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ÁREA 4 – TEORIA ECONÔMICA E MÉTODOS QUANTITATIVOS

INSTITUIÇÕES, CULTURA E ESTADO NA TEORIA DE DOUGLASS NORTH

Eduardo José Monteiro da Costa

Bacharel em Economia pela UFPA, Mestre e Doutor em Economia pela Unicamp e professor
da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública do Núcleo de
Altos Estudos da Amazônia (PPGGP/NAEA), ambos da UFPA.
Correio eletrônico: ejmcufpa@gmail.com
Av. Perimetral, n. 1 – Campus Universitário do Guamá, Setor Profissional – NAEA. CEP:
66.075-750. Belém – Pará.
Fone: (91) 3201-8769

1
Instituições, Cultura e Estado na Teoria de Douglass North

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar os elementos centrais da teoria das instituições e da
mudança institucional desenvolvida por Douglass North. Para isso, inicialmente, apresenta as
contribuições seminais para o debate e descreve na forma de survey a evolução de seu
pensamento no que tange a importância das instituições, processo esse que o faz se afastar
paulatinamente da Cliometria e o torna um dos mais proeminentes representantes da Nova
Economia Institucional. Em seguida, apresenta a teoria institucionalista de North em sua visão
consolidada destacando os seus conceitos mais importantes como as instituições, matriz
institucional, organizações, dependência de trajetória e mudança institucional. Finalmente,
apresenta o papel que a cultura e o Estado desempenham na conformação de uma trajetória
dependente.

Palavras-Chaves: Douglass North; instituições; dependência de trajetória; cultura; Estado.

Abstract

This article aims to present the central elements of institutional theory and institutional change
developed by Douglass North. For this, initially, he presents the seminal contributions to the
debate and describes in the form of a survey the evolution of his thought regarding the
importance of institutions, a process that makes him gradually move away from Cliometry and
makes him one of the most prominent representatives of New Institutional Economy. He then
presents North's institutionalist theory in its consolidated view, highlighting its most important
concepts such as institutions, institutional matrix, organizations, patch dependence, and
institutional change. Finally, it presents the role that culture and the State play in shaping a path
dependence.

Keywords: Douglass North; institutions; path dependence; culture; State.

ÁREA 4 – TEORIA ECONÔMICA E MÉTODOS QUANTITATIVOS

Classificação JEL: B29; B31; B50; E61; H11; K11

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Introdução

O que gera o desenvolvimento? Por que a espacialidade do desenvolvimento não é


homogênea e ainda convivemos com a dualidade desenvolvimento vs. subdesenvolvimento?
Por que não ocorre a convergência natural do desenvolvimento conforme preceitua certa
vertente da teoria econômica ortodoxa? Parte das respostas pode ser encontrada nas análises
dos processos históricos das sociedades, nas características das instituições econômicas,
políticas e sociais que foram por elas criadas e na forma como evoluíram ao longo do tempo,
em suas características culturais que moldaram trajetórias dependentes, e na conformação das
instituições formais por parte do Estado.
A partir desta compreensão a historiografia econômica contemporânea tem cada vez
mais incorporado em suas análises estudos sobre as transformações institucionais por que
passaram determinadas sociedades e de que forma estas impactaram a espacialidade do
desenvolvimento capitalista. Para além das análises historiográficas – em especial as pesquisas
da Nova Economia Institucional (NEI), e mais recentemente da Nova História Econômica
Comparada –, esse debate sobre o papel das instituições no desenvolvimento acaba sendo
incorporada na agenda de pesquisa de várias escolas de pensamento, impactando decisivamente
as suas formulações teóricas, dentre elas podemos destacar as análises do desenvolvimento
endógeno, Escola Neo-Schumpeteriana, Escola de Harvard (em especial os trabalhos de Michel
Porter) e Nova Geografia Econômica.
A percepção da importância desse debate fez com que ele transcendesse a academia e
a partir da década de 1990 passa a permear o debate político, principalmente por meio da
incorporação dessa agenda nas ações e prescrições de diversas organizações internacionais
como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Comissão Econômica para
a América Latina (Cepal/ONU) –, seja para aprimorar o processo de implantação de políticas
públicas ou para melhor compreender o processo de formação econômica e social e o desnível
de desenvolvimento de algumas sociedades em detrimento de outras, com certo destaque dado
para as economias da América Latina.
Nesse contexto, se intensifica o debate sobre a explicação do porque a inovação
tecnológica acontece em determinados contextos sociais com maior facilidade do que noutros,
a relação da cultura com o desenvolvimento, a importância do capital social, a necessidade de
consolidação de adequados modelos de governança (seja numa perspectiva pública mais ampla
ou no setor privado), a importância da transparência e do accountability para as organizações,
o debate sobre qual seriam as “boas instituições” ou “boas práticas” que deveriam ser adotadas
para o desenvolvimento de uma sociedade, ou mesmo a explicação de simulacros em termos da
tentativa de replicação de políticas bem-sucedidas em determinados contextos que fracassam
noutras realidades.
Forçoso reconhecer que esse despertar de interesse, bem como o espraiamento dessa
agenda de pesquisa deveu-se aos esforços dos pesquisadores da Nova Economia Institucional
(NEI), alguns dos quais acabaram laureados com o Prêmio Nobel de Economia em decorrência
de suas contribuições, como Ronald Coase em 1991, Oliver Williamson em 2009 e Douglas
North em 1993 pela sua pesquisa sobre o papel das mudanças institucionais na análise da
historiografia econômica.
Este artigo, portanto, tem por objetivo analisar os elementos centrais do modelo
analítico desenvolvido por Douglass North, em especial o papel que a cultura e o Estado
desempenham na determinação de uma trajetória dependente. A teoria das instituições e da
mudança institucional desenvolvida por North reserva um papel especial para a cultura no
processo de determinação das trajetórias sociais de longo prazo na medida em que a estrutura
que governa a interação social cotidiana é definida em grande medida por restrições informais,
códigos de conduta, normas de comportamento e convenções, que fazem parte de uma herança

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cultural. É exatamente por isso que mudanças culturais evolvendo alterações na cosmovisão
dos indivíduos, advindas de alterações na ideologia, religião, crenças e valores, abalam a
estabilidade das instituições e tendem a ser importantes vetores de mudança institucional. Ou
seja, a cultura materializa-se, em última instância, como como a chave para a dependência de
trajetória.
O Estado, por seu turno, logra a capacidade de promover mudanças institucionais que
podem tornar uma economia mais eficiente, garantindo direitos de propriedade e reduzindo
custos de transação e incertezas. Parte da explicação encontrada por Douglass North para o
desenvolvimento de determinados países da Europa Ocidental e Estados Unidos encontra-se na
formatação, por parte do Estado, de uma matriz institucional indutora do desenvolvimento.
Isto posto, para atingir o objetivo colimado, após essa breve introdução, esse ensaio
está dividido em quatro partes. A primeira procura apresentar as contribuições seminais para o
debate do papel das instituições na análise econômica, passando de forma geral pelas
formulações da Escola Histórica Alemã (EHA) e pela Escola Institucionalista Americana
(EIA), com destaque para as formulações gerais de Werner Sombart, Max Weber e Thorstein
Veblen, sem, obviamente, nenhuma pretensão de se entrar em pormenores. A segunda procura
descrever na forma de survey a evolução do pensamento de Douglass North no que tange ao
papel das instituições na compreensão da dinâmica econômica, e de que forma ele se afasta
paulatinamente da Cliometria e passa a dar forma a um corpo analítico próprio.
O terceiro item apresenta a teoria institucionalista de North, em sua visão consolidada,
destacando os seus conceitos mais importantes, como o papel da mudança institucional na
conformação de uma trajetória de desenvolvimento de longo prazo, e as suas contribuições
singulares no tocante ao papel da cultura e do Estado nesse processo. E, finalmente, resta uma
parte conclusiva para breves considerações finais.

