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Construímos a quarta edição da URDI com base no tema MÚSICA - POÉTICAS VISUAIS, elegendo a música en-
quanto matéria criativa. Dos ecos do Batuque à irreverência do Rap, da saudade de quem procura “um futuro
melhor que sempre tardou em chegar” às explorações de novas dimensões pelo New Age, do legado cantado
por grandes poetas às composições dos mestres do ritmo, encetamos diálogos entre a música, o artesanato, o
design e outras artes visuais, através de experimentações estéticas, plásticas e formais.
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ropomos que nos acompanhe nesta imer- influenciando artistas a dialogar criativamente documentos oficiais, ordens militares, entre outros,
são à música cabo-verdiana, nomeada- com as suas obras. Referimos isto para introduzir ou criativos, como os estilos literários. Por analogia
mente aos personagens, sentimentos e ou relembrar ao leitor o conceito de relação ao funcionamento linguístico, afirmam, qualquer
intenções que dialogam com as poéticas dialógica, proposto por M. Bakhtin, uma referência enunciado musical é igualmente dirigido a alguém
dos artistas visuais, isto é, integram os princípios es- na investigação brasileira, como desiderato para e pressupõe um interlocutor e um recetor, em que a
téticos que orientam a atividade dos artistas visuais. diálogos
a compreensão da cultura, dos resposta a esses enunciados pode ir da apreciação
Os movimentos “agora-antes” e “ver-reviver”, tão entre a música e as artes visuais, da obra artística ou manifestação verbal - elogio,
globalizados no campo da arte contemporânea, associado também ao advento da omnipotência saudação ou cumprimento - até à criação de outra
são princípios estruturantes na matriz de trabalho das redes de redes em que hoje habitamos, na obra na mesma ou noutra linguagem artística.
do Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, cidade omnipolitana do fluxo veloz de imagens e
evocação do passado do
em particular a informações, como aponta Luís Carmelo (2005). Os dois autores constatam que este jogo de
artesanato e do design, no “aqui-a- respostas a enunciados artísticos através da criação
gora” do ato criativo, como refere em en- No artigo brasileiro Música como discurso, de de outras obras é uma característica muito presente
trevista o Diretor Irlando Ferreira. 2011, os investigadores Schroeder e Schroeder re- não apenas na música, mas na arte em geral, e que
É ao som de Orlando Pantera que lhe escrevemos e ferem que a utilização da língua resulta em tipos es- pensar a música a partir da perspetiva discursiva é
não podemos deixar de mencionar que ele marcou táveis de enunciados, os quais podem ser padro- tomar como central a significação. Com o objetivo
decisivamente a história da música cabo-verdiana, nizados, tais como cumprimentos, falas quotidianas, de entender os processos de significação na língua,
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referem que Voloshinov estabeleceu a distinção personagens, sentimentos e intenções típicos deste de batuque”. No que toca às tradições musicais
entre signo e sinal, afirmando que o sinal é unívoco, género musical. Enquanto o músico erudito recebe de Cabo Verde, a técnica artesanal ancestral é
tem sempre o mesmo significado independente do formação e atua no rigor da tradição e do universo fundamental do ponto de vista utilitário, onde a
contexto e necessita apenas de ser reconhecido; já da composição musical, o músico popular forma- feitura de instrumentos musicais foi e continua a
o signo precisa de ser compreendido, pois o seu se e atua na esfera musical da tradição oral e na ser uma atividade central à criação musical, em
significado é orientado totalmente pelo contexto espontaneidade. particular o tambor e a cimbôa.
e é aberto por natureza a todos os significados
possíveis. Vejamos uma poética visual que emergiu do enun- “Se vísseis caçadores sem bondade
ciado musical da tabanka de Santiago: num primei- Que o abandono é como a luz na orfandade
Vejamos o exemplo da significação na música: as ro momento, o artista Vasco Martins foi recetor da Jamais desninharíeis passarinhos
notas, os acordes e os tempos constituem os sinais rítmica da tabanka e, num outro momento, colocou- Para os lançar à lama dos caminhos”
de uma música de Vasco Martins, pois exigem -a em diálogo com a linguagem musical erudita,
apenas uma atitude de reconhecimento. Por outro escrevendo a partitura que utilizou depois na sua Com esta que é considerada, de acordo com
lado, a significação musical não se reduz a estes obra musical Quinto Mundo, de 1987. Esta rela- a investigadora cabo-verdiana Margarida Brito
sinais, pois esses mesmos elementos ganham ção dialógica é evidente na obra Diálogo Poético (1998), a primeira morna, intitulada “Brada Maria”,
significados orientados pelo contexto específico sobre a Música, publicada no mesmo ano, na qual da autoria de Eugénio Tavares, perguntamos quem
da obra, no decorrer do discurso musical. O o artista se propõe representar visualmente não só não revive memórias de um amor antigo quando
contexto inclui não apenas o enunciado - no caso, a o ritmo da tabanka de Santiago, como também o escuta a Morna B.Leza, Manuel de Novas, Betu
própria obra de Vasco Martins -, mas toda a cadeia “canto profundo da baleia”, como quem desenha “o e, claro, Cesária Évora, Bana e Ildo Lobo, que tanto
discursiva da obra. Entender os efeitos de sentido canto dos tempos”. Caro leitor, consegue escutar? contribuíram para globalizar este género musical?
