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CÂNONE

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CÂNONE
by João Ferreira Duarte | Dez 29, 2009

O termo deriva da palavra grega "kanon" que designava uma espécie de vara com
funções de instrumento de medida; mais tarde o seu significado evoluiu para o de
padrão ou modelo a aplicar como norma.

É no século IV que encontramos a primeira utilização generalizada de cânone,


num sentido reconhecidamente afim ao etimológico: trata-se da lista de Livros
Sagrados que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus,
logo representado a verdade e a lei que deve alicerçar a fé e reger o comportamento da
comunidade de crentes. Após a rejeição de certos livros denominados apócrifos, o
cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se neste aspecto do
outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja
Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos através de um processo chamado
canonização.

Importante para a história posterior do conceito é, pois, a ideia de que canónica é uma
selecção (materializada numa lista) de textos e/ou indivíduos adoptados como lei por
uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente
ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num
movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do
herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula
o discurso normativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro,
e é isso que subjaze a expressões como "o cânone aristotélico", "cânones da
crítica", etc.

Acompanhando o processo de secularização da cultura em marcha desde


o Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados ao
domínio da literatura, muitas vezes sob a forma de expressões como "os clássicos" ou
"as obras-primas". No entanto, pode afirmar-se que o núcleo semântico-ideológico
posto em uso pela Igreja medieval se manteve relativamente intacto, o que
autorizava, por exemplo, Carlyle, no século XIX, a dizer que "Shakespeare e Dante são
Santos da Poesia; e, pensando bem, canonizados, pelo que se torna ímpio intrometer-se
neles".
O cânone literário é, assim, o corpo de obras (e seus autores) social e
institucionalmente consideradas "grandes", "geniais", perenes, comunicando
valores humanos essenciais, por isso dignas de serem estudadas e transmitidas de
geração em geração.
Tal definição é válida, quer se trate de um cânone nacional, onde se presume que o
povo se reconhece nas suas características específicas, quer se trate do cânone
universal (de Homero a…), o que significa de facto, dada a própria origem histórica da
categoria literatura, um cânone eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental.

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