar os negócios e os mercados sustentáveis” – e as-
sinado por uma de suas gerentes, Patrin Watanatada,
aponta nada menos que 349 selos certificadores de
práticas sustentáveis ou positivas nas mais variadas
áreas de atuação de empresas do mundo todo.

Novembro/2010 88
? ? O artigo intitulado “Confiança, Influência e Ca-
deias Globais de Valores: qual o próximo passo para
certificações e selos?” traz luz sobre os tais selos eco-

?
lógicos. São selos certificando boas procedências na
produção de lã na Nova Zelândia, como é o caso do
“Zque”, ou o “Green Label”, comprovando produtos
de qualidade ambiental em Israel, e o “Green Crane”,

?
uma marca nacional de selo ecológico da Ucrânia. Na
lista, é possível encontrar ainda selos ecológicos para
produtos das Filipinas, Estados Unidos, Inglaterra, Su-
íça, África do Sul e Brasil, como é o caso da Abio (Asso-
ciação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de
Janeiro), ou ainda da Chão Vivo (Associação de Certifi-
cação de Produtos Orgânicos do Espírito Santo).
“O que todos estes selos e certificações estão
tentando fazer?”, questiona Watanatada em seu ar-
tigo. “O objetivo básico de um selo ecológico é dizer
ao consumidor uma história para que ele possa con-
fiar no que acontece na cadeia produtiva e de valor
daquele produto”, explica.
A partir destas percepções e do debate ocorrido
em Londres, a especialista lista algumas tarefas que
os tais selos parecem querer cumprir:

• estabelecer definições em comum, metas e men-


surações;
• engajar as pessoas na tomada de decisões e na
busca de soluções;
• comunicar performance positiva aos consumidores
na hora da compra;
• prover segurança aos consumidores e ao público
em geral;
• aumentar as vendas.

O que parece, por fim, é que estamos diante de


muito mais do que apenas buscar um consumo co-
erente ou sustentável. A própria forma de consumir
está em transformação. Os consumidores passam
a ser cidadãos e consumidores de forma indissociá-
vel. Diante do universo da certificação ambiental dos
mais variados produtos, vemos uma qualificação do
ato de consumir, e também de produzir.

89 Novembro/2010
90 Edemar Gregorio
escritor e jornalista

Não finja que não viu


violentados pelos desvios ilógicos a eles impostos, aca-

M esmo que a culpa do desequilíbrio climá-


tico que esvaziou rios amazônicos recen-
temente não seja do homem, o que veio à tona di-
bam por despejar onde não deviam. Não parece, então,
imbecilidade reduzir a largura destinada à mata ciliar, que
protege o rio e as pessoas, como prevê o projeto do Novo
retamente do silencioso fundo do rio é. Milhares de Código Florestal, ainda a ser votado pelo Congresso?
toneladas de lixo surpreenderam até os manauaras Nos últimos dois anos, estive em todos esses lu-
que se depararam com um inferno de entulhos sur- gares. Vi por mim, ninguém me contou. Estive em Ma-
gindo, cada dia mais visíveis, no leito seco do pode- naus. Percorri toda a BR-163, inclusive o lendário trecho
roso (e até então tido como limpo) rio Negro. Os pró- Cuiabá-Santarém, e depois cortei a Transamazônica, em
prios moradores flutuantes se espantaram. “Nossa, cujas margens os índios pedem esmola. Tive o prazer de
quanto lixo! E eu só joguei aquele sofazinho ali!” Ele navegar o rio Negro em 2009 e, imaginem, era o ano em
sabe que não pode, todos sabem. Ele sabe que polui que esteve mais cheio. Na Serra da Canastra passei ma-
e faz mal. Ele tem consciência e conhece as regras, drugadas, junto com meus colegas de equipe, cobrindo
mas elas só valem para os outros. o trabalho dos brigadistas que lutavam contra cortinas
Aquela lenda hollywoodiana da selva amazônica de fogo para salvar o cerrado. Uma luta bela e injusta.
intocada, nunca dantes pisada por um homem civiliza- O dinheiro de uma viagem ministerial ao Japão pagaria
do, da pureza quase edílica, isso já era faz muito tem- mais 100 homens, e o fogo teria sido controlado rapida-
po. Em torno da BR-163, a mata desapareceu por cen- mente. Não, não é mais importante discutir conceitos
tenas e centenas de quilômetros. De Cuiabá até perto abstratos de biodiversidade enquanto ela se esvai por
de Santarém. Nada. Agora, o braço mais forte do maior causa de alguns trocados. O homem ateou fogo e o Es-
rio do mundo, o Amazonas, mostrou suas vísceras do- tado demorou para apagar. É na Serra da Canastra que
entes a todos. Não, senhora, não finja que não viu. As nasce o rio São Francisco. Tive a tristeza de ver o sagrado
tais “vergonhas que mostramos”, das quais Pero Vaz olho d´agua de onde nasce o Velho Chico estorricado,
de Caminha falou à Corte portuguesa ao conhecer um cheio de cinzas; entre elas, um gavião carcará procura-
Brasil terrivelmente lindo, eram nossos sexos. Se Ca- va comida, assim como o tamanduá desesperado que
minha desembarcasse hoje por aqui, certamente teria corria entre os campos devastados pelo qual passamos.
que criar uma palavra muito mais forte que “vergonha” Com meus colegas, também cruzei o sertão e desertos
para o lixo que se acumula em nossa costa. brasileiros, fruto do desmatamento de muitos séculos.
A mesma seca que castigou a Amazônia subju- Onde somente os mais resistentes sobrevivem, mas
gou o cerrado brasileiro. Os incêndios causaram um guardando um patrimônio cultural incalculável. O inte-
prejuízo incalculável para a fauna e a flora brasileiras. rior do Brasil, os santuários naturais, a costa brasileira.
Queimadas criminosas, descaso das comunidades, fal- São impressões entre o que se vê e o que se prega, e isso
catruas em terras indígenas, ineficiência do estado em serve para o Estado como para nós mesmos. São im-
punir os culpados e combater o fogo. Puf! Cadê a ade- pressões com toda a força da palavra. Cenas e fatos im-
são ao Ano Internacional da Biodiversidade da ONU? pressos na retina, na alma, na cabeça e nestas páginas.
Não há definições concretas, apenas esboços simbóli- Temos exemplos excelentes de iniciativas verdes,
cos. Não foi tão alardeado o tal compromisso do Brasil públicos e privados, mas eles ainda são insuficientes.
com a redução de emissões? Mas como faremos isso? Não, não somos modelo de consciência verde nem
Deixando o país queimar? Em tempo, a esmagadora nunca fomos. Esse pensamento reconfortante é peri-
maioria da emissão de gases do efeito estufa do Brasil goso, porque pensamos que tudo está sob controle,
provém do desmatamento e queimadas. e não está. Não, senhor, não finja que não leu isto.
No Pernambuco e em Alagoas, as enchentes mata- Essa responsabilidade é sua também. Sua indignação
ram. Águas revoltosas, sem controle, cujos cursos são já é um bom começo. Oxalá eu a tenha causado.

