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A maconha e o cérebro

Cannabis and the brain

Parte I: anatomia do sistema canabinóide

Leslie Iversen
Department of Pharmacology ~ University of Oxford

Brain 2003; 126: 1252 – 70.

Há menos de trinta anos, acreditava-se que o princípio ativo da maconha (Cannabis sativa), Δ-
9-tetrahidrocanabionol (THC), agia sobre o sistema nervoso central de forma inespecífica, ou
seja, perturbava o cérebro como um todo. Posteriormente, foram descobertos receptores
específicos para o THC e outros alcalóides canabinóides. Além disso, canabinóides sintetizados
pelo próprio organismo (endógenos) também foram identificados. O presente artigo, escrito
por Leslie Iversen, é resultado uma revisão do autor sobre a neurobiologia do THC. O artigo
será comentado em quatro partes: a primeira abordará a anatomia do sistema canabinóide
endógeno; a segunda sua fisiologia básica; a terceira ação do sistema nas diferentes regiões do
cérebro e a quarta, a ação da maconha sobre o sistema.

Com a finalidade de aprofundar ainda mais o conteúdo deste artigo, foram incluídas também
informações do livro Cannabis and cognitive function, da pesquisadora da University of New
South Wales – Austrália, Nadia Solowij (Cambridge University Press; 1998). As descrições das
estruturas anatômicas do sistema nervoso foram obtidas no livro Neuroanatomia funcional, do
Prof. Dr. Ângelo Machado, da Universidade Federal de Minas Gerais (Atheneu; 1988).
O THC

O Δ-9-tetrahidrocanabionol (THC) (figura 1) é um alcalóide encontrado na resina que recobre


os brotos fêmeos do cânhamo (Cannabis sativa ou Cannabis indica). Além do THC, a resina
contém cerca de 60 compostos canabinóides, como o canabidinol e o canabinol. Todos, no
entanto, bem menos ativos que o THC.

FIGURA 1: molécula de THC e anandamida.

O THC é lipossolúvel, ou seja, capaz de ser dissolvido em gorduras. A maneira mais eficaz para
disponibilizar a substância no organismo é fumando os brotos da planta, ou acrescentando-os
a comidas gordurosas.

A anandamida

O sistema nervoso central possui neurotransmissores (canabinóides endógenos), cujas


moléculas são semelhantes à molécula de THC. Todos eles derivam do ácido aracdônico. Até o
momento, três canabinóides foram identificados: a anandamida (N-aracdonil-etanolamina), o
2-aracdonilglicerol e o 2-aracdonilgliceril éter.

A anandamida (figura 1) é a mais conhecida e estudada. A palavra deriva do sânscrito e


significa “prazer”. Na religião Veda, a maconha era chamada de ananda. A anandamida é
quatro a vinte vezes menos potente que o THC, além de agir por menos tempo no cérebro.
Recentemente, descobriu-se que constituintes do chocolate estão quimicamente relacionados
com as anandamidas e são capazes de interação com o sistema canabinóide. Isso poderia
explicar a fissura que algumas pessoas sentem por este alimento.

Os canabinóides do cérebro são liberados em seu local de ação e inativados pela enzima FAAH.
A síntese e a liberação dos endocanabinóides são feitas por estruturas diferentes do cérebro,
sendo o 2-aracdonilglicerol muito mais abundante (50 a 1000 vezes) que a anandamida.
FIGURA 2: Localização dos receptores canabinóides tipo 1 (CB1).

Os receptores canabinóides

O sistema nervoso central humano também possui receptores específicos para os


canabinóides endógenos e o THC. O conjunto formado pelos receptores e neurotransmissores
constitui o sistema canabinóide endógeno.

