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coreografias 2023

do impossível

35� Bienal de São Paulo

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Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo,
por meio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas,
coreografias
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, do
Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam impossível

35�
Bienal de
São Paulo 2023

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A cada dois anos, o Pavilhão suas múltiplas revisões, o orça-
Ciccillo Matarazzo é palco mento e a captação de recursos,
das obras e dos assuntos mais e o estreitamento de laços com
urgentes do mundo da arte. o poder público e a iniciativa
O visitante que caminha entre as privada em uma rede de patroci-
pinturas, esculturas, desenhos, nadores, apoiadores e parceiros.
pesquisas, instalações e tantas Tudo deve ser negociado com
outras linguagens em constante transparência e projetado de
transformação, e realizadas modo a respeitar os limites de
por artistas oriundos dos mais conservação do próprio pavilhão,
diversos cenários, pode imaginar uma joia da arquitetura moder-
o esforço que há por trás de cada nista, e do meio ambiente, em
trecho da exposição. Orquestrar acordo com as diretrizes insti-
uma mostra da envergadura da tucionais que buscam mitigar,
Bienal de São Paulo, e com o grau inclusive, a pegada de carbono
de excelência que ela demanda, do próprio evento.
é uma tarefa possível somente A produção da mostra trans-
graças ao trabalho coletivo de forma o abstrato em concreto.
profissionais das mais diferentes Estabelece pontes entre as cole-
áreas de especialização. ções, trabalha lado a lado com
Tudo começa com a escolha fornecedores dos mais variados
do projeto curatorial, sempre ofícios, alinha deslocamentos,
novo, sempre renovador. A partir trata da programação e cria as
desse momento, se iniciam os condições necessárias para que
preparativos, que terminam as obras façam parte da exposi-
somente quando a exposição ção com segurança, zelo e cria-
se encerra. As infinidades de tividade. A equipe de educação
reuniões e de decisões difíceis, apresenta cursos de formação
as trocas de correspondência e para educadores, estabelece
os contratos que precisam ser ações de difusão em escolas e
assinados, os cronogramas e em centros de pesquisa, produz

josé olympio da veiga pereira


presidente – fundação bienal de são paulo

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publicações educativas, suas obras e suas caixas de acondicio-
ferramentas de trabalho, e media namento, que são desembaladas
a relação entre as obras e os para que os montadores fixem
visitantes interessados em criar com precisão e delicadeza os
novas conexões entre suas vivên- trabalhos. Em meio a um oceano
cias e a arte ali exibida. A comu- de detalhes e acabamentos,
nicação, por sua vez, leva a notí- legendas de obras são instaladas,
cia e anuncia os conteúdos da luzes se acendem, orientadores
mostra para um público da Bienal de público se posicionam, e mais
cativo e exigente; ao mesmo uma Bienal abre suas portas.
tempo, convida pessoas que Para a 35ª Bienal de São Paulo,
nunca tiveram a oportunidade de o coletivo curatorial formado
conhecer a exposição de perto. por Diane Lima, Grada Kilomba,
Também cabe a ela coordenar as Hélio Menezes e Manuel Borja-
publicações, sinalizar o espaço, -Villel selecionou mais de uma
amarrar textos e imagens. Tra- centena de participantes que, de
balhando em consonância com a incalculáveis maneiras, coreogra-
saúde financeira e administrativa faram o impossível. A Fundação
do evento, juntas, essas equipes Bienal de São Paulo tem orgu-
fornecem o ambiente preciso lho de realizar esta mostra e de
para a realização da Bienal. também, à sua própria maneira,
A montagem ocorre em um fazer parte dessa coreografia do
prazo apertado, e cada passo impossível, compassada pelo
dessa etapa deve ser previa- trabalho coletivo.
mente estudado e medido. Em
um primeiro momento, as pare-
des são erguidas e a arquitetura ​
ganha vida. O pavilhão é tomado ​
por construtores, madeira, gesso
e ferro. Uma vez preparado o edi-
fício, chega a hora de acolher as
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Compartilhando da histórica nos mais variados campos,
missão do Ministério da Cul- como educadores, críticos de
tura do Governo Federal de arte, montadores, arquitetos,
promover o crescimento do produtores, editores, comu-
campo cultural e torná-lo mais nicadores, designers e tantos
acessível, além de fomentar outros ofícios, com cada projeto
a economia criativa, a Bienal impactando direta e indireta-
de São Paulo chega agora a mente um contingente extra-
sua 35a edição com mais um ordinário de pessoas, famílias
projeto curatorial inovador e e vidas.
afinado com as questões mais Dentre os impactos da
urgentes de nossa época. Esta mostra, é importante destacar
é uma marca na trajetória deste a impecável atuação educa-
evento, cujo objetivo sempre foi tiva da Bienal. Cada uma de
o de receber um público amplo suas edições cria as condições
e mostrar o que há de mais atual necessárias para se alcançar
no mundo das artes, ao mesmo novos públicos e fomentar o
tempo que promove a sustenta- conhecimento crítico de novos
bilidade e os direitos humanos, visitantes de todas as idades.
essenciais para o fortaleci- Com uma equipe de educação
mento de uma cultura cada vez permanente, a Fundação Bienal
mais cidadã. de São Paulo desenvolve cursos
Desde a sua primeira edição, livres, ações de mediação e
em 1951, a Bienal de São Paulo programas de formação para
tem ocupado um lugar de pres- educadores e mediadores, além
tígio na cultura nacional que vai de produzir as publicações edu-
muito além de suas exposições. cativas, ferramentas de trabalho
Sua consistente continuidade ao imprescindíveis para projetos
longo dos anos foi responsável artístico-pedagógicos.
por formar e capacitar trabalha- Nesse quadro colorido e
doras e trabalhadores da cultura múltiplo da Bienal de São Paulo,

margareth menezes
ministra da cultura do brasil

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são criadas oportunidades para
aprendermos mais sobre nós
mesmos, apreciarmos a diversi-
dade do mundo e celebrarmos a
cultura. Para o Governo Federal,
aqui representado pelo Minis-
tério da Cultura, não há união
nacional sem arte, e não há arte
sem democracia. Vamos festejar
mais uma Bienal de São Paulo.
Viva a arte!

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Em sua trajetória de 35 anos, junta de Júlia Rebouças, Luciara
o Itaú Cultural (IC) tem desem- Ribeiro e Naine Terena. A arte
penhado um papel fundamental urbana também teve seu espaço,
para a valorização da arte e da com Além das ruas: histórias do
cultura nas suas mais diversas graffiti, em cartaz até o fim de
linguagens e manifestações. julho. No site itaucultural.org.br,
Essa atuação se dá por meio o público encontra as mostras
da pesquisa, da produção de virtuais Filmes e vídeos de artis-
conteúdo, do mapeamento, tas, que traz produções audiovi-
do incentivo e da difusão, mas suais de caráter experimental, e
também das parcerias firmadas Livros de artista na Coleção Itaú
com agentes alinhados com os Cultural, cujos recursos imersi-
nossos valores, como a Funda- vos e interativos permitem uma
ção Bienal de São Paulo. apreciação detalhada.
O apoio à Bienal de São Paulo No âmbito formativo, o
– importante espaço de encon- programa Entreolhares promove
tro e intercâmbio entre artistas, cursos e oficinas voltados para o
curadores, críticos e público desenvolvimento daqueles que
– reafirma o compromisso do atuarão profissionalmente no
IC com a promoção das artes campo das artes visuais. Essa e
visuais e o seu papel transforma- outras formações são disponi-
dor. Nesse campo, a organização bilizadas na Escola Itaú Cultural
articula diversas ações, sejam (escola.itaucultural.org.br).
exposições físicas e em ambien- Já a Enciclopédia Itaú Cultural
tes virtuais, sejam atividades de (enciclopedia.itaucultural.org.br)
caráter formativo. é uma importante ferramenta de
Entre as exposições recentes, compartilhamento de saberes,
Um século de agora apresentou oferecendo acesso a verbetes
um panorama da arte e da cul- de personagens, de obras e de
tura produzidas atualmente no eventos de artes visuais.
Brasil a partir da curadoria con-

itaú cultural

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O Instituto Cultural Vale tem a
alegria de fazer parte da realiza-
ção desta 35ª Bienal de São Pau-
lo – coreografias do impossível e
de seu programa educativo, que
nesta edição experimenta novos
formatos e abordagens.
Diante da proposta curatorial
de criar um “espaço de experi-
mentação aberto às danças do
inimaginável”, como definem os
curadores, nos unimos a essa
iniciativa que conecta arte e
educação, expande o acesso à
cultura e aproxima estudantes,
professores e famílias de vivên-
cias interdisciplinares.
Com uma curadoria con-
junta, horizontal e diversa, a
Bienal – maior exposição de arte
contemporânea do hemisfério
Sul – nos convida a pensar a
arte como exercício de diálogo,
de abertura a novas narrativas e
como espaço de aprendizado.
Nesse sentido, também se
conecta ao propósito do Insti-
tuto Cultural Vale: o de ampliar
oportunidades para aprender,
refletir, desenvolver novos olha-
res e compartilhar arte, cultura
e educação, dentro e fora dos
museus, em todo o Brasil.

instituto cultural vale


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A Bloomberg se orgulha de lecer comunidades. Através de
patrocinar coreografias do nossos patrocínios, ajudamos a
impossível, a 35ª edição da promover o acesso à cultura e
Bienal de São Paulo. Há mais de a empoderar artistas e orga-
uma década temos apoiado as nizações culturais para atingir
excepcionais exposições de arte novos públicos.
contemporânea da Bienal no
deslumbrante Pavilhão Ciccillo
Matarazzo no Parque Ibirapuera,
e também pelo Brasil, através da
nossa parceria com a Fundação
Bienal. A edição deste ano con-
tinua a tradição de apresentar
instalações de arte cativantes e
provocativas, que são gratuitas
e abertas ao público.
Todos os dias, a Bloomberg
conecta importantes tomadores
de decisão a uma rede dinâ-
mica de informações, pessoas
e ideias. Com mais de 19 mil
funcionários em 176 escritórios,
levamos informações financei-
ras e de negócios, notícias e
conhecimento ao mundo todo.
Nossa dedicação à inovação e
às novas ideias se estende atra-
vés do apoio de longa data às
artes, a qual, segundo acredita-
mos, é um caminho importante
para motivar cidadãos e forta-

bloomberg

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Diante das incessantes questões É segundo esse panorama
da humanidade, talvez valha a que o Sesc São Paulo e a Funda-
pena conviver um pouco mais ção Bienal, por meio da 35ª Bie-
com algumas perguntas em nal de São Paulo, reiteram sua
aberto, tomando amparo em longeva parceria, mutuamente
recursos que permitam escavar comprometida em fomentar
e construir processualmente as experiências de convívio com
respostas. Nesse sentido, a arte, as artes visuais, ampliando o
em suas variadas faces, oferece acesso às ações culturais e ao
sumo fértil para elaborações exercício da alteridade.
críticas acerca do mundo e de Esta parceria, que se cons-
nós mesmos. titui e se renova há mais de
O encontro entre arte e edu- uma década, tem resultado na
cação – ambas entendidas como promoção de projetos como
campos do saber – permite a exposições simultâneas, en-
torção do tempo e do espaço: contros públicos, seminários
passa a ser possível, assim, sus- e formações para educadores,
pender neutralidades e dilatar o bem como a consolidada mostra
que se precipita nas estruturas. itinerante com recortes da
Até onde essa aproximação é Bienal entre unidades do Sesc
capaz de inferir o real e nele no interior paulista. A confluên-
interferir? Ele permite (re)povoar cia de escolhas e proposições
imaginários, descompassar o es- se integra à perspectiva insti-
tatuto universalizante atribuído tucional da cultura como um
a conceitos, práticas e pesso- direito, e concebe, junto a uma
as, e assim talhar a realidade das maiores mostras do país, um
com narrativas que articulem o horizonte acessível para a arte
individual e o coletivo, de modo contemporânea no Brasil.
processual e coerente em rela-
ção às questões que atravessam
a existência.

sesc são paulo


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sível
coreografias
do impos

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coreografias do impossível para os modos vigentes – até
ganha forma a partir de um pesquisadoras e práticas de
exercício conceitual que se aprendizagem não necessaria-
reflete em nossa própria for- mente ligadas aos campos con-
mação e prática curatoriais. vencionais do conhecimento.
Nós nos reunimos para criar Houve também muito diálogo
um grupo horizontal, sem a com a dupla de assistentes de
hierarquia de um curador-chefe curadoria, composta por Sylvia
ou a homogeneidade de um Monasterios e Tarcisio Almeida,
coletivo. Trata-se de um modo e com o conselho curatorial,
de coreografar que considera formado por Omar Berrada,
nossas diferentes trajetórias, Sandra Benites, Sol Henaro e
formações, áreas de atuação Thomas Lax.
e que, sobretudo, buscou criar Como veremos nos diversos
estratégias que nos permitissem textos que compõem este guia,
encarar os desafios institucio- tal princípio espiralar se irradia
nais e curatoriais inerentes a um pela seleção de obras e por
projeto desta envergadura. todas as demais estruturas que
Expandir os processos organizam uma Bienal, como o
colaborativos e as nossas pers- projeto de arquitetura e expo-
pectivas foi o que nos motivou grafia, o programa de educação
a conceber um conjunto de e mediação, além do próprio
interlocuções, que vão desde a convite à leitura deste material.
lista de participantes, de grupos Concebido como um tra-
e espaços – que nos ofereceram mado de vozes, ou uma “trança”
exemplos de gestão alternativa de mundos – como nos incita

coreografias do impossível

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a pensar a artista e educadora máticas do projeto original de
Nontsikelelo Mutiti, que assina Oscar Niemeyer – e um desenho
a identidade visual da 35ª Bienal expográfico que arranja uma
de São Paulo –, os projetos edito- sequência de movimentos que
riais reúnem um grande conjunto aceleram, atrasam, pausam e
de autoras e autores que aceita- sugerem diferentes velocidades,
ram o desafio de atualizar, reler, encadeando ritmos e contrapon-
traduzir ou desenvolver pensa- tos distintos, para além da escala
mentos e diálogos inéditos, e que monumental do Pavilhão.
ampliam as formas de conceber Essas coreografias de narrati-
as coreografias do impossível. vas trazem grande centralidade
Já no espaço expositivo, fez- ao trabalho formativo, realizado
-se uma coreografia de percur- pela equipe de Educação da
sos, como define o Vão, escri- Fundação Bienal, especialmente
tório responsável pelo projeto pelo desafio de criar ferra-
de arquitetura e expografia das mentas de mediação que nos
coreografias do impossível, sem ajudem a elucidar com o público
temas e categorias cronológicas. como tais percursos desafiam,
É uma proposta capaz de nos na prática, as relações com o
fazer sentir no corpo o que as tempo e o espaço.
mudanças de fluxos e as inter- O modo como a equipe conta
venções no prédio produzem, o seu percurso nos três movi-
como a inversão dos pavimentos, mentos – nome que se deu às
uma ilusão criada pelo envelo- publicações educativas que vão
pamento do vão central – uma se complementando e se reve-
das estruturas mais emble- lando ao longo da construção

35ª bienal de são paulo


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das coreografias do impossí- são circuitos que fomentam
vel – é também bom exemplo arte, educação e novos modelos
do modo como o conceito se de gestão, além de proporcio-
irradia. Por meio da fabulação narem formação e redistribuição
de um amplo programa de de acessos para a cena local,
estudos e convites para diferen- tendo em vista as crises e os
tes artistas e pesquisadoras, a impactos sociais e econômicos
equipe entende que os diferen- que esses territórios enfren-
tes procedimentos educacionais tam. Acreditamos no papel de
são ferramentas de liberação plataformas como as Bienais
e liberdade, ou mesmo um na construção de processos
chamado, no qual as práticas formativos, de pesquisa e de
artísticas, intelectuais e políti- fortalecimento de movimentos
cas se tornam fundamentais na coletivos. Acreditamos também
construção de conhecimentos que, junto às discussões que
baseados em troca, comparti- nosso projeto propõe, podemos
lhamento e experimentação. contribuir para a manutenção e
Desenvolvemos também a consolidação de redes de soli-
uma rede de programas de dariedade como, por exemplo,
residências artísticas, for- a Cozinha Ocupação 9 de Julho
mada por New Local Space – MSTC, que está presente na
(Kingston, Jamaica), Sertão 35ª Bienal tanto como partici-
Negro (Goiânia, Brasil) e Ëntun pante quanto como responsável
Fey Azkin (Wallmapu, Território pela alimentação.
Ancestral Mapuche). Esses As coreografias do impossível
espaços e iniciativas autônomas contam ainda com uma extensa

diane lima grada kilomba

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programação pública, composta
por ativações, performances,
mesas, conversas, exibições de
filmes, oficinas e laboratórios ao
longo da exposição.
O que essas práticas, que
coreografam o impossível
em seus locais, podem gerar
quando postas em diálogo
aqui? Que rupturas e encon-
tros, consensos e dissensos,
essa reunião pode criar? Para
nós, essas perguntas têm um
papel central. Elas possibilitam
inventar e descobrir novas e
desconhecidas coreografias.

hélio menezes manuel borja-villel


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participantes

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andar verde 059 citra sasmita
023 aida harika yanomami, edmar 065 daniel lie
tokorino yanomami e 071 dayanita singh
roseane yariana yanomami 073 deborah anzinger
031 ana pi e taata kwa 077 denise ferreira da silva
nkisi mutá imê 079 diego araúja e laís machado
063 cozinha ocupação 089 ellen gallagher e edgar cleijne
9 de julho – mstc 095 flo6x8
075 denilson baniwa 099 frente 3 de fevereiro
081 duane linklater 101 gabriel gentil tukano
091 emanoel araujo 105 geraldine javier
113 ibrahim mahama 115 igshaan adams
119 inaicyra falcão 117 ilze wolff
139 katherine dunham 133 julien creuzet
141 kidlat tahimik 137 kapwani kiwanga
147 luiz de abreu 143 leilah weinraub
157 marilyn boror bor 145 luana vitra
161 maya deren 151 mahku
165 min tanaka e françois pain 157 marilyn boror bor
167 morzaniel ɨramari 159 marlon riggs
179 nontsikelelo mutiti 167 morzaniel ɨramari
169 mounira al solh
183 pauline boudry / renate lorenz
173 nadir bouhmouch
211 sauna lésbica por malu avelar
com ana paula mathias, e soumeya ait ahmed
175 nikau hindin
anna turra, bárbara esmenia
e marta supernova 177 niño de elche
221 stanley brouwn 183 pauline boudry / renate lorenz
243 torkwase dyson 187 quilombo cafundó
253 will rawls 189 raquel lima
193 rolando castellón
andar roxo 195 rommulo vieira conceição
021 ahlam shibli 197 rosa gauditano
023 aida harika yanomami, edmar 203 rubiane maia
tokorino yanomami e 215 sidney amaral
roseane yariana yanomami 225 tadáskía
029 amos gitaï 239 tejal shah
047 bouchra ouizguen 245 trinh t. minh-ha
053 carmézia emiliano 257 yto barrada
055 castiel vitorino brasileiro 259 zumví arquivo afro fotográfico

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andar azul 181 patricia gómez
025 aline motta e maría jesús gonzález
033 anna boghiguian 185 philip rizk
035 anne-marie schneider 199 rosana paulino
037 archivo de la memoria 201 rubem valentim
trans (amt) 203 rubiane maia
039 arthur bispo do rosário 205 sammy baloji
041 aurora cursino dos santos 207 santu mofokeng
043 ayrson heráclito 209 sarah maldoror
e tiganá santana 213 senga nengudi
045 benvenuto chavajay 215 sidney amaral
049 cabello/carceller 217 simone leigh e
051 carlos bunga madeleine hunt-ehrlich
057 ceija stojka 219 sonia gomes
061 colectivo ayllu 221 stanley brouwn
067 daniel lind-ramos 223 stella do patrocínio
083 edgar calel 227 taller 4 rojo
085 elda cerrato 229 taller de gráfica popular
087 elena asins 237 taller nn
089 ellen gallagher 241 the living and the
093 eustáquio neves dead ensemble
097 francisco toledo 245 trinh t. minh-ha
103 george herriman 247 ubirajara ferreira braga
107 gloria anzaldúa 251 wifredo lam
109 grupo de investigación 255 xica manicongo
en arte y política (giap)
111 guadalupe maravilla itinerantes
121 januário jano 027 amador e jr. segurança
123 jesús ruiz durand patrimonial ltda.
125 jorge ribalta 069 davi pontes
127 josé guadalupe posada e wallace ferreira
129 juan van der hamen y león 191 ricardo aleixo
131 judith scott 249 ventura profana
135 kamal aljafari
149 m’barek bouhchichi 260 notas
153 malinche 266 biografias
155 manuel chavajay 270 créditos
163 melchor maría mercado
171 nadal walcot

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ahlam Em um texto sobre a obra de
Ahlam Shibli, o crítico e histo-
shibli riador da arte T.J. Demos faz
referência ao teórico e filó-
sofo Roland Barthes e afirma:
“A morte é o eidos da fotografia,
sua forma ideal e mais desta-
cada expressão. De fato, não
há fotografia que não mostre
ausente aquilo que representa”.1
Sem título (Death n. 48), Palestina, 2011-2012
Morte n. 48. Impressão cromógena, 38 × 57 cm Nas 68 fotografias da série
Centro Histórico, Bairro de al-Kasaba, Nablus,
5 de fevereiro de 2012. Numa loja de legumes,
Death [Morte] (2011-2012), Shibli
um cartaz onde se veem os mártires ‘Abd parece confirmar e, ao mesmo
al-Rahman Shinnawi, ‘Amar al- ‘Anabousi e
Basim Abu Sariyah dos grupos de resistência
tempo, inverter essa afirmação.
armada Faris al-Leil (Cavaleiro da Noite) que Shibli a confirma na medida em
pertecem às Brigadas dos Mártires de al-Aqsa.
Nas margens do cartaz, um retrato de Naif Abu que o tema da série é o regime
Sharkh, líder das Brigadas al-Aqsa em Nablus. de imagens e a cultura visual do
O cartaz traz um adesivo onde se vê um punho
erguido com as cores da Palestina e os dizeres martírio na Palestina. Mas a obra
“Queremos que a ocupação fracasse. Boicote
o Tapuzina [um refrigerante israelita]. Iniciativa
questiona a afirmação quando,
Nacional Palestina”. desde que a morte é seu objeto,

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A
a ausência cessa de pairar como do fotógrafo. Há ao menos duas
um espectro sobre a imagem imagens/detalhes que pontua-
fotográfica. Trazida à luz e detec- ram minha visão nessa panorâ-
tada, a morte desafia o status mica. A primeira delas mostra
da fotografia, ameaçando-a dois garotos, que parecem
com a perda de suas qualidades serenos, em um cemitério pales-
de ausência. tino. A segunda captura duas
Na série Death, a perda de mulheres sorridentes em casa,
vidas humanas ecoa mediante sob a imagem de um mártir que
a perda potencial do eidos foto- carrega uma criança. O punctum
gráfico de Barthes. é uma ruptura, uma pontada,
Cartazes, fotografias, uma ferida; consequentemente,
pinturas e banners de mártires esses dois detalhes na série não
palestinos da Segunda Intifada oferecem um consolo banal
(2000-2005) povoam as imagens diante da penetração da morte,
de Shibli. A obra é certamente de sua presença constante na
uma forte tomada de partido, vida em um regime colonial,
um testemunho da violência como esse que sujeita os pales-
exercida pelo Estado israelense tinos. Por outro lado, eles ainda
contra os palestinos e um ato emitem vida como uma ondula-
de rebelião contra a eliminação ção no status quo, um rasgo em
física e política da Palestina e um presente necropolítico.
de seus habitantes. Constitui,
principalmente, um testemu- marco baravalle
nho da onipresença da morte
na sociedade palestina. De traduzido do inglês por
fato, suas imagens de mártires gabriel bogossian
povoam tanto o espaço público
quanto o privado.
Observando a composição
das fotografias que integram
a série, poderíamos ser tenta-
dos a considerá-la uma única
imagem e, retomando Barthes,
uma imagem da qual aprende-
mos a reconhecer o punctum,
ou seja, o detalhe que promove
uma quebra na relação entre o
espectador e a intencionalidade
21

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aida harika
yanomami,
edmar tokorino
yanomami e
roseane yariana
yanomami

Yuri u xëatima thë, 2023


A pesca com timbó.
Still do vídeo. Vídeo, cor, som; 10’

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A
Em 2023 vimos escancarados os borrando a fronteira entre
ataques e o genocídio promo- realidade e ficção. Já em Thuë
vidos contra o povo Yanomami. pihi kuuwi, a narradora nos
As ameaças do garimpo ilegal coloca dentro de sua mente e
e suas consequências socioe- vemos o que ela vê ao longo de
cológicas não são de hoje e já um dia inteiro em que assiste à
faz tempo que os Yanomami preparação da yãkoana. O ritual
buscam se proteger através de é um dos mais importantes
organizações, mas também re- entre os Yanomami: é quando os
forçando sua cultura e tradição. xamãs entram em contato com
O cinema indígena yanomami é os espíritos xapiri, os chamam
recente, mas se mostra poten- para dançar e entram em estado
te, dinâmico e assertivo. Yuri de transe e sonho. É o contato
u xëatima thë [A pesca com dos xamãs com os xapiri que
timbó] e Thuë pihi kuuwi [Uma protege toda a comunidade e,
mulher pensando] contam histó- como descreve Davi Kopenawa
rias íntimas do povo Yanomami no livro A queda do céu, os
sobre dois de seus rituais. O xamãs mais antigos ensinam
primeiro aborda o hábito da as novas gerações a respon-
pesca realizada com cipó mace- der ao chamado dos espíritos,
rado e colocado em balaios em pois, se não o fizerem, fica-
determinados trechos do rio em rão ignorantes.
tempo de seca. O segundo nos Os rituais, as tradições, a
faz acompanhar o pensamento ligação do povo Yanomami com
e o olhar de uma indígena sobre o sonho e suas cosmologias
a preparação da yãkoana para estruturaram um sistema de
uso ritual dos xamãs. Ambos são crenças sobre a preservação da
dirigidos por Aida Harika Yano- existência mundana e são armas
mami, Edmar Tokorino Yanoma- poderosas através das quais
mi e Roseane Yariana Yanoma- pulsa a vida e a nossa possibili-
mi, membros da organização dade de futuro.
Hutukara, e foram filmados na
comunidade Watorikɨ. pérola mathias
Yuri u xëatima thë começa Em 202
nos inserindo em um cenário
coletivo e nos conduz a uma
virada de roteiro que passa a
acompanhar o conflito envol-
vendo uma única personagem,
23

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aline motta

A água é uma máquina


do tempo, 2023
Still do vídeo

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A
Aline Motta organiza o material cuidado que Motta coloca no
da história para criar significa- coração pulsante de sua prática
dos. Ora poeta, ora cineasta, artística. No entanto, esses ges-
ora fotógrafa, ora performer, tos não são simples nem confi-
sua prática é especulativa. guram significações normativas
Construindo ou transformando do amor ou da feminilidade.
mundos, por meio do processo Antes, são formas feridas e
da anotação e da edição, ela esfoladas, insistentemente ene-
dialoga com o silêncio do grecidas, de apoio. A bem dizer,
esquecimento do arquivo no como argumenta a teórica em
intuito de tornar visível o que estudos afro-americanos Saidiya
não é familiar e não é conhe- Hartman, essas mesmas “formas
cido. Além da estrutura imperial de cuidado, de intimidade, e
da fecundidade, encontram-se de sustento, exploradas pelo
as narrativas íntimas que ela capitalismo racial, sobretudo,
revela. A construção da histó- não são reduzíveis ou esgotáveis
ria colonial brasileira fraturou, por ele... Esse cuidado, que é
desbotou, sobrecarregou suas coagido e dado livremente, é o
linhagens familiares, que ela coração negro de nossa poiesis
reconstrói – puxando o cordão social, do fazer e do relacionar”.3
umbilical que faz nascer sua
mãe, depois sua avó. Por meio oluremi onabanjo
de imagens e textos, sua obra
épica, A água é uma máquina traduzido do inglês por
do tempo propõe a seguinte alexandre barbosa de sousa
pergunta: “Seria possível fabular
novos laços de parentescos,
novas linhagens e até mesmo
uma nova forma de filiação?”1
Do berço à sepultura, do
útero à tumba,2 Motta se move
meticulosamente por entre
os vestígios de sua família.
Enquanto isso, ela examina a
força matriarcal que torna tudo
possível. Mares de páginas,
fios de tinta, poças de sangue
– tudo é engolido na espiral de
tempo, iluminado por formas de
25

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amador e jr.
segurança
patrimonial ltda.

Sem título, 2016


Registro de performance,
Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro (2016)

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A
A inteligência artificial logo, corpo para armar bombas
logo vai nos dar uma rasteira lógicas através de uma pre-
das boas, mas por enquanto sença tensionada; eles minam
ainda podemos vislumbrar um campo onde as estruturas
resquícios de humanidade em de nossa formação vão explo-
alguns ofícios cuja existência dindo sob nossos pés: o racismo
melindra entre contradições e institucional, a exploração dos
resistências. É o caso do crítico trabalhadores, o precariado, a
de arte e também do segurança, persistência sinistra da escravi-
profissional que inspira a inves- dão, ou seja, a manutenção das
tigação artística de Antonio elites que consomem arte.
Gonzaga Amador e de Jandir Jr. Formalmente, trata-se de
Surge daí a empresa de perfor- sobreposição. A Amador e Jr.
mance Amador e Jr. Segurança Segurança Patrimonial Ltda. tem
Patrimonial Ltda. Devidamente a expertise de dobrar os espaços
uniformizados – terno e gravata onde performa; se a área útil é de
sempre –, eles vão imprimindo cem metros quadrados, dá para
sua marca no mercado ao longo chegar tranquilo aos duzentos
dos anos. A dupla especializou- metros quadrados, ou até mais.
-se na salvaguarda de galerias No entanto, vale lembrar que
de arte, mostras, salões, bienais esse fenômeno insólito só poderá
e afins. Às vezes você vai vê-los ser concluído na superfície
postados bem diante de uma cerebral do público, que, se não
obra, empatando a apreciação ganhar o terreno adicional, pelo
(Sem título, 2016); noutras, menos vai poder sair de lá dando
é possível encontrá-los mer- boas risadas, sem ter entendido
gulhados na leitura de livros a piada.
(Ler, 2023), olhando fixamente
para baixo (Chão, 2023) ou até igor de albuquerque
mesmo de olhos bem fechados
durante o expediente (Vigilante,
2016). Tudo para melhor servi-
-los, senhoras e senhores.
Nessas performances, as
armas usadas para defender o
patrimônio alheio são o deboche
e a ironia, mas o jogo não se res-
tringe ao escopo humorístico.
Antonio e Jandir usam o próprio
27

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amos gitaï

Bait, 1980
Casa. Stills do filme.
Filme 16 mm transferido
para vídeo; 51’

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A
“Gitaï quer que essa casa se tários e ocupantes de uma casa,
torne algo bem simbólico desde o primeiro, um médico
e bem concreto, que ela palestino que a abandonou
vire um personagem. Uma em 1948. O governo israelense
das coisas mais bonitas que então a confiscou e alugou, com
os filmes podem alcançar: base em uma lei “da ausên-
pessoas olhando para a cia”, para um casal de judeus
mesma direção e vendo imigrantes da Argélia. Na época
coisas diferentes. E sendo da filmagem, um professor de
movidas por essa visão.” economia israelense comprou
o imóvel. Ele decidiu transfor-
− serge daney, má-la de casa térrea em um
Libération, 1º mar. 1982 casarão de três andares. Mas,
para executar a construção,
Amos Gitaï vem documentando teve que contratar palestinos
uma única casa em Jerusalém do campo de refugiados e
ocidental por mais de quatro usar pedras das montanhas de
décadas a fim de narrar a histó- Hebron. O espaço arquitetônico
ria de uma região complexa por da Casa, assim, tornou-se ao
meio de variadas formas artísti- mesmo tempo um microcosmo
cas. Seus projetos começaram das relações israelense-pa-
com uma trilogia de documentá- lestinas e uma metáfora para
rios realizada ao longo de mais Jerusalém. O filme constitui
de 25 anos: Bait [Casa] (1980), um palco aberto para diferen-
A House in Jerusalem [Uma casa tes ocupantes, trabalhadores
em Jerusalém] (1998) e News e empreiteiros compartilha-
from a House / Home [Notícias rem suas vidas e perspectivas.
de uma casa / Lar] (2005). A transmissão de House, o filme
Nesses filmes, o espaço arqui- de 1980, foi banida pela televi-
tetônico revela uma dimensão são israelense na época.
política.
Bait é o primeiro trabalho de editado por
Gitaï, filmado em 1980 imedia- juliana de arruda sampaio
tamente depois de seu retorno
de Berkeley, onde ele terminara traduzido do inglês por
um doutorado em arquitetura. gabriel bogossian
Esse documentário em preto
e branco realizado em 16 mm
identifica os diferentes proprie-
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ana pi e
taata kwa nkisi mutá imê

EXERCÍCIOS DAS MARGENS


DO TEMPO, 2023
Fotografia e manipulação digital.
Estudo para a obra comissionada
pela Fundação Bienal de São Paulo
para 35a Bienal

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A
“A unidade é submarina…” partir de fragmentos de trajetó-
– edward kamau rias e alterações de espaços”.2 É
brathwaite uma ruminação poética corpori-
ficada em caminhos percorridos
Ana Pi é uma artista do corpo e em praias e ruas de paralelepí-
do espírito, que integra noções pedos, entrando e saindo de
de trânsitos e de deslocamentos coleções institucionais do Institut
a seus trabalhos, por meio de Fondemental d’Afrique Noire
gestos, cores e sons comuns. (IFAN), em Dacar, no Senegal,
Taata Kwa Nkisi Mutá Imê e do Musée du Quai Branly, em
é diretor da Casa dos Olhos Paris, França. Esses atores com-
do Tempo que Fala da Nação partilham um compromisso com
Angolão Paketan Malembá-Nzo a errância, que, na realidade,
Mutá Lombô Ye Kayongo. Desde é a “postulação do sagrado, que
a década de 1980, Mutá Imê nunca se dá e nunca se apaga”.3
vem moldando uma metodolo- Ao mesmo tempo que reconhe-
gia para o ensino e a pesquisa cem uma forma de pensar ins-
da dança sagrada em toda a crita na visão, acolhem o conhe-
diáspora africana, envolvendo cimento que emana do corpo
inquices, voduns, orixás, cabo- nos vestígios que deixamos,
clos e encantados, por meio de nos suspiros que emitimos. São
movimentos que equilibram as parceiros comprometidos com
dimensões mental, física e espi- o periférico – um espaço men-
ritual. Juntos, “esses praticantes tal no qual o inseguro pode se
fazem uso de espaços que não tornar um lugar de construção;
podem ser vistos”.1 Em conjunto, um lugar em que se vai em busca
Pi e Mutá Imê escrevem com da imagem gravada na mente,
o corpo, costurando espaços e mas volta com sementes, prontas
memórias para ir além da core- para fazer crescer novos mundos.
ografia do palco e adentrar os
movimentos da vida cotidiana. oluremi onabanjo
Essa parceria deu origem a
um projeto expressivo trans- traduzido do inglês por
nacional que triangula Brasil, naia veneranda
França e Senegal. Na forma, “as
redes dessas escritas tocantes
e entrecruzadas compõem uma
história múltipla que não tem esta participação é apoiada por:
autor nem espectador, moldada a Institut français.
31

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anna A obra de Anna Boghiguian
compõe uma narrativa polifônica
boghiguian que se desdobra em desenhos,
pinturas, dioramas, instalações
e textos. Ao mesmo tempo,
ela constitui um extraordinário
instrumento de investigação
histórica que, sem ceder em
termos poéticos, é capaz de
analisar contextos específicos,
fragmentos de vidas individuais
e um amplo espectro de fenô-
menos. É o caso de seu trabalho
Woven Winds/The Making of an
Aquarelas da instalação Economy – Costly Commodities
Woven Winds/The Making of an [Ventos entrelaçados / A
Economy – Costly Commodities, 2016
Ventos entrelaçados. A formação de formação de uma economia –
uma economia – commodities custosas.
Grafite e aquarela sobre papel,
commodities custosas] (2016-
18 peças, 41,8 × 29,5 cm (cada) 2022), em que, por meio de

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A
desenhos, textos, colagens e em solo estadunidense, para
recortes de papel, Boghiguian contribuir com a formação da
(re)conta a gênese e o desenvol- grande riqueza daquela nação,
vimento do comércio de algodão, que, como a artista menciona,
atividade que tanto antecipa deve muito ao cultivo do
quanto profetiza a globalização algodão e ao fato de que esse
atual da economia. cultivo se organizou em torno
Malcom Ferdinand, especia- da escravidão.
lista em ecologia política, pre- Viajante incansável,
fere referir-se à nossa era com Boghiguian estudou entre Egito,
o termo Plantationceno – a era Canadá e México. Sua produção
da plantation – para enfatizar apresenta uma forma de regis-
as responsabilidades do colo- trar realidade e contexto, jamais
nialismo na atual crise social e com um olhar distanciado. Ao
ecológica. A obra de Boghiguian contrário, a obra dessa artista é
parece vir corroborar essa tese. sempre posta com respeito às
De fato, diante de sua obra, o condições sociais do presente e,
espectador vê-se imerso em geralmente, inclui o questiona-
uma história populada por mento sobre os eventos his-
escravizados do oeste da África, tóricos que as produziram. Ao
deportados para o Novo Mundo mesmo tempo, sua paixão pela
para trabalhar em plantations de pintura simbolista − Gustave
algodão (entre outras), plantios Moreau e William Blake, por
esses que substituíram formas exemplo − emerge de uma veia
indígenas tradicionais de cultivo surreal que é parte integral de
e de circulação de produtos a sua poética, desconstruindo
fim de abrir caminho para um as linguagens oficiais do poder
modelo de produção extrativista ao dessacralizar suas repre-
e totalmente voltado ao lucro. sentações sagradas: um sonho
As dramáticas histórias dos alucinante e irônico no qual a
escravizados se entrelaçam às artista move seu ataque poético
narrativas sobre os imigrantes em direção ao poder absoluto e
europeus. Boghiguian repre- a suas encarnações.
senta um navio no momento
do desembarque de seu carre- marco baravalle
gamento de europeus pobres
(como os irlandeses, forçados a traduzido do inglês por
fugir da Grande Fome, ocorrida gabriel bogossian
entre 1845 e 1849), aterrissados
33

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anne-marie
schneider

Sem título (porta de tijolos


com personagem), 2019
Acrílica sobre papel, 46 x 42,3 cm

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A
De seus primeiros desenhos corpos-casa entendem o que
na década de 1980, centrados os cerca “como um complexo
no potencial transbordante da instável trabalhado pela violência
escrita e da linha, a suas incur- dos afetos”.2
sões posteriores em planos de Essas deformações grotescas
cor e a experiência de uma poli- abrem caminho para uma prá-
cromia orientada ao sensível, o tica que contempla a distorção
traço parece ser o elemento que e a fábula ao um só tempo, par-
oferece unidade ao imaginário tindo do absurdo, da ironia ou
deliberadamente fragmentário da crítica. Assim, os desenhos e
da artista Anne-Marie Schneider. as pinturas de Schneider esbo-
Schneider explica que, çam um semblante autocons-
enquanto cria, trabalha com truído: que jamais deixa de se
a consciência e a inconsciên- recompor por meio da recupe-
cia ao mesmo tempo. Desse ração do gesto, dos vestígios e
modo, as peças selecionadas das confusões do discurso, das
para coreografias do impossível cenas que − como explicou uma
configuram um repositório de de suas referências, a escritora
imagens mentais transferidas Virginia Woolf − produzem uma
para o papel. Carregadas de res- onda na mente.3
sonâncias biográficas e alusões
a questões sociais, a artista beatriz martínez hijazo
tenta registrar − ou coreografar
−, por meio delas, o tremor que traduzido do espanhol por
constitui o eu, que, conforme o ana laura borro
aforismo rimbaudiano, também
“é um outro”.1
Suas obras estão repletas
de personagens solitários ou de
relacionamentos perturbado-
res, rostos distorcidos que se
confundem com suas máscaras,
corpos que sofrem mutações e
se prolongam no espaço domés-
tico, arquiteturas emocionais nas
quais as fronteiras entre pessoa
e estrutura se desvanecem.
Nas palavras do crítico francês esta participação é apoiada por:
Jean-François Chevrier, esses Institut français.
35

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archivo de la O Archivo de la Memoria Trans
(AMT) visa proteger, construir
memoria trans e recuperar a memória da
comunidade trans por meio de
(amt) fotografias, vídeos e recortes
de jornais e revistas. Criado na
Argentina e com uma coleção de
aproximadamente 15 mil peças, o
arquivo vive e cresce a cada dia
através de doações. Desafiando
as narrativas predominantes, o
AMT serve como repositório de
uma memória coletiva delibera-

Fondo Documental [Fundo


Documental] Marcela Soldavini
– La Rompecoche,
c. 1985. Fotografia

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A
damente apagada, lembrando tempo que registra os desafios
a sociedade das experiências enfrentados pela comunidade
de pessoas trans, que sofreram na Argentina. O conteúdo é
negligência do Estado e enfren- acessível ao público em geral
taram incompreensão e hostili- por meio de várias plataformas
dade da sociedade. on-line, promovendo um espaço
O Archivo surgiu com as inclusivo para engajamento,
ideias visionárias das ativistas discussão e ação sobre identi-
María Belén Correa e Claudia dade e resistência. Ao preservar
Pía Baudracco. Após o fale- álbuns de fotografias e outras
cimento de Claudia em 2012, tantas lembranças pessoais, o
María Belén embarcou no arquivo assume o papel de uma
desenvolvimento do projeto. Ela espécie de reunião de família.
criou um grupo no Facebook, Esses conjuntos de imagens
Archivo de la Memoria Trans, guardam as narrativas visuais
com o objetivo de se conectar de uma rede afetiva baseada no
com as pessoas envolvidas apoio, na proteção e na cele-
nessa história de luta. Em bração da vida, e preservam a
2018, o grupo tinha mais de mil memória das companheiras que
mulheres trans participantes, não estão mais aqui.
tanto argentinas quanto estran- O Archivo está presente
geiras. A ideia inicial do projeto na 35ª Bienal de São Paulo na
era reunir as companheiras, forma de um mural de memó-
suas memórias e suas fotogra- rias, uma colagem de mais de
fias, preservando esse material 3 mil peças, entre artigos de
primeiro em uma biblioteca e jornal e revista, fotos pessoais,
depois em um espaço virtual. imagens de momentos íntimos e
Em pouco tempo, esse objetivo retratos do cotidiano. Por meio
se alargou e logo se tornou um dessa instalação, documentos
esforço coletivo para construir a se tornam janelas para vidas de
memória comum. um passado que ecoa com força
O AMT tem um forte nos dias de hoje. Cada fotogra-
significado como um lugar de fia guarda uma recordação, e
memória e preservação, além o mural se transforma em um
de ser outra forma de ativismo.1 monumento de luta.
Ele serve ao duplo propósito de
construir um arquivo que lança sylvia monasterios
luz sobre a vida e as alegrias
das pessoas trans, ao mesmo
37

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arthur bispo
do rosário

Arthur Bispo do Rosário veste


a obra Semblantes, sem data

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A
o olhar que deseja indecretar será que algum dos mantos
a feiura atribuída à loucura, cumpriu o sonho do profeta
às loucuras, precisa ser tudo, negro de cobrir seu corpo, y
menos clínico. é uma mirada desvelar sua alma, no dia de
que precisa alcançar tudo, com seu juízo final? que afinal tem
o cuidado de desacertar alvos sido vivido (ou morrido) parce-
(em geral escuros). e à qual ladamente mesmo, conforme
imprescinde um gesto que não cada pessoa morre, ainda
precisa abarcar tudo, fora do que nesses tempos, ainda de
delírio colonial da conquista, encarceramento psiquiátrico
da catalogação, da categori- negro massivo.
zação que não escuta a voz da essa é uma pergunta retó-
autodeterminação. rica, dramática. enquanto atra-
até hoje a loucura tem sido vessamos nossa matéria, livre
tratada como uma ferida feia por enquanto do juízo final, por
engavetada em muros mais entre as peças expografadas,
altos que os alvos pés-direitos museológicas, perfeitamente
dos museus. então, alguns iluminadas de museu, trilhamos
museus tomam pra si a tarefa caminho sobre o silêncio que
de romper a interdição que se sua não resposta encerra.
coloca quando chamada de se há beleza na feiura com
feiura, quando condenada à que descuidamos a loucura,
escondidão, atribuindo inin- quando é possível chamá-la de
teligibilidades programadas arte? talvez importe dizer que o
à loucura. bordador morreu longe, muito
ainda assim me pergunto com longe, do museu; trancafiado,
qual manto foi enterrado o corpo muro enorme, hospício adentro.
de arthur bispo do rosário (1909 que antes mesmo de morrer,
[1911]-1989) depois de sua passa- lá bem trancafiado, já ia sendo
gem; me pergunto se algum dos separado de seus mantos, suas
mantos que teceu escapou da faixas, panos todos e vitrinas
sina ou sanha que fez, pelo “des- que bordou, coseu, teceu, por
cobrimento da beleza”, retirá-los não ser artista nem ser ateu.
dos cubículos psiquiátricos em e bispo do rosário é hoje
que o marinheiro, o boxeador, nome de museu! coberto do
o coxo, interditado por ser dado manto invisível de artista que
como louco antes de intitulado não teceu.
artista – rótulo que recusou –, lá
onde os coseu. tatiana nascimento
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aurora cursino
dos santos

Sem título, sem data (frente e verso)


Óleo sobre papel, 47,5 × 32 cm

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A
com quantas facadas se faz essa mana! dada às fugas, às derivas,
dor? e quantas pinceladas, para aos destinos reescritos pelo
desfazê-la? há tantos olhos, nas traçado próprio do desejo.1
pinturas, quase tantos quanto Aurora foge, se separa, tenta
há palavras – mais, ou menos de um tudo nessa vida: inclusive
legíveis. os olhos parecem olhar as artes, nas europas, pois que
de lá, do antes quando foram sonha, e os sonhos também têm
pintados, se o agora trouxe fome. uma fome dessas é que
alguma novidade, menos faca- deve tê-la levado à profissão que
das, menos sangue derramado, dizem a mais antiga do mundo,
menos dessa dor. não? tão antiga quanto aquela
é uma dor de muitos nomes: dor? mais antiga? profissões,
machismo, misoginia, patriar- servidões: esposa, puta, domés-
cado, opressão, violação, desres- tica. inadequações: louca.
peito, desumanização… alguns mas Aurora, antiga, con-
dos pares de olhos traduzem tam seus quadros, ia meio que
alguns desses nomes, se você prevendo um mundo novo, por
prestar atenção, se você tiver mais que escombros, que ruínas
coragem de olhar de volta lá de mundos tão arcaicos, tão
dentro deles, dentro dos quadros, demorados de passar, a tentas-
dentro do tempo que tentou de sem soterrar:
tantas formas, tantas vezes, calar talvez seja meu devaneio,
Aurora (1896-1959). meu desejo, mas parece que,
profecias, devaneios, des- além de tantas facadas, os tantos
conjuros, previsões. um desejo: olhos que pintou buscam ves-
prever-se um futuro feliz. a arte tígio desse mundo-sonho – em
de fugir dos destinos programa- que mulheres, qualquer profissão
dos para o fim. para a servidão. que tenham (ou não), indepen-
para a violência. para a dor. dentemente do quanto tentem
um pouco antes da virada do os muros das casas de patroa,
século, nasce Aurora. naquele das celas manicomiais, estran-
tempo, a categorização via gular, sufocar, silenciar… um
suposta biologia era ainda mais mundo em que qualquer mulher,
rígida que agora: e Aurora nasce por mais indigna que seja con-
menina. menina filha de uma mãe, siderada, “psicopática amoral”,
e de um pai. possa prever-se futuro feliz.
e quando essa menina vira & eu sonho junto.
moça, o pai obriga a moça a se
casar. mas a moça é drapetô- tatiana nascimento
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ayrson
heráclito
e tiganá
santana

Ayrson Heráclito
e Tiganá Santana

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A
Agô! alegremente e celebrar a vida
Pede-se licença para entrar na que se preserva e se renova
mata sagrada. na natureza.
A floresta de infinitos,
Povoada de vidas materiais, instalada no centro da maior
inanimadas ou que se torna- cidade da América Latina, é
ram ancestrais, nela habitam uma façanha da arte, fruto
diversas energias, que, em de uma coragem de caçador.
conjunto, formam uma floresta É uma história impossível mate-
de infinitos. rializada em nome de um pro-
Sob a proteção sempre alerta jeto político em defesa da vida
de caboclos, encantados, de e da preservação da natureza,
Oxóssi e de Mutalambô, Ayrson que propõe uma ruptura radical
Heráclito e Tiganá Santana, com a ignorância e o extermínio.
olhos que nunca dormem, Agô, é hora de deixar a
realizam um sonho: um tributo à floresta. Deixemos a mata
floresta, uma oferenda às forças voltar a seu silêncio misterioso,
da natureza, louvando sua ener- com seus encantados, rios e
gia resguardada entre plantas e formas de vida infinitas. Com
árvores, que tornam possível a a ausência humana, os bam-
existência da humanidade. buzais balançam novamente
Das projeções que refletem sinalizando o reestabelecer
imagens múltiplas, produzindo do equilíbrio. Seres invisíveis
sons e sensações que surgem fundem-se em uma só potência
em uma floresta fria e colorida, vital e estão livres novamente no
saltam rios, pássaros e folhas anoitecer das matas de Oxóssi e
amassadas sobre as quais Mutalambô. A respeito da visita
caminhamos. Flores, pererecas, humana, perguntam-se: será
insetos e outros biomas extin- que aprenderão que toda vida
tos convivem com ancestrais é sagrada?
originários, com caboclos, com
Chico Mendes, com Bruno e Agô.
Dom, com mãe Stella de Oxóssi. A bênção.
Quando essa floresta chora as Olorum Modupé.
dores da violência, do colonia-
lismo e da destruição, é Oyá, luciana brito
agora guardiã de todos esses
Eguns, mãe de tudo que já foi
vivo, que os/as convida a dançar
43

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benvenuto
chavajay

Camino/en la grieta
a Xibalbá, 2023
Caminho/na fenda de Xibalbá.
Still do vídeo. Videoinstalação
em 2 canais; 6’, 7’

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Me concederam a palavra para ressoa dentro de nós, ainda...