1. Instituições: Contribuições Seminais para o Debate

Em 1990 Douglass North publicou o livro Instituições, Mudança Institucional e


Desempenho Econômico como resultado amadurecido de décadas de pesquisas no campo da
história econômica e, principalmente, no que diz respeito ao papel das instituições e da mudança
institucional na dinâmica de desenvolvimento das sociedades. Logo no prefácio de sua obra o
autor anuncia (North, 2018, p. 9):

A história importa. Importa não só porque podemos aprender com o passado, mas
também porque o presente e o futuro estão relacionados com o passado por meio da
continuidade das instituições de uma sociedade. As escolhas de hoje e de amanhã são
moldadas pelo passado, e o passado só pode se tornar inteligível como um caso de
evolução institucional. Integrar as instituições à teoria econômica e à história
econômica é um avanço essencial no aperfeiçoamento dessa teoria e dessa história.

Nesse livro North traça as linhas gerais de uma teoria por ele consolidada das
instituições e da mudança institucional, sublevando o foco na questão da cooperação humana,
em especial as formas de cooperação que possibilitam explicar as diferentes trajetórias logradas
pelas nações, algumas de riqueza e prosperidade, outras de pobreza e miséria. Contudo, em que
pese o seu protagonismo contemporâneo, North não foi o autor seminal no debate sobre o papel
das instituições na economia, seguiu e aprofundou um debate que se iniciara a mais de duzentos
anos e que foi paulatinamente ganhando corpo e amadurecendo, mesmo que de forma periférica
na academia.
Friedrich List em 1841, ao publicar a obra O Sistema Nacional de Economia Política,
estabeleceu um importante contraponto a visão liberal inglesa da economia e a Teoria

4
Ricardiana das Vantagens Comparativas, destacando a importância das instituições sociais e
das condições objetivas dadas por instituições livres para o desenvolvimento da economia nos
territórios germanófonos, ao lado de um claro papel institucional do Estado na defesa da
indústria nascente1. A importância desse estudo está justamente no fato, apesar de suas
deficiências teórico-metodológicas, de ter inaugurado uma agenda de pesquisa que seria
enfrentada pela Escola Histórica Alemã (EHA)2, ou também chamada por alguns de Escola
Institucionalista Alemã.
As análises desenvolvidas por essa escola partiam do pressuposto de que as categorias
econômicas detêm um caráter histórico, sendo inadequada a transposição de metodologias
utilizadas nas ciências naturais para as ciências que estudam a sociedade. Haveria, assim, a
necessidade de elaboração de uma metodologia específica capaz de dar sustentabilidade
analítica à análise histórica e capaz de identificar tendências de comportamento humano
oriundas de atitudes psicológicas, compreendendo que o homem é um ser imerso em um
complexo social.
Em contraposição ao individualismo metodológico assentado nas decisões
maximizadoras, egoístas e utilitaristas do homo oeconomicus da Teoria Econômica
Neoclássica, haveria um volksgeist, “espírito do povo”, que atuaria condicionando o processo
de desenvolvimento das sociedades, cabendo a Ciência Econômica o desafio de encontrar por
meio da análise historiográfica as regularidades e as instituições que explicassem o
desenvolvimento do capitalismo e das nações.
Partido dessa premissa da complexidade comportamental humana, a análise
econômica jamais poderia prescindir dos elementos subjetivos, o que compelia ao desafio de
elaborar uma análise historiográfica não universalista capaz de compreender as singularidades
de cada complexo social – cada nação seria única, singular. Nesse desiderato, a cultura de um
povo, os aspectos éticos e morais, as crenças e os valores religiosos, exerceriam decisiva
influência nas trajetórias das sociedades.
Essa visão está claramente manifesta nas obras Der Moderne Kapitalismus3 de Werner
Sombart e Die Protestantische Ethik und der 'Geist' des Kapitalismus4 de Max Weber, que se
lançam no desafio de compreender o geist como representação das motivações dos agentes,
compreendidos como imersos em determinados sistemas socioculturais. Assim, enquanto
Sombart procurou identificar as origens do capitalismo moderno buscando compreender o

1
Ha-Joon Chang, professor e pesquisador da Universidade de Cambridge, quando da publicação em 2002 do livro
Chutando a Escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, resgata as ideias originais de List
e afirma (Chang, 2004, p. 15): “Ela também é interessante pelo grau assombroso de sofisticação na compreensão
do papel da política e das instituições públicas no desenvolvimento econômico.” Chang prossegue citando o
próprio List (1885 apud Chang 2004, p. 15): “Por industriosos, parcimoniosos, inventivos e inteligentes que sejam,
os cidadãos individuais não podem compensar a falta de instituições livres. A história também ensina que os
indivíduos derivam grande parte de sua energia produtiva das instituições sociais e das condições que lhes são
dadas.”
2
Usualmente a Escola Histórica Alemã é dividida em três vertentes, a velha escola histórica (Wilhelm Roscher,
Karl Knies, e Bruno Hildebrand), a nova escola histórica (Gustav von Schmoller, Etienne Laspeyres, Karl Bücher
e Lujo Brentano) e a novíssima escola histórica (Arthur Spiethoff, Werner Sombart e Max Weber), existindo
diferenças metodológicas entre elas e, inclusive, um debate sobre a possibilidade ou não desse corpo analítico ser
considerada uma escola de pensamento. Contudo, como não é o objetivo deste trabalho entrar nestes pormenores,
recomendamos os seguintes trabalhos para quem quiser se aprofundar no assunto: Rhia (1985), Schumpeter (1987),
Betz (1988), Streissler e Milford (1993), Peukert (2001), Hodgson (2001), Shionoya (2005), Tribe (2007), Máximo
(2010) e Dias (2015).
3
Em português: O Capitalismo Moderno.
4
Em português: A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Apesar da tradução em português no título do
livro ser “espírito”, o termo geist pode também ser traduzido para o português, dependendo do contexto, como
consciência, mente, intelecto, ânimo ou até mesmo fantasma.

5
“espírito” de competição e acumulação aliado à racionalidade econômica5, Weber buscou na
Reforma Protestante a conformação de um padrão de comportamento mais adequado a lógica
do capitalismo.
O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da EHA, trazendo efetivamente as
instituições para dentro de uma agenda sistemática de pesquisa, acabou exercendo influência
na formação de novas escolas de pensamento, como a Escola Institucionalista Americana (EIA)
no início do Século XX.6
De uma forma geral as concepções analíticas da EIA partiam de uma forte crítica a
Teoria Econômica Neoclássica, sobretudo, por considerarem as suas análises reducionistas com
ênfase no alcance do equilíbrio estático ao invés da busca pela compreensão do processo
econômico enquanto processo dinâmico (Lopes, 2013).
As concepções iniciais dessa escola de pensamento surgem com Thorstein Veblen e
foram amplamente difundidas nos Estados Unidos por meio de seu livro A Teoria da Classe
Ociosa publicado em 18997, obra através da qual procurou incorporar na análise econômica a
explicação da conduta social do homem a partir de conceitos como hábitos, instinto e
instituição, que exerceriam na evolução econômica, ao serem transmitidos geracionalmente,
um papel semelhante aos genes da Biologia (Oliveira Junior, 2011; Simões, 2014).
Os hábitos, derivados de comportamentos repetitivos dos agentes ao procurarem
atingir determinados fins, são moldados pelo contexto social no qual estão imersos e
transmitidos através da cultura. Ao se tornarem um padrão coletivo de comportamento acabam
por conformar as instituições políticas, econômicas e sociais. Ou seja, em última instância as
instituições seriam essencialmente formas de pensar compartilhadas (Lopes, 2013).
A evolução da estrutura social ocorreria por meio de um processo de seleção adaptativa
de instituições, que juntamente com as relações legais exerceriam forte influência nas atividades
econômicas. Desta forma, para Veblen, a incorporação das instituições na análise econômica
representava um avanço teórico pois permitiu que os economistas saíssem de uma análise
estática para um modelo social dinâmico capaz de refletir uma visão histórica e evolutiva do
processo de transformação econômica e social, colocando a ação humana dentro de uma
realidade social plural, e não meramente hedonista, passiva, inerte e imutável. Assim, em sua
perspectiva, a Ciência Econômica deveria ser evolucionista, incorporando na agenda de
pesquisa problemáticas sobre o desenvolvimento cultural e institucional (Domingues, 2015).
A problemática das instituições recebe novo impulso com a entrada no debate dos
pesquisadores que foram agrupados naquilo que se convencionou a chamar de Nova Economia
Institucional e que teve em Ronald Coase, por meio do artigo A Natureza da Firma publicando
em 1937, o impulso inicial. Coase pela primeira vez colocou a noção de que as relações que os
agentes estabelecem no mercado envolvem custos concretos e por isso mereciam ser melhor
compreendidas, introduzindo o conceito de custos de transação – destacando a importância dos
direitos de propriedade para a estrutura institucional e adequado funcionamento da economia.
Oliver Williamson aprofunda essa agenda de pesquisa, analisando a governança econômica,
especialmente nos limites da firma, ampliando a compreensão dos custos de transação para o
ambiente de negócios.8