Há dois tipos de receptores canabinóides conhecidos: o CB1, presente em todo o cérebro


(próximo às terminações nervosas de neurônios pertencentes a outros sistema) e o CB2,
localizado em tecidos periféricos, especialmente no sistema imunológico.
As áreas do sistema nervoso com maior densidade de receptores CB1 são o córtex frontal
(raciocínio, abstração, planejamento, etc), os núcleos da base (motricidade) e o cerebelo
(coordenação e equilíbrio). O sistema límbico, responsável pela elaboração e expressão dos
fenômenos emocionais, também é rico em receptores CB1, especialmente no hipotálamo
(coordenação das manifestações emocionais), hipocampo (memória emocional e inibição da
agressividade) e giro do cíngulo (controle dos impulsos). A ausência de receptores CB1 na
medula espinhal explica a baixa toxicidade do THC quando administrado em doses elevadas.

Quanto à localização na sinapse, os receptores CB1 estão posicionados na membrana pré-


sináptica de outros sistemas. Isso significa que a função do sistema canabinóide é a de
modular a liberação de outros neurotransmissores. Esse assunto será tratado no próximo
capítulo desta série.

Parte II: a fisiologia do sistema canabinóide

O sistema canabinóide endógeno, conforme o capítulo anterior, está presente de maneira


difusa em todo o cérebro. Os receptores canabinóides tipo 1 (CB1) estão localizados nas
membranas pré-sinápticas de diversos sistemas de neurotransmissão. Receptores pré-
sinápticos modulam a secreção de neurotransmissores, isto é, determinam que quantidade
dessas substâncias será liberada na sinapse. Portanto, o sistema canabinóide influencia a
intensidade com que outros sistemas agem sobre o cérebro.

O sistema GABA e o sistema glutamato

O sistema GABA é considerado o sistema inibitório do sistema nervoso, ou seja, diminui a ação
das outras estruturas do cérebro. Alguns medicamentos (calmantes) e substâncias (álcool)
ativam diretamente esse sistema, provocando níveis variados de sedação, que vão da redução
da ansiedade ao coma.

Ao contrário, o sistema glutamato é excitatório, isto é, sua ação estimula o sistema nervoso.
Ambos, inibitório e excitatório, trabalham em sintonia. Nos momentos de relaxamento,
despreocupação e sono, prevalece o sistema GABA, enquanto o sistema glutamato predomina
nas ações que requerem atenção e vigília.
FIGURA 4: Molécula de GABA e glutamato.

O sistema canabinóide

O sistema canabinóide é formado pelo conjunto de receptores CB1 (cerebrais) e CB2


(periféricos) e por neurotransmissores como a anandamida. A atividade do sistema
canabinóide é capaz de inibir tanto o sistema GABA, quanto o sistema glutamato. Dessa forma,
parece ser responsável pela modulação da atividade inibitória e excitatória do cérebro. Assim,
em períodos de maior atividade (trabalho, estudo, jogos que requeiram atenção e
concentração), o sistema canabinóide exerce inibição sobre o sistema GABA. Já em períodos
marcados pela tranqüilidade e pela despreocupação, a ação canabinóide recai sobre o sistema
glutamato.

Mecanismo de ação do sistema canabinóide

Para que o bloqueio exercido sobre GABA e glutamato tenha sucesso, a anandamida parece
agir impedindo a formação de energia (AMPc), necessária para que os neurotransmissores
sejam liberados na sinapse. A maneira precisa pela qual a anandamida e o THC bloqueiam
estes sistemas permanece incerta. Tal fenômeno parece estar relacionado a um sistema de
sinalização retrógrada rápida, que envolve os canais de íon cálcio (Ca+). O modelo proposto foi
denominado supressão do sistema inibitório induzido pela despolarização (DSI). Tal modelo
sugere que a membrana pós-sináptica ao ser ativada pelo neurotransmissor GABA (inibitório)
provoca um aumento do fluxo de íons cálcio (Ca+) para dentro da membrana. Esse influxo
libera anandamida para fora da sinapse. A anandamida se liga aos receptores CB1 na
membrana pré-sináptica. Tal ligação bloqueia o processo energético que possibilitava a
liberação de GABA na sinapse e o processo é interrompido.
FIGURA 5: Supressão do sistema inibitório induzido pela despolarização (DSI)