B
falar de Benvenuto Chavajay a e apesar dos quinhentos anos.
vocês, os outros. Aqui na 35ª Chavajay se apresenta
Bienal de São Paulo, ele, como como filho de analfabetos; isso
alguns outros participantes da significa, na realidade, que ele
mostra, não se enquadra apenas é herdeiro de uma linhagem de
no papel de artista: ele é um des-conhecedores das lógicas
ritualista que convoca mundos, simbólicas da dominação e
submundos, supramundos. do extermínio colonial. Com
Outros mundos possíveis. ele dançam um território, uma
No Ocidente, a ação de uma comunidade, uma língua e uma
pessoa pendurada de cabeça história de resistência.
para baixo é em geral relacio- Benvenuto Chavajay rei-
nada à imagem de tortura ou vindica esses elementos tanto
execução, e por isso a ação quanto a honra perdida das
de Chavajay nos perturba. No pedras, consideradas sagra-
entanto, no mundo maia, ao das em muitas das culturas do
contrário, as pessoas que se continente americano. Portanto,
deixam cair de cabeça para suas ações performativas são
baixo dançando se associam de grande generosidade: ele
à fertilidade e à celebração da mobiliza forças não como um
vida digna. espetáculo vazio, não como uma
O artista fica de cabeça para excentricidade, mas como um
baixo com um chocalho que pequeno fogo que vai dissolver
convoca as almas: mas ele está a alma das pedras.
enquadrado em uma moldura
para que a ritualidade, para nós, natalia arcos salvo
que estamos deste lado, “apa-
reça como arte”. Aqui, então, traduzido do espanhol por
surgem todas as questões sobre ana laura borro
os limites entre os paradigmas
que tornam invisíveis outras exis-
tências – transformando seres
humanos, animais e espíritos
em pura mercadoria (conceitos
segundo os quais nos movemos
diariamente, classificando a rea-
lidade sob parâmetros impostos
a ferro e fogo) – e aquilo que
45

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bouchra A coreografia excede a compo-
sição do movimento no espaço;
ouizguen ela envolve o trabalho com
o tempo, com a voz, com os
afetos de quem assiste e com os
invisíveis que flutuam entre as
imagens na forma de palavras,
memórias ou alusões furtivas.
O coreográfico pode ocorrer
no palco, mas também em um
espaço público, ou numa tela de
vídeo que mostra a ação de um
grupo de mulheres num deserto.
O coro de Corbeaux [Corvos] é
formado por mulheres de dife-
rentes idades e origens, algu-
mas das quais são membros da
Compagnie O desde seu início.
Mas Fatna, Kabboura, Fatéma
e Halima já eram profissionais
antes de seu encontro com
Corbeaux, 2017
Corvos. Still do vídeo.
Bouchra, pois já haviam traba-
Vídeo; 8’ lhado como shikhat, dançarinas

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e cantoras que se apresentam estendida que impressiona em

B
em festivais e celebrações suas apresentações ao vivo, não
populares. Se a função de apenas pelos gestos e ritmos
shikhat pode ser considerada vocais repetidos, mas também
subversiva por si só, devido pela força com que esse cole-
à sua liberdade de abordar tivo se manifesta, e que, em
temas proibidos às mulheres sua simultaneidade imperfeita,
em espaços públicos, em seu coexiste com a afirmação da
trabalho com Bouchra elas se singularidade de cada um dos
desfizeram de seus trajes e más- participantes. Essa peça, em
caras espetaculares para expor algum lugar entre a escultura
seus corpos, treinados no aita viva e o ritual ao nível do solo,
e na dança popular, e construir surgiu, segundo Bouchra,
situações de sororidade poética. de um impulso, afetado pela
Com um simples gesto, Bouchra beleza agitada do mercado
e a Compagnie O produzem um de Marrakech. Voando para o
deslocamento em relação aos deserto, esse bando de corvos
modos hegemônicos da dança [corbeaux] mostra toda a beleza,
contemporânea, evitando ao ao mesmo tempo sagrada e
mesmo tempo a exotização e lúdica, dos corpos [corps beaux]
a domesticação da tradição graças à câmera que voa com
típicas do turismo cultural e de eles e pousa nos detalhes como
entretenimento. uma visão encarnada.
Nessa proposta coreográ-
fica singular, a poesia árabe josé antonio sánchez
clássica constitui um elemento
mobilizador, mas não ocupa traduzido do espanhol por
uma posição privilegiada em ana laura borro
relação ao canto berbere, o
vigor criativo ou as experiências
cotidianas dessas atrizes. É essa
cotidianidade que é mostrada
em Fatna, onde Bouchra mate-
rializa a ideia de uma dança que
pode acontecer em qualquer
circunstância, enquanto lê,
cozinha ou conduz as ovelhas.
Seu reverso é a ação coletiva e
ritualizada em uma comunidade
47

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cabello/
carceller

Una voz para Erauso. Un epílogo


para un tiempo trans, 2021-2022
Uma voz para Erauso. Epílogo para
um tempo trans. Still do vídeo.
Vídeo 4k transferido para HD, cor,
som; 28’15’’. Cortesia das artistas

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Desde seu surgimento no Dessa forma, Cabello/Carceller
cenário da arte contemporânea expõem uma série de estra-

C
em meados da década de 1990, tégias que se aprofundam em
o trabalho de Helena Cabello vários aspectos importantes.
e Ana Carceller questiona os O primeiro é que todo retrato
dispositivos e as convenções de é sempre performativo. O
representação de sexualidades e segundo, como explica Paul
identidades fora da norma. B. Preciado, é que a figura de
Em Una voz para Erauso. Un Erauso é um território discur-
epílogo para un tiempo trans sivo e visual em disputa, um
[Uma voz para Erauso. Um lugar “onde uma multiplicidade
epílogo para um tempo trans] de identidades conflitantes é
(2021-2022), as artistas trazem construída e desconstruída”.2
para o presente a complexa Num gesto queer historica-
biografia de Antonio de Erauso. mente denso, Cabello/Carceller
Conhecido como “A freira alfe- coreografam nas margens
res”, foi um personagem do bar- contra-imagens dissidentes.
roco colonial espanhol famoso Seja em uma olhada rápida ou
por ter conseguido contornar por meio de palavras conotadas,
o binarismo de gênero imposto essas notas de rodapé revelam
aos corpos do Império. genealogias elusivas, descontí-
A obra se desenvolve em nuas e bastardas. Como outra
um jogo de distanciamento que adição à pintura a óleo de Van
tece uma temporalidade queer der Hamen, como um Una voz
e quase fantológica.1 Quatro para Erauso. Un epílogo para
séculos depois, três pessoas un tiempo trans, as palavras
trans não binárias questionam e cenas de Cabello/Carceller
o retrato do alferes e, por meio desafiam a integridade do
dele, desdobram uma questão hegemônico e fazem da arte
fundamental: o direito de ser uma ferramenta para abordar o
nomeado. No entanto, longe horizonte sempre trêmulo das
de criar uma nova hagiografia subjetividades que estão por vir.
queer, xs protagonistas ten-
sionam a narrativa e expõem beatriz martínez hijazo
suas áreas obscuras: o racismo
confesso de Erauso, sua partici- traduzido do espanhol por
pação no genocídio mapuche, ana laura borro
os altos níveis de violência que
permeiam sua história.
49

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carlos
bunga

Reflejo, 2015
Reflexo. Vista da instalação, Museo
de Arte de la Universidad Nacional
de Colombia, Bogotá (2015)

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Quando o assunto da conversa grandiosas utilizando papelão
for a escala dos trabalhos de e fita adesiva como suporte

C
Carlos Bunga, teremos sempre em suas instalações, que às
um lugar animado. Primeiro, vezes se transformam em palco
por uma razão óbvia, porque para performances de dança
o tema chega a ser comum no (Occupy, 2020). Interessa-lhe a
contexto da site-specific art e estrutura bamba que anuncia
da instalação. Mas o verdadeiro com clareza a coreografia de sua
motivo reside na singularidade própria ruína; pôr montagem e
gravitacional dos corpos em desmontagem em processo de
questão. Há aproximadamente retroalimentação. Interessam-lhe
duas décadas, Bunga vem essas zonas intersticiais onde as
construindo e destruindo uma medidas escapam à racionali-
obra cujos eixos evanescentes dade suméria e indo-arábica – ao
insistem em bagunçar as dez e ao sessenta, ou mesmo
noções de grandeza e de às onze dimensões da física/
medida no espaço-tempo. A mística contemporânea. A quais
monumentalidade da cor, por sistemas teremos de recorrer se
exemplo. Para ir além da pintura ainda quisermos insistir na tarefa
e da tela, a cor precisará de uma de narrar e contar o Universo?
pele (Superfície cutânea, 2015), Os passos de Bunga – a sua
e de uma poética de explosão- dança – descrevem, se não
expansão através do continuum respostas, a coragem para seguir
sensorial. Será possível, assim, em movimento diante daquelas
Habitar el color [Habitar a cor] três questões fundamentais de
(2015-em processo) obra que nosso sempiterno big bang:
espalha no chão uma enorme quem? De onde? Para onde?
área de tinta e convida o público
a tirar os sapatos e entrar nela, igor de albuquerque
a ver a cor com os pés, a sentir,
na própria pele, a pele. Se um
dia a cor se quis eterna nos
quadros dos grandes mestres,
nesta obra ela se mostra tão
esplendorosamente apodrecível
quanto nossa carne.
Em outros espaços expo-
sitivos, Bunga será visto na esta participação é apoiada por: República
labuta de levantar estruturas Portuguesa – Cultura / Direção-Geral das Artes.
51

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carmézia
emiliano

Lenda do casal americano, 2023


Óleo sobre tela, 70 × 70 cm

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As cores vibrantes dos quadros quanto destaca a questão de gê-
de Carmézia Emiliano dão vida nero, tensionando aspectos que

C
ao dia a dia dos povos Macuxi, poderiam passar despercebidos
seus ritos, mitos, trabalho e ao debate público.
natureza. Seu vigor estilístico Quando Carmézia pinta
afirma uma cultura única que se cenas que evocam a cosmologia
desenvolveu na região do monte de seu povo, abre espaço para
Roraima e se contrapõe à reali- a complexificação do cotidiano
dade de seu entorno, marcado que busca evidenciar. Bons
por conflitos com o garimpo e exemplos são a lenda sobre o
pela explosão migratória. monte Roraima (que teria vindo
Carmézia cresceu na região da Wazaká, a Árvore da Vida) e
da terra indígena Raposa Serra a lenda do Caracaranã, que nos
do Sol. No final dos anos 1980, transportam para a dimensão
ela se mudou para Boa Vista e do fantástico. A abertura para a
iniciou sua prática em pintura. imaginação que a obra da artista
Suas inspirações partem provoca é uma potente manifes-
sempre da memória da vida tação política transmitida com
na comunidade, reforçando sutileza, envolvendo não apenas
continuamente seus laços com os Macuxi, mas todos os
a ancestralidade. A afirmação povos originários.
de sua cultura através das telas
é também uma forma de elabo- pérola mathias
ração do real e do imaginado,
em que desenvolve uma poética
do cotidiano.
A mulher indígena é a
protagonista na maior parte da
obra de Carmézia, que acaba
por demonstrar seu papel e
atuação em todos os âmbitos
da vida Macuxi, seja tecendo,
preparando o beiju, fazendo
a colheita, produzindo cerâmi-
ca, tomando banho de rio ou
cuidando das crianças. A artista,
assim, através de seu trabalho,
tanto apresenta um compro-
metimento com a luta indígena
53

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castiel
vitorino
brasileiro

Sem título (Marrakech), 2023


Fotografia digital

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A que serve a insistência em per- As intervenções éticas deman-
seguir a falência da negritude? dadas pelas artes negras e indí-

C
Que garantia de pertencimento genas são acionadas pela con-
à humanidade pode ser posta a vocação da memória e da alma
perder? O trabalho de Castiel dos elementos que compõem o
Vitorino Brasileiro enfrenta a espaço instalativo. Existe ainda
mais bem assentada das ficções uma investida arquitetônica,
moderno-coloniais, a raça, presente em Quarto de cura
tensionando-a como ferramenta (2018-2022), a questionar as
que hierarquiza a vida na Terra. formas de habitação do planeta.
Perguntas sobre a condi- O museu em ruína torna
ção de des/humanidade da aparente a ligação entre biologia
vida racializada, em geral, são e história da arte, e no nome da
elaboradas conforme o repertó- obra Castiel nos lembra que a
rio daquilo que a artista define polícia é quem executa a cena
como mitologia da modernidade na qual as diferenças psicofisio-
sobre as raças. Estudando as lógicas atribuídas aos corpos
implicações do dispositivo racial, escuros justificam a narrativa
Brasileiro transmuta os sentidos moderna de superioridade racial.
da presença das corporeidades Os assassinatos desses corpos
escuras com base em um reper- são performados como confir-
tório banto e nas religiosidades mação de que existem tipos de
de matriz africana. gente – uma mentira sustentada
Destaco então a torção do pelo privilégio do olhar antro-
conceito de liberdade que, pológico que fundamenta a
liberada da concepção moderna- iconografia das artes e abastece
-colonial de autodeterminação, o imaginário sobre os outros-do-
é experimentada na condição de -humano, ditando quem pode
impermanência. No livro Quando e deve ser aniquilad_. Assim, o
o Sol não mais aqui brilhar: a trabalho anuncia o fim do dispo-
falência da negritude (2023), sitivo racial como possibilidade
assim como em Montando a de viver infinitamente.
história da vida – Museu fictício
dos objetos roubados pela polícia cíntia guedes
(2023), a liberdade surge também
como prática radical de intimi-
dade interespecífica, assentada
na indistinção do que considera-
mos biótico e abiótico.
55

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ceija
stojka

Sem título, 1993


Acrílica sobre cartão,
50 × 65 cm

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Somente quarenta anos após olhares dos perseguidores e dos
sua deportação é que Ceija assassinos cintilam como pre-

C
Stojka (1933-2013) foi capaz de figurações do inominável. Seu
fazer ressurgir de suas mãos a desenho conjuga os contornos
tragédia que foi seu mergulho, nítidos dos mártires anônimos
aos onze anos, no inferno do com os fantasmas dos ausentes,
genocídio. Exumados dos lim- já dissolvidos na morte.
bos de sua memória, a persegui- Sua obra oscila do paraíso
ção e o genocídio nazistas foram perdido da vida de antes ao
a matiera prima de sua obra, tempo da caça, ao momento
composta de desenhos, pinturas em que a carroça dá lugar ao
e textos que impressionam por vagão do “trem da catástrofe”,
sua intensidade e sua extraordi- e termina nesse arquipélago
nária poética. Paradoxalmente, onde “nem os mortos esta-
enquanto parte do povo rão seguros”.2 Ela configura a
Roma,1 Stojka é herdeira de trajetória trágica desses corpos
uma tradição oral. Uma verda- arrancados de suas humanida-
deira desvantagem memorial e des e lançados no inferno do
cultural quando se trata de dar genocídio. Há algo do Inferno
conta do “genocídio esquecido” de Dante. Uma grande beleza
de que seu povo foi vítima. Sua transcende seu “não savoir-
escolha de “entrar” na pintura, -faire” em qualidade.
no desenho e na escrita foi um
ato de ruptura radical com sua philippe cyroulnik
tradição. Ligados, os três se
cruzam e se entrelaçam, sem se traduzido do francês por
fundir completamente. celia euvaldo
Muitos de seus desenhos
e pinturas são marcados por
palavras, signos e frases breves.
Uma melopeia gráfica desenro-
la-se em uma obra cuja poli-
cromia confere às paisagens
do desastre uma intensidade
trágica. Seus trabalhos asso-
ciam alucinações, antecipações
visuais e os sinais desses territó- esta participação é apoiada por: Phileas – The
rios da morte e de seus prota- Austrian Office for Contemporary Art e Federal
Ministry Republic of Austria – Arts, Culture, Civil
gonistas. Em suas paisagens, os Service and Sport.
57

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citra A artista balinesa Citra Sasmita
recorre ao estilo Kamasan − um
sasmita tipo de pintura secular – para
produzir uma arte que reco-
nhece a beleza das tradições,
mas que também faz uma crítica
do patriarcado e do colonia-
lismo na cultura de seu país.
O estilo de origem tradicional
era o modo com o qual os povos
indonésios mais antigos – nos
séculos 15 ao 18 –, representa-
vam calendários, e, sobretudo,
feitos supostamente heróicos
The Age of Fire, 2020 das elites masculinas tradicio-
A idade do fogo. Acrílica
sobre tela de Kamasan,
nais, como guerras e demais
70 × 90 cm atos de bravura. Mas, na versão

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artística de Sasmita, essa icono- sofrimento, elas produzem dor
grafia ganha um novo sentido. e prazer umas às outras; elas

C
Por meio de suas mãos e de estão juntas, em um só corpo,
seu olhar artístico e político, ou vivenciam suas experiências
em sua obra, a pintura Kamasan, umas ao lado das outras. Várias
também feita sobre couro ou cabeças femininas povoam a
tecido, tem novas personagens existência de uma só mulher,
como protagonistas. Em seu demonstrando que elas fazem
projeto artístico Timur Merah parte de uma experiência circu-
[Leste vermelho], mulheres indo- lar, coletiva.
nésias de longos cabelos negros Corpos incompletos e pernas
trançam a existência umas com resumem o desejo de fuga. Rios
as outras e com elementos da formados por mulheres com-
natureza. O vermelho do sangue põem um círculo ribeirinho em
e do fogo jorra da cabeça, do suas margens nos remetendo à
ventre; corpos inteiros estão em mitologia da sociedade tradi-
chamas ou formam um invólucro cional, relembrada pela ótica
que as recobre por inteiro. feminista da artista. Mulheres
Com corpos que se incen- são deusas das águas e do fogo.
deiam e que se mutilam em No projeto Timur Merah,
sofrimento, Sasmita expressa com o protagonismo das
as dores e as opressões sofridas mulheres mitológicas, musas,
sob o patriarcado, que afetam deusas, criaturas meio-humanas,
essas mulheres, ainda que elas meio-feras, meio-árvores,
estejam no centro de tudo. Sasmita encontra formas
Cabeças cortam-se e são corta- possíveis por meio das quais
das. Porém, curiosamente, essas finalmente ganham vida pers-
mulheres produzem vida, pois pectivas impossíveis. Se isso
de seu ventre brotam árvores, não foi possível na arte Kamasan
assim como brotam também tradicional, séculos depois a
da cabeça dessas figuras. artista reconta a história através
Os galhos, abrindo em folhas da arte.
verdes, crescem em direção
ao céu. luciana brito
Essas mulheres deusas
que compõem figuras femini-
nas mitológicas em geral não
aparecem sozinhas. Criando,
procriando natureza ou em
59

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colectivo
ayllu

The Cannibal, 2019


A canibal. Litografia
sobre papel, 101 × 68 cm

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O Colectivo Ayllu, cuja prática acesso à violência que uma
se engaja em modos coletivos ferramenta de fortalecimento

C
de criação e de crítica e na pro- comunitário, é a prática coletiva
dução de epistemes alternativas que possibilita o exercício de
aos modos coloniais do pensa- um amor não conciliatório. Ao
mento, propõe uma investiga- contrário da função estética que
ção colaborativa em torno do gera sujeitos apreciadores de
amor. Na 35a Bienal, por meio objetos, desimplicados em sua
de painéis criados e manufatu- transparência, neste trabalho
rados coletivamente por artistas é o próprio fazer que constitui
integrantes do coletivo – com- o modo de operação do que se
posto por Alex Aguirre Sanchez, apresenta como obra e o tipo
Leticia/Kimy Rojas Miranda, pensamento que se faz possível
Francisco Godoy Vega, Lucrecia por meio dessa obra. Assim,
Masson Córdoba e Iki Yos Piña artistas e colaboradoras evo-
Narváez Funes – e colaborado- cam modos de existência que
ras selecionadas em chamada precedem o corpo subjetificado
aberta realizam a escrita de (e racializado, e genereficado),
cartas para ancestrais passadas mirando na retomada de uma
ou futuras. Para isso, utilizam sensibilidade que não distingue
materiais diversos e tecidos corpo e entorno, um modo de
trazidos pelas participantes, em estar e de sentir que se encontra,
uma escritura que proporciona ao mesmo tempo, antes e depois
a transmissão de um saber/ da invenção/roubo do corpo
sentir que ocorre entre o físico pelas tecnologias coloniais.
e o metafísico. Para além dos
debates políticos, antropocen- miro spinelli
trados e individualizantes sobre
o amor, costuram um portal de
fuga do cotidiano, saturado pela
codificação capitalística das
relações e pela brutalidade das
coreopolíticas civilizatórias.
Se a ferida colonial que
perpassa e constitui os sistemas
geopolíticos correntes se alarga
e se aprofunda por meio das
esta participação é apoiada por:
relações interpessoais, fazendo Acción Cultural Española (AC/E)
da intimidade mais uma via de e Embaixada da Espanha no Brasil.
61

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cozinha
ocupação
9 de julho
- mstc

Cozinha Ocupação
9 de Julho – MSTC

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Da dinâmica de um prédio A Cozinha atua em parceria
ocupado por quase quinhentas não só com outros movimentos

C
pessoas do Movimento dos Sem de luta por moradia e organiza-
Teto do Centro (MSTC) nasceu ções sociais, mas também com
a Cozinha Ocupação 9 de Julho. a classe artística, transforman-
Desde 2017, ela atua em uma do-se em um importante centro
ampla rede multidisciplinar, com cultural e um espaço ativo de
políticas de redistribuição, lixo encontro entre ativistas, inte-
zero e uma grande preocupa- lectuais, artistas e lideranças
ção com segurança alimentar. políticas. Essa nova perspectiva
Trata-se de um espaço que vai fortalece as conexões do MSTC
além do preparo e do consumo com a cidade e fornece resposta
de refeições. Representa a força direta aos ataques desferidos
da solidariedade e a potência do pela grande mídia e pelos pode-
trabalho coletivo em torno de res estabelecidos, interessados
questões como direito ao uso em criminalizar a luta social.
pleno do espaço urbano. Com Essa forma de coreografar
almoços periódicos abertos ao estratégias de sobrevivência
público, a Cozinha trouxe maior numa megalópole como São
visibilidade à luta por moradia Paulo é especialmente impor-
em São Paulo. Promove formas tante para a 35ª Bienal, que se
de uso social de espaços rele- inspira na Cozinha e em sua
gados à especulação imobiliá- forma de organização, sempre
ria e também funciona como coletiva, horizontal, sonhando
proteção contra o despejo. A o impossível, criando pontes no
estratégia de abrir o movimento marco das im/possibilidades.
reforça o trabalho da Ocupação
e permite que a tecnologia social sylvia monasterios
desenvolvida possa ser apli-
cada em outras comunidades,
outras periferias.
“Quem ocupa cuida”, frase
presente em todos os espaços da
Cozinha, é ao mesmo tempo um
guia para as relações do MSTC e
o compasso que rege a confec-
ção das refeições. Empatia e
afeto são os motores que impul-
sionam o trabalho.
63

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daniel
lie

Non-Negotiable Condition, 2021


Condição não negociável. Vista da
instalação, Metabolic Rift, Berlim (2021)

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Em uma visita ao ateliê de Daniel a novos métodos para a criação
Lie em 2017, senti um forte aroma de ecossistemas harmônicos,
que permeava o ambiente. onde relações entre fungos,
Produto da decomposição das plantas, animais, minerais e

D
flores, das frutas e dos vege- outres além de humanes possam
tais mantidos em seu estúdio, romper com uma leitura binária
aquele odor era a manifestação sobre vida e morte.
de um universo de seres ocultos Para a 35ª Bienal de São
que daria novos rumos para sua Paulo, Lie apresenta Outres
prática artística. A investigação (2023) e busca criar um espaço
em curso se debruçava sobre onde o silêncio, não as palavras,
os efeitos do tempo e a ação de conduza a relações entre os
microorganismos, como fungos presentes. Outres é resultado
e bactérias, na transmutação da maturação das técnicas e dos
de matéria orgânica. Presenciar modos de fazer desenvolvidos
as mudanças na materialidade ao longo dos últimos anos de
daqueles elementos, e acom- sua pesquisa. A instalação imer-
panhar ciclos naturais diversos, siva será composta por vasos
possibilitou que Lie refletisse de terracota, colunas e arran-
sobre as complexidades das jos de crisântemos amarelos
relações interespecíficas e seu e brancos, além de tecidos de
papel na geração e na manuten- algodão tingidos com cúrcuma.
ção da vida. Somam-se à composição do
Lie ampliou suas noções de trabalho, os efeitos da passa-
temporalidade e tem se empe- gem do tempo nos materiais e a
nhado em encontrar formas de eventual geração de novas vidas
colaboração que quebrem a derivadas das relações estabele-
noção hierárquica que posiciona cidas entre os agentes orgâni-
a espécie humana no topo da cos presentes no ambiente.
escala evolutiva. Desde então,
elu desenvolve “instalações-en- thiago de paula souza
tidades”: grandes esculturas de
materiais orgânicos, resultado
do processo de degradação/
transformação dos elementos
que lhe dão forma. Apesar de
responderem ao contexto e ao
lugar em que são apresentadas,
em cada uma delas, Lie recorre
65

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 65 09/08/23 11:17


daniel De certa maneira, o trabalho
de Daniel Lind-Ramos é algo
lind-ramos extremamente local. Suas
grandes esculturas assemblage
encenam um encontro com sua
cidade natal, Loíza, Porto Rico,
área na qual são coletados os
objetos que compõem sua obra.
Ao longo de décadas, os vizinhos
o observaram vagar pelas ruas
e praias da cidade, coletando e
reunindo peças da vida comu-
nitária. Acostumados com seu
estúdio sempre aberto, alguns
habitantes de Loíza levam para o
artista itens que consideram inte-
ressantes, de um belo pedaço de
cachimbo a utensílios de cozinha
herdados de uma avó querida.
Essa especificidade geográ-
fica não é insignificante. A cidade
de Loíza é o célebre centro da
vida afro-porto-riquenha, que
tem a maior população negra da

Con-Junto
(The Ensemble), 2015
Assemblage,
289,6 x 304,8 x 121,9 cm

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ilha. Fundada no século 16 por argumentou que “a estética da
africanos fugitivos das planta- assemblage” é de “ligação e
ções da então colônia espanhola, conexão”.1 Ela também defende a
a cidade é o berço dos estilos história da forma na arte afri-

D
musicais plena e bomba. Também cana e sua estética vernacular
é conhecida pela comida de rua, e cotidiana, que fornece “uma
chamada localmente de frituras, justificativa para as pessoas
e seu Carnaval anual, reconhe- negras reivindicarem as técnicas
cido pelas tradicionais máscaras assemblage [...] e as estratégias
de vejigante feitas com cascas ordinárias de fazer beleza que
de coco. Desse modo, a prática foram permitidas às pessoas
de Lind-Ramos constitui uma que se encontram à margem da
espécie de testemunho da histó- sociedade”.2 Isso não poderia
ria e do significado de Loíza, um ser mais verdadeiro na prática
primeiro plano da negritude de de Lind-Ramos e vincula sua
Porto Rico: “Cuidar de objetos é arte a um campo mais amplo
cuidar da memória”, afirma Lind- da estratégia afro-diaspórica.
Ramos. Ele preserva a memória Suas esculturas conectam-se no
nesses raladores, vassouras, tempo e no espaço, assim como
cabaças e címbalos; memórias o cortejo carnavalesco que sua
de criação alegre, de trabalho, obra Con-Junto (The Ensemble)
de ancestralidade. Memórias nos traz à mente. O Carnaval
que, de outra forma, poderiam se abrange Porto Rico, Trinidad e
desvanecer ou ser apagadas. Tobago, Brasil, Nova Orleans e
Mas essa não é a história tantas outras partes da diáspora
completa. Lind-Ramos afirmou africana, ligadas por uma história
certa vez sobre seu trabalho: de migração forçada e de violên-
“Minha intenção era encontrar cia, mas também de persistência,
uma linguagem, encontrar um criatividade e inovação. Tanto o
processo, encontrar materiais Carnaval quanto a assemblage,
que estabeleçam o vínculo entre lindamente fundidos em seu
nossa experiência coletiva…”. trabalho são momentos da mais
Essa experiência coletiva que ele requintada criação de algo que
menciona vai além de sua cidade poderia ter sido condenado a
e de seu estado natal. Falando ser nada.
sobre artistas afro-americanos
de Los Angeles, que trabalharam nicole smythe-johnson
nas décadas de 1960 e 1970, a traduzido do inglês por
historiadora de arte Kellie Jones naia veneranda
67

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davi pontes e
wallace ferreira
Delirar o racial, 2021
Stills do vídeo.
Vídeo, cor, som

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Falar da produção de Davi Pontes e Ferreira encontram
Pontes e de Wallace Ferreira é, nesse fazer coreográfico estra-
antes de mais nada, reconhecer tégias possíveis para reela-
o encontro de ambos que, desde borar imaginários, propondo

D
2018, desenvolvem juntos uma alterações nos significados
série de trabalhos com base na simbólicos da presença negra
identificação e na elaboração em um mundo que ainda não é
radical de suas vivências e pes- capaz de garantir a existência
quisas comuns relacionadas à e a dignidade a essas vidas.
dança e à experiência do corpo Enquanto a dança moderna
dissidente negro no mundo. instruiu o público espectador
Entre seus trabalhos produzidos, a esperar por acontecimentos
como Mata leão, morto vivo impressionantes e grandiosos, a
(2020), Delirar o racial (2021), e repetição reforça a expectativa
a trilogia Repertório (2018 – em do porvir e a incerteza rompe
curso) a dupla utiliza a mimese, com a previsibilidade sobre a
a repetição e a marcação rítmica dança. Ao tomar contato com
do contratempo, feita com os a performance em andamento,
pés, como recursos para dilatar o público se encontra imerso
a percepção de tempo-espaço. na imprecisão sobre início e
Partindo da pergunta “como fim. É possível dizer que Pontes
elaborar uma dança de autode- e Ferreira desenvolvem uma
fesa?”, Pontes e Ferreira expe- anticoreografia contracolonial,
rimentam desvios simbólicos o que, na prática da vida negra,
da violência programada pelo pode significar a recuperação e
Estado e por instituições garan- a fundação de modos estratégi-
tidoras da ordem mediante cos de caminhar em autodefesa
repressão. Com referências às no cotidiano, desviando da
artes marciais e à capoeira, com violência racial, reelaborando
a crítica ontoepistemológica a percepção de si e do tempo-
à filosofia moderna e à histó- -espaço em direção ao fim da
ria da dança, tomam o ato de organização do mundo atual.
criação performática e visual
como possibilidade de ativar e maria luiza meneses
ressignificar os arquivos mne-
mônicos coletivos sobre essas
corporalidades. Se o corpo
negro em repouso é suspeito e
em movimento, uma ameaça,
69

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dayanita
singh

Mona Montage, 2021


Impressão pigmentada e gelatina
de prata, 41,3 × 61,3 cm

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A aproximação entre fotografia eunucos e passou a questionar
e dança, em virtude de uma a expectativa de feminilidade
disparidade ontológica en- que havia em relação a ela.
tre esses meios, produz uma “Você realmente não entende.

D
tensão inicial e imediata entre Eu sou o terceiro sexo, não um
movimento e paragem. Como homem tentando ser mulher. É
se a fotografia estivesse sem- um problema da sua sociedade
pre atrás do movimento da que você reconheça apenas dois
dança, sem jamais conseguir sexos”.1 Assim, pouco importa
capturá-lo completamente. Há “descrever” Ahmed com preci-
artistas, no entanto, e esse é o são identitária, mas interessa
caso de Dayanita Singh, cuja pensar o movimento infindo
prática emerge e se alimenta que excede o sistema binário de
justamente dessa tensão. Seu gênero e que podemos cha-
interesse pela mobilidade do mar de transição. Para além de
objeto fotográfico quando ex- um retrato da transição como
posto, presente nas estruturas/ alegoria de movimentos estéti-
coleções que chama de museus, co-políticos, como frequente-
encontra ainda mais comple- mente ocorre quando produzido
xidade e nuance nos trabalhos por lentes cisnormativas, a
apresentados na 35� Bienal. intimidade e o pacto de con-
Em Museum of Dance (Mother fiança estabelecidos na colabo-
Loves to Dance) [Museu da ração entre Singh e Ahmed, ao
dança (Mãe ama dançar)] (2021), perpassar a unidirecionalidade
não apenas as impressões foto- etnográfica (o “eu” que vê/des-
gráficas encontram-se móveis creve/produz o “outro”), permite
no espaço expositivo, também que algo formidável aconteça:
os retratados estão em movi- a imagem estática evoca e per-
mento, dançando. Entre eles, forma o movimento incapturável
Mona Ahmed, amiga de longa da transição.
data de Singh que também pro-
tagoniza as demais obras expos- miro spinelli
tas, destaca-se pela recorrência.
De acordo com Singh, no
contexto indiano, Ahmed foi
identificada como eunuco, ou
como hijra. No entanto, em
determinado momento ela
se afastou da comunidade de
71

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deborah Sempre considerei o trabalho
de Deborah Anzinger essencial-
anzinger mente relacionado à sintaxe.
Isto é, a estrutura da linguagem,
tanto a linguagem verbal quanto
a visual. Seu trabalho convida a
pensar as relações que produ-
zem a linguagem − a relação
entre sujeito e objeto, o eu e o
outro, masculino e feminino,
natural e artificial; binários que
se opõem e se constituem mutu-
amente. Esses conceitos, aqui
identificados por seus descrito-
res verbais, são fundamentados
no material da obra de Anzinger,
e uma materialidade rigorosa
pode ser considerada o segundo
princípio em torno do qual sua
Deborah Anzinger: An Unlikely Birth
Um nascimento improvável. Vista da prática se organiza.
exposição, Institute of Contemporary
Art, University of Pennsylvania,
As pinturas de Anzinger se
Philadelphia (2019) recusam a permanecer nas pare-

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des, não se rendendo à suposta Anzinger está atenta às formas
bidimensionalidade da tela. Elas como a negritude é frequente-
insistem em se projetar, refletir, mente excluída ou circunscrita à
crescer e se retorcer nas telas não subserviência em representações

D
esticadas. Nelas, encontramos da região. A pintura rompe o tipo
linhas e gradientes pintados à de paleta que normalmente se
mão tão perfeitamente processa- associa ao Caribe (alegres céus
dos que parecem digitais, plantas azuis, a o típico azul-esverdeado
vivas crescendo a partir de isopor do mar do Caribe e gramados
sintético mortal e espelhos verdejantes), com rabiscos
que transformam o observador desenhados em forma de seios,
em observado. No universo de símbolo máximo de nutrição e
Anzinger, linhas e pinceladas sexualidade; e, segurando folhas
tornam-se esculturas, íris tornam- com formato de mão − lembran-
-se línguas. Onde deveria haver do-nos que a natureza tem a pró-
um buraco, há um desenrolar. pria subjetividade −, um agente
O trabalho da artista está sempre que toma − como fazem anual-
forçando os opostos a se unirem, mente os furacões nessa região
desestabilizando nosso pensa- − tanto quanto fornece. E então,
mento binário e a taxonomia, é claro, aquela mecha de cabelo
exigindo, em vez disso, o reco- preto crespo. Não exatamente
nhecimento de uma terceira via na pintura, é uma espécie de
escorregadia, lúdica e sensual. excedente em que as plantas de
Especificamente neste corpo aloe vera, reconhecidas por suas
de trabalho, concluído entre 2016 qualidades curativas, crescem a
e 2019, o foco de Anzinger está despeito de todas as probabili-
voltado para o trabalho repro- dades, do poliestireno hostil que
dutivo: sua sensualidade, sua obstrui os cursos-d’água envene-
fecundidade, mas também sua nando a fauna. Essa, eu diria, é
violência. O cabelo crespo sinté- a questão principal de Anzinger,
tico da obra An Unlikely Birth [Um mesmo nas condições mais
nascimento improvável] (2018) inóspitas o que é curativo cresce,
constitui uma referência incon- e mesmo em lugares de beleza
fundível à negritude, assim como inspiradora a violência espreita.
os desenhos de linhas pretas que
perturbam a paisagem abstrata, nicole smythe-johnson
aparentemente em processo de
vir a existir. Como mulher negra, traduzido do inglês por
nascida e criada no Caribe, naia veneranda
73

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denilson
baniwa

Colheita maldita, 2022


Fotografia digital

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A organização linear do tempo recentes, de caráter instalativo
tal como concebida pela e participativo, Baniwa realiza
Europa moderna, movida pelas intromissões no arquivo com o
noções de progresso e de não objetivo de tensionar e fragilizar

D
retorno, é incompatível com o tempo acelerado da conquista
as concepções do tempo entre e da colonização e fazer emergir
as culturas ameríndias. Deter- o tempo da reflexão, da espera
minada pela interação entre o e da escuta. Em obras mais
corpo e a natureza, organizada recentes, como Nada que é dou-
através da observação empírica rado permanece, hilo, amáka,
das transformações do meio, terra preta de índio (2021),
a experiência do tempo indí- Ygapó – terra firme (2022) e Es-
gena se assenta, em geral, em cola Panapaná (2023), o artista
fundamentos míticos, que se investe no estímulo à relação e
reinscrevem na vida cotidiana ao contato, resgatando a ima-
através dos ritos. Entre esses gem do cultivo da roça e da vida
ritos está o da transmissão do na floresta como métrica do
conhecimento e o da partilha tempo e metáfora da educação.
dos afetos, que, no mundo Em Kwema/Amanhecer,
ocidental, chamamos educação. Denilson Baniwa aprofunda sua
É baseado no entendimento da pesquisa sobre a integração
educação como um processo entre obra e comunidade,
não linear, processual e coletivo, complexifica os procedimentos
que Denilson Baniwa vem, nos técnicos que permitem a
últimos anos, investigando for- passagem do campo da repre-
mas de introdução de temporali- sentação para o da vivência e
dades indígenas em instituições faz aparecer a possibilidade da
artísticas não indígenas. colheita e da alimentação como
Um dos mais destacados ar- efetivação do ato da partilha e
tistas de sua geração, Denilson da reelaboração da memória.
Baniwa propõe, em sua obra,
uma reelaboração da ideia renato menezes
de arquivo como instrumento
pedagógico de reflexão e de
fábrica da história. Desde seus
trabalhos iniciais, de interven-
ção sobre gravuras produzidas
no contexto da colonização das
Américas, até os trabalhos mais
75

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denise
ferreira
da silva

vista de Poetical Readings/Intuiting the Political


Leituras poéticas/Intuindo o político, uma conversa
aberta com Denise Ferreira da Silva e Valentina
Desideri no episódio 7 de Arika, We can’t live without
our lives [Nós não podemos viver sem nossas vidas].
Tamway. Glasgow, 18 de abril de 2015

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Uma série de pirâmides se constantemente performando
encontram espraiadas pelo o fim, pois jamais partiram do
Pavilhão da Bienal e, ocasional- pressuposto de que existe uma
mente, ganham novas formas. separação ontológica entre o

D
Cada uma delas configura a humano e as demais presenças
presença de um tetraedro, que habitam o mundo.
sólido platônico que representa Quando as estruturas de
o fogo e compõe Metafisica dos inseparabilidade, os tetraedros,
elementos – O E/Studio (2023), se reúnem e se transformam
de Denise Ferreira da Silva. em mesas, bancos e arquiban-
O fogo atualiza o exercício cadas, o studio funciona como
pelo qual a artista persegue plataforma para a emergência
esteticamente uma questão de encontros com intelectuais
que retorna em suas produ- negras feministas, artistas e
ções artísticas e filosóficas. Na movimentos sociais engaja-
capacidade de transformação dos no desmantelamento das
radical e na recondução do formas antinegritude do mundo,
fogo em combinação com os e em demandas ecológicas
outros elementos, a forma-con- pelo direito à vida, à terra e
ceito anuncia a abertura de um ao território.
aqui-agora para o fim do mundo A obra dá sequência a uma
como o conhecemos. Percebo série de práticas artísticas pelas
Metafísica dos elementos – O quais Denise Ferreira da Silva
E/Studio como uma rachadura responde ao projeto de ocupar-
que tenciona engolir silencio- mo-nos do mundo através do
samente o pavilhão, o parque, elemental thinking [pensamento
a cidade... Não em uma cena elemental], promovendo um
dramática e apocalíptica, e sim deslocamento vertiginoso e
como espaço para a emergência necessário aos projetos de des-
de coletividades e imaginações colonização que, no contexto
que se mantêm vibrando em brasileiro, seguem confinados a
frequências de afinidade ética. imaginar a correção das institui-
O fim reapresenta uma ções, o que não tem conseguido
disputa e a necessidade de evitar que o colapso siga dando
abandonar as ferramentas do contorno a esse território.
pensamento moderno, que
promove a dominação como cíntia guedes
finalidade, convocando à
cena práticas do pensamento
77

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diego araúja e
laís machado

Estudos para Sumidouro n. 1, 2022


Instalação composta por cortinas de
palha da costa e sisal em trilhos de
alumínio movidos por Arduino

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“Quero me acabar no sumidô.”1 ções cênicas, dessa vez em sua
Esse dito popular remonta ao escala, e no jogo espectatorial
verso de um vissungo2 regis- promovido com a palha, matéria
trado em 1929 em Minas Gerais, de funções litúrgicas, arquite-

D
e provavelmente entoado por tônicas e artesanais. Definida
todo território onde havia gente pel_s artistas como instalação-
negra explorada. Sumir como -performer, a fantasmagoria que
oportunidade para embarcar se performa não aparece como
em uma temporalidade na qual aposta surrealista de revelação
o lambá – desgraça do trabalho do inconsciente, mas sim como
escravizado e seus encadea- possibilidade de dançar com
mentos seculares – não seja o tudo aquilo que foi sumido. Em
único destino da vida negra. movimento, Sumidouro n. 2
Cantar para uma desaparição promove des/aparições; o que
produtiva que relaciona vida virá se revela em fragmentos,
e morte não como oposições, as obras abrigadas ofertam-se
mas como possibilidade de viver à apreensão integral e rítmica,
a vida outramente. É no rastro mas não totalizante. É possível
desse cântico que Sumidouro apenas contemplá-lo, mas,
n. 2 – Diáspora fantasma se para estar no Sumidouro n. 2,
recusa a se entregar ao olhar demanda-se um corpo inteiro
que tudo revela. Apostando com qualidades da presença
na opacidade formal de uma alarinjo – que, em iorubá, signi-
arquitetura monumental, a obra fica um corpo que canta e dança
liga-se ao chamado ético dos enquanto caminha, implicado
trabalhos em parceria de Laís no desejo de re/des/conhecer. 3
Machado e Diego Araúja ao Essa é uma plataforma sinuosa,
emergir como plataforma e con- na qual se destacam o pacto
gregar artistas afro-atlânticos. coletivo, a intencionalidade do
Encantar-se no Sumidouro n. 2 rito e o desejo de intervir nas
é a oportunidade de estar na dinâmicas de desaparição.
presença de trabalhos que, con-
trariamente às forças coloniais cíntia guedes
de desaparição, jamais deixaram
de ser realizados em experimen-
tações e linguagens próprias.
Como em outros trabalhos
em artes visuais de Araúja e
Machado, a obra conserva fun-
79

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 79 09/08/23 11:17


duane Os trabalhos de Duane Linklater
jogam com conceitos de paisa-
linklater gem. Sabemos que o referido
termo carrega o peso de um
gênero histórico da pintura,
além das complexas implica-
ções presentes em uma de suas
facetas: as representações dos
espaços dominados produzidas
pelos artistas via comissio-
namento dos colonizadores.
Na relação sempre presente
entre arte e sociedade, nessas
representações podemos aferir,
diante de nossos olhos, a vasta
documentação dos processos
de dominação junto à mudança
simbólica e aplicada dos usos
they have piled the stone / as they
promised / without syrup, 2023
dos territórios. Não me refiro
eles empilharam a pedra / como a todo tipo de paisagem, mas
prometeram / sem xarope.
Vista da exposição,
àquelas que mais genuinamente
Art Gallery of Hamilton (2023) se apresentam como campo
aberto ao alcance da visão, a
violenta representação do que é
tornado posse.
Linklater se propõe a pensar
a paisagem como experiência
perceptiva da manifestação
dos fenômenos naturais, como
estado físico e espiritual dos
seres atravessados pelas forças
do mundo. Mas a referência e
o peso da história oficial são
importantes pontos a serem
lembrados, pois os trabalhos
do artista trincam a imagem
frequentemente romantizada,
embebida de nostalgia, ao
questionar sua natureza original.

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Parecem mesmo habitar essa conexão simbólica com essas
rachadura. Linklater se apropria práticas e metodologias comu-
de elementos da arquitetura nitárias”. Divididas em nove
moderna e contemporânea e os partes, as geometrias da capela

D
assimila em sua produção. são manejadas com outros
Para a 35� Bienal de São delineamentos feitos a partir de
Paulo o artista apresenta uma carvão, cochonilha, chá, tabaco
série de pinturas que tensionam, e outros corantes que denotam
a partir de um jogo entre forma o trabalho das crianças que
e matéria, os legados nefastos edificaram a construção.
dos sistemas escolares1 destina- As pinturas que levam o título
dos a crianças indígenas – em they have piled the stone /
funcionamento no Canadá entre as they promised / without
1880 e 1996. Nas composições syrup [Elas empilharam a pedra /
que Linklater persegue desde como prometeram / sem xarope]
2015, quando inicia essa pes- seguem ecoando as perguntas
quisa, ele retoma as geometrias do artista: Como podemos,
da capela Bishop Fauquier, cons- como povos indígenas, viver,
truída com base no trabalho tomar decisões, falar, dançar e
de crianças que frequentaram nos mover em contextos e luga-
a Escola Residencial Indígena res tão impossíveis?
Shingwauk (com funcionamento
entre 1873 a 1970). Além de emanuel monteiro
obrigadas a fornecer o trabalho
braçal nas construções, essas
crianças realizavam sacrifícios
quaresmais relacionados ao
xarope de bordo. Como se lê no
projeto apresentado pelo artista
à 35� Bienal, “As comunidades
Anishinabek desenvolveram
uma metodologia específica de
produção de xarope de bordo
com seu conhecimento íntimo
das estações, da terra e de seus
processos. Portanto, não apenas
as crianças foram solicitadas
a renunciar ao consumo de
xarope, mas isso criou uma des-
81

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edgar
calel

Esboços para Nimajay Guarani (The


Big Guarani House), 2023 Nimajay
Guarani (A grande casa guarani).
Grafite sobre papel.
50 × 50 cm (cada)

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A onça-pintada é uma figura enquanto recita na língua
proeminente nas culturas caqchikel um poema seu, com-
mesoamericanas, aparecendo posto a partir de sonhos que
em vários tipos de represen- teve no Brasil durante a pan-
tações. Na cultura e mitologia demia, cujo título é homônimo
maia, a onça-pintada tem do filme.