5
Em Der Moderne Kapitalismus, Werner Sombart procura diferenciar o capitalismo moderno dos sistemas
anteriores em função da organização baseada na propriedade privada e economia de trocas, das tecnologias
desenvolvidas a partir do século XVIII e dum “espírito” de competição e acumulação aliado à racionalidade
econômica. Para uma maior imersão no assunto recomenda-se Riha (1985).
6
A influência da EHA na EIA é assinalada por Schumpeter (1987), Hodgson (2001) e Máximo (2010).
7
Como pilares da Escola Institucionalista Americana se agregam John Commons e Wesley Mitchell. Contudo,
pelo fim aqui proposto a nossa análise se limitará a visão sobre instituições desenvolvidas por Veblen.
8
Sobre os trabalhos de Coase e Williamson recomendo Pondé (2007).

6
Entretanto, foi Douglass North que – ao incorporar o papel das instituições na análise
da história econômica e na explicação dos desníveis entre as nações – promoveu maior impacto
nos estudos sobre a historiografia, teoria econômica e desenvolvimento.

2. Douglass North: da Cliometria para a Análise das Instituições

Nascido em Cambridge, Massachusetts, no ano de 1920, Douglass North obteve o seu


doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1952. Lecionou na
Universidade do Estado de Washington em Seattle de 1950 a 1983, quando assumiu a
titularidade da cátedra Henry R. Luce of Law and Liberty do Departamento de Economia da
Universidade Washington, em St. Louis, Missouri, a ocupando até o seu falecimento em
novembro de 2015 aos 95 anos.
Desde cedo North demonstrou interesse pelos estudos na área de história econômica,
sendo um dos pioneiros nos Estados Unidos a aplicar o instrumental analítico neoclássico com
o uso de métodos quantitativos para a análise da historiografia econômica. Por isso é
considerado um dos precursores da Nova Escola Histórica, também conhecida como Cliometria
– uma alusão a deusa mitológica grega Clio, musa da história (Salama, 2009).
Este viés analítico já aparece em seu estudo pioneiro The Economic Growth of the
United States, 1790-1860, publicado em 1961 que procurava elucidar as fontes do crescimento
econômico dos Estados Unidos desde a sua fundação como nação até a Guerra Civil
(North,1966). Neste estudo North estabelece com clareza dois períodos econômicos para a
economia dos Estados Unidos, um primeiro de 1760 a 1814 no qual a dinâmica econômica
decorre de fatores exógenos, em especial a exportação de algodão e o transporte marítimo, e
um segundo de 1815 a 1860 no qual a “marcha para o oeste” e o processo de industrialização
acabaram sendo os principais determinantes da dinâmica econômica e da crescente
prosperidade nacional.
Nessa obra seminal, a explicação do crescimento econômico dos Estados Unidos, no
período analisado, decorreu fundamentalmente da evolução de sua economia de mercado, com
o comportamento dos preços dos bens, serviços e fatores de produção se constituindo no
principal elemento explicativo das transformações econômicas no longo prazo.
Paradoxalmente, aquele que se tornaria no futuro um dos maiores expoentes na aplicação da
análise institucional para a compreensão da dinâmica econômica ao longo da história, afirma
que a sua preocupação estava centrada, naquele momento, com o rompimento deliberado com
o tratamento dado pelos historiadores econômicos acerca do passado econômico dos Estados
Unidos, que segundo ele se preocupavam demasiadamente com a descrição e a mudança
institucional e pouca ênfase davam ao processo de crescimento econômico (North, 1966).
O artigo Sources of Productivity Change in Ocean Shipping, 1600-1850, publicado no
ano de 1968, pode ser considerado o início de sua inflexão analítica (Goldin, 1994). De acordo
com Gala (2001), North depara-se com um resultado inesperado ao tentar encontrar as causas
do aumento da produtividade na indústria de transportes oceânicos, estando esta muito mais
relacionada com as inovações e evoluções institucionais, do que em avanços tecnológicos no
setor de transporte. Desta forma, North começa a perceber que uma evolução institucional
poderia ter um papel mais relevante para o desempenho econômico do que os avanços
tecnológicos (Gala, 2001).
No ano de 1970 os artigos Institutional Change and American Economic Growth: A
First Step Towards a Theory of Institutional Change, publicado em coautoria com Lance Davis
(North; Davis, 1970), e An Economic Theory of the Growth of the Western World, publicado
em coautoria com Robert Paul Thomas (North; Thomas, 1970), trazem uma nova diretriz
analítica ao demonstrarem um afastamento da Cliometria, ao lado do esforço de tentar

7
introduzir na análise da historiografia econômica o papel das instituições, numa clara tentativa
superação das limitações do instrumental neoclássico (Robles, 1998; Goldin, 1994).
Em 1971, novamente em parceria com Lance Davis, North publica o livro Institutional
Change and American Economic Grow no qual afirmam a importância do enfoque institucional
como elemento chave para compreender o processo de crescimento econômico dos Estados
Unidos no século XIX, citando, como exemplos, a política agrícola, o desenvolvimento do
sistema bancário e a melhoria da infraestrutura de transporte. Adicionalmente, sustentam que
frequentemente a captura dos ganhos com o comércio dependem de modificações nos direitos
de propriedade ao lado da adoção de novos arranjos institucionais e formas de organização
econômica (North; Davis, 1971; Robles, 1998).
Esse afastamento da Cliometria torna-se ainda mais notório quando em 1973 North
profere um discurso na Associação de História Econômica dos Estados Unidos destacando que
a teoria neoclássica, em função de suas limitações metodológicas e sua natureza a-histórica,
dificultava o estudo das transformações de longo prazo. De acordo com Salama (2009, p. 19),
North foi ainda mais longe:

North sugeriu então que os historiadores complementassem os estudos quantitativos


e econométricos com algumas correções e ajustes teóricos, particularmente com a
incorporação dos custos de transação, dos direitos de propriedade, e da metodologia
da escolha pública. North também notou que as instituições estavam sendo
negligenciadas pelos historiadores cliométricos, que deveriam voltar-se também ao
exame das circunstâncias fora dos mercados. Sugeriu, ainda, que a agenda de pesquisa
deveria incorporar outros temas além daqueles aos quais os cliométricos já vinham
dando atenção: mudanças de longo-prazo, tendências demográficas, declínios e
retrocessos (e não apenas crescimento e evoluções) e economias não ocidentais.