que se produzem nessa música é mobilizar as Aqui, pensamos na obra do Mestre Paulino Vieira,
relações dialógicas, isto é, estabelecer uma rede de O San Jon e o Batuque, duas das mais antigas compositor, multi-instrumentista, congregou uma
conexões, fazendo emergir as diversas vozes que tradições do arquipélago, são outros exemplos, série de estilos nas suas orquestrações altamente
constituem os enunciados musicais. representando enunciados musicais tradicionais sofisticadas, que vão desde a música soul ao reggae,
que ecoam nas poéticas de um vasto leque de passando pelo jazz e que foi produtor de dezenas
Essa multiplicidade de vozes que ecoa nas obras artistas plásticos cabo-verdianos, entre os quais de músicos cabo-verdianos. Do mesmo modo,
não é exclusiva da arte erudita, segundo Schroeder João Fortes, Mestre Artesão e pintor que evoca o ninguém fica indiferente à Coladeira. O papel
e Schroeder, fazendo parte dos próprios princípios San Jon, Mito Elias, que na pintura “Milonga de nha dos Mestres Artesãos ao longo do tempo tem sido
constitutivos da arte. A abordagem discursiva da tchabeta” evoca o batuque, David Levy Lima, pintor o de construir com as próprias mãos instrumentos
música permite enfatizar aspetos da criação artís- cuja poética dialoga sobretudo com o San Jon da que possibilitam viajar e dançar ao som da riqueza
tica que evidenciam de que forma os fatores con- sua ilha-natal Santo Antão, e Kiki Lima, de que entre musical, enquanto fortalecem o sentido de pertença
textuais influenciam as poéticas visuais: as obras as inúmeras pinturas destacamos para o efeito a à nossa casa, Cabo Verde.
absorvem o que está fora delas, e esse contexto “Tchabeta no palco”, “Batuque/Tchabeta” e “Aula
é modificado pela aparição da obra, do dentro,
A exposição Tambor d’ilha propõe um diálogo entre o design e o tambor.
no movimento dialético do artista contemporâneo
“arte-mundo” e “mundo-arte”, como atenta Luís Car-
melo, escritor lusófono doutorado em Semiótica.
Este aspeto é fundamental, não só para entender
o âmbito do concurso REPIKA, como para perceber
a dinâmica de trabalho da nossa equipa e em parti-
cular dos criativos envolvidos nas diversas residên-
cias, que, ao passo que se foram conhecendo no
CNAD, foram compondo a sua poética através de
diálogos entre as próprias residências.
Às 19:30 horas realiza-se a Abertura Ofi- Os concertos acontecem todos os dias entre as “Repiká”,
com a inauguração das exposições
cial da Feira na Praça Nova, com performan- 20h e 21h, com atuações de Vasco Martins, Gabi “Tambor d’Ilha” e “Racordai”. O
ce dirigida por Vamar Martins e apresentação da + Voginha e Banda (Município Destaque Boa Vista), trabalho de produção para a inauguração começou
URDI 2019, os discursos oficiais de abertura e visita Ti Bau e Banda (Município Destaque Maio), Mornas em julho e de ano para ano o objetivo de promover
guiada à mostra de artesanato. Ladeando a Praça, de Betu, Jennifer Solidade + Constantine Cardoso e o trabalho conjunto de artesãos e designers
o Pic Nic Food Design acontece todos os Banda e Cordas d’Baptista “Bau, Erikson e Luís”. Há tem tido cada vez mais impacto no artesanato
dias. Aqui poderá provar e degustar sabores e sa- DJ N´Coreto dia 29 e 30 de novembro, às 19 contemporâneo. Este processo baseia-se
beres da nossa gastronomia, sendo recebido com o horas, com gigs dos dj’s Letra, Rudy e João Barbo- sobretudo numa experimentação e num caminho
calor humano dos artesãos gastronómicos, entre os sa, por isso traga companhia para dançar! de aprendizagem permanente e é precisamente o
quais as Freskinhas. A curadoria dos Pequenos resultado desse processo que é a base para pensar
Concertos Grandes Artistas dá este ano A Abertura Oficial do Salão_Created in e construir o Salão. Caro leitor, cada objeto que
uma atenção especial à música no coração do co- Cabo Verde acontece a 28 de novembro poderá fruir nas exposições é fruto do trabalho de
ração de Mindelo: a fonte central da Praça Nova. às 18 horas no Centro Cultural do Mindelo um artesão e de um designer.