E
a capacidade de transcen- A partilha em comunidade
der o espaço e o tempo, e é um tema fundamental para
de atravessar entre o dia a produção artística de Calel.
e o espiritual para facilitar as A instalação da Casa Guarani
comunicações e as conexões de Calel na 35a Bienal de São
entre os mundos dos ancestrais Paulo é um grande desenho
e dos vivos. imersivo sobre tela de uma casa
No vídeo XAR – Sueño guarani, cercada por bordados
de Obsidiana [XAR – Sonho de plantas de iúcas. O desenho
de Obsidiana] (2020), reali- é uma imagem arquitetônica
zado com o cineasta brasileiro e, também, uma represen-
Fernando Pereira dos Santos tação da epistemologia indí-
no interior do Pavilhão Ciccillo gena − um mapa da prática da
Matarazzo da Bienal de São comunidade em torno de uma
Paulo, durante a primeira onda fogueira enquanto comparti-
da pandemia de Covid-19 no lha histórias, rituais, música e
Brasil, o artista maia Edgar meditação. O desenho reorienta
Calel veste a pele de uma onça o espaço da horizontal para a
enquanto caminha pelo pavi- vertical e convida o especta-
lhão procurando ver e entender dor a participar do imaginário
como o local foi originalmente comunitário da indigeneidade.
ocupado pelos indígenas que O povo Guarani é o maior grupo
habitaram originalmente esse indígena do Brasil, cuja popula-
território. Isso constitui, a um ção sobrevivente é estimada em
só tempo, uma transmutação 51 mil pessoas. Hoje, três aldeias
entre humanos e não humanos e guaranis, com população total
uma transcendência do espaço de aproximadamente setecentos
e do tempo. É também um ato indígenas, vivem no bairro do
de construção de solidariedade Jaraguá, na periferia da cidade
ou de prática comunitária. Ao de São Paulo.
longo do vídeo, Calel veste um
moletom azul bordado com os mario gooden
nomes das 22 línguas maias,
83

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 83 09/08/23 11:17


elda O que são essas estranhas for-
mas que vibram, se aproximam,
cerrato se agregam? Células-tronco
mutantes? Fragmentos de
corpos celestes? Momentos de
vida desconhecida? Máquinas
orgânicas? Paisagens domésti-
cas ou estelares?
Parece não haver figuração
nem abstração na série de
pinturas que Elda Cerrato (1930-
2023) produziu após o nasci-
mento do filho, em 1964, e que
deu origem ao curta-metragem
de animação RF: Segmentos_
CPV: Okidanokh (1964-2022)
– realizado em conjunto com
Ramiro Larraín, Luis Zubillaga
e Luciano Zubillaga. De fato,
há uma rigorosa invenção de
mundos. Desde seus primeiros
trabalhos surge a questão do
mistério da vida e da trans-
formação da energia em suas
formas mais insuspeitas, des-
conhecidas, secretas. Até certo

Algunas experiencias relativas al


Okidanokh, da série Producción
de Energía, 1965
Algumas experiências relativas ao
Okidanokh, da série Produção de energia.
Óleo sobre tela, 115 × 145 cm

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 84 09/08/23 11:17


ponto, essas imagens funcionam zação política que assolava o
como investigações ou hipóte- continente, onde se situa a série
ses, especulações ou alucina- de pinturas e heliogravuras que
ções, projeções esotéricas. a artista produziu nos anos 1970.
Mas e se conseguíssemos Do Ser Beta à multidão nas ruas:
encadear alguns indícios que a esse é o trânsito que transfigura

E
artista deixa a nosso alcance para seu olhar partindo da busca
desvendar seu enigma? Os títulos interior ao mundo do entorno.
fornecem pistas (as menções do A organicidade de seus mapas
Ser Beta, do Laboratório da Fonte é a de um corpo vivo, que vai se
Sagrada de Energia, Okidanokh) alterando sem abandonar os ras-
ao remeterem a visões de mundo tros percorridos, mas retoman-
alternativas, como a filosofia do-os. “Visões de mundo como
do Quarto Caminho, fundada memórias de outros tempos”,
por Georges Gurdjieff, da qual diz Cerrato.1 Um exercício de
Cerrato e seu companheiro de memória e, ao mesmo tempo,
vida, o músico experimental projeção para o futuro.
Luis Zubillaga, eram praticantes O seu tenaz desejo de não
ativos desde os anos 1950. aceitar convenções e de conhe-
Com a concretização em cer por seus próprios meios
imagens de uma busca espiri- talvez seja a chave principal
tual, nota-se um conhecimento para nos aproximarmos de uma
preciso de bioquímica (curso trajetória que ilumina desde as
que a artista completou inte- margens, o seu “estar à margem”
gralmente) e a prática da obser- das instituições ou de tendências
vação ao microscópio. artísticas hegemônicas. É essa
Muitas dessas imagens capacidade de descentralizar e
também devem ser abordadas entrelaçar que nos incita a con-
em uma chave erótica: iminên- tinuar em busca de formas para
cia de conjunção entre órgãos, desvendar o enigma que Cerrato
encontro, fusão, montagem, nos legou.
penetração, gestação. Sangue
fluido. Órgãos pulsantes. ana longoni
Essas imagens podem ser
compreendidas como mapas traduzido do espanhol por
e diagramas de uma viagem ana laura borro
estelar até pousar na Terra,
precisamente em uma América
Latina abalada pela radicali-
85

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 85 09/08/23 11:17


elena
asins

detalhe de Sem título


(Variações offset), 1975
Impressão offset em papel,
75 × 836 cm

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 86 09/08/23 11:17


No final da década de 1960, escrita com signos a serem
Elena Asins (1940-2015) come- interpretados – notas mudas
çou a desenhar estruturas que para os não alfabetizados –, a
se desdobram silenciosamente alfabetização é supérflua na
em uma superfície bidimensio- obra de Asins, uma vez que seus
nal; às vezes, a artista desen- signos carecem de um código

E
volvia um elemento modulado consensual; suas estruturas
com base em uma sequência disciplinadas, desenvolvi-
e um ritmo específicos, exi- das com rigor, permitem que
gindo que o espectador fizesse sejam traduzidas em conceito,
uma reconstrução mental que expandindo assim a autoria em
tensionava e ampliava o limite direção ao leitor. São poemas
do papel ad infinitum. A linha visuais ou partituras – concebi-
– o desenvolvimento de um dos em um sentido performa-
ponto – descobre seu potencial tivo, aberto e sonoro que vem
dimensional ao virar, ao girar: do Fluxus – nos quais o espaço
ela dança, ela soa? De fato, e o tempo se tornam visíveis
para Asins, o que é desenhado com signos linguísticos muito
é tão relevante quanto o que simples, quase leves, inscritos
é pensado e não dito, conec- em preto e branco de forma
tado como está ao pensamento minimalista: porque nada mais
de Wittgenstein. é necessário. De fato, em 2023,
Ela mesma apontou o cru- Cantos de Orfeo (1970), uma
zamento de seu trabalho com a partitura inédita dedicada ao
música (além da literalidade dos artista Eusebio Sempere, foi
títulos que evocam os Quartetos executada pela primeira vez na
prussianos de Mozart ou a estru- Espanha, interpretada pelo Trío
tura do cânone de Bach). De Poesía Acción H,GLAJERU;G
acordo com Javier Maderuelo: e pelo CoroDelantal. Sinais
“Sua arte é musical não apenas incorporados em corpos que
porque suas formas plásticas soam e se movem no espaço e
têm uma relação de semelhança no tempo.
estrutural com certos desen-
volvimentos composicionais na isabel tejeda
música, mas também porque,
como a música é imaterial, ela é traduzido do espanhol por
puro processo mental”.1 ana laura borro
Se pelo menos desde a
esta participação é apoiada por: Acción Cultural
Grécia clássica a música é Española (AC/E) e Embaixada da Espanha no Brasil.
87

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 87 09/08/23 11:17


ellen Vivemos o Antropoceno – no
senso comum, período com-
gallagher preendido como uma nova era
geológica sobredeterminada
e edgar pela ação humana. Mas torna-se

cleijne
necessário refletir sobre esse
conceito, que é incerto e não
designa apenas um momento
geológico nem se refere ao
humano genérico. Assim, é
fundamental reconhecer as
estruturas da supremacia
masculina branca como parte
das transformações predatórias
e aceleradas da geobiosfera,
Highway Gothic, 2017-2019
Vista da instalação. Cianótipo, filme contestar sua essência, que
70mm e banners de tecido, caixas
de luz de cianotipia, filme 16mm e
mantém a figura humana no
projeções de filme em cianótipo, som centro da cena em detrimento

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 88 09/08/23 11:17


das relações interespécies. tipias, instalações fílmicas e
Assim, é essencial vivenciar sonoras (a música é mnemô-
as obras de Ellen Gallagher e nica e contracultural) e obras
Edgar Cleijne que, em meio às teóricas da diáspora africana,
violências raciais e ambientais, como o Atlântico negro, do
fazem cruzar ficções e realida- escritor Paul Gilroy.2 Por meio de

E
des com pântanos, oceanos e estéticas aquáticas, Gallagher e
ícones e símbolos racializados, Cleijne propõem uma imersão
levando à construção de outras nas profundezas dos oceanos
paisagens políticas e poéticas em um diálogo com as criaturas
para perceber e narrar o mundo marinhas, biomórficas, histórias/
multiespécies. estórias e mitos que habitam
Pois é na água e no mar que essas profundezas. É impor-
Gallagher e Cleijne se ancoram. tante salientar que, como um
A artista nasceu em Rhode lugar de esquecimento, o mar
Island, Estados Unidos, e vive traz consigo apagamentos que
entre o Brooklyn, Nova York, expressam narrativas coloniais
e Roterdã, Holanda − cidades expansionistas. Desse modo, em
com um papel relevante no suas obras, em devir, es artistes
comércio transatlântico de imaginam a vida após a morte
escravizados. Desde 2024, ela do tráfico atlântico.
divide o trabalho com o holan-
dês Cleijne. Juntes, assinam a barbara copque
instalação multimídia Highway
Gothic (2017), seguida dos tra-
balhos pictóricos de Gallagher
Watery Ecstatic [Êxtase aquoso]
(2007, 2017 e 2021), Morphia
(2008 e 2012) e Ecstatic Draught
of Fishes [O caldo extasiante
dos peixes] (2019 e 2021). Essas
obras tensionam questões
acerca do legado do colonia-
lismo, dos impactos ecológicos,
dos deslocamentos negros e dos
paradigmas da arte eurocêntrica
em um processo que envolve o
afrofabular1 e o afrofuturismo esta participação é apoiada por:
combinados a pinturas, ciano- Mondriaan Fund.
89

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 89 09/08/23 11:17


emanoel Emanoel Araujo (1940-2022) foi
um artista e curador brasileiro,
araujo conhecido por suas inúmeras
contribuições para o fortale-
cimento da história e da arte
afro-brasileira. De família de
ourives, Araujo teve uma for-
mação diversificada, aprendeu
técnicas de marcenaria, o que
o levou a apurar, dentre outros
aspectos formais e estéticos,
sua prática como gravurista
e escultor.

Emanoel Araujo no ateliê da


ladeira do Desterro, Salvador,
sem data

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 90 09/08/23 11:17


Araujo iniciou sua carreira conforme ele próprio assumia.
em Santo Amaro (BA) como Suas esculturas frequentemente
tipógrafo e desenvolveu habili- abordam temas da cultura
dades em gravura e escultura, afro-brasileira, incorporando
explorando, ao longo de sua símbolos e motivos relacionados
trajetória artística, a abstração às tradições e à espiritualidade

E
geométrica. Como escultor, afrodescendentes.
Araujo atentava à seleção dos Além de sua atuação artís-
materiais, incorporando ele- tica, Araujo atuou de modo
mentos das culturas ameríndias, relevante como curador e gestor
africanas e afro-brasileiras a cultural. Organizou exposições
suas obras. Suas esculturas fre- no Brasil e no exterior, exibindo
quentemente aludem a navios, obras de artistas africanos e
a máscaras e a representações afro-brasileiros, além de ter diri-
simbólicas da cosmogonia das gido o Museu de Arte da Bahia,
religiões de matriz africana e a Pinacoteca de São Paulo e ter
afro-brasileira. fundado o Museu Afro Brasil.
Na obra exposta na 35ª A dedicação de Araujo em pro-
Bienal, um monumental relevo, mover a arte e a cultura afro-
é possível constatar o modo -brasileira teve impacto signifi-
como o artista constrói ritmo e cativo no reconhecimento e na
movimento, criando peças que valorização da herança africana
transmitem dinamismo visual e nas cenas artísticas brasileira e
sensação de fluidez marcantes. internacional. Sua influência aju-
A cor também desempenha dou a moldar o cenário da arte
um papel fundamental em seu contemporânea no Brasil e no
trabalho; Araujo utilizava cores exterior, tornando-o uma figura
vibrantes e contrastantes que inspiradora e influente até hoje.
conferiam vitalidade e impacto a
suas esculturas – características horrana de kássia santoz
formais que ajudam a definir
a estética e a identidade de
seu trabalho.
Embora o conceito de
riscadura brasileira seja asso-
ciado à obra do artista baiano
Rubem Valentim, é possível
notar reverberações desse
conceito na obra de Araujo,
91

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eustáquio A tenacidade de Eustáquio
Neves em observar e pesquisar
neves os ritos e as festividades das
comunidades negras remanes-
centes torna-o um notável res-
taurador de memórias. As séries
Arturos (1993-1994) e os dípti-
cos Encomendador de almas
(2006-2007), apresentadas na
35� Bienal, registram uma visão
abrangente do sagrado, da edu-
cação hereditária e do cotidiano
dessas comunidades.
Graças a seu conhecimento
dos processos químicos, adqui-
rido com sua formação técnica,
Neves interfere manualmente
Sem título, da série Arturos, 1993-1995
nos negativos das fotografias,
Fotografia sobre papel, impressão Fine Art gerando efeitos diversos. É um

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gesto enigmático, quase lomo- sável pelos cantos de trabalho
gráfico, que penetra a operação chamados vissungos. Nos dípti-
do equipamento e expõe o cará- cos apresentados na Bienal, um
ter indeterminável e coreográ- deles mostra o sr. Crispim,
fico do olhar que as compõem. uma pessoa muito importante
No início da década de 1990, na hierarquia do catopê (nome

E
Neves realizou a série Arturos, dado às Congadas na região de
retratando um grupo familiar Minas Gerais), sentado, vestindo
que rememora seu antepassado uma blusa clara e um manto
mais antigo, Artur, no município que cobre os ombros, as mãos
de Contagem, Minas Gerais. unidas sobre as pernas. Ao lado,
Esse grupo é caracterizado há uma foto de uma espada
por suas práticas sagradas, usada para abrir caminho para
baseadas no entrecruzamento o cortejo de Nossa Senhora do
do catolicismo com as religiões Rosário. No segundo díptico,
de matriz africana, durante a o sr. Antonio aparece junto à
celebração da Festa de Nossa sua casa.
Senhora do Rosário, protetora As imagens de Neves
das irmandades negras no Brasil desafiam os limites técnicos
colonial. Na primeira foto, há da fotografia e performaram
um grupo de adultos e crianças “uma realidade que não pode
no centro, todos elegantemente ser nomeada”, como mencio-
trajados. A segunda foto retrata nou a voz autora da publica-
um homem da guarda, em uma ção educativa da 35ª Bienal.1
postura ereta e central, e na Os povos remanescentes são
terceira, “O rei”, enquadrado uma extensão do quilombismo
em busto, veste uma coroa e e, ao reconstituir tempos e
um manto. personagens em uma memória
A segunda obra apresentada aparentemente estática, Neves
é da série Encomendador de indica um resgate de tradições
almas e retrata a comunidade e de paisagens, como a própria
quilombola do Ausente ou do incongruência da construção
Córrego do Ausente, localizada da memória.
próxima ao município de Milho
Verde, na região do Vale do horrana de kássia santoz
Jequitinhonha. O encomendador
de almas é uma figura presente
nas festividades da Nossa
Senhora do Rosário e é respon-
93

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flo6x8

Bankia, pulmones y branquias.


Bankia sale a bolsa 2, 2012
Bankia, pulmões e brônquios.
Bankia vai a público 2. Stills do vídeo

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Pouco tempo depois da queda flo6x8 consegue se mover na
da Lehman Brothers, surgiu o concatenação entre arte e revo-
coletivo “ativista-artístico-situa- lução, onde o que importa não
cionista-performático-folclórico- é tanto o que pertence a cada
-não-violento” flo6x8 na cidade campo, mas como seus com-
de Sevilha, Espanha, ocupando ponentes são coreografados de
temporariamente diversas forma localizada. Suas ações
agências bancárias por meio fazem uso do canto e da dança

F
da dança e do canto flamenco, para produzir uma desobediên-
batendo os calcanhares no chão cia suave. Elas não utilizam os
daqueles que são os respon- mecanismos do flamenco para
sáveis por tirar o sono e o teto serem vivenciadas passiva-
dos cidadãos, cantando para o mente, pois essa é a maneira
sistema bancário sua responsa- de manter um grito de indigna-
bilidade no empobrecimento da ção por tempo suficiente para
população. As filiais do medo e transgredir os códigos formais
da violência se transformaram, do protesto político e entrar em
ao menos por um tempo, em um novo terreno de incerteza no
espaços de potencial político e qual o público começa a duvi-
artístico para virar a história de dar, a prestar atenção, no qual a
cabeça para baixo: “isso não é transgressão penetra de forma
crise, chama-se capitalismo”. muito mais profunda no corpo,
O vídeo de uma dessas até doer.
ações, chamado Flashmob
Rumba Rave “banqueiro” e kike españa
publicado em dezembro de
2010, espalhou-se pela internet traduzido do espanhol por
e foi usado para convocar a ana laura borro
manifestação contra os cortes
sociais que ocorreu em 15 de
março de 2011 – um dos muitos
precedentes do movimento
15-M1. flo6x8 antecipou algumas
de suas inovações políticas:
espontaneidade na ocupação do
espaço, transformação radical
da narrativa da crise, alegria
subversiva e inventiva, abertura esta participação é apoiada por:
Acción Cultural Española (AC/E)
e porosidade contagiosas. e Embaixada da Espanha no Brasil.
95

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 95 09/08/23 11:17


francisco Conhecido por seus trabalhos
feitos em papel, especialmente
toledo gravuras e pinturas, Francisco
Toledo (1940-2019) navegou
por diversas linguagens, como
colagem, tapeçaria e cerâmica,
sempre mantendo um único
olhar: a construção de uma
prática artística implicada com
as heranças culturais, tradições
e políticas de sua comunidade
(Oaxaca, no México). Nesse
amplo percurso, Toledo, que
também era conhecido como

detalhe de Papalotes de los desaparecidos, 2014


Pipas dos desaparecidos. Papel chinês e estrutura
de junco com fotografias impressas em madeira
gravada a laser, 43 peças, 58,2 x 51 cm (cada)

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El Maestro – o mestre e profes- Normal Rural Raúl Isidro Burgos,
sor – investiu intensamente na com sede em Ayotzinapa, foram
construção de projetos dedica- sequestrados pela polícia muni-
dos à educação e à manuten- cipal de Iguala, Guerrero.
ção das práticas culturais no
México, como o Museu de Arte Quando chega o Dia dos
Contemporânea e o Instituto de Mortos, soltam-se pipas
Artes Gráficas de Oaxaca. porque se acredita que

F
A obra de Toledo alimenta-se as almas descem pelo fio
do que o artista experimenta em e chegam a terra para
livros de viagem e em memórias se alimentar das oferen-
da infância, mas, sobretudo, no das; então, no final da
que ele observa em seu meio. festa, eles voam nova-
As cosmologias zapotecas de mente. Como já haviam
Juchitán, o legado cultural procurado os alunos de
pré-hispânico e o dinamismo e Ayotzinapa no subsolo e
as atualizações dos costumes na água, mandamos as
tradicionais são algumas, entre pipas procurá-los no céu.1
muitas, bússolas que guiam a
prática de um artista que passou Desde 2014, além das muitas
boa parte de sua vida-obra vozes que se reuniram defla-
empinando papalotes (pipas) grando uma das grandes feridas
como forma de ação política. do México, os rostos dos norma-
Um dos marcos de sua listas seguem percorrendo diver-
expressão e de seu engajamento sos contextos, desejando rom-
social surge em Papalotes de per o silêncio instaurado pelas
los desaparecidos [Pipas dos instituições governamentais. Até
desaparecidos] (2014) – projeto hoje as famílias dos jovens desa-
exposto na 35a Bienal de São parecidos procuram construir
Paulo. Nesse trabalho, as pipas sentidos de justiça, assim como
criadas com a colaboração dos os cortes produzidos no vento
frequentadores da Oficina de pelas pipas de Toledo.
Arte e Papel de San Agustín
Etla tiveram o desejo de se tarcisio almeida
agregarem aos muitos protestos
instaurados no México, desde
2014, quando um grupo de 43
estudantes secundaristas, em
sua maioria indígenas, da escola
97

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frente
3 de fevereiro

ONDE ESTÃO OS NEGROS? ZUMBI SOMOS NÓS


Campeonato Brasileiro, Corinthians x Campeonato Brasileiro, Corinthians x
Ponte Preta, Estádio Moisés Lucarelli, Internacional, Estádio do Pacaembu,
Campinas, 14 de agosto de 2005 São Paulo, 20 de novembro de 2005

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o Brasil pode ser entendido, do gias de voice cloning y deep fake
ponto de vista da negridade, contra seus próprios fins, o cole-
como um projeto anti-ne- tivo cria um complexo ambiente
gro. por outro lado, podemos sônico-imagético, reanimando
entender a negridade como a os movimentos, gestos y sons
prática teimosa y incansável de Dona Marinete Lima (1942-
de tentar viver quando não era 2018), integrante do coletivo y
pra você ter sobrevivido. Zumbi matriarca ancestral. além dessa

F
dos Palmares, constantemente animação, a videoinstalação
retomado no trabalho artístico conta com arquivos de som y
radical da Frente 3 de Fevereiro, imagens do coletivo, registros
sobretudo em Zumbi somos nós, de suas intervenções radicais
aparece aqui, então, como o que tanto denunciam o plano
mistério que une essas duas for- de morte quanto maquinam o
mulações, colocando em xeque combinado da vida.
o Mundo que as produziu. essas a experiência dessa videoins-
duas formulações cruzam com talação encruzilha passado-
a história da Frente, que surge -presente, vida-morte, revol-
como uma forma de fazer vingar ta-alegria, como um feitiço
a morte-vida de Flávio Ferreira tecnológico para fazer vingar
Sant’Ana, jovem dentista negro a vida preta em sua ingoverná-
assassinado cruelmente por vel performance de ressurrei-
policiais militares de São Paulo ção infinita.
em 2004.
por meio de uma prática que abigail campos leal
faz cruzar ação direta y esté-
tica, transitando entre imagem,
música, performance, literatura
y uma infinidade de formas, a
Frente 3 de Fevereiro elabora
práticas artísticas radicais de
intervenção social como forma
não apenas de denunciar a
situação brutal vivida pelas
pessoas negras no Brasil, mas
de promover a sua imprevisível
força de criação y transmuta-
ção. para as coreografias do
impossível, utilizando tecnolo-
99

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gabriel
gentil
tukano

Desenho / n. 18, c. 1970


Grafite e caneta esferográfica sobre papel
21 × 29,7 cm

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O dedo da criação toca em mim risco do nosso amor é alto, coisa
e pulsa. É assim a luz dos Yepá de medicina forte.
Mahsã, Gente da Terra. Entre os Um corpo escreve.
mundos desenham a boca dos Letras são desenhos amon-
tempos em explosões seminais toados que se transformam em
e espirais primordiais. O meu sentidos e corpos, mas, uma vez
coração escapole e volta a viver. organizadas a partir do pensa-
Fita o inverificável, habita o invi- mento universalizante do velho
sível. Tudo acontece no instante mundo, operam um habitar
agora, entre movido e em arran- infértil, infante, gasto, venenoso

G
cos. Corpo, pulsão, fricção, e cadavérico.
união. É o cosmo acontecendo Medicina forte não cura
fértil na saúde da terra. corpo que nasce morto.
Aqui o corpo do mundo está Gabriel Mira. Desenha a
em gestação, transmuta-se e mira. Mira e desenha. Ele é a
atualiza-se em todo e qualquer mira. Seu corpo é o desenho
olhar que espia a presença, a e a continuidade de gestos
escrita e o desenho do meu sonhados aqui e agora, está
parente Gabriel Gentil Tukano à vista, está nas visões e nos
(1953-2006). É um aceno que sopros muito antigos. Continua
acontece. É um sopro quente. a desenhar e mirar a ligação dos
O mormaço da mata fala. corpos antepassados que estão
Redemoinhos desenham no no futuro do mundo.
chão o prenúncio: não existe Reverência
um metro quadrado sobre São obras vivas!
nossos pés que não seja criação Gabriel Gentil Tukano é o
sagrada de território ances- próprio desenho acontecendo
tral. É perpétuo o que se cria entre os mundos.
em linhas.
Um corpo desenha. déba tacana
E o traço ocorre quando a luz
o revela. Uma luz que anda entre
mundos criando outros mundos
no centro dos inícios de todos
os tempos, dos riscos e dos ritos
primeiros. Na próxima luz, os
meus olhos alcançarão as mãos
do meu parente, pois o ponto é
demarcado nos dois mundos, e o
101

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george
herriman
Krazy Kat
Desenho original para página inteira
de jornal, 8 de maio, 1917
Nanquim sobre papel, 55,8 × 48,2 cm

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“[...] é apenas uma som- mentação contínua na compo-
bra presa na teia desse sição de suas páginas, as novas
carretel mortal. Nós o formas de linguagem criadas
chamamos ‘gato’, nós o pelo autor etc. Mas o que coloca
chamamos ‘louco’ [...] Herriman em um dos dois lados
Perdoem-no, pois vocês da cerca? A tensão no enredo
não o entenderão melhor de Krazy Kat deu origem a uma
do que nós que estamos infinidade de leituras, sendo
deste lado da cerca.” uma delas a biografia do autor,
por meio de sua racialização.

G
Com essas palavras, George Alguns querem ver em Krazy Kat
Herriman (1880-1944) refletiu uma representação dos confli-
sobre a condição inescrutável tos que Herriman enfrenta com
de Krazy Kat. Em essência, a relação a sua identidade, como
influente história em quadrinhos homem mestiço em um mundo
narra as desventuras de Krazy, totalmente branco, sob as leis
um gato cujo sexo é incerto − a segregacionistas de Jim Crow.1
ambiguidade de seu gênero A ambiguidade, não apenas do
jamais foi esclarecida −, lou- gato, mas de toda a série, pode-
camente apaixonado pelo rato ria revelar a dualidade entre ser
Ignatz. Esse amor não é corres- ou não ser algo, o que se pode
pondido por Ignatz; suas cons- extrapolar para questões não
tantes agressões ao protago- apenas de raça, mas de gênero
nista, no qual atira tijolos na e de classe.
cabeça, são mal interpretadas Hoje, a releitura dessas obras
pelo felino, que as considera permite vislumbrar Krazy Kat
declarações de amor. Por sua e George Herriman saltando e
vez, Krazy tem um admirador se movendo de um lado para o
secreto, o cão policial Offisa outro da cerca, rompendo os
Pupp, cuja vigilância constante limites desse cercado e lançando
do rato tem o objetivo de evitar os tijolos do rato Ignatz como
essas agressões e prendê-lo mísseis para desarmar e desati-
quando as comete. var hierarquias e identidades.
Tudo em Krazy Kat parece
querer superar as imposições rafael garcía
tradicionais: a inversão de
papéis entre o trio principal de traduzido do espanhol por
personagens, o não binarismo ana laura borro
de seu protagonista, a experi-
103

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geraldine
javier

impressão ecológica de folhas


de árvores nativas em tecido
de algodão

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Geraldine Javier vive e trabalha na e desespero, sua obra apoia-se
turbulência de uma crise climática em um horizonte de reparações.
em que culpa e extinção andam Ainda que tenha se definido
de mãos dadas. Em suas obras, como uma artista que não
as reações em geral pessimistas aborda temas políticos, a impres-
e nostálgicas a uma economia são geral de seus trabalhos é de
necroespeculativa são aberta- uma prática afirmativa, que evita
mente confrontadas com instala- o lamento e a queixa.
ções e pinturas que apresentam Diante de processos de
um mundo automutante de degradação, poluição e extin-

G
plantas não mais reconhecíveis. ção, The Creatures in Search
Em Oblivious to Oblivion [Alheios of Their Species [As criaturas à
ao esquecimento] (2017), instala- procura de suas espécies] (2012)
ção de grande escala que forma afirmam-se como uma matriz
uma ampla nuvem suspensa, as de seres transformadores. Em
imagens entrelaçadas de vege- vez de apresentarem um mundo
tais improváveis são penduradas morto, fixo e perdido − caso
em meio a espelhos. Os reflexos do pensamento catastrófico
fugazes dos espectadores nesses e retrospectivo −, essas obras
espelhos insistem em mostrar trazem à luz a gramática para
uma humanidade indiferenciada, o enfrentamento de um futuro
desafiando seu antagonismo – regenerativo. Ao destino de
profundamente enraizado – com destruição Javier contrapõe uma
o mundo natural. política do cuidado, que não
Os efeitos visuais resultan- tem similaridade com as formas
tes de suas livres composições políticas do passado. Enquanto
flutuantes remetem a arranjos suas pinturas derivam de uma
cósmicos que se adequam prática individual, suas instala-
perfeitamente à composição all ções envolvem uma atividade
over [que recobre toda a super- comunal que revela sensibilida-
fície pictórica], típica da pintura des singulares no tratamento dos
moderna. Convidam, assim, materiais, expressão da interde-
a uma experiência imersiva, pendência de formas de vida e
coerente com a recusa a um cooperação intergeracional.
engajamento político direto.
Como afirmam os títulos de carles guerra
suas obras mais recentes, Javier
posiciona-se em meio a incerte- traduzido do inglês por
zas. Oscilando entre esperança gabriel bogossian
105

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 105 09/08/23 11:17


gloria A importância da obra de
Gloria Anzaldúa (1942-2004)
anzaldúa se encontra na radicalidade
de suas contribuições para o
pensamento crítico dos estu-
dos decoloniais, feministas
e da sexualidade, sobretudo
ao incluir a geografia como
categoria de diferença social.
Professora, escritora e ativista,
Anzaldúa denuncia e questiona
as violências às quais estão
submetidas as pessoas que
nasceram e habitam territórios

“Transparencies for Gigs”,


drawing 13, sem data
“Transparências para
apresentações”, desenho 13.
Tinta sobre papel, 21,6 × 27,9 cm

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 106 09/08/23 11:18


e culturas de fronteira, sobre- o ctônico (o inframundo), o
tudo mulheres “de cor”1 do feminino, o movimento sinuoso
terceiro mundo. A fronteira de da sexualidade, da criatividade,
que Anzaldúa trata é aquela que a base de toda energia e de toda
divide os Estados Unidos e o vida”.2 A escolha por formular
México, atual estado do Texas, o pensar em visualidades tem
faixa que foi “comprada” pelos origem mexica, cultura indígena
Estados Unidos em 1848, por ancestral de Anzaldúa e refe-
meio do Tratado Guadalupe rência epistemológica, que “não
Hidalgo. Nascida nesse con- separava o artístico do funcional,

G
texto, a autora articula a fron- o sagrado do secular, a arte da
teira como espaço geográfico vida cotidiana”.3
em disputa e como metáfora Enquanto escrevo este texto,
para a experiência social das me deparo com a notícia4 de
pessoas que cotidianamente que os agentes de imigração dos
são pressionadas a escolher Estados Unidos são orientados
uma identidade única, mesmo a atirar ao rio bebês e crianças
que suas realidades sejam imigrantes encontrados na
constituídas pelo encontro fronteira do Texas com o México.
entre culturas. Enquanto as políticas de vigilân-
Exposto na 35ª Bienal de cia e de genocídio ora criam, ora
São Paulo, um dos desenhos por reencenam modos de manter a
meio dos quais Anzaldúa elabora violência e o terror, as obras de
sua teoria em forma de imagem Anzaldúa permanecem evoca-
apresenta uma serpente roxa e das, atualizadas e em perfor-
sinuosa com uma enorme boca mance, nos relembrando de que
a morder uma maçã. Abaixo do “a guerra de independência é
desenho, escrita em vermelho, uma constante”.5
a frase: “O proibido”. De ime-
diato o desenho remete à cena maria luiza meneses
com a serpente mais conhecida
na história cristã ocidental. No
entanto, aqui o fruto proibido
invoca não o signo de repulsa
e do temor cristão, mas o mais
importante signo da América
pré colombiana, a serpente
que para Anzaldúa é “o símbolo
do obscuro impulso sexual,
107

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 107 09/08/23 11:18


grupo de O Grupo de Investigación en
Arte y Política (GIAP) [Grupo de
investigación Pesquisa sobre Arte e Política]
foi fundado em 2013 no México
en arte y pela teórica e curadora chi-

política (giap)
lena Natalia Arcos Salvo e pelo
sociólogo italiano Alessandro
Zagato. O grupo produz publi-
cações, exposições e palestras
sobre estética e autonomia, e
desde 2017 também organiza
residências para artistas e aca-
dêmicos em Chiapas.
O interesse do grupo reside
na poética que surge dos movi-
mentos sociais com raízes indí-
genas. Essa pesquisa militante
Natalia Arcos Salvo concentrou-se nos dispositivos
La danza del trabajo colectivo del maíz. que constituem a implantação
Bases de apoyo del Ejército Zapatista de
Liberación Nacional, 2016 estética do Exército Zapatista de
A dança do trabalho coletivo do milho.
Bases de apoio do Exército Zapatista de
Libertação Nacional, o EZLN, um
Libertação Nacional. Fotografia digital corpus que é interpretado como

35bsp-estudo-guia_12x17_21.indd 108 10/08/23 16:36


um elemento central tanto da anunciaram nesse momento o
ética e da estrutura política zapa- início de uma nova era para os
tista quanto da ação autônoma povos oprimidos.2
de suas comunidades. Agora, o GIAP traz pela
O EZLN é um movimento primeira vez – não só ao Brasil,
guerrilheiro indígena de alto mas também à América do Sul –
impacto global que, em pro- outras artes zapatistas que nar-
funda consonância com usos ram seus processos de resistên-
e costumes ancestrais, define cia e disseminam a prática da
comunitariamente a originali- autonomia, tendo como centro

G
dade que o caracteriza: porta- os Caracoles, os Conselhos de
-vozes, comunicados, roupas, Bom Governo e toda a constru-
ações, palavras e obras de arte ção desse outro mundo possível:
configuram um imaginário que bordados, pinturas, danças e
funciona como uma arma de ações milicianas. Porque nas
sedução em massa. montanhas do sudeste mexi-
No zapatismo, a estética e a cano as baleias estão dançando
poética desempenham um papel há muito tempo.3
orgânico dentro da política
revolucionária do movimento. natalia arcos salvo
Um exemplo maravilhoso dessa
fusão é a grande performance traduzido do espanhol por
em massa que ocorreu em 21 de ana laura borro
dezembro de 2012, quando os
zapatistas mobilizaram 45 mil
de seus membros, ocupando
de surpresa e pacificamente as
mesmas cidades de Chiapas que
haviam tomado à força em 1994.
Esse evento encenado marcou
o reaparecimento do EZLN na
esfera da mídia,1 com a intenção
de mostrar a definição ampla de
sua autonomia. Isso aconteceu
no mesmo dia proclamado
pela mídia como o dia do “fim
do mundo”, de acordo com
o calendário maia. Mas, com
essa coreografia, os zapatistas
109

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 109 09/08/23 11:18


guadalupe Na atualidade, uma das narra-
tivas da América Latina é a da
maravilla problemática das migrações.
A mais conhecida, sem dúvida,
é a do México, como um país
de migrantes que se deslo-
cam sem documentação e dos
encontros e dos mal-entendidos
na travessia da fronteira com os
Estados Unidos. Como con-
trapeso, Guadalupe Maravilla
conduz nosso olhar para um sul
mais profundo e desconhecido,
o chamado Triângulo Norte da
América Central, formado por
Guatemala, Honduras e seu
país de origem, El Salvador.

trabalhos em
andamento no ateliê
de Guadalupe Maravilla

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 110 09/08/23 11:18


Na década de 1980, quando cas que remetem a comunidades
El Salvador se encontrava no pré-colombianas e sua participa-
auge das guerras de contrain- ção na conquista, suas redes de
surgência da região, o trânsito conhecimento, fluxos comerciais
forçado de pessoas que fugiam e recursos. O conjunto resulta
da violência e buscavam refúgio em um mapa de deslocamentos,
era particularmente extremo. miscigenação, entrecruzamen-
Maravilla foi uma das muitas tos, perseverança e formas de
crianças que fizeram a viagem sobrevivência histórica.
para a fronteira sem documen- No centro dessa jornada

G
tos e sem estar acompanhadas épica, Maravilla dispõe escultu-
dos pais. Hoje, o artista revisita ras em grande escala intituladas
essa experiência para desenvol- Disease Throwers [Lançadores
ver uma abordagem conceitual de enfermidades] (2019-em
que alude às somatizações − no curso). Essas formas estranhas,
sentido mais amplo do termo que têm características orgâni-
− do que ele viu e vivenciou cas, são montadas com mate-
nessa travessia. Como uma riais moldáveis e instrumentos
extraordinária caixa de resso- musicais que, com uma vibra-
nância, os projetos de Maravilla ção específica, geram espaços
contam sua história, mas narram terapêuticos que convidam
também as histórias de milhares à resiliência. As “máquinas
de pessoas que foram marcadas de cura” do artista sugerem
por essa vasta cicatriz cha- a abertura de portais para o
mada fronteira. ancestral e a realização de uma
Como resultado, suas propos- cerimônia sonora que, nesta edi-
tas artísticas são performances ção da Bienal, é a possibilidade
e colaborações multitudinárias, de celebrar um ritual coletivo
cenografias sobrecarregadas de para curar traumas e condições
gestos, objetos e mecanismos do corpo.
que são instalados como retábu-
los. Em muitas delas encontra- rossina cazali
mos traços do jogo infantil tradi-
cional conhecido em El Salvador traduzido do espanhol por
como Tripa Chuca, que resulta ana laura borro
da união de números com linhas,
bem como desenhos retirados de
códices e tecidos antigos estam- esta participação é apoiada por:
pados com histórias pictográfi- Y.ES Contemporary.
111

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 111 09/08/23 11:18


ibrahim O trabalho dos alquimistas
tem sido muitas vezes rotulado
mahama como “magia negra”, uma vez
que o termo latino nigredo (em
português escuridão, negrura,
negridão) constitui o primeiro
passo do processo alquímico e
significa putrefação ou decom-
posição. Assim, as expressões
magia negra e negritude assu-
mem implicações niilistas.
No entanto, os processos
alquímicos da obra negra e da
negritude de Ibrahim Mahama,
artista nascido em Gana,
abordam o possibilismo e a
transmutação da colonialidade.
Seja a plantação colonial, seja o
salão do parlamento, a ferrovia
ou outros elementos do espólio
colonialista, os cercos erguidos
pela colonialidade são sistemáti-
cos e interligados.
Assim, o trabalho de Mahama
vislumbra possibilidades nas
condições materiais desses

Parliament of Ghosts, 2019


Parlamento de fantasmas. Red
Clay Studio, Tamale (2019)

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recintos e nas habilidades de é um conjunto de objetos des-
contar histórias e conectar cartados e perdidos, reunidos
momentos no tempo ao longo de para formar o cenário de uma
um arco amplamente estendido: sala parlamentar e relembrar a
do colonialismo à globalização. história da empresa ferroviária de
Esses momentos entrecruzam- Gana, a Ghana Railway Company.
-se com questões do trabalho, Os objetos presentes nessa obra
do extrativismo, da produção, remetem à história da produção
da exploração e da justiça. Os e à crise da industrialização nos
materiais que compõem sua territórios coloniais. Entre esses
prática são os extraordinários objetos estão assentos de poltro-
objetos probatórios que revelam nas de vagões de trens abandona-

I
sistemas de crise ou de fracasso. dos, dormentes de ferrovias que
No entanto, as transmutações foram desinstalados, documentos
produzidas pelo artista geram governamentais, ferramentas e
condições poéticas de assembla- utensílios de uma oficina de loco-
gem, montagem e coletividade. motivas, mapas, diários, livros e
Em sua instalação Non- mobiliário de arquivo.
Orientable Nkansa II [Nkansa não Em seu último trabalho,
orientável] (2017), Mahama, com Mahama cria um espaço de
vários colaboradores, produziu montagem que dialoga com
centenas de “caixas de sapateiro” a obra anterior, Parliament of
de madeira, utilizando materiais Ghosts, se transmutando para
de sucata encontrados nas cida- configurar um local de trabalho
des de Kumasi e Acra, em Gana, coletivo negro, produção cultural
usados para polir e consertar e discurso ao longo da 35ª
sapatos. Essas caixas continham Bienal de São Paulo. Esse espaço
os utensílios dos engraxates, reproduz as arquibancadas feitas
jovens empobrecidos que, para de tijolos vermelhos do salão de
sobreviver, percorrem a cidade seu estúdio RED CLAY [Argila
diariamente polindo ou limpando vermelha], em Tamale, Gana. Na
sapatos. Mahama reúne e empilha instalação, também há um con-
essas centenas de caixas em uma junto de vasos típicos de Gana e
parede de dimensões monumen- trilhos de ferrovias, remetendo à
tais, em que cada caixa parece geografia do norte de seu país,
precária, ainda que impossivel- onde seu estúdio se localiza.
mente mantida no lugar.
Parliament of Ghosts mario gooden
[Parlamento de fantasmas] (2019)
113

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igshaan A produção artística de Igshaan
Adams consiste em produzir
adams beleza a partir de materiais
considerados sem muito valor,
mas que estão profundamente
ligados ao cotidiano das classes
populares não brancas que
ainda vivem nas chamadas
townships sul-africanas.1 Seus
trabalhos materializam expe-
rimentações por mulheres e
homens trabalhadores, a partir
da sua agência tensionadora
do cotidiano marcado pela
segregação racial, desigualdade
e pobreza. Linhas urbanas bas-
Kicking Dust, 2022
Chutando poeira. Vista da
tante demarcadas fraquejam,
instalação, Kunsthalle Zürich (2022) envergam, ganham sinuosi-

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dade e desafiam linhas retas e É nessa beleza um tanto oní-
rígidas impostas pelo regime do rica, que revela sentidos tanto
Apartheid e suas reminiscências materiais quanto estéticos, que
na contemporaneidade. o artista protagoniza a agência
Bonteheuwel, fundada em das classes populares. Desses
1960, é o local de nascimento materiais empobrecidos − vistos
e cenário das memórias de como sem valor, comuns, que,
infância deste artista que viveu se trouxessem vestígios da vida
num lar muçulmano e cristão, das elites seriam considerados
influenciado por tradições relíquias, peças de museu −,
múltiplas. As linhas que dividem Adams compõe flores, poeiras
rigidamente os dois lados da no ar resultantes de pessoas

I
cidade inspiram Desire Lines que dançam e se vestem com
[Linhas de desejo] (2022), obra tecidos ecumênicos inspirados
que representa os atalhos cria- em objetos sagrados. O domés-
dos por trabalhadoras e traba- tico ganha significado sensí-
lhadores menos favorecidas que vel e íntimo, ultrapassando a
desafiam a dureza dos traçados realidade e ganhando formas
urbanos. A tapeçaria, produção impensadas, quase impossíveis.
sul-africana tradicional, é a arte
através da qual Adams materia- luciana brito
liza esses caminhos alternativos,
rios, estruturas mediante as
quais a urbe se (des)organiza.
Essa tapeçaria é composta
de objetos ordinários, miçangas
coloridas, conchas, búzios, fios
de arame, tecidos coloridos fir-
memente trancados, produzindo
imensos tapetes multicoloridos.
Além da tapeçaria, outras produ-
ções de Adams também demons-
tram esse esforço das classes
trabalhadoras para enfeitar seu
cotidiano, e, paradoxalmente,
reafirmam e relembram seu
lugar social, de alegria ou de dor,
de pobreza e de esperança de
dias melhores.
115

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ilze wolff A “prática do cuidado” é um
exercício de recusa que gera
consideração, generosidade
e convívio em determinadas
condições que, de outro modo,
seriam representadas como
abjetas. A prática do cuidado
de Ilze Wolff tem início com o
reconhecimento das relações
espaciais, seguido de um pro-
cesso de revelação do inesper-
ado e do estranhamente familiar
entre os resíduos, detritos,
condições esgotadas, recursos
exauridos e detalhes e existên-
criando som no Steinkopf cias negligenciados na vida
Community Centre com o
baterista Fernando Damon
cotidiana. Esse tipo de cuidado
e Heinrich Wolff, 2020 constitui uma recuperação da

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história, do indivíduo, das epis- para servir à comunidade e não
temologias e da liberdade que a o contrário.”1 A ironia dessa
priori se associam à colonização afirmação e do projeto arquite-
e ao esclarecimento europeus. tônico não se perde no Hophuis,
É uma produção cultural do de Ilze Wolff, palavra africâner
previamente inimaginável que se traduz em inglês como
ainda que conhecido, e que hop house [casa do lúpulo]. No
produz um tipo de poesia não entanto, utilizando narrativa
romantizada, nem fetichizada pessoal, música e som, história
ou sentimentalista. fotográfica, representações
No fim da década de 1970, arquitetônicas e elementos
o projeto e a construção da ecologia natural do local, a

I
do Centro Comunitário de instalação de Wolff revela uma
Steinkopf foram encomendados “coreografia de cuidado e con-
pela empresa anglo-americana vívio” que sobrevive às vicissi-
de extração de platina, cobre, tudes da repressão religiosa, do
diamantes, carvão térmico e racismo sistêmico e da explo-
minério de ferro no territó- ração e extração econômicas.
rio sul-africano. A cidade de Wolff revela como esse edifí-
Steinkopf, na África do Sul, foi cio é testemunha de saberes,
fundada em 1817 pela London memórias e histórias nativas
Missionary Society como uma locais de alegria, libertação,
missão religiosa dirigida ao apoio mútuo e solidariedade
povo nativo San, do noroeste do dessas pessoas que usaram o
país. A população da cidade, na centro como espaço de reunião
época da construção do centro e local de resistência.
comunitário, era de aproxima-
damente 6 mil pessoas, em sua mario gooden
maioria mulheres e crianças,
pois grande parte dos homens
vivia e trabalhava nos campos
de mineração na província do
Cabo Ocidental. “A intenção
foi proporcionar um edifício
convidativo, que acomodasse
todas as necessidades das
pessoas e que também abrisse
mais opções ambientais para a
comunidade. Ele foi projetado
117

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inaicyra
falcão

Ayán – Símbolo do Fogo,


sem data

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O ser histórico e artístico portanto, depende desse corpo
de Inaicyra Falcão poderia estar em movimento.
constituir a transgressão Dessa perspectiva, a educa-
de conceitos, como erudito, ção seria mais um caminho de
lírico ou do que é aceito como autonomia, mas, nesse ponto,
possível. Sua ancestralidade, por meio da dança. A valoriza-
como motor e inspiração, e ção de cada história individual,
as coreografias do seu mundo, o abraçar das memórias cons-
amplo, transnacional e dias- cientes ou adormecidas, fariam
pórico, rompem com a rigidez parte dessa aprendizagem, que
da academia e da arte. Da voz percorre um caminho contrário
poética, poderiam surgir outros ao do saber das repetições,

I
sons, mas o que brota é um do que é considerado harmô-
canto ancestral. Solto e liberto, nico ou erudito. Assim, esse
seu corpo exala memórias de foi o caminho encontrado por
movimentos antigos e refina- Inaicyra para trazer a herança
dos, repetidos milenarmente no africana para os currículos.
cotidiano humano e das divin- Longe de significar estar
dades sagradas, o que se pode presa a um passado estanque,
ainda observar hoje, quando sua percepção de mundo e da
estão na Terra. arte revela mudança, dinamismo
Como mostra a arte de e constante transformação de
Inaicyra, o impossível acontece movimentos e cantos ances-
quando a potência do corpo, da trais. Assim, Inaicyra Falcão se
explosão física provocada pela autodefine uma “articuladora de
necessidade de movimento, se universos”, de mundos multi-
encontra presente até mesmo dimensionais, que ela faz se
nas divindades sagradas. Por conectarem ao corpo e à voz.
isso, para a artista, todo corpo
é dotado de memórias, inscri- luciana brito
ções ancestrais, que se revelam
na consciência corporal forjada
na tradição. Esse movimento
é cultural, memória coletiva,
mas, sobretudo, resulta de
nossas histórias pessoais e de
atravessamentos que habitam
os corpos de pessoas negras da
diáspora. A liberdade pessoal,
119