Ainda em 1973, em nova parceria com Robert Thomas, North publica o livro The Rise
of the Western World no qual procuram estabelecer um marco analítico para explicar a ascensão
econômica da Europa Ocidental no período da Idade Média até o século XVIII. Os autores, ao
olharem para as tradicionais teorias do crescimento econômico (Solow, Kaldor, Romer,
Damodar-Harrod e Ramsey-Cass-Koopmans), apontam que estas confundem as consequências
do processo com as causas. Ou seja, inovações tecnológicas, economias de escala, educação e
acumulação de capital não seriam as causas do crescimento, mas resultantes de uma adequada
matriz institucional. O que os autores propõem, de forma ousada, é uma inversão analítica entre
causa e efeito, sugerindo que os arranjos institucionais seriam os elementos propulsores do
crescimento econômico, entendendo estes como um arranjo entre unidades econômicas que
define e específica os meios pelos quais estas unidades podem cooperar ou competir (Gala,
2001; 2003a; North; Thomas, 1973).
Para North e Thomas (1973), a luz desse entendimento, o processo de crescimento
econômico de longo prazo da Europa Ocidental só pode ser compreendido através da análise
das transformações institucionais e dos direitos de propriedade que propiciaram o ambiente
adequado para as iniciativas individuais e atividades produtivas, ao estabelecerem as condições
para que o agende inovador usufruísse dos benefícios de sua inovação.9
Em 1974, no artigo Beyond the New Economic History, North volta a mencionar o
papel da Cliometria na historiografia econômica, reconhecendo a sua importância na
revitalização da área, mas destacando as suas limitações enquanto aporte analítico. Em sua
argumentação as pesquisas desenvolvidas por essa escola expressavam forte conteúdo
contrafactual sem que apresentassem uma análise alternativa, limitavam-se apenas a questões
específicas sem que procurassem apresentar uma narrativa das transformações econômicas no

9
De acordo com North e Thomas (1973) uma organização econômica eficiente contribui para aumentar a taxa de
retorno dos investimentos produtivos, o que serve de estímulo ao crescimento econômico.

8
longo prazo; além de excluírem das análises os fatores extra mercado, limitando, dessa forma,
as variáveis analíticas sobre o processo econômico (North, 1974).
Apresentando claramente um contraponto a essas limitações da Cliometria, North
publica no ano de 1981 o livro Structure and Change in Economic History no qual destaca que
o principal objetivo da história econômica é explicar o desempenho e a estrutura das economias
ao longo do tempo, claramente ampliando a sua agenda de pesquisa que até então estava
limitada a análise do processo de crescimento econômico (North, 1981). Nesse livro North
destaca que são as instituições que determinam a dinâmica e o ritmo do crescimento econômico.
Assim, as formas de cooperação e competição desenvolvidas pelos seres humanos, bem como
os sistemas de aplicação das regras de organização das atividades humanas, são fundamentais
para compreender as mudanças econômicas ao longo do tempo.10
Se as instituições passam a ser o elemento motriz da dinâmica econômica, North sente
a necessidade, para dar mais densidade em suas formulações analíticas, de avançar no esboço
da elaboração de uma teoria das instituições. Destarte, a teoria das instituições de North (1981)
é composta por três elementos, uma teoria dos direitos de propriedade, uma teoria do Estado e
uma teoria da ideologia: (i) Os direitos de propriedade estabelecem incentivos econômicos
individuais e coletivos, ao mesmo tempo em que explicam as formas de organização econômica
que os seres humanos estabelecem para reduzir os custos de transação e organização das trocas;
(ii) O Estado entra em seu modelo na medida em que de um lado especifica e resguarda a
estrutura dos direitos de propriedade; (iii) A ideologia torna-se elemento analítico importante
na medida em que é imprescindível para compreender de que modo as diferentes percepções
subjetivas afetam a reação dos indivíduos numa realidade objetiva em transformação.11

3. Instituições e Mudança Institucional: A Teoria Consolidada em Douglass North

Ao longo das décadas nas quais debruçou-se na análise da historiografia econômica


North distanciou-se progressivamente da Cliometria estabelecendo críticas importantes a
elementos dos corpos analíticos da teoria econômica ortodoxa12, das teorias do crescimento e
do mainstream do desenvolvimento.
De acordo com North (1993a) a Teoria Neoclássica não consegue explicar com
eficiência os motivos que levam as diferentes performances das economias ao longo do tempo.
Possui limitações importantes em seus pressupostos como a suposição de que as trocas ocorrem

10
De acordo com North (1981, pp. 201 e 202): “As instituições provêm a estrutura dentro da qual os seres humanos
interagem. Elas estabelecem as relações cooperativas e competitivas que constituem a sociedade e mais
especificamente uma ordem econômica. [...] Instituições são um conjunto de regras, procedimentos consensuais e
normas de comportamento moral e ético que limitam o comportamento dos indivíduos [...].”
11
Para North (1981) a ideologia ajuda a compreender de que forma os indivíduos podem se comportar ante as
instituições sociais (“regras do jogo”), havendo em sua compreensão ideologias exitosas que são capazes de incitar
os indivíduos a terem um comportamento calculista de custos e benefícios.
12
Conforme North (1993a): “A teoria neoclássica é simplesmente uma ferramenta inadequada para analisar e
prescrever políticas que induzem o desenvolvimento. Ela se preocupa com o funcionamento dos mercados, mas
não sobre como eles se desenvolvem. Como você pode prescrever políticas sem entender como as economias se
desenvolvem? São precisamente os métodos usados pelos economistas neoclássicos que impuseram a questão e
aqueles que militaram contra tal desenvolvimento. Essa teoria, na forma primitiva que lhe dava precisão e
elegância matemática, modelava um mundo sem fricção e estática. Quando aplicado à história e ao
desenvolvimento econômico, focou-se no desenvolvimento tecnológico e, mais recentemente, em investimentos
em capital humano, mas deixou de lado a estrutura de incentivos presente em instituições que determinam o grau
de investimento social nesses fatores. Na análise do desempenho econômico ao longo dos anos, essa teoria incluiu
duas suposições errôneas: i) que as instituições não importam, e ii) que o tempo não importa.”

9
num mundo sem fricções, sem custos de transação13, com os direitos de propriedade
perfeitamente especificados e com informações fluidas e de conhecimento pleno pelos agentes
(Robles, 1998).
Para além das críticas já elencadas em North e Thomas (1973) sobre as tradicionais
teorias do crescimento, apontando que estas confundem as consequências do processo com as
causas, North estabelece críticas ao princípio racional e maximizador do homo economicus,
afirmando que o altruísmo, ideologias, questões éticas, morais, políticas e religiosas possuem
um papel destacado na motivação do comportamento dos agentes (North, 1981; 1990; 1995;
2018).
Nem mesmo o mainstream analítico do desenvolvimento foi poupado de suas críticas.
Segundo ele, mesmo depois de quarenta anos de esforços, as disparidades no desempenho das
economias e a sua persistência ao longo do tempo não foram satisfatoriamente explicadas,
sobretudo devido a omissão em suas análises sobre a natureza da coordenação e cooperação
humanas (North, 1990; 1995; 2018).
Essa percepção sobre a inconsistência dada pela teoria aos problemas de coordenação
e cooperação humanas levou North, da mesma forma, a questionar o modelo da Teoria dos
Jogos que, segundo a sua opinião, não parte de uma hipótese de comportamento humano
realista. Em sua perspectiva, o comportamento humano, conforme já destacado, é muito mais
complexo do que assume a função de utilidade dos modelos econômicos convencionais (North,
1990; 1995; 2018).
A partir destas constatações e partindo da premissa de que o mundo econômico é não-
ergódico – portanto passivo de mudanças contínuas, inusitadas e atípicas, no qual os agentes
precisam de um amplo esforço cognitivo para compreensão dos fenômenos econômicos e
sociais (North, 2005; Lopes, 2013) –, e com o objetivo de aperfeiçoar o instrumental analítico
ortodoxo14, North lançou-se no desafio de consolidar uma teoria das instituições e da mudança
institucional que lhe permitisse um melhor resultado na análise da dinâmica do
desenvolvimento por meio de uma perspectiva histórica. É, neste sentido, no livro Instituições,
Mudança Institucional e Desempenho Econômico publicado originariamente em língua inglesa
no ano de 1990 e no discurso por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Ciência
Econômicas, Desempenho econômico no transcurso dos anos, proferido em Estocolmo na
Suécia no dia 09 de dezembro de 1993, que o aporte analítico de Douglass North sobre o papel
das instituições e da mudança institucional no desenvolvimento econômico alcança o maior
nível de amadurecimento.15
North (1993a) inicia o seu discurso em Estocolmo afirmando:

A história econômica versa sobre o desempenho das economias no transcurso dos


anos. O objetivo das investigações neste campo não é somente permitir que o passado
econômico se torne mais claro, mas também contribuir para a teoria econômica ao
proporcionar um marco analítico que permita compreender a mudança econômica.