A DSI pode ser comparada ao modelo da bica, do pêndulo e do recipiente com um ladrão. Ao
ligar a água da bica (liberação GABA na sinapse) o recipiente começa a encher (atividade da
membrana da pós-sináptica). Quando a água alcança o ladrão (atividade máxima desejada),
forma-se o um fluxo (liberação de íons cálcio) que enche o balde fixado à bica (ligação da
anandamida ao receptor CB1, com inibição do processo energético), elevando-a e
interrompendo a entrada de água no recipiente (supressão do sistema inibitório).

Local de ação do sistema canabinóide

O sistema GABA e glutamato estão espalhados por todo o cérebro. Já o sistema canabinóide,
apesar de difuso, está mais concentrado no córtex frontal, núcleos da base, cerebelo e sistema
límbico. Essas estruturas estão intrinsecamente relacionadas às funções psíquicas superiores, à
motricidade e ao comportamento emocional. As funções desempenhadas por estas estruturas
são diretamente influenciadas pelos sistemas GABA e glutamato e moduladas pelo sistema
canabinóide. A ação do sistema canabinóide sobre o cérebro será apresentada no próximo
capítulo.

Parte III: a ação do sistema canabinóide sobre o cérebro


O sistema canabinóide e a função motora

Há uma grande concentração de receptores canabinóides nos núcleos da base e no cerebelo,


regiões do sistema nervoso responsáveis pela coordenação da motricidade e do equilíbrio do
corpo. Em experiências com animais (cachorros e ratos) observou-se um padrão de
comportamento denominado “efeito pipoca”, isto é, diminuição da atividade motora
(sedação) com resposta rápida e intensa aos estímulos externos (tato, sons, ect).
Em seres humanos a maconha interfere na coordenação e no equilíbrio dos movimentos, além
de deixar o usuário mais propenso ao ensimesmamento e à imobilidade. Isso pode ser
explicado pela presença maciça de receptores CB1 nos terminais nervosos inibitórios (GABA) e
excitatórios (glutamato), tanto no cerebelo, quanto nos núcleos da base. A ação combinada de
GABA e glutamato regulam a atividade motora e sua intensidade (tônus muscular). Tal ação
combinada parece ser modulada pelo sistema canabinóide, que passa a ser considerado como
‘o maestro’ da atividade motora basal nos seres humanos. Através da inibição retrógrada, o
sistema canabinóide fortalece um ou outro sistema, dependendo das necessidades
momentâneas do organismo (Figura 1).

FIGURA 6: Cada momento exige da musculatura um trabalho diferente, variando do relaxamento à tensão, com maior
ou menor exigência de coordenação e equilíbrio. Essas funções são realizadas por estruturas do cérebro (núcleos da
base) e pelo cerebelo. Nesses locais há uma abundância de receptores CB1, evidência que aponta o sistema
canabinóide como o principal modulador da atividade muscular.

Há evidências parciais de que a maconha alivia a tensão muscular e a contração exagerada que
dificulta o movimento (espasticidade), como acontece na esclerose múltipla. Estudos com
animais obtiveram melhora destes sintomas quanto medicamentos à base de maconha foram
administrados. Estudos clínicos controlados estão em andamento.

O sistema canabinóide e a memória

A memória para fatos recentes, especialmente quando depende da atenção, fica visivelmente
prejudicada durante o consumo de maconha. O local responsável pela ocorrência deste
fenômeno é provavelmente o hipocampo. O hipocampo é parte integrante do sistema límbico.
A presença do THC torna esta estrutura incapaz de segregar informações provenientes de
diversos locais e situações, devido a déficits no processamento das informações sensoriais.