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januário
jano

Baptism, 2019
Batismo. Edição 1/3 + 2 PA.
Jato de tinta sobre papel
fine art 100% algodão.
50 × 44 × 2 cm (20 peças)

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Na instalação Baptism [Batismo] e os temas em fricção quando se
(2019), observamos um con- consideram as complexidades do
junto de vinte fotografias que campo das identidades culturais,
mostram Januário Jano des- terreno no qual ele atua para
pindo-se de uma roupa branca. instigar o debate. Desde Luanda,
A imagem do todo chama a em português, mas também
atenção pela exuberância. No desde a terra dos Ambundu, em
entanto, na pesquisa dos mate- Kimbundu – língua Bantu –, ou
riais, qualquer contemplação em inglês desde Londres, onde
desinteressada é dissolvida: as se formou e se estabeleceu. Os
roupas brancas são memórias próprios trânsitos biográficos
das imposições civilizatórias do artista evidenciam as marcas
dos colonizadores portugueses da colonização, tema central

J
aos angolanos. O tecido, 100% em seu trabalho; também por
algodão, faz referência aos isso, é diante de si mesmo – do
campos da Baixa do Cassange, espelho, de sua história –, que
onde em 1961 houve o massacre Jano encontra a matéria-prima
que insuflou a luta pela liber- que ocasionalmente lhe escapa
tação de Angola. Tal dimensão à própria vida e acaba ecoando
da violência – sobretudo da nas palavras de uma conterrânea
resposta a ela – emerge de uma sua: “sobreviver à nossa histó-
artesania que entende a pes- ria é parecido com sobreviver
quisa não como uma etapa para numa cidade implacável” – disse
se chegar num produto, mas, Djaimilia Pereira de Almeida,
sim, como a matéria viva à qual como poderia ter dito ele.¹
o olhar precisa retornar cons-
tantemente quando se dispõe a igor de albuquerque
propor outros mundos.
Vídeo, escultura, pintura,
fotografia, instalação, costura,
ou arte interdisciplinar, se qui-
serem. É vasto o repertório de
linguagens que Jano aciona para
pôr em prática suas ideias, assim
como é vasto e perturbador o
alcance das forças subjacentes a
todo fazer artístico como conse-
quência da história e da cultura.
São muitas as mídias, as camadas
121

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jesús ruiz Entre 1969 e 1974, Jesús Ruiz
Durand produziu uma série
durand de cartazes para divulgar a
Reforma Agrária iniciada pelo
governo do general Velasco
Alvarado no Peru. Sob a noção
de pop achorado – expressão
que significa “rebelde, inso-
lente, sublevado, indignado,
vulgar, colérico, insurgente,
insubmisso” –, esse estilo gráf-
ico inspirou-se na população
indígena que estava rompendo
com a submissão escravagista
que, durante séculos, fizera das
da série Reforma Agraria
Peruana – Grandes cosas propriedades rurais peruanas
están pasando, 1970 e da relação entre os pongos
Reforma agrária peruana
– Grandes coisas e os gamonales1 um viveiro
estão acontecendo.
Impressão offset sobre
de crueldade.
papel, 100 × 70 cm Através de seu trabalho na
Direção de Promoção e Difusão
da Reforma Agrária (DPDRA),
Ruiz Durand viajou por todo o
país, fotografando e conver-
sando com camponeses de
língua quíchua que recuperavam
suas terras. Desenvolveu uma
técnica que consistia em frag-
mentar a imagem por meio de
um processo de solarização (ou
efeito sabattier), distribuir cores
planas por áreas, enquadrá-las
como histórias em quadrinhos
e imprimir em offset usando o
processo de quadricromia. Ao
experimentar com pontos e tra-
mas, ele investiu um contorno
de fosforescência, vitalidade e
otimismo nos corpos indígenas,

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que pareciam sair da sala de Agrária, como uma continua-
espera da história, incinerando ção da guerra anticolonial por
as bases simbólicas e materiais outros meios, foi e é um instante
da servidão e da expropriação de perigo. Essa luz cintilante
no Peru. antecipa, em suas sombras, o
Por meio da estilização de murmúrio de violência que viria
uma antiga ilustração escolar do apenas alguns anos depois,
rosto de Tupac Amaru II, Ruiz com a guerra interna entre o
Durand desenhou o logotipo Sendero Luminoso e o Estado
da Reforma Agrária, que foi a peruano. Ela retém a raiva sem
figura central de dois cartazes, fim do pongo, “aquela raiva que
um amarelo e outro azul. Ao arde na semente de seu cora-
eclipsar a silhueta de frente e de ção, como um fogo que não

J
perfil, inserindo-a em composi- se apaga”.2
ções geométricas e reverbera-
ções ópticas e cromáticas, Ruiz fernanda carvajal
Durand dinamizou o rosto de um
dos líderes da mais feroz insur- traduzido do espanhol por
gência andina do século 18 con- ana laura borro
tra a invasão espanhola, dan-
do-lhe uma fisionomia vibrante
que podia sofrer mutações,
multiplicar-se e iluminar-se por
meio de sobreposições e efeitos
de luz. Por meio de uma síntese
formal cinética, ele sincronizou
o messianismo anticolonial de
Tupac Amaru II com a revolução
em andamento.
Mas nos contornos ondula-
dos e amarelados que envol-
vem os corpos dos campone-
ses exibindo ferramentas ou
trabalhando a terra, também
é possível ver a luz dos eclip-
ses, sob a qual os habitantes
do altiplano “caminham cheios
de pressentimentos”, como
escreve Arguedas. A Reforma
123

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jorge Faute d’argent [Falta de dinheiro]
(2016-2020) é o terceiro e último
ribalta episódio de uma investigação
artística e histórica de Jorge
Ribalta sobre o período final
de Carlos V (1500-1558), rei da
Espanha e imperador do Sacro
Império Romano-Germânico. Sob
seu reinado, a formação de uma
ideia de nação correu paralela-
mente à conquista e à colonização
das Índias Ocidentais, herdada
na sua condição de neto dos
monarcas católicos. A abordagem
Seville, Emporium of the Indies é dupla: a manifestação de Carlos
(detalhe), da série Faute d’argent
(Eight Short Pieces), 2016-2020 V como chave interpretativa
Sevilha, Empório das Índias, da série
Falta de dinheiro (Oito pequenas peças).
do mundo ocidental na era da
Impressões sobre papel de gelatina e prata grande recessão econômica que

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começou em 2007 e um exercício espanhola foram construídos, a
de revisão e luto do passado fim de submetê-los a uma crítica
colonial espanhol/imperial, contra a corrente dos desconfor-
resultando em uma coreografia tos herdados. Assim, a fotografia
crítica de retorno. atua como um contradiscurso na
A série se baseia na “ideia revisão de um dos mitos funda-
documental”, que atravessa todo dores do Império Espanhol e é
o trabalho de Ribalta, seja como um instrumento para questionar
fotógrafo, teórico-pesquisador ou a modernidade europeia a partir
curador, pois ele argumenta que a da perspectiva da colonialidade
fotografia contribui para explicar na América. Nesse sentido, a série
a complexidade social – as rela- busca o espectro desses ban-
ções de classe e seus conflitos, queiros hoje no eixo geográfico

J
bem como a relação das subje- Augsburgo – Sevilha – México,
tividades com a história – e não em suas ruas, capelas e igrejas,
apenas para representá-la. Em museus, bibliotecas, minas e
Faute d’argent, Ribalta questiona oficinas, que são uma transcrição
tanto a história da nação espa- do ouro, da prata e do chocolate
nhola quanto a lógica imperial- transformados em moedas, lingo-
-financeira do capitalismo desde tes e grãos.
o início da Idade Moderna na
Europa, que transborda em uma rocío robles tardío
colonialidade do poder. Seu título
resume a relação dialética entre traduzido do espanhol por
o imperador em declínio e seus ana laura borro
banqueiros, a saga dos Fugger, ou
seja, entre a necessidade e o endi-
vidamento que garantiu o status
imperial no século 16, em detri-
mento de Castilla, a nação, e das
Índias, transformadas em meros
instrumentos de uma política
colonial extrativista. Sem metáfo-
ras, o episódio é uma tragicomé-
dia composta por 76 fotografias –
ritmadas por notas e citações nas
margens – que rastreia os nomes esta participação é apoiada por:
e a geografia sobre os quais o Acción Cultural Española (AC/E) e Embaixada da
Espanha no Brasil, e realizada em parceria com
Império Habsburgo e a nação Institut Ramon Llull.
125

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 125 09/08/23 11:18


josé
guadalupe
posada

Calavera oaxaqueña, calaveras


rotas y garbanceras, sem data
Caveira de Oaxaca, caveiras
fraturadas e caveiras Garbanceras.
Zincografia, 14,6 × 25,5 cm

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 126 09/08/23 11:18


Brincar com a morte, de pega- resistência cultural à coloniza-
-pega, pique-esconde ou, para ção. Interessado em produzir na
os mais cerebrais, uma partida tradição do que se convencionou
de xadrez. Só para matar o chamar de arte popular – cate-
tempo, nosso coveiro. Mas isso goria questionável e ambígua –,
sem esquecer de levar os mate- o alcance de Posada estendeu-se
riais necessários para eternizar o aos analfabetos (a maioria da
encontro: pedra, papel, tesoura, população à época) e recrudes-
lápis, tintas, buril… No caso de ceu ao longo do século 20 em um
José Guadalupe Posada (1852- contexto de valorização das cul-
1913), foi escolhido o instrumen- turas indígenas, pré-colombianas
tal da litografia, pois somente e contemporâneas.
assim suas gravuras poderiam Ele produziu caricaturas e

J
viralizar em impressões, reim- ilustrações para diversos perió-
pressões e reapropriações que dicos em circulação durante
se repetem diante dos olhos dos o tumultuado final de século
vivos. Um memento mori coral 19 até 1913, quando morreu no
– trabalhos ecoando em latim anonimato. Publicou em muitos
a litania do “lembre-se de que jornais pró-classe trabalhadora,
você também vai morrer”. mas sua filiação aos ideais
Posada pertence àquele redu- revolucionários não é ponto
zido grupo de artistas cujas obras pacífico. No entanto, resta uma
são automaticamente reconhe- constante inegável em sua verve
cíveis, mesmo que se ignore o satírica: ridicularizar a burguesia
nome de quem as assina. Suas que se nutre da exploração do
célebres calaveras [caveiras povo. Fato presente nas linhas
ou esqueletos] retiram energia que vão da fase costumbrista às
das páginas baratas às quais se produções tardias, que culmi-
destinavam e fazem parte da nam no chapelão sobre o esque-
história morta-viva do México. leto da socialite Catrina.
A Gran calavera eléctrica (1907),
a La calavera oaxaqueña (1900), igor de albuquerque
a La calavera revolucionária (c.
1910) e, sobretudo, a La calavera
Catrina (1910/1913) são memes
de memento mori anteriores à
rede mundial de computadores.
A um só tempo, piada e refle-
xão filosófica, festa da morte e
127

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 127 09/08/23 11:18


juan van der
hamen y león

Retrato de Doña Catalina


de Erauso. La monja
alferez, c. 1625
Retrato de Dona Catalina
de Erauso. A freira alferes.
Óleo sobre tela, 57 × 46 cm

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Entre 1625 e 1628, depois de ser considerarmos que a escrita a
absolvido pelo papa e pouco seu redor – aquela que estabe-
antes de embarcar em sua lece uma clara dissonância entre
viagem de volta para a chamada imagem e texto, razão pela qual
Nova Espanha, Antonio de essa anomalia foi explicada – foi
Erauso foi imortalizado por Juan um acréscimo posterior.
van der Hamen y León (1596- Ao espelhar as convenções
1631) no Retrato de Doña Catalina de representação do “mas-
de Erauso. La monja alferez culino” de sua época, a com-
[Retrato de Dona Catalina de posição do personagem feita
Erauso. A freira alferes]. por Van der Hamen involun-
Erauso, também conhecido tariamente contraria o título
como “a freira alferes”, nas- póstumo da pintura. Vestindo

J
ceu como mulher em 1592 e trajes militares e sustentando
desafiou padrões de gênero no um olhar firme, a imagem do
século 17. Até não muito tempo alferes adere inequivocamente
atrás, muitos estudiosos do ao regime dominante de visuali-
período, provavelmente influen- dade da era colonial, com todos
ciados pela leitura da biografia os seus ditames de gênero,
de Erauso, consideravam a sexualidade, raça e classe.
pintura como parte da tendência Essa constelação de interpre-
barroca de representar “o mons- tações, de apêndices visuais e
truoso”. Essa tendência, que discursivos, foi recuperada por
deu origem a um gênero inteiro Cabello/Carceller. Na exposição
por si só, formou um amálgama Una voz para Erauso. Epílogo
no qual se incluíam tanto os para un tiempo trans [Uma voz
corpos fora da norma quanto para Erauso. Epílogo para um
as identidades sem uma defini- tempo trans] (2021-2022), a obra
ção preestabelecida. mostra novamente seu caráter
No entanto, embora ima- mutável e excepcional e, entre o
gens desse tipo tenham sido passado e o presente, confirma
particularmente abundantes no a performatividade inerente a
contexto espanhol na primeira todo retrato, toda história e toda
metade do século 17, o Retrato construção de identidade.
de Doña Catalina de Erauso
parece questioná-las com base beatriz martínez hijazo
em sua própria excepciona-
lidade. A particularidade da traduzido do espanhol por
obra faz ainda mais sentido se ana laura borro
129

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judith
scott

Sem título, 1993


Tecido e objetos encontrados,
91,4 x 50,8 x 25,4 cm

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Judith Scott (1943-2005) reali- entorno artístico, recorrendo à
zou suas primeiras esculturas sua biografia incerta ou à redu-
em 1988. Embora as formas ção de sua prática a classifica-
de seus trabalhos tenham se ções preconcebidas.
tornado mais complexas ao No entanto, precisamente
longo do tempo, todas elas por serem inescrutáveis, suas
compartilhavam um princípio obras – que permeiam o mágico
semelhante: uma estrutura e o cotidiano, o visível e o oculto
central de objetos encontrados, – resistem à classificação. Estão
envoltos em um entrelaçado de inscritas no enigma, naquelas
fios de novelos de lã, de tiras de coreografias impossíveis que
tecidos fibras e outros elemen- escapam da rigidez do unívoco
tos do cotidiano. e nos lembram que o significado

J
Por vezes, suas composi- de um objeto artístico sempre
ções coloridas são estruturas permanece inacabado e incom-
abertas, que revelam o número pleto: irredutível a determinado
infinito de extensões de mate- discurso, determinada imagina-
riais subjacentes em seu interior. ção ou sistema de mediação.
Em outros momentos, os fios
estão entrelaçados em estru- beatriz martínez hijazo
turas compactas e labirínticas,
e suas entranhas só podem ser traduzido do espanhol por
reveladas mediante proces- ana laura borro
sos radiográficos.
Em mais de uma década e
meia de produção incansável,
a artista jamais deu título às
suas obras. Não indicou como
esses trabalhos deveriam ser
exibidos e sequer registrou seus
pensamentos sobre seu trabalho
artístico. Na ausência de uma
narrativa, quando Scott come-
çou a atrair a atenção da crítica,
uma série de rótulos e tentativas
de interpretação gravitou em
torno de seus trabalhos. Muitas
desses indícios se apoiaram
no que estava para além do
131

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 131 09/08/23 11:18


julien Poética da relação, obra do
pensador martinicano Édouard
creuzet Glissant, se inicia com “A barca
aberta”, um texto curto mas
denso, ao qual retornei muitas
vezes desde que o encontrei há
cerca de quinze anos. O ensaio
termina com o seguinte trecho:
“está, à frente da proa dora-
vante comum, esse rumor ainda,
nuvem ou chuva ou fumaça
tranquila. Nós nos conhecemos
na multidão, no desconhe-
cido que não aterroriza. Nós
gritamos o grito da poesia.
Nossas barcas estão abertas,
nós as navegamos em nome
de todos”.1 Para mim, a obra de

ZUMBI ZUMBI ETERNO, 2023


Still do vídeo. Vídeo, cor, som

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Julien Creuzet é uma escanca- Wata é a Yemayá de Cuba?
rada, confusa e excitante barca A Iemanjá do Brasil? Seria a
aberta. Entrar em uma das ins- River Mumma da Jamaica?
talações de Creuzet é dominar- Essas recorrentes mulheres
-se por cores, texturas e linhas surgidas das águas, com sua
– fios felpudos, plásticos neon, cauda de peixe, em si mesmas
redes de pescadores, metais uma espécie de sincretismo,
brilhantes, líquidos coloridos agrupando-se como “nuvem
não identificados dentro de ou chuva ou fumaça tranquila”,
garrafas suspensas exatamente gotículas suspensas no ar, liga-
assim, entre outros elementos. das por algo invisível, elusivo,
É um assalto, é assustador em mas inegavelmente perceptí-
sua indecifrabilidade e cintilante vel. Creuzet não aceitaria isso

J
em sua sensualidade. É mais um de outra maneira. A exigência
poema do que um ensaio; não de transparência é por vezes
há figuras sólidas, apenas con- violenta, porque não se deleitar
tornos de coisas. Onde os obje- na opacidade do outro, de si?
tos são decifráveis, como em Afinal, se você pudesse adentrar
seus vídeos, eles se reúnem em a instalação de Creuzet e saber
combinações inusitadas, reba- exatamente o que ela é, consu-
tendo uns nos outros, alterando mindo e digerindo sem maiores
seus significados, associações consequências, afinal, seria tão
surgindo e lembrando a “sopa bom? Você a sentiria de modo
de signos” de Benitez-Rojo.2 tão profundo? Acho que não.
Tudo isso é deliberado, Melhor demorar, vagar, deixar
obviamente. Creuzet está seus pensamentos voltarem-se
comprometido com uma cadeia sobre si mesmos, estabelecer
interminável de referência associações livres, dialogar
que invoca “a multidão” do com um amigo. Prazeres além
pensamento e da experiência do que você pode imaginar
pan-africanista. Seu trabalho te aguardam.
nos lembra que muito é compar-
tilhado pela diáspora africana, nicole smythe-johnson
mas muito não é. O conceito de
negritude está relacionado, mas traduzido do inglês por
não é o mesmo que o conceito naia veneranda
do Black Power. Seria a Mami
Wata [Mãe Água] do Haiti, a esta participação é apoiada por:
Mami Wata da Louisiana? Mami Institut français.
133

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 133 09/08/23 11:18


kamal
aljafari

A Fidai Film, 2023


Um filme Fidai. Still do vídeo

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A obra de Kamal Aljafari parte de uma confiança em imagens
da crença e da exploração do de baixa resolução, ele usa a
poder do cinema de prestar montagem e a manipulação
testemunho. Para um artista de imagens como ferramentas
palestino trabalhando após a cinecoreográficas, para trazer
Nakba,1 essa afirmação pode esses fantasmas silenciosos ao
parecer paradoxal. Nas mãos de primeiro plano, fazendo que a
Israel, o cinema tem constante- representação espectral surja de
mente servido como ferramenta sua impossibilidade.
de colonização, excluindo os Em outros projetos, como
palestinos das representações Port of Memory [Porto da
de suas próprias paisagens e memória] (2010), Aljafari enfoca
espaços urbanos. Assim, como espaços íntimos e familiares
observa Aljafari, o povo pales- os quais, em uma espécie de
tino é duplamente desenrai- tempo suspenso, a repetição

K
zado – na vida real e também de rituais diários aparece como
no cinema. uma maneira de impedir a
Mas nenhuma expropriação catástrofe iminente. Em The
jamais é total. Assim como Camera of the Dispossessed
as pessoas, os pixels também [A câmera dos despossuídos]
resistem. Em Recollection (2023), seu projeto para a Bienal
[Recordação] (2015), Aljafari se de São Paulo, ele experimenta
envolveu em um esforço minu- com o formato da instalação,
cioso e brilhante para desfazer empregando justaposição,
o que ele chama de “ocupação montagem e efeitos visuais para
cinematográfica”. Ele explo- se reapropriar criticamente
rou três décadas de filmes de de imagens históricas saque-
ficção israelenses produzidos adas do Centro de Pesquisa
em Jaffa, sua cidade natal, em Palestino, em Beirute, em 1982,
busca daquilo que os fotogra- pelo exército israelense.
mas involuntariamente preser-
vam: a imagem da arquitetura omar berrada
da cidade como foi um dia, e
a imagem de muitos palesti- traduzido do inglês
nos, incluindo seus familiares, por mariana nacif mendes
que acidentalmente aparecem
ao fundo porque, por acaso,
passavam ali quando a cena
estava sendo filmada. Munido
135

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 135 09/08/23 11:18


kapwani
kiwanga

pink-blue, 2017
rosa-azul. Tinta rosa Baker-Miller, tinta
branca, luzes brancas fluorescentes, luzes
azuis fluorescentes. Vista da instalação,
Yuz Museum, Xangai (2018)

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o trabalho de Kapwani Kiwanga de controle?), enquanto o azul
nos afeta através de sentimen- (neon), dificultaria a localização
tos de confusão. essa afetação das veias, inibindo usuários de
não é tanto um método, mas um drogas injetáveis (prevenção de
caminho. por meio de vídeos, danos ou aumento de riscos?).
sons, performances y instala- diante desse trabalho y de
ções, bem como de um estudo seus desdobramentos, também
profundo, sua arte confunde os podemos atravessar esse cami-
fundamentos rígidos do mundo nho de confusão, imaginação y
moderno-colonial, sobretudo sua implicação por meio do que nele
perversa lógica binária. ao abalar há de embate contra o tempo
a rigidez dessas estruturas, como colonial, marcado pela lineari-
verdade/ficção, por exemplo, dade rígida entre passado, pre-
Kiwanga ativa não apenas um sente y futuro, dando lugar a uma
trabalho de destituição como complexidade técnica não mais

K
descolonização, mas, sobretudo, eurocêntrica, através da disposi-
nos convida a imaginar formas ção das cores (azul-rosa, branco)
radicalmente outras de conceber y das formas (entrada-saída,
y de nos implicar – para recupe- retilíneo-diagonal) em sentido
rar Denise Ferreira da Silva – com contrário daquele utilizado
o Mundo que somos. um Mundo para cercear y oprimir. talvez aí,
de permeios, atravessamentos quando nós fazemos a passagem
y confusões. rumo a rotas de fuga, inventamos
para a 35a Bienal, Kiwanga uma nova dança da temporali-
traz pink-blue [rosa-azul] (2017), dade. se nos deixamos desorien-
concebida a partir de sua pes- tar pela passagem de pink-blue,
quisa sobre instituições totais numa confusão entre entrada y
– caso das instituições psiquiátri- saída, podemos ainda sentir essa
cas y dos presídios – y o impacto instalação como uma grande
da arquitetura e design puni- y estranha lupa, geométrica,
tivista sobre nossas carcaças, diagonal y colorida, por meio da
além da vigilância constante. a qual podemos vislumbrar (y fazer
instalação traz à tona mecanis- parte de) um tempo não linear ,
mos que, na surdina, moldam, adentrando y inventando espa-
regulam y preveem as formas de ços não mais comandados pela
sociabilidade. assim, a cor rosa, lógica do cativeiro colonial.
de modo especial a Baker Miller
Pink, acalmaria instintos agres- abigail campos leal
sivos (reabilitação ou política
137

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 137 09/08/23 11:18


katherine A trajetória singular de
Katherine Dunham (1909-2006)
dunham como antropóloga e bailarina
permitiu imprimir sentidos
outros ao corpo negro, fissurou
os clichês e imaginários colo-
niais sobre danças, corpos e
contextos de origem africana
e respondeu às contingências
Washerwoman, 1956
de seu momento histórico
Lavadeira. Stills do vídeo mais amplo.
Ao fomentar a conversa entre
a antropologia e a dança de
modo tanto insuspeito quanto
inovador, etnografando danças
do Caribe e da América do Sul
com um jogo de corpo vigoroso
e pioneiro, fez emergir a antro-
pologia da dança como disci-
plina, e edificou posteriormente
uma técnica de dança e uma
escola de formação que hoje
são legados fundamentais.
Rigorosa em suas criações e
ideias, colocou em relação ele-
mentos do balé clássico europeu
e as danças rituais caribenhas,
construindo uma técnica com
linhas, isolamentos e ondulações,
além de variedades de tempos
e ritmos mais amplos do que as
formas de dança de concerto
da primeira metade do século
20. Ao apontar semelhanças,
deixou igualmente emergirem
as diferenças, sem temer as
contradições inevitáveis desse
movimento, causando surpresa
aos olhares eurocêntricos, por

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 138 09/08/23 11:18


demais convencidos da limitação gação da Lei Afonso Arinos
do corpo dos Outros. no país (Lei n. 1.390/1951), que
Em seus espetáculos, acen- considerava as práticas racistas
diam-se narrativas diaspóricas como contravenção penal. Cabe
ilustrativas de ritualísticas, ressaltar que nessa mesma
dramaticidades, espiritualidades época a coreógrafa estabeleceu
e modos da vida cotidiana que contato com a bailarina brasi-
eram catalisadores da experiên- leira Mercedes Baptista, que
cia comunitária. Sua investida posteriormente ingressaria em
nas realidades caribenhas sua companhia em Nova York.
tornou-se uma maneira de esta- Dunham, através de suas
belecer laços com a memória e coreografias e de seus movi-
a ancestralidade africanas e de mentos ao redor do mundo,
retomar arquivos para recriá-los, imaginou e fez circular repre-
à luz de uma percepção que sentações sobre o que pode ser

K
questionava os modos coloniais o corpo afro-diaspórico, e com
de ver o mundo negro. isso disseminou um conheci-
Sua articulação com a diás- mento próprio e de toda uma
pora negra em termos práticos e comunidade. Sua visão huma-
conceituais foi de tamanha rele- nista e seu ativismo contribuí-
vância que pode ter antecipado ram de maneira multidimensio-
a própria ideia de Atlântico nal para os campos das artes, da
Negro. Dunham vislumbrava educação e da luta antirracista,
a noção de diáspora africana entrelaçando esferas artísticas e
em sua dimensão intercultural acadêmicas de modo pertinente
e geográfica, mostrando ainda e necessário.
como o modernismo das danças
negras contribuiu para o campo luciane ramos silva
mais expandido da dança.
O trabalho da coreógrafa
evidenciava como a dança podia
se relacionar às questões que
atravessavam a vida social. Em
1950, durante turnê pelo Brasil,
sofreu uma ofensa racista no
Hotel Alvorada, em São Paulo,
que desencadeou intensas dis-
cussões no campo das relações
raciais, culminando na promul-
139

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 139 09/08/23 11:18


kidlat Mais conhecido como cineasta
independente, Kidlat Tahimik é
tahimik autor também de instalações fei-
tas em grande escala. Enormes
e complexas, suas cenografias
desenvolvem narrações indíge-
nas que confrontam as narra-
tivas coloniais e imperialistas.
Preocupado principalmente com
o extermínio e a destruição de

Indio Genius Brazil


Remix, 2023
Índio Gênio Brasil Remix
Colagem digital

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figuras mitológicas genuínas, meio humanas, meio animais, em
o artista recria, com nuances cenas que ecoam parques temá-
épicas, os choques entre cultu- ticos interculturais, de algum
ras. As múltiplas histórias e as modo inspirados na lógica das
muitas cenas que ganham forma exposições do século 19, organi-
em suas esculturas de madeira zadas pela empresa colonial.
parecem saídas da mente de um Ao desorganizar os cronó-
roteirista de Hollywood. Por fim, topos herdados dos discursos
personalidades históricas mes- modernos, que fizeram do
clam-se a personagens fictícias, saque e do extrativismo formas
promovendo um colapso no legítimas de governo planetário,
tempo, nos períodos consolida- o artista dispõe em primeiro
dos e em geografias distantes. plano outra sombra da violência.
Para a instalação na 35ª Bienal Desfazer as narrativas imperiais
de São Paulo, Tahimik propõe por meio da lógica degenerativa

K
um friso improvável que dispõe, das histórias contadas uma e
lado a lado, figuras mitológicas outra vez constrói uma forte
ancestrais: Igpupiara (termo tupi contraimagem do progresso.
que significa monstro marinho) e Em um mundo pós-colonial, a
Syokoy (espécie de homem-se- capacidade inventiva apoia-se
reia), originárias respectivamente em torções, combinações e
de povos indígenas brasileiros e mesclas do passado, a despeito
de povos filipinos. Esse é apenas das categorias que mantêm
um capítulo da viagem de circu- separadas formas de vida, cons-
navegação do explorador Fernão truções imaginárias comuns e
de Magalhães, na qual a invasão conhecimento. Desse modo,
abre espaço para a necropolítica estabelecer contato com as
que se estende para muito além instalações de Tahimik é como
dos seres humanos. Primeiro entrar em um ferro-velho legado
representadas como monstros, por todos os regimes imperiais.
depois exterminadas, as figuras
de Igpupiara e Syokoy personifi- carles guerra
cam o assassinato de imaginários
tribais, um profundo e implacável traduzido do inglês por
genocídio cultural que amplifica gabriel bogossian
sua tragédia com o capitalismo
ecocida racial. Helicópteros,
motosserras e mísseis num
confronto desigual com criaturas
141

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leilah
weinraub

SHAKEDOWN, 2018
Still do filme; 60’22’’

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O tempo no filme SHAKEDOWN sobre o que é trabalho? e sua
(2018) é um habitat, como afirma ligação com o indivíduo e com
sua realizadora. Por mais de a privacidade, o dinheiro, o
dez anos, entre 2002 e 2014, poder, o erótico, a excitação,
Weinraub reuniu um precioso os afetos, as intimidades, as
acervo de entrevistas e ima- personas performáticas, a ile-
gens do clube de strip-tease galidade, as sexualidades flui-
Shakedown, de e para lésbicas das, as famílias, os conceitos de
negras, em uma Los Angeles cinema e de imagem, o tempo
à beira da gentrificação e com e o clube como abrigo e possi-
violentas incursões policiais. bilidade de ser. Aos desavisa-
Interrompendo a concepção dos, SHAKEDOWN poderia ser
linear e consecutiva ocidental compreendido apenas como
e suscitando temporalidades e um documentário de resistên-
espacialidades que entrelaçam cia da cena underground de Los
passado, presente e futuro, Angeles, capital e refúgio queer
Weinraub apresenta uma obra- estadunidense, mas Weinraub

L
-pesquisa de 72 minutos desmon- resiste à ideia de documentário
tada em mais quatrocentas horas e o define como sendo “sua
de filmagens, flyers e inúmeras própria cápsula”, realizado em
fotografias produzidas quando a determinado momento como
artista trabalhava como fotógrafa um espaço para a curiosidade
e videolady do clube que dá título e a fantasia. Além disso, o que
ao longa-metragem. O resultado Weinraub fez em SHAKEDOWN
é um filme-experiência, íntimo, foi uma obra de arte visceral.
ousado e celebrativo da lesbian-
dade negra afro-americana. barbara copque
Em 2020, SHAKEDOWN
se tornou o primeiro filme
não pornográfico lançado na
plataforma Pornhub. O filme,
que remonta em novas sen-
sibilidades, visualidades e
temporalidades as histórias de
Ronnie-Ron e das Shakedown
Angels − Egypt, Ms Mahogany
e Jazmyne −, é um documento
no qual se entrecruzam várias
camadas, como as indagações
143

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luana
vitra

Registro de produção da obra


comissionada pela Fundação Bienal
de São Paulo para a 35a Bienal

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A transmissão de histórias orais Vitra para a 35ª Bienal de São
é uma das fontes da pesquisa de Paulo. A instalação tem como
Luana Vitra. De origem mineira, elemento principal uma série de
cresceu ouvindo relatos de flechas-patuás preparadas para
parentes que envolvem desde o desbloqueio de caminhos.
celebrações, saberes e tec- Feitas de ferro, material para-
nologias afro-diaspóricas, aos digmático e de uso recorrente
traumas do passado escra- em seus trabalhos, elas atuam
vista da região de Ouro Preto, como condutores, apontando
onde vive sua família. Assunto para lugares de prosperidade
constante são as histórias que onde a “possibilidade preva-
envolvem o legado de séculos lece”. Ao centro da instalação,
de economias extrativistas que nota-se que algumas delas
ainda promovem a degradação estão agrupadas e posicionadas
dos ecossistemas locais. Desses diagonalmente entre si. Para
relatos, Vitra se recorda de ouvir Vitra, essa composição cria
sobre pessoas escravizadas que um caminho que espacializa os

L
costumavam levar canários para significados e as possibilidades
o trabalho em minas de ouro. que cada agrupamento carrega.
Pássaro de canto incessante Somam-se à composição do
e metabolismo acelerado, era trabalho, cuias de cobre, pássa-
utilizado como sentinela. Seus ros banhados em prata e cobre,
pulmões reagiam em instantes metais de alto caráter condu-
à presença de gases tóxicos tivo e pó de anil, substância
emanados pela extração mine- frequentemente utilizada para
ral, e seu silêncio era o alerta limpeza energética.
para que os mineiros abrissem
caminhos para escapar daquelas thiago de paula souza
galerias, evitando os perigos de
uma intoxicação letal.
A sobrevivência daquelas
pessoas significava a morte
das aves, evidenciando como o
regime escravagista não devas-
tou apenas vidas humanas,
mas estendeu seu terror sobre
outras espécies.
A narrativa acima é o ponto
de partida da obra de Luana
145

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 145 09/08/23 11:18


luiz de abreu A investigação em dança e em
performance conduzida por Luiz
de Abreu presentifica o corpo
negro em estado de denúncia.
Os vídeos que compõem a
35ª Bienal constituem documen-
tos do Brasil entre meados dos
anos 1990 e meados dos anos
2000. Neles, o artista enfrenta a
experiência de um racismo que
resistia à elaboração coletiva e
institucional, mas com pungen-
tes efeitos de subjugação racial
em níveis econômicos, sociopo-
líticos e subjetivos. As coreogra-
fias presumidas para pessoas
negras no contexto do mito da
democracia racial são explora-
Samba do crioulo doido, 2004
das no trabalho do artista, que
Registro de performance entrega seu corpo para respon-

35bsp-estudo-guia_12x17_21.indd 146 10/08/23 16:34


der aos estereótipos que surgem confirma o status de abjeção da
e confinam o repertório sim- vida travesti, e nos diz sobre o
bólico esperado para as artes limite reduzido, ou nenhum, do
negras. O país é a presença que efeito de transformação empre-
sustenta e conforma as cenas, endido por gestos artísticos que
seja como pano de fundo do constroem hipérboles e reen-
cenário em Black Fashion [Moda cenam a violência colonial e de
negra] (2006), como bandeira gênero, escolhas que arriscam,
que veste o palco e o artista inclusive, contribuir com o
em Samba do crioulo doido estereótipo porque não ende-
(2004), ou mediante temas reçaram o desmonte do fator
clássicos da brasilidade que estereotipante. Em Autópsia
compõem a trilha sonora das (1997), entretanto, o espaço do
obras. Mas, afinal, como dança riso se fecha. Na insuportável
um corpo negro? E que efeitos reprodução do horror dos rela-
e afetos uma pergunta elabo- tos de violência narrados em off,
rada nesses termos é capaz (ou abre um espaço gregário para

L
não) de gerar? Embora o artista solidariedade e para o ritual,
relate que não cria com base retornando, talvez, à memória
em gêneros,1 o riso branco, de uma dimensão litúrgica que
cisgênero e perverso da pla- sua dança, sem dúvida contem-
teia afirma comédia, uma vez porânea, apreendeu desde os
que é acionado em cenas que terreiros de umbanda.
poderiam causar profundo des-
conforto caso o público fosse cíntia guedes
capaz de reconhecer a tragédia
vivida pela negritude. O riso do
performer, ao contrário, entra
e sai de cena demonstrando a
marcação coreográfica; trata-
-se de uma alegria que revela
sua artificialidade, porque é
decomposta enquanto gesto,
assim como todas as qualidades
e movimentos atribuídos ao
corpo negro o são. Em Histórias
infantis (1995), ao performar a
travestilidade como experiência
na forma de caricatura, Luis
147

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m’barek
bouhchichi

projeto para Nous sommes ce qui


vous ne voulez pas voir, 2023
Nós somos aqueles que vocês não
querem ver. Nanquim, grafite e
aquarela sobre papel

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A questão da raça é surpre- Zida (1925-1973), poeta-cam-
endentemente ausente na ponês negro que se revoltou
produção artística do norte contra seu status de parceiro
da África. Pelos últimos dez de arrendamento no sul do
anos, M’barek Bouhchichi vem Marrocos. Bouhchichi coleta
elaborando formas e métodos as palavras em grande parte
para abordá-la. Sua intenção esquecidas de Ben Zida e as
não é tanto confrontar a brutal grava em esculturas.
realidade do racismo antinegri- Para a Bienal de São Paulo,
tude, mas resgatar a substância Bouhchichi une poesia e cerâ-
e os ritmos da vida negra que, mica enquanto transpõe lacunas
para ele, são principalmente geográficas que mantêm a diás-
aqueles do trabalho artesanal, pora africana dispersa. Inspirado
em especial no sudeste mar- pela obra do ceramista estaduni-
roquino: as texturas do que dense escravizado David Drake
as mãos negras produzem, a (c. 1800-1870), ele cria uma série
textura do tempo passado com de vasos gravados com versos de
famílias artesãs, ouvindo suas poetas negros do norte da África,
palavras, vendo suas reiterações afro-brasileiros e afro-america-

M
culturais de gestos ancestrais e nos – como uma partitura para
sua ética de paciência diante da uma dança alternativa de eman-
discriminação. cipação que elimina as fronteiras
Para Bouhchichi, esses cera- nacionais ao encenar debates
mistas e ferreiros são poetas (no entre mãos negras de ambos os
sentido grego do verbo poiein, lados do Atlântico. Com esse
que significa “fazer”). Eles trabalho, o artista busca desa-
criativamente moldam a matéria prender as hierarquias da arte
e dão vida nova a ela. Com ocidental, ao mesmo tempo
seu modo tátil de testemunhar em que aponta para um mundo
uma história de racialização, estruturado, não pela reação à
eles desempenham um papel opressão, mas por uma trama
semelhante ao dos poetas orais ativa e poética de relações entre
Amazighs que, uma geração línguas e geografias.
após a outra, têm registrado a
vida de suas comunidades em omar berrada
canções e recitações. A poesia
é importante para a prática de traduzido do inglês por
Bouhchichi. Ele tem prestado mariana nacif mendes
especial atenção a M’barek Ben
149

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mahku

Acelino Sales Tuin


Nahene Wakame, 2022
Acrílica sobre tela, 163,5 × 260 cm

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Desde 2013, quando foi fundado “arte espiritual”), e procuram dar
por Isaías Sales (Ibã), Txaná conta dos diferentes ritmos de
dos cânticos Huni Meka, e seus narração dos mitos nos cantos.
filhos Acelino, Bane e Maná, o Na iconografia Huni Kuin,
Movimento dos Artistas Huni a área de imprecisão entre o
Kuin vem estabelecendo uma sonho e o mito é frequente-
iconografia singular, cujas mente marcada por uma mol-
soluções formais permitem dura que se adapta ao suporte
uma rápida identificação. trabalhado, assegurando a
Caracterizadas pela presença de autonomia da história e garan-
figuras humanas e não humanas, tindo sua livre manifestação. No
integradas por uma complexa perímetro da miração, não há
trama gráfica que reflete a hierarquias entre os entes repre-
estrutura das pinturas corporais sentados e a fratura entre abs-
ao mesmo tempo que reservam tração e figuração perde todo
pequenas áreas de cores inten- sentido. O que encontramos é
sas, a pintura do MAHKU dis- o resultado de uma imagem-
pensa as codificações ocidentais: -processo, realizada por muitas
renuncia à mimesis, à perspec- mãos, a partir do diálogo e do

M
tiva, às regras de proporção e à aprendizado entre os envolvi-
técnica canônica, para se com- dos, cujo objetivo final é a cura,
prometer unicamente com às for- tanto de quem a realizou quanto
ças de miração, experiências de do observador que a acessa,
visões estimuladas pela ingestão transformando-a em experiência
de ayahuasca durante os rituais espiritual.
de nixi pae. As pinturas podem
apresentar também traduções renato menezes
de narrativas míticas e histórias
ancestrais, descritas nos cânti-
cos rituais, cujo aspecto comum
é a presença viva dos entes da
natureza e a relação de continui-
dade entre eles. Resulta desses
procedimentos uma combinação
de formas e cores, que reacende
o problema do movimento em
pintura, deslocando-o do terreno
da ilustração para o da experiên-
cia interior (que Ibã chama de
151

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malinche

Lienzo de Tlaxcala, 1552


Desenho policromado sobre papel
de casca de árvore, 65 × 26,5 cm

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entre os anos de 1500 e 1529, cimentos imprevisíveis anunciam
viveu Malinche, uma Nahua que esses rasgos?
nasceu provavelmente no que Malintzin foi conhecida
hoje chamamos de costa do por ser uma colaboradora da
Golfo do México, y Malinche invasão ibérica. entretanto,
seria a forma distorcida de podemos questionar: será que
Malintzin captada pelo ouvido ela apenas estava tentando
espanhol, que é apenas mais um sobreviver ao extermínio que se
dos tantos nomes atribuídos a anunciava? será, ao contrário,
ela, cujo nome de nascimento é que seu trabalho silencioso era
desconhecido. de um ataque interno, por meio
nos registros oficiais da de sabotagem y contágio? de
História, Malinche é conhecida qualquer forma, suas habilida-
por supostamente ter atuado des linguísticas notáveis podem
como tradutora y conselheira nos servir como caminho para
de Hernán Cortés na invasão y ir além da História, erodindo
destruição do Império Asteca a sua linguagem. será que em
(1519-1521). Lienzo de Tlaxcala se encontra
em Lienzo de Tlaxcala1 depa- criptografada alguma pista?