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Quanto ao concurso REPIKA, os projetos de design exposição-instalação “Ritmos e formas”, em Zero Point Art, parceiros firmes desta partitura! O
selecionados que integram a exposição com o mes- homenagem ao Mestre Baptista. Esta exposição programa não se esgota por aqui, que há surpresas
mo nome, juntamente com obras de criativos convi- ficará patente na galeria de arte do artista cabo- a revelar ao longo da URDI e o melhor a fazer é
dados, são os seguintes: Blimund, Lix´ Solá, Melodia, verdiano Alex da Silva. Quanto à instalação pedir-nos o seu Kit URDI 2019.
Pauta de Aromas, Ná Mininu Ná, Nha Nácia, Onj da “Neve Insular & Flávia Aranha”, terá a
Guarda, Panu, Réplica d’Tambor, Tempo d’um Poeta colaboração da designer convidada Flávia Aranha “Trazem só um cartinha
e Terreru. Realçamos que o 1º prémio contempla (Brasil) e está situada na Praça. Pa ca pesá na bô mala
um valor monetário, como incentivo à criação, e to- Trazem só um cartinha
dos os anos o concurso é promovido e divulgado As Grandes Conversas decorrem Ma dôs regrinha”
no sentido de receber do país e diáspora candida- no Centro Cultural do Mindelo nos dias 28,
turas de criativos que, através da metodologia do 29 e 30 de novembro, em que pensadores, Partimos do desafio lançado no âmbito do concurso
design, apresentam obras exequíveis do ponto de designers, artistas e investigadores de referência REPIKA, que convidou criativos a dialogar artistica-
vista material e técnico, fazíveis por artesãos locais. nacional e internacional vão encetar conversas mente com a música de Cabo Verde e desenvolver
sobre a partitura que dá corpo ao tema MÚSICA um projeto de design, para conceptualizar o mer-
A residência “Tambor d’Ilha” é orientada pela - POÉTICAS VISUAIS, bem como abrir espaço chandising. Encetamos um diálogo criativo com a
designer convidada Eneida Tavares, portuguesa ao diálogo entre a arte, o artesanato e o design. canção “Só um Cartinha”, composta por Fernando
com ascendência cabo-verdiana e angolana. As conversas são dirigidas a agentes culturais, Andrade e Lura, que resultou no desenho do Kit
Formada em Design de Produto, chegou a São designers, artesãos, investigadores, estudantes e a URDI 2019: uma mochila que tem na sua base a
Vicente no dia 2 de novembro e realizou pesquisa todos os interessados. forma de um envelope e dentro dela carrega um
de terreno, enquanto se adaptou ao calor afetuoso caderno de anotações, onde estão inscritas can-
desta nova casa, que pisa pela primeira vez. Do primeiro ao sexto painel de conversas, serão ções cabo-verdianas, bem como uma t-shirt alusi-
Confessa que “Tambor d’Ilha” não é uma residência abordados os seguintes temas: “Processos e va à identidade visual deste ano, cuja imagem foi
apenas criativa, mas antes uma viagem de auto Resultados do Projeto Regulamentação do construída por sucessivos diálogos criativos com a
conhecimento e prática do crioulo. Isto, caro leitor, Sector do Artesanato created In Cabo Verde”, obra Diálogo Poético sobre a Música, de Vasco
já lhe dá uma ideia aproximada do ambiente que “Cruzamentos institucionais no sector - Resultados Martins.