O hipocampo é rico em terminações nervosas inibitórias (GABA) e excitatórias (glutamato). A


ação conjunta e sincrônica de ambas cria uma situação de extrema plasticidade nas sinapses
do hipocampo para regular a recepção e o processamento das informações advindas do
ambiente externo. Desse modo, situações que requerem da memória grande esforço e
atenção, aumentam a atividade excitatória (potencialização de longa duração – LTP). Quando
não a aquisição de informação não é enfatizada (por exemplo, o olhar despreocupado e
relaxado pela janela de um ônibus durante uma viagem), a ação inibitória (GABA) prevalece
(depressão de longa duração – LTD).

A ação do sistema canabinóide (anandamida) e do THC inibem de forma retrógrada ambos


sistemas, sendo o sistema excitatório bloqueado com mais intensidade. Com isso, há prejuízo
na habilidade dos circuitos nervosos do hipocampo na recepção e no processamento das
informações, dificultando a fixação dos fatos ocorridos durante o consumo de maconha.

O sistema canabinóide e o neocórtex

A palavra córtex deriva do grego e significa casca. O córtex é uma fina camada entre dois e seis
centímetros que reveste e faz parte do cérebro. Ele é formado pelo agrupamento de
neurônios, que recebem e interpretam as informações do meio ambiente e por neurônios que
planejam e executam a melhor resposta para cada situação. Durante a evolução, o córtex
aumentou significativamente, chegando ao seu maior grau de desenvolvimento na espécie
humana. Isso explica o aparecimento das funções psíquicas e intelectuais no homem.

A partir de sua evolução, o córtex foi dividido


em arquicórtex (presente desde os peixes),
paleocórtex (presente desde os anfíbios) e o
neocórtex (presente desde os répteis, mas
predominante nos mamíferos). As duas
estruturas corticais primitivas ocupam apenas
uma pequena parte do córtex humano, ligadas à
olfação e ao comportamento emocional
(sistema límbico).

O neocórtex é responsável pelo controle motor


e das funções cognitivas superiores, tais como
inteligência, abstração, raciocínio, planejamento
e julgamento. Há uma grande concentração de
receptores canabinóides (CB1) no neocórtex. A
ação do sistema canabinóide nesta região causa
sonolência, enquanto a inibição, aumento da
atenção e da vigília. Desse modo, conclui-se que
a atividade canabinóide neocortical está
relacionado ao controle do ciclo sono-vigília.

Quanto à percepção, não se observaram alterações na qualidade da captação de sons e cores,


apesar da maioria dos usuários relatar aumento da percepção visual e auditiva, muitas vezes
em sinergismo (“os sons têm cores e as cores têm sons”). Outro achado é a percepção demora
na passagem do tempo. Outros fenômenos relacionados à ação do sistema canabinóide sobre
o neocórtex são: redução da habilidade em inibir respostas (desinibição), diminuição do estado
de vigília (sonolência, “chapação”), especialmente para atividades longas e entediantes e piora
da habilidade em realizar mentalmente raciocínios aritméticos complexos. Por outro lado,
operações aritméticas e de aprendizagem simples, bem como a memória de longa duração
encontram-se inalterados.
A existência de prejuízos cognitivos permanentes não é consensual. Acredita-se que o uso
crônico e pesado provoque déficits cognitivos discretos, em sua maioria reversíveis com a
abstinência. No entanto, prejuízos pequenos, mas significativos podem permanecer. Tal
quadro seria improvável em usuários eventuais.

O sistema canabinóide e o apetite

A capacidade da maconha em desencadear fome em seus usuários, ainda que recém-


alimentados, é bastante conhecida e chamada popularmente de “larica”. O apetite é
direcionado para alimentos adocicados e às vezes para misturas doces e salgadas pouco usuais
(perversão do apetite).

Estudos vêm demonstrando que o THC é benéfico na indução do apetite e no combate à perda
de peso em pacientes com AIDS. Seu consumo com estes propósitos é permitido na Holanda,
Canadá, Suíça e em alguns locais dos Estados Unidos.