M
ramos com a recriação de um talvez aí estejam contidos
momento histórico cuja violên- elementos para fabularmos um
cia poética apenas podemos outro tipo de refeitura profética
vislumbrar: o brutal encontro do passado. assim, esse mapa
entre Tlaxcalanos y Castelhanos. não indica as coordenadas
diante dessa imagem misteriosa, para um país geográfico, mas
somos convocadas a presen- para lugares há muito esque-
ciar o inominável: o barulho cidos y que ainda estão para
ensurdecedor dos mosquetes, serem imaginados.
crianças que choram diante do
cadáver de seus pais ensanguen- abigail campos leal
tados, cabanas incendiadas,
jovens sendo violentadas por
espanhóis, saques, destruição,
soldados espanhóis assassinados
sem ao menos saber de onde
partiu a flecha. mas podemos
também nos questionar: que
histórias guardam essas man-
chas estranhas? ou que aconte-
153

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manuel Atitlán é o lago que banha as
margens de diversos vilarejos
chavajay no departamento de Sololá,
na Guatemala. Protegido por
três gigantescos vulcões, ele
é o produto de uma erupção
ocorrida há 84 mil anos. Em
suas margens, habitam descen-
dentes dos grupos Caqchiquel
e Tzutuhil. Manuel Chavajay,
nascido na cidade guatemal-
teca San Pedro la Laguna, é um
desses descendentes.
Como uma extensão desse
lugar surpreendente, seu tra-
balho o explora como um local
sagrado, onde sua existência
acontece e é tecida com o
Oq Ximtali, 2017/2023
conhecimento de seus ances-
Registro de performance trais. Para os habitantes, Atitlán

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é um epicentro do turismo e a dinâmica da comunidade
um lugar que contribuiu com que está se desarticulando e
a ideia do que constitui o desaparecendo em razão da
repertório nacional. Mas, para interferência de culturas opos-
Chavajay, as forças vinculan- tas. No trabalho de Chavajay,
tes que surgem da experiência sempre se encontram reflexos
de pertencer a esse lugar são de um intenso senso de dor
superiores a qualquer clichê. histórica que se alterna ao
Em sua performance em vídeo senso de esperança; certo medo
Oq Ximtali (2017/2023), pode-se que surge com a resiliência; a
observar isso. Esse projeto é o força do trabalho na terra e na
registro de uma ação comuni- água funde-se ao grande senso
tária, surgida da preocupação de vulnerabilidade. Em uma
do artista com esse local e do poética excepcional, Oq Ximtali
convite a um grupo de pescado- sugere esse sentimento recor-
res para que amarrassem seus rente de impossibilidade que
barcos tradicionais − conheci- se tornou uma característica
dos como cayucos − enquanto proeminente do presente e que
remavam nas águas translúcidas ameaça o equilíbrio das comu-

M
do lago. A imagem, registrada nidades, das relações humanas
por um drone, é um círculo e interespécies.
quase perfeito dos vinte barcos
que carregam vários recur- rossina cazali
sos e objetos simbólicos. As
embarcações fluem com as traduzido do espanhol por
correntezas da água ou exercem ana laura borro
forças opostas.
No final da ação, o artista
sugeriu aos participantes
que poderiam se desamarrar,
movendo-se de acordo com sua
vontade ou coordenando-se
para retornar juntos à margem,
o que gerou um momento
de confusão. A expressão
Oq Ximtali, na língua tzutuhil,
significa “eles nos amarraram”
ou “nós estamos amarrados”.
Essa ação explora ou recupera
155

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 155 09/08/23 11:18


marilyn
boror bor

Monumento vivo, 2021


Registro de performance, Bienal
Sur, Ciudad de Guatemala (2021)

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Para a Bienal de São Paulo, feroz que afeta tantas pessoas
a artista de origem Maya- no continente e, em particular,
Caqchiquel Marilyn Boror Bor em San Juan Sacatepéquez,
apresenta dois projetos que cidade onde a artista nasceu.
exploram seu compromisso Tanto o monumento quanto
com a visão contraetnográfica e os objetos configuram um ato
com a desarticulação de formas de enunciação dos conflitos
de colonialidade. Seguindo os gerados pela implementação de
modelos do monumento euro- uma indústria que literalmente
peu e da museografia etnográ- recobre de pó de cimento os
fica, os objetos e as ações de campos férteis, as fontes de
Bor modificam as percepções água e todos os recursos vivos
hegemônicas e o escrutínio de dessa região.
um público condicionado por Não existe a palavra arte
estereótipos e por preconceitos. entre os povos nativos. O uso de
Monumento vivo (2023) é elementos ocidentais associa-
uma ação na qual o corpo da dos ao mundo da arte é uma
artista, vestido com o traje maia, estratégia para revelar a situa-
é disposto em uma base na qual ção difícil, mas também para

M
suas pernas ficam momenta- resgatar a presença e a reverbe-
neamente presas no cimento. ração dos referentes originais.
Nos quitaron la montaña, nos A intenção de Boror Bor é tirar
devolvieron cemento [Tiraram a proveito de certas caracterís-
montanha de nós, nos devolve- ticas dessas linguagens tota-
ram cimento] (2022) consiste em lizantes, institucionalizadas e
uma série de objetos tradicio- acadêmicas para desmantelar
nais produzidos com cimento. os lugares-comuns que o mul-
Simulando breves ficções, Boror ticulturalismo proporcionou.
Bor substitui o milho da comida Como artista indígena contem-
pelo cimento, a argila dos potes porânea, seu desejo é resgatar
pelo peso desse outro material, cosmogonias que foram invisibi-
por meio do qual a alma (cux, lizadas e fragmentadas ao longo
na língua caqchiquel) e o valor dos séculos.
simbólico originais dos objetos
vão se perdendo. Ambas as rossina cazali
obras constituem uma resposta
aos debates sobre o modelo de traduzido do espanhol por
desenvolvimento econômico ana laura borro
na Guatemala e o extrativismo
157

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marlon
riggs

Tongues Untied, 1989


Línguas desatadas.
Still do filme; 55’

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Desde que passou por uma política dos autores na análise
revaloração por meio do traba- fílmica – ou seja, atribuir o que
lho de pesquisadores, curadores emana da mise en scène quase
e distribuidores,1 os filmes de exclusivamente ao diretor –
Marlon Riggs (1957-1994) têm impõe limites. Para melhor com-
sido frequentemente reveren- preendê-lo, seria útil observá-lo
ciados pelo conteúdo e pelo como um criador em interlo-
potencial de identificação que cução com uma coletividade
geram. Proponho, contudo, que de indivíduos artisticamente
destaquemos sua obra como brilhantes e intelectualmente
integrante de uma história das rigorosos: ativistas negros-gays,
formas nas artes, em especial intelectuais do feminismo negro
no cinema. e poetas, como Essex Hemphill.
O cinema de Riggs é da As realizações de Riggs
ordem do antissilêncio e, como empenharam-se para que
tal, promove a valorização do homens negros-gays tanto
expressar-se. Voz e ritmo cons- fizessem parte da experiência
tituem as principais estratégias negra como da americanidade.
formais de sua obra. Não repre- Investidos de uma reconciliação

M
senta um acaso que a poesia, de identidades, seus filmes bus-
com suas infinitas possibilidades caram o acerto de contas rumo
de arranjos sonoros e elípticos, a uma redenção possível junto a
representa um traço inconfundí- três identidades estruturantes:
vel de seus filmes. negro, estadunidense e gay.
Tongues Untied [Línguas Em Tongues Untied, Riggs
desatadas] (1989) inaugura a postula essa reconciliação
fase mais inventiva da carreira assertiva como projeto estético
de Riggs e reúne os traços e político.
estilísticos que costumamos
associar à sua obra. Como
heitor augusto
muitos de seus filmes sub-
sequentes, Tongues Untied
transita do radicalmente pessoal
– avizinhando-se, assim, de
um confessionário – ao indubita-
velmente coletivo – enamoran-
do-se, portanto, da polifonia.
Falar de Riggs é também
reconhecer que o paradigma da
159

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maya A principal contribuição de
Maya Deren (1917-1961) para
deren a coreografia é considerar a
própria câmera como parte
integrante da realidade dinâ-
mica da dança. A câmera não
é apenas um instrumento
para registrar um evento cênico
diante do qual é colocada, mas
para ela mesma dançar em uma
estrutura holística. E com a
câmera, quem a segura. Maya
se interessa pela dança pela sua
afinidade com a poesia e sua
produção não literal de signi-
ficado; a fluidez inatingível do
movimento é consistente com a
Meditation on Violence, 1948
Meditação sobre a violência. ideia do cinema como uma arte
Still do filme. Filme digital HD,
preto e branco, som (do original
do tempo, não da representa-
em 16mm); 12’25’’ ção. Para ela, a arte é a produ-

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ção formal de uma realidade a singularidade de Chao-Li Chi
e experiência autônomas. Em para produzir um movimento
suas próprias performances, circular e infinito, a forma
Maya mergulha nessa realidade, perfeita que contém todas as
que não é dada, mas construída formas. A despersonalização do
por meio de recursos técni- dançarino e da câmera é tocada
cos com os quais nunca deixa pelo abandono típico dos rituais
de experimentar: montagem de posse, mas aqui a violência
invisível, slow motion, quadros é contida, silenciada, não para
congelados, uso de diferentes negá-la, mas precisamente
lentes, inversão de movimento, para mostrá-la à distância, em
dissociação de imagem e som. sua contiguidade com a beleza
E é essa dupla experiência, de e com a vida. O olhar distan-
atuar e fazer, de estar dentro ciado nos aproxima do divino
e fora, no trabalho técnico e de uma maneira quase oposta
na criação poética, no mundo à do corpo em transe: aqui isso
material e no transcendente, é alcançado graças ao trabalho
que se revela em Meditation com a matéria (o corpo, o papel,
on Violence [Meditação sobre a a arquitetura, a flauta, os tam-

M
violência] (1948). Esse filme é o bores) e a forma (movimento,
inverso dos rituais de possessão velocidade, enquadramento,
que tanto a fascinaram (e que edição de imagem e som) como
ela mesma praticou) no Haiti. meios da dança e do cinema.
Em contraste com esses rituais,
a dança mostrada aqui é um josé antonio sánchez
exercício de autocontrole, que a
câmera compartilha, assumindo traduzido do espanhol por
a própria gravidade do dança- ana laura borro
rino, aquela aparente leveza
que só é alcançada por meio
do treinamento e da inteligên-
cia do corpo. O resultado é um
filme que pode ser considerado
perfeito em sua construção
formal. Perfeito em sua preca-
riedade: um conjunto de papel
fotográfico e um manuseio
hábil da edição nos permitem
transcender o plano de Maya e
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melchor
maría mercado

Sem título (Los pecados capitales), século 19


Os pecados capitais. Aquarela sobre papel, 20,5 × 33 cm

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Embora tenha sido exibido pela célebre triunfo do mercado e
primeira vez quase um século da democracia.
depois, em 1991, o Álbum de Há uma maneira particular
paisajes, tipos humanos y cos- de abordar o espaço e o tempo
tumbres [Álbum de paisagens, em Álbum. Contra a visão única
tipos humanos e costumes] foi e linear da história escrita,
produzido entre 1841 e 1869, propõe-se um formato sequen-
nos primórdios da República da cial e dialógico, em que cada
Bolívia. Indo na contramão obra é – em si mesma e em
da historiografia tradicional relação às outras – uma cintila-
e do gosto neoclássico predomi- ção discursiva.
nante, Melchor María Mercado A socióloga Silvia Rivera
(1816-1871) tece outras formas de Cusicanqui, que estudou deta-
“narrar a nação”. lhadamente a prática de seu
As centenas de aquarelas compatriota, falou da terra natal
que compõem a obra traça uma como um punhado de imagens
genealogia própria por meio queridas e contraditórias. Assim,
de diferentes grupos humanos, longe de prefigurar o que mais
costumes e regiões do país, nos tarde seria instituído como um

M
quais as populações indígenas mapa, a obra de Melchor María
e as cholas desempenham um Mercado sugere zonas de encon-
inegável papel de liderança. No tro e conflito em uma alegoria
entanto, ao mesmo tempo em entre o vivido e o significado.
que captura a cultura, a arqui-
tetura e a natureza boliviana, o beatriz martínez hijazo
artista aponta a fragilidade do
poder político (que vivenciou traduzido do espanhol por
em primeira mão) e satiriza a ana laura borro
corrupção das elites coloniais.
Dessa forma, além de uma
tentativa inicial de implantar uma
memória e uma episteme andinas,
também é possível perceber as
fraturas e ambivalências que
marcaram o período: a margi-
nalização de certas identidades
ou classes sociais e uma obsti-
nada dominação colonial que
se revelou como o outro lado do
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min tanaka e
françois pain

Min Tanaka à La Borde, 1986


Min Tanaka em La Borde.
Stills do vídeo. Vídeo, cor, som; 24’

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Uma pessoa vestida com trapos dizado mútuo. Esse é o elemento
caminha com dificuldade. As coreográfico do impossível que
roupas modestas talvez tenham permeia esta obra. Tanaka é um
alguma relação com o filme dançarino japonês que atua na
A louca de Chaillot.1 Desajeitada, contramão da dança tradicional.
a figura quase parece que está Desde 1974, tem desenvolvido
aprendendo a andar. No entanto, um modelo muito específico de
seu aprendizado não é nada performance que rompe com
funcional, e sua maneira de se as disciplinas e que ele chama
relacionar com o mundo não é de hiperdança, enfatizando a
comum. Mas essa dificuldade unidade psicossocial de um
resulta em uma beleza de movi- corpo sem órgãos ou funções
mentos que se torna algo mais predeterminadas. Ao longo de
belo do que uma simples sequên- sua carreira, desenvolveu uma
cia de passos: é uma dança. prática que é impossível de ser
Todas as partes do corpo atuam classificada. Em suas palavras
e interagem entre si, mas não da “uma dança sem nome”. Tanaka
forma esperada. Pés, pernas e já disse em alguma ocasião que
braços se movem de forma inve- juntos encarnamos um corpo

M
rossímil, gerando correlações e único que não pertence a nin-
reciprocidades inesperadas com guém: o corpo da terra.
tudo o que está à sua volta, seja Min Tanaka à La Borde [Min
humano ou não. Essa ação foi Tanaka em La Borde] (1986) foi
realizada pelo dançarino e ator realizado por François Pain, um
(como ele mesmo se descreve) cineasta francês que colaborou
Min Tanaka na clínica francesa com Félix Guattari em La Borde,
La Borde, onde Félix Guattari e cuja obra se concentra em
trabalhou por um tempo com questões de esquizoanálise e
Jean Oury, fundador da clínica. antipsiquiatria, entendendo o
Ambos psicanalistas, Félix e Jean cinema como uma máquina para
procuraram criar um espaço gerar espaços de cuidado.
que não reproduzisse relações
hierárquicas de poder, um lugar sylvia monasterios
de intercâmbio entre assisten- e tarcisio almeida
tes e pacientes, entre equipes
de serviços e médicos. A forma
como ele se relaciona com os
pacientes de La Borde evoca
acompanhamento, afeto e apren-
165

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morzaniel iramari

Mãri Hi, 2023


A árvore do sonho.
Still do vídeo. Vídeo, cor, som; 17’

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Estamos diante de Watorikɨ um brilho excessivo cintila de
– a casa dos espíritos –, uma repente; a sensação do pó de
presença rochosa que os não Yãkoana. O que os Yanomami
indígenas tentam traduzir pelas veem no sonho? “Outras
palavras serra do vento. Mas, a coisas que vocês brancos”,
partir de agora, escutaremos a diz Kopenawa.
língua dos Yanomami ao longo Se a fumaça lógica da colo-
de percursos traçados entre os nização ameaça os Yanomami
sons das matas. Caminhos que – garimpo ilegal, doenças e
Morzaniel Ɨramari, decide per- desmatamento –, ela também
correr modulando as perspecti- volta-se contra os não indígenas
vas a partir de sua cosmovisão. colonizando cada centímetro da
Nos filmes apresentados na vida, até mesmo as recônditas
35ª Bienal de São Paulo, Mãri regiões dos sonhos, quantifi-
Hi [A árvore do sonho] (2023) e cando-os e algoritmizando-os
Urihi Haromatimapë [Curadores para domesticá-los nas cidades.
da terra-floresta] (2014), o A filmografia de Ɨramari propõe
cineasta investiga a realidade visões desse mesmo-mundo-
dos sonhos dos Yanomami, -outro que os demais terráqueos

M
para quem as dimensões dos insistem em ignorar, como quem
mundos físico, onírico e espiri- foge às responsabilidades.
tual se encontram intimamente No final de Mãri Hi, os esforços
conectadas a cada elemento da tradutórios fecham as rotas de
vida na floresta. Ou melhor, da fuga com a seguinte fala-sonho
terra-floresta – como costumam de Kopenawa, que surge na
chamá-la –, pois é preciso que tela com um caderno na mão:
eles nos relembrem de que a “essas palavras foram traduzidas
floresta é o mesmo planeta em outras línguas dos brancos
compartilhado por todos nós. e agora são capazes de enten-
Nessa jornada sonho aden- dê-las. Vamos compartilhar
tro, a voz-guia é soprada pelo este pensamento para juntos
corpo de Davi Kopenawa. O dis- ficarmos mais sábios”.
curso, então, infiltra-se nos des-
vãos das imagens e materializa igor de albuquerque
zonas de criação cuja existência
seria impossível em registros
literais ou etnográficos. Vemos
vultos em meio à folhagem, as
lentes não enfocam o óbvio;
167

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mounira al solh

Sama’/Ma’as – (‫توت‬-‫( – )توت‬Fruto/Buzina), 2014


Cortina dupla-face com patchwork de tecidos, 273 × 278 cm

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Em décadas recentes, as na condição daqueles represen-
guerras em curso no Líbano e tantes de uma cidadania global
na Síria pairam sobre a obra marcada pela exclusão e pela
de Mounira Al Solh. Ao con- vida precária.
tato com migrantes e pessoas Em séries de patchworks
deslocadas, ela responde com como Sama’ / Ma’as (2014-
uma prática conversacional 2017), Al Solh apresenta a
frenética, que reconecta todos arbitrariedade radical que, ao
esses indivíduos que adquiriram desestabilizar sentidos fixos, faz
status diaspórico pelo distan- as palavras funcionarem como
ciamento de sua terra natal. Por signos polissêmicos. As obras
meio desses encontros, uma dessa série enfatizam a fonética
língua cotidiana, popular, que – e, portanto, o performativo
carrega vestígios de expe- e o iterativo –, como se uma
riências biográficas, emerge vida precária fosse uma vida a
como matéria-prima da artista, ser vivida por meio de identida-
partindo o corpo político ante- des mutantes e heterogêneas.
riormente unificado que a língua O desejo pelo coletivo e uma
árabe poderia ter representado agência feminista com frequên-

M
em infinitas histórias, contadas cia redimem as consequên-
por pessoas ao redor do mundo. cias dramáticas de guerras e
Cada obra de Al Solh exala de exílios.
uma patologia não declarada do
exílio. Vídeos, patchworks e per- carles guerra
formances costuram fragmentos
coletados durante as conversas traduzido do inglês por
e sua experiência nômade. gabriel bogossian
Um exemplo emblemático é
Lackadaisical Sunset to Sunset
[Apática de pôr do sol a pôr do
sol] (2022), pequeno tapete que
a artista estendeu ao longo do
tempo nos diferentes luga-
res em que viveu, recolhendo
fragmentos e marcas de uma
vida cotidiana. Como muitos
de seus trabalhos, o resultado
é absolutamente terapêutico e
insiste na dimensão patológica e
169

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nadal walcot

Jamaica, 1986
Serigrafia sobre papel,
54,5 × 36 cm

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No ato da repetição reside a Também na dança revela-
potência da variação. Nesse -se a inteligência de seu traço,
teatro de sombras da memória, inclusive quando incorpora e
as imagens vão e vêm, mas recria as expressões da música e
nunca são as mesmas, pois, no dos bailes cocolos (termo usado
detalhe, toda coisa é outra coisa. na República Dominicana para
O punho que inclina o facão no designar os imigrantes hispano-
corte da milionésima cana-de- falantes de ascendência africana
-açúcar, o quadril espiralando-se do Caribe). Nessas obras, as
nos bailes de rua, ano após ano, linhas das figuras humanas
a mão curvando-se à vontade carregam-se na mesma matriz
imperiosa de um desenho que energética das culturas que
exige mais esforço físico e mais compõem as coreografias da
tinta no papel. Ninguém faz a memória pessoal e coletiva.
mesma coisa duas vezes: é isso Assim, emergem dos assuntos
o cotidiano. Nos canaviais, nas – bem como da forma – a força
cidades ou nos ateliês. O artista das contradições subjacentes a
dominicano Nadal Walcot (1945- uma realidade histórica, teste-
2021) estava ativamente a par munhada e modificada por um
desse estado de coisas – sem artista que interpreta a violência
esconder uma dívida que tinha colonial mas também a euforia

N
com M.C. Escher. Walcot, que do povo nas festas; que vê o
aprendera muitas línguas em avanço da industrialização che-
seu ofício juvenil de intérprete, gar apenas para os poderosos.
acaba por operar outro tipo de
tradução: das cenas do dia a dia igor de albuquerque
para a linguagem do desenho.
As locomotivas fumegantes,
a exploração do trabalho nos
engenhos de açúcar, as tramas
e transações da mercancia nos
portos. As paisagens são sempre
humanas, mesmo se virmos ape-
nas a figura de um trem. Quando
criança, Walcot costumava
entrar escondido em um vagão
e passava dias fugido de casa,
para, na volta, ser chicoteado
pela avó.
171

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nadir
bouhmouch
e soumeya
ait ahmed

Fadma Boutalaa, Zahra Hicham


e Aicha Amoum numa sessão
de gravação musical no pomar
de maçãs, 2022

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Cada projeto de Soumeya Ait mina de prata da África, que se
Ahmed e Nadir Bouhmouch é apropriou de sua água e a poluiu,
uma tentativa de esculpir espaços destruindo oásis e amendoeiras.
coletivos para criar e compartilhar O filme destaca o cotidiano e os
“a partir de baixo”. Em sua opi- gestos dos aldeões e suas formas
nião, a arte deve estar conectada autóctones e criativas de orga-
às formas populares de cultura e nização política e construção de
aprender com os modos ances- memórias (círculos de diálogo
trais de relação. A dupla não visa multigeracionais, poesia oral
representar uma cultura “nacio- etc.). O processo de produção
nal”, tampouco busca a “univer- cinematográfica adotou esses
salidade”. Para os artistas, tais mesmos mecanismos como refe-
categorias servem apenas para rência: Bouhmouch colaborou
homogeneizar a produção cultu- ativamente com a comunidade
ral. Ao contrário, eles evidenciam de aldeões, que se tornaram os
tradições locais e específicas, e produtores do filme.
se esforçam para fazê-las existir O projeto de Bouhmouch e
em uma escala maior por meio Ait Ahmed para a Bienal de São
de formas de solidariedade que Paulo reúne os diversos formatos
se estendem além das fronteiras de seu trabalho (vídeo, publica-
nacionais. ções, performances, encontros)

N
Esse modo de pensar em torno de um desafio: a área
tornou-se evidente durante a da exposição deve aspirar a ser
Documenta 15, no espaço de uma assays, ou seja, uma praça
hospitalidade oferecido pelo central na tradição Amazigh, um
Le 18, coletivo de Marrakesh do espaço de assembleia, como
qual Bouhmouch e Ait Ahmed declaram em sua proposta para
são integrantes destacados. a exposição: “uma tecnologia na
É também um mecanismo qual a oralidade produz mecanis-
essencial de seu projeto Awal, mos horizontais para a tomada de
que investiga maneiras de docu- decisões populares, resolução de
mentar artes tradicionais orais e conflitos, criação artística, troca
de decolonizar práticas contem- de conhecimento e produção
porâneas nas regiões do Atlas e agrícola – tudo de uma só vez”.1
do sudeste do Marrocos.
Amussu (2019), longa-metra- omar berrada
gem dirigido por Bouhmouch,
retrata a resistência de uma traduzido do inglês por
comunidade rural contra a maior mariana nacif mendes
173

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nikau
hindin

Nikau Hindin aplicando


a wai tohu (textura em
relevo) final na fibra aute

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Nikau Hindin recupera a prática pode transformá-la em canoa. As
tradicional Maori – desapa- imagens são ricas em proteção e
recida há mais de um século em potencial deslocamento.
– de confecção de aute: tecido O sistema gráfico elaborado
obtido a partir de um longo com pigmentos à base de terra
processamento da casca da nas pinturas de Hindin fazem
amoreira. As operações de referência aos mapas estela-
Hindin se desdobram na trans- res, método dos antigos Maori
missão dessa prática em ações para observar os deslocamen-
coletivas, de modo que todo o tos das estrelas no céu, como
sistema de conhecimento e a forma de orientação no espaço
cosmovisão envolvidos possam e no tempo, para navegar e
renascer e se restabelecer atual- viver. Linhas e setas produzem
mente, como um trabalho de dinamismo em movimentos de
reconexão dos que estão aqui subida e descida, represen-
com seus ancestrais. tando a oscilação das estrelas,
Da criação e do uso de fer- tomando o horizonte como
ramentas típicas para produzir ponto de referência. Sua pes-
incisões na casca da amoreira quisa abrange um sistema de
e abri-la até os utensílios para valores e nos convoca a realizar
bater e abrir a trama dessa uma genealogia dos processos,

N
pele de árvore, embebida em uma genealogia da memória
água, tornando a secá-la para e o exercício do respeito aos
depois banhá-la outra vez, a ciclos e padrões da natureza, no
matéria-prima desse processo balanço entre água e tempo.
é feita de tempo, e é nele e por
ele que se dá a transformação emanuel monteiro
mágica da qualidade material
da casca em tecido.
Tanto a casca quanto essa
matéria derivada da fibra vegetal
são um invólucro, um tipo de
pele. Os poetas sabem que casa
e corpo partilham da mesma
natureza. Que a árvore quando
em pé nos faz sonhar altitudes do
céu e que suas raízes nos levam
às profundezas do ser. Quando
deitada, facilmente o devaneio
175

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 175 09/08/23 11:18


niño Niño de Elche, que se identifica
como “ex-flamenco”, compartilha
de elche com o “cinemista” Val del Omar
uma inquietação transcendental
e uma disposição experimental.
A inquietação transcendental
o incentiva a se aventurar em
direção às margens da realidade
social e política, colocando o
vista da exposição: Auto Sacramental
Invisible. Una representación sonora a
canto flamenco em um lugar de
partir de Val del Omar, envolvimento e denúncia, ou
Auto sacramental invisível. Uma
representação sonora baseada em Val del
em direção à realidade viven-
Omar, Museo Reina Sofía, Madri (2020) ciada nas profundezas do carnal
e do espiritual. Essa segunda
busca, que durante séculos foi o
domínio do religioso, pode entrar
em conflito com a primeira e
produzir confusões ideológicas
e lamentações pessoais. Niño de
Elche não os evita, assim como
Val del Omar, que não conseguiu
escapar de seu contexto, nos
anos mais sombrios da ditadura
de Franco, sob a ideologia cató-
lica nacional de inspiração falan-
gista. Entretanto, sua criação
não teve motivação política, mas
foi visionária. A sua busca pelo
absoluto o levou à produção de
um cinema total, que ele chamou
de “mecamística” e que consis-
tia em uma série de invenções
técnicas que foram patenteadas
e que conceberam uma expansão
do cinema por meio do transbor-
damento da tela, o som diafô-
nico, a TactilVisión e outros, nos
quais trabalhou até sua morte no
laboratório PLAT.

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Auto Sacramental Invisible. alcançar o invisível. A carne
Una representación sonora a também é barro, a voz também
partir de Val del Omar [Auto é água, mas seu meio pode ser a
sacramental invisível. Uma eletrônica. O canto é transferido
representação sonora baseada para o meio magnético (agora
em Val del Omar] (2021) é um digital), torna-se concreto,
projeto que revela a devoção realizando o sonho de Manuel
de Val del Omar à experimen- de Falla (que havia especulado
tação acústica. Em seu título e sobre a música mecânica e o
estrutura, se refere aos autos som gravado como meios que
sacramentales, peças teatrais possibilitam dispensar o intér-
com conteúdo alegórico, que prete). E a coletividade teatral
reinterpretou para expressar desaparece do palco, mas se
suas obsessões: a água das fon- manifesta na multidão de vozes
tes, o pecado original, a bomba que compõem o palimpsesto
atômica, a experiência de um do roteiro e na multidão de
tempo à margem da história, olhos e mãos que intervieram ao
Granada como um caldeirão longo dos anos para tornar essa
de culturas, entre outros. Em instalação possível. O teatral
sua realização projetada, esse também é realizado no convite
auto assumiu a forma de uma ao espectador para participar

N
instalação sonora; o “invisível” dessa outra coreografia não
refere-se à ideia de uma meia- espetacular: aquela composta
-luz que favorece a audição em com os movimentos na escuta
um espaço iluminado apenas ativa de um som espaçado, sem-
por lâmpadas votivas. Foi daí pre fugaz, como as lâmpadas e
que Niño de Elche partiu, de as imagens que contribuem para
uma escuta ativa, de uma leitura a invisibilidade.
atenta do roteiro e de suas ins-
truções de palco e do arquivo de josé antonio sánchez
som, composto por centenas de
fitas cassete. As fonografias do traduzido do espanhol por
“cinemista” atravessam o corpo ana laura borro
do “ex-flamenco” em uma espé-
cie de ritual de posse. A técnica
vocal é colocada a serviço dessa
experiência transcendental e
poética, que não precisa se esta participação é apoiada por:
Acción Cultural Espanola (AC/E)
desprender do material para e Embaixada da Espanha no Brasil.
177

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nontsikelelo Ao longo da diáspora negra
podemos nos maravilhar com
mutiti a capacidade dos povos africa-
nos de afirmar a força de suas
tradições, de sua imaginação
e sua capacidade criativa. De
tão marcante, além de intensa
e plástica, a produção africana
disseminou-se por diversos ter-
ritórios, resultando uma cultura
nova e ancestral. Na diáspora, a
beleza das permanências e das
releituras deram origem a uma
cultura afro-americana, atraindo
novos símbolos e sentidos,
sobretudo estéticos e políticos,
fruto de elementos e vivências
T(H)READ postcard, 2023
Cartão-postal T(H)READ.
cotidianas que constantemente
Impressão digital ganham novos sentidos.

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A produção artística de como em todo o continente
Nontsikelo Mutiti, nascida no africano. Assim, ocorreu a
Zimbábue, promove um mer- apropriação que transformou
gulho nos significados das em artístico-político-cultural
tranças e dos cabelos como aquilo que antes, talvez, fosse
um dos elementos da diáspora artístico-cultural-ancestral.
africana que carregam não só Para mergulhar nesse uni-
sentidos políticos e estéticos, verso de apropriações na diás-
mas subjetivos, que dizem muito pora, Mutiti explorou o espaço
do cotidiano, das experiências das lojas de produtos de beleza
e da história das pessoas negras (Beauty Supply Stores), identi-
na diáspora. A capacidade de ficando elementos estéticos e
produzir uma técnica e uma visuais que se repetem e que
cultura visual que se mani- demonstram anseios de beleza e
festa em determinado tipo de humanidade, que se manifestam
trançado, cujas repetições, no através de uma gramática par-
todo, produzem um padrão ticular dos desejos de pessoas
singular, são consideradas pela negras na diáspora: African
artista uma técnica carregada Pride, Africa’s Best, Dark and
de sentidos culturais de intensa Lovely, Africare, Black Thang
força política. são expressões que, antes de

N
A trama de tranças que chegarem às embalagens dos
ornamenta os oris de pessoas produtos de beleza, fizeram
negras, sobretudo mulheres, parte de um vocabulário polí-
além de estar diretamente tico. Tão fluidas como os fios
ligada ao desejo de manifestar que atravessam o espaço entre
beleza, desde a década de 1970 os dentes do pente, para Mutiti
também está ligada ao desejo são a imaginação e a capaci-
de afirmação da ancestrali- dade criativa africana e afro-
dade africana. O corpo como -diaspórica são algo resistente,
instrumento político, que deixa ao mesmo tempo adaptável e
mensagens por onde passa, em constante transformação,
foi habilidosamente utilizado produzindo beleza ao final.
como ferramenta de demons-
tração da beleza e da conexão luciana brito
com o continente africano,
seja nas ruas do Brasil, dos
Estados Unidos, Inglaterra,
França, Colômbia, Cuba, assim
179

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patricia gómez 1. os projetos e as intervenções
dessas duas artistas partem de
e maría jesús espaços conflituosos e resi-
duais: bairros gentrificados,
gonzález prisões desativadas, hospitais
psiquiátricos em desuso ou,
como em À tous les clandestins
[Para todos os clandestinos]
(2019), centros abandonados de
detenção de imigrantes.

2. essas periferias de sentidos


articulam discursos de tensões e
saturações semânticas que, alu-
dindo ao marginal, escrevem a
centralidade do que não vemos
porque não queremos ver.
Please don’t paint the wall.
CHARLIE-I. 1-d. CIE El Matorral,
Fuerteventura, 2014
Favor não pintar a parede.
Impressão mural sobre tela

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3. ler no esquecimento des- 6. o sujeito proposto parece que
sas margens − na degradação diz respeito, narrativamente, à
desses resíduos sociais − implica memória, uma vez que todas
escrever, com base nas ruínas as intervenções das artistas
do silêncio, o núcleo de uma têm um sentido arqueológico
memória que constitui uma que se baseia na recuperação
sobreposição de textos. sistemática de estratos dife-
renciados de signos. Apesar
4. o centro de detenção de disso, essa arqueologia não se
imigrantes de Nouadhibou, na baseia nem em uma restauração
Mauritânia, criado para con- da experiência vivida nem em
trolar o movimento migratório seu resgate documental, mas
feito pelo mar, da África para em nos fazer experimentar a
as Ilhas Canárias, responde a recuperação que foge à nostal-
uma realidade física e, portanto, gia da memória e a seus desvios
simultaneamente, a uma reali- românticos tardios.
dade moral.
7. assim, o trabalho apresentado
5. a proposta de María Jesús não configura um resultado,
González e de Patricia Gómez mas as pegadas de um pro-
ajusta-se, em essência, a essa cesso: o de nossa experiência
realidade física. De fato, nesse como sujeitos éticos.

P
e em outros projetos, elas
trabalham seguindo diretrizes david pérez
artístico-técnicas tradicionais:
estamparia, gravura, arranque traduzido do espanhol por
de murais, fotografia e vídeo. ana laura borro
Por sua vez, a exposição das
dessas obras produzidas tam-
bém se faz de modo tradicional.
No entanto, o que se propõe,
além do estético, não nos coloca
diante de um objeto, mas de um
sujeito: um sujeito ativo que nos
ativa e nos desafia eticamente.

esta participação é apoiada por:


Acción Cultural Española (AC/E)
e Embaixada da Espanha no Brasil.
181

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pauline boudry /
renate lorenz

(No) Time, 2020


(Sem) tempo.
Videoinstalação HD e 3 cortinas; 20’

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Paredes, pisos, tecidos, per- que rege a visão moderna sobre
sianas e vidros. Luz e fumaça. a matéria, entra em colapso.
Superfícies escuras e opacas, Tanto o movimento das perfor-
foscas, brilhosas, transparen- mers como os elementos visuais
tes ou semirreflexivas. Caixas e fílmicos dos trabalhos são
pretas recortadas pelo enqua- regidos por paradoxos funda-
dramento do olho de vidro da mentais às vidas minoritárias: a
câmera, que também dança. congruência entre hipervisibili-
Correntes e perucas em locais dade e opacidade, transparência
improváveis, sapatos colori- e reflexividade. Aqui é possível
dos, invertidos, mirando duas se mover simultaneamente em
direções simultaneamente. mais de uma direção. Corpos
A frente é o verso é a frente é fílmicos e corpos dançantes
o verso. A edição vai e vem, desconfiguram os condicio-
sorrateira, espelhando a linha namentos político-culturais
do tempo sem jamais revelar preestabelecidos e aproximam-
seus pontos de virada. O fim é -se da dinâmica subatômica
o início é o fim é o início. Assim que também os constitui.
é o deslocamento coreográfico Adentramos a esfera quântica,
dessas peças: multidirecional. na qual tudo existe em inesgotá-
Exercícios para despistar o olhar veis dimensões se movendo em
que, condicionado à lineari- infinitas direções; onde tudo é

P
dade, espera encontrar tempo essencialmente não localizável
progressivo e continuidade e, por isso, incapturável; onde
espacial. Ensaios para guerrilha se pode, finalmente libertos das
e fuga na pista de dança portátil amarras do tempo, imaginar
que são os corpos. Permanecer outros mundos.
na sombra por escolha, desa-
parecer. Voltar o foco de luz miro spinelli
para fora, ofuscar o olhar de
quem vê.
As videoinstalações apre-
sentadas por Pauline Boudry e
Renate Lorenz experimentam
espaço-temporalidades não
mensuráveis pela física newto-
niana. A linearidade progressiva
e hierárquica (algo sempre fica esta participação é apoiada por:
Fundação Suíça para a Cultura
atrás, ou abaixo, ou no passado), Pro Helvetia América do Sul.
183

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philip Terrible Sounds [Sons terríveis]
(2022) consiste em um tríptico
rizk composto de uma projeção de
vídeo em dois canais, acompa-
nhada de uma série de gravuras.
Três elementos conceituais
embasam essa obra.
O primeiro deles nos leva a
1922, ano em que os britânicos
consentiram em dar ao Egito sua
independência. Foi nesse ano
em que o arqueólogo Howard
Carter (1874-1939) encontrou
a tumba de Tutancâmon, que
daria início a um movimento de
egiptomania em escala mundial.
Por desentendimentos com
as elites locais, a expedição
britânica de Carter foi forçada
a abandonar o local. A tumba,
como todas as antiguidades
Terrible Sounds, 2022
egípcias, servira para alegações
Sons terríveis. Still do filme sobre a grandeza dos britâni-

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cos. Ela foi reaberta em 1924, cal de 2021, na qual Geerken,
a pedido do rei Fuad I, como ao lado de músicos egípcios
símbolo do passado glorioso e libaneses, responde com
do Estado africano e de suas uma sessão de improvisação
demandas por independência à intenção da Conferência de
nacional. ocidentalizar a música árabe em
O segundo elemento con- formas europeias.
ceitual é a música, tanto como O terceiro elemento con-
poder libertador quanto por ceitual, que surge nas duas
seus laços com o colonialismo projeções, assim como nas gra-
e o neocolonialismo. Em 1932, vuras em exibição, são alusões
como parte de um movimento às revoltas camponesas que
geral de elites ansiosas pelo levaram os britânicos a anun-
reconhecimento do Egito como ciar a independência nominal
participante da modernidade do Egito em 1922. Em Terrible
ocidental, foi organizada a Sounds, é possível reconhecer
Conferência da Música Árabe, alguns dos traços típicos da
que tinha o intuito de ociden- obra de Rizk, que utiliza com
talizá-la. Em um texto que maestria materiais de arquivo,
acompanha Terrible Sounds, rompendo a linearidade crono-
Rizk elabora algumas perguntas lógica e espacial, reorganizando
centrais: “Como nos dirigirmos a narrativa hegemônica de uma

P
para os sons do colonialismo? perspectiva decolonial.
Como nos dirigirmos para
os sons do neocolonialismo? marco baravalle
Mas, mais importante, como
nos dirigirmos para o som de traduzido do inglês por
nenhum deles?”. A resposta à gabriel bogossian
última pergunta é sugerida pela
história de Hartmut Geerken
(1939-2021), músico alemão que,
fascinado pelo caráter afrofu-
turista da obra do compositor
afro-americano Sun Ra (1914-
1993), mudou-se em 1967 para o
Cairo, onde foi um dos criadores
do primeiro grupo egípcio de
free jazz. A segunda projeção
mostra uma gravação musi-
185

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quilombo No dia 20 de novembro de
2009, o presidente Luiz Inácio
cafundó Lula da Silva decreta o reco-
nhecimento da comunidade
Quilombo Cafundó como área
de interesse social, mas sua his-
tória vem de muito antes, pelo
menos desde 1887, quando o
casal Joaquim e Ricarda Congo
herda as terras do seu senhor
depois de ganhar a alforria. Até
hoje seus descendentes habi-
tam o território localizado na
área rural de Salto de Pirapora,
a doze quilômetros do centro
de Sorocaba, no estado de
São Paulo.
Seu Jovenil segurando o retrato do seu
tio Otávio Caetano, mestre da cupópia e
festeiro da comunidade, sem data

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Seu Otávio Caetano era pesquisadores, antropólogos
músico, sanfoneiro de primeira, e linguistas, que vêm até o
dono das melhores festas, con- quilombo e ficam aqui para
tador de histórias, responsável estudar esse dialeto. E a pre-
por manter e transmitir o dialeto1 sença dos acadêmicos dentro
para os mais novos. A gente do Quilombo Cafundó fez com
está aqui graças à estratégia que os ataques diminuíssem.
do sr. Otávio, grande mestre. Aquelas eram as vidas que
Em meados de 1970, quase um importavam, que o seu Otávio
século depois de Joaquim e tanto queria trazer e trouxe para
Ricarda, os quilombos da região a comunidade. E com essas
de Sorocaba começaram a cair. pessoas brancas e poderosas
O último a ser extinto foi o do (orofombe, em cupópia) den-
Caxambu, que era um quilombo tro da comunidade a conversa
irmão. E testemunhando esses ficou diferente.
ataques, o seu Otávio temia O sonho do seu Otávio
que o mesmo acontecesse com Caetano era saber ler e escre-
o Quilombo Cafundó, que na ver. Ele morreu sem conseguir
época tinha diminuído até sete isso, mas hoje a gente sabe que
alqueires e meio de terra. E ele dominava outros saberes
quando essas ações começa- que foram pouco valorizados.
ram a ficar mais violentas, seu Hoje a gente tem a certeza de
Otávio juntou a sua família e que ele era um homem muito
entendeu que a vida do preto além do seu tempo. A sua estra-

Q
não tinha valor. E que, se eles tégia muito ajudou o Cafundó
quisessem continuar vivos, nesse processo de resistência
precisavam ir atrás de vidas de e sobrevivência.2
valor. Então ele vai até o centro
sorocabano e começa a cupo- cintia delgado, uma das líderes
piar, isto é, a falar no dialeto, o da comunidade, em conversa
que chama tanta a atenção, a com sylvia monasterios
ponto de o Jornal Cruzeiro do
Sul fazer uma reportagem em
que afirma que no Cafundó, que
na época ainda era um bairro, há
um povoado onde se fala uma
língua “estranha”.
A notícia tem uma grande
repercussão, atraindo alguns
187

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raquel Em Rasura (2021), Raquel Lima
revisita e reinventa uma história
lima permeada por traumas − traumas
íntimos, sociais, coletivos. Entre
abandonos, ruínas, camadas de
escritas e hábitos, sua poesia-
-performance transpõe os muitos
séculos precedentes por meio
de reminiscências que subsistem
e voltam à superfície como em
um ciclo eterno. Não é possível
interromper o tempo que corre,
mas Lima encontra maneiras de
atravessá-lo, moldá-lo com sua
voz e decifrá-lo com o corpo
em movimento.

Rasura, 2021
Still do vídeo

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Usa a palavra “rasura” para O trauma dos séculos de
além de sua semântica, tendo escravidão cujas consequên-
nela a chave de decodificação cias seguem tendo reflexos no
e de tradução. E se essa palavra destino das populações negras
não for o ponto de partida de é elaborado com cuidado nas
seu pensamento, é, com cer- palavras com as quais a artista
teza, seu ponto de chegada. Em se expressa performática-poé-
contraponto a “apagamento”, tica-visualmente. As palavras
a anulação total de uma ideia, estão inscritas na “oratura” –
de uma identidade ou de uma uma dimensão ontológica que
história, “rasura” pressupõe o propõe outras formas de narrar
erro ou a intenção de apagar o cotidiano e a história; uma
algo parcialmente ou um refazer cosmovisão – que coreografa
sem disfarces. Na obra, “rasura” sentidos em tempos distintos.
significa também resistência. Nenhum passado pode
Do interior de pequenos ser apagado, mas seus vestí-
barcos abandonados, Lima gios podem ser transmutados
nos põe a olhar pela janela o pela arte. Ao menos pela arte
oceano ao redor e, nele, vemos emancipatória, um caminho
outros barcos abandonados transpassado pela intersec-
à deriva. Mais do que vida, cionalidade consciente, que é
houve ali exploração e algo percurso, movimento e que dá
sucumbiu – mas não foi apa- novas possibilidades aos tempos
gado. Na ilha de São Tomé, no históricos.
golfo da Guiné, em São Tomé
e Príncipe, as casas coloniais pérola mathias

R
outrora abandonadas guardam
rachaduras, vazios assombro-
sos, paredes com tintas des-
cascadas, ruínas sobre ruínas
que, ainda assim, são habitadas
em seu precário permanecer.
Quem ocupa esse cenário são
corpos negros, parte da história
primordial do lugar para o qual
seus ancestrais foram levados
como mercadoria − o humano
tornado coisa, rasurado, mas esta participação é apoiada por:
República Portuguesa –
não apagado. Cultura / Direção-Geral das Artes.
189

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ricardo
aleixo

Ricardo Aleixo: Afro-atlântico, 2023


Still do filme.
Direção: Rodrigo Lopes de Barros

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Ricardo Aleixo compõe poemas, covisual”, trabalhando a dimen-
performa palavras, dança ideias são escrita, visual e sonora.
e vocaliza imagens. Seu trabalho O corpo soma-se a isso como
destrincha a inter-relação dos instrumento que emula, incor-
códigos nos processos – não pora, apresenta e até carrega a
necessariamente lineares – de poesia. E nesse corpo poético
criação. No entanto, a ideia de tudo é expressão, como nas per-
códigos é insuficiente, porque, formances com o “poemanto”,
antes da palavra, a letra pode uma espécie de parangolé com
expressar não uma linguagem, e o qual ele faz as “corpografias”.
sim várias: a imagem, a vocaliza-
ção e seu som. Nas palavras do pérola mathias
próprio poeta, “escutar a letra
e escrever a voz” é a síntese
do que é sua obra e atua-
ção artística.
A poesia de Ricardo Aleixo,
que se dedica ao ofício há mais
de quarenta anos, se conecta
com o dia a dia, mas não só.
Informa afetos, mas não só. Ela
é/pode ser o próprio senti-
mento; pode narrar um sonho
ou ser ela mesma o sonho. Ao
“Palavrear”, abre os caminhos
para que possamos perambular

R
pelo labirinto que ele conhece
“por tê-lo / de cor na ponta dos
pés”. Nesse percurso, a paisa-
gem de suas “composições” é
continuamente alterada pelos
contextos, reais e históricos,
que impõem contingências ao
poeta, ao indivíduo, ao local
onde habita e à língua que fala.
Aleixo atualiza o conceito uti-
lizado pelos poetas concretos a
partir da obra de James Joyce e
chama sua poesia de “reverbivo-
191

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rolando
castellón

Dossier – Inventário abreviado, 1960-2010


Livro de artista

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“Minha religião é a natureza e o extraordinário, que inclui o que
museu, minha igreja”, declara ele chama de “objetos encontra-
o artista Rolando Castellón, uma dos”, bem como desenhos feitos
das grandes referências da arte com lama, imagens e compo-
na América Central. Nascido na sições nas quais o acidental
Nicarágua e com fortes laços impera. Mas o todo não compõe
com a Costa Rica, Castellón algo simples ou meramente
iniciou sua vida artística a partir naturalista. Em toda a obra de
de uma lembrança, a de sua tia Castellón estão embutidas a iro-
Rosa, que costumava desenhar nia e os paradoxos dos possíveis
com a ponta de uma vassoura diálogos entre as culturas indus-
no chão de sua casa, depois triais e a natureza, a história pré-
de varrê-lo e molhá-lo com -colombiana e pós-colombiana
água. Herdeiro daquele gesto, e a contemporaneidade. Esse
durante muitos anos, Castellón corpus de múltiplos trabalhos
formou seu itinerário de rituais e também identifica uma produ-
poéticas, e a lama e todo objeto ção artística cuja ética se baseia
inerte descartado ou substân- na peculiaridade dos materiais,
cia viva, de origem vegetal ou sua harmonia visual, seu poder
animal, eram sua matéria-prima. conceitual e o respeito pelo
As caminhadas na praia ou na contexto físico e natural. Como
cidade, sua aguda observação, um observador atento do micro,
a coleção de objetos e elemen- Castellón explora a plasticidade
tos desvalorizados levados para e a harmonia visual de folhas
seu estúdio, os efeitos do clima, secas, cadáveres de insetos,
o abandono, a escuridão, a sementes ou espinhos, para

R
presença de vermes e os ciclos reintroduzi-los no regime do
das plantas, são as dinâmicas simbólico e do ritualístico.
que ele usa para moldar estraté-
gias performáticas. rossina cazali
Na impossibilidade de
reduzir seu trabalho a um único traduzido do espanhol por
projeto, a presença de Castellón ana laura borro
nesta edição da Bienal de São
Paulo consiste em uma seleção
− ou melhor, um inventário − de
obras. No espaço expositivo
estão depositados apenas
fragmentos de um universo
193

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rommulo Milton Almeida dos Santos
(1926-2001) talvez tenha sido
vieira o mais proeminente e impor-
tante geógrafo brasileiro do
conceição século 20 que se especializou
em estudos urbanos e teorizou
as condições sociais e políticas
da urbanização brasileira, antes
que os estudos pós-coloniais
ganhassem base acadêmica. Em
seu livro A natureza do espaço:
Técnica e tempo. Razão e emo-
ção. Razão e Emoção, de 1997,
Santos afirmava que a cidade

O espaço físico pode ser um lugar abstrato,


complexo e em construção, 2021
Vista da instalação, Instituto Inhotim,
Brumadinho (2021). Metal, madeira, resina,
fibra de vidro, polipropileno, poliuretano e
pintura automotiva

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moderna de hoje é “luminosa” e escultórica para a 35ª Bienal
que a “naturalidade” da tecnolo- de São Paulo, o artista cons-
gia e da informação resulta em trói paredes com materiais de
uma condição rotineira e mecâ- construção e com detalhes
nica da vida cotidiana. Por outro comumente usados em favelas
lado, os espaços da cidade ocu- e bairros das periferias, como
pados pelos pobres são áreas tijolo de barro seis furos, telha
urbanas “opacas”; no entanto, cerâmica e balaústres coloniais.
elas representam os espaços de Essas paredes e colunas dóricas
aproximação e de criatividade greco-romanas sustentam fron-
em oposição às zonas luminosas tões neoclássicos que expressam
e aos “espaços de exatidão”. valores socioculturais e políticos.
São os espaços inorgânicos que Eles são justapostos por escudos
se abrem e, por escaparem às suspensos da brigada militar com
racionalidades hegemônicas, imagens de batalhões de choque,
as populações pobres, excluídas remetendo a janelas ou espelhos.
e marginalizadas, são fonte de Por fim, uma série de carrinhos
criatividade e de possibilida- de supermercado são dispostos e
des futuras. espalhados pela obra, uma refe-
Em seu último trabalho, rência ao capitalismo e ao con-
Rommulo Vieira Conceição sumo, mas também à mobilidade
recorre às teorias espaciais de que oferece a possibilidade dos
Santos, bem como a fotografias encontros, além da construção e
das condições espaciais cotidia- do redesenho de valores.
nas, elementos arquitetônicos
e detalhes de espaços opacos mario gooden

R
margina­lizados de cidades
brasileiras, como a Favela Nova
Jaguaré, em São Paulo, a Favela
Santa Marta, no Rio de Janeiro,
e o Bairro Humaitá, em Porto
Alegre. Nesses espaços opacos,
que por vezes estão sob pressão
da polícia militar, Conceição
aborda a construção criativa
de experiências localizadas e
suas críticas implícitas à fusão
entre capitalismo, colonialismo
e poder. Em sua instalação
195

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 195 09/08/23 11:19


rosa
gauditano

Vidas proibidas,
da série Lésbicas, 1979
Impressão sobre papel
de gelatina e prata

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As fotografias relacionam-se raram a intimidade dos casais,
com o tempo. E essa experiên- os elos afetivos estabelecidos
cia insere-se em uma dinâmica no bar, as novas configurações
do olhar, que parte de um lugar familiares, e expunham, este-
no passado que aponta para ticamente, uma resistência
outro tempo que jamais cessa política. Apesar de o ensaio
de se reconfigurar. É desse ter sido censurado, a jovem
modo que as fotografias de fotojornalista não imaginava
Rosa Gauditano abrem para que seu olhar apontaria para
nós o tempo. Era 1964 quando a o futuro, tempo em que as
ditadura interveio nos costumes mulheres lésbicas do presente
visando a moralização da socie- ocupariam o mesmo espaço das
dade. A repressão era, explícita mulheres do passado. Assim, as
e predominantemente, dirigida cenas captadas suscitam novas
aos “subversivos”, aos “comunis- experiências, recriando memó-
tas”, às pessoas “anormais” e às rias e sendo renovadas por elas,
pessoas com comportamentos pois, em 19 de agosto de 1983,
“desviantes”. Assim, pessoas o bar, testemunha do processo
negras e LGBTs¹ foram persegui- de formação política do grupo
das, detidas de modo arbitrário, Lésbica-Feminista (LF), pro-
violentadas e mortas. tagoniza o Levante do Ferro’s
Ao mesmo tempo, em um Bar – a primeira manifestação
contraponto, lésbicas criavam organizada por lésbicas contra a
movimentos de resistências. discriminação e o silenciamento
E uma dessas ações foi a manu- da sexualidade entre mulheres.
tenção de locais de sociabilida- Essa data, desde 2008, é reco-

R
des, como bares e boates. Em nhecida em São Paulo como o
1979, Gauditano, contratada Dia do Orgulho Lésbico. E, em
pela revista Veja e sensível 2023, as Imagens proibidas de
aos acontecimentos políticos, Rosa Gauditano retornam como
tornou visível o invisibilizado ao propositoras de novas reflexões.
registrar e celebrar os corpos
lésbicos, durante dois meses, barbara copque
no Ferro’s Bar, em São Paulo.
São registros marcados por
uma forte proximidade entre a
fotógrafa e as frequentadoras.
São imagens que, para além das
estigmatizações vigentes, nar-
197