13
Conforme North (1993a): “Foi Ronald Coase (1960) quem fez a relação fundamental entre instituições, custos
de transação e teoria neoclássica. O resultado neoclássico de mercados eficientes só é obtido quando as transações
são gratuitas. Somente sob condições de negociação, sem custo, os atores alcançarão a solução que maximiza a
renda agregada, independentemente dos arranjos institucionais. Quando a negociação tem um custo, as instituições
se tornam importantes. E negociar implica um custo.”
14
De acordo com Robles (1998) o modelo analítico desenvolvido por Douglass North é uma modificação da Teoria
Neoclássica na medida em que aceita a hipótese fundamental da escassez e as ferramentas da microeconomia
ortodoxa, porém, modifica a hipótese de racionalidade ao assumir o pressuposto da informação incompleta e
modelos subjetivos da realidade, bem como os retornos crescentes, característico da análise institucionalista.
15
De acordo com Robles (1998), o livro Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico explica
com maior rigor e detalhe, do que nos estudos anteriores, três aspectos fundamentais de seu marco analítico: o que
são as instituições; como se diferenciam as instituições das organizações; e como as instituições influem nos custos
de transação e produção.

10
Seguindo esse desiderato, o ponto de partida de seu modelo é o axioma de que as
instituições e a estrutura produtiva herdadas por meio de processos históricos singulares geram
dinâmicas socioeconômicas diversificadas entre as nações. Isto significa que o
desenvolvimento econômico é um fenômeno eminentemente institucional, resultante de
complexas interações entre forças econômicas, culturais e políticas da qual fazem parte distintos
arranjos institucionais, que conferem diferenças nas trajetórias de desenvolvimento, bem como
na forma de organização das diversas organizações da sociedade16. Neste sentido, o sucesso ou
o fracasso das nações decorrem de sua formação histórica e da forma como as suas instituições
foram criadas e/ou evoluíram17.
Em suma, quando North formula a questão central de sua pesquisa – Por que algumas
nações adentram em um caminho de prosperidade enquanto outras permanecem na pobreza e
na miséria? –, ele encontra a resposta nas instituições e nas organizações que as sociedades
construíram ao longo de sua história (North, 1993a). É seguindo esta senda que passamos a
seguir a apresentar os conceitos fundamentais de sua teoria: instituições, matriz institucional,
organizações, dependência de trajetória (path dependence) e ruptura institucional.
As instituições são apresentadas como sendo as “regras do jogo” (normas) socialmente
construídas, gozando de aceitação geral pelos membros de um grupo social, que impõem
restrições formais e/ou informais e que moldam o processo de interação entre os agentes, ao
mesmo tempo em que estruturam incentivos na troca humana, sejam estes de ordem política,
social ou econômica18. Ao fazerem isso as instituições reduzem a incerteza19 na medida em que
conferem uma estrutura previsível de ação por meio da coordenação das expectativas
divergentes, criando padrões de comportamento duráveis e rotineiros que estabelecem limites
para o conjunto de escolhas dos agentes (North, 1990; 1995; 2018). Em Estocolmo North
reforçou esse entendimento:
As instituições são imposições criadas pelos homens e estruturam e limitam suas
interações. Se compõem de imposições formais (por exemplo, regras, leis,
constituições), informais (por exemplo, normas de comportamento, convenções,
códigos de conduta auto impostos) e suas respectivas características impositivas. Em
conjunto, definem a estrutura de incentivos das sociedades, e especificamente das
economias.20

As instituições reduzem – juntamente com a tecnologia empregada – os custos de


transação e transformação, bem como o de acesso às informações, envolvidos na atividade
humana21. Porém, em que pese o principal papel das instituições seja o de reduzir a incerteza,
16
De acordo com North (2018, p. 125): “...comparando-se os quadros institucionais que se verificam em países
como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Japão com os casos de países do Terceiro Mundo ou de
países com industrialização avançada no passado histórico, evidencia-se que o quadro institucional é a chave do
êxito relativo das economias tanto em determinado momento como ao longo do tempo.”
17
North (2018, p. 125): “...comparando-se os quadros institucionais que se verificam em países como Estados
Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Japão com os casos de países do Terceiro Mundo ou de países com
industrialização avançada no passado histórico, evidencia-se que o quadro institucional é a chave do êxito relativo
das economias tanto em determinado momento como ao longo do tempo.”
18
Logo na abertura do Capítulo 1, North (2018, p. 13) declara: “As instituições são as regras do jogo em uma
sociedade ou, em definição formal, as restrições concebidas pelo homem que moldam a interação humana.” Essa
visão retorna em seu discurso em Estolcomo, de acordo com North (1993): “É a interação entre instituições e
organizações que dá forma a evolução institucional de uma economia. Se as instituições são as regras do jogo, as
organizações e seus empresários são os jogadores.”
19
Para North (2018, p. 50): “... as incertezas decorrem de incompletude das informações a respeito da conduta dos
outros indivíduos no processo de interação humana.”
20
Conforme o próprio North (1993), as características impositivas se expressam no poder de polícia do Estado e
em seu sistema judicial.
21
North (2018, p. 197): “As instituições proporcionam a estrutura básica por meio do qual, no decorrer da história,
os seres humanos têm gerado ordem e buscado reduzir a incerteza na troca. Juntamente com a tecnologia

11
estabelecendo uma estrutura estável para a interação humana, estas não são necessariamente
socialmente eficientes22, podendo, consequentemente, os custos de transação, produção e
acesso as informações diferirem substancialmente entre as sociedades em decorrência de suas
diferentes estruturas institucionais.
Portanto, trona-se conveniente repisar, existe um caráter histórico nas trajetórias das
sociedades que depende da forma como as suas matrizes institucionais foram conformadas. A
compreensão das trajetórias de desenvolvimento das nações depende da compreensão de sua
matriz institucional e, para isso, torna-se necessária a análise da conformação de regras e
normas, sejam estas formais e/ou informais, que a compõem e formam uma rede interligada
que sob variadas combinações moldam o conjunto de escolhas dos agentes em múltiplos
contextos, bem como das instituições que garantem a sua aplicação (enforcement). Essa
hipótese leva ao corolário de que, de um lado, o subdesenvolvimento é resultado de instituições
socialmente ineficientes e, de outro, somente com uma mudança institucional os países
subdesenvolvidos conseguiriam romper com a sua trajetória de subdesenvolvimento.
A mudança institucional, ao definir o modo como a sociedade evolui ao longo do
tempo, pode ser até mesmo mais importante para o desenvolvimento, ao estimular o capital
físico e humano, do que o acesso a inovações tecnológicas (Gala, 2003a; North, 1990; 1995;
2018). Nessa análise, as organizações – entendidas como grupos de indivíduos unidos por um
propósito comum – inserem-se como elementos dinâmicos do modelo23. Ao mesmo tempo em
que são influenciadas pelo ambiente institucional na qual estão inseridas, as organizações
influenciam a transformação desse ambiente num processo que molda a evolução institucional
da sociedade. Em síntese, se as instituições são as regras do jogo, as organizações são os
jogadores (North, 1990; 1993a; 1995; 2018).
North (1990; 1995; 2018) ao firmar a compreensão de que as instituições são
dependentes de suas trajetórias prévias – portanto “portadoras da história”24 na medida em que
apresentam fortes relações com suas configurações historicamente herdadas (Strachman, 2000)
– estabelece a matriz institucional de uma sociedade como o elo de ligação entre o passado e o
presente e como condicionante do futuro por meio de uma trajetória dependente, o que realça a
importância para a historiografia econômica da compreensão das sequências temporais de
eventos e processos sociais25.
O conceito de trajetória dependente surge, assim, como uma explicação que permite
observar a influência do passado sobre o presente e deste sobre o futuro, possibilitando a
compreensão das diferenças de desenvolvimento entre países e regiões, decorrentes de