A ação do sistema canabinóide sobre o apetite ocorre provavelmente no hipotálamo. Estudos


em animais notaram que o estímulo do sistema nessa região provoca aumento da ingesta
(especialmente de alimentos doces), enquanto o bloqueio, leva à supressão da mesma. O
hipotálamo sintetiza um hormônio supressor do apetite, denominado leptina. A anandamida é
capaz de bloquear a ação deste hormônio. Desse modo, o sistema canabinóide opera como
modulador da ação da leptina, regulando, assim, a ingestão de alimentos e o ganho de peso do
organismo.

O sistema canabinóide e a inibição do vômito

A habilidade do THC e do canabinóide sintético


nabilone para controlar a náusea e o vômito
associados à quimioterapia é uma das poucas
aplicações terapêuticas da substância bem
documentadas e consensuais. De fato, a ação sobre
os receptores CB1 inibe o vômito, ao passo que o
bloqueio produz efeito contrário. O substrato
neurobiológico e o mecanismo de ação exato
permanecem desconhecidos.

O sistema canabinóide e a dor

No século XIX, a maconha foi largamente utilizada para o alívio da dor. Recentemente, esta
propriedade voltou a ser estudada, apesar dos achados até o momento não indicarem
vantagens iguais ou superiores aos medicamentos já existentes. Anandamidas e receptores
canabinóides existem em grande quantidade ao longo de todo o circuito da dor (da inervação
periférica, passando pela medula espinhal e chegando ao cérebro. Desse modo, estudos vêm
demonstrando que o sistema canabinóide é capaz de diminuir a sensibilidade à dor em
doenças inflamatórias e não-inflamatórias. O bloqueio do sistema não provoca aumento da
sensibilidade à dor, sugerindo que este não está envolvido na modulação da sua intensidade.

Há relação paralela, mas não distinta, entre o sistema canabinóide e o sistema opióide. Apesar
de atuarem em vias distintas, ambos atuam comumente em alguns locais do sistema nervoso e
parecem potencializar um ao outro.

Parte IV: a ação do THC sobre o sistema canabinóides


Nos capítulos anteriores foi possível caracterizar o sistema canabinóide como um importante
modulador da atividade motora e psíquica do organismo humano. O THC, devido a sua
semelhança molecular com a anandamida, também é capaz de atuar nesse sistema.

Os efeitos que provoca, no entanto, são bastante diferentes. Há alguns motivos para isso: [1]
os canabinóides endógenos são secretados localmente, enquanto o THC atinge de uma vez só
todos os receptores CB1 do cérebro; [2] enquanto a ação
dos canabinóides dura alguns segundos, o THC permanece
horas no sistema nervoso central; [3] por fim, a
anandamida é cerca de 4 a 20 vezes menos potente que o
THC.

Efeitos agudos do consumo de maconha

A experiência com a maconha, além de seu substrato


neurobiológico, é altamente influenciada pela dose
utilizada, pelo ambiente do consumo e pelas experiências
anteriores ou expectativas dos usuários. Geralmente, há um estágio intermediário, com
sensação de formigamento pelo corpo e pela cabeça, acompanhada por tonturas. A viagem
produzida é uma experiência complexa, caracterizada por aceleração na associação de idéias e
senso de humor apurado. Há sensação de calma e relaxamento, dentro de um estado onírico,
desconectado da realidade. Com freqüência, há dificuldade em manter a interlocução dentro
de uma tendência lógica, escapando com freqüência para construções marcadas pela fantasia.
Sonolência e sono podem aparecer. Percepções audiovisuais exacerbadas, aumento do apetite
e distorção da orientação temporal já foram descritas anteriormente. Efeitos adversos, tais
como piora da concentração e da memória, sintomas paranóides e inatividade também podem
acontecer.