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rosana
paulino

Rosana Paulino em seu


ateliê, São Paulo, 2023

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Hipersexualização, trabalho servil o sossego do rio, reconfigura
e mãe preta. Esses são alguns memórias e tece outras narra-
estereótipos de mulheres negras tivas e mitologias. Nas séries
presentes no imaginário brasi- de 2019 Búfala, Senhora das
leiro. Essa coisificação e apro- plantas e Jatobá, ao questionar
priação sexual do corpo regulam a construção de uma subjeti-
condutas e constroem identida- vidade que não contempla o
des sempre nocivas. Naturalizam, feminino negro, Paulino constrói
reduzem e fixam esses corpos em outros arquétipos e reivindica
uma relação de dominação que as afetividades e as psiques
perpassa gênero, raça e classe, expropriadas, revelando a
sujeitando as mulheres negras a proximidade dessas mulheres
situações de grande vulnerabili- com a natureza, cujos corpos se
dade social. fundem com plantas e animais,
Em um movimento de con- enraizando, cultivando galhos
testação que perpassa toda a e ampliando a valorização de
sua trajetória, Rosana Paulino, outras sabenças, todas enreda-
ao confrontar as tais violên- das pela ancestralidade.
cias, desconstrói estereótipos E estar enredado, nas reli-
e as representações do corpo giões de base africana e afro-
feminino racializado, ao tensio- -brasileira, é ser um pouco as
nar (ou revelar) como as teorias coisas, ou seja, nessas religiões,
científicas fundamentaram as as mulheres são constituídas e
teorias raciais na história oficial. constituem a natureza. Como é o
Educadora, pesquisadora com caso da série Mulheres-Mangue
doutorado em artes visuais e (2022-2023), a avó das avós da

R
intérprete do Brasil, Paulino série Jatobá, que, com suas raí-
faz do corpo um lugar de zes aéreas − já não é mais neces-
memória; um corpo que opera sário se esconder – e conectadas,
pensamento e abriga questões como é o pensamento afro-dias-
a serem revisitadas. Falando pórico, possibilita trocas e vivem
por e para esse corpo, ela tece, entre mundos: é vida e morte,
desestabiliza e subverte as começo e fim, terra e água, sal-
certezas da colonialidade que gado e doce, preto e branco, e é
nos atravessa. o meio, como a lama.
O corpo da artista tam-
bém carrega o tempo. Um barbara copque
tempo transformador que inter-
rompe violências e que perturba
199

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rubem
valentim

Rubem Valentim em
seu ateliê, sem data

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O artista Rubem Valentim (1922- as bases de sua contribuição
1991) combinava elementos do estética radical para a tradição
modernismo e da abstração artística brasileira e internacio-
geométrica com as culturas nal. Desse modo, a presença
africanas e afro-brasileiras, e integral do Templo de Oxalá na
com várias correntes filosóficas 35ª Bienal de São Paulo, sem
e místicas orientais, sempre em dúvida, concretiza o pensa-
busca de uma consciência da mento e o legado do artista.
terra, do povo. O templo é a celebração e a
Em um trabalho vigoroso manifestação de uma poética
por constituir uma linguagem visual brasileira, que estabe-
universal, Valentim incorporava lece a riscadura brasileira, uma
símbolos e motivos inspirados identidade mobilizadora de
em rituais religiosos, oriundos insígnias geométricas e elemen-
da cosmogonia do candomblé, tos simbólicos para expressar
abrindo caminho para uma suas conexões entre o físico e
geometria numinosa e abstrata o metafísico. O templo é um
que impregnava suas pinturas, ato que cinde o tempo, é como
relevos e esculturas. flecha que nunca tarda.
Por meio de círculos, triân-
gulos, trapézios, retângulos e horrana de kássia santoz
cores do panteão dos orixás,
o artista criou a cada obra
uma nova rítmica. Rigoroso e
inventivo, o artista alcançou
o equilíbrio entre forma e cor,

R
que pode ser observado na
monumentalidade do conjunto
de esculturas e relevos que
compõem a obra Templo de
Oxalá, exibida parcialmente e
pela primeira vez em 1977 na 14ª
Bienal de São Paulo.
Um dos textos fundamentais
para a historiografia da arte, foi
com o emblemático “Manifesto
ainda que tardio” (1976), em que
Valentim declarou seu propósito
político e conceitual, e lançou
201

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rubiane Atirar insistentemente uma
sequência de pedras em direção
maia ao oceano, investigar o corpo
como receptáculo da força dos
ventos, realizar deslocamentos
em sinergia com o reino mineral,
esgarçar o tempo da escrita em
relação à duração das plantas,
respirar memórias a partir da
capacidade sônica para aces-
sar tempos imemoriais, lixar
madeiras para escavar os textos
presentes na própria pele, são
alguns (entre os muitos) ges-
tos que estruturam a tessitura
conceitual e transdisciplinar de
Rubiane Maia.
Speirein, 2021 O que está em jogo nas situa-
Espiões. Registro de performance,
PSX: a decade of performance art in
ções propostas pela artista, que
the UK, Londres tem sua produção guiada por

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um híbrido entre performance, (sobretudo não humano) como
imagens e escrita, é sempre a cocriadores de suas obras, a
construção de um estado de artista [re]afirma seu compro-
percepção que permite ao seu misso com a vida em um jogo
próprio corpo (e ao de quem que envolve tanto um exercício
com ele se afeta) a possibilidade de fabulação crítica (e clínica)
de alargamento e transmutação como um brotamento daquilo
do que nele está inscrito através que poderíamos chamar de
do tempo. cuidado. Esse cuidado, contudo,
eleva-se, amplia-se em direção a
Um corpo que escuta, um estado coletivo, carregando
alimenta e multiplica em si uma rede de histórias,
as frequências, vozes relacionamentos e perceptos
e gritos que nos ante- coletivos e individuais.
cedem. Se cada um de Em Book-Performance
nós é a condensação da [Performance-Livro], projeto
história vivida desde o em desenvolvimento e apre-
nascimento e antes dele, sentado na 35ª Bienal de São
quando uma memória Paulo, Rubiane Maia organiza
[ou um conjunto de uma série de ações, pensadas
memórias] se atualiza em resposta a textos auto-
por meio de uma ação biográficos particularmente
performática, ela deixa influenciados por memórias
de ser memória ou transgeracionais traumáticas
fantasma para se tornar ligadas a questões de gênero
uma percepção coletiva, e raça. Através do gesto e da

R
uma constelação.1 colaboração com outras perfor-
mers (sempre atravessadas por
Nesse sentido, o corpo, nos questões comuns a sua história,
contextos que são evocados inscrita pela migração, pela
por Maia, extrapola (ou mesmo maternidade e pelo pensamento
recusa) as concepções bioló- diaspórico), a artista elabora
gico-histórico-ocidentais a ele uma metodologia texto-corporal
atribuídas, tornando-se um que deseja “metabolizar memó-
conjunto de forças em estado rias complexas ou indigeríveis
de diferenciação capazes de em pequenas doses de cura
mobilizar novas paisagens, e liberdade”.2
saídas e saúdes. Sempre con-
siderando a paisagem e o meio tarcisio almeida
203

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sammy Há 130 anos era concluída
a obra do Hotel Tassel em
baloji Bruxelas, na Bélgica. Assim
nascia a art nouveau, estilo que
celebrava a modernidade e
sua classe dirigente, a burgue-
sia industrial, que acumulara
enorme riqueza ao entrelaçar
seu destino com o dos assun-
tos coloniais.
Em Hobé’s Art Nouveau
Forest and Its Lines of Color
[A floresta art nouveau de Hobé
e suas linhas de cor] (2021),
Sammy Baloji reproduz um
display em estilo art nouveau,
incorporando alguns padrões
Hobé’s Art Nouveau Forest
and Its Lines of Color, 2021 inspirados pela tradição têxtil
A floresta art nouveau de Hobé e
suas linhas de cor. Vista da exposição,
congolesa. Padrões similares,
Beaux-Arts de Paris (2021) na realidade, foram integrados

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ao design do Museu Real da cantos católicos da era colonial.
África Central, em Tervuren, na As canções são executadas pelo
Bélgica, para não mencionar a coro congolês dos Cantores da
arquitetura e os objetos geral- Cruz de Cobre. Em uma foto-
mente feitos com materiais da grafia em preto e branco que
colônia congolesa: cobre, mar- Baloji justapõe ao filme, a cruz de
fim e madeira. Baloji enfatiza cobre, também conhecida como
essa conexão entre o estilo floral Cruz de Katanga, decora as
da art nouveau e a expropriação batinas dos coralistas. Esse tipo
colonial. Além disso, as cores de cruz, no entanto, era utilizado
escolhidas pelo artista foram como moeda na região desde o
as mesmas que o escritor e his- século 13. Chamar a atenção para
toriador W.E.B. Dubois utilizou esse fato demonstra, mais uma
para os diagramas mostrados vez, a habilidade desse artista
em Exhibit of American Negroes para desnudar conexões ocul-
[Exposição de negros ameri- tas do colonialismo, dessa vez
canos] durante a Exposição com a religião, o extrativismo e
Universal de 1900, em Paris. a economia.
Essa escolha, de acordo com
Baloji, alude à intenção de marco baravalle
“confundir a leitura etnográfica
que se poderia ter dessas obras traduzido do inglês
ao enfatizar o aspecto moderno por gabriel bogossian
dessas práticas antigas”.1
O arquivo colonial é explorado
para romper o monopólio oci-
dental da modernidade.
Assim, duas liturgias colo- S
niais, a missa católica e o
trabalho na fábrica, são apre-
sentadas no filme Tales of the
Copper Crosses Garden: Episode
I [Conto do Jardim das Cruzes
de Cobre: Episódio 1] (2017).
Nele, imagens de uma fábrica de
processamento de cobre na pro-
víncia de Katanga, na República
Democrática do Congo, são
acompanhadas da gravação de
205

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santu “Quem foram essas pessoas?
Quais foram suas aspirações?

mofokeng Qual era a ocasião?


Quem está olhando?
Olhe para mim.”

The Black Photo Album /


Look at me: 1890-1950, 1997
O álbum de fotos negro / Olhe
para mim: 1890-1950. Slides
de 35 mm

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Essas questões e provocações durante os anos iniciais da
mesmerizantes feitas pelo democracia sul-africana,
fotógrafo Santu Mofokeng (1956- quando Mofokeng trabalhou
2020) surgem entremeadas aos no departamento de documen-
cativantes retratos de famílias tação visual do Instituto de
negras trabalhadoras e de classe Estudos Africanos da University
média de um período em que o of the Witwatersrand, em
mundo foi à guerra duas vezes Joanesburgo, África do Sul.
e o regime do Apartheid tomou Embora muitos se limitas-
conta das regiões meridio- sem a representar o futuro da
nais do continente africano. esfera pública em technico-
Feito em colaboração com lor, Mofokeng voltou-se para
dez famílias das províncias de dentro, orquestrando esse
Gauteng, Noroeste e Estado projeto de pesquisa apro-
Livre de Orange (África do Sul), fundado, fundamentado no
The Black Photo Album / Look passado monocromático. Ele
At Me: 1890-1950 [O álbum de disse que “estava fazendo esse
fotos negro / Olhe para mim: projeto, não para negar outras
1890-1950] é uma monumental histórias, outras narrativas, mas
instalação de imagens e textos tentando inserir esse trabalho
disfarçada como uma apresen- no conjunto de conhecimentos
tação de slides de um álbum de sobre o passado”.2 Apresentado
fotografias. Revelando mais de pela primeira vez na Bienal de
oitenta diapositivos (35 imagens Joanesburgo de 1997, The Black
e 45 textos), a obra contrapõe Photo Album / Look At Me: 1890-
formas conceituais e vernáculas; 1950 ressoa de modo ainda mais
sujeitos individuais e coletivos; poderoso hoje, em São Paulo,
mundos espectrais e materiais. no início de outro século. A obra S
Como conjunto, The Black Photo subverte as narrativas dominan-
Album / Look At Me: 1890-1950 tes do Estado nacional ao se con-
constitui tanto um arquivo centrar em minorias históricas,
quanto uma assemblagem, por meio de conturbadas formas
formulação que o teórico Achille de relação que somente podem
Mbembe considera “uma história ser geradas fotograficamente.
que adquire coerência pela capa-
cidade de produzir vínculos entre oluremi onabanjo
o início e o fim”.1
Abarcando múltiplos recor- traduzido do inglês por
tes temporais, a peça começa alexandre barbosa de souza
207

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sarah
maldoror

Suzanne Lipinska
Retrato de Sarah Maldoror
em Guiné Bissau, c. 1970
Impressão sobre papel de
gelatina e prata

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Desde a escolha do próprio suplantasse personagens
nome, retirado dos cantos de serviçais, com a fundação da
Lautréamont, Sarah Maldoror companhia Les Griots.
(1929-2020) sempre uniu sua Ao se tratar do trabalho
visada de poeta a um gesto de Sarah Maldoror, torna-se
político que rechaça narrativas incontornável abordar o que não
institucionalizadas para compor foi possível realizar. Os enfren-
cada uma de suas obras: sejam tamentos todos, de gênero e
as escritas ou as cinematográ- de raça, além das dinâmicas
ficas, que somam mais de vinte Primeiro-Terceiro Mundo – hoje
produções entre documentários Norte-Sul Global –, das comple-
e ficções. Diferentes facetas xidades dos Estados-nações que
do pensamento pan-africano e emergiram da descolonização
protagonistas de processos de africana a partir de meados da
resistência constituem traços década de 1950, se expressam
marcantes da obra de Maldoror. ainda em projetos e roteiros
Franco-antilhana no nunca filmados e por isso tam-
Movimento Popular de bém integram as coreografias
Libertação de Angola, filmou a do impossível. Dos achados
guerra colonial pelos olhos de entre seus documentos pessoais
uma mulher, em Sambizanga se reforça, sobretudo, seu pro-
(1972) – filme em exibição na jeto poético e singular em favor
35ª Bienal – convicta de que a do coletivo.
luta estaria fadada ao fracasso
se não envolvesse toda a popu- heitor augusto
lação em ações em seu dia a
dia e não como mera operação
de militares. S
Esse trabalho que deflagra o
que historicamente foi invisi-
bilizado é também o legado
artístico construído da perspec-
tiva daquela que, na Paris de
1956, foi a única mulher entre
os 63 delegados no Primeiro
Congresso de Escritores e
Artistas Negros e contribuiu
para a construção de um teatro
no qual a presença africana
209

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sauna lésbica
por malu avelar

com
ana paula mathias,
anna turra,
bárbara esmenia
e marta supernova

Malu Avelar
Sauna lésbica, 2019
Vista do Festival Valongo,
Santos (2019)

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Quando questionada sobre sua e silenciamentos, sendo nas
obra Sauna lésbica, Malu Avelar últimas décadas reivindicada
responde, cruzando memórias por um sentido coletivo e poli-
pessoais e coletivas, que não há tizado. Com base em negocia-
como pensá-la sem a compre- ções e ações provocativas de
ensão de seu corpo e do lugar artistes convidades, Malu Avelar
de onde ela veio. Retomando com Ana Paula Mathias, Anna
questões que perpassam seus Turra, Bárbara Esmenia e Marta
marcadores de identidade, Malu Supernova propõem um projeto
ressalta as formas como reage coletivo e transformam a obra
a um território que estrutural- em um espaço a ser coreogra-
mente violenta, muitas vezes fado por aqueles que o ocupam.
de modo silencioso, tudo aquilo Um espaço que se organiza em
que dele se diferencia. “Estru- torno do desejo de encontros
turada em um modelo binário que atravessam os limites visí-
de gênero, essa é uma cidade veis e invisíveis que impedem
que leva as pessoas de outras as existências dissidentes e
identidades a viver em perma- conformam os seus estereóti-
nente estado de alerta e de pos. Através de um exercício de
vulnerabilidade”.1 E esse silen- abstração e imaginação radical
cioso habitar a morte iminente a instalação tensiona as contra-
somado ao questionamento dições das políticas identitárias
sobre as saunas gays − “imagine ao mesmo tempo que celebra
se existisse uma sauna lésbi- a presença de mulheres pretas
ca?”2 −, o encontro que teve lésbicas e sapatonas: um espaço
com artistas sapatões durante de escutas, fabulações, de des-
a residência artística PlusAfroT/ locamentos de subjetividades e
Alemanha3 e o desejo de assen- de performatividade dos corpos S
tar seu corpo levaram a artista em contato com a Sauna.
à proposição desse trabalho.
A obra, que teve sua primeira barbara copque
edição em 2019 no Festival
Internacional Valongo, em
Santos (SP), é relacional, insta-
lativa e traz em sua fachada um
letreiro em neon: Sauna lésbica.
Cabe lembrar que a lesbiani-
dade foi construída com base
em políticas de esquecimentos
211

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senga
nengudi

Masked Taping, 1978-1979


Fita adesiva/mascarada.
Folha de contato, impressão
em gelatina e prata

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É a partir de duas obras conce- artista mascara seu corpo em
bidas em um período de quase Masked Taping, Nengudi traba-
trinta anos, o tríptico Masked lha os múltiplos usos da matéria
Taping [Fita adesiva/mascarada] transformada. Na performance,
(1978-1979) e a videoinstalação o corpo em movimento íntimo
Warp Trance [Trama em transe] com a matéria ordinária atualiza
(2007), que Senga Nengudi res- a dimensão do rito, e percebe-
ponde à provocação curatorial -se o tríptico Masked Taping
da 35ª Bienal − coreografias do como a presentificação de um
impossível. De inegável relevân- rastro de memória ancestral, a
cia histórica, suas obras promo- artista dançando para incorpo-
vem a re/de/composição radical rar uma herança transcultural.
das coreografias com as quais Em Warp Trance, a profunda
eram elaboradas as implicações implicação do material utilizado
entre artes visuais e política. No com o campo social persiste;
contexto de suas primeiras pro- desta vez, a máquina é quem
duções, o mergulho da artista na dança e opera a modificação da
abstração transbordou a ecologia matéria. Projetada em cartões
simbólica que sitiava o que era Jacquard, invenção que revo-
reconhecido como arte afro-a- lucionou a padronagem de
mericana, e o gesto da artista tecidos, a obra abre uma fenda
demandou que os ambientes das de imagens em composições
artes fossem afetados pelo que abstratas inicialmente ruidosas,
se apresentava fora dos limites que ganham ritmo, embalando
estabelecidos pelas categorias sonoramente a sobreposição
da representação. de texturas e, por fim, de cores.
Nengudi aposta em práti- Experimentamos a duração da
cas coletivas, estratégias de confecção da linha em tecido, S
engajamento, intervenções em dimensões poéticas, como
estéticas territorialmente uma espécie de reflexão sensual
situadas e no que define como sobre o tempo.
reflexões abstraídas de corpos
usados.1 Na pesquisa de mate- cíntia guedes
riais efêmeros e profundamente
assentados em usos cotidianos,
como meias-calças de segunda
mão da famosa instalação
R.S.V.P. (1997/2003) ou a fita
adesiva branca com a qual a
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sidney
amaral

O estrangeiro, 2011
Acrílica sobre tela,
210 × 138 cm

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Na parte final de sua vida, lares – e ainda por aquelas de
Sidney Amaral (1973-2017) caráter extrovertido e social.
trabalhou como professor de Na obra em questão, Amaral
arte na rede pública de ensino assume o papel de Caronte, bar-
do município de Mairiporã, em queiro que na mitologia grega
São Paulo. Essa experiência, transporta as almas do reino
aliada à sua sensibilidade e a dos vivos para o dos mortos.
seu projeto político-ideológico, Essa travessia também era a do
acabou por galvanizar uma artista, que enfrentava os obs-
obra que ressaltava do coti- táculos de um momento muito
diano proletário uma comple- menos favorável do que hoje à
xidade que frequentemente lhe circulação da produção simbó-
é sonegada. Daí que elementos lica afro-diaspórica. Estrangeiro
da literatura e da arte clássica em ambos os domínios, da vida
são às vezes reinterpretados e da morte, o artista e sua obra
em suas narrativas plásticas e são os elementos que conectam
incorporados a elas, as quais esferas díspares. Essa penosa
não excluem, igualmente, jornada não era, claro, apenas
aspectos psicológicos e dados a dele, e o artista compreendia
biográficos do autor que, isso. É muito significativo que,
mesmo perturbadores, são por na sua 35ª edição, a Bienal de
ele assim enfrentados. São Paulo inverta essa equação
O amálgama do artista, pes- e a obra de Amaral, precoce-
quisador e professor resultava mente morto, seja agora consa-
na realização de uma constela- grada no Olimpo que ele antes
ção de proposições poéticas, retratou como obstáculo.
que especularam intensamente
com as linguagens do desenho, claudinei roberto da silva S
da pintura, da escultura, da
gravura e da instalação.
Em O estrangeiro (2011), o
artista realiza, com tinta acrílica,
mais um de seus característi-
cos autorretratos. De fato, de
maneira recorrente, Sidney
Amaral apresenta o próprio
corpo como território confla-
grado pelas expressões mais
introvertidas, íntimas e particu-
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simone leigh Simone Leigh e Madeleine
Hunt-Ehrlich trabalham juntas
e madeleine há muitos anos como parte de
uma associação informal de
hunt-ehrlich mulheres artistas, acadêmicas e
outras produtoras culturais, em
sua maioria negras, várias das
quais aparecem em Conspiracy
[Conspiração] (2022).
Antes desse projeto, ambas
participaram do arquivo da
United Order of Tents – o mais
antigo grupo de mulheres afro-
Conspiracy, 2022
-americanas nos Estados Unidos,
Conspiração. Stills do vídeo; 24’ criado por ex-escravizadas em
1867. Esse envolvimento levou
ao “documentário surrealista” de
Hunt-Ehrlich, Spit on the Broom
[Cuspir na vassoura] (2019), que
buscava demarcar o signifi-
cado do grupo, sem revelar os
segredos que ajudaram aquelas
mulheres a sobreviver por mais
de um século. Essa preocupação
– como falar sobre uma história
que é secreta e cujo poder deriva
desse segredo – é central para as
práticas dessas duas artistas.
Em Conspiracy, Leigh e
Hunt-Ehrlich sobrepõem fotos
renderizadas das ferramentas
e processos do ofício de Leigh,
com vocalizações e narrações
fantasmáticas extraídas dos
livros Flash of the Spirit: arte
e filosofia africana e afro-a-
mericana1, de Robert Farris
Thompson, e Tell My Horse, de
Zora Neale-Hurston.2 A ampli-

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tude diaspórica dos interesses ditos. Afinal, é uma conspiração.
das artistas fica clara em ambos Entendedores entenderão.
os textos, que discutem as práti- Você pode tentar se inscrever
cas tradicionais na África Central nesses acontecimentos como eu
e no Caribe, respectivamente. fiz, por exemplo, procurando o
A voz de Deborah Anzinger, tam- álbum de 1974 de Jeanne Lee que
bém participante da 35ª Bienal, deu nome ao filme. E estou feliz
e a canônica artista performática por ter feito isso, não só porque
Lorraine O’Grady também apare- me ajudou a me conectar com
cem no filme. a paisagem sonora onírica do
Uma apreensão completa filme, mas porque estou comple-
desse trabalho e, portanto, algum tamente ligada em jazz feminista
senso da amplitude dessa cons- negro experimental pelo qual
piração, requer que você tenha ansiei por toda a minha vida. No
ideia de quem é O’Grady, do signi- que você pode estar se envol-
ficado dela para a história da arte vendo ao tentar se engajar nessa
e o lugar que as mulheres negras conspiração? Tudo o que posso
ocupam (ou deixam de ocupar) dizer é que não é pouca coisa.
nesse campo. Você também Existe uma razão para este ser
vai perder alguma coisa se não um filme sobre o trabalho. Mas,
conhecer a exploração contínua se você for como eu, pode ficar
de Ehrlich-Hunt sobre a interiori- feliz em pagar o preço. Afinal, não
dade e os arquivos das mulheres seria bom sentar à margem de
negras – como seu trabalho sobre um rio e ver aquela coisa que foi
Suzanne Roussi-Césaire, escritora investida de tanto valor, aqueles
martinicana e ativista feminista objetos mais exaltados que os
anticolonial. Há também algo na pobres mortais que os produzi-
inclusão de Deborah Anzinger, ram, queimar? S
sua leitura de Hurston, ela mesma
um pivô diaspórico. Se por acaso nicole smythe-johnson
você reconhecer a autora Sharifa
Rhodes-Pitts, outra co-conspira- traduzido do inglês por
dora de longa data, e conhecer naia veneranda
o suficiente de seu trabalho para
entender por que ela foi incluída,
terá entendido um pouco mais.
O filme nos provoca, pois nem
os nomes de Anzinger nem de
Rhodes-Pitts aparecem nos cré-
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sonia gomes

Véu de Maia, 2022


Tecidos diversos,
203 × 265 cm

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“Um fio invisível e tônico por Sonia Gomes? Quais são as
Pacientemente origens dos materiais e quais
cose a rede caminhos eles ainda percorre-
De nossa rão depois desta exposição?
milenar resistência” O tempo em que esses objetos
ainda tinham uma função utili-
– conceição evaristo1 tária – o vestido de casamento,
a blusa de festa, o uniforme da
Os materiais pedem à artista escola, a toalha de mesa, a capa
que lhes dê outra vida. Ela, de proteção, a calça de linho
então, costura, torce, encapa, etc. – para um novo tempo em
amarra e transforma retalhos, que, amarrados, torcidos, esgar-
tecidos, fios e arames em obje- çados e costurados, se transfor-
tos escultóricos. Ato contínuo, a mam em objetos escultóricos.
artista convida a espectadora a Na 35ª Bienal de São Paulo
se mover, se deslocar, ver com o serão apresentadas dezenas
corpo suas criações. de obras da artista mineira,
Impossível apreciar o traba- formando um corpo robusto e
lho de Sonia Gomes apenas com representativo de sua poética
os olhos. Suas criações convo- e trajetória. Obras de parede,
cam a nos deslocarmos de uma pendentes, vergalhões e algumas
posição passiva para a de uma peças da série Torção – marca
espectadora engajada, que se registrada de Gomes – irão
movimenta, se abaixa, inclina o compor o espaço. Desse modo, o
corpo, levanta a cabeça, ginga, tempo condensado, tônico e de
em uma dança com o objeto, memórias enredadas da milenar
a fim de percebê-lo de outro resistência de mulheres negras
ângulo, de descobrir e atentar ganha forma e se manifesta nas S

ao detalhe que se esconde na coreografias do impossível.


próxima torção, no outro lado,
ali embaixo ou lá em cima.
juliana de arruda sampaio
Suas obras não são figurati-
vas e, ainda assim, temas como
raça, gênero e temporalidades
surgem nas várias leituras críti-
cas sobre seu trabalho artístico.
Quais são as histórias, as memó-
rias, os afetos guardados nos
tecidos e nos panos utilizados
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stanley
brouwn

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S
221

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stella do Como pouco se sabe sobre a
história de Stella do Patrocínio
patrocínio (1941-1992), as palavras que
movimentamos para falar dela,
sempre fugitivas, precisam
fabular a partir das coreografias
do impossível. É assim também
que o falatório, sua prática cor-
po-vocálica da palavra, requer
que nos conectemos com ele
– cerrando os olhos para ouvir o
colapso das fronteiras.
A cada minuto que se passa
em 1 hora, 39 minutos e 15
segundos dessas gravações,
Patrocínio opera uma nova
dobra no tempo, fazendo
Stella do Patrocínio
em liberdade antes da
curvar aquelas linhas horizonta-
internação forçada lizadas – das que foram dese-
nhadas pelo manicômio às da
literatura –, que lhe roubaram o
corpo, que quiseram lhe roubar
a palavra. Essa debandada, até
pouco tempo atrás ecoada por
taras degenerativas, eugenias,
o fetiche da loucura, a poesia!,
se vê estraçalhada por um
falatório que refunda a própria
arena de guerrilha. E afirma:
apesar de Eco, estes são os
meus termos.

Eco, a ninfa forçada a


repetir as palavras de
outros. Ou ainda Eco – o
consenso branco.1
Exu, movimento, força
vital – faz circular o
tempo e a mensagem.

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No conclave entre Eco e Exu, o Numa linguagem que vadia
placar não está zerado, tampouco em pretuguês3 ritmado, sin-
a dívida; mas o tempo espirala: copando a repetição das dife-
atravessada por forças de asfixia renças, Stella desaloja noções
– a polícia, a literatura, o serviço prévias do que seja o tempo,
doméstico, o eletrochoque –, espaço, casa, família, ciência,
Stella do Patrocínio abre seu fala- o corpo e seu estudo – e segue
tório exuriano à criação de rotas para o mais longe possível. Sua
de fuga e ao revide, à fabulação vocálica contém vértebras, e
estética no espaço da clausura. constrói mundos de linguagem
E é nessa opacidade que baila o para lançar um falatório-exu que
falatório – nem somente poesia, rasga o tempo e que mata, hoje,
nem testemunho, tampouco os ecos de ontem.
quaisquer outras classificações
que, sozinhas, não se bastam: sara ramos

Se eu rasgar aquela
pesada no meio de meio a
meio, der der der lambada
no chão, na parede, jogar
fora, no meio do mato,
ou do outro lado de lá do
muro, é um malezinho
prazeres [...] Matar a famí-
lia [do cientista] toda. Que
faça um carro, bote tudo
morto e vá pra longe.2
S
Stella afirma ser do tempo do
cativeiro, porque compreende a
maquinaria-fantasiosa que há por
detrás dos encarceramentos de
corpos pretos desde os tempos
de sua bisavó. Diz em voz alta:
Clarice, Celeste, Meritempe,
Luzadia, Adelaide – nomes sobre
os quais talvez nunca saibamos
muito além do carinho com o
qual ela os profere.
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tadáskía

Ave preta mística, 2022


Grafite, lápis de cor,
pastel oleoso e spray
sobre papel, 65 × 50 cm

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Logo no início de Ave preta livro é uma expressão singular:
mística (2022), o primeiro livro são elementos que se relacio-
de páginas soltas de Tadáskía, nam e se reconfiguram a cada
a artista anuncia que as pala- nova passagem.
vras que vêm na sequência Para a 35ª Bienal de São
são dedicadas a suas aliadas. Paulo, além de apresentar as
Orientando-nos durante a páginas do livro espacializadas
revoada, ela se apresenta como em uma sala, Tadáskía exibirá
uma irmã e corporifica a ave um grupo de trabalhos que
que se dirige aos membros de deriva de materiais usuais em
sua confraria. Ela está entre sua produção: são três escul-
nós, porém a vibração altiva de turas feitas de bambu, palha e
suas palavras sobressai a seu taboa, semelhantes na forma,
tom amável e a posiciona como mas com elementos diferentes
a matriarca do bando, “the em suas bases – na primeira
mother of the house” [mãe da delas, um prato com ovos
casa]. Nós nos unimos a ela em costurados; na segunda, uma
seu voo onírico e, como se fosse seleção de frutas que deve ser
uma prece, a cada mudança de consumida pelo público e pela
página, a cada batida de asa, equipe da instituição ou ser
percebemos em seus versos renovada antes de se deteriorar;
que uma vida sem amarras é um na terceira, uma quantidade de
exercício constante e coletivo. pó facial de diferentes cores. Na
A obra se divide em escri- parede interna da sala, Tadáskía
tos bilíngues, com referências exibirá um desenho de grande
à pensadora feminista negra dimensão feito de pastel seco
Audre Lorde, e desenhos de e carvão.
diferentes cores e espessu-
ras, que parecem “plumagens thiago de paula souza
arrepiadas”. As linhas tortas
T

e curvas traçadas naquelas


folhas, seja em seus versos ou
em seus desenhos, são o gesto
matriz de Ave preta mística.
A alternância entre os escri-
tos e as páginas com imagens
coloridas dá a forma e o ritmo
da narrativa. Como a formação
de uma revoada, cada parte do
225

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taller 4 rojo No início da década de 1970,
o Taller 4 Rojo articulou uma
visualidade crítica e realizou
ações diretas acompanhando
movimentos sociais durante os
governos da Frente Nacional.
Essa aliança entre os partidos
Liberal e Conservador resul-
tou em um dos períodos mais
autoritários da Colômbia, com
violação aberta de direitos
humanos, assim como consoli-
dou o conflito armado no país.
Nesse contexto, o Taller 4
Rojo fundou uma escola popular
e vinculou-se a comunidades
camponesas e indígenas, sindica-
tos e setores de marginalização
urbana, realizando trabalho de
campo e documentando suas
experiências. Seus registros, jun-
Agresión del imperialismo a los pueblos, tamente com imagens coletadas
A la agresión del imperialismo: guerra popular,
Vietnam nos señala el caminho, 1971-1972
da imprensa, eram a substância
Agressão do imperialismo às aldeias, À agressão do testemunhal que o grupo trans-
imperialismo: guerra popular, Vietnã nos mostra o
caminho. Serigrafia sobre papel,
figurava por meio de operações
100 × 216,6 cm emprestadas da arte gráfica e

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do cinema latino-americano da [Agressão do imperialismo às
época: a montagem, a formação aldeias, À agressão do imperia-
de séries e sequências e o traba- lismo: guerra popular e Vietnã
lho com tramas e alto contraste. nos mostra o caminho] foi feita
A gramática visual do Taller em 1971-1972 em solidariedade
4 Rojo não foi o produto de uma à resistência popular no Vietnã,
distância analítica, mas do cami- mas também a outros proces-
nhar lado a lado com as comu- sos de luta anti-imperialista na
nidades que logo foram trazidas América Latina e na África.
para suas imagens. Cartazes O que nos acontece hoje,
como A la huelga 100 a la huelga quarenta anos depois, quando
1000 [À greve 100 à greve 1000] vemos a sequência da nota de
(1978) foram realizados ao longo dólar se desintegrando e o avião
dos anos de colaboração com de guerra despedaçado em um
o sindicalismo independente. A campo? Por um momento, essas
pasta Testimonios [Testemunhos] imagens parecem antecipar o
(1974) foi uma das primeiras a ponto em que a guerra e o capi-
pôr em evidência as práticas de tal se molecularizam, abrindo
tortura conduzidas pelas forças caminho para a financeirização,
militares em meio à persegui- para a sofisticação tecnologizada
ção de movimentos políticos do massacre. Mas esse ponto
dissidentes em todo o país. As de virada também é um ponto
gravuras mostram corpos feridos de interrupção dos impulsos
e amarrados, com os olhos totalizantes da história do capital.
vendados ou gritando em meio Entre as três imagens, é possível
a paisagens abertas e despo- reter o movimento do corpo de
voadas. Na trilogia América II, a uma camponesa, que vai adqui-
montagem e a serigrafia fotográ- rindo diferentes tonalidades,
fica partem do corpo torturado e ganhando espaço e proximidade,
o reinserem em uma trama mais sinalizando esse outro tempo dos
T

complexa, que parece assinalar corpos que não tiram os pés do


a natureza teológico-política dos chão, e se regeneram entre as ruí-
pactos de poder como continui- nas que a mercadoria e o necro-
dade histórica. poder deixam em seu rastro.
A emblemática trilogia fotos-
serigráfica Agresión del imperia- fernanda carvajal
lismo a los pueblos, A la agresión
del imperialismo: guerra popular traduzido do espanhol por
e Vietnam nos señala el caminho ana laura borro
227

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taller Artistas Revolucionários (LEAR).
Trazendo a reverberação dos
de gráfica preceitos promovidos pelo mura-
lismo, eles promoveram uma
popular produção visual comprometida
com as lutas e a justiça social,
denunciando situações vividas
charles white por camponeses e trabalhadores
elizabeth catlett e, principalmente, resistindo
john woodrow wilson e questionando mensagens,
leopoldo méndez efeitos ou práticas ligados aos
margaret taylor fascismos dominantes.
Os trabalhos gráficos do
goss burroughs TGP – que traziam o espírito
de agitação e de propaganda
– circulavam também por meio
de cartazes, folhetos e calendá-
“Sou negra, mulher, escultora rios, apelando para a militância
e gravurista. Também sou visual e a crítica aos modelos
casada, mãe de três filhos de produção centrados no
e avó de cinco garotinhas artista individual.
(agora sete meninas e um O TGP promovia, em vez
menino) [...] todos esses disso, recursos organizacionais
estados-de-ser influenciaram de natureza coletiva, por meio de
meu trabalho e os tornaram reuniões e assembleias, como se
isso que você vê hoje.” pode observar pelas fotografias.
–Elizabeth Catlett Nelas, discutia-se o que repre-
sentar, como formar o grupo de
voluntários que produziria a ima-
Os processos colaborativos gem, cuidando para que o agente
têm uma tradição fecunda no responsável fosse reconhecido
México, e uma das iniciativas e, ao mesmo tempo, o exercício
amplamente difundidas é a coletivo por meio do carimbo/
do Taller de Gráfica Popular logotipo característico do TGP.
[Oficina de gráfica popular], Em março de 1938, o TGP
mais conhecido como TGP, aprovou um documento no
que data de 1937. Vários dos qual seus interesses e obje-
fundadores dessa iniciativa tivos foram detalhados. Esse
vieram da Liga de Escritores e documento era uma espécie de

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manifesto ou declaração no qual Luis Arenal e Adolfo Mexiac.
concordaram em trabalhar com Também contou com a impor-
litografia, gravura em metal, tante participação de mulhe-
madeira e linóleo. res artistas, como Mariana
Yampolski, Rini Templeton,
Esta oficina é constituída Elizabeth Catlett e Margaret
com o objetivo de esti- Taylor Goss Burroughs, cujos
mular a produção gráfica trabalhos, no contexto dos
em benefício dos interes- novos feminismos e da despa-
ses do povo do México triarcalização da história, têm
e, para isso, propõe-se sido reavaliados e ressituados.
a reunir o maior número Dado o grande desempenho
de artistas em torno de artístico e a profusa atividade
um trabalho constante, política do TGP, vários artistas
principalmente por meio estrangeiros (principalmente
do método de produção estadunidenses) se ligaram
coletiva.1 temporariamente à oficina para
contribuir com seus trabalhos na
Embora esse documento não produção de gravuras socio-
tenha sido publicado, anos políticas. Esses artistas eram
depois, em março de 1945, eles chamados “artistas convida-
publicaram sua Declaração de dos” e alguns deles eram John
princípios, na qual se autorrea- Woodrow Wilson, Hannes
firmaram como um centro de Meyer, Lena Bergner, Charles
trabalho coletivo cuja função White, Eleanor Coen, Margaret
consistia na realização de uma Taylor Goss Burroughs, Rini
arte a serviço do povo, de Templeton, Elizabeth Catlett,
modo que sua produção deveria entre outros. Esses vínculos
refletir as realidades sociais de consolidaram o caráter inter-
seu tempo. nacional do TGP e, de certa
T

Como outras estratégias forma, fizeram surgir outros


coletivas empreendidas ao projetos relacionados, como
longo do tempo, o TGP teve os Workshops of Graphic Art
vários momentos de coesão [Oficinas de Arte Gráfica], em
e tensão interna, seus partici- Los Angeles, San Francisco e
pantes variaram em número e Nova York, nos Estados Unidos.2
origem geográfica. Entre eles
estavam artistas como Leopoldo
Méndez, Pablo O’Higgins,
229

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A produção de Elizabeth Após ter permanecido por um
Catlett (1915-2012) se distin- período no TGP, a produção de
gue pela representação visual Catlett continuou a se concen-
determinada e politizada de trar em temas afro-americanos,
mulheres trabalhadoras e de produzindo obras que se tor-
outros agentes que desafiaram naram icônicas no movimento
o racismo e a violência imposta pelos direitos civis dos cidadãxs
às comunidades violentadas, afro-americanxs, como Negro
principalmente as comunidades es bello [Negro é lindo] (1969) e
afro-americanas e indígenas. Em Malcolm X nos habla [Malcolm
1946, Catlett ganhou uma bolsa X fala conosco] (1969).
da Julius Rosenwald Fund e deu
início a um trabalho com uma
série inspirada em mulheres
trabalhadoras da Carver School,
com a qual ela pôde viajar para
o México acompanhada por
Charles White. Catlett declarou
que, a partir do TGP, ela desen-
volveu “uma nova compreensão Elizabeth Catlett
Negro es bello II, 1969
de como queria trabalhar como Negro é lindo. Litografia, 78 × 57 cm
artista e pelo que exatamente
queria lutar”,3 ao realizar um tra-
balho para o povo mexicano, em
vez de enquadrá-lo em circuitos
de galerias ou museus.
Da mesma forma, a presença
de Catlett acrescentou novos
eixos de trabalho ao TGP, como
a conscientização sobre raça
e gênero. Uma de suas séries
emblemáticas é The Black
Woman [A mulher negra] (1946),
composta de quinze gravuras
feitas em linóleo, nas quais ela
instaura uma espécie de mani-
festação da opressão, resistên-
cia e sobrevivência das mulhe-
res negras norte-americanas.

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Outro artista convidado foi teria um importante efeito na
Charles White (1918-1979), como disseminação da arte gráfica
Catlett, de origem afro-ameri- social, especialmente na defesa
cana, cuja produção se concen- dos direitos dos afro-america-
trou principalmente no combate nos. Alguns de seus retratos se
às distorções e aos estereótipos sobressaem, como o de Bessie
sobre os afro-americanos, que Smith, pioneira desse estilo e
eram disseminados na cultura popularmente conhecida como
visual popular. Com o passar do a “imperatriz do red”, que foi
tempo, seus interesses liga- enterrada em um túmulo sem
ram-se a realidades políticas, lápide até que Janis Joplin escre-
sindicais e de gênero. White veu o seguinte epitáfio: “A maior
viajou para o México em 1946, cantora de red do mundo
acompanhado por Catlett, e, ao jamais deixará de cantar. Bessie
entrar em contato com o TGP, Smith, 1895-1937”; ou o retrato
reafirmou seu interesse pela de Frederick Douglass, que
gravura, dado o alcance que esteve ligado a várias iniciativas
ela poderia ter em virtude da antiescravagistas e promoveu o
reprodutibilidade, da diáspora abolicionismo. Douglas nasceu
e da circulação que as tiragens no cativeiro e, portanto, desen-
permitiam e de seu baixo custo volveu perspectivas críticas
de produção. sobre liberdade e direitos huma-
White retornou a Nova York nos, principalmente em relação
em 1949 e colaborou com o New às comunidades afro-americanas
York Graphic Workshop, que, que, como ele, foram submetidas
assim como o TGP mexicano, ao regime da escravidão.

Charles White
Exodus, 1961
Êxodo. Linoleogravura
sobre papel,
80 × 125 cm
231

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No caso de John Woodrow Um exemplo disso é a obra
Wilson (1922-2015), o artista The Trial [O julgamento] (1951),
afro-americano foi ao México litografia na qual um jovem de
com o interesse de conhecer origem afro-americana está
um dos principais representan- em pé (proporcionalmente
tes do muralismo mexicano, diminuído) diante de três juízes
José Clemente Orozco, cujas brancos que o observam de
exposições ele havia visitado e modo ameaçador, tornando
se identificado com a maneira claro o tratamento desigual
de representar o contexto das e vertical ao qual foram sub-
classes oprimidas no México. metidos os afro-americanos.
Embora Orozco já tivesse Em sua produção no México,
falecido, Wilson entrou para o Woodrow pintou um mural
TGP e encontrou um contexto que posteriormente foi des-
coletivo de produção de ima- truído, chamado The Incident
gens amplamente distribuídas [O incidente] (1952), que narra
por meio da gravura. No TGP, de forma pictórica a violência e
foi contemporâneo de Catlett o terror do linchamento de um
e White, com quem comparti- afro-americano pela Ku Klux
lhava o interesse por trabalhar Klan. Esse título funciona como
com e para a comunidade um terrível sarcasmo diante da
afro-americana, promovendo violência xenofóbica e suprema-
sua visibilidade. cista normalizada.

John Woodrow Wilson


The Trial, 1951
O julgamento. Litografia em papel velino
creme, 40,8 × 32,4 cm

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Em 1952, a artista e poeta galeria e um espaço de ateliê
estadunidense Margaret Taylor para artistas afro-americanos, e
Goss Burroughs (1915-2010) do DuSable Museum of African
também se ligou ao TGP. Seus American History (1961), ambos
interesses também estavam em Chicago, Estados Unidos.
concentrados na expressão de Durante sua estadia no México,
sua identidade racial e cultural, pintou um retrato da intérprete
e em ensinar arte. Ela esteve Bessie Smith, contribuindo para
envolvida na formação de a representação dos afro-ame-
importantes projetos políticos ricanos proeminentes em um
nas artes visuais, foi cofunda- contexto temporal no qual o
dora do Sur Side Community Art racismo prevalecia de forma
Center (1939), que incluía uma ampla e sem críticas.