vivemos na equipa, onde pulsam corações ao ritmo alcançados e a alcançar”, “Mistério da Criação
dos tambores. A designer está a trabalhar junto dos Artística Insular - Música, Artesanato e Design”, “Ma naquel cartinha trazem Morabeza
seis tamboreiros que chegaram de Santo Antão, “Inovação e responsabilidade - Impulsos de criação Naquel cartinha trazem um Serenata
São Vicente, Fogo, Brava e São Nicolau, com o contemporânea”, “Apresentação Publicação de Ma naquel cartinha trazem nha crêtcheu
objetivo de partilhar testemunhos e processos: as Grandes Conversas 2017 e 2018” e “O movimento Naquel cartinha trazem tude quel Mar Azul”
“diferentes camadas que o tambor transporta”, pois da Morna, um eco universal de reforço da identidade
cada ilha é única em riqueza cultural e técnica. cabo-verdiana”. Cada painel de conversas tem início “No século XXI não podemos ficar sós”, como diz
respetivamente às 9 horas e 11 horas. Irlando Ferreira, e a nossa equipa assenta em for-
O instrumento musical racordai é este ano objeto mações e experiências tão distintas quanto neces-
de diálogo criativo na residência “Racordai”. Re- As Oficinas serão orientadas no pátio do sárias, dentro da matriz interdisciplinar que se tor-
corda-se deste instrumento habitualmente feito Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design na cada vez mais essencial à sustentabilidade dos
de madeira, pregos e peças de metal que produz (Edifício dos Ex TAVC) e começam entre as 15 e projetos.
um dos sons tradicionais nas celebrações de São 16 horas, dependendo do dia. Estes momentos de
Silvestre, no início de cada ano? Pois bem, caro lei- partilha, de pendor educativo, para crianças e jovens,
tor, a equipa de designers desenvolveu processos vão levar-nos a aprender a feitura de instrumentos
Instrumento feito pelo Mestre Baptista que integra a exposição Ritmos e Formas.
experimentais ao longo do último mês e realizaram musicais, como por exemplo o tambor, a cimboa e
protótipos, que integram a exposição com o mes- instrumentos a partir de material reciclado.
mo nome. Neste processo, viram como é feito o ra- O alcance da programação das
cordai por diversos Mestres Artesãos e, com base Na Volta N’Atelier visitamos os ateliers atividades que acontecem na
nos diálogos criativos que encetaram com o instru- dos artesãos e artesãs e podemos ver, in loco, o URDI 2019 ecoa toda a obra do
mento e com outros artistas, propuseram-se apre- processo de construção artesanal, o saber fazer Mestre Baptista, Mestre Artesão
sentar as suas leituras estéticas e formais, do ponto ancestral dos Mestres. De 28 a 30 de novembro no fazer de instrumentos musicais
de vista funcional e também decorativo, no campo organizamos grupos e desloca-mo-nos até ao em Cabo Verde, e a exposição-
visual. Além dos resultados, esta exposição mostra Atelier Luís Baptista, luthier, Atelier de Tambor instalação “Ritmos e formas”
os processos que os designers desenvolveram, com José Miranda e Atelier Violão Anicete Gomes,
o objetivo de sensibilizar os visitantes para o que é nos respetivos dias.
o trabalho do designer hoje.
Recomendamos um mergulho nos sons e na música
Além do Centro Cultural do Mindelo, o Salão_ que nasce da noite mindelense e sugerimos a
Created in Cabo Verde tem outro núcleo, o URDI d’pos d’hora, que gira entre o Prassa
Zero Point Art, onde este ano inauguramos a 3, a Livraria Café Nhô Djunga, o Jazzy Bird e o
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Ao seu dispor em:
MODO DE CONSTRUIR Facebook CNAD | www.facebook.com/CentroNacional-
deArtesanatoeDesign
Ficha Técnica
P E Ç A A P E Ç A Direção: Irlando Ferreira
Pesquisa e redação: José Pinto
Paginação e design: Joana Campante, Karine Patrício e
Risilene Fortes
O alcance da programação das Fotografia: Bob Lima e Queila Fernandes
atividades que acontecem na
URDI 2019 ecoa toda a obra do Referências:
Mestre Baptista, Mestre Artesão Brito, M., Os Instrumentos Musicais em Cabo Verde, Ed.
no fazer de instrumentos musicais Centro Cultural Português/Praia–Mindelo, 1998
em Cabo Verde, e a exposição-
Carmelo, L., A Novíssima Poesia Portuguesa e a Ex-
instalação “Ritmos e formas”
periência Estética Contemporânea, Publicações Euro-
procura homenagear este luthier
de referência no país e recuperar a pa-América, 2005
memória deste homem reservado e Martins, V., Diálogo Poético sobre a Música, Instituto
sábio na escola da vida, trazendo ao Caboverdiano do Livro, Mindelo, 1987
conhecimento do grande público, em Schroeder, S. C. N. e Schroeder, J. L., Música como discur-
especial das camadas mais jovens, so: uma perspetiva a partir da filosofia do círculo de
aspetos essenciais do trabalho a que Bakhtin, Música em perspetiva, 4(1), 127-153, 2011
devotou o seu ofício.