O córtex pré-frontal e o sistema límbico parecem ser os responsáveis por esses efeitos. No
sistema límbico, há duas regiões especialmente envolvidas: o hipotálamo e a área tegmental
ventral ou sistema de recompensa.
Tolerância e dependência

Estudos com animais e seres humanos demonstram a presença de tolerância após o consumo
repetido de maconha. Sintomas de abstinência da substância também já foram descritos. O
quadro é marcadamente psíquico e inclui fissura pela maconha, diminuição do apetite, insônia
e perda de peso. Alguns indivíduos também apresentam pesadelos, inquietação, ansiedade,
irritabilidade e agressividade. Neurobilogicamente, a síndrome de abstinência pode estar
relacionada à redução de dopamina no sistema de recompensa (como ocorre com outras
drogas) e ao aumento da liberação de corticóides pela ação da amigdala (sistema límbico).

Algumas evidências sugerem pontos em comum entre o desenvolvimento de dependência dos


canabinóides e opiáceos. Desse modo, a administração de bloqueadores opióides (naloxone ou
naltrexone) desencadeiam sintomas de abstinência em
usuários de maconha. Por outro lado, a administração de THC
alivia os sintomas psíquicos de abstinência em usuários de
opiáceos.

Efeitos adversos da maconha no sistema nervoso central

Apesar de alertas acerca da possibilidade de danos permanentes no sistema nervoso em


decorrência do uso crônico de maconha, há pouca evidência científica nesse sentido. Os
estudos de melhor qualidade relevam piora discreta na habilidade para manter o foco de
atenção, bem como para filtrar informações irrelevantes. Há pouca evidência de que o
consumo de maconha prejudique o desempenho no trabalho, evolua para uma síndrome
amotivacional ou mesmo produza alterações neuropatológicas. Estudos em animais são
altamente conflitantes: alguns apontam para danos permanentes, enquanto outros, pelo
contrário, detectaram efeitos benéficos (neuroprotetores) para o sistema nervoso. Isso
demonstra, ao menos momentaneamente, que a ação da maconha sobre o sistema nervoso
não produz danos neurológicos permanentes no cérebro.

Maconha e doença mental

Há uma associação entre o consumo de maconha e o surgimento de doenças mentais,


principalmente a psicose. Sintomas psicóticos agudos, como delírios de perseguição ou
grandiosidade, alucinações auditivas ou transmissão do pensamento muitas vezes levam o
usuário à atenção médica de urgência. O quadro usualmente permanece apenas durante a
intoxicação. Isso levou alguns cientistas a considerarem uma hipótese canabinóide para a
esquizofrenia, sugerindo que os sintomas esquizofrênicos são mediados pelo sistema
canabinóide.
Estudos que acompanharam usuários por muitos anos e os compararam a não-usuários no
mesmo período encontraram resultados contraditórios. Evidências mais consistentes entre
maconha e psicose aparecem em indivíduos com predisposição para a esquizofrenia
(antecedentes familiares, personalidade esquizotípica). Por outro lado, o consumo de
maconha é capaz de exacerbar sintomas psicóticos em indivíduos previamente doentes, sendo
prudente, desse modo, desencorajar o consumo da planta entre os indivíduos portadores
desse tipo de patologia.

O artigo de Leslie Iversen apresenta um panorama da evolução do conhecimento sobre a


neurobiologia da maconha, bem como do funcionamento do sistema canabinóide. Novas
possibilidades terapêuticas à base derivados do THC, isentas dos seus efeitos adversos,
poderão ser desenvolvidas futuramente. Além disso, os estudos sobre a ação do THC no
sistema nervoso nos últimos dez anos e a descoberta do sistema canabinóide tornaram a
maconha uma das substâncias psicoativas mais conhecidas pela ciência, derrubando mitos e
tabus, tanto favoráveis, quanto contrários ao consumo da substância, em favor de uma visão
mais isenta e equilibrada. Um processo que apesar dos avanços, ainda se encontra em pleno
andamento.

Site Álcool e Drogas sem Distorção (www.einstein.br/alcooledrogas)/Programa Álcool e Drogas (PAD) do


Hospital Israelita Albert Einstein

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