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen


 Aerossóis de queimadas aumentam na Amazônia

A emissão de aerossóis, fuligem de queimadas da muito recente, começa a atrair grupos de pes-
em suspensão na atmosfera, aumentou significati- quisa, do país e exterior, que iniciam estudos sobre
vamente na Amazônia em relação aos dois últimos a relação entre aerossóis e o clima da região.
anos (2008 e 2009). A constatação é do grupo de A medição dos aerossóis é também de in-
pesquisa de Qualidade do Ar, do CPTEC/Inpe (Insti- teresse da área de saúde pública, que a utiliza
tutos de Pesquisas Espaciais). como indicador de políticas públicas. A maior
Estudos recentes e preliminares vêm apontan- concentração destas partículas na atmosfera afe-
do a possibilidade de os aerossóis assumirem um ta diretamente a saúde das populações destas re-
papel relevante no clima destas regiões amazôni- giões, aumentando a incidência de doenças res-
cas, ao impactar o regime de chuvas. O tema, ain- piratórias.

Foto: Ascom/Ibama

 
Operação Bateia
A operação Bateia, envolvendo Ibama, Polícia
Federal e Fundação Nacional do Índio (Funai), com
apoio do Exército e da Força Nacional, desmon-
tou um garimpo de ouro dentro da Terra Indígena
Kayapó, no sul do Pará. Há suspeitas de que o ga-
rimpo vinha contaminando com mercúrio os rios
da região. Segundo a Funai, cresceu o número de
reclamações dos índios sobre doenças associadas
à substância em todas as 14 aldeias kayapó loca-
lizadas abaixo da área da extração ilegal. Cerca
de 50 edificações improvisadas –  entre cabanas,
vendas e instalações para minerar –, tratores, ca-
minhões e o sistema de captação de água foram
destruídos pelo Ibama. O setor especializado da
Polícia Federal destruiu com explosivos uma pista
de pouso de 440 m de extensão que era um dos
acessos dos garimpeiros à terra indígena, além de
40 dragas e um grupo gerador de energia. De acor-
do com estimativas, o garimpo podia faturar até
R$ 3 milhões mensais.