Margaret Taylor
Goss Burroughs
Bessie Smith, Queen
of the Blues, 1953
Bessie Smith, rainha
do blues. Litografia,
46,5 × 40 cm
233

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Em relação à participação do artística de Méndez tomou
artista mexicano Leopoldo forma quando ele se ligou ao
Méndez (1902-1969), consider- movimento estridentismo, e seu
ado um dos mais importantes trabalho promoveu ideais de
gravuristas mexicanos, uma esquerda e pós-revolucionários
perspectiva social e coletiva se que lhe possibilitaram gerar
refletia nas produções que real- um amplo vocabulário visual
izou para várias organizações, ligado à história sociopolítica
como a Liga de Escritores e do México, além de criticar e
Artistas Revolucionários, o denunciar a violência promovida
Partido Comunista Mexicano, por projetos fascistas europeus.
o Partido Socialista Popular Essas obras – pioneiras na
do México e a Confederação conformação de outras subje-
dos Trabalhadores Latino- tividades – longe de operarem
-Americanos. A produção em um nível exclusivamente

Leopoldo Méndez
Fusilado (para la película Un día de vida), 1950
Fuzilado (para o filme Um dia de vida).
Linoleogravura sobre papel, 47,7 × 58,8 cm

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retiniano, contribuíram para a
inserção de outros sujeitos de
representação continuamente
insultados na tradição da repre-
sentação artística ou, alter-
nativamente, realocando-os e
enquadrando-os de forma digna
e em outra ordem estético-po-
lítico-simbólica, que hoje pode
ser lida de uma perspectiva
proto-decolonial.
A validade da TGP – em
um presente em que se dispu-
tam direitos, novos surtos de
violência existem e no qual a
produção artística pode atraves-
sar a encruzilhada arte/política
por meio das artes gráficas –
demanda não apenas reflexão,
mas também que sustentemos
de modo permanente pontos
de vista, representações e
enquadramentos que incitam
uma leitura crítica a partir do e
no presente.

getsemaní guevara e sol henaro

traduzido do espanhol por


ana laura borro
T
235

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 235 09/08/23 11:19


taller Impressa em Lima, em 1988,
Carpeta negra [Pasta negra], do
nn coletivo Taller NN, foi, na época
de sua publicação, um disposi-
tivo visual e textual insuportá-
vel tanto para a cultura oficial
como para a cultura peruana de
esquerda. Suas folhas ousavam
tocar o intocável, manchando
com uma maquiagem cromática
monstruosamente sedutora os
rostos míticos da revolução de

NN Perú (Carpeta negra), 1988


NN Peru (Pasta negra).
Serigrafia e fotocópia sobre
papel, 43 x 30 cm

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um amplo espectro da esquerda, Carpeta negra constrói um
de Mao Tsé-tung a José Carlos dispositivo móvel de memória
Mariátegui, de José María parcial e precária dos anos que
Arguedas a Edith Lagos ou Che fizeram do Peru um depósito
Guevara. Nelas estava impresso de horror a céu aberto, atuando
um código de barras, com o como chave para a nova fase
enigmático número 424242 (em de acumulação de capital em
referência ao número de tele- escala global. Mas, a partir da
fone para o qual a população era audácia de sua ironia antidog-
incentivada a ligar a fim de fazer mática, sem um Estado ou um
denúncias anônimas de pessoas partido como interlocutor, o
suspeitas de terrorismo). A ima- Taller NN gerou um dispositivo
gem do estudante Javier Arrasco capaz de construir uma inter-re-
Catpo, morto pela guarda civil lação com o tempo, em todos os
durante um protesto em 1988, é o tempos. O que acontece quando
ponto de virada para outro con- essas imagens olham para trás
junto de imagens, que mostram e entram em contato com o
diferentes massacres – Guragay, período anterior da Reforma
El Sexto, Pucayacu, Uchuraccay Agrária (1969-1975)? Ou que
e El Frontón –, e a palavra “Peru” imagem Carpeta negra devolve
é sobreposta a elas como uma ao Peru hoje, nas revoltas que
marca-país. Imagens de valas eclodiram de forma descen-
comuns ou de corpos de jorna- tralizada em meio à população
listas em sacos de lixo, extraídas principalmente indígena e cam-
do circuito anestesiado dos ponesa em dezembro de 2022,
meios de comunicação de massa, e que mais uma vez mostram
também são coloridas como uma uma ferida colonial, impossível
forma de lhes devolver a capaci- de suturar?
dade de gritar. Ambas as séries,
os rostos individualizados da fernanda carvajal
T

revolução e os corpos anônimos


do massacre, são marcadas pelo traduzido do espanhol por
capital, que inscreve seus signos ana laura borro
nelas – o código de barras, o
logotipo –, talvez como uma
senha para o antigo nó entre
capital e colonialidade, que
precede e excede a cronologia
do trabalho.
237

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tejal shah

Between the Waves, 2012


Entre as ondas. Stills do vídeo.
Videoinstalação em 5 canais. Cor &
preto e branco, som multicanal; 85’25’’

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Between the Waves [Entre as cor branca e pela verticalidade
ondas] (2012), instalação de por meio da qual cortam a ima-
Tejal Shah, evoca paisagens que gem, aspecto fálico sem neces-
parecem ser simultaneamente sária correspondência genital.
extraterrestres e demasiado Apesar de assumirem uma fun-
terrenas. É possível reconhecer ção penetrativa nas cenas mais
o deserto, a varanda, o mangue, explícitas, também passam por
a cidade, o aterro sanitário, o chifre, nadadeira, funil ou cone,
mar ou a piscina como locações conferindo uma espécie de
corriqueiras, lugares comuns animalidade e objetualidade aos
do planeta. Ao mesmo tempo, corpos em movimento. Além
a indumentária das performers dessas próteses contrassexuais,1
e o tipo de relação que elas há outro elemento cuja carga
estabelecem entre si e com o simbólica e performativa vale a
entorno produzem excitante pena notar: o arranjo de flores
estranheza. A sensualidade artificiais, esponjas de banho e
rege o contato entre os corpos outros objetos coloridos cuida-
– sejam eles vegetais, animais dosamente depositado no fundo
ou minerais, materiais brutos de uma piscina, na qual as per-
ou manufaturados –, assim formers nadam ao redor dele,
como a forma como são retra- como peixes em volta de corais
tados: detalhadamente. Cores, marinhos. Não há contradição
texturas e sons desse universo entre natureza e artifício, há
igualmente cru e imaginado não apenas brilho e beleza, e, entre
são diferenciados ou organi- as ondas, os corpos orbitam
zados por hierarquias taxonô- seu entorno.
micas. Nessa horizontalização
sensorial, trai-se um elemento miro spinelli
central dos discursos modernos
e universalizantes: o sujeito
T

que produz a si mesmo como


humano pela separação, classifi-
cação e consequente posse das
coisas do mundo. Nessa obra,
tudo é tocado e retratado como
superfície sensível, excitável,
inseparável de todo o restante.
Os ornamentos de cabeça
destacam-se pelo contraste da
239

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the living and
the dead ensemble

The Wake, 2021


A vigília. Stills do vídeo.
Videoinstalação em 3
canais, full HD, cor, som; 35’

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A espiral é a imagem que abre Louverture, Édouard Glissant,
Ouvertures (2019), primeiro filme Patrick Chamoiseau e tantos
do coletivo transnacional The outros artistas/intelectuais/
Living and The Dead Ensemble revolucionários confabulam na
[algo como Conjunto dos Vivos proposição de uma imaginação
e dos Mortos]. A imagem é a caribenha utópica, urgente
síntese do que move o processo e atemporal.
de criação do grupo: uma linha Nessa sinuosidade, as vozes
sinuosa em contínuo movimento − dos fantasmas, dos revolu-
de aproximação/afastamento, de cionários e dos integrantes do
dentro/para fora, sem começo coletivo − sobrepõem-se em
ou fim. Nos filmes e nas instala- imagens multiplicadas em telas
ções desse coletivo, criar é uma simultâneas ou em sons que
questão de percorrer, deslocar são ecoados pelos integrantes
− Haiti-França, floresta-praia, do grupo que estão sobre um
passado-futuro, revolução-crise. palco. Nesse amálgama proposto
Poesia, performance, cinema, pelas criações, raps, discursos,
música e teatro mesclam-se narrativas de revoltas pretas,
com intensidades variadas e forma-se um coro cacofônico no
indistintas − como em The Wake qual a materialidade caótica de
[A vigília] (2019-em curso), o sons e de histórias é intrínseca
segundo trabalho do grupo, que aos sentidos das obras. E o fogo
é a um só tempo instalação mul- (elemento recorrente dessas
ticanal, peça, filme e manifesto produções) arde nas noites em
preto radical. que se sonham e se lembram das
A espiral dá forma ao pro- revoluções. As chamas destroem
cesso criativo que se constrói em e transformam − também em
ato, em encarnação e em evo- movimento contínuo. Seguindo
cação dos fantasmas − tornando esse deslocamento por entre
visível e vivo aqueles e aquilo (mundos, tempos, países), a
T

que jamais deixaram de estar ali. música e a dança performada


Assim, ao ritmo do créole, poetas pelos integrantes do coletivo
e revolucionários de diferentes convocam o corpo também a
épocas encontram-se e conver- queimar, e convidam a quem
sam por meio de processos de assiste a vislumbrar na carne das
fabulação e ativação. A fala dilui obras utopias (im)possíveis.
as fronteiras entre os mortos e os
vivos − como o nome do grupo kênia freitas
anuncia. Frankétienne, Toussaint
241

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torkwase Ao ser perguntado, na edição
de março de 1982 da revista de
dyson arquitetura Skyline, se “há algum
projeto arquitetônico, passado
ou presente, que lhe pareça
representar forças de libertação
ou resistência”, o teórico francês
Michel Foucault respondeu: “não
importa quão terrível determi-
nado sistema seja, sempre restam
possibilidades de resistência,
desobediência e de constituição
de grupos que se oponham a tal
sistema. [...] A liberdade é uma
Force Multiplier 1 (Bird and Lava), 2020 prática... a liberdade é o que se
Multiplicador de forças 1 (Pássaro e lava).
Grafite, acrílica e nanquim sobre papel,
deve exercer”.1 No entanto, o
27,9 × 35,6 cm exercício da liberdade compreen-

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dido em relação ao espaço, ao escravagistas? Ou sob as con-
tempo e ao ser leva ao entendi- dições do capitalismo racial, da
mento de que a libertação é uma escravidão, do imperialismo, da
prática espacial. Fundamental colonização e de todas as formas
para essa compreensão é o ques- de terror, invasão e clausura?
tionamento acerca das condições Na obra On Ocular Brutality
locais e das relações entre poder [Sobre brutalidade ocular]
e espaço, corpo e autonomia, (2023), em referência específica
subjetividade e percepção. ao Castelo Garcia d’Ávila/Forte
A construção da perspectiva Garcia d’Ávila, em Mata de São
europeia baseia-se em um sujeito João, Bahia, Dyson questiona:
sob o disfarce do “homem” ideal “Como olhar se tornou algo
vitruviano, cujos olhos são a extraordinário?” Nesse castelo
origem de uma linha ao longo do do século XVI, com vistas para o
centro de visão, que designa todo oceano Atlântico e para os enge-
o conhecimento a ser compreen- nhos coloniais de cana-de-açú-
dido. Além disso, a pintura e o car onde povos indígenas eram
desenho em perspectiva posi- escravizados, e que abrigava
cionam esse homem ideal num uma câmara dupla de tortura,
mirante com um ângulo de visão onde pessoas que tentavam fugir
de 60 graus para uma linha do da escravização eram presas e
horizonte que existe no infinito. submetidas ao terror e à morte
Compreender a prática espacial por um animal capturado e
da libertação desafia a noção de submetido a um longo período de
universalismo e do sujeito ideal inanição forçada, Dyson investiga
cujo olhar vigia, objetifica e busca o trabalho ocular de corpos ocul-
subsumir o mundo à epistemolo- tados, obscurecidos, encobertos
gia e ao colonialismo europeus. ou irrastreáveis. As esculturas da
Em seu trabalho que aborda artista constituem instrumentos
a construção espacial arquitetô- para novas – e ainda desco-
T

nica do pensamento composi- nhecidas – formas de ver e são


cional Negro, a artista Torkwase ferramentas para refletir sobre o
Dyson levanta as questões: “estado de vida” das pessoas que
Qual foi a experiência ocular de morreram em cativeiro.
pessoas Negras nos porões de
tumbeiros? Nos espaços autoe- mario gooden
mancipatórios do sotão ou do
caixote?2 Ou sob a arquitetura traduzido do inglês por
medieval de castelos e fortes bruna barros e jess oliveira
243

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trinh t. minh-ha

Bodies of the Desert, 2005


Corpos do deserto. Still de vídeo. Vídeo; 20’

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Partir do pressuposto mais à lógica unificadora dos gêne-
elementar do filme – o olhar ros (de acordo com os escritos
– rumo ao desconhecido, até teóricos da própria Minh-ha).
às últimas consequências, até Assim, algumas questões se
chegar novamente ao olhar. retroalimentam sem cessar:
Questionado, expandido, recor- Quem está olhando? Quem está
tado, revirado, esse ato-motor olhando quem ou o quê? Quem
a todo momento pulsa na obra está olhando de volta? Quem
de Trinh T. Minh-ha, obra que vai olhar quem estava olhando
escorre – como a água de de volta para quem estava
Surname Viet Given Name Nam olhando? E a espiral pode seguir
[Sobrenome Viet primeiro nome dando voltas indefinidamente.
Nam] (1989) – pelos caminhos Tão dinâmicos e complexos
do cinema, da antropologia, da quanto as abstrações de forma-
pós-colonialidade, da música -força são os interesses e culturas
e da teoria literária, áreas nas que movem a artista: Senegal,
quais vem produzindo intensa- China, a música experimental do
mente desde os anos 1980. grupo The Construction of Ruins,
O olhar em xeque: o fazer Japão, Togo, Vietnã… Também
fílmico, a observação do outro, montanhas e desertos (The
as regiões intersticiais que nos Desert Is Watching [O deserto
constituem enquanto indivíduos está assistindo], 2003, e Bodies of
e grupos. “O que eu vejo é a the Desert [Corpos do deserto],
vida me olhando”, diz a voz off 2005), onde os transportes e
de Minh-ha em Reassemblage percursos do olhar refletem
[Remontagem] (1982), filme- sobre a fugaz estadia humana no
-ensaio que contesta a visão contexto geológico deste planeta
de uma etnografia fundada cujo ritmo e dança – através do
na objetividade científica e na entrelugar fundado por Minh-ha
ansiedade do registro totali- – já não nos permitem nenhuma
T

zante do real. Essa contesta- contemplação desinteressada.


ção é materializada sobretudo
na forma, na linguagem, na igor de albuquerque
artesania de quem, ao invés de
pensar no binômio “forma-con-
teúdo”, produz tendo em conta
tudo o que escapa ao controle
quando se considera a política
das “formas e forças” resistentes
245

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ubirajara
ferreira braga

Autorretrato, 1987
Guache sobre papel,
66,5 × 50 cm

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“o artista plástico mais que Ubirajara Ferreira Braga, de
profícuo da colônia”: prenome tupi, cujo significado
quase 3 mil telas pintadas. O Senhor da Lança revela tanto
de sua história, pintou seus
dos quase sessenta anos até quase 3 mil quadros.
quase morrer, no ano 2000 nessas voltas etimogeográ-
(quando o milênio não bugou, ficas, reside alguma coisa ali
diferentemente da psiquê), entre Ogum, o ferreiro (como
Ubirajara Ferreira Braga o sobrenome do pintor; Deus
(1928-2000) pintou milhares da forja, das tecnologias de
de quadros. sobrevivência), o Xangô da
e imprimiu também um car- verdade, que é um tipo – sem-
tão de visitas, no qual orgulho- pre – de justiça (e da pedreira,
samente expunha sua profissão: como a que abrigava a cidade
“artista plástico”. diz um filme da cidade dos loucos), e, é claro
que sua ficha diagnóstica o pin- – aqui era onde essas palavras
tava como um “morador calmo, queriam chegar, desde o início
consciente” da colônia (psi-qui- – o Oxóssi: caçador, lançador,
-á-tri-ca) do Juquery. enlouquecido, enlouquecedor.
e os arquivos públicos que a morador da mata.
www guarda contam que ele foi, tem uma lenda que diz que
também, por um período breve, foi por enlouquecer (de amor?)
traficante de suas próprias obras que Oxóssi foi parar no meio
– naquele outro tipo de morada da mata, querendo apartar-se
que era mesmo um manicômio, do mundo. só sua filha amada,
que entrou pra história como a Iansã, dançou sua morte, por
“cidade dos loucos”, construída muitas noites e dias, permitindo
na cidade de franco da rocha, e assim que seu espírito chegasse
que tinha regras pétreas quanto ao Orum, um outro tipo de céu.
à circulação externa das obras um outro tipo de morada. talvez
feitas pelos moradores. calma. onde talvez Ubirajara
U

um outro tipo de história, agora resida. sem tanto ver-


contada à boca-menor dos que melho, como vi nas obras que
lutam por justiça, chama tam- pintava dentro das paredes
bém aquela cidade de “a cidade do Juquery.
dos mortos”: 50 milhares.
pois foi na rocha franca sobre tatiana nascimento
a qual essa cidade ambígua, dos
loucos, dos mortos, se ergueu,
247

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ventura É fim de tarde em um domingo
ensolarado. Em um bairro resi-
profana dencial, crianças brincam na cal-
çada, algumas com bola, outras
de corda, algumas em casa no
celular. Há homens e mulheres
na frente das casas, conversando
e olhando suas crias, filhas,
sobrinhas. Em uma das casas há
música enquanto o churrasco
começa a beirar o início da noite.
Em certo momento, uma criança

CONCÍLIO DAS
LAMENTAÇÕES, 2020
Impressão pigmentada
sobre Photo Matt Fibre
200g, 140 × 100 cm

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aponta para o céu e anuncia: poralidades dissidentes como
“Mãe, pai, vem aqui, rápido! O ponto de torção entre uma
que é isso? Está voando?” Aos tradição inflexível e a criação
poucos, todos começam a olhar de outras perspectivas eman-
na direção indicada. Cegos por cipatórias. Em outras palavras,
um brilho irradiante, veem se sua produção elabora modos
aproximar uma figura muito de epistemologia crítica aos
bonita, brilhante e dourada, sistemas de verdades e crenças
resplandecente como o Sol, conservadoras e coloniais. Para
deslizando sobre brumas em isso, Profana realiza inversões e
direção ao chão. Ao se aproxi- inserções nos recursos linguís-
mar, a criança pergunta: “Você ticos, visuais e performáticos
é Deus?”, e a resposta é clara: neopentecostais herdados do
“Podem me chamar de Deize, contexto familiar. Entre algumas
tenho algo a dizer a vocês”.1 de suas intervenções na ordem
Ventura Profana é uma artista do discurso, ao substituir Senhor
com práticas diversas, profeta pela travesti, a artista coloca
gloriosa, pastora em sua função esse modo de existência como
divinal. Ao produzir músicas, elemento central e disruptivo do
videoclipes, colagens digitais, pensamento tradicional, elabo-
instalações e fotografias, cria rando um discurso sem Senhor,
visualidades e performances tecendo tanto uma crítica
de vida que edificam novos aos dogmas neopentecostais,
imaginários sobre religião e fé. quanto antipatriarcal, quanto
Nesses imaginários, as existên- antimilitarista. Assim, é possível
cias que fogem aos controles reconhecer que a produção de
tradicionais de gênero e de Ventura Profana clama por vida
sexualidade são possíveis. As em abundância, ela mesma o
existências às quais a artista se corpo missionário que profetiza
refere são as travestilidades, e louva por saúde, amor e liber-
guardiãs das fontes da vida, dade para todas as travestis. No
das florestas e dos mangues, limite, sua produção artística
aquelas que se fazem vivas amplia a percepção de que,
V

em meio ao mar Morto, que ao fundar um mundo no qual a


são como os montes de Sião vida travesti é possível, todas as
que não se abalam, guardiãs vidas serão possíveis, imersas
de ecossistemas e da vida em poder e glória.
sagrada. Em seu trabalho é
possível reconhecer as cor- maria luiza meneses
249

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 249 09/08/23 11:19


wifredo lam O artista cubano Wifredo
Lam (1902-1982) realizou as
ilustrações para a obra Fata
Morgana (1941),1 do escritor
francês André Breton, em um
contexto de exílio político e de
uma iminente jornada transa-
tlântica. Os desenhos incluem o
repertório visual característico
que ele desenvolveu em obras
posteriores: criaturas dotadas
de chifres, cabeças em formato
quadrado, luas crescentes com
olhos e a figura de meio mulher,
meio cavalo, que se tornou sua
célebre femme-cheval interespé-

Omi Obini, 1943 Le Matin vert, 1943


Óleo sobre tela, 178 × 126 cm A manhã verde. Óleo sobre papel
montado em tela, 186,7 × 123,8 cm

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cie, observada em Mujer de aquarela, que intensifica o
sentada [Mulher sentada] (1949). deslocamento intencional da cor
Em sua obra, Lam dá ênfase à – azuis e verdes, com passagens
cultura negra por meio de uma de vermelhos, laranjas e ama-
sinédoque visual com a santería relos – para animar as relações
(também conhecida como Regla entre elementos de seus mundos
de Ocha e Lucumí), religião afro- pictóricos. Ao fazer isso, Lam
-diaspórica amplamente assen- utiliza a força vital dos orixás,
tada em crenças e tradições seu aché,2 como método decolo-
iorubás, temperada com certos nial que flui através do humano,
aspectos do catolicismo. Títulos do animal e do vegetal, e que
como Le Sombre Malembo, Dieu ele traduz visualmente não só
du carrefour [Malembo sombrio, em seres híbridos, mas também
Deus das encruzilhadas] (1943) por meio de seu entrelaçamento
identificam Malebo, centro com o entorno e da interpene-
de comércio de escravizados tração de figura e fundo. Seu
na África Ocidental, e Eleguá, deliberado emaranhado de
um orixá ou deidade iorubá oposições também sugere como
que é o guardião das encruzi- diferentes entidades podem se
lhadas, representado por Lam interligar em modos não hierár-
com chifres e olhos redondos. quicos para serem reciproca-
Aqui, as encruzilhadas podem mente transformadas. No centro
se referir à Passagem do Meio, do que chamo de modernismo
assim como à jornada do artista aché de Lam se encontra, por-
em seu retorno a Cuba. É chave tanto, a natureza cambiante da
para essa obra o modo como ele identidade e da corporificação,
decoloniza códigos representa- por meio da qual cruzamentos
cionais, com figuras híbridas que ontológicos e aberturas relacio-
deslocam as distinções entre nais chamam a atenção para a
homem/mulher, humano/animal, vivacidade das relações entre os
animal/planta e que desafiam mundos material e imaterial.
sistemas de classificação oci-
dentais e divisões ontológicas. kaira cabañas
Lam também dá corpo
a esses deslocamentos em traduzido do inglês por
W

transmutações pictóricas que gabriel bogossian


operam no nível do uso do
material, como a tinta diluída em esta participação é apoiada por:
Omni Obini (1943) e seu aspecto Institut français.
251

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will rawls

Uncle Rebus, 2018


Tio Rebus. Registro de performance,
High Line – 17th Street, Nova York (2018)

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A prática artística do coreó- escritas a partir do que o autor
grafo, dançarino, escritor e interpreta como sendo o dialeto
professor Will Rawls investiga dos negros do Sul na época.
as poéticas negras, se interessa Ao manipularem as letras
pelos limites e encontros da disponíveis, os performers vão
dança com a linguagem, explora ao mesmo tempo soletrando em
as ambiguidades, questiona as voz alta partes do texto, deses-
noções de poder e forma. tabilizando os dialetos ficciona-
Mexer o corpo, dançar com lizados pelo autor, explorando
letras, (des)construir e jogar os limites da normatividade
com palavras e frases, soletrar linguística e do discurso escrito.
em voz alta a letra escolhida, Na versão da performance
arranjar, rearranjar, arranjar para a 35ª Bienal de São Paulo,
de outro jeito, numa coreo- um outro texto servirá de
grafia aberta e em constru- base para a ativação da obra.
ção. PELE é a versão para o Podemos esperar a formação de
público da Bienal de São Paulo palavras tanto conhecidas como
da performance Uncle Rebus, inusitadas. O convite é para a
realizada anteriormente em abertura e o reconhecimento
outros espaços. de diversos sotaques e acen-
A própria dinâmica da perfor- tos, para a formação coletiva
mance convida os espectadores e interativa de palavras que
a ler as palavras formadas, as geram reflexões.
quais se transformam em outras
ao longo da ativação. PELE/
Em Uncle Rebus, o texto que LEPE/
serve de base para a ação é o EPLE/
conjunto de fábulas Brer Rabbit, PEL/
narrado pelo personagem PLE/
Uncle Remus e escrito pelo ELP/
folclorista Joel Chandler Harris, ELE/
um homem branco do Sul dos EE…
Estados Unidos. Uncle Remus
é uma espécie de identidade juliana de arruda sampaio
compósita criada com base nas
W

histórias da cultura oral das


plantações às quais Harris teve
acesso. Repletas de preconcei-
tos linguísticos, as histórias são
253

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 253 09/08/23 11:19


xica esse documento deveria nos
possibilitar imaginar um rosto,
manicongo entretanto, diante dele nos
deparamos apenas com um
túmulo. é a História quem jaz
no túmulo. o arquivo da história
da escravidão transatlântica é a
marca de um desaparecimento.
esses documentos não passam,
portanto, de cinzas.
porque se escolheu preservar
o relato de um colono europeu, y
não a vida de uma estrela preta?
a resposta a essa pergunta é
irrelevante. o estrago já foi feito.
chegamos tarde demais.

Diante da impossibilidade de figurar o


retrato de Xica Manicongo, resultado
dos processos de apagamento próprios
do arquivo da história da escravidão
transatlântica, optou-se por esta
apresentação também lacunar.

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o que importa, no entanto, é uma memória. a memória de
que, passados mais de qua- que mesmo o esquecimento
trocentos anos, nem sabemos nunca é absoluto. a memória
o nome desse tal de... mas da imprevisibilidade, na qual
lembramos com muito carinho aquilo que deveria ter sido
o nome de Xica Manicongo. aniquilado ressurge de outra
esse nome que é também uma maneira num outro lugar:
fábula. Manicongo é uma forma Sertransneja, Coletiva Xica
distorcida de dizer Mwene Manicongo, Jaqueline Gomes
Kongo, senhor do Congo; já Xica de Jesus, Bixarte, Xica a peça,
foi uma forma que dissidentes Xica Manicongo... a memória
de gênero, sobretudo pretas, da risada aberta, do gingado
utilizaram para resgatá-la de sereno, da força bruta y da cora-
uma nomeação violenta cujo gem indomável, dessa que hoje
mundo da escravidão lhe havia chamamos de Xica Manicongo.
endereçado: Francisco. assim, as cinzas são usadas há
Xica Manicongo é uma forma muito em África y Abya Yala
de fabular a assinatura sônica como um componente de
dessa criatura cuja beleza inson- fertilização dos solos. aí, então,
dável jamais iremos ouvir. somos convocadas a imaginar,
Xica foi trazida forçadamente diante desse túmulo, novos
para Salvador em fins de século frutos selvagens da diáspora de
16. segundo relatos, um tal de... , África no Brasil que rebentam
um... , teria se incomodado com y rebolam uma outra forma
a performatividade de gênero y de escrever para atravessar
sexualidade radicalmente livres o Tem/po.
de Xica, denunciando-a para a
Santa Inquisição. Xica defendeu abigail campos leal
sua recusa, escolheu permane-
cer livre. por fim, para evitar a
morte, decidiu recuar, enganar
os usurpadores usando suas fan-
tasias de homem. teria sido esse
o primeiro registro de Drag King
da história do território invadido
chamado Brasil?
o que podemos imaginar
X

diante dessas letras tortas


dispostas nesse papel mofado?
255

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yto Yto Barrada leva o jogo a sério.
Para essa eterna aprendiz, o
barrada jogo é uma poderosa ferra-
menta educacional que apela
tanto para os sentidos quanto
para o intelecto. Por exemplo,
Land and Water Forms [Formas
da terra e da água] (2019), uma
série de trabalhos de acrílica
e gesso sobre papelão, revela
uma gramática de formas natu-
rais adaptada de bandejas de
moldes Montessori. Por outro
lado, o jogo educacional é um
quadro ideal para experimen-
tação artística – a alegria de
criar e quebrar regras. O vídeo
Sem título (Blocos de unidades de
Casablanca – com Bettina), 2023
Modelo para obra comissionada
pela Fundação Bienal de São Paulo
para 35ª Bienal

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 256 09/08/23 11:19


Tree Identification for Beginners [Os adormecidos] (2006), The
[Identificação de árvores Smuggler [O traficante] (2006)
para iniciantes] (2017) narra a e The Magician [O mágico]
história da primeira viagem da (2003) são belos marginais que
mãe da artista para os Estados encontram maneiras criativas de
Unidos – e histórias maiores da resistir ao domínio neoliberal.
Guerra Fria e de ativismo pelos Além disso, alguns persona-
direitos civis – através de uma gens históricos se repetem; o
montagem cativante e hilária maior deles é Hubert Lyautey,
de locução, sonoplastia e brin- o primeiro Residente Geral
quedos Montessori animados. francês no Marrocos (1912-1925),
Historiadora de formação, um colonizador brutal admirado
Barrada se interessa pelas por alguns por sua introdução
inúmeras maneiras pelas quais do urbanismo modernista e sua
eventos históricos e o tecido (seletiva) preservação de tradi-
social se constituem mutua- ções artesanais locais. Além do
mente. Como artista, ela está afeto superficial, Barrada expõe
sempre buscando formas que a figura de Lyautey, jogando
possam traduzir a complexi- com suas citações muito conhe-
dade dessas relações. A política cidas e o famoso bigode em car-
permeia seu trabalho, mas tazes e colagens, ou oferecendo
sempre obliquamente, pois seu nome como uma brincadeira
questões sérias são mais bem de (des)construção nas várias
abordadas com humor. Veja a versões de seu Lyautey Unit
leveza dos trocadilhos em seus Blocks. Nesta, como na maior
cartazes (“Não sou exótica, parte de sua obra, política e
estou exausta”; “Sheik Spear1 jogo, seriedade e irreverência,
é árabe”...) ou o texto satírico caminham juntos.
“Uma modesta proposta para
modernizar o Marrocos e omar berrada
maximizar seus recursos e efi-
ciência” (2010), atribuído a um traduzido do inglês por
personagem fictício cujo nome, mariana nacif mendes
Yahia Sari, é uma adaptação
árabe de Jonathan Swift.
Muitos personagens reais tam-
bém vieram povoar seus traba-
lhos fotográficos e videográficos
ao longo dos anos. The Sleepers
257 Y

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 257 09/08/23 11:19


zumví O que significa constituir um
arquivo fotográfico da vida
arquivo afro-brasileira, através dela e
para ela? O Zumví Arquivo Afro
afro fotográfico Fotográfico é a resposta mais
próxima que temos para essa
pergunta. Fundado em 1990
por Lázaro Roberto, Ademar
Marques e Raimundo Monteiro,
e fisicamente instalado entre o
Pelourinho e a Fazenda Grande,
em Salvador, Bahia, Zumví
abriga 30 mil fotografias (além
de documentos pessoais, carta-
zes, cartões-postais e documen-
tos diversos) que abrangem três

Protesto da Irmandade do Rosário dos


Pretos no Largo do Pelourinho, durante
as comemorações da Independência da
Bahia, dia 2 de julho, 2012
Ampliação digital de fotografia
analógica, 80 × 120 cm

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décadas. Em sua essência, é um minação do Zumví Arquivo Afro
arquivo comunitário, que existe Fotográfico integra a fotografia
sem apoio institucional nem como um local de luta sociopolí-
burocracia. Seu vasto acervo tica, um lugar em que o trabalho
de imagens combina pontos de movimento pode acontecer.
turísticos e rotas de protesto A acadêmica e ativista sergipana
com cenas cotidianas de rua, Beatriz Nascimento (1942-1995)
formando um espaço visual que argumenta que “o quilombo é
revela de modo preciso como fundamentalmente uma condi-
as esferas social e política se ção social, um lugar onde se pra-
desenrolaram na Bahia nas tica a liberdade [...], é a aceitação
últimas décadas do século 20. da cultura negra”.1 Levando-se
Envolvendo várias perspectivas a sério esse seu argumento, o
fotográficas, essas imagens arquivo então pode ser consi-
captam a dor e o orgulho, o derado uma extensão pictórica
amor e a insistente possibilidade dessa condição social. Zumví é
incorporada à negritude. uma passagem fugitiva tornada
De modo geral, Zumví consti- fotográfica, um lugar onde a
tui uma afirmação da existência consciência negra é cultivada na
e da autonomia afro-brasileiras, fixação da imagem e se expande
articulada por meio da noção de para além do enquadramento.
aquilombamento. Mais do que
um acúmulo de representações, oluremi onabanjo
a clareza política da finalidade do
arquivo é imediatamente legível traduzido do inglês por
em seu nome: uma contração naia veneranda
simultânea de zum-vi (zoom da
lente fotográfica e o verbo ver
no modo pretérito perfeito do
indicativo) e uma invocação a
Zumbi, líder do quilombo dos
Palmares, uma monumental
comunidade de quilombos
que resistiu aos portugueses e
aos holandeses por um século
inteiro (1595-1695). Por meio dos
esforços contínuos de Lázaro
Roberto e de seu sobrinho José
Carlos, o espírito de autodeter-
259
Z

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notas ahlam shibli
1/ T. J. Demos, “Disappearance and precarity:
On the photography of Ahlam Shibli,” in Ahlam
Shibli: Phantom home. Essays by T.J. Demos and
Esmail Nashif. Exhibition Catalog. Barcelona/ Paris/
Porto/ Ostfildem: Museu d’Art Contemporani de
Barcelona (MACBA) / Jeu de Paume / Museu de Arte
Contemporânea de Serralves / Hatje Cantz, 2013,
p. 16.

aline motta
1/ Aline Motta, “A água é uma máquina do tempo”.
eLyra: Poesia e Arquivo, n. 18, p. 333-337, 2021.
(Depoimentos). Disponível em: elyra.org/index.php/
elyra/article/view/422/457. Acesso em: 28 maio 2023.

2/ Aqui invoco Christina Sharpe, In the Wake: On


Blackness and Being. Durham: Duke University
Press, 2016, p. 87.

3/ Saidiya Hartman, “The Belly of the World: A Note


on Black Women’s Labors”. Souls: A Critical Journal of
Black Politics, Culture, and Society, v. 18, n. 1, p. 166-
173, jan./mar. 2016, p. 171.

ana pi e taata kwa nkisi mutá imê


1/ Michel de Certeau, “Walking in the City”, in The
Practice of Everyday Life (1980), trad. Steven Rendall.
Berkeley: University of California Press, 2010, p. 93.

2/ Ibid., p. 93.

3/ Édouard Glissant, Poética da relação. Tradução


de Marcela Vieira e Eduardo Jorge Oliveira; revisão
técnica Ciro Oiticica; prefácio Ana Kiffer, Edimilson
de Almeida Pereira. 1ª ed. Rio de Janeiro: Bazar do
Tempo, 2021, p. 44.

anne-marie schneider
1/ Frase do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-
1891), “Je est un autre” (Eu é um outro) está presente
em uma carta de 13 de maio de 1871, endereçada a
seu professor Georges Izambard. El País, Madri, 16
nov. 2016.

2/ Jean-François Chevrier (posfácio), “Trazo película


color” [Traço filme cor], in Anne-Marie Schneider.
Madri; Paris: Museo Nacional Centro de Arte Reina
Sofía; Éditions L’Arachnéen, 2016.

3/ Virginia Woolf, “Esta ola en la mente” (Essa onda


na mente), trecho de uma carta de 16 de março
de 1926, endereçada à escritora e jornalista Vita
Sackville-West. In Federico Sabatini (ed.), Sobre la
escritura. Virginia Woolf. Barcelona: Alba Editorial,
2015, p. 34.

archivo de la memoria trans (amt)


1/ Ver Memorias reveladas, de Quentin Worthington
(França, 2019, 23’), documentário sobre a criação
do amt.

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 260 09/08/23 11:19


aurora cursino dos santos diego araúja e laís machado
1/ Os poucos e incertos dados biográficos de 1/ “Ei ê lambá / quero me acabá no sumidô / quero
Aurora Cursino dos Santos estão sinalizados me acabá no sumidô / lamba de vinte dia / ei lambá
nas suas pinturas e desenhos, quase sempre / quero me acabar no sumidô / Ei ererê.” Vissungo
autorreferenciados, habitando um lugar entre a registrado em 1929, pelo filólogo e linguista Aires
memória e o delírio. Estão também presentes em da Mata Machado Filho (1909-1985), em pesquisa
relatos médicos e documentos psiquiátricos que, sobre o repertório banto em Diamantina (mg),
como todo arquivo da violência, excedem pela foi re(en)cantado elo cantor e compositor Geraldo
parcialidade e exigem uma leitura desconfiada Filme (1927-1995) no álbum O canto dos escravos,
e crítica. de Geraldo, Clementina de Jesus e Tia Doca, Estúdio
Eldorado, 1982.
cabello/carceller
1/ No francês hantologie, conceito criado por Jacques 2/ Canto entoado por escravizados negros nas lavras
Derrida em seu livro Espectres de Marx (1993), em de diamantes em Diamantina (MG) com palavras em
que une os termos hanter [assombrar] e ontologie português e línguas africanas. [n.e.]
[ontologia], referindo-se ao persistente retorno às
teorias do passado. [n.e.] 3/ Alarinjo foi também um termo usado por Laís
Machado para definir sua prática performática em
2/ Paul B. Preciado, “Una voz para Erauso. Epílogo Artes Cênicas.
para un tiempo trans”, in Cabello/Carceller. Una voz
para Erauso. Epílogo para un tiempo trans. Catálogo duane linklater
de exposição. Bilbao: Azkuna Zentroa – Alhóndiga 1/ O Sistema de Escolas Residenciais no Canadá
Bilbao, 2022, p. 14. [n.e.] foi um sistema violento e prolongado imposto pelo
governo e pelas igrejas que o acompanhavam,
ceija stojka criado especificamente para que crianças indígenas
1/ Ceija Stojka pertencia a uma família Lovara Roma, fossem separadas de suas famílias, aculturadas
grupo étnico tradicionalmente nômade que vive e colonizadas.
atualmente em diferentes regiões da Europa e falam
variações da língua Romani. [n.e.] elda cerrato
1/ Elda Cerrato, La memoria en los bordes: entrevista,
2/ Walter Benjamin, “Sobre o conceito de história dibujos. Buenos Aires: Nobuko, 2011, p. 7.
– Tese V” (1940), in Walter Benjamin, O anjo da
história, org. e trad. João Barrento. Rio de Janeiro: elena asins
Autêntica, 2013. 1/ Javier Maderuelo, “Menhir dos”, in Elena Asins:
Menhir dos. Ayuntamiento de Madrid, 1995.
daniel lind-ramos
1/ Kellie Jones, South of Pico: African American ellen gallagher e edgar cleijne
Artists in Los Angeles in the 1960s and 1970s. 1/ Esse é um termo-conceito trabalhado por autores
Durham: Duke University Press, 2017, p. 69. como Saidiya Hartman e Tavia Nyong’o.
(Tradução livre).
2/ Paul Gilroy, O Atlântico negro: modernidade e dupla
2/ Ibid. consciência. Tradução Cid Knipel Moreira 2. ed. São
Paulo; Rio de Janeiro: 34; Universidade Cândido
dayanita singh Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.
1/ Frase de Mona Ahmed extraída do texto do red
de Dayanita Singh sobre o livro Myself Mona Ahmed. eustáquio neves
Zurique: Scalo Pusblishers, 2001. Disponível em: 1/ Referência à frase “uma realidade que não posso
dayanitasingh.net/myself-mona-ahmed/. Acesso em: nomear”, in “Correspondências entre vozes, uma
26 mai. 2023. carta para abrir conversas”, in Aqui, numa coreografia
de retornos, dançar é inscrever no tempo: publicação
educativa da 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do
impossível. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo,
2023, p. 15.

flo6x8
1/ 15-M é como ficou conhecido o movimento
dos indignados na Espanha. Em 15 de maio
ocuparam um grande número de praças espanholas,
protestando contra os cortes sociais causados ​​pela
crise econômica de 2007. [n.e.]
261

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notas francisco toledo
1/ Depoimento do artista veiculado em diversos
canais que cobriram as ações-protesto realizadas por
Francisco Toledo desde novembro de 2014, quando
passou a ativar a obra Papalotes de los desaparecidos
(2014).

george herriman
1/ Leis segregacionistas que vigoraram em vários
estados do sul dos Estados Unidos entre os anos de
1877 e 1965. [n.e.]
gloria anzaldúa
1/ No inglês “women of color”. Ver Cherrie Moraga e
Gloria Alzandúa, This Bridge called my Back: Writings
by Radical Women of Color (1967), 4. ed., Nova York:
State University of New York Press, 2015.

2/ Gloria Alzandúa, Borderlands/La Frontera: La


nueva mestiza, trad. de Carmen Valle Simón. Madri:
Capitán Swing, 2016, p. 80. [tradução nossa ao
português]

3/ Ibid., p. 120.

4/ “Agentes da imigração dos EUA são orientados a


empurrar crianças e bebês em rio na fronteira como
México”, O Globo, 20 jul. 2023. Disponível em: oglobo.
globo.com/mundo/noticia/2023/07/20/agentes-
da-imigracao-dos-eua-sao-orientados-a- empurrar-
criancas-e-bebes-em-rio-na-fronteira-com-o-mexico.
ghtml. Acesso em: 24 jul. 2023.

5/ Anzaldúa, 2016, op. cit., p. 55.

grupo de investigación en arte y política (giap)


1/ Os zapatistas guardavam silêncio na mídia
desde 2008, longe de câmeras e microfones para
estabelecer as bases do Bom Governo autônomo.

2/ A Marcha do Silêncio não teve discursos nem


proclamações. Somente no dia seguinte apareceu um
comunicado do ezln na forma de um poema: vocês
ouviram? / É o som do seu mundo desmoronando. /
É o som do nosso mundo ressurgindo. / O dia que foi
o dia era noite. / E a noite será o dia que será o dia. /
democracia! / liberdade! / justiça!

3/ Comunicado do festival de dança zapatista,


jan. 2017. Disponível em: enlacezapatista.ezln.org.
mx/2019/12/15/baila-una-ballena/.

igshaan adams
1/ Áreas criadas durante o Apartheid para confinar
negros e mestiços.

ilze wolff
1/ Architecture SA, primavera 1980, p. 13.

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januário jano min tanaka e françois pain
1/ Djaimilia Pereira de Almeida, “Morrer de 1/ Dirigido por Bryan Forbes, A louca de Chaillot
Nostalgia” in Revista Quatro cinco um, São Paulo, jun. (1969) é um filme de comédia dramática, de
2023, p. 8 coprodução britânica e estadunidense, baseado na
peça La Folle de Chaillot (1945), de Jean Giraudoux.
jesús ruiz durand
1/ Áreas criadas durante o Apartheid para confinar nadir bouhmouch e soumeya ait ahmed
negros e mestiços.1/ Pongos eram os camponeses 1/ Nadir Bouhmouch & Soumeya Ait Ahmed, texto
e indígenas que trabalhavam como criados nas do projeto submetido à 35a Bienal
fazendas no Peru e os gamonales eram latifundiários
da região serrana, que em geral exploravam a força quilombo cafundó
de trabalho dos pongos num regime de servidão 1/ A cupópia é uma língua falada no Quilombo
muito parecido com a forma feudal. [n.t.] Cafundó, em Salto de Pirapora, São Paulo, Brasil.
A língua combina a estrutura do português com
2/ José María Arguedas, “Carta a Hugo Blanco-1969”, palavras de origem africana, especialmente
in Hugo Blanco (ed.), La verdadera historia de la do quimbundo.
Reforma Agraria. Lima: Ediciones Lucha Indígena,
2009. 2/ O sr. Otávio também foi quem entrou com um
processo de usucapião, que garantiu a permanência
julien creuzet dos quilombolas na Gleba A (os 7,5 alqueires que
1/ Édouard Glissant, Poética da Relação (1997). restaram para a comunidade).
Tradução de Marcela Vieira e Eduardo Jorge de
Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021, pp. rosa gauditano
20-30. 1/ Aqui optou-se por manter a grafia da época.

2/ Ver Antonio Benitez-Rojo, The Repeating Island: the rubiane maia


Caribbean and the Postmodern Perspective. Durham: 1/ Notas sobre a prática da artista. Ver mais em:
Duke University Press, 1997. (Tradução livre). www.rubianemaia.com/.

kamal aljafari 2/ Ibid.


1/ O termo árabe Nakba significa “catástrofe”
sammy baloji
ou “desastre” em português, e remete ao êxodo
1/ Portfólio do artista. Disponível em: imanefares.
palestino de 1948, quando mais de 700 mil árabes
com/wp-content/uploads/2020/04/if-sammybaloji-
palestinos, conforme dados da Organização
portfolio-eng-1.pdf. Acesso em: jul. 2023.
das Nações Unidas (onu), fugiram ou foram
expulsos de suas casas em razão da guerra civil santu mofokeng
de 1947-1948 e da Guerra Árabe-Israelense de 1/ Achille Mbembe, “The Power of the Archive and
1948. [n.e.] its Limits”, in C. Hamilton et al. (ed.), Refiguring the
Archive. Cidade do Cabo: David Philip, 2002, p. 21.
luiz de abreu
1/ Conforme entrevista concedida à Rádio França 2/ Santu Mofokeng, citado em entrevista a Tamar
Internacional Brasil, no programa RFI Convida Garb. Figures and Fictions: Contemporary South African
Luiz de Abreu, em 13 mar. 2020. Disponível em: Photography. Göttingen: Steidl, 2011, p. 283.
www.youtube.com/watch?v=g0ALs1cTW0Q&ab_
channel=RFIBrasil. Acesso em: 18 mai. 2023. sauna lésbica por malu avelar com ana paula
mathias, anna turra, bárbara esmenia e
malinche marta supernova
1/ O Lienzo de Tlaxcala é um códice colonial pintado 1/ Malu Avelar em conversa gravada com a autora.
por volta de 1552. Ele conta a história da conquista
do México da perspectiva dos Tlaxcallans, antigos 2/ Ibid.
inimigos dos Astecas. Disponível em: nmdigital.unm.
edu/digital/collection/achl/id/1609/. Acesso em: 3/ A residência PlusAfroT aconteceu em 2019 na
jul. 2023. Villa Waldberta, em Munique, Alemanh. Disponível
em: amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/
marlon riggs plusafrot/. Acesso em: jun. 2023.
1/ entre eles, destaco Bruno F. Duarte, Cornelius
Moore, Louis Massiah e Rhea L. Combs, além de meu
trabalho como curador e professor.
263

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notas senga nengudi
1/ Aqui optou-se por manter a grafia da época.
Esta definição encontra-se em “Declaração sobre
trabalhos com malha de náilon”, de 1997, publicada
no catálogo Senga Nengudi − Topologias. Munique; São
Paulo: Lenbachhaus; masp, 2020, p. 117.

simone leigh e madeleine hunt-ehrlich


1/ Robert Farris Thompson, Flash of the spirit: arte e
filosofia africana e afro-americana (1984). São Paulo:
Museu Afro Brasil, 2011.

2/ Zora Neale-Hurston, Tell My Horse (1938). Nova


York: Harper Collins, 2008.

sonia gomes
1/ Conceição Evaristo, “A noite não adormece nos
olhos das mulheres”, in Cadernos negros, vol. 19, org.
Márcio Barbosa, Sônia Fátima Conceição & Esmeralda
Ribeiro. São Paulo: Quilombhoje; Ed. Anita, 1996.

stanley brouwn
De acordo com o desejo do artista, o guia não
reproduz nenhum dado biográfico, nem imagens,
nem textos sobre ele.

esta participação é apoiada por: Consulado Geral do


Reino dos Países Baixos em São Paulo.

stella do patrocínio
1/ Referência a Grada Kilomba, Ilusões vol. I – Narciso
e Eco. In Grada Kilomba: Desobediências poéticas.
Catálogo de exposição. São Paulo: Pinacoteca de São
Paulo, 2019.

2/ cd2_01. Terceira parte dos depoimentos/


entrevistas/falas. 6’53’’. In: Sara Martins Ramos,
Stella do Patrocínio: entre a letra e a negra garganta de
carne. 2022. Dissertação de Mestrado. Disponível em:
dspace.unila.edu.br/handle/123456789/6465. Acesso
em: 2 jun. 2023.

3/ Referência a Lélia González, “Racismo e sexismo


na cultura brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje,
Anpocs, pp. 223-44, 1984.

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taller de gráfica popular
1/ Humberto Musacchio, El Taller de Gráfica Popular.
México: FCE, 2007, p. 25.

2/ Ver Alberto Hijar Serrano, Catálogo TGP 80 años.


Taller de Gráfica Popular. Cidade do México: Museo
Nacional de la Revolución, 2017, p. 39; Humberto
Musacchio, op. cit., pp. 30-60.

3/ Dina Comisarenco Mirkin, “Negro woman


y la postmemoria de la esclavitud en Elizabeth
Catlett”. La Ventana − Revista de estudios de
género, v. 6, n. 54, pp. 110-42, 2021. Disponível
em: www.scielo.org.mx/scielo.php?pid=S1405-
94362021000200110&script=sci_arttext_
plus&tlng=es. Acesso em: 16 jul. 2023.

tejal shah
1/ Sobre as noções de contrassexualidade e prótese,
ver Paul B. Preciado, Manifesto contrassexual. São
Paulo: n-1, 2014. Nesse livro, o autor lembra que
o falo não é uma substituição do pênis, mas o
contrário, e que o pênis, por sua vez, não passa de
um dildo de carne.

torkwase dyson
1/ Tradução nossa. Texto completo com tradução
de Pedro Levi Bismarck disponível em: www.
revistapunkto.com/2015/04/espaco-saber-e-poder-
michel-foucault_88.html. Acesso em jul. 2023. [n.t.]

2/ Ver, por exemplo a autobiografia de Harriet Ann


Jacobs e de outras pessoas escravizadas, como o caso
de Henry Box Brown, que se libertou da escravização
organizando o envio de si mesmo em uma caixa de
madeira para a Filadélfia, no estado abolicionista da
Pensilvânia. [n.t.]

ventura profana
1/ Fabulação da autora sobre como poderia ser a
descida de Deize à Terra, com base em referências
visuais da artista. [n.e.]

wifredo lam
1/ A edição apresentada na 35a Bienal é a seguinte:
André Breton, Fata Morgana. Ilustrada por Wifredo
Lam. Buenos Aires: Éditions des Lettres Françaises,
1942.

2/ Este termo, no contexto da santería cubana, é


o equivalente ao axé, associado às religiões afro-
brasileiras, sendo ambos derivados do termo iorubá
àṣẹ, ou axę.

zumví arquivo afrofotográfico


1/ Beatriz Nascimento, “O conceito de quilombola
e a resistência afro-brasileira.” Afrodiáspora, n. 6-7,
1985, pp. 41-49.
265

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curadoria hélio menezes é antropólogo e internacionalista
pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador
associado do BrazilLab, da Universidade de Princeton.
Foi curador de arte contemporânea do Centro Cultural
São Paulo de 2019 a 2021, onde também atuou como
curador de literatura entre março e outubro de 2019,
e coordenador internacional do Fórum Social Mundial
de Belém (2009), Dakar (2011) e Túnis (2013). Alguns
de seus trabalhos mais recentes são Carolina Maria
de Jesus: Um Brasil para os brasileiros (IMS Paulista),
Histórias afro-atlânticas (MASP e Instituto Tomie
Ohtake) e dos brasis (Sesc). Em 2021, foi reconhecido
pela ArtReview Magazine como uma das cem pessoas
mais importantes da arte contemporânea no mundo.

diane lima é curadora, pesquisadora, escritora e manuel borja-villel é doutor em história da arte pela
uma das principais vozes do feminismo negro na arte City University de Nova York, foi diretor do Museu
contemporânea brasileira. Em 2021 foi premiada Reina Sofía (Madri, Espanha) entre 2008 e 2022,
com o Ford Foundation Global Fellowship, programa sendo responsável pelo desenvolvimento e profunda
que celebra a próxima geração de líderes de justiça releitura da coleção do museu. Nos últimos anos, o
social ao redor do mundo. Sua trajetória composta Reina Sofía fortaleceu sua posição como referência
por projetos que desafiam as práticas institucionais para a produção cultural pelo trabalho realizado
e curatoriais resultou na organização do livro Negros com uma rede assimétrica de instituições que inclui,
na Piscina: Arte contemporânea, curadoria e educação entre outros, museus, universidades e instituições
(2023) e Textes à lire à voix haute (2022). Outros pro- independentes. Dirigiu a Fundación Antoni Tàpies
jetos recentes incluem as exposições Paulo Nazareth: (Espanha) desde sua criação, em 1990, até 1998, e fez
Vuadora (Pivô, São Paulo, 2022); Antônio Obá: Path da fundação uma instituição experimental com uma
(Oude Kerk, Amsterdam, 2022) e Frestas – 3ª Trienal de programação centrada na crítica institucional. Já à
Arte Sesc-SP – O rio é uma serpente (Sesc Sorocaba, São frente do Museu d’Art Contemporani de Barcelona
Paulo, 2020-21). Mestra em comunicação e semiótica de 1998 a 2008, colocou a gestão pública a serviço da
pela PUC-SP, suas palestras e textos tem ressoado em agenda cidadã, criando um lugar de dissidência por
diversas instituições e publicações internacionais. meio da pedagogia radical, da crítica e da experimen-
tação institucional. Ele reflete sobre esses e outros
grada kilomba é artista interdisciplinar, escritora temas em seu último livro: Campos magnéticos:
e doutora em filosofia pela Universidade Livre de escritos de arte y política (2020).
Berlim, Alemanha. Lecionou em diversas universi-
dades internacionais, como a Universidade de Artes
de Viena, na Áustria. Suas obras levantam questões
sobre conhecimento, poder e violência cíclica, e foram
exibidas em eventos significativos como a 10ª Berlin
Biennale; Documenta 14; La Biennale de Lubumbashi VI;
e 32ª Bienal de São Paulo; assim como em inúmeros
museus e teatros internacionais. Seu trabalho dispõe
de diferentes formatos como performance, leitura
cênica, textos, vídeo e instalação, tendo como foco
memória, trauma, gênero e pós-colonialismo. Obras
de sua autoria integram coleções públicas e privadas
como a da Tate Modern (Inglaterra).