empregada, elas determinam o custo de transação e transformação e com isso a viabilidade e o proveito de
participar da atividade econômica.”
22
North (2018, p. 36): “As instituições não são necessariamente e nem habitualmente criadas para serem
socialmente eficientes; elas, ou ao menos as regras formais, são antes criadas para servir aos interesses daqueles
com poder de barganha para formular novas regras (...) Se economias auferem ganhos com o comércio mediante
a criação de instituições relativamente eficientes, é porque, sob certas circunstâncias, os objetivos particulares
daqueles com poder de barganha para alterar as instituições geram soluções institucionais que se revelam ou se
tornam eficientes.”
23
De acordo com North (2018, p. 16) as organizações incluem órgãos políticos (partidos políticos, Câmaras,
Senados, Conselhos e agências reguladoras), corpos econômicos (empresas, sindicatos, fazendas, cooperativas,
associações patronais), corpos sociais (igrejas, clubes, sociedades filantrópicas, culturais, etc.) e órgãos
educacionais (escolas, universidades, centros de formação profissional).
24
É importante neste ponto abrir um parêntese para fazer justiça destacando que Douglass North não foi o pioneiro
na apresentação desta compreensão histórica da conformação das instituições, Thorstein Veblen, um dos
precursores da Escola Institucionalista Americana já colocava em seu trabalho de 1899, The theory of the leisure
class: an economic study of institutions, que as instituições e as tecnologias uma vez adotadas poderiam gerar um
efeito de retroalimentação e reforço de um padrão institucional e tecnológico (Hodgson, 1994, p. 17).
25
North (1990; 1995; 2018) utiliza o conceito de trajetória dependente para explicar a diferenças socioeconômicas
entre os Estados Unidos e a América Latina, posto que o processo de formação institucional distinto entre as
colônias americanas acabou por determinar desempenhos econômicos diferentes.

12
processos de auto reforço de suas trajetórias históricas. Assim, uma vez definido um caminho
há a atuação de mecanismos auto-reforçantes que fazem com que a matriz institucional fique
“trancada” (lock in) em uma trajetória, mutável apenas por meio de uma ruptura institucional.

3.1 A Cultura como Chave para a Compreensão da Dependência de Trajetória

O escopo analítico de North é construído a partir de várias influências. O conceito de


custos de transação apropria-se de Ronald Coase, a ideia de incerteza de Friedrich Hayek e
Frank Knight, o insight da racionalidade limitada de Hebert Simon, o conceito de trajetória
dependente de Brian Arthur e Paul David e, de sua própria autoria, uma visão sobre a ideologia
e o Estado (Gala, 2001). Neste subitem será analisado o papel da cultura como chave para a
compreensão da dependência de trajetória e no próximo a sua visão sobre o Estado.
No conjunto teórico desenvolvido por Douglass North o mundo econômico é não
ergódico, apresentando mudanças contínuas, inusitadas e atípicas (North, 2005), e os
indivíduos, por meio de modelos mentais preexistentes, processam informações incompletas,
num esforço cognitivo de compreensão dos fenômenos econômicos e sociais, que os auxiliam
na compreensão do ambiente ao mesmo tempo em que determinam o seu comportamento social,
nem sempre movidos por impulsos maximizadores, mas, em muitos casos, pelo altruísmo e por
restrições auto impostas (North, 1990; 1995; 2018). Nesse sentido, as instituições – por meio
de informações socialmente transmitidas em determinado contexto cultural – estabelecem
mecanismos de incentivos ou restrições nas decisões dos indivíduos e das organizações (North,
1993b).
Conforme North (1993a):

É necessário desmantelar o pressuposto de racionalidade subjacente à teoria


econômica, a fim de abordar construtivamente a natureza da aprendizagem humana.
A história nos mostra que ideias, ideologias, mitos, dogmas e preconceitos são
importantes; e é necessário compreender o modo como eles evoluem para alcançar
maiores avanços no desenvolvimento de um quadro de referência para entender a
mudança social.

Desta forma, a teoria das instituições e da mudança institucional desenvolvida por


North reserva um papel especial para a cultura no processo de determinação das trajetórias
sociais de longo prazo na medida em que a estrutura que governa a interação social cotidiana,
passando por relações familiares, ou mesmo no campo do trabalho e dos negócios, é definida
em grande medida por restrições informais, códigos de conduta, normas de comportamento e
convenções, que fazem parte de uma herança cultural (North, 1990; 1995; 2018). Ademais, na
medida em que as restrições informais acabam conferindo certa estabilidade para as
instituições, as mudanças institucionais, quando ocorrem, tendem a ser graduais. É exatamente
por isso que mudanças culturais evolvendo alterações na cosmovisão dos indivíduos advindas
de alterações na ideologia, religião, crenças e valores abalam a estabilidade das instituições e
tendem a ser importantes vetores de mudança institucional (North, 1990; 1995; 2018; Robles,
1998).
Conforme afirma Robles (1998, p. 16):

North considera que a cultura é a chave para a compreensão do fenômeno da


“dependência de trajetória” [path dependence], quer dizer, para compreender por que
é tão difícil que as economias – uma vez encaminhadas por um caminho de
crescimento, ou estagnação, ou declive – logrem reverter sua tendência de longo
prazo. North explica que a aprendizagem de qualquer geração está fortemente
condicionada pelas percepções derivadas da aprendizagem coletiva secular. Assim, a
aprendizagem é um processo cumulativo filtrado pela cultura de uma sociedade.

13
A cultura materializa-se, em última instância, como como a chave para a dependência
de trajetória na medida em que os indivíduos ao fazerem as suas escolhas o fazem sob influência
de suas crenças, formadas por meio de um processo de aprendizagem cumulativo transmitido
culturalmente de geração em geração (North, 1993a)26. Conforme North (1993a):

Isto é, as crenças mantidas por indivíduos, grupos e sociedades e que determinam suas
preferências são uma consequência de sua aprendizagem ao longo do tempo, e não
apenas do tempo de vida de um indivíduo ou de uma geração; são a aprendizagem
incorporada em indivíduos, grupos e sociedades, cumulativa no tempo e transmitida
de uma geração para outra pela cultura de cada sociedade.

Ou seja, o processo de aprendizagem social advém das experiências socioculturais


vivenciadas pelos indivíduos, portanto, constantemente atualizados a partir de impulsos
externos (North, 2005)27. Essa visão também está presente em North, Mantzavinos e Shariq
(2004) ao enfatizarem que os modelos mentais são dinâmicos e evoluem com o decorrer do
tempo como resultado das experiências dos seres humanos. Quando considerados adequados
para a interpretação do ambiente acabam se estabilizando e modelando um “sistema de
crenças”, porém, quando se mostram inconsistentes acabam revistos e originam novas crenças.
É em função disso que North foca no indivíduo como unidade analítica na medida em
que a percepção da realidade social acaba sendo resultado do processo de aprendizagem e do
modelo cognitivo individual, formado em um contexto específico e resultante das crenças e
percepções advindas de uma estrutura institucional e educacional que se dissemina na
sociedade. Esse modelo de aprendizagem, que pode acontecer em qualquer espaço de interação
social, desde o ambiente familiar até qualquer outra organização, é relevante para explicar o
funcionamento das economias na medida em que o processo acaba dando forma a modelos
mentais compartilhados por meio da cultura, que de um lado sustentam crenças que reduzem
as divergências entre os indivíduos e de outro garantem a transferência intergeracional do
conhecimento (North; Denzau, 1994; North, 2005; Lopes, 2013).
Nas palavras de North (1993a):

Uma herança cultural comum facilita a redução das divergências entre os modelos
mentais que os membros de uma sociedade têm, e é também o meio para a
transferência de percepções unificadoras de geração em geração.