Novembro/2010 94
 
Amazônia inacessível Um peso, duas medidas
Horas antes do fechamento desta edição, a Re- Cerca de 100 castanheiras foram derrubadas em
vista Novo Ambiente consultou suas fontes na Ama- Parintins, no Amazonas, para a construção do con-
zônia para obter informações sobre a seca que aflige junto residencial Vila Cristina, do programa Minha
o rio Negro (leia matéria completa nesta edição). Casa, Minha Vida, financiado pela Caixa Econômica
Relatos dão conta que acessos como o da Boca Federal. Os ambientalistas locais e os moradores que
do Puduari, continuam fechados por falta de nave- exploravam as castanheiras protestaram diante das
gabilidade. A demora do rio para voltar a seu nível imensas toras deixadas próximo às construções. Eles
normal obriga muitas comunidades a depende- denunciaram o corte ao Ministério Público e à Justi-
rem exclusivamente de ajuda aérea para receber ça, mas o licenciamento da instalação do conjunto foi
mantimentos diversos, como kits de higiene pes- dado pelo Instituto de Proteção Ambiental do Ama-
soal e alimentos. O levantamento, feito em parte zonas (Ipaam). No entanto, o corte da castanheira é
por sobrevoo, não deixa dúvidas: a situação per- proibido por lei federal. Moradores reclamam que
manece crítica. foram despejados da região, por ordem judicial,  jus-
tamente porque estariam ameaçando as castanhei-
ras. Segundo eles, eram retiradas de lá mais de 50 mil
latas de castanha. A denúncia é feita pela matéria do
blog ambientalista “O Eco” (www.oeco.com.br).

1 versus 400.000
O acidente com um caminhão tanque causou
transtornos e prejuízo para quase meio milhão de
pessoas no sul fluminense. Cerca de 26 mil litros de
resíduos de óleo mineral foram parar dentro de um
afluente do rio Paraíba do Sul, em Barra Mansa e o
abastecimento de água foi interrompido, por quase
um dia.  A Companhia Estadual de Águas e Esgoto
(Cedae) está monitorando a mancha de óleo utili-
zando um laboratório móvel. Parte do Paraíba do sul
deságua no rio Guandu, que abastece boa parte da
região metropolitana do Rio de Janeiro.
Lente Limpa

Embora a situação do galo-da-serra seja pouco preocupante em relação aos perigos de sua
extinção, não é fácil registrar imagens do bicho, que constrói seus ninhos bem escondidos
dentro de cavernas. Nosso fotógrafo Oberti Pimentel, o talento mais recentemente revelado na
Revista Novo Ambiente, não descansou até trazer esta foto, feita no Parque do Moroaga, em
plena floresta amazônica, no município de Presidente Figueiredo, a cerca de 100 km de Manaus.
Oberti Pimentel
DA REDAÇÃO Amazônia

Nos olhos da selva


A
folha que cai melancolicamente encer-
rando um ciclo e iniciando outro é, para
nós da Revista Novo Ambiente, mais um
dos ensinamentos da natureza a serem aplicados em
nosso cotidiano. A cada edição que preparamos para
nossos milhares de leitores, pouco tempo há para
comemorar. A pauta da próxima já cobra atenção e o
nosso novo ciclo já começou.
O universo de informações que precisam ser fil-
tradas, compiladas e aprofundadas é gigante. Para
onde quer que viremos nossas letras e lentes, des-
cortinam-se inúmeros temas passíveis e carentes de
divulgação. A magnitude de uma floresta nos invade
a mente: Amazônia. Como uma misteriosa mulher
que nos nega seus segredos mais ocultos, a maior
floresta do mundo encanta e inspira nossa redação.
A cada ida de nossas equipes por seus arredo-
res, mais nos atraem seus mistérios. Tão distante dos
grandes centros urbanos em que nos apinhamos.
Tão perto dos grandes olhos do mundo que a cobiça.
Talvez ela esteja carente de maior atenção dos povos
que a têm em seus territórios, pois a melhor manei-
ra de preservar é conhecer.
Na edição de dezembro, faremos chegar até
você um pouco daquela que alguns chamam de pul-
mão do mundo, outros de um deserto em potencial.
Sem alarmismos apocalípticos, sem olhares dissimu-
lados. Vamos, com espírito de vigilante, olhar um
pouco do patrimônio que, antes de ser de todos, é
de cada um. E ter patrimônio significa estar atento,
demanda responsabilidades do cidadão e da socie-
dade. Enquanto as equipes avançadas estiverem
sentindo na pele o calor úmido das cidades definidas
por nós como pontos de partida, outra voltará suas
ações para Brasília, pois algo nos diz que a decisão
de manter a árvore em pé ou não depende muito
mais da capital do Brasil do que propriamente dos
que habitam as distantes regiões amazônicas.
E se estaremos no Norte e no coração do poder
ao mesmo tempo, não deixaremos de envidar esfor-
ços para ouvir uma tão conhecida senhora que tem
no sangue os resquícios da malária, na memória o
cheiro do seringal e nos olhos a cor da mata.

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