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colaborações claudinei roberto da silva é curador convidado
do Museu Afro Brasil Emanoel Araujo. Foi curador
das exposições Sidney Amaral: O banzo, o amor e
a cozinha (2015), no Museu Afro Brasil Emanoel
Araujo, 13ª Bienal Naïfs do Brasil (2016), no Sesc, e
37º Panorama da Arte Brasileira: Sob as cinzas, brasa
(2022), no Museu de Arte Moderna de São Paulo
(MAM-SP).

david pérez é professor de chaves do discurso artís-


tico contemporâneo na Universitat Politècnica de
València e membro do Centro de Investigación Arte y
Entorno, na mesma universidade (Espanha). É autor
de vários ensaios sobre arte, estética e pensamento.

abigail campos leal transita entre arte e filosofia déba tacana é artista visual, pesquisadora e
para criar poéticas anticoloniais. É professora no professora na Universidade Federal do Acre (UFAC).
curso de especialização em Ciências Humanas e Desenvolve uma investigação poética das dimensões
Pensamento Decolonial da PUC-SP. Apresentou per- visíveis e invisíveis por meio da matéria: corpo cerâ-
formances no Museu da Imagem e do Som do Ceará e mico × corpo indígena × corpo-território, em diálogo
no Itaú Cultural (SP). Entre suas publicações está ex/ com transformações das fronteiras e paisagens de
orbitâncias: os caminhos da deserção de gênero (2021). guerra em Abya Yala.

ana longoni é escritora, curadora, pesquisadora e emanuel monteiro é artista e professor de artes
professora na Universidad de Buenos Aires (UBA) visuais na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
(Argentina). Estuda as intersecções entre arte e Desenvolve pesquisa nas linguagens de desenho e
política na Argentina e na América Latina de meados pintura.
do século 20 até o presente. É autora de Parir/Partir
(2022), entre outros. fernanda carvajal é socióloga e trabalha com a
intersecção entre arte, sexualidade e políticas.
barbara copque é professora na Universidade do Atualmente é pesquisadora no Consejo Nacional
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), antropóloga-que-fo- de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet)
tografa, membra do Comitê de Antropologia Visual da (Argentina) e membra da Red Conceptualismos del
Associação Brasileira de Antropologia e conselheira do Sur (RedCSur).
Museu Afrodigital Rio de Janeiro. Participa do grupo
Afrovisualidades, do projeto Mapeando Arte e Cultura getsemaní guevara romero é historiadora da
Visual Periférica e possui obras no acervo do Museu arte, arquivista e curadora. Atualmente colabora
de Arte do Rio. no Centro de Documentación Arkheia, do Museo
Universitario Arte Contemporáneo (MUAC) (México).
beatriz martínez hijazo é pesquisadora. Mestra em Seus interesses de pesquisa giram em torno de
história da arte contemporânea e cultura visual pela feminismos, memória e arquivo.
Universidad Complutense de Madrid, foi cocuradora
da mostra Un acto de ver que se despliega – Colección heitor augusto atua nas intersecções entre curadoria
Susana y Ricardo Steinbruch (2022) no Museo Reina e programação de filmes, pesquisa, escrita e ensino no
Sofía (Espanha). campo do cinema. É programador-chefe do Instituto
Nicho 54.
carles guerra é artista, escritor e pesquisador
independente. Foi diretor de La Virreina Centre horrana de kássia santoz é curadora, educadora e
de la Imatge, curador-chefe do Museo de Arte realizou a pesquisa curatorial das mostras 40 anos
Contemporáneo de Barcelona (MACBA) e, de 2015 a do Videobrasil, da Associação Cultural Videobrasil, e
2020, diretor executivo da Fundació Antoni Tàpies Zonas de sombra, na Pinacoteca de São Bernardo do
(Espanha). Foi curador da mostra Francesc Tosquelles: Campo (SP). Desde 2007, atua no desenvolvimento
Like a Sewing Machine in a Wheat Field (2022) no de novas práticas educativas em museus e espaços
Museo Reina Sofía (Espanha). culturais.

cíntia guedes é artista multidisciplinar, professora igor de albuquerque é editor, tradutor e ensaísta.
e pesquisadora. Doutora em comunicação pela Editou a Revista Barril e hoje edita a Revista Canarana.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Em 2022 venceu o prêmio de ensaísmo da Serrote.
ênfase em relações raciais e colonialidade do poder e Autor de -13, -38: Amanhã de novo (2019), atualmente
produção da subjetividade. prepara uma tese na Universidade de São Paulo (USP)
sobre arte e filosofia na obra de Carlo Michelstaedter.
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isabel tejeda é professora titular na Universidad de marco baravalle é pesquisador, ativista e curador.
Murcia (Espanha). Foi curadora de mais de oitenta Membro do Sale Docks, espaço coletivo e autogerido
mostras na Espanha, Itália, Marrocos, França, Reino para artes visuais e ativismo em Veneza, faz parte
Unido, Porto Rico e Argentina. É especialista em do Institute of Radical Imagination (IRI) e é bolsista
feminismos e artistas modernas e contemporâneas. de pesquisa na Università Iuav di Venezia (Itália).
É autor de L’autunno caldo del curatore: Arte, neoli-
josé antonio sánchez é autor de Brecht y el expre- berismo, pandemia (2021) e coeditor de Art for UBI
sionismo (1992), Dramaturgias de la imagen (1994), (Manifesto) (2022).
Prácticas de lo real en la escena contemporánea (2007)
e Cuerpos ajenos (2017). É professor na Universidad maria luiza meneses é curadora independente.
de Castilla-La Mancha (UCLM) e fundador do grupo Graduanda em história da arte pela Universidade
de pesquisa ARTEA (Espanha). Tem colaborado em Federal de São Paulo (Unifesp), integra os coletivos
mostras e programas públicos em diferentes museus Red LEHA, Nacional Trovoa e Rede Graffiteiras
na Espanha, no México e na Colômbia. Negras. Realiza o projeto Pinacoteca Digital Mauá
e foi curadora da exposição Travessias do moderno
juliana de arruda sampaio é antropóloga e atua em Mauá.
como pesquisadora e assistente curatorial. Mestra em
antropologia social pela Universidade de São Paulo mario gooden é arquiteto de práticas culturais e
(USP), tem se dedicado à pesquisa sobre artes visuais, diretor do Mario Gooden Studio: Architecture + Design.
feminismo negro e curadoria. Sua prática envolve a paisagem cultural e a intersec-
cionalidade entre arquitetura, raça, gênero, sexuali-
kaira cabañas é diretora associada para Programas dade e tecnologia. É professor na Graduate School of
Acadêmicos e Publicações no Center for Advanced Architecture, Planning and Preservation (GSAPP) da
Study in the Visual Arts (The Center) da National Columbia University, onde é diretor do programa de
Gallery of Art, Washington, D.C. (EUA). É autora, mestrado em arquitetura e codiretor do Global Africa
entre outros, de Immanent Vitalities: Meaning and Lab (GAL) (EUA). É autor, entre outros, de Dark Space:
Materiality in Modern and Contemporary Art (2021) Architecture, Representation, Black Identity (2016).
e Learning from Madness: Brazilian Modernism and
Global Contemporary Art (2018), que será lançado em miro spinelli é artista e pesquisador. Doutorando em
2023 no Brasil. estudos da performance pela New York University
(NYU) (EUA), atua nas imbricações entre perfor-
kênia freitas é curadora e programadora do mance, escrita, artes visuais e teoria. Sua prática
Cinema do Dragão (CE). Doutora em comunicação e artística e intelectual está engajada em estratégias
cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro anticoloniais elaboradas através de um irmanamento
(UFRJ), é pesquisadora independente com foco em radical com coisas, matérias e os invisíveis produzi-
afrofuturismo, cinemas negros, curadoria e crítica dos nas relações com e entre elas.
de cinema. Integra o FICINE – Fórum Itinerante de
Cinema Negro. natalia arcos salvo é curadora, pesquisadora e
teórica da arte. É uma das fundadoras do Grupo de
kike españa é pesquisador e ativista, baseado Investigación en Arte y Política (GIAP) em Chiapas
em Málaga (Espanha). É editor na casa editorial (México), onde dirige o centro de residências artísti-
Subtextos e faz parte da livraria coletiva Suburbia cas desde 2013.
e do centro social e cultural La Casa Invisible
(Espanha). nicole smythe-johnson é escritora e curadora
independente de Kingston (Jamaica). Doutoranda
luciana brito é historiadora e professora na no Departamento de Arte e História da Arte da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). University of Texas at Austin (EUA), foi curadora da
É autora de Temores da África: Segurança, legislação mostra If we are here… (2023-2024) no Visual Arts
e população africana na Bahia oitocentista (Prêmio Center da UT Austin e trabalhou na Kingston Biennial
Thomas Skidmore, 2019) e colunista do Nexo Jornal. de 2022 e na exposição John Dunkley: Neither Day Nor
Night (2017-2018), no Pérez Art Museum Miami.
luciane ramos silva é artista da dança, antropóloga
e educadora. Doutora em artes da cena e mestra em oluremi onabanjo é curadora associada do
antropologia pela Universidade Estadual de Campinas Departamento de Fotografia do Museum of Modern
(Unicamp), pesquisa as corporeidades afrodiaspóricas Art (MoMA) e doutoranda no Departamento
e africanas, articulando as ideias de pluralidade, trans- de História da Arte e Arqueologia da Columbia
formação e escritas contra-hegemônicas. É coeditora University (EUA).
da revista O Menelick 2º Ato.

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omar berrada é um escritor e curador marroquino sol henaro é curadora especializada em
cujo trabalho se concentra na política de tradução e políticas da(s) memória(s) e integrante da
na transmissão intergeracional. É autor da coleção de Red Conceptualismos del Sur (RedCSur) desde 2010.
poesia Clonal Hum e atualmente estuda a dinâmica É curadora do Acervo Documental e responsável
racial no norte da África. pelo Centro de Documentación Arkheia do Museo
Universitario Arte Contemporáneo (MUAC) (México).
pérola mathias é socióloga, pesquisadora da música
brasileira contemporânea e atua como jornalista. sylvia monasterios é curadora, gestora cultural e
tradutora venezuelana. Mestra em arte, educação e
philippe cyroulnik foi diretor do Le Crédac e do Le 19, história da cultura, foi curadora do Núcleo de Artes
Crac (França). Foi curador de exposições individuais Visuais do Centro Cultural São Paulo e programadora
e coletivas, além de autor de textos sobre Magdalena na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Jitrik, Martin Reyna, Ceija Stojka, Alain Clément, Jean-
Louis Delbes, Joël Kermarrec, entre outros. tarcisio almeida é curador independente e pesqui-
sador. Doutorando pelo Núcleo de Estudos de Cultura
rafael garcía faz parte do Departamento de Contemporânea da Universidade Federal de Mato
Exposições Temporárias do Museo Reina Sofía Grosso (ECCO-UFMT) e mestre em psicologia clínica
(Espanha) desde 2003, tendo sido responsável pela pelo Núcleo de Estudos da Subjetividade (PUC-SP),
coordenação e gestão de mais de quarenta exposi- atualmente dedica sua pesquisa a experimentos
ções, várias delas organizadas com museus como o artísticos e modos de criação baseados em liberação,
Museum of Modern Art (MoMA) (EUA) e a Pinacoteca liberdades e justiças cognitivas a partir do campo das
de São Paulo. artes visuais.

renato menezes é doutorando em teoria e história tatiana nascimento é artista e pesquisadora em


da arte pela École des Hautes Études en Sciences poéticas negras sexual-dissidentes. Publicou, entre
Sociales (França). Coeditou o livro França Antártica: outros livros, Palavra preta (2021), Lundu (2016), Oriki
Ensaios interdisciplinares (2020). Atualmente é cura- de amor selvagem (2018) e Leve sua culpa branca pra
dor da Pinacoteca de São Paulo. terapia (2019).

rocío robles tardío é PhD em história da arte e thiago de paula souza é curador, educador e pes-
professora assistente no Departamento de História quisador. Doutorando pela HDK-Valand – Academy
da Arte da Universidad Complutense de Madrid. É of Art and Design da Universidade de Gotemburgo
curadora de diferentes instituições (Museo Reina (Suécia), é responsável pela cocuradoria do
Sofía, Artium Museoa), pesquisadora em projetos Nomadic Program 2022/2023 do Vleeshal Center for
nacionais/internacionais e autora de vários ensaios Contemporary Art (Holanda) e integra o comitê de
e livros, como Dora Maar: codificado documentário curadores da Nesr Art Foundation (Angola).
para la serie fotográfica “Guernica” de Picasso (2023)
e Informe “Guernica”: Sobre el lienzo de Picasso y su
imagen (2019).

rossina cazali é curadora independente e pesqui-


sadora. Recebeu o John Guggenheim Fellowship e o
Prince Claus Award por seu trabalho. Foi curadora
de exposições de arte contemporânea da Guatemala,
em museus como o Museo Universitario Arte
Contemporaneo (MUAC) (México), o Museo de Arte
y Diseño Contemporáneo (MADC) (Costa Rica) e o
Museo Reina Sofía (Espanha). Atualmente dirige o
projeto LABORAL e é cofundadora do projeto LAICA
de pesquisa e experimentação em arte contemporâ-
nea e design.

sara ramos é pesquisadora, editora, tradutora e poeta


tocantinense. Mestra em literatura comparada pela
Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), é autora da plaquete pequeno manual da
fúria (2022).
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fundação Fundador
Francisco Matarazzo Sobrinho · 1898 –1977

bienal de
presidente perpétuo

Conselho de administração

são paulo Eduardo Saron · presidente


Ana Helena Godoy Pereira de
Almeida Pires · vice-presidente

Membros vitalícios
Adolpho Leirner
Beno Suchodolski
Carlos Francisco Bandeira Lins
Cesar Giobbi
Elizabeth Machado
Jens Olesen
Julio Landmann
Marcos Arbaitman
Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa
Pedro Aranha Corrêa do Lago
Pedro Paulo de Sena Madureira
Roberto Muylaert
Rubens José Mattos Cunha Lima

Membros
Alberto Emmanuel Whitaker
Alfredo Egydio Setubal
Ana Helena Godoy Pereira de
Almeida Pires
Angelo Andrea Matarazzo
Antonio Henrique Cunha Bueno
Beatriz Yunes Guarita
Camila Appel
Carlos Alberto Frederico
Carlos Augusto Calil
Carlos Jereissati
Claudio Thomaz Lobo Sonder
Daniela Montingelli Villela
Danilo Santos de Miranda
Eduardo Saron
Fábio Magalhães
Felippe Crescenti
Flavia Buarque de Almeida
Flávia Cipovicci Berenguer
Flavia Regina de Souza Oliveira
Flávio Moura
Francisco Alambert
Gustavo Ioschpe
Heitor Martins
Helio Seibel
Isay Weinfeld
Jackson Schneider
Joaquim de Arruda Falcão Neto

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José Olympio da Veiga Pereira (licenciado) Diretoria
Kelly de Amorim José Olympio da Veiga Pereira · presidente
Ligia Fonseca Ferreira
Lucio Gomes Machado Marcelo Mattos Araujo · primeiro
Luis Terepins vice-presidente
Maguy Etlin Andrea Pinheiro · segunda vice-presidente
Manoela Queiroz Bacelar Ana Paula Martinez
Marcelo Mattos Araujo (licenciado) Daniel Sonder
Miguel Wady Chaia Francisco J. Pinheiro Guimarães
Neide Helena de Moraes Luiz Lara
Octavio Manoel Rodrigues de Barros Maria Rita Drummond
Rodrigo Bresser Pereira
Ronaldo Cezar Coelho
Rosiane Pecora
Sérgio Spinelli Silva Jr.
Susana Leirner Steinbruch
Tito Enrique da Silva Neto
Victor Pardini

Conselho fiscal
Edna Sousa de Holanda
Flávio Moura
Octavio Manoel Rodrigues de Barros

Conselho consultivo internacional


Maguy Etlin · presidente
Pedro Aranha Corrêa do Lago ·
vice-presidente
Andrea de Botton Dreesmann e
Quinten Dreesmann
Barbara Sobel
Catherine Petitgas
Frances Reynolds
Mariana A. Teixeira de Carvalho
Mélanie Berghmans
Miwa Taguchi-Sugiyama
Paula Macedo Weiss e Daniel Weiss
Sandra Hegedüs 271

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fundação Equipe

bienal de
Superintendências
Antonio Thomaz Lessa Garcia ·
superintendente executivo

são paulo Felipe Isola · superintendente de projetos


Joaquim Millan ·
superintendente de projetos

Caroline Carrion ·
superintendente de comunicação

Superintendência executiva
Giovanna Querido
Marcella Batista

Relações institucionais e parcerias


Irina Cypel · gerente
Deborah Moreira
Laura Caldas
Marjorie Faria
Raquel Silva
Viviane Teixeira

Superintendência de projetos

Produção
Dorinha Santos ·
coordenadora de produção
Ariel Rosa Grininger
Bernard Lemos Tjabbes
Camila Cadette Ferreira
Camilla Ayla
Carolina da Costa Angelo
Manoel Borba
Nuno Holanda de Sá do Espírito Santo
Tatiana Oliveira de Farias

Educação
Simone Lopes de Lira ·
coordenadora de produção
Thiago Gil de Oliveira Virava ·
coordenador de conteúdo
André Leitão
Danilo Pera
Diana Dobránszky
Giovanna Endrigo
Regiane Ishii
Renato Lopes

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Superintendência de comunicação Administrativo-financeiro
Ana Elisa de Carvalho Price ·
coordenadora – design Finanças
Adriano Campos Amarildo Firmino Gomes · gerente
Eduardo Lirani Edson Pereira de Carvalho
Felipe de Melo Gomes Fábio Kato
Francisco Belle Bresolin Silvia Andrade Simões Branco
Julia Bolliger Murari
Luciana Araujo Marques Gestão de materiais e patrimônio
Marina Fonseca Valdomiro Rodrigues da Silva Neto ·
Rafael Falasco gerente
Larissa Di Ciero Ferradas · coordenadora
Arquivo Bienal Angélica de Oliveira Divino
Ana Luiza de Oliveira Mattos · gerente Daniel Pereira
Laís Barbudo Carrasco · gerente Victor Senciel
Amanda Pereira Siqueira Vinícius Robson da Silva Araújo
Ana Helena Grizotto Custódio Wagner Pereira de Andrade
Anna Beatriz Corrêa Bortoletto
Antonio Paulo Carretta Planejamento e operações
Daniel Malva Ribeiro Rone Amabile
Kleber Costa Timoteo Vera Lucia Kogan
Marcele Souto Yakabi
Melânie Vargas de Araujo Recursos humanos
Pedro Ivo Trasferetti von Ah Higor Tocchio
Raquel Coelho Moliterno Juarez Fonseca dos Reis Junior
Sheila Virginia Rocha de Oliveira Castro Matheus Andrade Sartori
Leandro Melo · consultor de conservação
Aila Passeto Castro de Sousa · estagiária Tecnologia da informação
Fernanda Lustosa · estagiária Ricardo Bellucci
Júlia Maia Lisboa · estagiária Jhones Alves do Nascimento
Julia Schettini Alves · estagiária Matheus Lourenço
Milena Ondichiatti Bessan · estagiária

273

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35ª Bienal de São Paulo – Cenografia
coreografias do impossível Cinestand
Metro Cenografia
Curadoria
Diane Lima Conservação
Grada Kilomba Alice Gontijo
Hélio Menezes Camila Marchiori
Manuel Borja-Villel Carolina Lewandowski
Daniel Mussi
Sylvia Monasterios · Luanda Andrade
assistência de curadoria Patrícia Reis
Tarcisio Almeida · Pollynne Santana
assistência de curadoria
Consultoria de acessibilidade
Matilde Outeiro · Mais Diferenças
assistência de curadoria 2022
Consultoria de acústica
Conselho curatorial João Miguel Torres Galindo
Omar Berrada
Sandra Benites Consultora da programação pública
Sol Henaro Dora Silveira Corrêa
Thomas Jean Lax
Conteúdo audiovisual e registro fotográfico
Arquitetura e expografia Bruno Fernandes
Vão – Autoria: Danilo Komniski
Anna Juni Freddy Leal
Enk te Winkel Leo Eloy
Gustavo Delonero Levi Fanan
Equipe:
Luiza Souza Desenvolvimento da área externa
Gabriela Rochitte Movediça + Junta · arquitetura
Luisa Barone Sagaz Esportes · produção

Identidade visual Design


Nontsikelelo Mutiti Tamara Lichtenstein · assistência de design

Agência publicitária Distribuição elétrica


DOJO AGR Elétrica Ltda.

Ambulância e posto médico Editorial


Premium Serviços Médicos Ltda. Cristina Fino · coordenação editorial
Igor de Albuquerque · pesquisa e conteúdo
Assessoria de imprensa Mariana Leme · assistência editorial
Index · assessoria de imprensa nacional Pérola Mathias · pesquisa e conteúdo
Sutton PR · assessoria de imprensa
internacional Educação
Bruna de Jesus Silva · assessoria
Audiovisual Tailicie Paloma Paranhos do Nascimento ·
Maxi assessoria
Mit Arte · consultoria de audiovisual Guilherme Batista Leite · auxiliar
Maria Eduarda Sacramento de Sousa ·
Bombeiro civil auxiliar
Local Serviços Especializados Ltda. – Me

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Educação · estágio Nivea Matias Silva
Amira Rodrigues Varteresian Pietra de Ofa Cunha Serra
Ana Beatriz de Andrade Cangussu Lima Rafaella Canuto
Ana Beatriz Nascimento Pazetto Ricarda Wapichana
Beatriz Soares Rodrigues Roberta Uiop
Beatriz Teles Rose Mara Kielela
Bruno Felipe Tavares Corrêa Selva Campos
Caroline de Alencar Goncalves Sonia Cristina Guirado Cardoso
Eduardo André Stephanie Oliveira da Silva
Gal Rodrigues Tui Xavier Isnard
Gladys UJU Balbino Agbanusi Vinícius Quintas Massimino
Gustavo Albanese Pose Ribeiro da Fonseca Yurungai
Hellen Nicolau
Henrique Camargo Vidigal Gerência da exposição
Larissa Morales Danilo Lorena Garcia
Maria Giovana de Lira Pereira Sergio Faria Lima · assistência
Marina Akemi Fukumoto
Rafael Santos Silva Iluminação
Rafael Tae Hyun Kim Fernanda Carvalho
Tuca Palhares de Macedo Emília Ramos
Luana Alves
Educação · mediação Cristina Souto
Ana Krein
Anali Dupré Internet
Andre Pereira de Almeida ITS Online
Ânella Fyama de Sousa Barbosa
Bruno Costa dos Santos Limpeza
Caio de Sousa Feitosa MF Produção e Eventos e Serviços Ltda.
Camila Aparecida Padilha Gomes
Caroline Luz Logística de transporte
Cristina Alejandra Mena Bastidas Luiz Santório · internacional
Dandara Kuntê Nilson Lopes · nacional
Dani Silva
Dilma Ângela da Silva Montagem
Fauston Henrique Della Flora Zandona Gala Art Installation
Gabri Gregório Floriano
Giuliana Takahira Recepção de convidados internacionais
Iberê Terra de Souza Oliveira Janaina Fainer
Jacob Alves Bezerra Junior
Janaina Eleuterio Segurança
Jhow Carvalho Prevenção Vigilância e Segurança Ltda.
Júlia Iwanaga
Kennedy Maciel da Silva Seguro
Leonel Vicente Mendes Geco corretora de seguros
Lia Cazumi Yokoyama Emi Chubb
Lua Liberty
Luis Carlos Batista
Luiz Fernando Dias Diogo Transportadoras
Malu Bandeira Alves Tegam
Maria Trindade Millenium
Mario Tadeo Urzagaste Galarza
Mira Lima Website
Mohamed de Azambuja de Ávila Namibia Chroma e
Natália Dias da Mota Santos Fluxo
275

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agradecimentos Chia Lee
Christophe Cherix
Cintia Delgado
Claudia Marchetti
Cleusa Garfinkel
Dalton Paula
Dandara Queiroz
Daniel Rangel
Daniella Conceição Mattos Araújo
Danielle Freire
David de Jesus Nascimento
Djamila Ribeiro
Douglas Rodrigues
Eduardo F. Costantini
Eduardo Guzman Cordero
Adele Nelson Elielton Ribeiro
Agar Ledo Elisa Salazar y Jaime Soubrie
Alba Sagols Emilio Payán
Alberto Cruz Emily Epelbaum-Bush
Alice Olausson Eskil Lam
Alicia Pinteño Facundo Guerra
Aline Torres Fernanda Simon
Almudena Díez García Florencia Malbran
Amanda Carneiro Francis Djiwornu
Ana Carolina Ralston Françoise Vergès
Ana Hikari Gabril Planella
Ana Longoni Gabriel Calparsoro
Ana Roman Garry Trudeau
Ana Tomé Geni Núñez
Andrea Meneghelli Geraldo Sena
Anielle Franco Gilson Rodrigues
Annabelle Birchenough Gustavo e Cristina Penna
Annouchka de Andrade Hacco de Ridder
Antoine Frerot Henda Ducados
Aquiles Coelho Silva Henilton Parente de Menezes
Astrid Fontenelle Henry Jackman
Audrey Hörmann Hilde Koch-Ockier & Rudy Koch-Ockier
Augusto Luitgards Holly Bynoe
Barbara Alves Igi Ayedun
Beatriz Martínez Hijazo Irene Larraza Aizpurua
Benedita Aparecida da Silva Iris Fabre
Betty Rudman Isaac Rudman
Bruce Brouwn Isaac Silva
Bruno Duarte Isabel de Naverán
Calixto Neto Isabel Izquierdo
Camila e Francisco Horta Janaron Uhãy Pataxó
Carina Kurta Jardis Volpe
Carla Guagliardi Javier Mora
Carlos Vogt João Fernandes
Carmen Accaputo João Paulo Quintella
Carmen Silva Johanna Stein
Carmo Jonhson Jorge Fernández
Carolina González José Andrés Torres Mora
Caroline Bourgeois José Antonio Sánchez
Caroline Thompson & Jean-Pierre Weill José Carlos Ferreira
Cecilia Sicupira José Paulo Agrello
Cécile Zoonens Juan Manuel Casado
Chantal Wong Julia Borja
Charlene Vollenhoven Juliana de Arruda Sampaio
Charles Esche Julie Ludwig
Chema González Justo Navarro

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 276 09/08/23 11:19


Kananda Eller Philip Berg
Kathleen Fuld Philippe Gellman
Kevin David Rachel Maia
Kim Dang Rafael García Horrillo
Laís Franklin Rania Moussa Morin
Léa Chikhani Raphaële Bianchi
Leon Macedo Weiss Regina Casé
Letícia Velozo Regina Pereira
Lluís Alexandre Casanovas Renan Quinalha
Luanda Vieira Ricardo Resende
Luciano Zubillaga Rita Carreira
Luísa Matsushita Rodrigo Toledo
Luiza Adas Roger Buergel
Lorraine Leu Roland Groenenboom
Lourdes Fernández Rolando Ignacio Bulacios
Lucimery Ribeiro Rongomai Kapiri-Marama
Mabel Tapia Rosario Peiró
Mami Kataoka Ruli Moretti
Manuel B. Burbano Ryan Lynch
Manuela Gómez Sabina Sabolovic
Mara e Marcio Fainziliber Sabrina Fidalgo
Marcelo Expósito Saidiya Hartman
Márcia e Marcus Martins Sam Krack
Marco Antonio Nakata Sandra Birmaher
Marco Túlio e Vanessa Gomes Santiago Herrero Amigo
Margareth Menezes Sasha-Kay Nicole
Margherita Belcredi Sepake Angiama
Mari Stokler Simone Leigh
María Amalia García Soledad Liaño
María Amalia León de Jorge Sônia Guajajara
Maria Aparecida Weiss Sonia Sassi
Maria Carolina Casati Stefano Carta
Maria Elena Ortiz Stephanie Ribeiro
Maria Lucia Veríssimo Stuart Bernstein
Maria Luisa Marinho Sueli Carneiro
Maria Luiza Meneses Suely Rolnik
Maria Prata Teresa Carvalho
Marie-Ann Yemsi Teresa Velázquez
Marie-Christine Dunham Pratt Thai de Melo
Mario Cader-Frech Thais Blucher
Marjolaine Calipel Thiago Baron
Marta Rincón Tony Webster
Max Levai Valeria Intrieri
Mel Duarte Vasif Kortoun
Mercedes Vilardell Victoria Fernández-Layos
Michelle Louise Vivi Villanova
Miguel López Yann Mazéas
Mira Bernabeu Yina Jiménez Suriel
Monique du Plessis Yolanda Romero
Naine Terena Yvette Mutumba
Natalia Delgado Zoe B. Martínez
Nesrine Miloudi
Nicola Liucci-Goutinkov Pompidou
Nicola Wohlfarth
Noëlig Le Roux
O'neil Lawrence
Pamela Joyner
Patrice Pauc
Paula Alves de Souza
Paulo Borges
Paulo Petrarca
277

35bsp-GUIA-FINAL_12x17_Agradecimentos.indd 277 21/08/2023 16:29


agradecimentos 1 Mira Madrid
A Gentil Carioca
Acervo Centro Cultural São Paulo

instituições Agência Nacional do Cinema – Ancine


Agência Solano Trindade
Alexandra Mollof Fine Art
Arario Gallery
Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia
Arsenal – Institut für Film und Videokunst
Arte1
ARTINGENIUM
Aruac Filmes
Banco de España
Banco Itaú S.A
Band
Benson Latin American Collection, LLILAS
Benson Latin American Studies and
Collections, The University of Texas at Austin
Brooklyn Museum
Catriona Jeffries
CBN
Ceija Stojka International Fund
Central Galeria
Centre Pompidou – Musée national
d’art moderne
Centro de Documentação Cultural “Alexandre
Eulalio"
Centro de Documentación Arkheia, MUAC
(DiGAV, UNAM)
Centro de Educação Tecnológica Centro Paula
Souza, Governo do Estado de São Paulo
Cinemateca di Bologna
CNN
Colección Art Situacions
Colección Carla Barbero
Colección Mariano Yera Areyhold
Colección Patricio Supervielle
Collection Antoine de Galbert, Paris
Collection Prignitz, Berlin
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado
de São Paulo – Condephaat
Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da
Cidade de São Paulo – Conpresp
Consulado General y Centro de Promoción de la
República Argentina en San Pablo
Consulado Geral da Bolívia em São Paulo
Consulado Geral da França em São Paulo
Consulado Geral da República Dominicana
Consulado Geral da República Federal da
Alemanha em São Paulo
Consulado Geral do Reino dos
Países Baixos em São Paulo
Contemporary &
Creative Growth Art Center
Cultura
E. Righi Collection
Edições Globo Condé Nast
Editora Abril
Embaixada da Bolívia no Brasil

35bsp-GUIA-FINAL_12x17_Agradecimentos.indd 278 21/08/2023 16:48


Embaixada do Brasil em La Paz Museo de Teruel
Ensatt Museo del Estanquillo
Escola Superior de Propaganda e Marketing Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía
Estadão Museo Nacional de la Estampa
Etxepare Basque Institute Museu Afro Brasil
Fábricas de Cultura Museu Amazônico - Universidade Federal
Folha de S.Paulo do Amazonas (UFAM)
Fonds Kervahut / Collection Laurent Fiévet Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea –
Fundação Nacional de Artes – Funarte Coleção PCRJ
Fundação Roberto Marinho Museu de Arte do Rio de Janeiro –MAR
Fundación Cultural Banco Central de Bolivia Museu de Arte Osório Cesar
Fundación Kutxa New Local Space – NLS
Fundación Mapfre P·P·O·W Gallery
Galeria Simões Assis Peter Freeman, Inc.
Galerie Christophe Gaillard Pinacoteca do Estado de São Paulo
Galerie Imane Farès Pinault Colletion
Globo Practicing Refusal Collective
Governo do Estado Plurinacional da Bolívia R/E Collection
Hutukara Associação Yanomami Record
Imec Rede TV
Infoglobo Samdani Art Foundation
Instituto Arte na Escola Santu Mofokeng Foundation
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram Scott Mueller Collection
Instituto do Patrimonio Histórico e Artístico Secretaria de Economia Criativa e
Nacional – Iphan Fomento Cultural do Governo Federal
Instituto Guimarães Rosa Secretaria de Formação, Livro e Leitura do
Instituto Inhotim Governo Federal
Instituto Prebisteriano Mackenzie Secretaria Especial de Cultura do
Jan Mot Governo Federal
JCDecaux Secretaria Estadual de Educação de São Paulo
Joven Pan Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Konrad Fischer Galerie Sertão Negro Ateliê e Escola de Artes
Kunstinstituut Melly Sharjah Art Foundation
KW Contemporary Art Sprüth Magers Gallery
Light Cone (Paris) Terremoto
LUMA Arles The Charles White Archives
Malba – Museo de Arte Latinoamericano The Elizabeth Catlett Mora Family Living Trust
de Buenos Aires The Gloria E. Anzaldúa Literary Trust
Marcelle Alix, Paris The Museum of Fine Arts, Houston
Marcus Meier Collection Tumurun Museum Collection
Mario Cader Collection Van Abbemuseum
Matthew Marks Gallery Villa Arson
Meio e Mensagem
Mendes Wood DM
Michel Rein Brussels
Ministério da Cultura
Ministério da Educação
Ministério da Igualdade Racial
Ministério das Relações Exteriores
Ministerio de Culturas, Descolonización y
Despatriarcalización de Bolivia
Ministerio de las Culturas, las Artes y el
Patrimonio – Gobierno de Chile
Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia
Ministério do Meio Ambiente
Ministério do Turismo
Ministério dos Direitos Humanos
e da Cidadania
Ministério dos Povos Indígenas
Mitre Galeria
MO.CO. Esba
279

35bsp-GUIA-FINAL_12x17_Agradecimentos.indd 279 21/08/2023 16:49


créditos aida harika yanomami, edmar tokorino
yanomami e roseane yariana yanomami

de imagens
Cortesia: Aruac Filmes

amos gitaï
Coleção: Museo Nacional Centro de Arte Reina
Sofía, Madri
Doação: Amos Gitaï, 2015
Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Centro
de Arte Reina Sofía

anna boghiguian
Coleção: E. Righi

anne-marie schneider
Cortesia da artista e Michel Rein, Paris/Bruxelas

archivo de la memoria trans (amt)


Coleção: Archivo de la Memoria Trans

arthur bispo do rosário


Foto: Hugo Denizart
Cortesia: PCRJ/SMS/IMAS-JM/Museu Bispo
do Rosário Arte Contemporânea

aurora cursino dos santos


Coleção: Museu de Arte Osório Cesar,
Franco da Rocha
Foto: Everton Ballardin / Fundação Bienal de
São Paulo

ayrson heráclito e tiganá santana


Foto: Leo Monteiro / Fundação Bienal de São Paulo

bouchra ouizguen
© Compagnie O; Production Association Rokya
/ Association Originale; Co-production MuCEM /
Festival de Marseille

carmézia emiliano
Foto: Abreu Mubarac
Cortesia: Central Galeria, São Paulo

castiel vitorino brasileiro


Foto: Rodrigo Jesus

ceija stojka
Coleção: Marcus Meier

citra sasmita
Foto: Yeo Workshop

colectivo ayllu
Edição de 10 cópias produzidas em colaboração com
Australian Print Workshop, Melbourne
Coleção: Museo Reina Sofía e CA2M, Madri

cozinha ocupação 9 de julho – mstc


Foto: Edouard Fraipont

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 280 09/08/23 11:19


daniel lie francisco toledo
Foto: Savannah van der Niet Coleção: “Visualidades y Movilización Social”, Centro
Gerente de projetos de Studio Dan Lie: Ruli Moretti de Documentación Arkheia, Museo Universitario
Comissionada por Berlin Atonal Arte Contemporáneo, MUAC (DiGAV-UNAM), Cidade
do México
daniel lind-ramos Doação: Amigos del Instituto de Artes Gráficas
Foto: Field Studios Photography Oaxaca, IAGO
Cortesia do artista e The Ranch, Montauk
gabriel gentil tukano
dayanita singh Coleção: Museu Amazônico - UFAM, Manaus
© Dayanita Singh
Cortesia da artista e Frith Street Gallery, Londres george herriman
Coleção: Garry Trudeau, Nova York
deborah anzinger [tradução] Ahhh… tudo tranquilo…/ Plup / Ahhh… /
Foto: Constance Mensh Tudo bem / Slup / Ehhhh… / Tudo estupendo / Dlup
/ ? / Glup / Zlup / Tudo muito bem / Sim, tudo está
denilson baniwa como deveria estar, “calmo” !!!
Foto: Jamille Pinheiro
gloria anzaldúa
denise ferreira da silva Coleção: The Nettie Lee Benson Latin
Foto: Alex Woodward American Collection
Cortesia: The Gloria E. Anzaldúa Literary Trust &
diego araúja e laís machado Benson Latin American Collection, LLILAS Benson
Comissionado e coproduzido por Sesc São Paulo e Latin American Studies and Collections, The
SAVVY Contemporary University of Texas at Austin

duane linklater guadalupe maravilla


Cortesia do artista e Art Gallery of Hamilton Foto: Maxwell Runko
Cortesia: Guadalupe Maravilla e P·P·O·W, Nova York
edgar calel
Foto: Julio Calel igshaan adams
Cortesia do artista e Proyectos Ultravioleta Foto: Annik Wetter
Cortesia do artista e Kunsthalle Zürich, Suíça ©
elda cerrato Igshaan Adams
Coleção: Archivo Elda Cerrato (ECET)
Foto: Luciano Zubillaga jesús ruiz durand
Coleção: Museo Nacional Centro de Arte
elena asins Reina Sofía, Madri
Coleção: Museo Nacional Centro Comodato de longa duração da Fundación Museo
de Arte Reina Sofía, Madri Reina Sofía, 2017
Doação da artista, 2012 Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Centro de
Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Arte Reina Sofía
Centro de Arte Reina Sofía
jorge ribalta
ellen gallagher e edgar cleijne Produzido com o apoio da Fundación MAPFRE, Madri
Coleção dos artistas
Coreografia/performance: Harry Alexander, Julie josé guadalupe posada
Cunningham, Werner Hirsch, Nach, Joy Alpuerto Coleção: Museo Nacional de la Estampa, Cidade do
Ritter e Aaliyah Tanisha México
Cortesia: Ellen de Bruijne Projects, Amsterdã, e
Marcelle Alix, Paris juan van der hamen y león
Collection: Kutxa Fundazioa, San Sebastián
emanoel araujo Photo: Juantxo Egaña
Cortesia: Simões de Assis, São Paulo / Curitiba
judith scott
eustáquio neves Coleção e foto: Creative Growth Art Center, Oakland
Coleção: Museu Afro Brasil, São Paulo,
e acervo do artista kapwani kiwanga
Cortesia da artista, Gucci e Goodman Gallery, Cidade
do Cabo, Joanesburgo, Londres / Galerie Poggi, Paris /
Galerie Tanja Wagner, Berlim
281

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créditos katherine dunham
Coleção: Library of Congress, Washington, D.C.

de imagens
Cortesia: Marie-Christine Dunham Pratt

kidlat tahimik
Imagem: Kabunyan de Guia e Nona Garcia

luana vitra
Foto: Victor Galvão

luiz de abreu
Foto: Gil Grossi / Instituto Itaú Cultural, São Paulo

malinche
Coleção: The Nettie Lee Benson Latin American
Collection, LLILAS Benson Latin American Studies
and Collections, The University of Texas at Austin
Cópia de exibição

marilyn boror bor


Foto: José Oquendo
Cortesia da artista e José Oquendo

marlon riggs
Foto: Signifyin' Works

maya deren
© Todos os direitos reservados aos artistas
Cortesia: Light Cone

melchor maría mercado


Coleção: Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia

morzaniel ɨramari
Cortesia: Aruac Filmes

mounira al solh
Cortesia da artista e Sfeir-Semler Gallery
Beirute / Hamburgo

nadal walcot
Coleção particular

nadir bouhmouch e soumeya ait ahmed


Foto: Soumeya Ait Ahmed & Nadir Bouhmouch
Cortesia dos artistas

niño de elche
Foto: Juan Carlos Quindós

patricia gómez e maria jesús gonzález


Foto: Patricia Gómez & Maria Jesús González

pauline boudry / renate lorenz


Cortesia: Ellen de Bruijne Projects, Amsterdã e
Marcelle Alix, Paris
[coreografia/performance]: Julie Cunningham,
Werner Hirsch, Joy Alpuerto Ritter, Aaliyah Thanisha

quilombo cafundó
Cortesia: CEDAE - Centro de Documentação Cultural
Alexandre Eulálio, Universidade Estadual de Campinas

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 282 09/08/23 11:19


raquel lima taller de gráfica popular
Criação: Raquel Lima charles white Coleção: The Charles White Archives
Realização: Lubanzadyo Mpemba e Raquel Lima elizabeth catlett Coleção: The Elizabeth Catlett
Mora Family Living Trust
ricardo aleixo john wilson Coleção: Brooklyn Museum, Emily
Foto: Rodrigo Lopes de Barros Winthrop Miles Fund, 1996.47.3 © ohn Wilson /
AUTVIS, Brasil, 2023
rommulo vieira conceição leopoldo méndez Coleção: Carlos Monsiváis, Museo
Comissionada pelo Instituto Inhotim, Brumadinho del Estanquillo, Cidade do México
Foto: Rafael Muniz margaret taylor goss burroughs Coleção: Prignitz,
Berlim. Foto: © Prignitz
rosana paulino
Foto: Ricardo Paulino taller nn
Coleção: Museo Nacional Centro de Arte
rubem valentim Reina Sofía, Madri
Cortesia: Instituto Rubem Valentim, São Paulo Comodato de longa duração da Fundación Museo
Reina Sofía, 2017
rubiane maia Doação: Mirko Lauer Holoubek e Juan Carlos Verme,
Foto: Fenia Kotsopoulou Lima, Peru
Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Centro de
sammy baloji Arte Reina Sofía
Foto: Martin Argyroglo
tejal shah
santu mofokeng Cortesia: artista, Barbara Gross Galerie, Munique, e
Coleção: Santu Mofokeng Foundation © Santu Project 88, Bombaim
Mofokeng Foundation
Cortesia: Lunetta Bartz, MAKER, Joanesburgo torkwase dyson
Foto: Rich Lee
sarah maldoror Cortesia: Pace Gallery, Londres
© Suzanne Lipinska
Cortesia: Annouchka de Andrade & Henda Ducados trinh t. minh-ha
Body Art e Land Art: Jean-Paul Bourdier
sauna lésbica com ana paula mathias, © Moongift Films
anna turra, bárbara esmenia e marta supernova
Foto: Marina Lima ubirajara ferreira braga
Coleção: Museu de Arte Osório Cesar, Franco
senga nengudi da Rocha
Foto: Adam Avila Foto: Everton Ballardin / Fundação Bienal de
© Senga Nengudi, 2023 São Paulo
Cortesia: Sprüth Magers e Thomas Erben Gallery,
Nova York ventura profana
Comissionada pelo Instituto Moreira Salles,
sidney amaral São Paulo
Coleção: Banco Itaú, São Paulo Coleção: Pinacoteca de São Paulo
Foto: João Liberato
wifredo lam
sonia gomes Coleção: Eduardo F. Costantini, Buenos Aires
Cortesia da artista e Mendes Wood DM, São Paulo, © Lam, Wifredo/ AUTVIS, Brasil, 2023
Nova York, Bruxelas
will rawls
stella do patrocínio Foto: Liz Ligon
Acervo pessoal de seu sobrinho, cedido à Comissionada por High Line, Nova York
pesquisadora Anna Carolina Vicentini Zacharias
yto barrada
taller 4 rojo Cortesia da artista
Coleção: Museo Nacional Centro de Arte Direção de produção, Yto Barrada Studio:
Reina Sofía, Madri Ragini Bhow
Doação: Fundación Proyecto Bachué (José Darío
Gutiérrez e María Victoria Turbay), 2021
Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Centro
de Arte Reina Sofía
283

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patrocínio master

35bsp-GUIA-FINAL_12x17.indd 284 10/08/23 19:31


patrocínio

35bsp-GUIA-FINAL_12x17.indd 285 10/08/23 19:46


agência oficial apoio

apoio
internacional

35bsp-GUIA-FINAL_12x17.indd 286 10/08/23 19:32


apoio mídia

parceria
cultural realização

35bsp-GUIA-FINAL_12x17.indd 287 10/08/23 19:33


créditos da publicação Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)
Organizado por (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Diane Lima
Grada Kilomba 35� Bienal de São Paulo : coreografias do
Hélio Menezes impossível: guia. — São Paulo :
Manuel Borja-Villel Bienal de São Paulo, 2023.

Sylvia Monasterios · Vários autores.


assistência de curadoria ISBN 978-85-85298-83-8
Tarcisio Almeida ·
assistência de curadoria 1. Arte - São Paulo (SP) - Exposições
2. Bienal de São Paulo (SP)
Coordenação editorial
Cristina Fino 23-166960CDD-709.8161
Equipe de Comunicação da
Fundação Bienal de São Paulo

Assistência de edição
Mariana Leme
Índices para catálogo sistemático:
Projeto gráfico e diagramação
Equipe de Comunicação da 1. Bienais de arte : São Paulo : Cidade 709.8161
Fundação Bienal de São Paulo
Tamara Lichtenstein 2. São Paulo : Cidade : Bienais de arte 709.8161

Preparação e revisão Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415


Sandra Brazil
Tatiana Allegro

Tradução
Alexandre Barbosa de Souza
Ana Laura Borro
Bruna Barros e Jess Oliveira © Copyright da publicação: Fundação Bienal de
Celia Euvaldo São Paulo. Todos os direitos reservados.
Gabriel Bogossian
Mariana Nacif Mendes As imagens e os textos reproduzidos nesta
Naia Veneranda publicação foram cedidos por artistas,
fotógrafos, escritores ou representantes
Produção gráfica legais e são protegidos por leis e contratos
Márcia Signorini de direitos autorais. Todo e qualquer uso
Equipe de Comunicação da é proibido e condicionado à expressa
Fundação Bienal de São Paulo autorização da Bienal de São Paulo, dos
artistas e dos fotógrafos. Todos os esforços
Famílias tipográficas foram feitos para localizar os detentores de
LL Circular direitos das obras reproduzidas. Corrigiremos
Bagatela prontamente quaisquer omissões, caso nos
sejam comunicadas.
Impressão
Ipsis Este guia foi publicado em setembro de 2023,
como parte do projeto da 35ª Bienal de São
Paulo – coreografias do impossível.

35bsp-estudo-guia_12x17_20.indd 288 09/08/23 11:19


Capas-PT.indd 5 14/08/2023 11:53
Capas-PT.indd 6 10/08/2023 12:16
Capas-PT.indd 7 10/08/2023 12:16
Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da
Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas,
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,
Fundação Bienal de São Paulo
e Itaú apresentam

978-85-85298-85-2

realização

Capas-PT.indd 8 10/08/2023 12:16

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