Resta claro que North (1993a) compreende as instituições como representações da


consciência dos indivíduos, expressões dos modelos mentais compartilhados e, portanto,
representações externas dos modelos cognitivos individuais, com a finalidade social de
estruturar e organizar o seu meio por meio da estabilização das ações e da redução da incerteza.
É derivado desse entendimento que o desempenho econômico de uma sociedade é
expressão última de suas instituições, moldadas por um processo histórico através da cultura,
das crenças, dos modelos mentais compartilhados e dos modelos cognitivos individuais28.
Estes, condicionam as ações dos indivíduos, e acabam determinando trajetórias sociais
dependentes. A determinação causal do desenvolvimento segue do nível cognitivo, para o
institucional e deste para o econômico (North; Mantzavinos; Shariq, 2004).

26
Conforme Lopes (2013), esse processo de transmissão pode acontecer através da teoria, (pelo hábito de expressar
ideias através de palavras), da prática (conhecimento prático / "knowing how"), ou, inclusive, por meio da imitação
das práticas de outros (cozinhar, andar de bicicleta, dirigir carro etc.).
27
North (2005) coloca que a estrutura inicial de aprendizagem é genética, um debate polêmico e que necessita de
uma análise mais aprofundada, mas que não é o busílis deste trabalho.
28
Conforme North (1993a): “É a cultura que fornece a chave para a dependência da trajetória - um termo usado
para descrever a poderosa influência do passado no presente e no futuro.”

14
3.2 O Papel do Estado na Teoria Institucionalista de Douglass North

Enquanto Gala (2001) destaca a singularidade das contribuições de North no tocante a


ideologia e o Estado, para Fiani (2003) o aspecto mais original da contribuição de North é a
questão do papel institucional do Estado e, por isso, em sua avaliação, aquele que concentra
todo esforço para o seu aprimoramento na medida em que as economias modernas, fundadas
em um complexa e crescente divisão do trabalho, exigem uma estrutura institucional que dê
conta da complexidade nas interações entre os agentes econômicos.
Antes, contudo, de ser apresentada a sua visão amadurecida sobre o Estado (North,
1990; 1993a; 1995; 2018), rapidamente serão regatados os insights que o autor teve em algumas
obras que permitem, inclusive, perceber que da mesma forma como a sua visão das instituições
apresentou progressividade analítica, a sua visão sobre o Estado também se aprimorou com o
decorrer do tempo.
Em North e Tomas (1973) o autor já enfatizava que as transformações institucionais,
ao garantirem ao inovador o direito de propriedade e as vantagens econômicas das inovações,
explicam a ascensão do mundo ocidental. Isso, todavia, somente foi possível em decorrência
do poder coercitivo do Estado que, influenciado por grupos políticos, através de intervenções
exta econômicas estabeleceu instituições indutoras do desenvolvimento.
Ainda segundo North e Thomas (1973), o Estado monopoliza a função de proteção e
justiça, e em decorrência disto detém o monopólio na definição e na garantia do direito de
propriedade, arrecadando impostos em troca desses serviços. Essa troca acaba sendo vantajosa
para todos os agentes fundamentalmente porque o Estado logra economias de escala nessa
atividade, fornecendo o serviço de forma mais econômica do que se os mesmos fossem
executados pela iniciativa privada.
Seguindo essa linha North (1981) enfatizou que o nível de renda é maior nas
sociedades nas quais o Estado garante o direito de propriedade, dada as economias de escala
que possui, do que nas sociedades nas quais os governados têm de por si mesmo prover essa
garantia29. Ademais, conforme bem enfatizado por Fiani (2003), o Estado tenta agir como um
monopolista discriminador, separando grupos para atribuir direitos de propriedade que
maximizem a sua receita fiscal na medida em que a redução dos custos de transação potencializa
a produção máxima da sociedade. É em consonância com essa visão que encontramos em North
(1981, p. 22) uma definição de Estado:

Um estado é uma organização com uma vantagem comparativa em violência,


estendendo-se por uma área geográfica cujas fronteiras são determinadas por poder
aos constituintes fiscais. A essência dos direitos de propriedade é o direito de excluir,
e uma organização que tem uma vantagem comparativa na violência está em posição
de especificar e fazer valer os direitos de propriedade.

North (1981), aditivamente, afirma que uma teoria do Estado é essencial na medida
em que o mesmo é diretamente responsável pelo desempenho da economia, de um lado por
especificar a estrutura dos direitos de propriedade e garantir a sua eficiência de onde decorre as
origens do crescimento, estagnação ou declínio econômico; de outro, por deter
discricionariedade em alterações institucionais, o que faz com que o autor enfatize que as
iniciativas de reformas nas instituições devem partir com mais frequência dos governos. Indo
mais além, os direitos de propriedade estabelecidos são o resultado de tensões que envolvem os
interesses dos governantes e os esforços dos agentes para redução dos custos de transação.
Assim, há a sinalização de que grupos de pressão tentam influenciar os tomadores de decisão
29
North (1981) afirma que a diferenças nas taxas de crescimento do países europeus durante o século XVII
encontra-se na natureza dos direitos de propriedade desenvolvidos em cada Estado-Nação.

15
para a alteração das “regras do jogo” da concorrência e da cooperação, influenciando a estrutura
dos mercados de fatores e de produtos.
North (1989) volta a destacar a importância do Estado na promoção da eficiência nos
mercados de produtos e fatores e na garantia dos direitos de propriedade, ao definir,
regulamentar e fiscalizar as regras formais da economia. Mas é em seu livro lançado
originalmente em língua inglesa em 1990 e em seu discurso por ocasião do recebimento do
Prêmio Nobel de Economia em Estocolmo em 1993 que a sua análise sobre o papel do Estado
alcança maior nível de amadurecimento. Conforme Fiani (2003, p. 145):

A evolução do pensamento de Douglass North com relação ao papel institucional do


Estado na economia alcançou seu ponto culminante em sua obra Institutions,
Institutional Change and Economic Performance (North, 1990), quando ele se afastou
da noção de Estado construída em seu livro anterior, Structure and Change in
Economic History (North, 1981), o seu “modelo neoclássico de Estado.

Em North (1990; 1995; 2018) há claramente um esforço de aproximação do ambiente


econômico com o plano político superando a visão de que os governantes agem apenas com o
interesse de maximizar receitas fiscais e de que a sociedade busca apenas reduzir custos de
transação mediante a garantia de direitos de propriedade. Aparentemente, em parte, North
procura corrigir uma deficiência analítica que o seu modelo apresentava que era o difícil
enquadramento nas democracias modernas, pautadas pela complexidade oriunda da
diferenciação crescente das visões de mundo dos agentes e do pluralismo político e ideológico.
Essa diversificação das pautas sociais acabam exercendo múltiplas influências na burocracia
estatal – com a própria burocracia estatal podendo se converter, em certas circunstancias, num
importante grupo de pressão – ao mesmo tempo em que exigem um esforço mais amplo para a
definição de regras e garantia de seu cumprimento (North, 1990; 1995; 2018; Fiani, 2003).
A influência exercida pelos grupos de pressão passa a ter destaque na análise de North
na medida em que a simbiose de seus interesses com os da burocracia estatal pode influenciar
decisivamente a conformação da matriz institucional da sociedade. Conforme North (1990, p.
47):

A estrutura existente de direitos (e o caráter de sua aplicação) define as oportunidades


existentes de maximização da riqueza dos jogadores, que pode ser realizado através
da formação de intercâmbios econômicos ou políticos. A troca envolve pechinchas
feitas dentro do conjunto existente de instituições, mas igualmente os atores às vezes
acham que vale a pena dedicar recursos para reorganizar a estrutura mais básica da
política para reatribuir direitos.

Nesse sentido, faz parte das democracias modernas a pressão de grupos de interesses
sobre o Estado e sobre a burocracia estatal, ou até mesmo ações em prol de mudanças na
estrutura política de uma sociedade com a finalidade de redefinir regras e direitos de
propriedade, e com isso a repartição dos ganhos. Indo mais além, na medida em que o Estado
detém força coercitiva, aqueles que dirigem o governo podem usar essa força em benefício de
seus interesses em detrimento dos interesses do resto da sociedade.
Finalmente, em seu discurso em Estocolmo Douglass North retoma, reforça e amplia
alguns pontos.
Para North (1993a) as organizações políticas modelam o desempenho econômico
porque definem e implementam regras econômicas. Nesse sentido, em sua visão, uma política
de desenvolvimento efetiva perpassa pela criação de organizações políticas capazes de criarem
e de imporem direitos de propriedade eficientes. Conduto, a criação de organizações políticas
ainda é um campo regado a incertezas na medida em que grande parte do conhecimento da
chamada Nova Economia Política – um campo de conhecimento emergente que segundo North

16
deriva da NEI aplicada à política – focou prioritariamente na realidade dos Estados Unidos e
nas organizações políticas deste país. É nesse sentido que já em 1993 North apontava como
uma agenda importante as pesquisas sobre as características e a moldagem de organizações
políticas no Terceiro Mundo e na Europa Oriental.
North (1993a) em seu caráter prescritivo aconselha que ao se elaborar políticas de
desenvolvimento para o Terceiro Mundo e Leste Europeu se tenha por parâmetros os
fundamentos do enfoque institucional-cognitivo, na medida em que o ambiente cultural, os
hábitos e costumes, valores, ideologias, podem alterar o efeito resultante das regras formais.
Assim, a simples transferência de regras formais podem não lograr o efeito esperado,
resultando em simulacros de políticas públicas. Conforme Robles (1998, p. 16):

Em primeiro lugar, recomenda ter em mente que a simples transferência de regras


formais – políticas e econômicas – de economias de mercado exitosas para economias
atrasadas ou em transição não é condição suficiente para alcançar um bom
desempenho econômico, já que os resultados econômicos dependem também das
regras informais (que mudam gradualmente) e da aplicação das regras (cujo custo está
determinado, em boa medida, pelas regra informais).

Outro ponto enfatizado é a necessidade de fortalecimento do Estado para que o mesmo


tenha capacidade de estabelecer e aplicar regras econômicas eficientes. Por conseguinte, dentre
as principais condicionantes para o desenho de instituições indutoras do crescimento destacam-
se (North, 1993a):

i) as instituições políticas serão estáveis apenas se forem apoiadas por organizações


comprometidas com sua perpetuação; ii) para alcançar uma reforma bem-sucedida, as
instituições e os sistemas de crenças devem mudar, já que são os modelos mentais dos
atores que irão moldar as decisões; iii) o desenvolvimento de normas
comportamentais que apoiam e legitimam novas regras é um processo longo e, na
ausência desses mecanismos de reforço, as organizações políticas tenderão a ser
instáveis; iv) enquanto o crescimento económico pode ocorrer a curto prazo com
regimes autocráticos, o crescimento a longo prazo implica o desenvolvimento do
estado de direito; v) Ocasionalmente, limitações informais (normas, convenções e
códigos de conduta) que favorecem o crescimento produzem crescimento econômico
mesmo com normas políticas instáveis ou adversas. A chave é o grau em que essas
regras adversas são impostas.

Convém, outrossim, chamar atenção para a recomendação de se desenvolver estruturas


institucionais flexíveis capazes de se adaptarem e suportarem choques e mudanças, sem maiores
fricções institucionais. Conforme North (1993a):

A chave para o crescimento a longo prazo é a eficiência da adaptação, e não a


eficiência da distribuição. Sistemas políticos e econômicos bem-sucedidos
desenvolveram estruturas institucionais flexíveis que podem sobreviver aos choques
e mudanças que fazem parte do desenvolvimento próspero. Mas esses sistemas têm
sido o resultado de uma longa gestação. Não sabemos como criar eficiência de
adaptação no curto prazo.

Finalmente, a influência da tese desenvolvida por Douglass North no campo da relação


entre instituições, Estado e desenvolvimento é notada claramente no Informe do Banco Mundial
de 1997, Informe sobre o desenvolvimento mundial: O Estado em um mundo em transformação,
documento da qual o autor foi um dos consultores, e que em seu capítulo segundo, denominado
Atenção renovada a eficácia do Estado, estabelece o marco analítico de todo o documento ao
mesmo tempo em que prescreve orientações de políticas, sobretudo, para os países
subdesenvolvidos.

17
Conclusão

North, a partir das críticas formuladas ao mainstream da ortodoxia econômica,


paulatinamente afasta-se de Cliometria e passa a desenvolver um corpo teórico que se propôs a
superar as limitações dessa matriz analítica, e o faz com certo brilhantismo, tanto que passa a
ser um dos maiores expoentes da NEI e, por sua contribuição nesse campo, acabou laureado
com o Prêmio Nobel de Economia em 1993.
A pesquisa desenvolvida por Douglass North impactou significativamente a teoria
econômica contemporânea ao destacar a importância das instituições e da mudança institucional
para análise da dinâmica de desenvolvimento das sociedades ao oferecer um ferramental
analítico capaz de buscar evidências sobre o porquê algumas nações adentraram numa trajetória
de desenvolvimento, riqueza, prosperidade, democracia, justiça social; enquanto outras
caminham pelo subdesenvolvimento, pobreza, decadência, autoritarismo e desigualdade social.
A cosmovisão analítica desenvolvida conduz ao entendimento de que enquanto a
história se constitui como um processo de evolução institucional permanente, a superação do
subdesenvolvimento só pode ser alcançada por um processo de ruptura com padrões existentes
e envolve, necessariamente, mudanças institucionais, das quais as organizações são os
principais agentes. Circunstâncias históricas específicas, de ordem política, econômica ou
cultural, podem gerar acontecimentos que impactam as instituições sociais e com isso podem
mudar a trajetória de desenvolvimento de uma sociedade.
Cabe a historiografia econômica, nessa trilha aberta por North, pesquisar na história
das sociedades os principais condicionantes institucionais de sua trajetória, a conformação de
suas matrizes institucionais, fatos que levaram a certas rupturas institucionais e mudanças de
trajetória, bem como a participação e os interesses explícitos, ou mesmo velados, dos agentes e
das organizações. Enfim, abre-se uma enorme agenda de pesquisas que permite uma releitura
de narrativas históricas e um olhar complementar para a história econômica geral.
Um exemplo da forma como a teoria institucional pode ser usada para fins de
comparação entre processos institucionais, históricos e econômicos divergentes é a explicação
que North encontrou para as diferenças socioeconômicas entre os Estados Unidos e a América
Latina30. Em sua análise um processo de formação institucional distinto acabou por condicionar
trajetórias históricas e de desenvolvimento divergente entre Estados Unidos e América Latina
na medida em que enquanto no primeiro foram criadas instituições indutoras do
desenvolvimento, na segunda as instituições conformadas determinaram um desempenho social
diferente.
A contribuição de North traz para centro do debate da historiografia econômica e do
desenvolvimento econômico a importância das instituições e abre um enorme leque de temas
para pesquisas como a cosmovisão de uma sociedade (cultura, hábitos, valores e religião),
processo político, teoria do Estado, direitos de propriedade, importância do judiciário e do
arcabouço legal, mecanismo de incentivo à inovação, por exemplo.
Indiscutivelmente a teoria desenvolvida por Douglass North renova e revigora a
agenda de pesquisas da teoria econômica contestando a ergodicidade dos modelos e destacando
que a cultura é uma importante chave analítica para a compreensão das trajetórias de
desenvolvimento ou subdesenvolvimento das sociedades, e que o Estado possui um papel
diferenciado na conformação de adequadas instituições indutoras do desenvolvimento.
Assim, dentro de uma análise histórica do processo de desenvolvimento das
sociedades, torna-se fundamental a compreensão de que forma a simbiose dos interesses da
burocracia com os dos grupos de pressão externos acabaram dando corpo a determinadas
matrizes institucionais, lembrando que na visão desenvolvida por Douglass North o Estado é o

30
A esse respeito ver North (1990; 1995; 2018).

18
principal agente capaz de promover mudanças da matriz institucional de uma sociedade e,
portanto, alterar a sua trajetória de desenvolvimento.
Em síntese, a teoria das instituições desenvolvidas por Douglass North revigorou o
campo de pesquisas na historiografia econômica, na teoria econômica e no campo do
desenvolvimento.

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